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THOMAS MERTOM, UMA MÍSITICA PARA O NOSSO TEMPO

Pe. Paulo Sergio Chaves


Disciplina Oração e Mística

1. UM BREVE HISTÓRICO

Thomas Merton nasceu em 31 de janeiro, como eles descreveu “no último dia de
janeiro de 1915, sob o signo de aquário, em meio a uma grande guerra [1° guerra
mundial]”. 1 Nasceu de pais de países diferentes e ambos eram artistas. Nesse ambiente
sem religião, Merton aprende a olhar o mundo com a sensibilidade e o senso crítico de
um artista. Foi um ser humano envolvido por muitas culturas, começando a herdada
pelos pais, pois a mãe era americana e o pai neozelandês. Além disso, as viagens que
fizera marcam sua maneira de olhar o mundo. Morou na França, onde nasceu e mudou-
se, ainda criança, para os Estados Unidos. É nesse país que recebe sua educação.

Foi educado nos Estados Unidos, França e Inglaterra. Na Columbia University


de Nova York obtém o título de Bachelor os Arts em 1938 e, no ano seguinte,
o título de Master of Arts. Por um tempo lecionou na Columbia University e
depois na St. Bonaventure University de Allegany, no Estado de Nova York. 2

Merton cresceu sem uma educação religiosa e, na sua adolescência, declarou-se


ateu e não tinha uma preocupação com os princípios morais. Porém, muitas coisas
aconteceram em sua vida. Mesmo que sua mãe e seu pai não ligassem para religião,
por vontade paterna foi batismo, em Prades. Foi com a avô que Thomas Merton
aprendeu a rezar a Oração do Senhor. Algo já o perturbava, mesmo nuca indo à igreja.
Quando criança teve o desejo de ir à Missa: “lembro-me de ter tido um intenso desejo de
ir à igreja certo dia; mas não fomos. Creio que era domingo de Páscoa”, 3 por curiosidade,
ou talvez um primeiro indício de uma experiência mística, se é que podemos afirmar tal
coisa. Vejamos:

Através da casa vermelha da granja vizinha, e ao fundo dos campos, se


destacava acima das árvores a torre da igreja de São Jorge. O bimbalhar dos
sinos vinha até nós por sobre as campinas. Eu estava brincando na frente da
nossa casa e parei para escutar. De repente a passarinhada toda se pôs a
cantar nas árvores do terreno, e meu coração se encheu de júbilo com a voz
dos sinos e dos pássaros. Então disse alto a meu pai: - Pai, todos os pássaros
estão cantando em suas capelas. – E daí a pouco: Vamos à igreja, pai? Ele

1
MERTON, Thomas. A montanha dos sete patamares. Belo Horizonte: Itatiaia, 1997, vl. 3, p. 9.
2
CUMER, D. In: ANCILLI, Ermanno; Pontifício Instituto de Espiritualidade Teresianum (orgs). Dicionário de
espiritualidade. Trad. Orlando Soares Moreira, Silvana C. Leite. São Paulo: Loyola; Paulinas, 2012. v. 3., p. 1615.
3
MERTON, 1997, p. 17.
levantou a cabeça e respondeu: - Iremos sim. – Agora? – Não. É muito tarde.
Iremos qualquer outro dia. 4

Uma série de ocasiões levaram Merton até Deus, à Igreja Católica e, claro, até à
vocação monástica. Foi pela literatura, de forma específica, a poética, que conduziram
Merton a esse caminho religioso, derrubando de sua vida toda resistência à religião, que
permanecera de sua vida familiar. Não de forma amigável, mas como o próprio autor
descreve, como uma graça de Deus não ter jogado o livro fora. Que livro? O Espírito da
Filosofia Medieval, de Etienne Gilson. “Comprei-o, junto com outro livro cujo nome já me
esqueci completamente, e durante a viajem no trem de Long Island para casa,
desembrulhei o pacote a fim de dar uma olhadela e gozar as minhas aquisições. Foi só
então que vi na primeira página de O Espírito da Filosofia Medieval os seguintes
caracteres que diziam: ‘Nihil Obstant. Imprimatur’. [...] Deviam ter avisado que se tratava
de um livro católico, e então eu não teria comprado. 5
A conversão de Merton acontece! A partir daí, uma vida de intensa oração,
aprofundamento da fé, lendo os grandes clássicos da teologia e da mística católica. Foi
um homem preocupado com o outro. Sua vida contemplativa, mergulhada na intimida
com Deus, a partir do silêncio – característica que já era percebida, mesmo antes de sua
adesão a fé católica – não o deixava recluso da vida. A personalidade de Merton, mesmo
sendo difícil de descrever, apontava para uma vida de oração, que deveria estar
mergulhada na realidade, isto é, “Nosso amor a Deus e ao próximo não pode ser
meramente simbólico, tem de ser inteiramente real”. 6 Essa certeza marca a vida e a
espiritualidade de Merton, porque procurava, em tudo, ligar-se ao mundo em sua volta,
mesmo na vida monástica. Pode-se dizer, que foi um homem cheio de compaixão,
preocupa com a vida alheia, sem deixar de lado sua personalidade forte. O monge
trapista, deu grandes contribuições à Igreja, principalmente em sua abadia, a do
Getsêmani, em que muitos o amaram de verdade!

2. MERTON E SUA EXPERIÊNCIA MÍSTICA


(A montanha dos sete Patamares, p. 323 a 338)

Em tempos já adiantados da vida de Merton, como professor e entusiasmado com


a possibilidade de sua vocação como sacerdote, decide em uma de suas férias, não dar
aula de gramática, pois queria se preparar para a vida monacal e tinha planos para ir até
o México e Cuba. Porém, um golpe o atinge, mudando seus planos de forma repentina

4
MERTON, 1997, p. 17-18.
5
MERTON, 1997, p. 205.
6
MERTON, Thomas. Vida e Santidade. São Paulo: Herder, 1965, p. 83.
– ou não. Merton descobre que precisa fazer uma cirurgia e retirar o apêndice. Ele,
consciente de sua situação, abre-se a graça e, mesmo em um ambiente hospitalar,
cercado de tristeza, pensa na possibilidade desse “estágio”, com as irmãs que cuidavam
do hospital. Mas a incerteza o cercava, porque lembrava-se das circunstâncias que o
cercariam e sua própria condição de saúde, indo para uma cirurgia.

Desci as escadas da casa do médico, pensando que seria bom um estágio no


hospital, com freiras tomando conta de mim; mas ao mesmo tempo principiei a
temer acidentes fatais, enganos, escorregões de bisturi, coisas que dariam
comigo na sepultura. 7

Merton permaneceu dez dias no hospital, com seu amigo inseparável, o livro O
Paraíso, de Dante. Mas não foi o livro que fez Merton ter no hospital, o que podemos
considerar de experiência mística. O termo mística, muitas vezes, refere-se a uma
experiência com à divindade, a partir dos dons do espírito Santo. Não está errado, mas
essa experiência, referindo-se a mística, acontece também na realidade, uma
experiência com Deus na existência, no que se refere “a consciência de estar em contato
com Deus”. 8 Merton descreve que esses dias no hospital foram mesmo um paraíso.
Podemos nos perguntar o porquê? Fazia todas as manhãs a experiência com a
Eucaristia. “Eu permanecia em feliz expectativa, enquanto a campainha se punha a soar
pelas salas. Isso significava a vinda da Comunhão”. 9
A experiência mística de Merton nos dias em que permaneceu foi intensa e
marcante. Não só nos sacramentos pôde fazer essa experiência, mas no cuidado em
que tiveram com ele, no ambulatório. “Isso de permanecer na cama e ser alimentado
segundo um horário frequente, era bem mais que luxo e conforto; tinha também um
profundo sentido, que não percebi logo”. 10 Merton percebe que o carinho de Deus
perpassa o nosso entendimento da graça e que Ele, pode manifestá-la quando e onde
quiser. Muitas das vezes, achamos que sentiremos a manifestação da graça pela via da
oração e deixamos de percebê-la em coisas simples, como o ser cuidado e o cuidar do
outro. Só mais tarde, Merton compreendeu o significado de tudo isso e ele mesmo
descreve essa realidade: “Alguns anos mais tarde compreendi o quanto isso significava
para minha vida espiritual, pois já agora, era como se tivesse nascido”. 11

7
MERTON, 1997, p. 326.
8
SUTTER, A. In.: Pontifício Instituto de Espiritualidade Teresianum (orgs). Dicionário de espiritualidade. Trad.
Orlando Soares Moreira, Silvana C. Leite. São Paulo: Loyola; Paulinas, 2012. v. 3., p. 1655.
9
MERTON, 1997, p. 327.
10
MERTON, 1997, p. 328.
11
MERTON, 1997, p. 328.
Chegara a hora de deixar o hospital e partir para uma outra realidade, em que
sentiria, uma vez mais, o amor de Deus. Parte na certeza que crescera espiritualmente
e sente que Deus continuava a nutri-lo, não só de forma racional, mas também espiritual.
Não deixava de fazer suas orações e meditações, na casa de seus tios, lugar em que
permaneceu, após a alta do hospital.
O entusiasmo de Merton em conhecer Cuba predomina e, após visita e aprovação
de seu médico, decide fazer esse passeio. “Foi nessa ilha cheia de claridade que a
solicitude que sempre me rodeou por onde quer que andei, atingiu intensidade
máxima”. 12 A razão desse passeio de Merton a Cuba, era de ver e recorrer a proteção
da Santíssima Virgem, Nossa Senhora do Cobre e que de fato realizara. Sua viagem a
Cuba foi de uma rica experiência com a graça de deus. “Cada passo que eu dava me
abria um novo mundo de júbilos, de júbilos espirituais, e de júbilos de mente, de
imaginação e dos sentidos na esfera natural, mas sempre no plano da inocência e sob a
direção da graça”. 13
Merton, em sua estadia em Cuba, depara-se com pessoas mergulhadas na oração
e o que ele percebeu e viveu com alegria, foi em poder, onde e que hora desejasse, o
buscar diariamente a vida sacramental. Várias igrejas com Missas diárias e pode viver
como um príncipe espiritual, como escrevera. “Para onde quer que me voltasse havia
um sacerdote pronto a nutrir-me com a infinita força de Cristo que me amava e que
estava começando a me mostrar com imensa e generosa prodigalidade quanto me
amava”. 14
A feliz intenção de visitar Nossa Senhora do Cobre acontece e, mesmo de longe,
Merton faz sua oração à Mãe de Deus:

Lá está tu, Caridad del Cobre! Foi a ti que vim visitar. Quero que peças a Cristo
que me faça sacerdote. Em paga, te darei meu coração. Sim, se obtiveres pra
mim o sacerdócio, me lembrarei de ti na minha primeira Missa, e de tal modo
que ela será para ti. Ou melhor, eu a oferecerei por intermédio de tuas mãos
em sinal de gratidão à Santíssima Trindade que se servirá de teu amor para
me outorgar tamanha graça. 15

Contemplamos na oração de Merton seu grande desejo de ser sacerdote, mas não
onde achava que seria. Mas o Senhor não deixa de atender a um filho que pede com fé
e ainda mais recorrendo a intercessão de sua Mãe Santíssima. Merton foi ordenado

12
MERTON, 1997, p. 329.
13
MERTON, 1997, p. 330.
14
MERTON, 1997, p. 331.
15
MERTON, 1997, p. 334.
sacerdote no dia 26 de maio de 1949 e não esqueceu a promessa que fez a Nossa
Senhora do Cobre e pode, numa sexta-feira, após a ordenação, cumpri-la.

Sexta-feira celebrei a Missa que prometera a Nossa Senhora do Cobre.


Haviam-me dito que a primeira Missa que celebrasse não seria brincadeira, de
tal forma eu me haveria de atrapalhar coma as rubricas. Mas isso não foi
verdade. Ao contrário. Senti-me como se tivesse celebrado missa toda a minha
vida e, nesta época, o texto litúrgico da Missa votiva à nossa amantíssima
Senhora é imensamente complexo. Rezai-a no altar de Santa Ana. 16

A mãe de Deus estava sempre a olhar por seu filho e, ainda em sua viagem a Cuba,
após sua ida a basílica, relata Merton que a Senhora da Caridade “tinha sempre uma
palavra a me dizer”. 17 Ora, esse contato com a Mãe da Caridade não foi a única
experiência mística de Merton, a última da viagem e que marcou sua vida com a
Eucaristia, foi durante a Missa, na Igreja El Cristo, quando o sacerdote pede para que as
crianças recitem o Credo. Momento que marcou profundamente a vida do monge
trapista.

Chegou a hora da Consagração. O sacerdote ergueu a Hóstia, depois ergueu


o cálice. Quando pousou o cálice no altar, um frade com seu hábito de
estamenha e a corda branca em torno das ilhargas, se colocou bem diante das
crianças, e imediatamente estas começaram a bradar: — Creo en Diós!…
“Creio em Deus Pai Todo-Poderoso, criador do céu e da terra…” O Credo. Mas
aquele brado, “Creo en Diós!”, como era alto, límpido, inesperado, radioso,
triunfante! Que fulminante brado, vindo de todas aquelas crianças cubanas,
numa jovial e jubilosa afirmação de fé! Então, de modo tão súbito e tão
categórico como aquele brado, e milhares de vezes mais límpido, se formou
em minha mente um sentimento de certeza e de compreensão: a averiguação
do que acabara de se passar no altar, durante a Consagração; a averiguação
de Deus tornado presente pelas palavras da Consagração e de maneira que O
fazia pertencer a mim. 18

Merton, ao relatar essa experiência, apresenta-a quase que como o ocorrido com
Paulo a caminho de Damasco, quando o apostolo faz a experiência com o Ressuscitado.
“Era como se eu de modo inesperado me clareasse todo, ao ficar quase cego ante a
manifestação da presença de Deus”. 19 Eis uma intima relação com o Senhor, em que
Merton, por muitas vezes em sua vida sacerdotal, levaria às pessoas, até seus irmãos
no mosteiro e a ele mesmo no eremitério. Mas também, as palavras da consagração –

16
MERTON, Thomas. O signo de Jonas. São Paulo: Mérito, 1954, p. 223.
17
MERTON, 1997, p. 335.
18
MERTON, 1997, p. 337.
19
MERTON, 1997, p. 337.
“entregue por vós – se fariam presentes na vida dos mais necessitados. O que o monge
relata, a partir dessa experiência mística, “o céu está aqui bem diante de mim! O céu. O
céu!”, 20 compreender-se-á no crescimento da espiritualidade de Merton, preocupado
com o mundo e fazendo com que esse céu, acontecesse, de forma concreta do mundo.

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao ler Thomas Merton, não só nessas poucas páginas, mas a partir de seus livros
e diários, bem como muitos comentadores, chega-se à conclusão de que Merton teve
uma vida marcada pela experiência mística e carrega consigo uma espiritualidade
integral. Espiritualidade esta construída ao longo de sua vida, a partir das chagas que
traz consigo, de uma infância que o levara ao desejo de religião – inibida por seus pais
– e um crescer longe de sus pais, pois os perdera quando ainda era um adolescente e
de suas dúvidas.
Sua espiritualidade se dá na transcendência e imanência, com Deus e com o ser
humano, na vertical e horizontal, na oração e na ação, na busca pelo Reino de Deus,
vivido aqui, a partir dos conselhos evangélicos, na contemplação e na ação, mesmo
estando num mundo, em que Deus era deixado a mercê. É justamente esses pontos que
se descobre nos livros de Merton, pois mesmo sendo Trapista, gostava de São João da
Cruz, o qual teve contato a partir de Etienne Gilson, em que lera a contragosto e tem,
pela primeira vez, contato com São João da Cruz: “seriam meus primeiros passos para
São João da Cruz”. 21 Destaca-se, também, o diálogo com o mundo, a partir da arte, dos
poemas, a fraternidade com outras religiões. Merton consegue integrar,
harmonicamente, vida espiritual e o seu desejo de ver o mundo mudar. De fato, uma
espiritualidade para os nossos tempos líquidos, em que precisamos de uma mística 22 de
olhos abertos, para o transcendente e o imanente, a exemplo de Merton.
Thomas Merton pode ser classificado como autor da ESPIRITUALIDADE
CRISTÃ, 23 pois compreendeu e aplicou aquilo que ensinara Jesus: “Amar a Deus sobre
todas as coisas e amar o próximo”, eis o principal mandamento. Percebe-se em Merton
esse diálogo íntimo, de amor para com Deus e com o mundo, a partir de um olhar
contemplativo, que o faz rezar nos e pelos acontecimentos da história.

20
MERTON, 1997, p. 338.
21
MERTON, 1997, p. 207.
22
Esse tema é concreto no livro de Johann Baptist Metz, com esse título: Mística de olhos abertos.
23
Não de uma espiritualidade específica, que corresponde a um carisma, mas a Espiritualidade Cristã, que Cristo
ensinou e viveu. Podemos dizer que sua forma de viver a fé e sua vocação foi integral, não separando o homem
Merton, do monge, do padre. Nota-se os frutos de sua intimidade com Deus, que nos revelam essa forma
espiritualidade, tão atual para os nossos dias.

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