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A Arte Da Prece - Compilado Pelo Hegúmeno Chariton de Valam
A Arte Da Prece - Compilado Pelo Hegúmeno Chariton de Valam
A ARTE DA PRECE
Uma Antologia Ortodoxa
compilado por
HEGÚMENO CHARITON DE VALAMO
editado com uma introdução de
TIMOTHY WAREa introdução de
Timothy Ware
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
PREFÁCIO
II - O QUE É ORAÇÃO?
(i) O Teste de Todas as Coisas
(ii) Graus de Oração
IV – OS FRUTOS DA ORAÇÃO
(i) Atenção e Temor a Deus
(ii) Graça Divina e Esforço Humano
(iii) A Combustão do Espírito
V - O REINO DO CORAÇÃO
(i) O Reino Dentro de Nós
(ii) A União da Mente e do Coração
OUTRAS LEITURAS
INTRODUÇÃO
As fontes da antologia
26 A oração é uma realidade viva, um encontro pessoal com o Deus vivo, e como tal
não pode estar confinada dentro dos limites de quaisquer análises rígidas. O esquema
de classificação dado aqui, como todos tais esquemas, pretende ser apenas um guia
geral. Leitores cuidadosos desta antologia observarão que os Padres não são
absolutamente consistentes no uso da própria terminologia.
e o coração tem o sentimento daquilo que a mente está
pensando. Todos eles juntos e combinados constituem a
prece real, e se algum deles está ausente a sua prece ou não
é perfeita ou não é, de fato, uma prece.’27
A primeira espécie de prece – oral ou corporal – é oração
dos lábios e da língua, oração que consiste na leitura ou
recitação de certas palavras, de joelhos, de pé ou fazendo
prostrações. Claramente, tal prece, se é meramente oral ou
corporal, não é realmente de fato uma oração: além de recitar
as sentenças é também essencial para nós concentrar-nos
interiormente no significado daquilo que dizemos, ‘confinar
nossas mentes dentro das palavras da prece’. 28 Assim, o
primeiro grau da prece se desenvolve naturalmente no
segundo: toda prece oral, se é digna de ser chamada de
‘prece’, deve ser em alguma medida uma prece interna ou
uma prece da mente.
Na medida em que a prece torna-se mais interna, a
recitação oral externa torna-se menos importante. É
suficiente para a mente rezar as palavras internamente sem
qualquer movimento dos lábios; algumas vezes, na verdade, a
mente ora sem formar quaisquer palavras. No entanto,
mesmo aqueles que são avançados nos caminhos da oração
normalmente ainda desejarão uma ocasião para usar a prece
oral comum; mas a prece oral deles é, ao mesmo tempo, uma
prece interna da mente.
Não é suficiente, entretanto, meramente alcançar o
segundo grau da prece. Tanto quanto a oração permanece na
cabeça, no intelecto ou cérebro, ela fica incompleta e
imperfeita. É necessário descer da cabeça ao coração –
‘encontrar o lugar do coração’, ‘baixar a mente no coração’,
‘unir a mente com o coração’. Então, a prece se tornará
verdadeiramente ‘prece do coração’ – a oração não de uma
faculdade apenas, mas do inteiro homem, alma, espírito e
corpo: uma oração que não é só de nossa inteligência, de
nossa razão natural, mas do espírito com seu especial poder
de direto contato com Deus.
Observe que a prece do coração não é apenas a oração
da alma e do espírito, mas também do corpo. Não deve ser
esquecido que o coração significa, entre outras coisas, um
29 Veja p. 66 Cap II(ii, 7); e compare com p. 156 Cap. IV(iii, 15), onde Teófano fala da
‘espiritualização da alma e do corpo’.
30 p.71. Cap. II (ii, 14)
31 p. 65 Cap. II (ii, 4) (Teófano).
32 Mystic Treatises, ed. A. J. Wensinck, Amsterdam, 1913, p. 174. [Veja Pequena
Filocalia, Paulus, São Paulo, 1985, p.61.]
‘que vai além dos limites da consciência’.33 ‘O estado de
contemplação’, diz ele, ‘é o aprisionamento da mente e da
inteira visão por um objeto espiritual tão poderoso que todas
as coisas externas são esquecidas, e ficam inteiramente
ausentes da consciência. A mente e a consciência tornam-se
tão completamente imersas no objeto contemplado que é
como se nós não mais as possuíssemos.’34 Teófano também
denomina este estado de contemplação de ‘oração de êxtase’
ou ‘arrebatamento’. Não muito, entretanto, é dito na antologia
de Chariton a respeito destes níveis superiores de oração.
Aqueles sem experiência pessoal de tal oração não
entenderiam o que é dito, enquanto que aqueles que a
experimentassem iriam ter pouca necessidade de livros.
As paixões e a imaginação
A Oração de Jesus
67 O padre Chariton cita a passagem decisiva (pp. 76-77, Cap III(i, 4-5)). Outras
antigas autoridades, importantes para a história da Oração de Jesus, são a Vida de
Santo Dositéos (Palestina, início do séc. VI), as cartas espirituais de S. Barsanúfio e
João (Palestina, início do séc. VI), e os trabalhos de S. João Clímaco e Hesíquio (Sinai,
sécs. VI e VII): nenhum destes, entretanto, dá a Oração exatamente em sua forma
desenvolvida. Também de importância são as vidas Coptas de S.Macário (ver E.
Amelineau Histoire des monastères de la Basse-Ègjpte, Annales du Musée Guimet,
vol. xxv, Paris, 1894, pp. 142, 152-3, 160, 161, 163).
Sobre a história antiga da Oração de Jesus, veja B. Krivocheine, ‘Date du texte
traditionnel de la ‘Priere de Jesus’’, Messager de l'Exarchat du Patriarche russe en
Europe occidental, 7-8 (1951), pp. 55-59.
68 Do grego ήσυχία, significando ‘quietude’, ‘repouso’. Hesicasmo, a rigor, abarca todas
as formas de oração interna, e não apenas a Oração de Jesus; mas na prática muito
do ensinamento Hesicasta ocupa-se com a Oração de Jesus.
amar a Oração de Jesus.69
Três coisas na Oração de Jesus evocam um comentário
especial e ajudam a explicar o seu apelo extraordinariamente
amplo. Primeiro, a Oração de Jesus traz juntos, em uma
curta sentença, dois ‘momentos’ essenciais da devoção
Cristã: adoração e compunção. A adoração é expressa na
sentença inicial: ‘Senhor Jesus Cristo, Filho de Deus’;
compunção, na oração por misericórdia que se segue. A glória
de Deus e o pecado do homem – ambos estão vividamente
presentes na Oração; é um ato de agradecimento pela
salvação que Jesus traz, e uma expressão de pesar pela
fraqueza de nossa resposta. A Oração é tanto penitencial
como plena de alegria e de confiança amorosa.
Em segundo lugar, é uma prece intensamente
Cristológica – uma oração endereçada a Jesus, concentrada
sobre a Pessoa do Senhor Encarnado, enfatizando de uma só
vez tanto a Sua vida na terra – ‘Jesus Cristo’- e Sua
Divindade – ‘Filho de Deus’. Aqueles que usam esta prece são
constantemente lembrados da Pessoa histórica que
permanece no coração da revelação Cristã, e assim são salvos
do falso misticismo que não dá um lugar apropriado ao fato
da Encarnação. Mas embora Cristológica, a Oração de Jesus
não é uma forma de meditação sobre particulares episódios
na vida de Cristo: aqui também, como em outras formas de
oração, o uso de imagens mentais e conceitos intelectuais são
fortemente desencorajados. ‘Permanecendo com consciência e
atenção no coração’, ensina Teófano ‘invoque
incessantemente: ‘Senhor Jesus Cristo, Filho de Deus, tem
piedade de mim’, sem ter na sua mente qualquer conceito ou
imagem visual, acreditando que o Senhor o vê e o ouve.70
Em terceiro lugar, a Invocação do Nome é uma oração
da maior simplicidade. É um caminho de oração que
qualquer um pode adotar, nenhum conhecimento especial é
requerido e nenhuma elaborada preparação. Como um
recente escritor coloca, tudo que devemos fazer é
‘simplesmente começar’: ‘Antes de começar a pronunciar o
Nome de Jesus, estabeleça paz e recordação dentro de si
mesmo e peça por inspiração e orientação do Espírito
A Presente Edição
HIEROMONGE KALLISTOS
(Timothy Ware)
Outubro 1965 - Maio 1966
OUTRAS LEITURAS
S. Teófano, o Recluso e S. Inácio Brianchaninov não viam a
si mesmos como inovadores, mas buscaram
fundamentar seus ensinamentos nos Padres Gregos. Alguém
que se interesse por explorar o plano de fundo Patrístico da
teologia ascética deles, deveria consultar diretamente a
grande coleção de textos espirituais conhecida como The
Philokalia, editada por S. Nicodemos da Sagrada Montanha e
S. Macário de Corinto. Uma completa tradução desta coleção,
feita do original grego, está em processo de publicação: The
Philokalia: The Complete Text, traduzido por G. E. H. Palmer,
Philip Sherrard e Kallistos Ware. Os volumes 1-4 já
apareceram (Faber, London/Boston, 1979-95); um quinto e
último volume está sendo preparado. Há uma antiga
tradução em dois volumes de trechos selecionados, baseada na
versão russa de A Filocalia feita por S. Teófano: Writings from
the Philokalia on Prayer of the Heart (Faber, London, 1951), e
Early Fathers from the Philokalia (Faber, London, 1954),
ambos traduzidos por E. Kadloubovsky e G. E. H. Palmer.
[1] Nota do editor: Em 2017 foi publicado em português pela Ed. Paulinas
(Portugal) uma versão ainda mais completa (800 páginas) da Filocalia (no
entanto, ainda é uma versão reduzida comparada a original grega) com o
título de Pequena Filocalia.
A Arte da Prece - Uma Antologia
Ortodoxa - (Prefácio e Capítulo I) – O
Quarto Interno do Coração
PREFÁCIO
Se este livro contém muitas repetições dos mesmos temas, isto é por causa do
meu sincero desejo de imprensá-los profundamente na mente do leitor. Afinal,
tudo o que está nele, uma vez que representa as profundas convicções de
homens espirituais, deveriam ser do maior interesse vital. Seus ensinamentos
são particularmente necessários em nossos tempos quando se observa em
toda parte uma severa escassez de esforço no domínio da vida spiritual.
Por esta razão o compilador sentiu uma necessidade premente de coletar todo o
material necessário para jogar uma ulterior luz sobre as perplexidades desta
meta espiritual. O compilador, não ousando a presunção de que ele tenha
alcançado a Oração Interior, não se aventurou a contribuir com nada de si
próprio, mas simplesmente extraiu do tesouro das obras dos Santos Padres seus
sábios conselhos no que diz respeito a oração incessante. Estes são tão
necessários para todos aqueles que são zelosos pela própria salvação como o ar é
necessário para a respiração.
A presente antologia que diz respeito à meta da Oração Interior contém umas
400 passagens dos Santos Padres e de ascéticos dos dias atuais, que
detalharam instruções de sábios homens experimentados no trabalho da prece.
Notas
[1] 'Ilusão': O Bispo Inácio usa aqui um termo técnico na teologia ascética. Prelest
(прелесть), uma tradução do grego πλάνη. Significa literalmente 'perder-se' ou
'desviar-se'. Em outro lugar em seus escritos, o Bispo Inácio define prelest como a
corrupção da natureza humana através da aceitação pelo homem de miragens
confundidas com a verdade. Estar em prelest é estar em um estado de engano e
ilusão, aceitando uma ilusão como realidade.
CAPÍTULO I
O QUARTO INTERNO DO CORAÇÃO
por São Dimitri de Rostov [1]
Existem muitos entre vocês que não têm conhecimento do trabalho interior
requerido do homem que sustentaria Deus na lembrança. Tais pessoas nem
mesmo entendem o que a lembrança de Deus significa, ou nem mesmo sabem
qualquer coisa sobre a oração espiritual, pois elas imaginam que a única
maneira correta de orar é utilizando as orações que são encontradas nos livros
da Igreja. Quanto à secreta comunhão com Deus no coração, elas nada sabem a
respeito, nem do benefício que vem desta, nem mesmo saborearam sua doçura
espiritual. Aqueles que apenas ouvem sobre a meditação e a oração espiritual e
não têm direto conhecimento dela são como homens cegos de nascimento, que
ouvem sobre o nascer do sol sem nunca saber o que ele realmente é. Através
desta ignorância eles perdem muitas bênçãos espirituais, e são vagarosos em
chegar às virtudes que se dirigem ao cumprimento da boa vontade de Deus.
Deste modo é dada aqui alguma noção do treinamento interior e da oração
espiritual para a instrução de iniciantes, de modo que aqueles que desejem,
com a ajuda de Deus, possam iniciar a aprender os rudimentos.
Para acender em seu coração tal amor divino, para unir-se a Deus em uma
inseparável união de amor, é necessário para um homem orar freqüentemente,
elevando a mente até Ele. Pois assim como uma chama aumenta quando é
constantemente alimentada, assim a oração, feita freqüentemente, com a mente
habitando cada vez mais profundamente em Deus, desperta o amor divino no
coração. E o coração, em chamas, aquecerá o homem interno, irá iluminá-lo e
ensiná-lo, revelando a ele toda sua desconhecida e oculta sabedoria, e
tornando-o como um serafim em chamas, sempre de pé diante de Deus dentro
de seu espírito, sempre olhando para Ele dentro de sua mente, e extraindo desta
visão a doçura da felicidade espiritual.
Daqueles que têm experiência em elevar suas mentes a Deus, eu aprendi que, no
caso da oração feita pela mente vinda do coração, uma prece curta,
freqüentemente repetida, é mais calorosa e mais útil do que uma longa. A
oração longa também é muito útil, mas somente para aqueles que estão
atingindo a perfeição, não para os iniciantes. Durante a oração longa, a mente
do inexperiente não pode ficar muito tempo diante de Deus, mas é geralmente
dominada pela sua própria fraqueza e mutabilidade, e impelida à deriva por
coisas externas, de modo que aquele calor do espírito rapidamente se esfria. Tal
oração não é mais uma oração, mas somente distúrbio mental, por causa dos
pensamentos que vagam de lá para cá: isto acontece tanto durante os salmos
recitados na igreja, como também durante a regra das orações para a cela [6], o
que toma um longo tempo. A prece curta, mas freqüente, por outro lado, tem
mais estabilidade, porque a mente, imersa por um curto tempo em Deus, pode
executá-la com maior calor. Por isso o Senhor também diz: “Nas vossas orações
não useis de vãs repetições” (Mat. vi. 7), pois não é pela sua prolixidade que
você será ouvido. E S. João da Escada [7] também ensina: “Não tente usar
muitas palavras para que sua mente não se torne distraída pela busca delas. Pois
de uma curta sentença, o Publicano recebeu a misericórdia de Deus, e uma
breve afirmação de crença salvou o Ladrão. Uma excessiva multidão de palavras
na oração dispersa a mente em sonhos, enquanto uma única ou curta sentença
ajuda a recolher a mente”.
Mas alguém pode perguntar: “Por que o apóstolo diz na Epístola aos
Tessalonicences: ‘Orai sem cessar’? (I Tess. V. 17). Usualmente nas Sagradas
Escrituras, a palavra ‘sempre’ é usada no sentido de ‘freqüente’, por exemplo:
“Os sacerdotes sempre iam à primeira tenda, para realizar o serviço a Deus”
(Hb. ix. 6): isto significa que os sacerdotes iam à primeira tenda em certas horas
fixadas, não que eles iam lá incessantemente de dia e de noite; eles iam
freqüentemente, mas não ininterruptamente. Mesmo se os sacerdotes fossem
todo o tempo na igreja, manter aceso o fogo que vem do céu, e adicionando óleo
a ele de modo que ele não apagasse, eles não estariam fazendo isto todos no
mesmo momento, mas por turnos, como vemos de S. Zacarias: “Ele
desempenhou as funções sacerdotais diante de Deus, no turno de sua classe.”
(Lucas i. 8). Dever-se-ia pensar na mesma maneira em relação à oração, a qual
o Apóstolo ordena ser feita incessantemente, pois é impossível para o homem
permanecer na oração dia e noite sem interrupção. Afinal, o tempo é também
necessário para as outras coisas, para os necessários cuidados na administração
da própria casa; nós precisamos de tempo para trabalhar, tempo para
conversar, tempo para comer e beber; tempo para descansar e dormir. Como é
possível orar incessantemente exceto através da oração freqüente? Mas a oração
freqüentemente-repetida pode ser considerada oração incessante.
Mas antes que você inicie, explique brevemente a si mesmo o que é a oração.
Orar é dirigir a mente e os pensamentos em direção a Deus. Orar significa
permanecer diante de Deus com a mente, olhar mentalmente para Ele de
modo inabalável, e conversar com Ele com reverente medo e esperança.
E assim recolhendo todos os seus pensamentos: pondo de lado todos os
externos e mundanos cuidados, dirija sua mente em direção a Deus
concentrando-a inteiramente sobre ele.
Notas
[1] São Dimitri, Metropolita de Rostov (1651 - 1709): um dos pregadores mais
celebrados da história da Igreja russa. Sua principal obra literária foi uma
grande coleção das Vidas dos Santos.
[5] São Cipriano, bispo de Cartago no Norte de África, morreu como mártir em
258.
[7] São João da Escada, também conhecido como João Clímaco (?579- 764-9),
do Monte Sinai, autor de A Escada da Ascensão Divina, uma obra clássica
sobre a vida ascética e espiritual que é normalmente lida cada Quaresma nos
mosteiros Ortodoxos.
CAPÍTULO II
O QUE É A ORAÇÃO?
O que é a oração? Qual é sua essência? Como nós podemos aprender a orar?
O que o espírito do Cristão experimenta quando ele ora com humildade de
coração?
Graus da oração.
Mas há, eles dizem, ainda uma outra espécie de oração que não pode ser
compreendida pela nossa mente, e que vai além dos limites da consciência: sobre
isto leia S. Isaac, o Sírio [2].
A essência da oração.
Sem a oração espiritual interior não há oração de fato, pois, sozinha, esta é a
oração real, agradável a Deus. É a alma dentro das palavras o que importa,
mesmo se a oração é feita em casa ou na igreja, e se a oração interior está
ausente, então as palavras têm somente a aparência e não a realidade da oração.
Sozinha, a oração exterior não é suficiente. Deus presta atenção à mente, e não
são verdadeiros monges aqueles que fracassam em unir a oração exterior com a
oração interior. Estritamente definido, a palavra ‘monge’ significa um recluso,
um solitário. Quem quer que não tenha se retirado para dentro de si mesmo
ainda não é um recluso, ele ainda não é um monge muito embora possa morar
no mais isolado dos monastérios. A mente do ascético que não está retirada e
circunscrita dentro de si mesma habita necessariamente entre o tumulto e a
inquietação. Inumeráveis pensamentos, sendo livremente admitidos em sua
mente, fazem com que isto aconteça; sem propósito ou necessidade sua mente
vagueia dolorosamente através do mundo, trazendo dano sobre si. A retirada
de um homem para dentro de si mesmo não pode ser conseguida sem ajuda de
uma concentrada oração, especialmente a atenta prática da Oração de Jesus.
Prece oral
Salmos, cânticos, hinos, odes, e assim por diante são nomes diferentes para
cantos religiosos. É difícil indicar a diferença entre eles, porque sues conteúdos
e formas são muito similares. Todos são expressões do espírito da oração.
Quando movido a orar, o espírito glorifica a Deus, agradece a Ele e eleva a Ele
suas petições. Todas estas manifestações do espírito da oração são
essencialmente indivisíveis, não possuindo existência separada. Quando a
oração começa a funcionar, ela passa de uma destas manifestações a outra,
freqüentemente mais de uma vez. Expresso em palavras, é prece oral, mesmo se
chamado de salmo, hino, ou ode. Portanto, não faremos nenhuma tentativa
para definir a diferença entre seus nomes. O Apóstolo pretendeu, por esta frase,
abranger todos os tipos de oração expressa em palavras. Todas as orações que
estão em uso agora estão sob este título. Ao lado do Saltério, nós usamos cantos
de Igreja, ‘stichera’, cânones, ‘akathists’ [3], e as diversas orações que estão
contidas nos nossos livros de orações.
Você não estará errado se, quando ler as palavras do Apóstolo sobre a prece
oral, você entendê-las como se referindo à prece oral que utilizamos hoje. O
poder da oração não reside nesta ou naquela oração, mas na maneira pela
qual oramos.
No uso que faz da palavra ‘espiritual’ o Apóstolo nos mostra como deveríamos
rezar oralmente. As orações são espirituais porque elas originalmente
nasceram no espírito e amadureceram pela graça do Espírito Santo. Salmos e
outras preces orais não eram orais no início. Em suas origens elas eram
puramente espirituais, e somente depois vieram a ser vestidas com palavras e
assim assumiram uma forma oral. Mas o tornar-se oral não as privou da
espiritualidade delas: mesmo agora, elas são orais apenas na aparência externa,
mas em seus poderes elas são espirituais.
Segue-se disto que se você quiser aprender das palavras do Apóstolo sobre a
prece oral, deve agir assim: entre no espírito das orações que você ouve e lê,
reproduzindo-as em seu coração; e deste modo ofereça -as a Deus, como se elas
tivessem nascido em seu próprio coração sob a ação da graça do Espírito Santo.
Então, e só então, a oração é agradável a Deus. Como podemos obter uma
oração assim? Pondere cuidadosamente sobre as orações que você irá ler em
seu livro de orações; sinta-as profundamente, até mesmo aprenda-as de cor. E
assim quando você orar expressará aquilo que já é profundamente sentido em
seu coração.
“Falai uns aos outros com salmos, hinos e cânticos espirituais, cantando e
louvando ao Senhor em vosso coração.” (Ef. v. 19).
Como deveríamos interpretar estas palavras? Elas significam que quando você
está preenchido com o Espírito, você deveria cantar com sua boca e coração? Ou
que se você deseja ser preenchido com o Espírito Sagrado, você deveria primeiro
cantar? Este canto com a boca e o coração, mencionado pelo Apóstolo, significa
a conseqüência de ser preenchido pelo Espírito, ou o meio em direção a ele?
A infusão do Espírito Santo não está dentro do nosso poder. Ela vem quando o
Espírito Ele Mesmo deseja. E quando esta infusão vier, ela tão imensamente
animará as forças do nosso espírito que a canção a Deus irromperá de si mesma.
A liberdade de escolha está somente entre permitr que esta canção seja cantada
apenas no coração, ou expressá-la em voz alta para todos ouvirem.
Não é difícil entender que a parte mais importante disto não é a boa harmonia
do canto, mas o conteúdo do que é cantado. Tem o mesmo efeito de um discurso
escrito com sentimento caloroso, que anima quem quer que o leia. O
sentimento, expresso em palavras, é carregado pelas palavras até a alma
daqueles que as ouvem ou as lêem. O mesmo pode ser dito das canções da
Igreja. Salmos, hinos e cantos da Igreja são explosões, espiritualmente
inspiradas, de sentimento em direção a Deus. O Espírito de Deus preenche Seu
eleito, e eles expressam a plenitude dos seus sentimentos em canções. Aquele
que as canta como elas deveriam ser cantadas entra novamente nos sentimentos
que o autor experimentou quando ele originalmente as escreveu. Estando
preenchido por estes sentimentos, ele se aproxima do estado onde é capaz de
receber a graça do espírito, e adaptar-se a ela. O propósito das canções de Igreja
é, precisamente, fazer com que a centelha da graça que está escondida dentro de
nós arda com mais brilho e com maior calor. Esta centelha é dada pelos
sacramentos. Salmos, hinos e odes espirituais são introduzidos, para soprar a
centelha e transformá-la em fogo. Elas agem na centelha da graça como o vento
age na centelha escondida na lenha.
Mas permita-nos lembrar que este efeito depende da sua utilização ser
acompanhada pela purificação do coração. S, João Crisóstomo ordena isto,
guiado pelo próprio ensinamento de S. Paulo, e também diz que as canções
devem ser primeiramente espirituais, e não somente cantadas pela língua, mas
também pelo coração.
Portanto, para que as canções na Igreja possam nos levar a ser preenchidos pelo
Espírito, o Apóstolo é insistente de que as elas devem ser espirituais. Isto
deveria ser entendido de modo que elas não sejam somente espirituais no
conteúdo, mas movidas pelo Espírito: elas devem ser elas próprias o fruto do
Espírito Santo, e serem derramadas por corações que estejam preenchidos com
Ele. Sem isto elas não nos levarão à nossa possessão pelo Espírito. Isto está de
acordo com a lei segundo a qual ao cantor é dado aquilo que foi posto na
canção.
A segunda condição do apóstolo é que as canções devam ser cantadas não pela
língua somente, mas pelo coração. É necessário não somente entender a canção,
mas estar em simpatia com ela, aceitar os conteúdos da canção no coração, e
cantá-la como se viesse do nosso próprio coração. Uma comparação deste texto
com outros torna evidente que no tempo do Apóstolo somente aqueles que
estavam em tal estado costumavam cantar; os outros entravam em um estado
de espírito semelhante e toda a congregação cantava e glorificava a Deus
somente a partir do coração. Nenhuma surpresa se, em conseqüência disto, toda
a congregação era preenchida com o Espírito! Que tesouro está oculto nas
canções da Igreja se elas são executadas corretamente!
S. João Crisóstomo diz: “O que quer dizer: ‘aqueles que cantam em seus
corações para o Senhor’? Significa: Realize este trabalho com atenção, pois
aqueles que são desatentos cantam em vão, pronunciando só palavras,
enquanto que seus corações vagueiam por aí.” O Abençoado Teodoreto
acrescenta isto: “Aquele que canta no coração, que não só move sua língua, mas
estimula sua mente a compreender o que é dito.” Outros Santos Padres,
escrevendo sobre a oração a Deus, acreditam que a oração é melhor atingida
quando oferecida pela mente estabelecida no coração.
Aquilo que o Apóstolo diz aqui sobre encontros na Igreja pode também ser
aplicado a uma salmodia particular. Isto qualquer um pode executar sozinho em
casa. E o fruto disto será o mesmo, quando feito como deveria; isto é: com
atenção, compreensão e sentimento, e vindo do coração.
Esta oração é formada no coração pela graça do Espírito Santo. Aquele que se
dirige a Deus e é santificado pelos sacramentos, imediatamente recebe um
sentimento para com Deus de dentro de si mesmo, o qual, deste momento em
diante, começa a estabelecer as bases em seu coração para a ascensão ao alto.
Desde que não sufocado por algo indigno, este sentimento arderá em chamas,
na medida do tempo, da perseverança, e do trabalho. Mas se é sufocado por algo
indigno, embora o caminho de aproximação e reconciliação com Deus não tenha
assim se fechado, este sentimento não mais será dado de uma só vez e
gratuitamente. Diante de si estará o suor e o trabalho de busca e de obtenção
dele através da oração. Mas ninguém é recusado. Porque todos têm graça, só
uma coisa é necessária: dar a esta graça espaço livre para agir. Graça recebe
espaço livre na medida em que o ego é esmagado e as paixões desenraizadas.
Quanto mais o nosso coração é purificado mais vivo se torna o nosso sentimento
em relação a Deus. E quando o coração é totalmente purificado, então esta
sensação de calor em direção a Deus pega fogo. Mesmo para aqueles que
deixaram por um tempo de experimentar o trabalho da graça, esse calor em
direção a Deus reaviva muito antes de se completar uma total purificação das
paixões. Ainda é só uma semente ou uma centelha, mas quando é bem cuidada,
ela brilha e começa a chama. Ainda não é permanente, pois resplandece e depois
se extingue, e sua combustão ainda não é forte. Mas não importa o quão fraca
ou brilhantemente queime, essa chama do amor sempre sobe ao Senhor e canta
uma canção para ele. A Graça fortalece todas as coisas, porque a graça está
sempre presente nos crentes. Aqueles que se comprometem irrevogavelmente
com a graça ficarão sob a sua orientação. Ela os molda e os forma de uma
maneira conhecida apenas por ela mesma.
Sentimento e palavras
O dom do sentimento
Proteja este dom do sentimento, dado a você pela misericórdia de Deus. Como?
Primeiro e antes de tudo pela humildade, atribuindo tudo à graça e nada a si
mesmo. Tão logo você dê crédito a si mesmo, a graça diminuirá em você; e se
você não cair em si, ela cessará de trabalhar completamente. Então haverá
muito choro e lamentação. Em segundo lugar, considerando a si mesmo como
pó e cinzas habite na graça e não dirija seu coração ou pensamento a nada mais
exceto por necessidade. Esteja todo o tempo com o Senhor. Se a chama interna
começar a extinguir-se um pouco, imediatamente apresse-se em restaurar sua
força. O Senhor está perto. Dirigindo-se a Ele com contrição e temor, você
imediatamente receberá Seus dons.
O corpo é feito de terra; embora não seja algo morto, mas vivo, e dotado com
uma alma viva. Dentro desta alma soprou-se um espírito – o espírito de Deus
- destinado a conhecer Deus, a reverenciá-Lo, a buscar e prová-lo, e a obter a
felicidade Nele e em nada mais.
Atraia a mente para o coração
A oração é o trabalho primário da vida moral e religiosa. A raiz desta vida é uma
livre e consciente relação com Deus, que então dirige todas as coisas. A prática
da oração expressa esta livre e consciente atitude em relação a Deus, assim
como os contatos sociais da vida cotidiana expressam nossa atitude moral em
relação aos nossos vizinhos, e nossas lutas ascéticas e esforços espirituais
expressam nossa atitude moral em relação a nós mesmos. Nossa oração reflete
nossa atitude a Deus, e nossa atitude a Deus é refletida na oração. E desde que
esta atitude é diferente em pessoas diferentes, assim também os tipos de oração
também não são idênticos. Aquele que é descuidado da salvação tem uma
diferente atitude em relação a Deus daquele que abandonou o pecado e é zeloso
pela virtude, ainda que não tenha entrado dentro de si mesmo, e trabalha para
o Senhor apenas externamente. Finalmente, aquele que entrou dentro e carrega
o Senhor em si mesmo, permanecendo diante Dele, possui ainda outra atitude.
O primeiro homem é negligente na oração assim como ele é negligente em sua
vida; e ele ora na igreja e em casa meramente de acordo com o costume
estabelecido, sem atenção ou sentimento. O segundo homem lê muitas preces e
vai freqüentemente à igreja, tentando, ao mesmo tempo, evitar que sua atenção
se disperse e experimentar sentimentos de acordo com as preces que são lidas,
embora ele raramente seja bem sucedido. O terceiro homem, plena e
internamente concentrado, permanece diante de Deus, e ora a Ele em seu
coração sem distração, sem longas orações verbais, mesmo quando permanece
por um longo tempo orando em sua casa ou na igreja. Retire a prece oral do
segundo e você levará toda a sua oração; imponha a prece oral ao terceiro e você
extinguirá a sua oração pelo vento das muitas palavras. Pois cada categoria de
pessoa, e cada grau de aproximação a Deus têm sua própria oração e suas
próprias regras. Quão importante é ter instrução experimentada aqui, e quão
prejudicial pode ser guiar e conduzir-se por si mesmo!
“O que é melhor: orar com os lábios ou com a mente?” A resposta é que devemos
usar ambas as formas: orar algumas vezes com palavras, algumas vezes com a
mente. Mas é necessário explicar aqui que a oração mental também envolve o uso
de palavras que neste caso não são ouvidas, mas são somente pronunciadas dentro
do coração. É melhor colocar deste modo: Ore algumas vezes com palavras
pronunciadas, e algumas vezes com palavras inaudíveis, que são silenciosas. Mas é
necessário estar atento de que tanto as orações vocais quanto as silenciosas devem
vir do coração.
Toda oração deve vir do coração, e qualquer outra oração não é, de fato, oração.
As orações do livro de preces, suas próprias orações, e orações muito curtas,
todas devem ser emitidas a partir do coração até Deus, visto diante de você. E
isto deve ser ainda mais assim com a Oração de Jesus.
A coisa principal
Notas
[1] O primeiro trecho não é de Teófano, mas do Bispo Nikon de Volodsk. Escritor
espiritual russo no final do século XIX e início do século XX.
[2] Santo Isaac o Sírio (falecido c. 700), Bispo nestoriano de Nínive e autor místico.
Suas obras, traduzidas do sírio para o grego durante o século IX, têm sido
amplamente lidas e honradas na Igreja Ortodoxa.
[3] Sobre troparia e cânones, ver acima, p. 45, n. I. Um sticheron é uma estância de
poesia religiosa, semelhante a um troparion. Um acatiste é uma composição em 24
estâncias, dirigida ao Salvador, à Mãe de Deus, ao nosso Anjo da Guarda ou a um
dos Santos. O título significa "não sentado": um acatiste deve ser sempre recitado
em pé.
[4] Teodoreto, Bispo de Kyrrhos (co 393- c. 4-5'8). Alguns dos seus escritos foram
condenados no quinto Concílio Ecumênico (Constantinopla, 553), mas os seus
comentários sobre a Sagrada Escritura são, na sua maioria, excelentes e continuam
a ser lidos e respeitados na Igreja Ortodoxa.
A Arte da Prece - Uma Antologia Ortodoxa
- (Capítulo II - ii) Graus da Oração
3. A oração incessante.
A Oração de Jesus pode ir tanto com o primeiro como com o segundo estágio,
mas seu lugar real é com a oração incessante. A principal condição para o
sucesso na oração é a purificação do coração das suas paixões, e de todo apego às
coisas sensuais. Sem isto, a oração permanecerá todo o tempo no primeiro grau,
ou, aquele oral. Quanto mais o coração for purificado mais a prece oral se
tornará a oração da mente no coração. E quando o coração tornar-se muito puro,
então a oração incessante será estabelecida. Como isto pode ser feito? Na igreja,
siga o serviço e retenha os pensamentos e sentimentos que você experimentar lá.
Em casa, desperte em si mesmo o pensamento e o sentimento da oração e os
mantenha em sua alma com a ajuda da Oração de Jesus.
Distinções ulteriores
A oração tem vários graus. De início, ela é somente a oração da palavra falada,
mas a partir daí deve tornar-se oração da mente e do coração, o que a aquece e a
mantém. Mais tarde, a oração da mente-no-coração ganha sua independência:
tornando-se algumas vezes ativa, estimulada por seu próprio esforço, e algumas
vezes auto-motivada, concedida como uma dádiva. A oração como uma dádiva é
o mesmo que uma atração interna em direção a Deus, que se desenvolve a
partir desta. Mais tarde, quando o estado da alma sob a influência desta atração
se torna constante, a oração da mente no coração se tornará incessantemente
ativa. Todas as atrações temporárias iniciais são, agora, transformadas em
estados de contemplação; e é neste ponto que a oração contemplativa começa.
O estado de contemplação é a prisão da mente e da completa visão por um
objeto espiritual tão poderoso que todas as coisas externas são esquecidas, e
ficam inteiramente ausentes da consciência. A mente e a consciência tornam-se
tão completamente imersas no objeto contemplado que é como se nós não mais
as possuíssemos. [1]
Há a oração que o homem, ele mesmo, faz; e há a oração que Deus, Ele mesmo,
dá àquele que ora (I Reis ii. 9: Sept.). Quem não conhece a primeira? E você
deve conhecer a segunda, ao menos em seu princípio. Qualquer um que deseje
aproximar-se do Senhor irá inicialmente aproximar-se Dele pela oração. Ele
começa a ir à igreja e a orar em casa, com ou sem a ajuda de um livro de preces.
Mas os pensamentos continuam fugindo. Ele não pode tratar de controlá-los.
Contudo, mais ele empenha-se em orar, mais os pensamentos irão se acalmar e
se iniciará uma oração mais pura. Mas a atmosfera da alma não fica purificada
até que uma pequena chama espiritual seja acesa na alma. Esta chama é o
trabalho da graça de Deus; não uma graça especial, mas uma comum a todos.
Esta chama aparece quando um homem obteve certa medida de limpidez na
ordem moral geral de sua vida. Quando esta pequena chama é acesa, ou um
calor permanente se forma no coração, o fermento dos pensamentos é
silenciado. Essa mesma coisa que acontece na alma aconteceu à mulher com
hemorragia: “E logo se lhe estancou a hemorragia” (Lucas viii. 44). Neste
estado, a oração mais ou menos se aproxima da permanência; e para isto a
Oração de Jesus serve como um intermediário. Este é o limite no qual a oração
executada pelo homem pode erguer-se. Eu acho que isto está bastante claro
para você.
Mais adiante, neste estado, outra espécie de oração pode ser dada, uma que
chega ao homem ao invés de ser executada por ele. O espírito da oração vem
sobre o homem e o conduz nas profundezas do coração, como se ele fosse
tomado pelas mãos e fosse, forçosamente, levado de um quarto para outro. A
alma é aqui aprisionada por uma força invasora, e é mantida voluntariamente
dentro, tanto quanto este irresistível poder da oração ainda exerça grande
influência sobre ele. Eu conheço dois graus de tal invasão. No primeiro, a alma
vê tudo e é consciente de si mesma e do seu ambiente exterior; ela pode
raciocinar e governar a si própria, ela pode até mesmo destruir este estado se
ela assim desejar. Isto também deveria estar claro para você.
Olhe com espanto para a grande misericórdia de Deus verso a nós pecadores:
um pequeno esforço e quão grande é o resultado. Com justeza podemos dizer
para aqueles que labutam: trabalhe nisto, pois aquilo que busca é de real valor.
Você provavelmente ouviu estas palavras: prece oral, prece mental, prece do
coração; você pode também ter ouvido discussões sobre cada uma delas
separadamente. Qual é a causa desta divisão da prece em partes? Acontece que
algumas vezes através da nossa negligência a língua recita as sagradas palavras
da oração, mas a mente vagueia em algum outro lugar: ou a mente entende as
palavras da oração, mas o coração não responde a elas com o sentimento. No
primeiro caso a prece é somente oral, e não é de fato prece, no segundo, a prece
mental se junta à oral, mas esta oração é ainda imperfeita e incompleta. A
oração completa e real ocorre somente quando a prece da palavra e do
pensamento é acompanhada pela prece do sentimento. A oração interna ou
espiritual ocorre quando aquele que ora, depois de juntar sua mente dentro do
coração, de lá dirige sua prece a Deus em palavras não mais orais mas
silenciosas: glorificando-O e dando graças, confessando seus pecados com
contrição diante de Deus, e pedindo a Ele as bênçãos espirituais e físicas que se
necessita. Você deve orar não somente com palavras, mas com a mente; e não só
com a mente mas com o coração, de modo que a mente compreende e vê
claramente o que é dito em palavras, e o coração tem o sentimento daquilo que a
mente está pensando. Todos eles juntos e combinados constituem a prece real, e
se algum deles está ausente a sua prece ou não é perfeita ou não é, de fato, uma
prece.
Quando a oração interior ganha força, então ela controlará a prece oral,
adquirindo controle sobre a prece externa e até a absorvendo. Como resultado, o
zelo da oração pegará fogo, pois então o Paraíso estará na alma. Se você
contenta-se só com a prece exterior, você pode esfriar-se no trabalho da oração,
mesmo se a pratique com atenção e entendimento. A principal coisa na prece é
um coração com sentimento.
Eu já lhe falei mais de uma vez sobre como este trabalho é para ser feito. Você
não deve permitir que seus pensamentos vagueiem aleatoriamente, mas tão logo
eles fujam, você deve imediatamente trazê-los de volta, censurando a si mesmo,
lamentando e deplorando este vaguear da mente. S. João da Escada diz isto:
“Você deve fazer um grande esforço para confinar sua mente dentro das
palavras da prece”.
Tendo citado Simeão o Novo Teólogo, stárets Basil complementa: “Como você
pode querer manter a mente intacta meramente protegendo as suas sensações
externas, quando seus pensamentos, por eles mesmos, fluem em diferentes
direções e rodopiam em torno de coisas materiais? É essencial para a mente, na
hora da oração, retirar-se o mais rapidamente possível para o coração e
permanecer lá, surda e muda para todos os pensamentos. Quem quer que se
afaste somente externamente do ver, ouvir e falar; obtém pouco resultado.
Encerre sua mente na cela interior do coração, e então você gozará o repouso
dos maus pensamentos; e experimentará a felicidade espiritual que é provocada
pela oração interior e a atenção do coração.
S. Hesíquio diz [9]: “Nossa mente não pode derrotar os sonhos maus por ela
mesma; e nunca permita que ela espere ser capaz de assim fazer. Acautele-se,
portanto, não pense desmesuradamente de si mesmo como a velha nação de
Israel, para que você também não seja entregue nas mãos dos inimigos
invisíveis. Quando o Deus de toda a criação libertou Israel dos egípcios, os
Israelitas fundiram uma imagem para ser o protetor deles. Você deve entender
essa imagem fundida como sendo nossa fraqueza mental: quando ela evoca
Jesus Cristo contra os espíritos do mal, facilmente os expulsa; mas quando em
sua insensatez confia plenamente em si mesma, ela experimenta uma
repentina e dolorosa queda.”
O que acontece à alma quando nós desejamos orar muito, ou quando somos
atraídos à oração, e como deveríamos nos comportar?
Somente uma coisa depende do nosso livre arbítrio – quando este estado
ocorrer, não se permita destruí-lo, mas tome o máximo cuidado, de modo a dar
a ele a plena oportunidade de permanecer dentro de você tanto quanto
possível.
Orações ‘auto-motivadas’
Oração do Espírito
A ação da prece no coração pode ser duplicada. Algumas vezes a mente reage
primeiro, abrindo caminho ao Senhor numa incessante lembrança Dele no
coração; algumas vezes é a prece, ela mesma, que age, quando é movida pelo
fogo da felicidade e atrai a mente ao coração, mantendo-a lá em invocação ao
Senhor Jesus numa reverente permanência diante Dele. O primeiro tipo de prece
requer esforço, o segundo trabalha por si mesmo. No primeiro caso, quando o
cabresto das paixões é afrouxado, a ação da prece começa a desobstruir-se
através do cumprimento dos mandamentos e do calor do coração, como
conseqüência de uma vigorosa invocação do Senhor Jesus. No segundo caso, o
Espírito atrai a mente em direção ao coração e a estabelece ali, nas profundezas,
impedindo-a de realizar suas habituais divagações. Neste caso não é mais como o
prisioneiro que é sequestrado de Jerusalém para Assíria, mas, ao contrário, é um
recém-chegado que vem da Babilônia a Sião, clamando junto com o profeta: “A
ti, ó Deus, confiança e louvor em Sião! E a ti se pagará o voto em Jerusalém.” (Sl.
lxiv. 2. sept.). Destes dois tipos de prece, às vezes, surge uma mente ativa, às
vezes, uma contemplativa. A mente ativa derrota as paixões com o auxílio de
Deus. A mente contemplativa vê Deus tanto quanto isto é possível para o
homem.
Aquele que se arrependeu viaja para o Senhor. O caminho até Deus é uma
jornada interna realizada na mente e no coração. É, portanto, necessário
sintonizar os pensamentos da mente e a disposição do coração de modo que o
espírito do homem sempre esteja com o Senhor, como se unido com Ele. Aquele
que está assim sintonizado é constantemente iluminado pela luz interna, e
recebe em si mesmo os raios do resplendor espiritual (como diz Teodoreto),
como Moisés, cuja face foi glorificada no Monte porque ele estava iluminado
por Deus. David se refere a isto: “A luz da tua aprovação, oh Senhor, foi vertida
sobre nós.” (Sl. Iv. 6). O meio pelo qual este estado pode ser obtido é através da
oração da mente feita no coração. Somente quando esta é formada a visão da
mente se tornará clara, e o espírito, contemplando Deus claramente, receberá
Dele o poder para ver e afastar tudo aquilo que poderia envergonhá-lo diante de
Deus.
Se você não é bem sucedido em sua oração, não espere ter sucesso em nenhuma
outra coisa. É a raiz de tudo.
Notas
[4] São Simeão, o Novo Teólogo (949-1022), Abade do Mosteiro de São Mamas
em Constantinopla: provavelmente o maior dos escritores místicos bizantinos.
[5] São Gregório do Sinai (final do século XIII - 1346), monge do Monte Athos,
um dos líderes do Movimento Hesicasta.
[7] Os monges Ortodoxos são divididos em três graus: rasóforo (aquele que usa
o rason ou batina), monge do pequeno hábito e monge do grande hábito (ou
schema monge). Apenas alguns monges entram na terceira e mais alta destas
classes, o grande hábito: na Rússia espera-se normalmente que um schema
monge siga uma vida de estrito isolamento e jejum (nos mosteiros gregos as
regras para os schema monges são frequentemente menos rigorosas).
CAPÍTULO III
A ORAÇÃO DE JESUS
(por vários autores)
(i) MEDITAÇÃO SECRETA [1]
Os frutos da meditação secreta
Certo irmão de nome João veio dos países costeiros até o grande e santo padre
Philemon, e, agarrando-lhe os pés, disse: “O que devo fazer, Padre, para ser
salvo? Eu vejo que minha mente é distraída, e vagueia aqui e ali aonde ela não
devia.” Depois de um breve silêncio, Philemon [3] disse a ele: “Esta é uma
doença sofrida por aqueles que são externos, e ela permanence em você porque
o seu amor a Deus ainda não é perfeito; até agora o calor do amor e do
conhecimento de Deus ainda não surgiram em você.” O irmão perguntou: “O
que devo fazer então?” “Vá,” respondeu o padre, “e por hora pratique a
meditação secreta em seu coração; isto limpará sua mente de sua doença.” O
irmão, não compreendendo o que havia sido dito a ele, disse a Philemon: “O
que é esta meditação secreta, Padre?” “Vá”, ele respondeu, “preserve a
sobriedade em seu coração, e em sua mente repita, calmamente, com temor e
tremor: “Senhor Jesus Cristo, tem piedade de mim.” Isto é o que o abençoado
Diádocos [4] prescreveu para iniciantes.”
O irmão partiu, e pela ajuda de Deus e pelas preces do padre ele começou a
guardar silêncio e a saborear a doçura desta secreta meditação. Mas isto durou
somente por um curto tempo. Já que repentinamente ela o deixou e ele não
pôde mais mantê-la ou orar calmamente, ele veio novamente até o padre e
contou-lhe o que havia acontecido. O padre disse: “Agora você trilhou um pouco
do caminho do silêncio e da prática interior e saboreou sua doçura. Portanto,
mantenha-o sempre em seu coração. Se for comer ou beber, ou conversar com
alguém fora da sua cela ou no caminho para algum lugar, não se esqueça de
recitar esta oração com uma mente atenta e sóbria, e cantar e meditar sobre
preces e salmos. Mesmo se estiver satisfazendo alguma necessidade essencial,
não deixe que sua mente seja negligente, mas faça -a meditar e orar em segredo.
Todo o tempo – quando retirar-se para dormir ou ao acordar, quando comer ou
beber, ou conversar com alguém – mantenha seu coração trabalhando
secretamente, algumas vezes meditando sobre um verso dos Salmos, algumas
vezes orando: ‘Senhor Jesus Cristo, Filho de Deus, tem piedade de mim’.”
Aquele que não se volta para dentro e olha para esta tarefa espiritual, não faz
progresso. É correto dizer que esta tarefa é extremamente difícil, especialmente
no início, mas por outro lado ela é direta e frutífera em seu resultado. Um pai
espiritual deveria, portanto, introduzir a prática da oração interior entre seus
filhos tão cedo quanto possível, e fortalecê-los na sua utilização. É possível
iniciá-los nela mesmo antes de quaisquer observâncias exteriores, ou junto com
eles; em qualquer caso é essencial não deixar que isso se postergue
demasiadamente. Isto porque a real semente do crescimento espiritual reside
neste voltar-se interno a Deus. Tudo que é necessário é tornar isto claro,
enfatizar sua importância, e explicar a maneira de fazê-lo. Quando este padrão
estiver tecido dentro de nós então todo trabalho exterior também será
executado desejosamente, com sucesso e frutos: sem ele, a atividade exterior é
como uma linha apodrecida, sempre se rompendo. Note, particularmente, que
a prática deve proceder-se passo a passo, lentamente e com grande contenção.
A menos que este modo de vida seja gradualmente adotado pode ocorrer que
ele perca seu caráter essencial e torne-se nada mais do que uma observância de
regras externas. Portanto, embora existam pessoas que procedem da regra
externa para a vida interior, o princípio inalterável deve ser este: voltar-se para
dentro tão cedo quanto possível, e acender ali o espírito do zelo.
Na superfície soa simples, mas ao menos que você saiba sobre a oração
interior você pode suar muito sem produzir nenhuma colheita. Isto é devido à
natureza da atividade física, que é mais fácil e, portanto, mais atrativa;
atividade interior é difícil e assim ela nos repele. Aquele que se apega à
primeira como essencial, irá gradualmente tornando-se material, e,
conseqüentemente, esfriará, seu coração ficará menos motivado, e seguirá
afastando-se longe e mais longe do início do trabalho interior, pensando em
deixá-lo de lado até que venha o momento em que se esteja maduro para
empreendê-lo. Olhando para trás, mais tarde, ele perceberá que perdeu o
momento. Ao invés de trabalhar, gradualmente, em direção a uma plena vida
interior, ele tornou-se, neste entretempo, incapaz de tal trabalho. Não que
devamos abandonar o trabalho exterior, que é, pelo contrário, o suporte
daquele que segue dentro de nós: ambos deveriam ser feitos juntos. Prioridade
deve ir à adoração interior, porque se deve servir a Deus em espírito, se deve
servi-Lo em espírito e verdade. Os dois devem ser interdependentes –
mantendo em mente seus valores relativos. Não permita nem que um force a
obediência do outro, nem que eles sejam a causa de uma aliança rompida.
TEÓFANO, O RECLUSO
TEÓFANO, O RECLUSO
Evitando a dormência
Todos os dias, mantenha girando na sua mente algum pensamento que lhe
impressionou profundamente e caiu em seu coração. A não ser que você exercite
seus poderes de pensamento, a alma fica entorpecida.
TEÓFANO, O RECLUSO
CAPÍTULO III
A ORAÇÃO DE JESUS
(por vários autores)
TEÓFANO, O RECLUSO
Elevar a mente para o Senhor, e dizer com contrição: “Senhor, tem piedade!
Senhor, conceda Tua benção! Senhor, ajude-me!” – isto é clamar em oração a
Deus. Mas se o sentimento em direção a Deus nasceu e vive em seu coração,
então você possuirá a oração incessante, muito embora seus lábios não mais
recitem palavras e seu corpo não esteja, externamente, em uma postura de
prece.
TEÓFANO, O RECLUSO
‘Com orações e súplicas de toda a sorte, orai em todo tempo, no Espírito. ’ (Ef.
vi. 18)
TEÓFANO, O RECLUSO
Fica claro para qualquer um que o conselho do Apóstolo não é realizado por
meramente se praticar aquelas estabelecidas orações de horas marcadas, mas
requer uma caminhada permanente diante de Deus, uma dedicação de todas as
atividades Àquele que tudo vê e é onipresente, um apelo sempre-fervoroso ao
céu com a mente no coração. Toda a vida, em todas as suas manifestações, deve
ser permeada pela oração. Mas seu segredo é o amor pelo Senhor. Como a noiva,
que amando o noivo, não se separa dele em lembranças e sentimentos, assim a
alma, unida com Deus no amor, permanece constantemente com Ele, dirigindo
apelos calorosos a Ele a partir do coração. ‘Aquele que se une ao Senhor,
constitui com ele um só espírito. ’ (I Cor. vi. 17).
TEÓFANO, O RECLUSO
TEÓFANO, O RECLUSO
Você lamenta que a Oração de Jesus não seja incessante, que você não a recita
constantemente. Mas uma repetição constante não é requerida. O que é
requerido é uma constante vivacidade em Deus – uma vivacidade que está
presente quando você fala, lê, olha ou examina algo. Mas desde que você já
está praticando a Oração de Jesus na maneira correta, continue como você está
fazendo agora, e no devido tempo a oração irá ampliar seu alcance.
TEÓFANO, O RECLUSO
Nós podemos algumas vezes passar todo o tempo, que a regra nos reserva a
oração, recitando um salmo, compondo nossa própria oração a partir de cada
verso. Novamente, podemos passar todo o tempo dado pela regra, recitando a
Oração de Jesus com prostrações. Também podemos fazer um pouco de cada
uma destas coisas. O que Deus pede é o coração (Prov. xxiii. 26); e é suficiente
que se esteja de pé diante Dele com reverência. Estar sempre de pé diante de
Deus com reverência é a oração incessante: tal é a sua exata descrição; e neste
sentido a regra da oração é somente o combustível para o fogo, ou o
fornecimento de madeira a um fogão à lenha.
TEÓFANO, O RECLUSO
BISBO INÁCIO
TEÓFANO, O RECLUSO
Deus está em todo lugar: cuide que seus pensamentos também estejam sempre
com Deus. Como isto pode ser feito? Os pensamentos atropelam-se uns aos
outros como um enxame de mosquitos, e as emoções seguem os pensamentos.
Para fazer com que os pensamentos se mantivessem em uma única coisa, os
Padres acostumaram-se à repetição continua de uma curta prece, e, através
deste hábito de continua repetição, esta pequena prece unia-se à língua de tal
modo que repetia a si mesma por conta própria. Desta maneira o pensamento
deles unia-se à oração e, através da oração, à constante lembrança de Deus.
Uma vez que este hábito tenha sido adquirido, a oração nos sustenta na
lembrança de Deus, e a lembrança de Deus nos sustenta na oração; elas
mutuamente apóiam-se uma a outra. Aqui, então, está um modo para
caminhar diante de Deus.
TEÓFANO, O RECLUSO
TEÓFANO, O RECLUSO
Quando o Apóstolo nos ordena a “Orar sem cessar” (I Tess. v. 17), ele quer dizer
que devemos orar internamente com nossa mente: e isto é algo que sempre
podemos fazer. Pois, quando estamos envolvidos no trabalho manual e quando
caminhamos ou sentamos, quando comemos ou bebemos, sempre podemos
orar internamente e praticar a oração da mente, oração real, que agrada a Deus.
Vamos trabalhar com nosso corpo e orar com nossa alma. Deixe o nosso homem
exterior executar o trabalho físico, e deixe o homem interior consagrar-se inteira
e completamente ao serviço de Deus e nunca esmorecer no trabalho espiritual
da oração interna. Isto também é ordenado por Jesus, o homem-Deus, quando
Ele diz nos Evangelhos: “Tu, porém, quando orares, entra no teu quarto e,
fechando tua porta, ora a teu Pai que está lá, no segredo.” (Mat. vi. 6). O quarto
da alma é o corpo, as portas são os cinco sentidos corporais. A alma entra em
seu quarto quando a mente não divaga aqui e ali sobre coisas mundanas, mas
permanece dentro do nosso coração. Nossos sentidos se fecham, e assim
permanecem, quando não permitimos que eles se prendam a coisas visíveis e
externas; e desta maneira nossa mente fica livre de todos os seus apegos
mundanos, e através da sua oração secreta e interna fica unida com Deus nosso
Pai.
Notas
CAPÍTULO III
A ORAÇÃO DE JESUS
(por vários autores)
Todo Cristão deve sempre lembrar que deve unir-se ao Senhor nosso Salvador
com todo o seu ser, deixando que Ele venha e habite em sua mente e em seu
coração; e o caminho mais seguro para adquirir tal união com o Senhor,
próximo à Comunhão da Sua Carne e Sangue, é a interna Oração de Jesus.
A Oração de Jesus é obrigatória também para o leigo, e não só para os monges?
Na verdade é obrigatória, pois, como dissemos, todo Cristão deveria estar
unido com o Senhor em seu coração, e o melhor meio para adquirir tal união é,
precisamente, a Oração de Jesus.
O poder do Nome
É uma oração, um juramento e uma confissão de fé; que confere sobre nós o
Espírito Santo e os dons divinos, limpando o coração, expulsando demônios. É a
interiorização da presença de Jesus Cristo dentro de nós, e uma fonte de
reflexos espirituais e pensamentos divinos. É a remissão dos pecados, a cura da
alma e do corpo, e o resplendor da iluminação divina; é um bem da misericórdia
de Deus, conferida sobre as humildes revelações e a iniciação nos mistérios de
Deus. É a nossa única salvação, pois ela contém em si o salvador Nome de nosso
Deus, o único Nome sobre o qual invocar: o Nome de Jesus Cristo o Filho de
Deus. “Pois não há, debaixo do céu, outro nome dado aos homens pelo qual
devamos ser salvos”, como o Aposto diz (Atos iv. 12).
Esta é a razão pela qual todos os crentes devem continuamente confessar este
Nome: tanto para pregar a fé quanto como o testemunho do nosso amor pelo
Senhor Jesus Cristo, de quem nunca nada deve nos separar; e também por causa
da graça que vem a nós através do Seu nome, e pela remissão dos pecados, a
cura, a santificação, a iluminação, e, acima de tudo, a salvação que ele confere.
Os Evangelhos Sagrados dizem: “Esses, porém, foram escritos para crerdes que
Jesus é o Cristo, o Filho de Deus, e para que, crendo, tenhais vida em seu nome”
(João xx. 31). Vê, assim é a salvação e a vida.
S. SIMEÃO DA TESSALÔNICA [2]
TEÓFANO, O RECLUSO
TEÓFANO, O RECLUSO
Por experiência na vida espiritual, pode-se muito bem concluir que aquele que
tem zelo ao rezar não necessita ser ensinado em como aperfeiçoar-se na prece.
Pacientemente mantido, o esforço da própria oração nos levará ao seu
verdadeiro cume.
TEÓFANO, O RECLUSO
Está escrito nos livros, que quando a Oração de Jesus ganha força e se
estabelece no coração, então ela nos enche de energia e dissipa a sonolência.
No entanto, fazer com que ela se torne habitual à língua é uma coisa, e fazer
com que ela se estabeleça no coração é outra.
TEÓFANO, O RECLUSO
Mergulhe profundamente
Aprofunde-se na Oração de Jesus, com toda força que possui. Ela o levará
junto, dando-lhe uma sensação de força no Senhor, e como consequência você
estará com Ele constantemente: seja sozinho ou com outras pessoas, quando
estiver fazendo as tarefas de casa e quando ler ou orar. Só você pode inferir o
poder desta oração, não por repetir certas palavras, mas por fazer com que a
mente e o coração voltem-se em direção ao Senhor nestas palavras – pela ação
que acompanha as palavras.
TEÓFANO, O RECLUSO
Como o Apóstolo disse: “Eu antes quero falar cinco palavras com o meu
entendimento... do que dez mil palavras em língua ignorada” (I Cor. xiv.19).
Antes de tudo, mais necessário é purificar a mente e o coração com estas
poucas palavras, repetindo-as incessantemente nas profundezas do coração:
‘Senhor Jesus Cristo, tem piedade de mim’, [3] de modo que esta oração
ascenda como uma canção cantada com entendimento. Qualquer um que
comece, muito embora possa estar envolto nas paixões, pode ofertar esta
oração através da vigilância de seu coração. Ela canta dentro dele somente
quando ele estiver purificado pela oração espiritual.
PAISSY VELICHKOVSKY
TEÓFANO, O RECLUSO
Você leu sobre a Oração de Jesus, não leu? E você sabe o que ela é por
experiência prática. Somente com a ajuda desta prece a necessária ordem da
alma pode ser firmemente estabelecida; somente através desta prece podemos
preservar imperturbada a nossa ordem interna, mesmo quando distraídos
pelos cuidados domésticos. Apenas esta prece torna possível cumprir a
prescrição dos Padres: mãos à obra, a mente e o coração com Deus. Quando
esta prece for transplantada em nosso coração, então não haverá interrupções
internas e ela continuará sempre no mesmo passo, fluindo uniformemente.
TEÓFANO, O RECLUSO
A Oração de Jesus é isto. É uma dentre várias orações curtas, oral como as
outras. Seu propósito é manter a mente no pensamento único de Deus.
Mas quando não vem acompanhada por eles permanece oral como qualquer
outra prece do mesmo tipo.
Para manter a mente em uma única coisa através do uso de uma oração curta, é
necessário conservar a atenção e assim conduzi-la ao coração: pois tanto quanto
a mente permanece na cabeça, onde os pensamentos empurram um ao outro,
ela não tem tempo de concentrar-se em uma só coisa. Mas quando a atenção
desce ao coração, ela atrai ali, para um único ponto, todos os poderes da alma e
do corpo. Esta concentração de toda a vida humana em um único local é,
imediatamente, refletida no coração por uma sensação especial que é o início do
calor futuro. Esta sensação, débil no início, torna-se gradualmente mais forte,
firme, profunda. De início é somente tépida, mas cresce num sentimento
caloroso e concentra a atenção sobre si própria. E ocorre que enquanto nos
estágios iniciais a atenção é mantida no coração por um esforço da vontade, no
devido tempo, esta atenção, pelo seu próprio vigor, dá nascimento ao calor no
coração. Este calor, então, mantém a atenção sem um especial esforço. Por isto,
os dois seguem um apoiando o outro e devem permanecer inseparáveis; porque
a dispersão da atenção resfria este calor, e a diminuição do calor enfraquece a
atenção.
Daí segue uma regra da vida espiritual: se você mantém o coração vivo na
direção de Deus, você sempre estará na lembrança de Deus. Esta regra foi
estabelecida por S. João da Escada.
A questão que agora surge é se este calor é espiritual. Não, ele não é espiritual. É
um calor físico comum. Mas desde que mantém a atenção da mente no coração,
e assim, ali, auxilia no desenvolvimento dos movimentos espirituais descritos
acima, ele é chamado espiritual – assegurado, entretanto, que ele não seja
acompanhado por prazer sensual, ainda que leve, mas mantenha a alma e o
corpo numa sóbria disposição.
Disto se segue que quando o calor que acompanha a Oração de Jesus não
inclui sentimentos espirituais, ele não deveria ser chamado de espiritual, mas
simplesmente de sangue quente. Não há nada de mal nesta sensação de sangue
quente, a não ser que ela esteja conectada com o prazer sensual, por mais leve
que seja. Se assim estiver conectado, é ruim e deve ser suprimido.
O calor que é satisfeito com a graça é de uma natureza especial e somente ele é
verdadeiramente espiritual. É distinto do calor da carne, e não produz qualquer
mudança notável no corpo, mas manifesta a si mesmo por um sutil e doce
sentimento.
TEÓFANO, O RECLUSO
Segue daí que deveríamos, desde o início, dar plenas instruções sobre a prática
da Oração de Jesus para quem quer que se arrependa ou comece a buscar pelo
Senhor. Apenas sequencialmente a isto, deveríamos introduzir o iniciante em
outras práticas, porque é desta maneira que, mais rapidamente, ele pode tornar-
se firme e espiritualmente consciente, obtendo paz interior. Muitas pessoas que
não sabem disto - pode-se dizer - gastam seu tempo e trabalho não indo além
das atividades formais e externas da alma e do corpo.
A prática da oração é denominada como uma ‘arte’, e é uma arte muito simples.
Permanecer com consciência e atenção no coração, invocando
incessantemente: ‘Senhor Jesus Cristo, Filho de Deus, tem piedade de mim’,
sem ter na sua mente qualquer conceito ou imagem visual, acreditando que o
Senhor o vê e o ouve.
No início, por um longo tempo, esta oração permanece sendo uma atividade
como outra qualquer; mas com o tempo ela passa para a mente e finalmente
enraíza-se no coração.
TEÓFANO, O RECLUSO
TEÓFANO, O RECLUSO
A prece: “Senhor Jesus Cristo, Filho de Deus, tem piedade de mim” é uma prece
oral como qualquer outra. Não há nada de especial sobre ela em si, mas ela
recebe todo seu poder do estado da mente na qual é feita.
É mais importante perceber que a oração é sempre dada por Deus: de outro
modo podemos confundir o dom da graça com alguma realização própria.
As pessoas dizem: obtenha a Oração de Jesus, pois isso é a oração interna. Não é
correto. A Oração de Jesus é um bom meio de chegar a oração interior, mas por
ela mesma não é interna, mas externa. Aqueles que adquirem o hábito da
Oração de Jesus fazem muito bem. Mas se param somente nisso e não seguem
adiante, eles param no meio do caminho.
TEÓFANO, O RECLUSO
Por que a Oração de Jesus é mais forte que outras preces
A Oração de Jesus é como qualquer outra prece. Ela só é mais forte que todas
as outras em virtude do todo-poderoso Nome de Jesus, Nosso Senhor e
Salvador. Mas é necessário invocar Seu Nome com uma fé plena e inabalável –
com uma profunda certeza que Ele está perto, ouve e escuta, presta plena e
sincera atenção à nossa súplica, e está pronto para cumpri-la e conceder o que
buscamos. Não há nada porque se envergonhar de tal esperança. Se a
realização é, algumas vezes, retardada, pode ser porque o suplicante ainda não
está pronto para receber aquilo que pede.
TEÓFANO, O RECLUSO
Não é um talismã
TEÓFANO, O RECLUSO
Não esqueça que você não deve limitar si mesmo a uma repetição mecânica
das palavras da Oração de Jesus. Isto não levará a nada mais do que o hábito
de repetir a prece automaticamente com a língua, sem mesmo pensar sobre
ela. Não há nada de errado nisto, é claro, mas isto se constitui apenas como o
extremo limite externo do trabalho.
TEÓFANO, O RECLUSO
TEÓFANO, O RECLUSO
As palavras “Senhor Jesus Cristo, Filho de Deus, tem piedade de mim” são
apenas o instrumento e não a essência do trabalho; mas elas são um
instrumento muito forte e efetivo, pois o Nome do Senhor Jesus é apavorante
para os inimigos da nossa salvação e uma benção para todo aquele que O busca.
Não esqueça que esta prática é simples, e não permita qualquer coisa fantasiosa
sobre ela. Ore por todas as coisas ao Senhor, à nossa puríssima Senhora, aos
Anjos Guardiões; e eles lhe ensinarão tudo, ou diretamente ou através de
outros.
TEÓFANO, O RECLUSO
Imagens e ilusão
Para não cair em ilusão [5] enquanto se pratica a oração interior, não permita
quaisquer conceitos, imagens ou visões. Pois imaginações vívidas, correndo de
lá para cá, junto com vôos fantasiosos não cessam mesmo quando a mente
permanece no coração e recita a oração: e ninguém é capaz de controlá-las,
exceto aqueles que obtiveram a perfeição pela graça do Espírito Santo, e que
adquiriram a estabilidade da mente através de Jesus Cristo.
Você pergunta sobre a oração. Nos escritos dos Santos Padres eu encontro que
ao orar você deve dissipar todas as imagens da mente. Isto é aquilo que eu
também tento fazer, forçando-me a perceber que Deus está em toda parte – e,
portanto (entre tantos lugares), aqui, onde meus pensamentos e sentimentos
estão. Eu não posso ter êxito em me libertar inteiramente das imagens, mas,
gradualmente, mais e mais elas se evaporam. Então, chega um ponto em que
elas desaparecem completamente.
TEÓFANO, O RECLUSO
S. HESÍQUIO
Praticar a Oração de Jesus, como nós todos estamos ganhando o hábito de fazer,
é uma coisa excelente. Nos monastérios ela foi posta como uma meta. Se ela
fosse perigosa eles a colocariam como uma meta? O que são perigosas são
somente as técnicas mecânicas que foram adicionadas posteriormente e
ajustadas para caber na recitação da prece; e estas são perigosas porque, às
vezes, elas nos fazem precipitar num mundo de sonho e ilusão, e algumas vezes
– estranho dizer – num constante estado de luxúria. Por esta razão
deveríamos aconselhar contra tais técnicas e proibi-las. Mas invocar o mais
doce Nome do Senhor, na simplicidade do coração, é algo que podemos
sugerir e recomendar para qualquer um.
TEÓFANO, O RECLUSO
Notas
(i) uma profunda inclinação da cintura, tocando o solo com os dedos da mão
direita.
[6] S. Nil Sorski (Nilus de Sora, ?1433-1508), escritor asceta russo; monge
num remoto eremitério nas florestas além do Volga, e líder dos “Não-
Possessores” (um movimento na Rússia do séc. XV e XVI que protestou contra
a posse monástica de terras).
CAPÍTULO III
A ORAÇÃO DE JESUS
(por vários autores)
BISPO INÁCIO
Busque e você encontrará. O modo mais fácil para obter isto é caminhando
diante de Deus, e através do trabalho da oração, especialmente indo a Igreja.
Mas devemos lembrar que nossa é somente a labuta; o objeto em si, isto é, a
união da mente e do coração, é um dom da graça, que o Senhor nos concede
tanto e quando Ele quer. O melhor exemplo é aquele de Máximo de
Kapsokalyvia. [3]
TEÓFANO, O RECLUSO
Não se deixe levar por métodos externos ao praticar a interna Oração de Jesus.
Para algumas pessoas elas são necessárias, mas não para você. Em seu caso, o
tempo para tais métodos já passou. Você já deve ter conhecido, por experiência,
o local do coração sobre o qual eles falam: não se preocupe pelo resto. O
trabalho de Deus é simples: é a oração – crianças conversando com seu Pai,
sem quaisquer subterfúgios. Possa o Senhor lhe dar sabedoria para sua
salvação.
Para aquele que ainda não encontrou o caminho para entrar dentro de si,
peregrinações a lugares sagrados são uma ajuda. Mas para aquele que o
encontrou elas são uma dissipação de energia, pois o forçam a sair da mais
íntima das partes de si mesmo. É o momento para você, agora, aprender mais
perfeitamente como ficar dentro. Você deveria abandonar seus planos externos.
TEÓFANO, O RECLUSO
Você sente que sofre de pensamentos errantes. Tome cuidado: isto é muito
perigoso. O inimigo quer conduzi-lo em algum matagal e ali matá-lo. Os
pensamentos começam a errar quando o temor a Deus diminui e o coração se
resfria. O resfriamento do coração é causado por muitas coisas –
principalmente, por convencimento e presunção. Estes estão muito próximos
da sua natureza. Atento a eles, e apresse-se em restaurar o temor a Deus e um
sentimento de calor em sua alma.
TEÓFANO, O RECLUSO
Todos os escritos dos Padres Gregos são dignos do mais profundo respeito pela
riqueza da graça e sabedoria espiritual que residem neles e respiram deles. Mas
os escritos dos Padres Russos nos são mais acessíveis que aqueles das
autoridades gregas, devido à particular clareza e simplicidade de exposição
deles, e também porque eles nos são mais próximos no tempo. Os escritos do
stárets Basil são os primeiros livros que deveriam ser consultados por qualquer
um que deseja praticar a Oração de Jesus com sucesso. Na verdade, o stárets os
escreveu especialmente com este propósito em mente. Ele os batizou de
‘introduções’ ou ‘estudos preliminares’, que preparam o leitor para os Padres
Gregos.
BISPO INÁCIO
TEÓFANO, O RECLUSO
Não são as palavras que importam, mas seu amor por Deus
Faça com que a Oração de Jesus esteja na sua língua; faça com que a presença
de Deus esteja diante de sua mente; e em seu coração faça com que haja sede
por Deus, por comunhão com o Senhor. Quando tudo isto tornar-se
permanente, então o Senhor, vendo como você se esforça, dará aquilo que
você pede.
TEÓFANO, O RECLUSO
A centelha de Deus
O que nós buscamos através da Oração de Jesus? Buscamos que o fogo da graça
apareça em nosso coração, e buscamos pelo início da oração incessante que
manifesta um estado de graça. Quando a centelha de Deus cai no coração, a
Oração de Jesus a ventila até pegar fogo. Por si mesma a oração não produz a
centelha, mas nos ajuda a recebê-la. Como ela ajuda? Reunindo nossos
pensamentos, capacitando a alma a estar diante do Senhor e a caminhar em
Sua presença. Esta é a parte mais importante – permanecer e caminhar diante
de Deus, clamar por Ele do nosso coração. Isto foi o que Máximo de
Kapsokalyvia fez e todos aqueles que buscam o fogo da graça deveriam fazer o
mesmo. Eles não deveriam se preocupar com palavras e posições do corpo, pois
Deus olha para o coração.
TEÓFANO, O RECLUSO
Um córrego murmurante
Você pergunta o que é necessário ao rezar a Oração de Jesus. O que fez estava
correto. Lembre-se como fez, e continue da mesma maneira. Eu vou lembrar-lhe
apenas de uma coisa: deve -se descer com a mente para o coração, e ali
permanecer diante da face do Senhor, sempre presente, que tudo vê dentro de
você. A oração tem uma firme e constante sustentação quando uma pequena
chama começa a queimar no coração.
Tente não apagar este fogo, e ele se estabelecerá de tal modo que a oração repete
a si mesma: e então terá dentro de si um pequeno córrego murmurante, para
usar a expressão do stárets Parthenii [5] da Lavra de Kiev. E um dos primeiros
Padres disse: ‘Quando ladrões se aproximam de uma casa esgueirando-se até ela
para roubá-la, e ouvem que alguém está falando dentro, não se atrevem a
entrar; da mesma maneira, quando nossos inimigos tentam assaltar a alma e
tomar possessão dela, eles rastejam por tudo envolta mas temem entrar quando
ouvem o jorro de uma curta oração. '
TEÓFANO, O RECLUSO
Há somente poucas palavras na Oração de Jesus, mas elas contêm tudo. Faz
tempo que se reconheceu que esta oração poderia, uma vez fosse adquirida
como um hábito, tomar o lugar de todas as outras preces orais. Alguém que se
esforça pela salvação é ignorante deste método? Se utilizada da maneira
prescrita pelos Santos Padres, esta oração tem grande poder; mas entre
aqueles que adquiriram o hábito de recitá-la, nem todos descobriram seu
poder, nem todos saborearam seus frutos. Por que isto ocorre? Por que eles
desejam alcançar por si mesmos aquilo que é um presente de Deus, vindo
somente através de Sua graça.
Isto é verdadeiro para toda qualidade espiritual. Qualquer coisa que possa estar
buscando, busque-a com toda sua força, mas não espere que sua própria busca
e seus esforços tragam frutos por eles mesmos. Ponha sua confiança no Senhor,
nada atribuindo a si próprio, e Ele lhe dará o desejo do seu coração. (Sl. xxxvii.
3-4.)
Ore assim: ‘Eu desejo e busco, apressa-Te a mim, pela Tua justiça.’ O Senhor
disse: ‘Sem mim, nada podeis fazer.’ (João xv. 5), e esta lei é cumprida com
exatidão na vida espiritual; ela não se desvia nem por um fio de cabelo. Quando
as pessoas perguntam: ‘O que devo fazer para adquirir esta ou aquela virtude?’
há uma única resposta: ‘Volte-se ao Senhor e Ele lha dará. Não há outro meio
para encontrar o que você busca. ’
TEÓFANO, O RECLUSO
Não é suficiente, entretanto, apenas esperar pelo desejo de orar. Para se obter a
oração espontânea, devemos nos forçar a orar de uma maneira particular –
com a Oração de Jesus – não somente durante o serviço da igreja e durante a
oração em casa, mas em todos os momentos. Homens experimentados na
oração, escolhendo esta única oração endereçada ao Senhor e Salvador,
estabeleceram regras para sua execução, de modo que com a ajuda delas
podemos adquirir o hábito da oração auto-impelida ou espontânea. Estas
regras são simples. Permaneça com a mente no coração diante do Senhor e reze
a Ele: ‘Senhor Jesus Cristo, Filho de Deus, tem piedade de mim’. Faça isto em
casa antes de iniciar as orações, nos intervalos entre elas, e no fim da oração;
faça isto na igreja, e durante todo o dia, de modo a preencher cada momento do
dia com a oração.
Aqueles que com longos esforços obtiveram sucesso nesta oração prescrevem
um exercício, não muito difícil, que rapidamente irá nos capacitar a dominá-la.
Antes ou depois de sua regra de oração, de noite e de manhã ou durante o dia,
consagre um período de tempo fixo para a execução desta única oração. Faça
deste modo. Sente-se, ou – melhor ainda – fique numa posição de prece,
concentre toda a sua atenção no coração diante do Senhor, completamente
certo de que Ele está ali e o ouve, e O invoque: ‘Senhor Jesus Cristo, Filho de
Deus, tem piedade de mim.’ Se quiser, acompanhe isto com inclinações da
cintura, ou mesmo com prostrações. Faça isto por um quarto de hora ou meia
hora – ou mais, ou menos – como lhe convir. Quanto mais zeloso seus esforços,
mais rapidamente a oração será transplantada em seu coração. É melhor
começar este trabalho com zelo, e não pará-lo até que tenha obtido o que deseja,
e esta prece iniciar a mover por si mesma em seu coração. Depois disso você
tem apenas que mantê-la em seu próprio curso.
O calor do coração ou brilho do espírito, sobre o qual falamos antes, só é obtido
desta maneira. Mais a Oração de Jesus penetra no coração, mais quente o
coração se torna, e, também, mais auto -impelido torna-se a oração, de modo
que o fogo da vida espiritual é aceso no coração e sua combustão torna-se
incessante. Ao mesmo tempo, a Oração de Jesus preencherá todo o coração, e
nunca deixará de mover-se dentro dele. Esta é a razão pela qual aqueles em
quem a vida interior perfeita está nascendo, oram quase que exclusivamente só
com esta oração, incluindo-a inteiramente em suas regras de oração.
TEÓFANO, O RECLUSO
O dom que recebemos de Jesus Cristo no sagrado batismo não está destruído,
mas somente escondido como um tesouro no chão. E tanto o bom senso como a
gratidão exigem que se deva ter cuidado para desenterrar este tesouro e trazê-lo
a luz. Isto pode ser feito de dois modos. O dom do batismo é revelado antes de
tudo pelo meticuloso cumprimento dos mandamentos; quanto mais os
colocamos em prática, mais claramente o dom brilha sobre nós em seu
verdadeiro esplendor e brilho. Em segundo lugar, ele vem à luz e é revelado
através da contínua invocação do Senhor Jesus, ou pela incessante lembrança
de Deus, o que é uma única e mesma coisa. O primeiro método é poderoso, mas
o segundo é ainda mais; tanto mais que mesmo a fidelidade aos mandamentos
recebe sua plena força da oração. Por esta razão, se realmente desejamos
desabrochar a semente da graça que está oculta em nós, devemos nos apressar a
adquirir o hábito deste exercício do coração, e sempre praticar esta prece nele,
sem qualquer imagem ou forma, até que ele aqueça nossa mente e incendeie
nossa alma com um inexpressível amor por Deus e pelos homens.
S. GREGÓRIO DO SINAI
Nossos próprios esforços (sustentados pela graça de Deus) chegam somente até
aí: qualquer prece superior a isto somente será um dom da graça. Os Santos
Padres mencionam isto com o único propósito de mostrar àqueles que
alcançaram o estágio que apenas descrevi; que eles não devem achar que nada
mais têm a desejar, nem que possam imaginar que estão no verdadeiro cume
da plenitude da prece ou da perfeição espiritual
Não se apresse com uma oração depois da outra, mas as diga com ordenada
deliberação, como alguém que, naturalmente, se dirigisse a uma grande pessoa
para pedir um favor. Também não preste atenção somente às palavras, mas, ao
invés disso, permita que a mente esteja no coração, de pé diante do Senhor,
com plena ciência da Sua presença, com plena consciência de Sua grandeza,
graça e justiça.
Para evitar erros, tenha alguém para lhe aconselhar – um pai espiritual ou
confessor, um irmão de mente similar; e faça-o saber de tudo que lhe acontece
com o trabalho da prece. Por si mesmo, aja sempre com grande humildade e
com a máxima simplicidade, não atribuindo nenhum sucesso a si mesmo.
Saiba que o verdadeiro sucesso é conquistado dentro, inconscientemente, e
acontece de modo tão imperceptível quanto o do crescimento do corpo
humano. Desse modo, quando você ouvir uma voz interior dizendo: “Ah! É
isto!” você deveria perceber que esta é a voz do inimigo, mostrando a você uma
miragem ao invés da realidade. Este é o início do auto-engano. Abafe esta voz
imediatamente, de outro modo ela ressoará em você como uma trombeta,
inflando seu amor-próprio.
TEÓFANO, O RECLUSO
TEÓFANO, O RECLUSO
S. Isaac, o Sírio diz: ‘O dom da pura prece não é concedido a muitos, mas
somente a poucos. De uma geração para outra, raramente uma única pessoa
alcança a realização do mistério em pura prece e, pela graça e pelo amor de
Deus, alcança o outro lado do Jordão. ’
BISPO INÁCIO
Notas
[1] Nicéforo o Solitário, monge do Monte Athos no início do século XIV, pai
espiritual de São Gregório Palamas. Ele é o primeiro autor ascético a descrever
em detalhes os exercícios físicos associados à recitação da Oração de Jesus. O
tratado sobre os três métodos de oração, ao qual o Bispo Inácio se refere aqui, é
quase certamente de Nicéforo, não de Simeão, o Novo Teólogo.
CAPÍTULO III
A ORAÇÃO DE JESUS (por vários autores)
(iv) A LEMBRANÇA DE DEUS
TEÓFANO, O RECLUSO
TEÓFANO, O RECLUSO
Sempre e em todo lugar Deus está conosco, perto de nós e em nós. Mas não
sempre estamos com Ele, visto que não nos lembramos Dele; e porque não
nos lembramos Dele nos permitimos muitas coisas que não faríamos se
lembrássemos. Tome para si esta tarefa – fazer de tal lembrança um hábito.
Faça para si a regra de sempre estar com o Senhor, mantendo sua mente em
seu coração, e não permita que seus pensamentos vaguem; tanto quanto eles se
extraviem, faça-os retornar novamente e mantenha-os em casa, no quarto do
seu coração, e deleite-se em conversar com o Senhor.
TEÓFANO, O RECLUSO
Desta maneira nosso espírito é restaurado aos seus justos direitos. Quando
assim estiver re-estabelecido, se iniciará uma ativa e vital transformação da alma
e do corpo, e das relações externas; até que eles finalmente ficarão limpos. E
você se tornará um homem real.
TEÓFANO, O RECLUSO
E aqui lhe está um sinal, pelo qual pode estar certo de que este glorioso trabalho
se iniciou dentro de você: você irá experimentar certo sentimento de calor para
com o Senhor. Se cumprir todo o prescrito, então este sentimento logo
começará a aparecer mais e mais frequentemente, e com o tempo se tornará
contínuo. Este sentimento é doce e beatífico, e desde a sua primeira aparição ele
nos estimula a desejá-lo e buscá-lo, para que não deixe o coração: pois nele está
o Paraíso.
Você deseja entrar neste Paraíso tão rápido quanto possível? Aqui está, então, o
que deve fazer. Quando orar, não termine sua oração sem ter despertado em seu
coração algum sentimento para com Deus, seja ele de reverência, ou devoção, ou
agradecimento, ou glorificação, ou humildade e contrição, ou esperança e
confiança. Também, quando depois da prece você começar a ler, não termine a
leitura sem ter sentido em seu coração a verdade do que leu. Estes dois
sentimentos – aquele inspirado pela oração, e o outro pela leitura – aquecem-se
mutuamente um ao outro; e se você prestar atenção a si mesmo, eles o manterão
sob suas influências durante todo o dia. Com afinco, tente praticar estes dois
métodos com exatidão e verá por si próprio o que acontecerá.
TEÓFANO, O RECLUSO
A lembrança de Deus é algo que Deus Ele Próprio transplanta sobre a alma. Mas
a alma deve esforçar-se também na perseverança e na labuta. Trabalhe, fazendo
todos os esforços para obter a incessante lembrança de Deus. E Deus, vendo
quão ardentemente você a deseja, lhe dará esta constante recordação Dele
Próprio.
TEÓFANO, O RECLUSO
Prostrações frequentes
TEÓFANO, O RECLUSO
TEÓFANO, O RECLUSO
TEÓFANO, O RECLUSO
Este hábito não lhe permitirá lamentos, estejam suas mágoas dentro ou fora;
pois ela preenche a alma com um sentido de perfeito contentamento, que não dá
espaço para qualquer sentimento de carência ou necessidade. Ele nos faz
confiar, nós mesmos e tudo o que temos, nas mãos do Senhor, e assim dá
nascimento a um sentido de Sua permanente proteção e ajuda.
TEÓFANO, O RECLUSO
Os perigos do esquecimento
Você tem zelo pela salvação. Quando se tem este zelo, ele mostra a si próprio
em um ardente cuidado pela salvação. É absolutamente necessário evitar a
indiferença. É assim que a indiferença surge: começa com o esquecimento. Os
dons de Deus são esquecidos, e assim são esquecidos: Deus Ele Próprio, nossa
salvação Nele, e o perigo de estar sem Deus; e a lembrança da morte desaparece
– em uma palavra, todo o reino espiritual fica fechado para nós. Isto é devido ao
inimigo, ou à dispersão dos pensamentos por preocupação com os negócios e
por excessivos contatos sociais. Quando tudo isso é esquecido o coração se
esfria, e sua sensibilidade para coisas espirituais é interrompida: e assim
caímos num estado de indiferença, e então de negligência e descuido. Como
resultado, as ocupações espirituais são postergadas por um tempo, e em
seguida completamente abandonadas. E então, começamos novamente nosso
velho estilo de vida, descuidado e negligente, esquecido de Deus, buscando
somente nossos próprios prazeres. Mesmo se não há nada de desordenado nele,
não se olha para qualquer coisa divina. Será uma vida em vão.
Se você não quer cair neste abismo, cuidado com o primeiro passo – isto é, o
esquecimento. Portanto, caminhe sempre em recordações divinas – na
lembrança de Deus e das coisas divinas. Isto o manterá sensível a tais coisas, e
estas duas juntas – recordação e sensibilidade – o fixará a fogo com o zelo. E aí
vai ser a verdadeira vida.
TEÓFANO, O RECLUSO
Com relação à prece espiritual, tome uma precaução. Cuidado para que, mesmo
incessantemente lembrando-se de Deus, você não esqueça também de acender
o temor, e a reverência, e o desejo de cair como pó diante da face de Deus –
nosso mais misericordioso Pai, mas também nosso terrível Juiz. Frequente
recordação de Deus sem reverência embota o sentimento de temor a Deus, e
assim nos priva da salvadora influencia que este senso de temor – e só ele –
pode produzir em nossa vida espiritual.
TEÓFANO, O RECLUSO
A Arte da Prece - Uma Antologia Ortodoxa
- (Capítulo IV - i) Os Frutos da Oração
CAPÍTULO IV
OS FRUTOS DA ORAÇÃO
(por Teófano, o Recluso)
(i) ATENÇÃO E TEMOR DE DEUS
Você deveria saber que a atenção nunca deve deixar o coração. O trabalho no
coração, entretanto, algumas vezes torna-se apenas mental, executado pela
mente, ao passo que outras vezes não é somente no coração, mas do coração,
em outras palavras, ele se inicia e continua com caloroso sentimento. Esta lei
aplica-se não somente a eremitas mas a todos os Cristão, a todos aqueles que
gostariam de estar diante de Deus com o coração purificado e trabalhar diante
da Sua Face. Se a mente se esgota dizendo as palavras da oração, então, ore sem
palavras curvando-se diante do Senhor no íntimo do seu coração e doando-se a
Ele. Esta é a oração real. As palavras são somente a expressão da prece e são
sempre mais fracas aos olhos de Deus do que a própria prece.
Você nada perdeu por não ter orado com técnicas artificiais para enxertar a
oração; pois tais técnicas não são indispensáveis. O que é importante não é a
posição do corpo mas o estado interior. Nossa inteira meta é permanecer com a
atenção no coração, e olhar para Deus, e clamar a Ele.
Nossa oração começa a ter valor quando vem a graça. Enquanto apenas
obtivermos os frutos naturais da oração o que alcançamos é sem valor, tanto
em si mesmo quanto diante do julgamento de Deus. Pois a chagada da graça é o
sinal de que Deus olhou para nós com misericórdia.
Eu não posso lhe dizer como esta ação da graça se manifestará, mas é certo que
a graça não pode surgir antes que estes frutos naturais da oração interior
façam sua aparição.
Esta espécie de trabalho é simples, e não está num nível elevado. A Oração de
Jesus por si mesma não é milagrosa, mas como qualquer outra oração curta é
oral e consequentemente externa. Ainda assim ela pode tornar-se uma prece da
mente-no-coração de um modo inteiramente natural. Em relação àquilo que
vem da graça, por outro lado, a isto devemos simplesmente esperar; nenhuma
espécie de técnica pode apreendê-lo pela força.
Para que a prática da oração prossiga sendo bem sucedida, é sempre essencial
de início colocar tudo de lado, de modo que o coração fique completamente livre
das distrações. Nada deveria introduzir-se na mente: nenhuma face, nenhuma
atividade, nenhum objeto. Neste momento tudo deve ser afastado. Cumpra esta
regra e não haverá necessidade de desistir de tal prece, que é para ser dita a
qualquer momento. Tão logo você esteja livre, volte imediatamente para ela.
Durante o serviço a atenção deve ser mantida na cerimônia, mas quando algo
é indistintamente lido ou cantado, repita a Oração de Jesus.
Os perigos da distração
Dor no coração
Quer seja a Oração de Jesus quer seja qualquer outra oração curta, é bom que
ela sempre esteja na boca. Apenas tome cuidado para que a atenção esteja no
coração e não na cabeça, e mantenha isto não somente quando em oração mas
também em todos os outros momentos também. Tente obter uma espécie de
dor em seu coração. Com esforço constante obterá isto rapidamente. Não há
nada de peculiar nisto: o surgimento desta dor é um efeito natural. Irá lhe
ajudar a recolher-se melhor. Mas a coisa principal é que o Senhor, que vê seu
esforço, lhe dará ajuda e a graça na oração. Uma ordem diferente irá, então,
estabelecer-se no coração.
Você diz que teme apaixonar-se pela doçura espiritual. E, certamente, você não
pode pensar em fazer tal coisa. Não é pela sua doçura que se pratica a oração,
mas porque é nosso dever servir a Deus desta maneira, embora a doçura vá com
a necessidade do verdadeiro serviço. A coisa mais importante na prece é
permanecer diante de Deus com temor e reverência, com a mente no coração;
pois isto modera e dispersa toda tolice e planta, no coração, a contrição diante
de Deus. Estes sentimentos de temor e aflição aos olhos de Deus, o coração
contrito e submisso, são as principais características da oração interna real, e o
teste de todas as orações, pelo qual podemos dizer se nossa oração está sendo
executada como deveria ou não. Se eles estão presentes a oração está em
ordem. Quando eles estão ausentes a oração não está no seu verdadeiro
caminho e deve ser trazida de volta à sua apropriada condição. Se não
produzimos esta sensação de temor e contrição, então a doçura e o calor podem
gerar presunção; e isto é arrogância espiritual; e conduzirá a uma perniciosa
ilusão. Logo, a doçura e o calor desaparecerão, deixando apenas memórias, mas
a alma ainda irá imaginar que os tem. Disto você deveria ter medo, e por isto
deveria estimular em seu coração, de modo crescente, o temor a Deus, a
humildade, e uma contrita prostração diante Dele, sempre caminhando em Sua
presença. Esta é a essência da questão.
Não fique atraído pela doçura interior: sem a Cruz ela é instável e perigosa.
Considere a todos como sendo melhores que você. Sem este pensamento mesmo
um operador de milagres está distante de Deus.
Sobriedade e discernimento
Ser sóbrio significa não permitir que o coração se apegue a qualquer coisa
que não seja Deus. Ligar-se a outras coisas embebeda a alma, e ela começa a
fazer muitas e inumeráveis coisas. Estar vigilante significa vigiar
cuidadosamente para que nada de mal brote no coração.
Você ainda conserva seu estado de calor espiritual? Deveria ser conservado. Sua
base é a humildade. Tão logo a humildade diminui, entra a frieza. Pois quando a
alma começa a se considerar como algo importante, o Senhor se afasta de uma
só vez; e, deixada por si só, a alma esfria. Não é somente com a língua que
deveríamos ficar dizendo: “Eu não sou nada”, mas deveríamos sentir nossa
nulidade no coração. Então o Senhor sempre estará ali, Aquele que cria e criou
todas as coisas do nada. O Senhor dará o calor, mas devemos fazer a nossa
própria parte também.
Você tem um livro? Então o leia, reflita sobre aquilo que ele diz, e aplique as
palavras para si mesmo. Aplicar o conteúdo em si mesmo é o propósito e o fruto
da leitura. Se você ler sem aplicar o que é lido em si mesmo, nada bom virá e
pode até resultar prejudicial. Teorias se acumularão na cabeça, levando você a
criticar os outros ao invés de melhorar sua própria vida. Portanto, tenha ouvidos
e ouça. Se você já tem a Filocalia, dê uma olhada em Hesíquio e leia o que ele diz
sobre a sobriedade. Ele dá direções exatas de como controlar e pôr os
pensamentos em ordem. Leia suas palavras atentamente, tome-as no seu
coração, e então aja como sugerido.
O principal fruto da oração não é calor nem doçura, mas temor a Deus e
contrição.
A raiz da boa ordem interior é o temor a Deus. Conserve este temor dentro de
você constantemente: ele manterá todas as coisas bem esticadas e não permitirá
nenhuma lassidão, seja nos pensamentos ou no aparato físico, criando um
coração vigilante e uma mente sóbria, e não permitindo nenhum torpor
corporal ou obscuridade de pensamento.
Sentimentos de êxtase
Notas
[2] 'Calorosa ternura do coração': em russo, umilenie, ' ... palavra que resiste à
tradução. Poderia talvez ser traduzida como "um súbito amolecimento do coração"
ou "uma enchente de profunda emoção no coração". É um impulso repentino e
inesperado que toma conta do homem, um sentimento de ternura inexplicável que
captura o mais duro dos corações... é a emoção do amor e do perdão, as lágrimas do
arrependimento e da alegria, o dom de si oferecido na alegria" (Nicholas Arseniev,
Russian Piety, Londres, 1964, pp. 75-76).
A árvore da vida
Deus é seu professor, Deus é quem ora dentro dele, Deus é quem decide e age
nele, Deus é quem nutre frutos nele, Deus é seu governador. Tal estado é a
semente e o coração da árvore da vida celestial dentro dele.
Mas tão logo um homem, por si mesmo, espere adquirir algo em virtude de seu
próprio poder e autodomínio, então imediatamente a real vida espiritual, plena
de graça, se extingue. Neste estado, a despeito de imensuráveis esforços, o
verdadeiro fruto não pode vir a ser.
Completa serenidade
S. Macário diz (Primeiro Tratado sobre a Vigília do Coração, Cap. xii) que a
graça que chega ao homem ‘não se vincula à sua vontade por força de
necessidade, nem a torna inalterável quer queira quer não. Ao contrário, o
poder de Deus que existe no homem cede o lugar diante do seu livre arbítrio,
para revelar se a vontade do homem está de acordo com a graça ou não. ’ A
partir deste momento a união da liberdade com a graça começa. De início, a
graça fica de fora, e age de fora. Então, ela entra e começa a tomar posse de
partes do espírito: mas, somente assim o faz quando o homem por sua própria
vontade abre a porta para ela, ou abre sua boca para recebê-la. A graça está
sempre pronta para ajudar, se um homem deseja. Por si mesmo um homem não
pode fazer ou estabelecer dentro de si mesmo aquilo que é bom, mas ele pode
ansiar e lutar por isto. Por causa deste anseio, a graça consolida dentro dele o
bem pelo qual ele aspira. E assim se segue, até que o homem adquira uma
completa maestria sobre si, e assim seja capaz de cumprir o que é bom e
agradável a Deus.
Não há nenhuma necessidade de ter medo da ilusão [1]. Ela assalta aqueles que
se tornam vãos, aqueles que começam a achar que só porque algum calor lhes
chegou ao coração já estão no cume da perfeição. De fato, este calor é somente
o começo e pode não se provar estável. Porque este calor e paz no coração
podem ser apenas algo natural – o fruto de uma concentrada atenção. Temos
que trabalhar e trabalhar, esperar e esperar, até que o natural seja substituído
pela graça que nos é dada. É melhor nunca pensar que qualquer coisa tenha
sido obtida por você mesmo, mas sempre ver-se como pobre, nu, cego, e sem
valor.
O Senhor vê sua necessidade e seus esforços, e lhe dará uma mão auxiliadora.
Ele lhe sustentará e lhe estabelecerá como um soldado, plenamente armado e
pronto para ir à batalha. Nenhum apoio pode ser melhor que o Dele. O maior
perigo está na alma achar que pode encontrar esta ajuda em si mesma; então
ela perderá tudo. O mal a dominará de novo, eclipsando a luz que já se agita na
alma ainda que fracamente, e extinguirá a pequena chama que ainda queima de
modo insuficiente. A alma deveria perceber quão impotente ela é por si mesma;
e assim, não esperar nada de si, e deixar-se cair em humildade diante de Deus,
e em seu próprio coração reconhecer-se como sendo nada. Então a graça – que
é todo-poderosa – irá, a partir deste nada, criar tudo nela. Aquele que em total
humildade se coloca na mão do Deus misericordioso, atrai o Senhor para si, e
torna-se forte em Sua força.
Quando você realizar algum esforço especial, não concentre sua atenção e seu
coração nele, mas olhe para ele como algo secundário, e através de uma total
entrega a Deus abra a si mesmo para a graça de Deus, como um vaso disposto e
pronto para recebê-la.
Quem quer que encontre a graça encontra-a por meio da fé e do zelo, diz São
Gregório do Sinai, e não apenas através do zelo. Por mais meticuloso que seja
nosso trabalho, tanto quanto nos omitimos de entregar-nos a Deus enquanto o
executamos, falhamos em atrair a graça de Deus, e nossos esforços edificam
dentro de nós não tanto um verdadeiro espírito da graça, mas o espírito de um
Fariseu. A graça é a alma do esforço.
A vida é a força para agir. Vida espiritual é a força para agir espiritualmente, de
acordo com a vontade de Deus. O homem perdeu esta força; deste modo, até
que ela lhe seja restaurada, ele não pode viver espiritualmente, não importando
o quanto ele assim pretenda. Esta é a razão pela qual o fluxo da graça na alma
de um crente é essencial para a verdadeira vida Cristã. A verdadeira vida Cristã
é a vida da graça. Um homem toma algumas resoluções religiosas: mas para ser
capaz de agir de acordo com elas, é necessário que a graça esteja unida com seu
espírito. Quando esta união está presente, a força moral, até aqui evidente só
em seu primeiro e temporário entusiasmo, é impressa em seu espírito e
permanece sempre lá. Este restabelecimento da força moral do espírito é
efetuado pela ação que regenera o batismo, pelo qual ao homem são
concedidas a razão e a força para agir “diante de Deus com retidão e verdadeira
santidade.” (Ef. iv. 24).
Você escreve que às vezes, durante a prece, uma solução para algum problema,
que o deixa perplexo em sua vida espiritual, vem por si mesmo de uma fonte
desconhecida. Isto é bom. É a verdadeira maneira Cristã com que é ensinada a
verdade de Deus. Aqui a promessa é cumprida: “E serão todos ensinados por
Deus.” (João Cap. vi. 45). Assim de fato é. As verdades são inscritas no coração
pelo dedo de Deus, e ali permanecem firmes e indeléveis. Não negligencie estas
verdades que Deus inscreve, mas as registre.
Purificando a fonte
Para que o homem seja purificado e curado, a graça divina começa, antes de
tudo, a entregar a fonte e a nascente original de todas as atividades humanas a
Deus. Em outras palavras, a graça virá à consciência do homem e o seu livre
arbítrio em direção a Ele, de modo que, usando isto como um ponto inicial,
possa no seu apropriado curso efetuar a cura de todos os poderes do homem
através de suas próprias atividades: a fonte foi curada e santificada, e assim
todas as faculdades dependentes daquela fonte são gradualmente purificadas
desde esta mesma nascente.
Porém, desde que estes poderes estão infectados com o que é antinatural, o puro
espírito da graça, chegando ao coração, é incapaz de entrar direta e
imediatamente neles, sendo bloqueado pelas suas impurezas.
Portanto, devemos estabelecer algum canal entre o espírito da graça que vive
dentro de nós e nossos próprios poderes, de modo que o espírito possa fluir
sobre eles e curá-los, assim como medicamentos curam os lugares feridos sobre
os quais são aplicados.
É evidente que, para efetivamente agir como um canal, todos estes meios devem
carregar, por um lado, o caráter e as qualidades de uma origem divina e
celestial, e, por outro, ser perfeitamente adaptado aos nossos poderes em seus
naturais propósitos e disposições. De outro modo eles não agirão como um
efetivo canal da graça, nem nossos poderes serão capazes de atrair a cura deles.
Tais, portanto, devem ser, necessariamente, a origem e as qualidades internas
destes meios de cura. Em relação às suas formas exteriores, eles não podem ser
nada mais que atividades, exercícios, trabalho; pois eles são aplicados a poderes
e faculdades humanas cuja qualidade distintiva é a ação.
No entanto, tudo que se refere a este trabalho deve ser efetuado em dois
movimentos do livre arbítrio – o movimento de sair do mundo externo para seu
ser interno e o subsequente movimento do ser para Deus. No primeiro
movimento, o homem retoma o poder sobre ele próprio o qual havia perdido, e
no segundo ele entrega-se como uma oferenda a Deus – o livre arbítrio de
oferecer-se em holocausto. No primeiro ele decide abandonar o pecado, e no
segundo, aproximando-se de Deus, ele jura pertencer apenas a Ele todos os dias
da sua vida.
Estes atos de fiel devoção a graça, combinado com a oração (que neste estágio já
é contínua) fazem com que o dom da graça aumente em fervor e calor. Quando
um fogo é acendido o movimento do ar é necessário para manter a chama acesa
e para fortalecê-la: de um modo exatamente igual, quando o fogo da graça é
acendido no coração, a oração é necessária, pois ela age como uma corrente de
ar espiritual no coração. O que é esta oração? É o incessante voltar-se da mente
para o Senhor no coração, é a contínua permanência diante do Senhor com a
mente no coração, acompanhado ou não por súplicas a Ele, mas apenas com
sentimentos de devoção e contrita rendição a Ele no coração. Nesta atividade,
ou melhor, neste estado mental reside a principal maneira de sustentar o calor
interior e a plenitude da ordem interior, de dispersar pensamentos vãos e maus,
e de confirmar bons pensamentos e empreendimentos. Os bons pensamentos e
intenções chegam; o homem vai fundo na oração e ao perceber se estes tornam-
se mais fortes ou desaparecem durante a oração, ele sabe se estes pensamentos
e iniciativas são agradáveis a Deus ou não. Quando chegam maus pensamentos,
ou algo começa a perturbar a alma, ele novamente vai fundo na oração sem
prestar atenção àquilo que está acontecendo dentro, e os pensamentos
perturbadores se esvanecem. Deste modo, a oração interna é estabelecida nele
como a principal força diretiva e governadora de sua vida espiritual. Não se
admire assim, que todas as instruções dos escritos dos Padres estejam
direcionadas proeminentemente a nos ensinar como orar interiormente ao
Senhor no modo correto.
Durante o segundo período, a graça de Deus faz sua presença e ação sentirem-
se de modo tangível, unindo a mente com o coração, e tornando possível a
oração sem sonhos ou distrações, mas com um coração que lacrimeja e tem
calor. Neste ponto, pensamentos pecaminosos perdem seu poder de dominar a
mente.
É, portanto, muito claro que a busca dos iniciantes é pelo lugar do coração; isto
é, suas inoportunas e prematuras tentativas para acender a ação manifesta da
graça, são os maiores erros que comete, pervertendo a devida ordem e o
sistema da ciência da prece. Tal procedimento é orgulho e tolice. Do mesmo
modo não é correto para um iniciante usar as práticas recomendadas pelos
Santos Padres para os monges avançados e os hesicastas.
Trabalhe, exercite-se, busque e você encontrará; bata e lhe será aberto. Não
relaxe e não se desespere. Mas, ao mesmo tempo, lembre-se que estes esforços
não são mais que tentativas da sua parte para atrair a graça; eles não são a
própria graça, que ainda temos de ir buscar. A principal coisa que nos falta é a
força vivificante da graça. É muito notável que quando raciocinamos, ou
oramos, ou fazemos qualquer outra coisa desta natureza, é como se
estivéssemos forçando em nosso coração algo externo, de fora para dentro. É
isto o que acontece algumas vezes: nossos pensamentos ou preces causam uma
impressão em nós, e seus efeitos descem ao coração a certa profundidade,
dependendo da força dos esforços que fizemos; mas então, logo em seguida,
esta impressão é novamente expulsa – como um graveto que é atirado
verticalmente na água e é forçado a voltar para cima novamente – por causa de
uma espécie de resistência no coração que é desobediente e desacostumada a
tais coisas. Imediatamente em seguida a isto, a frieza e vulgaridade começam
novamente a tomar conta da alma: um claro sinal que não era a ação da graça o
que experimentávamos ali, mas somente os efeitos de nosso próprio trabalho e
esforço. Portanto, não fique contente apenas com estes esforços; não descanse
sobre eles como se fossem o que você tem que encontrar. Esta é uma ilusão
perigosa. É igualmente perigoso pensar que nestes trabalhos há mérito, que a
graça é obrigada a recompensar. De fato, não: estes esforços são apenas
preparação para receber a graça, mas o dom em si depende inteiramente da
vontade do Doador. Portanto, com cauteloso uso de todos os meios já
mencionados, aquele que busca deve ainda caminhar na expectativa da visita
divina, que não dá nenhum aviso de sua vinda, e chega de um lugar que
ninguém conhece.
Somente quando este vivificante poder da graça chega é que o trabalho interno
de transformação de nossa vida e caráter irá realmente começar. Sem ele, não
podemos esperar pelo sucesso; haverão apenas tentativas mal sucedidas. Bem-
aventurado Agostinho testemunha isto, pois ele trabalhou sobre si mesmo dura
e longamente, mas dominou a si próprio somente quando estava preenchido
com a graça. Trabalhe com expectativa confiante. A graça virá e colocará tudo
em ordem.
Pelo toque da Sua mão no meu inteiro ser, minha mente, coração e corpo
ficaram unidos, compondo um único e unificado todo. Eles tornaram-se
imersos em Deus, e em Deus eles permanecem tanto quanto esta Mão invisível,
incompreensível e todo-poderosa, sustenta-os lá.
Aquele que buscou pelo auxílio da graça e agora sente sua presença deve estar
firmemente decidido, não somente a corrigir a si mesmo, mas também a
começar a fazê-lo de uma vez por todas. Este desejo de corrigir a si mesmo já o
conduziu em todos os seus esforços anteriores, mas há ainda algo a ser
adicionado à sua composição ou ao seu aperfeiçoamento. Pois existem vários
tipos de desejo. Há o desejo mental: a mente exige algo e o homem faz o esforço;
tal desejo dirige o trabalho preparatório. Há o desejo compassivo: este nasce
sob a influência das afeições e sentimentos induzidos pela graça. Finalmente, há
o desejo ativo: o consentimento da vontade para começar de uma vez com a
tarefa de reerguer-se do estado decaído. Sustentado pela graça de Deus você
deve, agora, inciar.
Notas
CAPÍTULO IV
OS FRUTOS DA ORAÇÃO
por Teófano, o Recluso
(iii) A Combustão do Espírito
Não apague o Espírito
‘Vamos, então, tomar cuidado para não apagar o Espírito. Todas as ações más
extinguem esta luz: calúnias, ofensas e coisas do gênero. A natureza do fogo é
tal que tudo aquilo que lhe é estranho o destrói, e tudo o que é semelhante lhe
dá ulterior força. Esta luz do Espírito reage da mesma maneira’.
Ponha de lado tudo aquilo que pode extinguir esta pequena chama que está
começando a queimar dentro de você, e circunde-se com tudo aquilo que pode
alimentá-la e arejá-la em um forte fogo. Isole-se, ore, pense sobre aquilo que
deve fazer. A ordem de vida, de ocupação e trabalho, que você se forçou por
adotar quando estava buscando pela graça, é também a mais útil para
prolongar dentro de você a ação da graça que agora começou. O que você mais
precisa na sua atual situação é solidão, oração, e meditação. Sua solidão deve
tornar-se mais unificada, sua oração mais profunda, e sua meditação mais
enérgica.
Um coração ardente
Mas com outros tudo se retarda. Talvez eles sejam indolentes por natureza, ou a
intenção de Deus para eles seja diferente, porém seus corações não se aquecem
rapidamente. Eles têm todos os hábitos da piedade e suas vidas parecem
externamente honestas; mas tudo não vai bem, pois seus corações estão vazios
daquilo que deveria estar lá. Isto acontece não somente no caso de homens
leigos mas com pessoas vivendo em monastérios e mesmo com eremitas.
O fogo no coração pode ser aceso pelo esforço ascético, mas só tal esforço não se
combustará rapidamente em fogo. Existem muitos obstáculos no caminho.
Assim, desde os tempos antigos aqueles que eram zelosos pela salvação e
experimentados na vida espiritual – através da inspiração de Deus e sem
renunciar a seus esforços ascéticos – descobriram outro método para aquecer o
coração, o qual entregaram para o uso dos outros. Este método parece simples e
fácil, mas na verdade não é menos difícil de ser realizado. Este atalho para a
realização de nossa meta é a prática sincera da oração interior de nosso Senhor
e Salvador. É assim que deveria ser realizada: esteja com a mente e a atenção no
coração, estando seguro de que o Senhor está perto e ouvindo; chame-O com
fervor: “Senhor Jesus Cristo, Filho de Deus, tem piedade de mim, um pecador”.
Faça isto constantemente na igreja e em casa, trabalhando à mesa, e no leito:
em uma palavra, do momento em que você abre seus olhos até o momento em
que você os fecha. Isto será exatamente igual a manter um objeto no sol, porque
isto é manter a si mesmo diante da face do Senhor, que é o Sol do mundo
espiritual. No início, você deve abrir mão de uma parte reservada de tempo,
noite e manhã, exclusivamente para esta prece. Então, você perceberá que a
prece começa a dar fruto, no momento em que ela se apodera do coração e
torna-se, profundamente, enraizada nele.
Quando tudo isto é executado com zelo, sem preguiça ou omissão, o Senhor
olhará com misericórdia para você e acenderá uma chama em seu coração; e esta
chama é o testemunho seguro para a intensificação da vida espiritual no íntimo
do seu ser, para a entronização interna do Senhor.
TEÓFANO, O RECLUSO
Tão logo este calor seja estimulado, seus pensamentos irão ordenar-se, a
atmosfera interna se tornará clara, a repentina aparição dos movimentos do bem
e do mal se tornarão completamente aparentes para você, e lhe surgirá o poder
para expulsar o mal. Esta luz interna também se estende para as coisas externas
e torna clara a distinção entre certo e errado, dando-lhe a força para que você se
estabeleça naquilo que é correto, a despeito de qualquer tipo de obstáculos. Em
uma palavra, você agora iniciou a verdadeira vida espiritual ativa, pela qual até
aqui você ainda estava buscando; e quando ela aparecia, aparecia-lhe apenas
espasmodicamente.
Aquelas saudades por Deus das quais falei inicialmente também trarão calor,
mas é um calor temporário que cessa quando a saudade cessa. Mas o calor
agora concebido no coração permanece dentro incessantemente, e sustenta a
atenção da mente sempre fixa sobre ele.
Quando a mente está no coração, este fato é, na verdade, aquela união da mente
e do coração que representa a reintegração do nosso organismo espiritual.
O Senhor virá para verter Sua luz em seu entendimento, para purificar suas
emoções, para guiar suas ações. Você sentirá, em si mesmo, forças que até então
lhe eram desconhecidas. Esta luz virá: não de forma aparente à visão e aos
sentidos, mas chegando invisivelmente e espiritualmente – e, no entanto, não
menos efetivamente. O sintoma do seu advento é a origem, neste ponto, de uma
constante combustão do coração: na medida em que a mente permanece no
coração, esta incessante combustão infunde nela a lembrança de Deus, você
adquire o poder de habitar internamente e, consequentemente, todas as suas
potencialidades internas são efetuadas. Você aceita o que é agradável a Deus,
enquanto tudo aquilo que é pecaminoso você rejeita. Todas as suas ações são
conduzidas com uma precisa percepção da vontade de Deus a respeito delas; é-
lhe dado poder para governar o pleno curso de sua vida, tanto dentro como
fora, e você adquire a maestria sobre si mesmo. Neste estado, o homem é,
geralmente, mais influenciado do que ativo. Quando a chegada de Deus é
conscientemente experimentada em seu coração, ele conquista a liberdade de
ação. Então é cumprida a promessa: “Se, pois, o Filho vos libertar,
verdadeiramente sereis livres. (João viii. 36) É isto e não algo inteiramente
oculto aquilo que o Senhor lhe trará.
Calor do coração, sobre o qual você escreve, é uma boa condição que deveria ser
protegida e mantida. Quando enfraquece, você deve continuar a estimulá-lo,
recolhendo-se internamente com toda sua força e invocando por Deus. Para
evitar que este calor lhe abandone, você deve evitar a distração do pensamento e
as impressões que vêm através dos sentidos, que são incompatíveis com este
estado. Evite o apego de seu coração a qualquer coisa visível, ou a absorção de
sua atenção por qualquer cuidado mundano. Faça com que sua atenção em
direção a Deus seja resoluta, e a firmeza de seu corpo plena, como uma corda,
ou como um soldado na parada. Mas a coisa mais importante é orar a Deus e
pedir-Lhe para prolongar esta misericórdia do calor no coração.
Quando surgir a questão: ‘É isto?’, estabeleça uma regra, de uma vez por todas,
para afastar tais questões, impiedosamente, tão logo elas apareçam. Elas se
originam do inimigo. Se você demorar sobre esta questão o inimigo irá
pronunciar a decisão sem vacilo: ‘Oh sim, certamente que é – você fez tudo
muito bem!’ Dai por diante, você sobe em pernas-de-pau e começa a abrigar
ilusões sobre si e a achar que os outros não servem a nada. A graça diminuirá,
mas o inimigo lhe fará pensar que a graça ainda está com você. Significará dizer
que você imagina que possui algo quando na realidade não possui, de fato,
nada. Os Santos Padres escreveram: “Não se meça” Se você acha que pode
decidir qualquer questão a respeito do seu progresso, significa que você está
começando a medir-se para ver o quanto você evoluiu. Por favor, evite isto
como se evitasse o fogo.
Calor real é um dom de Deus; mas existe também o calor natural que é o fruto
dos seus próprios esforços e passageiros estados de espírito. Os dois são tão
distantes um do outro como o céu da terra. Nos estágios iniciais não é claro qual
tipo de calor você tem; mais tarde isto será revelado.
Você diz que seus pensamentos o cansam, que eles não lhe permitem que você
permaneça firmemente diante de Deus. Este é um sinal de que o seu calor não
vem de Deus mas de si mesmo. O primeiro fruto do calor de Deus é uma
reunião dos pensamentos em um único, e uma incessante concentração deles
sobre Deus. Pense na mulher cujo fluxo de sangue repentinamente secou. Do
mesmo modo, quando recebemos o calor de Deus, o fluxo de pensamentos é
estancado.
O que é necessário, então? Mantenha o seu calor natural mas não atribua
nenhum valor a ele, e o considere apenas como uma espécie de preparação
para o calor de Deus. E então, afligido com a fraqueza do eco do calor de Deus
em seu coração, ore a Ele incessantemente e com pesar: ‘Seja misericordioso!
Não vire Tua face de mim!’ Junto com isto acrescente privações corporais de
comida, sono, trabalho e assim por diante. E coloque todas as coisas na mão de
Deus.
As palavras desta oração são “Senhor Jesus Cristo, Filho de Deus, tem piedade
de mim” ou “Jesus, Filho de Deus, tem piedade de mim”. A chama sobre a qual
falamos não se acende imediatamente, mas apenas depois de trabalhos visíveis,
quando ali no coração surge certo calor que cresce constantemente e que
queima ainda mais brilhantemente durante a oração interna. Oração ao Senhor,
oferecida das profundezas do nosso ser, faz com que o calor espiritual surja.
Padres experimentados fazem uma estrita distinção entre três espécies de calor:
calor físico, que é direto e chega como resultado da concentração de nossas
forças na região do coração através da atenção e do empenho; o calor luxurioso,
que é algumas vezes produzido pelo inimigo em nós; e o calor espiritual que é
sóbrio e puro. Este último é de duas espécies: natural – o resultado da
combinação da mente com o coração – e aquele dado pela graça. A experiência
nos ensina como distinguir cada espécie. Este calor é cheio de doçura e assim
esperamos mantê-lo, tanto pela própria doçura como também porque ele traz
certa harmonia a todas as coisas internas. Mas qualquer um que se esforce por
manter e aumentar este calor, somente por causa da própria doçura,
desenvolverá em si uma espécie de hedonismo espiritual. Portanto, aqueles que
praticam a sobriedade não prestam nenhuma atenção a esta doçura, mas
tentam permanecer, simplesmente, firmemente enraizados diante do Senhor
em completa entrega a Ele, deixando a si mesmos nas mãos de Deus. Eles não se
importam com a doçura que vem deste calor, nem apegam sua atenção a ela. É
possível, por outro lado, atar nossa plena atenção a este sentimento de doçura e
calor, tendo prazer nele como se fosse um quarto quente ou um cobertor e,
então, parar neste ponto, sem tentar subir nem mais um pouco. Alguns místicos
não vão além disto mas consideram tal estado como o mais alto que um homem
pode obter: ele os emerge numa espécie de nulidade, numa completa suspensão
de pensamento. Este é o ‘estado de contemplação’ alcançado por alguns
místicos.
O mundo espiritual está aberto para aquele que vive dentro de si mesmo. Por
permanecer dentro e por vislumbrar esta visão do outro mundo, origina-se um
senso de calor em nossos sentimentos espirituais; e, inversamente, este mesmo
senso de calor espiritual nos capacita a habitar no interior, e desperta nossa
percepção do reino espiritual dentro. A vida espiritual amadurece pela ação
mútua de ambas as coisas – interioridade e calor. Aquele que vive com
sentimento espiritual e calor do coração tem seu espírito vinculado e
subordinado, mas o espírito de um homem que carece deste calor irá extraviar-
se. Portanto, para uma ulterior e constante interioridade empenhe-se pelo calor
do coração; mas empenhe-se também, através de intensos esforços, para entrar
e permanecer no interior de si. Esta é a razão pela qual aqueles que buscam
permanecer focados somente com a mente – sem calor do coração – lutam em
vão: de um momento a outro tudo se dispersa. E assim não é de se admirar que,
apesar de toda educação, os cientistas constantemente percam a verdade – é
porque eles trabalham apenas com a cabeça.
Fique de pé ou sente-se diante dos ícones numa atitude de oração, e traga sua
atenção para baixo, ao lugar onde está o seu coração: então, sem pressa,
pratique a Oração de Jesus ali, sempre mantendo na lembrança a presença de
Deus. Faça isto por meia hora, uma hora, ou mais. É difícil no começo, mas
quando o hábito for uma vez adquirido, será executada tão naturalmente como a
respiração.
Quando você tiver estabelecido esta ordem interna, a vida espiritual (ou os
trabalhos espirituais como eles a nomeiam) começará em você. Aqui a
primeira exigência é a pureza da consciência, sua impecabilidade – não
somente diante de Deus, mas diante dos homens e diante de si mesmo, até
mesmo diante de objetos inanimados. Se algo minúsculo desliza em seus
pensamentos ou em palavras que perturbam sua consciência, você deve
imediatamente arrepender-se internamente diante de Deus, que vê todas as
coisas e que dará paz à sua consciência.
Onde existe o zelo, a graça do Espírito Santo, como uma chama, também
estará presente. Uma chama é mantida flamejante pelo óleo, e o óleo espiritual
é a oração. Tão logo a graça toca o coração, a semente da oração é ali semeada,
e segue-se um imediato direcionamento da mente e do coração à Deus.
Pensamentos de Deus seguem-se, então, no devido tempo.
Seu sótão é exatamente como uma cela no deserto. É possível que você não
veja ou escute nada. Você pode ler um pouco e pensar; você pode orar um
pouco e pensar novamente. E isto é tudo. Se só Deus poderia nos dar calor do
coração e o estabelecê-lo em nós! Consciência purificada e incessante
direcionamento a Deus em oração, normalmente, produzirão este calor. Mas
tudo está nas mãos de Deus.
Notas
[2] Não fica claro quem Teófano tem em mente aqui; O Conde Michael
Speransky (1772 - 1839), o célebre estadista russo, ou possivelmente algum
outro Speransky, menos conhecido.
A Arte da Prece - Uma Antologia Ortodoxa
- (Capítulo V - i) O Reino Dentro de Nós
CAPÍTULO V
O REINO DO CORAÇÃO
(i) O Reino Dentro de Nós
A escada para o Reino
Entre ardentemente na casa do tesouro que está dentro de você, e verá a casa
do tesouro do céu; pois os dois são o mesmo, e há apenas uma única entrada
para ambos. A escada que conduz ao Reino está escondida dentro de você, e se
encontra em sua própria alma. Mergulhe em si mesmo e você descobrirá os
degraus pelos quais subir.
S. ISAAC, O SÍRIO
Vamos, agora, tomar o caso de alguém que no trabalho de salvação teve uma
queda relativamente curta; ele fica ciente de sua incompletude, e vê a
imperfeição do seu modo de vida e da instabilidade de seus esforços. E assim
de atos de piedade externos ele se dirige àqueles internos. Ele é levado a isto
pela leitura de livros sobre a vida espiritual, ou por conversas com aqueles que
conhecem qual é a essência da vida Cristã, ou pela insatisfação com seus
próprios esforços, por certa intuição de que algo está faltando, e que tudo não
está caminhando como deveria.
Apesar de toda sua retidão ele não tem paz interior; a ele falta aquilo que foi
prometido aos verdadeiros Cristãos: “paz e alegria no Espírito Santo” (Rom. xiv.
17). Uma vez que esse perturbador pensamento nasce nele, então através de
conversas com pessoas que têm conhecimento ele virá a perceber qual é o
problema, ou ele pode ler a respeito em um livro. Uma ou outra dessas coisas
lhe capacitará a ver o defeito essencial na ordem de sua vida, ou seja, sua falta
de atenção aos movimentos dentro de si, e sua falta de autodomínio.
Ele entende então que a essência da vida Cristã consiste em estabelecer-se com
a mente no coração diante de Deus, no Senhor Jesus Cristo, pela graça do
Espírito Santo. Neste modo ele fica habilitado a controlar todos os movimentos
internos e todas as ações externas, transformando tudo em si mesmo, seja
grande ou pequeno, num serviço ao Deus da Trindade, oferecendo-se
inteiramente a Deus, livre e conscientemente.
TEÓFANO, O RECLUSO
TEÓFANO, O RECLUSO
Neste ponto o homem zeloso olha para dentro, e o que você acha que ele
encontra lá? Um incessante vagar dos pensamentos, constantes assaltos das
paixões, frieza e rigidez de coração, obstinação e desobediência, desejo de fazer
tudo de acordo com sua própria vontade. Em uma palavra, ele acha todas as
coisas dentro de si num péssimo estado. E vendo isto seu zelo é inflamado e,
agora, direciona árduos esforços para o desenvolvimento de sua vida interior,
para controlar seus pensamentos e as disposições de seu coração. A partir de
alguns conselhos sobre a vida espiritual interior ele descobre a necessidade de
prestar atenção sobre si mesmo, de vigiar sobre os movimentos do coração.
Para que nada ruim seja admitido, é necessário conservar a lembrança de
Deus.
O que deve ser feito? Seja paciente, eles dizem, e siga trabalhando. Paciência e
trabalho são exercitados, mas tudo continua o mesmo. Finalmente, alguém com
experiência é encontrado e este explica que tudo está internamente
desordenado porque as forças internas estão divididas: mente e coração, cada
um segue seu próprio rumo. A mente e o coração devem estar unidos; então o
devaneio dos pensamentos terminará, e você ganhará um leme para orientar o
barco da sua alma, uma alavanca com a qual pôr em movimento todo seu
mundo interior. Mas como alguém pode unir a mente e o coração? Adquire o
hábito de rezar estas palavras com a mente no coração: “Senhor Jesus Cristo,
Filho de Deus, tem piedade de mim”. E esta oração, quando você aprender a
executá-la apropriadamente, ou melhor, quando ela tiver sido enxertada no
coração, lhe conduzirá para o fim que almeja. Ela unirá sua mente com seu
coração, ela cortará seus pensamentos errantes e lhe dará poder para governar
os movimentos de sua alma.
TEÓFANO, O RECLUSO
Se tudo vai bem, um homem que busque a vontade de Deus, após reflexão,
decide desfazer-se das distrações e vive em abnegação, inspirado pelo temor a
Deus e por sua consciência. Em resposta a esta decisão, a graça de Deus, que
até então agia de fora, entra através dos sacramentos; e o espírito do homem,
previamente impotente, torna-se agora pleno de força.
TEÓFANO, O RECLUSO
Esta prática da leitura e da conversa sobre Deus, utilizada por si mesma, cria um
fácil hábito para as seguintes coisas: é mais fácil filosofar do que orar ou prestar
atenção sobre si. E desde que é um trabalho da mente, que cai tão facilmente no
orgulho, ela predispõe um homem a auto-estima. Pode, ao mesmo tempo,
esfriar o desejo por esforço prático e, consequentemente, entravar um sadio
progresso por um bajulador sucesso nesta atividade mental.
TEÓFANO, O RECLUSO
TEÓFANO, O RECLUSO
Por fim o período de busca enfadonha se vai; o afortunado buscador recebe por
aquilo que procurava. Ele encontra o coração e se estabelece nele com sua
mente diante de Deus, e permanece diante Dele sem desviar-se, como faz um
leal súdito diante do Rei, recebendo Dele o poder e a força para governar toda
sua vida interior e exterior, de acordo com a boa vontade de Deus. Este é o
momento quando o reino de Deus entra nele e começa a manifestar-se em seu
natural vigor.
TEÓFANO, O RECLUSO
Do ponto de vista psicológico, sobre o reino de Deus deve ser dito isto: nasce em
nós quando a mente se une com o coração, ambos aderindo iguais e
resolutamente à lembrança de Deus.
TEÓFANO, O RECLUSO
TEÓFANO, O RECLUSO
Pode parecer estranho que a comunhão com Deus ainda tenha que ser obtida
quando ela já nos foi dada no sacramento do batismo e renovada através do
sacramento da confissão, já que está dito: “Pois todos vocês, que foram
batizados em Cristo, se revestiram de Cristo.” (Gal. Iii. 27); “Vocês estão mortos
(isto é, mortos para o pecado através do batismo ou confissão), e a vida de vocês
está escondida com Cristo em Deus” (Col. iii. 3). E também sabemos que Deus
está em toda parte, que ele não está longe de cada um de nós, “...se, por ventura,
tateando, o possam achar” (Atos xvii. 27), e Ele está pronto para habitar em
qualquer um que esteja desejoso de aceitá-Lo. É somente por falta de vontade,
descuido e pecado que nos separamos Dele. Agora, se uma pessoa se
arrependeu e repudiou tudo, e assim entrega-se a Deus, qual é, então, o
obstáculo para que Deus venha a habitar nela? .
TEÓFANO, O RECLUSO
Seria errado pensar que já que a comunhão com Deus é a suprema meta do
homem, ela lhe seria concedida apenas nos últimos tempos, por exemplo, no
fim dos nossos trabalhos. Não, aqui e agora ela deve ser nosso constante e
incessante estado. Quando não temos a comunhão com Deus, e não O sentimos
dentro de nós, devemos reconhecer que fugimos de nossa meta e do caminho
escolhido para nós.
TEÓFANO, O RECLUSO
Todos nós que fomos batizados e crismados recebemos o dom do Espírito Santo.
Ele está em todos nós, mas Ele não está ativo em todos nós.
TEÓFANO, O RECLUSO
O pecado é agora expulso da sua fortaleza e a bondade toma seu lugar, enquanto
que a força do pecado é fragmentada e dispersa.
‘A graça e o pecado não moram juntos na mente’, diz S. Diádocos, ‘no entanto,
diante do batismo a graça estimula a alma à bondade, de fora, enquanto que
Satã espreita em suas profundezas, empenhando-se para bloquear todos os
acessos da honestidade na mente; mas no exato momento em que renascemos o
demônio permanece fora e a graça habita dentro.’
TEÓFANO, O RECLUSO
Você está fazendo árduos esforços para obter o hábito da Oração de Jesus. Possa
o Senhor abençoá-lo! Você deve acreditar que o Senhor Jesus Cristo está dentro
de nós – pelo poder do batismo e da sagrada comunhão, de acordo com Sua
promessa; pois Ele está unido conosco através destes sacramentos. Pois aqueles
que são batizados estão vestidos em Cristo, e aqueles que fazem a sagrada
comunhão recebem o Senhor: “Quem come a minha carne e bebe o meu sangue
vive em mim e eu vivo nele’ (João vi. 56), diz o Senhor. Apenas os pecados
mortais nos despojam desta grande misericórdia; e mesmo assim ela pode ser
recuperada por aqueles que se arrependem e vão à confissão, e depois recebem a
sagrada comunhão. Você deve acreditar nisto. Se sua fé é insuficiente, ore para
que Deus possa aumentá-la e estabelecê-la em você, firme e imperturbável.
TEÓFANO, O RECLUSO
Nos escritos dos homens de Deus, que foram honrados com esta graça do
Espírito e que até viveram permanentemente sob sua influência, encontramos
que duas coisas, em particular, são requeridas de um homem para obter isto: ele
deve purificar seu coração das paixões, e dirigir-se a Deus em oração. O
Apóstolo Paulo sublinha estas duas coisas, como faz S. João Crisóstomo. A
oração, diz ele, permite que o Espírito Santo aja livremente no coração: ‘Aqueles
que cantam salmos, se plenificam com o Espírito.’ E ele fala, a seguir, da
purificação das paixões que conduz ao mesmo fim: ‘Está em nosso poder ser
plenificado com o Espírito?’ ele pergunta, ‘Sim, está em nosso poder. Quando
purificamos nossa alma da mentira, crueldade, fornicação, impurezas e cobiça,
quando nos tornamos bondosos de coração, compassivos, auto-disciplinados,
quando não há blasfêmia ou gracejos mal colocados em nós – quando nos
tornamos merecedores disto, então o que irá impedir o Espírito Santo de
aproximar-se e pousar dentro de nós? E Ele não só se aproximará, mas trará
plenitude ao coração.’
TEÓFANO, O RECLUSO
Tudo deve ser feito no seu devido tempo. Uma ascensão ordenada
TEÓFANO, O RECLUSO
A parábola do fermento
TEÓFANO, O RECLUSO
Como a escuridão não pode permanecer diante da luz, assim tudo que é carnal,
apaixonado, ou pecaminoso, não pode permanecer diante de nosso Senhor
Cristo e Seu Espírito. Mas como a existência do sol não exclui o fenômeno da
escuridão, assim a presença do Filho e do Espírito dentro de nós não exclui a
existência de algo que é apaixonado e pecaminoso em nós, mas somente afasta a
sua força. Tão logo surge uma ocasião, os elementos apaixonados e
pecaminosos dão um passo à frente e se oferecem à nossa consciência e
vontade. Se nossa consciência presta atenção e se ocupa com eles, então nossa
vontade também dirigir-se-á a eles. Mas se, naquele momento, nossa
consciência e vontade atravessam para o lado do espírito e dirigem-se para
nosso Senhor Cristo e Seu Espírito, então tudo que é carnal e apaixonado
desaparecerá imediatamente como fumaça diante de um sopro de vento. Isto
significa que a carne está morta, impotente. Tal é a regra de vida geral para os
verdadeiros Cristãos; mas eles estão em estágios diferentes. Quando alguém
permanece resolutamente com sua consciência e vontade ao lado do Espírito,
em uma visível e tangível união com Cristo nosso Senhor em Seu Espírito,
então, naquele momento, nada que seja carnal ou apaixonado pode mostrar-se
tanto, nenhum tanto a mais do que a escuridão diante do sol ou o frio diante das
chamas. Num tal caso, a carne está bem morta e imóvel. É deste estágio que São
Paulo está falando no texto citado por S. João Crisóstomo. S. Macário do Egito
descreve este estágio frequentemente.
O curso geral a ser seguido na vida espiritual está bem descrito por S. Hesíquio.
A essência do seu ensinamento é este: quando a carne e a paixão surgem, afaste-
se deles com desdém, com desprezo, com inimizade; e dirija-se com oração para
nosso Senhor Cristo que está dentro de você – então o desejo carnal e
apaixonado imediatamente lhe deixará.
TEÓFANO, O RECLUSO
Existem três espécies de atividade exercida pelos poderes da alma. Cada espécie
é, ao mesmo tempo, adaptada aos movimentos do espírito, e conduzem a um
tipo particular de sentimento espiritual. Cada uma conduz também ao
fortalecimento das condições iniciais para a constante interiorização. Estas
atividades são: a atividade intelectual que conduz a concentração da atenção; a
atividade da vontade que conduz à vigilância; a atividade do coração que conduz
à sobriedade. A oração abraça todas estas atividades de uma vez e as unem
todas, como explicamos antes. Estas atividades, penetrada por elementos
espirituais, conectam a alma com o espírito e fundem os dois juntos. Fica
manifesto, por isto, quão fundamentalmente necessário elas são, e quão
equivocados estão aqueles que as desconsideram. Tais pessoas são, elas
próprias, a causa do por que seus trabalhos permanecem infrutíferos; e então
elas rapidamente esfriam e isto é o fim de tudo.
TEÓFANO, O RECLUSO
TEÓFANO, O RECLUSO
TEÓFANO, O RECLUSO
O olho do espírito
TEÓFANO, O RECLUSO
Então você começou a perceber o que significa a paz real. Glória a Deus! Então,
qual é o problema? Agora, você deve avançar no reino onde esta paz é
encontrada. Busque o Paraíso perdido, para cantar louvores ao Paraíso
recuperado. Isto é tudo o que importa. Todas as coisas externas e separadas
desta paz são vãs. E esta paz não está longe, está quase dentro do seu alcance,
embora você deva desejá-la, e desejar não é tão fácil. Possa a Mãe de Deus e seu
Anjo Guardião ajudarem você!
TEÓFANO O RECLUSO
O Senhor tomou o homem que Ele criou e ‘o colocou no jardim do Éden para o
cultivar e o guardar’ (Gen. ii. 15). Este mandamento para cultivar e guardar o
Paraíso deve ser entendido não apenas no sentido físico direto, mas também no
seu significado espiritual superior. Por ‘Paraíso’ os Santos Padres querem
significar a alma dos primeiros seres humanos, o lugar onde a mais abundante
graça divina habita e onde um grande número de variadas virtudes dão seus
frutos. Por ‘cultivar’ este jardim espiritual eles querem se referir àquilo que
mais tarde foi chamado ‘trabalho espiritual’, e pela ‘guarda’ desta atividade
interna referem-se à conservação da pureza já adquirida pela alma.
O reino de Deus está dentro de nós quando Deus reina em nós, quando a alma
em suas profundezas confessa Deus como seu Mestre, e é obediente a Ele em
todos os seus poderes. Então Deus age dentro dela como mestre ‘tanto da
vontade como da ação, conforme sua benevolência’ (Filipenses ii. 13). Este reino
começa tão logo decidamos servir a Deus em nosso Senhor Jesus Cristo, pela
graça do Espírito Santo. Então o Cristão oferece a Deus sua consciência e
liberdade, que compreende a substância essencial de nossa vida humana, e Deus
aceita o sacrifício; e deste modo a aliança do homem com Deus e Deus com o
homem é obtida, e o pacto com Deus, que foi rompido pela Queda e continua
sendo rompido por nossos obstinados pecados, é restabelecido. Esta aliança
interna é selada, confirmada, concedendo a força para manter-se através do
poder da graça no divino sacramento do batismo e para aqueles que caíram após
o batismo, no sacramento do arrependimento; e depois disso é constantemente
fortalecida pela sagrada comunhão.
TEÓFANO, O RECLUSO
Notas
[1] João, Bispo de Karpathos (uma ilha entre Creta e Rodes), escritor espiritual
grego do século VII.
[3] E não vos embriagueis com vinho, em que há contenda, mas enchei-vos do
Espírito; Efésios 5:18
CAPÍTULO V
O REINO DO CORAÇÃO (por vários autores)
S. GREGÓRIO PALAMAS
O reino do céu está dentro de você. Tanto quanto o Filho de Deus habita em
você, o reino do céu está dentro de você também.
Aqui dentro estão as riquezas do céu, se você as deseja. Aqui, Oh pecador, está o
reino de Deus dentro de você. Entre em si mesmo, busque mais avidamente e
você o encontrará sem grande labuta. Fora está a morte e a porta da morte é o
pecado. Entre dentro de si mesmo e permaneça em seu coração, pois ali está
Deus.
Ciscos de poeira
Você deve recolher-se dentro do seu coração e permanecer ali diante do Senhor.
Isto lhe revelará qualquer cisco de poeira. Ore, e possa Deus conceder sua prece.
TEÓFANO, O RECLUSO
Atenção sobre aquilo que acontece no coração e sobre aquilo que sai dele é o
principal trabalho de uma vida Cristã bem-ordenada. Através desta atenção o
interior e o exterior são levados a uma devida relação um com o outro. Mas a
esta vigilância o discernimento sempre deve ser adicionado, de modo que nós
possamos entender corretamente o que acontece internamente e o que é
requerido pela circunstância externa. A atenção é inútil sem discernimento.
TEÓFANO, O RECLUSO
É bem sabido que o pleno propósito daqueles que são zelosos na vida espiritual,
é colocá-los na correta relação com Deus: e esta correta relação é realizada e
tornada manifesta na oração. A oração é o caminho de ascensão a Deus e seus
estágios são os estágios da aproximação do nosso espírito a Deus. Na oração a
regra mais simples é não formar imagem de nada: recolhendo a mente dentro
do coração permaneça na convicção que Deus está perto, que Ele vê e ouve, e
nesta convicção prostre-se diante Dele que é terrível em Sua majestade e ao
mesmo tempo muito íntimo em Sua amável bondade em relação a nós. As
imagens, não importando quão sacras possam ser, retêm a atenção do lado de
fora, quando no momento da oração a atenção deve estar dentro – no coração. A
concentração da atenção no coração – este é o ponto de partida para a
verdadeira oração. E uma vez que a prece é o caminho de ascensão a Deus, se
nossa atenção desvia do coração significa que estamos desviando do caminho e
deixando de ascender a Ele.
TEÓFANO, O RECLUSO
Você deve descer da sua cabeça ao seu coração. No momento, seus pensamentos
a respeito de Deus estão em sua cabeça. E Deus Ele Próprio está, por assim
dizer, fora de você, de modo que assim sua oração e outros exercícios espirituais
permanecem externos. Enquanto você ainda estiver em sua cabeça os
pensamentos não serão facilmente conquistados mas sempre estarão girando ao
redor, como neve no inverno ou nuvens de mosquitos no verão.
TEÓFANO, O RECLUSO
Uma feira de rua abarrotada
Quando você ora com sentimento, onde está a sua atenção se não no coração?
Adquira sentimento e você também obterá atenção. A cabeça é uma feira de
rua abarrotada: não é possível orar a Deus lá. Se às vezes a oração vai bem e
segue por si mesma, este é um bom sinal. Significa que ela começou a ser
transplantada ao coração. Proteja seu coração de apegos; tente lembrar-se de
Deus, vendo-O diante de você e trabalhando diante de Sua face.
TEÓFANO, O RECLUSO
Eu me lembro da sua carta que conta que você fica com dor de cabeça quando
tenta agarrar-se à sua atenção. Sim, se você trabalhar somente com a cabeça é
isto o que acontecerá; mas quando você descer ao coração não haverá, de
fato, nenhuma fadiga nervosa. A cabeça se tornará vazia e haverá um fim dos
pensamentos. Eles estão sempre na cabeça, perseguindo um ao outro, e não é
possível controlá-los. Mas se você entra no coração, e é capaz de permanecer
dentro dele, então a cada vez que os pensamentos começam a lhe confundir,
você tem apenas que descer ao coração e os pensamentos irão lhe abandonar.
Será um refúgio confortável e seguro. Não seja preguiçoso em relação a esta
descida. No coração está a vida e você deve viver lá. Não pense que isto é algo
que só os perfeitos tentam. Não. É para qualquer um que começou a buscar o
Senhor.
TEÓFANO, O RECLUSO
TEÓFANO, O RECLUSO
Você sonha com um eremitério. Mas você já tem seu eremitério, aqui e agora!
Sente-se quieto e invoque: “Senhor, tem piedade”. Quando você está isolado do
resto do mundo, como você cumprirá a vontade de Deus? Simplesmente
preservando dentro de você o correto estado interior. E o que é isto? É um
estado de incessante lembrança de Deus com temor e sincera devoção, junto
com a lembrança da morte. O hábito de caminhar diante de Deus e mantê-Lo
na lembrança – tal é o ar que respiramos na vida espiritual. Criados como
somos à imagem de Deus, este hábito deveria existir em nosso espírito
naturalmente: se ele está ausente, isto é porque nos afastamos de Deus. Como
resultado desta queda, temos que lutar para adquirir o hábito de caminhar
diante de Deus. Nossa luta ascética consiste, essencialmente, no esforço para
permanecer conscientemente diante da face do Deus sempre-presente; mas
existem também várias atividades secundárias que também formam parte da
vida espiritual. Aqui também há trabalho a ser feito de modo a direcionar estas
atividades para suas verdadeiras metas. Leitura, meditação, prece, todas as
nossas ocupações e contatos devem ser conduzidos de tal modo que não
maculem ou perturbem a lembrança de Deus. O assento de nossa consciência e
atenção deve estar concentrado nesta lembrança de Deus.
Esta, portanto, é a meta que você deveria colocar agora diante de você e em
direção à qual você deveria começar a avançar. Não pense que esta meta está
além de sua força; mas também não pense que é tão fácil que baste apenas
desejá-la e imediatamente ela se cumprirá. O primeiro passo para atrair a
mente ao coração é, essencialmente, estar motivado com simpatia, entrando
com seus sentimentos nos significados das orações que você lê ou escuta; pois
são os sentimentos do coração que normalmente dominam a mente. Se você dá
este primeiro passo como se deve, estes sentimentos irão se modificar de acordo
com o conteúdo das orações. Mas além deste primeiro tipo de sentimentos,
existem outros, muito mais poderosos e mais arrebatadores – sentimentos que
capturam tanto nossa consciência como o coração, acorrentando a alma e não
lhe dando nenhuma liberdade para continuar lendo, pois reivindica sua atenção
inteiramente para eles próprios. Estes são sentimentos especiais e, tão logo eles
nasçam, a alma também dá nascimento às orações que são de sua própria
progenitura. Você nunca deve interromper estes sentimentos e orações
especiais que nascem no coração – não siga, por exemplo, a leitura, mas pare-a
de uma vez – pois você deve deixá-los livres para verterem-se até que estejam
esgotados e a emoção retorne ao nível dos sentimentos mais comuns que
ocorrem durante a prece. Esta segunda forma de oração é mais poderosa que a
primeira, e envia a mente para baixo no coração mais rapidamente. Mas ela
somente pode agir depois da primeira forma, ou junto com ela.
TEÓFANO, O RECLUSO
Nossos corações ficam inquietos até que repousam em Ti
Pode ser que em seu caso Deus peça por uma derradeira entrega de seu coração,
e seu coração anseie por Deus. Pois sem Deus ele nunca está contente,
permanecendo insatisfeito para sempre. Examine-se deste ponto de vista.
Talvez você encontrará aqui a porta para o local da morada de Deus.
TEÓFANO, O RECLUSO
Você busca o Senhor? Busque, mas apenas dentro de si mesmo. Ele não está
longe de ninguém. O Senhor está perto de todos aqueles que verdadeiramente
O invocam. Encontre um lugar em seu coração e fale ali com o Senhor. É a sala
de recepção do Senhor. Todos aqueles que encontram o Senhor, O encontram
ali; Ele não fixou nenhum outro local para encontrar as almas.
TEÓFANO, O RECLUSO
O que você deve temer mais que tudo? Auto-satisfação, auto-apreciação, auto-
orgulho e todas as outras coisas que começam com eu próprio.
Durante a prece, é essencial que o espírito tenha que se unir com a mente, e
que eles tenham que recitar a oração juntos; mas na medida em que a mente
trabalha com palavras, proferindo-as seja mentalmente ou em voz alta, o
espírito age através de um sentimento de calorosa ternura ou lágrimas. A união
dos dois é concedida no devido tempo; mas para o iniciante é suficiente se o
espírito simpatiza e coopera com a mente. Se a atenção é mantida pela mente, o
espírito fica confinado a sentir um verdadeiro calor e ternura. O espírito é
algumas vezes chamado de coração, assim como a mente é algumas vezes
denominada como cabeça.
BISPO INÁCIO
Oração da mente, do coração, e da alma
A oração é chamada ‘da mente’, quando é recitada pela mente com profunda
atenção e com a solidariedade do coração. A oração é chamada ‘do coração’,
quando recitada pela mente unida com o coração, quando a mente desce como
se estivesse no coração e envia ao alto, das suas profundezas, a prece. A oração é
chamada ‘da alma’, quando ela vem de toda a alma, com a participação do
próprio corpo – quando é oferecida pelo ser inteiro, que se torna por assim
dizer o porta-voz da prece.
BISPO INÁCIO
TEÓFANO, O RECLUSO
Você pergunta o que significa estar com a mente no coração? Significa isto. Você
sabe onde o coração está? Como saber isto pode ajudá-lo tendo uma vez
aprendido? Então, esteja ali com a atenção e permaneça firmemente dentro, e
você fará com que sua mente esteja no coração. A mente é inseparável da
atenção; onde uma está a outra estará.
Você escreveu que com frequência sente um fogo em seu coração quando lê o
hino Acatiste ao nosso dulcíssimo Senhor Jesus. Faça, então, com que sua
atenção esteja no lugar onde sente este fogo; e permaneça ali, não somente
durante a oração mas em todos os outros momentos. Não é suficiente apenas
pôr-se em oração: você deve se colocar em oração com a ciência de que está
defrontando-se com o Senhor, que está diante do Seu olho que tudo vê, que
penetra as profundezas secretas do coração; e para ficar assim esforce-se para
ter algum caloroso sentimento em relação a Deus: de temor, amor, esperança,
devoção, contrição carregada de dor, ou algo similar a estas coisas. Este é o
princípio básico da ordem interior. Vigie, e tão logo veja que esta ordem é
perturbada, apresse-se em restaurá-la.
TEÓFANO, O RECLUSO
Quando lemos nos escritos dos Padres sobre o lugar do coração que a mente
encontra através da oração, devemos compreender por isto a faculdade
espiritual que se encontra no coração. Colocada pelo Criador na parte superior
do coração, esta faculdade espiritual distingue o coração humano do coração
dos animais: pois os animais têm a faculdade da vontade ou desejo, e a
faculdade do ciúme ou fúria, na mesma medida que o homem. A faculdade
espiritual no coração manifesta-se – independentemente do intelecto – na
consciência ou ciência de nosso espírito, em temor a Deus, em amor espiritual
para com Deus e nossos vizinhos, em sentimentos de arrependimento,
humildade, ou mansidão, em contrição de espírito ou profunda tristeza por
nossos pecados, e em outros sentimentos espirituais; todos os quais sendo
estranhos aos animais. A faculdade intelectual na alma do homem, embora
espiritual, habita no cérebro, isto é, na cabeça: do mesmo modo a faculdade
espiritual que denominamos por espírito do homem, embora espiritual, habita
na parte superior do coração, perto do mamilo esquerdo do peito e um pouco
acima dele. Assim a união da mente com o coração é a união dos pensamentos
espirituais da mente com os sentimentos espirituais do coração.
BISPO INÁCIO
TEÓFANO, O RECLUSO
Onde está o coração? Onde a tristeza, a alegria, a raiva, e outras emoções são
sentidas, aí está o coração. Fique lá com atenção. O coração físico é um pedaço
de carne muscular, mas não é a carne que sente e sim a alma; o coração carnal é
como um instrumento para estes sentimentos, assim como o cérebro serve de
instrumento para a mente. Fique no coração, com a fé que Deus também está
ali, mas perguntar -se como Ele está ali, isto não é para especulação. Ore e
suplique para que no devido tempo o amor por Deus possa avivar-se dentro de
você pela Sua graça.
TEÓFANO, O RECLUSO
Aqui, o coração deve ser entendido não no seu significado comum, mas no
sentido do ‘homem interior’. Temos dentro de nós um homem interior, de
acordo com o Apóstolo Paulo, ou um homem oculto do coração, de acordo com
o Apóstolo Pedro. É o espírito de Deus que foi soprado no primeiro homem e
permanece continuamente conosco, mesmo depois da Queda. Ele mostra-se no
temor a Deus que se funda na certeza da existência de Deus e na ciência de
nossa completa dependência Dele, nos movimentos da consciência e em nossa
falta de contentamento com tudo que é material.
TEÓFANO, O RECLUSO
TEÓFANO, O RECLUSO
A vida do coração
Ninguém tem poder para comandar o coração. Ele vive sua própria vida
especial. Ele se regozija de si mesmo, é triste de si mesmo; e ninguém pode
fazer qualquer coisa a este respeito. Apenas o Mestre de tudo, sustentando
tudo na Sua mão direita, tem poder para entrar no coração, para colocar
sentimentos nele independentemente de suas correntes naturalmente
mutáveis.
TEÓFANO, O RECLUSO
Estamos em casa no coração
Congratulações pelo seu seguro retorno! Sua própria casa é um paraíso depois
de uma ausência. Todos sentem o mesmo a esse respeito. Exatamente o mesmo
sentimento chega a nós quando, depois da distração, retornamos à atenção e à
vida interna. Quando estamos no coração estamos em casa; quando não
estamos no coração estamos desabrigados. E é a esse respeito acima de todas
as coisas que devemos nos inquietar.
TEÓFANO, O RECLUSO
Não se deve estar sem trabalho por um único momento. Mas há trabalho
executado pelo corpo, visivelmente, e há trabalho que é feito mentalmente,
invisivelmente. E é este segundo tipo que se constitui como trabalho real. Ele
consiste primariamente na incessante lembrança de Deus, com a oração da
mente no coração. Ninguém o vê, ainda que aqueles que estão neste estado
trabalhem com incessante vigor. Esta é a única coisa necessária. Uma vez que
está ocorrendo, não se preocupe a respeito de qualquer outro trabalho.
O primeiro decreto divino a respeito do homem é que ele deve estar numa viva
união com Deus, e esta união consiste em viver em Deus com a mente no
coração: assim, de qualquer um que almeje tal vida e, ainda mais, de qualquer
um que participe dela em alguma extensão, pode ser dito que ele cumpre o
propósito na vida para a qual foi criado. Aqueles que buscam esta união viva
deveriam compreender o que estão tentando fazer, e não ficar perturbados pelas
suas carências de obtenções em quaisquer feitos externos especialmente
importantes. Este trabalho por si mesmo engloba todas as outras ações.
TEÓFANO, O RECLUSO
BISPO JUSTINO
TEÓFANO, O RECLUSO
TEÓFANO, O RECLUSO
TEÓFANO, O RECLUSO
O fato de que você seja guiado por sentimentos ou que você tenha sentimentos
espirituais em geral, ainda não significa que você esteja permanecendo
firmemente com a atenção no coração. Quando este último estado é obtido,
então, a mente permanece no coração incessantemente, ficando diante de
Deus com temor e piedade e não tendo desejo de mover-se dali: não mais do
que um bebê deseja mover-se quando envolto pelos braços de sua mãe. Possa o
Senhor lhe ajudar a alcançar este ponto.
TEÓFANO, O RECLUSO
A Oração de Jesus une a mente com o coração
TEÓFANO, O RECLUSO
A piscina de Betesda
TEÓFANO, O RECLUSO
O cumprimento dos mandamentos – antes e depois da união
da mente e do coração
BISPO INÁCIO
A coisa essencial é unir a mente com o coração na prece. Consegue-se isto pela
graça de Deus no tempo apropriado e por Ele Próprio determinado. Nossas
primeiras técnicas foram completamente substituídas pelo tranquilo
pronunciamento da Oração; deve haver uma curta pausa após cada prece, a
respiração deve ser calma e sem pressa e a mente deve estar encerrada nas
palavras da oração. Com tais métodos, podemos obter facilmente certo grau de
atenção. Muito rapidamente o coração começa a sentir-se em simpatia com a
atenção da mente que ora. A concórdia do coração e da mente começa pouco a
pouco a ser transformada na união da mente com o coração, e o caminho da
oração recomendado pelos Padres virá assim a estabelecer-se automaticamente.
Métodos mecânicos de espécie física são sugeridos pelos Padres, exclusivamente,
como um meio de obter a atenção na prece de forma mais rápida e fácil; mas não
como algo essencial.
BISPO INÁCIO
BISPO INÁCIO
A maneira de respirar
TEÓFANO, O RECLUSO
Tesouro oculto
Possa o Senhor lhe ajudar a ser plenamente vivo e preservar a sobriedade. Mas
não se esqueça da coisa principal: unir a atenção e a mente com seu coração e
permanecer lá, incessantemente, diante do Senhor. Todo esforço que você faz na
oração deve dirigir-se a isto. Ore ao Senhor de modo que Ele possa dar-lhe esta
benção: é o tesouro escondido no campo, a pérola de valor inestimável.
TEÓFANO, O RECLUSO
Notas
[1] São Efraim da Síria (c. 306-73): escritor dogmático e ascético, autor de
muitos hinos e comentários sobre a Bíblia. Suas obras, originalmente
compostas em siríaco, foram traduzidas para o grego muito cedo.
[3] São Filoteu do Sinai: Escritor espiritual grego do século VII - VIII, muito
influenciado por São João Clímaco.
A Arte da Prece - Uma Antologia Ortodoxa
- (Capítulo VI - i) Guerra com as paixões
CAPÍTULO VI
S. BARSANÚFIO E JOÃO
Meu irmão, as paixões são aflições; e assim o Senhor não nos excomunga por
causa delas, mas ele diz: “invoca-me no dia da angústia; eu te livrarei, e tu me
glorificarás.” (Sl. l 15.) [1] Portanto, quando assaltado por qualquer tipo de
paixão, não há nada mais útil do que invocar o Nome de Deus. Tudo o que
podemos fazer, fraco como somos, é fugir para o refúgio no Nome de Jesus.
Pois as paixões, sendo demônios, recuam se este Nome é invocado.
S. BARSANÚFIO E JOÃO
TEÓFANO, O RECLUSO
Somente um modo de começar – domando as paixões
TEÓFANO, O RECLUSO
Se você deseja obter vitória sobre as paixões, entre dentro de si mesmo através
da oração e da ajuda de Deus; então descenda às profundezas do seu coração e
lá rastreie estes três poderosos gigantes – esquecimento, preguiça, e ignorância.
São estes três que animam as fileiras dos nossos adversários espirituais:
sustentadas por estes três, todas as outras paixões, retornando ao coração,
agem, vivem, e ganham força nas almas auto-indulgentes e desinstruídas. Mas
se através de grande atenção e persistência da mente, e com ajuda do alto, você
encontrar aqueles gigantes maus que passam despercebidos a muitos, você
poderá facilmente afastá-los com as armas da justiça – com a lembança do que
é bom, com a ânsia que impulsiona a alma a salvação, e com o conhecimento
que vem do céu.
Ladrões espirituais
S. MARCO, O MONGE
S. MACÁRIO DO EGITO
Exílio e restauração
Aquele que está sempre em casa dentro de seu coração é um estranho para
todos os prazeres desta vida. Ele caminha no Espírito, e assim nada sabe das
luxúrias da carne. Todos os estratagemas dos demônios contra tal homem
permanecem inefetivos, pois ele faz seu caminho sob a proteção das virtudes,
que ficam como guardiões fazendo a vigília sobre a cidade da pureza.
S. DIÁDOCOS DE PHOTIKE
TEÓFANO, O RECLUSO
Ao dedicar-se a uma entrega de oração a Deus e Sua graça, desafie cada uma das
coisas que incitam você a pecar e tente afastar seu coração delas, dirigindo-o para
o lado oposto. Deste modo elas serão desenraizadas do seu coração e a violência
delas irá diminuir. Nesta tarefa dê espaço livre para o seu poder de discernimento
e conduza seu coração nesta vigília.
TEÓFANO, O RECLUSO
Desta maneira tudo se acalma na alma. Estimulado pela graça, o homem livra-se
de todos os grilhões, e com completa prontidão diz a si mesmo: Eu me erguerei e
seguirei adiante.
TEÓFANO, O RECLUSO
Do momento em que seu coração começa a pegar fogo com o calor divino sua
transformação interna começará apropriadamente. Esta delicada chama irá, no
tempo, consumir e derreter tudo dentro de você, ela começará e continuará a
espiritualizar seu ser à plenitude. De fato, até que essa chama comece a queimar,
não haverá espiritualização, a despeito de todos os seus esforços para obtê-la.
Assim a criação de sua primeira centelha é tudo que importa no momento, para
este fim certifique-se de dirigir todos os seus esforços. Mas você deve perceber que
esta ignição não pode ocorrer em você enquanto as paixões ainda estão fortes e
vigorosas, muito embora elas possam, de fato, não estarem sendo satisfeitas. As
paixões são a humidade na lenha do seu ser, e madeira molhada não entra em
combustão. Não há outra coisa a ser feita que não seja trazer madeira seca de fora
e acendê-la, deixando que as suas chamas sequem a madeira molhada, até que
esta, por sua vez, fique suficientemente seca para, lentamente, pegar fogo. E
assim, pouco a pouco, a combustão da madeira seca dispersará a humidade e se
espalhará, até que toda a madeira esteja envolta em chamas.
A recordação de Deus é a vida do espírito. Ela excita o seu zelo em agradar a Deus,
e torna inabalável sua decisão de pertencer a Ele. É, eu repito, a escora da vida
espiritual; e é, eu adicionaria, a base para a sua campanha contra toda paixão que
invade o coração.
TEÓFANO, O RECLUSO
Derrotado no próprio coração, o inimigo tem seus próprios métodos de nos atacar
através de influências externas. Vou evidenciar os casos principais. Suponha que
alguém, tendo aprendido a sabedoria, não permiti a si mesmo ser minimamente
agitado por pensamentos ou impulsos que possuem a aparência de estarem
corretos, mas imediatamente os corta, seguindo ou seu próprio poder de
discernimento ou o conselho de homens experimentados, e age desta maneira com
tal resolução que parece não haver nenhuma possibilidade de surpreendê-lo por
este método: o inimigo, então, deixa de lado esta estratégia, e começa a agir vindo
do lado de fora através de pessoas que pode usar. Então chegam saudações
aduladoras, calúnias, perseguições e desagrados de todos os tipos. É para isto que
você deve manter ambos os olhos abertos, algo que você deve antever e entender.
Evitar isto completamente não está em nosso poder, mas está em nosso poder ser
mais inteligente do que o inimigo. A coisa principal é suportar tudo enquanto
ainda se preserva inviolado, em nossos corações, um sentimento de amor e paz.
Nosso protetor é o Senhor. Deveríamos suplicar a Ele para trazer paz aos nossos
corações e, se isto é Sua vontade, endireitar também as coisas externas. Da nossa
parte não devemos nos esquecer de onde vem a tempestade e por quem ela é
provocada, nem devemos dirigir nosso sentimento de hostilidade para as pessoas,
mas para aquele que, estando por detrás, as encoraja e coordena todo o caso.
TEÓFANO, O RECLUSO
Se você sentiu que sua mente chegou a ser uma com a alma e o corpo, que você
não está mais cortado em pedaços pelo pecado, mas tornou-se algo unificado e
pleno, que a bendita paz de Cristo está respirando em você, então cuide deste
presente de Deus com todo cuidado possível. Faça com que a oração e a leitura de
livros religiosos sejam sua principal ocupação; dê aos outros trabalhos apenas uma
importância secundária, seja frio em relação a atividades mundanas, e se possível
afaste-se de todas elas. A paz sagrada, refinada como a respiração do Espírito
Sagrado, é imediatamente removida da alma que se comporta com descuido em
sua presença; a alma, que carece de reverência, prova deslealdade saciando-se no
pecado, e permite-se crescer negligente. Junto com a paz de Cristo, a oração com a
graça-concedida é igualmente removida da alma indolente: então as paixões a
invadem como bestas famintas, e começam a atormentar a vítima que se entregou
a elas, deixada a si própria por Deus que se afastou dela. Se você abarrotar-se com
comida, ou mais ainda com bebida, a paz de Deus cessará de agir em você. Se você
ficar com raiva, perderá está paz por muito tempo. Se permitir tornar-se
irreverente, o Espírito Santo não mais trabalhará dentro de você. Se começar a
amar algo mundano, se ficar contaminado por um apaixonado apego por certo
objeto ou conhecimento, ou por certa especial ligação com alguma pessoa, a paz
sagrada certamente será removida de você. Se permitir-se ter prazer em
pensamentos impuros, a paz o deixará por um longo tempo, porque ela não tolera
o cheiro fétido do pecado – e especialmente dos pecados da luxúria e da vaidade.
Você procurará por esta paz e não a encontrará; chorará a sua perda; mas ela não
prestará atenção às suas lágrimas, para que você possa aprender a dar o devido
valor ao presente divino, e protegê-lo com cuidado e reverência apropriados.
Odeie tudo aquilo que lhe derrube na distração ou no pecado. Crucifixe a si mesmo
na cruz dos mandamentos Evangélicos; mantenha-se sempre pregado nela. Rejeite
todos os pensamentos e desejos pecaminosos com coragem e vigilância; jogue fora
cuidados mundanos; tente viver o Evangelho através da diligente prática de todos
os seus mandamentos. Quando orar, crucifixe a si mesmo, ainda uma vez, na cruz
da prece. Ponha de lado todas as memórias que possam surgir durante a prece,
por mais importantes sejam. Não teologize, não seja levado longe ao seguir idéias
originais, brilhantes e poderosas que, repentinamente, possam ocorrer a você.
Silêncio sagrado, que é induzido na mente no momento da oração pelo sentido da
grandeza de Deus, fala de Deus mais profundamente e mais eloqüentemente que
quaisquer palavras humanas. “Se orar verdadeiramente” dizem os Padre, “você é
um teólogo.”
BISPO INÁCIO
Os perigos da saciedade
TEÓFANO, O RECLUSO
O mal da “troika”
A mim parece que, a todo o momento, você está colocando os outros sob
julgamento e condenando-os em sua alma. Olhe cuidadosamente. Mesmo se
isto apenas acontece de tempos em tempos e não é um estado permanente da
mente, traz considerável dano.
O trabalho físico é uma coisa boa; o mesmo trabalho feito como parte da sua
obediência monástica é um trabalho de santidade. Permita que a memória de
Deus nunca deixe seu coração. Deveríamos ver o Senhor diante de nós assim
como vemos a luz; e em nosso coração deveríamos nos prostrar diante Dele num
espírito de humildade e contrição. Virá, então, um sóbrio temor.
Possa o Senhor lhe dar força para fazer o que é correto. Tome cuidado para não
cair no caminho daqueles que seguem adiante, friamente, com correto
comportamento externo, mas que carecem dos sentimentos internos que
santificam um homem e atraem a graça de Deus. No entanto, isto irá acontecer
tão logo você ceda à sua alta estima sobre si mesmo e à auto-satisfação, que são
sinais de vaidade.
TEÓFANO, O RECLUSO
Julgando os outros
TEÓFANO, O RECLUSO
TEÓFANO, O RECLUSO
TEÓFANO, O RECLUSO
As chamas da raiva e o fogo do inferno
“Não se ponha o sol sobre a vossa ira: nem deis lugar ao diabo” (Ef. iv. 26-27).
O diabo não tem acesso à alma, se a alma ela mesma não acolhe as paixões.
Num tal estado ela é transparente e o diabo não pode vê-la. Mas quando ela
admite o movimento de uma paixão e consente este movimento, ela fica
escurecida e o diabo a vê. Atrevidamente ele se aproxima e assume o controle
dela. Duas más paixões, principalmente, perturbam a alma – luxúria e
irritabilidade. Quando o diabo trata de aprisionar uma pessoa através da
luxúria, ele a deixa sozinha em suas agitações: o diabo não a atormenta mais,
exceto talvez para perturbá-la um pouco com a raiva. Mas se um homem não
cede à luxúria, o diabo apressa-se a incitar a raiva nele, e reúne em torno dele
uma quantidade de coisas irritantes. Um homem que falha em discernir as
artimanhas do diabo se permite ficar aborrecido com tudo, permitindo que a
raiva o domine, e assim ele “dá lugar ao diabo”. Mas um homem que reprime
cada surto de raiva resiste ao diabo e o repele, e não dá lugar a ele dentro de si
mesmo. A raiva “dá lugar ao diabo”, tão logo seja considerada como algo justo e
satisfazê-la seja sentido como lícito. Então, o inimigo imediatamente entra na
alma e começa a sugerir pensamentos, cada um mais irritante que o outro. O
homem principia a estar em chamas com a raiva como se estivesse em meio ao
fogo. Este é o fogo do inferno; mas o pobre homem acha que ele está queimando
com o zelo pela sua integridade, quando nunca há qualquer integridade na
cólera (Tiago i. 20). Esta é a forma de ilusão [4] peculiar a cólera, assim como
há outra forma de ilusão peculiar à luxúria. Um homem que rapidamente
supera a cólera dispersa esta ilusão e assim repele o diabo como se por um forte
golpe no peito. Existe alguém que, depois de ter extinguido sua raiva e analisado
todo o evento em boa fé, não perceba que havia algo errado na base da sua
irritação? Mas o inimigo transforma o erro num sentido de honra por si mesmo
e o acumula numa tal montanha que parece que o mundo inteiro se
despedaçaria se nossa indignação não fosse satisfeita.
Você diz que não pode ajudar sendo rancoroso e hostil? Muito bem então, seja
hostil – mas na direção do diabo, não na direção do seu irmão. Deus nos deu a
cólera como uma espada para perfurar o diabo – não para dirigi-la para os
nossos próprios corpos. Então, apunhale-o com ela, até o cabo da espada;
pressione o cabo tanto quanto queira, e nunca o ceda, mas use também outra
espada. Isto pode ser obtido quando nos tornamos gentis e amáveis com todos
os outros. “Deixe-me perder meu dinheiro, deixe-me destruir minha honra e
glória – meu fraternal companheiro é mais precioso para mim que eu próprio.”
Assim, vamos falar uns com os outros, e não vamos ferir nossa própria natureza
para ganhar dinheiro e fama.
TEÓFANO, O RECLUSO
Em face disso, não há nada no mundo sobre o qual valha a pena perder nossa
paciência; pois o que é mais valioso do que a alma e sua paz? Esta paz é
destruída pela raiva. Quando um homem está com raiva, ele assume o papel de
um caluniador e sopra as chamas até um grande incêndio, exagerando, em sua
imaginação, a ofensa do outro. A razão para tudo isto é que ele não mantém sua
atenção virada para si mesmo – e assim tais sentimentos doentios irrompem.
No fundo do coração nós abraçamos nosso direito de julgar e punir os outros
por seus pecados, ao invés de nós mesmos. Isso é tudo o que há ali. Se um
homem visse a si mesmo como um pecador, estando claramente consciente do
pecado, a raiva estaria longe dele.
TEÓFANO, O RECLUSO
Não pronunciar uma única palavra colérica é uma grande conquista, que se faz
possível pela ausência de irascibilidade no coração. A irascibilidade é extinta,
como uma centelha, pela submissão a vontade de Deus. Nós reconhecemos que
Deus permite que as tribulações ocorram para nos testar e assim demonstrar a
força da nossa virtude; e isto ajuda-nos a preservar, em tais casos, nossa
serenidade, pois acreditamos que Deus Ele Mesmo está nós observando num tal
momento.
Sua idéia de que as pessoas que trazem problemas possam ser instrumentos do
inimigo é correta. Assim, toda vez que alguém causar problemas a você, sempre
assuma que o demônio está por detrás deles, excitando-os e sugerindo atos e
palavras ofensivos às suas mentes.
TEÓFANO, O RECLUSO
TEÓFANO, O RECLUSO
O traidor interno
TEÓFANO, O RECLUSO
Um copo de veneno
Como regra geral, decida se algo é permissível pelo efeito que produz dentro.
Permita a si mesmo aquilo que é construtivo, mas nunca o que é destrutivo.
Algum homem no seu perfeito juízo estenderia suas mãos para um copo no qual
soubesse ter sido enchido com veneno?
TEÓFANO, O RECLUSO
Quando maus pensamentos vêm você deve desviar o olho mental deles. Vire-se
ao Senhor e expulse-os em Seu Nome. Se um pensamento já motivou o coração
e, pouco a pouco, o induziu a um miserável deleite nele, você deve culpar-se,
pedir o perdão do Senhor, e censurar-se até que o sentimento oposto nasça em
seu coração. Por exemplo: ao invés de censurar alguém, você deve ter em seu
coração um sentimento de louvor ou ao menos de respeito por aquela pessoa.
Prepara de antemão um calmo lugar no seu coração que está aos pés do Senhor.
Tão logo os problemas surgem, apresse-se até ali e invoque, incessantemente,
por Ele, como se exorcizasse uma peste miserável. E Deus ajudará – tudo mais
irá se acalmar.
TEÓFANO, O RECLUSO
TEÓFANO, O RECLUSO
Sempre em casa
Você deve discriminar entre sentimentos que são parte de sua constituição e
emoções fugazes que vem e vão. Na medida em que as paixões não estão
completamente destruídas, pensamentos e sentimentos errados, intenções e
impulsos equivocados não cessarão. Eles diminuem com a diminuição das
paixões, sendo o lado apaixonado da nossa natureza a fonte delas; assim
devemos dirigir toda nossa atenção a esta guerra contra as paixões. Existe um
método para nos treinar nisto – que é a constante lembrança do Senhor e a
oração a Ele. Os startsi sabiam como expulsar todo o mal por este meio,
estabelecendo em seu lugar um estado aceitável a Deus. Adquirir o hábito da
Oração de Jesus é o aspecto exterior desta arma. Na sua realidade interna, pode
ser mais bem descrita como ‘estar sempre em casa’. Devemos sempre estar em
nosso coração com o Senhor, invocando-o; e isto bane todo mal. Leia S.
Hesíquio sobre sobriedade. Nesta tarefa constância e persistência sempre se
provam vitoriosos.
TEÓFANO, O RECLUSO
Quando a Oração de Jesus está ausente, toda sorte de coisas prejudiciais nos
assaltam, não deixando espaço para nada de bom na alma. Mas quando o
nosso Senhor está presente na oração, tudo que alheio é banido.
S. GREGÓRIO PALAMAS
BISPO INÁCIO
A prática do jejum
TEÓFANO, O RECLUSO
Você pergunta se deveria conversar com outros sobre a vida espiritual. Faça-o,
somente não fale a eles sobre sua própria experiência pessoal. Discuta a questão
genericamente, mas adaptando seus comentários ao estado daqueles que
fizeram a questão. Algumas vezes as pessoas levantam questões espirituais
somente como assunto para conversar. Mesmo isso é melhor do que falar sobre
assuntos mundanos ou se entreter com conversa mole. Manter silêncio, como
você disse preferir, é possível quando se está sozinho, ou quando a conversa não
nos diz respeito. Se orar ao Senhor para vigiar sua língua quando estiver a
caminho de visitar alguém, isto é boa coisa. A melhor coisa é estar sempre com
o Senhor. É possível, entretanto, falar e ainda assim permanecer com o Senhor.
Tente se habituar a isto.
TEÓFANO, O RECLUSO
Isto, entretanto, não significa que o pleno poder de conquista venha de nós e
não de Deus – indica somente o ponto através do qual este poder de conquista
opera. O imediato combatente nesta guerra é nosso regenerado espírito. Mas é
a graça que é a vitoriosa e destruidora força contra as paixões. Ela cria uma
coisa em nós e destrói outra – agindo sempre através do espírito, em outras
palavras, através da consciência e da vontade. O homem que luta prostra-se
diante de Deus e clama por ajuda, pleno de repugnância e aversão contra os
inimigos. Agindo através dele, Deus então os põe em debandada e os derruba.
TEÓFANO, O RECLUSO
O que fazemos quando somos atacados por algum criminoso? Nós o atacamos e
gritamos por socorro. Nossos gritos são respondidos pela polícia que, então, nos
salva do perigo. Devemos fazer o mesmo na batalha interna com as paixões.
Cheio de raiva contra elas, chamamos por auxílio: Socorra-me, Oh Senhor!
Jesus Cristo, Filho de Deus, salve-me! Oh Deus, salva-me depressa! Oh Senhor
apresse-se a socorrer-me! Tendo chamado assim ao Senhor, não permita que
sua atenção se afaste Dele, não deixe que ela volte-se para aquilo que está
acontecendo dentro de você, mas prossiga de pé diante do Senhor implorando
Sua ajuda. Isto fará o inimigo fugir como se estivesse sendo perseguido por
chamas.
TEÓFANO, O RECLUSO
TEÓFANO, O RECLUSO
Guerra interna e oposição ativa
TEÓFANO, O RECLUSO
Impureza e inocência
TEÓFANO, O RECLUSO
[5] São João Cassiano (c.360-435) foi originalmente professado como monge
em Belém. Depois de passar mais de sete anos em Scetis no Egito, viajou
primeiro a Constantinopla (onde esteve sob a influência de S. João Crisóstomo)
e então para o ocidente. Por volta de 415 fundou dois monastérios na França
perto de Marseilles, em no fim da vida compôs vários trabalhos em Latin. Uma
figura que foi como uma ponte entre o oriente e o ocidente, um instrumento na
divulgação do conhecimento espiritual monástico do Egito no mundo latino.
CAPÍTULO VI
GUERRA COM AS PAIXÕES
Até que a alma esteja estabelecida com a mente no coração, ela não vê a si
mesma, nem é ciente de si mesma de modo apropriado.
TEÓFANO, O RECLUSO
TEÓFANO, O RECLUSO
Verdadeiro autoconhecimento
TEÓFANO, O RECLUSO
Preste atenção sobre si. Eu diria apenas uma coisa, ou melhor, repetiria aquilo
que já disse. O progresso na vida espiritual é revelado por uma sempre crescente
percepção de nossa própria nulidade, no pleno e literal sentido desta palavra.
No momento em que atribuímos algum valor para nós mesmos, não importando
qual seja o sentido, isto significará que as coisas estão indo erradas. É também
perigoso; o inimigo se aproximará e começará a dispersar nossa atenção,
deixando obstáculos escorregadios em nosso caminho. Uma alma que pensa
demasiado de si mesma é como o corvo da fábula que ouvindo a adulação da
raposa deixa o pedaço de queijo cair só para se mostrar. Possa o Senhor ajudá-lo
a tornar-se mais cuidadoso na meta de não atribuir nenhum valor aos seus
trabalhos. Olhe para a meta, ademais, de modo que haja menos imagens em sua
alma e mais pensamento e sentimento. Persevere com a oração interna que
começou; este é o caminho para reduzir o fluxo das imagens através da mente.
Chegará o momento em que você sentirá que a sua vazão será estancada, como a
hemorragia na mulher (Lucas, viii. 44).
TEÓFANO, O RECLUSO
TEÓFANO, O RECLUSO
O sentimento de pecaminosidade
Um senso de nossa própria honra nos causa grande dano. Mantenha em mente,
firmemente, o ponto de que no momento em que este sentimento surge, mesmo
fracamente, é sinal certo de que nossos esforços extraviaram-se. Quanto maior a
convicção de que você é um pecador, maior a certeza de que você está viajando
na via correta. Mas este sentimento de pecaminosidade deve florescer das
profundezas da alma de modo natural, ao invés de ser sugerido de fora por
nossas próprias reflexões, ou por algum comentário de outra pessoa.
TEÓFANO, O RECLUSO
A fumaça e o fedor do inferno
Suponha que as outras monjas estejam caminhando por uma colina ou pelo
cume, enquanto você está longe, muito abaixo delas. E se suceder de que tua
alma olhe para baixo, para outra monja como se ela fosse inferior, você
deveria reprovar-se vigorosamente e apressar-se a pedir o perdão do Senhor.
A pior coisa de todas é a auto-exaltação, a vaidade, e a condenação dos outros.
É a fumaça e o fedor do inferno. Habitue-se a um maior contentamento
quando você é tratada com desprezo, reprovação, e até mesmo com injustiça,
do que quando você é bem vinda e tratada com gentileza. Nisto reside o mais
infalível caminho para a humildade.
TEÓFANO, O RECLUSO
Por que nós criticamos os outros? Porque nós não tentamos conhecer a nós
mesmos. Quem quer que esteja ocupado tentando conhecer a si mesmo não tem
tempo de perceber as faltas dos outros. Julgue a si mesmo e você irá parar de
julgar os outros. Considere todo homem como sendo melhor do que você, pois
sem este pensamento um homem está longe de Deus, muito embora ele execute
milagres.
MONJA MADALENA
TEÓFANO, O RECLUSO
Um sentimento de auto-importância
Examine a si mesmo para ver se você tem dentro de si um forte senso de sua
própria importância, ou, negativamente, se falhou em perceber que você não é
nada. Este sentimento de auto-importância está profundamente oculto, embora
controle toda nossa vida. Sua primeira exigência é que tudo deve ser como
desejamos, e tão logo isto não é assim reclamamos a Deus e ficamos aborrecidos
com as pessoas. O alto valor que damos a nós mesmos, em conseqüência deste
sentimento de importância, não somente prejudica nossa relação com outros
homens, mas também nossa atitude a Deus. A auto-importância é tão astuta
como o demônio e habilmente se esconde atrás de palavras humildes, fixando-
se firmemente no coração de modo que oscilamos entre a autodepreciação e o
auto-orgulho.
TEÓFANO, O RECLUSO
Deve ser compreendido que um homem que luta pela perfeição não fica ciente
do progresso que ele faz em seu caminho. Ele trabalha duro com o suor de seu
rosto, mas (tanto quanto possa ver) sua labuta não produz fruto. Isto é porque
a graça trabalha secretamente. O olho da visão humana não discerne o bem que
se está fazendo. A única coisa que o homem pode ver é sua própria nulidade. O
caminho até a perfeição é através da percepção de que estamos cegos, pobres, e
nus. Este senso de nudez está estreitamente ligado com a contrição do espírito,
quando em arrependimento incessante derramamos diante de Deus nossa
tristeza e dor sobre nossa impureza. Sentimentos penitentes é elemento
essencial do progresso espiritual real, e quem quer que os evite está se
desviando do caminho correto. O arrependimento é o ponto inicial e a pedra
fundamental da nossa vida em Cristo; e deve estar presente não somente no
início mas através de todo nosso crescimento nesta vida, aumentando
conforme se avança. Ao alcançar a maturidade espiritual um homem torna-se
agudamente consciente de sua pecaminosidade e corrupção, e seu senso de
contrição e arrependimento crescem ainda mais profundamente. As lágrimas
são a medida do progresso, e as lágrimas incessantes são um sinal da
purificação que chega.
TEÓFANO, O RECLUSO
Mas você ainda está hesitando em dúvida! Olhando para mim, e vendo tal
pecador diante de você, pergunta involuntariamente – é possível que o Espírito
Santo atue neste pecador, em quem o movimento das paixões é tão evidente e
tão forte?
Todavia, o pecado atrai o Espírito Santo ao homem! O pecado que foi visto pelo
homem mas não foi cometido, que ele reconheceu e deplorou - esta espécie de
pecado atrai Ele! Mais o homem pondera sobre seus pecados e mais ele lamenta
sobre si mesmo, mais agradável e acessível ele é para o Espírito Santo, que
como um médico aproxima-se somente daqueles que reconhecem si mesmos
como estando doentes. Por outro lado, Ele se afasta daqueles que são ricos em
vã presunção. Olhe para o seu pecado, e busque-o. Não tire os seus olhos dele.
Negue a si mesmo, não superestime sua alma. Entregue-se inteiramente à
contemplação do seu pecado, e chore sobre ele. Então, no devido tempo, você se
tornará ciente da sua re-criação através da incompreensível e inexplicável ação
do Espírito Santo. Quando menos esperar Ele virá até você. Ele agirá em você
quando você reconhecer-se como muito indigno Dele.
TEÓFANO, O RECLUSO
Arrependimento continuo
TEÓFANO, O RECLUSO
Conforme-se com o atrito ao longo da vida
Faça do que se segue uma regra – primeiro de tudo, antecipe o problema a todo
o momento e quando ele chegar encontre-o como algo já esperado. Em segundo
lugar, quando acontecer algo que entra em conflito com sua vontade e estiver a
ponto de irritá-lo ou transtorná-lo, apresse-se a levar sua atenção ao coração e
esforce-se com toda força para evitar que tais sentimentos surjam: arme-se
contra eles e ore. Se você for bem sucedido em evitar que sentimentos
irritadiços e perturbatórios surjam dentro de você, então você terminou com o
seu problema, pois estes sentimentos são o seu ponto de partida. Mas, se
mesmo um pequeno sentimento chegou a nascer, decida-se, se possível, não
fazer ou dizer qualquer coisa até que você o tenha conduzido para fora. Se lhe
parece que é impossível não dizer ou fazer algo, tente não falar e agir de acordo
com estes sentimentos, mas de acordo com o mandamento de Deus, na
maneira que Ele ordena, manso e calmamente, como se nada tivesse
acontecido. Em terceiro lugar, ponha para fora da sua mente toda expectativa
de que a natureza das coisas irá se modificar, e conforme-se com o atrito ao
longo da viva. Não se esqueça disto nem subestime sua importância, pois a
menos que você aja neste modo a paciência não pode tornar-se firmemente
estabelecida. Finalmente, com tudo isso, mantenha uma expressão bem-
humorada, um tom de voz afável, comportamento amigável, e acima de tudo
evite lembrar as pessoas, seja como for, sobre as suas injustas palavras ou
ações. Comporte-se como se elas não tivessem feito nada de errado. Acostume-
se a conservar a lembrança de Deus incessantemente.
TEÓFANO, O RECLUSO
TEÓFANO, O RECLUSO
TEÓFANO, O RECLUSO
Olhe para si mesmo, e preocupe-se mais com o coração. Para discriminar entre
os movimentos do coração, leia e reflita sobre os escritos de S. João da Escada,
Issac da Síria, Barsanúfio e João – também naqueles de Diádocos, Filoteos,
Abba Isaías, Evágrios [1], Cassiano e Neilos [2] na Filocalia ; e aplique o que
eles dizem a você mesmo. Quando você ler, não apenas deixe impresso na sua
mente uma idéia geral do argumento do autor, mas sempre transforme aquilo
que ele diz numa regra pessoal a ser aplicada a si mesmo. Quando você faz isto,
a idéia geral que você formou sempre experimenta algumas tonalidades de
mudança.
TEÓFANO, O RECLUSO
De agora em diante, suas deliberações consigo mesmo não serão mais como
antes. A menos que esteja animado pela graça, o raciocínio humano geralmente
deriva em generalidades; agora, ao contrário, guiado pela graça e sob seu
controle, ele irá relacionar todas as coisas diretamente a você mesmo sem
desculpas ou evasivas, ele lhe apresentará assuntos em aspectos que são mais
relevantes à sua própria situação. Assim, na realidade você não irá meditar
tanto ao passar de uma percepção a outra.
TEÓFANO, O RECLUSO
TEÓFANO, O RECLUSO
A nada serve
Uma alma que não é posta à prova por aflições a nada serve.
TEÓFANO, O RECLUSO
TEÓFANO, O RECLUSO
O Espírito Santo ensina a oração real. Ninguém, até que receba o Espírito
Santo, pode orar de modo realmente agradável a Deus. Isto é assim, porque
qualquer um que começou a orar sem ter o Espírito Santo em si, encontra que a
sua alma está dispersa em todas as direções, voltando-se para cá e para lá, de
modo que ele não pode fixar seus pensamentos sobre uma única coisa. Além
disso, aquele que não conhece apropriadamente a si mesmo, ou as suas próprias
necessidades; não sabe nem como e nem o que pedir de Deus; ele nem mesmo
sabe o que Deus é. Mas um homem com o Espírito Santo habitando nele
conhece Deus e vê que Ele é seu Pai. Ele sabe como se aproximar Dele, como
pedir e pelo quê pedir. Seus pensamentos na oração são ordenados, puros, e
direcionados a um único objeto – Deus; e através da sua prece ele é
verdadeiramente capaz de fazer todas as coisas.
[1] Evágrios de Pontus (146-99), monge nas Celas no deserto de Nitria, Egito.
Embora alguns de seus trabalhos sejam de duvidosa origem na doutrina
ortodoxa, ele permanece como um dos mais importantes escritores
espirituais gregos. Os trabalhos de Evágrios incluídos na Filocalia, e que
Teófano aqui recomenda ao seu correspondente, são inteiramente livres de
heresia.
CAPÍTULO VI
A menos que um homem seja auxiliado pelo trabalho interno, de acordo com
a vontade de Deus, ele trabalha em vão naquilo que é externo.
S. BARSANÚFIO E S. JOÃO
Folhas e frutos
Dedique-se a uma vida onde mãos e pés fazem uma coisa, enquanto a alma, em
seu desejo pela salvação, está ocupada com outra coisa.
TEÓFANO, O RECLUSO
O principal inimigo da vida em Deus
Esta profusão de preocupações não tem lugar entre os monges. Aqueles que
entendem isto entram para um monastério, simplesmente, para livrarem-se
desta tortura de preocupações. E eles se livram. Quando a multidão de
problemas desaparece, a mente e o coração são deixados completamente livres;
e não há nada que os impeça de permanecer em Deus, tendo sua alegria Nele.
Aqueles que praticam a vida monástica, em um modo inteligente, rapidamente
obtêm sucesso nisto e tornam-se firmemente estabelecidos em seus propósitos.
Tudo o que resta, depois, é manter este tesouro livre das preocupações; e tais
pessoas, de fato, conseguem mantê-lo. Cada monge ou monja tem uma tarefa a
ser executada no curso das vinte e quatro horas. Visto que estas tarefas são
uma questão de rotina, elas não demandam qualquer atenção especial; e assim
as mãos podem estar trabalhando, enquanto a mente conversa com Deus e
assim alimenta o coração. Esta norma para a ordem interna das coisas foi,
muito tempo atrás, recomendada por Santo Antônio, o Grande. Assim, você vê
que mesmo os monges têm uma vida ativa, similar à vida ativa dos homens
seculares. É esta liberação da ansiedade, resultante da sequência ordenada da
vida monástica, que os capacitam a reterem-se firmes em suas metas – em
outras palavras, permanecerem constantemente com Deus e em Deus.
TEÓFANO, O RECLUSO
Não negligencie o fato de que saúde não depende somente de comida, mas,
acima de tudo, de paz interior. A vida em Deus, separando-nos do tumulto
mundano, traz paz ao coração e, através disto, também mantém o corpo em boa
saúde.
As atividades não são a principal coisa na vida. O mais importante nela é ter
o coração direcionado e sintonizado com Deus.
TEÓFANO, O RECLUSO
Nós não podemos nos limitar somente a uma vida ativa, mas devemos combiná-
la com ocupações intelectuais, de modo que, com a ajuda delas, a gente possa,
sem quaisquer remorsos, manter o estado interno na sua justa ordem. Devemos,
invariavelmente, conectar a contemplação com a ação e a ação com a
contemplação. Quando estas duas estão assim reunidas elas rapidamente
possibilitam o avanço da alma, limpando-a do mal e fortalecendo-a no bem.
Veja os escritos do Abba João Colobos e do Abba Poimén [3], porém o mesmo
ensinamento pode ser encontrado em todos os escritores ascetas.
TEÓFANO, O RECLUSO
Existem dois caminhos para se tornar uno com Deus: o caminho ativo e o
caminho contemplativo. O primeiro é para Cristãos que vivem no mundo, o
segundo para aqueles que abandonaram todas as coisas mundanas. Mas, na
prática, nenhum dos caminhos pode existir em total isolamento do outro.
Aqueles que vivem no mundo também devem se manter no caminho
contemplativo em alguma medida. Como lhe disse antes, você deve habituar-se
a sempre se lembrar do Senhor e a sempre caminhar diante da Sua face. Isto é
o que se entende por caminho contemplativo.
Por que as coisas não estão indo bem consigo agora? Acho que é porque você
deseja lembrar-se do Senhor, esquecendo-se dos negócios mundanos. Mas, os
negócios mundanos introduzem-se em sua consciência e tiram-lhe a lembrança
do Senhor. O que deve fazer é exatamente o contrário: deve ocupar-se com
negócios mundanos, mas considerá-los como um pedido do Senhor, como algo
feito em Sua presença. Como as coisas estão agora, você fracassa tanto no nível
espiritual como naquele material. Mas, se agir como expliquei, as coisas irão
bem em ambas as esferas.
TEÓFANO, O RECLUSO
O corpo no trabalho, mas o pensamento com Deus – tal deve ser o estado de
um verdadeiro Cristão.
Devemos pôr em ordem o nosso estado interior tão logo abrimos os olhos a cada
manhã. Neste mesmo estado de ordem interior, devemos nos manter por todo o
dia, e, à noite, aquecê-lo e fortalecê-lo e assim adormecer. É uma coisa boa
impor limites às nossas afeições pessoais, evitando amizades particulares, e
fazendo todas as nossas relações com outros da mesma natureza. [4] Quando a
oração interior chega, ela pode, parcialmente, substituir o comparecimento à
igreja. Ainda assim, nada aumenta mais o fervor da oração interior do que estar
na igreja.
TEÓFANO, O RECLUSO
Livre de preocupações
TEÓFANO, O RECLUSO
A necessidade de invisibilidade
Tente realizar todos os seus esforços ascéticos, quaisquer que sejam eles, de tal
modo que ninguém no monastério saiba a respeito. Se outras pessoas se
informam sobre qualquer um deles, isto já é uma coisa ruim. Não considere
que a invisibilidade – evitar que outros vejam ou saibam – não seja algo
estritamente necessário. Não, é realmente estritamente necessário. Esforço
espiritual, se exibido por aí, é vazio e sem valor.
TEÓFANO, O RECLUSO
Trabalhos externos e esforços ascéticos são meios, e não fins em si mesmos; eles
são úteis somente quando nos trazem para nossa meta e, expressivamente,
contribuem com ela. Não permaneça com eles em seus pensamentos como se
fosse algo importante. Nossos sentimentos e disposições internas são a principal
coisa. Volte toda a sua atenção para eles, uma vez que estabeleceu sua condição
de vida exterior. Acima de tudo, preserve a humildade e ore para que ela lhe seja
dada, e encontre falhas em você tão frequentemente quanto possa, de modo a
conseguir a humilhação de si mesmo. Tão logo acorde, tente perceber sua
nulidade, e então lute para permanecer com este sentimento durante todo dia.
Humilhe-se, ainda mais, quando diante do Senhor. Quem sou eu, e a Quem
tenho a audácia de endereçar-me com voz humana? Alegre-se se ocorrer de
encontrar uma humilhação externa que não veio através da sua própria busca.
Aceite-a como uma misericórdia especial de Deus. Tome como um critério que
ao estar ofendido consigo mesmo você está num bom estado. Mas, assim que
um sentimento de auto-satisfação infiltrar-se, não importa quão sutilmente, e
você começar a se avaliar em alta conta, saiba que não está em um estado
correto e comece a reprovar -se. Por causa do Senhor, peço-lhe, não se esqueça
disto. Se a humilhação de si mesmo está faltando todo o restante é nada. Houve
pessoas que obtiveram a salvação apenas pela humildade, sem esforços
ascéticos. Mas sem humildade ninguém jamais foi salvo ou ninguém jamais será
salvo.
TEÓFANO, O RECLUSO
Os andaimes e a construção
TEÓFANO, O RECLUSO
Você me conta que fica sujeito a distração. Este é o primeiro ataque do inimigo,
prejudicial à nossa ordem interior. Quando você entra em comunicação com
outras pessoas ou se ocupa com assuntos seculares, faça de tal modo que você
ainda possa lembrar-se do Senhor ao mesmo tempo. Aja e fale sempre com a
consciência de que o Senhor está perto e conduz tudo de acordo com Seu prazer.
Portanto, se há alguma coisa que exige sua atenção, prepare-se de antemão de
modo a não se afastar do Senhor no curso do seu cuidado a ela, mas que
permaneça em Sua presença todo o tempo. Você deve orar para que isto lhe seja
concedido. É certamente possível adquirir este hábito; simplesmente faça dele
uma regra para que, de agora em diante, aja desta maneira.
Por que uma longa conversa com alguém o faz sentir -se triste depois? Porque
durante a conversa sua atenção afasta-se do Senhor. Isto é inaceitável ao Senhor
e Ele o torna ciente disto deixando-o triste. Qualquer coisa que esteja fazendo,
habitue-se a estar incessantemente com o Senhor e faça todas as coisas para
Ele, esforçando-se para harmonizá-las com Seus mandamentos. Então, você
nunca se sentirá triste pois saberá que sempre está fazendo Seu trabalho.
TEÓFANO, O RECLUSO
Trabalhe com suas mãos, e ainda assim permaneça com Deus na
mente e no coração
Qualquer coisa que lhe seja dita para fazer, faça-a sem argumentação interna,
com completa boa vontade, como se fosse um comando de Deus. Coloque essas
palavras, que eu sublinhei, profundamente em seu coração e aja no espírito
delas. Aceite cada ordem como vinda diretamente do Próprio Deus, e execute-a
com todo zelo e atenção, como um trabalho dado por Deus e executado em Sua
presença. Aja como se não estivesse obedecendo aos homens, mas a Deus que
a tudo vê; e permaneça com o temor do julgamento que se espera àqueles que
executam o trabalho de Deus negligentemente. (Jer. xlviii. 10) Por favor,
mantenha isto firmemente em sua mente.
TEÓFANO, O RECLUSO
Se você faz algo porque este é o jeito no qual seu coração está inclinado, onde
está a obediência? Você está meramente seguindo sua própria vontade e seus
próprios sabores. Se identifica suas motivações, você torna esta ação auto-
motivada ligeiramente melhor. Mas, na verdadeira obediência obedece-se sem
ver a razão para fazer aquilo que lhe foi dito, e a despeito da sua própria
relutância. Uma benção especial é prometida a tal obediência – a benção de ser
mantido livre de todo prejuízo quando o dever que lhe foi imposto for concluído.
Quando esta obediência é executada por causa do Senhor, então o Senhor toma
Seu obediente servo sob Seu próprio cuidado e cuida dele.
TEÓFANO, O RECLUSO
Você pensou que as coisas estavam melhores quando você não era requerida,
sob obediência, a fazer trabalho de secretariado. Você engana a si mesma. A
inquestionável obediência que vai contra nossas inclinações é mais valiosa do
que qualquer feito ascético: pode ser prejudicial somente quando praticada de
maneira imprudente e, geralmente, superficial como o foi por você. Na verdade,
o Senhor sempre recompensa o trabalho de abnegação. Você não parece nada
incomodada por esta tua resistência contra o dever da obediência. Ontem você
fez o juramento de obedecer a Abadessa em tudo, e agora se recusa a suportar
um leve dever para o qual você está bem preparada. É esta a maneira de
cumprir um voto? O voto da obediência é a sua aliança com o convento, a base
da sua vida como monja. E agora esta aliança foi rompida, e você atirou-se para
fora da ordem na qual já tinha colocado um pé. Deveria arrepender-se e
derramar lágrimas sobre isso. Pois como resultado, sua ordem interior está
obrigada a se desfazer e talvez já tenha sido pilhada, muito embora,
externamente, possa parecer estar em processo de formação. Por isto você deve
fazer penitência.
Você precisa fazer três prostrações ao mesmo tempo, pedindo ao Senhor, com
lágrimas, para lhe perdoar por sua falsidade e desobediência, ao prometer uma
coisa em palavras e ter feito algo completamente diferente na ação. Arrependa-
se deste pecado em confissão: é um pecado não só meramente de intenção,
mas de fato. Ore a Deus para motivar sua superiora a lhe oferecer a mesma
submissão uma vez mais. Quando ela novamente lhe for dada, pare as
prostrações.
TEÓFANO, O RECLUSO
Você escreve: ‘Eu trabalho como um iniciante entre noviços.’ Eu não entendo a
que tipo de trabalho você se refere; mas se o trabalho é bom ou
desaconselhável depende inteiramente do espírito com o qual ele é executado.
Observe este espírito e julgue o trabalho de acordo com isso.
Quando você percebe que está sendo caluniado, aceite: é um tipo de banho de
lama curativo. Você faz bem em não perder este sentimento de fraternal
amizade para com aqueles que estão aplicando este remédio em você.
TEÓFANO, O RECLUSO
Demasiadamente absorvido no trabalho
Sua preguiça nas ocupações espirituais surge do entusiasmo com o qual você
tem tomado o trabalho físico. Não seja demasiadamente levado pelo seu
trabalho, ou sua cabeça ficará confusa. E se sua cabeça está confusa, seu
coração ficará confuso também.
TEÓFANO, O RECLUSO
Trabalho manual
TEÓFANO, O RECLUSO
Nosso corpo sempre deve ser mantido tão firme quanto uma corda esticada,
como um soldado na parada, e não devemos deixá-lo relaxar, e isto não
somente ao caminhar ou sentar, mas também ao ficar de pé ou ao deitar.
Todas as coisas que temos para fazer, pequenas ou grandes, devem ser feitas
como se o olho de Deus estivesse nos olhando. Cada visitante ou cada pessoa
que encontramos deve ser recebida como um mensageiro de Deus. A primeira
questão que sempre devemos nos perguntar é: o que o Senhor deseja que eu
faça para ou com esta pessoa? Devemos receber todos como se fossem a
imagem de Deus, reverenciando-os e estando pronto para ajudá-los como
podemos.
TEÓFANO, O RECLUSO
Você abordou a questão das ocupações. Já que aquilo que faz não depende da
regra monástica, mas da sua própria decisão, você pode dispor suas atividades
de modo que elas não o distraiam do trabalho interno. Nesta direção segue o
conselho de S. Isaac, o Sírio. Ele não é favorável ao trabalho manual e só o
admite, ocasionalmente, quando há necessidade dele; pois ele distrai a atenção
de nossa mente. Devemos, especialmente, nos treinar para evitar esta distração.
Não fazer nenhum trabalho, de fato, é uma impossibilidade – o trabalho é uma
necessidade da nossa natureza. Ainda assim, não devemos ser muito carregados
por ele também. Os monges do Egito trabalhavam todo o dia e, mesmo assim,
suas mentes não deixavam Deus.
TEÓFANO, O RECLUSO
Aprenda a executar tudo aquilo que faz de tal modo que seu coração seja aquecido
ao invés de resfriado. Ao ler ou rezar, trabalhar ou conversar com outros, você
deve agarrar-se a esta única meta – não deixar seu coração esfriar-se. Mantenha
seu forno interior sempre quente, através da declamação da oração curta, e vigie
seus sentimentos, no caso de estarem dissipando este calor. As impressões
externas raramente estão em harmonia com o trabalho interno.
TEÓFANO, O RECLUSO
Estes são os vários meios pelos quais as paixões são destruídas em nós. Algumas
vezes elas são derrotadas pelos nossos próprios esforços mentais e ativos,
algumas vezes pelo nosso guia espiritual e algumas vezes pelo Próprio Senhor.
Já foi dito que sem luta mental interna, nossos esforços externos não podem ser
bem sucedidos. A mesma coisa é verdade em relação aos esforços que fazemos
sob a orientação de um guia, e também daqueles da purificação efetuada em nós
pela Providência. A luta interna deve ser, portanto, incessante e contínua. Por si
mesma ela não é muito poderosa, mas quando está ausente todos os outros
meios são inefetivos e inúteis. Aqueles que trabalham ativamente e aqueles que
sofrem, aqueles que choram e aqueles que obedecem as regras que lhes são
impostas – em cada grupo destes, muitos pereceram e estão perecendo agora,
porque eles não se envolvem na batalha interna, dando proteção às suas mentes
e aos seus corações.
Toda nossa tarefa pode ser reduzida à seguinte regra: recolhendo-se dentro,
recobre sua autoconsciência espiritual, ponha-se a trabalhar internamente, e,
preparado deste modo, exercite-se através dos deveres impostos a você seja
pelo seu guia espiritual, seja pela Providência. Mas ao fazê-lo você deve
observar e notar com rigorosa e imperturbável atenção tudo aquilo que lhe
surge dentro. Tão logo alguma paixão seja despertada, afaste-a e derrube-a,
tanto mentalmente como ativamente, não se esquecendo de reacender e
despertar, dentro de si, o calor do espírito da contrição e da tristeza por seus
pecados.
É para isto que a plena atenção do lutador espiritual deve estar voltada. Desta
maneira, através de contínua concentração, ele evitará ser distraído, e o fará
como se estivesse cingindo os lombos da sua mente. Na medida em que segue
neste caminho interno, sempre vigilante sobre si mesmo, ele aprenderá a
virtude da sobriedade.
TEÓFANO, O RECLUSO
Está claro que qualquer tipo de educação que venha dos outros, somente
produz fruto quando combinada com o próprio ensinamento do homem a si
mesmo. Cada um deve fazer-se perceber o sentido daquilo que lhe é ensinado,
de modo que, depois de ouvir ou ler algo, ele persuade a si próprio não só a
pensar exatamente como aquilo, mas, também, a sentir e a agir do mesmo
modo. Pois a palavra de Cristo entra e habita num homem, somente se ele
consegue persuadir-se a acreditar e a viver de acordo com ela.
TEÓFANO, O RECLUSO
Aqui, S. Paulo fala do terceiro modo através do qual provamos que nossa
morada oculta está em Deus – sendo este modo aquele de fazer todas as coisas
em Nome do Senhor. Quanto aos outros dois métodos, através do primeiro – a
leitura da Sagrada Escritura e a assimilação das verdades reveladas que ela
contém – nós afugentamos as imaginações vãs e imundas e ocupamos nossas
mentes com bons pensamentos, plenamente interessados em coisas divinas; e
através do segundo – a oração – estabelecemos em nós mesmos o hábito de
sempre lembrar-nos de Deus e continuamente caminhar em Sua presença.
Ambos estes métodos mantém nossa atenção e sentimento absorvidos em Deus.
Pareceria, talvez, que isto pudesse ser suficiente? Parece, mas não é. Se apenas
estes dois métodos fossem usados, eles não nos conduziriam à meta que
desejamos. O homem não é só pensamento e sentimento, mas, sobretudo, ele é
ação. Ele sempre está se movendo, constantemente ativo. Mas toda ação
envolve atenção e sentimento. O homem que age fica completamente envolvido
em sua ação. Consequentemente, o homem que busca Deus perceberá que por
causa de certas coisas que não pode evitar, inevitavelmente, se desviará de Deus
em seu pensamento, e depois do pensamento, se desviará em seu sentimento.
As ocupações o rebaixam do céu à terra, ou o afastam de sua seclusão com Deus
na direção das relações externas com outros seres humanos. Pois nossas
ocupações são quase todas visíveis, já que são executadas entre criaturas iguais
a nós e entre as coisas dos sentidos. Segue-se disto que se as ocupações de um
homem não são conduzidas de modo a capacitá-lo a manter sua reclusa vida em
Deus, os primeiros dois métodos permanecerão infrutíferos e até mesmo se
tornarão impossíveis de serem praticados como se deve. As ocupações ficam nos
distraindo – mesmo na prática do estudo das Sagradas Escrituras e na prática
da oração. E assim o Apóstolo, na passagem que citamos, nos ensina como
transformarmos todas as nossas ações em meios de preservar nossa vida secreta
em Deus: isto pode ser obtido ao se ‘fazer tudo em Nome do Senhor’. Se formos
bem sucedidos em sintonizar nós mesmos neste modo, não nos afastaremos do
Senhor nem em pensamento, nem em sentimento. Pois fazer tudo em Nome do
Senhor significa fazer tudo para Sua glória, no desejo de agradá-Lo, tendo
corretamente compreendido Sua vontade até mesmo em relação a alguma
questão trivial. Nisto, os membros do corpo, como ferramentas, farão o
trabalho; e o pensamento e o sentimento se voltarão para o Senhor, ansiosos
para executar suas tarefas de um modo agradável a Deus e obediente à Sua
glória.
Este método é mais efetivo do que os dois primeiros para garantir nossos
propósitos; sucesso nos dois primeiros depende do sucesso neste último. Pois
os dois primeiros são mentais no caráter, e o que vem da mente entra em nosso
inteiro ser através da ação. Quando nossa ação é santificada por sua dedicação a
Deus, então, no processo de fazê-la, certo elemento divino entra em todos os
órgãos e poderes que tomam parte no trabalho. Maior o número de tais ações,
maior são os elementos divinos que entram no ser de um homem. E mais tarde,
eles o preenchem completamente de modo que sua plena natureza fica imersa
no divino, e habita em Deus. Gradualmente, na medida em que esta vigília e
orientação a Deus é estabelecida, a oração e a adoração de Deus, acompanhados
por pensamentos daquilo que é bom, também se tornam mais firmemente
estabelecidos. Oração e adoração influenciam o trabalho que está sendo feito
para a glória de Deus; e porque estamos habitando no divino, como
recompensa, nossos feitos são, eles mesmos, dotados com maior força e
eficácia.
São Paulo abraçou todas as nossas atividades em dois termos: palavra e ação.
As palavras são pronunciadas pela boca, as ações executadas por nossos
membros. Do momento em que despertamos ao momento em que dormimos,
nós estamos continuamente envolvidos em ambas. Nossas falas fluem quase
sem interrupção, enquanto os vários movimentos do corpo continuam
incessantemente. Que rica oferenda a Deus se tudo isto pudesse ser dirigido
para Sua glória! Se fizermos nossa fala servir à glória de Deus não somente
eliminaríamos o mau discurso, mas também as conversas fiadas e inúteis, e
apenas uma espécie de discurso permaneceria – aquele que serve a edificar
nossos irmãos ou ao menos (para falar no mínimo) não causar-lhes nenhum
dano. Também devemos consagrar nossa fala para Deus recitando preces. Além
disso, ao voltarmos nossas ações para a glória de Deus, não somente podemos
nos livrar das más ações vindas da luxúria e da irritação – tais coisas não
deveriam ser predominantes se pensamos estar entre Cristãos – mas também
somos capazes de ver em que espírito devemos executar certas ações e como
elas são permissíveis, necessárias e úteis. Isto livra nossas ações de toda auto-
satisfação e de toda servidão ao mundo e seus maus caminhos.
Fazer todas as coisas em Nome do Senhor significa fazer com que tudo seja
feito para Sua glória, tentar executar tudo de tal modo que Lhe agrade,
consciente de que é Sua vontade. Significa também circundar toda ação através
de orações a Ele; começar com a oração e terminar com a oração; ao começar,
pedir pela Sua benção; ao proceder, pedir pela Sua ajuda; e ao terminar,
agradecê-lo por ter concluído Seu trabalho em nós e através de nós.
TEÓFANO, O RECLUSO
A corrente de sofrimento
BISPO INÁCIO
Notas
[1] Monge de Scetis no Egipto durante o século IV, e amigo de São Macário.
[2] Os Ditos dos Pais: uma coleção de histórias relacionadas em sua maior
parte aos monges dos séculos IV e V do Egito (especialmente Scetis).
CAPÍTULO VI
GUERRA COM AS PAIXÕES
(de vários autores)
(iv) SOLIDÃO
Uma vez que vá a um monastério você tem que enfrentar a solidão. A vida em
um monastério é dura para qualquer um que prefira viver ali em companhia
com muitas outras pessoas, como se estivesse em sociedade. Em um monastério
deve-se conhecer apenas uma única pessoa – o abade, ou o seu pai confessor e
stárets. Em relação aos outros sua atitude deve ser como se eles não estivessem
presentes. Então tudo correrá bem; de outro modo a comoção será pior do que
aquela de um baile em São Petersburgo.
TEÓFANO, O RECLUSO
Somente Deus e a alma – isto é ser verdadeiramente um monge. Mas como isto
é obtido? Por qualquer meio que prefira, na medida em que consiga obtê-lo;
pois enquanto um homem não alcançou este estado, ele ainda não é um monge.
Mas, por mais difícil que seja tornar-se um verdadeiro monge, não fique
desencorajado: o espírito do zelo virá e irá dispersar todos os seus medos. Este
espírito é irresistível. Ele vem, é aceito pelo coração, e efetua grandes
mudanças internas. Esta é a origem de toda vida monástica real. Seria mais
correto dizer que ninguém faz de si mesmo um monge – ele se torna um
através de uma força externa.
TEÓFANO, O RECLUSO
Esta amiga, esta moça sobre a qual você me escreve, ela acha que ao renunciar
ao tumulto do mundo já fez tudo o que é necessário? Ela não percebe que o
mundo pode ainda estar conosco no coração, na medida em que ficamos
vivendo como nos agrada, somente para nos satisfazer?
TEÓFANO, O RECLUSO
‘Dar e tomar’
Tente acalmar-se de tal modo que você não saia para encontrar as pessoas tão
facilmente, e nem receba visitas em sua casa entusiasticamente. Os startsi
escreveram que na medida em que há um desejo de dar e tomar em nós, não
devemos esperar por paz alguma. Esta expressão ‘dar e tomar’ abarca tudo –
todas as espécies de comunicação com outros. Tal grau de desapego não pode
ser conquistado de uma única vez, mas as suas fundações devem ser definidas
agora. Possa a doçura que é habitar com o Senhor lhe preencher com a Sua
graça.
TEÓFANO, O RECLUSO
TEÓFANO, O RECLUSO
TEÓFANO, O RECLUSO
Você diz que gostaria de tornar-se um recluso. É muito cedo para isto; e não há
necessidade. Afinal, você mora só, tem poucas visitas e elas são distantes entre
si. Ir a igreja não interrompe sua solidão, mas a intensifica e também lhe dá
força para passar seu tempo em casa. De tempos em tempos você, talvez,
pudesse ficar recolhido dentro de casa por um ou dois dias esforçando-se para
estar com Deus todo o tempo. Mas em seu caso isto já acontece por si mesmo,
assim não há necessidade de fazer planos para tornar-se um recluso. Quando a
sua oração ganhar um nível de estabilidade que sempre lhe mantenha face a
face com Deus em seu coração, você terá a seclusão sem ser um recluso. Pois, o
que realmente significa ser um recluso? Significa que sua mente, encerrada no
coração, permanece diante de Deus em reverência e não sente desejo de deixar
o coração ou se ocupar com qualquer outra coisa. Busque por este tipo de
reclusão e não se preocupe em relação ao outro. Mesmo por detrás de portas
fechadas pode-se perambular pelo mundo, ou permitir que o inteiro mundo
invada o próprio quarto.
TEÓFANO, O RECLUSO
Alguém disse: ‘Cuide que seus pensamentos não vaguem para fora dos muros
do monastério, e você logo encontrará o doce descanso da seclusão monástica. ’
Esta é a parte mais abençoada escolhida por Maria – chegar a um estágio
quando nada mais existe em seus pensamentos além da igreja e da cela. Quão
excelente é isto! Penso que a beatitude deste estado esteja além de descrição.
TEÓFANO, O RECLUSO
Você está convicto, assim me conta, que há mais mérito em esforçar-se para
servir Deus no tumulto da vida diária do que no trabalho pela salvação em
solidão. Não se argumenta contra esta convicção. Aqueles que verdadeiramente
lutam para servir a Deus não visam obter mérito. Tudo com que eles se
preocupam é purificar a si mesmos das paixões, de todos os pensamentos e
sentimentos apaixonados. Para este propósito a vida vivida junto aos outros é
mais adequada, porque ela nos provê com experiência prática na luta contra as
paixões e na superação delas. Estas vitórias atacam as paixões no peito e na
cabeça, e repetidas vitórias, rapidamente, matam as paixões por completo. Na
solidão, por outro lado, a luta ocorre apenas na mente, o que é frequentemente
mais fraco em seu efeito como o é o impacto da asa de uma mosca. Esta é a
razão pela qual se leva mais tempo para matar as paixões na solidão. Além
disso, em tal luta, é praticamente sempre o caso de que as paixões não são
plenamente destruídas, mas meramente forçadas a ceder por um momento, até
que o objeto da paixão seja novamente encontrado. E assim, algumas vezes
acontece que a paixão repentinamente lampeje como um raio: neste caso, um
homem que muito desfrutou de paz em relação às paixões, através não só da
luta mental mas, também, da luta real; não será abalado pelo repentino ataque.
Esta é a razão pela qual os homens de experiência na vida espiritual aconselham
os outros a superar as paixões opondo-se contra elas de uma forma definida
enquanto vivem em comunidade, e só mais tarde retiram-se para a solidão.
TEÓFANO, O RECLUSO
Ficando irritado quando nossa solidão é perturbada
TEÓFANO, O RECLUSO
Você reclama de uma falta de ordem interior. Sem tal ordem nada que você faça
pode ser de muito valor. È mais fácil obtê-la e estabelecer-se nela se você
estiver vivendo no deserto. Temor a Deus, um coração humilde e contrito –
estas são suas primeiras manifestações.
TEÓFANO, O RECLUSO
O verdadeiro deserto
TEÓFANO, O RECLUSO
Velhos conhecidos
É bom afastar-se das distrações sob a proteção de quatro paredes, mas é ainda
melhor afastar-se para a solidão dentro de si. A primeira sem a segunda não é
nada, enquanto que esta última é de extremo valor mesmo sem a primeira.
É algo excelente ir à igreja, mas se você pode habituar-se a orar em casa como se
estivesse na igreja, tal prece feita em casa é de igual valor.
Assim como um homem vê outro face a face, tente, pois, permanecer diante do
Senhor, de modo que sua alma esteja face a face com Ele. Isto é algo tão natural
que não deveria haver nenhuma necessidade de ser especialmente mencionado,
pois, por sua própria natureza, a alma deve sempre se esforçar em direção a
Deus. E o Senhor sempre está perto. Não há nenhuma necessidade de articular
uma aproximação entre eles já que são velhos conhecidos.
TEÓFANO, O RECLUSO
TEÓFANO, O RECLUSO
O Senhor aprova seu desejo por solidão, mas não indica o momento. Você deve
esperar por indicações precisas: até que elas sejam dadas, mantenha o silêncio
interno, e continue a fazer tudo que possa para cuidar do seu convento
apropriadamente.
Como se pode manter a concentração interna entre cuidados externos? Faça seu
trabalho com zelo e atenção, ininterruptamente e sem pressa. Cada peça de
trabalho que se tenha de fazer, aceite-a como tendo sido dada pelo Próprio
Senhor, e faça-a como tal. Seus pensamentos, então, estarão com o Senhor. Você
pode adquirir este hábito com a ajuda de Deus.
TEÓFANO, O RECLUSO
Retire-se para dentro de si mesmo
Você está sedento por uma definitiva seclusão. Seria melhor esperar. Isolamento
externo ocorre por si mesmo uma vez que a seclusão interna seja estabelecida.
Deus providenciará a esse respeito. Contudo, não se esqueça que você pode
estar sozinho no meio do barulho do mundo e, de igual modo, você pode estar
cercado pelo tumulto mundano ainda que esteja retirado em sua cela. Você terá
algo melhor do que o isolamento externo ao retirar-se para dentro de si deste
modo, fazendo assim, que seja impossível que qualquer turbulência externa o
distraia. Ore para que isso lhe possa ser concedido.
TEÓFANO, O RECLUSO
A Arte da Prece - Uma Antologia Ortodoxa
- (Capítulo VI - v) Tempos de Desolação
CAPÍTULO VI
GUERRA COM AS PAIXÕES
(de vários autores)
(v) TEMPOS DE DESOLAÇÃO
TEÓFANO, O RECLUSO
TEÓFANO, O RECLUSO
Você empreende diferentes tarefas, assim me conta, ‘na maioria dos casos de
má vontade e sem qualquer empenho – tenho de me forçar a fazer’.
Mas isto, afinal, é um princípio básico na vida espiritual – colocar-se em
oposição àquilo que é mal e forçar-se a fazer o que é bom. Este é o significado
das palavras do Senhor: “o Reino dos Céus é tomado por esforço, e os que se
esforçam se apoderam dele.” (Mateus xi. 12). Eis porque seguir o Senhor é
um jugo. Se tudo fosse feito com empenho, onde estaria o jugo? No entanto,
no final, sucede que tudo é feito de bom grado e facilmente.
Tais estados surgem algumas vezes como uma punição porque nos
predispomos em pensamento ou sentimento para algo mal; e algumas vezes
eles vêm como uma educação – principalmente para nos ensinar a humildade,
habituar-nos a não esperar por nada que venha de nós mesmos, mas esperar
apenas por Deus. Umas poucas experiências como esta minam a confiança em
si mesmo; e assim, quando somos libertos do abatimento, sabemos de onde a
ajuda veio e percebemos em quem podemos confiar sobre todas as coisas. Este
é um estado depressivo, mas ele deve ser suportado com o pensamento de que
não temos direito a nada melhor, que nós o merecemos. Não existem remédios
contra ele e libertar-se dele depende da vontade de Deus. Tudo o que podemos
fazer é clamar ao Senhor: Seja feita tua vontade! Tem piedade! Ajuda -me! Mas
de modo algum deveríamos nos permitir ficar indolentes, pois isto é nocivo e
destrutivo. Os Santos Padres descrevem tais estados como arrefecimento ou
aridez; e eles concordam em considerá-los como algo inevitável para qualquer
um que esteja tentando viver de acordo com a vontade de Deus, pois sem eles
nós rapidamente nos tornaríamos presunçosos.
TEÓFANO, O RECLUSO
Esta aridez é mais frequentemente uma punição pela raiva, mentira, malícia,
crítica excessiva, ou orgulho. A cura é retornar ao estado de graça. Já que a
graça chega pela vontade de Deus, tudo que podemos fazer é orar para que
Ele nos liberte desta aridez e insensibilidade de pedra.
TEÓFANO, O RECLUSO
Tão logo você dê as costas – não importa quão levemente – a Deus, e não mais
coloque sua confiança Nele, as coisas se entortam; pois então o Senhor se
afasta, como se dissesse: “Você pôs sua confiança em outra coisa – muito bem,
confie nela então.” E qualquer coisa que isto possa vir a ser prova-se
ulteriormente sem valor.
TEÓFANO, O RECLUSO
Você vê quão frio é sem a graça e quão apática e inerte fica a alma em relação a
qualquer coisa espiritual. Este é o estado dos bons pagãos, dos Judeus fiéis a
Lei, e dos Cristãos que conduzem vidas irreprováveis mas não pensam a
respeito de suas vidas interiores e sua relação com Deus. E, no entanto, eles não
sentem uma dor como a sua porque (diferentemente de você) eles nada sabem
dos efeitos da graça. Já que acontece, circunstancialmente, deles
experimentarem uma espécie de consolação espiritual – natural, não concedida
pela graça – eles permanecem em paz.
TEÓFANO, O RECLUSO
TEÓFANO, O RECLUSO
Você diz que não é bem sucedido. De fato, não haverá sucesso enquanto você
estiver cheio de auto-indulgência e auto-piedade. Estas duas coisas mostram,
de uma só vez, que aquilo que é predominante em seu coração é ‘eu’ e não o
Senhor. É o pecado do amor próprio, vivendo dentro de nós, que dá nascimento
a todos os nossos pecados, tornando o homem inteiro um pecador da cabeça
aos pés; na medida em que permitimos que o amor próprio habite nossa alma.
E quando o homem inteiro é um pecador, como pode a graça vir até ele? Não
virá, do mesmo modo que uma abelha não chega perto de onde há fumaça.
Por outro lado, sempre espere por repentinas mudanças. Quando a lassidão e o
embotamento chegam, perceba que isto é você, o verdadeiro você; como você
é; quanto à doçura espiritual, aceite-a como um imerecido bônus.
TEÓFANO, O RECLUSO
Quantas vezes você já se fez ciente do dever que sua consciência lhe dita – o
dever de permanecer com o Senhor, não preferindo nada mais além Dele?
Talvez sua consciência deste dever nunca mais lhe deixe. Possa a real prática
dele prevalecer, outrossim, constantemente dentro de você; pois isto, afinal, é
a nossa verdadeira meta. Quando estamos com o Senhor, o Senhor também
está conosco; e todas as coisas brilham. Quando as cortinas da janela estão
abertas em uma sala e o sol brilha, a sala fica plena de luz. Se você fechar as
cortinas de uma das janelas ela se tornará mais escura, e quando você fechar
todas, a sala inteira ficará numa total escuridão. É o mesmo com a alma.
Quando ela está voltada para Deus com todas as suas forças e sentimentos,
tudo nela é brilhante, alegre, e calmo. Mas quando ela volta sua atenção e
sentimento para alguma outra coisa, este brilho diminui. Maior o número de
coisas que ocupam a alma, maior a escuridão que a invade; e então pode se
chegar à completa escuridão. Não são tanto os pensamentos que trazem esta
escuridão quanto os sentimentos; enquanto que o simples exemplo de ser
levado por sentimentos provoca, quase sempre, menos escuridão do que um
continuado e apaixonado apego por algum objeto. A maior escuridão de todas
é causada por atos pecaminosos externos.
TEÓFANO, O RECLUSO
No conjunto da sua carta você manifesta o rejubilante estado de sua alma. Você
se alegra pela misericórdia de Deus para consigo e, ao mesmo tempo, você está
temeroso. Parece que você aprendeu, por experiência, a verdade que se deve
‘Servir o Senhor com temor, e regozijar-se Nele tremendo’ (Sl. ii. 11). Você deve
manter estas duas coisas e sustentá-las juntas, inseparavelmente, para não
deixar que a alegria conduza à negligência, nem o temor extinga sua felicidade.
Segue-se que você deve sustentar -se em extrema reverência diante de Deus,
considerando-O como o Pai mais misericordioso que nos observa com adorável
atenção, mas que é ao mesmo tempo rigoroso e sem qualquer indulgência.
É simplesmente natural que você deva sentir-se temeroso de que toda esta
felicidade possa abandoná-lo novamente. Sob a influência deste temor, você
está desejoso e pronto para encontrar um modo de manter seu júbilo. Mas, você
carrega a expectativa de ser bem sucedido nisto por si mesmo? Por causa deste
único pensamento, tudo o que você ganhou pode lhe ser tomado novamente. Da
sua parte, faça todo esforço possível para conservar esta felicidade, mas confie a
verdadeira tarefa de protegê-la às mãos do Senhor. Se você não se esforçar
Deus não irá protegê-la para você. Por outro lado, se você colocar suas
esperanças apenas em seus próprios esforços e empenhos, Deus irá afastar-se
vendo que você considera Seu auxílio como supérfluo; e você se deparará com
as mesmas dificuldades encontradas no início. Trabalhe até que você esteja a
ponto de cair, force-se até o último grau, mas ainda espere que a verdadeira
proteção venha apenas das mãos de Deus. Deixe que uma fortaleça a outra – e
então, juntas, ambas formarão uma forte defesa.
O Senhor sempre quer que tenhamos tudo aquilo que mais nos auxilia para a
salvação, e Ele está pronto para nos dar isto a todo o momento: Ele apenas
espera por nossa prontidão ou capacidade para recebê-lo. Portanto, a questão
sobre aquilo que devemos fazer para proteger este auxílio é transformada em
outra: o que devemos fazer para nos manter em prontidão para receber o
poder protetor de Deus, que está esperando para entrar em nós? E como, de
fato, este poder entra em nós? É essencial nos reconhecer como vazios, um
recipiente vazio que nada contém; adicionar a isto a consciência de nossa
própria impotência em preencher este vazio por qualquer dos nossos próprios
esforços; coroar isto com a certeza de que apenas o Senhor pode fazê-lo, e não
somente pode como quer e sabe como fazê-lo; e então, permanecendo com a
mente no coração, clamamos: “Conduza-me à boa ordem pelos meios que Tu
conheces, Oh Senhor”. Faça tudo isto com esperança inabalável, confiante de
que Ele lhe guiará nos caminhos da justiça e não permitirá que seus pés se
desviem.
Você está feliz pelo sentimento de alegria e consolação que lhe retornaram. Isto
é natural. Mas apesar disto, esteja atento para não se permitir a fantasiosas
conjecturas: ‘Ah! Aí está! Isso é o que é! É assim que é, e eu não sabia!’ Tais
idéias são pensamentos do inimigo, deixando atrás de si o vazio, ou nos
conduzindo a um beco sem saída. Todo o tempo, apenas devemos repetir:
“Glória a Ti, Oh Senhor’, acrescentando: ‘Deus, seja misericordioso!’ Se você
demorar nestas vãs conjecturas, junto com elas, imediatamente surgirão
memórias de como você trabalhou e se esforçou, daquilo que fez e de como
você se absteve, em quais de seus estados o sentido de alegria e bem-estar
apareceu, em quais o deixou e em quais ele durou e foi firmemente
estabelecido. E depois disso, você tomará a decisão de sempre atuar de algum
modo particular. Assim você cairá em uma fantasiosa vaidade, acreditando que
finalmente o segredo do progresso espiritual lhe foi revelado e está ao seu
alcance. Mas, na próxima vez que você orar, toda a falsidade de tais sonhos se
fará evidente, a oração se tornará vazia, inconstante, e pouco confortável. O
conforto residirá apenas na memória do seu antigo bom estado e não na sua
posse atual. E você terá que suspirar e condenar a si mesmo. Mas se a alma não
pode induzir-se a suspirar, então, o falso estado de espírito durará e a graça
novamente se afastará. Pois um tal estado fantasioso revela que a alma
deslizou novamente para os seus próprios esforços e não mais para a
misericórdia de Deus. Graça sempre é graça, e é independente de todo o
trabalho. Aquele que a confunde com trabalho pode ficar privado dela por este
motivo. Lembre-se bem disto. Os afastamentos da graça, enviados pela
providência de Deus para nos corrigir, são especialmente destinados para nos
ajudar a aprender esta salvadora lição.
TEÓFANO, O RECLUSO
A Arte da Prece - Uma Antologia Ortodoxa - (Capítulo
VI - vi) Guerra com as Paixões – Ilusão
CAPÍTULO VI
GUERRA COM AS PAIXÕES
(de vários autores)
(vi) ILUSÃO [1]
S. GREGÓRIO DO SINAI
Confusão e paz
Quando há confusão na alma, de qualquer espécie que seja, não confie em seus
julgamentos em tais momentos; pois aquilo que a alma nos conta não será a
verdade. Em tais momentos seu conselheiro é Satã e seu conselho, certamente,
não é para sua salvação – a pobre alma é despedaçada desta e daquela maneira.
“Porque a ira do homem não produz a justiça de Deus” (Tiago i. 20). O que vem
de Deus é inteiramente pacífico, calmo e doce; e deixa esta doçura na alma tanto
quanto a esparge abundantemente por todo entorno, muito embora à primeira
vista, às vezes, tenha uma aparência proibitiva.
TEÓFANO, O RECLUSO
Pensamentos errantes
TEÓFANO, O RECLUSO
BISPO INÁCIO
A origem da ilusão
BISPO INÁCIO
TEÓFANO, O RECLUSO
Aceitar tal idéia e fazer tal proibição se constitui como uma terrível blasfêmia –
ilusão de um caráter absolutamente deplorável. Nosso Senhor Jesus Cristo é a
única fonte de nossa salvação, o único meio pelo qual podemos ser salvos: e Seu
Nome humano recebeu de Sua divindade um sagrado e ilimitado poder para nos
salvar. Como pode este poder, que trabalha pela salvação – o único poder que
dá salvação – tornar-se distorcido e trabalhar para a perdição? Tal sugestão é
absurda. É um contra-senso deprimente, blasfemador e destruidor da alma.
Aqueles que adotam esta linha de argumento foram, de fato, seduzidos pelo
demônio, e enganados pelo espúrio raciocínio que vem de Satã.
BISPO INÁCIO
BISPO INÁCIO
Você pergunta por que a ilusão aparece durante a prática da Oração de Jesus?
Aparece não através da própria oração, mas através da maneira pela qual é
praticada – e aqui deveríamos observar as direções prescritas na Filocalia. Estas
direções deveriam ser seguidas sob o olhar de um professor que sabe a correta
maneira de executar a Oração. Mas se qualquer um tenta praticá-la por si
mesmo, meramente por descrições de livros, ele não pode escapar da ilusão. Em
qualquer descrição apenas é dado um contorno externo do trabalho: um livro
não pode prover todo o detalhado conselho que é oferecido pelo stárets que
compreende o estado interno que deveria acompanhar a Oração, e assim pode
assistir o iniciante e dar-lhe a adicional orientação que ele precisa. Aquele que
pratica este método de oração sem um guia para ajudá-lo é, naturalmente,
deixado apenas com a atividade externa e os vários exercícios físicos.
Conscientemente ele executa tudo aquilo que é previsto pelos livros a respeito
da postura do corpo, respiração, e o olhar para o coração. Mas, à medida que
os métodos desta espécie conduzem, naturalmente, só até certo grau de
concentrada atenção e calor, quem quer que não tenha um confiável juiz, capaz
de explicar-lhe a natureza da mudança que começou a acontecer-lhe, pode ser
que venha a imaginar que este limitado calor já é, de fato, o que ele está
buscando e que a graça desceu sobre ele; enquanto que, na verdade, ela ainda
não está lá. E logo ele começa a achar que possui a graça, sem tê-la realmente.
Tal é a natureza da ilusão; e esta ilusão irá, posteriormente, distorcer todo o
subsequente curso de sua vida interior. Eis a razão pela qual, nos dias de hoje,
encontramos startsi aconselhando às pessoas que, de fato, não empreendam
estes métodos físicos por causa do perigo envolvido neles. Por si mesmos eles
não podem dar qualquer coisa da graça, pois a graça não está conectada com
exercícios externos, mas chega apenas ao ser interior. Por outro lado, o estado
interior apropriado atrairá a ação da graça mesmo sem tais métodos.
TEÓFANO, O RECLUSO
TEÓFANO, O RECLUSO
Sobre a sua primeira questão que perguntava sobre a pequena chama: quando
Deus lhe der você entenderá. Sem ter saboreado a doçura do mel um homem
não pode saber como ela é. Aqui também é assim. Devemos adquirir um
constante sentimento de amor por Deus, e então a chama se tornará manifesta.
TEÓFANO, O RECLUSO
BISPO INÁCIO
Notas
CAPÍTULO VI
GUERRA COM AS PAIXÕES
(de vários autores)
(vi) HUMILDADE E AMOR
Você diz que não tem humildade nem amor. Tanto quanto estes estejam ausentes,
tudo o que é espiritual estará ausente. O que é espiritual nasce quando eles nascem
e cresce na medida em que eles crescem. Para a alma, eles são o mesmo que o
controle da carne é para o corpo. A humildade é obtida através de atos de
humildade, o amor por atos de amor.
TEÓFANO, O RECLUSO
A medida da humildade
TEÓFANO, O RECLUSO
Defeitos de caráter
O Senhor algumas vezes deixa em nós alguns defeitos de caráter para que
aprendamos humildade. Pois sem eles nós imediatamente soaríamos acima das
nuvens em nossa própria estima e colocaríamos nosso trono lá. E aqui reside toda a
perdição.
TEÓFANO, O RECLUSO
Para mim, não há necessidade de repetir-lhe que a invencível arma contra todos
nossos inimigos é a humildade. Não é facilmente obtida. Nós podemos achar que
somos submissos sem ter um só traço de verdadeira humildade. E não podemos
nos tornar despretensiosos meramente pensando sobre isso. O melhor, ou ainda, o
único caminho seguro para a humildade é através da obediência e pela renúncia de
nossa própria vontade. Sem isto é possível desenvolver em nós um orgulho
satânico, enquanto somos modestos nas palavras e nas posturas corporais. Eu lhe
imploro a prestar atenção a este ponto e, com todo receio, examine a condição da
sua vida. Ela inclui obediência e renúncia da sua vontade? De todas as coisas que
faz, quantas são feitas contrarias a sua própria vontade, suas idéias e reflexões?
Você faz algo sem desejar, através da absoluta obediência, simplesmente porque foi
ordenado? Por favor, examine-a inteiramente e diga-me. Se não há nada deste tipo
de obediência, a espécie de vida que conduz não lhe trará humildade. Não importa
o quanto você possa humilhar-se no pensamento, sem atos que lhe conduzam a
auto-humilhação, a humildade não virá. Assim, você deve pensar cuidadosamente
como providenciar isto.
TEÓFANO, O RECLUSO
Presunção e censura
Você tem sido de algum modo negligente. O temor a Deus lhe deixou, e logo em
seguida aquela atenção também lhe deixou, e você recaiu no hábito de censurar as
pessoas. Você diz que pecou internamente, e isto é verdadeiro. Arrependa-se
rapidamente e implore o perdão de Deus. Tal falta como esta traz sua própria
paga: a falta é interna, e assim é a punição. Nós podemos condenar os outros não
apenas em palavras mas também com um movimento interno do coração. Se a
alma, quando pensa sobre outros, os critica adversamente, então ela já os
condenou.
TEÓFANO, O RECLUSO
Tomando a ofensa, e virando a outra face
Você diz que está ofendido. Estar ofendido por falta de atenção é considerar a si
mesmo merecedor de atenção e, consequentemente, dar um alto valor a si mesmo
no coração; em outras palavras, ter um coração inchado com orgulho. É isto bom?
Não é nossa tarefa suportar acusações errôneas? Certamente que é. Como, então,
começaremos a praticar esta tarefa? Afinal de contas, quando estamos
determinados a suportar, temos que suportar cada aborrecimento sem exceção, e
suportar com alegria, sem perder nossa paz interior.
TEÓFANO, O RECLUSO
Você deseja que a contrição e as lágrimas nunca lhe deixem, mas você faria
melhor se desejasse que o espírito da profunda humildade sempre reinasse em
você. Isto traz lágrimas e contrição, e também nos impede de ficar inchado de
orgulho por tê-los. Pois o inimigo articula para introduzir veneno mesmo através
de pensamentos como estes.
TEÓFANO, O RECLUSO
Prece Oral
Oração do coração
Notas: