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A questão do sentido da existência

Se a vida não tem «sentido» (…) deveremos concluir desoladamente que a vida é absurda? Nem pouco
mais ou menos. Chamamos «absurdo» ao que deveria ter sentido mas não tem, não ao que – por cair
fora do âmbito do intencional – não «tem de» ter um sentido. Do mesmo modo, dizemos que um
homem ou um animal é «cego» quando não vê, mas não podemos dizer, a não ser metaforicamente,
que uma pedra seja «cega»: porque o homem ou o animal «deveriam» ver segundo a sua condição
natural, enquanto que a vista não faz parte do que podemos pedir a uma pedra. Não é absurdo que a
vida no seu conjunto não tenha sentido, porque não conhecemos intenções fora das vitais, e para lá do
campo do intencional a pergunta pelo sentido… não tem sentido! (…)
Na verdade, a procura de um «sentido» para a vida não se preocupa pela vida em geral nem pelo
«mundo» em abstrato, mas pela vida humana e pelo mundo em que nós habitamos e sofremos. Ao
perguntar se a vida tem sentido, o que queremos saber é se os nossos esforços morais serão
recompensados, se vale a pena trabalhar honradamente e respeitar o próximo ou se seria o mesmo
entregar-se a vícios criminosos, em suma, se nos espera algo para lá e fora da vida ou apenas o túmulo,
como parece evidente. (…)
Digamo-lo de outra forma. O homem sabe-se mortal e é esse destino que o desperta para a tarefa de
pensar. A sua primeira reação diante da certeza da morte (…) é de desespero angustiado (…). Que
comportamento lhe ditará o desespero? Sem dúvida medo perante tudo o que o ameaça de acelerar o
seu fim (privações, hostilidade, doença, etc.), acompanhado por avidez de acumular tudo o que lhe
parece dar resguardo diante da morte (riqueza, segurança, proeminência social, nome, etc.) e ódio
relativamente àqueles que lhe disputam esses bens e parecem obrigá-lo a partilhá-los: quem tem medo
do nada, precisa de tudo. O medo, a avidez e o ódio são as características de viver desesperadamente:
naturalmente também não conseguem salvar ninguém do seu destino fatal, mas, em contrapartida,
introduzem o mal-estar da morte em cada momento da vida, mesmo nos seus maiores gozos.
F. Savater, As Perguntas da Vida, Dom Quixote, 1999, pp. 270-273.

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