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Rudolf Steiner - Como Atua o Carma
Rudolf Steiner - Como Atua o Carma
Tradução de
Gerda E. Hupfeld
1
O sono foi amiúde designado o irmão mais jovem da morte. Numa
observação superficial, esta comparação simboliza, talvez mais do que se tenda
a aceitar, os caminhos do espírito humano — pois existe uma idéia do sentido
em que estão relacionadas as inúmeras encarnações pelas quais esse espírito
humano passa. No artigo intitulado “Reencarnação e carma do ponto de vista
das concepções necessárias à moderna Ciência Natural”1, expus que a atual
mentalidade científico-natural, desde que realmente compreenda a si própria,
conduz à remota doutrina da evolução do espírito humano eterno através de
muitas vidas. A esse conhecimento se segue necessariamente a seguinte per-
gunta: como essas vidas diversificadas se relacionam entre si? Em que sentido a
vida de um homem é o efeito de suas encarnações anteriores, tornando-se
motivo para outra? Uma imagem da relação entre causa e efeito, neste campo, é
fornecida pela comparação com o sono.
Posso imaginar que existam muitos acreditando estarem no topo do
cientismo, vindo a achar as explicações seguintes “sem qualquer rigor
científico”. Posso entendê-los, por saber que a esta objeção necessariamente é
impelido quem não tem experiências no campo supra-sensível e, ao mesmo
tempo, não possui a necessária reserva e modéstia para admitir que ainda
poderia aprender alguma coisa. Pelo menos uma única coisa essas pessoas não
deveriam dizer: que os acontecimentos aqui apresentados “contrariam a razão”
e que “com a razão não podemos comprová-los”. A razão nada pode fazer além
de combinar e sistematizar fatos. Fatos podem ser vivenciados, mas não
“atestados com a razão”. Com a razão tampouco podemos atestar uma baleia.
Ou esta deve ser vista ou, então, descrita por alguém que a viu. Assim também
ocorre com os fatos transcendentais. Se ainda não estivermos tão avançados
para vê-los por nós mesmos, alguém nos deverá descrevê-los. Eu posso
assegurar a todos que os fatos transcendentais que descreverei a seguir são,
para quem cujo sentido superior está desenvolvido, tão “objetivos” quanto a
baleia.2
Eu me levanto de manhã. Minha atividade cotidiana esteve interrompida
durante a noite. Não posso retomar esta atividade pela manhã de forma
arbitrária, se é que deve existir regra e coerência em minha vida. Com aquilo
que fiz ontem foram criadas as precondições para aquilo que terei de fazer hoje.
Preciso ligar-me ao resultado de minha atividade de ontem. No pleno sentido da
palavra, é válido que minhas ações de ontem sejam meu destino de hoje. Eu
mesmo formei as causas às quais devo anexar os efeitos. E encontro essas
causas após me haver afastado um pouco delas. Elas fazem parte de mim,
mesmo que eu tenha estado separado delas por algum tempo.
Há ainda outro sentido em que os efeitos de minhas vivências de ontem
fazem parte de mim. Certamente eu mesmo fui transformado por eles. Admita-
se que eu me tenha empenhado em algo que só tenha conseguido realizar pela
metade. Fiquei pensando por que esse fracasso parcial me atingiu. Quando eu
tiver de fazer outra coisa similar, evitarei erros conhecidos. Adquiri, portanto,
uma nova habilidade. Com isto minhas vivências de ontem são as causas de
minhas habilidades de hoje. Meu passado permanece ligado a mim; continua
vivendo em meu presente, e continuará a me seguir em meu futuro. Por meu
passado eu criei a situação em que me encontro atualmente. E o sentido da vida
exige que eu fique atado a esta situação. Não faria sentido se, sob condições
normais, eu não habitasse uma casa que eu tivesse mandado construir para
mim.
Eu não deveria acordar hoje, mas ser criado novamente, a partir do nada,
2
se os efeitos de minhas ações de ontem não fossem meu destino de hoje. E
novamente criado a partir do nada deveria ser o espírito humano se os
resultados de suas vidas anteriores não ficassem ligados aos subseqüentes. Sim,
o homem não pode viver em outra situação que não aquela criada por sua vida
anterior. Ele não o pode tal como aqueles animais que, após sua migração para
as cavernas no Kentucky, perderam a visão e não poderão viver mais em outro
lugar senão nessas grutas. Eles provocaram por seu feito, pela migração, as
condições de sua vida posterior. Uma entidade que uma vez foi ativa não está
mais isolada na continuação: colocou-se a si mesma em suas ações. E tudo o
que ela vier a ser estará, a partir daí, ligado ao que surgirá de suas ações. Esta
associação de uma entidade com os resultados de suas ações é a universal lei do
carma. A atividade que se tornou destino é carrna.
É por isso que o sono é uma boa imagem para a morte: durante o sono o
homem está, de fato, subtraído à cena onde o destino o espera. Enquanto
dormimos, os acontecimentos continuam correndo nesse cenário. Por certo
tempo não temos influência nesse curso. Não obstante, reencontramos os
efeitos de nossas ações e precisamos reatar-nos a elas. Nossa personalidade
realmente se encarna de novo a cada dia em nosso universo factual. O que
esteve separado de nós durante a noite está, de certa forma, disposto ao nosso
redor durante o dia.
Assim acontece com os atos de nossas encarnações anteriores. Seus
resultados estão incorporados ao mundo em que estamos encarnados; porém
fazem parte de nós tal como a vida nas cavernas pertence aos animais que, por
esse tipo de vida, perderam a visão. Tal como esses animais só podem viver
quando reencontram as imediações às quais se adaptaram, assim o espírito
humano só pode viver no ambiente que criou por suas ações correspondentes a
ele próprio.
Isto não pode ser diferente — pois o que o pesquisador descreve aqui como
a pessoa adormecida sem sonhar é aquilo que, no homem, está sujeito somente
às leis físicas. Mas a partir do momento em que aparece novamente permeado
de alma, segue as leis da vida anímica. Dormindo, o corpo humano segue
somente as leis físicas: o homem acorda e a luz do agir racional entra como uma
faísca na existência puramente física. Corresponde inteiramente ao sentido do
pesquisador natural Du Bois-Reymond exprimir-se do seguinte modo: não se
pode examinar de todos os lados o corpo adormecido; não se poderá achar nele
o anímico. Contudo este anímico continua a corrente de suas ações conscientes
no ponto onde a interrompeu antes de adormecer.
3 Emil Du Bois-Reymond, Über die Grenzen des Naturerkennens, Leipzig 1872. págs. 26 e ss.
3
Sendo assim, o homem pertence — também no que tange a esta observação
— a dois mundos. Num deles ele vive fisicamente, sendo que essa vida física
pode transcorrer pela linha das leis físicas; no outro ele vive espiritualmente
consciente, e sobre essa vida nada podemos saber por meio de leis físicas. Se
quisermos estudar uma vida, precisaremos ater-nos às leis físicas da Ciência
Natural; mas se quisermos entender a outra vida, precisaremos conhecer as leis
do agir consciente — por exemplo, a Lógica, o Direito, a Economia Politica, a
Estética e assim por diante.
O corpo humano adormecido, sujeito apenas às leis físicas, jamais pode
realizar algo ligado ao sentido das leis da razão. Porém o espírito humano traz
essas leis da razão para dentro do mundo físico. E à medida que as houver
trazido, ele as reencontrará quando, após uma interrupção, retomar o fio de sua
atividade.
Permaneçamos ainda, por um instante, na imagem do sono. A
personalidade deve religar-se hoje aos seus atos de ontem, para que a vida não
careça de sentido. Ela não poderia fazê-lo caso não se sentisse ligada a esses
atos. Eu não poderia receber o resultado de minha atuação de ontem se em mim
mesmo não houvesse ficado algo dessa atuação. Se hoje eu tivesse esquecido
tudo o que vivenciei ontem, seria um novo homem e não poderia ligar-me a
coisa alguma. É a minha memória que me possibilita o reatamento com minhas
ações de ontem. Esta memória me prende às conseqüências de meu agir. Aquilo
que, no verdadeiro sentido, faz parte de minha vida racional — por exemplo, a
lógica — é hoje o mesmo de ontem. Isto se aplica também ao que ontem de
maneira alguma e, acima de tudo, jamais entrou em meu círculo de visão.
Minha memória une meu agir lógico de hoje ao meu agir lógico de ontem. Caso
só dependesse da lógica, poderíamos de fato iniciar uma nova vida a cada
manhã; mas a memória fica guardando o que nos prende ao nosso destino.
Desse modo eu me encontro realmente, de manhã, como uma entidade
tríplice: reencontro meu corpo, que durante meu sono obedeceu somente a leis
físicas; reencontro a mim próprio, meu espírito humano, que hoje é o mesmo de
ontem e possui o mesmo dom da ação racional de ontem; e encontro, guardado
na memória, tudo o que o dia de ontem e todo o meu passado fez de mim.
E com isto temos ao mesmo tempo um quadro da entidade tríplice do
homem. Em cada nova reencarnação o homem se encontra num organismo
físico sujeito às leis da natureza exterior; e em cada encarnação ele é o mesmo
espírito humano, constituindo, como tal, o elemento eterno nas várias
encarnações. Corpo e espírito situam-se frente a frente; entre ambos deve haver
algo como a memória entre minhas ações de ontem e de hoje — e isso é a alma.4
A alma guarda os efeitos de minhas ações das vidas passadas; faz com que o
espírito apareça, na nova encarnação, como aquilo que a vida anterior fez dele.
Assim se ligam o corpo, a alma e o espírito. Eterno é o espírito; nascimentos e
morte vigoram na corporalidade segundo as leis do mundo físico; a alma os une
sempre de novo, tecendo o destino a partir das ações.
De fato, todo meditar mais profundo nos convence de que sem a admissão de
uma memória inconsciente da matéria viva as funções mais importantes são de
todo inexplicáveis. A capacidade da imaginação e da continuação, do pensar e
da consciência, do exercício e do hábito, da alimentação e da procriação baseia-
se na função da memória inconsciente, cuja atividade é infinitamente mais
4 V. pág. 12.
4
significativa que a da memória consciente. Hering diz, com razão, “que à
memória devemos quase tudo que somos e temos” .5
5 Ernst Haeckel, Über die Wellenzeugung der Lebensteilchen oder die Perigenesis der
Plastidule (1875).
5
tenho pelo fato de as ações de minhas vidas anteriores as terem impregnado na
alma espiritual. Tais ações são, portanto, a causa real de eu haver renascido em
certas circunstâncias; e o que eu faço hoje será igualmente motivo para que,
numa vida posterior, eu encontre estas ou aquelas condições.
Assim sendo, o homem cria, de fato, seu destino. Isto só parece ininteligível
quando se observa a vida isoladamente, não a considerando um elo das vidas
consecutivas.
Desse modo se pode dizer que nada poderá atingir o homem, na vida, se
para tal ele próprio não houver criado condições. Pela compreensão da lei do
destino — do carma — somente se tornará compreensível por que “o bom
precisa freqüentemente sofrer e o mau pode ser feliz”. Esta aparente
desarmonia de unia vida desaparece quando se amplia a visão às muitas vidas.
Aliás, não se deve imaginar ser a lei do carma tão simples quanto um juiz
comum ou como a curadoria pública. Isto se assemelharia a imaginar Deus
como um velho de barbas brancas. Muitos incorrem neste erro; são
particularmente os opositores da idéia do carma que partem de tais premissas
errôneas. Eles lutam contra a idéia que eles endossam a respeito de quem
confessa o carma, e não contra a dos verdadeiros confessores.
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desejo” (Kama loka). Reconhece-se facilmente que esta condição deve demorar
tanto quanto o ser humano se sentiu ligado à vida dos sentidos.
A segunda parte do “resíduo de memória” é formado de outra maneira. Tal
como o desejo atrai o espírito para a vida passada, a outra parte lhe indica o
futuro. Por seu trabalho no corpo o espírito travou conhecimento com o mundo
ao qual esse corpo pertence. Cada novo esforço, cada nova vivência aumenta
este conhecimento. Via de regra, o homem executa melhor cada coisa na
segunda tentativa. A experiência, a vivência se estampa no espírito como uma
elevação de suas habilidades. É assim que nossa experiência age sobre o nosso
futuro, e quando não mais temos oportunidade de fazer experiências o
resultado das mesmas fica como “resíduo de memória”.
Contudo, nenhuma experiência poderia agir em nós se não tivéssemos as
habilidades para tirar proveito dela. O modo como podemos assimilar a
experiência, o que somos capazes de fazer a partir daí — disto depende o que
ela significa para o nosso futuro. Para Göethe, uma vivência era algo diferente
do que para seu camareiro; e através do primeiro ela tinha conseqüências
totalmente diferentes do que através do último. As habilidades que adquirimos
por meio de uma vivência dependem, assim, do trabalho espiritual que
executamos em relação à vivência.
Em certos momentos de minha vida eu sempre possuo em mim uma soma
dos resultados de minhas experiências. Esta soma constitui a predisposição
para habilidades que possam manifestar-se a seguir.
Essa soma é o que o espírito humano possui por ocasião de sua
desencarnação, levando-a para a vida supra-sensível. Se nenhum laço corpóreo
o liga mais à existência física, e tendo-se ele despojado dos desejos que o
acorrentam a ela, resta-lhe o fruto de suas experiências, o qual está totalmente
liberto da imediata influência da vida passada. Agora o espírito só se pode
preocupar com o que dá para formar o futuro. Sendo assim, após ter deixado o
“local do desejo”o espírito encontra-se num estado em que suas vivências de
vidas anteriores se transformam em germes — predisposições, habilidades, etc.
— para o futuro. Designa-se a vida do espírito nesse estado como sendo a
permanência no “local de enlevo” (Devachan). (“Enlevo” pode designar um
estado que faz esquecer toda preocupação pelo que passou, deixando o coração
bater meramente pelo futuro.) Fica óbvio que este estado perdura, em geral,
tanto mais quanto maior pretensão, maior aspiração exista, na morte, a adquirir
novas habilidades.
Naturalmente não se pode tratar, aqui, de desenvolver todos os
conhecimentos relacionados com o espírito humano. Só se deve mostrar como a
lei do carma age na vida física. Para tal basta saber, de início, o que o espírito
leva dessa vida física aos estados supra-sensoriais e o que disto ele traz de volta
para uma nova encarnação. Ele traz de volta experiências de vidas passadas
que se tornaram propriedades de seu ser.
Para avaliar o alcance disto, deve-se esclarecer o processo somente num
único exemplo. Kant diz: “Duas coisas preenchem a mente com admiração
sempre crescente: o céu estrelado sobre mim e a lei moral dentro de mim.”
Cada ser pensante concorda que o céu estrelado não surgiu do nada, e sim
formou-se aos poucos. E foi o próprio Kant que em 1755 procurou explicar, num
escrito fundamental, a formação gradual de um cosmo. Mas tampouco se deve
aceitar o fato da lei moral sem uma explicação. Tampouco essa lei moral surgiu
do nada. Nas encarnações iniciais pelas quais o homem passou, a lei moral não
falava tanto, nele, quanto falou em Kant. O homem primitivo age inteiramente
de acordo com seus instintos, levando para as situações supra-sensíveis as
vivências havidas com tal comportamento. Aqui elas se tornam aptidão superior.
Já numa encarnação posterior, não atua mais nele o mero instinto: este já é
guiado pelos efeitos das experiências feitas anteriormente. E muitas
encarnações são necessárias até que o homem, originalmente entregue por
inteiro aos instintos, acareie com seu meio ambiente a lei moral purificada,
designada por Kant como algo que se pode admirar com tanto deslumbramento
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quanto o céu estrelado.
O ambiente dentro do qual o homem nasce mediante nova encarnação
apresenta-lhe os resultados de suas ações sob forma de seu destino. Ele próprio
entra nesse ambiente com as habilidades que formou a partir de suas antigas
vivências nos estados supra-sensíveis. Também por isto suas vivências no
mundo físico estarão, em geral, em grau tão superior quanto mais amiúde ele se
houver encarnado, ou quanto maiores houverem sido seus esforços em suas
encarnações anteriores. Por isto a peregrinação pelas encarnações será urna
evolução ascendente. Cada vez mais rico se torna o tesouro que. suas
experiências acumulam em seu espírito. E com isto ele enfrenta seu meio
ambiente, seu destino com crescente maturidade. Isto o torna cada vez mais
senhor do destino, pois trata-se justamente do que ele obtém de suas vivências:
ele aprende a interpretar as leis do mundo em que decorrem essas vivências.
Primeiro o espírito não se norteia no meio ambiente: ele tateía no escuro; mas
com cada nova encarnação mais claridade existe à sua volta. Ele adquire o
saber, o conhecimento das leis de seu mundo ambiente — ou, com outras
palavras, realiza com cada vez mais consciência o que antes realizava com
apatia. Cada vez menor se torna a pressão do meio ambiente; cada vez mais o
espírito consegue se autodeterminar. O espírito que se autodetermina a partir
de si próprio é o espírito livre. Um agir à luz totalmente clara da consciência é
um agir livre. (Eu tentei apresentar a essência do espírito humano livre em
minha Philosophie der Freiheít, editada em Berlim em 1893.6) A total liberdade
do espírito humano é o ideal de sua evolução. Não se pode perguntar se o
homem é livre ou não. Os filósofos que indagam desta forma a respeito da li-
berdade jamais poderão chegar a uma clara concepção acerca disto — pois no
presente estado o homem não é nem deixa de ser livre, mas encontra-se no
caminho para a liberdade. Ele é parcialmente livre, parcialmente não-livre. É
livre à medida que adquiriu o conhecimento, a consciência da conexão do
mundo. O fato de nosso destino, nosso carma se nos aproximar sob forma de
uma necessidade absoluta não é impedimento para a nossa liberdade. É que
agindo nós nos aproximamos, isto sim, desse destino que age: somos nós que
agimos de acordo com as leis desse destino.
Se acendo um fósforo, surge o fogo segundo as leis necessárias; mas
primeiro eu coloquei em atividade essas leis necessárias. Da mesma forma, só
posso executar uma ação no sentido das leis necessárias de meu carma; mas
sou eu quem coloca essas leis necessárias em atividade. E a ação que parte de
mim criará novo carma, tal como o fogo continua agindo conforme leis
necessárias após eu o haver acendido.
Com isto se lançou ao mesmo tempo uma outra dúvida, que em relação à
eficiência da lei do carma poderá apoderar-se de alguém. Talvez se pudesse di-
zer: se o carma é uma lei inalterável, então é um absurdo ajudar alguém. Pois o
que o atinge é o resultado de seu carma, e será simplesmente necessário que
isto ou aquilo o atinja. Certamente eu não posso anular os efeitos do destino
que um espírito humano criou em vidas passadas; mas trata-se de como ele se
ajeita com esse destino, e qual destino novo ele cria sob influência do velho. Se
eu o ajudo, posso conseguir que, por suas ações, ele dê ao seu destino um rumo
favorável; se omito a ajuda, então talvez suceda o contrário. Contudo, isto
dependerá de minha ajuda ser sábia ou não.
Uma evolução superior do espírito humano significa um contínuo caminhar
através de novas encarnações. Essa evolução superior se efetua pelo fato de o
mundo em que se realizam as encarnações do espírito ser cada vez mais
percebido por ele. Mas a este mundo pertencem as próprias encarnações.
Também com relação a ele, o espírito sai do estado de inconsciência para o da
consciência. No caminho da evolução está o ponto em que o homem, em total
6 A filosofja da liberdade, ed. brasileira em tradução de Alcides Grandisoli. 2ª ed. São Paulo,
Ed. Antroposófica, 1987. (N.E.)
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consciência, consegue rever suas encarnações.
Esta é uma colocação da qual se pode facilmente zombar; e naturalmente é
muito fácil criticá-las com desdém. Mas quem o faz não tem noção da natureza
de tais verdades. E tanto o escárnio quanto a crítica estarão postadas como um
dragão diante do portal do santuário dentro do qual é possível conhecê-las. Pois
verdades cuja realização, para os homens, está somente no futuro, é óbvio que
ele não poderá encontrar como fato no presente. Só existe um caminho para
alguém se convencer de sua realidade; e este consiste em esforçar-se para ai-
cançar essa realidade.
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Respostas a algumas perguntas sobre carma
De acordo com a lei da reencarnação, deve-se imaginar que a
individualidade humana possui suas predisposições, habilidades, etc. como
efeito de suas vidas anteriores. Ora, será que a isto não contradiz o fato de tais
predisposições e habilidades — por exemplo, coragem moral, talento musical,
etc. — serem transmitidas diretamente de pais para filhos?
Interpretando-se corretamente as leis de reencarnação e carma, não se
acha contradição no acima expresso. Aliás, só se podem transmitir
hereditanamente aquelas propriedades do ser humano pertencentes ao seu
corpo físico e ao seu corpo etérico. Com o último se subentende o portador de
todos os fenômenos vitais (as forças de crescimento e de procriação). Tudo o
que está relacionado com isto pode ser transmitido diretamente. Já em menor
proporção se transmite hereditanamente o que está ligado ao assim chamado
corpo anímico. Aí se deve subentender uma certa disposição nas sensações. O
fato de se possuir um vivo sentido visual, uma audição bem desenvolvida, etc.
pode depender de os antepassados terem adquirido tais propriedades, tendo-as
transmitido por herança. Em contrapartida, ninguém pode transmitir a seus
descendentes aquilo que está relacionado com o ser espiritual propriamente
dito do homem, como por exemplo o rigor e a precisão de sua vida imaginativa,
a autenticidade de sua memória, o senso moral, as habilidades cognitivas e
artísticas adquiridas, etc. Estas são propriedades que permanecem encerradas
em sua individualidade, surgindo em sua próxima reencarnação como
habilidades, disposições, caráter, etc.
Porém agora o ambiente em que o ser humano reencarnado entra não é
casual, mas está em relação necessária com seu carma. Suponha-se, por
exemplo, que um ser humano tenha adquirido, em sua vida anterior, a
propensão para um caráter moral forte. Consta de seu carma o fato de essa
propensão aparecer numa reencarnação. Isso não poderia ocorrer se ele não se
encarnasse num corpo de natureza bem específica. Contudo essa condição
corpórea deve ter sido herdada de seus antepassados. A individualidade que se
reencarna tende, por sua inerente força de atração, àqueles pais que lhe podem
dar corpo adequado. Isto se deve ao fato de essa individualidade já se unir,
antes da reencarnação, às forças do mundo astral tendentes a certas
circunstâncias físicas. Desta forma o ser humano nasce naquela família que lhe
poderá transmitir as condições cármicas. Parece então, no exemplo da coragem
moral, que esta foi herdada dos pais. Na verdade o ser humano, por sua
natureza individual, escolheu a família que lhe possibilita o desabrochar da
coragem moral. Aí ainda pode entrar em consideração que as individualidades
dos filhos e dos pais em vidas anteriores já estiveram ligadas e, por isso mesmo,
encontraram-se novamente. As leis cármicas são tão complicadas que jamais se
pode formar um juízo das aparências externas. Só o pode, de certa forma,
aquele diante de cujos órgãos sensitivos os mundos espirituais estão
7 Publicadas no periódico Lucifer-Gnosis, editado pelo Autor de 1903 a 1908. As duas primeiras
perguntas constam no nº 17 e as três últimas no nº 19, respectivamente de outubro e dezembro
de 1904. (N.E.)
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parcialmente descobertos. Quem, além do corpo físico, também consegue
observar o organismo anímico (corpo astral) e o espírito (corpo mental) vê bem
claro o que foi transmitido ao homem de seus antepassados e o que é sua pro-
priedade, adquirida em vidas pregressas. Para a visão cotidiana estas coisas se
misturam, podendo facilmente parecer que só seria herdado o que é
condicionado carmicamente.
É inteiramente sábia a afirmação de que as crianças são “presenteadas”
aos pais. Elas o são totalmente, no que respeita ao espiritual. Mas aos pais são
presenteadas crianças com certas propriedades espirituais justamente por eles
possuírem a possibilidade de fazer desabrochar essas propriedades espirituais
das crianças.
2. É possível que a vivência das quinhentas pessoas nada tenha a ver com
seu passado cármico, e justamente por causa dessa vivência se prepare algo
que no futuro as unirá carmicamente. Talvez essas quinhentas pessoas
ponham em funcionamento, numa época longínqua, um empreendimento
comum, e o desastre as tenha reunido para os mundos superiores. Ao místico
experiente é bastante conhecido, por exemplo, que agremiações formadas na
atualidade devem sua origem ao fato de as pessoas que se unem terem viven-
ciado, num passado longínquo, um desastre em conjunto.
3. Pode, realmente, um tal caso ser o efeito de uma culpa conjunta de tais
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pessoas. Nisto ainda existem inúmeras outras possibilidades. Todas as três
possibilidades indicadas podem, por exemplo, estar combinadas entre si, e
assim por diante.
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manas) e o corpo de sentimentos e sensações (corpo astral) são, no entanto,
adaptáveis, indeterminados em certo grau. Essas duas partes da entidade
humana são então aperfeiçoadas. Nesse processo atuam o corpo causal, a partir
do intimo, e o ambiente, a partir do exterior. Quando este trabalho é realizado,
as duas partes podem ser instrumentos das forças adquiridas.
Não é, portanto, nada ilógico nem insuportável para o pensamento o fato de
se nascer como criança. Seria muito mais insuportável nascer como homem
pronto num mundo em que se fosse estranho.
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efeito absolutamente de acordo com as leis. Trata-se de uma livre ação do
comerciante quando ele realiza um negócio; o resultado disto se encaixa,
porém, regularmente em seu balanço.
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