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“Tiradentes esquartejado”, de
Pedro Américo: uma leitura
crítica
21 de abril de 2015
O pintor Pedro Américo (1843-1905) já era um artista renomado quando pintou “Tiradentes esquartejado”, em 1893. A
tela foi feita por iniciativa do próprio pintor que pretendia criar um conjunto de obras sobre a Conjuração Mineira. O
conjunto nunca foi feito, mas “Tiradentes esquartejado” reforçou a imagem do herói-mártir dos republicanos.
Os ventos políticos, contudo, eram outros. A República fora proclamada, em 1889, e o novo governo ainda não se
consolidara. A renúncia de Deodoro em 1891, revoluções na capital e no sul (Revolta da Armada e Revolução
Federalista) e a crise econômica e nanceira do Encilhamento fragilizavam o novo regime que sequer apoio popular
possuía. O desa o de substituir um governo e construir uma nação exigia uma população unida em torno do novo
projeto político. Uma das estratégias para tal, era eleger um herói “integrador e portador da imagem do povo inteiro”.
Heróis são símbolos poderosos, encarnações de ideias e aspirações, pontos de referência, fulcros de identi cação
coletiva. São, por isso, instrumentos e cazes para atingir a cabeça e o coração dos cidadãos a serviço da legitimação
de regimes políticos. Não há regime que não promova o culto de seus heróis e não possua seu panteão cívico. (…) A
falta de envolvimento real do povo na implantação do regime leva à tentativa de compensação, por meio da
mobilização simbólica. (José Murilo de Carvalho)
Inicialmente, tentou-se alçar à posição de herói republicano os principais participantes do 15 de novembro, entre eles,
marechal Deodoro, Benjamin Constant e Joaquim Floriano. Não deu certo.
Tiradentes, o único executado na Conjuração Mineira, atendia às exigências da miti cação. O sonho de implantar uma
Republica o contrapunha aos monarquistas. Seu nome estava nos clubes republicanos e ele era o herói exaltado pelos
setores republicanos mais radicais por sua origem humilde e popular em contraste com a elite econômica e política.
Em um contexto de tensões políticas e crise econômico- nanceira, Tiradentes inaugura o panteão republicano como
elemento integrador, o mártir que deu sua vida à causa republicana e, portanto, o herói cívico, por excelência.
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07/12/2020 "Tiradentes esquartejado", de Pedro Américo: uma leitura crítica
Na gura de Tiradentes todos podiam identi car-se, ele operava a unidade mística dos cidadãos, o sentimento de
participação, de união em torno de um ideal, fosse ele a liberdade, a independência ou a república. Era o totem cívico.
Não antagonizava ninguém, não dividia as pessoas e as classes sociais, não dividia o país, não separava o presente do
passado nem do futuro. Pelo contrário, ligava a república à independência e a projetava para o ideal de crescente
liberdade futura. A liberdade ainda que tardia. (José Murilo de Carvalho)
Tiradentes tornou-se assim símbolo da República e, em 1890, a data de sua morte, 21 de abril foi declarada feriado
nacional.
Por essa época, Pedro Américo perdera sua posição de pintor o cial e, pouco depois, fora aposentado do cargo de
professor da Academia de Belas Artes (1890). Suas ligações com o regime deposto di cultavam as encomendas de
trabalhos. Motivado pelo centenário da morte de Tiradentes (1892), Pedro Américo, por iniciativa própria, produz a tela
procurando recuperar o apoio do governo, em especial do Estado de Minas Gerais para o qual ela é oferecida. A pintura
faria parte de um conjunto de cinco telas que retratariam a tragédia da conjuração.
Como lembra Murilo de Carvalho, a construção do mito transcende ao debate historiográ co:
O domínio do mito é o imaginário que se manifesta na tradição escrita e oral, na produção artística, nos rituais. A
formação do mito pode dar-se contra a evidência documental; o imaginário pode interpretar evidências segundo
mecanismos simbólicos que lhe são próprios e que não se enquadram necessariamente na retórica da narrativa
histórica.
Mesmo de aparência física desconhecida, sabe-se que Tiradentes, sendo militar, usava barba raspada e bigodes fartos
como todos os militares da época. Quando foi enforcado, vestia um camisolão branco e estava com o cabelo e a barba
totalmente raspados, como era costume para os condenados. Contudo, essa não foi a imagem dada ao herói.
A representação de Tiradentes ganhou contornos religiosos: o mártir foi associado a Cristo e recebeu a aparência
consagrada pela iconogra a cristã. A barba crescida, o rosto sereno e o olhar elevado aos céus reforçavam a
associação de Tiradentes com a imagem de Cristo.
Mas é bom lembrar que a representação de Tiradentes como Cristo não foi invenção dos republicanos e nem de Pedro
Américo. Poetas e escritores já tinham feito essa associação ainda na época do Império. Há, inclusive, registros de
festas comemorativas da Conjuração Mineira e da morte de Tiradentes nas últimas décadas do século XIX.
Na década de 1890 e, sobretudo, no tempo dos presidentes Campos Sales (1898/1902) e Rodrigues Alves (1902/1906),
a imagem de Tiradentes como herói cívico-religioso xou-se. Nesses anos, houve, em todo país, uma febre de
construção e reformas de prédios para abrigar as novas funções políticas e administrativas trazidas pela República. É
dessa época, por exemplo, a reforma do Palácio do Catete, antiga residência aristocrática, para adaptar-se ao novo uso
administrativo e de residência o cial do presidente da República.
Para decorar os novos salões, foram encomendadas pinturas que exaltavam a nação e o culto patriótico. Entre os
temas encomendados aos pintores estavam aqueles referentes a Tiradentes, o herói republicano. Nessa pintura de
exaltação da República, destacaram-se: Décio Villares (1851-1931), Eduardo Sá (1866-1940) e Aurélio de Figueiredo
(1856-1916) cujas telas sobre Tiradentes foram reproduzidas incansavelmente em jornais, revistas e livros escolares
consagrando, no imaginário popular, a imagem do herói cívico como Cristo.
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07/12/2020 "Tiradentes esquartejado", de Pedro Américo: uma leitura crítica
“Tiradentes”, Décio Villares, 60,5 x 49,7cm, 1880, Igreja Positivista do Brasil, RJ.
A imagem assustadora de Tiradentes esquartejado foi adquirida pela prefeitura de Juiz de Fora por intermédio de um
vereador que coordenava o Museu Mariano Procópio. Lá permaneceu esquecida por cinquenta anos quando, em 1943,
foi reproduzida no livro biográ co de Pedro Américo, escrito por Cardoso de Oliveira.
A tela de Pedro Américo traz, contudo, alguns símbolos que reforçam a representação mítica de Tiradentes. Além da
aparência de Cristo, o cruci xo ao lado da cabeça reforça a semelhança do herói martirizado com Jesus supliciado.
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07/12/2020 "Tiradentes esquartejado", de Pedro Américo: uma leitura crítica
Painel Tiradentes, detalhe, Cândido Portinari, 1949, Salão do Memorial da América Latina, SP.
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Fonte
CARVALHO, José Murilo de. A formação das almas: o imaginário da República no Brasil. São Paulo: Companhia
das Letras, 1990.
CHRISTO, Maraliz de Castro Vieira. Herói em pedaços. Revista da Biblioteca Nacional, no. 9. Abril de 2007.
SIMAN, Lana Mara de Castro & FONSECA, Thaís Nívia de Lima (orgs.). Inaugurando a História e construindo a
nação: discursos e imagens no ensino de História. Belo Horizonte: Autêntica, 2001.
SALGUEIRO, Valéria. A arte de construir a nação: pintura de história e a Primeira República. Disponível aqui.
PALHA, Cássia R. Louro. Televisão e política: o mito Tancredo Neves entre a morte, o legado e a redenção.
Disponível aqui.
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