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1
,,~ TRATADO
i DE
FILOSOFIA.
1
i
1

1 .

..,
RÉGIS JOLIVET
Professor de Filosofia
Decano ela Faculdade de Filosofia da Universidade Católica de Lyon .

....

. rfRA_TADO
DE
FILOSOFIA
PLANO DA OBRA
II
TRATADO DE FILOSOFIA

PSIC OLO GIA


Tomo I - Lógica e Cosmologia (em preparo)
Tomo II - Psicologia
Tomo III - Metafísica (próximo a sair)
Tomo IV - Moral (em preparo)
Tradução de
GERARDO .DANTAS BARRETTO
Professor de Psicologia da Faculdade de Filosofia de PetrópoHs
Professor de Filosofia da Fuculclade Nacional de Filooofio

.,,

1963

Livraria AGIR é:dtlôra


RIO DE JANEIRO
Copyright de
ARTES GRÁFI\JAS INDÚSTRIAS REUNIDAS S. A.
(AGIR)

íN.QICE GERAL

..., INTRODUÇÃ O

CAPÍTULO I. OBJETO E MÉTODO DA PSICOLOGIA 15


Título do original francês:
Art. I. Objeto da psicologia 15
Traité de Philosophie, II: Psychologie. 5• édition. Art. II. Método da psicologia 31
I yon - Paris, Emmanuel Vitte. Art. III. Divisão da psicologia 62

CAPÍTULO II. CONDIÇÕES FISIOLÓGICAS GERAIS DA VIDA PSICO-


LÓGICA 65
Art. I. O tecido nervoso . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 66
Art. II. O sistema nervoso . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 72

CAPÍTULO III. 0 HÁBITO 81

Art. I. Noção 81
Art. II. Formação dos hábitos ............. ...... . 88

UVRO PRIMEIRO: A VIDA SENSiVEL

PRIMEIRA PARTE. O CONHECIME NTO SENSíVEL 103

CAPÍTULO I. CONDIÇÕES SENSORIAIS DA PERCEPÇÃO . . . . . . . . . 105

Art. I. Noção da sensação ............. ......... . 106


Art. II. Fisiologia da sensação ............. ...... . 107

Livraria AGIR é:'dilôra


Art. III. Psicologia da sensação ............. ...... . 120
Art. IV. As diversas sensações ............. ...... . 126
Rua Bráulio Gomes, 126 Rua México, 98-B Av. Afonso Pena, 919
(ao lado da Blbl. Mun.)
Te!. : 34-8300
Te!. : 42-8327 Te!.: 2-3038 Art. V. Espaço, tempo, movimento ............. .. . 137
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São Paulo, S. P P
Rio de Janeiro Belo Horizonte Art. VI. Filosofia da sensação ............. ....... . -148
Guanabara · Minne Gerais

·. ~;:
ÍNDICE GERAL 9
ÍNDICE GERAL

152 CAPÍTULO III. PRAZER E DOR ..... .... .. . . . ....... . . . . . . . 331


CAPÍTULO II. A PERCEPÇÃO ... . .. .. .... . .. . ..... .... .. .
Art. I. Problemática da percepção .......... ... .. . 153 Art. I. Natureza do prazer e da dor .. . ...... . .... . 331
Art. II. Leis da percepção .. . ... .. ... . . . ...... . .. . 161 Art. II. Papel do prazer e da dor .. ... . .... ... . .. . . 336
Art. III. Exterioridade e localização dos objetos . . ... . , 165
"
CAPÍTULO IV. EMOÇÕES, SENTlMh~TOS E PAIXÕES ... .. .... . 343
Art. IV. Formas da percepção .. . ..... . ... ... . ... . . 169
Art. I. Análise dos fenômenos emotivos .... .. ... . . 344
CAPÍTULO A IMAGINAÇÃO ... . ... . ....... . ......... . 187
III. Art. II. Natureza dos estados emotivos . . . ..... ... . 352
Art. I. Natureza das imag·ens .............. . ... . 188 Art. III. Função dos estados emotivos . . ..... .. ... . . 357
Art. II. Fixação e conservação das imagens ....... . 202 Art. IV. A linguagem emocional . ........... . .... . . 36!5
Art. III. Associação das idéias ....... . ..... . . . ... . 217 Art. V. As paixões ... . . . .......... ... .. . . .. .... . 368
Art. IV. Criação imaginativa .... . ...... . ......... . 230
Art. V. · O sono e o sonho . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 245
UVRO SEGUNDO: A VIDA INTELECTUA L
CAPÍTULO IV. A MEMÓRIA .... . ............ . .......... . 262
PRIMEIRA PARTE. O CONHECIMEN TO INTELECTUA L 37!)
Art. I. Noção ............. ............. ..... ; . 262
Art. II. Fixação e conservação das lembranças .. . . . 265 CAPÍTULO I. A ATENÇÃO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 381
Art. III. Evocação das lembranças .............. .. . 271 Art. I. Definição e divisão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 381
Art. IV. Reconheciment o e localização .......... . .. . 274 Art. II. Natureza da atenção . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 388
Art. V. Dismnésias. Amnésias. Hiperamnésias ... . 278
CAPÍTULO II. Ü PENSAMENTO. NOÇÕES GERAIS ............ . 394
SEGUNDA PARTE. A VIDA AFETIVA .. . ..... .... .. . 281
Art. I. Noção de pensamento . . ... . . . ..... . . . ... . 394
INTRODUÇÃO 281 Art II. Natureza empírica do pensamento .. . ..... . 397
Art. III. O pensamento e a linguagem . . . . . . . . . . . . . . 416
CAPÍTULO I. 0 INSTINTO ............ .. .... .. ......... . 286
CAPÍTULO III. A IDÉIA . . . • • . . . . . . . . . . • . . . . . . . • . . . . . . . . ·l!J.34
Art. I . Característicos do instinto ........ .. .. . .. . 287
Art. II. Psicologia do comportamento instintivo .... . 292 Art. I. Natureza psicológica da idéia . . . . . . . . . . . . . . 435
Art. III. Classificação dos instintos .... . .... . ..... . 300 Art. II. A abstração . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 446
Art. III. A intelecção . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 4-58
CAPÍTULO II. As INCLINAÇÕES . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 308
CAPÍTULO IV. Ü JUÍZO 471
Art. I. Os instintos na espécie humana ........... . 308
Art. I. Divisão ............. ............. . ..... . 471
Art. II. Tendências e inclinações especificamente hu-
313 Art. II. Natureza do juízo ... . ............. .. ... . . 473
manas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Art. III. O juízo de valor . . .............. ........ . 476
Art. III. Leis de variação das tendências . . . . . . . . . . . 320
323 Art. IV. Verdade e êrro ....... .. ........... . .... . 478
Art. IV. Redução das inclinações . . . . . . . . . . . . . . . . . .

-~ -
ÍNDICE GERAL 11
10 ÍNDICE GERAL

633
/

CAPÍTULO V. A CRENÇA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . • . 483 SEGUNDA PARTE. A ALMA HUMANA


Art. I. Natureza da crença . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 484 CAPÍTULO I. NATUREZA DA ALMA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 635
Art. II. Causas da crença . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 488
Art. I. Espiritualidade da alma . . . . . . . . . . . . . . . . . . 635
CAPÍTULO VI. 0 RACIOCÍNIO E A RAZÃO . . . . . . . . . . ~. . . . . . . . 495 Art. II. Teorias' materialistas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 640

Art. I. O raciocínio . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 495 CAPÍTULO II. UNIÃO DA ALMA E DO CORPO . . . . . . . . . • . . . . . . 649


Art. II. A razão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 502
Art. I. O composto substancial . . . . . . . . . . . . . . . . . . 649
SEGUNDA PARTE. A ATIVIDADE VOLUNTARIA . . . . . 515 Art. II. Problema da "comunicação das substâncias" 651

CAPÍTULO III. ORIGEM E DESTINO DA ALMA . . . . . . . . . . . . . . . 661


CAPÍTULO I. A VONTADE . . . . . . . . . . . . . . • . . . . . . . . . . . • . • • . 517
Art. I. Os movimentos voluntários . . . . . . . . . . . . . . . 517 Art. I. Origem da alma humana . . . . . . . . . . . . . . . . . 661
Art. II. Teorias da vontade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 528 Art. II. O destino da alma . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 673
Art. III. Natureza da vontade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 538
ÍNDICE DOS NOMES PRÓPRIOS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 681
Art. IV. Degradações da atividade voluntária ........· 542

CAPÍTULO II. A LIBERDADE . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 548 ÍNDICE ANALÍTICO DAS MATÉRIAS . . . . . . . • . . . . . . . • . . . . • . . . 687

Art. I. Noção da liberdade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 549


Art. II. Provas do livre arbítrio . . . . . . . . . . . . . . . . . . 552
Art. III. Natureza do livre arbítrio . . . . . . . . . . . . . . . . 560
Art. IV. Argumentos deterministas . . . . . . . . . . . . . . . . 566

I.JVRO TERCEIBO: O SUJEITO PSIOOLóGICO

PRIMEIRA PARTE. O SUJEITO EMP!RICO............ 579

CAPÍTULO I. 0 EU E A PERSONALIDADE . . . . . . . . . . . . . . . . . . . fi79


Art. I. Natureza do eu . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 580
. Art. II. Teorias da personalidade . . . . . . . . . . . . . . . . . 589
Art. III. O caráter . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 599

CAPÍTULO II. A CONSCitNCIA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 606


Art. I. Natureza da consciência . . . . . . . . . . . . . . . . . . 607
Art. II. O subconsciente e o inconsciente . . . . . . . . . . . • 613
Art. III. Estrutura do aparelho psíquico . . . . . . . . . . . . 626
INTRODUÇÃO

As questões que se propõem no limiar da psicologia são as


do objeto próprio· e do método desta ciência, - a das condi-
ções fisiológicas gerais da vida psicológica, - e, finalmente, a
do hábito, que é a forma que podem assumir tôdas as nossas
atividades psíquicas. 1

1 Os números impressos em grifo, no interior do texto, e precedidos do


algarismcs romano I, reportam-se aos números marginais do volume anterior
(Lógica e Co.;moloQia). Os números sem indicação do tomo aludem aos
números marginais do presente volume.
CAPÍTULO 1

, OBJETO E M1!:TODO DA PSICOLOGIA

SUMARIO 2

Art. I. OBJETO DA PSICOLOGIA. Psicologia experimental e


psicologia racional. Definições. A pslcologta experimental .
Psicol.ogia e ftlosofKL. Objeto da psicologia. Posição do
problema. Definição do psíquico.
Art . II. Mlt'I'ODO DA PSICOLOGIA. Princípios do método. Mé-
todo subjetivo e método objetivo. Processos íntrospectivos .
Notação dos fatos. Questionários e testes. Método de
interrogação. Processos objetivos. Métodos comparativos .
A psicologia animal. Métodos de laboratório. As leis
psicológicas. Determinismo psicológico. As grandes leis
funcionais. Valor d.a.s leis psicológicas. A hipótese.

Art. III. DIVISAO DA PSICOLOGIA.


1 O método de urna ciência depende da natureza do seu obje-
to formal (/, 162). Por isso, deve nosao estudo da psicologia
começar pela determinaçã o precisa dêste objeto formal. Por
sua vez, estas questões de objeto e de método subdividem- se
em numerosos problemas, nos quais, como veremos, está impli-
cada tôda a psicologia. Dai a particular importância da In-
trodução à psicologia.

ART. I. OBJETO DA PSICOLOGIA


Definir a psicologia é indicar-lhe o objeto próprio ou for-
mal, o que não é tão fácil como à primeira vista se afigura.

2 Cf. A. BINET, IntT"oduction d la: P81/Chologie expérimentale, Paris; 1894.


EBBINGHAUS, P-récis de Psvchologie, trad. francesa, Paris, 1911. Th. 'RIBOT,
La Pl1/Chologie (na coleção La méthode dana les sciences, Paris, 1909). W.
JAMES, P-récis de pS1Jchologie, trad. francesa, Paris, 1909. WUNDT, Gnm-
driss der PSJ1chok>gie, Leipzig, 1905. Me DOUGALL, An Oufüne of P$11Cho-
logv, Londres, 1923. J. DE LA V AISSD:RE, Eléments de PS11chologie expé-
rimentale, Paris 193,. G. DUMAS, Nouveau Traité de PB11chologíe, Paris,
l930, t. 1. R. RUYER, P11t1cho-Biologie, Paris, 1946. P . NAVILLE, La Psycho-
logie science du comportement, Paris, 1942. P. GUILLAUME, Introductton
d lo P811chologie, Paris, 1942. A GEMELLI, Int-roduzione atla PBM:Ologia, Mi-
lano, 11147.
OB.JET O E MÉTOD O DA PSICOL OGIA
17
PSICOL OGIA
é separa ção,
psicolo- cologi a dos profa nos). Todav ia, distin ção não
Com efeito , apres entam -se-no s à consid eração d~as e tra- nem, muito menos , hostil idade. A psicol ogia cienti fica não dei-
~n~e exper iment al e r~c~o:1aI, que lhe
gias, cham adas respectiva;11
msen -las numa defm1 çao comum xa ·de consu ltar largam ente o tesour o de observ ações domí-
ta-se de saber se é neces sano propo rciona a psicol qgia empír ica; e até existe m certos
a à outra,
e consig ná-las como duas partes , uma subor ~inad nios, corno a caract erolog ia, aos quais a Laienpsych
ologie em-
há reserv ar exclus ivame nte a um::i
de uma ciênci a única ; ou se presta uma contri buição de capita l impor tância .
destas discip linas o nome de psicol ogia. Na discus são
ou a outra io que
a precis ar o objeto própr
dêstes jlroble mas, que visam rar com
convé m assina lar à psicol ogia, haver emos de esbar
estud ar e B. Psico logia experimental
nume rosas e difere ntes concepções, que terem os de
es como
critica r. 4 A noção de psicol ogia exper iment al não é tão simpl
parec eria. Cump re, pois, precis á-la desde o
à prime ira vista
sões e equívo cos acêrca
NAL princí pio, a fim de evitar muita s confu
§ 1. PSICOLOGIA EXPERIMENTAL E PSICOLÓGIA RACIO da psicol ogia como ciênci a dos fenôm enos psíqui cos, como dis-
iment al, e, finalm ente,
"ciplina autôn oma, como ciênci a exper
A. Definições como métod o objeti vo.
-
2 1. A psicologia como ciênci a da_, a~a. Etimo logica 1. A ciência dos fenômenos psíquicos. Por defini dos
ção, a
(psych é, ~lma) é a ci~c!a _ da alma. Pode- ciênci a
mente , a psicol ogia que se psicol ogia exper iment al não pode ser senão uma
mos conse rvar sem incon vemen te esta defmi çao, desde fenômenos psíqui cos, eis que só os fenôm enos, isto é, instru -
os fatos
e e se comp reend a que a alma s6 aos
deixe tôda a sua gener alidad
manü e~~çõ es _de_ s~a acessí veis direta ou indire tamen te aos sentid os e
divers as matér ia das
pode ser conhe cida nas e pelas
e prima - mento s de observ ação e de medid a, consti tuem a
ativid ade. A psicol ogia será, portan to, neces san~ t:~~e ciênci as exper iment ais.
o estudo empír ico dos fenôm enos psíqui cos. enos
riame nte,
exper iment al ou descri ti- , a) O "sujei to" em psicologia. Ciênc ia dos fenôm
estudo recebe u o nome de psicol ogia o~ se não signif ica "ciênc ia sem sujeit o". Não se podem tomar , sem
te terem os oportu nidad e de pergu ntar-n De fato, tôdas
va. Mais adian mais, corno equiv alente s estas duas expre ssões.
que º?~eto
semel hante estudo pode ser autôn omo, bem _co~o.hna positi ya. as ciênci as positi vas refere m-se, de modo mais ou
menos explí-
deve reclam ar para perma necer sempr e uma disc1p cito, a úm sujeit o dos fenôm enos que estuda m, embo ra só re-
em vis- que o manif estam . 11; cer-
2. Ciência e filosofia da alma. Desde já, e tendo tenha m dêste sujeit o os fenôm enos os mais
ução geral à Filo- to que os fenôm enos psiqui cos não se basta m a si mesm
ta os princí pios gerais expos tos na Introd a psicol ogia conte mporâ nea
sofia e no estudo dos métod os positi vos, podem os afirm ar do que os fenômenos fisicos. Tôda se
cos não esgof:ará ncia fenom enista e associ ac-ion ista, que
que a ciênci a positi va dos fenôm enos psíqui reage contra a tendê as mais
det~rr nma- empen hava em explic ar tôda a vida psíiqu ica, desde
o objeto total da psicol ogia, do mesm o m?do que a ade racio-
ção das leis física s não exaur e conhe cimen t~ d~s coisas ~a humil des forma s sensív eis até o mais alto da ativid
ou átomo s psíqui cos.
natur eza e do mundo . A filoso fia preten de atmgi r o ·própn o nal, por meras combi naçõe s de eleme ntos pção
. . R?s- as mesm as dificu ldades que na conce
ser que os fenôm enos e as leis ,que os regem ~anif estam Apres entam -se aqui
orgân icas e
tará, pois, à psicolo g~a uma tar~fa _poste ri~r _q~ consis tirá mecan icista, que preten de elucid ar as realid ades
ntos mate-
em estabelecer, a partir da experiencia, a existencia e
nature- inorgâ nicas media nte a pura agluti nação de eleme
É o objeto · s. Já vimos (I, 212,96 9) que esta conce pção é algo
za do princí pio prime iro dos fenôm enos psíquicos. riais simple
intern a dos
de realm ente ininte ligíve l: a unida de e a ordem
própr io do que se chama a psicologia racional. exos fenom enais não podem explic ar-se senão pela fina-
se compl
s 3; Psicologia empírica e psicologia ~ien~ ica. 9uer lidade , isto é, por um sujeit o.
al ou da psicol ogia racion al, a o é e
b) O sujeito empírico. Nada obstan te, êste sujeit
trate da psicol ogia exper iment
es_sen-
psicologia é uma ciência (I, lf~), e por_ isso ~e distin gue
roman cista, ser1 _sem'l)re, para a psicologia experimental, um sujeito em-
cialm ente da psicol ogia empin ca, psicol ogia do '])ÍM,co, cuja natur eza não é contempl,ada, exata mente corno a
do_ homem do ~und~ , ",
m a "coisa
do drama turgo , do poeta, do moral ista, (ps1- matér ia,suj eito das propr iedad es física s, ou també
etc., a que FREUD e os alemã es chama m Laien psych ologie
OBJETO E MÉTOD O DA PSICOL OGIA .UI
18 PSICOL OGIA
.
à sua "objet iva", senão també m sob a observação intern a e reflexa
sujeito dos fenôm enos químicos, perma necem , em ordem e dita, ações
Neste sentido , são de todo em todo proced entes as observ ex-
da visão do sábio. filosof ia propri ament de
essênc ia, fora de BERGSON: tudo o que é objeto de intuiçã o é matér ia
À
natu-
cujo objeto é o própri o ser das coisas, compe te defini r a periên cia. O labora tório não é, pois, mais que um instru mento
psicoló gico, tal como o revela m os fenôm enos -
reza do sujeito ou meio, entre outros , pôsto a serviço da invest igação psicoló
e as leis de que trata a psicolo gia experi menta l. r-se o pri-
gica, e não poderi a, sem labora r em engano , arroga
5 2. A psicologia experimental, ciência autônoma. Pode- vilégio, e, muito menos, a exclus
,, ividad e.
con-
-se admiti r que é legítim o ter a psicologia experi menta r na
ta de ciência positiv a autôno ma. 7 4. A psicologia, ciência objetiva.
a) Ciência positiva. Mais acima notam os que, se
tomar-
ciência em seu sentid o mais geral, a psicolo gia, a) Tríplice sentido do térmo "objet ivo". o·s teórico s da
mos o têrmo ocupa-
experi menta l ou racion al, é uma ciência . Poder- se-ia, mesmo , psicolo gia da reação e do compo rtamen to ( de que nos
e) preten deram reserv ar a seus proces sos
dizer, dêste ponto- de-vis ta, que a psicolo gia racion al merece remos mais adiant
porém ,
com mais propri edade o título de ciência que a psicolo gia
expe- de investi gações o título de "métod o objetiv o". Há,
em
riment al. Mas, se, como ordinà riamen te se faz, se reserv ar o · nisso um equívoco. O têrmo "objet ivo" pode entend er-se
mos de con- vários sentido s. Uma prime ira acepçã o reserv a-o para os
dados
têrmo ciência para as discipl inas positiv as, havere
vir em que a psicologia experi menta l é com justa razão consi- que se obtém pela experiência e não puro racioc ínio ou pura ivo,
derada como uma ciência , pois procur a, com efeito, estabe
lecer inferên cia. Em outro sentido , objetivo opõe-se a subjet
a se opõe ao que de-
as leis gerais da atividade psíquica, para tanto procedendo
se- como ·o que perten ce à experi ência extern
ob- ência intern a. Finalm ente, objetiv o empre ga-
gundo as exigênc ia.'! do método experi menta l, adapta ndo a pende da experi
o
servaç ão e a experi menta ção à nature za de seu objeto , que
é o se també m para design ar o que qualquer manei ra está fundad
o, e se opõe ao que só se funda na
fenôm eno psíquic o como tal. no real intern o ou extern
é o
een- opiniã o' pessoa l, sentim entos ou hipóte ses individ uais, que
b) Ciência autônoma. Freqüe nteme nte se há compr domínio do "subje tivo".
mal esta autono mia, o que tem servid o de pretex to para
dido os
negá-l a, quand o é norma l e legítim a. Auton omia não signifi
ca 'b) À objetividade em psicologia experimental. Dão
mia entend er que êstes três sentid os são solidár ios,
necessàriame nte suficiê ncia absolu ta. Admit e-se a autono behav iorista s a rta-
das ciência s físicas , embor a reconh ecendo que não nos
minis- e que, a menos ,que se tomem como único objeto os compo
homem ou do anima l, a psicolo gia será ne-
tram conhec imento adequa do de todo o real. Mas têm seu mento s extern os do
tural.
objeto forma l própri o e seus própri os métodos, e é isto
pre- cessàr iamen te pura. ciência deduti va e discipl ina conjec
Por
cisame nte que lhes fundam enta a relativ a autqno mia (l, um
13). Fácil é ver o que de abusiv o encerr am tais preten sões.
experi menta l, que tem uma parte, com efeito, a introsp ecção pode ser tão objetiv a, no
Sucede o mesmo com a psicolo gia
gia do com,po r-
objeto bem definid o e empre ga os métod os das ciência,s
positi- primei ro e no terceir o sentido s, conw a psicolo
aberta um estado de consci ência é dar-se um
vas. Mas, sendo autôno ma dentro dêstes limites , deixa tamento. Reflet ir sôbre
s
a possib ilidade ( e até, em certo sentido , implic a a necess
idade) objeto de observ ação tão real como os reflexo s condic ionado um
ament e filosóf ica, acêrca do de um cão. Devemos, aliás, acresc entar que existe todo
de ulterio r investi gação, propri
ser mesmo de onde emana m os fenôm enos cujas leis empíri cas domínio que não pode, em psicolo gia, ser. captado senão pe1,c,
ca
a psicologia tratou de definir . introspecção, e é precis ament e o domín io da ativida de psíqui
tiv9" _prec:o nizado_ pelo_s b~havi o-
propri ament e dita. Q '.'.obje
3. Sentido e alcance do t.êrmo «experimental». Mais .. ristas reduzi r-se-ia ao puro fisiológico, e tal ~oncepção
só po-
~o
6
adiant e devere mos ocupar -nos do métod o da psicologia.
enquan to, convém somen te notar que a expres são "psico
PQr
logia de~ia. condu zir

atomis mo e ao. associa cionism o, isto é, à ma-
iriecàn ização da consci ência.
gica teriãli zâçao
experi menta l" não signifi ca que tôda a investi gação psicoló e) Objetividade da piscologia racional. Por outra par-
io do mensu rável,
deva limita r-se necess àriame nte ao domín te, a própri a psicolo gia racional é tão "objet iva" (no terceir
o
isto é, .ao. que depend e do labora tório. "Expe rimen tal"
há de a só atinjá seu
sentid o) como a psicolo gia experi menta l, embor
entender-se em sentido amplo, e aplica-se legitimamente a atudo
01,1. objeto (o ser mesmo do sujeito psicológico) por via do racioc
í•
o que possa cair, não somente sob ·a observação extrem

.,
:J
.... OBJETO E MÉTODO DA PSICOLOGIA 21
20 PSICOLOGIA

nio. O raciocínio, com efeito, apóia-se na experiênci a, e só pre- H. BERGSON p ar ece ir ainda mais longe, visto que preconiza
(cf. Les données i mméd ia t es de la conscience) a constitui çã o de uma
tende torná-la plenament e inteligível. Se se intentasse elimi- meta.física positiva que pràticamen te se confundiria com a psicolo-
nar da ciência o raciocínio, nenhuma ciência seria possível. gia, eis que é principalm ente pela reflexão sôbre os dados imediatos
Um raciocínio é objetivo sempre que se arrima logicamen te ao3 da consciência que poderíamos penetrar até às fontes mesmas da
fatos estabelecidos objetivame nte. vida e do deV'enir universal. 3

b) Dificuldad es dêste ponto-de-vista. ~ste debate en-


C. Psicologia e filosofia cerra algumá confusão. Se se tratasse apenas de assinalar que
a psicologia acaba necessària mente por suscitar problemas filo-
8 1. Psicologia científica. A noção de uma psicologia ex- sóficos, e que por êsse motivo é urna espécie de introdução à
per~mental, como ciência autônoma dos fenômenos psíquicos é metafísica , nada haveria que objetar. Mas, de um lado, para
isso não seria necessário supor que se pudesse passar ao meta-
1

relàtivame nte recente. Fazem-na datar, ordinàriam ente, de


Cristiano WOLFF (Psychologia empiri.ca, 1732 · Psycholog·ia ra- físico por simples continuida de a partir dos fenômenos psí-
tio-naNs, 1734). KANT retoma o têrrno psic~logia, que, com quicos, pelo aprofunda mento da intuição. Já vimos (l, 12) a
MAINE DE BIRAN, adquire definitivam ente direito de cidadania ilusão espacial que se embuça nestas fórmulas: o metafísico
no conjunto das disciplinas filosóficas. Ao longo do século XIX, não se encontra debaixo do sensível. Por outro lado, se convi-
mos em que a psicologia, entendida corno o quer LACHELIER, sob
a psicologia tende cada vez mais a constituir- se em ciên- a forma de urna reflexão transcende ntal, visando a captar e de-
c: a autônoma, distinta da filosofia propriame nte dita, e a acer- finir os primeiros princípios do pensamen to e da ciência, impli-
car-se o mais possível das disciplinas experimen tais. Até mes- ca essencialm ente uma orientação metafísica , dever-se á tam-
mo tôda uma corrente de autôres, entre os quais se mencionam bém observar que a psicologia fiJ,os6fica ou racional tem outra
TAINE e WUNDT, chegou ao ponto de reduzir a psicologia à .fi- função mais imediatam ente própria ..:.o que esta orientação crí-
siologia, inspirando -se numa doutrina materialis ta do homem tica, e consiste em definir a natureza, as faculdades e as pro-
e do mundo, que é de natureza puramente filosófica. priedadef do sujeito psicológico, e que isto não leva a excluir a
Tal corrente, entretanto , não prevaleceu . Só poderia ter psicologià experimen tal, nem tampouco a esta subtrair a auto-
prevalecid o com êste resultado paradoxal, de constituir uma nomia que parece pertencer-lhe. de direito. Reconhecendo que
psicologia sem valor psicológico . Hoje, porém, parece que todos a psicologia experimen tal mais do que qualquer outra disci-
estão acordes em que a psicologia é uma disciplina positiva, que plina positiva, suscita numerosos problemas filosóficos, pode·-
pode e deve constituir-se por seus próprios métodos, que são se convir em considerá- la, dentro dos limites que ela mesma se
os das ciências experimentais, sem implicação filosófica ime- impõe, como ciência autêntica, provida de objeto formal clara-
diata, segundo o plano dos fenômenos e de suas leis empíricas. mente definido, e suscetível de constituir- se por seus próprios
meios.
9 2. Concepção filosófica.. A falar verdade, o ponto-de-
vista precedente , muito comum e, por assim dizer, unânime 10 3. Psicologia aristotélica e tomista.. 11:ste ponto-de-v ista
entre os psicólogos de profissão, é negado por alguns filósofos
contempor âneos. 'I'OMÁS. Sem dúvida, os antigos !1ª~
está contido nos próprios princípios de..ARJ.S.'I.ÓTEJ,ES..g Q~ .S.ANT.9
_intentaram sequer consi-
a) A psicologia como reflexão transcendental. LACHE- derar a psicologia como ciência autônoma. Esta tentativa só
LIER (cf. Psychologie et Métaphysi que) tentou mostrar que a teve lugar, efetivamen te, com o advento do saber positivo, a
psicologia, em sua própria essência, é filosófica. J u_!ga,, com partir do século XVII. ARISTÓTELES e SANTO TOMÁS, porém,
subminist raram os princípios que justificam a divisão da psi-
efeito, ql_l~. ~~i~te l!m.a psj_c~!<>$"i_a çríJic3: e refl~xiva,. que é a cologia eni experimen tal e filosófica, notando -que, para c'he-
verdadeira psicologia, a um tempo experimen tal e metafísica ,
e 9.!!_e consiste em dirigir a reflexão, não para objetos na cQ:n,s-
ciê_E~li;-µ13:~~m _para como
Q ~pr.ó.prip sujeito· tãl, isto é, corno 3 Cf. BERGSON, Matiere et Mémore, 14e. éd. (1919), pág. X, em que

escreve que "a psicologia tem por objeto o estudo do espirita humano en-
atividade que se compreende a si mesma como operante, e des- quanto funciona utilmente para a prática'' , e que "a metafisica não é
co~rind.Õ em suá própria ação as condições necessária s do pen-· senão êsse memno espírito humano que se esforça para se libertar das con-
~mento. · · · dições da ação útil e para se refazer como pura energia criadora". 1
22 . PSICOLOGIA
OBJETO E MÉTODO DA PSICOLOGIA 23
gar a. definir a natureza da alma, é de mister começar pelo es-
tudo. dos fenômenos psicológicos, considerados em si mesmos e B. Psiquismo e consciência
em s_eus objetos, segundo o método das ciências espetaculati- 12 1. A consciência identificada ao consciente. DESCARTES
vas. 4 Ademais, a noção do composto humano, própria desta8 definia a alma pelo pensamento (ou consciência), e,- por,_issÕ
doutrinas, só pode é fazê-los admitir a legitimidade ( e até a mesmo, ,,r,,~c;l!:!_~La . :to.d.!LQ. nskológiçp .a~.. })()_Ils_çiepte. No mesmo
necessidade) dé levarem em conta, na descrição dos fatos psi- sentido, .KtiJ.il"E, (Vorlesungen über Psychologie, 1922) ~b;;im.ª
cológicos, seus antecedéntes ou concomitantes fisiológicos. Como ,~.êJquico !1- tu~o o_ 9U1; ;PQde ~er alv.o. d: experiência objç!tiv,~.,_
o notara BINET, nenhuma filosofia dispõe de mais elementos BINET, por sua vez (L ame et le corps, pag. 274), parece ir ain-
que a de ARISTÓTELES e de SANTO TOMÁS para fundar e justi- 'cta mais longe, ao <!e!inir..co_.qi.o psíquico unicamente o ato da
ficar uma psicologia experimental autônoma. ç.Qnf?C.iêIIcia _como tal, .!londe .resulta aq,_ ro.e.~~o temp·o -que o sú-
j e.~to que aprende o seu próprio estado de consciência e a ima~
gem ou emoção que acómpanham o ato de consciência são· fa-
tos, não psíquicos, mas físicos.
§ 2. PROBLEMA DO OBJETO DA PSICOLOGIA
Não é difícil enxergar as dificuldades que decorrem de
A. Posição do problema semelhante ponto-de-vista. Estas opiniões restringem dema-
siado o campo do psíquico. DESCARTES e KÜLPE excluem arbi-
11 Já sabemos que a questão do objeto de uma ciência se sub- _tr.àriamente todo o imenso à.õrnfriio do subconsciente e do in~
divide em problema do objeto material e problema do objeto consciente . .BINET, se tomarmos sua teoria ao pé-da-letra che~
formal. Geralmente, a determinação do objeto material não garia a excluir não só o inconsciente como também tudo que
envolve dificuldades. Estas aparecem somente quando se trata t ,._«!_e natureza.. sensível e afetiva.
de precisar o aspecto sob 9 qual deve ser considerado o objeto 18
l
;
material.
2. _A consc~ência epüenômeno. 'N,9 - ~~ti:~:mo oposto _da
.~oncep~a.o ca:te~1an~, ~f.P,-~!!J.~~~- €!-~ !~<>.t.Lª.s.m.at~rfalistas,
1. Objeto material. Define-se o objeto material da psi- .as gua1s o ps1qmc.q_ e q r1::i1c:p_nao.Q1fe.i:~m ~ssencialmente senão
cologia como sendo o conjunto dos fenômenos psiquicos, expres- _só pela ~aneira ele ser~m conhecidos. "O aconteciment~ ceré-
são que designa uma multidão extraordinàriamente varia- bral ,., o acontecimento moral", escreve T.AIN~, "no fundo não
da de.fenômenos (percepções representativas, lembranças, ima- são senão um e o mesmo acontecimento com duas faces: uma
gens, tendências, apetites, volições, idéias, juízos, raciocínios, mental e outra física, uma acessível à consciência, a outra aos
comparações, abstração, intuição, estados de dúvida, de crença, A~ntidos". O físico aparece como extenso, e pode ser apreen-
dido por processos sensíveis; o psíquico aparece como inex-
paixões e inclinações, prazer e dor, etc.). :tstes fenômenos tão
numerosos e complexos, cumpre descrevê-los, classificá-los e te1gio _e interior à consciência, eportantó acessível só a esta
determinar as leis de suas manifestações. _ç_o.nsciê:z:icia, por um retôrno sôbre si mesma. Trata-se, diz tam-
11
. bém TAINE, ele u:rn epifenômeno, isto é, de um purÕ-ãcidente do
2. Objeto formal. O problema se complica no momento ~ _I_!_ômeno material. · ·· ·· ·· ·· ·· ·
em que se trata de exprimir o aspecto sob o qual tão variados
fenômenos pertencem à psicologia e lhe constituem o objeto A doutrina da Escola da Forma (de que nos ocuparemos mor-
mente_ ao trat~rmos da percepção), que não tem poupado criticas
formal próprio. O fato de defini-los todos juntos como "fatos ª? ep1fenomemsmo, reduz-se a um puro materialismo epifenome-
psíquicos" não é senão uma solução aparente, visto que a ques- mst!l.. Com efeito, KõHLER quer explicar as formas e as estruturas
tão está precisamente em saber o que é que significa exata- d!i-das na ~e:cepção, pelos fenômenos fisiológicos que, segundo êle,
s~o a condlçao delas no setor óptico, desde a retina até o centro
mente a pal,avra "psíquico". Em tôrno, pois, dêste problema visua~ ~ortic~~- «~ estrutura da percepção», escreve P. GUILLAUME
concentra-se a discussão relativa ao objeto formal da psicologia. (Prefacio a mtelligence des sínges supêrieurs, de KõHLER, pág. XII),
'. «é a expressa.o da ~strut~ra ~o campo somático». Neste caso, porém,
; 1 ª~ formas psicológ~as (Isto e, aqui, o conteúdo da consciência) não
. ' sao mais do que simples aspecto ou simples reflexo dos fenômenos
''
ll
4 Cf. C.
Gentes, III, c. XLVI: "Quid sit anima inqmrimus ex actibus
et ~bjectis, per principia sdentiarum speculativarum". Ver, também, De
orgânicos. .
Verit~te, q. X, art. 8, ad. 5. M. BARBADO, Introductian à la Psychologie Estamos aqui diante de uma teoria filosófica (materialis-
~xpérimentale, trad. francesa, Paris, 1931, págs. 348-367. ·
mo), e não de uma teoria propriamente psicológica. Primeiro
OBJETO E MÉTODO DA PSICOLO GIA 25
24 PSICOLO GIA

Esta teoria foi repetida em nossos _dias pela escola sociológ iça.
que tudo, a nature za do psíquico, enquanto fenômeno, perma- ~URKHE IM pr_etend e ex-
(DuRiruErM·, Ltvv~:Saü:il:i.,· MAus, FA"!?"CONNE1:) .
nece no vago : assegu ra-se que é o que é ace~sível à consciên- plicar as funções mentais pela 9:çao das mfluenc ias sociais, de ma-
dos di-
cia. Mas de que é que se trata exatam ente? Por êsse meio fi- neira que a psicologia se vê, assim, transforlll:~da no estudo linguag em,
cam excluídos o inconsciente e o subcon sciente ? Não seria ferentes tipos de socieda des humana !· , Rel1g1ao, ~oral,_ ato da,s ne-
direito, lógica, filosofia, tudo o que _nao e resultad o imedi
isso retorna r a DESCARTES? Por outro lado, esta tese encerra . eessidades orgã;nicas, deriva da sociedwdie.
uma contrad ição que bastari a para invalid á-la: diz que o físico
e o psíquicõ não são realme nte distinto entre si; mas então 2. Discus são. Estas teorias depend em também muito
como explica r que apareç am distinto s, e que não possamos mais de concepções a priori do que da observa ção dos fatos.
conhecê-los pelos mesmos processos, quando sua aparên cia cons-- Sem dúvida , a fim de justific ar seu ponto-d e-vista , COMTE
títui tôda a sua realida de, já que não podem ser senão o que insiste sôbre a insufic iência da introsp ecção para fundar a psi-
aparec em? cologia. Exami naremo s mais adiante esta questão . Reduzi r,
Finalm ente, a mais simples observa ção nos demon stra que porém, integra lm~nte o psíquico ao s?c_ial e o. individ ual ao
os fenômenos físicos e os fenômenos psicológicos não são exa- orgânic o é uma atitude basead a no esp1r1to de s1Stema, no que
tamente paralelos, o que se torna ininteli gível na tese mate- êle tem de mais arbitrá rio. De fato, é assaz evident e, por um
rialista . -,, . -~ . lado, que há tôda uma parte do psiquismo que é individ ual,
uma vez que a ação encerra sempre alguma invençã o e alguma
(Matier e et Mémoir e) saliento u bem outro aspecto 1nin-
BERGSON
tel1gí~'el do epifeno menism o. Nesta hipótese , adverte ê!e,
nossos novida de; e, por outro lado, haveria que explicar primeiro como
mundo
esta.dos de consciê ncia através dos quais nos represe ntamosdoo mundo. pôde a sociedade, ainda que fôsse de um ponto-de-vista sim-
seriam produto do cérebro que não é senão uma parte causa da plesmente lógico, preceder ao exercício das funções mentai s.
Por consegu inte, uma parte de nossa represe ntação seria Sem estas, que sociedade human a houver a sido possíve l? A
represen tação total, isto é, uma parte do mundo produzi ria o mundo sociedade explica -se pelo homem e pelo seu psiquis mo próprio ,
inteiro, o que é absurdo . e o social é também uma forma do psíquico, e não o inverso ,
C. Psiquismo e sociedade como pretend em CoMTE e DuRKHEIM.
14 1. . Concepção de Comt~ e de Durkheim. Já ho"!,lve quem D. , Psiquismo e organismo
tentass e reduzir o psíquico ao social. Tal pretens ão _de~e~s~ _a
AUGUSTO CoMTÉ, pá.i:-"â quem i•ó indivíd uo não existe" eonã_ o_é. 15 1. O behaviorismo. Já falamo s da psicologia da reação
de fato, mais que uma ab,traçã o'. . _Q_ que éxiste;- no ·sentid pleno e do compo rtamen to, e de sua concepção da objetiv idade (7).
da express ão; é"-a- sócieclªde: _bido o que denomi namos "fenô- Esta corrent e psicológica encerra direções bem diverge ntes,
m~ri.os__p_f!Jguic gs '; qeriva do meio social ou do conjun to, de h~- uma vez que ao lado da concepção estritam ente fisiológica de
bitos criados pela socieda<:le.! Daí elimina r CoMTE a ps1colog1a WATSON está a concepção finalist a de TOLMAN (Purpo s·i11e
de sua classifi cação das ciências (l, 157). Isto, entreta nto, não Behavior ín Anima l and Man, New York, 1934). Se se consi-
signific a, como nota LÉVY-BRÜHL (La philosophie d'Augu ste dera o ponto-d e-vista de WATSON, o psiquismo não poderá pas-
Comte, pág 219), que COMTE renunc ie a tôda espécie _de psi<;o- sar senão ·p or um mito, resíduo da velha doutrin a ·da ainiã.
logia, visto que admite o estudo das. fun~ões mentai s; por~m ··vrda"íiiterío r ", à"''êonsciêí:icià nãopõàem sêr "ôl:ije"toà"à"e"ciên-
ciaprôpriame nte dita. O domínfo" aa:·frifrõsp êcção é"6 da con::
")J

divide êste estudo entre a anátomo-fis1olog1a cerebra l e a socio-


logia, o que equivale a elimina r tudo o que é propria mente fusão ·e-dÕ-vagõ·: - X-psico logia só se deu a ilusão de ser uma
''.psíquico". ciência graças a um conjun to de abstraç ões inconsi stentes , tais
Pouco a pouco, CoMTE chega até mesmo a consid erar a como o Sentim ento, a Sensação, a Invenção. a Associação, a
psicologia como essenci alment e sociológica e secund àriame nte Vontad e, etc., soluções verbais que equivalem exatiss imame nte
biológica (System e de Politique positive, 2e. ed., Paris, 1893, ao "horro r ao vazio" dos antigos (cf. WATSON, Behavíorism,
pág. 234), porque , em sua opinião, o estado orgânico e fisioló- 1925) 11
gico não responde senão pelo comportamento individual de um
sujeito, isto é, pelo que tem de acidental, ao passo que sã? ase "Eu qui~era" , escreve WATSO N ("Image and Affection in
11 Behavio r",

condições sociais que o definem no que êle tem de essencial of Phil., julho de 1931), "expung ir completa mente as imagens e
in Journ.
processo s sensó-
demonst rar que o pensame nto se reduz n.:ituralr nente a
de permanente . .J) psíquico, pois, _é pr_~pria m~rite o social, e a _ rio-moto res que têm sua sede no laringe".
J>::iicologia não_p~si,3:__d~- 1!..~ ~~-<>_d~ _soci?l9g-ia:. :;
OBJET O E MÉTODO DA PSICO LOGIA 27
26 PSICO LOGIA
indo a Situa ção
ser senão uma exclusivamente orgânico e fisiológico, defin atuam sôbre o
Uma psicologia cient ífica não pode rá, pois, como O conju nto de excit antes senso riais que
consi ência , que se dará por objet o o estÜdo da o conju nto de reaçõ es nervo sas,
..PSiçQlo.gia _sem em ou anim al) organ ismo , e a Resp osta como
mane ira como se comp orta um indiv íduo (hom s deter mina das por um estim ulo. A
têrmo s (Situação- musc ulare s e gland ulare
numa situa ção dada. a relaç ão dêste s dois a, _neste caso, da fisiol ogia,
psicologia não mais se distin guiri
É
s e medí veis, únictis o
Resp osta) , únicas realidades observávei rá defin ir o têr- isto é, no fund o desin teres sar-s e-ia de tudo o que espec ifica
formas científicas do psíqu ico, que possi bilita ficaç ão, a saber , a ati-
anim al oii home m. comp ortam ento e lhe confe re uma siggi
mo intermediário, que é o indivíduo, ulo (Situ ação )
de uma ma- vidad e psíqu ica, que se inter cale entre o estímALL demo nstro u
Todos os anim ais supe riore s comp ortam -se e as reaçõ es do sujei to (Res posta ). Me DOUG
cias, reage m de uma em refer ência a
neira deter mina da segun do as circu nstân
tam. Q_Qonto-de- que o comp ortam ento anim al só é inteli gível expli car-s e ade-
form a defin ida às impr essõe s que expe rimen esta ativi dade : a cond uta instin tiva não pode
vista do comp ortam ento perm itirá, pois, elimi
nar defin itiva- (tend ência s, repre -
-estudo -dos quad amen te senão em têrm os de psiqu ismo
ment e os-·i:n soI6v êis probl emas - da consc iênci à. -Peio- Com muito mais razão a do homem, que
a expe riên- sentações, emoç ões).
-:mfrltip}Õs -- reflexos--sêc·Úndários érn-q ue se expre ssa es inter nos. 7 Como
deter mina ção depen de de tão nume rosos e complexos fatôr ologie, I, pági-
ais supe riore s, e pela veau Trait é de Psych
cia espec ífica dos anim e asso- obse rva A. LALANDE (Nou
a educa ção ou adqu irido ) pode
das modificações dêstes refle xos medi ante cond itionn els, na 415) , se o têrm o "refl exo" ( cond icion ado
PAVL OV, como
OV, Les 1·éfle xes es como as de
ciações adqu irida s (cf. PAVL o form al aplic ar-se ~ expe riênc ias elem entar ativid ade
possí vel à psico logia ter um objet es suma ment e comp lexas da
Paris , 1927 ), será defin ir por êle as funçõ de refle xo impli ca
própr io. 6 cogn itiva, estét ica ou volun tária ? A idéia
lar e de impe ssoal , que é preci same n-
topa com algo de mecânico, de regu
16 2. Discussão. Esta concepção da psicologia deu WATSON. te o que meno s convém às form as supe riore s da vida psico lógic a.
form a radic al que lhe
muit as dificu ldade s na do comp ortam en- fenôm eno às suas con-
Pode-se, porém; admi tir que o ponto -de-v ista Sabem os que é um sofism a reduz ir um
amen te esta orien tação mate rialis ta. justa ment e obser va KoFFKA
dições (1, 124). Aqui, esta redução, como res,
to não impli ca nece ssàri , Lond 1936, pág. 27), impli ca
fisiologia. Se, (Principles of Gestalt Psychologypsiqu
a) Legitimidade da psicofísica e da psico uma. conce pção «mol ecula n do ismo que nos faria volta r ao
sse, não de ne- impõ e unive rsalm ente o
como o afirm am certo s beha viori stas, se trata atomi smo associacionista., quand o hoje se
iênci a, mas apen as de ponto -de-v ista «mol an.
gar a reali dade do psiqu ismo e da consc
em suas condi ções ob- ssão fenôme-
estud á-la de certo modo exter iorm ente,
a isso. c) O equívoco da neuropsicologia. A expre
servá veis e medíveis, nada have ria que objet ar contr festa clara ment e o equív oco da dou-
e exata quan to pos- nos "neu ropsí quico s" mani íveis a suas
Para cheg ar a ser uma ciênc ia tão comp leta de estud o trina . Se os fatos psíqu icos são integ ralm ente redut
r em seu camp o psiqu ismo ? Expl ica
sível, deve a psicologia fazer entra condi - condições nervo sas, por que falar de neuro
icos como tais, senão tamb ém suas distin guir as reaçõ es que são objet o da
não só os fatos psíqu para defi- BETCHEREW que é para queim a-
ente s : uma
ções orgânicas e fisiológicas, que serve m realm até na ativi- psicologia, das reaçõ es puram ente fisiológica de dor,
vêm (grit os
nir. tôda uma parte do psiquismo, e que inter dura provo ca diver sos moviment os refle xos
etc.)
home m. de recol her o mem bro queim ado,
dade intele ctual do contr ação do rosto , ato ticas (infla -
e psicofisio- e somá
b) Irredutibilidade do psíquico. Psico física que são neuro psíqu icos, e reações pura ment Em pri-
te o direi to é bem discu tível.
logia estão, pois, justif icada s, mas não lhes assis maçã o dos tecid os). Mas tudo isto
da psico logia . Nada meiro lugar , o critério de distinção, sob o
ponto-de-vista be-
de se terem por únicos métodos válidos sentido verdadeiro cír-
autoriza a inter preta r o esque ma Situa ção-R espos ta em haviorista, é totalmente arbitrário, e cons titui

ive, trad. france sa, pág. 13: laremo s as experi ências de


6Cf. BETC HERE W, La psycho togie object
7
Mais adiant e, no estudo do hábito . assina quais claram ente se de-
da vida neurop siquic a em geral, e não apena s de E sôbre a aprend izagem , atravé s das
"A psicol ogia é a ciênci a reação é modif icada pela
THOR NDIK
a aprend izagem , isto é, a evoluç ão
suas manif estaçõ es consci entes. Semp re que a monst ra_ que é impos sível compr eende r
temos um fenôm t':no neurop sfquic o no sentid o pró- _estfT? ulo~re sposta, sem fazer interv irem as noçõe s psicol ógicas
experi ência indivi dual, da .reaça o intelig ência, etc.
IN, Le Behav iorism e, Origin e et déve!o ppe- percep çao, 1magm ação, consci ência,
prio da palavr a". Cf. TILQU -
de
ment de !a psycho logie de la réacti on, 1942.
01'.!J !!:TU 1'.. !Vl.l!á l'UJJU l.11\. -r»H,UJ.AJulA
28 PSICOLOGIA .

tamento total, isto é, os fatôres sensoriais, nervosos, musculares,


culo vicioso: trata-se de definir o psiquismo pelos reflexos, e glandulares, - o temperamento e as tendências individuais,
aqui se distinguem os reflexos segundo o psiquismo e a ausên- _ a inteligência e os hábitos, os movimentos afetivos e as
cia de psiquismo! Ademais, a definição behaviorista tem <> crenças, etc. Todos êstes fatôres intervêm para compor a ação
grave inconveniente de excluir da psicologia todos os f enôme- externa, e explicam por que os suje~tos respondem de manei-
nos, intelectuais ou a_.f etivos, que não se revelam por compor- ras tão variadas a idênticas estimulações. O comportamento
tamentos singulares. é, pois, pràticamente, todo o sujeito, homem ou animal, isto é,
17 3. A psicologia existencial. última croMlogicamente, a a existência mesma.
Fenomenologia existencialista (l, 8) introduz na psicologia urn Não há por que imaginar que éste ponto-de-vista conduza a
ponto-de-vista absolutamente nôvo, que consiste em substituir proceder por via de analogia, concluindo do comportamento exterior
a consciência pela existência. Tôda a psicologia, até o presen- do_ s~jeito para fenômenos psíquic_?s ligados a um comportamento
te, quer tenha sido empirista ou intelectualista, pretendeu ser idêntico do observador. De fato, este processo não nos proporcio-
naria a certeza cien_tífica! eis que a inferência analógica, por carecer
uma ciência da consciência, O próprio behaviorismo, por sua. de meios de controle, so pode formular hipóteses mais ou menos
pretensão de fundar uma psicologia sem alma nem consciência, plaus~':eis. Ademais, esta concepçã_o eq_uivaleria a imaginar que
- o que carece de todo sentido, - conduzia paradoxalmente, consc1encia é algo que se sobrepoe a açao, e como uma complicação
desta, coisa. completamente errônea. A açdo prepara-se e elabora-
pondo a consciência entre parênteses, a designá-la como o obje- se primeir'!-m~te na consc!_ência; ela é a realização, no exterior, àe
to único e próprio de uma autêntica psicologia. Ora, se, com uma tende.,nc1!1: ou «intençao~ que se reve·la por êste meio. li: esta
efeito, não existe psicologia sem consciência, há que obsét:var, mesma consciencia tornada visível e sensível. Não se trata pois
em primeiro lugar, que a consciência nunca pode vir a ser um de ir do comportamento à consciência pela via do raciocínio' ana~
lógico, mas sim de considerar os atos do homem (ou do animal)
objeto, por ser tôda ela subjetividade; em seguida, que a sub- co~o unidad~s orgânicas que têm cada uma um sentido, e que ex-
jetividade não poderia ser reduzida à alma ou ao espírito, por- primem a unidade mais profunda ainda do psiquismo e de suas con-
que forma uma unidade concretamente com o corpo,· sujeit-0, di,ções. orgâ1,1icas. Sob êste ponto-d.e-vista, será certo dizer que não
ha ps1colog1a possível que não seja do comportamento entendido
como a consciência e com ela, e não objeto, do mundo; e, por êste, aqui, no sentido, mais geral, de conduta. ' •
fim, que é impossível insular êste sujeito do mundo no qual está.
compreendido e com o qual se articula por tôdas as suas es- E. O psiquismo e a vida
truturas.
O objeto .próprio da psicologia será, pois, não mais a cons- 18 1. .Concepção aristot.élica. Já expusemos, no estudo ge-
ciência distinta e separada do corpo e do mundo, senão a exis- ~l da vida (l: 490), a concepção que define o psiquismo pela
tência, isto é, o estar-1w-miindo-através-de-um-corpo, porque v1d~. 0b~ervavam.os a~ mesmo tempo que º- têr_mg 12.i~ifi.S_m._Q__
meu corpo é sempre e necessàriamente o instrumento ao mes- _designa somente_ll. realidade_ ~e mi:ia alma ou p_rincípio vital,
qualquer que seJa sua natureza: vegetal, sensível ou racio-
mo tempo de minha compreensão do mundo e de minha ação no
mundo de minha experiência. "
~!Jl, 4~6 ._~ate ~9_nto-~~:.:y!~~a__ã1-i_~tot~lic()_i~!.~.~~--Jl!~~iji~_s~~i
mais obJebvo de todos. Poder-se-ia adotá-lo, com a condição ·
4. O comportamento toiaI. As observações que prece- de_ ob_servar qu~, se,A absolutamente falando, é verdade que o
dem não pretendem excluir o ponto-de-vista do comportamen- psiqmsmo e a vida tem a mesma extensão, prevaleceu o uso de
to, mas apenas uma maneira assaz estreita de entendê-lo. O reservar o têrmo psiquismo para designar tudo o que concerne
ponto-de-vista cartesiano, que reduz o psíóquico a um pensa- de qualquer maneira à vida cognitiva e afetiva (isto é, ao ani-
mal e ao homem). Se aceitarmos esta limitação, parece que
mento sem qualquer expressão somática, é insustentável, como
~emos uma definição suficientemente objetiva e precisa do ob-
insustentável é também a concepção que só admite o compor- Jeto próprio da psicologia.
tamento externo. Na realidade, é preciso considerar o compor-
_Com efeito, por uma parte, não postulamos nada do ponto-
de-vi_sta filosófico, nem afirmamos nada relativamente à ver-
Cf. J. P. SARTRE, L'Etre et !e Néant, págs. 11-34. MERLEAU PON-
8 dade1~a natureza do psiquismo. Só dizemos que, se se tomam
'r!• La scienc• du comportement, Paris, 1942, págs. 251-305. Phénoménofo- as coisas emplricamente, pertencem ao psiquismo todos os fe-
gie. de la Perception, Paris, 1945, págs. 9-80. JEANSON, La phénoméno- ?iómenos de conhecimento e afetividade. Por outro lado, isto
logie, Paris, 1952, págs. 27-37, 93-106 .

• ,,.,, ___ .,:.. .J __ ·- •• , :


OBJETO E MÉTODO DA PSICOLOGIA ;,H
30 PSICOLOGIA

implica, até a evidência, a extensão do campo de investigações ART. II. MÉTODO DA PSICOLOGIA
a tudo o que é condição imediata da atividade cognoscitiva e
afetiva, a tudo o que exerce alguma influência sôbre a produ- § 1. PRINCÍPIOS DO MÉTODO
ção ou evolução destas atividades, isto é, que a psicologia de- 1. Método sintético. O estudo _que- pre~ede permi~e-nos
verá tomar em consideração os fenômenos biológicos e fisioló- abordar com maior segurança a questao do metodo da psicolo-
gicos ligados ao psiquismo. Pela mesma razão, tornar-se-ão gia. Fàcilmente se compreend~, con: efeito (no que concerne _à
objeto de psicologia não só todos os fenômenos subconsdentes psicologia positiva), que as discussoes provocadas neste domi-
e todos o inconsciente psíquico, pelo ,qual s·e explica imensa par- nio se devem em grande parte ao fato de se haver adotado um "
te da consciência, senão também, à guisa de meios de explica- ponto-de-vista demasiado :streito ou _m_al inform~do por pre-
ção do psiquismo humano e normal, ao mesmo tempo os fatos
psicológicos, cognitivos e afetivos, do reino animal, e as diver-
juízos filosóficos. Para nos, ª.? contra~10,_ em r~zao ,mesm? ??
caráter sintético de nossa noçao do psiqmco, nao ha possibili-
sas psicopatias da ordem humana. dade de con.f erir valor exclusivo a nenhum processo especial.
Segundo esta concepção, a psicologia admite a um tempo, no De fato todos os processos de observação e de experimen-
que tem de positivo, os diversos pontos-de-vista que expusemos sôbre tação (introspecção! estudo do co~portamento, m~todo f~-
a natureza do psíquico. Fazemos, com efeito, entrar no dominio do . siológico ponto-de-vista da forma, metodos comparativos, psi-
psíquico, por diversas razões, o consciente e o inconsciente, os fe- canálise,' métodos de laboratório, etc.), todos êstes processos,
nômenos fisiológicos e todo o comportamento através do qual se ex- cujo êrro é freqüentem,ente aspirar ao monopólio, podem e de-
primem as reações neuropsiquicas do sujeito, as analogias da psi-
cologia animal, assim como o conjunto sumamente importante e vem servir' alternativamente para formar a psicologia cientí-
extenso das influências sociais.· Todos êstes elementos poàem e fica. Quando à .psicologia filosófica, seu método será o das
devem servir, em sua ordem e em seus Umities, para expllca.r os fe- discipHnas filosóficas (/, 9-13).
nômenos que -manifestam a vida cognitiva e afetiva do sujeito hu-
mamo. O caráter sintético de nossa noção do psiquico é, assim, no Convém aqui notar que seria um abuso intentar impedir a psi-
limiar da psicologia,, um sinal e uma garantia de objetividade. cologia positiva de recorrer a uma hipótese de natureza filosófica.
Cada, vez mais os psicólogos, especialmente KoFFKA (Prtncipl-es of
19 2 . Natureza da definição inicial do psíquico. A objeção GestxIJt th,eory, Harcout Braun, 1935, pág. 720), reputam necessário
apresentar o conjunto da psicologia no quadro de uma concepção
que aqui se poderia fazer é que definir o psiquismo pelo con- filosófica. Nenhuma razão haveria para proibir ao psicólogo explicar
junto dos fenômenos cognitivos e afetivos é mera aparência pelo raciocínio, fundado na experiência imediata, o jôgo das funções
de definição. Nem sempre sabemos o que é própria e essencial- p.siquicas mediante hipóteses de aparência, ontológica e que tenham
mente o psiquismo. · ao menos, sob seu ponto-de-vista, valor de simbolos, como são, em
física, a energia, o éter, o calor, os elementos atômicos, a onda e o
A esta objeção pode-se responder, em primeiro lugar, corpúsculo da Mecânica ondula.tória. A concepção de natureza fi-
que definimos realissimamente o psiquismo referindo-o' à losófica admitida assim a título de hipótese valerá por sua aptidão
vida(/, 437). Sem dúvida, nem tudo o que é vida é psiquismo: a para favorecer a sistematização completa, e harmoniosa de todos os
vida serve-se de mecanismos que são de outra ordem. Mas o dados positivos.
psiquismo está ligado à vida; pelo menos, se se limitar o al- 2. Método indutivo. Pelo próprio fato de querer a psi-
cance do têrmo ao reino animal, êle está unido à vida sensí- cologia ser experimental, deve necessàriamente recorrer ao
vel e intelectual, O psi-quismo aparece, assim, como uma for- método indutivo, que é o das ciências da natureza (/, 182), e
ma superior da vida. Mas, por outra parte, convindo com tudo que admite sucessivamente a observação, a experimentação e
o que de incerto ainda existe nesta definição empírica do psi~ a determinação das funções e das leis psicológicas, a partir de
quismo, devemos observar que é bom que assim aconteça rio in- hipóteses situadas a princípio no nível positivo, isto é, conce-
tróito da psicologia. Tôda ciência parte neces1;àriamente de bidas para explicar as condições de existência ou de coexistên -
uma definição provisória ou nominal de seu objeto (/, 55). A eia dos fenômenos psíquicos.
definição essencial vem no fim, e não no princípio, pois supõe
a ciência terminada e resume-a. ·O êrro precisamente das fór- § 2. 0 MÉTODO SUBJETIVO
mulas do psiquismo que discutimos está em propor no princí-
pio da psicologia definições essenciais que prejulgam tôda ul- 21 Distinguem-se, tanto para a observação como para a ex-
terior investigação e l:'.e tornam, por isso, verdadeiras petições perimentação, um método reflexivo, chamado introspecção, e
de princípio. · outro objetivo ou extrospecção. A questão do valor respectivo
OBJETO E MÉTODO DA PSICOLOGIA 33
32 PSICOLOGIA

dêstes dois métodos deu ansa a debates que parecem bastante . b) A interpretação. ~liás, _mesm~ cercada de precau-
confusos. Vamos tentar precisar-lhes os diversos aspectos. - s extremas a introspecçao muitas vezes parece-se com a
~ofe rmaça·o p~r ser inconscientemente dominada por idéias,
1. Definição da introspecção. Se nos restringirmos à sentimentos' e influên9ais
1no · ze ~n'ad equa d a. N a
. que a f azem tpa1:cia
etimologia, a introspecção consiste, para um sujeito, em diri- ioria das vêzes afigura-se rea1men e 1mposs1ve1 separar os
gir a atenção ou o olhar para dentro, isto é, em tomar como ~:dos imediatos da consciência, da interpretação que faz corpo
objeto de observação ou estudo os fatos de sua vida interior. com ela. 0 •
Esta definição ~, entretanto, imprecisa, por não indicar clara- É esta observação que conduz a duvidar da vantagem que
mente que esta introspecção pode entender-se em dois sentidos em geral se atribui à intr~spec_ção, _de atingir diretamente s:u
diferentes. objeto. Atinge-o, com efe1~0, IJ:?ed1atame~te. Mas 8: q_uestao
Num sentido, que é o da vida corrente, a introspecção, se- é saber como o atinge. Alem disso, havera que exprr:mir bem
gundo a terminologia de TITCHENER, é uma simples inf arma- os dados imediatos da introspecção, e não deixarão de ser c~n-
ção, isto é, a expressão de um estado de consciência que com- sideráveis os perigos de interpretação, t~nto no que transmite
seus dados como da parte de quem os registra. De resto, a van-
1 ,'~: •

preende ao mesmo tempo os dados de consciência e as elabora- 1 '

ções e interpretações que com ela formam um só todo. Quando tagem de captá-los diretamente só tem interêsse autêntico para
digo, por exemplo, sinto cheiro de borracha queimada, pro- o próprio sujeito.
ponho uma informação sôbr~ meu estado de espírito, mas não 1 , .• c) Insuficiência dos meios de contrôle. A estas dificul-
uma introspecção. Sucede o contrário ao tratar-se da intros- dades o; partidários da introspecção costumam opor, por um
pecção existencial, que é a atenção reflexiva aos fatos da vida lado, que os resultados da introspecção são mui~ ?bjetivos,
interior, enquanto me são apresentados numa experiência vi- -porquanto aquêle que se observa se desdobra em suJe1to obser-
vida atual. É claro que só desta introspecção existência! se vador e objeto observado; e, por outro lado, que tais resultados
há de ocupar a psicologia. E trata-se de saber se lhe ·podemos -podem ser controlados, completados e corrigidos de diferentes
atribuir valor ciêntífico, e de lhe precisar a natureza. maneiras.
Mas isto é supor resolvifl.a a dificuldade. A questão está,
22 2. Argoment.os contra. a intros~. Contra a intros- com efeito, em saber se, "objetivada" para o introspectante,
pecção têm sido formulados numerosos argumentos, que pode- conserva a introspecção êsse caráter para os demais. Ora, é
mos resumir do seguinte modo: bem claro que assim não é, uma vez que a objetividade implica,
a) Limites da introspecção. A introspecção está longe do ponto-de-vista científico, possibilidade de contrôle e de obser-
de ser sempre praticável. Certos fatos, como a ira, o mêdo e vação simultânea. Acresce que, se se recorre ao contrôle das in-
em geral as emoções violentas, não podem ser observados no trospecções alheias, poder-se-ão fazer as mesmas reservas sôbre
momento em que se produzem. O mesmo sucede com os sonhos. estas auto-observações. Por fim, a transmissão dos resultados
Além disso, a atenção interior tende a modificar 'mais ou me- nunca poderá fazer-se senão mediante a linguagem, a qual só
nos os fatos de consciência, comunicando-lhes uma espécie de pode ser entendida em função de nossas próprias experiências.
fixidez que não é própria dêles: como observar um sonho sem O que equivale a dizer que reconstruiremos a experiência alheia
interrompê-lo, uma distração sem suprimi-la? Outro tanto se com ajuda da nossa, e que, por conseguinte, o contrôle será
há de dizer de todos os fatos de transição, de todos êsse estados fictício.
vagos, instáveis, fluidos, sem contornos precisos, que não se
podem captar sem antes imobilizará-los e solidificá-los, isto é, 29 3. Defesa da introspecção. A êste conjunto de argumen-
alterá-los. Finalmente, malogra-se a instrospecção ao preten- tos não deixam de responder os partidários da introspecção
der chegar ao inconsciente, ou mesmo ao subconsciente, isto com certas observações razoáveis, sublinhando ao mesmo tempo
é, a tudo o que subsiste como domínio da tendência e da vir- a necessidade da introspecção, a existência de um domínio pri-
tualidade. vilegiado para esta forma de conhecimento, e a possibilidade
Quanto à mem6ria, se é certo que em muitos casos pode- de submetê-la a técnicas rigorosas.
mos utilizá-la (lembramo-nos de quanto estávamos irados,
dos sonhos, etc.), sobejamente sabemos também o que o recur-
9 Cf. A. MICHOTIE "Psychologie et Philosophie", in Revu.e néo-sco!as-
so a esta faculdade encerra de perigo de êrro, de deformação, tique de Phi!osophie, XXXIX (1936), pág. 211.
de elaboração inconsciente,

-".'.i:.;;·;,:.. -· - .• ... '


IIL:í.J.â-.~á,
tê mpregados encobrem certamente experiências que e~-i-
a) Necessidade da introspecção. Tem-se feito observar os , rroâ~r e enças acidentais, que dependem dos psiquismos indivi-
em primeiro lugar que, admitindo o bem fundado de tôdas as 1
cerr_am ue: podem ser importantes, mas correspondem aos mesmos
críticas dirigidas contra ela, deve-se confessar que a introspec- dilais, e q . ·nci,as Não sabemos nem podemos saber se a dor de
ção é o único meio que possuímos de dar um sentido ao compor- tipos de ~xr~rivídu~ é ou não exatamente semelhante à dor de que
que fala ª mtemos experiência· mas sabemos perfeitamente que o
tamento. Não posso compreender o que me dizem quando me • mesmos
nós d não encerra nem uma' ·• · d e prazer nem uma
exper1enc1a
falam de dor, de côr, de prazer, de sentimento, de tendência,. termo «_ or~ côr Is.to basta para fundar uma ciência que, como
de pensamento, etc., senão em referência à minha experiência p~rcep ç:3-o ·ae trat~rá do geral e fará abstração das diferenças indi-
;pessoal. Só através dela é que se pode saber que o que se v~ tõda c1enci
viduals: , · d · à ' 'd (I 146) .
non datur scient·,a e m ivi uo.,. ,
( ou se ouve) e o que se sente correspondem ao mesmo fenômeno_ b) o domínio dos ?stados su?s~antivos. ~e existem fat~s
Êste ·argumento parece-nos discutível. Reduz-se, com efeito. ue escapam quase inteiramente a mtrospecçao e que c~11:sti-
claramente a identificar consciência e introspecção, o que é um qt domínio do que W. JAMES chamou estados transitivos da voz,
êrro manifesto, como se tôda consciência fôsse reflexão sôbre seus. uem O . - . -
preposiçoes, II?, -
. fl exoes
(expressados pelas conJunçoes,
próprios estados. Em realidade, o que se requer para se represem:tar ráter melódico do pensamento e antes sentimentos que re-
o psiquismo alheio é, sem dúvida, ter experiência da dor, da alegria,.
do prazer, da; e1noção, etc. Mas justamente esta experiência não ~~esentações), existem outros que, pelo ,que _tê:rp. de est~ve~, de
supõe a introspecção: ela é essencialmente algo vivido, e é por isso · sólido e de definido, são realmente captáveis e observave1s, a
t.ambém que o comportamc-nto alheio, de ordinário, é compr-eendido- saber: os "fatos substanti~os", ~m!!'g~ns, representaçõeQ.,.lerri,-
imedi.atamente, espontâneamente , diretamente, sem introspecção 1ui111- branças. É o que prova ate a evidenc~a o prog1:es_so_ do est~do
reflexão. As lágrimas, por exemplo, revelam a dor, sem nenhuma
inferência: elas são, de certo modo, a própria dor, visível e sensível; da pcrcé'pção, graças aos métodos de mtrospecçao sIStematiza-
o significado é imanente ao sl.nal e forma um com êle. Se, pois, é dos pela Escola da Forma.
certo que o psíquico não significa alguma coisa senão pa.ra quem
dêle tem alguma experiência, daí não se segue que êle só seja acessí- · c) Técnica introspectiva:. ~:riste~, com ef:,ito, ~1eios
vel por introspecção, nem que a psicologia cientifica tenha necessi- técnicos para dar um valor cientifico à mtrospecçao ate nos
dade de ultrapassar o ponto-de-vista do comportamento, éompreen- ,domínios em que os estados de consciência não têm a relativa
dido segundo todo o seu sentido. estabilidade dos fatos de representação. :t!:stes meios consis-
De fato, mostramos (15) que o próprio ponto-de-vista d<> tem, geralmente, em substituir o ponto-de-vista da busca de
comportamento absolutamente não pode r>rescindir da intros- . processos determinados ou de ?bjetos. psíqu~cos_, pelo P?nto-de-
pecção. A fórmula Situação-Respo sta longe está de revelar- -vista da determinação das leis da vida psiqmca mediante os
nos sempre sua significação. Fazendo abstração do fato de métodos de concordância e de diferença (l, 198-199). :t!:stes mé-
que entre o estímulo e a resposta se intercala todo um psiquis- todos são os das ciências experimentais, em que os objetos s[w
mo que será preciso conhecer muito bem, existem numerosos. definidos por suas medidas e pelas leis que os regem. É por aí
casos em que não é exigida a significação do comportamento que a instrospecção adquire êste valor objetivo, isto é, con-
pela estrutura objetiva. O gesto da esmola que vejo alguém trolável e medível (ao menos dentro de certos limites), que
fazer só me é revelado em seu verdadeiro sentido (ostentação? faz dela um instrumento científico. Mas isto significa igual-
filantropia? compaixão? hábito?) por aquêle que o realiza. mente que a introspecção entra, assim, como processo parti-
Como muito bem diz A. MICHOTTE (loc. cit., pág: 226), "o cular, no método objetivo, mais geral e mais seguro.
único instrumento registrador do aspecto principal da res-
4. Natureza e alcance da introspecção. Segundo o existencia-
posta é o próprio homem" .. Pode-se admitir, ademais, que neste lismo, o problema da introspecção deve ser a.presentado sôbre n<?_vas
caso não se trata de tomar o significado como se atestasse a bases. Tôdas as discussões que tal problema tem provocado supoem
existência de um fato de consciência de dada espécie ( o que uma consciência que seria essencialmente um órgão de visão ass:s-
dependeria das discutíveis formas da introspecção), mas so- tado para um objeto, o qual não seria mais que a própria conscien-
mente como designando um fato suscetível de ser pôsto em cia. A introspecção neste caso tmpor-nos-ia a paradoxal tarefa de
captar um sujeito como objeto. Seria como se disséssemos que o
relação com um comportamento objetivo, e de, como tal, ser ôlho deveria ver-se e o ouvido ouvir-se a si mesmo.
submetido à medida, mediante recurso à avaliação subjetiva Na verdade, é a noção de consciência o que primeiro é de mister
do sujeito. corrigir. Admitimos que a Psicologia é a «ciência da consciência»,
se a consciência fôr. alargada até as fronteiras da vida e, por conse-
· A objeção de que os têrmos dor, côr, prazer, etc. não significam guinte, englobar ou compreender o corpo, que é a própria. estrutura
talvez as mesmas experiências para uns e para o·i1tros não é dlcisiva.
36 PSICOL OGIA OBJ'ETO E MÉTODO DA PSICOL OGIA
37

de minha existência como forma ou idéia, e, através,a dê!e ativida de psíqui ca separn.clos do sujeito de que provê1n:
dese-
O m d
a fim de manter est~utur~m :~ indi-
ao qua~ :cem cessar me adapto, nhos escritu ra, escrito s, obras- de-arte , etc. (obser vação
me defme esp~cífica e individualmente (I, 436), e ainda todo O ;!zs-
te nesta «me- reta). Todos êstes fatos podem ser consid erados como forma n-
sa~~ da e~p~cie, que ~e algum modo me está presen
moria orgamca», que e o aspecto histórico da idéia ou forma
que do o compo rtamen to extern o do sujeito .
sou eu. ftstes fatos podem ser espont âneos ou provoc ados, exata-
,, º..
~onsc1encia desta consciencia. ll:ste recurso, porém
haver nela uma
ªP~lo à introspec~ão deixa supor que poderia e.!ltá de antemã o mente como no domín io das ciênci as físicas (I, 186). A
como a pratic am KÜLPE e a Escola
intros-
de
ncia primária, pecção provocada, tal
fadado ao ins~cesso, já 9-ue, mais uma vez, a coruciê porque
é, subjetividade .
fazendo-.:3e obJeto, ces~ana de ser consciência, isto antes, Würzb urg, pode també m depen der do métod o objetiv o,
pelo con- é o fato psíqui co, mas como reação ,
A _r~flexao, _de fato, nao é jamais retôrno sôbre si,
, representativamente int{!- 0 que se trata de regist rar explica -
t:ar_10, tensao para- ~ mundo ~e objetoshomem a realidade de uma e não como nature za ou essênc ia. É por isso que nas
nor1zados. Sem duvida, admitimos no busca menos experi ências subjet ivas
e;ta ções do enfêrm o o médico
«cons~!ên~ia da consciência». Mas há de compreender-se que do que a, cons- do que propri ament e reaçõe s semelh antes às que revela m
o ter-
c?!"sc_zencir;, S'~gun ~ ou sobreco nsciênc ia não é mais é, subjetivando
ciencza pri_mar la feita trQT11,<;paretnte a si mesma , isto . môme tro ou a auscul tação.
ivi-
em para-si o que em Cosmologia (1, 436) chamávamos a «subjet dos
dade objetiva> do em-si. . 2. Vanta gens. O métod o objetiv o ,pão está livre
é a condição qu~
., Esta consciência segunda, ;assim compreendida, es argüid os contra a introsp ecção, uma vez
se vê que o con- inconv enient
também a mar-
mesma da Psicolo gia como ciência.. Mas
amos para designar não é capaz de elimin ar totalm ente o coefic iente pessoal,
ceito de introspecção é ambíguo quando o empreg se se tratasse- gem de deform ação em que impor ta o jôgo dos fatôre s sub-
o modo como captamos a consciência primária como
de uma visão aplicada de um exterior para inalien uminterior quando a
ável interiori-
jetivos (esque ciment o, desate nção,
das com o
vaidad
fato
e,
observ
ilusão,
ado,
precon
etc.).
cei-
To-
consciê ncia é o próprio interio r, subjetividade o tê~o intros-·
tos, interpr etaçõe s, mescla
que
dade indeclinável. Não obstante, poder-se-ia manter reméd io no fato de
assim um método ten- davia, êstes defeito s encon tram seu
pacção precisando que se trata de designar o mét0do objetiv o permit e a compr ovação simult ânea por a-
vá-
dente a captar a própria. consciência, por oposiçã o ao meio externo
científico e metafísico'. rios observ adores , e, por isso mesmo , o contrô le das observ
como domínio da objetividade pura e do saberque o
É de mister acresce ntar ainda, por uma parte,
a consciência. assim ções. Por outro lado, o métod o objetiv o favore ce a precisã
existên cia mesma , que é suscet íveis de ser des-
apreendida é a consciência. total, isto é, ea não êsse reflexo parcial das observações. Os fatos extern os são
ão,
o estar-no-mundo-a.través-de-um-corpo, que a existência critos, compa rados, às vêzes medid os com relativ a exatid
que o intelectualismo contempla; e, por outra parte, podend o-se assim espera r fazer da psicolo gia uma autênt ica
que está no princípio da Psicologia não pode ser senão uma
subje-
tividad e vivià:a.. ciência .
São, finalmente, estas considerações que permitnôvo irão conservar o
o
têrmo introspecção, com um sentido ta.lvez menos do que am- 26 3. Limites. Já aponta mos (16) as condições em que
do que até agora o.
pliado, e afirma r ao mesmo tempo, com mais rigor ncia ponto- de-vis ta do compo rtamen to pode ser válido e fecund
se tenha feito, que a Psicologia é realmente a ciência da consciê 1llle não pode nem exclui r a introsp ecção nem deixar de recorr
er
. , fa-
e da. vida interlor às noções especi ficame nte psíqui cas. É possív el, sem dúvida li-
e
3. Ü MÉTODO OBJETIVO ze~ abstra ção provis oriame nte da consid eração do sujeito
abs-
mitar- se aos fenôm enos observ áveis e medív eis. Mas esta
§
legítim as na medid a
25 1. Nature za. Pode-s e defini r em geral o métod o obje- tração e esta limitaç ão metód ica só são
o de
tivo, por oposição à introsp ecção existen cial, como o conjun
to em que não se transf ormam (corno no Behav iorism de
s
de processos pelos quais se observa, descre ve e mede ( quand o WATSON) em negaçã o do sujeito psicoló gico e dos estado
psico-
é possív el) as manife staçõe s exterio res da ativida de psíqui ca ··,
i . .- con_sciência dos quais se faz abstra ção, como se tôda a
ambos
dos outros sêres. No método subjeti vo, objeto e sujeito
são ~.- logia se reduzi sse à fórmu la estímu lo-resp osta, unidos
materi almen te os mesmo s: só a diferem formal mente . Aqui, pelas leis dos reflexo s condié ionado s.
são materi al e forma lmente distint os. ':[· ... Esta negaçã o seria tánto menos justifi cada quanto o c01n-
As realida des sôbre as quais se dirige imedia tamen te
a lente :
PO;tamento extern o freqrüentemente ambíg uo ou poliva
observ ação serão quer o conjun to dos fatos extern os que cons-
s,
ª ira o ~êdo manife stam-sdee por fenôm enos comun s, as
descob
lágri-
rir,
tituem a expres são natura l da ativida de psíqui ca: atitude dis-
m~s sao ~in~l. de alegria e tristez a, etc. Há que
físicos , o.~
s e reaçõe s motora s, pois, a s1gmf1cação do compo rtamen to. Os fatos
gestos , mímic a, expres sões, reflexo os .
curso (obser vação direta ), quer os diversos produt os
desta comple xos objetiv os não podem , eviden temen te, ser definid
OBJETO E MÉTODO DA PSICOLOGIA 39
38 PSICOLOGIA

senão em relação a uma consciência. O fato de empalidecer de para que O sujeito construa, sem o perceber, todo um edifício
cerrar os punhos, de contrair os músculos, só significa algt~ma mesclado de elementos interpretativ os e subjetivos.
coisa se lhe chamamos ira. As lágrimas não são apenas um fato
2. Natureza das . notações. O domínio da introspecção
de secreção glandular, mas também um fato psíquico (alegria
ou tristeza). O vocabulário psicológico deve, pois, necessària- é em princípio, ilimitado. Quando se trata de obter resultados
sérios, vimos mais acima que êle é bastante reduzido. Podem-
mente, intervir, do contrário a psicologia transformar -se-ia
numa espécie de álgebra ou num jôgo de adivinhações . se distingui,r dois grupos de notações:
Pode-se aqui observar que todo têrmo psicológico significa a) Estado substantivo. Já sublinhamos o privilégio dês-
ao mesmo tempo um estado de consciência e um comportame n- tes estados, em razão de sua relativa estabilidade, lembranças,
to corresponde nte. É, aliás, o ,que mais acima chamávamos com- imagens, representaçõ es espontâneas . tste domínio é, em rea-
portamento total. Mas isto não poderia justificar a exclusão lidade, extraordinà riamente vasto, e sua exploração proveitosa.
do psicológico. Por um lado, com efeito, muitos estados de Pode-se aprender muito meditando sôbre os conceitos ou com-
consciência não implicam nenhum comportame nto observado. plexos conceptuais para analisar os elementos que nêles estão
Por outro lado, se é verdade que o têrmo psicológico tem um naturalment e implicados, e que a linguagem traduz em têrmos
. )
duplo significado, isto aparentemen te quer dizer que não po-
demos compreendê- lo adequadame nte senão em referência ao
gerais. tste processo aproxima-se do método filosófico, mas
foi aplicado co1' singular vigor pela fenomenolog ia. A "redu-
seu duplo significado, somático e psíquico. ção eidética" (ou consideração exclusiva da essência dada num
Eis por que também o em,prégo dos dois métodos, objeti-vo fenômeno.em pírico particular) de HussERL é uma boa aplica-
e subjetivo, é rigorosamente necessário para apreender em tôda ção do método reflexivo, no domínio em que êste tem maior
a ·sua complexidad e e descrever com a maior exatidão possível probabilidad e de oferecer sólidos resultados.
o fenômeno psicológico. O método subjetivo, só por si, não
b) Os casos excepcionais. É de interêsse notar tudo o
conduziria a nada de seguro e de preciso. O método objetivo,
por seu turno, não daria, por si só, senão um sistema de equa-
que, em nossa consiência, parece afastar-se do tipo ordinário
ções, em que não somente não haveria mais que incógnitas, e nos choca por seu aspecto raro, incomum e inesperado : so-
senão que também faltariam os têrmos essenciais, uma vez nhos estranhos, ilusões de percepção, imagens anormais, asso-
que o comportame nto externo é menos um aspecto ou uma ciações surpreenden tes, etc.
face do comportame nto total do que uma parte (e não a prin-
cipal) dêste comportame nto. 3. Intuição e discurso. Enquanto a crítica da linguagem
corno meio de transmissão das experiências psicológicas leva
§ 4. ÜS PROCESSOS INTROSPECTIVOS a maior parte dos psicólogos contemporân eos a dar cada vez
mais importância ao método objetivo, BERGSON conclui desta
27 Já sabemos, pela discussão precedente, que os processos mesma crítica para o privilégio da intuição introspectiv a sôbre
introspectiv os deverão empregar-se em condições muito rigo- os métodos de análise e de classificação .
rosas, se se pretende tirar proveito de seus resultados.
a) Privilégio da intuição. O conceito, declara BERGSON,
A. N ot.a@,o dos fatos tal como se exprime pela linguagem, está antes de tudo orde-
nado às necessidades práticas, e, portanto, jamais concerne se-
1. O fator tempo. Admite-se, em geral, que as observa- não a coisas maneáveis e mensuráveis . tle quer blocos, coisas
ções feitas sôbre si mesmo têm tanto maior probabilidad e de ~táveis. É, pois, inapto para expressar a vida do espírito, que
ser exatas quanto a notação está mais próxima da observação. é movimento e duração, qualidade pura e continuidade . Para
As notações diferidas parecerão sempre suspeitas, por causa captar .a consciência no que ela tem de próprio e original, ha-
do trabalho psicológico inconsciente que pouco a pouco deforma verá, pois, que recorrer a outro meio de observação suscetível
a lembrança, consoante o provam as múltiplas experiências fei- de fazer-nos penetrar na intimidade da vida psicológica e, de
tas em matéria de sonhos: um mesmo sujeito, com a distância
certo modo, fazer-nos coincidir com ela. tste meio proporcio-
de vários dias, dá conta do mesmo sonho de maneira bem dife-
.. rente. Quando se trata de estados afetivos, há muito maior razão
na_do é a intuição.
·'
OBJETO E MÉTODO DA PSICOLOGIA
41
40 PSICOLOGIA

Mas o processo intuitiv o, tal como o concebe BERGSON coisas (1, 190-192). Sob êste po:1to-de-vi~ta, poder-s e-ia sem
admite condições que tendem a lhe dar um caráter de rigor cfon~ parado xo dizer que a dor, a emoçao, es!orço, a lembr~ nça, o-
tífico. Não é método fácil o que assim nos é proposto. BERGSON hábito, etc. quase não interes s~n: ao ps1cologo. Ês~es f~enomenos-
quer, com efeito, que se parta da análise da linguag em que só existem para êle sob a cond1çao de uma determ maçao de seus
dá uma primei ra aproxim ação, e que se anotem tôdas as obser-- fatôres constit utivos e da relação que os une entre si. A intui-
vações psicofisiológic as7
dos especia listas. A segund a etapa ... ção concre ta não é, evide~t emente , o ~nstrum ento apropria~o-
desta determ inação. O metodo precom zado por BERGSON nao
;t

será sintétic a e implica rá, não esta classifi cação conceptual,


que é artifici al, mas um esfôrço de intuição e de simpatia qur, parece, pois, ter valor científico.
permit a captar a realidade psicológica no que tem de essencial-
e) A questão da continu idade conscic ncial. Observa r-se-á, por
mente original. Por fim, devendo a ciência comuni car-se' ha- 90
outra. parte, que " ,desqual ificação do conceito se funda numa
razão
vera que procur ar dar uma forma ou uma express ão à intuiçã o.
, quer
das mais discutív eis. BERGSON (LCII percept ion du changem emt)
Não que esta express ão seja conceptual. Mas a intuição pode que a consciê ncia seja essencia lmente uma ccontin uidade de fluxo>:
ser sugerida e guiada pela analogia: certas metáfo ras com a distinçã o de estados psicológicos unitário s só poderia provira da.
da

r
a condição de serem bastan te numero sas e variada s, pode~ ori- análise abstrat a e concept ual, que rompe a corrent e continu homo-
entar o espírito do investi gador para reviver por sua conta a consciê ncia e transfo rma a duração heterog ênea em espaço ncia
intuiçã o origina l que se _lhe quer sugerir (cf. H. BERGSON, gêneo, o movime nto em coisa, quando a, unidade da consciê a por vír-
deveria ser conside rada como uma longa frase, pontuad
'_'Int:oduction à la Métaph ysique" , in Revue de Métaphysique, gulas, mas nunca interrom pida por um ponto.
Janeiro de 1903, pág. 7). Todavia , estas visitas são pouco conform es com a experiê ncia,
Cor-
que prova que a continu idade da consciê ncia não é absoluta . dentro
J 29 b) Discussão. As observações de BERGSON 'fundam -se rentes há que evoluem indepen dentem ente umas das outras e
m-
·1
numa filosofi a do conceito de inspira ção nomina lista (I, 48). de uma sucessã o de estados psicológicos; às vêzes mesmo produze immé-
1
Devemos fazer-lh es os seguint es reparo s: se bruscas ruptura s. Contra isto objeta BERGSON (Les donnée.s eu só
dia.tes de la conscienoeJ que tôda mudanç a na orientaç
ão do
Em primei ro lugar, as observações bergsonianas tendem a é percebi da em oposição ao estado que precede (tal um
trovão res-
confun dir dois planos diferentes, o da experiência concreta e o soando no silêncio ), o que implica continu idade, no sentido de que
parece·
não
da ciência. A psicologia, como tôdas as ciências positivas, parte o nôvo estado é solidári o do que o precede u. Mas isto
laça
da experiê ncia singula r e concret a, mas termin a em sistema exato. Muitos acontec imentos psicológicos se sucedem sem terou de
algum entre si, quer proceda m de decisões, de represen
tações
abstrat o (conceitos e leis), como as outras ciências. Não se sentime ntos mutuam ente contrári os (há psicologias incoerende su-
tes, e
trata, pois, de comun icar ou de sugerir experiê ncias inefáve is, as mais coerent es só o são imperfe itament e), quer derivem
mas de obter resulta dos control áveis e univers alizáve is. O cessos externo s que interrom pem proviso riament e a corrente
cons-
abstrat o é aqui, como em tôda parte, a própria forma do saber ciencial sem contras tar positiva mente com ela.
funda-
científico. Na realidad e, a afirmaç ão bergson iana de continu idade Do fato de·
mental da consciê ncia acha-se fundada num equívoc o.
Em segundo lugar, o privilég io concedido à intuiçã o do os estados de consciên cia se desenro larem no tempo, uns após os
conc~eto :parece muito discutível. Sem dúvida, a intuiçã o é, outros (continu idade materia l), conclui BERGSON que êles estão en-
em s1, marn segura do que qualqu er argume nto discurs ivo: vale cadeado s, se solicitam e se condici onam reciproc amente (continu
i-
essas duas coisas são muito diferent es, e não-
mais ver que concluir. Mas êste privilég io não pertenc e, na dade formal) . Ora,
nem sempre:
se pode passar da primeira , que é certa, à segunda , que
verdad e, senão à intuiçã o metafís ica, pela qual captam os o ser se produz.
e as leis univers ais do ser. A intuição concreta ao contrário
padecece de grande incerteza, pelo fato de que ~s objetos qu; B. Questionários e testes
alcança formam blocos que geralmente se lhe apresentam obs-
·I curos: infalíve l (salvo em certos casos patológicos) quanto à 81 Os método s de questio nários e de testes combin am o ponto-·
realidade existencial do sujeito, a intuição concreta não con.~e- -de-vis ta subjeti vo e o ponto-d e-vista objetiv o. Contudo, pode-se·
gue discernir de maneira precisa a nature za e os elementos dos admiti r que o que melhor os caracte riza é o aspecto subjetiv o.
complexos que ela atinge. É mesmo por esta razão que a psico~ KÜLPE , aliás, reconheceu-o muito bem, ao definir seu
método,
l~gia experím en~l, exatam ente como as demais ciências posi- como uma introspecção provocada (ou indiret a).
tivas, tem por obJeto relações (conceitos funcion ais), antes que
43
OBJETO E MÉTODO DA PSICOLO GIA
42 PSICOLO GIA

diferem dos fatos normais senão por alguns caracter es aci-


1. Questionários escritos e orais dentais.
Por outra parte, a crítica das respostas supõe todo um tra-
J a) Forma dos questionários. Os psicólogos anglo-sa xões balho de discussão dos testemunhos, segundo os métodos dos his-
1. 1
fazem amplo uso dos question ários destinad os a salienta r aspec- toriador es, de compara ção e de interpre tação. Só muito rara-
1.,. : tos gerais da experiê ncia psicológica. Consiste o processo em , mente pode alguém limitar- se a consign ar as resposta s, nas
forrnula.l.' por escrito certo número de questões precisas , que quais se manifes tam, a despeito das preca"tlções adotada s, fe-
dizem respeito a um ponto particul ar da vida psicológica, e nômeno s de sugestão e de auto-su gestão mais ou menos agudos
que reclama m resposta s em condições determi nadas. :tste ques- (cf. TOULOUSE et PIÉRON, Technique de Ps-ychologie expérimen-
tio112rio impress o é enviado a um grande número de pessoas , tale, 2e. éd., Paris, 1911).
de maneira que fique elimina da tanto quanto possível, pela
ação da lei dos grandes número s, a influênc ia dos fatôres pes-
soais (Método documental). Número de menções

Há, por exemplo, a investiga ção promovi da na Alemanh a per- pelo


Dr. A. BusEMAN acêrca dos fatôres de interêsse no ensino. As 69-60 59-50 49-40 39-30 29-20 19-10

- - - - - - - - - - - --
79-70
guntas feitas aos estudant es eram as seguinte s: «Através de que
1 . -1:t
;
••
bJ di-
matérias o ensino da Escola superior de. . . a) aumento u, ou respos-
minuiu seu interêsse ? Como explica êste resultado?,, As 114 er um
Filo-
100-80 sotia
tas obtidas, de jovens de ambos os sexos, permitir am estabelec es
89-80 Alemão
quadro que dava indicaçõ es gerais sôbre o ínterêsse que os estudant Percentag ens
revelam pelas diversas questões do ensino e sôbre as causas de .de- de menções 79-76 Línguas H" tó-
_,s
f História
. da Arte
safeição por tais ou quais matérias (.4.rchiv filr gesa.mte ·psycholo gie, que
assinalam
modernas ria lBiologia
1932, págs. 235 e segs.) (fig. 1). ' 69-60
o despertar ou
o progresso Física
Pode também o question ário ser levado a efeito oralmen te, 59-50 Mate- Química
..'. :
e, neste caso, toma comume nte o nome de teste. Trata-se de um
do interêsse
39-30
mática Religião
processo que visa a obter da parte de sujeitos mais ou m-enos
1 .
\ 1 1
{ numerosos uma resposta-reação a um estímulo normalmente
pouco complexo. 10 Muitos psicólogos preferem o question ário Fig. 1. Resultado s de um questioná rio sôbre os fatôres de
. 1 ' oral, porque parece garanti r maior esponta neidade . A per- interêsse co ensino.
gunta escrita deixa margem demasia da à reflexão, que fàcil- ao
As matérias de ensino estão dispostas de modo que se possam ver
mente se transfo rma numa interpre tação e numa construç ão. A tempo o númer-0 de menções (da direta pcrra a esque,:da) e o núm~ro
psicologia do compor tamento empreg a sobretud o o question ário
mesmo
rir. de apreciaçõ es fat>oráveis ou desfavorá veis (de cima para baixo)
a propósito
oral, que proporc iona elementos brutos, que se hão de tratar
J
de cada matéria.
' como reflexos (fig. 2).
1
No que concern e particul armente aos testes, pode-se obser-
i 82 b) Crítica das respostas. É claro que as resposta s obti-
das, escritas ou orais, não podem ser registra das sem crítica.
var ( o que se aplica também ao question ~rio escrito) que não
r. são senão uma resposta atual a um caso singular e exatamente
. i
A primeira condição é que quem faz a investigação tenha certa definido, e que esta mesma resposta-reação pode ser ~erame nte
experiência dos fenômenos sôbre os quais versa a indagação: acidental. "Uma ação que está incorpo rada no organism o total
não que se trate de estimar o valor das resposta s em função da vida pessoal", escreve STERN ("La Psychologie de l~ person-
das reações pessoais do psicólogo ; mas não se pode esperar nalité et la méthode des tests", in Journal de Psychologie, XXV,
entende r o sentido das resposta s se não fôr capaz de represen - 1928, págs. 5-18), "é coisa muito diferent e da ªJão exterior me~-
tar-se a experiên cia que elas traduze m. Isto é certo mesmo te idêntica , que se obtém isoladam ente, sem raza~ de ser. A pri-
que se trate de fatos patológicos, uma vez que êstes fatos não meira a ação que tem suas raízes na persona lidade, pode re-
tirar ~uas energias das mais diversas regiões das aptidões indi-
10 Cf. H. W ALLON, Principes de psycholog ie app!iquée
, Paris, 1930, viduais, e não apenas da aptidão especial, à qual, em virtude de
págs. 61-131.
r 44 PSICOLOGIA
OBJETO E MÉTODO DA PSICOLOGIA 45

uma construção simplista, se pretende subordinar esta ação". 33 2. Método de retrospec!;ão. Não se há "de confundir
Por outra parte, seria necessário ter em conta exatamente 0 êste método com o dos questionários ou o dos testes, dos quais
não é um aperfeiçoamento, mas uma forma todo especial.
in~e:êsse que o sujeito concede ao teste, porque a reai.-ão do
suJe1to dependerá em grande parte dêste interêsse. · a) O princípio da lembrança imediata. 11:ste método foi
definido e praticado pelos psicólogos da Escola de Würzburg
(KÜLPE, BÜHLER) e, na França, por BINET (L'étude expéri-
mentale de l' lntelligence; Paris, 1.903). Acreditaram êstes psi-

!} íP
Isto é uma pata I cólogos que seria possível objetivar de certo modo as atitudes
Isto é uma lima II ' e as atividades mentais, fazendo-as observáveis por meio de
·( uma "fixação" memorial. Destarte, em princípio, seriam corri-
Isto é um nabo III
e:~/) e~- ?- gidos os defeitos da introspecção. Partindo desta idéia, insti-

'''

tuem-se experiências no decurso das quais a atividade que se
A boneca está no quer estudar segue sua marcha normal, sem nenhuma preocupa-

.,,
berço I ção de observação. Em seguida, esforçamo-nos por descrever
Um homem lê II os acontecimentos psíquicos que acabam de verifica1·-se, me-
[ diante a lembrança imediata que dêles temos ..
l
Eis .uma casca de
banana III t¾ É de ver a diferença com o método de questionário, em
que se trata de registrar, comparar e criticar as respostas,
7 po. 3/4 sôbre 4: escritas ou orais. No método de retrospecção, em lugar de se
ater às respostas brutas ou resultados, intenta o psicólogo co-
nhecer os fenômenos psíquicos que se produzem no sujeito no

mô ~Be
decorrer da prova. 11
% b) Inconvenientes dêste método. O método de retrospec-
1. Faça um X sôbre a
3. Trace uma linha de- ção reivindica as seguintes vantagens. Sobrepassa o "todo
bola.
feito" psicológico e esforça-se por captar o que "se está fazen-
.
baixo do livrinho.
do". Ademais, é suscetível de assinalar estados de consciência

80,, e
que não se manifestam por nenhum comportamento ~xterno
_,. ,.;, , .q
,ti ... - . .
- , __ . o· -, . ,. perceptível. Evitaria, assim, parcialmente, as objeções que se
fazem à psicologia da reação, e teria a dupla vantagem da
'\ 2 .. Faça um X sôbre a reação e da introspecção.
4. Trace uma linha do
•'lj §arrafa de leite . porco até a árvore. Estas vantagens não são apenas teóricas, embora não dei-
xem de sê-lo em grande parte. Compreende-se, de feito, que as
Fig. 2. Testes de leitura segundo GATES.
(The !mpTovement of Readino, 1982) 11 Cf . BINET, "Le bilan de la psychologie en 1908", in Année pS11cholo-
gique, lü09, pág. 9: "Assim, i;e se trata de comparar dois pesos, não s~ quer
I._ Teste de expTessão e de fra ses simples. TTês fTases vão acompanhada6 tanto saber a segurança , a exatidão da comparação, quanto a maneira como
de _seis desenho"s. A primeira está seguida de uma linha: a criança deve foi executada no interior c!a pessoa Se se tratá de assoc;açêles de idéias, co-
assin~laT co_m uma linha o desenho que the corresponde. A segunda e a ligem-se atentamente as palavras associadas que o sujeito produz, mas pro-
terceira estao seguidas de duas e tTês linhas: a criança deve assinalar com cura-se sobretudo observar como êle as produz. Ou também, a respeito de
duas ou tTês linhas os desenhos corTespondentes. uma questão proposta, quer-·se saber de que imagens se serviu o sujeito para
obter a resposta. Esta sondagem no interior de um espírito QUe trabalha já
ncs tem ensinado muito. Verificou-se principalmente quanto era incompleto o
li. Test_e destinado a mediT a capacidade de leT os conjuntos conceptuais clássico inventário dos estados de consciência . As sensações, e especialmente

,.
(thought umts) com plena compreensão. A cTiança deve não adiv;nhaT pa- as imagens, diminuíram de importância ; por outra parte, tivemos a revelação
lavras sô!tas, _mas entender tôda a passagem como uma unidade (cf. M. LEo, de uma multidão de estados de consciência quase indefinidos; consciência
F .E.C., Boletim n.O 2 do Instituto Pedagógico Saint Georges, Universi- de relações, sentimentos intelectua is, atitudes mentais, tendênc:as, etc ".
dade de MontTeal, 1939, págs. 23 e 29).

t
46 PSICOLOGIA ' OBJETO E MÉTODO DA PSICOLOGIA 47

dificuldades e limites déste método sejam, ao mesmo tempo os A psicologia contemporânea deve muitos de seus progres-
da introspecção, com tudo o que esta encerra de essencialmente sos ao estudo da psicopatologia. As noções de inconsciente, a
subjetivo, e os da memória, que, mesmo imediata, constitui, de oscilação do nível mental, o movimento das imagens, emoções
sem que o sujeito o saiba, um fator de deformação. 12 e tendências, os elementos complexos da memória e da lingua-
gem os fenômenos de inibição interna ou falhas das funções
§ 5 . PROCESSOS OBJETIVOS de i~ibição e de contrôle, os efeitos motores das representações,
94 Os processos objetivos podem ri,duzir-se a três g1:upos etc., são outro~ tantos resultados notáveis que a psicologia d~ve
principais: métodos comparativos, psicologia animal e proces- ao emprêgo do método comparativo.
sos de laboratório. As opiniões estão, entreta.nto, bastante divididas em ordem ao
alcance da psicopatologia para o estudo da psicologia normal. Al-
A. Mét.odos comparativos guns, como ca. BLONDEL (cf. DUMAS, Nouveau Traité de Psychologie,
t. IV, págs. 364-369), chegam mesmo a sustentar que psicologia nor-
Distinguimos aqui: patologia mental, sugestão e psicaná- mal e psicopatologia nada têm de comum e nenhum serviço mútuo
lise, e investigações sôbre os "primitivos". podem pres~ar-se. É pouco defensável esta opinião, e de fato acha-
se refutada pelos progressos que a psicologia deve à psicopatologia.
1. Patologia mental. Os serviços que podemos esperar Em compensação, a opinião de RmoT, tal como se expressa no texto
da psicopatologia consistem essencialmente em permitir ao vsi- ainda há pouco citado, parece também encerrar alguns excessos, que
as observações do Dr. Achille. DELl'IIAS (cf. F. A. DELMAS et M. B0LL.
cólogo definir com maior precisão os fenômenos psicológ·icos La personna-lité humaine, Paris, 1922, págs. 31 e segs.) ajudarão a
normais. Com efeito, o fenômeno patológico aparece, em rela- corrigh·. Observa, com efeito, o Dr. DELMAS que se podem distinguir
ção ao psi•quismo normal, como sendo "hiper", "hipo" ou "para", duas categorias de enfermidades mentais, umas com organicidade
(lesões cerebrais), como as demências por paralisia geral, por ence-
l isto é, como um aumento, uma diminuição ou um desvio do falite psicótica, por arterite cerebral, etc.; outras, sem organicidade
1
!
' fenômeno normal: êste, por isso mesmo, revela-se, dentro do aparente (psicoses constitucionais, psiconeuroses). Entre estas últi-
processo anormal, sob uma forma mais nitidamente observável, mas e a psicologia normal não parece haver senão düerenças de
ti e não raro manifesta aspectos que freqüentemente escapam à grau, enquanto que haveria diferença de natureza entre as psicolo-
gias demenciais e a psicologia normal. «Daí se segue, concluem
observação, no curso ordinário e médio da vida psicológica. 13 DELMAs e BoLL, que essas manifestações só mui dificilmente são
utilizáveis para a análise e interpretação dos fenômenos psíquicos
normais, encerram o risco de desconcertar, e têm induzido a êrro os
12 Cf. A. MICHOTTE "Psychologie et Philosophie" (Revue néo-scolas- psicólogos que as tomam como base; pensamos que as perturbações
tique de Philosophie, maio de 1936, pág. 212): "Quando, hã cêrca de trinta que caracterizam as psicoses constitucionais estão muito mais próxi-
anos, a Escola de Würzburg, a instâncias de KOLPE, tentou introduzir na mas dos fenômenos psíquicos, são mais comparáveis a elas e, por
técnica filosófica um método de introspecção sistematizada, nutria-se a espe- conseqüência, mais proveitoso é o seu estudo».
rança de chegar a estabelecer um acôrdo entre diferentes observadores postos
em situações semelhantes. A despeito de sua extensão fracassou a tentativa ...
Os sujeitos apresenta.'ram restiltados introspectivos contraditórios. Tais fe- 2. Sugestão e psicanálise. A sugestão é freqüentemen-
nômenos que alguns dêles pretendiam descobrir, e aos quais atribuíam o te utilizada em psicologia para manifestar estados psíquicos
valor de fatos de experiência imediata, eram pura e simplesmente negados que não se deixam perceber em estado normal. Dêsse modo,
por outros, que possuíam idêntica formação científica. Para uns, tratava-se
de reais dados de experiência; para outros, de interpretação de dados que pode-se levar um indivíduo a exteriorizar desejos, tendências,
haviam escapado aos primeiros". lembranças e imagens de que ordinàriamente só tem consciên-
13 Cf. TIi. RIBOT, La méthode dans les sciences. Psychologie, pág. 2J3: c!a muito confusa.
"A doença é uma experiência da ordem mais sutil, instituída pela própria É':ste procedimento foi generalizado e sistematizado pelo
natureza, em circunstâncias bem determinadas e mediante processos de que método de FREUD, conhecido pelo nome de Psicanálise, ou pro-
a arte humana não dispõe: chega ao inacessível. Aliás, se a doença não se
encarregasse de desorganizar para nós o mecanismo do espírito, e de, assim,
fazer-nos compreender melhor seu funcionamento normal, quem ousaria pro-
ceder a experiências que a moral mais vulgar reprova? Encontrar-se-ia um a forma patológica. As percepções conduzem às alucinações; a memória tem
homem para sofTê-las e outro para ensaiá-las?. . . Êste método descobre suas ausências (amnésia), suas excitações (hiperamnésia) e suas ilusões
abundantes recursos no estudo das enfermidades do cérebro, das neuroses, das (paramnésia) . A energia voluntária pode ser aniquilada (abulia) , paralisada
diversas formas de loucura, e de certos fenômenos anormais e raros (sonam- ~el~s tendências impulsivas. Todos conhecem as anomalias de associação das
bulismo natural e provocado, mudança e dissociação da personalidade). Ade- idéias entre os loucos". :mste é também o ponto-de-vista de BAILLARGER
mais, tôdas as manifestações da atividade mental podem ser estudadas sob (Recherches sttr les maladies mentales, Paris, 1890) e de FREUD.
r;:;l\jULUülA
' OBJETO E MÉTODO DA PSICOLOGIA

cesso de expl01·ação do inconsciente. FREUD · parte da idéia de os (l 270) que isso equivale a ceder à mitologia do elementar
que certas desordens psíquicas se explicam pela repressão de
tendências ou de lembranças : êstes elementos reprimidos per-
1: faze; puro romance psicológico.
turbam o psiquismo normal, sem que o sujeito tenha consciên-
cia dêstes complexos traumáticos. Por um processo de associa- B. A psicologia animal
ções livres, e pelo análise dos lapsos e dos sonhos, tratar-se-:\
de remontar, pouco a pouco, dos dados conscientes até as fon- !17 O recurso à psicologia animal está também na dependência
tes, já incons~ientes, da desordem psíquica, isto é, de realizar do método comparativo, se se admitir que não existe outra psi-
a libertação dos elementos traumáticos e, por aí, obter a cura cologia propriamente ~ita que a _do homem. Seja cÓ_mo fôr, 14 a
das perturbações psíquicas. 1\'.:ste processo, aplicado primeiro importância do procedimento exige que o tratemos a parte.
por BREUER com o nome de catarsis, FREUD sistematizou-o me- 1 . Processos da. psicologia. zoológica. :Êstes procE:ssos
diante uma técnica mui complexa, que não temos por que es- são definidos e classificados por CLAPAREDE em sua "Memória
tudar aqui. Bastará observar que as investigações de FREUD, sôbre os métodos da psicologia animal". 15 :!\'.:ases processos con-
seja como fôr do conjunto do ~todo psicanalítico, consegui- cernem à observação e à experimentação.
ram, da maneira mais segura, expor a realidade de um incons-
ciente psíquico e a importância de sua influência no curso da a) A observação. Quanto à observação, os Souvenirs en-
,.l tomologiques de FABRE são bom exemplo do que pode oferecer-
;'
1
atividade psicológica.
Da Psicanálise nasceu, em reação, a Caracterologia, com a. pre-
nos um estudo atento e metódico do comportamento instintivo
tensão de tornar-se um ramo nôvo da Psicologia, e até, para alguns, do animal, observado em condições normais.
como ADLER, UTITZ e KRETSCHMER, de constituir wna ciência autôno- b) A experimentação. Compreende três processos dis-
,,1 1 ma, ordenada ao estudo das diferfflÇas tndividuats. Assim entendida, tintos: o primeiro é o método das reações naturais, o qual con-
.'
! a caracterologia quer determinar os diferentes aspectos da persona-
lidade, precisar-lhe o sentido e seguir-lhe o desenvolvimento no pró- siste em estimular o animal de modo artificial e estudar-lhe a
1
); prio indivíduo concreto. Ao estudo das funções tomadas uma a uma, reação. Assim ÜXNER estudou a memória visual dos peixes,
'\,, ou das leis que governam a vida psicológica de todos os homens, mediante a seguinte experiência : quando se lhes oferece repe-
opõe a Caracterologia a necessidade de estudar o homem em sua
'.

lj. organlcidade e em sua unidade psiqulca. Por seu turno, a Tipologia tidamente um alimento na ponta de uma pinça, verifica-se que
)i 1
aplica-se a construir o quadro geral em que poderiam distribuir-se êles continuam a vir chocar-se contra ela, mesmo quando lhes
l: as diferentes espécies de individualidade. é apresentada sem alimento. -
.
,,' ,,1
1 :
36 3 . lnvestiga!)Ões sôbre os «primitivos». Em Lógica O segundo processo é denominado método das reações ad-
quiridas: o modêlo dão-no-lo as experiências d~ PAVLOV sôbre
)

!
í ! (I, 264-267), vimos o que se há de entender por "primitivos", e
os reflexos condicionais. 16 A êste mesmo método ligam-se as
as ambigüidade que esta noção encerra. No entanto, com as re-
'. j. servas que foram assinaladas, pode-se admitir que as investiga- numerosas experiências de LUBBOCK sôbre seu cão Van, que se
1 i
ções referentes à vida psicor.ógica dos não-civilizados podem for- habituou a escolher entre vários cartões de iguais dimensões e
'1 a levar, conforme o caso, o cartão em que estivesse escrita de-
necer útil contribuição à psicologia. Admite-se hoje que o primi-
tivo não é essencialmente diferente do civilizado, e que repre- terminada palavra (cf. LUBBOCK, Les sens et l'instinct che;;
senta antes um estádio infantil da vida psicológica (I, 95). Daí les animaux, Paris, 1891, págs. 256, e segs.); assim também as
por que seu comportamento mental pode permitir êntender as "'-
' : experiências de atuação, nas quais o animal tem que resolver
1 formas espontâneas da vida psicológica, e sobretudo determi- um problema concreto: por exemplo, um chimpanzé, encerrado
nar os traços permanentes e universais das diversas funções numa jaula, tem que descobrir o significado p~ático de uma
mentais, independentemente das deformações acidentais de- ação ou de determinados objetos, já para obter a liberdade (ma-
!/ terminadas pelo meio, clima e tradição. Há que notar, todavia,
a incerteza que afeta os resultados destas indagações, tanto em
razão das dificuldades da observação como da necessidade de 14 Cf. P. GUILLAUME, La Psych.ologie animale, Paris, 1940.
uma interpretação que encerra grandes riscos de arbitrariedade. 1r.Relatório do Congresso de Psicologia de Francfort, 1908. Cf. PIÉRON,
"Méthodes de la Psychologie zoologique", in Rev-ue Philosoph.ique, 1904.
Quanto à pretensão de fundar uma psicologia genética das 16 Cf. I. P. PAVLOV, Les réflexes conditionnels, Paris, 1927', pág. 18: "As-
funções mentais sôbre a observação dos "primitivos" já sabe- sociando uma substância alimentícia a outra desagradável, ou a wn dos atri-
50
,
PSIC'OLOG!A '
OBJETO E MÉTODO DA PSICOLOGIA 51
nejar o ferrolho), já para se apoderar de__ utna isca, posto fora lutos incontestáveis das ciências naturais, em todos os domínios em
da jaula (atrair a isca com u~ pau) (~OHLER). Finalmente, que ~stas podem, cbm fruto, a:plicar seus métodos». Muitos beha-
o método de adestramento defme o conJtmto dos processos de vioristas adotam semelhante atitude.
experimentação em que o excitante é_ indetenninado. O interês- Outros psicólogos (PIÉRON, "Méthode de la Psychologie",
se está aqui mais nos resultados obtidos que nos processos em- in Revue Philosophique, 1904, pág. 171; CLAPAREDE, "La psycho-
pregados. É o método dos "animais sábios", no qual tudo se logie comparée est-elle légitime ?", in Archives de Psychologie,
, reduz a criar, quer por fôrça, quer por atração de uma comida, 1906 págs. 14 e segs.) são de opínião que o problema do psi-
tal ou qual hábito-motor do animal. Exemplo: as experiências quis~o ou do não-psiquismo animal não tem importância al-
de Miss FIELDE sôbre a memória motora da fadiga. 11 . guma e que se pode fazer abstração dêle. Mas esta maneira
de ve; é pouco lógica, já porque é difícil admitir uma psicologia
38 2. Valor da psicologia animal. Investigar o valór da sem psiquismo (13), já porque o método comparativo perde
psicologia animal equivale a perguntar-se º. Valor do raciocínio evidentemente o interêsse se a analogia entre o homem e o ani-
,, por analogia, visto que descrevemos e definimos o comporta- mal fôr duvidosa.
''· mento psíquico dos animais por comparação com a psicologia
humana. O problema está, pois, em saber se existe realmente b) Analogias entre o homern e o animal. Conviria, pois,
uma "psicologia animal". admitir a analogia entre o psiquismo animal e o psiquismo hu-
mano. Funda-se esta analogia na presença, no· animal, de cri-
a) Existe um psiquismo ani~a~? Alguns o negam (BÕHN, térios morfológicos, anatômicos e fisiológicos do psiquismo ( ór-
LoEB), sob o pretexto de que a atividade cha1nada vital se re- gãos sensoriais, sistema nervoso, cérebro e centros sensoriais) ,
duz a reações das substâncias ativas do organismo em face das assim como no fato das semelhanças que existem no compor-
ações do meio extremo (B0HN, Nouvelle PB'Ychologie animale, tamento dos animais e na atividade sensível do homem, seme-
Paris, 1911, pág. 42). B0HN reduz o "psiquis1no" animal a um lhanças que permitem concluir por uma similitude de princípios
conjunto de tropismos elementares. Já vimos, em Co'smologia (percepções, representações, emoções). Trata-se, porém, de
(/, 432) que estas opiniões carecem de base sólida. Negam a analogia, e não de identidade. Se existe psiquismo animal, deve
realidade do psiquismo animal com argumentos que valeriam éste psiquismo ser definido em ref eréncia ao conjunto das ope-
igualmente para o psiquismo humano. Discutimos anterior- rações do animal, o que assinala uma diferença essencial entre
mente (15) esta opinião. a inteligência de um chimpanzé e a de um homem.
PAVLOV poderia parecer de acôrdo com BoHllf e LoEB. rÍe fato
êle cuida de evitar ordinàriamente os excessos destas psicologiai;'. C. Métodos de laboratório
Assim é que escreve (Les réflexes conditio:nnels, Pág. 104): «Queria
evitar, neste terreno, todo equívoco. Não nego .ª Psicologia como co- 99 1. Natureza. A prodigiosa extensão que assumiram os
nhecimento do mundo interior do homem. Amcta menos inclinado processos de medida nas ciências naturais (I, 190) não deixou
estou a negar o que quer que seja das profundas funções da alma
humana. Não faço ma_is que afirma.i.- e sustentar os direitos abso- de exercer considerável influência sôbre a psicologia. l\Iuitos
psicólogos esforçaram-se por dàr fórmulas numéricas dos fe-
nômenos psicológicos. É esta orientação que ordinàriamente
butos desta substância, por exemplo carne regada com um ácido, verifica-se se define com o nome de psicologia de laboratório, ainda que pa-
que, apesar do impulso do cão para a carne, obtém-se uma secreção da pa- ·reça mal escolhida a expressão, visto o laboratório não se de-
rótida. Mas, como esta glândula não segrega só para a carne, é de concluir dicar exclusivamente à psicologia quantitativa. O têrmo psico-
que há reação à substância desagradável. A~emais, se, por sua repetição, a
influência à distância da substância desagradavel torna-se insignificante, jun- física pareceria mais exato para designar todo um aspecto pelo
tando esta substância aos alimentos que atraem o animal obtém-se sempre qual a ciência psicológica se acerca o mais possível das ciências
um aumento da reação". físico-químicas.
11 Cf. PIÉRON, Évolution de la mémoire, Paris, 1910, pág. 154: "Esta a) Os dois tipos de métodos ele laborcitório. Segundo
formiga retorna sôbre seu caminho seguindo exatamente o mesmo rastro que
ela conhece pelo odor deixado antes; segue êste caminho em todos os' seus CLARAREDE ("Méthodes psycholog~ques", in Archives ele Psy-
meandros, e a intrrupção do rastro desorienta-a; ~as, ªPós várias tentativas, chologie, t. VII, págs. 330 e segs.) , podem distinguir-se dois
esta interrupção já não atua; há nisso um automatismo adquirido, um hábito, grupos de métodos de laboratório: os métodos de re_cepção, qu.:i
isto é, um fenômeno de memória muscular.". consistem em determinar como são recebidas as impressões, e
OBJETO E MÉTODO DA PSICOLOGIA 53
52 PSICOLOGIA

:s: 0 obiltáculo em que tropeçam igualmente as estatísticas, que só


o método de reação, que consiste em estudar o gênero, forma e apresentam o «global»: o fato que elas pesquisam acha-se, na rea-
amp~itude das_ reações do sujeito a uma impressão dada (a lidade ordinàriamente misturado, em proporções mui variáveis, com
reaçao _determma-se quer por um juízo do sujeito, quer pela outros' fatôres que formam bloco com êle.
€xecuçao de um ato qualquer ou por uma expressão fisiológica
ou afetiva). tstes métodos podem ser qualitativos ou quanti- Pode-se também observar, no mesmo sentido, que as no-
tativos; os primeiros são simples descrições; os segundos pro- tas dadas nos exames são o resultado de duas variáveis con-
curam obter a medida (psicometria). ' jugadas que, intretanto, seria mister distinguir: o valor in-
telectual e a resistência física. Pode acontecer que uma boa
_ b) Processos psicométricos. Segundo CLAPAREDE, quatro ·nota seja mais um certificado de saúde que um sinal de vigor
sao os processos de psicometria. A Psicofísica, que consiste em intelectual e de ciência.
medir o grau do excitante, empregando um dos métodos se- Por tudo isso se compreende como, a f ortiori, são incertos
guintes: método das mais pequenas diferenças perceptíveis, e precários os resultados dos métodos psicofísicos, quando se
método dos erros médios, método dos casos verdadeiros e fal- trata de comparar fenômenos diferentes, e de estabelecer a
sos, e método dM gradua<'ões médias ou métodos de PLATEAU 18 fórmula métrica de suas relações. Foram propostos diversos.
a Psicometria, que consiste em medir a duração dos proces~os processos para corrigir a incerteza dessas medidas ( cálculo de·
psíquicos, 19 a Psicodinâmica, que mede o trabalho realizado · e correlações); nenhum dêles, porém, permite obter gráficos que
finalmente, a Psicostática, que fixa as médias. · ' ' ' tenham a precisão e a segurança que se consegue no domínio
físico. Portanto, as fórmulas métricas f amais podem subminis-
40 2. Valor e akla.nce dos métodos de laboratório. É per-
feitamente legítimo o emprêgo da medida em psicologia. Há, trar senão aproximações ou símbolos, e a psicofísica não pode
porém, que reconhecer os limites bastantes estreitof! dos pro- esperar ir além do papel de ciência auxiliar da psicologia. 20

,,'· cessos quantitativos (I, 278). Em primeiro lugar, seu alcance


tem pouca extensão: os fenômenos psicológicos são como tais
§ 6. As LEIS PSICOLÓGICAS
essencialmente qualitativos e, portanto, refratário~ à ~edida'.
Os números que se podem obter pelos processos de laboratórios
não têm mais que um valor simbólico ou ordinal. BINET, ao es- 41 A. Det.enninismo psicológico
tabelecer uml:'- escala métrica da inteligência, observa com ra- 1. Diferentes determinismos. Já sabemos que a nature-
zão que, se a idade intelectual da criança de 11 anos se acha za das leis depende da natureza dos diferentes determinismos
definida pelo número 12 ou 13, isto significa simplesmente que (l, 208), isto é, em fim de contas, da natureza dos sêres. Há,
i ela ultrapassa a média das crianças de sua idade, fixada em pois, tantas formas de determinismos quantas espécies de sêres,
10; porém de modo algum significa que a sua inteligência seja e, em cada ser, à proporção que nos elevamos na escala dos sêres,
12 ou 13 vêzes igual a uma quantidade de inteligência tomada múltiplos determinismos, que respondem à complexidade de
como unidade. naturezas. Vem, assim, o homem a ser o laço de união dos de-
Por outra parte, os processos quantitativos não dão em terminismos naturais, físico-químicos e biológicos. A questão
psicologia, senão uma precisão ilusória em. razão da co-r:i.ple- é saber se se pode admitir a realidade de um determinismo es-
xidade dos fenômenos submetidos à medidc.. Suponhamos, por pecificamente psicológico, que dê conta dos fatoi:t e dos estados
exemplo, que se mede a atenção pelos processos para isto usa- ·de consciência e se expresse sob a forma de leis psicológicas, e
dos. tstes processos implicam o jôgo quase indiscernível de se tal determinismo é conciliável com o que a experiência nos
duas variáveis (poder de atenção do sujeito e esfôrço voluntá- revela da natureza do homem.
rio desenvolvido nas diversas experiências), que se confundi-
rão numa mesma cifra global. 2. Primazia do todo. Aqui, como no domínio da vida
(l, 431), encontramos diversas doutrinas, que tendem a reduzir·
18 Empregam-se aqui numerosos instrumentos de medida. como estesiô-
o determinismo psicológico ao determinismo físico.
metros, alges!metros, oliatômetros, anemômetros, etc.
19 Cerno são muito curtos os tempos considerados (a unidade é de 1/1.000
L~)~f. DUMAS, Nom•eau. Traité de Psychologie, I, págs. 405 e segs. (LA-
de segundo), usam-se instrumentos especiais: eronógrafo de Arsonval cronos-
cópio de WHEATSTONE, etc. '
'
OBJETO E MÉTODO DA PSICOLOGIA 55
54 PSICOLOGIA

têm insistido particular mente sôbre êste ponto, esforçando -se


22
a) Decadência do associacionismo. As doutrinas que evidência e primado do todo sôbre os elemen-
postulam esta assimilaçã o coincidem sensivelme nte com as que por colocar em
se chamam associacionistas, e que ordinàriam ente são mate- tos, quando o assotiacio nismo ensina o primado do elemento.
A consciência não é um mosaico; os "elemento s" que a análise
rialistas. Consistem essencialm ente em preconizar uma espé-
toma por objeto (sensações, sentimento s, imagens, volições, etc.)
cie de atomismo psicológico, isto é, uma tal concepção da cons- nã~ são átomos que existam isoladame nte, mas diversos aspec- ,
ciência, que esta possa explilar-se todo inteira a pa.r tir de f a- tos de um todo psicológico, que possui propriedad es distintas
tos elementares e simples, de átomos psíquicos, cujas diversas das partes que dêles podem separar-se , e que somente "existe"
combinações, governada s por leis absolutas, produziria m tôda na realidade. É, pois, sempre em função dêste todo que será
a realidade psicológica. CONDILLAC intentou ilustrar esta dou- mister estudá-las e defini-las.
trina com o exemplo da estátua que é despertada para a vida
psicológica por uma sensação simples (odor de uma rosa), e Fácil é reconhece r nestas consideraç ões recurso ao prin-
que, pouco a pouco, adquire, um após outro, o uso dos diversos cípio de finalídade : a parte não pode ser compreend ida senão
sentidos e, por comparaçã o e reflexão, o conjunto das noções e pelo todo, o que equivale a dizer que o determinismo psicoló-
funções psicológicas. "Tôdas as operações do espírito não são, gico deverá ser compreendido como um determinismo finalista.
pois, senão sensações transform adas". Está concepção encontra- Já sabemos que todo determinis mo, mesmo no mundo inorgâ-
nico, só é inteligível pela finalidade . Mas as ciências físico-
mo-la; sob diversas formas, em LocKE e HUME, em MILL e TAI-
químicas podem e devem fazer abstração desta finalidade .
NE ( associacio nismo), e, por fim, em SPENCER ( evolucionjsmo) , Aqui, ao contrário, ainda mais do que no nível puramente bio-
que reduz à sensação, ou elemento simples, a puro "ehoqt1e ner- lógico (1, 219), é rigorosam ente impossível pôr entre parên-
voso", que por sua vez é redutível a um fenômeno mecânico. A teses a finalidade , porque o ponto-de-v ista constante do psicó-
"química mental" imaginada pelo atomismo psicológico con- logo será explicar os fatos psicológicos pelf.s funções e estas
verte-se, pois, numa "física mental", e finalmente numa física pelo dinamismo total da vida psíquica.
pura e simples. 21
Propõem certos psicólogos, sob o nome de teoria da Ganzhe.it
b) Ponto-de-vista da forma. Observemos aqui que, se (totalidade ), uma concepção que leva até seus extremos limites o
42 ponto-de-v ista da Gestalt, sustenta-nd o que a sensação não é, de
o mecanismo puro já é ininteligível na ordem físico-química modo algum, uma operação distinta, mas sim pura abstração arbi-
(1, 212) com maior razão sê-lo-á no domínio da vida e no da trária, o que conduziria, a, partir d.e uma idéia justa, a negar a legi-
consciência.· Tôda a psicologia contempor ânea, ao refutar o as- timidade e mesmo a possibilidad e de uma análise dos complexos psi-
sociacionismo, demonstra a impossibil idade de encontrar a ex- cológicos. Ora, a idéia do todo não só não exclui, senão que implica,
necessàriam ente, a de elementos distintos (o que não significa de
plicação psicológica no caminho do puro mecanism o. Os teó- elementos independen tes e autônomos ).
ricos da Gestalt ou Psico_logia da Forma {KÕHLER, KoFFKA)
3. Dinamism o psicológico . Pelo fato mesmo de apare-
21 Cf. TAINE, De l'lnte!ligence , 2.ª parte, l. IV, c. III: "Constituída s cer como um determinis mo finalista, o determinis mo. psicoló-
por grupos de sensações elementares, as sensações totais repetem-se por suas ,gico é um dinamismo . O ponto-de-v ista da psicologia atomis-
imagens. Por terem a propriedade de ressuscitar espontâneam ente, estas ima- tica e associacio nista dos séculos XVIII e XIX era um ponto-
gens se associam e se evocam entre si, segundo sua maior ou menor tendên- de-vista estático, isto é, •que suponha a inércia dos elementos
cia a renascer, e dêsse modo formam grupos. Mais ou menos complexos, ês- e estava completam ente absorvido pela consideraç ão dos pro-
tes grupos, ligados às sensações e mi'1tuamente, formam, consoante a espécie
e o grau de sua afinidade ou de seu antagonismo, percepções externas, lem-
dutos da atividade psicológica, sem nenhuma preocupaç ão de
branças, previsões, concepções simples, atos de consciência propriament e estudar as causas e a natureza própria desta atividade. Por-
ditos. Enfim, os sinais que os resumem e os substituem formam idéias gerais que recorrer à "associaçã o" não era explicar coisa alguma, se
e, por conseqüência , juízos gerais. Tais são os materiais de nosso espírito, e tal a associação e suas diversas formas exigem por sua vez ser ex-
é o modo de se unirem uns aos outros. Da mesma maneira, numa catedral, os
últimos elementos são grãos de areia ou de silex aglutinadoi em pedras de
diversas formas; unidas duas a duas ou mais numerosame nte, estas pedras 22 Cf. P. GUlLLAUME, La Psvchologie de la Forme, Paris; 1937, págs. 21
formam massas cujo pêso se equilibra, e tôdas estas associações, tôdas estas e segs.
pressões ordenam-se numa ampla harmonia" .
OBJETO E MÉTODO UA PSICOLOGIA 57
56 PSICOLOGIA

1' plicadas. A psicologia deverá, pois, ser dinâmica e biológica, nismo a saber, a :,.oção '·de uma ordem de sucessão dos fenô-
1
isto, é deverá aplicar-se a estudar os fenômenos psicológicos meno; psicológicos, tal que cada fenômeno se explique por um
em suas relações com o conjunto do contexto psicológico; em antecedente como um efeito por uma causa, ou ao menos por
outros têrmos, com as necessidades e fins do indivíduo. 23 uma condi~ão necessária e suficiente. A uma investigação
propriamente Afilosófica c_oi:ipetirá ~efinir mais .ª. fundo a no-
,, ,, ção própria deste determm1smo ,acional, que utiliza para seus
Me DouGALL Insistiu multo sõbre êste ponto, mostrando como o fins os múltiplos determinismos do composto humano, e asse-
dinamismo psicológico e finalista. estão unidos. Pelo próprio fato gura a liberdade do querer. Mas desde já é suficiente notar,
de a psicologia reconhecer que o fundo da natureza está constituído por um lado, qu~ tôda decl:1-ração ~e inc~mpati~ilidade e_n~re
por tendências e Impulsos, há que admitir que esta nature7.a im- determinismo e liberdade nao poderia advir senao do pre3uizo·
plica necessària~ente têrmos dessas tendências, o que é a fórmula. filosófico que só admite um tipo de det~rminr:ção, a ~aber, o
de uma 1;0ncepçao finalista da vida psíquica. Psicologia hórmica
(opµf/ = 1m1_mlso, tendência) e psicologia finalista são, pois, rigoro- mecanismo,· e, por outro lado, que a psicologia experi:mental,
samente sino1_1lmas, e a finalidade é um fato tanto quanto o dina- que, como tôda ciência, temA por objet~ (I, 1f6) o geral e o abs-
mismo psicologico (cf. An lntroduction to Social Psychology, Lon- trato pode pôr entre parenteses, nao a liberdade como f cito
dres, 1928, pág. 408). psicoÍógico, mas sim o jôgo da liberdade na atividade psicológica.

4. FJ.Dalismo psicológico. O ponto-de-vista funcional e B . .Dois tipos de leis psicológicas


dinâmico esbarrou com algumas dificuldades para se fazer ad-
mitir, _em razão do finalismo que implica, por ser o finalismo, A discussão que precede leva-nos, pois, a concluir que em
as mais das vêzes, considerado como uma espécie de "misticis- psicologia há duas espécies gerais de leis: as leis de estrutura
)'
1 mo" anticientífico. É, porém, difícil imaginar opinião mais e as leis funcionais.
inexata. Uma psicologia completa deve recorrer ao mesmo
tempo às causas eficientes (ao jôgo mecânico dos órgãos e dos 1 . Leis de estrutura.. Estas leis respondem ao mecanis-
1'l

. i fenômenos) e à finalidade, isto é, às funções e necessidades: mo psicológico. Tendem a definir o como dos diversos com-
' Verdade é que certos funcionalistas (como às vêzes CLAPAREDE) portamentos humanos, isto é, a analisar os diversos elemento:a:
deram a impressão de descurar muito o estudo das estruturas. que entram em jôgo nos fenômenos psicológicos, e a determi-
Mas isto nada· subtrai ao que há de justo no ponto-de-vista fun- nar suas mútuas relações. A psicologia de laboratório, espe-
•1
cialmente, tende a limitar-se à determinação dêste gênero de·
cional, tão bem realçado por W. JAMES. De fato, êstP. ponto-
leis. Mas também é certo que por êsse caminho não lhe é possí-·
de-vista não exclui nem pode excluir as explicações mecanis-
vel obter perfeita inteligibilidade da vida psicológica.
tas ou estruturais, nem se opõe às outras psicologias: completa
o que elas oferecem, e dá um sentido aos fatos e às leis está- 2. Leis funcionais. Dizer que a atividade psicológica só,
ticas que elas podem descobrir. se explica verdadeiramente pela finalidade equivale a dizer que,
no próprio plano experimental, não será alcançada a inteligi-
44 5. Determinismo e liberdade. Ao determinismo psicoló- bilidade setUio recorrendo às leis funcionais. W. JAMES tentou
gico sói contrapor-se, às vezes, a liberdade humana, comô se pôr em evidência êste ponto-de-vista contra o atomismo asso--
determinismo e liberdade fôssem incompatíveis. Nisto há vá- ciacionista e formulou algumas destas leis funcionais. Como.
rios equívocos. Em primeiro lugar, a objeção claramente se estas leis dominam o conjunto da psicologia, vamos enumerá-
inspira na concepção cartesiana segundo a qual tudo o que é las desde já, segundo o quadro estabelecido por CLAPARED"F: em
consciência se reduz ao pensamento e exclui qualquer espécie conformidade com os trabalhos de JAMES (Revue Philosophiqu.e,.
de determinismo. Mas, se o psiquismo se exerce mediante os ó-1·- 1933, pags. 10-17).
gãos, como não haveriam estes órgãos de ter seu determinis-
mo própri-0? Por outra parte, o determiwismo não exclui a li- a) Lei da necessi,dade ou do ir.,,terêsse. Tôda necessidade·
24
berdade, do mesmo modo que esta não exclui certo determi- tende a provocar as reações próprias para satisfazê-la. A

2-t Necessidade e interêsse achnm-se unidos. O interêsse por uma coisa,


28 Cf. CLAPAR!l:DE, "La psychologie fonctionelle", in Revue Phílosophi-
, que, 1933, págs. 5-17. · resulta da necessidade dela.

1
,,,
58 PSICOLOGIA OBJETO E MÉTODO DA PSICOLOGIA 59

dificuldade que esta Lei poderia encontrar é que a idéia do ex- tanto mais ta'i'de quanto- mais cedo e por mais tempo sua con-
citante não intervém em sua formulação, o que parece excluir duta envolveu o uso automático, inconsciente, dêsse processo,
o ponto-de-vista estrutural. Mas, na realidade, é mais do que dessa relação ou dêsse objeto". É o caso de uma criança inca-
evidente a total impossibilidade de desprezar o excitante, visto paz de definir uma palavra que conhece muito bem, e cuja de-
ser êle que provoca a reação. Sàmente, há que notar também finição empregou antes de tomar consciência dela.
que nem todo agente físico é um" excitante", senão apenas aquê-
d) Le{ de antecipação. "Tôda necessidade que, por sua
le que "excita" efetivamente, isto, é, -que corresponde a uma
necessidade ou interêsse, atual ou latente. Um quadro de Rem- natureza, corre o risco de não poder ser imediatamente satis-
brandt despertará emoção num artista e deixará indiferente feita, aparece com antecedência". Esta lei permite explicar
numerosos fatos da vida psicológica. Em sua forma mais ele-
um campônio. Tal injúria desencadeará a cólera de tal pessoa
e não produzirá impressão nenhuma em tal outra, etc. Ora, mentar, ela é de experiência corrente: todos sabemos, com
na ausência de um ponto-de-vista funcional, o excitante só po- efeito, que a fome, por exemplo, aparece muito antes do mo-
derá definir-se em si mesmo, e não em função do sujeito, o que mento em que estaríamos a ponto de morrer de inanição por
é totalmente insuficiente, po:rque assim se torna impossível ex- falta de alimento. É justamente esta margem que permite ao
plicar como o mesmo "excitante" umas vêzes excita e outras indivíduo não se deixar surpreender.
não. O principal fator da explicação será, pois, à necessidade Poder-se-ia talvez explicar também por esta lei diversos
ou o interêsse do sujeito, porque a necessidade é que sensibili1a casos de premonição durante o sono, assinalados por FREUD.
o organismo, consoante a expressão de CLAPAREDE, em face Certos indivíduos são, assim, advertidos em sonho de um pe-
do excitante. rigo que os ameaça ou de uma enfermidade de que não têm a
menor suspeita em estado de vigília. A advertência proviria do
Não quer isto dizer que o excitante não exerça ja:mais uma organismo, e o sujeito notá-la-ia durante o sono em virtude
j ' função própria e autônoma. Assim, ninguém ignora que uma da ausência dos interêsses que dominam a vida psíquica em
'i galinha come mais quando se lhe distribui uma grande quan- vigília e que repelem as reclamações orgânicas que não assu-
'! tidade de grãos do que quando se lhe vai dando a mesma quan- mem forma violenta.
tidade em pequenas porções. Mas isto não altera nada ao va-
lor fundamental da lei da necessidade. e) Lei do interêsse momentâneo. "Em cada momento,
um organismo age segundo a linha de seu maior interêsse ",
47 b) Lei da extensão da vida mental. "O desenvolvimento isto é, é a necessidade mais urgente no momento considerado,
da vida mental é proporcional à diferença existente entre a3 é o interêsse mais intenso, que se antepõe a todos os outros e
necessidades e os meios de satisfazê-las". Quando esta dife- produz a reação. Por exemplo, uma môsca que se ocupa em
rença é nula, como acontece nos casos em que o organismo en- comer migalhas da mesa deixa de o fazer se a cobrirmos com
contra a seu alcance todos os meios de satisfazer a necessidade um copo emborcado: é como se o interêsse de liberdade ti-
(ar necessário à respiração), é nula a atividade mental. Ao con- vesse recalcado o de alimentar-se. CLAPAREDE (Esquisse d'une
trário, quando a diferença se torna considerável, a atividade th6orie biologique du sommeil) intentou explicar o sono por
mental realiza grandes esforços para inventar os meios de satis- esta lei e, assim, fazê-lo depender da vida mental, sem excluir,
fazer as necessidades. De uma aplicação desta lei procedem as bem entendido, seu mecanismo biológico.
antecipações de COURNOT 25 sôbre a estagnação mental e moral f) Lei do menor esfôrço. "Um animal tende a satisfazer
da humanidade enfastiada de bem-estar graças ao progresso da uma necessidade segundo a linha da menor resistência".
técnica.

e) Lei da tomada de consciencia. "O indivíduo toma C. Valor das leis psicológicas
consciência de um processo, de uma relação ou de um objeto Sejam estruturais ou funcionais, as leis psicológicas nunc!I.
poderão oferecer a precisão das. leis físico-químicas, precisão
25 Cf. RUYER, L'humanité de l'avenir d'apres Cournot, Paris, 1930. que, aliás, fica sendo aproximativa (I, 203).
1

1
60 PSICOLOGIA OBJETO E MÉTODO DA PSICOLOGIA 61

1. Fatôres de contingência. Em primeiro lugar, pode- ou impllcitamet'ite, organizam-se em tôrno_ de ur~a hipó-
mos muito bem pôr entre parênteses os fatôres de contingên- t gênero mas não raro com o mconvemente de
t ese d es e , . . · ·t 1·
A

cia que agem nos indivíduos (liberdade, singularidades de ca- que as hipóteses iniciais - ma!er1ahsmo_, despin u'.1- ismo, etm-
ráter, complexidade extrema dos fatos psícológicos concretos) ; pirismo, racionalismo, etc. - sao demasia o gerais. e va~ as,
nem por isso, entretanto, êstes fatôres existem menos ou ex- ou, se se preferir, demasiado afasta?a:s dos fdatos ~sicolófc~r
cluem que as lei;, psicológicas sejam outra coisa que leis de ·, Precisamos de um quadro, mas con~iria que_ e ~er o mo" o e e
médias. fôsse sugerido pela realidade experimental imediata.
Sôbre êste ponto, formula Me DouGALL j~stas observações iAn
2. Incertem dos resultados métricos. Por outra parte, outline of Psychology, págs. 10-11). Ad".erte ele_ q~e a. simples c1:i,s-
sendo os fatos psicológicos de natureza qualitativa, são em si ·ncação dos fatos já implica uma teoria ou h1potese. com_ efeito,
mesmos rebeldes à medida. Sem dúvida, é possível medir cer- :ão é possível classificar os fatos senão sôbre a base de. noçoes gE:-
tas condições ou certos efeitos fisiológicos. Todos sabemos, rais e abstratas (classes ou espécies). Mas, além disso, ha que a~i-
tir a legitimidade, e mesmo a necessidade, de hipóteses explicativas.
porém, como são limitadas as possibilidades dêstes métodos e o horror a tais hipóteses, declara com desembaraço Me Dol;GALL,
incertos os resultados métricos que se obtêm. A matematiza- não é senão «mera ignorância e pedantis~o~. Porque as hipoteses
ção do psíquico não é, pois, simplesmente uma hipótese quimé- estão necessàriamente implicadas na descriça~ ~os fatos. «Desc~e-
rica; é uma pretensão absurda. 26 ver e explicar não são procellsos realmente d!~tmto1». O essenc1~l
será unicamente distinguir o que é dado experimental e o que hi-
Com efeito, a pretensão· ao rigor físico-químico provém de pótese e estar sempre disposto a modificar ou abandonar a hipotese
um êrro fundamental assim sôbre a natureza do dado psicoló- explic~tiva. sob Jais con~i_ções, htip_ó~be~~clia~da a descoberta, sim-
plifica a descriçao e facilita a m e11g1 11 a e.
gico como sôbre a natureza das leis. De fato, as leis psicoló-
gicas, na sua própri.a "imprecisão", são autênticamente leis, en- 2. Dualismo psicológico. Já observamos ( ~1-49) que a
quanto definem relações constantes entre determinados ante- experiência psicológica se nos impõe de modo evidente sob a
cedentes a conseqüentes. Quanto ao fato de estas relações não forma de urna totalidade e de um dinamismo. 11:st~s. espec~os
se traduzirem em fôrmulas métricas, é coisa normal e até ne- da realidade psicológica não são construções do. espiri~o, ~1m
cessária, uma vez que o domínio destas relações não é mensu- dados que se encontram em todos os gra_?s da vida psicologica.
rável. Estas .leis têm, pois, tais quais, na sua própria "impre- Podemos, assim, partir dêsse fato co:11 tod~ seg~ranç~, tentan-
cisão", tôda a precisão e exatidão que lhes convém. Dito de do precisar ainda mais a natureza desse dmamismo mterno.
outro modo - o que é uma evidência que não haveria por que
sublinhar - sua precisão é psicológica e não fisica. Vamos encontrar a precisão buscada sem_ deixa~mos o ter-
reno da experiência. Com efeito, a observa~ª.º mais ~omu~ e
corrente nos ensina, por um lado, que a ativ~dade psicoló,g1c_a
§ 7. A HIPÓTESE está constantemente ligada a fatos de conhecimento, e até d~-
rigida por êles; e, por outro, que, sen,do os fatos de conheci-
49 1. Necessidade da hipótese. Já notamos (20) que as mento simultâneamente de ordem sens1vel e concre~ -~perc_e~-
leis psicilógicas, para se organizarem inteligivelmente, têm ne- , ções, imagens), e de ordem intelectual e abstrata (ideias,, J?-1-
cessidade de entrar num quadro geral. Do contrário, forma- zos), a esta dualidade cognitiva correspondem d~as especi~s
riam uma multiplicidade desprovida de todo vínculo interno. de atividades: uma atividade sensível, versante sobre a reali-
A hipótese é, pois, necessária em psicologia, não só, como em dade sensível, e uma atividade intelectual, incidente sôbre ob-
tôdas as ciências indutivas, a título de antecipação das leis par- jetos imateriv,is e abstratos.
ticulares (/, 199), senão também como princípio de unificação
e de inteligibilidade, tal qual como as teorias nas ciências fí- 50 3. O sujeito psicológico. Até aqui não ª?ª.n~onamos 0
sico-químicas (I, 204). De fato, tôdas as psicologias, explícita terreno dos fatos tal como no-los apresenta a div1sao, que to-
do& os tratados d~ psicologia propõem, do dado ~si~ológico e~l
26
fatos de representações e em fenômenos de tendencia e de ati-
Cf. as observações de HUSSERL em Jdées directrices pour une Plté-
noménologie (trad. de RICOEUR) , Paris, 1950, t. I , págs. 235-239. vidade (instinto, vontade).
OBJETO E M~TODO DA PSICOLOG IA 63
62 PSICOLOGIA

tema nervoso) e a forma geral (hábito) da vida psicológica,


A partir dêste ponto é que devemos formular uma hi pó- teremos de tratar sucessiva mente da vida sensível e da vida
tese, sugerida , aliás, pelos fatos preceden tes. Exige, com ef ei-
intelectu al, e, em cada uma destas partes, dos fatos de conhe-
to, o dinamism o psicológico que o refiramo s ao mesmo ternvo
cimento e dos fatos de tendênci a ou de atividade . A determi-
a duas fontes ou dois princípio s distintos , porquant o êste di-
namismo reveste duas formas distintas e irredutív eis, e que nação dos fe,lômenos e das leis empírica s destas duas ordens
" lhe encontre mos, debaixo dêstes dois aspectos, um único fflt- de fatos subminis trar-nos- ão os elemento s necessári os para o
jeito comum, visto que estas duas atividade s agem e reagem estado do sujeito psicológico, primeiro como sujeito empírico ,
constante mente uma sôbre a outra, e têm, de fato, os mesmos e, ·depois, como sujeito metafísic o, constitui ndo êste último es-
objetivos, porém considera dos sob aspectos distintos. A pró- tudo o que se convencionou denomin ar a psicologia racional.
pria diversida de das funções, por seu jôgo contrasta do e coor- Daí o seguinte quadro do conjunto da Psicolog ia:
denado, implica a unidade profunda do sujeito.
Que é, porém, êste sujeito? Não temos por que tomar par-
tido aqui por uma ou outra das soluções da psicologia filosó- Objeto e método d.a
fica. Estas soluções só poderão justificar -se pelo conjunto da psicologia
Condições fisiológica s
psicologia. · Não buscamo s senão um "sujeito empírico ", e não INTRODUÇÃO . • • . • • • • • . . . . • • • • • . . • • • . • . • • . •
. gerais da vida psí-
um "sujeito metafísic o". Ora, sôbre êste ponto encontrammi
uma solução muito simples e muito plausível na espontân ea
concepção do sentido comum, que invoca como princípio único
1 quica
O hábito

das diferente s atividade s psíquicas a "alma", isto é, o princípio


imaterial , que se supõe assim ao mesmo t empo uno e formal-· Condições !ensoriais da
mente diverso (funções do espírito, funções da vida vegetati- Conhecim ento
percepçao
va e sensível) . Podemos adotar esta concepção sem lhe atri- sensível
A percepção
buir um sentido metafísic o, e só a título de hipótese sugerida { A imaginação
A memória
pela experiên cia imediata , e com êste significa do, a saber: que
o conjunto da .vida psicológica é governad o por dois princípio s A VIDA SENSÍVEL ••• , •• O instinto
distintos, um dos quais, tendo por objeto o real sensível, é ori- Tendência s e inclina-
entado e dirigido por outro princípio , que se refere ao aspecto Atividade ções
abstrato e imaterial das coisas. 27 sensível Prazer e dor

Tal é a hipótese que vai proporcio nar-nos o quadro do con- 1 Emo~õ~s, sentimentos e
paixoes
junto das leis psicológicas, estrutura is e funciona is, mas que
só se imporá como definifiv amente válido na medida em que
as leis se esclareça m fácil e harmonio samente por êle. Compe-
tirá, posterior mente, à chamada psicologia racional dar um
sentido propriam ente filosófico a esta hipótese inicial, justifi- ~~~~en to em ge-
cá-la do ponto-de -vista do ser inteligíve l (I, 11). ral
Conhecim ento A idéia
intelectua l O juízo
A
{ A crença.
ART. III. DIVISÃO DA PSICOLO GIA VIDA INTELECTU AL •••
O raciocínio e a razão

51 As subdivisões da Psicologia ministra- no-las a hipótese ge- A vontade


ral que compõe o quadro do nosso estudo. Por consegui nte, Atividade
depois de havermo s examinad o as condições fisiológicas (sis- voluntári a { A liberdade

27 Cf. J. DE LA V AISSIERE . Eléments de ps,Jchologie cxpéTimen tale,


II, págs. 145 e segs.


PSICOL OGIA

O eu e a person alidade
O sujeito
empíri co { A consci ência

'l'• CAPÍTULO II
0 SUJEIT O PSICOLÓGICO Nature za da alma hu-
mana
O sujeit o, União dia alma e do
metafí sico corpo CONDÍÇõES FISIOLóGICAS GER A~ DA VIDA
!
Origem e destino da
alma
PSICOLóGICA

SUM ÁR/0 1

TECIDO NERVOSO. Morfol ogia nervos a. neurôn Os elemen tos.


Art. I.
dos ios e da,s
União dos neurôn ios. Proprie diades
nervos as. Condu tibilid ade. Metall olismo . Excita -
fibras reflexo s
billdad e. Reflex o. Noção. Reflex os absolu tos e
adquir idos. Determ inismo . Sinerg ia vital.
. Trajet o de
Art. II. SISTEMA NERVOSO. Trajet o da sensib ilidade ções. Sis-
partid a e de conduç ão. Proble ma das localiza de CHARooT.
tema frenológico de GALL. Sistem a de BROCA e ção. Estru-
Estado atual das investi gações . Telenc efallzasuperi ores.
tura e função . Localizações das funçõe s

A mais eleme ntar observ ação demo nstra que a vida


psico-
52 a por órgão s
lógica, em tôda a sua extens ão, está condic ionad
ente perceb e que
mais ou meno s complexos. A crianç a fàcilm órgão s: a
suas percepções depen dem do funcio namen to de seus a sen-
visão depen de da abert ura ou da oclusão das pálpe bras; de ob-
e de calor, da palpaç ão do corpo ou
sação de resist ência
to de um
jetos extern os; a sensaç ão de queim adura , do conta nos ensi-
órgão com o fogo, etc. Exper iência s mais compl exas
estado s so-
nam que os estado s afetiv os estão ligado s a certos
nta o movim ento do coraçã o, o mêdo
mátic os: a emoção aume de eufor ia;
parali sa os memb ros, o praze r cria um estado geral
,· certos medic ament os ou venenos excita m ou debili
tam a me-
mória , etc. Prova m, adema is, as pesqu isas cientí ficas que as
t •(>

1938. J . LHERM IT-


1Cf. J . LEFJl:V RE, Manuel critiqu e de biologie, Paris,
smes du cerveau , Paris, 1987. DUMA S, Noveau Traité de
TE, Les mécani
s conditi onne!s, trad. fran-
Psycho logie, t. I, Paris, 1930. PAVLO V, Les réflexe n du temps; la chro-1
cesa, Paris, 1927. L. LAPIC QUE, L ' excitab ilité en fonctio
et sa mesure , Paris, 1926. La machin e nerveu se, Paris,
na:rie, sa //Ígnification
1944. M. MINKO WSKI,
1942. R. COLLI N, L'organ isation nerveu se, Paris,
a, Paris, 1927. H. BERGS ON,
L'état actuel de l'étude des réflexe s, trad. frances
Paris, 1923. P . CHAU -
•atiere et.Mém oire. PIÉRO N, Le cervea u et la pensée, 1949. GOLDS TEIN, La
CHARD , L'influ x nerveu x et la Psycho logie, Paris,
structu re de l'organ isme, Paris, 1951.

:i'.,.c.,;
66 PSICOLOGIA
CONDIÇÕES FISIOLÓGICAS GERAIS DA VIDA PSICOLÓGICA 67
secreções internas (glândulas endócrinas) produzem efeitos
mais ou menos extensos sôbre as funções psíquicas, e, sobre- zadas pelas arborescências terminais dos neurônios, parecem modi-
tudo, que tôda a vida psíquica está em muito estreita dependên- ficáveis, em razão das diversas maneiras como se entrelaçam estas
cia do sistema nervoso. O estudo da psicologia implica, pois, arbOrescências. 3
para ser completo, que se tenha noção _tão exata quando possí- b) Indiferença funcional dos neu-
vel das condições fisiológicas gerais âe seu exercício, isto é, rôntos. Trata-se agora de saber se, ao
das funções do s~~ma nervoso. atravessar as células nervosas e'as ar-
ticulações sinápticas, o influxo nervoso
sofre uma transformação, de modo que,
A.RT. I. O TECIDO NERVOSO conforme os casos, se converta. em
sensorial, motor ou secretor. Numerosas
53 Todo organismo vivo acha-se normalmente sob a influência. da experiências parecem demonstrar que
ação nervosa. Dai a importância da descrição do tecido nervoso e os neurônios não possuem específicida-
de suas propriedades. 2 ct~ funcional própria. Todo neurônio
i pode ser sensorial, motor ou secretor,
§ 1. MORFOLOGIA NE:.RVOSA conforme os elementos sensoriais, mus-
culares ou glandulares funcionalmente
1. Elementos. Distinguem-se os centros nervosos (cérebro, diferenciados a que está unido. Sua
bulbo, medula) e os neroos. Ao longo dêstes últimos estão os nós função seria, pois, manltestar proprie-
ganglionares. Centros nervosos e nervos compõem-se de dois ele- dades que êle não possui como suas. Daí
mentos anatômlcos: células nervosas (que formam a substância. A . se segue que seria possivel modificar as
cinzenta. dos centros e dos gânglios) e as ftbras nervosas (que for- r eações nervosas simplesmente mudan-
mam a substância branca dos centros e dos nervos). De fato, êstes do a direção dos neurônios. Assim, por
dois elementos reduzem-se à célula nervosa, visto não seri:m mais exemplo, pode-se provocar a salivação
que suas ramificações. suturando a extremidade central do
hipoglosso, motor da llngua, com a ex-
2. O neurônio. A célula nervosa é um corpo multipolar com Fig. 3. Esquema do neurônio. tremidade periférica da «corda do tim-
um grande núcleo claro, sem membrana distinta, que tem em sua pano» (nervo cujas fibras terminam na
periferia nwnerosas arborescências protoplamáticas (dendrites), bem D = dendrites; A = ax6nio; glândula submaxila.r): a excitação do
como um prolongamento perpendicular à sua superficie (clllndro- C =
ligamento cônico do hipoglosso. provoca não mais o movi-
eixo ou axônio), que termina, por sua vez, em filamentos arbores- ax6nio mento da língua, porém, a salivação.
centes. Jí: êste conjunt.o que se denomina um neurônio (fig. 3).

3. União dos neurônios. § 2. PROPRIEDADES DOS NEURÔNIOS E DAS FIBRAS NERVOSAS

a) Ststema sináptico. O neurônio, em sua complexidade ana- 55 A excitação é produzida pela ação de um, objet,o físico que entra
54 e~ _contat,o com um órgão sensorial. Ao receber a excitação, o neu-
tômica, constitui um sistema muito dtferenciado, cuja função é re-
ceber, por suas dendrites, a excitação fisiológica e trarnsmiti-la por roma age como condutor por seu prolongamento, que é a, ftbra ner-
seu cilindro-eixo (axônío), e assim determinar as reações necessé.- vosa, cuja atividade manifesta. as propriedades do neurônio a saber
rlas à vida. A transmissão da excitação no neurônto faz-se P.elas (restringimo-nos às principais), a condutibilidade, o metabolismo e
flbrilas periféricas que penetram na célula e -no núcleo e passam ao a excitabilidade.
axônio. A transmissão da excitação <De um neurônio a outro re-
presenta um problema ainda obscuro. Diversas teorias explicam
esta transmissãQ;; pela continuidade das fibras ou das fibrilas. Exis- 1. Condutibilidade.
tem, porém, aí multas dificuldades, sendo a principal que estas hi-
póteses se chocam com a lei citológica, bem estabelecida, segundo a) A onda ne.rvosa. A condutlblUdade é um fato evidente. O
a qual os elementos nervosos conservam, como todos os outros ele- que, porém, a fibra nervosa está. apta. a transmitir não são de modo
mentos, sua individualidade celular própria. Pareceria, antes, se- . algum, as qualidades sensíveis (luz, som, calor, etc.), mas u~a «onda
gundo as experiências de RAMON Y CAJAL, que o sistema nervoso é nerv_?Sa>, que é a mesma para todos os nervos e é uma transfor-
composto de neurônios distintos Independentes, unidos entre si não maçao fisiológica das qualidades sensíveis, operada pelos órgãos sen-
por continuidade, mas por contigüidade, a saber, por um jôgo de soriais. Nem a luz, nem o som, nem o calor, nem o odor circulam
articulações chamadas sinapses. Com efeito, as articulações, reali-
8
M . J . LEFJl:VRE, ob. cit., pág. 321, observa ciue assim se explicaria bem
0
2 J. LEFÉVRE, Manuel critique de biologie, Paris, 1938, págs. 307 e segs, proces~o da formação do hábito pela repetição do ato inicial uma vez que
• os neurôqios só se encadeiam p;ogressiva e lentamente. '
CONDIÇ ÕES FISIOLÓ GICAS GERAIS DA VIDA PSICOL ÓGICA 69
68 PSICOL OGIA

ae natu-
uma um órgão
Nos sêres superio res, estas três funçõe s possuem cada sensor
nervos a
ao longo das vias nervosa s; só circula uma onda ial; para
diferen ciado, a saber: para a excitaç ão, um ó'rgão a execuç ão da.
reza desconhecida. 4 a elabora ção da reação, um centro nervoso ; e, para lllstes órgãos
b) Velociooded,a, condução. Esta velocidade, medida por reação, um órgão funcion al (músculos, glându las).eto ou aferen te
é aproxi madam ente de 0,25 m por segund o nos nervos estão unidos entre si por dois nervos, o 7Z,e,1'W}- centríp e funcio nai
HEIMHO LZ,
os e mo- e o nervo centríf ugo ou eferent e. O conjun to orgânic o
motore s da rã, e de 30 a 40 m para os nervos sensitivo, da onda forma o que se chama um reflexo , o qual se definir á, portan
to, em
tores dp homem . A assimil ação que às vêzes se tem propost , que consiste no fato
lado, em sua forma simples, como um fenôme no nerv6soem
nervos a com :a ondru elétrica , parece pouco provável, por um (300.000 km de uma excitaç ão provoc ar a,utom àticame nte,
virtude das cone-
razão da enorme diferen ça das respect ivas velocid ades inado (contra ção
dade), e, por outro, em1 virtude de xões estabelecidas, reação de um género determ
por segund o para a eletrici esfria- muscul ar, secreçã o) (fig. 4).
uma experiê ncia que demon stra que uma lesão ou um forte , mas não
mento do nervo impede a passag em do influxo ,nervoso
o da eletrici dade. 1

56 2. Metabolismo. O metabo lismo define- se pela lei geral


ex- ,'.
"I·

pressa sob esta forma:


calor
Energia cinética e).etricid ade
Energia química Energicr fisiológica { trabalho

energia
Observemos aqui que cumpre .disting uir nitidam ente a ner-
própria do neurôn io, que é a do seu metabolismo, do influxo (por
voso que provém de outro neurôn io ou de um objeto interno
interm édio de um órgão sensori al) .

3. Excitab ilidade . Fig. 4. Esquem a do reflexo.

a) Excitan tes. Podem -se dividir os excitan tes em naturai s (os = nervo a·ferente (ou centrí-
o = órgão senwria l que recebe a excitaçã o;
a
que são natura lmente proporc ionado s ao órgão osensori al: a luz e o
etc.) e em peto); c = centra nervoso que elabora a reação; e = nervo eferente (ou
calor para a retina, as vibraçõ es sonora s para ouvido,
que não estão di- centrífu ga); r = órgão funciona l, que executa a reação.. (O reflexa não
artifíc·iais (os que excitam: diretam ente um nervo a
e vir").
A ele- tem a forma de arco, como na figura, mas a de um· "ir
retame nte proporc ionado s: choque, anestes ia, eletrici dade).
com maior
tricida de é o excitan te artifici al que permit e estuda r 2. Reflexo s absolut os e reflexo s adquiri dos.
precisã o a nature za da excitação. os que o
a) Distinç ão dos dois tipos d,e reflexos . Já indicam
b) Nature za da excitação. Fixemos aqui, em primeir
o lugar, órgão sensori al, que recebe a excitaç ão, transfo rma o excitan te fí-
ico. A.
que a excitaç ão do nervo cresce propor cionalmoente ao número de sico (luz, côr, som, calor, choque, etc.) em excitan te fisiológ , coisa
fibras nervos as excitad as, e, em seguida, que nervo tem a sua impress ão produz ida no órgão pela. excitaç ão é, evident emente
cronax ia própria , e que a cronax ia reflexa do nervo sensitiv o (rea- a. Os reflexos:
tota.Zmente distinta dia; sensação, ativida de psíquic
ção) é igual à cronax ia motora (excita ção) (1, 433). automá tica::
medula res (ou simples) execut am-se de maneir a quase mente; ao.
ao tocar o fogo, a mão retira-s e por si mesma brusca luz muito
§ 3 . Ü REFLEX O tropeça rmos, lançam os as mãos para a frente; ante uma ado de-
(I, 419) que viva, as pálpeb ras se fecham ; um ruido violento e inesper
57 1. Noção do reflexo. Demon stramo s em Cosmologia termin a mçvim entos variados, etc.
a irritabi lidade é a proprie dade fundam ental da vida, sob as três
o desta.
formas de excitação, de elabora ção da reação e da atuaçã Todavi a, pode muito bem a excitaç ão não se gânglio limitar aos dois
ios do arco medula r (neurôn io sensitiv o, no raquid ia-
neurôn por derivaç ão
no; neurôn io motor, no côrno anterio r) , mas atingir
ações, parecer ia respost a uma reação,
• A onda nervosa , entretan to, segundo certas investig os centros cerebra is, e, nesse caso, sofrer como
te, porque aos conduto s ner- is; e, se se trP. tà
não automá tica, porém de forma e eficáci a variáve
ser um processo físico e quimico simultà neamen
de tempera tura ao cons-
vosos em estado de excitaçã o verifica -se uma elevação
de oxigênio , e, após o influxo de sujeito s intelige ntes, pode ser coman dada por uma decisão onai's (ou
ciente do sujeito . Denom inam-s e tais \reflexos condiói
mesmo tempo que um aumento do consum o
carbôni co (cf. J. LHERM ITTE, Les méca-
nervoso , uma eliminaç ão de ácido condici onados ) ou ·adquiridos.
nismes du cerveau , 1937, pág. 26) .

' .

'
70 PSICOLOGIA
CONDIÇÕES FISIOLÓGICAS GERAIS DA VIDA PSICOLÓGICA 71
58 b) Experiências de Pavlov. Estas experiências, fundadas na
coincidência espácio-termporal de um excitante absoluto (ou na,tural) b) A sinergia vital. O fato da unidade do ser vivo isto é da
e de um excitante iniciaJmente indiferente, consistem em associar o coordenação de suas múltiplas atividades, é evidente. Mesmo 'nas
movimento simultâneo de dois órgãos sensoriais de tal modo qufl, e~pécies inferiores, n~s metazoários, em que a orgàhização está pró-
quando um e-stá excitado, o outro entra automàticamente em função. xrma ao tipo colonial, mesmo no ouriço-do-mar que segundo
Assim (reflexo salivar já estudado por CLAUDE BERNARD), acostu- UEXKÜLL, aparece como uma «república de reflexos» é possível obser-
;, ma-se um cão a ouvir um som determinado coo.a vez que se lhe var certo_ grau de IUlific~ção in~ividual. Esta org~nização sintética
! apresenta um alimento; no fim de certo tempo, a só emissão do
som basta para provocar nêle a reação salivar. Daí conclui PAVLOV
das funçoes torna-se_ mais e m-ais rigoros,a à proporção que nos ele-
_vamos na es~ala animai. Porém já ao nível do arco reflexo afir-
que estas experiências modificam grandemente a antiga concepção n:i~-se o carater coordenado, finalista, da atividade vital. Expe-
segundo a qual o sistema nervoso se limitava a repetir mecânica- nencia, muito conhecida, de PFLUEGER demonstra que se cortarmos
mente reflexos elementares invariáveis. De fato, o sistema nervoso a pata com a qual uma rã descerebrada esfrega um ~nto do dorso
parec,e capaz de inventar indefinida.mente novos reflexos e de orientar a outra pata encarrega-se da e:x:ecução do reflexo. o orgatnism;
por vias sempre novas a atividade nervosa. 5 comporta_-s-e como. um todo, e para compreender êsse comporta-
mento ha_ que partir do todo e não dos elementos. De mais a mais,
é bem evidente que, ~e os reflexos simples devessem acrescentar-se
59 3. Comportamento reflexo. Muitas vêzes deparamos com o unJ aos outros, jama1S se daria a organização, visto esta exigir a
determinismo mecanicista e discutimo-lo do ponto-de-vista experi- açao conce7:tada. de numerosos ~eflexos. A criança que devesse apren-
mental (i, 430-433). Acrescentaremos aqui, do ponto-de-vista histo- der a cammhar segundo o metodo associacionista nunca daria um
fisiológico, três observações capitais: passo.
a) Contingência das resposúzs. Notemos em primeiro lugar que A priori,_ poder:se-ia Ja supor que esta unidade ou unificação
só existe determinismo absoluto ao nível da vida vegetativa (isto é, tem seus meios organicos. É o que prova experimentalmente a des-
dos reflexos medulares ou reflexos simples e absolutos), e que, ao coberta dos ~eurônios de associação nas regiões medular bulbar e
chegar à vida sensível e própriamente psíquica, êZe dá lugar a um ce~ebral. _ E:xistem na ~ed~la neurônios transversais, qu~ unem os
sistema em que a contingênciaJ desempenha papel considerát-/el, gra- d?is neu~omos motores simetricos no mesmo plano, e neurônios lon-
ças às articulações sinápticas (54) e às combinações que se produ- D!tJ:dinais, qu.e se _comportam como braçadeiras. No bulbo, os neu-
zem nos centros cerebrais.. Pelo fato de as reações reflexas deverem ron~os ~e associaç_ao unem entre si, sob forma de braçadeiras, todos
formar parte do conjunto das atividades vitais, estas reações admi- os 1:euronios fu:icionais elementares, cujo conjunto coordenado cons-
tem grande margem de variabilidade. Não mais estão submetidas titui wna funçao básica (respiração, circulação, etc.) . Enfim, en-
ao único fator do estímulo externo, mas sim aos múltiplos fatôres contro,m-se no cérebro em grande número, e sob formas ext!rema-
que governam a atividade vital (atenção, habilidades adquiridas, mente ·t1arria_da.s, neurônios de associação que ligam entre si todos os
lembranças, interêsses, vontade, etc.), e por isso mesmo podem pro- ponfos do cortt(}e cerebral e condicionam as orientações mais diversas
duzir-se ou deixar de fazê-lo, produzir-se mais ou menos depressa, e ~ao conta, outro~im, especialmente quando se trata de neurônio~
bem como (caso dos reflexos condicionados ou da transposição por urudos, da !ormaçao (pelo exercício) dos automatismos funcionais
associação) produzir...se na ausência da excitação normal. psíquicos, tao numerosos, a que ordinàriamente se chama talentos.
A contingência das respostas cresce à medida que nos elevamos c) Ponto-de-vis't!z da estrutu?:ª· Todo êsse mecanismo que aca-
na escala animal. O instinto, como veremos, já supõe notável mar- bamos de descrever nao pode ser, ele mesmo considerado senão como
gem de variabilidade; _ com a inteligência, esta margem au- uma condição, e _não como uma causa., ao' comportamento reflexo.
menta imensamente. Daí se segue que tôda negação da liberdade Numerosas experiencias estabeleceram que o efeito da excitação de-
humana que pretendesse fundar-se no determinismo histofisiológico pend~ de sua relação com o conjunto orgânico, assim como das ex-
não passaria de pura e simples petição de princípio. 1itaç9es simultâneas ou precedentes; que os limiares do reflexo são
unçoes do estado geral do sistema nervoso, e que o seu funciona-
~ento impli~a uma elaboração central em que se exprimem as exi-
5 I. P. PAVLOV, Les réf!exes conditionnels, pág. 55: "Ao passo que a g nciai; vitais do organismo inteiro; e, finalmente, que o funciona-
constituição do sistema nervoso, tal como até aqui era conhecida, só admitia :ep-t01 reflexo das re~postas tem algo de geral e, como tal, de irre-
pequeno número de excitantes invariáveis, com um vínculo constante entre u ~ve a um mecanismo cego, a uma soma de seqüências causais
um fenômeno exterior dado e a atividade fisiológica resultante (reflexo es- ~n;o~~ma~. Nem ºJ neurônios transversais, nem as sinapses, nem
pecífico dos clássicos), hoje conhecemos, nos reflexos superiores do sistema
8
P er e r~ulaçao das cronaxias» podem, portanto, passar como
nervoso, um fator nôvo: o excitante condicional. Por um lado, o sistema enro expllcaçoes adequadas da prodigiosa variabilidade do com-
nervoso manifesta-se-nos agora sensível no mais alto grau, isto é, acessível por f~ento reflexo, porque restaria ainda explicar como entre todos
às mais diversas manüestações do mundo exterior; por outro lado, porém, ~~u~fe:~~s união possíveis, ~ó. sejam realizados, ordinàriamente,
1
d
êstes inumeráveis excitantes não são constantemente eficazes, não estão li-
gados uma vez por tôdas a uma reação fisiológica determinada".
tão Ion J em um valor_ biologico. O poder de combinação está
ge e ser uma soluçao quanto é a própria forma do problema
a resolver.
CONDIÇÕES FISIOLÓGICAS GERAIS DA VIDA PSICOLÓGICA 73
72 PSICOLOGIA
e produ z a
onar a concepção xos, até as célula s talâm icas e cortic ais do cérebr o, como tal,
Para resolver êste proble ma, é de mister aband sensaç ão propr iamen te dita, isto é, consc iente. Esta,
atomís tica que desde PAVLOV inspiro u a teoria do reflexo e, síngul ar- ta da como-
tia em supor que os convé m repeti -lo, evide nteme nte é coisa bem distin
mente a do reflexo condicional, e qu.e consisum, condiç ão fisioló gica : entre
a
difere ~tes reflexos deviam corres ponder , um senão
a circuitos espe- ção nervo sa, a qual não é senão a sua
a soma dos exci- enos existe tôda a difere nça que há entre um
cializados que o excita nte complexo não é explicado pela
êstes dois fenôm
tantes si~ple s, e que o compo rtamen to reflexo ficaria fato mater ial e outro psíquico.
anális e dos elemen tos que êle põe em movim ento, segundo o modêlo 1

do processo eleme ntar (puro artifíc io de labora t~rio} que asso~ia


realtda de aparec e m- § 2. PROBLEMA DAS LOCALIZAÇÕES
uma reação simple s a um processo isolado. deA qué, o organi smo reage
finitam ente mais complexa, e impõe a idéia: nasce u do
como um todo, e de que o sistem a nervos o
só conhece processos 62 O famos o proble ma das localizações cereb rais
ca, redu-
globai s definív eis em têrmos de estrutu ras. Verem os, notada mente
êste ponto- de- desejo de esclar ecer a nature za da ativid ade psíqui geral,
no est~do da percepção, que tôda a psicologia impõe e, de sua pre- zindo-a às suas conbin ações fisioló gicas. Sob esta forma
vista, que é própri ament e o da wiidad e real do vivent êste proble ma (mesmo resolvido) não passa de uma de acôr-
petição de
sença total a si mesmo. o princí pio de natur eza filosófica, que consis te em pôr-sede deter-
do com tudo o que está em discussão, como se o fato ade psí-
ART. II.O SISTE MA NERV OSO minar com precis ão as condições fisiológicas da ativid ade. O
ex- quica troux esse a1guma luz sôbre a essênc ia desta ativid e tra-
,1
61 órgão de equilíbrio, de proteç ão contra · as influê ncias proble ma, entret anto, pode ser legltim ament e abord preoc upa-
ado
regula ção, o sistem a nervo so, co~p? s- gico, sem
ternas , de adapt ação e de smap- tado do ponto -de-vi sta puram ente fisioló
nios, unido s sob a forma Sob êste
to de infini to núme ro de neurô
compreen- ções, secret as ou confe ssadas , de natur eza metaf ísica.
tica às múltip las combinações anteri ores descri tas, outros - ponto -de-vi sta é que vamos resum ir-lhe os eleme ntos essenciais.
de centro s, dispos itivos e vias-d e-cond ução. Divide -se,
solidá rias: o sistem a cérebr o- 1. Sisrema. frenol ógico de Ga.11. Êste sistem a,
totalm en-
sim em duas partes distin tas e -yeget a- gem corren te um vocá-
dirige as funçõ es de relaçã o, e o sistem a te inven tado, empre sta ainda à lingua
espina l, que vida ve- duo tem "a bossa das
coman da as funçõ es da bulári o completo. Afirm ar que um indiví
tivo (gran de simpá tico), que ita (e totalm ente ino-
getati va. matem áticas " é uma referê ncia implíc
faculd ades
en- cente !) à célebr e teoria de GALL, segun do a qual as
Não temos que descre ver aqui a anato mia prodig iosam psíqu icas teriam localizações cereb rais defini das, visíve is do
nal (medu ~a é~p_in a\ b1;1lb_o
te complexa do sistem a cérebr o-espi . limi- exteri or graça s saliên cias e depre ssões da caixa crania na.
raquid iano, cerebelo, céreb ro) e do gra~d ~ s1mp_a~1co;g1a ner- Ningu ém mais segue o sistem a de GALL; a idéia,
porém,
tar-no s-emo s a assina lar os ponto s essenc 1a1s da fis10lo iores sôbre as lo-
divers as que o inspir ou gover na todos os estudo s poster
vosa sistem ática. Ji:stes ponto s refere m-se às vias das _ calizações cereb rais. Pode- se, com efeito , admit ir, em princí pio,
sensib ilidad es e à questão das localiz ações cerebr ais. exerce r-se media nte
que as funçõ es senso riais e motor as devem
difere nciado . Todav ia, o que está localiz ado é o órgão,
TRAJETO DA SENSIBILIDADE um órgão
§ 1. e não, pràpr iamen te falando, a função psíqui
ca, que não te11i
ilida- . Neste sentid 0, e com esta reserv a, falare -
1. Ponto-de-partida. O ponto -de-pa rtida da sensib cos extens ão no espaço
s cereb rais".
de encon tra-se nos difere ntes corpú sculos epidér micos , dérmi mos, para abrev iar, das "localizaçiíe
NI e de
e subcu tâneos (corpúsculos de MEISSNER, de PuccI as per- 2. Sistema. de Broca e de Charc ot. A concepção de
BRO-
VATER, etc.), cuja descri ção anatô mica e funçõ es precis o córtex consti tui uma espéci e
CA, s~guid a por CHARC OT, é que
manec em ainda bastan te obscu ras. da uma das funçõ es
de "mosa ico", cada ponto a.o qual coman
s ponto s
propa - psíqui cas, tanto senso riais como intele ctuais . Algun
2. Traje to de condução. Pelos nervo s centrí petos "respo ndem " à excita ção e se cham am senso riais ou motor es ;
ão nervo sa, por camin hos extrem ament e compl e- ("pon tos mudo s"), e corres ponde m às
ga-se a comoç outros não respo ndem
funçõ es intele ctuais .
com
6 Cf. MERLE AU-PO NTY, La structu re du compor
teme11t, Paris, 1942. Longe está de _convencer êste sistem a, que esbar ra Em
RE, ioc. cit., págs. 778 e segs. ; e ldades , mesm o do ponto -de-vi sta fisioló gico.
7 Cf., para esta descriç ão, J. LEFÊV grave s dificu
JEAN LHERM ITI'E, Les mécani smes du cerveau
.

·""'·
74 PSICOLOGIA -CONDIÇÕES FISIOLÓGICAS GERAIS DA VIJ'.)A PSICOLÓGICA 75

primeiro lugar, é das mais incertas a topografia do cérebro .chamada cortical. A .primeira (por falta somente dos órgãos peri-
!
·I estabelecida por BROCA e CHARCOT. Depois, a hipótese dos féricos) determina uma sensação d-e escuridão, ao passo que a se-
_gunda elimina tôda espécie de sensação, mesmo de negro. Isto pa-
f "pontos mudos", reservados às funções superiores, não parece :rece demonstrar que no organismo central é que reside a condição
ter base experimental. Por isso, o problema das localizações -da consciência, visto que, enquanto êle subsiste, há sensação cons-
1
f
cerebrais deve ser retomado com métodos mais rigorosos. ieiente (a sensação de negro é, com efeito, uma. autêntica sensação);
.ao passo que a sua destruição supõe automàticamente o desapareci-
O mapa do córtice cerebral estabelecido por fisiólogos mais re-
, mento de qualquer espéci<e de sensação luminosa. Pelo'mesmo fato
centes (CAMPBELL, CECÍLIA e ÜSCAR VOGT, VON ECONOJIIIO) não oferece, ,é corroborada a opinião que põe no órgão periférico a sede principal
por sua vez precisão autêntica e segura senão para as funções sen- .da sensação, uma vez que, estando são o órgão cortical, as sensações
soriais e m~toras. A localização das funções superiores é arbitrária, · .distintas são abolidas pela perda do órgão sensorial periférico.
e erróneamente está unida à das funções motoras empregadas pelas
funções superiores. Seu princípio, que é o de BROCA (para tôda fun- Experiências semelhantes com o pombo, o falcão, o gato 9
ção definida deve existir uma estrutura cortical especial determi- ',dão sensivelmente idênticos resultados. A ausência das fun-
i nada) , é, por seu turno, não uma solução, mas sim o enunciado do
problema a .resolver.
ções psíquicas é ainda mais claramente acentuada no cão pri-
vado do cérebro (GOLTZ), o qual não mais reconhece nem o dono
l. 3. E'st.ado atual das investigações. nem seus congêneres, não reage, de forma alguma, ao lhes ou-
vir a voz, não demonstra alegria nem ira, e permanece inde-
89 a) O cérebro, condição da vida psíquica consistente. Ex- finidamente, sem nenhum progresso, no mesmo entorpecimen-
periências as mais seguras provam que o cérebro é realmente to psíquico.
a condição da vida psíquica consciente. Em primeiro lugar,
sabe-se que é necessário um pêso mínimo 8 para que sejam pos- As experiências de GoLTZ foram repetidas por M. RoTHMANN, que
eonservou vivo durante mais de três anos um cão privado dos he-
síveis as funções psíquicas superiores, sem que por isso o poder misférios cerebrais, mas sem a mutilação dos corpos opto-estriados
da inteligência seja exatamente proporcional ao pêso da massa (que haviam sido afetados pela operação de GOLTZ). Os resultados
cerebral. Por outro lado, observa-se •que uma rã descerebrada foram quase os mesmos (cegueira, abolição do olfato e diminuiçlo
pode continuar vivendo muito tempo, embora com vida r1:du- do sentido auditivo, conservação das funções motoras, do equilibrio,
etc.), ressalvado que RoTHMANN demonstra, por uma parte, que o
zida. Permanece imóvel desde que não se lhe provoque exterior- cão operado conserva traços de reações afetivas (sobretudo de na-
mente a execução de um reflexo. Permanece também inerte tureza defensiva) e de memória, e, por outra, que êle é suscetivel
diante de um alimento pôsto ao seu alcance. Respira, entre- de c~rto adestramento.
tanto, com regularidade, reage aos excita_n tes : beliscada, salta;
nada se a jogarmos na água; agarrada pôr uma pata, tenta des- (j4 b) Topografia das funções sensoriais e motoras. Tra-
vencilhar-se; engole o alimento que se lhe intro~uz na bôca, etc. ta-se de saber até que ponto é possível a localização cortical das
Portanto só subsistem os movimentos automáticos; a esponta- diferentes atividades psíquicas. Os principais métodos empre-
neidade, ~inal de vida psíquica consciente, desapareceu. gados são os da excitação local, da ablação ou da destruição de
uma parte determinada da substância cortical. 11:stes métodos
Malgrado os limites que a experimentação tem no homem, di- deram lugar a inúmeras experimentações, cujos resultados, na
ferentes experiências e observações anátomo-clinicas, bem como 'OS sua maioria, permanecem imprecisos e duvidosos. Sem embar-
casos de anacefalia de que mais adiante trataremos, levam-nos a
conclusões semelhantes. Caso notável é o da cegueira, conseqüên- go, no que concerne às funções motoras, sensitivas, sensitivo-
cia em primeiro grau, da perda dos -árgãos periféricos (perda do -motoras e sensoriais, parece que pode considerar-se como ave-.
õlho e seccionamento do nervo óptico): cegueira chamada periféri- riguada em suas linhas gerais a topografia cortical expressa
ca; e, em segundo grau, da destruição da área estriada: cegueira pela :(igura 5.

s Os homens de côr estudados por BEAN, nos Estados-Unidos, teriam, na e) Cérebro e consciência sensível. A teoria da consciência sen-
maioria, um cérebro compreendido entre 1. 100 e 1. 200 gramas. A mesma sível, em ARISTÓTELES (De Aniima, u, c. VI) e SANTO TOMÁS (De Anima.
enquête estabelece que em certos indivíduos negros o pêso da massa cerebral
é de apenas 1. 010 gramas. Nos brancos, o pêso médio do cérebro excede de 9
'i 1.300 gramas. Porém certos indivíduos brancos não têm mais de 1.040 gr::!mas. Um ruído violento faz com que o gato descerebrado volva os olhos para
1 HUNT e RUSSEL verificaram, mesmo, que mulatos não atingem senão 980 a fonte sonora. O mesmo gato, se o beliscam, mia e arranha, mas desordena-
gramas. liamente.
PSICOLOGIA CONDIÇÕES FISIOLÓGICAS GERAIS DA VIDA PSICOLÓGICA 77
76
falia ( deformação que só deixa subsistir do encéfalo as regiões
II, 1. XIII), acharia uma aplicação muito clara nestas teorias da subcorticais ) mostrou que a motricidade estava reduzida às
fisiologia moderna. Efetivamente, com razão pensavam êsses au-
tores que se deve admitir a existência. de um sensorium commune formas mais baixas do automatismo e do reflexo defensivo.
(sentido comum) ou consciência sensível, pela qual o homem, como Por outra parte, numerosíssi mas observações anatômicas
o animal, apreende os fenômenos da vida sensível e coordena os (VELPEAU e DELPECH, 1843, e recentement e DANDY, w. PEN-
dados dos sentidos. O sensorium commune tem, pois, por objeto os _FIELD e sobretudo KLEIST) dem_pnstrar am que a destruição dos
atos e as impressões subjetivas dos outros sentidos e, por intel'médio
dêstes, ,as próprias qualidades sensíveis que ê1e coordena entre si. dois lóbulos frontais ocasiona principalme nte perturbaçõe s nas
11:le é necessário por esta dupla razão, porquanto, sendo orgânicos funções de síntese, modificando a personalidad e empírica, as-
os sentidos, não podem voltar ou refletir sôbre si mesmos, e, por sim como no contrôle afetivo, o que se explica bem pelo fato da
outra parte, a distinção dos diversos dados sensíveis e sua unificação destr1,1ição de muitos reflexos adquiridos pelos quais se exerce a
só podem ser realizadas por um sentido distinto de todos os sentidos vida de relação, e que se traduzem em adestrament o, hábitos,
particulares. Esta consciência sen- ,, disciplina, aptidões, talentos, educação, etc. A personalidad e é
sível, acrescentam ARISTÓTELES e descentrada e, de certo modo, dispersada pelas lesões corticais.
SANTO TOMÁS, deve ter um órgão:
acabamos de ver que- êste ponto- Enfim, no mesmo sentido, os estudos realizados por
de-vista é confirmado por estudos NINKOWSKI em fetos de mais de quatro meses mostram que,
experimentais modernos, de vez
que o cérebro aparece como o ór- por falta de formação cortical suficiente, todos os movimentos
gão da síntese sensorial e, ao mes- do feto caracterizam -se pela incoordenaç ão e pela incoe-
mo tempo, como a condição da rência. 10
consciência. Todavia, nem ARISTÓ-
TELES nem SANTO TOMÁS pensaram 66 e) Estruticração e função. O que ficou dito leva-nos a
no cérebro como órgão da cons-
ciência sensível, porque o cérebro compreende r melhor a função do cérebro e o sentido exato
era para êles um órgão diferencia- das localizações. Propriamente falando, não são funções, mas
do. Supõem que o tato é que serve apenas estruturas, que estão localizadas. Não há nada mais
de órgão ao sensorium commune,
porque o tato está espalhado por Fig. 5. Localização dos centros típico da confusão geralmente cometida aqui, do que o argu-
todo o corpo. O êrro aqui, porém, motores. mento sacado das lesões. Localizar uma lesão não é uma fun-
é a conseqüência lógica da falta ção, por não ser esta, de modo algum, prisioneira de uma estru-
de conhecimentos anatômicos. Do 1, dedo grande do pé; 2, colo do pé; tura. Seu ponto-de-pa rtida pode estar ligado à estrutura que
ponto-de-vista psicológico e fisio- 3, joelho; 4, cadeircts; 5, ombros; 6, foi lesada, o que explica os transtornos que se seguem à lesão;
lógico, as observações de SANTO cotovelo; 7, punhos; 8, 11, dedos; 9, in-
ToJIIIÁs dirigem-se claramente no dicador; 10, polegar; rosto; 12, .a função, porém, é mais ampla que esta estrutra, como o de-
13, faringe; 14, laringe; 15,
mesmo sentido que os estudos con- bôca;
mastigadores; 16, movimentos con- monstram até a evidência os numerosos fatos ( observados so-
temporâneos (cf. T. W. MooaE, jugados da cabeça e dos olhos; A, bretudo por PIERRE MARIE ao estudar a afasia) de restaura-
«The Scholastic Theory of Per- centro cruditivo; V, centro visual; S, ção das funções atingidas pela lesão, ou também certos fatos de
ception», em The New Scholasti- centro da sensibilidade geral; M,
cism, t. VII, 1933, n.0 3). escalonamento dos centros motores suplência por outros centros. 11 Até se conhecem casos (des-
supracitados na zona pré-rolândica:
êstes centros escalonam-se de cima
critos por DANY) em que a destruição do hemisfério cortical
65 d) A telencefalização. Assim para baixo, na ordem inversa dos
órgãos do corpo. (Segundo LEFtVRE,
se designa a centralizacão das Manuel critique de Biologie, pá- 1 J. LHERl\.IlTTE, Les mécanismes du cerveau, págs. 86 e segs.
º Cf,
funções motoras. Esta éentrali- ginas 837-838.) _Sôbre os fatos de substituição e restituição das funções aboÜdas, ver
11
zação torna-se mais e mais ri-
·
J. LlIERMITTE, Les mécanismes du cerveau. págs, 74-75 e 99-100, e especial-
gorosa à medida que nos elevamos na escala animal, isto mente K. GOLDSTEIN, La estruc-ture de l'organisme, Paris, 1951, págs, 208 e
é, à medida que o cérebro desempenha papel mais importante. 1 ,· segs. Cf. pág. 220: "Para nós, localização de uma operação já não significa
excitação de um ponto determinado, mas processo dinâmico que se desen-
Isto se demonstra por inúmeras experiências de descorticaçã o. rola em todo o sistema nervoso e também no organismo inteiro, tendo uma
O gato recupera a estabílidade e a marcha algumas horas após forma determinada para cada operação num lugar deternúnado· esta forma
lhEl extraírem o cérebro. Ao contrário, o macaco não mais re- de excitação assume singular relêvo, que acha sua expressão' no "rosto".
~ste lugar é definido pela contribuição que sua excitação traz ao processo
cupera a função de andar, e só muito mal recobra a estabilidade. global em nome da estrutura anatômica dêsse mesmo lugar.
No homem, o estudo de diversos casos monstruosos de anence-

; ,:~, .
CONDIÇÕES FISIOLÓGICAS GERAIS DA VIDA PSICOLóGICA 79
78 PSICOLOGIA
contrário do que pensa BERGS~N (Matiere et Mémoire, L'énergie spiri-
esquerdo (onde se encontram os "centros da linguagem artf- tuelle: «Le cerveau et lii, pensée>, págs. 203 e segs.), não é pela via
culada ") foi seguida de uma restituição da função vocal. experimental pura que se chega ao espiritualismo. BERGSON muito
fêz e com muito proveito, para arruinar o paralelismo psicoflsioló-
Na realidade, como claramente se infere das anteriores, gic~. Mas pretender passar daí diretamente à afirmação espiritua-
observações sôbre a telencefalização, se a lesão dos centros cor- lista. é realmente impossível. Com efeito, se é totalmente certo que
ticais produz desordens funcionais tão graves, e que_ cres:em as localizações não possuem caráter rígido, e que as áreas corticais
progressivamente à medida que subimos na escala ammal, ist_?· não !!ão estritamente especializadas, nem por isso se tem o direito ,
(como o faz BERGSON) de chegar ao limite e afirmar que a vida psí-
parece provir menos da destruição de certas estruturas _defi- quica só acidentalmente está unida ao cérebro. De fato, não só a
nidas que da ruptura das conexões nervosas que, em_ forro~ m:i,ta destruição to.tal do córtex, como também as lesões generall.zadaS' (por
ou aquirida, condicionam o ,exercício normal da vida psiqmca. exemplo, dos dois lóbulos pré-frontais ao mesmo t&mpo) suprimem
Tanto que muitos fisiólogos modern~s (P. MARIE,. LASHLEY,. no todo ou em parte o psiquismo. Esta critica interessa, ademais,
GOLDSTEIN, VON MONAKOW, etc.) inclmaram-s~ a afirmar que,
todo o método de BERRSON (método da «metafísica positiva>) , que
aqui não passa. de um cientismo às avessas.
rigorosamente falando, a função não está locali~ada. A estru-
tura morfológica é localizável; mas mas a funçao, que dela se As observações relativas à linguagem valem, com maior
serve, tem muito maior amplitude.
\
1
.
'
razão, para as fu_nções psíquicas superiores (juízo, raciocínio,
abstração, imaginação criadora, volição, etc.). De fato, o que
61 f) Localizações e funções superiores. Destai:e se com- as investigações têm demonstrado é que o exercício das funções.
preende a falta de sentido que encerra1:1 as tentat!v~s de. lo- superiores está condicionado pelo conjunto dos diversos siste-
calizar as funções superiores (intelectuais e voluntárias), isto mas cerebrais, dos quais a inteligência se serve como de um
é, as tentativas que pretendem assinalar órgãos espe~ial e exclu- instrumento, consoante as diversas necessidades de sua atividade
sivamente destinados a essas funções. Especulativamente, a própria. 12 Em outros têrmos, não é o estado do cérebro que
coisa parecia inverossímil, sobretudo por se re~l~zarem _e~tas explica a inteligência, e sim a inteligência é que explica o es--
funções sem limitação nem. determ~n~ção _espaciaiir. P:atica- tado do cérebro. ll:ste, diz GR. BROWN, funciona ·como um todo,
men.te é um fato que não tiveram exito todas as tentativas de o que se confirma experimentalmente pelo prodigioso grau de-
locali;ação. Se se conseguiu localizar com precisão ~s zonas complexidade dos bilhões de combinações sinápticas que deixam
cuja ablação ·provoca a afasia (perda da linguagem articulada) ao jôgo do influxo nervoso uma plasticidade, por assim dizerr
ou a agrafia (perda da capacidade de escrever), _o que se perde ilimitada a serviço de funções de modo algum ligadas a uma
( e portanto o que está localizado) são as_ operaçoes motoras _da expressão espacial. 13 ~ste ponto-de-vista, defendido por PIERRE
~- linguagem e da escrita, porém de maneira ~lguma as funçoes
psíquicas de onde ambas procedem. Com efe~to,, ver e entend~r
! uma palavra enquanto expressão de uma idéia, e uma o~e~açao 12 O estudo dos fenômenos emotivos conduzirá, por outro caminho, à,
mesma conclusão, que GEMELLI assim exprime (La teoria Jomatica del!'emo-
prõpriamente intelectual, isto é, um ato pelo qual o suJeito se
zione, 1910, pág. 55): •cada aparelho nervoso tem um valor de lugar de-
diz a si mesmo um conteúdo de pensamento._ N~nhum me<;a- comutação, de distribuição, <le multiplicação da corrente nervosa. Mas não
nismo motor é requerido para esta linguagem mter1or. O ato in- podemos pensar que numa região dada se desenrole exclusivamente um fato-
terior, em todo caso, é essencialment~ diferente daquele pel? de consciência. .. Os estados de consciência pressupõem o funcionamento cí-
qual O sujeito traduz, em linguagem articulada e em letr~s es°:"i- clico dos vastos sistemas complexos dos centros multiplicadores".
tas O verbo mental ou a concepção interior. Esta traduçao exige 1a Cf. JEAN LHERMITTE, Les mécaziim,es du cerveau, pág. 120: "Que
dizer das •funções superiores", da inteligência, da memória, das faculdades·
evidentemente o jôgo de mecanismos moto~es, que p~de_m se: l<; criticas, discriminativas, dos processos voluntários e atencionais, senão que·
calizados de maneira mais ou menos preCJsa. (nos h~mtes md1- uma localização <los processos que para sua realização exigem tantos fatôres
cados mais acima) mas que não passam de s1mp~es mstrum_en- de diversa ordem e de fontes distantes parece, a priori, verdadeiro contra-
tos de uma atividade psíquica de ordem essencialmente dife- senso? (. .. ) Guardemos, pois, na mente esta idéia essencial: que localizar
consiste essencialmente em situar uma coisa no espaço, e que, se é legítim~
rente. fazer isto para uma estrutura ou uma lesão, é perder tempo pretender
intentá-lo para uma função, e é cometer enorme contra-senso querer apri'-
Isto ao menos é o que nos prova. a reflexão filosófica sôbre a sionar numa forma essa coisa alada e fugidia que é o espirita"..
atividade intelecti:Ia1. Mas não há mister dissimular-se que, ao

.i.;, _,;,u.,.,.~,·-·.:,ê.1..,, ....... J- • ,.


80 PSICOLOGIA

MARIE (Semaine rnédicale, 23 de ,maio e 17 de outi:bro de ;9~0)


e geralmen te adotado pelos neurologos contempo raneos, ehmma
mais ou menos completa mente, ao menos em sua form~ clás-
sica (BROCA) e para as funções psíquicas superiore s, o sistema CAPÍTULO Ili
das localizações cerebrais .
14

; O HABIT O

SUMAR IO 1

Art. I. NOÇAO. Definição . A vida e o sistema nervoso. Na-


tureza. Hábito e inércia. Hábito e costume. Hábito e
dinamism o. Função e efeitos.
Art. II. FORMAÇ ÃO DOS HABITOS . Condições de formação .
Condições biológicas. Condições fisiológicas. Condições
psicológicas. Ensaios e erros. A aprendiza gem. O mé.:.
todo. Condições de d~usa. A abstenção . A substituiç ão.

ART. 1. NOÇÃO

A. Defini!;ão.

68 1. A vida do sistema nervoso. O sistema nervoso acaba


de nos ser apresent ado como órgão de equilíbrio e de adapta-
ção. Grandem ente diferenci ado, sobretud o nos centros cere-
brais, condiciona tudo o que há de plástico na atividade do ser
vivo. Graças a êle, êste possui meios de reagir de maneira ex-
traordinà riamente variadas às solicitações externas. Ao mes-
mo tempo, o vivente torna-se suscetíve l de progresso , porque
é capaz de conserva r, sob a forma de hábitos, as aquisições do
passado. Estas riquezas acumula das é que o libertam, mais ou
menos completa mente, da servidão do presente, multiplic ando-
lhe as possibilid ades de resposta às excitações exteriore s.
Assim se explica que o hábito, em seu sentido etimológico, se
14 A critica que MAINE DE BIRAN (Essai sur les fo-ndements
d.e la
psychologíe, ed. Tisserant, t. VIII, págs. 9-10) dirigia aos "autores das e_x- 1 Cf. ARISTóTE LES, Categorias, VIII, 8b; Retórica, I,
X, 1369b. SAN-
plicações físicas ou fisiológicas dos sentidos e ãas idéias" aplica-se _co11; muito
TO TOMAS, Ia. I!ae, q. 49-54. MAINE DE BffiAN, Influence de l' habitude
mais razão às teorias das localizaçõe s cerebrais: "Conceber am a ilusao ver-
sur la faculté de penser. RAVAISON , De l'Habitude . A LEMOINE, L'habi-
dadeiramen te inconcebív el de haverem analisado o pensament o e descoberto
tude et l'instinct, Paris, 1875. W. JAMES, Précis de Psychologi e, trad. de
as suas mais secretas operações e modos mais íntimos, quando haviam de-
BAUDIN, Paris, 1909. MC. DOUGALL , An Outline of Psycholo1711, Lon-
composto hipoteticam ente as funções do cérebro e imaginado o funcionam en-
dres 6ª. ed., 1933. J. SEGOND, Traité de Psychologi e, c. III, Paris, 1930.
to os movimento s das fibras e fibrilas que se acreditava representa rem as J. CHEVALIE R, L'habitude , Essai de Métaphysiq ue scientifique , Paris, 1929.
idéias e proporcion arem uma sede material às faculdades do espírito, como GUILLAU ME, La formatio-n des habitudes, Paris, 1936. PRADINES , Psycho-
se existisse alguma analogia entre movimento s que alguém se represen~a logie générale, Paris, 1943, págs. 88-125. P. RICOEUR, Philosophie de la
objetivame nte fora de si e os atos intelectuais que só se concebem pela reflexao Volonté, t. I, Paris, 1950, págs. 264-290.
e pelo sentido íntimo, e nunca por qualquer espécie de imagens".
82 PSICOLOGIA O HÁBITO 83

defina como um ter (habere), isto é, como uma propriedade dr} êstés fatos (cuja amplitude e conseqüências exageravam) tôda
conservar o passado. Porém isto ainda não o define senão num uma explicação, hoje abandonada, do mecanismo da evolução.
de seus aspectos: vamos ver, com efeito, que o hábito também Todavia, êste costume ainda não é o hábito propriamente
é, em suas formas mais elevadas,' instrumento de transformação dito, porque é sobretudo um fato de passividade. Assinala a
da natureza e até, em certo sentido, uma potência criadora. passividade do organismo. Mas a plasticidade orgânica não {,
senão uma condição do hábito : êste implica desdobramento da
69 2. N aturem. atividade, e é princípio dê atividade. Cria habilidades e per-
mite ao vivente não só adaptar-se às circunstâncias, mas tam-
a) Hábito e inércia. Já houve quem comparasse o hábito- bém dominá-las. 2
a certos fenômenos do mundo inorgânico, em virtude dos quais
os corpos, modificados por uma ação externa, ou conservam 70 c) Hábito e dinamismo. É portanto, pelo dinamismo
mais ou menos esta modificação (uma fôlha que foi dobrada e •que êle manifesta que melhor se caracteriza o hábito. ll:ste di-
conserva o vinco), ou tendem a retornar a seu estado primitivó- namii;;mo está presente nos dois níveis que podemos descobrir
( corpos elásticos). Mas aí não se trata senão de analogias mui no hábito: por um lado, nos hábitos conservadores, ordenados a
remotas, porque só conservam do hábito seu aspecto de passi- aperfeiçoar e a estabilizar as aptidões que o preformam, quando
vidade e de inércia, sendo, ao contrário, a atividade o que ca'- é uma técnica introduzida na dos instintos e tendências; por
racteriza o hábito. A i_nércia é fator de identidade e de repeti- outro lado, nos hábitos criadores, que· são hábitos no sentido
mais estrito da palavra, enquanto significam verdadeiras aqui-
ção; o hábito, por todo um áspecto, é princípio de novidade e
de progresso. As modificações dos corpos inorgânicos expli- sições, isto é, acrescentam algo de nôvo à natureza - no sentido
desta, seguramente, mas sob forma que constitui, por criação
cam-se integralmente pelo exterior; as dos viventes dependem de novas habilidades, ou mediante reforma dos mecanismos na-
de sua própria atividade (1, 492-499). turais, verdadeira novidade: tais são os hábitos que se tradu-
Foi DESCARTES quem primeiro propôs a interpretação mecani'." zem em técnicas mais ou menos complexas, nas artes e ofícios,
cista do hábito (ou da memória, que nã.o passe. de um hábito). Ima- nos desportos e nos jogos, e que permitem ao vivente exerc:'e r
gina dêste modo o processo fisiológico: «Quando a alma quer lem- atividades que a natureza não previu de maneira especial.
brar-se de qualquer coisa, essa vontade faz com que a glândula
(pj,neal), inclinando-se sucessivamente para diversos lados, impila os Nesse caso, é a vontade que, l,ançando mão da plãsticidade .d.o
espíritos (animais) para, dirersas regiões do cérebro, até encontrarem corpo, rnodela-o, de certo modo, de dentro, segundo as fina liV:a-
aquela em que estão os traços deixados pelo objeto de que nos que- des concebidas pela razão.
remos lembrar. Porque êsses traços consistem apenas na maior fa-
cilidade adquirida pelos poros do cérebro, por onde anteriormente Verdade é que os animais, que carecem de vontade (ou tendên-
os espíritos haviam aberto seu curso sob a ação do objeto, para de cia racional) , podem possuir seus hábitos. Nada obstante, em mui-
nôvo serem abertos da mesma maneira pelos espíritos que para êles · tos casos provêm êsses hábitos da vontade, mas de wna vontade
vêm. De modo que êsses -espíritos, encontrando êsses poros, entram exterior ao animal, por efeito de ad.e stramento. Noutros casos, re-
nêles mais fàcilmente do que nos outros, e dessarte provocam na sultam do desenvolvimento de uma tendência ativada pelas circuns-
glândula um movimento particular, que representa à alma o mesmo tâncias, ou então, mais simplesmente ainda, de ações externas pas-
objeto, e lhe faz ver que êle é aquêlei de que ela queria recordar-se» sivamente recebidas. Em todos êstes casos o animal recebe mais do
(Traité des passions de l'{i:ma. I, pág. 42). O princípio desta teoria que adquire.
não se acha muito longe do das vias e conexões nervosas (54). Seu d) Hábito e mecanismo. Expressão de um dinamismo
defeito, sem falar da teoria dos/ espíritos animais, que não tem base
experimental, está em reduzir pura• e simplesmente o hábito à inércia. fundamental, o hábito não deixa de ser também ur,i automa-
tismo. E é mesmo êste ultimo aspecto o que com mais freqüên-
b) Hábito e costume. Certos fatos biológicos já estão cia é sublinhado e o que o senso comum invoca espontâneamente
mais próximos do hábito, por exemplo aquêles que se definem
como costumes. Sabe-se que os sêres vivos têm a propriedade 2 Não parece que se possa falar de hábitos propriamente ditos em casos
de dobrar-se e acomodar-se, em certa medida, ao ambiente e às como o que assinala G. BHON, La naissance de l'InteUigence, pág. 158, por
ciscunstâncias ( clima, temperatura, alimento, toxinas, etc.) . exemplo o caso do Pleurosigma: aestuarii: "Essas algas microscópicas com-
portam-se como os vermes ciliados: quando o mar se retira, saem da areia
O próprio organismo transforma-se, até certo ponto, sob a ação e formam na superflcie uma espêssa camada escura; quando a mPré volta,
das novas condições que lhe são criadas: já vimos (1, 468) que desaparecem de nôvo na areia. Da mesma maneira se comportam no
as teorias de LAMARCK e de DARWIN haviam fundado sôbre aquário".
O HÁBI TO 85
•1'
PSICO LOGIA
84 m de liber dade
dêle. Pens e-se, por exemplo, ·no que repre senta a vida mora l as
Nada nos é mais os intele ctuai s, para
para expli car (ou escus ar) o compf!rtamento. ual, em que, a
para o espír ito os hábit
são hábit os) , para a vida social a
fami liar que o desen rolar mecâ nico do ato habit virtu des ( que prop riam ente ofício s. O ma-
o numa lição qÚe se sabe de cor e a escri ta, assim como a técni ca dos
parti r de um sinal dado (com palav ra), todos os
lingu agem
autom atism os, assin aland o de cada
e se desenovela intei ra a parti r da prim eira ravil hoso é que todos êstes de hábit os, libe-
eiam por si mesm os do prin- conq uista s e fixan do-as em form a
movi ment os de certo modo se encad vez nova s . .,,
cípio ao fim. A consc iência esjá aqui tão pouco em seu lugar, ram as fôrça s do homem para novos progr essos
não raro, pertu rbad ora.: o ato
que sua intervenção chega a ser, a condi ção de o . b) Finalidade do hábito. Por aí pode ver-s e
a capit al im-
habit ual só se desen cadei a perfe itame nte com socia l. Para lhe resu-
um relóg io ou portâ ncia do hábit o na vida indiv idual e
m traba lhar
deixa rem em liberd ade, como se deixa mir a comp lexa final idade , digam os que o hábit o é ao mesmo
uma máqu ina posta em movi ment o. e cond ição de progr esso.
temp o condição de conti nuida de
or de um sistem a or- anto por êle o
O autom atism o consiste em que, no interi
nto (ou cada fase) deter mina O hábit o é condição de continuidade enqu prepara o por-
s, cada eleme incor pora, e
ganiz ado de meca nismo
do-lh e de estim ulant e, isto é, o sistem a depen de presente está unido ao passado, que total ment e de-
o segui nte, servin
cada, vez meno s dos estim ulant es exter nos e encon tra em si mesmo vir. Sem o hábit o, a ativi dade do viven te seria teria nem unida de
ador, a partir da prime ira perce pção que abre term inada pelos estím ulos do momento, e não
seu dinam ismo regul Assim , o piani sta, que teve de
a cadei a inteir a dos movim entos . nem conti nuida de.
por frase, acaba por tocá- la tôda de me- anto graça s
O hábit o é fator de progresso, por um lado, enqu
aprend-er uma peça, frase contín uo.
iros comp assos, e com movim ento
mória , a parti r dos prime mant êm e cresc em: conside-
subje tivo, de- a êle os resultados adqu irido s se recom ecemos
Dêss e ponto-de-vista, que é o ponto -de-v ista prossegufr rado sob êste aspec to, o hábit o perm ite evita r que
es-
impul,so autom ático para sário se o fruto de cada
finir- se-á o hábit o como um r do sinal que os indef inida ment e, como seria neces , conse r-
até o fim um ato ou conju nto de atos, a parti sse depo is de realiz ado, e não facili tasse
fôrço se perde novos progr essos .
pós em movimento. vand o-se e acum uland o-se, os esfor ços para de economia, re-
Apar ece ao mesm o temp o como uma funçã o
nenh uma ati- das pela acão, e
3. Espécies de hábitos. O hábit o não cria duzin do ao míni mo o dispê ndio de fôrça s exigiparte da atenç ã~
a tôdas , para lhes dar um funci ona- ando para nova s taref as uma
vidad e espec ial: aplica-se algo de nôvo,
dêsse modo, liber
o hábit o é fator de
m~t o mais fácil e mais regu lar; e, quan do prod uz e da energ ia do viven te. Por outra parte , or, isto é, quan do
ro das ativi dade s fund amen tais do ho- excel ência quan do se torna criad
é semp re dentr o do quad tas funçõ es pos- prog resso por
natu rais junta certo s
mem. Podemos, pois, ter tantos hábit os quan às aptid ões natu rais ou aos meca nism os
de exerc ício, e tamb ém meca nism os inéditos e
suímos. modos novos deter mini s-
três gran des press ões do
Sem emba rgo, podemos dividi-los todos em s cognos-
novas técnicas que livra m o viven te das
origi nais, abrem à sua
s, que afeta m as facul dade dotan do-o de habil idade s
class es: hábitos intelectuai tivam ente, é
mo natu ral e,
aperf eiçoa ment o.
subje inido
citiva s (ness e sentido, a ciência, cons idera da para execu tar,
ativid ade persp ectiv as de indef
ir o hábit o,
um hábi to); hábitos moto res, que são aptid ões
e agind o de Esta s consi deraç ões levam-nos, pois, a defin ficações e
exerc ício nto de modi
atrav és de meca nism os adqu irido s pelo consi derad o, objet ivam ente, como o conju em razão de seit
lexos (assi m as aperfeiçoamentos que, afetando uma ativdiadese exercer de ma-
modo autom ático , atos mais ou meno s comp dos ofícios) ;
ta, próprio exercício, e dando-lhe uma aptidão de
técnicas da bicicleta, da patin ação, da escri os vício s e as vir- am, em tôdas as
hábitos morais, que afeta m a vonta de (com o neira mais e mais perfe ita e segura, condicion s do indivíduo e da
tudes ). ordens da atividade hurnana, os progresso
sociedade.
71 4. Papel do hábito. uma opini ão corre nte, que
. Conv é~ obse~var, contr a o que diz nenh uma tendê ncia a pra-
tos, que
ci) Auto matis mo e dinamismo. Êstes dois aspecefeito, o ~u1to s hábit os nao se acom panha m de
ituem . Tais são os hábit os (ou técnic as)
liam- se no hábit o. Com tJCar os atos que os const
se opõem teori came nte, conci para obter a d~ falar, ler ou escrever. o hábi to é uma impul são autom ática adqu i-
automatismo é o meio de que dispõe a natu reza como sem- rida pa,·a. conti nuar um ato come çado, mas não para come çar êste
O meca nism o é aqui, autom atism o. Quan do parec e
realização de seus próprios fins. artifí cio da na- at?, isto e, pai-a pôr em marc ha ésie não faz mais que facili tar a
pre, um instr umen to da final idade (I, 213) , e o criar uma t endên cia, em realid ade êle
r do meca nism o para se liber tar
turez a consiste em se servi
O HÁBITO 87
86 PSICOLO GIA

,que executam os tantos movíme:ntos que reciproc amente se enca-


e que
satisfaçã o de uma necessid ade ou tendênci a que Ihe preexiste nãoi co e
deiam, quase sem o sabermo s. Em seguida-, no. domínio psicológi
tende a assumir a forma de paixão. (Ter o hábflfo de, patinarde pa-é de
mora.Z, onde as idéias se unem e os raciocíni os se desenvol vem que
outra coisa senão possuir a técnica da patinaçã o; o costume certo modo por si mesmos, e são tomadas nossas dectsóes, sem
tinar será função de ,um gôsto ou de uma paixão que o hábito - oe pareça que em tudo isso sejamos parte.
domínio e o exercício da técnica - permite satisfaze r mais fácil
completa mente) . c) Refôrço das necessidades. Se, propriam ente falando , o
Estas observações poderão ajudar-n os a resolver o problem a sus- hábito não cria necessidades, nem por isso deixa de reforça1·
citado pelo que alguns moralist as, como RossEAU, ·no Emílio, chamam .,
«os prejuízos» ou ~os perigos do hábito», apresent ando-o comovida,um as tendênc ias que o colocara m a seu serviço. Aqui, sobretud o,
princípio d;e atividade pu11amente m,ecânica, sem alma e sem é que se poderia falar de "efeito por acidente ", pelo menos
como um fator de endurec imento e 1k sacf.edaàe. Assueta vílescunt , s
eada vez •que o hábito vem acresce ntar nova fôrça a conduta s
diz no mesmo sentido um provérbi o latinó: os prazeres habituai por física ou moralm ente prejudic iais. Porque a finalida de do há-
atenuam -se e embotam -se. Todos êstes fatos são certos. Mas, há- bito não seria facilitar o exercício de uma atividad e que re-
uma parte, cremos que têm mais aplicação ao costume que ao
bito propriam ente dito: por si mesmo, êste, mais que produzir sa-r vista as formas anorma is da paixão. Todavia , o fato é que o
ciedade gera necessid ade. Por outra parte, se se trata de sublinha hábito, que por si mesmo é técnica e mecanismo, encerra uma
o caráter realmen te mecânico , estereoti pado, inumano , dee certos espécie de neutrali dade ou indifere nça, e que, destinad o pela
chábitos», diremos que estas observações não podem aplicar-s senão naturez a a servir a seus progres sos, pode, às vêzes, contrib uir
à rotina, que é o hábito limitado à ~ua função mecd.nica e ao rígido
o que também para sua servidão , como sucede cada vez que os vícios
automat ismo da repe·tição estéril, isto é, vazio dêsse dinamism
serve para definir o hábito autêntico , automati smo, sem como dúvida, tomam ao hábito a maneira de funcion ar com mais facilida de.
mas sempre a serviço do homem, ao invés de submetê -lo, o Tanto num caso como no outro, o hábito funciona como uma
faz a rotina. natureza, isto é, corno um nôvo principio de operação ajuntad o
às necessidades e tendências naturai s.
5. Efeitos do há.bit.o. Os .efeitos de uma atividad e não
72
Visando a esta função de "segund a naturez a", diz-se cor-
estão todos compree ndidos necessà riament e em sua finalida de,
porque há que levar em conta os resultad os ou conseqüências renteme nte que o mecanis mo do hábito tende a funcion ar por
si mesmo, enquant o os instinto s e tendênc ias que põe em ação
que se acham ligados aos fins da função ( à guisa de meios ou
adquire m, por êle, vigor cada vez maior e menos contrari ado,
efeitos acúlentais), sem por ela serem visados. No que diz .res- e que o hábito pode tornar-s e verdade ira tirania. Mas também
peito ao hábito, assinala mos três ordens de efeitos distinta s.
se observa que o hábito não deve, efetivamente, seu tirânico
a) Modificação e refôrço dos órgãos e faculdades. Por poder senão à tendência, à necessidade ou à paixão, que lan,..
um lado, o hábito desenvolve os órgãos, dando-lhes fôrça, re- çam mão dêle para funcionar com maior facilidade. Por si
sistência e flexibilidade. Pelo contrári o, a inativid ade atro- mesmo, não conhece outra tirania (que é verdade , pode tor-
fia-os. É em tal verifica ção que se funda a educação física. Por nar-se extrema em casos patológi cos) senão a que comand a a
outra parte, como os hábitos são outros tantos meios de exer- marcha do ato habitua l a partir do primeir o ato ( ou primeir o
cermos nossas atividad es, sensível, intelectu al, voluntá ria e mo- elo da cadeia). A incitação a começar, com a tirania que en-
ral, de nos moverm os com rapidez, precisão e seguran ça, em cerra, está tão longe de ser efeito do hábito, que, pelo contrário,
tôdas estas ordens proporc ionam-n os técnicas que pouco a pouco é o hábito que resulta do imperalisrrw da necessidade ou da
vêm a ser-nos tão familiar es que as emprega mos espontâ nea- paixão, sem deixar de contribu ir depois, por causalid ade recí-
mente e sem esfôrço. proca, para reforçar paixão ou a necessid ade que o geraram .
b) Diminuição da consciência. Ensina a linguag em cor-
A lei de RAVAISSON (De Z'Habttude, pág. 9), segundo a qual
o
rente que "agir por hábito" signific a "agir maquin almente ". hábito aumenta a atividade e diminui a passinidade, pode servir
para
Se foi necessária a atenção para adquirir os hábitos, êstes, uma m-::i
resumir os efeitos do hábito, ao mesmo tempo causa de automatisfun-
vez formados, tendem a dispensá-la. Não raro a atenção se e de costume, e criador de habilidad es. Sôbre êste duplo efeito Mas
convert e em fonte de êrro, porque, ao dirigir-s e para os elemen- da-se, às vêzes, a distinção dos hábitos em pa-ssivos e ativos. te
tos sucessivos de um conjunt o que funcion a como um todo, corre esta distinção é mui discutíve l, por não haiver hábitos puramen
passivos, visto que passivida de é sinônimo de ação mecânic amente,
o risco de os separar e isolar, e de, assim, desorga nizar o sis- recebida , coisa que nada tem que ver com o hábito. Na realidade
tema. todo hábito é atwo. A atividad e ou o dinamism o que a detine
ma-
em que a
ntt:esta-s e até nos fa.tos de adaptaçã o e de acomoda ção, uma
Esta diminuiç ão da consciência pela ação do hábito ocorre em propria natureza ora establllz a, ora acentua o efeito de ação
todos os domínios. No domínio orgdnico em primeiro lugar, em
O HABITO
88 PSICOLOGIA

mecânica, e com maior razão em todos os casos em· que a vontade alguém conseguirá habituar-~e a viver sem dormir. Da mesma ma-
intervém para formar o automatismo destinado 3i fixar uma técnica neira, não é possível contrair o hábito de pensar contra o princípio
nova e a consolidar um progresso. de contradição. Podemos, sem dúvida, pensar de maneira anárquica
e absurda; mas isto não passa de coisa acidental (por mais freqüente
que seja), ê não de hábito propriamente dito: a razão, que é igual-
mente natureza, opõe-se tão resolutamente à formação de tal hábito
ART. II. FORMAÇÃO DOS HÁBITOS como o estômago à digestão de pedras.
Certo é que existem hábitos viciosas e até «contra a natureza».
A. Condições de formação :lllstes hábitos, porém, só existem porque de algum modo se agarram
à natureza; respondem" a necessidades reais, porém ou monstruosa-
79 O hábito depende, para sua formação, de condições bioló- mente exaltadas ou desviadas de seu verdadeiro fim.
gicas, fisiológicas e psicológicas. 2. Condições fisiológicas.
1. Condições biológicas. a) O hábito como sistema fisiol6g-.ico. O hábito forma,
fisiológica e psicologicamente, um sistema em sentido irrever-
a) Hábito e natureza. Vimos anteriormente que o hábito, sível, um gesto, uno e contínuo, e não um mosaico de efeitos
em sua forma mais elevada, é um instrumento de superação da causais descontínuos. Os elementos que o compõem (excitante
natureza. Mas é preciso compreender bem, no entanto, que ou sinal, com tudo o que lhe está associado: reações diversas,
esta -mesma superação é algo a que tende nossa natureza, que motoras ou afetivas, intelectuais .ou morais, simples ou com-
está suhm.etida à servidão da matéria, mas que também é es.:. plexas) formam um todo organizado de tal modo que todo o
rpírito e liberdade. O hábito criador é, a um tempo, efeito e sistema tem tendência a reproduzir-se desde que a condiçii.o
sinal desta dualidade da natureza: instala-se e desenvolve-se inicial seja pasta. Inversamente, o bloco ou sistema tenderá
nos confins do corpo e do espírito, ambíguo e ambivalente como a desorganizar-se se as condições de seu funcionamento se acha-
o homem, que nêle se reencontra todo inteiro. rem modificadas, isto é, se êle não mais puder funcionar como
É por esta razão também que êle pode encontrar-se em todos um todo.
os domínios do humano, dando a todos novas modalidades de b) Processos fisiológicos. A primeira condição da for-
exercício, prolongando uma natureza que se fêz prodigiosa- mação do hábito ·reside na criação das vias nervosas, que facili-
mente plástica sob a ação do espírito. De fato, possuímos tan- tem a passagem do influxo nervoso. Mas é necessário também
·, tos hábitos especificamente diversos como funções: hábitos or- que os hábitos, quando se traduzem em fenômenos motores, se
gânicos, fisiológicos, psicológicos, morais e sociais, que admi- inscrevam no sistema muscular. Os órgãos devem ser adestra-
tem inúmeras variedades, de acôrdo com as diversas formas que dos e disciplinados. Daí a resistência em que esbarra a aquisi-
podem assumir os comportamentos do vivente. ção do hábito e o papel da repetição. Esta torna-se indispensá-
b) Hábito e contranatureza: Biologicamente, não tertf vel quando se trata de vencer uma resistência orgânica. O n~-
pois o hábito outra condição senão responder de algum modo mero de repetições, como a solidariedade do hábito orgânico,
à natureza, o que equivale a dizer que a natureza s6 exclui os serão, de resto, extremamente variá veis consoante as espéées
hábitos que a contrariam ou a negam. Certo costume pode fa- e os indivíduos, e também conforme as conexões que se hão
zer tolerar excessos e falhas, mas dentro de limites que a na- de realizar sejam mais ou menos naturais e vizinhas das já
tureza jamais deixa de transpor. O vivente não terá êxito em existentes. Nos animais como no homem, os hábitos acrescen-
tam-se uns aos outros; os primeiros servem de base aos que
converter em hábitos comportamentos que vão contra as ten-
dências fundamentais da natureza. vêm depois. 3
Não se pode habituar um rato a percorrer, para alcançar um
3 Os psicólogos modernos, com o nome de hábitos, descrevem sobretudo
pedaço de toucinho, determinado itinerário num labirinto, se de
cada vez, no melo do percurso, lhe lançarmos um jôrro de água os hábitos motores. Mas existem também hábitos da sensibilidade, da inte-
fervente. Por mais que se repita a operação, não chega a formar-se ligência e da vontade. 1!:stes hábitos definir-se-iam antes como qualidades
hábito algum; dle resto, mesmo faminto, e. por mais que o atraia o estáveis que aperfeiçoam uma faculdade ou potê-ncia operativa, <to mesmo
pedaço de toucinho, o rato acaba por não se mover, ou por buscar tempo em seu ser e em suas operações. Isto é o que os Escolásticos chama-
outro caminho. Não se contrairá o hábito de andar sôbre as mãos. vam de habitus. Todavia, mesmo no caso dos hábitos intelectuais, não rn
E, embora seja possível chegar a reduzir o tempo do sono, jamats poderia pôr em dúvida a realidade de uma base fisiológica, nem tampouco
90 PSICOLOGIA O HÁBITO 91

(:o~5oante s_e demonstro~ (lei de JosT), é proveitoso espaçar as senta-se como uma reação explosi11a instantânea ou como uma
repet1ç_o~s. . O. 11;tervalo mais .co~venien.te varia bastante segundo cadeia de reações descontínuas, enquanto que o hábito aparece
as espec1es, md1V1duos, circunstancias e genero de hábito que se. pre- .como uma organização em que cada movimento provoca todL•.;
ten~e ª?-q~i~ir. Esta lei se explic_';'- pela necessidade de uma «matu- os outros, por efeito de uma espécie de franqueamento, isto é,
raçao biologica> (PIÉRON). Frequentemente, depois de infrutíferos
e~forços pa~a formar hábitos motores (p. ex., para aprender a pa- de uma aptidão de cada elemento do todo para abrir caminho
tinar), segmdos de largo tempo de abandono dêstes ensaios, veri- ao seguinte,
fica-se que, de repente, à primeira tentatÍ}'a de retomá-los auarece "'··'
forJ?ado o h~bito. Isto pode explicar-se ao mesmo tempo 'pela efi- Por ~í !e explica estoutro contraste: o hábito dura, enquanto
cácia dos primeiros esforços (memória orgânica) e pelo efeito do que o reflexo não dura. O reflexo, com efeito, não é mais que uma
· resposta momentânea a uma stiuação presente exatamente defini-
repouso orgânico e psicológico consecutivo à interrupção dos ensaios. da; pode, sem dúvida, ser repetido indefinidamente, mas cada vez
Que explicação se poderia dar do paradoxo dos hábitos forma- é um nôvo ato, sem relação com o anterior nem com o seguinte.
dos desde o primeiro ato? Alguns psicólogos pretenderam por vêzes Espécie de atividade pontual e instantânea, o reflexo esgota-se cada
que todo hábito ?everia formar-se de uma vez, sem o que, dize~ vez em seu ato. O hábito, pelo contrário, dura; constitui um estado;
êles,_ nunca podera formar-se, por não deixar o primeiro ato nenhum possui a estabilidade de uma qualidade e, assim, subsiste indepen-
vestigio. Com efeito, o segundo, que neste caso partiria de zero dentemente dos atos que o atuam, como uma capacidade àe res.,-
tampouco o deixaria, nem o terceiro, nem nenhum. Há, porém, aquÍ ponder a situaç6es indefmidamente 003'iadas-, e dE' se aperfeiçoar
um equivoco. Sem dúvida, todo ato que deixa uma «marca> mais
ou menos profunda na, «memória orgânica> (vias nervosas) cria. por êste exercício.
por isso _mesmo, ~ma possibilidade de hábito. Mas hábito própria..: Por outra parte, não é, tampouco, possível reduzir o re~
mente ·ctito só exrste quando a modificação é adquirida e estável. flexo condicionado ao hábito. O reflexo acha-se efetivameuti·!
Qua~o o hábito pare~e haver-se formado de um golpe, é que já
havia uma predfsposiçao, quer por efeito de instintos e de tendên- condicionado por um hábito (por exemplo, nas experiências de
cias mais ou menos atualizadas, quer pela preformação parcial do PAVLOV, pela associação habitual do assovio - excitante con-
sistema que o hábito vai constituir. Assim, um bailarino profissio- dicional - com a apresentação do pó de carne - excitante
nal pode aprender ao primeiro ensaio uma dança nova desconhe- absoluto), e êste hábito associativo permite a transferência, ao
cida por êle até então, e um pianista exercitado domin~ imediata- excitante condicional, da energia própria do excitante incondi-
mente o trecho que acaba de tocar pela primeira vez. ·
cional. Mas justamente esta transferência que constitui o re-
;;
74 c) Hábito e reflexo. O esquema fisiológico do hábito pro- flexo ·é, como tal, essencialmente distinta do hábito que a coJ1.-
1
_;; porciona, com freqüência, o fenômeno da transferência associa- diciona.
,. tiva ou reflexo condicionado (58). Dêste ponto-de-vista o há-
Observemos, ademais, que o «reflexo puro> quase só existe no la-
bito seria o resultado da formação e da combinação d~ arcos boratório, isto é, é arpenas uma abstração, um esquema, um corte no
reflexos, isto é, de associações funcionais entre neurônios, que real, realizado mediante processos artificiais. Isto não significa que
formam combinações coordenadas entre si e promovem deter-- o reflexo não corresponda a coisa alguma na- natureza, eis que
«abstrair não é mentir». Trata-se, porém, de compreender que, pa-
minado comportamento do sujeito logo que o excitante se en- ra obter o reflexo puro, há que isolar a atividade reflexa no seio
contra em ação. da, atividade geral do vivente, visto que ela nunca está lsolada e
Na realidade, não é válido êste esquema: nem o hábito independente: forma parte do comportamento total do vivente, e
pode ser reduzido a um reflexo, nem o reflexo pode reduzir-se acha-se mais ou menos em função dêste total (59-60). Normalmen-
te seu lugar sua realidade e seu sentido estão dentro e a serviço
ao hábito. Por uma parte, com efeito, o reflexo é dado pela d~ atividad~ mais complexas e elevadas, tais como o hábito e o
natureza ( o que vale também para o reflexo condicionado, pelo instinto, a inteligência e a vontade.
menos sempre que a fôrça do excitante condicional deriva, por
É de mister, pois, distingu~r o hábito dos mecani~mos ~que
:associação, da do excitante absoluto, ao passo que o hábito é constrói e emprega para seus fms. Longe de se reduzir a eles,
adquirido pelo vivente. De outro ponto-de-vista, o reflexo apre-
domina-os. Sem dúvida, deve também submeter-se-lhes: mas
neste caso comporta-se como o obreiro que se submete ao instru-
;eontestar, para as operações do espírito, a realidade de um condicionamento mento que criou para suas necessidades. O automatismo do re-
,cerebral (67 )_. Q_uanto a !?recisar a natureza dêste condicionamento fisioló- flexo aparece como um fato de natureza, ~o passo que o d_o
,glco dos hábitos _mtelectua1s, é impossível no atual estado da ciência. Tudo
,o. que se pode dizer é que, igualmente como as funções intelectuais os há-
hábito é adquirido e vem a ser, como tal, mstrumento de h-
'.bitos que as aperfe_içoam não devem estar ligados a estruturas defi~das. beração e de superação da natureza.
O HÁBI TO 93
92 PSICO LOGI A
t,
s cond ições pode m re- a nada r para frent e. Tudo isto,
75 _3. Con_di~õ~ psicológicas. Esta ·, de nôvo, e final ment e põe- setecer a a meno r modi fi-
no inter esse , que gove rna a aten ção , e na intel ig,encza obse rva JENN INGS , pode acon sem que exist
sum ir-se . d cond ições exter nas (fig. 6).
q ue dá cont a os mec anis mos
d exig idos pelo hábi ºto a f"
1m e caçã o perce ptíve l nas
· ' l · l"f' , -los. Daí se segu e que, plex a verif ica-s e a
orga niza - os,_ s1mp 1_ 1ca-los e coor dená Nos .anim ais de orga niza ção mais com
no homem~ sa?_ parti cula rmen te efica zes os fatô res psicológicos. assin ala a pass agem do
enco ntra m em ação nos anim ais inter venç ão da mem ória sens ível que iníci o tírr.idos e desa .
Mas tamb em Ja se ensa ios, de
., puro refle xo , ao hábi to. Os ranç a, até culm inar. em
ento já exige. certa ativi - jeita dos, adqu irem pouc o a pouco segu e.
d d ª~ Ensa ios e e~rf>s. O ades tram perc epçã o-sin al só pode raça do e firm
a e part e d? amm al, visto que a num com port ame nto dese mba
num conj unto dado E
P:od uz1r seu efeit o se está inte grad a conJ·unto e por · As expe riênc ias empr egam aqui larga
ment e o processo do la-
nao tem valo r senã o em orde m a êste , , cons e- ou da jaula -que bra-c abeç a, Por exem plo, ence rra-s e um
·· · 6 cert a ativi dade , que surg e birin to
a gaiol a cons truíd a em form a seude
quen cia, s po_de ser nota da med iante cão, um gato, um rato, e,tc. nummant ido em jejum , pode ver
D0UGALL ( An Outline of
no decu rso da ipter preta ção. É o que Me labir into, e de onde o anim al,
urou salie ntar , ao acen tuar. alim ento pôsto do lado de fora. infru Para sair do labir into, o anim al-
Psyc~ology, pags . J68 e segs .) proc ânic ame nte o ades tra- tem de fazer nume rosos ensa ios tífero s. A fôrça de tatea men
que O
os _os ensa ios para expl icar mec ntrar a saida . Se se repe te a expe riênc ia,
o deci siva de tos, o acaso far-l he-á enco
men to es~o, f'.1-dados a frac assa r por esta razã o des movi ment os instin tivos . Aos poucos,
due nota -se uma dimi nuiçã
ades tram ento há _pelo men os um ato psíq~.ico prog resso s, o anim al sai ràpid amen te do labir into.
no PN:1-C?lpio do não é caus a após irreg ulare s
inad a, e o hábi to form ado.
os têrm os, o mec anis mo A apre ndiz agem está term
e c_onhefci!tne nto. Em outr . · '
pore m e e1 o e resu ltado lanç am mão todo s
"ens aios e erro s" t:ste proc esso de tatea men to é o de que as se assin alam
O méto do de form ação dos hábi tos por s, apen
os anim ais. Dos infe riore s aos supe riore rega mais fàcil men -
irma clara men te esta conc lusão . Nos ani- A próp ria crian ça emp
ou ?1~eam~ntos conf dife renç as de grau .
taçã o à situa ção imed iata. o méto do, e até o adul to
te o proc esso de ensa ios e erro s do que
i
mais mfer1_?res produz-~e uma adap algu m. ·'
pare ce deix ar vest ígio rrer a êle cada vez que se sent e inca paz de
mas que nao vê-se obri gado a reco o.
repr esen tar-s e men talm ente um mec anism
s supérieu.rs, trad. de P. Gun.LAm.u:,
KõHL ER (L'in tellig ence des singe é «não só se disti n-
afirm a (pág. 258) que o chim panz
Paris , 1927) xima r das raça s hu-

o ii'
is anim ais em virtu de de se apro
gue dos dema teres morfológicos e fisiológicos,
man as por tôda uma série de carac de cond uta que são cons idera das
G
como tamb ém apre senta form as
amen te huma nas» . Entr etan to, por um lado, quan to
como espe cific intel igênc ia, obse rva KêlHLER que «o
""'-- à exten são ou ao domí nio da
nstra uma gera l debil idade de orga nizaç ão que o
chim panz é demo do home m». Por outro lado,
que
r acerc a mais dos maca cos
a comp araçã o de KõHL ER
infer
é
iores
feita sobre tudo com a crian ça. E nisso

"'-1
o ' há uma fonte de grav e
tos, como os anim ais, mas
mais e mais , à prop orção que
confu
pode
são.
proc
·vai
A crian
eder
cresc
ça
por
endo .
proc
méto
ede por tatea men -
do, e a êle recor re
Cois a que o anim al
- 2
que o chim panz é possu i comp or-
Fig. 6. Movi mento s de adapt ação
de um param écia em co um não faz. Não se pode dizer, pois, pela só razão de, em sua cond uta,
corpo sólido (segu ndo JENN INGS ).
ntato com tame nto espe cific amen te hum ano dade , suce de preci same nte o
ente tomadas pelo paramécia. pare cer-s e com a crian ça. Na éreali que se pare ce com a do anim al.
.As setas indicam as direções sucessivam cont rário : a cond uta da crian ça
same nte, a.o meno s em
mesm o temp o, sobl' epuja -a imen
Mas, ao
suas possibilid ades.
of Ps h Ol ' . .
Me DOUGALL ( An Ou.tline OgY_, pag. 6,5) ms1ste, segu ndo sôbr e as cond ições
JENN INGS (The Beha i'ior of
.
L yc
ow~~ Orga nism s, pag. 17), em que
o 76 b) Apre ndiz agem . As expe riênc ias part icula rmen te
comp ortam ento d ifest a espo ntane idade e ini-
da apre ndiz agem , isto é, do habi tuar- se, são
ciati va Assim os umc~l~lares Ja man:1-te, quan do entra em con- de msn eira perf eita-
tato cÓm um obj~ta:J-i1:1ecio : norm alme
recua , inter essa ntes . Dem onst ram tôda s elas, da apre ndiz a-
a O movimen~o de seus cílios,imóv
cont orna O objet o e se ~do, alterte. el men te clara , o imp orta nte pape l que no prog ress o
Outra& vezes, perm anec e es.
fixo na supe rfície mu~ae, adian
, no mesm o lugar , de direç ão, imob iliza -s: gem dese mpe nham os f atôres consçient
·
94 PSICOLOGIA O HÁBITO 95

Citaremos aqui as experiências de THORNDIKE sôbre os fatôres O método serve sõmente de meio de contrôle. No nível
da aprendizagem. 4 Dantes, sob a influência. do associacionismo; mais elevado, há ao mesmo tempo re'f)resentação do fim e dos
formulava-se a. lei seguinte como lei fu.ndamental da aprendizagem: meios: os mecanismos a serem empregados são previstos, estu-
a simples repetição de uma atividade torna cada vez mais fãcil essa
atividade. THORNDIKE demonstra que a simples repetição de uma dados, organizados e estritamente coordenados em vista de
atividade é insuficiente. Eis uma das experiências que alega para obter o resultado que se busca o mais rápida e fàcilmente possí-
co9firmá-lo. O sujeito, de olhos vendados, está sentado à mesa co- , vel. Pouco a pouco, à medida que o hábito se forma e se re-
berta com uma fôlha de papel, e segura na mão um lápis, cujaí ponta força, a representação dos movimentos a fazer assume a forma
apóia contrBi uma régua que perlonga a borda da mesa. Pede-se-lhe de um simples esquema motor, cujo principal papel é provo-
que trace, p., exemplo, uma linha de 0,20 m, bem como se lhe manda
fazer 200 exercícios. A mesma série de ensaios repete-se durante car o conjunto das operações que formam um todo ou um
10 dias seguidos, sem se· informar o sujeito dos resultados obtidos. sistema.~
Segundo a dei do exercicio>, a variabilidade dos ensaios deveria
diminuir progressivamente, na ra-zão direta do número das. expe- 4. O hábito como signifi~ motora. As observações
riências. Pois bem: • verfica-se que é tão grande no último dia como que precedem não devem ser entendidas como se implicassem
no primeiro. uma concepção intelectualista do hábito, como se êste fôsse o
THORNDIKE demonstra, além disso, por outras experiências, que
os fatôres de aprendizagem (isto é, de habituação) são: a depen..: resultado de um ato intelectual que lhe organizasse os elementos-
dência, ou o fato . de os objetos que se hão de assimilar constituírem e, uma vez realizada a organização, nada mais tivesse a fazer.
conjuntos ou todos, lógicos ou convencionais; o efeito da atividade: Dêste ponto-de-vista, o hábito não passaria de um saber abstra-
o sucesso, ou êxito, facillta o progresso; o efeito malogrado (fra- to. Mas neste caso não se compreenderia como a intervenção da
casso) ora retarda o progresso (quando deprime ou desanima o consciência, isto é, como a revocação efetiva do ato intelectual
sujeito), ora ajuda êsse progresso (quando a sanção estimula o
esfôrço e a atenção). 11 tstes dois fatôres significam, à evidência, constitutivo do sistema habitual tenha por efeito perturbar-lhe
que no princípio da aprendizagem, e portanto do hábito, existe um o desenvolvimento. Exatamente o contrário é que deveria su-·
fato mental. ceder.
c) O método. No processo de ensaios e errôs, o mecanis- Na realidade, a atividade inteligente é certamente uma
mo é descoberto por casualidade. Pelo método, é representallo condição da aquisição dos hábitos, porém uma condição extrín-
mentalmente, e esta representação é que orienta os esforçoR seca e acidental. Sem dúvida, o hábito se apresenta como a
do sujeito. Isso _é o que distingue essencialmente o comporta- captura de uma significação, visto que êle é um sistema; mas·
mento animal da conduta humana. O homem é catpaz de pensar esta captura não é uma operação abstrata que associe, sob uma:
o conjunto do sistema, isto é, a continuidade dos meios coorde- idéia, elementos múltiplos e díspares. É essencialmente "um-<&
nados destinados a r ealizar um fim dado. É isto justamente o apreensão motora de um significado motor", isto é, um saber
que se chama o mé,todo (I, 132). que está em meu corpo e que até se identifica com o corpo, e
pelo qual o mundo da ação se acha simultâneamente figurado
O método pode ter diversos graus. Em seu nível mais baixo, por minhas intenções motoras e integrado em meu espaço
é imitação de um modélo. Neste caso há representação do fim corporal.
a realizar, porém vaga imaginação dos meios a empregar. Na
escolha dêstes deve intervir o processo de tateamento, morm,m- :11: isto que permite compreender, por exemplo, que uma pessoa,
saiba dactilografia e não seja capaz de dizer, de repente, onde se-
te quando se trata de adquirir hábitos motores, cuja formação encontra tal ou qual sinal do teclado. Isto também exclui que O'
encontra resistência orgânica. 6 hãbito seja um puro mecanismo automático (soma de reflexos con-·
dicionados) ou um puro conhecimento (noção de movimentos obje-
tivos que se hão de produzir para mover cada uma das letras do
4 Cf. E. L. THORNDIKE, The Fundamentais of Lea-rning, New York. teclado). De fato, «o sujeito sabe onde se encontram as retras do
1932; The Measu-rement of Intelligence, New York, 1934. teclado como sabemos onde se encontra um de nossos membros,
5
A experiência acima referida é modificada da maneira seguinte: Cada com um saber de familiaridade que não nos dá uma poslção no
v_ez que o sujeito traça uma linha compreendida entre 0,18 m e 0,22 m, o expe- espaço objetivo. . . Quando a dactilógrafa executa sôbre o teclado
rim~nt_a?or diz: "Bem"; no caso contrário, diz: "Mal". Observa-se que a os movimentos necessários, êstes movimentos são dirigidos por uma
var1ab1lidade dos traçados torna-se cada vez menor. intenção, mas esta intenção não põe as teclas do teclado como lu-
6
Sabe-se que a criança que aprende a escrever segundo um modêlo gares objetivos. Verdade é que, ao pé-da-letra, o sujeito que apren-
que ten:i diante dos olhos deve fazer esforços desajeitados e repetidos para de a dactilografar integra o espaço do teclado em seu espaço
descobr~r e <:_oordenar os movimentos que há de executar, e para eliminar corporah (M. MERLEAu-PoNTY, La Phénoménologte cDe la Pe,-ce-ption,
as gesticulacoes inúteis. Paris, 1945, págs, 168-169).
!/
1
O HÁBI TO 97
' PSICO LOGI A
96
três mese s de separ ação: pode-lhe -se
ca, absol utam ente, ao cabo de ainda o desor ganiz ando
., B. Cond ições do desu so. supri mir a divisã o. Elim ina-s e o hábit
, aind a os mais elem ento nôvo : o rato que sem
Os hábi tos adqu irem -se e pode m perd er-se o meca rusm o por adjun ção de um alha- se todo quan do a form a do
77 desu so) são exa- hesit ação sai do labir into atrap
nto ( ou os que deve fazer desor ga-
inve terad os. As leis de desa pare cime desfa zer- labir into é modi ficad a. Os novo s ensai
s às leis de aquis ição, e é poss ível tivo. Enfim , empr ega-s e . freqü entem ente o
tame nte cont rária -los, já deso rga- nizam o hábit o primi
no meca nism o habit ual um ele-
de,.e xercê duzin do
mo-n os dos hábit os, já abste ndo- nos méto do de inibiç ão, intro
ao arum al. O rato que, a meio -cam inho do
nizan do o siste ma que comp õem. ment o desag radáv el jacto de água ferve nte, acele rará
labir into, receb e regul arme nte um
cump rime nto dos sair.
1. A absten!;ão. A abste nção , ou não a corri da ou não mais tenta rá.
itir duas form as ou grau s, send o um nto do hábi to,
atos habi tuais , pode adm habi tuàis , e o Nest es e nos dema is casos , o desa pare cime
atos
a dimi nuiçã o prog ressi va do núm ero de ambo s os caso s, corno o esqu ecim ento, tem por caus a dete rmin ante a desagre-
de um só golpe . Em se man ifes-
outro a supr essão radic al, efeit o norm al do gação dos siste mas moto res med iante os quai s êle
r o
a vont ade é que deve inter vir para inibi nrola r dos moi, i- tava . Essa desa greg ação , aliás , rara men te é total , quan do o
dese ncad ear e o dese a revi-
.';inal e por isso mesm o, o m o meca nism o ha- hábi to estav a solid amen te orga nizad o. É o que expli ca
mentos'. gestos ou palavras que cons tituedo maço de ciga rros r ou men
vesc ência dos hábi tos perd idos, e a maio As mesm as obse rva-
or facil idart e
bitual. Tal o fuma nte em quem a vista auto màti came nte o que se expe rime nta em resta belec ê-los .
a
pôsto em cima de sua secre tária dete rmin decidido a fum ar
ecim ento, cons idera do
ções há que fazê- las com relaç ão ao esqu tos moto res.
·e acen dê-lo , e que,
gesto de toma r um ciga rro te a mão, ou coloca como a oblit eraçã o de um siste ma de hábi
meno s ou a não fuma r, detém volu ntàri amen mini smo habi tual. de ctesaparição dos hábit os
para evita r o deter Conv ém distin guir bem os processosserve
os ciga rros num a gave ta, 79 m para· refre ar ou ate-
de inibi ção, o hábi to, os ssos que
A pouco e pouco, se é man tido o esfôr ço
í próp riame nte ditos e proce
Conf unde m-se amiú de essas duas
).
ido pelo dese ncad ear auto máti co do nuar as te71:dências e as paixõ es.
inter vém para fa-
isto é, o meca nism o defin coisas, porqu e, como se viu, o hábit o geral ment e
simp les vista do maço , ponto -de-v ista, é
gesto de toma r um ciga rro e acendê-lo à cilita r às tendê ncias seu livre exerc ício. Dêste
á sôbre a tendê ncia que
falta de exerc ício. hábit o reper cutir
êsse hábi to desa parec e, por certo que a ruptu ra da um
Mas a tendê ncia e a
Com maio r razão desa pare ce o hábi to por falta de exercí-- o utiliz a, para enfra quec er ou arrui nar esta.
contu maz que con-
ou ofício, espo rte ao hábit o. O fuma nte
técni ca (arte paixã o pode m sobreviver
cio, quando êle não é senão uma o instr umen to de uma segui u inibi r o autom atism o de que acim a faláv amos nem por isso
que se deixa de prati car, e não fuma r, que pode ser exerc ida de
ou jôgo ) aban dona o exer - está curad o da neces sidad e de
obsta nte, se a
er. O pian ista que plo na rua. Não
paixão que é de mist er venc r desa strad amen te; muit as outra s mane iras, por exem
isso, atenu ada, fica de pé que
cício e não toca mais , acab a só sabe ndo toca neces sidad e de fuma r se acha, com
a técni - atism os pelos quais se exerc ia a
a mais esqu ece ràpid amen te o hábit o (isto é, a série de autom
o desp ortis ta que não trein tendê ncia (cuja s form
neces sidad e) e a neces sidad e ou meiro s mais ou menos tirâni cos)
as passi onais
ca de seu desp orto fami liar. alime ntam comp ortam entos costu orta-menta, costu meiro que
vêzes, que o hábi - são duas coisas distin tas. Por isto,sero comp
2. A desorganização. Obse rva-s e, às é à base de paixã o exigi rá, para
domi nado , um esfôrço de von-
subs tituiç ão, isto é, por aquis ição de r, e que mesmo só reque r na
to pode ser destr uído por tade que o hábit o nem semp re reque exerc ício d.e uma necessidade
guir. É certo que êste
um hábi to cont rário ao que se quer extin medi da em que serve efica zmen te ao
cialm ente na orde m mora l, porq ue
proc esso é muit o efica z, espe ou de uma pa.i.xão.
: norm alme nte, cons e-
dá uma final idad e posit iva à ativi dade to da cóler a esfo r-
gue- se mais fàcil ment e corri gir-s e do hábi
e de doçu ra, do que
çand o-se por adqu irir hábi tos de paciê ncia face a urna pro-
pron ta a explo dir
limit ando -se a sufo car a ira a-se muit o mais à
vocação habi tual. Tudo isto, poré m, aplic
,que ao próp rio hábit o. Para venc er
tend ência ou à paix ão do nção , consiste e·rn
êste, o meio mais eficaz, de envo lta com a abste
tr,',' desorganizar o siste ma que êle cons titui.
Abstenção e desag regaç ão são aplic áveis aos anim ais. Obse rva-s e,
/:' 78
por exemplo, o desap areci ment o dos reflex
e,
os condicionados pela não-
um lúcio separ ado, por uma
l .'
repet ição das exper iência s. Igual ment
l
cadoz es que costu ma ataca r, n ão mais os ata-
divisão de vidro, dos
! •

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LIVRO I

A VIDA SENSiVEL

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, A VIDA SENSíVEL
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.J
80 Por "vida sensível" entende-se o conjunto dos fenômenos
cognitivos e dinâmicos provocados no sujeito psicológico por
excitações vindas dos objetos materiais externos, ou que têm
por fim objetos sensíveis externos. Essa dupla. série de fenô-
menos, especificament e distintos, mas em relação mútua cons-
tante, define tôda a vida psíquica dos animais. No homem, a
própria vida sensível é enformada, penetrada e parcialmente
governada pela vida intelectual. Mas os fenômenos sensíveis,
cognitivos e dinâmicos nem por isso deixam de conservar a sua
especificidade própria, que, sob o benefício de uma noção pre-
cisa da sua inserção funcional no dinamismo total do sujeito
psicológico, autoriza a estudá-los em si mesmos e por si mesmos.

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PRI MEf fiA PARTE
·,;: ·i"?
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EL
O CONHECIMENTO SEN SIV

sob o títu lo ger al de co-


81 Os fenômenos que são agr upa dos ltam ime diat ame nte da ação
resu
nhecimento sensível são os que sen tido s corporais. Uns (sensa-
dos objetos exte rno s sôb re ·os sen sori ais da percepção, que é
ções) con stit uem as condições imento sensível. Os out ros re-
por excelência o ato de conhec os sensíveis : mem ória e ima gi-
fere m-s e à conservação dos dad e de con serv ar o pas sad o en-
nação. A memória é a facu ldad o é a facu ldad e de con serv ar e
qua nto passado. A imaginaçãsíveis como tais , sem alusão ex-
de faz er rev iver os dados sen as que se form ula m a seu res-
pre ssa ao passado. Os pro blem es de fixação e de conservação
pei to são os refe ren tes às condiçõ
ima gen s ent re si (pro blem a da
das imagens; à associação das bina ção das ima gen s ent re si,
assocúição das idé úis) ; à comde vol unt ária do suje ito (imagi-
que r por efeito de um a ativ ida r por efeito do seu auto mat ism o
nação crúidora e invenção), que os patológicos). Tai s são as
pró prio (devaneio, sonho e son conhecimento sensível.
do
questões que sus cita o estu do

{'.

j.
CAPÍTULO I

CONDIÇõES SENSORIAIS
DA PERCEPÇÃO

SUM ÃRI0 1

são eleme ntos.


Art. I. NOÇÃO DE SENSAÇÃO. As sensa ções não
Defin ição. Processo da sensa ção.
ção. Natu reza do
Art . II. FISIOLOGIA DA SENSAÇÃO. A excita ão das limiar es.
excit ante. Natu reza da excit ação. A quest
r. Limi ar primi tivo e limia r difere ncial .
Noção de limia das sensa ções. For-
Lei do limia r. Probl ema da medi da
Discu ssão. Lei psico fisiol ógica de
ma do probl ema. Teor ia de MÜLL ER. Dis-
F'ECHNER. A impre ssão orgtin ica,.
ção. O probl ema. Tropi smos , re-
cussão. Sede _da sensa
flexos, sensações. Funç ão do céreb ro.
- -~· PSICOLOGIA DA SENSAÇÃO. O sensa ata de senti r. A -~en-
Art . III. ção da ção. Medida. Os
sação como intuiç ão. Dura
temp os. As qualid ,ades sentid as. Atomismo
difer entes ade das sensa -
assoc iacio nista. Simp licida de e comp lexid
ções. Relat ivida de das sensa ções.
de distin ção. ,·
Art. IV. AS DIVERSAS SENSAÇÕES. Prinl!cípios grupo s de sensíveis.
Senti dos exter nos e intern os. Os Ouvid o. Vista. Tato.
Diferente-s sentid os. Gôsto , Olfat o.
COM UNS. Naçõe s gerai,s. Os três sensíveis
Art. V. SENSÍVEIS s. a. Os três
comu ns. Expe riênc ias, noçõe s, teoria Espaç
Dura ção visce ral e sensó rio-m otora .
espaços. Dura ção. Movi ment os objet ivos e
Dura ção e temp o. Movi ment o.
movi ment o. Sens ação e perce pção.
subje tivos . Noção do ções.
Complexos sensív~is. Elem entos e condi
FILOSOFIA DA SENSAÇÃO. Atoção de conh ecime nto . No-
Art. VI. cama conh ecime nto.
ção de conh ecim ento. A sensa
,j ! Impr essão repre senta tiva. Intui ção sensível.

ji 82
conhecimento, pelo qual é apre endi do um obje
ngui r o ato de
No fenô meno cognitivo há razã o para disti sensível, e o
to
·11
jí 1 et sensa to. SANT O TOMA S,
'¾.,_..,, Cf. ARIS TóTE LES, De Anima ; De sensu
sensu , Ia., q. 78, art. 3. JOÃO DE
1
ntário s sôbre o De Anim a e o De
. , Come
us, III, q . V-NII I, De sensibus.
SANT O-TO MAS, Cursu s philosoph.ic
JAME S, Préci s de Psych .ologi e, trad. de BAUD IN, Paris. 1909. J . DE LA
W.
ERE, Eléme nts de Psych .ologi e expér iment ale, Paris. 1912. WOO D-
V AISSI
sa, Paris, 1903. PRAD INES , Philo -
WOR TH, Le mouv emen t, trad. france
la sensa tion, 3 vols., Paris, 1928-1932. PIÉR ON, Psych ologie ex-
sophi e de
106 PSICOLOGIA CONDIÇÕES SENSORIAIS DA PERCEPÇÃO 107

próprio objeto sensível enquanto conhecido, o que leva a insti- mal), e um estado afetivo mais ou menos intenso (prazer ou
tuir um duplo estudo: o da percepção como atividade psicoló- dor), ligado a essa apreensão e determinando, êle próprio, uma
gica, e o dos seus objetos. Para ser preciso, deve êste estudo, reação motora do sujeito que sente (atenção, atração, repulsa,
por sua vez, subdividir-se, porquanto os objetos da percepção desejo, etc.). Os elementos cognitivo e afetivo estão em rela-
podem ser considerados como todos ou como complexos de qua- ção inversa um do outro: quanto mais forte é o estado afetivo,
lidades sensíveis. A apreensão dêstes últimos, chamada sensa- tanto menos nítida é a representaç~.
ÇM, é a condição fundamental da percepção ou apreensão do '
objeto como tal. É por isto que devemos começar por estudar 3. Processo da sensação. Jl'.:ste processo supõe, como
a sensação como atividade psíquica (sensatio) e seus objetos causa inicial, um fato físico de excitação produzido por um
como qualidades sensíveis (sensata). objeto exterior; como constituinte fisiológico, a modificação de
um órgão sensorial por efeito do excitante; e, enfim, como
ART. I. NOÇÃO DA SENSAÇÃO • constitutivo próprio da sensação, um fato psicológico ao mesmo
tempo cognitivo e afetivo, acompanhado de reações motoras
1. As sensações não são elemenfus. É normal começar diversas.
o estudo do conhecimento sensível pela sensação. Mas, desde o
início dêste estudo, importa compreender bem que não se trata
de considerar as sensações como os elementos ou partes de que ART. II. FISIOLOGIA DA SENSAÇAO
se comporiam as percepções, De fato, todo conhecimento é
percepção de objeto, e só por abstração é que a sensação é § 1. A EXCITAÇÃO
isolacla no seio do processo cognitivo total. Os teóricos da for-
ma ( 41) não admitem a legitimidade desta abstração. 2 Mas, sem 84 1. Natureza do excitante. Chama-se excitante ao obje-
dúvida, concedendo-se-lhes que o todo está antes das partes, e to material cuja ação sôbre u-m órgão sensorial determina a mo-
que estas só se compreendem bem em função do todo, isto é, do dificação dêsse órgão. Isso implica imediatamente que qual-
objeto, fica-se obrigado, para proceder metódica e cientifica- quer objeto não pode ser um excitante para qualquer sentido, e
mente, a começar pela análise. Se o objeto é dado primeiro, também que um objeto material só é um excitante pelas proprie-
não podemos entretanto conhecê-lo como tal, isto é, em sua uni- dades que determinam efetivamente a sensação. Só é excitante
dade funcional, senão precisando-lhe o jôgo combinado das o objeto que excita: o infravermelho, por exemplo, não é um
partes ou das condições. Deve-se, pois, começar por estudar ,Q ' excitante para o ôlho, e, se a forma redonda e colorida de uma
estas, mas sem jamais perder de vista o todo pelo qual e para laranja é um excitante para o gôsto, é unicamente em virtude
de uma associação entre essa forma colorida e o sabor que lhe é

-
o qual elas existem.
próprio. • Distinguem-se, por outro lado, coroo mais acima se
88 2. Definição. A sensação define-se como o f ('/Yl,ômeno :. viu (56), excitantes naturais ou adequados, e excitantes arti-
psíquico determinado pela modificação de um órgão sensorial. ficiais ou inadequados.
Quando se analisa êste fenômeno, descobrem-se-lhe dois ele-
mentos distintos: um conhecimento de um objeto (objeto ma-
3 Os antigos, à falta de dados fisiológicos exatos, pensavam que certos
terial), que é essencialmente a apreensão de uma qualidade sentidos (particularmente o da vista) podiam conhecer seu objeto sem ex-
sensível: calor, azul, sabor ácido, resistência, etc. ( objeto for- perimentarem nenhuma alteração física ou modificação orgânica (cf. SANTO
TOMAS, la. q. 711, art. 3). Só lhes parecia necessária, para a sensação, uma
"modificação intencional" (immutatio spiritualis ou ato de receber uma
périmenta!e, Paris, 1934. BOURDON, La perception visuelle de !'espace espécie sensível). Hoje sabemos que tôda atividade sensível supõe, como
Paris, 1902. E. DE CYON, L'oreille, Palris, 1911. LARGUIER DES BANCELS: condição prévia, uma alteração física ou modificação orgânica. Mas, bem
Le gout et !'odorat, Paris, 1912. VILLEY, Le mande des aveugles, Paris, entendido, como várias vêzes o fizemos notar, essa modificação física do
1914. DUl\>IAS, Noveau Traité de Psychologie (BOURDON). Le toucher, II, órgão não é a sensação e não pode bastar.
págs. 90-130, e V, págs. 58-69; La vue, II, págs. 157-197, e V, págs. 10-58 . ., 4 :ftsse ponto-de-vista da "associação" só é válido por abstração. Da
LAVELLE, La perception visuelle de la profondour; La dialectique du monde fato, como mais adiante se verá, não há associação de qualidades, mas sim
sen~ible, Paris, 1921. NOGUÉ, Esquisse d'un svsteme des qualités sensibles, percepção de todos ou de estruturas: o conhecimento não é realizado ·por
Paris, 1943. PIÉRON, Le sensation, Paris, 1952.
Prtssagem da forma redonda e colorida para o sabor, mas Fela apreensão

2
Sal".º• entretanto, KOFFKA. Cf. "Psychologie", em Lehrbuch der da laranja como. um todo, no qual estão implicados figura externa, côr, sabor,
Phi!osophie, von M. Dressoir, Berlin, 1925, pág. 548. resistência, etc..
108 PSICOLOGIA
CONDIÇÕES SENSORIAIS DA PERCEPÇÃO 109
2. Natureza da exci~o. Procurar a natureza da exci-
tação, do ponto-de-vista físico, é aplicar-se a descobrir a natu- 2. Limiares diferenciais.
reza do fenômeno material produzido pela ação do exci-
a) Sensibilidade diferencial. O limiar primitivo ou ab-
tante sôbre o corpo. Ora, nada há de certo sôbre êste ponto.
soluto define o que se chama a sensibilidade fundamental. Al-
WUNDT distinguia "sentidos mecânicos" ( tato, vista, ouvido)
guns foram levados a distriguir, ainda, uma sensibilidade dife- .,.
e "sentidos químicos" (olfato, gôsto), supondo que nos pri-
rencial, peta qual o sujeito percebe as intensidades das diver-
meiros a excitação era todo mecânica ( choque vibratório) , e sas sensações e, por isso mesmo, as variações de intensidade
4 era química nos segundos. Nada menos certo, porém. O único
seguro a·qui é que a excitação fisiológica (impressão orgânica)
das excitações. Aqui igualmente se descobrem limiares, isto é,
,\ -h á para cada sentido um grau de aumento mínimo da excita-
não pode ser reduzida à excitação física (modificação mate- &ão para que êsse aumento seja percebido. Sabe-se, por expe-
rial do órgão), nem, por conseguinte, aparecer como um sim- riência, que um grama acrescentado a um pêso de um quilo
ples resultado desta, o que vale ainda mais, a f ortiori, da sen- que se tem na mão não é, de modo algum, perceptível. ~stes
sação, ato psíquico irredutível a uma modificação ( química ou limiares são chamados limiares diferenciais.
física) dos tecidos. Experimentalm ente, a distinção radical
se impõe, pelo fato de não haver igualdade entre a excitação b) Papel da sensibilidade diferencial. A sensibilidade
e a sensação, quando no mundo inorgânico existe sempre uma diferencial desempenha ·uma função considerável na nossa vida
relação de igualdade entre a ação (antecedente) e a reação sensível. Muitíssimas vêzes, só percebemos nitidamente obje-
(conseqüente) . tos ou qualidades por efeito das mudanças que êles sofrem:-
É assim que só prestamos atenção a um som contínuo pelo au-
mento súbito que êle recebe, ou, ainda, que, para apreender-
§ 2, A QUESTÃO DOS LIMIARES
mos e apreciarmos as diferenças de tom de uma mesma .côr,
nós aproximamos os tons diversos e os fazemos deslizar um
A. No~ de limiar sôbre o outro. Sabemos também quão depressa, pelo jôgo do
hãbito, nos tornam.os pouco sensíveis a estados contínuos (pêso
85 Distinguem-se duas espécies de limiares: os limiares pri-
das roupas, contato das vestes com a pele, etc.), para os quais
mitivos ou absolutos e os limiares diferenciais.
a nossa atenção só é atraída pelas mudanças que êles sofrem,
1. Limiares primitivos. É um fato de experiência cor- quando essas mudanças têm a importância requerida por
rente que o excitante só determina a sensação quando atinge limiar diferencial respectivo. Foi partindo dêsses fatos que
e não ultrapassa uma certa intensidade. Um pêso de 1 g na filósofos como HOBBES e BAIN afirmaram que nunca percebe-
mão não é "sentido". Uma luz demasiado viva cega. Há, por- .m os objetos ou qualidades, mas unicamente diferenças, quer
tanto, um duplo limiar: mínimo (limiar primitivo ou obsoluto) entre os diversos estados de um objeto, quer entre um objeto
e máximo, para cada sensação. e outro. Mas há aí um exagêro: de um lado, a existência da
?' ~sses limiares, mínimo e máximo, variam bastante segundo sensibilidade fundamental é certa, e, de outro lado, como se
os indivíduos, e em cada indivf,duo, conforme a idade, o estado perceberiam diferenças entre objetos sem percebê-los?
fisiológico geral, as aptidões inatas ou adquiridas, tendo o exer-
cício por efeito fazer variar sensivelmente o nível dos limiares
primitivos: sabe-se quanto o cego afina pouco a pouco sua sen- B. Lei do limiar
sibilidade tátil. A noção de "sensibilidade normal" (ou de li-
miares médios) é, portanto, bastante arbitrária. 86 1. Métodos para o estudo dos limiares düerenciais. Tra-
.-;· , .. ta-se, por exemplo, de determinar de quanto é preciso aumentar
Mede-se o limiar primitivo ou absoluto fazen'.do crescer um ex- o pêso colocado na mão, para que o aumento seja perceptível.
citante, a partir de um grau não perceptível, até o ponto em que .Para isso podem-se utilizar três métodos diferentes :
co~eça a sensação. :S:sse ponto é variável, ora mais alto, ora maia
baum. Considera-se como limiar absoluto da sensação o valor do a) Método das mais pequenas diferenças perc eptf,veis. Au-
excitante que produz uma reação perceptiva ao menos cinqüenta·
vêzes por cento. menta-se pro:gressivamente o excitante, até que o sujeito assi-
nale a diferença, isto é, experimente uma nova sensação. Pro-

...
O 111
CONpIÇÕES SENS0RI~S DA PERCEPÇÃ
PSICOLOGIA
110
da excitação. 5 Ess a cons -
se deve sub trai r do exc itan te nor mal men te uma fração constanteo pêso , o calo r, o som, e de
cura -se, em segu ida, que pêso d' 1/30 par a
tant e seri a de cêrc a de
sens ação nov a. O limi ar dife - isso , bem ente ndid o, segu ndo
aum enta do de d, para que haja cêrc a de 1/10 0 para a luz. Tud o
as dife renç as indi vidu ais são
d - d' a ficç ão do indi vídu o médio, pois que BINET cheg ava a dize r:
dado pela fórm ula - --. imp orta ntes . Tão imp orta ntes são,
renc ial será dup la seja men surá yel cien -
2 "Nã o crei o que o limi ar da sens ação 1911, pág. 426 ).
tlfic ame nte" ( Ann ée psyc holo giqu e,
s. Ped e-se a um
b) Método dos casos verdadeiros e falso a o fato de que a sensação pura
l é mai s pesa do, de dois peso s dife
rent es Cum pre leva r tamb ém em cont eve VAN BIE!t\'LIET (Rev ue Phi-
1
suje ito que diga qua sens ação lumi nosa , escr
ensõ es sem elha ntes ), que se não exist e. A eçad a por um mov imen to re-
um do outr o (ma s de form a e dim losophique, 1907 , t. I, pág. 173) , «com
cere bral , senã o a cont inua -
nte. O limi ar será cons ider ado entr ada no córt ex 1
lhe faze m sope sar suce ssiv ame tinia no não é, à sua o llmi ar da consciência
ito hou ver forn ecid o cêrc a de mas ali, tran spon do
como esta bele cido qua ndo o suje ção dêsse mov imen to; ncia lmen te com plexo, repl eto ·de lem : 1
emb renh a-se num melo esse
dife renç a dad a ( d - d'). Re- as de todos os pont os 1
2/3 de resp osta s just as para uma bran ças, de emoções e de outr as sens açõe s vind
tos tão inum eráv eis
1
com peso s dife rent es (p - p'), moin ho de mov imen 1
peti ndo a mes ma exp eriê ncia do orga nism o, e, ness e redesimp les é arre bata da, subm ergi da, tran s-
ial ( p - p'), e, com para n-
/
obte r-se -á um nôvo limi ar dife renc quan to diversos, a sens ação te infin itam ente complexa~.
·o valo r rela tivo dos dois li- form ada num a sens ação cons cien
do os dois resu ltad os, obte r-se -á
ÕES
d - d' § PROBLEMA DA MEDIDA DAS SENSAÇ
3.
-rin iare s dife renc iais : - --. oria dos filós ofos re- 'I
p- p' 87 1. Forma do problema. A mai"me dida das sens açõe s" 1
a exp ress ão
cusa ram -se a adm itir que j
mét odo foi form ulad o ação , dizem, não é mensurfí;;;.
c) Método do ér1·0 médio. l!:ste tenh a um sent ido qua lque r. A sensuma som a de sens açõe s-un i- 1

por FECHNER com o nom e de mét


odo dos equivalentes. Apr e- vel, nem dire tam ente , por não ser 1
con stan te p (pêso, com pri- indi reta men te por suas cau- 1

senta-se a um suje ito um estím ulo dad es de idên tica natu reza , nem
j

ulo da mes ma natu re- er med ida com um entr e fenô men os
men to, etc. ) , e depo is um segu ndo estím sas e efei tos, por não hav
sens ação (fat o psíq uico ) e a
1

za que o prim eiro , poré m vari áve


l - mai or ou men or do que de espé cie dife rent e, tais como a uma reaç ão (ele vaçã o da
estím ulo até que o suje ito físic o de
ndo exci taçã o ou o resu ltad o
p (pv) . Faz -se vari ar êste segu por exem plo) . Em sum a,
Rep etin do num eros as vêze s colu na de mer cúri o no term ôme tro, que tive mos de exa min ar
ache que êle é igua l ao prim eiro p. argu men tos
pelo cálculo, um valo r Em, reen con tram os aqu i os
a mes ma exp eriê ncia , obté m-s e, na que stão da med ida das qua lida
des (I, 350 ).
os pelo suje ito (E é igua l à di-
que é a méd ia dos erro s com etid págs. 26 e segs.,
apro xim adam ente a gran dez a BERG SON (Don nées imm édia
tes de la cons cienc e,
refe nça p - pv) e repr esen ta a impo lidad e de
ssibi med ir as sens a-
54, etc.) insis tiu muit o sôbr ediz êle, a dife renç a é qual itati va, e não
do limi ar dife renc ial. ções. Entr e duas sensações, a sens ação nos pare ce afet ada de uma
AULT, Psyc hoph ysiq ue, Pari s, quan titat iva. Entr etan to, separa as sens açõe s refe rida s a um obje to
Sôbr e êstes métodos, cf. M. Fouc aban dona do como insu ficie nte- cert a quan tida de, isso viria, deza do exci tant e, e, para os esta dos
1!:ste méto do foi
1901, págs . 325-389. o valo r Em vari a com a exte rno, da aval iaçã o da granou -
men te preciso. Verificou -se, com efeit o, que de dor, de calor, etc.) , da mul tipli
dos, e que essa vari ação não pode afeti vos (sensações de praz er les associados ao esta do fund ame ntal .
gran deza dos têrm os com para a tamb ém, aliás , segu ndo as con- cida de dos fato s psíquicos simp
ser expr essa num a fórm ula. Vari lógicas, do suje ito, e sobr etud o
fisio lógic as e psico
dições inte rnas
Tod avia , vem a pêlo obse rvar que 2. Discussão.
conf orm e o grau de aten ção. utm zada s por A. GEMEI.LI para de- ólog os pare cem pouco
essas próp rias variações fora m
ito cheg a a form ular o juizo com - 88 a) Intensidade e medida. Os psicEm prim eiro luga r, se
term inar a man eira como o sujeque o cond icion am (cf. A. GEMEI.LI, tos.
disp osto a adm itir êsse s argu men
para tivo , bem como os fatôreli ença , 1914).
1Z meto do ~egl i equi vale mti, Flor foi enun ciada , muit o antes de
WEB ER,
De fato, a lei dita de WEB ER g-rada-
riên cias prec e- té d'Op tique su-r la
~e ~eb er. Estr iban do-s e nas expe (em 185 1) 0
), no seu T-rai
2· pelo físico BOU GUE R (1698-1758 obse rva que uma varia ção de lumi nosi-
ER enun ciou tion de la Lumie-re. BOU GUE
R
de~ te~, . ~- fls1?log1sta alem ão WEB
que se deve acrescentar a.um a dade só pode sef- perce bida se
cons titui uma prop orção cons thnte
da luz
pru~cip~o segu inte : a quantidadeuma diferença na sensação, é ini.ci al (1/64 a vos) .
-e.xc itaç M dada, para prod uzir
CONDIÇÕES SENSORIAIS DA PERCEPÇÃO 113
112 PSIGOLOGIA

Sem dúvida, FECHNER só pretende é medir a intensidade


é certo que muitas vêzes nossa avaliação da grandeza da sen- ( ou quantidade intensiva) da sensação, e não a sensação-qua-
sação é_ prõpriam~nte a. da grandeza do excitante, não parece lidade. Mas, como acabamos de mostrar, esta intensidade não
exato dizer que a mtensidade da sensação resulte do sentimen- é matemàticarnente mensurável em si mesma, como se os graus
to de uma multiplicidade difusa de estados subjetivos simples. de sensação se aditassem uns aos outros, ou como se as intensi-
Pelo contrário, a intensidade bem parece ser um dado original dades colocadas entre os limiares (aliás bastante flutuantes)
e frredutível, o que permitiria falar de "quantidade intensi- fôssem iguais entre si. A llfi de FECHNER traduz somente a
va" ([, 349-352). proporção (não matematicamente mensurável) que existe en-
Verdade é, não obstante, que essa quantidade intensiva tre a sensação e a excitação (cf. M. FOUCAULT, Psychophysi-
não pode ser r~duzida a uma soma de elementos homogêneos. que, págs. 120-121). 6 .
Mas não será ela mensurável por algum processo? Se os argu-
BERGSON (Données immédiates de la conscience, págs. 53-54)
mentos invocados para negar essa mensurabilidade fôssem vá- ·
observa que, desde que se admita distinguir «duas espécies de quan-
lidos, valeriam também, proporcionalmente, para tôdàs as ci- tidade, uma intensiva, que só comporta o mais e o menos, e outra
ências q1;1e versam sôbre qualidades, e notadamente para a física. extensiva, que se presta à medida, quase se dá razão a FECHNER e
Na realidade, a medida dos fenômenos qualitativos não passa aos psicofísicos. Portanto, desde que reconhecemos uma coisa como
de uma medida analógica. suscetível de aumento e de diminuição, parece natural investigarmos
quanto ela diminui e quanto aumenta~ . A observação é justa, e
Entretanto, é certo que as sensações não são mensuráveis. demonstra que não é sôbre o princípw da medida que a tentativa
Mas isso é devido não simplesmente à natureza qualitativa da de FEcHNER é discutivel. Uma quantidade intensiva é, em princípio,
sensação (99), mas ao fato de a sensação não ter a excitação mensurável, sempre que se suponha que essa medida não define uma
~omo condição única e adequada. Não há aqui, como em física, soma de únidades homogêneas. O que é discutível é a fórmula da.
lei de FEéHNER. Essa fórmula é inexata, por supor que os aumentos
Y(~aldade entre a ação e a reação, e, por conseqüência, os pro- das duas séries (sensação e excitação) são matemàticamente pro-
eleílflOS de medição pelos efeitos quantitativos (reação) não po- p_o rcionals.
dem dar resultados semelhantes aos que se obtêm no dominio
físico-químico. § 4. A IMPRESSÃO ORGÂNICA
CI
b) Natureza e alcance das medidas das sensações. To- Mais acima indicamos (61) o trajeto da sensibilidade ou,
90
davi~,. excessivo se~ia ne~ar tôda possibilidade de medição, no mais exatamente, da onda nervosa determinada pela excitação.
domm10 da sensaçao. Vimos que se consegue determinar li- Resta-nos estudar agora, a propósito da impressão orgânica, o
miares absolutos e limiares diferenciais: obtêm-se assim problema da energia específica ou da especificidade dos apa-
dados utilizáveis em medicina e em pedagogia científica (de~
relhos sensoriais.
terminação de aptidões técnicas, orientação profissional, méto-
dos ~e aprendizagem). Importa, porém, compreender que essas 1. A t.eoria de Müller. O biólogo JOÃO MÜLLER, no iní-
medidas têm sobretudo um valor ordinal (l, 950), e que, mesmo cio do século XIX, quis demonstrar diretamente a tese meca-
nos casos em que a medida das proporções permite definir nu- nística das qualidades sensíveis pondo em evidência aquilo a
mericamente o aumento de intensidade, as medidas permane- que chamou a especificidade dos nervos sensoriais, em virtude
cem sempre imprecisas, e também relativas ao sujeito e às cir-
cunstâncias da experiência.
o M. PRADINES (Psychologie générale, t. I, pãgs. 417 e segs.) pensa
que a lei de FECHNER deveria entender-se, não da representação, mas da
Lei psicofis!ológica de Fechner. Já agora ninguém
ª:zir admi~ará
89 3. adaptação da atecção à representação. Com efeito, é difícil admitir uma
~o ~alôgro de F'ECHNER, (1860) ao querer dedu- proporção que, se valesse da representação, significaria um desacôrdo es-
da lei do hmiar, de WEBER, uma formula que definisse ma- candaloso entre o meio (excitação) e o fim (percepção). Mas esta proporção
bem se compreende desde que se admita que o aumento do elemento afetivo
temàticamente a medida de intensidade das sensações. "A sen- da sensação (a saber. a intensidade) não pode prosseguir indefinidamente
s~çã~",,,declara ~CHNER, "é proporcional ao logaritmo da ex- sem ameaçar a integridade do vivente e sem pôr em jôgo a própria clareza
citaçao ; quer dizer que a uma progressão geométrica do ex- da representação. O sentido da proporção descoberto por FECHNER seria,
citante ~eom-0_ na ~érie ~' 2, 4, 8, 16, 32, etc.) corresponderia pois, todo inteiro, de realizar um equilíbrio entre a afecção (percepção das
intensidades e das distâncias) e a representação (percepção das qualidades
uma progl'essao aritmética da sensação ( como na série 1 2 3 dos objetos).
4,5etc.). · ' ' '
114 PSICOLOGIA CONDIÇÕES SENSORIAIS DA PERCEPÇÃO 115

da qual os nervos condutores, de qualquer maneira que sejarn são perfeitamente especializados: a retina só é sensível às vi-
postos em movimento, dariam serrvpre a mesma sensação (ou brações etéreas, o sentido térmico só reage às .vibrações mo-
a mesma qualidade sensível). A electrização do nervo óptico, leculares, etc., e daí dever-se inferir a eficácia real do próprio
a seção ou a pressão dêsse mesmo nervo produzem idêntica excitante, isto é, do sensível próprio ou adequado (56) e, des-
sensação de deslumbramento. No mesmo sentido, nota-se tam- tarte, a objetividade física da sensação.
bém que a electrização do nervo acústico produz um som; a do
nervo olfativo, uma sensação de odor, etc. Seguir-se-ia daí que 92 c) Alcance dos fatos de excitação anormal. Aliás, tudo'
as qualidades sensíveis não são produzidas pelo objeto percebido, isso absolutamente não obriga a verificar a realidade dos fatos
mas. sim pelos próprios órgãos sensoriais (cf. MÜLLER, Manuel invocados por MÜLLER. J;;Ies serão, porém, mais bem explica-e
de Ph.ysiologie, trad. francesa, 1851, t. I, págs. 710 e segs.). dos observando-se que a excitação direta dos nervos sensoriais
tem por efeito fazer reviver o gênero de sensações de que êles
91 2. Discussão. A teoria de MÜLLER, adotada no século XIX normalmente são condutores; quer dizer que nos avimos aqui
por muitos fisiologistas e psicólogos, notadamente por com fenômenos do mesmo tipo que a alucinação ou o sonho.
HELMHOLTZ, e também pelos filósofos idealistas (que pensavam Isso parece confirmado pelo fato de um sujeito cujos órgãos
·estabelecer, com isso, que o mundo dos fenômenos é obra do sensoriais estão congênitamente sem uso ( cego de nascença,
espírito), foi combatida por LoTZ e sobretudo, em nossos dias, por exemplo) nunca experimentar sensações correspondentes
por W. JAMES (Précis de Phychologie, págs. 13-15), DRIESCH e a êsses órgãos.
BERGSON. Com efeito, pôde-se demonstrar que os argumentos Doutra parte, notar-se-á que êsses fatos põem em evidên-
de MüLI.m de nenhum modo provam a subjetividade das quali-- cia o princípio de que a sensação, segundo a fórmula aristoté,.
dades sensíveis ou a especificidade dos aparelhos sensoriais. lica, é o ato comum daquele que sente e do sentido (isto é, do
sentido e de seu, objeto) ; a sensação não se explica adequada-
a) Paralogismo mecanístico. Declaremos preliminar- mente nem pelo excitante sozinho, visto ser ela uma atividade
mente que o argumento mecanístico carece de vigor, eis que vital ( I, 419), nem pelo sentido sozinho, visto ela depender do
consiste em identificar pura e simplesmente as vibrações e as objeto externo em sua modalidade ou especificação. De qual-
qualidades sensíveis. A Física demonstra apenas que há rela- quer maneira que nos avenhamos nisso, reencontraremos sem-
ção necessária entre vibrações e qualidades; mas relação não é pre um e outro elementos: a sensação não é o excitante físico,
identidade (l, 212). Que a Física só descubra movimento, é fá- mas sim o objeto s.entido, evidência que MÜLLER descurava.
cil de compreender, já que ela só visa ao aspecto quantitativo Isto equivale a dizer que o objeto físico ou qualidade sensível
dos fenômenos. O aspecto qualitativo dêste evidentemente só só pode encontrar-se no sujeito segundo o modo próprio dêsse
pode ser apreendido por uma atividade vital. sujeito (receptum recipitur ad mo dum recipientís), o ·que ex-
Aliás, fácil é apreender o que há de contraditório na pretemão plica não só a irredutível especificidade da sensação como tal,
de reduzir as qualidades sensíveis a vibrações (por exemplo, o som senão também as variações possíveis das sensações produzidas
a vibrações do ar, ou a côr a vibrações -electromagnéticas). Basta por um mesmo excitante em diversos indivíduos ou no mesmo
observar que essas próprias vibrações nós apenas podemos vê-las, indivíduo segundo as circunstâncias da excitação (idade, saúde,
isto é, ainda, senti-las. Tentar descer ,abaixo da /Je'Tl,Sação (o da estado de atenção ou de distração, etc.).
qualidaàJe sensível) equivale, portanto, C1J querer saltar fora; de si mes-
mo, o que evidentemente é absurdo. Tudo o que se pode dizer é que
há certo paralelismo entre os fenômenos físicos que estão na base O paradoxo de certas investigações psicofísicas consiste em os-
nas qualidades sensíveis, e essas próprias qualidades. Mas as duas cilar entre os dois têrmos, igualmente absurdos, desta alternativa:
espécies de fenômenos são realmente irredutíveis entre si. ou col0car a sernsação fora do sujeita, nas coisas (êrro de todos os
que reduzem a sensação às suas condições externas), ou então si-
tuar as coisas (ou qualidades sensíveis) no próprio sujeito (êrro dos
b) Especialização dos órgãos periféricos. Quanto à es- teóricos da especificidade dos órgãos sensoriais) . ·
pecificidade dos nervos condutores, não poderia ela bastar
para provar a subjetividade das qualidades sensíveis. Mister § 5. SEDE DA SENSAÇÃO
seria, ainda, que se demonstrasse a indiferença do órgão perifé-
rico à excitação, de tal sorte que a retina, por exemplo, reagisse 98 1. O problema. Os fisiologistas e psicólogos põem no
de mJ:1.neira sempre idêntica a excitantes quaisquer. Ora, exàtà- !.I.!
cérebro a sede própria da sensação. Donde a expressão cor-
mente o contrário é o que se verifica. Os órgãos periféricos rente de "centros sensoriais" e o problema das localizações

.
CONDIÇ ÕES SENSO RIAIS DA PERCEP ÇÃO 117
PSICOL OGIA
116
ar ade-
inação ção, que as condições extern as não bastam para explic
cerebr ais ( 64), entend ido como o proble ma d~ .determ os, quada mente . Trata- se agora de saber se as reaçõe s motor do
as do
·da sede cortica l das difere ntes . funçõe s sensor iais. Podem anima l descer ebrado podem ser assem elhada s aos tropism os
concep ç~o é me~mo realme nte _im-
todavi a, pergu ntar se essa mundo vegeta l.
r o
posta pelos fatos. Além de ter o mcon".e?i.ente de red~~i, .....
psíquic o ao consci ente (12), ela parece dificil7!1-ente conciliav~l _; ,
-~ a) Os fatos. Desde muito fizeram -se salien tar numer o-
com as experiências, tão numerosas, de ablaçao °'m de destru
a-
i- sos fatos (cham ados anteri ormen te tatismos, porque implic ição
s des~er ebrad~ s uma sensaç ão tátil) que pareci am favore cer a atribu
ção dos centros cerebrais, donde resulta ~ujeito .... vam
da bor-
de verdad eiros tropism os aos anima is. O movim ento
l'
ainda serem capaze s, ante a provoe açao direta de excita ntes di-
seriam lumino sa parece ser da mesma nature za
versos de reaçõe s motor as mui variad as. Como é que boleta para a fonte
, o
possív~is essas reaçõe s motor as na ausênc ia de tôda sensaç ão'! que o fototro pismo dos vegeta is. Cita-se , no mesmo sentido
luz; o
Pôde-s e també m realiza r, sôbre êsse ponto, numer osas ob- "fotot ropism o positiv o" das sérpul as, desabr ochand o à
foge à
servaç ões pelo método anátom o-clíni co, que _permi te ~~scob rir, "fotot ropism o negati vo" do percev ejo dos leitos, que
para a
pela autóps ia, determ inadas lesões cerebr ais em su3e1to s que luz; o "geotr opism o" dos pólipos, dirigin do seus braços
o "quim iotrop ismo" dos param écios, que se agrup am em
mé- terra;
eram afetad os de diferen tes anoma lias psíquic as. Mas êste
. todo é de emprê go extrem ament e delicado, porque , de uma
par- . tôrno de uma gôta de ácido acético que se faz cair perto
Assina la-se, enfim, que igualm ente há razão para atribu
delas .
ir ao
te, não se pode, sem mais, ligar a função psíquic~ a tal ou
qual "'r.: homem são um fototro pismo positiv o, e um fototro pismo nega-
parte do cérebr o, em razão da extrem a comple x1da?~ e d_as fu~-
dei- ',•·
tivo ao albino .
ções psíqui cas; e, de outra parte, -p~rque ~s _expenenc1as que Tais fatos nada provam . Porqu anto, de um lado, mesmo
a questã o que aqui e a mais impor tante, e
xam em suspen so supon do tratar- se aí de tropism os, ainda seria preciso demon
s-
am
consis te em saber se sensaç ões subcon sciente s não poderi
.,
:,;,-
tôda a ativida de reflex a do anima l se reduz a simple s
ição dos "centr os" cortica is. trar que
existir após lesão ou destru tropis ~os ; e, ·de outro lado, que a assimi lação aos tropism os é
t extrem as. Sem dúvida , cer-
94 2. Tropismos, reflexos, sensações. Sem dúvida , poder- ., feitâ com base em simple s analog ias
nte tro-
se-ia supor que os fenôm enos motor~ s que se ~bserv amSabe-
nos tos reflexo s asseme lham-s e a tropism os, mas são realme
anima is descer ebrado s reduze m-se a simple s tropism os. :i pismo s? Tal é o proble ma que suscita m, mas não resolve m, os
;
se que LoEB e BOHN quiser am transf erir '.º têrmo _tropis
mo do fatos alegad os.
rtamen to ammal . N ao passan do, { .........
domín io vegeta l para o compo b) Discussão. JENNINGS e DRIESCH, sobret udo, contes
-
o tropism o de um fenôm eno físico- químic o, pensav am 95
interp reta-
para êles, taram a exatid ão das observ ações de LOEB e a sua
vitais a puros fenôm enos me-
reduzi r assim tôdas as ativida des ção. Demo nstrar am que o anima l está longe de se dirigir
ri-

cânicos. 7 Ora, já mostra mos (I, 432) que o tropismo vegera gorosa e consta nteme nte em linha reta para a fonte da excita -
é todo in-
essencialmente diferente da reação mecânica: esta
ção: de fato êle execut a movim entos mui variad os, confor me
a de-
teira coman dada de fora, ao passo que o tropism o, embor o indivíd uo e as circun stânci as da excitaç ão. Os param
écios
nece sempr e um fenôm eno de adapta - de áci-
flagra do de fora, perma coloca m-se de mui divers as manei ras em volta da gôta nte
do acético (75), ao passo que a planta reage consta nteme
é capi-
7 Cf. LOEB, La dynamiq ue des phénom
enes de la vie, trad. francesa , da mesma manei ra à influên cia da luz. Esta diferen ça
"0 mesmo heliotro pismo positivo , que leva as hastes
dos
tal, e é bem focaliz ada pela variabilidade extrem a das
reações
1908, pág. 224:
vegetais , ou os animais tais como o EudendT ium,
SpiTogTaphis, etc., a se
as: a rapide z e a forma dessas reaçõe s mudam confor me
ente ilumina dos, obri- reflex a que a
curvare m para a fonte luminos a quando são lateralm as circun stânci as e com amplit ude crecen te, à medid
achasse m subitam ente
gá-los-i a a nadar, a TastejaT, a voar para a luz se se perfei ta: a mão mergu lhada na água mui.:
provido s de aparelho s de locomoç ão". BOHN, La naissanc
e de i'inteUi gence, sinerg ia vital é mais
ou re-
pág. 117: "Darem os o nome de tTopism os a movime
ntos em que a von- to quente execut a um reflexo de retirad a que é acelera do -
tade e os sentime ntos do animal não entram em nada,
a movime ntos aos
tardad o confor me o estado sensor ial, as experi ências anterio
êsses movime ntos au- Os tro-
quais muitas vêzes o animal não pode resistir, tendo res, os hábito s adquir idos, os interês ses imedia tos, etc.
o segundo a di-
tomátic os e irresistí veis por efeito orientar em o organism nos-
reção do excitant e". Cf. também PIÉRON , Psychol ogie expérim entale, pismo s não compo rtam nada de semelh ante; sendo fenôme men.,
1-58. GOLDS TEIN, de adapta ção, seu autom atismo é absolu to, depend e estrita
pág. 29, e Nouvea u Traité de Psycho! ogie, t . II, págs,
La structur e de l'organi sme, págs. 133 e segs.

_, ··- ... _... .... .. ._ __ ·...._. ,._ ... ___ , ............... .


PSICOLOGIA CONDIÇÕES SENSORIAIS DA PERCEPÇÃO 119
118

te da estimulação externa. 8 Por outro lado, verifica-se que como se acaba de ver, tende a confirmar êsse ponto-de-vis ta,
uma excitação que determinou um movimento dado determina, pondo em evidência a adaptação dos órgãos periféricos a ex-
quando sua intensidade excede um certo limite, o movimento citantes específicos adequados. Quanto ao fato, muitas vêzes
contrário, fenômeno que é sem análogo no tropismo vegetal. alegado, da ilusão dos amputados ( que, por exemplo, situam na
Parece, pois, que é realmente impossível reduzir os reflexos dos ponta dos dedos ausentes suas sensações dolorosas), de modo
animais aos tropismos do reino vegetal. algum êle infirma essas observações , explicando-s e essa ilusão
normalment e como uma alucinação, provocada pelo hábito an-
96 3. Papel do cérebro. terior. 11 Sabe-se, ademais, que essa ilusão se torna cada vez
menos ativa, e ª's vêzes acaba por desaparecer totalmente.
a) O cérebro e a consciência. Com base em dados expe- A explicação corrente da ilusão dos amputados como proveniente
rimentais os mais bem estabelecido s somos levados a admitir, das excitações na extremidade do nervo seccionado não pode sus-
de uma parte, que os reflexos animais dependem da sensibili- tentar-se. Com efeito, de um lado, o amputado distingue muito bem
dade; e, de outra parte, e baseados nos mesmos dados ( em ra- os sentimentos ou dores do côto dos sentimentos ou dores do mem-
bro fantasma. De outro lado, verifica-se que a supressão da cir-
zão dos reflexos executados pelos animais descerebrad os) , que culação sangüinea (por injeção enddvenoàa de cálcio) absoluta-
o cérebro não é a condição absoluta e universalme nte necessá- mente não suprime, no. côto, a imagem-fant asma, como deveria su-
ria da sensação. 9 · ceder se esta r.esultasse das excitações na extremidade do nervo
A seue da sensação, como tal, isto é, da apreensão da qua- seccionado. Por isto, J. LHERMITl'E (L'image de notre corps, .Paris,
1939, pág. 93), após minucioso estudo dêsse caso, faz notar que a
lidade sensível, não é portanto o cérebro, mas sim o próprio ór- «revivescência da imagem do membro mutilado, no amputado, pren-
gão sensorial periférico. A função do cérebro parece ser, pro- de-se, no seu princípio, não à excitação dos neurônios periféricos,
priamente, tornar a sensação consciente e, dessarte, graças às mas a um estado cerebral, o qual gera· um complexo psicológico:>.
ligações sinápticas extraordinàr iamente numerosas que êle en- Esta explicação, aliás, deve ser generalizada, porquanto, ao que
parece, pode explicar a aparição dos membros-fan tasmas em conse-
cerra, tornar possível reações motoras muito mais variadas do qüência de lesões da medula espinhal ou do encéfalo (certos alie-
que as. que os reflexos medulares permitem (57). nados; e sobretudo esquizofrênicos, têm a ilusão de lhes haverem sido
Esta concepção parece, aliás, confirmada sob vários pon- ., enxertados novos membros reais). O membro-fanta sma, àei fato,
tos-de-vista. Há, primeiramen te, o fato evidente de que as representa apenas a persistência: de uma parte ão esquema corpo-
ral; é uma. construção de na..tureza psicológica, apoiada em bases
sensações são localizadas em tal ou tal ponto do corpo. Era fisiológicas cujos elementos devem ser buscados na profu:n<!e~ das
sobretudo neste dado da consciência sensível que se fundavam ctrcwnvoluçõe s cerebraiis. Vê-se, assim, que «a imagem de nosso
ARISTÓTELES e os escolásticos para situarem a sede da sensação corpo aparece muito mais resistente à destruição do que a nossa
nos órgãos periféricos. 10 O argumento absolutamen te não é morfologia> (J. LHERMITTE, loc. cit., pág. 126).
infirmado pelos progressos da fisiologia: esta, ao contrário,
97 b) Questão das "sensações inconsciente s". A solução pre-
cedente leva-nos a concluir pela possibilidade de sensações ao
8 Cf., sôbre êste ponto, as observações de MC DOUGALL (An Outline menos relativamen te inconsciente s. Esta expressão só pode-
"Os movimentos co-
of Psvchology, 6a. ed., Londres, 1933, págs. 59-64) : ria admirar se se reduzisse o psíquico ao consciente. Muitos
mandados pelo tropismo, quando desde o primeiro momento não atingem
seu têrmo natural, não manifestam nenhuma dessas mudanças de direção, fatos, no entanto, levam a impor a realidade de sensações sub-
que são a característica do comportamento animal Ao contrário, quase conscientes, isto é, extraordinà riamente surdas, a ponto de es-
todos os casos de locomoção animal denotam êste caráter. Mesmo a bor-
boleta não se lança, geralmente, em linha reta na chama; de ordinário,
11 Cf. DESCARTES, Príncipes de la philosophie, IVa. parte, e. CXCVI.
gira, como incerta, em tôrno da chama, antes de nela precipitar-se: dir-se-ia
que ela é ao mesmo tempo atraída e repelida ". DESCARTES conta que uma môça, amputada de um braço, ficou, por longo
9 Cf. H . P!ÉRON, Année Psychologique, 1913, t. XIX, pág. 296: "Cães
tempo depois, sem conhecer essa amputação, e, ~o que é mui notável, não
deixava entretanto de ter diversas dores que ela pensava serem na mli'.o
anencéfalos foram capazes de se manter em equilíbrio sôbre as patas, o
que lhe faltava ( .. . ) , coisa de que não se poderia dar outra razão senão
que exige uma participação do sentido muscular. Em suma, mesmo nos
a de. os nervos da sua mão, que terminavam então pelo cotovelo, serem ai
mamíferos mais evoluídos, o cérebro não seria absolutamente necessário
para a produção de fenômenos considerados como psicológicos" . movidos da mesma maneira como deveriam ser, anteriormente, nas extre-
10 Cf. ARISTóTELES , De Anima. I, c. V segs. SANTO TOMAS, ln de
midades dos dedos, para fazerem a alma ter, no cérebro, o sentim~nto de
semelhantes dores. E isso mostra evidentemente que a dor da IIJ,ão não
Anima, I, lect. X segs. (ed. P irotta, n .º 377). Ver no De Sensu et Sensato,
é sentida pela alma por estar na mão, e sim por .estar no cérebro"
e. II (SANTO TOMAS, lect. V, n .0 76) , a concepção aristotélica do cérebro (~. Traité de l'Homme, c. VII).
e do coração como centros sensoriais.
CONDI ÇÕES SENSO RIAIS .DA PERCE PÇÃO
121
PSICOL OGIA
120.
uma intui-
o (pres- De fato, o conhe cimen to sensív el apres enta-s e como
capar em à pereep ção do sujeit o, quer por falta de atençã mente direta , pelo
/
ção, quer dizer como a apree nsão imedi ata e
s sôbre a pele, ruídos da rua quand o a qualid ade sensív el extern a, em
são das roupa
um impe- sujeit o cogno scente , de uma
está absor ta num trabal ho, etc.), quer em razão de traum a- sua realid ade concr eta.
dimen to de nature za orgân ica (ação dos anesté sicos,
, como mais
tismo s divers os dos centro s nervo sos), quer, enfim ., 2. A sensa ~o pura. .,
por efeitó do sono (cf. MAIN E DE BIRAN, Dé-
adian te se verá, A
composition de la Pensée, ed. Tisser and, t. III, págs. 159-1 66).
99 a) Tóda sensação está compreendida numa estrut ura. el:
-se-á admit ir ou que os reflex os ão dos sentid os é uma qualid ade sensív
Por conse guinte , poder realid ade dada à intuiç
ência ou
dos anima is desce rebrad os implic am autên ticam ente seIJí!ações tal côr para ó ôlho, tal som para o ouvido, tal resist
s senso riais perifé ricos, ou que etc. Mas é por abstra ção que isolam os
que têm a sua sede nos órgão tal calor para o tato,
al é capaz de dar por si mesm a certa cons- qualid ades dos objeto s nos quais elas se integr am. Nós
a medu la espinh e.c;sas
d ou excep -
ciênci a obscu ra, e, em conse qüênc ia, que os. anima
is desce- só temos sensaç ões puras em certos casos anorm ais
homen s sujeit os a reflex os autom áticos ficam razão disto não é, como o quer o associ acioni smo,
rebrad os ou os cionai s. A jôgo
exata - a si, pelo
dotad os, em graus mui variáv eis, de uma consc iência que cada sensaç ão autom àticam ente assoc iaria
de
O céreb ro de image ns e
mente obscu ra, mas ní!io absolu tamen te nula'. do hábitó e da: lembr ança, todo um conju nto
isto é,
da consc iência sensív el,. compo r um objeto ,
aparec e, assim , como o órgão princi pal estado s psicológicos, para com êles nte,
apena s o órgão secun dário. 12
1nas sim, como melho r se verá poster iorme
da qual a medu la seria uma "coisa ",
a numa
que tóda sensação está imedi atame nte compreendid ção,
PSICOLOGIA DA SENS AÇÃO forma . Todo conhe cimen to é percep
ART. III estrut ura ou numa é valer por
qua- por meio das qualid ades sensív eis, cuja funçã o não
Psicol ogicam ente, a sensaç ão é o ato de apreender uma o de um amigo ,
\
98
to de funçã sf, mas comp or funcio nalme nte um todo. Na voz de o êsse
sob o duplo aspec nte eu perceb
lidade sensível. Aqui é, pois, ade sen- faland o longe do meu olhar, imedi atame te
conhe cimen to (sensatio) e de apree nsão de uma qualid própr io amigo ; o odor famil iar de uma flor não evoca peran
sível (sensa tum) que temos de estud ar a sensaç ão. antes, conté m a pró-
a imagi nação essa flor, côr e forma , mas, de um
pria flor; uma palav ra, que sensiv elmen te não passa
§ 1. ATO DE SENTIR (SENSATIO) som, tornou -se o própr io sentid o que ela exprim e.
nos
b) Casos de sensações pura,s. Entre tanto, às vêzes seja

quemv
A. A sensação como intuição ão pura. Isso se produz .
é dado aprox imar- nos da sensaç
A intuição sensível. A sensa ção apare ce como um
ato ntâne a-
1.
se.a- após uma doença, que pertur bou e desorg anizou mome ções
nsão de uma realid ade da febre) nossa s percep
de conheci ento, isto é, de apree mente (por exemp lo, por efeito
que no
.sível, contr à . ament e à opiniã o de DESCARTES, para órgão s comu ns e nos deixa, por um instan te, apree nder como tivas;
sensa ção nada is era do que a vibraç ão molec ular dos seu estado bruto ou desco nexo noi,sa s sensaç ões primi
corpo rais, absolu ente incapa z, por si mesm a, de nos pro-3 seja pelo fato de percepções operadas sob forma anOTm ns :
al que
porcio nar qualq uer in - o sôbre a nature za das coi . têm por efeito dissoc iar os compl exos habitu ais de image
vejam os
umi págin a de músic a olhad a às avessa s faz que outro
image ns as notaçõ es simbó licas que, de
Mais adiante , quando estudar mos a consciê ncia,
teremo s tle exa- como puras
12
, nesses divers os
minar qual dessas duas hipótes es é a n1ais plausív el.
"Porqu e modo, apena s dão o seu sentid o, etc. Donde zia
Philoso phie, II, c. III: heza que bem assina la a prima
13 CT. DESCA RTES, Príncip es de la
coisas, mas soment e casos, a impre ssão de estran
naturez a das nte um
do perce ber sôbre o sentir . Por outro lado, media nder,
os nossos sentido s não nos ensinam a
Cf. MALEB RANCH E, Re-
aquilo em que elas nos' são úteis ou nocivas ". io da arte, é possív el apree
C'heTche de la véTité, I, c. XII: "A segund a coisa que se acha em cada uma esfôrç o voluntário, que é própr
qualid ades
dás sensaçõ es é o abalo das fibras dos nossos nervos que se comuni ca até ao
abalo com a sensaçã o
na sua origin alidad e e fresco r nativo , o mund o das io ou
sempre êsse elmen te, um artifíc
cérebro , e equivoc amo-no s confun dindo
quando não o percebe mos pelos sensívfeis. Mas é êsse, incon testàv o
da alma, e julgand o que não há tal ·abalo
o comu m do conhe cer, e, adam. ais,
se~tido s ( ... ) . Cumpr e notar bem que, tendo
sido os nossos sentido s da- uma invers ão da direçã
corpo, mui natural é que · dêsse esfôrç o nunca é isolar qualid ades, e sim compo r-
dos a nós soment e para a conserv ação do nosso das qualida des senslve is", objeto
a julgar como o fazemo s a respeit o
êles nos levam

1,
(;_
\ 123
, ) CONDIÇ ÕES SENSOR IAIS DA PERCEP ÇÃO
122 PSICOLO GIA

caso (tempo sensori al), o tempo de sensaçã o é mais longo


-lhe formas novas. \ ~be-se que os ensaios de puro sen ( cêrca de O"19) do que no segund o caso (tempo muscul ar) ,
tentado s, por exemplo, em pintura , pelo cubismo, não ·
que mais se aproxim a do puro reflexo (cêrca de 0"14).
taram em nada de viáv · 1 nem mesmo de inteligível. a vez
A questão do tempo de reação foi suscitad a pela primeir
B. Duração da sensação ··'-....._" pelos astrônom os. «Desde 1795>, escreve M. PIÉRON (Psycho logte ex-
yne, obser-
,. --.....__ périmen tale, pág. 7), «o astrôno mo de Greenw ich, Maskele
neidade entre a
_.,..-·/

vava erros individu ais na anotaçã o de uma simultada


.,

100 A sensaçã o parece instant ânea;·- porém nlfmero sas expe- posição aparent e de uma estrêla em relação ao fio ticamen luneta e uma
riência s mostra m que não o é. Daí os ensaios que têm sido batida de pêndulo . Em 1820, BESSEL estudou sistemà te essa
da simulta -
feitos para medir a sensação. «equaçã o pessoal> devida às dificuld ades de aprecia,ção evitá-la s,
neidade entre as impressões heterog ênas. Quando parae da. estrê-
1. Dificuldades da medi~ . Nenhu ma objeção de prin- se registro u, por uma reação gráfica, a passage m aparent
ligados ao atraso, sôbre
cípio pode ser oposta à medida da duraçã o das sensações. Mas la por trás do fio, aparece ram novos erros,
dos
a estimul ação sensorial, do movime nto combin ado: o estudo
o empree ndimen to compo rta grande s dificuld ades prática s. A «tempos de reação>, consoan te a express ão de Exner (11179),
era
princip al é que é impossível dissociar e isolar perfeitamente os
!,
abordad o». ·
elementos psíquicos que compõem o fenômenQ global da sen-
sação, e que variam conside ràvelm ente de um indivíd uo para . b) Tempo de reação complexa. E o tempo exigido para
outro. Outra dificuld ade import ante, prende -se ao fato de, uma sensação determinada por uma excitação que requer uni
por assim dizer, ser impossível determin<JIT' de m.ameinz, mar certo discernimento. Tratar- se-á., por exemplo, . num deBfile
temàticamente precisa o ponto exato do tempo em que há sen- de côres, de reagir soment e à terceir a côr projeta da. Deve, pois,
saçiú>, isto é, apreen são de uma qualida de sensíve l dada.
Em o sujeito disceni r o estímul o, escolhe r a reação a produz ir
qualqu er hipótese, as medida s nunca serão senão aproxim adas. (aqui, o nome da côr) e realiza r essa reação (a saber, pro-
4 \
nuncia r -0 nome). O tempo de reação simples acha-se, pois,
2. Método de medição. O método consist e aqui em pro- com isso, aumen tado de outro tanto: êsse aument o vai de
J

1
,t duzir uma excitaç ão qualqu er (côr, letra, desenho, ruído, etc.) 0''03 a 0"10, aproxim adamen te.
' \. diante de um sujeito que, por um sinal convencionado, avisa c) Tempo de associação. É o tempo necessário para a8
4

que sente a excitação. Para isso empreg a-se um aparelh o que soc~r uma excitação co-m um conteúdo, ·sensorial ou, intele9-
registr a automà ticame nte o instant e da excita:ção e o da reação. tual, que lhe está ligado no sujeito (por 14exemplo, para tradu-
A diferen ça entre os dois tempos marca a duraçã o da sensação, zir uma palavr a frances a em inglês) . ~sse tronpo pode
.i,
isto é, ao mesmo tempo da excitaç ão e da impres são orgânic a, variar entre O"6 e 1 "5.
·1 - do pensam ento da reação a fornece r, - e da execução desta. e Bem entendi do, êsses tempos não soment
e são meras
aproxim ações bastan te artifici ais, mas também quase só têm
;\ 3. Os diferentes tempos. Tentou -se prec•isar os resul-
i 101 valor ordinal (89). Põem sobretu do em evidênc ia o fato de
tados obtidos pelo método global, disting uindo e procur ando as reações serem tanto mais rápidas quanto o sujeito estiver ,
J medir os diferen tes tempos que formam a duraçã o total de

]
1
de uma parte, mais dispost o e mais eocercitado, e, de outra
uma sensaçã o. parte, mais atento. Afinal de contas, essas experiê ncias qua-
a) Tempo de reação simples. Assim se chama ao tempo se só têm interês se para a psicologia individ ual.
compreendido entre a excitação e a reação, sendo esta realiza da
nas condições mais próxim as possíve is da instant aneida de. § 2. QUALIDADES SENTID AS (SENSA TA)
Tem-se, assim, o "tempo de sensaç ão" mais aproxii nado. 1. O problema. O problem a das qualida des sensíveis já
Porém, nesse processo de reação simples , podem-se achar
102
foi formul ado em Cosmologia (/, 999), onde fomos levados a
vá.rias causas de variaçã o. Primei ro e em geral, é eviden te conclu ir pela objetiv idade delas, mas sem estarm os em condi~
que o tempo de sensação depend e do grau de atenção do sujeito , ções de lhes definir a. naturez a psicológica. Trata-s e, pois,
bem como do seu estado geral de saúde, da sua idade, 1etc.
Doutra parte, a própria atenção pode aplicar -se especia lmente perfeitam ente as duas
quer à excitação, quer ao movim ento de reação a produzro ir 14 Supõe-se , naturahn ente, que o sujeito conhece

(palav ra a pronun ciar, toque a acionar , etc.). No primei línguas.


CONDIÇÕ ES SENSORI AIS DA PERCEPÇ ÃO
125
124. PSICOLO GIA

é produzi da pelas côres tomada s uma a uma, e, de modo


al-
agora de procura r saber o que são as qualidades sensivei s pre-
gum da adição de seus excitan tes singular es. O ruído das fô-
cisamente enquanto experim entadas e sentidas pelo sujeito. lhas' na floresta compõe, com.o conjunt o, um excitant e fisio-
Há aqui duas resposta s possíveis, uma que conside ra a qua-
lógico que absoluta mente não é a som.a dos ruídos element a-
lidade sentida como um dado simples e irreduth,1el, e outrià
res. Quanto à noção de epifenôm eno, viu-se acima (18) quão
que a tem por um complexo de elementos simples.
pouco inteligív el ela é.
2 . Afumismo associacionista. Na concepção da T AINE
e de SPENCER, a sensaçã o conscien te nada. mais é do que uma 3. Simplicidade e complexidade das sens~õe s.
soma de pequena s sensações inconscientes, as quais, por sua 103 a) Simplici dade das sensações como qualidades. É, pois,
vez, se reduzem a fenômen os nerV10sos edementares determi~ na concepção nativist a que nos devemos alinhar, quer dizer,
nados pela excitaçã o. A qualidad e sensív~l não é, pois, obje- é preciso ter a qualidade senti@ pOlf' absolutannente origina i
tivamen te falando, sé.não puro movirn,ento, e, enquant o sen- e simples .· Podemos decomp or-lhe o processo de formaçã o em
tida, puro epifenômeno. W. JAMES traduz esta teoria sob a /, condições físicas e fisiológicas, mas não a sua essência, que
forma esquem ática seguinte (fig. 7) : é irredutí vel e simples, o que equival e a dizer que, na sua di-
versida de e multipli cidade, as qualidad es sensíveis devem ser
$ aceitas como dados primeir os indecomponíveis e indefiní veis.

A_I__I_I_I_I_I_I_I_I_I_B
sssssssssss
b) Complexidade das sensações como blocos sensívei s.
A simplici dade das qualidad es sensívei s não exclui a comple-
xidade de fato das sensações, neste sentido que estas nos são
dadas como conjunt os em que se mistura m e se modific am
reciproc amente, pela sua prl'.>pri•a combinação, as múltipl as
qualidad es fornecid as pelos nossos diferent es órgãos senso-
eeeeeeeeeee riais. A criança recém-n ascida necessit a de tôda uma apren-
Fig. 7. Esquema da Teoria Associaci onista da Sensação. dizagem para ordenar pouco a pouco o caso confuso de suaa
AB= =
limiar da consciênc ia; e = excitação; s choques nervosos; S = sensações. No decorre r da vida somos também constan temen-
te obrigad os, segundo o curso das nossas preocupações e in-
conscien-
~ensação global que aparece única. Por cima de AB : processos
c:iais; por baixo de AB: processos físicos.
terêsses , a dissocia r as sensaçõ es que sobrevê m sob forma de
blocos confusos. Sabe-se por experiên cia ( caso do doente qua.
procura expor ao médico seu mal-esta.Ir) o quanto êsse tra-
Como provas disso, alegam- se os casos, bem conhecidos, balho é difícil quando se trata de sensações orgânic as.
em que se obtém uma sensaçã o simultâ nea por meio de s~n-
Bações sucessiv as: as côres espectra is do disco de Newton , Esta discussão, ao afirmar que a qualidade, como tal, é es:Qecl.-
m~mo
ao tirarem ràpidam ente, dão a sensaçã o de branco; as con- ficamente distinta dos seus componentes ou elementos (nisto compor ou
é que ela é «simples>), demonstra que é absurdo pretendeor associaci
trações sucessiv as de um músculo por efeito de descarg as elé- decompor a qualidade sensível, à m!lneira do atomism o-
tricas dão, quando essas descarg as se sucedem ràpidam ente, nista. ComPor passo a passo a qualidad e sensível é impossíve il, visto
. Dó'.•
.um sensaçã o única de contraç ão contínua , etc. ; assim como que, por defiTlliçáo, essa qualidad e só existe uma vez comwsta dizer;·
quer
'Ós casos .. em que se obtêm sensaçõ es aparent emente simples
mesmo modo e pela mesma razão, é impossível decompor, que ope-
distribuir nos seus elementos, -a. qualidade sensível, visto e. a Para
com elementos múltiplo s dados simultâ neamen te: os sons ração teria como resultado imediato suprimir a qualidad
simples compor-se-iam, de fato, de uma nota fundam ental e que a qualidade sensível exista, nota muito bem R. deRuYER, «é pr,e-
dti seus harmôn icos, etc. ciso que haja um salto, uma aparição brusca, algo possa original e ao
"' -· mesmo tempo de simples, onde, no mínimo, não se amente apreender
~stes fatos, que são certos, de modo algum provam a com- nenhum elemento. Se -se pudesse remontar indefinid a real,! ..ealém
posição do sensatum , como tal, mas unicame nte a da excitaçã o. da sensação, é que não teríamos nenhuma existênci
nos
A tese atomísti oo ( ou genetist a) evident e~nte confund:e d confundiríamos com todo o conjunto dos sêres>. 1s
fato psíquico da sensação com o fato físico ·da excitação. O Paris, 1930,
15 R. RUYER, Esquisse d'une plti[osoph ie de la structure,
sensatu m "branco " resulta do movimento do disco de New-
ton, isto é, de uma excitaçã o especifi camente diferent e da que
pág. 129.

·....... /L, , .. . .,,_ . ............ ~.


CONDIÇÕES SENSORIAIS DA PERCEPÇÃO 127
126 PSICOLOGIA

4. Relatividade das sen~ões. O próprio fato de as sen- gações de ·psicofisiologia, quer· dizer, tem-se acreditado desco-
sações se associarem e se combinarem entre si confere-lhe brir, por diferenciação de órgãos sensoriais, sentidos especí-
uma espécie de relatividade. Com efeito, a sensação depende, ficos que outrora não eram distinguidos. Com efeito, os antigos
/
ao mesmo terrupo na sua ·qualidai/Je e imlensidhde, dhs que a só conheciam cinco sentidos externos: tato, gôsto, olfato, ou-
precedem e d<M; que a aoompanham. Experimenta-se uma vido e vista, porque só distinguiam cinco órgãos sensoriais ex-
sensação de obscuridade passando-se do pleno sol parn um.,. ternos. Serão realmente mais nnmerosos êsses órgãos senso-
riais? É o que afirmam certos psicólogos modernos, partindo
aposento normalmen~e iluminado, e uma sensação de calor
do princípio de que, para admitir a existência de um sentido
ao mergulhar uma mão fria na água apenas tépida. Depois
específico, é necessário e suficiente que se lhe possa consignar
de _uma comida açucarada, o que se bebe pa.rece amargo. Co- um excitante, um órgão e uma modalidade próprios.
nhecem-se iguahnante os efeitos de perspectiva, os contrastes
Todavia,, cumpre observar que, se a existência de um ór-
de côres (simultâneos e sucessivos), etc.
gão especial é um indício de sensação especificamente distinta,
Por outro lado, as sensações são ainda relativas ao estado uma mesma espécie de sensação poderia ter vários órgãos. Por-
do,s órgãos sensoriais e ao estculo fisiológico geral. Conhecidos tanto, o princípio de distinção mais seguro é o que se funda na
são os distúrbios que certas drogas produzem na percepção das distinção dos objetos dos sentidos ou na natureza das sensações.
qualidades sensíveis, e também quanto (,) estado geral afetivo Dir-se-á, pois, que duas sensações são especificamente distin-
e físico, influi sôbre a nossa visão do mundo. Não é 'simples- tas quando aparecer impossível passar de uma à outra (por
mente por metáfora que se .afirma que a tristeza descora oã exemplo, do azul ou do verde ao quente, do resistente ao lumi-
objetos. noso) por transição contínua. Diz-se, nesse caso, que as sensa-
«Relatividade das sensações> não quer significar «subjetividade»:
ções diferem de modalidade. Quando a transição contínua é
O aposento sem calefação em que penetro num dia de grande frio possível, elas diferem somente em qualidade (ou grau).
é quente, porém está frio para meu amigo Pedro, que ali se acha
há um,!!- hora. cez:.tamen!e, o termômetro, que marca 5 graus, po- 105 2 . Sensibilidade superficial e sensibilidade profunda.
derá por-nos .de acordo, nao no terreno da sensação, e sim na plano Falam os modernos de sentidos externos e de sentidos inter-
absolutamente neutro e abstrato da ciência, em que não existe ne- nos, para distinguir os sentidos que se referem a objetos ou
nhum centro de referência privilegiado, ou (o que vem a dar no qualidades externas, dos que concernem a sensações intracor-
mesmo) em que todos os centros de referência se equivalem rigoro-
samente. Na realidade, a sensação está sempre compreendJda numa porais ( ou orgânicas). Pode-se conservar esta nomenclatura,
estrutura, que é um sistema de relações entre objetos diferentes. que se tornou comum. Não deixa ela, porém, de se prestar a
Sua objetividade só pode, pois, definir-se em função dessa estrutura confusão.
Dêste pont?--de-vista, a «relatividade da sensação» significa somcnu;
que um ob7eto pode ser constituido de tal ou tal maneira, conforme a Com efeito, os antigos davam o nome de sentidos internos
estrutura de conjunto em que êle está incluido (estrutura que eu a outras coisas. 11;stes sentidos, que definiam como sentidos
mesmo determino por minha própria relação às coisas) , e que variará com órgãos internos, e dependentes, em seu exercício, da ação
com essa estrutura, da qual é função. Dêste ponto-de-vista, «os di- dos sentidos externos, eram, segundo êles, em número de. qua-
ferentes fenômenos sensoriais», escreve GoLDSTl!'IN (loc. cit., pág. 227), tro: o sentido comum ou consciência sensível, função de com-
«aparecem como estruturações dJferentes do organismo totab. Ge-
nera~zando, dir-se-ia que todQs os objetos da nossa percepção são paração e de unificação dos dados dos sentidos externos ; a
funçao da estrutura global do mundo, pelo fato de serem necessària- imaginação, poder de reproduzir as imagens dos objetos ante-
mente ~dos «sôbre o próprio mundo». riormente percebidos; a estimativa ou instinto, sentido do útíl
e do nocivo; e a memória sensível, faculdade de conservar as
ART. IV. AS DIVERSAS SENSAÇÕES impressões sensíveis. É certo que essas funções merecem ser
chamadas sentidos internos com mais razão do que êsses aos
§ 1. PRINCÍPIOS DE DISTINÇÃO quais a psicologia moderna dá êsse nome. Porque é fato que
os "sentidos internos" da psicofisiologia se reduzem ao tato
A: 8entidos externos e sentidos internos interno (ou cenestesia), que está em continuidade com o tato
externo e dêle não difere especificamente. Em vez de senti~
104 1._ Número dos sentidos. A diversidade qualitativa das dos internos e sentidos externos, melhor seria, pois, distinguir
s~nsaçoes nunca estêve em questão. Mas o número dos sen- uma .sensibilidade superficial (os cinco sentidos. e o sentido
tidos e das sensações parece haver aumentado com as investi-
EPÇÃ O -129
COND IÇÕE S SENS ORIA IS DA PERC
128 PSICOI;OGIA
ela se exer ce ao cont a-
seria a ação do exci tante físico, tal comoraio s lumi noso s sôbr e a
a· ( cene stesi a ou tato to do órgã o sens orial (ass im a ação dos
térm ico) e uma sensibilidade pro fund seria a qual idad e sen-
inte rno) . retin a) ,10 e um sens ível med iato, que tante físic o (ass im
por efeit o do exci
sível exte rna conh ecid a raio s lumi noso s).
os
B. Dive rsos grnpos de sensíveis a supe rfíci e colo rida de onde prov êm Por um lado,
tas dific ulda des.
. Esta disti n- Esta teor ia ence rra mui certo da uniã o
.,. 106 1. Sensível por si e sensível por acidente ação pura e frac assa ao expl icar o fl:l,to expe rime
ntalm ente
a imag em
nção mod erna da sens que, por essa teor ia,
ção corresI?_ondende à disti le que o sentido per- do sent ido com o sensível, visto med iário entr e
da percepçao..: O. sensível próprio é aquê a côr da lara nja) ; ro inter
plo, pres ente no sent ido torn a-se um verd adei afirm a que o sens ível
(~or .exem o lado , ela
cebe e~ razao d~le mes:n,o to, revestido das qual'i- o sent ido e o obje to. Por outr
o sens ivel 7:or_ acidente e o proprio obje o e como cont íguo ao ór-
é sem pre apre endi do no próp rio corp r esta concepção. Pa-
dades sens iveis (a lara nja) . ce favo rece
gão. A expe riênc ia não pare imed iato.
O sensível por si rece, pois, que todo sens ível é, como tal,
2. Sensív~l próprio e sensível comum. cialm ente um sent ido
pode ser próprio, quando especifica espe
e a côr para a vista · ou 6 . Estí mul os mediatos e estímulos
imediatos. A disti n-
( como obje to form al) : assim a luz 108 ter valo r se se falas se,
vári os senti dos. Os ~en- ção que acab amo s de criti car pode ria
com~m, quando é objeto secundário de o espaço (dist ânci a fi- iatos e imed iatos , mas de estím ulos me-
síve1s com uns são o mov imen to local , não de sens íveis med de um obje to disti n-
' diato s e imed iatos . Por exemplo, na visão
gura , relêv o) e a dura ção. ente os raio s lumi noso s refle tido s pelos
guir -se-ã o legit imam ou próx imos ) e o pró-
ndárias. Já obje tos até a retin a (estí mulo s imed iatos
107 . . 3. Qualidades primárias e qualidades secu 338) , que te os raio s lumi noso s (estí mulo med iato ou
md1camos o sent ido e a histó r~a ~e~t a disti nção (1, prio obje to que refle por defin ição mesmo,
em sens íveis próp rios iário s,
corr espo ~de quas e exat ame nte a d1v1são etud o uma concepção remo to) . Os estím ulos inter med e da do obje to, e a
sua estr utur a é dife rent
e sens1_ve!s comuns, ~as que trad uz sobr não são o obje to: ente sôbr e o obje to, que,
idad es prim ária s ( ex- perc epçã o não vers a sôbr e êles, mas som
mec ~ms t!ca das qual~dades. Só as qualtivas e reais send o as o sens ível e, enqu anto obje to, o únic o têrm o
tens ao, figu ra e mov imen to) serã o obje port anto , é o únic
ponto-de-vÍsta é pelo do ato perc eptiv o.
outr as, ao cont rário , "sub jetiv as". ll:ste os filósofos ( como
_po_ rquan to outr Gest alt (42) (cf. KoFF KA, Prin -
men os o de ~ESC ARTE S,
Bem viram isso os psicólogos dares,
BER ~ELE Y) qms eram subJ etiva
r tamb ém as qual idad es pri- alt Psyc holog y, Lond 1936, pág. 75) . Poré m suas
mari as.
ciple s of Gest
muit o mais longe : a distin ção dos estím ulos imed ia-
condições vão a da perce pção que proce de clara -
tos leva- os a prop orem uma teori
confusas. As sen- te ·Teprova<ias, a.l~ás.
4. Qualidades distintas e qualidades mais repr esen tativ as, men te das conc epçõ es atom .ísttc;as, ~ust amen
cons iste em frisa r que os es-
saçõ es são _tanto mais disti ntas quan to Com efeito, tôda a sua argu ment ação
ento s afeti vos contêm. não são unívo cos (ou idênt icos) aos objet os e
e ta1~to ma'!8. confusas quanto mais elem é o mais intel ectu al ( ou
tímu los imed iatos
não lhes repro duze m tôda s as prop rieda des essen ciais (cf. KoFF KA,
Por 1~so, dizia m os anti;B'os que a vista La psych ologi r:, de la form e, Pa-
ções psico fisio lógica:i loc. cít., págs . 80-84 ; P. GUIL LAUM E,
expli car a per-
o mais nobr e) dos se~tidos. As inve stiga e que, porta nto, êles não pode m
vista pode disti ngui r mais de ris, 1937, pág. 47), impl ica logic amen te o pos-
dem onst ram, com efeit o, que a cepç ão dos objet os ou form as. Mas isso
form as e dos relev os iva, a perce pção deve ria redu zir-s e ade- .
um milh ão de côres, sem falar mos das te. É, pois, um sen: tulad o de que, para ser objet ulos imed iatos . Ora, é justa men te
estím
V-?ja per_cepção lhe toca em part e impo
rtan quad amen te à ação dos
ente men te anal ítico . Ao mesm o grup o perte ncem ,
ti~o emm e o ouvido. Pelo
ores , o tato exte rno notre certit ude du mond e sensi-
post o que em grau s men o dão sensações con- 16 Cf. GRED T, "Le derni er fonde ment de côr receb ida no ôlho pelas
olfat
cont rário , o tato inter no, o gôst o e o
pág. 342: "A
ble", in Revu e Thom iste, 1922, a retina , o som a vibra r na
afeti vos pred omin ante s. ondas lumin osas que tocam ' imed iatam ente
fusa s, com cara ctere s mem brana basil ar em conta to imedi ato com o nervo acúst ico, os corpú sculo s
a maté ria disso lvida
iato. Deve-se disti n- odorí feros a penet rarem até a mem
brana pituit ária,
. 5 . Sensível mrediato e sensívei med iato? Cert os psicólo- mida des do nervo gusta tivo, a press ão
pela saliva que chega até as extre corpú sculo s táteis , eis os verda deiro s
ível imed iato e sens ível med
gmr entr e sens VAIS SIER E), arrim ando - das parte s subcu tânea s ao nlvel dos sophitt na-
gos cont emp orân eos (GRE DT, J. DE LA objet os dos nossos sentid os". Cf; J . DE LA VAISSIJl:RE, Philo
erna , prop user am disti n-
se _aos estud_os da psicofisiologia modum sens ível imed iato, que
0 136.
_turttli s, Paris , 1912, n.
guir no sens1vel (pró prio ou com um)

r-- --
136 PSICOLOGIA CONDIÇÕES SENSORIAIS DA PERCEPÇÃO 131

disso que se trata! Esta questão o associaclonismo resolvia-a pelo cho O epitélio cilíndrico e vibrátil d~ mucosa_ nasal, à altura do
eplfenomenismo. A psicologia da forma adota uma solução do mes- corneto superior no homem e, em maior extensao, nos quadrúpedes.
mo gênero, recorrendo às propriedades do meio fisiológico. Mas a. Obj to São os odo1·es, cujo número é ilimitado, e que pare-
questão está mal formulada. Trata-se de um dêsses pseudo-pro- 3
blemas que pululam em fisolofia. Ao estudarmos a percepção, ve- cem inclass~fi~áveis. 11 De fato, só _s~ pode defini-los clarame1?-te
di te referência aos excitantes fisicos (odores de rosa, de vio-
remos que esta se explica ao mesmo tempo pêlo jôgo das excita.ções
sensoriais e pela finalidade própria do a-to perceptivo, que consiste F: ªe~c) Pode-se supor que todo corpo emite um odor; mas a
e ª··bºl'da.de aos aflores é extremamente va.riável, do homem, em
em fazer-nos apreender objetos e todos, e não qualidades distintas sensi i ., i
em que e mu =
· · •
ue:rn ela é relativamente pouco extensa, aos an2-mais,
e autônomas. Os gestaltistas bem viram que os estímulos imediatos
estão ordenados à percepção, quer dizer, são meios e não objetos. fu mais extensa a intensa, tendo o olfato para eles, como tem, gn.n
Mas não compreenderam que, por isso mesmo, os estímulos não têm de importância.
de ser unívocos aos objetos, e que, por mais diferentes que êles sejam A localização objetfoa; é muito !mperfe~ta, req_uer o ?oncurso da
dos objetos, podem condicionar uma percepção perfeitamente obje- vista e do tato. Todavia, a sensaçao olfat1v~ inclui em si UJ?a certa
tiva dêstes. ·indicação e, por isso mesmo, certa ~ercepçao d~ e~paç':, visto seus
dados desempenharem papel consideravel nos an~mais (ca_o de caça)·
§ 2. ÜS DIFERENTES SENTIDOS Quanto à localização subjetiva, esta se faz por intermédio das sen~
sações sápidas e táteis concomitantes.
A. O gôsto

109
e. O ouvido
1. Excitante. São as substâncias sápidas diluídas na bôca. A
diluição é necessária para que haja sensação. Sua introdução na
\,
111 1. Excitante. O excitante físico é constituído pelas vib r ações
bôca determina a secreção da glândula submaxilar. aéreas recebidas pelo ouvido externo e !evadas, pelo ouvido médio,
até ao ouvido interno.
2. órgão. São as papilas caliciformes, fungiformes e coroli-
formes que terminam o nervo gustativo e recobrem a mucosa lingual. 2. órgão. o órgão próprio do ouvido é constituído, no ouvido
interno, pelas células ciliada,s do órgão de Corti, nas quajs se expandi;
3. Objeto. O gôsto tem por objeto os sabores, que se dividem o nervo auditivo. A membrana basilar que traz o órgao de Corti e
em ácido, amargo, doce e salgado. As sensações dos sabores acham- estriada transversalmente por cêrca de 6.000 fibras, que crescem re-
se de fato misturadas a sensações térmicas, táteis, dolorosas, olfativas, gularmente à maneira das cordas de uma harpa. O órgão de Corti
que modificam de maneira mais ou menos profunda a percepção dos é composto de 3.000 arcadas.
sabores. Quando tem de engolir um remédio desagradável ao gôsto,
a criança sabe muito bem que lhe atenuará o amargor tapando as 3. Objeto. São os ruídos e os sons, tradução das vibrações
narinas. Sabe-se também como as dentaduras diminuem a sensi- sonoras. Os ruidos correspondem a vibrações irregulares; os sons
bilidade aos sabores, sem suprimirem as sensações táteis e térmicas. musicais, a vibrações regulares e cadenciadas. Geralmente,_ ruído e
A questão que se propõe é de saber se os sabores fundamentais sons são dados juntos: a arte musical procura obter sons tao puros
representam modalidades distintas, ou somente qualidades ou graus quanto possível.
distintos. A tendência é para considerá-los como sensações espe- Distinguem-se nos ruídos, e sobretudo nos sons, três eleme~tos:
cificamente distintas (ou modalidades), e, por conseqüência, para intensidade altura e timbre. A intensidade depende da amplitude
dividir o sentido do gõsto em qua-tro sentidos parciais. Efetivamente, ou fôrça a.a'.s vibrações. A altura depende da freqüência ou número
não se descobre nenhuma passagem contínua de um a outro. Por de vibrações num tempo dado. Estas são perceptíveis entre ~êrca
outra parte, as experiências parecem provar que a cada ,sensação de 30 por segundo para os sons graves (limiar primitivo). e_ mais ou
fwrudamental correspoou!,enn papilas funcionaimente difenmciadas e menos 3.000 por segundo para os sons agudos (limiar maximo). _A
especializadas: as caliciformes só reagem ao amargo; as 150 fun- gama musical é uma escala de sons que só abrange um pequeno nu-
giformes só dão sensações táteis e térmicas. Enfim, certos agentes mero dessas alturas distribuídas em oitavas de 12 notas cada uma.
aumentam e outros diminuem a sensiõilidade a um dos sabores: a Finalmente, o timb;e (que é como a côr do som) depende da s1:-·
estricnina aumenta a sensação de amargor, a cocaína suprime-a. perposição do som fundamental (o som mais grave) e dos_ harmo-
As sensações sápidas dão lugar à localização subjetiva (ponto nicos mais agudos, cujas freqüências estão em relações sunples e
onde se produz a sensação), e também (em razão das sensações tá- definidas com o som fundamental. Os harmônicos variam conforme
teis concomitantes) à localização objetiva (lugar onde se acha o a fonte sonora: sons da mesma intensidade e da mesma altura (nota
objeto sentido).
B. O olfato ·17 Tentou-se agrupar os odores em familias distintas. e distinguiram-se
os grupos etéreos, ambrosfacos, caprilicos, aliáceos, nauseabundos, repelen-
110 1. Excitante.São as partículas odorantes transportadas, pelo tes etc. Mas, de um lado, cada um dêsses grupos define complexos de
ar inspirado, ao contato da mucosa nasal. odores mais propriamente do que odores elementares, e, de outro lado,
2. órgão. As sensações olfativas têm a sua sede nas fossas certos grupos (nauseabundos e repelentes) referem-se não a odores, mas
nasais, e têm por órgão ·os bastonetes olfativos que tapizam em ca~ às reações que êstes provocam.
133
CONDIÇ ÕES SENSOR IAIS DA PERCEP ÇÃO
132 PSICOLO GIA
A 1 como se viu compor ta claridad e e côr. A intensidestas ade
unzd, e a' amplitu d~ das vibraçõe s luminos as (achand o-se h·p'
dada pelo órgão e mesma nota dada pela voz humana ) têm timbres t ·
correspos de· maneira mui diversa segundo ª.:l eonas is cas: 1 ?-
definida
f' i
düerent es. 1s da emissão de NEWTON da. ondulaç ao de , FRESNEL,
teoria
o e muito a.nalítico. t
o ouvido é ao mesmo tempo mui sintétic es simultâ neas, e, sobre- ~T!~fromagnética de MAXWELL, 'teoria dos, fótons de 365). EINSTEIN-DIRAC,
um grande número de sensaçõ A altura,
Pode somar de continu o ecânica ondulat ória de HEISENBERG, de BR0GLIE: I,
tudo, ligando os sons sucessivos, produz o sentime ntomassa sonora m ovenym te da freqüên cia das vibrações, produz as qualida des-ver-
lu-
sucessivo ou de duração . Ao mesmo tempo, abstrai da ~inosas ou côres, que se dividem e~ fu1;dam entais (v~rmel ho ~
os sons que interess am ao ouvinte . ' de_ violeta) e complem entares, cuJo n_umero per~ept~ ve~ cheg~n a ao
obje-
Por si mesma, a audição não proporc iona localiza ção nemadqui- te, _como se viu (103}, so ha_ cores si~ples ,
milhão. (Psicolo gicamen
tiva nem subjetiv a, mas, graças a uma educaçã o espontâ nea, epermite sendo a sensaçã o, como tal, sempre um fenomen o ~1mple~ e md~-
rida, maravil hosame nte q'esenvolvida •em ,certos :animais sonora, componível, sejam qu:3-is !orem as complex as condlçoes físicas
e fi-
aprecia r a maior ou menor proximi dade e a direção da fonte siológicas de sua real1zaçao.) _ . _
e, com isso, contribu i grandem ente para a percepç ão do espaço. Notemos, enfim, que a visão por si mesma não supoe localiz~ çao
s l~ga-
subjetiv a. Salvo o caso de sensaçõ es musc_ulares _ou dolorosa
D. A Yista das à visão, esta não fornece out~a. sensaçao, a _naoe ser a ~o obJeto
como
Excitan te. São as vibraçõe s luminos as que chegam à retina,
visto (exten.são luminos a ou cromati ca). O orgao o sentido,
1.
112
com suas determi nações de intensid ade (clarida de) e de qualida
de tais, de alguma sorte ignoram -se a si mesmos.
(côrJ, e suas direções respecti vas. E. O tato
2. órgão. A vista tem por órgão as termina ções do nervode bas-
óptico o tato é o mais complex o de todos os sentidos, isto é,_ é aquê~e atri-
que tapizam o fundo do globo ocular sob a forma de cones se às 114 que proporc iona juntas mais sensaçõ es diversas . Os antigos te~-
tonetes. Supõe-s e que os cones são especia lmente sensívei
côres buíam-l he a um tempo a percepç ão das resistênci9:s e_ a das_ atnbum -
de certos ani-
e os bastone tes à claridad e, o que explicar ia o fato bastone neratur as e o senso comum inclina- se na mesma direçao, _as ~i:n-
tes dei-
mais (galinha s e serpente s) cuja retina carece de cones (coruja) do-lhe todo o conjunt o das sensaçõ es orgânic as, _bem como 0-
tarem-s e ao cair da noite, e outros, desprovidos de sações de pêso, resistên cia, calor, movime nto, es~or_ço. . A psicof1s1
logia modern a tem-se e~força<lo s~b~etudo pordisti_ ~tmg~ nr ne~se con-
levanta rem-se com a noite. nto.:., median te_ a
Os fisiólogos distingu em na retina três sensibil idades cromáti cas junto heterog êneo sentido s espec1f lcament_e questao
ou três côres fundiaJmentais: vermelh o, verde, violeta.,
cuja mistura discrim inacão de órgãos funcion almente d1ferencia~os.. A das.
dá o branco, e cujas diversas combinações dão tôda a gama
das é saber sé essas distinçõ es são tôdas igualme nte Justifica
izados
côres. Essas côres fundam entais teriam por órgãos especial teoria 1. Sentido térmico . Por diversas experiê ncias chegou- se a
isolar
três espécies de cones (teoria de YouNG e HELMHOLZ). Esta em pontos s
sen· íveis ao frio e pontos sensívei s ao calor. Explora -se a
.explicaria bastant e bem a d-iscromatopsia, p. ex. o daltonis mo, pele com uma ponta de metal, e observa m-se pontos onde se ?ro_duz
que a sensaçã o de vermelh o não existe, por ausênci a (verde)dos «cones ligeira-
. A uma sensaçã o de frio; do mesmo modo, _cof!l uma ponta_ diferent es
vermelhos)) e sua substitu ição pela côr comple mentar clara mente aquecid a distingu em-se pontos sens1veis ao calor,.esti:s.
côres, com visão Ve:-
objeção tirada da acroma topsia (cegueir a às
em que dos pontos sensíveis ao frio e menos numero sos do que .ª
do branco) não é de molde a infirma r a teoria de YouNG, e). rifica-s e também que, em certos casos patológicos, _s~nsibil~ dade_
os bastone tes aparece m como sensívei s à luz incolor (ou claridad temper atura sobrevive ao desapar eciment o da sensibil1 ~ad_e a resis-
os cor-
Ainda há razão para levar em conta o jôgo tão complex o dos tência. Enfim, parece que essa sensibil idade tem por orgao
as, dos
músculo s e ·aparelhos de adaptaç ão (contraç ões das pálpebr es or- púsculo s de Melssne r e de Ruffini.
músculo s ciliares, orblcula res, etc.) que produze m as sensaçõ
gânicas pelas quais se opera a localiza ção dos objetos da visão.
113 3. Objeto. O objeto imediat o é a luz com suas determi nações,
amente ex-
~,,,,J,,,,l,,,,J,p,,,J,,,.J,,,,I
a qual nos é dada como uma extensã o Ilumina da imediat a exata
,i terior ao órgão da visão, sem que se possa precisar a naturez da é tan-
dessa exterior idade, isto é, definir se a extensã o ilumina
à retina ou exterior ao corpo. Esta precisão resulta de ex-
gente Compass o que serve para medir o limiar
periênc ias diversas , em que intervêm outros dados sensívei s (sobre- Fig. 8 .
mento da tátil da sensação de distância .
tudo de naturez a tátil: Imagem tátil do relêvo, desloca do, contra-
mão ou do corpo no espaço em direção ao objeto ilumina menos
ções muscula res do ôlho, etc.), e de um aprendi zado ma.is ou Pode-se , portant o, admitir que há razão para conside rar a _s~n_-
laborioso. da sensiõil i-
sibilidad e às tempera turas como formalm e;nte d-istinta
ã.<r.de à pressão e à ·resistência, por não haver :possib~lídade
de passa-
com-
18 Cf. CH. LALO, E!éments d'une esthétiqu e musicale scientifiq tte, gem de uma às outras, e os órgãos parecer em distmto s. Em
2a ed., Paris, 1939, págs. 57-'77.
CONDIÇÕES SENSORIAIS .DA PERCEPÇÃO 135
134 PSICOLOGIA

consciencia imediata da nossa atividade e, por êsse próprio fato.


pensação, a~ ~en~ações de frio e de , ca_lor só diferem qualitativa-
mente. A d1stmçao entre pontos sensive1s ao frio e pontos sensíveis do nosso eu (MAINE DE BIRAN,' BAIN). .
A sensação de esfôrço é explicada de maneira tod<;? diferJnt1;
ao calor absolutamente nao prova o contrário: trata-se sàmente pela teoria periférica (W. JAMES), segun!1o a qu~l o es~orço nao_ e
a_o que pare?e, de pontos de sensibilidade fraca num e noutro sen~ aprendido em si mesmo como wna realidade ~ui gen~ris, mas sim
tido (qu1;r ~1zer que os por_itos sensíveis ao frio são apenas mui pou-
cos sensiveis ao calor, e inversamente), porquanto se pôde verifi- como o efeito sintético do canjunto da•s sensaçoes cutaneas, das
ticu.tações e das contrações musculares. Seria, pois, uma sensaçao
a::-
car (~LRu_:rz). que, para temperaturas de 45º a 49º, os pontos sensíveis
ao fr10 sao impressi01fados como os pontos sensíveis ao calor. "· passiva, como tôdas as outra~ sensaçõe~. . ,
A esta teoria outros psicologos (Mm.LER, WUNDT) obietam que
a sensação de esfôrço é não de origem periférica, mas- central. Nessa
115 2. s1:ntido muscular._ Sob êste nome reúne-se uma quantidade teoria, poderia ela ser definida como uma sensação de inervação, isto
de sensaçoes e de percepçoes: contato simples, pressão movimento é, como dando consciênci,a das descargas nervosas motoras vindas
dos mem~r_os. (sens~ções ~inestésicas), pêso, resistência, 'esfôrço, ati- dos centros corticais. 21 Como prova aduzem o fato de que os pa-
tude, eqmhbr~o, orrenta~ao, cenestesia. Devem-se distinguir nesse ralíticos, desprovidos de sensações periféricas, teriam ainda a sen-
conJunto sentidos especificamente diferentes com órgãos especiali- sação de esfôrço, que nêles só poderia ser ce_?tral. . O sentido do
zados? ' esfôrço achar-se-ia, assim, isolado das sensaçoes penféricas, que o
a) Contato. O _con~ato puro consiste nu.ma ação mecânica qtie acompanham, mas não o constituem. 22
~e e_xerce, sem pressao, sobre a peLe. A sensação de contato tem por Apesar de tudo, a teoria central parece infundada. Com efeito,
orgao, a~ que_ parece, na per~feria os corpúsculos dérmicos de Krau- de um lado não há sensações de inervação: não temos nenhu~a
s.\ e ª? mter10r as term;naçoes n~rv~sas dos_ músculos e das cápsu- consciência distinta do influxo nervoso. 23 Ademais, as sensa<;oes
la.. ar_ticulares. Os corpusculos derm1cos estao repartidos um pouco chamadas ativas só se distinguem das passivas em grau: quando há
por t_?da a pele, e abundam sobretudo nas regiões desguarnecidas esfôrço, a impressão de tensão é simplesmen~e maior na_s articula-
d~ pelos~ embora de maneira muito -desigual segundo as regiões. cões e nos músculos. Enfim, o abalo produzido num musculo pela
Vanas sao dotadas de grande sensibilidade tátil (ponta da língua éxcitação elétrica produz urna sensação mais_ ou menos ~-em~lhante
polp~ dos ~edos, etc.). 1 0 A sensibilidade tátil é sobretudo dife~ à de um movimento voluntário. Em suma, nao há consciencia P1:ra
:renc1al, e so fracamente qualitativa. de atividade fora do império voluntário, que é não uma sensaça~,
O ?bje~o própri_o dessa sensibilidade é a resistência, com suas mas como o faz notar JAMES, um «feeling» ou sentimento, isto e,
det~m~naço_es qual1tativas (dura ou mole, lisa ou rugosa). aqui, um fenômeno mental. A sensaç~o d~ esfôrço, isolt:da_ da voli-
To- ção e da.s <tirnagens motoras:i> (antecipaçao das resistencias e ja
da".ia, Jamais se percebe resistência pura, mas sómente uma extensão
resistente, que é o objeto mediato dai sensibilidad.e tátil. A extensão energia motora a fornecer), reduz-se a um complexo de, sensaçoes
resi.sten!e ou objeto externo ~ão é pe~<;_ebida como exterior por sim- cutâneas, articulares e musculares. 24
ples efeito d? contato, mas sim pelo Jogo de experiências tidas nos
diversos sentidos. e) Pêso. As sensações de pêso, dadas no ato
de levantar ou de
J,
117 sopesar um pêso, reduzem-se igualmente a um complexo
1 O contato permite ao mesmo tempo a localização objetiva-e a de sensa-
localização subjetiva. 20 ções de pressão e de esfôrço.
d) Atitude. Temos todos a sensação das posições relativas das
116 . b~ ~sfôrço. O contato pode ser passivo (choque, pressão ou partes do corpo. Es::.as sensações são mais ou men_?s imediatas para
res1Stenc1a ex~erna) ou ativo (palpação, por exemplo, ou ato de as partes em posição relativa estável, e a d~stinçao das partes re-
apert~r 1;ª mao u~ objeto) . Por vêzes houve quem quisesse dis- sulta, sem nenhum movimento, das sensaçoes tegumentares pro-
ti??gmr ai -duas espe~ies difer~n~es de sensações, definindo o contato
ativo como um sentido especifico do esfôrço, pelo qual tomaríamos
21 Ulteriormente VtUNDT substituiu essas sensações de inversão por

rn O estesiômetro de WE!3ER, mostra que o afastamento das duas pon- uma espécie de con~ciência pré-perceptiva ou . pr~munitória . dos _movimen-
tas do compass~, para produzir duas sensações distintas, deve ser de o,016 m tos a executar, e consistente em sensações periféricas (Physiologische Psy-
chologie, t . III, págs. 284 e segs.) .

no dorso da mao, quando 0,001 m basta na ponta da língua (fig. 8). .. .
22 Os partidários da teoria central citavam a expenencia de STRtl'M·
J . LE!EV~E (Ma~uet critique de bio!ogie, pág. 815) propõe que se PEL: êste fisiólogo imobilizava uma das mãos no gêsso e verificava que, se
admita um . se!"tido (mais ou menos consciente) do tônus muscular" de- se quiser mexer a mão aprisionada, experimenta-se um:3- sensaç~o pura ?,e
pen~e!'te prmc1I_>al:11ente da sensibilidade periférica, e pelo qual O s~jeito esfôrço. Mas isto nada prova. JANET observa, com Justa raz130, que _a
sen_tiria e apreciaria a sua fôrça vital. Em abono desta concepção poder- mão pode mover-se na sua própria pele", e que imagens musculares sao
se-ia _fa_zer ~o~ar. que os animais separados de tôda influência externa (por
as~ociadas à vontade de mover o membro imobilizado.
escuridao, s~lenc10 e imobilização) caem numa espécie de torpor. No 23 t:fse ponto foi bem focalizado por WOODWOR'IH (Mouvement, tra-
:11esmo sentido,. o~servaram-se (FÉRON, LAFOURGUE) casos de torpor dução francesa de DOIN, 1903, págs. 35 e segs.), em seguida a experiências
mcoe:clvel em ~ndi_v!duos acometidos de anestesia cutânea. Será, porém,
iue estes casos_ Justificam o recurso a um sentido especial? Ao que parece negativas concludentes. ·
24 Cf. J. DE LA VAISSIERE, Eléments de Psyo:1iologie expérimentale,
les cirovam somente que a atividade geral e a cencstesia dependem eU:
gran e parte dos estímulos externos das reações que provocam. págs. 69-72.
·

'· .. . ...--.. , ... -


136 PSICOLOGIA CONDIÇÕES SENSORIAIS DA PERCEPÇÃO 137

duzidas por um mesmo excitante. Se as partes são móveis (as mãos plorações de punção pareciam revelar, P?Il~os dolorosos distintos e
por exemplo), as sensações cutâneas permitem a distinção das oar~ mais numerosos do que os pontos sensiveis a temperatura e ao con-
tes, mas n~o a determinação de suas _posições- relativas, sendo -esta tato Assim é que a bexiga e o intestino possuem sensibilidade
determinaçao o resultado das sensaçoes articu1ares e musculare& dolorosa, mas não sensibilidade tátil; assim também, a córnea é
conjuntas (por exemplo, da pressão de uma das mãos pela outra). dolorosa · mas insensível à pressão e à temperatura.
Por 'outra parte, as sensações de dor apresentam-se depois das
E!_) Equil~brio e orientação. A sensação de equilíbrio é a per- sensações táteis: pode-se percebê-lo mergulhando a mão em água.
cepçao da,atitude total do corpo relativamente à vertical. Temos muito quente. Ademais, em patologia verificam-se casos de anal-
consciên~ia de estar de pé ou deitados, inclinados para adiante ou gesias (insensibilidade à dor) sem anestesia. Enfim, segund? BLIX,
para atras, etc. Donde os movimentos compensa-dores que '<,Onstan- as impressões dolorosas parece seguirem na medula outras vias que
temente executamos para mantermos ou reencontrarmos o equilíbrio as impressões táteis e térmicas, e mesmo terem centros cerebrais de-
e evitarmos as quedas. A essas sensações prendem-se as da orien- termina.dos, que seriam os núcleos cinzentos do cérebro médio (tá-
tação, pelas quais somos advertidos das düerentes direções em que lamo).
nos colocamos relativamente ao nosso ponto-de-partida. Sabe-se o
qu11:nto essas sensações de equilíbrio e -de orientação são precisas e o) Discussão. Entretanto, êsses fatos deixam lugar a hipóteses
sutIS em certos animais (peixes, gato, cão, cavalos, aves migratórias). assaz diferentes. Se certos psicólogos (como EBBINGHAUS, VON rRFY),
Acredito1;-se (ÉLIE DE CYoN) descobrir um órgão especial para admitem um sentido especial da dor, outros (GOLDSCHEIDER) af~rmam
essas sensaçoes, a saber: os canais semicirculares o utrículo e o que a dor não tem órgão especializCl;!io, mas se reduz U??7- srimples
sáculo do ouvido interno, que outrora eram consid~rados como ór- modo que afeta as diversas sensaçoes, quando a excitaçao exce9e
gãos secundários do ouvido. As variações de nível da endolinfa. con- certo grau de intensidade. Com efeito, dizem êles, de um lado nao
tida nos canais semicirculares .e, por êsse mesmo fato, da posição parece que existam sensações puramente dolóricas, e, de outro lado,
dos <;>tólicos do utrículo e do sáculo, variações que obedecem às leis da a psicologia estabelece que o prazer e a dor estão ligados às s~nsa-
gravidade e do movimento, estariam na origem das sensações pelas ções como modos de .exer9ício dos ?rgãos del~s: um_a sensaçao de
quais tomamos consciência do nosso equilíbrio e dos movimentos que dor é sempre uma sensaçao determmada (tátil, térmica, etc.), afe-
o modificam (rotação direção, posição em relação à vertical) tada de dor.
(cf. E. DE CYLoN, L'oreille, Alcan, 1911) . BREUER acreditou, mesmo A tese de GoLDSCHEIDER é, sem dúvida, justa em seu aspect~ ~e-
descobrir que os canais semicirculares eram especialmente afetos ài gativo pois é certo que a dor não constitui uma sensação especificc;,,
sensações de rotação, e os otóllcos do utrículo e do sáculo à direção. dado que, como tal, ela é desprovida de c~nteúdo representati_v~ e
_ São bast~nte incertas estas suposições. llJ verdade que a abla- tem uma finalidade distinta da da sensaçao. De f3:.to, contraria-
çao dos labirmtos do ouvido interno produz distúrbios nas posicões mente à sensação, a dor não tem excitante nem órgao (sendo. q~e
de e~uilíbrio e de orientação. Mas êsses distúrbios são apenas pas- a distinção dos pontos de pressão e dos pontos de dor, contestadissi-
sageiros, e aos poucos se corrigem. Daí concluir-se que os órgãos ma também não obriga a adotar a tese de VoN FREY). Todavia, sob
do ouvido interno têm _um papel meramente acessório, que pode ser seu aspecto 'positivo, consistente em definir a dor c?mo f~rma_ in-
suprido por outros órgaos. tensiva das sensações, a teoria de GoLDSCH~IDER e mm dlsc~ti_vel.
Dor e sens.ação são heterogêneas. Se, às vezes (na ord~m tatli e
118 f) T'!to interno (cenestesia). Sob êste nome se agrupam tôdas muscular), o exercício intensivo ou anormal de um sentido pi::_oduz
as S4:!nsaçoes re!ativ_as ª? estado dos órgãos, às lesões e às funções dor, esta não pode ser tida como o prolongame17:to da sen~aça~, e
da vida vegetativa, isto e, o conjunto das sensações orglimic® que se sim como um efeito orgânico de natureza todo diferente, visto este
110s _apresentam como associadas e fundidas numa espécte de sen-· ter como conseqüência suprimir a própria sensação (ruptura do tím-
saçao global confusa e _compõem o essencial da. sensibilidade pro- pano, queimadura da retina, etc.).
funda. É a esta sensaçao global que nos referimos para definirmos
o nos,!lo estado de saúde («sinto-me bem ou mal», «tenho uma. im-
l?re~sac, de mal-estar ou de bem-estar geral», etc.). Não se conhece ART. V. ESPAÇO, TEMPO, MOVIMENTO
org~o especial da cenestesia, que é um complexo indefinível de sen-
saçoes heterogêneas múltiplas, dotado de caráter afetivo predomi- A. Noções gerais
nante.
Afinal de contas, só se descobrem de maneira segura dois sen- 120 1. Os «sensíveis comuns». Sob êste nome a tradição de-
tif!os _distintos no tocar (externo ou interno), a saber: o sentido signa o espaço, o tempo e o movimento, para signific~r que
termico e o -sentido do tato. Tôdas as outras sensações, ao que pa- êstes "sensíveis" nos são dados pelo jôgo complexo de diversos
rec4;!, reduzem-s'; a for~1as ds> tato, segundo os elementos orgânicos sentidos, como ligados à percepção dos sensíveis próprios. Ve-
(musculos, tendoes, articulaçoes, pele, ligamentos subcutâneos ima-
gens musculares e motoras, etc.) que são interessados em cad~ caso. remos que esta. concepção se apóia em fatos certos, e que, a
êste título o têrmo "sensível comum" poderia ser conservado.
119 3. O problema do sentido da dor. Todavia, ~orre êle o 'risco de ser mal entendido e de deixar
. a) A hipjtese dle um sentido da dor. Houve quem quisesse crer que o tempo, o espaço e o movimento são construídos a
distinguir uma sensibilidade especifica para a dor, visto que as ex- partir de experiências múltiplas· e heterogêneas, nenhuma das
CONDIÇÕES SENSORIAIS DA PERCEPÇÃO
139
PSICOLOGIA
138

quais, tomada à parte, bastaria para formá-los clara e perfei- B. O espaço


tamente. Nosso estudo levrur-nos-á a afastar êBte ponto-de- 1. E~eriência vívida do espaço. No princípio de tô~as
121
vista. as nocões relativas ao espaço há o sentimento de uma ~SP_acia-
Em Cosmologia (I, 300-334), sob o ângulo ontológico, estudamos , Udade pr-irnordial que fundamenta e sustenta a espa~iahdad e
as diferefltes teorias relativas aos -rsensíveis comuns». Lembremos objetiva e a elaboração que ela pede ao com:urso dos diferentes
aqui, somente que essas teorias podem dividir-se, segundo os têrmo~ sentidos.
consagrados (e bastante impróprios), em empiristas e genetista.s e N!lsta ordem, a experiencia fundamenta l é a do corpo
em nativistas. As primeiras afirmam que as noções de movimento próprio. Conhecem-Os imediatamen te, "por sentimento" , a po-
de tempo e de espaço absolutament e não se fundam em dados pri~
mitivos e experimentais , mas são construi-das pelo espirita ou dadas sição de cada um de nossos membros, graças ao esquema cor-
a priori. A~ segundas, mais geralmente admitidas ho/e, opinam poral que os envolve todos. 1l:ste conh_ecimento ,é _e:::sencial-
que os «sensiveis comuns» se fundam em dados, primitivos e irre- mente funcional e concreto: sem reflexao nem duvida levo a
dutíveis, da sensibilidade. mão ao ponto exato da fronte ou da nuca onde uma mosca
pousou; da mesma maneira, posso visualizar em qualqu_er m?·
2. Os dois níveis de experiência. Não vamos repetir a menta as partes do meu corpo que me são ocultas. Ihr-se-ia
discussão dessas teorias filosóficas, mas somente estudar, do que cada um se vê por uma espécie de ô\ho interior. Ora,
ponto-de-vis ta psicológico, a gênese das noções de movimento, aí se trata realmente da percepção de um espaço c~oral, que,
de espaço e de tempo, isto é, procurar definir quais são as expe- sem dúvida, é o primeiro espaço que nós apreendemos , e que,
riências de onde procedem essas noções. Todavia, convém aqui de fato, se confunde com o próprio ser do corpo: meu "corpo
distinguir v.árias etapas de experiências . Os psicólogos obser- próprio" está-me imediatamen te presente fora de tôda sensa-
varam e estudaram, até aqui, sobretudo os processos que ser- ção determinada , e, como o fazia. notar BIRAN (Fondements
vem para elaborar -as noções de espaço, de \IDovimento e de de la Psychologie, ed. Tisserand, VIII pág. 176), essa presen-
tempo. Dêste ponto-de-vista, a sensibilidade diferencial é que ça tranduz-se no sentimento global e con~uso de minha "exten-
aparece como sendo a principal provedora das experiências são interior". É por essa experiência que o espaço se acha
corresponde ntes aos sensíveis comuns, visto êstes se apresen~
tarem antes de tudo como percepções de relações. arraigado na existência.
O e:;paço exterior ou objetivo anm_ici~-s~, por seu turn_?,
É bem o que parece estabelecer o estudo do desenvolvime nto por um sentimento de não-contato, de_ ~istân~ia e de sep°:r~ao
psic_ológico da criança. Pela idade de 7 ou 8 anos, às operações pelas em relação às coisas. Êsse espaço vivido nao pode defmir-se
quais ela consegue reunir os objetos para os classificar, seriar e enu- nem como um continente, já que a relação continente-c onteúdo
me~ar, correspo~dem as operações (concretas ainda, mais do que for- só pode valer das coisas, ao passo que eu sou um sujeito, e
mais) pelas quais o espaço, o tempo e os sistemas materiais recebem
as estruturas que os caracterizam e que reúnem e coordenam agru- não um objeto. Tampouco é um meio lógico, 9-ue resultar~a de
pamentos qualitativos ficados até então independente s no plano um ato de síntese do sujeito que percebe, realizado a partir de
intuitivo. 26 elementos inextensos, porquanto ê.ste próprio espaç-0 só !po-
deria ser construído em função de uma especialidade ante-
. Porém, abaixo dessa elaboração, forçoso é admitir a rea- rior. 20 Assim, pois, não sendo .o espaço vivido nem uma coisa
lidade de uma experiência primordial e fundamental da tem- (continente) , nem um ser lógico, deve-se co?<:_luir q~ ~le é
poralic!,ade, da espacialiilade e do movimento, sem a qual OI <J meio pelo qual as coisas recebem suas posiçoes: direçoes e
têrmo elaboração não seria mais do que o nome equívoco de dimensões surgem a partir do meu corpo, em tôrno do qual um
u~a gênese "a priori". Tentaremos , pois, apreender as expe-
riências vividas que subentendem constanteme nte as nossas
20 LOTZE e WUNDT quiseram explicar a percepção do espaço pe~a
percepções de espaço, de tempo e de movimento, e que fundam
impoEsibilidad e de unir <:ertas sen~ações simultâneas (teO'l'i_a dos _sinais
os processsos compl~xos da sua elaboração prog1ressiva, ao locais). Cada terminação nervosa, dizem êles, produz urna 1mpressao si;t
mesmo tempo empírica e conceptual. geneTis; mas, como não podemos fundir num só todo sen~ações heteroge-
neas justapomo-las no espaço. Mas é claro que essa teona postula a re-
25 J. PI;AGET, La P s11cho!ogie de !'inteUigence, Paris, 1947, págs. 166 e
pres~ntação do espaçq: o ato que presumivelmen te deve gerar o espaço por
via de síntese supõe essa síntese formada antes déle . Só justapomos no
segs.; L_e deve!oppement de !a noticm de temps chcz !' enfant, P aris, 1946; espaço as sensações que por si meamas são representativas de espacialidade.
Les notions de mouvement et de 11itesse chez !' enfant, Paris, 1946.
COND IÇÕES SENS ORIA IS DA PERC EPÇÃ
O 141
PSICO LOGIA
140
das três dimensões e da direção,ção basta -lhe realm ente, e se outro s
'mundo se desdobra, e deter mina m êsse mund o como camp o das sentid os não colab oram na forma das nossas sensações espaciais.
21
o que parece inclin ar a. crê-lo é o fato de o tato e o ouvido serem
:minh as possi bilid ades ([, 907) . de sensa ções diver sas de natur eza espacial. Pelo
tamb ém provedores a posiç ão dos objetos relati va-
Acab amos de ver tato exploramos ao mesm o tempo
2. Problema da percepção do espaço. ment e ao corpo (sensação de ·distâ ncia) : e o relêvo que êles comp or-
que é a expe riênc ia interv ém igual ment e,
que há uma espac ialida de fund amen tal, tam (sensação de profu ndida de). O ouvid o
.,. prim itiva fund amen tador a da nossa perce pção do espaç o . .,.Sus-
em parte , na deter minaç ão das direçõ es e das distân cias.
espaciali- disemos, ela nos dá
cita-s e porém , o probl ema de sabe r como
é que essa Estudemos primeiro o papel oo vista. Como
ativid ade perce ptiva. de largu ra e altura . Entre -
dade vivid a se tradu z e se expri me na extensões coloridas, isto é, as dimen sões pção da terce ira dimen são,
Há, com efeito , uma gênes e e uma const
rução do espaç o obje- tanto , não é o espaço, que impli ca perce si mesm a, pôr-n os de posse da
expli citaç ão, e ou profu ndida de. Pode a vista, por
de difer encia ção e de o dos objetos?
tivo, que é um proce sso profu ndida de? Pode forne cer-n os a direçã
cujo meca nism o cump re defin ir com preci
são.
Se se encar ar a visão mono cular , a image m do objeto produ z-se
· situad o à distân cia sôbre as
ulava -se da ma- é perce bido como
Em sua form a cláss ica, o probl ema form na mácula, e o objeto
ao centr o óptico do ôlho. Todavia, cum-
conhe cemo s o mund o por meio das exci- retas que reúne m o objeto
neira segui nte. Nós são espec ifi- pre notar que, se e11 direçã o é dada por êsse própr io fato, a ddstâ ncia
s que lhes a mesm a, seja
taçõe s senso riais que afeta m os órgão a parti r de não está defini da. Com efeito , a direçã o fica sendo
pois, aqui, de expli car como , o ôlho e a cabeç a, o objeto se desloque no
cados . '!'rata va-se , uma perce p- que, perm anece ndo fixos m de posiçã o. A percepção
mos obter e o ôlho mude
dado s senso riais repre senta tivos , pode espaço, seja que a cabeç a muda nças que se produ -
ção do espaç o; quer dizer , trata va-se de sabe r se a perce pção da distân cia relati va ao ôlho depenodee, das por aí, de tôda uma apren -
s senso riais, e quais ; zem nos mecanismos de acomodaçã
do espaç o é iman ente a certa s impr essõe outro dinam is- dizagem pela qual se estabelece uma correspond
ência entre a aco-
ela não impli ca a ação de
ou se, ao contr ário, moda ção e a distân cia.
ões prop ostas (na-
mo. Adot ando a prim eira hipót ese, as soluç A visão binoc ular aperf eiçoa a sensação de profu ndida de me-
espec ialme nte a inter venç ão do tato e da s que vão da image m ao centr o
tivist as) invoc avam diant e a convergência das duas linha -se, ao mesmo temp o
vista . óptico do ôlho. Por êsse própr io fatoosobtêm entre êste e o ôlho (quer
do objeto visado e dos objeto s situad
dizer, nos planos perpe ndicu lares às linha s de mira) , imag ens bem
3. Teorias na.tivist.as.A impo ssibil idade de cons truir o plano s exige um grau
122
r de pura s sensa ções inext ensas pôs localizadas. Cada diistàncim dos difere ntes ia que está no princ ípio da
objet o dos senti dos a parti defin ido de acom odaçã o e de com}e rgênc basta à perce pção preci sa
fora de causa as teori as gene tistas do espaç o. Os psicólogos perce pção da profu ndida de, mas ainda
não
ente a extensão. difere ntes, maiores ou
admi tem que as sensações nos dão imediatam das distâncias. Estas só são dadassó como se torna absol uta medi ante
dos susce tíveis de res. Esta perce pção relati va
Resta , porém , deter mina r quais são os senti meno
outra s exper iência s senso riais, associ ada..s aos dados do espaço
, S. MILL) atrib uem
desem penh ar essa funçã o. Uns (BERKELEY visua l. 2s
intui ção da exten são; outro s (PLA TNER), à vista ou
ao tato a
tátil. Sem entra rmos b) A percepção tátil. Como a vista não parece capaz de dar a
à colab oraçã o do atlas visua l e do atlas achar am que as sensações táteis é
dessa s teori as, darem os sob form a sinté tica .os as- tercei ra dimensão, os psicólogos impo rtante para a perce pção do
na minú cia que contr ibuem da mane ira mais
pecto s essen ciais delas . espaço. De fato, aprec iamos a..s distân cias dos objetos afasta dos do
fazer para os tocar ,
é perceber poszçoes, corpo quer pelos movimentos que a mão deve a para se aprox_imar
a) Percepção trisual. Perce ber o espaço quer pelo movimento <ia corpo que se desloc
distân cias, os volum es, relevo s e forma s dos objetos. Esta dêles. Sensações táteis e musc ulares associam-s
e, assim , às distân cias,
direçõ es,
ial basta ria para most rar tâneo (reflexos de asso-
própr ia complexidade da percepção espac e perm item em seguida, por um jôgo espon s segura. É por aí so-
que vários sentid os devem nela colab orar. ciaçã o), medi-las de mane ira mais ouos,meno si só, distân cias deter -
Parta mos da experiência mais comum, oem que o espaço é para bretu do que a vista parec e forne cer-n por
da. Por isso mesm que as sensações lumi- as, ao passo que ela apena s evoca , por trans ferên cia asso-
nós uma exten são colori bradas, isto é, minad entos necessários para atin-
nosas e crom áticas nos são semp re dadas como desdo
da visão, temos cia.tiva, a sensação dos esforços e movim táteis 86 têm mlor espa-
sas e exteri ore~ ao órgão . Vê-se , assim , que as sensn rl5es
ao mesmo tempo como exten ra, altura e profu ndida de, bem
gir o objeto sensações cinestésica.s que 1
a percepção das três dimensões, larguta-se, cial pelas sensações de pressão e pelas
como a da direção do objeto. Susci e basta entre tanto , a questão de com.p ortam .
o parec r para essa percepção
saber se a vista, que no adult 1
\ 28Isso explic aria que os cegos de nascen ça
não perceb am as distân cias
a operaç ão; têm somen te a impre ssão de que os objeto s estão
logo após
27 Cf. M. MERL EAU-P ONTY , Phéno ménol ogie de la Perce ption, pági-
nas 281-344.
ao alcanc e da sua mão ou mesm o contíg
uos ao ôlho.
1
l
1
1
CONDIÇÕ ES SENSORI AIS DA PERCEPÇ ÃO 143
142 PSICOLO GIA

e) A percepçã o audlitiva. O ouvido está longe de ter a precisão dos mecanism os pelos quais se efetua essa percepçã o. Mas é o pró-
efeito,
prio sentido dêsses mecanism os que d~vemos precisar. Com
das percepçõ es espaciais táctilo-v isuais. Mas os seus dadosdedesem-
ar do não se deve entender que a percepçã o da distância ou de da profundi -
penham ainda um papel importan te. O abalo da massa dade, por exemplo, seja o resultado de uma espécie cálculo a
ouvido externo, o deslocam ento da cabeça e do ouvido em mira a partir dos movimen tos de acomoda ção e de convergê ncia. De fato,
obter a situação mais favoráve l à audição, a convergê ncia das linhas
certa não temos nenhum a consciên cia dêsses movimen tos, e, ademais, êles
de incidênc ia do som para os dois órgãos simétricos, permitem são tais que excluem tôda espécie de inferênc ia (aind.a quando fôsse
apreciaç ão da direção e da distância dos objetos sonoros. Os movi- inconsci ente), porq1,1e são idênticam ente a própria percepçã o da dis-
, mentos da ca·beça que executam os para, precis(lrm os os dados
con- não
. tância e da profundi dade. Se há aí uma aprendiz agem, esta
fusos da audição são o si,ntal da realidade de um espaço auditivo consiste em progredi r na apreciaç ão de um sinal em relação a um-
Mas êsses dados não trazem informaç ão precisa senão pelas asso-
muscula res significa do, mas somente em aperfeiç oar mecanism os cujo funciona
ciações pouco a pouco estabelec idas com os dados mento não se distingue da percepçã o.
concomi tantes, e sobretud o com as variaçõe s intensiva s do som.
Teríamo s, pois, psicolog icamente , três esPécies de espaços -
visual, tátil, auditivo, - cujos dados distintos podem associar- se. 124 . 5. Invenção do espaço objetivo. Dessa discussã o ressal-
reforçar -se e controla r-se mutuam ente. ta que é pràticamente impossível est<Jbelecer de maneira satú,-
fat6ria, no plano psicológico, que a espacial idade resulte quer
129 4. Discussão das teorias nativista s. O que temos de pôr em da atividad e própria de um sentido especializado, quer do jôgo
questão não é o próprio nativism o, mas sim os argumen tos que éle mutuam ente complem entar de vários sentidos . De fato, ela
invoca. daí não resulta, porque o próprio exercício dêsses diversos sen-
a) O espaço não .é um excita.nte . Para evitar a petição de prin-- tidos a 'f)'ressupõe. A espacial idade já lá está, como a experi-
cípio do empirism o genetista , que postula secretam ente a represen ência fundam ental da nossa presenç a no mundo, e o papel per-
tação do espaço, as teorias nativista s têm êste por um excitante ao ceptivo que as teorias nativist as atribuem aos diferent es sen-
qual certos órgãos seriam especific amente sensíveis, pela mesma tidos não passa, rigorosa mente falando , de um processo dt'.
ra-zão por que o são à luz e ao som. Ora, se é certo que o ôlho
percebe o espaço, não SP. pode dizer que o apreenda em excitaçõ es elaboração e de explicitação. A êste título, aliás, êle é real e
sensoriai s da mesma maneira que apreende a luz por efeito de exci- corretam ente descrito, mas já não se choca com as dificuldade:-;
tações luminosa s. que frisamo s: a experiên cia vivida do espaço explicita -se por
Verdade é que alguns (como HELMHOL TZ) acharam que aquilo
pelo meio dos mecanis mos percepti vos que os nativist as fiscaliza ram,
que um sentido não podia dar de per si poderia ser fornecido e constitu i, como tal, êsse dinamismo espacializante sem o qual
jôgo combina do de vários sentidos (tato e vista). Mas, por exemplo ,
co- êles mesmos seriam complet amente ineficaz es. Neste sentido,
se uma sensação tátil é impote,n te para, nos dar a espaciali dade,
mo é que o consegui ria a simples associação, ao tato, de sensaçõe
s a espacÚLlúlade é, portanto, ao mesmo tempo rigorosamente
visuais e cinestésicas, igualmen te impotent es, por si sós, para
for- primitiv a e, no entanto, inventada, construída e elaborada por
necerem o espaço? todo um sistema perceptivo extraordinàriamente c01nplexo.
b) Exteriori dade mútua do sujeito e do objeto. A Psicologia da-
Forma bem viu a necessida de de admitir um dinamism o espaciali B. O tempo
zante. O espaço, faz notar KõHLER (Some problems of Spo.ce pe.r- dos
ception) , não é um excitante , visto ser o conjunto das relações
é, 125 1. Duração vivida. Temos uma experiê ncia primitiv a da
objetos entre si OU, a estrutura das coisas. A percepçã o do espaço duração , que fundam enta tôdas as nossas noções relativa s à
poi~, uma percepçã o de r elações, quer dizer, de estrutura s, e opera-
se segundo leis de organiza ção que valem para o recém-na scido como tempora lidade. O esencial dessa experiê ncia consiste no sen-
para o adulto, e que atuam de maneira absoluta mente independ ente timento de uma continuidade de fluxo. Foi o que BERGSON jus-
de tôdá experiên cia seru;ivel, de tôda atividad e mental. vere- tamente sublinhou. Mas, ao supor que a duração se limita a
É difícil levar mais longe um nativism o que mais adiante uma "multip licidade de fusão e de interpen etração " de instante s
mos nada mais significa r do que um paralelis mo psicofísico, tão
pouco inteligíve l como o do empirism o. Mas aqui bastará notar,
sucessivos, êle acaba por suprimi r a realidad e do tempo, visto
de uma parte, que há um progress o incontes tável da percepçã o na do que, nessa hipótese , tudo se reduz ao presente . Para que a
espaço, e, de outra parte e sobretud o, que, se o espaço consiste continu idade tenha um sentido tempora l, importa integra r nela
exteriori dade mútua dos objetos e nas relações que ela afeta;,
êle
essa tensão interna pela qual cada present e reafirm a a pre-
sença de todo o passado que êle deixa para trás, e antecipa a
dade
implica, antes disso e mais fundame ntalment e, a exteriori
recíproca do sujeito e do objeto, que se torna incompre ensivel
nesse
nativism o radical. de todo o futuro. Isto é, como o indicou ARISTÓT ELES, essa ten-
são é a própria existêncÚL, a rivalidade e a inseparabilidade
c) Mecanism os da percepção do espaço. Nada permite contes- permanente, no seio da duracão concreta, das três dimensões
tar as análises, tão minucios as. que a Psicolog ia nativista tem feito
COND IÇÕE S SENS ORIA IS DA PERC
EPÇÃ O 1~5
144 PSICO LOGI A
ém noss a mem ória da dura -
expl icita r o que está noss a perce pção da dura ção, comovotamb repre senta tivo dos perío dos
do tempo, por onde cada uma delas só faz ção depe nde do conte údo -afeti
e
implicado nas outr as. rememora dos.
to, agor a se com-
Mas tamb ém é de mist er que a. dura
ção, com seus ritmo s tão Essa s observações são justa s. Entr etan oralidade funda-
utíve is a uma medi da ltem da temp
diferentes, envolvendo série s temp orais irred pree nde que os ritm os vita is resu riamente do que a fun-
ar de pont os isolados
comum, seja assum ida (sob pena de nunc a pass
l que, segu ndo a palav ra men tal, ou que a mate riali zem mais prop dura ção" , é por esta rem .,
e dispersos) por uma consciêncj .a intem pora
dlAn. Se êles prod uzem "sen saçõ es de
pág. 373), asseg ure «a coesão de uma unda , que é o próp rio
de HEIDEGGER (Sein und Zeit, o no estud o do sujei to psico - com pree ndid os num a dura ção mais prof
vida». Voltaremos sôbre êste pont ritm o de uma exis tênc ia em cont ínua fluên cia (I, 332) .
lógico. 20
vivid a não é exat a-
2. Medida da durll@,O. A dura ção e. o mov imen to
, por sua mult iplic idad e e por
men te o tempo. Implica-o somente de fato as "sen -
suas dimensõe s inter nas, que não cess am de reco brir- se cont i- 127 As anál ises prec eden tes mos tram que man eira, impl ica-
oralidade fun- ma
nuam ente . O tempo é a expl icita ção dess a temp saçõ es de mov imen to" estão , de algu
ntes de uma ciais e temp orais , de vez
damental, sob a forma de uma sucessão
de insta das em tôda s as noss as perc epçõ es espa o temp o o ritm o ince s-
e de depo is, poré m apre e~di das de que o espaço é o cam po da noss a ação,
e
dialética contínua de antes são o cará ter essencial. da potê ncia ao ato. Dêst e pont o-de -
tal sorte que a pass agem ou o flux o lhes sant e de uma pass agem fund ame ntal dos "sen -
obje tivo apar ece como uma es- vista , o movimento apar ece como o mais
Dêst e pont o-de -vist a, o temp o para reto marm os o têr-
pécie de esqu imat izaç ão da dura ção, e, síve is com uns" .
mo arist otéli co, como um número ou
uma medida, e, por con- vêzes tem- se feito nota r que
um "ato do espí rito" . Mas conv ém com pree n- 1 . Mov imen to objet ivo. Muit as diver sa de perce ber um móve l
segu inte, como ação intel ectu al : êle perc eber um movi ment o é coisa bem
der êsse ato do espí rito como uma oper
em repouso em posições sucessivas . Sabe -se que os argu ment os de
gna do que o ato de apre ende r ou de sobrevoar eram fund ados nesta concepção estát ica (que r dizer
nada mais desi ZENÃo DE ELÉA
movi ment o 318). Mas, acres centa -se, é certo
o próprio fluxo. cont radit ória) do (1,
é objet ivam ente dado aos senti dos são posições suces sivas
que o que deslo cand o-se, faz a unid ade de seu
3. Os ritm os vitai s. Os psicó logos muit as vêzes atrib uem as cont ínua s de um move nte, que,
movi ment o é exati ssim amen t~ a per-
126 ciênc ia mais ou meno s preci sa dos ritmo movi ment o. A perce pção do
perce pção da dura ção à cons em ato.
cepç ão dêsse móve l
vitais .
stesia, disti ngui ndo uma du- que é obje tivam ente
_Com umen te, invo ca-se aqui a cene rio-m otora . Nossos movi ment os 2. Movimento vivido. :I!'.: fato que o
raçao visceral e uma dura ção sensó ões suce ssiva s de um
vitai s, diz-se, ª~.im press ões cen1:stésic as (fom e, fadig a, sono ), já nos dado aos sent idos não cons iste em posiç ória, mas sim na pró-
cem expe n~nc ias ~e dura çao, não raro basta nte precisas, sob a móvel, as quai s seria m som adas pela mem
~orne
form a de sucessoes meus ou menos ra regul ares de estados inter nos. D~ não reveste o mov imen -
pria transição do móvel. O mov imen to nêle e habita-o. Sua
most que as pertu rbaçõ es da cene s-
to como a rou,pa reve ste o corpo: está,
ou~r a ~arte , a psico patol ogia
caus as de múlt iplas varia ções na aprec iação da dura ção. e-o.
unid ade não é reali zada de fora : defin
tesia sao que se efetu am de maineira
lado, ~á movi ment os orgtln icos
P_or outro , batid a do pulso, marc ha ca-
ntm<!-da: pulsa çao cardí aca, respi ração
do ritmo é uma perce pção BERGSON acha que, «se a cons ciêncões ia percebe outra coisa. que po-
denciada, _ canto medi do, etc. A perce pção às posiç sucessivas e lhes faz a sín-
ainda , de suces são cade nciad a siçõe s, é que elai se reme mora
con.science, pág. 84) . Como, poré m,
de dura çao regu lar, quer dizer, saqui e musc ulare s). Verif ica-s e, aliás, tese» (Don nées immé diate s de za.
de movi ment os (sens açõe s tátei
e, às vêzes , consideráveis, porq ue adm itir esta solução? Ela exclui osínte movimento, como a mult iplic idade
que os_ erros de medi da _são fácei s se realiz ada pelai mem ória não
fund ar-se na medi da de um perío do de fusão exclu ía o temp o. Uma
a med11ia de uma dura çao deve
por falta de pont o de com~ com o movi ment o, que, como bem o assin alou
nte incer ta, tem nada que ver
a qual por si mesm a é basta
do estad o gera l ente uma p®Js agem, o ato de um ser em
e, em gran de parte , depe nde ARI~ Tó!EL ES, é essen cialm SON insis te sôbre a con-
para:ção simu ltâne o, da atenç ão. Sôbr e isso Sem dúvid a, BERG
afeti vo e cenestésico, bem como da direç ão ~ote ?cia como tal (1,31 4). Mas isso não é resolver o pro-
orcio nam- nos abun dant e infor maçã o. coU: sivas .
tmui dade das posições suces inuid ade ou a passa gem é que cria o
no~sas expe riênc ias prop ciênc ia, a
ef~1to, todos sabe m como o desej o, a distr ação , a impa blem a, visto que a; próp ria cont nesse deba te mal trava do.
o tédio , o sofri ment o, etc. influ em em a prob lema . ZENÃO arris ca-se a triun far
ociosidade, a triste za e
de expe riênc ia que
Tentemos, pois, reen cont rar o fund o to. Tôd a a ques -
mov imen
2
°
Cf. MER LEAU -PON TY'
nas 469-495.
Phén omén ologie de la Perce ption, pági-
nos dá, na sua reali dade próp ria, o
.., CONDIÇ ÕES SENSOR IAIS DA PERCEP ÇÃO
147
146 PSICOLO GIA

tão está em saber como é que se realiza, psicolo gicame nte a concorram para formar as nossas percepções espaciais, tempo-
apreen são dessa transiç ão que especif ica o movimento. Cl;ro rais e kinestésicas, a partir das experiê ncias fundam entais que
é que não se poderia atribuí -la ao deslocamento do ôlho seguin- as subente ndem, negamos que êsses dcidos possam ser tidos
do o deslocamento do objeto, pois equiva leria a supor que te- como elementos, a partir dos quais se poderia compor a pei--
nhamo s consciência do nosso ôlho como objeto e da sua própria cepção.
situaçã o no espaço, o que nl}o corresp onde a nenhum a experiê n- " Esta última concepç ão só nos dá uma solução todo verbal
ao ,,
cia. Não que a percepç ão do movim ento não esteja ligada ao problem a da. percepç ão dos sensívei s comuns . As sensaçõessão,que são
movim ento do globo ocular; mas êsses dois fenômenos fazem a base da percepç ão do movime nto, do espaço e dopercepçõ
tempo mes-
es. Com
um só: implica m um o outro como dois momen tos simultâ neos mo dadas juntas, algo totalme nte d'istinto dessas cutâ-
de uma única estrutu ra. efeito, não se confund irão sensaçõ es muscula res, articula res, trans-
neas, etc. com isso a que chamam os distânci a, profund idade,
Em realida de, na percepç ão do movim ento como transiç ão, lação e duração . Percebe r, palpand o-o, um objeto como distante
do
sensaçã o na
o fato fundam ental parece ser a apreensão de uma relação es- corpo nada tem que ver com experim entar umacom a vista a
pacial mu~ante de um objeto em relação ao fundo que fica ( ou, articula ção do ombro! Do mesmo modo, percebe r no órgão
objeto coisa mui diversa de experim entar
parece) fixo. Quando estou lendo no vagão parado na estação direção de um é
um conjunt o de modific ações muscula res!
vejo a estação fugir logo que o trem se põe em marcha . Ao con-
trário, se estou à portá e observo a estação e os viajant es na 129 2. Elementos e condições. Os dados sensori ais que as
platafo rma, é o meu trem ,que percebo em movim ento. Que teorias nativis tas invoca m são, pois, não elementos, mas sim
signifi cam as experiê ncias dêste gênero senão que tudo de- condições, o que é inteira mente diferen te. Os "sensív eis co-
pende da maneira como. constituímos nossas relações com as muns" não são constru ídos de peças e de pedaços, forneci dos
coisas pelo ato do olhar? No campo total da minha experiê ncia, por sentido s múltiplos, e que seriam reunido s não se sabe bem
meu olhar determ ina, por sua direção, um fundo e um móvel : como. Mas é verdad e que a percepç ão dêles tem condições sen-
a ave voa no ar enquan to meu olhar, fixado e instala do no meu soriais que exigem um aperfei çoamen to progres sivo. Todavi a,
quarto, se acha, por assim dizer, projeta do sôbre o fundo do elaborados, aliás espontâneamente, a partir de experiências
céu, seguind o uma trajetó ria cujo dinami smo êle esposa. Aqui complexas que lhes garant em a objetividade, o espaço, o tempo
nenhum cálculo intervé m: o movimento é vivido por uma es- e o movimento já estão to'talmente nas experiências primiti vas
pécie de identificação com o movente, e o próprio fundo sôbre que os fundam : as condições sensori ais de sua percepç ão não
o qual se levantam os móveis é, ordinàriamente, menos um fazem senão uma coisa só com essa própria percepç ão ; é ela
objeto definido do que a ambiência implícita do mundo em que que as põe em ação, sem se disting uir delas, e não elas que a
vivemos. Por efeito desta instalaç ão no mundo e de nossa fa- produz em.
miliari dade com êle é •que os movim entos que nêle se desenro - de nascenç a
As experiên cias feitas sôbre as criança s e os cegos
lam reveste m para nós a aparên cia do movimento absoluto. :io desmen tiram definiti vament e os argume ntos aduzido s pelos gene-
tistas quanto à percepç ão do espaço. Se, a partir do quarto mês,
D. Sensa~ o e percepção por ensaios desajeit ados, a criança parece inaugur ar por uma percepç ão
o3
da profund idade guiada pela vista, esforçan do-se o que agarrar tudo está
128 1. Com.plexos sensíveis. O estudo dos "sensív eis co- objetos a seu alcance , engana r-nos-ía mos pensand só é ta-
muns" levou-nos a descob rir experiê ncias vividas à base das construi do. Verifica -se, com efeito, que o gesto da criança que não há
proximid r~de do objeto, o que signific a, não
nossas percepções de espaço, de tempo e de movimento, e {t teante na r a
percepç ão de distânci a,, mas sim que a criança deve aprende
assim explica r, pelo seu dinami smo natural , o jôgo complexo harmon izar os dados visuais com os dados muscula res. Quanto aos
dos diferen tes sentido s na elabora ção progre ssiva dos dados cegos de nascenç a, se, uma vez operado s, êles falam deque objetos que
lhes tocam os olhos, pode-se observa r primeir amente ser tan-
sensori ais. Com isso se acham resolvidos os problem as formu- ia está
gente ainda é ser exterior , e que certa percepç ão de distânc
lados ao mesmo tempo pelas teorias genetis tas do espaço e do implica da nessa sensaçã o de contatQ, mas, sobretud o, que a lingua-
t~mpo (I, 301-306 , 328-33 1), e ielas formas radicai s do uati• gem dos cegos operado s deve ser 'interpre tada-: essa
linguag em é
vismo, porqua nto, admitindo que dados sensoriais múlt-iplos tirada das experiê ncias táteis dos cegos, tanto que «tocar o ôlho~
signific a, para êles, não contigü idade ao órgão (o presenç cego operado não
sensoria l
procura , aliás, pegar o objeto sob seus olhos), mas VILLEY a(Le
(análog a à pre~ença tátil). Notemos, todav_ia, que tação metafór ica
on, pági- monde
~o Cf. M. MERLEA U-PONT Y, Phénomé nologie de la Percepti
nas 309-324. des aveugles , pag. 172) protesta contra essa interpre
149
., CONDIÇÕES SENSORIAIS DA PERCEPÇÃO

148 PSICOLOGIA
nar um objeto presente ao suj~ito cog~?s{ente .h N_~o 1e trat;,
pois, de produzir algo no exteno~: o tº Je o cdoAn1 ec1 tº e mo o
da linguagem dos cegos operados. «O cego», diz êle, «ignora o que é modificado pelo conhec1men o que e e se em, e ne-
é ver, mas sabe que existe uma diferença essencial entre, ver e tocar, a1gum ·t· , , lf d
a saber: que se vê de longe, ao passo que só se toca de perto». nhum vestígio da atividade coglll 1va e :3-~reens1ve o~a ? su-
jeito. Tudo se passa e se remata no suJeito, pela realizaçao de
VI. FILOSOFIA DA SENSAÇÃO
ART. uma presença intencional_ que_ ~az _passar ao ato a faculdade
;I'
cognoscente (sentido ou mtellgenc1a ). "
Os elementos experimenta is que reunimos devem permitir-
;I'

180 Corno pode, porém, o objeto existir no cognoscente ? P~de


nos agora elaborar um.a noção filosófica da sensação; quer di-1
zer, apoiando-no s nas leis de causalidade eficiente, pretendemos encontrar-se nêle segundo sua realidade física, de tal maneira
explicá-la em sua natureza essencial e em suas causas primá- que a presença física do objeto_ seja ao mesmo . temp~ ?.ma
rias. 31 presença apreendida em. ato: a~s1m sucede_ co:r1: mmhas 1de:as,
·que eu conheço como tais mediante reflexao sobre o conteudo
A. O ato de conhecimento de meu pensamento. Se se trata de objetos exteriores, êstes
evidentemen te não podem achar-se no cognoscente por presença
1 . A sensa~o é cognitiva. Todo o nosso estudo prece-
física, mas unicamente por uma _imagem ou, sim~lit??e de. si
dente leva-nos a afirmar que a sensação é real e essencialmen te mesmos. A esta imagem ( denonunada tarnbem sirnilitude in-
uma atividade cognitiva. Sôbre isto nenhuma discussão é pos- tencional ou determinant e cognicional) é que a Escolástica cha-
sível, do ponto-de-vis ta psicológico. Na sensação, a qualidade mava espécie (species) ou meio de conheciment o: aq1;1i!o por
sensível é dada intuitivamen te à consciência, como uma reali- que (id quo) o objeto exterior se torna presente ao suJe1to.
dade sensível distinta e independent e do sujeito, isto é, como
um objeto ( objectum: coisa situada diante do sujeito). A sen- os têrmos imagem, similitude, espécie conotam a idéia de seme-
sação é, pois, realmente a apreensão de um objeto, e não sim- lhança. o objeto está. no sujeito por algo que se lhe asseme!ha.
têrmo «intencional> (na expressão «similitude intencional») des~1~
plesmente a percepção de uma modificação subjetiva. do senti- nado a assinalar que a imagem ou espécie presente no s~~tido nao
do orgânico. Tão certo é que o aspecto subjetivo da sensação é aquilo em que se detém o conhecimento , mas, ao contrario, aqui]-o
só o conhecemos por um ato de reflexão. Direta, imediatamen - que leva ao próprio objeto (in-tenàere, tender para). A expre~ao
te, são objetos que são dados: o sujeito (salvo na atividade «determina,nt e cognicional», utilizada pelo Cardeal MERcIER, define
sensível dolorosa ou em certos casos patológicos) ignora-se a oobretudo a função que a espécie exerce, de determinar o sentido a
conhecer. Enfim, MARITAIN, para designar a espécie de que falama:i,
si mesmo no exercício de sua atividade própria. emprega o têrmo impressão representa,tiv a, pelo qual se acha defi-
Por aí se pode ver tudo o que há de artificial nos proble- nido seu duplo aspecto de ser produzida por um objeto e de tornar
mas suscitados pelo empirismo e pelo idealismo, os quais, su- êsse objeto presente ·ao sujeito cognoscente.
pondo que a única coisa conhecida pela sensação é a modifica-
ção subjetiva do órgão sensível (ou do centro cortical), per- 192 b) Natureza da espécie imprnssa. Devemos, entretant~,
guntam-se como é que, dêsse fenômeno puramente subjetivo levar mais adiante esta análise. A espécie em questão, aqui,
e interno, pode o sujeito passar à afirmação de dados externos. ainda é mera impressão representati va. Foi o objeto presente
Vai-se ver que, ao colocar alguém sob esta forma, o problema do ao sentido, graças aos processos físicos fisiológicos, que estu-
conhecimento sensível (e do conheciment o em geral) apóia-se damos. Claro é que nenhum conhecimento, absoluta'!'liente,
numa falsa noção da imanência do conhecimento, e errada- seria possível sem essa impressão da semelhança do obJ~t? no
mente reduz a uma espécie de inferência o ato de apreender sujeito cognoscente, visto corno (salvo o caso em que suJe1to e
um objeto. 32 objeto coincidem perfeitamen te) não é de outro modo que o
objeto pode tornar-se presente ao ~uje~to cognosce~t~. Donde
181. 2. Nação do conhecimento. a expressão espécie impressa (species impressa) utilizada pela
Escolástica. Por outra parte, é fato psicologicam~nte_ certo, e
a) Imanência do conhecer. O conhecimento evidente- já feito notar, que o ato ele conhecer não versa primeirame ~e
mente é uma operação vital imanente, isto é, que tem seu têrmo sôbre essa determinação subjetit,a ou irn;pressão representati va,
ou efeito naquele que lhe é o sujeito (/, 815). De ,qualquer ma- mas sim sôbre o próprio objeto ou coisa conhecida.
neira que se produza, essa operação tem como resultado tor-
Essa espécie impressa pode ser considerada quer subjetivamen te
81 Cf. Y. SIMON, L'ontologie du connaitre, Paris, 1934. e em si mesma, na sua natureza ontológica, quer funcionalmen te,
32 Cf. J.-P. SARTRE, L'Etre et !e Néant, págs. 372-378, que critica
firmemente essa concepção da sensação.

-~ -
...... ... ----'----~ --····
COND IÇÕES SENS ORIA IS DA PERC EPÇÃ
O 151
150 PSICO LOGIA

a, III, c. 2) : o
entitatiV'amente), ela é um
qu_anto a seu fim. , Em. si mesm a (ou potên fórm ula da psicologia aristo télica (De Anim e mesm a coisa
cia cognoscitiva, e que sensí vel em ato e o senti do em ato são uma só
ac1dent7 que sobrevem a facul dade ouato. Funcionalmente, a espé- ): o obieto en-
ª. at!-lallza ou a torna ?ogno scent e em
quer dizer, feita para (sensibile in actu et sensus in actu sunt idem em ou espécie
c1~ impre ssa é essen cialm ente inten ciona l, r um objeto. qua.nto sensível nada mais é do que essa imag
orien tar pa-ra um objeto, ou para repre senta cer. por isso, tam-
vela qual o sentido é determinado a conhe
É
nto. O que requ erida : pela
c) A i~ter ialid ade, condição do conhecime ecimento con- bém, que nenh uma espéc ie expre ssa é aqui
ém si mesmo a
d_!! dizer , demo nstra ndo-n os •que o conh repre senta tiva, o senti do já possu i
a~abamos impr essão uma nova espéc ie?
torna r-se inten cio-
srnte essencialmente, para o cognoscente, em form a do objet o sensível. De que servi ria
º. ser_ conhe cido (os escol ástico s dizia m: cognoscere
nalm~n~e reend er, por
), leva- nos a comp A intuição sensível.
!st fieri_ al~ud in quantum aliud impli ca certo grau 194 2.
que todo conh ecime nto preende-se,
ess~ prop~ io_ fato,
do obiet o, que não pene tra fisi- a) O conhecimento imediato e concreto. Comconsi ste em
de imateriali'da~~, tanto do lado lado do siiiei to que Ja agora , .o carát er distin tivo da sensa ção, que
suJei to cogn oscen te, como do indo tôda espé-
came nte no
lmen te "o outro " na medi d; em ser um conheci?nento imediato e intui tivo, exclu objet o em sua
só pode torna r-se inten cionà que é o efeito cie de infer ência e de discu rso, e capta ndo o
rto" às form as estra nhas , abert ura receb ida nos órgão s.
que está "abe 1·ealidade conc reta e singu lar, tal como é
ia, a perfe ição do
princ ipal da _imateriali~ade. Por con~eqüênc rial fôr o cognos- A dific uldad e que, às vêzes , contr a esta mane ira de ver .se
ma10 r quan to mais imate dizen do que é pre-
conh ecer sera tanto ao mesmo temp o susci ta ( e que é de inspi ração carte siana ) , reali dade de inter -
cente. D~í se segue que a inteli gênc ia tem ciso admi tir, entre o objet o e o senti do, ·a
pene traçã o maio r do que a dos senti dos. ment e, fenôm enos
uma ampl itude e uma medi ários , a saber , órgão s ( ou, mais exata do meca nicis mo
fisiol ógico s), essa dificu ldade , que proce de
B. A sensação como conhecimento (I, 431-4 33), carec e de valor : efetiv amen
te, os órgão s, nem os
temos de volta r fenôm enos fisiológicos que nêles se produ zem, de modo algum
138 Após êsse estud o geral do conhecimento cogn itiva. nicos , distin tos do senti do ; são o próp rio senti<4>
ad~ são meio s mecâ
, à sensação, para defini-Ia enqu anto ativid Não há, pois, aqui nenh um inter me-
e sufic iente . sob seu aspec to corpo ral. e diret o.
1 . A_ ~p~e ssão repre senta tiva é necessária se viu, coisa iato
diári o. A sensa ção é um conhecimento imed
especie impr~~sa seja nece ssári a é, como que prece de resul ta que, ao
Qu; ento seria abso- b) O realismo sensível. Do objet o
unam mem ente adin1tida. Nenh um conhecim ira não toma sse meno s de direi to, o senti do é infal ível quan to a seu
se o senti do de algum a mane inter medi ário, imed iata
lutam ente possível
confu ndir essa próp rio. Se o senti do conhece, sem um
poss~ d: seu objeto. Adem ais, não se deve do órgão, por e dfret amen te, o objet o sensí vel na sua reali dade física , nenh
a
a modi ficaç ão fisiol ógica terem os de exam inar
species impressa. com ou com o influ xo ê:r:ro apare ce po!!sível. Mais adian te erros ,
exemplo com -a imag em form ada na retin a o e imate rial: . quest ão dos "erro s dos senti dos". Ver-s e-á que êsses
um fenôm eno psico lógic
ne;vo so. A sensação é
proce sso iman ente é a quan do são reais , são semp re acide ntais . ista psicoló-
a imag em em que ela se rema ta, como ecer pela; im- · Na verda de, podemos dizer que, do ponto -de-v
reaçã ~ pel~ _qual. o senti do, d~ter mina do a conh o fato de os senti dos nos porem
inten ciona lmen te posse do gico, o realismo sensível (isto é, imen tal. Bem
press oes fis10lóg1cas, toma vital e na posse do mund o objet ivo) é uma certe za exper
objet o sensível. de comu m com isso a que se
enten dido, êsse realis mo nada tem que é a tendê ncia
rta frisar que aqui se trata cham a realis mo ingên uo ( ou coisi smo) , e
A fim de evitar todo equivoco, impo enti- uma discri mina< ffi9 de
do _aspecto r:pres enta:tivo da sensa ção, e não do seu aspec to par.a objet ivar imed iatam ente, sem nenh
eci-
tal, mas apena s lhe é a pode ser objet o de conh
tativ~, _que nao c~nstitui a, sensa ção como repre senta tiva, obser va orige m ou de form a, tudo o que
nto sta apóia -se numa
ment o. .&qui, ao contr ário, a afirm ação reali do conhecimento
condiçao. A espec ie sens1v el, enqua
erial, nisso que a forma do objeto é apree ndida eza
ARIST OTELE S, é_ !_mat das cóndi ções e da natur
sem s~ mater 1a ou sua entid ade (a espéc ie que repre senta uma análi se minu ciosa e os papé is res-
casa nao é uma casa; a que repre senta uma côr não é color ida)· sensível, e esfor ça-se por disce rnir exata ment ment e que as
tivo, espéc ie sensív el é um acide nt; objet o e do sujei to, subli nhan do forte
mas, sob seu aspec to entita a
ade imate rial. pecti vos do ira em que ageir
dotad o de dimensões, e não uma realid
coisa s só são perce bidas na medi da e da mane
Assim estam os tão fonge quan to possível do
4' fisica ment e prese nte.
. O sentido! modificado por um objet o dêle sôbre os senti dos.
imag em que possúi. Donde a realis mo ingênuo.
apree nde o obJeto mesmo na

,.
1
·,· ., A PER CEP ÇÃO
153

e-
um sist ema , e que se nos apr
de qua lida des sensíveis, ma sres ao suj eito cognoscente. Como
sen tam , enf im, como ext erioopr ied ade s de ser obj eto s - ext e-
ess as três pro prie dad es (pr no esp aço ) par ece não per ten
-
rior es ao suj eito - localizadossações, os psicólogos for am le-
cer em orig inà riam ent e às sen que elas vin ham acr esc ent ar-
1.
era
CAPÍTULO II , vad os a per gun tar- se como for ma clássica, o pro ble ma da
se às sensações. Tal é, em suaque tem os ago ra de exa min ar.
é
percepção. :€ste pro ble ma cur arm os pre cisa r-lh e o sen tido
A PE RC EP ÇÃ O Convém, porém, prim eiro pro
SU MÃ R/0 1 e o alcance.
DA PE RC EP ÇÃ O
EPÇÃO. Um pse udo prob lem
a. AttT. I. PR OB LE MÁ TIC A
Art . PROBLEMATICA DA REC
I. Prim ado do todo. Processo per -
Pos tula dos gen etis tas. § 1. UM PSEUDOPROBLEMA
cep tivo. Pon to-d e-v ista
func iona l.
l das leis oo perc epç ãa•
Art . II. LEIS_ DA P~C EPÇ ÃO .. Senf;ido geraLei do cará ter defi nido Ponto-de-vista gen etis ta
.i
A,<J leis. Le~ de eco nom ia max
ima . A.
., da perc epç ~o. Lei Con da con stân cia rela tiva . Lei
da uni fi-
Do pon to-d e-v ista fenome-
caç ao fun cion al. clus ões. 186 1. Noção de tod o natural.ema s e os todos ( obj eto s) nos
ÃO DOS OBJ ETO S. sist
nológico, é fato cer to que os a aná lise é que nos per mit e, dis-
Art . III. EXTERIORIDADE E LOCALIZAÇ Teo rias gen etis tas que só
ao sub jetiv o.
são <k,dos prim eiro , e ou,
Passagem do obje tivo ira. Teo ria mon ista d~ os de que êles se compõem,
sociando-os, iso lar os elem ent de que dependem. O obj eto não
verd ade
Infe rênc ia. Alu cina ção de natu ral.
BERGSON. Ext erio rida ma is exa tam ent e, as condições mo s a par tir de sensações ele-
dos sen tido s. Tem a
Art . IV. FÇ)RMAS DA PERCEPÇÃO. Erro. sPon do-d e-vi sta. exp eri- é "co nst ruíd o"; não o fab
rica 01.1
ceptico. Infa libi lida de do sent !~o
taça o dos fat.os. Ilus ões dos ada s, de ima gen s dis tint as e de idé ias ina tas si
men tal. Os fato s . Inte rpre r- me nta res isol que esta riam uni das ent re
Inte rpre taçã o. Ilus ões ano adq uiri das , inv aria nte s ine rtes nist a e ato mís tica par ece ,
sen tido s. Ilus ões nor mai s.
s de aluc inaç ão. Nat urez a da con cep ção ass oci acio
mais. A!uc inaç ões . Os fato por for a. 2 A ond e
o que sab emo s da nat ure za,
é-
ção e percepção. Par amndo.
a~ucinaçao. . Teo rias . Alu cina cim ento . Ilus ão do já vivi aliá s, ir de enc ont ro a tud o tes pre exi stem ao todo. o mes mo
o reco nhe
sias. Fat os de fals Teo ria ver ific am os que jam ais as par
,· Teo ria da ima gem aluc
da desa ten~ ão à vida .
inat ória . Teo ria pato lógi ca. l. O organi111PW, isto é, o sist
deve suc ede r na ativ ida de vita a até diz er que, fun cio nal men te,
ema
1
e o todo é prim eiro . Cu mp
riri ia
ent e no estu do dos sensívei~ o ~ai s sim ples , por que resp ond e, como tal, a um a idé
135 Múlt_ipl8:s vêzes, par ticu larm ás. êle é
pas so que as par tes, con sid era das
uir sen saç ão e percepção. Ali ou for ma úni ca (I, 391 ), ao
comuns~ Já t~vemos de dis ting ma is ger alm ent e ain da (99 ). men te, imp lica m mu ltip lici dad e essencial.
faz e! not ar, isol ada
fom os mdu~1do O que apr e-
que, por ass im dize r, nao tem os sensações pur as. 'N>da a psicologia gen etis ta
etos, niti dam ent e dist uid os
ing uns '· 2. Postulados gen etis tas. o
end emo s nor ma l~e nte são obj um " sensível, os qua is pos sue m trár io des sas observações, com
vai exa tam ent e em sen tido condos de que ela par te.
dos out~os no se10, do ~· con tinusoma, conglomerado ou mo saic o bem o mo stra m os dois pos tula
a
um a uni dad e que e, nao um . Par tind o da idéia, ind iscu tí-
a) Pos tula do da composição a par cia lme nte con dic ion ada
se ach
a. III, c. III; De Som.no et
C1. ARl STó TEL ES , De anim lo. IJI c. VIII. SAN TO TOM AS, In de
som niis, c. II; vel, de que a per cep ção atu al a psicologia gen etis ta (FE CHN ER,
1
De Coe pelas exp eriê nci as ant erio res ,
De_ sens u et sens ato, c. III; Sens ato lect. 6 e 7.
o. III, lect. 12; De Sens u et
anim a, II, lect. 5 e 15; De coel , La perc epti on' exté rieu re
oire , c. I. DEH OVE pág. 9, de TAI NE, a fórm
ula típic a dêss e
B~G SON , Mat iere et Mém olog ia, págs . 137-175. J . DÉ
Cf. em L'In telli genc e, t. I,
Intr odu zion e alla Psic o a fila dos seus acon tecim
ento s.
Lille , 1931. A. GE ~~· LI, - 2
ance , Pari s, 1929. J . DE LA V AIS atom ismo : "Nã o há nada de real no eu, salv re-
T~N QUE D~C , La Cnt ique de la conn aiss
DUM AS, Nou veau Trai té de dive rsos de aspe cto, são os mes mos em natu reza e
, págs . 151-175.
SIER E, E~em . de Psyc h. e:cp. (BO URD ON) . P . GUI LLA UM E La Psyc ho- ~ s acon tecim ento s próp rio sensa çã:ç, , cons ider ada de fora e pelo
ação : a z-se a um grup o
PS11_chologie, t. V, págs . 1-82 duze m-s e todo s à sens
, págs . 48-114. MER Ll!'A U-P
ONT Y Phé nom é- a a perc epçã o exte rior , redu
lofe _de la form e, Pari s. 19117s, 1945. J . PAL IAR D, Pen sée imp !icit e et per- mei o indi reto a que se cham
ecul ares ".
de la perc epti on, Pari s, 1951 . de mov imen tou mol
no ; Ln Pen sée et la Vie, Pari
cep ion visu elle, Parl,s, 1949

,, 1

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A PERCEPÇÃO 155
154 PSICOLOGIA
t'
.1 simas, que o problem a da percepç ão, tal como o conceb iam os
HELMHOLTZ, WUNDT) atribui à percepção, isto é, aqui, ao con- · psicólogos associa cionista s, não passav a de um pseudo proble-
junto das influên cias anterio res (associações, lembra nças, re- ma. ftsse problem a apóia-se, com efeito, na suposição de que
flexos adquiri dos, hábitos , formas concep tualizad as, etc.) até a imagem retinia na ( ou, em geral, o estímulo sensori al) é '.\
a distinç ão dos objetos (proble ma da constru ção) e
mesmo as condição única e total da sensaçã o, e que esta está numa rela-

r
formas e as organiz ações espacia is e definid as de que êles estão ção simples com aquela. Mas é êste precisa mente todo o pro-
afetado s. Ôra, tudo isso são meros postulados. · blema, e a solução "perce pcionis ta" não pássa, aqui, de uma
. O petição de princíp io.
!: :tsses postulad os apóiam- se em observações do tipo seguinte
tamanh o aparent e de um objeto parece não sofrer mudanç a alguma D~í é que derivam certos problem as artificia is (e insolúveis, por-
j em certos 11-
quando a distânci a que o separa elo observa dor só varia(imagen que desprovidos de fundam ento real) , tais como o da asvisão
reta
s reti- (como é possível percebe r objetos a diferent es distânci do ôlho,
mi!tes (por exemplo, 50 m) . Como as sensações visuais
1
i não com-
niâ nas) devem. assinala r realmen te as diferenç as no tamanhece o aparen- dado que essas distânc ias, medida s ao longo do raio visual,justame nte
te do objeto, e, não obstant e, a percepção do objeto perman inalte- portam diferenç as de posição na retina?) . De fato, como n.0 1), «a
rada, conclui- se que isso só pode suceder porque sabemo s que o ta- o observa M. PIÉRoN' (P,sycho logie expérim entale, pág. 131, vo, que se
manho real não muda. Haveria , portanto , que distingu ir duas reali- imagem retinian a é mero element o no complexo percepti
dades : a realida~ e subjetiv a, que é o objeto percebid o,
e a realidad e exprime em atitudes e reações motoras ~.
objetiva , que é o objeto sentido. O estudo da percepç
ão demons tra
e fisica e a. Primitividade das estruturas e das formas.
1 a entre a realidad
que muitas vêzes há grande diferenç 138 1.
realidad e psíquica , diferenç a que se explica por tudo o que o sujeito
acresce nta de element os não sensoria is ao dado sensoria l imediat o e
o de a) A "qualidade formal". EHRENFELS foi o primei ro a
objetivo, quer dizer, à sensaçã o. Em suma, o objeto é o resultad chama r a atenção para o fato de que a forma parece existir
uma fusão ou de uma síntese. a
independentemente dos elementos que compõem o todo obje-
b) Postulado da constância. :tste postulado, conseqüên- tivo. 6 Haveri a, assim, uma "qualid ade de forma" distint a de
tôdas as outras qualida des sensíveis, e que seria, por exemplo,
cia imedia ta das observações precede ntes, assim se exprim e: num objeto, sua figura, num ato sua estrutu ra, numa melodi a
a cada sensação corresponde sempre a mesma excitação; inver- o ritmo ou a tonalid ade, numa série a linha e o lugar dos ele-
san:i,ente, ao mesmo excitante corresponderá regularmente a mentos , ou ainda sua função, ou então o valor de uma coisa, o
mesma sensação, pelo menos 4quando essa excitaç ão interes sa
um mesmo elemento nervoso. · · sentido de uma frase, etc. Esta qualida de formal parece, pois,
:tstes dois postula dos levam igualm ente a admiti r que tôdas segund o EHRENFELS, constit uir um fato de consciência origi-
nal, não redutív el aos elemen tos nem à sua soma, e cuja análise
as condições são realiza das para que se esteja fundad o em poderia permit ir enunci ar leis distinta s das dos elemen tos.
conduzir o estudo p~icológico segundo os process os das ciênciá s
físico-químicas, visto estarm os em condiçõ es 1 de recomp or os .i b) A Escola da Forma. Podemos aqui omitir a Escol;:l
. ·
fatos psicoló gicos a partir de seus elemen tos simples de Gratz (MEIN0NG), que, partind o da sensação, consid era a
"qualid ade de forma" como efeito de uma síntese transpo nível
B. O primado do t.odo (no mesmo sentido que uma melodi a) realiza da pela inteligê n-
cia. À Escola da Forma (WERTHEIMER, KoHLER, KoFFKA) é
137 Os teórico s da Gestalt (ou da Forma ) conseg uiram real- que cabe, antes de tudo, o mérito de haver estabelecido experi-
mente demon strar, por experiê ncias numero síssima s e variadí s- mental mente que o objeto não resulta de uma fusão de ele-
mentos inorgân icos.
8 Cf. Fr. PAULHAN, Les !ois de l'activité mentale et les
éléments de As teses essenci ais da psicologia da forma são as seguin-
I'esprit, Paris, 1889: "No domínio da sensação e da percepçã
o, a associaçã o
tes. Entre a percepção, como processo psíquico, e as condiçõ
es
mente que é a diário. Os
sistemáti ca manifest a-se de dupla maneira. Vemos primeira exteriores do objeto a percebe r, não há interme estí-
o adquirid a.
lei que reúne os elemento s de tôda sensação , de tôda percepçã
Uma sensação é essencia lmente a síntese sistemáti ca de fenômen ".
os incons- mulos sensori ais não são interm ediário s propria mente ditos,
imagens
cientes, e uma percepçã o é uma síntese de sensaçõe s e de
4 11:sse postulad o é expresso de maneira perfeitam ente clara
por HOB-
G Cf. EHRENF ELS. Ueber Gestaltq ualitiiten, em Viertelja
h.rsch.ri~ f. wiss
sensorii conatu ad
BES (De Corpore, c. XXV, § 2) : "Sensio est ab organi u Traité de
extra, qui generatu r a con~u ab objecto versus interna,
eoque aliquand iu Ph.ilos., t . XIV, 1890. Cf. B. BOURD ON, La Percepti on (Nouvea
manente . per reaction em factum phantasm a". Há nestas
·palavras curiosa Psychoio gie), de DUMAS , t. V, p ág. 9.
antecipa ção da lei mecânic a da igualdad e da ação e da reação.

' ,j
157
:•·1 156 PSICO LOGI A A PERC EPÇÃ O

,d prim eiro porq ue não são a condição total


da percepção, e, de-
dade perc eptiv a.
espécie de esque matiz ação, que recon
o tipo de expli cação
duzir ia aos tema s intele ctual is-
é sobre tudo empr egad o por
pois, porq ue nunc a são têrm os da ativi
·, 1 . tas. l!:ste últim
na sua obra sôbre A inteli gênc ia d.os maca cos super iores . A
jôgo das estru turas unitá -
•/
KõHL ER
lf;
do os teóricos da Form a, bem do
De nume rosas exper iênci as resul ta, segunqüên cia, as unida des dis- teori a da form a acen tuou o fato
1/
(e, por conse a reduç ão das estru turas ment ais e das estru turas fisioló-
que as forma s e aS' estru tural! rias. Mas so, e dêste s a form as
primi tivas e imed iatas . Não estru turai s do sistem a nervo
i: tinta s ou objet os indiv idual izado s) são de percepções elem entar es inor-
o·icas a processos
de uma má filoso fia, que nos recon duz ao realis -
há «con struç ão de objeto» a parti rções estão semp re integ radas em
física s não passa
carac teriza do e meno s inteli gível . De feito, de um
gânic as, porque, de fato, as sensa o, tão neces sário perce ber assim mo coísis ta mais a Úma simp les cópia do mund o
turas . É-nos , mesm lado Iev.a-nos a fazer da consc iênci
form as ou estru
de uma estru tura, que espon tânea - coisa ela própr ia, equiv alent e, segun do KoFFKA
sob as espécies de uma form a oude das coisas - simp les que se passa no cé-
form amos , por via segre gação e de integ ração , em <Principle~ of Gest alt Psych ology , pág. 65), «ao
ment e trans
unida des discr etas apresenta<las a afirm ar que vida e espír ito não passa m
sistem as ou conju ntos orgânicos, aspor rebro:i> - e, de outro lado, s mais comp lexas.
pela exper iênci a sensí vel: assim é, exemplo, que os home ns sem- de outro s nome s para desig nar certa s form as física
defin ir-se
P. GUILL AUME , La psych olo- logia da Form a pode, pois,
pre perce beram no céu const elaçõ es (ef. Dêste ponto -de-v ista, a Psico
e, págs. 48-50 ). No mesm o senti do pode- se demo nstra r como um mate rialis mo epife nome nista . '3
gie clei la Form não pode m ser distin guida s
que as form as e as quali dades sensí veis
spond em a aspec tos distin tos do real, § 2. 0 PROCESSO PERCEPTIVO
{ de mane ira absol uta. Elas corre
re dada s junta s e influ encia m-se mutu amen te.
mas de fato são semp Form a cont ri-
(Exp eriên cias conce rnent es às relaç ões das figur as e do fundo no
as perce ptivo s 139 As exper1encias feita s pelos teóri cos da te as concep-
demo nstra m que os sistem para arru inar defin itiva men
que buír am sobr etud o
' '
qual se inscr evem , e elem entos são
'i
s por um «camp o:1> cujos to ao aspe cto posit ivo
são regidos em todos os nívei
ções assoc iacio nista s e gene tista s. Quan vário s pont os impo r-
i j

isso mesm o que são perce bidos junto s.


inter depe nden tes por ology , Lond res, 1936). da Psico logia da' Form a, pare ce que, sôbr e
alt Psych
C:t. K. KoFFKA, Princ iples of Gest riam ente filos ófica da
r entre a real·i- tante s, - sem falar mos da direção pràp
Por cons eguin te, não há razão para disti ngui amente, não cont estáv eis - , os modos de ver que ela
,,( 1
: psico làgic Escola, que é das mais corri gido s.
dade do objeto percebido e a apar ência prop õe exig em ser prec isado s e, às vêze s,
bido, e que é tal
há senão um só objeto, que é o obje to perce elementos obje ti-
de parte s ou Ponto-de-vista funcional
como é percebido. A hipó tese A.
percepção é arbit rária
'• í vos (sens açõe s ou sens ata) ante riore s à o da percepção deve
( 41) sôbr e a im-
1. Estrutura e função. Já insis timo s em psicologia, e
e injus tific ada. Daí se segue que todo estud
!1J enoló gico, isto é, que não portâ ncia capit al do pont o-de -vist a func
iona l
h ser feito de um pont o-de -vist a fenom
ceria corre spon der exte riorm ente é o da final idad e,
fizemos nota r que êsse pont o-de -vist a, que minê ncia sôbr e os
temo s de proc urar o que pare a pree
J, dada , mas sàme nte de desc reve r tão completa coincide com o que concede ao todo natu ral não é uma
,(

a uma perce pção riênc ia imed iata, a elementos. Com efeit o, a unidade do todo
e "ing ênua men te" quan to possí vel a expe ajust amen to quan ti-
unidcide mecânica, resu ltant e de um puro
1
\ a lei que liga a perce pção às suas con-
fim de desc obrir mos elem entos homo gêne os e inde pend entes ,
i tativ o e espa cial de
dições. de da form a,
Para expl icar a prim itivid ade e a necessidande da orga ni-
1 l

m •que esta depe as relaçõ es intern as de um


os psicólogos da form a acres centa ment e das form as
6 As "leis de organ ização " que gover nam lo físico, como se redu-
zação fisiológica, a qual resu ltari a adeq uada de lado essas es-
tistas sôbre o modê
campo são conce bidas pelos gestal .
arem inam a forma ção das estrut uras físicas
se se deix zindo às leis de equili brio que determ
ou estru turas físicas. Mas, nomenisroo) ( 13), Dêste ponto -de-v ista, o campo perce ptivo é do mesm o tipo que um campo
peculações discu tívei s ( que conduzem ao epife to de have rem deci- de fôrças , e depen de das mesm as leis
(r,rinc ipio do mínim o ou de meno r
aos teóri cos da Gest alt perte nce- lhes o méri " ou "lei da boa forma ": a forma que
a qual só há ação, etc.) . Dai a "lei de pregn ância
ado a teori a do mosa ico, para brada . Segue -se també m dai que tôda
dida ment e critic se impõe é semp re a mais bem equili
e have rem focal izado bem o da indep endên cia do todo em relaçã o
ligaç ão de elementos por cont ato, forma pode ser "trans posta ", em razão
isto é, obje- " são válida s em todos os níveis psí-
e form as, às partes , e que as "leis de organ ização
fato de que são pràp riam ente estru turas todo dado sensivel , isto é, que as estrut uras são as mesm as na crianç a e no adulto . Vê-se
tos, que nos são dados desd e o início , que quicos
haver conce bido um único tipo de es-
des norm ais fi,a que o êrro da filoso fia da Form a é só
uras fisicas . Na realid ade, como
com,porta uma estru tura ou, pelas necessida trutur a, identü icado êle própr io às estrut
tipos essen cialm ente difere ntes
pei·cepção, se acha inserido num a estru tura. fizem os notar em Cosm ologia (I, 422) , há dois
e
uras: as que são determ inada s de fora pelas fôrças que reúne m
de estrut sabão ), e as que são gerad as de
Em realid ade, a teoria da Gest alt é extre mam ente ambí gua. orden am os el!•me ntos (caso da bolha de
ora prete nde expli car o dinam ismo da perce pção dentro , por efeito de um dinam
ismo estrut urant e intern o, e que comp
õem
Afigu ra-se -nos que quer expli, car as form as por uma ria reserv ar o nome de forma s.
pela biologi:3. e pela .física, e ora sistem as auto-s ubsist entes, aos quais convi
A PERCE PÇÃO
159
158 PSICOL OGIA
ceden te, esboç a-se uma forma , por tateam entos destin ados a in-
a sorte tegrar as partes num todo conhe cido, 0
ou se impõe logo de
1nas sim wna unidade funcional, isto é, tal que de algum
sua própr ia início : esta fase comp orta a interv enção de dados mnem ôni-
preex iste aos própr ios eleme ntos e lhes impõe a
as, etc.) ; e enfim uma fase de
cos, de repres entaçõ es diyers
lei. tomada de signif icação , que é a per-
mo-
'; '"\ No domín io da percep ção, a aplica ção imedi ata dêsses cepção propr iamen te dita: o sujei-
M
em dizer que os conteú dos de consc iência
'li dos de ver consis tirá to compr eende e nome:ra o objeto
devem ser
I

( ou eleme ntos psíqui cos senso riais) só podem e só


,1
I! !
o às funçõ es que lhes coman dam, lhes {fig. 9). Evide nteme nte, essa signi-
1 consid erado s em relaçã ficação, antecipada ou presente, é.
am e lhes dirige m as manif estaçõ es.
unific que comanda todo o processo percep-
tivo, o que equiva le a dizer que nor-
,j ' 140 2. Os dois aspectos da perce ~ão. malm ente as partes não são apree n-
con- didas por si mesm as, mas sim em
1 ·'
a) Dado sensorial e significação. Partin do dos fatos n-
ca-se que perceb er é sempr e apree funçã o do todo no qual podem ou
cretos de percep ção, verifi
que a
' der intuit ivame nte um todo organizado, de tal mane ira seus ' devem integr ar-se.
·1·,'
:J . organ ização se apres ente à intuiç ão simul tâneam ente com
distin guir As mesm as
!· mater iais senso riais. Porta nto, se há razão para mater ial 141 3. As imagens.
o aspec to distin guir
1

'; :1 dois aspect os em tôda percep ção, a saber, exper iência s permi tiram
e o aspec to forma l (dado sensorial - afetado de uma
signif ica- duas categ orias de image ns ou de re-
' Fig, 9. Esquem a do taquis-
uma coisa presen tações , e defini r-lhes as fun-
·j
,1 :
l

ção), é capita l obser var que a signif icação não é tocópio (segund o MICHO T-
está con-
acresc entad a arbitr àriam ente ao dado senso rial, mas
: · 1\
ções respec tivas. TE) . O disco, arrasta do pela
por conse guinte , que a "toma da massa M, põe-se a girar. O
tida nêle a título essenc ial, e,
sentid o de a) Image ns constitutivas e ima- ob;eto, apresen tado direta-
ativam ente o
de signif icação " (ou ato de apree nder
ato per· gens adicionais. As imagens consti- mente ou por pro;eçã o numa
consti tutiva do tela, é visível peta ;anela F
um dado senso rial) é realm ente tutiva s são as que são utiliza das para quando ela passa por H. t!s-
ceptiv o. 7
identi ficar o objeto (quer dizer, para te aparelh o é um dos mais
r.ois achar a signif icação do "algu ma empreg ados no estudo expe-
b) Fases do processo perceptivo. A distin ção dos coisa" da fase de prese nça): ofere-
rimenta ! da percepç ão.
da signif icação são bem estabe lecido s por
aspec tos e o papel mi- cem-s e imedi atame nte após a fase
podem os dar a
q; nume rosas exper iência s de que aqui não de presen ça, e podem ser genéricas, isto é, repre
senta r uma
' i\
núcia . 8
de objeto (instr umen to, côr, núme ro, desen ho, etc.),
espéci e
·' Essas exper iência s levam a distin guir esque màtic
ament e ou individuais, isto é, repre senta r um objeto determ inado (côr
so percep tivo total, a saber : uma fase de faca, o núme ro 10, o desen ho de uma mesa, etc.).
três fases no proces fasé azul, uma vêm
As image ns adicionais não consti tuem o objeto , mas ido) ,
! ,' "algu ma coisa" ) ; uma
'· ;, presença (perce pção intuit iva de pre- ser perceb
de aparição da forma (a partir do "algu ma coisa" da fase obj_eto perceb ido ( ou em ato de
; ,,)
juntar -se ao
tôda percep -
1·,':
por associ ação afetiv a ou repres entati va. De fato,
! '
objeto acarre ta a evoca ção, mais ou menos consc iente,
no seu Rappo rt sur ção· de
:tste ponto foi bem focaliza do por A. MICHO TTE
i' ms assoc iadas aciden talme nte ao obje-
7
la perc~p tion des formes . Cf. VIII Congre sso Interna cional de Psicolo gia, de uma multid ão de imagi
1
Procee dmgs and papers, Noordh off, Gréinin gen,
1927, págs. 169 e segs.: "Não to pelas exper iência s anteri ores.
!- um simples aditam ento à for-
·' se deve conside rar a "tomad a de sentido " como
! ma, isto é, como uma justapo sição, como o apareci
que viesse acresce ntar-se à fo-rma. A coisa percebi
mento de alguma coisa
da e reconh ecida do es- 142 b) Imagens e campo sensorial. É capita l apree nder exa-
sistem a ou
tádio de "presen ça" torna-s e, ela própria , mais
precisa , acha-se determ inada tamen te a nature za dêsse "dado senso rial" como dado
ta, torna-s e pessoal , torna ns. Não dizem os somen te que não existe
conscie ntemen te de maneir a muito mais comple esque ma de image por
ou menos vasto. Mesmo fi- ainda que fôsse
pontos de ligação , pertenc e a um domíni o mais
a torna-s e, pois, parte in- senso rial puro, que possa ser concebido,
cando idêntic a a si mesma , a organiz ação intuitiv
.
tegrant e de um conjunt o muito mais compre ensivo" a percepç ão do todo
e del ~ignific ato della percezi one degli og- o Os protoco los de introsp ecção estabel ecem que
Cf. G. COSSE TI, "La funzion ente ou por integra ção das partes.
o italiano di Psicolo gia, XV, 1937, págs. 159 e segs. A. GEME L- · se faz globalm
getti", in Archiv 385 e segs.
allo studio della Percezi one", ibidem , págs,
LI, "Contr ib~tí
A PERCEPÇÃO 161
160 PSICOLOGIA

mesmo cada indivíduo) tem seu mundo (Umwelt) próprio, e é


abstração, fora de um significado, mas, ainda, que êsse dado predisposta a uma certa percepção como o é a uma certa ali-
engloba consigo o campo em que êle aparece; que, por conse- mentação. Isto equivale a dizer que cumpre substituir por uma
guinte, é função dêle, e que o campo sensorial atua como um concepção biológica da percepção a concepção empirista, que sti
todo, e não varte por parte. A significação é comandada não, funda na hipótese de um mundo exterior "standard".
como se imaginava, por estimulações físicas de pontos vindos
de um objeto isolado, mas sim pelo cqnjunto do campo senso- Mas êssi próprio ponto-de-vis ta biológico deve ser alargado ou ,
completado, para o h omem, por isso a que se poderia chamar o
rial. sentido espiritual da percepção. O mundo do homem não é somente
Dêste ponto-de-vista, a percepção, propriament e falando, um mundo de valores vitais, é também um mundo de valores espi-
não supõe nem deformação, nem correção dos dados sensoriais: rituais. Já no animal há que admitir que a percepção não se limita
é wma experiência, uma maneira de estar-no-mundo. Tôda somente a atualizar o capital específico, mas c.1Jndiciona uma adapta-
ção à conjuntura presente, que é uma espécie de invenção (277). Com
percepção, implicando um campo que por sua vez se integra maioria de razão, na espécie humana, a percepção é uma educação
num campo mais vasto, realiza-se sempre sôbre fundo de mundo. contínua, pela qual o homem é levado a dnventan, isto é, a. ~sco-
A experiência do mundo é a forma de tôdas as nossas percep- õrir e atualizar valores i~ais, jâ preformados nas exigências d,o.
ções. razão. Perceber e inventar ainda é bem, nesse sentido, como o queria
PLATÃO , «recordar-se». Por isto diremos que o homem, percebendo
e) Mernória e percepção, Daí se segue que é. impossível segundo a sua natureza, .só apreende e só descobre aquilo que de
atribuir à memória a organização da percepção ("Perceber é alguma maneira êle já trazia em si, 10
lembrar-se" , dizem os associacioni stas e os genetistas), ou, pelo
menos, que a memória deve ser aqui entendida num sentido ART. II. LEIS DA PERCEPÇÃ O
todo diferente daquele que se lhe atribuía. O ponto-de-vis ta
genetista, com efeito, é tanto menos defensável quanto a me- A. Sentido geral das leis da percepção
mória só poderia fornecer uma organização depois de a haver
adquirido. Mas como poderia a primeira percepção ( estrutura 148 1. Ponto-de-vista da finalidade. Se a percepção é uma
ou objeto individual) ter nascido de uma soma de sensações atividade original, comportará leis próprias, que podemos de-
inorgânicas? Não há resposta a uma tal pergunta mais do que preender das experiências . Doutra parte, como tôda percepção
a de saber como pôde a extensão nascer de sensações inexten- implica o duplo aspecto que havemos definido como dado senso-
sas (1, 289). rial afetado de significação, as leis deverão exprimir sob for-
mas diversas as relações que podem existir entre êsses dois
Objetam-se aqui os exemplos típicos da «ilusão do corrector» aspectos ou momentos, distintos e solidários. Enfim, como a
(reconstituiçã o de um texto conhecido, mas lacunar, no papel que
se tem sob os olhos), ou do reconhecimen to dos objetos familiares, percepção é um processo unificado e unificador, as leis da
apesar de tôdas as mudanças das suas qualidades aparentes. É de percepção deverão tôdas ser expressões diversas de um dina-
mistér, p orém, que, antes de tôcia; mtervençáo da memória, o objeto mismo psíquico finalizado pela necessidade de determinar uma
p erce bido se organize de tal maneira, que eu poss~, reconhecer nêle significação ( quer dizer, de apreender um objeto).
minhas exp eriências a-n teriores . O recurso à memória pressupõe,
pois, a apreensão prévia do próprio sentido da percepção ; quer dizer 2. Equívoco da primitividade. As observações que pre-
que o ato de memória. se explicai pela 'J)ercepção, e não inversamente . cedem afastam-nos claramente das vias seguidas pela Gestalt.
A memória intervém, pois, na percepção, mas seu papel é só de
precisar significados insuficientes ou ambíguos, ou de orquestrar Considerand o - a justíssimo título - a forma como primitiva,
uma percepção com um conjunto afetivo e representativ o mais ou essa Escola pretende fazer da estrutura (ou do objeto) um
menos rico. resultado das leis de equilíbrio que regem a um tempo os in-
.' Em compensação, dever-se-á atribuir à memória papel fluxos nervosos determinado s pelos estímulos vindos do exterior
~} muito mais vasto, se por "memória" se entender não mais a e os próprios objetos, isto é, que formam um "campo" que en-
, !' função especial que chamamos com êsse nome, porém a in- globaria o organismo e o meio imediato da atividade. Dêste
'!:
fluência de um campo perceptivo ou de um horizonte, que é a ponto-de-vis ta, a forma seria primitiva, isto é, a priori, como
própria presença do passado e a atmosfera em que o homem as leis físicas que a comandam.
~. se articula com o mundo de sua experiência. Com efeito, há
relações estreitas entre a natureza de um ser e o mundo qiie 10 Cf. R. RUYER, El éments de psycho-biofogie , págs. 254-256 .
éle percebe, e as influências que êle sofre. Cada espécie (e
PSICOLOG IA A PERCEPÇÃ O 163
162

Esta teoria não pode ser admitida . Sem falarmos aqui das é que nossa preferênc ia pela linha reta, que nos faz retificar espon-
. tâneamen te uma llnha irregular, não é efeito de uma freqüênci a
dificulda des que se podem opor a uma concepção tão claramen te maior da apresenta ção dela, mas sim de uma comodida de interna,
material ista, essa doutrina acha-se em contradiç ão, no próprio que explica a sua freqüênci a subjetiva e que, por sua vez, se apóia
terreno da psicologia, com o fato, certo, de que os mecanism o~ numa familiaric1Jade de ordem motora (tal como se manifesta , por
que regem as constâncias perceptiv as evoluem com a idade; exemplo, no gesto ou no moviment o de apropriaç ão). «Nossa atitude
em face da experiênc ia», faz notar P. GuILLAUM E (Introduc tion à la
que, ao se desenvolverem, êles comporta m processos de dife- P61fchologie, p~g. 65), «não é neutra e passiva: vamos ao encontro dos.,.
renciação e de coordenação, tateámen tos e correções, e que, por fatos com um preconcei to favorável a uma certa explicação ». Há
consegui nte, não podem ser explicados por "formas físicas,. aí uma espécie de ineísmo experimen tal, que por sua vez nada mais
permane ntes, e, ao contrário , requerem uma explicação pro- é do que nossa presença no mundo como sujeito encarnado .
priamen te psicológica, que definirem os como uma adaptaçã o. 1
Diremos, entretant o, que as estrutura s são primitiva s, mas ! "\ As leis que se seguem só fazem definir os modos diversos
num sentido diferente do da Gestalt, a saber: de um lado, no da adaptaçã o, que é a lei fundame ntal da percepçã o.
sentido de que tôda percepção implica necessàr iamente uma:. 2. Lei da unificação funcional. A percepçã o comporta
estrutura , e que, portanto, nunca há construç ão do objeto a bem uma distinção de partes ou de elementos, mas essas pa.rt0s
partir dos elementos (sensações) ; e, de outro lado, que a pró- só são apreendi das relativam ente ao todo ( antecipado ou per-
pria organização intuitiva do objeto aparece como dirigida pela$ cebido), isto é; sob seu aspecto funcional. Ê is.so o que explica
necessidades de adaptação: a percepçã o não é uma fotografi a. que nós apreenda mos o todo complexo ao apêlo de um só dos
mas sim uma experiência. A primitivi dade da forma é, pois,. seus elemento s (um amigo que não "vejo" está presente todo
pràpriam ente a aprioridade, não de um determin ismo físico,. inteiro para mim na sua voz que ouço), ou, ainda, que "corrija-
1nas, ao mesmo tempo, de uma exigência objetiva e de uma mos" certos dados sensoriai s para os adaptarm os ao todo onde
necessidade biológica. êles se inserem ( ouve-se uma palavra que não foi pronunci ada,
porque a palavra é exigida pelo sentido; "corrige- se•• incons-
B. Leis da percepção cienteme nte uma expressã o verbal incorreta , etc.). Tôda per-
1 . Lei da adap~ . A percepçã o não tem por fim iso-
cepção supõe, pois, a organização intuitiva dos dados inter-
1,44 sensoriais, comanda da pelo todo em que elas devem integrar-
Jar sob o oJhar da consciência, para as contemp lar, coisas ou se e que lhes dá o seu significa do de conjunto .
objetos absolutos, mas sim fornecer as condições de uma adap-
tação correta ao mundo da experiência. E]a própria é, pois. l45 3. Lei do caráter definido da percepção, Esta lei ex-
uma experiên cia mais do que um "conheci mento" : pelo menos prime o fato de que o processo perceptiv o vai do indeterm inado
é um conhecimento experime ntal, cujo modo é definido pela ao determin ado, das partes ao todo. Não se deve compree nder
exigência essencial de apreende r o sentido biológico da situação. que haveria aí um período de indeterm inação total. Ao con-
Exprimir -se-ia bem êsse caráter da percepçã o dizendo que trári~,, sabemos que, mesmo na fase de simples presença , apa-
é menos com a consciência do que com o corpo que nós perce- rece Ja uma estrutura para integrar os fragmen tos de repre-
bemos (ou, mais exatamen te, o corpo é aqui a própria forma sentação. O •que se trata de pôr em luz pela terceira lei é so-
da minha consciên cia). Efetivam ente,. o corpo não é um objeto mente o fato de que tôda percepção se apresent a como definindo
entre outros, mas sim sujeito, e, por isso mesmo, agente: adap- e determin ando uma significação a partir do dado sensorial
tado e ligado ao mundo por tôdas as suas estrutura s, é o ins- (campo e fundo compree ndidos). Se bem que seja nas partes
trumento geral da minha compreensão, e as exigência s do seu
comporta mento externo (e, por consegui nte, da percepçã o) são 9ue apreende mos o todo e a significaç ão, a percepçã o opõe-se
a apreensã o das partes como aquilo que é determin ado ao que
mera forma das exigências biológicas que assegura m constan- só o é incomple ta ou virtualm ente.
temente o equilíbrio, a manutenç ão, a restauraç ão e o desenvol-
J'
vimento do seu próprio organism o. 1'46 _4. Lei da relativa const,â,ncia ou da flexibilidade da per-
Pode-se assim explicar o privilégio perceptivo das «boas formas>, cepçao. Der~10nstra a experiênc ia que as modifica ções que
isto é, das organizaç ões ma.Is regulares e mais harmonio sas. A geo- s~fre um ob!eto (variaçõe s na distância , luz, figura, côr, posi-
metria secreta de que elas procedem depende, incontestà velmente, çao,. etc.) ~ao nos impedem de perceber o mesmo objeto. Na
de um sentiment o (ou de uma inteligênc ia intuitiva espontâne a} reahdade , ISto tem seus limites: se êles -são excedidos, o objeto
dos fatos·eiem entares, que lhes dão seu fundamen to objetivo. Assim

·'

. \ ..1...-
164 , PSICOLOGIA A PERCEPÇÃ.O 165

Ja não é reconhecido. Por exemplo, a constância relativa da lógicas, que é, não um ato refletido·e consciente , mas a expres-
côr desaparece desde que seu cromatism o se haja tornado de- são espontâne a e original da adaptação ao mundo, uma técnica
masiado intenso. Do mesmo modo, a constância das grandezas inata, inscrita no corpo e nos sentidos.
só existe dentro de certos limites bem definidos. É tarefa
da psicologia determina r em cada caso êsses limites. 2. Det.ermina.ção da significação. Isso equivale a dizer
que a significação não se adita de fora, mas é parte constitutiv a
As teorias empiristas supunham aqui o jôgo de uma interpreta-
ção (ou educação) que, começa-da desde a infância, levaria a subs-
do objeto percebido. A percepção não é nem a sínt~e criador:.1
tituir pouco a pouco os puros fenômenos (ou dados subjetivos) pPlas da escola associacio nista (WUNDT), nem a produção de fatôres
leis, pelo significado e pela ordem que os regem e fazem dêles «obje- não-senso riais imaginada por MAINONG. A significaçã o não
tos». Mas esta explicação (que tôdas as experiências desmentem, resulta de uma inferência do entendime nto; é, por assim dizer,
pois está demonstrado que as constâncias das grandezas, por exem- secretada pela própria estrutura dos sinais sensoriais. A apa-
plo, são tão perfeitas na criança de 11 meses como no adulto)
'\

consiste, de um lado, em imaginar arbitràriamente uma passagem rência sensível é exatamente reveladora da própria coisa. O
,, . de uma caos primitivo de sensações à percepção propriamente dita, sentido da coisa não está por trás das aparências , mas nelas :
V isto é, ao objeto construído; e, de outro lado, a confundir percepção habita a coisa como a alma habita o corpo. É por isto que é
com noção. A verdade é que o objeto é apreendicto espontêinea e verdadeiro dizer que, na percepção, a própria coisa nos é dada
imediatame nte como organização , e que a distinção se opera auto-
màticamente, no mesmo efeito sensorial, entre as deformações que "em carne e osso", ou, mais exatament e, é reconstitu ída e vi-
afetam o próprio objeto e as variações devidas ao deslocamento, à vida por nós, enquanto é parte de um mundo cujas estruturas
iluminação, etc. fundamen tais trazemos em nós.
12

O importante aqui é observar que a constância das grandezas e


,. das formas não pode ser atribuída a um ato intelectual; ela é uma
· ·«função existencial», que deve ser referida ao ato primeiro e funda- ART. III. EXTERIO RIDADE E LOCALIZ AÇÃO DOS
mental («pré-lógico ») pelo qual cada um se instala no seu mundo. É OBJETOS
o que explica que, no homem, a constância seja mais perfeita se-
gundo a horizontal do que segundo a vertical (a lua, no horizonte,
é enorme, e pequena no zênite) , ao passo que, ·par!!( os macacos, que 148 1. Passagem do objetivo ao subjetivo. A psicologia mos-
a vida arborícola familiariza com o deslocamento vertical, a cons-- trou que o que é o objeto de um,a, elaboração mais ou menos
tância segundo a vertical é excelente (KorFKA, Principles of Gestalt longa não é, de modo algum, a noção de algo exterior, mas,
Psychology , pág. 94) . Se a constância das grandezas, côres e formas
está compreendida entre limites definidos, é porque tôda percepção antes, a de algo interior. Com efeito, o que a criança recém-
é funç.ão de uma experiência » em que meu corpo e os fenômenos nascida primeiro percebe é um "continuu m" de extensões co-
estão rigorosamente ligados». 11 loridas e resistentes , sem objetos nitidamen te individuali zados,
no qual, de alguma sorte, tudo se liga, e do qual, a princípio,
C. Conclusões ela própria só se distingue de maneira extremam ente confusa.
Trata-se, para a criança, de discernir objetos nessa massa ori-
147 1 . Elaboração do dado sensorial. Tudo o que acaba-
ginalment e indivisa e caótica. Êsse discernime nto é condicio-
mos de ver demonstra que, se perceber é verdadeira mente orga-
nizar um dado sensorial e afetar êsse dado de uma significa- nado pelo exercício combinado dos diversos sentidos, e parti-
cularment e, como mais acima se viu (129), das sensações tá-
ção que faz dêle um objeto definido, a organização apresenta-
se sob o aspecto de uma condição, e a tomada de significaçã o teis e visuais, mediante a ação de tôda uma aprendizag em, cujo.
fim absolutam ente não é iniciar a criança na objetividad e, que
tem realmente, no processo perceptivo , a primazia de um fim.
é primitiva, ainda que confusa, mas sim levar a criança a dis-
É. o que bem vêem, porém interpreta m mal, os teóricos da for-
tinguir os objetos conforme seu uso, isto é, a lhes emprestar
ma, que fazem desta um dado imediato e um absoluto, desco- um significado .
nhecendo assim o papel desempenh ado pelo dado sensorial, pelo Ao mesmo tempo, a criançfüad quire a percepção clara de
qual e no qual o sujeito peicipient e antecipa ou percebe uma seu corpo, que a princípio não phssava de um conjunto cenes-
significaçã o (ou um objeto) mediante uma atividade sintética tésico confuso no seio do bloco sensível primitivo. Graças ao
dirigida por suas necessidad es biológicas, fisiológica s e psico-
12 Cf. M. MERLEAU-P ONT".(, Phénoménolo gie de la Perception, pági-
11 M. MERLEAU-P ONTY, Phénoménol ogie de la Perception, págs. 349°350. nas 369-377 .

....·, ,.... . ..
,, ~- '... . ~.... .,li.l,•t. ..
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166 PSICOLOGIA A PERCEPÇÃO 167

exercício de suas sensações musculares, visuais e táteis, de suas confirmada pelos movimentos que temos de fazer para atingir
reações afetivas agradáveis ou dolorosas, de seus diversos mo- os objetos assim exteriorizados. A percepção seria, dessarte,
vimentos, a criança aprende a perceber seu próprio corpo como uma alucinação verdadeira. Esta teoria choca-se com os fatos
um objeto no limite do qual já não há mais sensação de duplo psicológicos, que provam que a exterioridade é um dado primi-
tato, e, ~or êsse fato mesmo, como um objeto absolutamenh• .,,. tivo e distinto da noção de distância (a, qual é objeto 'de uma
distinto de todos os outros, como seu próprio corpo, que assim elaboração complexa), e também que, à falta de órgãos senso-
s~. to1:na formalmente o que é, o sujeito de tôdàs as suas expe- riais, não há percepção de objetos exteriores. Restaria, aliás,
J riencias. explicar como é que a alucinação poderia achar-se confirmada
I' por experiências que, por sua vez, deveriam ser realmente con-
1/; O adulto não faz senão prosseguir no sentido dessas ex-
. j periências primitivas. O que existe primeiro para êle é o mundo sideradas como outras alucinações .
·11
objetivo, que é ao mesmo tempo o mundo exterior e um universo Pode-se apresentar essa objeção sob outra forma, que põe em
1'
de objetos e de formas (quer dizer, de coisas que têm um sen- viva luz a incoerência da hipótese taineana. TAINE faz do cérebro
tido). Por um esfôrço que de alguma sorte transtorna a dire- a sede e o centro das imagens alucinatórias . .Mas o cérebro não é,
para a consciência, senão uma imagem como as outras, e, por con-
.1 ção natural de sua atividade é que êle volve sua atenção para
o mundo subjetivo da ·consciência, que, por mais imediato que seguinte, é também efeito de uma alucinação. Tanto que· a imagem
lf seja, está bem longe de ter a realidade do outro, - e que êle
alucinatória do universo se explicaria pela imagem igualmente alu-
cinatória do cérebro! Noutros têrmos ainda: o universo está todo
se aplica a discernir e a estudar por si mesmos, nos objetos ou inteiro contido no cérebro; mas, como o cérebro é apenas uma parte
formas do mundo objetivo, os elementos ·que os compõem. Os do universo, segue-se que o conteúdo contém o continente, e que a
parte contém o todo! :tstes absurdos explicam que cada vez mai,\I
associacionistas acham que assim o adulto perde cada vez mais se reconheça hoje em dia a impossibilidade do monismo.
o senso do real. Se o real é feito de objetos mais do que de
estados de consciência, de formas mais que de qualidades sen- e) Teoria rnonista de Bergson. BERGSON acredita, entre-
síveis, dever-se-ia afirmar exatamente o contrário. 150
tanto, resolver o problema da percepção por nma espécie de
monismo. A sensação· constitutiria o próprio objeto, e por con-
149 2. As teorias genetistas. Por aí se vê como são arbi- seguinte não teria nenhuma necessidade de ser projetada no
trárias as hipóteses imaginadas pelos psicólogos genetistas para
espaço.
explicar a exteriorização dos objetos e sua localização no espaço.
«Seja, por exemplo, um ponto luminoso P cujos raios atuem sôbre
a) Teoria da inferência. Thomas REID apela para um os diferentes pontos a, b, e da retina. Nesse ponto P a ciência loca-
instinto natural, o que absolutamente não é uma explicação. liza vibrações de determinada amplitude e duração. Nesse mesmo
Outros (COUSIN) imaginam um raciocínio implícito (fundado ponto P a consciência percebe luz. Propomo-nos mostrar ( ... ) que
\. no princípio de causalidade) : pelo fato de não têrmos cons- não há diferença essencial entre essa luz e êsses movimentos ( ... ).
De fato, não há aí uma imagem inextensiva que se formasse na
ciência de sermos causa das nossas sensações, atribuímo-las a consciência e se projetasse em seguida em P. A verda·de é que o
um objeto exterior. Mas, primeiramente, como supormos que ponto P, os raios que emite, a retina e os elementos nervosos inte-
as crianças recém-nascidas, bem como os animais, recorram ressados formam um todo solidário, que o ponto luminoso P faz
a uma tal inferência, mesmo implícita? Depois, tôda a expe- parte dêsse todo, e que é bem em P, e- não alhures, que a. imagem P
é formada e percebida» (Mattêre e·t Mémoire, págs. 29-31).
riência psicológica protesta contra isso : a noção de um exterior
é pri?nitiva, anterior mesmo à noção de um interior. A criança Êsse monismo encerra grandes dificuldades : notadamen-
aprende a interiorizar ou subjetivar seu corpo. Enfim, se a te, não pode explicar por que modo de causalidade os movi-
exterioridade não fôsse primitiva e objetiva, nunca teríamos mentos nervosos do cérebro determinam o aparecimento de
idéia dela. Permaneceríamos sempre encerrados em nós mesmos. uma sensação no espaço. Essa maneira de resolver o problema
b) Teoria da alucinação verdadeira. TAINE não foi mais da percepção significa que· aqui BERGSON ainda é dependente
das concept;ões fisiológicas. Com efeito, êle suprime a proje-
b:m sucedido com a sua teoria da alucinação verdadeira, em
virtude da qual nós projetaríamos no espaço, graças às im- ção ao suprimir o objeto real (reduzido à sensação). Mas daí
prE:ssões visuais, táteis e musculares, sensações a princípio lo- claramente se segue que, se existisse um objeto real, a questão
cahzadas na periferia do corpo. Essa alucinação achar-se-ia da projeção apresentar-se-ia inevitàvelmente. Isso prova que
.:·

...
A PERCEPÇÃO 16ú
168 PSICOLOGIA

BERGSON ainda está muito perto de TAINE e de sua alucinação ART. IV. FORMAS NORMAIS E ANORMA IS DA
PERCEPÇ ÃO
verdadeira , que no entanto êle critica de maneira mui perti·
nente (cf. La Pensée et le Mouvant, pág. 95).
'.! 152 Se quisermos definir os problemas reais que a percepção
A exterioridade natural. suscita, do ponto-de-v ista psicológico, encontram os os diferen-
:)· 151., 3. ., tes problemas agrupados sob' o título de erros da percepção .
Distinguem -se comument e três grupos de erros perceptivo s. Os
1
) a) Dois pontos-de-vista a distinguir. A percepção pode
,;/· ser encarada de dois pontos-de-vista, cuja confusão faz nascer primeiros versam sôbre o próprio objeto da percepção , quer o
grandes equívocos, levando a confundir problemas que de- percebamo s como afetado de qualidades que lhe não pertencem
( o pau que parece quebrado na água, a tôrre quadrada que de
1
!;
vem ser distinguiqo s. Há, com efeito, um ponto-de-v ista psi-
'
cológico e um ponto-de-v ista metafísico . Psícolõgicamoote, longe parece redonda, as paralelas que parecem encontrar- se
trata-se apenas de descrever o mecanismo do processo percep-
, ·, ~.J
ao longe, etc.) , quer revistamo s falsament e o objeto da sensa-
tivo. Filosoficamente, suscita-se o problema de saber como ção das qualidades ou propriedad es pertencen tes de fato às ima-
pode o objeto exterior estar presente no sujeito cognoscente, gens que lhe estão associadas . No primeiro caso, fala-se ele
isto é, quais são as condições ontológicas implicadas na ativi- erros dos sentidos, e, no segundo, de ilusões da percepção. Ou-
dade vital ·cognitiva. ll:sse problema é metafísico , e é um êrro tros erros compõem o domínio das percepções sem objeto real,
de método querer resolvê-lo pela psicologia, como êrro de mé- ou porque o objeto não é realmente dado de fora, e sim gerado
todo seria pretender resolver pela metafísica um problema de por dentro (alucinação), ou porque o objeto real é percebido
psicologia. Ora, é num êrro dêsse gênero que incidem as teorias sob uma forma e com atributos antigos que não mais possui
que mais acima tivemos de criticar, como também as que ( paramnésias ou ilusões do já visto).
discutimos em Cosmologia (I, 289). Umas (DESCARTES, MALE- Já se vê. a preço de que equívocos são aqui agrupados em con-
BRANCHE, LEIBNIZ, BERKELEY, KANT, TAlNE) formulam o pro- fusão, num capítulo consagrado à «patologia da percepção» , ao mes-
blema psicológico em têrmos metafísico s e pretendem resolvê-lo mo tempo as alucinações dos histéricos e dos dementes e os fenômenos
chamados «ilusões normais», que, de feito, são tão perfeitame nte
pela metafísica . Outras (JAMES, BERGSON, KõHLER) enunciam normais, que nada têm de ilusório senão para uma teoria associa-
sob aparência psicológica um problema metarísico~ e imaginam cionista e atomística da percepção. Por isto, só conservamo s aqui
dar-lhe solução pela psicofisiologia. Em ambos os casos não se a divisão corrente dos «erros da percepção» para dístingu1rmoa os
faz se~o propor soluções inadequad as. problemas propostos pelas diferentes formas, normais ou aI]vEmals,
;.,_,r,:.... da percepção. ··
b) Ponto-de-vista psicológico. De todo o nosso estudo da
§ 1. "ERROS DOS SENTIDOS"
percepção resulta que, psicologicamente falando, os problemas
da exteriorização dos objetos e de sua localização no espaço A. Erros dos sentidos ou erros do juízo?
não respondem, mais ou menos, a nada, visto nunca têrmos que
exterioriz ar os objetos, que se nos apresentam , sem dificulda- 159 1. O tema céptico. O tema dos «erros dos sentidos» tem
de, como exteriores. Isso não significa, bem entendido, que conseguido, em filosofia, longa e brilhante carreira. Sabe-se
. l
todo um aprendizad o não seja necessário para aperfeiçoa r nossa que êle alimenta, desde os sofistas gregos, tôdas as teorias
'1
l 1 percepção dos objetos. Mas a exteriorid ade é anterior a êsse cépticas. Mas, já há tempo também, foram assinalada s as con-
rd aprendizad o, cujos processos e direção ela condiciona desde a fusões que implica. Contra os cépticos, com efeito, ARISTÓTELJ!=.S
origem. mostrava, de uma parte, que os sentidos são infalíveis quarfí!Jó
- • Não há, portanto, nenhuma projeção da sensação a en- a seu objeto próprio, e, de outra parte, que os erros de que êles
carar, porque a sensação não é um têrmo da atividade percepti- são acusados são, na realidade, erros do juízo (Metafísicu,,
'1 va; o têrmo é sempre o objeto, que evidentem ente está presente III, c. V) .13 A psicologia experimen tal confirma plenament e a
ao sentido (ou, em geral, ao cognoscen te), por uma imagem de
si mesmo, a qual é recebida como um testemunh o sôbre o mundo 1s O diálogo ContTa Academicos, de Santo AGOSTINHO , em grande parte
exterior e como um meio de apreendê-lo. E a,,qui tocamos no é consagrado à refutação das teorias cépticas fundadas nos "erros dos sen-
problema metafísico , cuja solução exige outros meios que não . ;'tidos" . - Cf. Contra Academicos, Paris, Desclée de Brouwer, 1939, págs, 151 e
seguintes.
os da análise psicológica.
A PERC EPÇÃ O 171
170 PSICO LOGIA

a (97) most ra-
s novas, tirad as .. c) Sensações subconscientes. Mais acim
dout rina aristo télica , forta lecen do-a com razõe es perce ptiva s. mog a possi bilida de de sensa ções subco nscie ntes. Sabe-se, de
das inúm eras expe riênc ias cons agrad as às reaçõ que influ ência a atenç ão
outro lado, por expe riênc ia corre nte,
decla ra que o essõe s sensí veis. Quando ct
2. Infalibilidade do sentido. Quan do se io, impo rta
exerc e sôbre a perce pção das impr
nte sentidos, esca-
senti do é infalí vel relat ivam ente a seu objet o própr
rária , mas
atenção se relaxct, 'muit os elementos, efeti vame ficar de mane ira
não se avan ça uma teori a arbit to, o que tem como resul tado modi
comp reend er bem que ção, qualquer vam ao sujei bidas e a aparê n-
,· que se consi gna simp lesm ente um fato. b sensa mais ou menos"i.mportante as quali dade s perce
nern verda deira nem falsa ; é tudo o que deve ica-s e, aliás , que os elem entos não imed iata-
que seja, não é que ela é um cia do objeto. Verif dado s aos sen-
quer dizer realm ente
se1· nas condições em que se produz; ao juízo , porqu e ment e integ rados na perce pção foram e na ausên cia do
1
, •'. fato natur al. A verda de e o êrro só perte ncem tidos , já que, por esfôr ço de recon stitui ção
ão de ser ou de mane ira à consc iênci a. 10 Na
só o juízo ence rra afirm ação ou negaç objet o, chega-se depois a repre sentá -los
percepção, tudo o que real-
de ser (1, 54, 60). Enqu anto nos atem os à realid ade, as sensações foram subco nscie ntes antes
sôbre o qual nenh uma
que esta aduz verda deira ment e é dado ment e inconscientes.
discu ssão é concebível . H
difer entes fa-
1 155 2. Interpretação dos fatos . Nenh um dos
Ponto-de-vista experimental const ituem , prà-
B. tos agrup ados nas categ orias que prece dem percepção.
ção. São erros da
1. Os fatos. Sendo os «erro s dos sentidos~
erros da priam ente falan do, erros da sensa o que devem,
154 veis vez as sensa ções são exata ment e
percepção, pode-se tenta r deter mina r como é que são possí Com efeito, a cada depen dem..
as de que
ser nas condições fisiológicas e psicológic
1 tem reuni do sôbre êsse
êsses erros . A psicologia expe rime ntal e-se ao fato de os órgão s funci o-
ponto um grand e núme ro de fatos .
16
A não-percepção de côr prend defei tuo-
s às sensa ções crom ática s estar em
áticas. Pôde - nalm ente desti nado
a) Relação das impressões luminosas e crom ade do que sos ou inibid os em suas funções. As sensações
lumin osas pro-
sensí vel à clarid
se estab elece r que a retin a é mais venie ntes da luz intra -retin iana abso lutam ente não são errô-
à côr (112 ), e que a perce pção das duas
modalidades pode não efeti vame nte produ ção de luz.
ment e na crian ça, que neas, como tais, visto have r aí
ser simu ltâne a: isso se prod uz parti cular ente só afeta a perce pção
impr essõe s lumin osas, e no histé rico, que só Quan to à falta de atenç ão, evide ntem
a princ ípio só teria ção prop riam ente dita.
perce be um tom cinzento. Essa desig ualda de nas duas espécies consciente, e não a sensa
estar na orige m de gran de núme ro de inadequa-
de impr essõe s pode Os casos de excita ção direta. dos nervo s por excitantes
dos, corre nte elétri ca, choque, etc., com
produ ção de sensações cor-
erros . pela ação dos centr os
mesmo de- respo ndent es, explic am-se , como se viu (92), específico. Ainda assim,
b) Luz ídio-retiniana.. O éter intra -retin iano, fenôm enos cortic ais, que reage m segun do o seu modoo intere ssado tenha provi -
nto do nervo óptic o, pode prod uzir o exerc ício prévi o do sentid
pois de secioname s da vista pode
é precis o que
serem despe rtadas pela cita-
luminosos. Assim tamb ém, a fadig a dos órgão conseqüência, do o sujeit o de image ns susce tíveis deêrro na sensa ção. A imag em
iano e, em ção anorm al. Não há, nesse caso,
-prov ocar varia ções do éter intra -retin ) respo nde a condi ções objeti vas reais (pôsto
evoca da (aluci nação
da luz ídio- retin iana. o êrro aqui consi stiria em fazer da image m um objeto
que anorm ais):
real, e caber ia à ativid ade perce ptiva.
operaç ão especi ficame nte in-
Na Escolá stica, a peTcep ção não é uma
chama , quer judici um sensus ,
H
telectu al, mas sim aquilo a que SANT O TOMA S § 2. ILUSÕ ES DOS SENTIDOS
o discer ne entre os contrá rios do seu sensív el própri o
ato pelo qual o sentid frio, etc. (aqui o êrro nunca senti do quali -
A ilusã o consiste em integ rar no objet o do
1'
verme lho, o quente do
l '. - po:r exemp lo, o azul do
alteraç ões orgâni cas ou de doenç a, 156
é possív el senão por aciden te, em razão de
por imag ens que lhe são asso-
dade s ou atrib utos repre senta dos
,~ 1,,.
dissoc iar e de discer nir os divers os eleme ntos
que ;mped cm o sentid o de ência sensív el ou senso -se, porta nto, aqui, prà-
sensív eis dados juntos ) - quer, sobret udo, con3ci
ciada s, mas que êle não possu i. Trata
compa rar entre si os dados forne- spond ência entre a
comum (64), cuj:i função é coord enar e
judici um et ultima discre tio per- priam ente falan do, de uma falta de corre
cidos pelos sentid os extern os: "ultim um
tinent ad sensum comm unem" (ln de
Anima , III, lect. 3, ns. 613 e 614)
Parii;, 1911, págs, 26 e segs.)
(Pirot ta).
logie expé'1'imentale, · P,' JANE T (Etat menta l des hystér iques, ·
1 " Cf. J. DE LA VAISS I:ERE , Eléme nts de psycho ções dos hi.s téricos .
10
êste ponto no que conce rne às percep
focaliz ou bem
págs. 154 e segs.
' . 173
'' A PERCEPÇÃO
• 172 PSICOLOGIA
157-• ·2. lnrerpre~,ão dos fatos. Para êsses diversos casos
sensação e o objeto percebido. Vai-se verificar que esta defi- aduzem-se explicações diferentes, mas tôdas se referem à per-
nição só se aplica exatamente ao caso das ilusões anorrilais, cep~o, e não à sensação.
resultantes de uma deficiência acidental, ,.congênita ou adqui- a) Papel do meio e do subconsciente. Já examinamos a
rida, fisiológica ou psicológica, da atividade perceptiva. Quanto 1lusão dos amputados (96). Outras ilusões explicam-se bem
às "ilusões normais", a saber, as que não podem deixar de (a} ............. ........... .

-<---<
produzir-se nas condições normais da percepção, essas não são
I

ilusões senão do ponto-de-vista da psicologia associacionista. 11

A. Ilusões normais
1. Os fatos. Bastará citar alguns casos. Invoca-se aqui
o exemplo do pau mergulhado na água e que parece quebradc,
o do engrandecimento dos astros no horizonte, o da localização (b) Ilusão de Müller-Lyer
da imagem por trás do espelho, o da apreciação ilusória das

8
distâncias : o espaço cheio parece mais vasto. do que o espaço
vazio, a linha pontilhada parece mais longa que a linha cheia
(fig. 10 a), etc.; os casos de ilusões óptico-geométricas (fig. 10,
b, c, d, e) ; as ilusões de movimento : o passageiro de um (e)
trem em movimento vê fugirem as árvores e as casas, e julga-
se imóvel; as ilusões da leitura: toma-se uma palavra por outra
(milícia por malícia), corrigem-se as palavras estropiadas,
lêem-se as palavras que faltam, porque o sentido as supõe abso- A
B
lutamente, etc.; ilusões do ouvido: ouvem-se palavras que não Contraste Assimilação
são pronunciadas, ou, inversamente, não se ouvem palavras
realmente pronunciadas; ilusão dos amputados, - ilusão de (d)
Aristóteles : se cruzarmos dois dedos e fizermos·passar entre
ambos um objeto, perceberemos dois objetos, etc.

(e)
17 O tema das ilusões da percepção não é mais nôvo que o dos erros dos
sentidos. Eis aqui alguns exemplos dêle tirados de SANTO TOMAS . As dife-
renças no tamanho aparente de um objeto: "Visibile (o objeto luminoso) Fig. 10. Ilusões óptico-geométricas.
emittit radios ad visum, quasi pyramidaliter, et basis pyramidis est in ipso
,, visibili, conus autem terminatur ad visum. Quanto autem magis objectum pelas influências fisiológicas (por exemplo, a irradiação das
distat a visu, tanto magis pyramidis protrahitur et fit longior, et facit mino- côres), pelas condições físicas resultantes do meio interposto
rem angulum in oculo, et ex consequenti (res) videtur minor" (Meteo,·., III,
lect. 6). Vistas de longe, as coisas parecem estar no mesmo plano, e perdem entre o objeto e os sentidos (pau quebrado, tôrre quadrada que
do seu relêvo : "Quando aliquod corpus distans videtur per alterum vel juxta parece redonda, etc.) , ou, ainda, pela ausência de pontos de
alterum, tunc apparet esse in eadem superficie cum ipso, et propter eamdem referência e de comparação para a apreciação das distâncias
causam, omnia a remotis visa videntur plana" (ibidem). Ilusões da vista e das formas, ou pelos elementos que se juntam ao objeto ou
no tocante à posição respectiva dos objetos longínquos (ibidem). As côres,
vistas de longe, esfumam-se: "Omnia quae videntur a longe apparent nigrio-
que, ao contrário, dêle se eliminam, em virtude da desatenção
ra quam si viderentur prope" (ibidem). Ilusões do movimento: "Nihil dif- ou da ação subconsciente dos interêsses atuais do sujeito, ou,
fert ( ... ) utrum moveatur visus vel res quae videtur; sicut patet de illis enfim, pela influência do saber adquirido sôbre a imagem nova
qui navigant circa littora, quod, quia ipsi sunt in motu videtur eis quod ( como bem o mostra a experiência da máscara: se se olha
montes et terra moveantur" (De Coe!o, III, lect. 12). As mudanças de côr · rnonocul?.rmente a face côncava da máscara, vêem-se os traços
de um objeto resultantes das mudanças de situação ou de iluminação (De
Senru et Sensato, Ject.- . 6 (n. 0 91) (Pirotta). Cf. J. DE TONQUEDEC, La em relêvo, isto é, tal como nos aparecem os. rostos humanos).
Critique de !a conna-iss·ance, pág. 104.)
A I'ERCEPÇÃO 17fí
174 PSICOLOGIA

A ilusão de Aristóteles parece explicar-se (segundo as experien- 158 c) Discussão do ponto-de-vista da Forma. Apreende-se
cias de CZARMACK) pelo fato de as sensações produzidas nos dois ·o que ao mesmo tempo de arbitrário e de justo há nesses modos
dedos artificialmente cruzados acharem-se transtornadas, isto é, de ver. O arbitrário reside na teoria apresentada para expli-
invertidas relativamente aos pontos da pele que foram excitados,
e de, assim, haver êrro na localização das percepções sensíveis. Estas car O fato, certíssimo e admiràvelmente frisado, de que a "de-
,} já não correspondem aos movimentos impostos aos membros, quando formação das partes" é um fenômeno nor~al e que re~ulta das
êsses movimentos saem do campo de atividade normal dos mús- exigências da percepção do todo., De fa~o, nao se p~der~a !ratar,
culos (cf. J. LHERMI'3'E, L'Image de notra corps, Paris, 1939, para a percepção, de obedecer as "leis da orgamzaçae , mas
págs. 35-39). 1s
somente de obedecer às exigências objetivas do todo complexo.
' •: b) As "ilusões" óptico-geométricas. Quanto à massa das tal como êste se oferece à percepção. 10 Tôdas as ilusões óptico-
ilusões óptico-geométricas, que foram estudadas sob tantas for- -geométricas nascem da necessidade de perceber o complexo
' ,"/.., mas diversas, e que são relativas à posição ou à grandeza das representativo como um todo.
·, diferentes partes das figuras geométricas, não parece que sejam

1 .
l B

>< ><
1
f

Q
A

Fig. 12 . Supressão da ilusão de Müller-Lyer por modificação do conjunto.

Fig. 11. Ilusões óptico-geométricas. Por exemplo, na ilusão de MÜLLER-LYER (fig. 12 B), se
um dos segmentos parece maior que o outro, é porque o ângulo
Os t1'apézios 1 e 2 pa,-ecem desiguais. As bases dos t1'<ipézios 3 e 4 pa,-ecem
desiguais.
aberto que o termina provoca o olhar a continuar o movimento
da linha, ao passo que, no outro segmento, o ângulo fechado
bloqueia o movimento. 20 Do mesmo modo, a ilusão da figura
verdadeiras ilusões (fig. 11). Foi o que bem mostraram os 10 c não resulta de nenhuma comparação operada posterior-
teóricos da forma, porém mediante argumentos que valem ou mente entre o tamanho do círculo e o comprimento do segmento,
não valem, conforme os sentidos em que são tomados. O ponto- mas somente do fato de o ato perceptivo apreender imediata-
-de-vista de KÕHLER, como acima se viu (129, 196), é que a mente a relação espacial do segmento relativamente ao círculo:
percepção não faz senão obedecer às suas próprias leis, que o daí vem que há ora acentuação da separação ou do contraste dos
objeto, de modo algum se reduzindo aos estímulos sensoriais elementos (A), ora, ao contrário, acentuação da relação de
imediatos, possui uma estrutura que é um fato primitivo e vizinhança ou associação (B); no primeiro caso, o segmento é
irredutível, dependente das leis de organização que possibili-
!l tam a percepção. Em virtude dessas leis, as propriedades das 10 Aliás, pôde~se mostrar diretamente (experiências de BEYRL) que
;, partes, num todo, dependem dêsse todo, e, por con~üência, nas crianças hâ um ligeiro progresso da constância das dimensões, a des-
I'
' ; os fenômenos de deformação das partes devem ser tidos como peito das variações da projeção retiniana, à medida que elas avançam em
perfeitamente normais. A memória nem a associação entram idade, o que prova que a experiência desempenha certo papel. Ademais,
., aí por coisa alguma .
as experiências de VERKLET demonstram que a constância da dimensão
é mais nítida para as figuras "interessantes" do que para as formas geo-
métricas simples, o que é perfeitamente inexplicável no contexto da teoria
18 Cf. em R. DEJEAN, La perception visue!!e, págs. 97 e segs., a dis- da forma (cf. R. RUYER. La conscience et !e corps, Paris, 1937, pág. 93).
cussão de numerosos casos: astros no horizonte, agrandamento das ima- 20 Basta modificar o conjunto como na fig . 14 a, para que o ponto M
gens percebidas no nevoeiro, etc. seja de nôvo percebido no centro.
,,,..-·
.,
176 PSICOLOGIA A PERCEPÇÃO 177

diminuído, no segundo é aumentado. O mesmo efeito produ- é exatamente o que deve ser, considerado o conjunto de suas
zir-se-ia, pelas mesmas razões, se se substituísse o círculo de condições, físicas e fisiológicas.
cada lado dos segmentos por pontos-limites (fig. ·10 d). 21
2. Casos de deficiência psicolológica. Nesta segunda ca-
Tudo isso mostra, à evidência, por um lado, que a percep- tegoria encontram-se tôdas as ilusões que provêm quer de uma
ção não é feita de dados perceptivos separados e isolados, que falta de atenção, quer de uma deficiência das funções de sín-
ela só é concebível num "campo" e, por conseguinte versa , tese e de contrôle. A falta de atenção ao 9bjeto acompanha
sôbre relações e não sôbre têrmos absolutos; e, por out~o lado, os estados de viva emoção ou, inversamente, os estados de aste-
que a própria estrutura do objeto, assim, definido, clepende de nia. A atenção expectante tende a objetivar aquilo que pro-
certas variáveis de ordem bwl6gica, e primeiramente da neces- voca o temor ou o desejo: uma criança sob o império do mêdo
sidade de individualizar um objeto ou uma situação para lhe toma por um fantasma um tronco de árvore vagamente ilumi-
adaptar uma conduta ou uma atitude determinada. 22 nado pelos raios de lua; um estudante, aflito por ter feito uma
má composição e por se haver saído mal no exame, não lê seu
B. Ilusões anormais nome, todavia inscrito, na lista dos candidatos aprovados.
23

Na mesma categoria de fenômenos alinham-se ainda as ilusõe»


159 As ilusões anormais são as que resultam de uma defi- que nascem das preocupações intensas do momento. BINET
ciência orgânica ou psicológica do sujeito. (Ps·ych. du raisonnement, pág. 12) cita o caso do Dr. G. A; que,
preocupado com o preparo de. um exame de história natural, lê
1. Casos de deficiência orgânica. Quando se trata de na porta de um restaurante as palavras: "verbascum thapsus"
defeitos orgânicos (acromatopsia, discromatopsia ou daltonis- (caldo branco), quando ali havia apenas a palavra "Caldo''.
mo, lesões orgânicas, periféricas e centrais, etc.) , a percepção
A deficiência das funções de síntese e de contrôle manifes-
atual não corresponde realmente à realidade. Não há aí, porém,
ta-se sobretudo em certas psiconeuroses (obsessões, histeria,
razão para falar de sensações errôneas. Aqui, ainda, a sensação
psicastenia) e em tôdas as formas de alienação mental. Pode-
se encontrá-la também, acidentalmente, em sujeitos normais,
. 21 O que não . é po~sivcl é expl!car todos os casos de ilusões percep- em momentos de emoção violenta, por exemplo durante um
tivas. Os gestaltistas mvocam, muitas vêzes, as formas privilegiadas, as tremor de terra, no curso de um naufrágio, de um bombar-
b_oas formas (lei da boa forma: a forma que é percebida é a melhor pos-
s1vel) _<cf. P._ GUILL;AUME, Peychologie de la Forme, pág. 57). Todavia,
deio etc.
êsses sao, mais propriamente, os nomes das nossas ignorâncias, como a vir-
tude dormitiva para definir o efeito do ópio. A questão é saber por quê e § 3. ALUCINAÇÕES
como o ópio faz dormir, e por quê e como tal forma é a melh~r possível
e se_ acha privilegiada. É o que procuram explicar as leis gerais da per-
cepçao. A. Ilusões e alucinações
2 2 Cf. H. PIÉRON, Peychologie expérimentale, pág. 123: "Não é normal
perceber com . exatidão form_as, grandezas, côres, claridades, mas somente
160 1. Aluci~ão verdadeira. Ãs vêzes fazem-se entrar na
reconhecer obJetos, de maneira a reagir corretamente em face dêles com categoria da alucinação fenômenos que dela diferem sob muitos
suficiente rapidez para que a reação não sobrevenha tarde". A refe;ência aspectos. Para prevenir as confusões, convém distinguir três
à "exatidão". _aparecerá contestável, por implicar o tema empirista dos séries de fenômenos. A alucinação define-se como um estado
dado;' sensoriais ~bsolutos; mas a exigência biológica da adaptação à si-
t1;1açao. bem assmalada, como também nos casos seguintes, que P!ÉRON
patológico que provoca uma eS']Jécie de sonho acordado, no qual
cit~ (ibid, págs. 123-131): "Um papel cinzento colocado em plena luz é se impõem à consciência imagens não correspondentes a ne-
muito mnis claro, mais "branco" do que um papel branco colocado na nhuma realidade objetiva. As ilusões dos sentidos, normais ou
sombra; e, no entanto, continuamos a chamar cinzento o primeiro e branco anormais, que acabamos de estudar, devem, pois, ser distingui-
o segundo. Isso é devido ao fato de o caráter perceptivo branco ou cin-
zento ser apenas um meio de individualizar um objeto de reconhecê-lo das dos fenômenos de natureza alucinatória, visto que as ima-
sob iluminações variáveis". "As percepções de grandeza' comportam-se da gens resultantes das excitações ficam sendo imagens, sem re-
mesma maneira que as de côr: o tamanho dos objetos é um característico
que lhes permite a individualização ( ... ) . Com uma mesma imagem tere-
~os a impressão do minúsculo ou do corpulento, conforme, por trás da 23 E. YUNG reuniu importante material de observações sôbre os efei-
vidraça de um carro, tivermos acreditado perceber uma môsca próxima ou tos da sugestibilidade no estado de vigília (Ai·chives de Psychologie, t. III,
uma vaca distante". págs. 263-285).
178 PSICOLOGIA A PERCEPÇÃO 179

vestirem êsse aspecto de objetos exteriores, reais, nitidamente cebida no vidro: essa concentração, favorecida pela disposição do
localizados, que caracteriza a alucinação (cf. P. JAN'ET, Etat aparelho, tende a impedir a dístín9~0 entre as imagens 9ue sobrevêm
pela ação das lembranças ~dqu~r~das e pel.'.1 se1;saçao;_ outro,
mental des hystériques, pág. 471). 24 inibitório das tendências alucii;atorias. (reduçao) '. e con~titmdo :pelo
Todavia, não se trata de prejulgar a resposta à questão de fato de o sujeito saber que so tem diante de l'ji um simples vidro
saber se existe diferença essencial entre as ilusões e as aluci- de cristal.
nações, mas somente de assinalar que deve ser feita uma dis_., Em geral, os indivíduos que padecem de fenômenos desta
tinção entre as duas espécies de fenômenos. categoria declaram que tudo se passa em sua cabeça, e as mais
2. Alucinação psíquica. Do mesmo modo, para circuns- das vêzes estão cônscios do caráter patológico dêsses fenô-
crever o melhor possível o campo de estudo, convém considerar menos.
como pseudo-alucinações todos os casos em que objetos apare-
cem como possuindo caracteres que definem os objetos atual- 3. Delírio de int.erpretação. A psicose de interpretação
mente sentidos (localização precisa no espaço, aparecimento ou liga-se, por um lado, à constituição paranóica, de que teremos
desaparecimento independente da vontade), mas todavia não de falar mais adiante. O que aqui há de assinalar-se é que
são atualmente percebidos como reais. Incluem-se nesta cate- os doentes acometidos dêsse delírio ( vulgarmente chamado
goria os fenômenos que precedem ou seguem imediatamente "mania de perseguição") raciocinam, e geralmente a perder
o sono normal, bem como os que são provocados por certas de vista, sôbre casos imaginários, mas não sofrem necessà-
drogas: haschich, beladona, álcool (sonos mórbidos por uso riamente verdadeiras alucinações. Como o observa G. DUMAS
de tóxicos exógenos) . 1!:stes últimos casos explicam-se, ao que (Traité de Psychologie, Paris, 1924, t. II, pág. 972), o perse-
parece, pela deficiência das funções de síntese e de contrôle: guido alucinado sente uma influência hostil pesar sôbre si e
o objeto não tem a realidade aparentemente absoluta e indis- penetrá-lo, ao passo que o que se supõe perseguido conclui por
cutível pela qual se há de especificar a alucinação. 25 essa influência a partir de fatos que êle deforma ou constrói.
Daí o nome de "loucura raciocinante" que muitas vêzes se tem
O mesmo sucede com o fenômeno conhecido sob o nome de dado, também, a esta doença.
visão no cristal. 26 M. P.JANET mostra muito bem que tudo ai se
explica por um duplo fenômeno. Um, orientado à produção da alu-
cinação, consiste na concentração da atenção sôbre a imagem per- B. Fatos de alucinação
161 1. Os sujeitos. Os fatos de alucinação ocorrem em grande
24M. Pierre QUERCY (Les h~lLucinations, Paris, 1936) define, ao con- número de psiconeuroses e de doenças mentais: confusão mental,
trário, como alucinações, não só os "erros dos sentidos", as ilusões da demência senil, delírio sistematizado (interpretação e perseguição);
percepção, mas ainda as ilusões dos amputados, os fenômenos do sonho, do nos casos de hipnotismo, em que se chega a provocar a impressão
pré-sono e dos sonos mórbidos (sem falar das visões dos místicos!). das sensações sugeridas ao sujeito; no delírio alcoólico, etc. Con$-
2G Cl. JASTROW, Subconscience , Paris, 1908, pág. 344: "Mesmo sendo tituíram-se dois grupos distintos dêsses diversos casos: o dos delírios
vítima de uma alucinação realista e terrificante, posso reconhecer a verda- alucinatórios crônicos, com lesões anátomo-patológicas do cérebro, e
deira natureza da imagem que me persegue, nisso que elas não se comporta o dos delírios alucinató'rios agudos (psicoses), com lesões tóxico-
como os objetos reais sôbre os quais se projeta. Quando excitei bastante infecciosas do cérebro.
minhas células cerebrais com álcool, mescal ou haschich, para que elas
reaj<>m fazendo surgir diante de mim coisas imaginárias, não deixo de re- A alucinação pode encontrar-se também em indivíduos normais,
conhecer que essas coisas diferem das coisas reais, porque, embora sob a como resultado de perturbações orgânicas ou fisiológicas acidentais:
influência de um veneno psíquico, reajo às solicitações exteriores" . congestão, vazio do estômago, sêde intensa, febre. As vêzes ela pro-
2G Cf. P . JANET, Névroses et idées fixes, Paris, 1908, t. I, pág. 411: vém também de.,cauros psicológicas (mêdo intenso, tristeza profun-
"Fica-se em plena luz do dia, cerca-se o cristal de pantalhas, de pára-ventos da), mas que ve-rdadeiramente só têm conseqüências alucinatórias
ou pano prêto, depois instala-se o sujeito cômodamente e pede-se-lhe que -em razão dos distúrbios fisiológicos que elas comportam. Todos êstes
olhe fixamente. No inicio êle só percebe coisas insignificantes; primeira- últimos casos entram, em suma, na categoria dos delírios alucinató-
mente, sua própria figura; depois o reflexo vago das coisas circundantes, rios agudos.
as côres do arco-íris, um ponto luminoso; numa palavra, os reflexos que
ordinàriamente apresenta uma bola de vidro. Ao cabo de certo tempo ( .. . ) . 2. Sentidos alucinados. Os fenômenos alucinatórios podem
êle vê aparecerem desenhos, figuras a princípio simplíssimas, estrêlas ( ... ) . interess~r todos os sentidos. Por isto se distinguem alucinações vi-
No fim de alguns instantes ainda, percebe figuras coloridas, personagens, suais, tateis, auditivas, olfativas, cenestésicas, etc. Todavia, as alu-
animais, árvores, flôres". cinações visuais parecem as mais freqüentes e mais notáveis.

-~- . _._ ......


PSICOLOGIA A Pl!!RCEPÇÃO 181
180

C. Natureza da alucinação a) Teoria psicológica. A alucinação seria de natureza pura-


mente psicógena (LELUT). Esta explicação quadra mal com tudo o
Propuseram-se numerosas teorias para explicar a alucinação. que se sabe do funcionamento dos órgãos centrais, na produção das
162 imagens. Parece bem difícil explicar a alucinaç!fo por meras causas
Parece, porém, que se pode reduzi-las a duas principais: a teoria
periférica e a teoria central. 27 psíquicas; ou, pelo menos, como o mostrou FREUD, se causas psíquicas
sozinhas podem explicar o conteúdo e a forma da alucinação, o pró-
; 1. Teoria periférica, Esta antiga teoria supõe" que tôda aluci- pri_o fato da alucinaeão parece depender de predisposições consti,-
nação proviria de uma excitação periférica dos órgãos sensoriais, tucionais.
determinada, na ausência de todo objeto, por uma reação central.
Nesta hipótese, a alucinação só diferiria da percepção pela ausência b) Teoria fisiológica.. Esta teoria, defendida por TAMBURlNI,
de uma causa externa. Ficaria sendo, pois, um fato de atividade propõe explicar a alucinação por uma excitação mórbida constante
propriamente sensorial. dos centros sensoriais corticais, a qual teria por ponto-de-partida
Esta teoria choca-se com graves dificuldades, porquanto, de um tanto os órgãos periféricos da sensibilidade como as vias condutoras
lado, é fato que indivíduos tornados cegos ou surdos têm alucinações ou os próprios centros, e determinaria a produção de uma imagem
visuais ou auditivas, sem excitação periférica possível; 28 e, de outro correspondente às sensações ligadas à excitação anterior dêsse cen-
lado, como a alucinação as mais das vêzes interessa vários sentidos, tro sensorial. Esta opinião faz, com justa ra.zão, intervirem os
centros cerebrais, mas topa com as dificuldades que as pesquisas
haveria que admitir que a reação central age com a mesma inten- fisiológicas têm feito valer no tocante à fixidez dos centros (66).
sidade sôbre todos os órgãos sensoriais periféricos, o que é muito
lnverc,ssímil. 20 c) Teoria psicofisiológica. As mesmas observações valeriam
2. Teoria central. Esta teoria é exatamente o inverso da pre- relativamente à teoria de SEGLAS, que adota a posição de TAMBURINI,
168 modificando-a sôbre êste ponto: que a alucinação implicaria a in-
cedente. Atribui a alucinação, segundo a expressão de LELuT, «à tervenção de centros sensoriais múltiplos, intervenção manifestada
metamorfose de uma imagem em sensação». Mas não se pode ver pelos múltiplos fatôres psicológicos (atenção, memória, crença, asso-
aí uma explicação autêntica. A bem dizer, isso é só o enunciado ciação de idéias, automatismo psíquico, etc.) que atuam na alucina-
do fato alucinatório, quando se trata é de saber como é que êle se ção. Estas observações parecem fundadas, mas são insuficientes,
produz. porque, de um lado, retêm o que há de contestável na teoria de
Encontramos aqui três tipos de explicação: psicológica, fisioló- TAMBURINI, e, d.e outro, descuram êste ponto capital: que, para haver
gica e psicofisiológica. 1Jerdadeira a,luct11açáo, é preciso, ainda, que seja impossível, ou, em
todo caso, inexistente, a redução das imagens alucinatórias.
21 Cf. E . PEILLAUBE, Les images, Paris, 1910, págs. 351-359. Sôbre a
história do problema da alucinação, ver R. DALBIEZ, La methode psycha- '1!64 3. Imperialismo das ima.gens delirantes.
nalytique et la doctrine freudienne, Paris, 1936, t. I. págs. 511-553. J . PAU-
LUS, Le prob!emc de l'ha!!ucination et l'évolution de Ia: psycho!ogie, d'Es- a) Fenômeno de não-redução. Parece, portanto, que a aluci-
quirol à Pierre Janet, Paris, 1941. J. LHERMITTE, Les HaUucinations, nação, que é essencialmente um fenômeno psíquico, e não um fenô-
Paris, 1951. meno sensorial, deve ser explicada por um estado cerebral que, na
2s É também o que torna pouco plausível a explicação de A. BINET, ausência de tôda excitação externa, determina a produção de uma
para quem tôda alucinação comportaria um mínimo de excitação periférica. imagem ou de uma síntese de imagens que formam sistema e se
A excitação periférica certamente parece, em muitos casos, servir de pon- impõem à consciência psicológica do doente. ao
to-de-partida ou de ocasião à alucinação, mas não parece ser necessária em Essa teoria parece, de muito, a mais satisfatória, porquanto a
todos os casos. ausência de redução é bem característica. da alucinação. É isso
29 O Dr. DE CLÉRAMBAULT defendeu uma teoria mecânica das psi- justamente o que permite distinguir a alucinação verdadeira de tôdas
coses alucinatórias, a qual tende a inverter a fórmula clássica que atribuía as pseudo-alucinações, em que a imagem alucinatória desaparece
ao delírio, e por conseguinte à alucinação que o acompanha, uma origem com a intervenção de um redutor qualquer, cujo papel consiste es-
mental (cf. DE CLÉRAMBAULT, "Psychoses à base d'automatisme et syn-
drome d'automatisme", em Annales médico-psychologiques de 1927, t. I,
págs. 193-236) . O Dr. DE CLÉRAMBAULT acha que a alucinação é que ao Cf. Dr. p ,' GISCARD, "Psychogenêse des Hallucinations", em Archi-
precede o delírio; ela é um conjunto de fenômenos todos orgânicos, como ves de Philosophie, Xm, 3 (1937), págs. 1-20: '' A alucinação não pode ter
a psicose que dela resulta é, por sua vez, puramente mecânica em seu pon- corno causa senão um distúrbio da atividade cerebral em relação com urna
to-de-partida e na sua evolução. Quanto aos processos psíquicos propriamente lesão orgânica. O que prova o quanto esta desordem é primitiva e causal
ditos, "só aparecem subsidiàriamente, secundàriamente, fragmentàriamente" é que o próprio delírio é posterior à irrupção das alucinações e tende a
(página 212). Esta teoria suscitou a oposição Wlânime dos psicólogos e de explicá-la, a lhe dar um sentido (pág. 14 [ .. , J. Ao dizer que a origem
numerosos neurólogos e psiquiatras. Seu defeito capital é identificar origem das alucinações é puramente endógena, entendemos que as alucinações não
orgânica com elaboração puramente mecânica, e, em conseqüência, elimi- têm por fundamento um distúrbio da percepção, mas que resultam da pre-
nar arbitràriamente todos os processos psíquicos que se intercalam entre dominância de imagens internas impostas à consciência por um alitOflla-
a irritação inicial e os produtos últimos da psicose alucinatória. tismo imperioso e anárquico" (pág. 18).
A PERCEPÇ ÃO 183
182 PSICOLO GIA

:iimultâ.neam,ente. É então que se produzem os fenômen os alucina


-
senc:ialmente em ligar o estado de consciên cia dado na pseudo-a lu- psíquico
com o . tórios, que consistem na formaçã o brusca de um sistema
cinação com o conjunto da realidade presente , como também caracteri zado por seu aspecto parcial, lateral e furtivo, por falta de
conjunto da experiên cia passada. O redutor tem por efeito dar expe-
à
uma consciência capaz de se concentr ar no objeto (o alucinad o ouve
pseudo-a lucinaçã o, consider ados o resto do real e os dados da ou de as palavras , mas não pode dJar-lhes atenção, _vê os rostos, mas, não
riência adquirid a e da memória , um caráter de incoerên cia dêsse é capaz de observá- los>, e por seu absurdo: jogos de palavras
ca-
absurdo. A imagem alucinató ria não resiste à interven ção lemburgo s, insultos, que são a maneira como o doente pensa ou.
redutor. 31 melhor, vive o estado de deslocaç ão psíquica que experim enta em 1
De tudo o que precede ressal!a que não se poderia falar de erros sua consciência obscura.
dos sentidos, ou da percepção, a propósito da alucinaç ão. A aluci- No próprio moment o em que se produz a alucinaç ão, o sujeito,
nação naàa tem que ver com a atividade sensorial . De uma
parte,
como tal, deixa de existir. Por assim dizer, já não há senão uma
com efeito, nos alucinad os a atividade sensorial normal persiste na consciên cia neutraliz ada. Se a alucinaç ão prossegu isse numafato, tal
própria alucinaç ão; êles ouvem o que se lhes diz e podem retê-lo. tipos consciên cia, a pessoa aproxim ar-se-ia do estado de sonho. De
Doutra parte, a alucinaç ão não pode reduzir-s e aos diversos a consciên cia do alucinad o reage bruscam ente, e concentr
a-se ao
de ilusões d.a. percepçã o que estudamo s, pois nwnca se trata de sen- menos por um momento . A percepçã o recomeç a de maneira subi- mais
sações mal interpret-<WJas ou deformad as, e muitas vêzes os próprios ou menos normal. E, em conseqüê ncia, a imagem alucinat ória,
doentes fazem a discrimin ação entre a atividade sensorial , que per-
de que padecem . É, mes- tamente desapare cida, torna-se objeto de memória , porém de memória
siste normal, e os fenômen os alucinató rios imedtllta (quer dizer, do passado imediato ), excluind o, a êste
título,
mo, de notar que êles situem freqüent emente êstes fenômen os «no aluci-
no próprio instante, tôda dúvida sôbre a realidade do objeto
cérebro» ou alhures, em todo caso antes que nos órgãos sensoriai s. s2 natório. É daí· que provém a impressã o de exteriori dade do
objeto
b) Automat ismo vivido no alucinad o. Resta explicar psicoló-
(palavra ou visão), em relação à consciên cia de nôvo unificad a.
165
gicamen te o fenômen o da não-redu ção das imagens alucinató uma
rias. Impõe-s e o objeto como real, ao menos imediata mente, e impõe-se de
J.-P. SARTRE (L'Imagi naire, Paris, 1940, págs. 190-205) propõe como tal, mesmo quando o doente se conhece alucinad o (caso
alucinose >. E poderá conserva r êsse aspecto posterior mente, quando,
explicaçã o que parece mui plausível. Esta teoria parte do delírio e- por efeito de deficiênc ias psíquica s graves, o doente se instalar, dt
de influênci a. Como acabamo s de ver, o doente afirma freqüentos com-
de alguma sorte, no sistema alucinató rio e a êle adaptar seu dura-
mente que é «um outro» que o possui e que deflagra os fenômen port.'tmento. Em outros casos, graças a um restabele cimento
alucinató rios. 33 Evidente mente há margem para interpre tarvo osa douro da unidade conscien cial, o doente pode ser 34 capaz de analisar
esclareci mentos do doente: não parece que o recurso explicati pelo com lucidez o automat ismo a que estã submetid o.
~outro» seja outra coisa senão a consciên cia experim entada pro-
alucinad o de ser bem éle, enquanto espontan eidade viva, quem
duz os fenômen os alucinató rios, mas que êsses fenômen os vão, de o
§ 4. ILUSÕES DO "JÁ VISTO" E DO "JÁ VIVIDO"
alguma sorte, contra a unidade conscien cial; quer dizer que êle não
os domina nem os reconhec e. «O outro» é mero símbolo de uM A. Casos de falso :reconhecimento
autom<tt ismo vivido.
Os fenômen os alucinató rios implicam , pois, uma dispersão ou 166 1. O «já visto» e o «já vivido». As paramn ésias, em
deslocação da unidooe sintética da consciên cia e, por êsse próprio geral, são ilusões de reconhe cimento ou sentime ntos ilusório s
fato, um obscurec imento da percepçã o: sujeito e objeto desaparecem de "já visto" e de "já vivido". Parece, todavia, que há que
distingu ir entre êstes dois casos. O sentime nto de já visto
a1 Cf. P . .JANET, L'automa tisme psychofoo ique, págs. 451 e segs. Esta
a razão principal pela ·qual os psiquiatras se inclinam a pensar, segundo pode-se explicar pela existênc ia de certas analogia s entre a
experiê ncia present e e a passada . Há nisto mais urna pertur-'
é
numerosos indícios, que nem a hlsteria nem mesmo a hipnose comporta m
verdadeiras alucinações, atuando os processos de redução mais ou menos, .bação da memóri a que da percepç ão. O sentime nto de já vivido
porém regularmente, em ambos os casos. -encerra outros caracter ísticos e não pode explicar -se da mesma
32 Isso é freqüente sobretudo nas alucinações psicomoto
ras verbais. maneira que o sentime nto do já visto.
Cf. Dr. GISCARD (loc. cit., pág. 6): "Sou ventríloquo, explica umnadoente.
Uma senhora e um senhor falam no meu ventre. Fazem cinema e minha Daí porque, para explicá-l o, podemos afastar certas teorias que
cabeça. É dülcil fazê-lo compreender, sou eu sempre que converso, nunca só valeriam .para o «jâl vlsto». Tal é, em particula r, a teoria da re-
sou eu [ .. . J. Há sempre, alguém que conversa no meu estômago".
33 J. DE TONQUEDEC (Erodes caTmélita ines, abril
de 1937) cita wn 34 ct. GISCARD, ioc. cit, relatando ditos de um de seus pacientes, es-
caso dêste gênero: "Lembro-me", escreve êle, "de uma mõça muito bem
tran- creve: "Isto vai melhor", diz êle, "meus pensamentos são mais estáveis
educada, que veio procurar-me [ ... ]. No correr da conversa mais ne ou ou- .que antes.! de~de que estou _:qui. Quando pa!!50 11\1!-1, sinto que meus pensa-
qüila, ela de vez em quando deixava escapar a palavra CambTCm ~e~t_os nao . sao comuns. Nao tenbo o contrôle dos meus pensame ntos[ ... ].
tras igualmente grosseiras, torcia o nariz para mim, estirava-me a lfngua,ente ~eio que é wn desequilibrio nervoso na cabeça, algo comoDir-sé-ia n~rvos
cu~_pia, etc. E desculpava-se disso todo confusa, rogando-me instantem ·fora ~o lugar que me impedem a concentração do · pensamento.
crer que tõdas essas coisas não vinham dela, e sim do "patife" que elegera que smto o ar chegar-me à cabeça ... ". ·
domicilio nela e se servia dos seus órgãos contra sua vontade".

..
·,, .
•.. , ..... ............. L.. •. ·.,.,...... .
A PERCEPÇÃO 185
184 PSICOLOGIA
-
diferen tes, por GRASSE T 1. Teoria da image m alucinat.ória.. Esta teoria, propos
ducão à lembra nça, defend ida sob formas págs. 17 e segs.) e W. ta por T. RIBOT (Les malad ies de la mémoi re, Paris, 1881,
(JÓu.rn al d·e Psycho logie, janeiro de 1904, in-
JAMES (Princip les of Psycho logy, I, pág.
675), que consist e e,m afir- págs. 150 e segs.) , consis te em supor urna image m muito ção
mar que o sentim ento de falso reconh ecimen to nasce ada
identif ica-
seu con- tensa e de nature za alucin atória venha dobra r a percep
por reali-
real e, por falta de retific ação, se impon ha como uma
ção da percepç ão presen te com outra anterio r, análog
ntativo ou afetivo . Tudo se reduzir ia à evocaç ão con- ção real, que assim
teúdo represe
claro que isto explica ape- dade, relega ndo a segund o plano a percep
fusa ou incomp leta de uma lembra nça. ll:
nas o «já visto», e não-'o «já vivido» . (JAMES admite que esta explica - i
assum e o aspect o apagad o e débil de uma lembr ança. ,
casos de falso reconh ecimen to.) análog a. Ordinà ria-
ção não pode ser aplicad a a todos os PIÉRON , depois de ANJEL, defend eu teoria
mente, a impres são bruta dada por um objeto e a uindotomada de posse
um só fe-
ll:ste sentim ento do já vivido BERGSON estudou-o longa- desta impres são pelo espírito encont ram-se , constit o atrasa- se em
mente (Energie spirituelle, Paris, 1920, págs. 117-16 1),
e dêle nômeno . Em certos casos, porém, o segund o process que produz
: relação ao primei ro, daí resulta ndo uma dupla imagem 160-163).
fêz a seguin te descriç ão um falso reconh ecimen to (Revue philosophiqu,e, t. LIV, págs.
«Brusc amente , enquan to assistim os a um espetácjá ulo, ou toma- A dificul dade desta teoria consis te em explic ar por que
ua
mos parte numa conver sa, surge a convicção de que
vimos o que uma das image ns é relega da ao passad o, e por que é contín
s ouvindo, já pro- elle, pág. 127). Por
estamo s presenc iando, já ouvimos o que estamoque já estivem os lá. a ilusão ( cf. BERGSON, Energ ie spiritu da ao
nuncia mos as frases que estamo s proferi ndo, de do e que- outro lado, compr eende- se bem que a image m relega
no mesmo local, nas mesma s disposições, sentind o, pensan passad o tenha o aspect o apaga do de uma lembr ança; isto,
rendo as mesma s coisas, enfim -de que estamo s reviven do em seus já senti-
a. A ilusão porém , refere -se muito mais aos casos de já visto e
múúmo s detalhe s alguns instant es de nossa vi-da passad to ela dura,
é, por vêzes, tão comple ta, que a todo momen to, enquan do, do que aos casos de já vivido. ,,.
nos cremos a ponto de predize r o que vai aconte cer: como não o
havería mos de saber desde já, uma vez que sentim os que vamos 168 2. Teoria patológica. Muitos psicólogos tentar am expli-
ca
tê-lo sabido? car as param ésia.s por um abaixa mento da energi a psíqui ,
Não raro percebe mos então o mundo exterio r sob um aspecto
ou do tom da atençã o. Para alguns (DROM ARD e .ALBES
singula r, como num sonho; tornam o-nos estranh os a nós mesmo s. uma ruptur a
especta dores DuGAS ), a diminu ição da energi a psíqui ca cria
a ponto d.e nos biparti nnos e assistir mos como simples entre o "psiqu ismo inferio r" (sensa ção e subcon sciente ) e o
a tudo aquilo que dizemos e fazemos» (pâgs. 117-118). or" (atenç ão) . O primei ro, funcio nando só,
"psiqu ismo superi
objeto pre.sen te, e o segundo,
2. A ilusão do «já visto» e a percepção. E' eviden te que perceb eria autom.àtica.mente o
objeto , aplicar -ae-ia to-
do ntrar no própri o
a memó ria e a percepção tomam parte igualm ente na ilusão em vez de se conce
recolh ida pelo primei ro. As-
"já visto" . Podemos, porém, pergu ntar se o transtô rno que talmen te a consid erar a image m
esta ilusão manif esta afeta especi almen te a memó ria
ou a sim o sujeito estaria equiva lentem ente na situaç ão de alguém
percep ção. Ora, enquan to a ilusão do "já visto" parece ria afe- que vivess e um sonho.
tuir uma falsa memó ria P. JANET (Les obs<msions et les psycha.sthénies, Paris,
tar antes de tudo a memó ria e consti 1903, t. I, págs. 287 e segs.) propõe uma explicação do mesmo
o têrmo param nésia, uma memó ria ao lado, a. uma
ou, como indica
- gênero . O fenôm eno do já vivido, diz êle, não consti tui mas
ilusão do "já vivido" é essencialmente um distúrbio da percep pertur bação da memó ria, como se afirma freqüe nteme nte,
obsess ions et les psycha sthéni es. sen-
ção. "É", diz P. JANET (Les sim da percep ção. 11:ste fenômeno entra na catego ria dos
r
Paris, 1903, t. I, pág. 288), "uma apreci ação falsa do caráte timent os de autom atismo . "O pacien te que sente diminu ída sua
menos o aspect o de o esfôrç o
da percep ção atual, que assum e mais ou ativida de deixa de perceb er o sentim ento do pequen
eno r,
fenôm eno reprod uzido, em vez de ter aspect o de um fenôm de síntese que acomp anha cada percep ção norma l, crê recita
o".
novam ente perceb ido" .. o que dá à percep ção a aparên cia de um fenômeno passad o da
'l'udo isto se explic aria por um enfraq uecime nto mórbid
um relaxa mento mórbid o do esfôrç o
B. Como explicar a ilusão do «já vivido»? "funçã o do real", ou por
de síntese exigid a pela percep ção. 8 ~ ;

167 Aqui també m nos encon tramos com numer osas explica- para a freqüên cia das paramnl i!;ias
, po- ~ ~er-se-i a, assim, uma explicaç ão
ççíes. Deixan do de lado as que só valem para o "já visto" m
5
(psicast enias, confilslio
ação: teoria da image nos mdivfdu os deficien tes em suas funções de síntese
dltrhos conser var três tipos de explic mental) .
vida.
alucin atória, teoria patoló gica e teoria da desate nção à
186 PSICOLOGIA

Estas teorias parecem insistir com razão no abaixamento


do tom vital que se encontra freqüentemente nos casos graves
de paramnésia. Deve-se, porém, ter êste abaixamento como clara
e regularmente patológico? Por outro lado, pode-se perguntar
por que êste relaxamento mórbido leva a tomar o presente por CAPÍTULO III
uma repetição do passado, e como pode explicar não sàmente , ,
o "já visto", senão também o "já vivido".
A IMAGINAÇÃO
169 3. Teoria da desatenção à ,•ida. E' a hipótese proposta SUM.4RI0 1
por BERGSON. Embora compatível com a explicação patoló-
gica, ela faz do relaxamento da energia apenas uma das causas I. NATUREZA DAS IMAGENS. Espécies de imagens . Fon-
possíveis (e causa remota) da paramnésia. A causa próxi- Art .
tes das imagens. Problema das imagens afetivas. Tese
ma e específica da ilusão de falso reconhecimento haveria que afirmativa. Tese negativa. Natureza psicológica da ima-
buscá-la na combinação da percepção com a memória, a saber, gem. Semelhança das sensaçõ1:5 e das imagens. Disti!_l-
"no funcionamento natural das duas faculdades abandonadas. cão -das imagens e das percepçoes. Pode haver confusao
entre imagem e percepção?
a suas próprias fôrças" (Energie spirituelle, pág. 161). A
"lembrança do presente" (ou forma de atenção à vida), que Art. II. FIXAÇAO E CONSERVAÇÃO DAS _IMAGEN~-- Fixação
normalmente é contemporânea da: percepção, e q,uei, por seu das imagens. Dificuldades da questao. Condiçoes. Con-
di.ções gerais da "imaginação . Natureza e _sentid«;> do
"élan", está mais no futuro que no presente, une-se às vêzes problema. Condições fisiológicas da· formaça~ de una-
à percepção enquanto o impulso desta se interrompe, isto é, gens. condições fisioló gicas de sua conservaçao. Ima-
enquanto se interrompe a atenção à vida: neste caso, o presen- gens e imaginação. A imaginação, função psíquica. Mo-
te é reconhecido ao mesmo tempo que é conhecido. Em geral, tricidade das imagens.
a atenção à vida é suficiente para impedir a lembrança de se Art . III. ASSOCIAÇAO DE IDÉIAS. N oções gerais. Definição.
unir à percepção : se ocorre alguma interrupção de funciona- História. O associacionismo. Leis da associação. Redu-
mento, esta é muito curta e rara. Mas, em certos casos patoló- ção. Discussão. Esponta.n.ei dade do espírito. Teoria es-
cocesa. Organização e sistematização.
gicos, a queda constante da atenção fundamental acarreta per-
turbações que podem tornar-se muito graves. Por outro lado, Art. IV . CRIAÇAO IMAGINATIVA. Natureza~ t~agina_ção cr~a-
como êste abaixamento da atenção é, por seu turno, efeito de dora. Reprodução e criação. Imagmaçao e mvençao.
Fatôres da invenção. Fatôres fisiológicos. Fatôres psi-
um distúrbio da vontade, que deixa de tender para a ação e cológicos. Fatôres sociais. Esfôrço, de inv1:nção. _ Pro-
de impedir assim o presente de se voltar sôbre si mesmo, a cessos da imaginação criadora. Esforço de mvençao.
causa inicial dos fenômenos de falso reconhecimento há que
imputá-la a uma perturbação da atividade voluntária. Art. V. DEVANEIO. SONHO. SONOS PATOLóGICOS. O de•
vaneio. o sono e o sonho. Sortambulismo. Hipnose.
Esta teoria parece mais· razoável que as precedentes. Sem
afastar a explicação patológica de JANET, ela tem o interêsse 170 1. Defini~o. A imaginação é a faculdade de. fixar,
de apresentar-nos uma explicação mais gieral, que esclarece conservar reproduzir e cornbiruur as imagens das coisas sen-
melhor a ilusão do já vivido, bem como os diversos graus que síveis. E~tas imagens podem ser encaradas sob dois pontos-
podam comportar as param.nésias, desde as formas benignas de-vista: subjetivamente são o que anteriormente chamamos
e quase normais da vida quotidiana:. Entretanto, são hipó-
téticas estas vantagens, pois tudo depende da noção de "lem-
1 Cf. DUMAS, Nou.veau. Traité de Psychologie, t . IV e V. PAULHAN,
brança do presente ", que, como mais tarde veremos, é discutí- L'activité menta!e, Paris, 1889. RIBOT, L'imagination créatrice. BERGSON,
vel, pelo menos na forma como a apresenta BERGSON. De sorte Matiere et Mémoire; L'Energie spiritu.elle. E . PEILLAUBE, Les images,
que a ilusão do já vivido continua sem explicação definitiva. Paris 1910. SPAIER La pensée concrete , Paris, 1927. SARTRE, L'ima-
gination, Paris, 1936; 'L'imaginaire, Paris, 1940. ,KOFFKA, Principies of
Gestalt Psychology, Londres, 1936. KõHLER, G esta!t Psychology, Londres,
1936. GUILLAUME, Psychologie de la forme, Paris, 1937. J. DE ,LA
VAISSIERE, Eléments de psychologie expérimentale, págs. 101-175. Ed. Le
ROY, La pe·n sée intu.itive, Paris, 1930 .

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.. ....... _ ··- - - ----·
A IMAG INAÇÃ O
189
188 PSICOLOGIA
ns. Nós for .
pelas quais conse rvado s e repre senta dos sob a form a de image ntes quali -
(131) de espécies . (species) ', is~o é, repre senta ções aos senti- mimo s, com efeito, imag ens simul tânea s das difere
ntes ou não resist ência ,
conhecemos os obJetos sens1ve1s, prese
a repro dução d.a dades sensíveis (form as, côres, odores, sons, calor, pção.
dos; ?bjet-~va~n te,_ as imag ens .são como iame nte ditos dados à perce
ficar êste segun do as- etc.) e dos objet os propr
própr ia coISa 1mag mada . Para signi
receb e amiúd e o nome de f anta-s- No que tange às image ns visuais, cuja existêar ncia é eviden te, bas-
pecto da imag em é que esta alcanç em certos sujeit os.
·•ma (ARIS TÓTE LES, De anima., III,
2 cap. III; De memo ria., ca!f. ta notar que grau de precis ão podem .elas(1696) , que pôde fazer pinta r
ment e denom inam uma repre senta ção ou um conta SAINT-SIMON, em suas Memó rias istas entre êste e o pin-
I), e que atual a;
. o retrat o do abade de Rancé , obten do entrev
objeto feito prese nte ao sujeit o (re-p resen tado) uzia de memó ria os traços
tor RIGAULT, que, ao chega r a casa, reprod se també m que, para muita s
do célebr e reform ador da Trapa . Sabe-
Os psicól_ogos qua~e sempr e deixam degraves distin guir entre êstes dois repeti r de memó ria uma lição equiva le a seguir a image m
equívocos. Em vir- crianç as,
aspect os da 1magi naçao , o que condu z a fielme nte regist rada do texto impre sso.
s~a objeti vamen te ser o própri o objeto , supõe m que
t1;1de de o fanta de que a repre- image ns,
São, porta nto, os sentid os que nos provê em de o que é
~u-eta mente image ns, esque cendo -se
so con!1,ecemo~ ament e enqua nto espécie ou
~entaç ao, s_ubJ~t1vam ente, isto é, precis fonte de imag em além da sensa ção. É
cemos , senão aquilo que ou por que co- e não há outra
image m, nao e. o que conhe de um senti-
nhece mos o obJeto . demo nstrad o pelo fato de os indiv íduos priva dos ns corre s-
do desde o nasci mento nunca poder em form ar image
os, assim possu i repre senta ção
2. Problemas relativos à imaginação. Podem se com' ponde ntes a êle: o cego de nasce nça não
nenhu ma re-
emas que .a imag inaçã o .susci ta. Trata 1 algum a das côres ; os surdo s de nasce i1ça não têm
ver os probl
e suas reÍações
efeito, de det:r mina r a _natureza das imag ens prese ntaçã o sonor a.
ssos que condi-
c~m a sens~çao 2 a segm r, de estud ar os proce imag em se
c10~am a fix8:ç~o, conse rvaçã o e repro dução das imag ens; e, 2. Distinção das imagens. Não é possível
ica das isso há tanta s espéc ies de ima-
enfim , de defm1r o que poder íamos cham ar a dinâm não houve antes sensa çã8, e por perce pções.
elas podem assoc iar- espéc ies existe rn de sensa ções ou de
image ns, isto é, as leis segun do as quais gens quantas tànta· varie dade
si. O sentid o comum é pouco prope nso a admi tir
se entre de imag ens às vi-
de image ns, pois geral ment e só dá o nome
imag ens na e repre senta ti-
. 3. Impo rtâ?c ia da imaginação. O papel das funci onam ento suais , que são, com efeito, as mais nume rosas
vida menta l, assim como a ampli tude de seu exper iência , porém , como as pesqu isas de la-
que nossa vid~ vas de tôdas . A
nã<;> nece~sitapi de demo nstraç ão. É fato evide nte ira absol utame nte certa que as
enfor mada por image ns, quer borat ório, estab elece m de mane imag ens au- •
psicológica e .const antem ente image ns visua is estão longe de ser as única s. Há
a dos objet os
recor ~emo s ahvam ent~ ante a consciência a forma atenç ão do ditiva s (as melod ias que canta m na mem ória) , imag ens táteis
anter iorme nte perce bidos , quer, ao retira r..fl~ preci sas as
entar -se espon- ( o empr ego do métod o Brail le most ra quant o são
~und o da p~rcepçã?!. as_imag ens pareç am apres seu deter mi- ),ª imag ens olfati vas e
às leis de image ns táteis e musc ulare s dos cegos , 1896,
~nea ment e consc1encia e só obedecer m a apoia r gusta tivas ( cf.. RmoT , Phych ologi e de1J sentim ents, Paris
nismo própr io, quer, até na vida intele ctual, venha nossa págs. 144 e segs. ), imag ens quine stésic as, repre senta ndo atitu-
às quais se aplica eu corpó reo,
e com~ que forra r as noções abstr atas des e movim entos , imag ens autos cópic as, ou do
reflex ao. ativid ade moto ra.
que estão na base de tôda a nossa
ART. I. NAT URE ZA DAS IMAG ENS Deu-s e o nome de esquema corpo ral ou esque ma postu ral a esta
do eu corpo ral. Parec e dever ela sua origem e estrut ura aos
image m dispos itivos graça s aos
múltip los dados senso riais recolh idos pelos
§ 1. ESPÉC IES DE IMAGENS o desloc ament o parcia l ou total
quais apreci amos nossa s atitud es,
como a tensão muscu lar. A image m de nosso corpo
A. Font.es das imag ens do corpo, assim

Todos os aveugl es, Paris, 1914, pág. 172. L. AR-


171 . 1. Os, se!1tidos como provedores de imagens. os, podem ser
3 Cf. VILLE Y, Le mande de.ç
stra corno certos surdos -mudo s-
obJetos sensive1s, uma vez perce bidos pelos sentid NOUL D (Âmes en prison , Paris, 1910) demon
Heurti n e Helen Keller ) mane-
-cegos de nascen ça (partic ularme nte Marie
im:::gens que tinham a seu dispor,
4 javam com marav ilhosa precisã o as únicas
e expres sa), isto é uma isto é, imagen s táteis, olfativ as e gustati vas.
11:sse fantas~ ia é uma species expres sa (espéci
2
na ausênc ia do objeto se~s!ve L
·
semelh ança do ObJeto emana da da imagin ação

···-..~..; .. . .. · ..... __,_,. . . . .... __


A. IMA GINA ÇÃO 191
PSIC OLOG IA
190
ente exis -
Ao que pa- em ato de tend er para u~ obje to sens ível (não pres
está cons tante men te presente no fundo da consciência.êste esqu ema ialm ente ).
tenc
gran de impo rtân cia a
rece há razões para atrib uir de aluc inaç ão au- ao objeto pode
expl
corporal e que é capaz de (proj icar os fenô men os
do próp rio corpo> o cará ter ambíguo da lisemelhança com relaçãoespa ciais, porque
eção aluc inató ria nd 'trat a de dete rmin ações
toscópic~ ou espetacular e corp s, Paris , 1939 ). ser bem notado _qua o se , disti ngue -se mui clara men te do
(cf. LHERMITTE, L'·image de notr a imagem,. sob_ este yon t -cle- vista
0
o são muito
10 ~aliz ações do obj eto imaginad
à perc epçã o : ima - objeto real. Dimen~oes e Obje to da percepção, de tipo todo especial.
Dev emo s, enfi m, num eros as imagJ:Jns e de ritm o, de po- vaga s e, com relaç ao ao s sem
Quando eu imagino ª casa8 (ie dime
de dura ção po onde pass o minh as féria
gens de mov imen to, de exte nsão , c1m1
mas esta dimé nsão
obje tos, isto é, de siste mas dúvida a imagem tem ª 'U.aão, relat nsão norm al
siçã o e de dist ânci a; imag ens de ~orno na _p~r cepç iva aos objetos ambientes ou à
os. não é mal~ , intrínseca
com plex os, orga niza dos e unif icad minh9: propria posiçao . ~º:ti .verteu-se num a propriedadeobje to ima-
:- •.. obse rvaç ao vale para a local izaçã o do
cida de ima gina tiva va- do obJeto. Esta itativo, inde ter-
3. Tipos de imag inaç ão. A capa ginado, que se oper ~·tnf:rn espa ço pura men te qual
não sóm ente no sent ido de espécie de propriedade abso luta do
ria mui to de um suje ito a outr o, minado, e que cons , u ':ltna
1
o outr o, senã o tam bém no sent ido de SART_ RE, L lmag i'lla. i re , págs . 164- 167) . O mesmo há que
que um ima gina mai s do que objeto (cf. mos, da representação imag inári a da
to dife rent es. Uns são vi- dizer,_como mais adia nte \>ere
que os tipo s de imag inaç ão são mui dígi os, pint ores colo ris- duraçao, que se torn a uma qual idad e absó luta do objeto.
ulad ores -pro
suai s, poet as (HU GO) , calc O que prec ede dem ons-
orm e o caso, espe cialm ente b) A i1!1-<1;_Ue1!1- com o fant asm a.
tas ou dese nhis tas, sens íveis , conf o· sem elha nça (pha n-
os são audi tivo -mu sica is (MOZART a qu~ a ima gem com
às côre s ou às linh as; outr tra até a evid enci
0 algu m o\'le há de ente nder aqui no sent ido
de
s sôbr e um tem a dado , que
repe te exat ame nte dive rsas vari açõe TI); nou tros pred omi nam tasm a) de m?d
0 1 es ta eXP:t-essão não faz senã o assi nala r a
pro-
" d "
acab a de ouv ir exec utar por .CLE MÉN q~a ro , P _ s ula de ARISTÓTELES e dos
as ima gens táte is e mot oras , etc. pr1ed~de_ da ima gem segl lndo a fórm
uma cons ciên cia torn ada inte ncio nalm en-
Escol.ástic~s, dE: ser . Obj etiv ame nte fala n-
ente men te que se . te o P:Ó pno obJet~o qu~ Se vai conh
ecer
171- 4. Im3:gem e objeto. Diz-se corr ata de expr essa r- ima do símb olo que do retr ato ou
man eira inex do, a ima gem eS a mai s próx
bis «vêem:. as imag ens. É uma
o, ao assi m fala r, ora nos do quad ro.
se, emb ora com pree nsív el. Com efeit obje to repr esen tado ou • .
rio
refe rimo s imp licit ame nte ao próp No mesmo sentido cull'l.,.. en~ nder a asserçao de que a imagem
riam ente o que se vê ( em é a «revivescência de uma ... re
sign ifica do pela imag em, e que é prop significa propriamente o sensacogn çao>_ (170 ). Como o t~rm encia»ação o. sens
uma cons ciên cia dire ta do (130 ), a_ «revives~ de
ima gem ), ora invo cam os não mais a refle xiva men te sôbr e que se trata é muito exati _iente aitivo
lto
esen taça: o do obJe to. •
cia que volt re-pr
obje to, senã o uma cons ciên A ilusão definida pel;n de que se ~re
a ima gem conc ebid a como um quad
ro que repr esen ta um obje to. em-q uadr o
observá-la reflexivamente, cimag se observa_ o obJeto. da pi:rcepçao,
prov ~m
s até que pont o pode 0 que daria uma
«revivescê º1!1º pa~sa
Pod emo s, entr etan to, perg unta r-no o um quad ro ou um de uma ilusão, porque as .brncii: » da sensaçao. Mas isto naod1sti
o~ ~-
ser cons ider ada com ades e det~ lhes que ~rem
a imag em, como tal, guir na imagem, como os C\eo pne~ estao
e ao que nos ensi na o es- ?nmo s no obJe to perce bido, _ nao
retra to. Isto pare ce pouc o conf orm nela realmente, nem seqll.esco r i_mpllcitamente. Somos nos que os
lógi ca da ima gem ( ou da cons ciên cia acrescentamos sucessivarne te
tudo da real idad e onto imag em pelo ~imp les o
fat_ de pen-
de ima gem ). sá-la s (como formando Patnte dea noss o saber acerca do obJeto). ou,
mais exat ame nte cada e_ f!sta
efeit o, ao cont rário sucessão de im.a ~ns (ouVez cons produ~im?s um~ nova ~magem,
a) A ima gem como inten ção. Com itati vam ente defi - que a do esqu e!a ou da <te cienc 1as) n~o possui o~tr a _um_dade
l-
do obje to da perc epçã o, que é espa cial e qual
mente, da intenção orientatonna em que se mscrevem, isto e, fm~
aliza do med iant e a obse r- ,a o em ~eral. Esta intençao
nido , e pode ser clar ame nte indi vidu as uma vaga indi vidu a- é ao mesm o temp o virtu al da para ?bje~
. por s,1 mesma, a imagem,
vaçã o, o obje to imag inad o poss ui apen pobre, imprecisa, exan gue lne~te ;111uitipla. •
de man eira imp reci sa tra- , (d epois, nao e senao o que e.
lidad e, que sint etiz a e esqu ema tiza te atpe ctos que a p€r-
SAN'IQ T OMAS
ou
d
,e . ARIT ÓTEL Es)_ ~erv e-se ge_ralmente do
ços part icul aroo , que une con. fus-a men têrmo pictura (quadro copia ) para defm 1r tanto a imag em-f an-
às vêze s até subs titui indi s- tasm a quanto a imag em. não obstante,
cepç ão nun ca apre sent a junt os, e man ifes tam cert as se- assin alar a diferença que -le?? bran ça. É de
e
mist
outr
er,
a. Por um lado,
rent es mas que exist e entre uma
tinta men te obje tos dife " e "ret rato " não con- com efeito a imao-em-le nça ~cf. oria et Rem inisc entia ,
adro Mem
lec. 3.", n ..; 335, ed. Pirotrb.ra«pass10 quaedam praesens ut pictura»)
melh ança s. Por isso, os têrm os "qu
De
Esta é um sina l, enqu anto se de:i- só subsiste na consciênc~· em
vêm à defi niçã o da imag em. forma potencial: ela é apenas, se-
idad e é feita dest a re- gundo a repetida express·ao de SANT de hábi -
real
tina. esse ncia lmen te ad aliq uid: sua é a próp ria cons ciên cia O TOMÁ S, uma espécie
ncio nali dade .; ela
laçã o ou dest a inte
1!)2 PSICOLOGIA A IMAGINAÇÃO 193

.' . to (cf. lbid, n. 0 328: «Memoria dicimus esse quemdam quasi habitum»;
n .0 329 : «Quasi habitualiter tenemus .. . »; n. 0 349: «Memoria est afetivo presente. Sentir de nôvo uma emoção passada é coisa
muito diferente de ter uma imagem emotiva. Trata-se de nova
habitus ... »), fundado por sua vez numa modificação fisiológica per-
manente do cérebro (cf. De Potentiis animae, ed. Mandonnet, t. V, emoção antes de que imagem. Na medida em que não há emo-
pág. 335: «Vis memorialis est quae est ordinata in posteriori conca- ção nova, a imagem parece reduzir-se a simples lembrança in-
vitate cerebri. .. »). O têrmo pictura não tem, pois, evidentement e, telectual de haver tido uma emoção, o que, a rigor, não é uma
neste caso, mais que um alcance metaYirico; significa, antes de tudo,
a realidade de um poder de formar de nôvo um fantasma à seme- imagem áfetiva. Aliás, é fato que não somos capazes de fa-
lhança do objeto. Por outro lado, esta imagem atuada é, sem dú- zer reviver à vontade (salvo em certos casos anormais no gê-
vida, uma pintura ou uma cópia. Mas, também aqui, estas expres- nero dos que cita HARTENBERG) nossas emoções passadas; em
sões não devem ser tomadas ao pé da letra. SANTO TOMÁS tem mes- compensação, se formássemo s e conservásse mos imagens afe-
mo o cuidado de lhes atenuar o alcance (cf. De Memoria et Remi- tivas autênticas, deveríamos poder evocá-las com a mesma fa-
nisc'.'ntia, n. 0 328: «Figuram quamda.m:1o; «quaedam figura»), e so-
bretudo sua teoria da espécie intelectual convida claramente a re- cilidade com que evocamos as imagens visuais ou auditivas.
duzir o sentido da pictura ao de substituto mental (ou sinal formal,
do objeto sensível, procurando, com a analogia da cópia ou do qua- 179 b) Todo estado afetivo é atual. É esta uma dificuldade
dro, sublinhar a identidade intencional da imagem e do próprio muito séria para a tese afirmativa. Com efeito, se podemos
objeto.
distinguir a sentatio e.o sensatum, o objeto e a imagem do ob-
jeto, é impossível distinguir e separar o estado afetivo do
B. Problema das imagens afetivas conheciment o dêste estado.
''1.72 Trata-se de saber se possuímos também imagens afetivas, O próprio RIBOT admite que, na consciência afetiva, o su-
isto é, se os estados afetivos (agradáveis· ou desagradáve is) jeito e o objeto não são dados à parte. Daí se segue que a ima-
são suscetíveis de ser representado s por imagens, da mesma gem afetiva, que por definição (enquanto imagem) deve ser
maneira que as sensações representati vas. conheciment o de um estado afetivo, deveria, pelo mesmo fato,
ser um estado afetivo atual, e não poderia ser a simples repre-
1. Tese a.firma.tiva. A existência de imagens afetivas foi sentação de um estado afetivo anterior, o que equivale a dizer
sustentada por muitos psicólogos modernos, entre outros por que não há imagem afetiva prôpriamen te dita.
RIBOT e PAULHAN. Afirmam êles de início que, como todo es- e) Discussão de dois argumentos. A tese de RIBOT apóia-
.. tudo de consciência é suscetível de revivescência, não se vê por se, aliás subsidiàriam ente, sôbre dois argumentos contestáveis.
que os estados afetivos careceriam desta propriedade . Citam, Em primeiro lugar, RIB0T define a consciência afetiva pelo
em seguida, fatos que parecem implicar a existência de ima- conheciment o das impressões cenestésicas . 5 Mas isto não pode
gens afetivas. Sabe-se como a simples lembrança de uma vio- ser admitido, pois o estado cenestésico pode muito bem ser
lenta emoção passada provoca às vêzes todos os efeitos somá- acompanhad o de um estado afetivo, mas não é, êle próprio, um
ticos da emoção : arrepios, palidez do rosto, lágrimas, etc. ( cf. estado afetivo. É uma sensação geral, isto é, um conhecimento
Rrnor, La Psychologie des sentiments, Paris, 1889, c. XI). por meio do qual apreendemo s confusamen te o conjunto de
nossa vida orgânica (119).
2. Tese negativa. Esta tese foi defendida por W. JAMES, Em segundo lugar, RIBOT considera o reconhecime nto como
KüLPE, etc., e hoje é a mais correntemen te admitida. Os ar- critério da imagem. 6 Ora, como bem o demonstrou CLAPARED'E,
gumentos que apresenta são os seguintes: o reconhecime nto e a localização no passado são atos intelectuais
independent es, por si mesmos, de tôda imagem afetiva.
7
a) Imagem afetiva ou estado afetivo atual. É claro que
não há por que duvidar de que a lembrança de uma emoção
pode fazer que esta reviva. 4 Mas a questão está em saber se 6 Cf. Problemes de psvchologie affective, Paris, 1910, pág. 7: Esta
consciência "expríme por um lado o estado dos tecidos e do trabalho orgâ-
neste caso se trata de uma imagem afetiva ou de um estado nico, as impressões saídas das víscera"; e, por outro lado, as ímpressões
que derivam das contrações musculares.
6 "0 único critério que permite afirmar legitímamente uma lembrança
4 HARTENBERG (Les timides et la timidité, Paris, 1901, pág. 35) cita a1etiva é que esta seja reconhecida, que traga a marca do já sentido"
o caso de certos sujeitos que fazem reviver à vontade suas emoções pas- (Problemes de psvchologie affective, pág. 41).
sadas. "Posso.", diz um, "reproduzir as angústias e palpitações passadas, só 7 Para tôda esta questão, ver PEILLAUBE, Les ima'ges, págs. 101-117,
1 '
1 com imaginá-las fortemente" . que defende a tese da realidade das imagens afetivas.

' - .J... . . :. --- ···-·


A IMAGINAÇÃO 195
194 PSICOLOGIA

Do contrário, não é senão um saber abstrato (a lembrança de ter sido


1.74 d) As experiências de Külpe. Por meio do método de ofendido por Pedro). Istô explica o fato corrente de pessoas que
interrogação, KÜLPE aplicou-se a resolver o problema das ima- falam calmamente, sem emoção real, das ofensas que receberam,
gens afetivas. O processo utilizado consistia em fazer o su- mas que, enquanto se põem a descrevê-las, manifestam estados afe-
jeito sentir sensação de caráter afetivo (por exemplo, um odor tivos mais ou menos violentos.
desagradável), e em lhe pedir, logo após, que reproduzisse a ., .,
imagem da impressão primitiva. Estas provas ( em número de § 2. NATUREZA PSIOOLÓGICA DA IMAGEM
240) permitiram demonstrar que os diferentes sujeitos ou não
tinham representações afetivas, ou não chegavam senão a re- 175 Com relação à sensação ou à percepção é que melhor se
presentar-se um estado de tensão, sem poderem precisar se se pode definir a natureza da imagem como realidade psicológica.
tratava de um estado muscular ou de um estado afetivo
(cf. KÜLPE, Travaux du Congres de Psychologie d'Heidelberg A. Semelhança entre sensações e imagens
(1909), págs. 183 e segs.). 1

Em virtude destas experiências, afirma KÜLPE ser impos- 1. Problema das qualidades da imagem.
sível admitir a existência de imagens afetivas propriamente a) Teoria associacionista. A imagem parece-se natu-
ditas. Os fatos contra ü1to invocados .reduzem-se simplesmen- ralmente com a sensação de que provém. Dêste fato se parte
te à memória intelectual da emoção passada e à revivescência comumente para demonstrar que a imagem conserva as quali-
de impressões afetivas provocadas pela lembrança. A isto pa- dades sensíves, visuais, auditivas, olfativas, etc., dos objetos,
rece restringir-se a "memória afetiva", que é propriamente a isto é, que se apresenta como dotada ela própria de forma, <1e
lembrança de emoções passadas, às vêzes acompanhada de rea- côr, de odor, de sabor, etc. Demonstra-se, por outro lado,
ções afetivas atuais. que as imagens têm uma espécie de extensão, visto serem re-
• J.-P. SARTRE <i;,'Imagi™!ire, pág. 182) defende, sem embargo, a presentações de objetos extensos: a imagem de um quadro
realidade de uma 1maginaçao (e de uma memória) afetiva. A lem- tem dimensões definidas, determinações de posições relativas
brança ou memória abstrata da emoção passada, mesmo o senti- dos objetos inscritos no quadro, côres ostentadas, etc.
mento real atual (reações afetivas presentes, resultantes da lem-
brança abstrata), não seriam mais do que matéria «para uma in- b) Discussão. Nesta maneira de apresentar a imagem
tencionalidade especial que visa através [do sentimento atual] o há um equívoco, que consiste em passar sub-repticiamente da
sentimento «que eu experimentei anteriormente, como a. imagem idéia de semelhança à idéia de identidade, e, por isto niesmo,
presente de Pedro que ri serve de matéria a uma intencionalidade
que visa a Pedro tal como eu o vi rir ontem. Mas a paridade é em considerar como ontologicamente idênticas (reduzindo o
apenas verbal, pois não há comparação possível entre a ordem afe- objeto à imagem ou a imagem ao objeto) realidades que, em-
tiva e a ordem das fonnas visuais. J!l certo que minha emoção pre- bora parecidas, diferem essencialmente. Com efeito, a imagem,
sente (abstrata ou efetiva) pode ser correlativa de uma emoção tida
ontem. Mas o que eu imagino, falando com propriedade, é o fato como tal, enquanto realidade psíquica, não possui evidente-
ou a cena que foi causa ou ocasião da emoção, e não a própria emo- mente as qualidades sensíveis dos objetos: a imagem da rosa
ção. Esta não se imagina: tem-se ou não se tem. Um ser podie não exala perfume nem tem côr; a imagem do céu não é azul,
estar «irrealmente Presente>, isto é, apresentar-se em imagem e, nem a imagem do quadro tem extensão, do contrário como
portanto, como ausente. Mas não pode hatter sentimento irreal-
mente presente, porque um sentimento só está presente sob a con- poderia eu tê-la em mim? 8
dição de ser real, e só é irreal quando :não é atual. Entretanto, é um fato que as imagens parecem afetadas
A ilusão provém aqui, ao que se nos afigura, de que o estado
afetivo parece às vêzes ser a fonte da constituição do objeto ima- de qualidades e de extensão. Mas estas qualidades e esta exten-
ginário. «Se Pedro-fê:a ontem um gesto ofensivo que me deixou des- são são apenas imaginadas : se realmente elas nos parecem
coroçoado, o que isto provoca e~ mim é-a indignação ou a vergonha. dados externos, é porque o conhecimento tende, através da
:S:stes sentimentos andam às tontas para compreender-se a si mes- imagem, para o objeto. Sabemos, por uma intuição imediata
mos; e, de pronto, iluminados por seu encontro com um saber, fazem
brotar de si mesmos o gesto ofensivo» (SARTRE, loc. cit., pág. 182).
Mas, neste caso, o sentimento pode buscar, de certo modo, seu exato 8 Alega-se às vêzes, por exemplo, a imagem retiniana para provar que
ponto de aplicação; não há dúvida, porém, de que êle só reviveu a U?agem _é extensa. Mas a imagem retiniana não é uma realidade ps!quica,
condicionado pela imagem de «Pedro-que-fêz-um-ge sto-ofensivo», e srm física. A imagem como fato psíquico (fato de conhecimento) é
que se trata só de precisar recorrendo ao saber abstrato. o «irreal- imaterial e inextensa. Tôda a extensão que ela retém é imaginãria.
mente preseute» é Pedro-ofendencl.o; o sentimento é real e atual.
196 PSICOLOGIA
A IMAGINAÇÃO 197

da consciência sensível, se o objeto está existencialmente pre- gem e percepção. 10 :t:Jste problema é de fato um pseudopro-
sente ou não, se sua percepção é real ou imaginária: mas, num blema. Mas, ao fazer da imagem uma coisa, objeto direto e
caso como noutro, o que percebemos direta e primàriamente é imediato do conhecimento, os associacicmistas vêem-se obri-
o objeto, e não a imagem.
gados a perguntar-se como, nestas condições, somos levados a
distinguir entre objeto;:, reais e objetos imaginários. Visto
Por haver ignorado esta natureza da imagem e dela ter que a imagem é uma. coisa-objeto, como há ima;gens que só
feito uma coisa, o associacionismo veio a confundir a imagem I
são imagens? Sem dúvida que o fato desta distinção é psico-
com o objeto, e a atribuir à imagem as qualidades dos objetos, logicamente claro; normalmente, nunca tomamos imagens por
ou então a reduzir os objetos a puras imagens, o que é igual-
percepções. Mas como explicar o motivo dêste fato, que, do
mente absurdo. Ao contrário, dizemos que, se a imagem se
parece com a coisa, é porque a imagem não é mais que um ponto-de-vista atomístico, assume as proporções de um inve-
rossímil paradoxo? Vamos ver, estudando os critérios asso-
sinal formal. Perceber sob a forma de imagem não é, por- ciacionistas de distinção, que tôda discriminação se torna
tanto, contemplar uma imagem, senão ver o próprio objeto realmente impossível.
através das imagens que formamos dêles e de suas qualidades. 0
Isto é também o que explica que nas imagens não haja coisa
nenhuma mais do que nas_ sensações e percepções. O sinal 178 1. Crit.ério da. intensidade. A diferença de intensidade .
formal, por definição (I, 44), não tem conteúdo próprio. Em entre a sensação e a imagem pareceu constituir um bom cri-
conseqüência, tudo o que se dá aos sentidos pode encontrar-se tério de distinção. Todos os psicólogos sublinharam-no depois
reproduzido na imaginação, e tudo o que estiver incorporado à de HUME, e SPENCER resumiu-o bem dêste modo: a sensação
imagem tem sempre uma origem sensível. Se não há sensação, é o estado forte; a imagem, o estado fraco (Princípios de
não há imagem. Psicologia, § 96). Normalmente, esta diferença é, na verda-
de, uma das que nos fazem distinguir, imediata e espontâ-
neamente, nosso mundo imaginário do mundo da percepção:
176 2. Efeitos das imagens. As imagens são, pois, fatos as imagens, relativamente às percepções, têm uma realidade
cognitivos, como as sensações de que procedem. Podem tam- empírica débil, instável e como descolorida.
bém, como as sensações, ir acompanhadas de diversos estados Todavia, êste critério, por si só, seria insuficiente em mui-
afetivos, enquanto despertam os sentimentos ou emoções pro- tos casos. Sabemo-lo por inúmeras experiências que vêm
vocados pelas sensações ou percepções originais. Enfim, elas corroborar as observações correntes. Por exemplo, quando
produzem igualmente efeitos motores: as imagens determinam, um som diminui progressivamente de intensidade, chega um
de maneira mais ou menos automática, reações, já fisiológicas
momento em que não se sabe mais se se trata de um som ou
(por exemplo, a imagem de um prato saboroso faz-nos vir de uma simples imagem auditiva. Há semelhantemente casos
"água à bôca"), já psicológicas (inclinações, desejo, etc.), cujo em que, do ponto-de-vista da intensidade, as imagens se ele-
funcionamento é capital na vida psíquica como na vida moral. vam até ao nível das sensações, e, inversamente, em que as
Freqüentemente, o segrêdo de uma boa higiene mental e moral sensações descem ao nível das imagens. 11 É por isso .que pa-
consiste, antes de tudo, em saber dominar, por esforços de ini- rece impossível atribuir a êste critério o sentimento tão vivo
bição voluntária, pela distração metódica ou pelo trabalho, o e seguro de realidade ou de irrealidade que acompanha e dis-
determinismo natural das imagens. tingue a percepção e a imagem.
B. Distinção entre imagens e percepções
10 :tste problema é, ao menos em sua origem, mais filosófico que psico-
lógico. Foi, com efeito, proposto pelo empirismo-idealismo, que reduz o
177 O ponto-de-vista que acabamos de expor vai permitir-nos universo a um sistema de imagens. Para filósofos como HUME , TAINE,
esclarecer um problema que, para o associacionismo, é real- BERGSON, trata-se, pois, de saber como, entre as imagens que constituem
mente insolúvel, a saber: o problema da distinção entre ima- o universo, umas continuam sendo imagens e outras se tornam percepções.
11 Cf. SPAIER, La pensée concrete, Paris, 1927, pág. 121: "Constante-
mente nossos olhos, nossos ouvidos, nossa bôca experimentam impressões
9 Pode-se, ademais, observar que, se a imagem tôsse uma coisa ou uma muito contusas e indistintas a que apenas prestamos atenção, já por serem
fotografia, nunca nos permitiria conhecer o objeto do qual se supunha ser de origem demasiado remota, já. porque, mesmo de fonte próxima, não
ela a imagem, já que esta só poderia ser apreendida numa outra imagem, guardam relação direta com nossa conduta.
e assim por diante, até ao infinito.
198 PSICOLO GIA A IMAGINA ÇÃO 199

Conviria notar também que esta discussão a respeito do critério


de intensida de é puramen te ad hominem , porque não é realmen res Sad os pela imagem, quer median
. te o testemu nho alheio,
.
possível estabelec er sob êste ponto-de -vista uma compara ção entre te quer pelo raciocín io) em tentar mcorpo rar a 1m3:gem ao con-
imagem e percepção. Qualque r que seja a mte.nsidade ® imagem, ·unto da realidad e presente . 12 O resultad o negativo traz nor.
esta se apresent a como imagem, e, qualquer que seja a debilidad J almen1te a redução da imagem . Se no sonho as imagens se
e
intensiva da percepção, esta não deixq: d.e apresent ar-se como
uma ~ham objetiva das, a principa l causa disto está na ausênci a
percepçã o: os casos em que alguém poderia hesitar são sempre , de meios de redução (164).
de transição ou casos-lim ites, que não encerram um31 verdadei1.1a casos
con-
,
fu.são, exigindo sómente um esfôrço mais ou menos laborioso para b) Discussão. O critério da verifica ção, não obstante ,
decidir se a percepção, cada vez mais evanesce nte e imprecis a, é está longe de ter o alcance que se lhe emprest a. Por uma
ainda real, ou se porventu ra não se trata senão de uma persistên cia
das impressõ es auditivas . Seja lá como fôr, a imagem não parte, com efeito, afora o s_ono exJstem ~asos em que a redu-
a percepção, senão que a supl<1,.nta no seio da consciência.prólonga ção das imagen s se torna impossi vel; 1Sto sucede cada vez
que a verifica ção ou o co~trôle não pod~~ efetuar- se. ~ste
179 2. Crit,ério da pobreza. int.ema das imagens. A imagem caso é freqüen te para as imagens cenestes1c3:s j doenç_as ima-
é pobre de detalhes. Tende ora para uma forma. esquemá tica, ginárias , por exemplo) . Por outro lado, ~bJeçao n:_m~ grave,
quase abstrata , ora para uma forma vaga e impreci sa, em que 0 critério evidente mente só pode ser aqui (por hipotese ) o
seu conteúdo flutua numa espécie de indistin ção qualitat iva e acórdo das representações entre si, e não o acôrdo com o mun-
incoorde nação dos element os constitu tivos. ~ste critério é, do real, pois é precisam ente o real que está em ques~ão. , Por
certame nte, muito empreg ado em numero sos casos. Mas, em outros têrmos, a noção de objeto real acha-se re_duz1da a de
muitos outros, não pode servir, a saber: quando o objeto síntese coerente de imagens , o que não nos faz sair do mundo
imagina do é, êle próprio, relativa mente simples (por exemplo, da represen tação ou da subjetiv idade.
um matiz de côr, uma forma geométr ica element ar, um timbre
de voz, etc.). 180 4. Distinção imediata da imagem e do objet.o.
A razão essencial desta pobreza interna da imagem em relação
à percepçã o é que a imagem só comport a determin ações em número a) Fracasso de todos às critéri~s. Finalme ~te, todo~ os
limitado, enquanto que ia: percepçã o encerra um número ilimitado critério s de distinçã o falham, e dev~r1amos conclu~r. que ps1~0-
d.e determin ações: um objeto singular é inesgotáv el e se acha prêso lõgicam ente não existe nenhum meio certo e dec1s1vo de dis-
numa teia de relações múltipla s. Por outro lado, contrària mente ao tinguir a imagem da percepção. Não só não é possível qu~l-
que sucede na percepção, os elemento s da imagem pat!Jem permane quer distinçã o entre uma imagem isolada e um~ . percepç a?
cer incoorde nados entre si; a sintese dêstes elemento s é sempre-
fraca e instâvel. isolada, senão que jamais poderemos, com o auxil~o do~ ?'r!--
térios precedentes, saber se se trata de um mundo imagina rw
3. Critério do desacôrdo da imagem com a realidade. ou de um universo real.
a) Teoria da redução por verificação. Temos aqui, diz- b) Instalação no sonho. Além disso, o emprêg o dos
se, um critério que parece ser o mais decisivo. A maior parte critério s citados levar-no s-ia a confund ir constan temente
das vêzes, a imagem não pode ser incorporada ao conjunt o ·percepç ões verdade iras com imagens . E instalar -nos-ia no
da realidade presente : se, estando sozinho no meu quarto, sonho. Com efeito, numero sas percepç ões interfer em conti-
ouço uma voz, a imagem auditiva será fàcilme nte desmasc a- /.
nuamen te, de maneira mais ou menos incoeren te e bizarra,
rada como não objetiva ; a obsiden te imagem olfativa de quem com as percepç ões que retêm nossa atenção . Tudo o que nos
percebe um cheiro de gás será normalm ente elimina da ante surpree nde, nos admira e necessit a de explicaç~o iJ?edi~t~
a prova de que não há escapam ento nenhum de gás. É êste deveria, por isso mesmo, ser relegado ao mundo da 1magmaça? .
critério de verifica ção que espont.âneamente utilizam os cada Ora, o fato é que nós não o fazemos. Estala o assoalho ; nao
vez que nos assalta uma dúvida qualque r sôbre a realidad e
de nossas percepções, e pergunt amo-no s: "Será que estou 12 Cf. SPAJER, Lct pensée conc-rete, pág. 120: "Julgando
do acôrdo ou
sonhand o?" Nestes diversos casos, os critérios da diferenç a desacôrdo de um dado sensivel quer com o sistema de meu universo
exterior
atual, quer com o de minha imaginaçã o (que largas e repetidas
de intensid ade e da pobreza interna da imagem são evidente - provas me
ensinaram a distinguir do primeiro) , e fazendo juizos de comparaç
mente inaplicáveis. Só vale o critério de veri_ficação, que con- ão, de
adequação , de inadequaç ão, de dependên cia, etc., é que eu classifico
siste antes de tudo ( quer com a ajuda dos sentidos não inte- uma
impressão entre as percepçõe s reais ou entre as imagens" .
,.J'.-
j:
PSICOLOGIA A IMAGINAÇÃO 201

duvido da minha percepção. Encontro uma pessoa que eu jul- qu1,1 os elementos se impl1cam uns aos ou_tro_:l e se associam como
gava morta; logo penso, não numa imagem, mas sim num na percepção. Por outro lado, a imagem-f1cçao (p. exemplo, o cen-
êrro de minha parte. Em geral, é serwpre a percepção que tauro busto de homem, corpo de cavalo) pode muito bem resultar
da c~mbinaçã.o de autênticas percepções. Como distinguir a ima-
"domina", e, mesmo que seja inverossímil, é mantida contra gem da percepção e a percepção da imagem? Na realidade, a obje-
ventos e tempestades, para com e contra todos. çã.o assim formulada só teria valo! se supuséssemos q_ue a ~ma1:;em
é O têrmo do conhecimento. Ela.,nao atinge a concepçao da imagem
Em to_dos os casos que contra Isso se invocam (casos de ;.erifi-
I
como sinal formal. Com efeito, na perce,,pção, a apresentação do
cação, exigida pela pergunta: «Será que estou sonhando?:!>) trata- objeto é existencial e dada no sentido (gênese passiva), enquanto
se de decidir, não entre uma imagem e uma percepção ~as sim que, na imaginação, a apresentação não se d!á no sentido, senão que
entre uma percepção exata e adequada ou uma percepção' inexata e ,. é gerada no interior (gênese ativa). A distinção das ~uas formas
inadequada (cf., sôbre êste ponto, as justas observações de SARTRE da apresentação é imediata, e a imagem-lembran ça nao pode ser
L'lmagiootion, Paris, 1936, págs. 106-109). ' confundida com a percepção. O mesmo não sucederia se, sendo a
, ..' imagem o têrmo do conhecimento, houvesse que bu~car n0: própria
181 e) Discerrvimento imediato. O que acabamos de dizer imagem o meio de distinguir a imagem-represe ntaçao da 1magem-
mostra tudo o que há de inadmissível na teoria dos critérios. percepção.
De fato, como já vimos (171), a realidade ontológica da imagem
O êrro desta teoria é menos o de propor critérios insufi- é mui diferente da realidade da percepção. Mas esta diferença não
cientes 11ue o de propor critérios num domínio em que todo tem sentido nem valor se não parte da oposição da consciência de
critério é inútil. Não temos necessidade de nenhum sistemc~ imagem e da consciência de percepção. Desde que, ao contrário, se
de referência para distinguir a imagem da percepção. A afir- suponha que tôda consciência é consciência de imagem, é evidente
mação do real não é o resultado de um juízo, como supõem que nunca será passive! passar vàlidamente, sem círculo vicioso, da
imagem à percepção.
DESCARTES e os idealistas, mas sim o resultado de uma in-
tuição imediata, que é a de uma "gênese passiva" (como se
exprime HussERL), isto é, de uma apresentação ou de uma C. Pode haver confusão entre imagem e percepção?
sucessão absolutamente independente da consciência. 18 Do 182 As observações que precedem levam-nos a perguntar-nos
mesmo modo, nenhuma dúvida é possível quanto à natureza como são possíveis (supondo que sejam reais) os casos de con-
subjetiva da imagem: trata-se de um dado primário, imedia- fusão da imagem com a percepção ou da percepção com a
to e irredutível, que é a intuição de uma "gênese ativa", isto imagem, que ordinàriamente mencionam os psicólogos.
é, a "de um eu que gera, cria e constitui mediante atos espe-
cíficos do eu" (HUSSERL, loc. cit.). 14 Se faltasse êste dado, 1. Confusão da imagem com a percepção. Dá-se esta
nenhum raciocínio nem inferência alguma permitir-nos-ia m confusão em certos casos mórbidos (JANET, Obsessions et
jamais passar vàlidamente do subjetivo ao objetivo e ao real. psychasthénies, t. I, pág. 432) que entram na categoria dos
fatos de alucinação. Pode, porém, a confusão existir também
Hã que notar aqui uma dificuldade. Por um lado, a imagem- no estado normal? Cita-se aqui a maior parte dos casos de
lembrança parece conter os característicos da gênese passiva, já "ilusões" que já estudamos, o que tenderia a fazer da con-
fusão entre a sensação e a imagem uma espécie de estado
18 HUSSERL, Méditations cartesiennes, Paris, 1931, pág. 66. KANT psíquico habitual. GoLDSCHEIDER alega, neste sentido, que a
(Critica da razão pura, "Lógica transcendental", livro II, cap. II, "Refutação leitura consiste em adivinhar, isto é, em imaginar grande par-
?º idealismo") já observara, contra a posição idealista, que a distinção da
te das palavras que compõem o texto que se tem diante dos
unagem (fenômeno de espontaneidade ou de atividade criadora) e da
percepção (fenômeno de receptividade ou de passividade) era necessàriamen- olhos.
te imediata.
1
4 Do ponto-de-v.ista psicológico, RIBOT (Imagination créatrice, pági-
GoLDsCHEmER tentou calcular o número de letras imaginadas
na 92) tenta negar o alcance do sentimento de realidade, pretendendo que tudo por um leitor. Para tanto, estabeleceu experimentalme nte o número
o que se oferece ao conhecimento, quer se trate de percepção ou de imagem, máximo de zetras que podem ser lidas por alguém num tempo de-
apresenta-se como real, e que só num segundo momento é que a imagem terminado e em seguida o número máximo de letras contidas nas
se encontra despojada de sua objetividade original. (É exatamente a teoria palavras li~ durante o inesmo espaço de tempo. O último número
de _TAINE,_ L'Intelligence, t . I, pág. 99.) Isto, porém, são meras palavras, é muito superior ao primeiro.
POls haverl.B que explicar por que, nestas condições, a imagem. está des-
pojada de sua objetividade primeira e natural. A solução de RmOT, tal Podemos, entretanto, perguntar-nos se é justo falar aqui
como a de TAINE, é apenas verbal: o e~unciado do problema (que é um de coJ,J.fusão da imagem com a sensação. Como nos casos de
pseudoproblema) é apresentado como sua solução. "ilusões" normais, estamos diante de casos que se explicam pe-
202 PSICOLOGIA A IMAGINAÇÃO 203

las leis gerais da percepção. A leitura, como tôdas as outras fundo do passado, sem •que as "evoquemos" voluntàriamente,
percepções, é governada pelas leis da forma : os elementos (le- imagens que poderiam parecer definitivamente esquecidas. As
tras e palavras) estão subordinados ao todo (dado pelo senti- imagens estão, pois, fixadas e conservadas. Mas onde e como?
do geral). Para que houvesse verdadeira confusão da imagem Tal é o problema que agora temos de tratar.
com a sensação, seria preciso que houvesse sensações elemen-
, tares, e que se fôsse dos elementos ao todo, ifor composição ou f 1. FIXAÇÃO DAS IMAGENS
' síntese, isto é, seria necessário voltar à teoria do mosaico, que
é absurda. A. Dificuldades da questão
Os notáveis estudos electro-acústicos da linguagem, de A. GEMELLr Deve-se admitir que tôdas as sensações e percepções se
(Contributi del Laboratorio di Biologia e Psicologia dell'Università
del S. e., t. VII e X) conduzem às mesmas observações. Estas ex- fixam no organismo psicofisiológico sob a forma de imagens,
periências demonstram que a linguagem obedece a uma lei de es- sendo, assim, suscetíveis de ser representadas? Não parece que
...-·-~
trutura unitária, e que a expressão vocal, de parte de quem a es- se possa dar sôbre êste ponto resposta certa, no estado atual
cuta, não é simples composição de fonemas elementares, mas per- das pesquisas experimentais. Esta incerteza parece mesmo
cepção de organização unitária, dentro da qual os elementos estão
constantemente subordinados ao todo dado pela significação. . Sob fundar-se, mais do que na insuficiência de dados positivos, na
êste ponto-de-vista, não há por que falar de «confusão» entre ima- própria natureza da imagem e da imaginação.
gens auditivas e sensações auditivas: como, tampouco, na leitura,
não existem aqui sensações ou imagens elementares, que dessem 1. Natureza da imagem. Quando se fala de imagem,
motivo a confusão mútua.
existe uma grande tendência, ligada aos hábitos do senso co-
188 2. Confusão da sensação com a imagem. Cita-se aqui o mum e à influência das teorias associacionistas, para pensar
caso dos psicastênicos, em conseqüência de um enfraquecimen- numa "coisa" que susistiria acabada, invariável e fixa no or-
to mórbido do sentido do real, acreditam perceber tudo numa ganismo cerebral. Ora, nada menos exato, como mais adiante
espécie de sonho (JANET, Obsessions et psychasthénies, t. I, se verá. A imagem não é uma coisa, e a fixação e conserva-
pág. 432), Por outro lado (1.69), vimos que BERGSON explica ção das imagens não definem mais que um poder de atuação
a ilusão do falso recolhimento por uma confusão da percepção ou uma virtualidade, realidades ambas que de maneira algu--
com a imagem, confusão esta que, por sua vez, resulta da de- ma podem, por sua própria definição, ser alcanç~das pela
satenção à vida. experiência, que só atinge os atos, os fatos ou as c01sas. Sa-
bemos, assim, que uma imagem foi fixada e conser--:.ada qua~-
3. Conclusão. Em resumo, todos os casos em que se pode do somos capazes de atuá-la novamente. Mas a nao atuaçao
falar de confusão, no sentido próprio da palavra, são casos nunca é prova de não conservação ou de não fixação.
patológicos, e são-no precisamente enquanto implicam a con-
fusão de que estamos falando, 15 o que equivale a dizer, como 2. Natureza da imagi~o. Para que um sujeito possa
por efeito de uma espécie de contraprova, que a distinção atestar que revive, sob forma de imagem, tal sensação ou per-
entre a imagem e a percepção é espontânea e imediata, sem cepção passada, é preciso não somente que a imagem tenha sido
jamais admitir intervenção alguma de juízo ou de inferência fixada e conservada, mas, ainda, que ela seja relacionada pelo
qualquer. Isto é de uma evidência que se impõe absolutamen- sujeito com um momento de sua experiência anterior. Do con-
te, e que tem grande alcance do ponto-de-vista filosófico. trário, inú.til será que a imagem tenha sido fixada : o fato da
conservação escaparia completamente ao sujeito. Enfim,
ART. II. FIXAÇÃO E CONSERVAÇÃO DAS IMAGENS pode acontecer que só sejam reproduzidos os elementos
dissociados da imagem de um objeto complexo. Neste caso,
184 Temos à nossa disposição um número incalculável de ima- parecerá que o objeto nunca foi percebido pelo sujeito como um
gens. Podemos "evocá-las" com maior facilidade, segundo as todo. Não há, pois, solução experimental completa do pro-
necessidades do momento. A miúdo também nos voltam do blema da amplitude da fixação e da conservação das imagens.
Só os fatos de hiperamnésia inclinariam a admitir, ao menos,
1 5 Temos também que notar que a maior parte dos psiquiatras duvidam
que a fixação e a conservação das imagens são muito mais am-
de que a confusão seja verdadeiramente total plas do que à primeira vista parece.
204 PSICOLOGIA

B. Condições de fixação e de conservação


A IMAGINAÇÃO
. 205

tasse e não deixasse nada após si, a seguinte não seria mais
185 Ensina-nos a e?'periê~cia ~ue as imagens se fixam e se eficaz. Normalment e, porém, só pelo exercício se conservam
conservam ~e maneira m~1 _v~r1avel. Certas imagens fixam-se bem as imagens: a criança sabe muito bem que esquecerá a li-
com uma força extraordma ria e resistem admiràvelm ente ao ção que aprendeu de memória (registrada sob a forma de ima-
'
1 tem~o. Outras, ao contrário, flutuam numa bruma indefinida geps verbais, visuais e motrizes) se passar muito tempo sem
e resistem a qualqu~r _esf?rç,-t> de representaçã o precisa. Por
1
repeti-la. O pianista que interrompe seus exercícios perde a
sua vez, u1:lla multidao inumerável delas parece mergulhar segurança na execução. ·Enfim, o exercício e a repetição, para
num esquecimento profundo. De onde provém essa diferença? serem perfeitamen te eficazes, devem observar certas condições,
particularm ente a lei da alternância do exercício e do re-
. 1. Fatôres ?rgânicos. O papel das condições orgânicas é pouso (71).
e~1dent_e. As cr_ianças, dotadas de grande plasticidade orgâ-
ni~a, fixam as imagens mais f àcilmente que os velhos. Se b) Organização das imagens. As imagens fixam-se e
n:i,o as conservam com a mesma tenacidade, é isto devido prin- conservam-s e tanto melhor quanto mais unidas estão entre si
c1pal~ent: à fa!ta de certas condições psicológicas (atenção e de maneira mais lógica e organizadas em grupos. As diversas
~r~an:zaçao lóg1~a sobr«;_tt~do) que compensam no adulto a de- mnemotécni cas fundam-se tôdas no princípio de organização,
fH;1enc1a _dos ?1e10~ orgamcos. Todavia, quando nelas inter- cujo emprêgo é; de resto, natural e espontâneo. Mas é eviden-
vem .ª l~1 do 1~teresse, ou quando as impressões sensíveis têm · te que se a organização espontânea das imagens pode ser um
espec1~l mtens1dade, as imagens são fixadas e conservadas pe- fator de fixação e de conservação, é principalme nte a inteligên-
las crianças com notável tenacidade: isto explica como O ve- cia que intervém aqui para organizar o conteúdo de imagen~ da
lho pode _evocar com tanta fidelidade as imagens relativas aos consciência. 16 É o ,que. explica que o adulto, em quem a fixa-
anos de_ Juventude, quando é quase incapaz de fixar e conser- ção de imagens se faz com dificuldade, compen~e ~sta i?fer~ori-
var as imagens novas. dade com a organização racional de seu material 1magmár10.
17

Note1:1os també~, aqui, a influência do estado físico ge-


ral.: fadiga, deb~hdade nervosa atenuam mais ou menos a § 2. CONDIÇÕES GERAIS DA IMAGINAÇÃO
ap~1dao para fixar imagens. Em certos casos ·(psicastenia )
a~ 1mpr:ssões_ que vêm ~e.fora chegam tão débeis que, por assirr{ A. Natureza e sentido do problema
dizer, nao deixam vesbg10 algum após si.
187 1. Questão da «sede das imagens». Dizemos que as
186 imagens se fixam e se conservam. Isto, porém, não passa de me-
2. I:atôr~ psicológi~os. P~de-se reduzi-los a dois prin- táforas, por meio das quais pareceria que tratamos as imagens
cipais: a mtens1dade das 1mpressoes e a organização. como coisas ou, pelo menos, como clichês fotográficos . Espon-
a) Intensidade _d~ i'!'1-pressões. Uma imagem fixa-se e tâneamente, o senso comum orienta-nos para um realismo dês-
co!1serva-~e tanto ~ais facilmente quanto mais viva tenha sido te gênero, que suscita a questão da "sede das imagens". Toda-
a 1mpressao. Satisfazemo s esta condição pela atenção e pelo via, suas dificuldades vemo-las para logo. As imagens niio se
exercício. encontram no cérebro como fichas nwm arquivo. Podemos se-
A atenção à experiência depende quer das reações afetivas quer dizer que residem "no cérebro"? Certo é, contudo, que
pre~oca~as pela i11:lpre~são sensível, quer da influência da lei estão fixadas e conservadas de alguma maneira: estão, por
d? n~tere~se ~4~), 1Sto e, da relação da experiência com as ten- assim dizer, registradas; depois, freqüenteme nte, após longo
de!1c1as (mstmbvas _a,_u ~dquiridas) do momento, ou com O con- espaço de tempo, quando pareceriam haver desaparecido defi-
t~údo atual_ da consc1enc1a, quer, enfim, de um esfôrço voluntá-
rio que aplique o espírito a um objeto dado. 16 PAULHAN, Activité mentale et éléments de l'esprit, Paris, 1889,
Por _outro lado, o exercício, isto é, a evocação repetida das pág. 68: "Quanto mais fortemente organizado está um composto, mais
mesmas ~~agens é fator poderoso de conservação O exercício unidos estão entre si os elementos que êle compreende, e mais considerável
e repetiça~ ~ão são, propriament e falando, fatôr~s de fixação, é o número de outros elementos aos quais é suscetível de unir-se har-
moniosamente êste composto, e tanto mais probabilidade há também de se
pois a repetiça~ da s~nsação ou da percepção não é necessária desenvolver ou, ao menos, de se manter.
Para a :t:ormaçao da imagem : se uma só experiência não bas- 17 KOFFKA, Principies of Gestalt PsychoLogy, Londres, 1936, págs. 506-
508.
1
1 ) '206 PSICOLOGIA A IMAGINAÇÃ O 207
nitivamen te da consciência, eis que são "evocadas " com sin- visuais. Também se sabe que os inàiviãuos privados acidental-
gular nitidez. Logo, subsistiram . Onde, porém, e como, isto é, mente de um sentido, pela perda do órgão correspond ente, conservam
em que condições? Tal é o problema da "sede das imagens", qu~ meios de formar imagens relativas aos objetos próprios dêsse sen-
só tem sentido se o entenderm os como o problema das condi- tido. o surdo forma imagens auditivas (BEETHOVEN que compõe
depois de ficar surdo, parte de sua obra. o mesmo aconteceu con;
1.

ções gerais da imaginação. Oportuno é, ainda, citar os efeitos psíquicos da


''·
GABRIEL FAURÉ).
\
2 . Sentidif do problema.. A expressão «sede das ima- , paralisia geral (determina da por lesões profundas do,cérebro que
vão progressiva mente dos lóbulos frontais aos lóbulos occipitais):
gens" pode entender-s e de duas maneiras, que cumpre distin- êsses efeitos consistem. em distúrbios, cada vez mais graves, do re-
guir. Podemos perguntar- nos, em primeiro lugar, como quan- gime das imagens. Cf. R. MALLET, La Démence, Paris, 1935, pági-
nas 98-99: «Já sabemos o que é a paralisia sob o ponto-de-v ista mental
do falávamos da "sede da sensação" (93), quais são os órgãos [ ... J. O delirio impression a por sua inconstânc ia as idéias estão
que servem para a formação da imagem atual. _Podemos_ ta~- contraditór iamente associadas, são móveis, e seu ca~áter de absurdo
bém sob outro ponto-de-vista, tratar de determma r quais saa afirma-se ràpldament e:t. E, enfim, uma terceira ordem de obser-
as c~ndições fisiológicas que asseguram a conservação das ima- vações: durante seus primeiros meses, a criança parece reduzida aos
gens em seu estado latente. Tais são os dois problemas que de- reflexos elementare s, sem capacidade para formar imagens ou, em
todo caso, para as conservar e reproduzir, o que bem se explicaria
vemos examinar. pela formação insuficient e da massa cortical.

B. Condi~ ÍISiológicas da formação das imagens 189 2. Existem centros de imagens? Pode-se precisar mais, e
consignar às diferentes espécies da imagens centros cerebrais
188 1. O cérebro, órgão da imaginação. Trata-se de saber distintos? Esta questão suscita o problema das localizações ce-
quais as condições fisiológicas de que depende a formação das rebrais, que já estudamos em sua forma geral (63-67), e que
imagens. Ou, por outros têrmos, qual é o órgão da· imagina- não temos de retomar aqui. Propriame nte falando, bastará
ção? São os órgãos sensoriais periféricos , ou os centros senso- lembrar que só as estruturas são localizáveis, e que as funções
riais corticais, ou ambos juntos? não estão ligadas de maneira rígida a essas estruturas , o que
Uma solução que se inova a miúdo consiste em dizer que, bastaria para tornar muito improváve l a existência de centros
não sendo a imagem mais que uma "sensação revivescen te", de imagens especializados.
deve ter as mesmas condições fisiológicas que a sensação cor--
responden te, empregar as mesmas vias nervosas, e depender A questão elas localizações cerebrais, tal como foi formulada e
dos mesmos centros. Mas todo o nosso estudo da imagem, e es- tratada no século XIX e no início do XX, é antes de tudo a questão
pecialmen te as observações que fizemos mais acima (171 bis) da existência dos centros de imagens. Isto se deve ao fato de ha-
verem os trabalhos versado especialme nte sõbre as representaç ões
acêrca da noção da imagem como revivescên cia da sensação, que servem à linguagem (imagens motrizes, verbais, visuais). Pre-
bastam para demonstra r que esta solução ao mesmo tempo é cisamente em função dessas imagens é que foi estabelecid a por
a priori e estã em desacôrdo com os dados experimen tais. Com CHAROOT a nomenclatu ra das afasias e a determinaç ão de centros
efeito, nem a imagem é a sensação, nem sequer com ela se pa- de imagens especializad os. De feito, CHARooT distingue quatro es-
pécies de afasias e quatro centros correspond entes : a surdez velrbal,
rece, para falar com propriedade. Pode, portanto, ter suas con- não reconhecim ento das palavras ouvidas, por lesão do primeiro tem-
dições fisiológicas particular es. É o que provam os dados de poral; cegueira verbal, não reconhecim ento das palavras escritas,
fato que levam a situar a sede da sensação no órgão perifé- por lesão do segundo parietal; afasia m.otora, perda da articulação
rico (96), e a sede da imagem no cérebro. verbal, por lesão do pé do terceiro frontal; agrafia, perda da capa-
cidade de escrever, por lesão do segundo frontal. De fato, todlo êsse
A imagem parece depender essencialm ente do cérebro. sistema é hoje contestado e em grande parte negado. O Dr. A. M.UIE
Tôdas as experiênci as de descerebra ção, assim como os caseis mostrou, consoante as numerosas observações anátomo-cl inicas de
de amnésias ou transtorno s do regime das imagens por lesões P. MARIE, que a maioria dos casos citados por CBAROOT devem ser
cerebrais, provam clarament e que o cérebro é o órgão da ima- classificados, não nas afasias propriamen te ditas (impossibil idade
de falar, de escrever ou de compreende r, por perda do se11,tido das
ginação. palavras), mas simplesmen te nas anartrias, ou distúrbios motores
que deixam intato o regime das representaç ões (66)': uma coisa é
Já havíamos observado (63) que a destruição da area striata perder o usa d.a.s palavras por falta dos meios de articulação , e outra
acarreta o desaparecim ento de tôdas as imagens visuais, luminosas perdê-lo por deficiência intelectual. Doutra parte, P. MARIE esta-
ou cromáticas (cegueira cortical), enquanto que a perda dos órgãos beleceu que '1lláo há várias espécies de. afasia, porém uma 66, que
periféricos da visão deixa subsistir a possibilidad e de formar imagens está ligada à lesão da zona têmpora-pa rietal (zona de Wernicke) e



1
,,'/
A IMAGI NAÇÃO 209
208 PSICOL OGIA
da ação P para o
vida psicológica oscila incess antem ente do plano do cone, onde se acham
geral do nível psí- consti tuído pela base AB
que corres ponde simple smente a uma diminu ição cidade sintéti ca. Na
plano do sonho,
anças desprà ldidas das image ns e seWc
qutco e, por êsse própri o f11,to, a uma incapa as lembra nças puras (lembr
ência se aprtf-"
ência. Enfim , o Dr. A. ta com a ação). Quant o mais a consci
realida de, a afasta é um distúrb io da intelig
por P. MARIE, 84 não admi-
relaçã o imedia
mais a memó ria é limita da. Invers a-
MARIE mostra que, de 108 casos estuda dos xima do plano da i.ção, tani;_q
dextro s a destru ição ressam os da ação, tanto mais se di-
tem nenhu ma localização fronta l. Em vários distúrb i~ de lingua - ., mente , quanto mais nos desinte
l ou artific ial, provoc ando êsse de-
do centro de Broca não acarre ta nenhu m ales de l'aphas ie>
lata a memó ria. O sono, natura
ilimita do ao sonho, que é o triunfo
gem (A. MARIE, «Sur quelques localis ations 3,cérébr
e FR. MouTIER, L'apha ~ sinterê sse, abre assim um campo
no presen te todo
in Journa l de Psychologte, 1907, págs. 103-11 da lembr ança pura, inútil ou indifer ente. «Viver · imedia ta que a
sie de Broca, Paris, 1908) . puro, respon der a uma excitaç ão por uma reação
prolon ga, é própri o de um anima l inferio r>.
s de
A isso pode-s e acresc entar que a fixide z dos centro
ializa das condu ziria a result ados bem singul a-
image ns espec eis de
exo de image ns sensív
res. Como todo objeto é um compl
a condiç ão
espéci es difere ntes, só poder ia ser conse rvado sob
os. Porém , além disso 1 a
de ser distrib uído por centro s divers ri-
ão do objeto sob forma de image m tornar -se-ia
repres entaç re-
entaçã o implic aria uma p
goros ament e impos sível; essa repres
dos eleme n-
consti tuição prévia da image m compl exa a partir
divers os, recon stituiç ão
tos sensív eis conse rvado s por centro ia nada
vez, seria irreali zável, já que não haver Fig. 13. Esquem a mostra ndo a relação da memór
ia-lemb rança e da
que, por sua deter-
para dirigi- la. Assim , a hipóte se de centro s de image ns memór ia-hábi to (BERG SON, Matiere et Mémoi re, pág_ 165).
inteli-
minados é ao mesmo tempo contrária aos fatos e pouco
gível em si mesma.
Mas não está lá
O homem que assim proced e é um impuls ivo. no passad o pelo
muito mais bem adapta do à ação aquêle que vive
C. Condi9Õe8 fisiológicas da con se~ das imagens emerg em à luz da
prazer de nêle viver, e em quem as lembra nças êsse já não é mais
image ns consci ência sem provei to para a situaç ão atual:
190 No tocan te à questã o de saber qual é a sede das um impulsivo, e sim um sonhad or. Entre êsses te dois extrem os colo-
dócil para seguir
latent es, várias soluçõ es foram propo stas. ca-se a feliz disposição de uma memó ria bastan te, porém bastan te enér-
com precisã o os contor nos da situaç ão presenbom-s enso, ou senso prá-
1., '.fi'oria
psi~ló gica. H. BERGSON admit e que as ima--
es, que consti tuem propr iamen te a memó
gica para resisti r a qualqu er outro ,a.pêlo. O
tico, provàv elmen te não é outra coisa> (Matie re et
Mémo tre, pági-
gens-h ab1tos ou motriz
céreb ro· ao nas 166-167).
ria-m otora, seriam as únicas a conse rvar-s e no
d' passo que as outras , image ns-lem branç as (repre sentaç õe; pu-
Esta teoria comp orta várias dificu ldades . Prime
irame n-
no subco nscien te onde ns em coisas e a subco nsciên -
ras ou lembr anças puras ) subsis tiriam o à
te, tende a transf orma r as image ção tão
~-.

nte manti das e recalc adas pela ate~çã espéci e de recipi ente. Doutr a parte, a distin
s~riam consta nteme dé cia numa
brânç as ou
no estado
vida; o afroux ament o desta ( como no sono ou
do marca da das image ns-mo toras e das image ns-lem , tôd!,
por efeito deixa r as lembr anças afluir em es parec e bastan te discut ível. Ao que parece
devan eio) teria repres entaçõ
subco nscien te à consc iência (cf. BERGSON, Matiere
et Mémoire repres entaç ão sensív el está ligada , em sua forma ç-ão e em sua
Energ ie spiritu elle, págs. 58-59 ). ' mecan ismos fisioló gicos, e tampo uco há meca-
págs. 152-1 53; reprod ução, a
BERGSON parec e
nismo motor sem repres entaçã o sensív el.
18
Para ilustra r sua teoria, serve- se BEltGSON de um cone inverti do
figura a todo mome nto o pre- não ter razão em distin guir duas espéci es de image ns onde
S A B (!ig. 13) cujo vértice S, que
da image m.
se1:1-te, nao cessa de avanç ar e, ao mesmo tempo , de tocar o plano realm ente só há a distin guir aspec tos difere ntes
movel P, que figura a repres entaçã o atual ns) do universo. Como o
corpo (que é també m uma das minha s image é o lugar de passa-
entos recebid os das outras image ns e a elas reenvi a- 18 As observa ções de casos patológ icos estabel ecem que
os distúrb ios
gem dos movim ores e em conse- is interes sam não somen-
io-mot funcion ais do cérebro consecu tivos a lesões cortica
l dos, isto é, a sede dos fenôm enos sensór
e renasc ent~ de minha s formar imagen s ( "image ns-
qüênci a, a parte consta nteme nte presen te te a motrici dade, ·senão também o poder de
es, o vértice S do cone simbol iza a união da memó ria- lembra nças").
repres entaçõ te se compr eende como a
lembr ança com a memó ria-há bito. Destar
)
210 PSICOLOGIA A IMAGINAÇÃO 211

Quanto àquilo que se conserva, propriamente falando não são 1. As imagens não são coisas. Nunca se insistiria de
nem as imagens nem os mecanismos, e sim a aptidão ou o mais sôbre este ponto, que é capital, e sôbre o que êle implica.
poder de reproduzir as i1'tagens dos objetos anteriormente per- Se a imagem não é coisa, não existe ·realmente quando não está
cebidos. formada em ato. Pode-s~ somente dizer que ela existe em po-
Ir,;' " tência, isto é, no e pelo' poder que temos de formá-la. A
, 191 2 . Teorias fisiológicas. Certas teorias füliológicas só conservação das imagens nada é fora dêsse poder.
fazem exagerar o realismo da imagem, fazendo do cérebro um Por outra parte, e por isso mesmo, reproduzir uma ima-
conservatório de imagens acabadas, que aguardam passiva- gem nunca é fazer renascer uma imagem antiga, que teria
mente ser utilizadas. Tôda sensação deixaria, nos centros cor- continuado a existir, inerte e oculta na consciência, mas sim
ticais, um vestígio nitidamente definido (DESCARTES fala de exatamente formar uma imagem nova e inédita. Não é, tam-
"pregas"), que seria suscetível, por excitação interna, de fa- pouco, fazer renascer uma sensação. Esta expressão, muitas
zer renascer sob forma da imagem a sensação primitiva. Quan- vêzes empregada, só pode ter sentido metafórico, pois a sen-
to à natureza dêsse "vestígio", propuseram-se diversas hipó- sação ou a percepção são do passado e não podem "renascer":
teses. HARTLEY fala de "vibrações", MOLLESCHOTT de "fosfore- se renascessem, já não se trataria de imagem, mas de percepção
cências"; outros, de "impressões" (como em cêra) ou de alte- e de sensação. A imaginação consiste somente em fazer "re-
ração química da substância nervosa. Certos psicólogos, como· nascer" o objeto perante o olhar da mente, sem intervenção
JAMES, optam pela formação de vias nervosas e de sitemas de prévia da sensação e da percepção.
vias nervosas. Enfim, tôdas essas teorias são mais ou menos Enfim o conteúdo da imagem (ou matéria da imagem),
dependentes da concepção dos centros de imagens que acima que é o dado sensível, não é, por sua vez, sensível e mate}'.ial.
discutimos. Ao contrário, como acima se viu (175), êsse conteúdo, que re-
Não há mais razão de admitir centros fixos e rígidos de presentativamente é sensível e material, em si mesmo (ou en-
imagens para a conservação das imagens, do que para sua for- titativamente) e imaterial e inextenso.
moção. 19 Mas isso não significa que seja preciso renunciar a
consignar à imagem condições fisiológicas. O que é incerto 9 199 2. A imagem não é o que é conhecido. Tôdas as seme-
a natureza destas, mas não sua realidade. Daí poder-se fala-1· lhanças entre a imagem e o objeto não podem fazer esquecer
também de uma "sede das imagens", com a condição de a sua diferença essencial, que, para o objeto, é ser aquilo que
que por isso não se entenda um conservatório de imagens já conhecemos, e, para a imagem, aquilo por que conhecemos ou
formadas, mas somente a existência de um poder de reprodu- reconhecemos um objeto. A inwgem não é, pois, o têrmo do
ção ou de atuação das imagens, condicionado em seu exercício conhecimento (salvo o caso de acontecimento reflexivo ou in-
por estruturas cerebrais e modificações orgânicas cuja natu- trospecção), mas o sinal formal do objeto.
reza até agora ignoramos. Dizemos "sinal formal" (I, 44) para excluir tôda concepção
que fundasse a passagem da imagem ao objeto num juízo, fa-
§ 3. IMAGENS E IMAGINAÇÃO zendo da imagem um sinal instrumental, a partir do qual pri-
meiramente conhecido, iríamos ao objeto. Esta concepção le-
A. A imaginaião como fun~ão psíquica var-nos-ia à da imagem-coisa, que o pensamento teria de deci-
frar e de interpretar, o que é inteligível e contrário à experi-
192 ; Aqui temos de enunciar as conclusões resultantes das ob- ência. De fato, não temos de passar da imagem coisa, pois é
servações qlle precedem, e que no seu conjunto afastam uma a própria coisa (presente existencialmente ou apenas dada re-
concepção materialista ou coisista da imagem. presentativamente) que nós apreendemos na e pela imagem. É
por isto ·que dizemos que a imagem tem um papel de sinal for-
10 As observações sôbre os fatos de amnesia retrógrada (perda das mal, ou, por outros têrmos, que ela não é uma coisa na consci-
lembranças do passado) arruinaram definitivamente a concepção de centros ência, porém uma forma mesmo da consciência.
conservadores de imagens jã feitas. Na afasia, por exemplo, as imagens
verbais não desaparecem em blocos, correspondentes a massas de células
destruídas, mas progressivamente e segundo uma ordem determinada (lei
194 3. A imaginação. Too.as as teorias que transformam as
de RIBOT): as primeiras a desaparecer são as últimas adquiridas; as pa- imagens em coisas são feitas para prescindir da imaginaç~o, e
lavras usuais só desaparecem em último lugar. cedem à ilusão de explicar o movimento pelos músculos, os fe-
212 PSICOLOGIA A IMAGINAÇÃO 213

nômenos vitais pelas células, o mundo pelos átomos. Em rea- bras do córtex, não se vê como poderiam elas sofrer as trans-
lidade, a imaginação é que explica as imagens, e não as ima- formações mecânicas supostas pelos associacionistas. Em rea-
gens que explicam a imaginação, tal como é o psiquismo que lidade, nosso estudo da percepção pode orientar-nos para a so-
explica o cérebro, e não o inverso. lução dêsse problema. Se perceber é apreender o significado
Certamente, poder-se-ia objetar que invocar aqui a imagi- ... de UIJJ. objeto sensível ou de uma estrutura (147), o que a ima-
nação-faculdade só aduz uma solÚção verbal, algo assim como ginação reterá será, antes de tudo, a estrutura ou a forma qu~
explicar o sono pela virtude dormitiva do ópio. Mas não se define tal significado. Não temos "imagens genéricas" no sen-
trata de dar conta do mecanismo da formação e da reprodução tido associacionista, senão imagens de estrutura.s e de formas,
das imagens, para o que, evidentemente, de nada serviria o re- tais como foram as nossas percepções. É por isto que não há
curso à faculdade de imaginar. Trata-se somente de frisar o razão para, neste caso, falar de "empobrecimento das imagens",
fato de as imagens não serem, de modo algum, coisas indepen- nem tampouco de "elaboração das imagens". Não há empo-
dentes, átomos psíquicos, cujas combinações diversas poderiam brecimento, visto que a percepção nos dá estruturas e formas,
explicar todo o psiquismo, 20 - concepção que procede de uma e não elementos individuais; nem há elaboração, visto que o
ilusão absoluta, visto que, sem êsse psiquismo e suas diferenteii dado está na imagem tal como na percepção.
potências ou faculdades, não haveria nem imagens, nem pen- Para serem exatas, deveriam essas expressões, em todo caso, en-
samento, nem consiência. O recurso à imaginação não é, pois, tender-se em sentido inteiramente outro, a saber: de uma parte,
aqui nada mais do que a afirmação, imposta pelos fatos, de no sentido de que o esquema imaginário reveste o aspecto essencial-
uma concepção funcional e finalista contra o atomismo asso- mente pobre que convém à re-presentação de uma estrutura e à
cionista, e do vitalismo contra a concepção mecanicista da sua função simbólica ou significante; e, doutra parte, no sentido
de que o dado imaginário não faz senão re-presentar o objeto da
vida (I, 430-437). percepção, mas sob o aspecto próprio de imagem. Noutros têrmos,
não há empobrecimento ou elaboração por efeito de um trabalho
195 4. A questão das «imagens esquemáticas». Os psicólo- operado sôbre a imagem como -sôbre uma coisa na consciência,, mas
gos insistem muito no fato de as imagens tenderem a revestir sim passagem da forma percebida para a forma imaginada, a qual
é, por natureza mesmo, pobre e diluída e heterogênea à primeira.
uma forma "esquemática e abstrata", que representa uma sig- Tudo isso fica sendo verdadeiro mesmo daquilo a que se chama
nificação antes que um objeto. Falam êles, a êste propósito, imaqem individual. Essas imagens nada mais são do que represen-
do "empobrecimento das imagens", que se explicaria pela mul- tações formais afetadas de algum sinal individual característico.
tiplicidade das impressões vindas de objetos análogos (cf. TAI- Sabe-se, com efeito, por experiência, que nos contentamos com uma
NE, L'Intelligence, t. I, c. II): as imagens acabariam por em-
ou com outra das características individuais, de tal sorte que até
mesmo nossas imagens individuais são «esquemáticas e abstratas»,
botar-se ou recobrir-se, e por formar, assim, uma "imagem ou, mais exatamente, formais e estruturais.
genérica". Aliás, pode-se notar não somente que a imagem tende a só reter
1
O fato das "imagens esquemáticas" é inteiramente certo. um ou outro dos traços individuais (aquêle sorriso de João; aquela
Mas a explicação mecânica de sua formação por superposição maneira de sacudir os ombros andando), mas também que esque-
matiza ou «generaliza» seus traços individuais: o sorriso, tão ca-
ou pelo desgaste resultante da fricção mútua 21 evidentemente racterístico, de João não é aquêle que observei esta manhã, ou ontem,
'li não tem nenhuma espécie de sentido. Se as imagens não são no último verão, mas, em geral, se assim se pode dizer, o sorriso
coisas inseridas no cérebro_nem fotografias inscritas nas do- particular a João.
5. A percepção animal. Pode-se, assim, explicar a ima• '
20 Cf. o texto seguinte de BINET, tanto mais singular quanto, no momen- ginação no animal. O animal percebe, como o prova a lei de
to em que escrevia estas linhas, BINET renunciara ao associacionismo constância relativa (146). Será que êle forma imagens esque-
atomístico da primeira metade de sua carreira: " (A psicologia) estuda certo
número de leis que chamamos mentais [. ... ], as quais, propriamente falan- máticas e abstratas? Neste caso, é de perguntar como poderia
do, n~o merecem êsse nome de mentais, visto serem [ .... J leis das imagens, reconhecer os objetos sem empregar um juízo propriamente
e as imagens serem elementos materiais" (L'âme et !e corps Paris 1908 intelectual. Ao que parece, mais simples é pensar que tam-
pág. 113). ' ' '
2 1 A explicação por superposição como o têrmo imagem genérica, vem
bém êle apreende estruturas e formas que implicam o equi-
dos trabalhos, bem conhecidos, de GAL'rON (Statistics of mental Imagery valente de uma significação ("juízo" do senso-comum), 22 e que
Mind, 1880, Inquiries to human faculties, 1885) sôbre as fotografias com~
pósitas. Superpondo diferentes fotografias da mesma pessoa, GALTON 22 Dir-se-â, sob forma mais técnicas, que a relação de significação é

t
mostrava que se obtém uma espécie de imagem esquematizada dessa pessoa. apenas exercida ou vivida, mas não conhecida.
214 PSICOLOGIA A IMAGINAÇÃO 215

as imagens que forma dos objetos também são estruturais e pág. 492). A lei da motricidade específica, por sua vez, não
formais. 28 passa de uma determinação dessas leis gerais.

196 6. A «vida das ·imagens». Ainda aqui se vê como é 198 2. Lei da motricidade específica. Esta lei formula-se
preciso afasJ;ar resolutamente tôda concepção atornística da , da maneira seguinte: "Todo conhecimento sensível (percepção
vida das imagens. Estas não são unidades que se combinassem ou imagem) tem um efeito motor específico". As provas expe-
umas com as outras no seio da consciência ou do cérebro, em rimentais são numerosas. Pode-se distribuí-las em dois gru-
virtude de leis mecânicas, que se empobrecessem por falta de pos: o das reações habituais ou instintivas ( caso da ação ídeo-
uso, ou por atrito, que se fundissem umas nas outras, etc. Po- motora), e o das realizações imediatas de imagens motoras.
deríamos, assim, prescindir da imaginação, exatamente como
a) Ação ídeo-motora. Ouço um tiro, e para logo volvo
com os elementos corticais prescindiríamos da inteligência, e
como, com os músculos e os tendões, não teríamos o que fazer a cabeça na direção do ruído. Vejo uma mancha em.,minha
da vida ! A verdade é que as transformações a que estão roupa, e incontinenti obrigo-me a fazê-la desaparecer. Encon-
submetidas as imagens manifestam a atividade vital do sujeito tro-me com um amigo, e estendo-lhe a mão. Passo por debaixo
que usa das imagens não ·como um conservador de museu solí- de uma cerejeira, e meu braço se levanta para colhêr. uma
cito por conservar inalteradas .e intatas, e sem perder nenhu- cereja. Penso, de repente, que é tempo de fazer uma visita
ma, tôdas as telas que lhe são confiadas, mas segundo suas ne- urgente, e eis que já estou de pé p&ra sair. Todos êstes atos
cessidades e tendências, e de conformidade com as exigências são praticados automàticamente como respostas a urna repre-
da lei de economia e de interêsse. sentação. Explicam-se de diferentes maneiras : ora é o meca-
nismo do hábito que funciona, ora é um instinto ou uma incli-
nação que entram em jôgo. Mas, em todos os casos, são as
B. Motricidade das imagens representações sensíveis (percepções ou imagens) que servem
de estímulos, deflagram o movimento e, em curso de execução,
197 O estudo da vida afetiva introduzir-nos-á na consideração adaptam-no constantemente às diversas situações. -
dos fenômenos motores, internos e externos. Veremos, com
efeito, que todo estado afetivo comporta algum reflexo orgâ- b) Reprodução imediata das imagens motoras. A se-
nico. Mas, sem abordarmos esta questão, desde já devemos gunda série de fatos concerne a todos os casos em que uma
fazer notar o caráter motor das representações sensíveis, per- imagem motora qualquer provoca, senão a execução, ao menos
cepções e imagens. 11:ste caráter é expresso por duas leis : lei o esbóço do movimento representado. Pedi a alguém que vos
de difusão e lei da motricidade específica. 24 explique o que é uma escada de caracol: êle fará com a mão
o gesto de subir em espiral. Os espectadores de uma partida
1. Lei de difusão. Esta lei foi enunciada por BAIN sob de futebol esboçam todos os gestos dos jogadores. Verificou-
esta forma : "Todo fato de consciência determina um movi- se que o pensamento de uma silaba age sôbre os músculos da
mento, e êste movimento irradia-se em todo o corpo e em cada fonação : trata-se de movimentos extremamente fracos, mas
uma de suas partes" (Emotions et Volonté, trad. francesa, pá- sucetíveis de ser registrados por um aparelho sensibilíssimo.
gina 4). JAMES acrescenta uma lei de inibição, que não passa de Sabe-se que muitas vêzes a criança reproduz, à medida que os
um corolário da lei de difusão : "As ondas nervosas determi- vê (e não por "instinto de imitação", como com freqüência se
nadas pelo fato de consciência podem, às vêzes, interferir com diz) os gestos que observa nos outros. No mesmo sentido, co-
as ondas antigas, interferência que se traduz exteriormente nhecem-se os casos de contágio dos bocejos, do riso incontido.
pela inibição de alguns movimentos" (Précis de Psychologie, Podem-se citar ainda os casos dos anormais, nos quais o estrei-
tamento maior ou menor do campo da consciência faz que o
impulso motor da imagem, quase não encontrando mais
2a Foi o que pôs bem em luz L. VERLAINE, "Le psychisme et ses degrés obstáculos, atue com tôda liberdade e dê lugar a manifestações
chez les animaux" em Annales de la Société royale zoologique de Belgique, externas mais ou menos extravagantes. Tal é o caso do homem
1936) . O animal, diz êle, reage não a sensações, mas a qualidades formais
(137) .
que fala em voz alta ou que gesticula em plena rua, dirigin-
24 Cf. WOODWORTH, Le mouvement, págs. 268 e segs. W. JAMES, do-se a uma testemu.n ha invisível; o do obsesso que sofre de
Précis de Psychologie, caps. 33, 36 e segs. tiques irreprimíveis; o do homem atacado de ecolalia (repe-

... ,.. · ,. ....


PSICOLOG IA
A IMAGINA ÇÃO 217
216

tição mecamca das palavras ou da última parte das palavras ceptivelmente esboçadas), diferentes das que seriam efetivame nte
produzidas pelo movimento, se fôsse executado, possam desem-
ouvidas) , etc. Inversam ente, na apraxia, na afasia motora, na penhar o papel de substitutos ou de símbolos das representações
paralisia histérica , a ausência de certas imagens impossib ilita imaginad as. 21 ;1
a execução dos movimen tos correspo ndentes.
211

ART. III. A ASSOCI AÇÃO DAS IDÉIAS


c) As reações motoras como substitutos da-s imagens. tlste caso
' é a reciproca do que é constltuido pela motricidade da imagelfl:
tôda reação motora ou se.nsação quinestésica pode sermr de substi- § 1. NOÇÕES GERAIS
tuto a uma imagem.
Os psicólogos têm,. insistido especialmente sôbre os efeitos moto- 199 1. Definição. Geralmen te, define-se ,, a associaçã o das
res das representações sensíveis. Mas podemos perguntar-nos, ao idéias como o fenômeno psicológi co pelo qual se estabelec em
contrário, se as sensações cinestésicas não desempenham seu papel certas ligações espontân eas entre os estados de consciênc ia, de
na formação das imagens. DWELSHAU VERS sublinha o fato sob a for- tal modo que a presença de um, chamado indutor, acar]ie)a de
ma segµ1nte: deve-se admitir a existência de imagens mentais que maneira algo automáti ca outro estado de consciênc ia, ch'ámado
são a tradução consciente de atitudes musculares. <Essas atitudes
não são percebidas pelo sujeito, mas dão lugar, na consciência dêste, induzido. Na realidade , esta definição é antes a fórmula de
a uma Imagem mui diferente daquilo que elas são. Noutros têrmos, um problema que o enunciado de um processo psicológico. Tra-
sucede ser a seguinte a gênese das nossas imagens mentais: 1.º) ta-se, com efeito, de saber se os fatos de ligação, que são certos,
Idéia de um ·movimento a executar. 2. 0 ) Atitude muscular que obje- podem realment e explicar- se pela associaçã o mecânica dos es-
tiva essa idéia, essa intenção motora, sem que o sujeito se dê con.ta
de sua reação motora, de sua .atitude como tal. 3. ) Imagem pro-
0 tados de consciên cia ou das imagens. Tal é a tese associaci o-
vocada na consciência como registro da reação motora e qualitati- nista, mas esta tese é das mais discutíve is. Para nada pre-
vamente diferente dos próprios elementos da reação» (DWELSHA UVERS, julgar, bastaria dizer que a associaçã o das idéias (sendo aqui
Les méca,nismes subconscientes, Paris, 1925). a palavra "idéias" tomada em sentido muito lato, engloban do
Como explicar êsses fatos? A interpreta ção corrente (adotada percepçõ es, imagens represen tativas, impressõ es afetivas e
por DwELSHAU VERS)i seria que a reação motora evoca a imagem.
Mas é dlficil admitir essa evocação se a reação motora não é cons- idéias propriam ente ditas) é o fenômeno pelo qual os estados
ciente. Quando o movimento é consciente, dois casos são possíveis: psíquicos se manifest am espontân eamente à consciência como
Primeiro caso: o movimento produz-se ao acaso. Por exemplo, eu ligados entre si.
traço no ar, com o dedo indicador e de olhos fechados, uma figura A espontan eidade é, pois, o caráter da associaçã o e aquilo
qualquer, não prevista; essa figura, enquanto a estou traçando, distingue das relações pensadas que estabelec emos ati-
apreendo-a, de alguma sorte, na ponta do dedo. Não há ai, entre- que a
tanto, percepção visual, visto que fecho os olhos e a figura não é vamente entre imagens ou idéias. Evidente mente, isso não
dada todo inteira simultâneamente. Tudo se reduz, pois, a sensa- ~--.. ..r
exclui que certos estados associado s tenham entre si relações
ções cinestésicas, mas de tal modo que essas sensações, que teDdems lógicas, mas somente que a associaçã o atual seja o resultado da
a uma forma visual, funcionem como substitutos das impressõe considera ção refletida e voluntár ia dessas relações.
visuais . .:ae
Segundo caso: o movimento é executado de acôrdo com uma 2. História do problema da associação . Repetidas vêzes, em
intenção preconcebida. Por exemplo, quero descrever uma escada ~00
Cosmologia ([, 213, 342), e sobretudo em Psicologia, tivemos de criti-
em c.aracol, ou descrever um caminho a percorrer pelas ruas da ci-
dade. A função do gesto é então fornecer uma espécie de concre- car as concepções mecanistas e atomistas que tôda uma escola mo-
ção visual, isto é, dar uma forma sensível (esquemática) a uma noção.
Essa aptidão do movimento para fazer apreender as formas, as Cf. BURLOUD , La Pensée d'apres Les recherches expériment ales de
posições dos objetos e seu deslocamento no espaço, explica que mui-
ll7
Watt, de Messer et de Bühler, Paris, 1927, pág. 71: "Algo dêsse simbolismo
tas vêzes, pelo simples efeito da idéia de um movimento a produzir, reencontra -se nas representaç ões motoras que acompanha m o trabalho
de
sensações cinestésicas ou reações motoras (movimentos dos globos pensar. As representaç ões são tão obscuras, que os sujeitos nem sempre
oculares nas órbitas, gestos ou atitudes musculares às vêzes lmper- sabem se são imagens ou sensações de movimento s. Idas e vindas do olhar,
movimento s de vaivém da cabeça, como à procura de algo; "uma espécie
u J. DE LA VAISSIER E, Eiéments de Psvchologi e expériment ale, I, de sensação simbólica de inclinação da cabeça no assentimen to"; "uma
páginas 191-200. pressão convulsiva das maxilas ao mesmo tempo que sensações (ou re-
26 Essas sensações clnestésicas não são somente as que são
fornecidas presentaçõ es) simbólicas, como quando se desvia de alguma coisa a cabeça,
pelos elementos musculares da mão, do braço, do ombro interessado s pelo na repressão de um pensament o" ( . . . ): todos êstes fenômenos misturam-
traçado do dedo indicador no espaço, mas também (e mesmo sobretudo) as se estreitame nte aos processos intelectuais como aos emocionais . As mais
que resultam, por sob as pálpebras fechadas, dos movimento s dos globos das vêzes OI! sujeitos são incapazes de elucidar se têm consciência de atitudes
oculares seguindo, por assim dizer, o traçado ou o curso do indicador. ou atitudes da consciência " (cf. SARTRE, L'Imaginai re, págs. 98-110).
A IMAGINAÇÃ O 219
218 PSICOLOGIA

§ 2. Ü ASSOCIACIONISMO
derna, desde HUME, fundou sôbre o fato da associação das idéias.
Essas criticas absolutame nte não implicam que neguemos a reali- .•.
dade da associação, Esta., aliás, não foi descooerta pelos modernos:
no De Memoria, ARISTÓTELES já lhe fizera notar o mecanismo (se- A. Leis da associação
melhança, contrarieda de e contigüidad e) . 2 s Hu:n11E não faz senão
retomar a enumeraçã o de ARISTÓTELES (Ensaio sôbre o entendimen to 202 1. Lei de semelhança. Os objetos que se assemelha m
humano, III), salvo que substitui a contigiíidad e pela causalidade , estão sujeit"os a evocar-se mutuamen te. Por seI?-e~hança cum-
a qual, aliás, reduzindo-s e à sucessão invariável, não passa de uma pre entender aqui relações de similitude quer ob1etivas ( o fato,
forma da contigüidad e. Esta classificação passou, com diversas va-
riantes, a todos os empiristas inglêses (JAMES e STUART MILL, BAIN, por exemplo, de duas pessoas terem cara~teres . fí~icos _sem~-
SPENCER) e à maioriit dos psicólogos do século XIX. Todavia, os lhantes: uma "faz pensar" na outra), quer sub1etivas, 1Sto e,
Escoceses (REID, DuGALD-STEWART, HAMILTON) procuraram explicar estabelecid as por um sujeito entre objetos diferentes , em razão
os fatos de associação não mais pelas afinidades subjetivas dos ele- das impressõe s semelhant es que produzem (caso das "&,ineste-
mentos psíquicos, isto é, pelo puro mecanismo, e sim pelas afinidades
objetivas ou afinidades resultantes das relações, essenciais ou aci- . sias" : audição colorida, ou, inversame nte, côres sonoras) .
dentais, entre os próprios objetos. Finalmente , em fins do século
XIX e prlncipios do XX, numerosos psicólogos (particularm ente
,# A fórmula dessas sinestesias ou sinopsias foi dado por BEAUDE-
RIBOT, HõFFDING, PAULHAN), convencidos da impotência do associa- LAIRE (Les Fleurs du Mal, . sonêto das «Correspo_ndências»:
cionismo puro para dar razão da vida psíquica, esforçaram -se por Comme de longs échos qui de loin se confondent
constituir uma psicologia sintética, na qual as leis da associação já En une ténébreuse et profond.e unité,
não seriam senão um aspecto ou um meio da tendência sintética ou Vaste comme la nult et comme la clarté,
.sistemática da consciência. Hoje, a Escola da Forma, e numerosos
psicólogos fora dessa Escola, contestam claramente a realidade das . Les parfums, les couleurs et Ies sons se répondent. •
pretensas leis da associação das Idéias, e esforçam-s e por dar uma Sabe-se que DEBUSSY (Prelúdios, I, n.0 4) tentou realizar, me-
explicação mais adequada dos fatos de ligação e de organização . diante harmonias e timbres, essa correspond ência. No mesmo sen-
tido é bem conhecido o Sonêto das vogais, de RnmAUD:
20.l 3. Os diversos problemas. Por aí se vê que há razão
para distinguir vários problemas diferentes . O primeiro con- A noir, E blanc, I rouge, U vert, O bleu, voyelles,
cerne ao valor das leis formuladas pelos associacionistas. O Je dirai quelque jour vos naissances latentes . .. • •
fato da associação, com efeito, não é necessària mente solidário
~ses fenômenos de sinestesias têm recebido explicações bastante
dessas leis, que resultam muito mais da interpreta ção do que diversas. A mais conhecida é a que atribui a correspond ência ao
\
da experiment.ação. O segundo problema consistirá em definir fato de as côres e sons, por exemplo, determinar em um estado emo-
)
a natureza do processo de associação e em determina r se êsse • cional comum. Por intermédio dêsse estado é que se faria a asso-
processo é realmente irredutivel e constitui uma função origi- ciação (cf. J. DE LA VAI.SSIBRE, Eléments cte Psychologie expérlment a-
nal da consciência. Enfim, um terceiro problema seria rela- le, págs. 141-144).

y tivo, não mais às associações de direito, isto é, às possibilida des 2 . Le.i de contrast.e. Duas representa ções contrastan tes
de associação, porém às associações de fato, e visaria a pre- têm tendência a evocar-se mutuamen te. Pensamos naturalme n-
cisar as causas que explicam as associações que se produzem te por antíteses (grande e pequeno, branco e prêto, generoso
em tal situação psíquica dada. e avarento, fraco e forte, claro e escuro, rico e pobre, etc.).
A razão dêsse processo parece ser que, pràticame nte, conhe-
28 De Memoria, c. II, 451, b, págs. 18-20. Cf. SANTO TOMAS, ln de
Me- cemos menos as coisas em si mesmas do que por oposição aos
moria et Reminiscentia, lect. V, n.0 384 (Pirotta): "Simillter etlam quandoque seus contrários .
reminiscitur aliquis incipiens ab aliqua re cujus memoratur, a qua procedit
ad aliam, triplici ratione. Quandoque quidem ratíone rimi!itudmis , sicut • Quais longos ecos que de longe se confundem
quando allquid aliquis memoratur de Socrate et per hoc occurrit ei Plato, Em tenebrosa e profunda unidade,
qui est slmilis ei in sapientia. Quandoque vero ratione contrarietatis, sicut 1,
Vasta como a noite e como a claridade,
si aliquis memoretur Hectoris et per hoc occurrit ei Achilles. Quandoque
vero ratione propinquitatis cuju.,cumque, sicut cum aliquis memor est patris Os perfumes, as côres e os sons se respondem.
et per hoc occurrit ei filius. Et eadem ratio est de quacumque alia propin- • • A prêto, E branco, I vermelho, U verde, O azul, vogais,
quitate vel societatis, vel loci, vel ternporis, et propter hoc fit rerniniscenti a, Algum dia direi vossas origens latentes. . . ·
quia motus horum se invicem consequuntu r".
-PSICOLO GIA A IMAGINA ÇÃO; 221
220

203 3. Lei de contigüidtkle. Duas ou varias represen tações para as imagens, assemelhar-se nada mais é que entrar de al-
têm tendênc ia a evocar-se mutuam ente, quando foram contí- guma maneira em contato. . "
guas, isto é, sim&ltâneas ou em sucessão imediat a. Tais são Tudo isso, aliás, foi comprov ado experim entalme nte. Fou-
as associações inúmera s entre sinais naturai s ou convencio- CAULT ("L' associat ion par ressemb lance", in Année psycho-
nais e coisas significadas (lágrima s-dor, fumaça-fogo, s,eta-di- logique, t. X, págs. 338 e segs.) demons trou que, por si mesmn
reção, anzol-peixe, tê.rmos-sentido das palavra s, etc.). , e fora de um juízo, a semelhança não tem nenhum vaJor asso-
A mesma lei de contigü idade explica que sejam evocada s ciativo o que equivale a dizer que a associação por semelha nça
por uma imagem as circunstâncias da experêincia original: o só pod~ realizar -se em virtude de um têrmo interme diário (con-
encontr o de um compan heiro de férias faz surgirem as ima- ceito) que convenh a a cada uma das imagens .
gens relativa s aos passeios comuns, etc. É por isto que HA- Kõm.En (Gestalt Psychology, págs. 216-220) cita numeros as
ex-
MILTON chama a essa lei lei de redintegração, sito é,
lei (!{ue
periênci as no mesmo sentido que as de FoucAm.T. E, mostra igual-
tem a propried ade de reconsti tuir o todo a partir de um dos mente que as experiên cias de EBBINGHAUS por meio de s1lab_as car~ntes
elementos. A recitaçã o de memóri a está, em grande parte, de sentido foram mal interpret adas. EBBINGHAUS pronunc iava diante e re-
fundada nisso. de um sujeito sílabas que não tinham sentido algum, pedia-~ as silabas
peti-las logo após; tendo verificad o que, as mais das vezes,
dai con-
repetida s eram as que tinham uma ou várias letras_ comuns,realidade
B. Redução cluía pela eficácia da semelha nça para a associaçao. Na ,
os sujeitos associav am as silabas, não recebend o-as pass}vam e?,te
~04 Essas três leis, segundo a teoria associac ionista, podem ser (como teria sido necessár io), mas esforçan do-se por aprend.e-la,s, isto
a se~.e-
reduzid as a duas, que seriam irredutí veis, a saber: as leis de é, por agrupá-la .s. Era, portanto , a .ativida!1e mental, -e nã~
lhança por si mesma, que estava no principio da associ_açao. Ahas,
associação por semelha nça e por contigüi dade. Esta redução a experiên cia inversa é corrente : sabe-se que mais fa~ilm~m te se
é indiscutível. Mas pode e deve ser levada mais avante, pois associam as palavras que têm sentido do que as que o nao tem.
os próprio s princípi os do associocionismo obrigam a reduzir
a semelha nça à contigüi dade, e esta à inércia, que é caracte- A associaçã~ por semelha nça é, pois, um processo intelec-
rística da matéria (I, 989). tMal exatame nte como as associações de contrári o a contrári o
(co~tra ste), de meio a fim, de causa a efeito, de parte a
1. Redução do contras te à semelhança. O contras te re- todo etc. Por conseqüência, se se suprime a ação dos fatôrei:i
duz-se à semelhança, visto não poder haver contras te (ou con- inteiect uais, já não há outro modo de associação possível a
trarieda de) senão entre objetos da mesma espécie (I, 52): per- não ser o contato ou a contigü idade.
ceber um contraste é, portanto, perceber uma semelhança. Há
canstras te entre branco e prêto, entre redondo e quadrad o, Isto equivale a dizer que os animais não podem associar de outrado
maneira . o «critério> da consciên cia sensível é essencia lmente onto.
mas não entre branco e quadrad o, nem entre prêto e avarento . contato e seu «juízo> é um juízo de proximid ade ou de. afastame
SANTO ToMAs (ln De anima, III, 'lect. XII, ns. 768 e 773) compara o
2. Redução da semelhança à contigüidade. Os ass,;cia- sensus cammun ts (64) a um centro aonde vão ter todos os
raios.
cionista s (BAIN, Sens et intelligence, págs. 522-528) não que-
rem admitir essa redução. Mas tudo o que êles contra ela 205 3. Redução da contigüidade à inércia. Finafme nte n
opõem vem só dos emprést imos que sub-rep ticiamen te fazem a associacionismo reduz tôdas as combna ições psicológ icas à sim-
concepções totalme nte diferent es da sua. Se se elimina m os ples lei da inércia. O que é perfeita mente lógico, porque, se
fatôres intelectu ais e voluntá rios, como o faz a hipótese asso- tudo se reduz a imagens e a combina ções de imagens , e se as
ciacioni sta, que, explicando a inteligê ncia pela associação, evi- imagen s são coisas sensívei s, a causa primeir a da associaç ão
denteme nte não pode recorre r à inteligê ncia para dar conta da não poderá ser nenhum a outra coisa senão o princípi o mecâni-
associação, a semelha nça reduz-se rigorosa mente à contigüi dade. co da i.nércia. Com efeito, como explicar que as imagens nas-
Com efeito, a semelha nça é uma relação somente acessível à çam, desapar eçam e tornem a nascer? Não há, nelas somente,
mente que compar a e que julga. Elemen tos, como as imagens - com que explicar êsse movimento, tampouc o como se pode ex-
átomos dos associacionistas, são absoluta mente incapaz es de plicar o vaivém das bolas no bilhar pelas própria s bolas. Se
domina r o conjunt o que compõem, para dêle deduzir semelha n- as image:ns são evocadas e recalcad as, isto só pode suceder por
ças. Entre as coisas só funcion a a contigü idade mecânica, e, um impulso exterior , que introdu z movime nto e mudanç a nos
A IMAGINAÇÃO 223
222 PSICOLOGIA

conteúdos psíquicos. Um choque faz aparecer uma imagem e O problema, especificament e cartesiano, constituirá então em
logo outras, por transmissão do movimento inicial ; outro cho- achar um ligame ou passagem entre o mundo da extensão e o
que fá-las desaparecer. mundo do pensamento, isto é, em têrmos psicológicos, entre as
idéias e as imagens. Reencontrarem os êste problema ao estu-
darmos a vida intelectual. Quanto à solução associacionista ,
C. Discussão
tem ela consistido em suprimir um dos dois têrmos, fazendo da
,, consciência um epifenômeno (1tl) ,"o que, com bastante lógica,
206 1 . Mat.e1ializ~ da consmencia. Já agora, claramente
se vê que a consciência, vara o associacionismo, nada mnis é equivalia a optar-se pelo materialismo declarado.
que o mundo da.e; coisas. Em tal universo, só são possíveis 3. Dificuldades intrínsecas do associacionismo. Atendo-
relações de contigüidade entre objetos cujas relações, regi- se ao tema central do associacionismo , pode-se demonstrar que
das pela lei de inércia, são puramente exteriores. É exata- essa teoria topa com insuperáveis dificuldades. Observa-se,
mente o ponto-de-vista cartesiano que os associacionistas re- com efeito, que, se tudo se reduzisse à lei de inércia, teríamos
tomam aqui, salvo que DESCARTES invocava especialmente a sempre as mesmas associações, porque a inércia exclui o nôvo;
contigüidade das impressões cerebrais ou das marcas deixadas
ela é essencialmente a lei do mesmo. Ora, a consciência, pelo
pelos objetos, 29 ao passo que HUME recorre à contigüidade en-
tre os próprios objetos. Mas, no século XIX, a contigüidad~ contrário, aparece-nos como instrumento de escolha, de novi-
das impressões cerebrais servirá novamente, entre os asso- dade e de invenção, o que equivale a dizer •que se trata de uma
ciacionistas, de explicação fisiológica dos fatos de associação. verdadeira espontaneidade (precisamente o contrário da inér-
cia). Ademais, a contigrü,idade permite ir seja l.á em que sen-
Em sua forma mais simples, a teoria das marcas consiste em su- tido f ôr: se o início de um verso evoca seu fim, àste deveria
por que a excitação complexa que chega ao córtex tem tendência a evocar o comêço, o que não sucede. A isso respondem os as-
se difundir nêle. Esta difusão encontra uma resistência variável se- sociacionistas que o hábito não é mais reversível. Com o que
gundo os elementos que ela atinge, e que se torna mínima do lado dos
elementos nervosos que funcionam no próprio momento ou acabam estamos de acôrdo. Mas, justamente, o hábito, como se viu (69),
de funcionar. S:sses elementos nervosos drenam a excitação. A re- não é redutível à inércia. Doutra parte, corno com ra-
petição dêste processo tem como resultado formar vias nervosas, que zão o faz observar KõHLER. (Gestalt Psychology, pág. 215),
canalizarão a excitação e a impedirão cada vez mais de difundir-se.
· a associação por simples contigüidade é algo de estranho, ab-
207 2. Mecanismo e mat.erialismo. E' claro que essa. concep- solutamente sem equivalente na natureza, onde os fenômenos
ção é de natureza filosófica e, implicitamente ao menos, está são ligados entre si não simplesmente em razão de seu conta-
na. dependência do materialismo mais radical. Na medida em to ou de sua coincidência, mas em razão das suas propriedades.
que um espiritualismo pretenda sobreviver a uma teoria dêsse Enfim, a semelhança e a contigüidade dos elementos estão tão
gênero, não há outro recurso senão fazer as idéias, só por si, longe de poder constituir totalidades, que, sem a percepção do
construírem um universo paralelo ao universo das imagens. todo, não teríamos nenhuma possibilidade de notá-los; os ele-
mentos não formariam parte do mesmo mundo, e entre êle8
29 "Assim, quando a alma
Cf.. Passions de l'llme, 1.ª parte, c. XLII:
não haveria nem semelhança nem contigüidade.
quer lembrar-se de alguma coisa, essa vontade faz que a glândula, in-
clinando-se sucessivamente para diversos lados, impila os espíritos para Foi por ter em conta esta grave objeção que o associacionismo
diversos pontos do cérebro, até que encontrem aquêle onde estão os traços propôs substitutir a explicação fisiológica da associação pelas pistas
que nêle deixou o objeto de que a pessoa quer lembrar-se: porquanto êsses ou vias nervosas, adaptada à pura contigüidade, por um esquema
vestlgios não são outra coisa senão que os poros do cérebro, por onde que leva em conta a qualidade ou natureza das excitações. Em lugar
anteriormente os espíritos passaram por causa da presença dêsse objeto, do conjunto homogêneo e indiferente que antes se admitia, imaginou-
adquiriram por isso maior facilidade que os outros para serem de nôvo se outro, heterogêneo, cujos elementos têm seu modo ou ritmo próprio
abertos da mesma maneira pelos espíritos que vêm para êles, de sorte que de funcionamento, suscetível de variar dentro de certos limites. Dêste
êsses espíritos, encontrando êsses poros, entram nêles mais fàcilmente do ponto-de-vista, a associação resultaria de uma espécie de sintoniza-
que nos outros, por meio do que excitam um movimento particular na ção ou de ãcôrdo dêsses diferentes modos ou ritmos, e poderia ser
glândula, movimento que representa à alma o mesmo objeto e lhe faz comparada ao fenómeno fisico da ressonância. Mas é evidente que al
conhecer que é aquêle do qual ela queria lembrar-se". Sôbre o mesmo sá se trata de uma complicação que em nada modifica o regime me-
assunto, ver também a carta a Mesland, 2 de maio de 1644 (Adam et cânico da .associação. Ora, o que está em questão é êsse próprio re-
Tannery, IV, 114), e a carta a Arnauld, 29 de· julho de 1648 (AT, V, 220). gime, e não-uma ou outra das suas modalidades.
A IMAGINA ÇÃO 225
224 PSICOLOGIA
de racional e lógica, e só impropri amente sã~ ª:sociações. O
D. Teoria escocesa automati smo, que parece cara~ter1 zar a associaçao tal C_?l:1º a
admitem os Escoceses, nela nao se acha, mas, ao contrar10, o
208 1. As rel~ões objetivas. Mesmo admitind o a realida- que se encontra , e no mais alto grau, é essa espontan eidade
de dos fatos de associação, HAMILTO N e DUGALD-STEWART in- intelectu al que é o sinal do espírito e da liberdade , De modo
tentaram procurar a explicação dêsses fatos não mais em leis que não resta~ como associações autêntica s, senão aquelas a
que regessem imednata mente as repre~entações, porérr nas que os Escoceses chamam acidentai s. E, para explicá-las, a
relações objetivas das próprias coisas. Escola escocesa não tem outro recurso senão voltar às leis
Essas relações podem ser ou essenciais (relações de causa do associacionismo, visto que falar de "relaçõe s" (ainda que
a efeito, de princípio a conseqüência, de meio a fim, etc.) , ou fôsse de relações objetivas ) equivale, como se viu, no domínio
acidentais (relações de sinal a coisa significa da, de semelhan - do acidental e do continge nte, a falar de contigüid ade e de
ça e de contraste , de simultan eidade temporal ou de sucessão, contato. No fundo, e apesar das aparênci as, a teoria escosesa não
de contigüid ade espacial, etc.). Donde duas formas de asso- passa de uma forma bastarda do associacionismo mecanista.
ciações: as associações essencfuis ou lógicas, que fundame n-
tam os raciocínios, argumen tos ou inferênci as imediata s, e as A tese desenvolv ida por PAULHAN, em sua obra sôbre a atividade
que
associações acidentais, que dependem de circunstâ ncias contin- menial, topa com a mesma objeção. PAULHAN, com efeito, acha com
gentes. se poderiam manter as associações por semelhan ça e contraste,
a condição de se admitir a realldade .de uma função_ de sint!:8e, cap~z
A lei geral de tôdas essas associações seria a seguinte : ele perceber as diferenças_ e as semelhan ças, que sao relaçoe_:1 e nao
todo estado de consciência é suscetível de evocar qualquer outro coisas. «Esta harmonia viva», escreve êle, -a:esta sistematlz açao sem-
estado de consciên cia com o qual tenha relações. pre em obra, esta direção geral que determina a evolução e a disso-
lução, êste pôr em atividade fenômeno s psíquicos mais ou menos
complexos, é a própria mente» (pág. 455). Assim é que, segundo
209 2. Discussã o PAULHAN, o moviment o das leis da associação das imagens estaria
subordina do a duas leis gerais da atividade psíquica. Lei da asso-
a) PrincÍ'pi,os subjetivos e princípios objetivos. Costu- ciação sistemática,: «Todo fato psíquico tende a ,associar-se e a
provocar os fatos psíquicos que com êle podem ~arm~n~z~r:se [ ... J,
mam os associaci onistas objetar à teoria escocesa que ela con- que com êle podem formar um sistema». Lei d.e inibiçao ou de
funde os princípio s objetivos e lógicos de ligação com os prin- sustaçáo (pág. 220) : «Todo fenômeno psíquico tende a impedir que
cípios subjetivo s de associação, que são os únicos que têm va- se produzam , a impedir que se desenvolv am, ou a fazer desa~are-
lor e que não são necessàri amente racionais . Mas esta obje- cerem os fenômeno s psíquicos que com êle não podem umr-se
ção não passa de uma petição de princípio , pois supõe que as segundo a lei de associação sistemátic a, Isto é, que, não podem unir-se
a êle para um fim comum». Na medida em 51ue se trat'.1-- de _atl_yldade
imagens se associam mecânica mente, •que é justamen te o que racional, pode-se assim explicar a formaçao ou· a dzsso_ciaçao das
está em questão. Em realidade , trata-se de saber se não são associações. Porém, uma vez formadas estas, resta explicar-l hes o
rel.ações objetivas, racionais ou não, que fundam a ligação das funcionam ento. Será preciso ou recorrer ainda às leis enunciada s
imagens na consciênci,a. É o que afirma a Escola escocesa, e, por PAULHAN, e, neste caso, tudo se reduz à ativida~e mental VE-
luntária isto é não há associaçã o propriam ente dita, ou entao
ao que parece, com justa razão, porquant o, se as imagens são abandon'.ar as a~sociações ao puro mecanism o das imagens. Parece
associada s na consciência, mister se faz ,que, de uma maneira que PAULHAN não escolheu entre essas duas concepções, mas que o
ou de outra, suas relações hajam sido percebid as e compre- associacio nismo que defende em seu sistema orienta-o para uma
endidas. teoria mecânica do espírito. (Cf. pág. 220: «Essa lei [. .. ] exprime
o resultado dessa luta pela existência , Incessant e e encarniça da, de
que o espírito é teatro e os sistemas psíquicos são os atores».)
b) A teoria. escocesa reduz-se ao mecanismo. A obser- Outro tanto haveria que dizer de tôdas as tentativas d~ Psico-
vação que antecede só concerne à formação das ligações, e im- logia sintética que foram feitas desde RrBOT.. Advertidos do
plicitame nte admite que, uma vez formadas , em razão de re- fracasso do atomismo associacio nista, alguns psicólogos (RIBoT,
lações objetivam ente dadas, elas funciona m automàti camen- PAULHAN, BINET, MEYERSON, JAMES, DELACROIX, SPAIER, etc.) acredi-
te e determin am a evocação mútua das imagens, que é a te_se taram poder corrigir ou emendar o associacionismo juntando aos
elementos psíquicos um princípio de síntese, espírito, pensamen to,
essencial do associacionismo. consciênc ia, etc. O problema era então explicar a relação de duas
De fato, a distinção das associações em essenciai s e aci- séries, uma sujeita ao mecanism o, e outra exterior a. êle. É o pro-s
dentais não faz senão paliar a dificuldade. Com efeito, as as- blema da alma e do corpo que reaparece em têrmos cartesiano
.sociações essenciais nada mais são do que a forma da a tivida-
A 1.MAül.N A~AV
226 PSICOLO GIA

(extensã o e pensam ento sem comuni cação possív el), e cuja


solução Ja é, como tal, um todo ori:,ânico. Não se formam sín- teó~
se tratava
é aqui tão pouco conceb,ível como no ca rtesiani sm o, onde os espírito s teses com imagen s-átom os, como em vão pretend em QS estão
d.e compreender como podia o puro pensam ento d'.rlgir ricos da "psicol ogia sintétic a", visto que as imagen s
animais . necess àriame nte ligadas a formas e a estrutu ras.
31 Por essa
razão, tôda apresentação imagin ária de um elemen to ou de
§ 3. NATUREZA DO PROCESSO DE ASSOCIAÇÃO uma parte de um todo qualquer (simult âneo ou sucessivo) im-
tização plicará a representação imaginária da estrutu ra ou do tod1,
A. Organização e sistema
,, , com o qual a imagem forma corpo. É o que em têrmos associa-
cionist as expres sa a lei de reinteg ração de HAMILTON: ""Quan-
210 Tudo o que vimos de dizer demon stra, à evidência, que do duas ou várias idéias fizeram parte do mesmo ato integra l
do que já agora se trata não é de tal ou qual forma de associa - de conhec imento , cada uma delas sugere natural mente as ou-
cionismo, mas sim do próprio associacionismo. Com efeito, estct tras". Em realida de, não há "evoca ção" de umas imagen s por
concepção, ao supor "eleme ntos" psíquicos-, imagens-átomo-~, outras, mas sim captaçã o do todo no elemento, do conjun to na
isto é, coisas na consciência, é necessàriamente mecanista. Se:, parte, conform emente aos processos de segrega ção e de inte-
pois, o mecanismo não tem lugar na consciência, cumpre renun- gração . Não são, pois, mais as imagen s que se determ inam
ciar ao associacionismo. 8 0 mutuam ente, por um jôgo mecânico, mas soment e a percepç ãu
Não se trata, aliás, de voltar às "associ ações essenci ais" ou a imagin ação que se exercem segund o suas própria s exigên-
dos Escoceses. Elas estão fora de questão , por não serem asso'- cias, conform es às exigênc ias do real, que é feito de sistema s,
ciações. Nem tôda ligação é associação, mas soment e aquela s de estrutu ras e de formas , e não de coisas indepe ndente s e de
que são acident ais, isto é, que formam todos acident ais ( I, 57) unidad es discret as.
compostos de elementos simultâ neos ou imedia tament e suces'-
sivos. Como explica r os fatos, tão numero sos, de apresen tação As estruturas precedem os elementos como tais. Su-
global e sintétic a à consciência, ao apêlo de uma parte do com- ~12 b)
plexo? Vamos ver que aqui tudo se explica, com exclusão de cede, pois, exatam ente o inverso daquilo que o associacionismo
todo encade amente mecani sta de imagen s, pelas mesma s leis supõe, e isso vale tanto para a imagin ação como para a per-
de organiz ação e de sistema tização que vimos atuand o na per- cepção (144-14 5). Sabe-se, com efeito, que todo esfôrço de
cepção, e que reenco ntrarem os na memór ia, isto é, pelo dina- evocação apóia-s e na represe ntação (clara ou confus a) de uma
mismo interno das formas e estrutu ras. forma ou de um todo; do mesmo modo que o ato de aprend er
de cor ( e de recitar de cor) consist e em formar o que BERGSON
1 . A organização. A organiz ação é a própria forma da denom inou "esque mas dinâmi cos" (Energ ie spirituelle, pági-
211
percepção, que vai espontâ neamen te às formas e às estrutu ras na 172), isto é, estrutm:-as. Dêste ponto-d e-vista, o verso é espe-
e subord ina a estas a apreen são dos elementos, de tal sorte que cialme nte favorecido, em razão das qualida des motora s de sua
tôda percepç ão distinta de elemen tos implica referên cia dêsses forma : saber versos de cor é muito mais ter a imagem do mo-
elemen tos às formas e às estrutu ras nas quais êles são suscetí - viment o e do ritmo dêles do que das palavra s de que são feitos.
veis de inserir- se, o que equival e a dizer que, por uma apreen - Notemo s, ainda, com KõHLE R (Gesta lt Psychology, Londre s,
são espontâ nea, é o todo que é apreendido na parte, e as pro- 1930, págs. 210-21 2), que uma figura deixa de ser reconh ecida
priedad es ou a função dos elemen tos é que são apreen didas no desde que os estímul os ( isto é, os elemen tos) , embora perma-
todo. Não temos por que insistir sôbre êsse caráter de nossa necend o rigoros amente os mesmos, mudam em sua disposição
ativida de percept iva, que ficou bastan te estabelecido em nosso relativ a; e, inversa mente, que uma figura é reconh ecida sem
estudo da percepção e de suas leis, senão que só :devemos su-
blinhar as conseqüências que daí resulta m sob o ponto-d e-vista s1 HõFFDI NG (Esquisse d'une Psvcholo gie
fondée sur l'e:i:périenc~
a uma sensação
da associação. pág. 164), quis distingu ir imagens impiicad as, isto é, ligadas
do todo de que
e formand o corpo com ela, e imagens livres, ou desligada s
a) Tôda imagem já é organização. A primei ra con- originàr iamente faziam parte. Mas essa distinção não parece
ter alcance
real ou fictícia
seqüên cia é que tôda imagem que provém da percepção (171) experim ental. Tôda imagem está implicad a numa estrutura
'nada mais é d~
A imagem livre de HõFFDI NG e da psicolog ia sintética
uma abstração
que a sensação pura do atomism o psicológi co. É um limite ou •
Cf. KOFFKA , Principie s of Gestalt Psvcholog11, págs. 556-571,
586-589_ tomada arbitràri amente por uma coisa ou forma .
30
'..
PSICOLO GIA A IMAGIN AÇÃO 229
228

por meio de labirintos e de caixas com armadil has; de LUBBOCK com


dificuld ade desde que sua estrutu ra não tenha mudado , a des-- dez reci-
peito das modific ações profun das introdu zidas nos elemen tos. o cão Van· de PoRTER com pardais (colocados diante de; ~e PIÉRON
pientes se~elha ntes, dos quais só um, 7ontéi:n naliment os]
interpre- sôbre os moluscos etc. Ver PIÉRON, L evolutio denem la memoir e, Pari&.
Podemos comparar com um exemplo clássico as duasassociac io- 1910). Por cons~qüência, a associação não é, nêles nem nl!I
tações. Procuro um nome esquecido. A interpreque tação s, mas sim
nista do processo de evocação consiste em dizer <a associação homem mútua evocação mecânica de imagens-átomo o. A vista do
propõe tõda.,. uma série de nomes que meu pensam ento eliminará percepção imaginári~ do todo complexo n~ element i!le pancadas no seu
por um lado, pau não evoca, no cao, a imagem desagradável tais
se forem falsos, para só adotar o verdadeiro». Mas, ? lombo, senão que forma uma só imagem com as no pancadas. Por
como poderei reconhecer o verdadeiro, a não ser que já oa conheça outras palavras, o processo não é: pau = pancad lombo e sim
Doutra parte, es~a «ass~ci_ação que propõe:t> é uma estranh máquina, '
sentido determi- pau-pancadas-no-lombo, que compõe um só todo.
que parece funcionar sozmha e, o que mais é, emficção. Na reali-
nado! Tudo isso é arbitrário e só repousa numa forma (verbal, vi- !14 B. Fat.ôres de contigüidade e de semelh ança
cdade, o esfôrço da consciência visa a preencher ao nome esquecido e
sual ou motora, pouco 4Jlporta) onde se insere pela imagem
];)rocede a ensaios diversos, que são todos guiaci,os m~is A recusa da teoria associa cionist a eviden tement e não signi-
eu meno.s precisa àa estrutur a àQ nome. Isso equivale a dizer que o
ou fica que se exclua a associação, que é um fato. Tratav a-se de
o (por sua forma
nome é ao mesmo tempo conheci do de antemã
a mostra r que as leis mais gerais do process o associa tivo tais
estrutu ra), do contrário como seria reconhecido? -, e esquecid também como acabam os de defini-l as, nada têm de mecâni co e não fa-
realmente quanto ao conteúdo elementar. Compreende-se
por que muitíssimas vêzes o nome finalmente reenconuma trado está mais zem senão traduz ir o dinami smo de uma consciê ncia cujas ten-
dências ou intençõ es vão espont âneame nte a objetos , isto é,
a.
ou menos gravemente alterado em seus elementos: os. mesma es-
trutura é compatível com certa variedade de element estrutu ras e a todos. É o que vai permit ir-nos dar seu justo
valor aos fatôres de contigü idade e de semelh ança, já agora des-
~19 2. A sist.em atiz~. A sistema tização é a fonte da vencilh ados do caráter mecâni co que lhes conferi am as teorias
maior parte das associa ções novas, que são frutos de uma in- associa cionist as.
venção. A organiz ação, com efeito, concern e aos objetos como
estrutu ras e como todos, e a sistematização é relativa às rela- _ 1 . . C~tigü idade. O func_ionamento da lei de organiz a-
ções entre obietos e à unidade funcional dos confuntos. Não çao, na f1xaçao dos grupos associa tivos, depend e certam ente da
nos referim os aqui aos sistema s lógicos, porqua nto vimos que f~tor da contigü~dade, v!sto que os todos são conjun tos, simul-
não propor cinam associa ções propria mente ditas, mas sim as tâneos ou sucessi vos, cuJos elemen tos, por definiç ão são dados
relaçõe s acident ais estabel ecidas ativam ente pelo espírito en- em séries especia is ou tempor ais. Todavi a, a orga~ização su-
tre objetos diferen tes. A esponta neidad e do espírito manife s- põe também como condição essencial que as conexões assim
ta-se ao mais alto ponto nessas aproxim ações, nessas invençõ es percebidas formem verdadeiras sínteses e todos orgânicos. Foi
de símbolos, nesses arranjo s de formas que constit uem o do- o que não compre endera m os associa cionist as, e é o que resta-
mínio específ ico dar artes e são própria s da imagin ação cria- belece, de encont ro à concepção mecaní stica dêles, o papel ati-
dora. Errado s não andara m os associa nistas estende ndo até aí vo da consciê ncia.
o campo da associação, visto que as artes e as ciência s são tri-
butária s dela. O êrro dêles foi querere m explica r mecâni ca- 2. Semelhança. A semelh ança (ou analogi a) é o fator
-
mente essa explora ção espont ânea das semelh anças e dos con- que realiza a sistema tização e explica a constit uição espontâ
r
trastes . O que aqui se trata, aplicad o ao mundo das formas e nea ou a invençã o refletid a daquilo a que se poderia chama
das qualida des, é do poder de sistema tização do espírito . os "todos lógicos", por oposição aos todos concret os formad os
pela ação da lei de organiz ação. Sem dúvida, trata-se , aqui,
Igualm ente de estrutu ras concre tas, porém cujas formas re-
ão só
Por si mesmo se compreende que, nos animais , a associaçente hu-
é pràpriam
sulta_m, nã_? mais simples mente das coincid ências espácio -tem-
depende da organiza ção, pois a sistema tização .•,.,.
mana. Porém, tampouco como no homem, não se tem
de supor no
animal o jôgo mecânico das deis de associação das imagens~. Elas porais, e ~im da percepção de relações abstratas.
ai já não seriam inteligíveis. Vimos (195) que os oanimais , como o Aí amda, o associa cionism o falseav a o mecani smo da se-
homem, lidam com objetos. Seu universo, como nosso, é antes
percepção, como mel~an ça, conferi ndo-lhe caráter puram ente mecânico. Na
de tudo um universo de coisas e de formas. Sua uma percepção de reahdad_e, seu mecani smo, que é certo, e de papel imenso, põe
o mostra a lei de constância relativa, é portantocias entes à em movim ento.ª mesma ativida de do espírito da qual depende,
formas e de todos. (Cf. as numerosas experiên ciasconcern
memória., motora ou visual, nos animais: experiên de THORND IKE em nível superio r, a·form ação dos gênero s e das espécies.
A IMAGINAÇÃO 231
230 PSICOLOGIA

Se se trata de explicar como se forma tais sistemas associativos, 216 2. Imaginação e invenção. Não há razão para reduzir
entre a massa das sistematiz ações possíveis, e como são evocados de tôda invenção a uma combinação ou sistemati zação de ima-
fato tais ou tai,; grupos associativos. é aos fatôres subjetiifos que con- gens, porque existem invenções puramen te lógicas e racionais .
virá recorrer isto é às circunstân cias concretas da atividade indi- Os sistemas filosóficos, em particula r, são outros tantos tipos
, vidual e ao 'jôgo da lei de interêsse. Quanto às circunstân cias, de construçõ es inteligfve is, que às vêzes podem dever muito à
P. JANET afirma (L'automa tisme psycholog ique, págs. 26 e segs.) que
«os estados de consciência passada se reproduze m de fato na me- imaginaç ão, mas que, como tais, não são de ordem imaginat iva.
dida em Que essa tendência à revivescên cia se compõe com as ten- Todavia, é antes às criações imaginat ivas que correntem ente
dências que correspon dem aos estados de consciênc ia do momento>. se reserva o nome de invenções. Estas criações podem concer-
A própria lei de interêsse não é senão uma precisão da lei preceden- nir quer ao domínio das artes, quer ao das ciências, quer ao
te, e recebe numerosa s apllcações. De uma parte, com efeit~, os ti- da vida prática.
pos de imaginaçã o (171) fornecerã o outros tantos tipos de sistema-
tização. Doutra pa!te, as tendência s ha~ituais o~ instin~ivas, as. ne- A vida artística é o domínio por excelênc ia da criação ima-
cessidades, a direçao presente do interesse, as 1mpressoes afetivas, ginativa, das sínteses estéticas ou combinaç ões de formas, de
tudo isso orienta as sistematiz ações, não raro mesmo sem que disso côres, de sons, etc., em que se desenvolvem a inspiraçã o e o gê-
tomemos nitidamen te consciência, e contribui para nos levar a tecer, nio pessoais do artista. A vida científica é, em grande parte,
na massa dos objetos familiares , rêdes de ligações mais ou menos .
complexa s e extensas, que de maneira mais ou menos precisa defi- questão de imaginaç ão poderosa , jâ que se trata de formar hi-
nirão as vias habituais da imaginaçã o e a forma geral da nossa póteses, de inventar experime ntações e construi r teorias que
consciênc ia. são essencial mente obras de imaginaç ão. 88 Enfim, na vida
prática, não cessa a imaginaç ão de formar novas sínteses, seja
ART. IV. CRIAÇÃ O IMAGIN ATIVA para a antecipaç ão do futuro, tal como se quereria fazê-lo ou
tal como se deve prevê-lo, seja para a solução dos múltiplos pro-
215 O estudo da associação levou-nos até o ponto em que, sob plemas que a vida cada dia suscita. Os progress os da técnica
o nome de sistemati zação, encontra mos uma das formas do são propriam ente, em tôdas as ordens, produtos da imaginaç ão
que se chama imaginação criadora, que é o instrume nto da criadora.
inversão e do descobrimento. Essa função criadora ou inven- Nesses diversos domínios, a invenção depende menos es-
tora da imaginaç ão é que temos agora de estudar, para lhe tritamen te, e às vêzes mesmo absolutam ente não depende, dos
definir a natureza e as condições de exercício . 82
fatôres lógicos que regem a invenção racional. É por isto que
as mesmas razões que nos faziam excluir da associação as or-
§ 1. NATUREZA DA IMAGINAÇÃO CRIADORA ganizaçõ es puramen te racionais (209) levam-no s aqui a reser-
var o nome de invenção às criações da imaginaç ão.
1. Reprodução e criação. A distinção clássica entre
imaginaç ão reprodut ora e imaginaç ão criadora aparecer á jus- § 2. FATÕRES DA INVENÇÃ O
tificada se se tomar cuidado de precisar o sentido dos têrmos
"reprodu ção" e "criação" . Não devem ser tomados estrita- Podem-s e distingui r três ordens de fatôres: os fatôres fi.
mente nem um nem outro. Porquant o, de uma parte, como se siológicos, psicológicos e sociais.
viu (196), a imaginaç ão nunca se limita a reproduz ir passi-
vamente as imagens; imaginar é sempre construir, compor e A. Fatôres fisioÍógicos
produzir co'Ísa nova; e, de outra parte, a imaginação, se produz
algo nôvo, pràpriamente falando não cria nada, pois tôdas as 21;7 1. O esta.do cerebral e o temperamento
suas produçõe s são feitas com materiai s fornecido s pela per-
cepção. Limita-s e essencial mente a formar sínteses novas. Ela a) Papel do cérebro. Já que a invenção depende da ima-
ginação, claro é que tudo o que favorece r a atividade imagina-
é obreira de formas inéditas.
Diremos, pois, que a imaginaç ão reprodut ora é aquela que 33
A matematiza ção das ciências ffsico-qufm icas (I, 190-192) parece
só visa a represen tar o real, ao passo que a imaginaç ão criado- afastá-Ias das vias da imaginação . Mas de uma parte, as origens do
saber
ra é a que emprega as imagens provenie ntes de nossa experiên- positivo (observacã o, experiment ação, hípóteses) são imensamen te devedoras
cia sensível, para com elas formar sínteses novas e originais . à imaginação ; e, doutra parte, mesmo em suas formas matemática s
mais
elaboradas , a ciência usa de uma simbólica (éter corrente elétrica emissão '
ondulação, etc.) de natureza nitidament e imagin~tiv a. '
32 Cf. J. SEGOND, T.-aité d'Esthétiqu es, Paris, 1947, págs. 33-62.
232 PSICOLOGIA

tiva poderá , do mesmo passo, favorec er a invenção. Por outra


r A IMAGIN AÇÃO

librado s. Reconhece-se aqui a teoria (LoMBR OSO) que faz do


233

gênio o compan heiro da neuros e, da histeri a ou da loucura .


parte, sabemo s (188) que há que consid erar o cérebro como o A primei ra vista, a experiê ncia parece confirm ar bastan -
órgão da imagin ação. Isso explica que certas toxinas ou dro- te essas observações. Muitos dos grande s criador es, artista s,
gas ( ópio, álcool, café, etc.), produz am uma superex citação ce- ou escrito res, padece ram de doença s físicas ou de psicone uro-
rebral que parece ria favorec er as criaçõe s da imagin ação.
34

dessas drogas tenha efeitos ., ses mais ou menos graves , e alguns parece que carrega m, despe
Em realida de, não parece que a ação
o berço, um temper amento psicopático. Tais foram Mozart ,
verdadeiramente favoráveis sôbre a imaginação. As extrava - Beetho ven, Schube rt, Chopin, Schum ann, Byron, Poe, Baude-
gâncias das síntese s que provoc am, como o estado geral de es- laire, Musset, Maupa ssant, Tolstoi, Rainer -Maria Rilke, Pas-
gotame nto que acarret am, constit uem o que há de mais oposto cal, Comte, Nietzsche, Kierke gaard, etc. Entreta nto, aqui,
à criação , que implica domínio das imagen s e lucidez crítica.
35
igualm ente, é preciso precata r-se do fácil sofism a: post hoc,
Dai por que, ao contrár io, a higiene cerebra l só pode é exer-- ergo propter hoc. Se é verdad e que a doença física e certas
cer influên cia feliz sôbre a imagin ação. O uso de excitan tes anomal ias psíquicas, congên itas ou adquiri das, freqüen temen-
(álcool, café) sem dúvida é útil em certos casos, com a con- te se encont ram nos grande s artistas , nem por isso logo se deve
dição de que seja moderado. Mas nada vale como o método e a conclui r que o gênio é produt o da doença ou da neurose . Dever-
ordem no trabalho, a alternância prudente dos períodos de es- se-á, antes," pensar, ou que essas enfermidades físicas ou psíqui-
fôrço e de relaxe, e a higiene física em geral. Sabe-se que os cas resultam do estado de extrem a tensão cerebral e da estafa
momen tos de maior frescor (a manhã , os período s que seguem intectu al e física provoc adas pela ativida de artístic a ou por
o repouso ) propor cionam uma ativida de mais ordena da, me- ela agrava das, 36 ou então que certos estados mórbidos, fiswos
nos febril, do que o trabalh o noturn o e os momen tos de estafa. ou psíquicos, criam acidentalmente condições favoráveis à pro-
É ilusão preferi r, às vêzes, êsses momen tos febris.
A supere x- dução artística. 87
citação cerebra l que nêles se manife sta tem papel meram ente
acident al na ·criação imagin ativa, e freqüen tement e esterili za- 219 2. Raça e hereditariooade. O recurso à raça e à here-
lhe as manife stações . Todos os cimos são calmos, diz GOETH E ditarie dade para explica r o poder criador não passa de uma
(tJber allen Gipfeln, ist Ruhe). forma da explicação fisiológica. Apenas leva mais adiante ,
218 b) O temperamento. As vêzes também se pretend eu que visto que faz intervi rem fatôres biológicos.
o poder criador da imagin ação estava ligado a certos temper a- a) A raça. Aplicad o à espécie human a, o conceito de
mentos, morme nte ao temper amento nervoso, e que êle se en- raça torna-s e muito obscuro. O que é certo, em todo caso, é
contrar ia mais amiúde em doentes do que em indivíd uos equi- que não há raça pura. Desde seu apareci mento, os homen s não
cessar~ m de se mistur ar. Tudo o que se pode admiti r é a exis-
O_ caso de BAUDEL AIRE é bem conhecid o. Sôbre· o de
Edgar Poe, tência de certos subgru pos bastan te homogêneos que represe n-
tam "raças estabil izadas" (a "raça" judia, por exempl o), no
34
LAUVRI ERE, em dois livros excelent es (L'étrang e vie d'Edgar Poe,
Émile
Paris, 1934: Lc ofnie morbide d'Edgar Poli, Paris, 1935),
projetou viva luz.
obra (pág. 319), sentido de que a mistur a human a remota a tempos muito anti-
gos. Ora, a experiê ncia parece mostra r que essas raças estabi-
"Vimos êsse homem" , escreve LAUVRI Jl:RE nesta última
no orgulho e no êxtase [ ... l a
lizadas são as menos aptas à criação imagin ativa; ao passo que
"buscar, de sua juventud e à sua morte,
suprema de sua pessoa . Do mesmo modo, em seus contos, vemos
os agrupa mentos human os saídos de mistur as recente s, bem
exaltação
fantasia, seráficas apariçõe s e quimera s odiosas, proceder em dos
tôda a sua
delirante s exa.;eros de sua natureza doentia; os mêdos, originad os numa
como os indivíd uos nascido s de pais proven ientes de grupos
étnicos diferen tes, aparec em como menos perfeit os, menos
e ào álcool, até
sensibili dade mórbida , exaspera vam-se sob a ação do ópio
de mortes ... ".
as mais herriveis visões de suplícios , de enfermid ades e ·
3õ Pode, entretan to, ·acontec er que essas formas
mórbida s da imaginaç ão
sirvam, posterior mente, de materiai s ao artista. É o que bem mostra Mozart, Beethove n, Schubert , Chopin
8): "Poe não 38 ~sse caso é freqi.ient íssimo:
LAUVRI ERE a propósit o de POE (Le génie morbide , pág. claramen te se incluem nêle. Augusto COMTE assim explicav
a também, com
ez, mas a
escreveu sob a influênc ia direta de seus delirios e da embriagu bastante razão, ao que parece, certos acidente s um pouco
humilha ntes de
dêsses estados;
frio, aproveit ando as lembranç as mais ou menos recentes Biia vida.
mente, muitas
bem melhor, tudo o que êle escreveu dêsse modo, posterior 37 Em compens ação, haveria que citar os casos, também numeros os, de
tal modo que se
e muitas vêzes refundiu -o nas suas últimas edições, de grandíss imos artistas magnific amente equilibra dos, tais,
por exemplo (em
te elabora-
podem e se devem consider ar suas obras como o produto lentamen domínios mui diferente s), Da Vinci, Bossuet, J. S. Bach,
Goethe, Hugo.
perfeitam ente
do de inspiraçõ es mais ou menos mórbidas , e de uma arte Renoir, Fauré.
lúcida".

iJ . ...
A IMAGINA ÇÃO 235
234 PSICOLOGIA

equilibra dos, fisicamen te menos regulares , não raro marcado s em particula r, das disposições. Isto bastaria para explicar,
com os estigmas da assimetri a, porém, em compensação, mais nas famílias os casos de progress ão regular, de uma geração
ricos de qualidade s excepcio nalmente desenvolvidas e, em par- a outra na ~osse de uma arte determin ada. Porém essa pró-
ticular, de aptidões para a invenção. as pria tr;nsmis são das disposições é das mais capricho sas.
, ,
Importa, aliás, logo acrescen tar que a mistura das raças
e dos sangues, se cria condições favoráveis à criação imagnativa, B. Fatôres psicológicos
não a produz automática e necessàriamente, porquant o o fator
biológico não é o único que aqui age, nem é mesmo o mais im- 221 1. Aquisições anteriores. Os Gregos diziam que as
portante. Por outra parte, a mistura nem sempre é feliz. Pode, Musas eram "filhas de Memória ". É certo, com efeito, que
mesmo, ser mui desfavorá vel, quando as diferença s são exces- :a criação artística, científica e técnica, se supõe dons inatos,
sivas: muitas vêzes, a ruptura de equilíbrio assim produzid a re- :Possuirá tanto mais recursos, amplitud e e variedad e quanto
dunda em catástrof e. mais rico tesouro de observações, de imagens e de noções a ima-
:ginação tiver à sua disposição. A pura memória nunca basta,
Desde há algum tempo pôde-se dar um fundamen to cientifico visto tratar-se de fazer algo de nôvo e original,4 e não de repetir
a estas observações, até então muito empíricas . O ponto-de- partida o passado. Porém ela é um auxiliar precioso. ° Cumpre, aliás,
foram as operações de transfusã o de sangue de um homem a outro. precat.,_· 3e de tomar essa memória sob seu aspecto quantita-
Verificava -se que essas transfusõe s acarretav am às vêzes acidentes
gravíssimos, cuja causa não se achava nem numa doença que o tivo. Muito antes, é de qualidad e que se trata, isto é, de um
doador de sangue houvesse transmitid o, nem numa falha operató- aperfeiço amento intrínsec o das faculdad es criadoras , donde re-
ria. Daí se concluiu que não se podia impunem ente efetuar wna sultam presteza, facilidad e e seguranç a na obra de criação.
mistura qualquer de sangues1. DP.pois de profundos estudos, chegou-
,, se a estabelece r que os sangues humanos podiam ser distribuíd os
em quatro grupos, e que u poder aglutinóg eno chega a seu máximo 222 2. Concentração e inspir~ . Não basta amontoa r ri-
no interior de cada grupo. a9 A partir daí, perguntou -se se cada quezas; ainda é preciso saber utilizá-la s. Para isso, é preciso
grupo não poderia, por sua predomin ância, servir para caracteriz ar organizá -las, distribuí- las por grupos hierarqui cos, em tôrno
as raças. Os ensaios realizados nesse sentido parece terem aduzido de um centro, que é o ponto sôbre o qual se dirige primeira men-
resultados interessan tes. Verifica-s e, por exemplo, que, nos Austra-
lianos e nos Bosquima mos, os grupos sanguíneo s O e A compreen - te a atenção. É isso que explica a concentração que caracteri za
o inventor e o artista, e que lhe faz referir àquilo que é objeto
\'
dem 90% dos indivíduos, Isto é, que essas raças são relativam ente
pouco mescladas e alteradas pelos cruzamen tos. Todavia, êste mé- de sua pesquisa tudo o que adquire de imagens ou de noções.
todo, quando se desce à minúcia, só conduz a dificuldad es insolúveis. -Neste sentido, NEWTON explicava que fizera sua grande des-
220 b) A hereditariedade. A experiên cia corrente não é a coberta "pensand o nela sempre". Daí essa aparênci a distraída ,
favor da transmis são do poder criador. A multidão comumen- absorta, tão freqüente nos inventore s.
te desdenha os filhos dos grandes homens. É uma opinião in- Por efeito dessa concentr ação e obstinad a atenção é que
justa. Mas é verdade que a transmissão hereditária dos dons está a imaginaç ão posta nessa espécie de atitude profética ou
artísticos é rara e inconstante. Sabe-se que os biólogos em ge- de espera orientada , altament e favoráve l à invenção desde que
ral não admitem a hereditar iedade dos caractere s adquiri- se verifique m condições externas , e que é a própria forma do
dos (I, 470), isto é, das modificações sobrevin das no curso da que denomina mos inspiração, estado no qual o inventor vê de
vida individua l. Essas modificações não se inscrever iam no repente oferecer-se-lhe, como realizada sem êle, a solução do
gérmen. Entretan to, certos fatos parecem estar a favor de uma problema , estético, científico ou técnico, que buscava. Daí o
transmis são hereditár ia de certas modalida des individua is, e, aspecto gratuito da invenção, o sentimen to de novidade que a
':~....., acompan ha, o brilho radioso de criação que a circunda . Assim
ss Cf. Ch. NICOLLE, Biologie de l'invention , Paris, 1932, pãgs. 12-25.
,
Estas observaçõe s são exatamente o oposto das teorias de GOBINEAU to Cf.. Ed. LE ROY, La Pensée intuitive, II. Invention et vérification ,
segundo as quais a inteligência e o espírito de invenção seriam privilégio Paris, 1930, pãg. 33: "(O inventor) esforça-se para reunir provisões, reser-
das raças arianas e das mais puras destas, isto é, das raças nórdicas. (Com- vas e amontoar materiais ao infinito, mesmo quando ainda não visse para
preende-se que GOBINEA U se haja atribuído origem escandinav a, e se que êsses materiais pudessem servir [ ... ] . A invenção é daquele que, no
tenha dado como descendent e dos Wikind ! ) . (Cf. seu Essai sur !'inégalité momento oportuno, dispõe de recursos mais numerosos e variados, mais
àes races humaines.J flex.lveis, mais sutis, mais poderosos, mais extraordinã rios.
ao Cf. P. LESTER, Les races humaines, Paris, 1936, pãg. 124.

J
A IMAGINAÇÃO 237
236 PSICOLOGIA
inconsciente pode ser aqui muito equívoco. É claro, com efei-
se explica que sempre se tenha visto nela como um dom ou uma to, que um inconsciente que trabalh~ só, qu~ resolva proble-
iluminação, e que muitas vêzes o próprio artista fale de uma mas complicados e elabore obras-primas, nao passa de um
verdadeira passividade da recepção da luz. E é também por isto "deus ex machina" ou de uma simples metáfora. Em reali-
que sempre uma humildade profunda assinala o verdadeiro dade O inconsciente não faz nada. Mas isso não significa que
gênio. não ~eja nada. Longe disso, porque, ao contrário, seu papel é
I
tal que sem éle n6-o haveria nem pensamento racional, nem
228 3. Os dons naturais. A criação imaginativa é, com efei- arte nem técnica. Para resumir uma questão sôbre a qual tere-
to, realmente um dom, pelas qualidades inatas que supõe. 41 mos' que voltar longamente, digamos que a inteligência é susce-
Nem o trabalho, nem o método, nem a paciência, nem o acaso, tível de habitus (hábitos intelectuais) que, como tais, são ne-
nem a perfeita posse das técnicas bastam para explicar ade- cessàriamente inconscientes, mas que condicionam a ação ex-
quadamente a invenção, que traz a marca do gênio. Isso é tremamente rápida e segura do pensamento ou da imagi~açã_o
evidente quando o poder criador se afirma com precocidade criadora. É dêsses "habitus" sobretudo que procedem a msp1-
prodigiosa, como no caso de MOZART. Mas não é menos certo ração e a intuição do gênio. São êles que explicam os casos em
dos adultos que, sem os dons naturais, jamais excederiam o ní- que uma invenção se propõe de súbito ao espírito, com a apa-
vel do academismo, em que o ofício mais seguro fracassa na rência de uma gratuidade maravilhosa. Depois de por longo
convenção e na imitação estéril, ao passo que o verdadeiro tempo haver buscado sem encontrar, de repente achamos sem
criador faz brilhar, em obras às vêzes imperfeitas qllâut.: à procurar não porque um trabalho se houvesse efetuado, sem
técnica, sua personalidade e seu gênio. 42
0 sabern:os, nas profundezas obscuras da consciência, mas por-

224 4. O inconsciente. Compreende-se agora por que a in-


venção muitas vêzes se acompanha de um assinalado caráter de pág. 51), a espécie de revelação que C. FRANCK tinha dos seus temas, e
inconsciência. Como a invenção surge repentinamente diante BARRES dizendo: "Eu não faço as coisas, as coisas é que se fazem em
mim" etc. Na Correspondência de AMPÉRE achamos exemplos assaz
da consciência clara, parece que seu principal autor seja "o nume~osos que ilustram perfeitamente o caso precedente. No início de
inconsciente". Os exemplos, sôbre êste ponto, abundam na vi- 1802 escrevia a sua mulher, a propósito de uma Memória intitulada Con-
tória das artes e das ciências. 43 Entretanto, o recurso ao side~ações sôbre a teoria do jôgo que então estava escrevendo: "Há sete
anos havia-me proposto um problema de minha invenção que não tinha
podido resolver diretamente, mas do qual por acaso descobrira uma solução
41 Sôbre êsse ponto, Mozart explica-se bem graciosamente numa carta cuja justeza eu conhecia sem poder demonstrá-la. Isso voltava-me com
que HARTMANN cita (Philosophie de l'Inconscient, trad. francesa, t. II, frequência à mente; vinte vêzes procurei sem êxito essa solução direta.
pág. 308: "Você me pergunta como trabalho [. .. ]. Quando me sinto Fáz alguns dias, minha idéia seguia-me por tôda parte; afinal, não sei
bem e estou de bom-humor, ou à noite, quando não posso dormir, os pen- como, acabo de achá-la, com uma multidão de considerações curiosas e
samentos vêm-me em grande número e sem o mínimo esfôrço. Donde novas sôbre a teoria das probabilidades" (Journal et Corresp,mdence de
e como me vêm? Nada sei... Agora, por que é que, durante meu trabalho, André-Marie Ampere, recueillis et publiés par Mme. H. C., Paris, 1872,
tomam minhas obras a forma ou a maneira que caracterizam Mozart e pág. 195). Algumas semanas depois, AMPERE escrevia de nôvo a s1:a espôsa
não se parecem com a de nenhum outro? Isso acontece, creia, como acon- a respeito da mesma Memória: "Merecia que me batesses, por nao haver
tece que meu nariz é grande e adunco, é o nariz de Mozart, enfim, e não terminado as correções que quero fazer na minha pequena Memória. Novas
o de outra pessoa. Não viso à originalidade, e ficaria mesmo muito emba- idéias sôbre essa teoria obrigaram-me a refundi-la tôda [ ... ]. Vou dizer-
raçado em definir a minha maneira. É de todo natural que as pessoas que te a chave do enigma: não só o comêço não está escrito, mas eu nem
têm realmente um ar particular pareçam tão diferentes umas das Butras: sabia romo demonstrar uma fórmula, de minha invenção, de que precisava
exterior cerno interiormente. O que bem sei, entretanto, é que não me para a última conseqüência da minha Memória. Eu procurava inutilmente
tenho d~do um mais do que o outro". essa demonstração hcrvia ~,árias dias, e isso me desgostava do trabalho: acabo
42 É o caso, por exemplo, de Chopin nos dois concertos para piano e de encontrá-la esta noite às 2 horas. Escrevo-te às 9 da manhã, e a obra
orquestra que, apenas desembarcado em Paris, êle apresentava a KALK- estará inteiramente pront~ ao meio-dia" (Journal et Correspcmdence, pági-
BRENNER. :ll:ste pareceu só distinguir nêles os desazos no tratamento da na 240).
massa orquestral e novidades pianlsticas que lhe transtornavam os hábitos. OZANAM 61screve numa carta em que narra sua estada em Paris com
43 Cf. o Euréka de ARQUIMEDES, ao descobrir subitamente, no hanho, AMPERE (Oeuvres cdmpletes d'Ozanam, t. X, 7 dez. 1831: "Ampere conhece
a lei do pêso específico dos corpos, ou o "Tudo está descoberto" de Valentim a história maravilhosamente, e lê com tanto prazer uma dissertação sôbre
HAOY, o descobrimento súbito das leis do pêndulo por GALILEU, na os hieróglifos como uma memória sôbre física ou história natural. Tudo
catedral de Pisa, a intuição instantânea do vapor como fôrça motriz por isso nêle é instintivo. As descobertas que o levaram à altura em que hoje
D. PAPIN, o descobrimento. repentino que H. POINCARÉ fêz das transfor- .se encontra vieram-lhe, diz i!le, de repente".
mações necessárias para definir as funções fucsianas (Science et Méthode,
A IMAGINAÇAU ~iYõJ'
238 PSICOLOGIA

que, dando-se as circunstânci as acidentais da inspiração ou da de arte. Os Românticos eram de opinião que o artista podia
invenção, o dinamismo intelectual definido pelo habitus favo- fazer ·obras-prima s com suas emoções. Alguns fizeram-nas
rece e determina a intuição ou a descoberta, e lhes confere com sua cólera (JUVENAL, CHÉNIER), outros com seus sonhos
uma espécie de instantaneid ade e de espontaneid ade fulguran- mórbidos, suas neuroses ou sua loucura (BAUDELAIRE, P0E,
tes. Por outros têrmos, a inspiração, a invenção e a intuição VERLAINE, D0ST0IEWSKI, NIETZSCHE)' o que ainda é uma ma-
têm condições psicológicas inconscientes, porém elas mesmas neira de se libertar dêsses males.
não o são nem podem sê-lo. 44
O. Fatôres sociais
Embora sob outra forma, foi hmbém pelo inconsciente psíquico .. --··.;.--·~·"-·"",-)o .. . ···-·~r:i.~
de FREUD tentou explicar o gênio. l!:ste, no seu entender, não nassa- 226 A imaginação criadora e a invenção são evidentemen te
ria de um processo de sublimação dos instintos, particularmen te da
libido, por efeito de transferência inconsciente das energias sexuais, condicionad as também, a um tempo em sua especificação e
não empregadas ou recalcadas, para fins todo diferentes. Mais em seu exercício, por fatôres sociais. Certos filósofos parti-
adiante, no estudo das inclinações, teremos de voltar à teoria ram mesmo, às vêzes, dessa verificação, para afirmarem que a
freudiana. invenção era todo inteira função do estado social.
225 5 . Fatôres afetivos. RIB0T ( L' hnagination créatrice, 1. Elementos sociológicos. A sociedade propõe os pro-.
págs. 27-30) explica, pela necessidade de criar e pelo interêsse, blemas a resolver, e até o quadro da sua solução.
a ação dos fatôres afetivos na imaginação criadora.
a) Os problemas a resolver. Muitas vêzes tem-se feito
a) Necessidade de criar. Tôdas as formas da invenção, observar que os problemas que a invenção deve resolver depen-
afirma RIB0T, implicam elementos afetivos, o primeiro dos quais dem estreitamen te do estado social, cultural, econômico e cien-
é a necesidade de criar. Haveria ai algo de semelhante à ativi- tífico. No caso que concerne às descobertas científicas, J.
dade institiva, com seus caracteres de necessidade, de expansão PICARD (L'invention dans les sciences, págs. 14, 32) acreditou
fácil e alegre, de entusiasmo, - e também com suas surpreen- poder enunciar as duas leis seguintes: "Uma descoberta ou
dentes habilidades, que se manifestam na criação artística ne- uma invenção só pode produzir-se se o estado da ciência o permi-
cessárias à invenção. te". "Uma descoberta ou uma invenção nasce e se desenvolve
b) Fator do interêsse. 'fôdas as disposições afetivas, de quase fatalmente se o estado da ciência o permite". A primeira
qualquer natureza que sejam, podem influir na invenção. A lei enuncia simplesment e que uma descoberta só pode produ-
imaginaçiio criadora exerce-se com tanto mais fôrça quanto é zir-se se é possível, o que é bastante claro. Não se inventa
ativada por tendências e por necessidades mais poderosas. Sa- qual-quer coisa em qualquer momento, não somente porque
be-se que papel pode desempenha r o instinto de conservação faltam as condições materiais da invenção, senão muitas vê-
individual e específico, na invenção de técnicas úteis. Viu-s~ zes,também, porque a idéia da invenção não pode mesmo apre-
mesmo (l, 149) que existe uma teoria que pretende ver nas sentar-se. Não se podia inventar a locomoção a vapor no sé-
necessidades vitais ou nas necessidades práticas da vida a ex- culo XIV, nem a lâmpada elétrica no século XVII, nem a tele-
plicação de gênese das ciências. Isso é verdadeiro, em todo grafia sem fio em meados do século XIX. As invenções e des-
caso, para as técnicas dos ofícios. Menos considerável não é o cobertas comandam-se umas às outras. O tempo desempenha
papel dos interêsses de ordem afetiva, sentimentos, emoções e aqui papel capital. Em compensação , há um momento em que
paixões. O desejo de glória, em particular, sempre foi um ex- elas se tornam, de alguma sorte, necessárias. Isso sucede quan-
citante da imaginação criadora. Mas os fatôres afetivos con- do são dadas tôdas as condições externas de sua realização. A
tribuem também amiúde para a constituição intrínseca da obra atenção geral dos sábios e dos inventores, às vêzes mesmo de
um público muito extenso, é, por essa razão, orientada numa
H Cf. A. SPAIER, La Pensée concrete, pãgs. 261-283 e 403-424. A. direção em que um ou outro deve finalmente descobrir aquilo
BURLOUD, La Pensée cnnceptuelle, Paris, 1928, pãgs. 289-332. S . BARRi:S que todos andam buscando". 4G A circulação do sangue devia
declarava que " as coisas se faziam nêle sem êle", e os irmãos THARAUD
atest:3m, falando do mesmo BARRES, que "tôdas essas venturas de des-
45 Isso explica os casos assaz freqüentes de descobrimento simultâneo.
cobrimentos, êsses achados de seu inconsciente (?) ou de seu claro pensa-
mento, iam distribuir-se aqui e acolá nas camisas de côrn, que "tudo era FERMAT e DESCARTES, por exemplo, descobrem, cada um por seu lado,
recolhido, captado"... (Mes années chez Barres, pãg. 110). a geometria analítica, NEWTON e LEIBNIZ o cálculo infinitesimal (I, 167).
PSICOL OGIA A IMAGINAÇÃO 241
240
do acha
ser descob erta no 1mc10 do século XVII, a vacina em fins e como se viu (l, 252), levando-a a seus limite s extrem os: tamen te
a lâmpa da incand escent ade como tal explic a absolu
século XVIII ou princíp ios do XIX, á-
êle, com efeito, que a socied
o, moral, ciên-
em meado s do XIX, etc. Mas absolu tamen te não era necess tôdas as invenç ões em todos os domín ios : religiã
se-
rio que essas descob ertas fôssem feitas por HARVE Y, JENNE R e cia (l, 148), direito , lógica, lingua gem, artes e técnic as não
. em cada mome nto de sua evoluç ão, senão o produt o e o
EDISON riam,
Se se trata das invenções estéticas, o papel da sociedade reflexo do estado social.
é menos .,evide nte. Nenhu ma pressão social, ao que
parece
poderia explicar as obras-primas da arte. Se a auscultaçã~ a) Papel das grandes individualidades. Essas teses ex-
pos-
media ta não houvesse sido descob erta por LAENNEC tê-lo-ia trema das esbarr am com graves objeções. Sem falar dos sua
o em que repous am, são contra ditas, em
sido por outro. Mas, se BEETHOVEN houvesse mo~rid tulado s arbitrá rios em
s
crianç a, quem teria compo sto as nove Sinfon ias? Entret anto, aplica ção ao domínio das belas- artes, pelo fato de as grande s
as algo, de revolu cionár io, e de os grande
també m neste domínio influe m os fatôre s sociais. Tôdas invenc ões terem sempr e
obras-'J)rimas trazem a marca da sua época. Tem-s e muita3 criadÓres serem geralmente uns incompreendidos e uns desco-
vêzes assina lado quanto o estado social de antes da Revolu -
çã't> nhecidos. 47 Insiste -se, é verdad e, sôbre o fato de cada época ão
se reflete na obra de MOZAR T, e que eco profun do a obra beetho ter o seu estilo, que serve de cânone comum a tôda a produç
atra- se o estilo que por algum
viana nos traz das aspiraç ões que a Revolução difund iu artísti ca. Mas a questã o é saber
ali-
vés do mundo . Como compr eender SHAKE SPEAR E fora do Renas - tempo se impõe é obra da sociedade ou das grande s person
Luís XIV, WATTE AU e cada vez mais se reconh ece que são sem-
ciment o, RACINE fora do século de dades artísti cas. Ora, -
BoucHER sem o meio social encant ador, leviano e licencioso
do pre individualidades poderosas que estão na origem das correnà-
ANN sem o Roman tismo? tes estéticas ou literár ias. O êxito delas ( que não é necess
século XVIII , CHOPIN e SCHUM como
riamen te imedia to) é que cria um estilo que se impor á
b) As formas e as técnicas. Essa influên cia do meio so- regra suprem a da arte, até o mome nto em que novos criado -
de ia
cial não se limita, aliás, a propor cionar a matér ia das obras socie- res introd uzirem um estilo e técnic as difere ntes. A tragéd
s e as técnica s. A riana
imagin ação, estend e-se até as forma foi racini ana até o Roman tismo. A músic a foi wagne es-
dade propõe, e não raro impõe, as regras a que o artista deve ação até o adven to da arte debuss ysta. RODIN exerce u sôbre a
SU?meter-se, sob penll;. de fracasso. Ela govern a a imagin cultur a uma influên cia extrao rdinár ia. A prova invers a tam-
criado ra. É o que da às obras de uma época um ar comum é bém é decisiv a: os períod os despro vidos de estilo, votado s ao
um estilo definid o (ou uma ausênc ia de estilo, que ainda academ ismo e ao ecletismo, não raro são períod os ricos
de ta-
u~a ~arca distint iva), que permi te datá-la s, e o que muitas lentos estimá veis, mas carent es de artista s verdad eirame
nte
vezes imped e tenham aceitaç ão as obras origin ais e novas. geniai s. A falta de grande s individ ualida des, a arte estagn
a-se
A sociedade usa aqui das suas sanções, que são o êxito
ou o fra- ·
ou o ridícul o. O su- na vulgar idade.
admira ção
casso, a glória ou o desdém , a
, Outro tanto cumpr e dizer mesmo dos progre ssos cientí-
cesso não é, aliás, necess àriame nte, o triunf o imediato, maciçQ a es- ficos e técnicos, que sem embar go, poster iormen te parece sem
te-
confer e à moda; pode ser
~opula r, que geralm ente só se
geral rem sido inevitá veis. De fato, não há progresso científico
tima de um meio competente, que exerce sôbre o gôsto iniciat ivas propriamente individuais. Com o tempo, esquec por
em-
reconh ecida.
uma autori dade se os gênios que traçar am o camin ho: a idéia inicial acabaNem
desapa recer ante as prodig iosas conseqüências que teve.
i27 2. Limites do social. TAINE preten deu que tôda obra de por isto é menos verdad e ter sido ela que deu origem a
tudo.
o da
arte pode ser explic ada adequ46adame nte como um produt Hoje a gente quase não se lembra mais de M0RTO N e de JACK-
retomo u esta tese, N,
raça, do meio e da sociedade. DURKH EIM SON, que inaugu raram a aneste sia pelo éter; nem de SIMPSOse,
que foi o primei ro a fazer dormi r pelo clorofó rmio. Trata-
o
,4~ TAINE, Ph.ilosophie de l'Art, I, pâgs. 7 e segs.: "As criaçoes do no entant o, de invenções admfrá veis, que, de envolt a com
se explicam pelo meio emprê go sistem ático da aneste sia por LISTER , estão na origem
espu1to humano , como as da naturez a viva, só
artista ou um grupo
ambier:i te". "Para_ compre ender uma obra de arte, um
estado geral do espírito
de artIStas, é preciso represen tar-se com exatidão o 47 Pense-s e na obscurid ade em que morrera m ;r, S. Bach, Mozart,
se acha a explicaç ão
~os c0stum 7s do tempo a que êles pertenc iam. Aí
ultima; aí reside a causa primeir a que determi na o resto"
(pág. 10). Beethov en, Schuber t.
A IMAG INAÇÃ O
243
242 PSICO LOGIA
sêres da natu-
ria das c1en- tidão espec ialíss ima para apree nder, entre os bem.
dos magn íficos progr essos da cirurg ia. A histó obra de um in- reza, relaçõ es que o comu m dos home ns não perce
cias most raria que todo progr esso cientí fico é
êsse o domín io imens o do simbolismo. Asestão obras dos poetas
divíduo. É
dessas «analo gias». Seus achad os em tôdas as
estão cheias penha papel meno s
memó rias. Nas ciênci as, a analo gia não desem
da so- igence ') cita exemp los
228 b) Natur eza da influência social. A influê ncia ment e impor tante (I, 194). BAIN (Les sems et l'intell de energ ia já co-
absol uta nem fatal. , Certa ila poder do vapor às fontes
cieda de não é, pois, nem tipico s: WATT assim tJ
vento ); HARVE Y comp ara as
es de natur eza cavalo , poder do
podem-se pôr em evidê ncia todos os ingre dient nheci das (fôrça do
revolucio- velas e suas válvul as com um corpo de bomb a munid o de sua válvu la:;
apare ntem ente mais
sociológica incluídos nas obras a influê n- LAVOI SIER comp ara a respir ação com a combu stão, e vimos (I, 366)
naria s. Mas, se isso prova de mane ira inequ ívoca bia sistem a atômi co à image m do sistem a
técnic as e nas que RUTHE RFORD conce o
cia da socie dade nas obras de imagi nação , nas a sociedade
plane tário, etc.
demo nstra r que imag ens
ciênc ias, não basta , todav ia, para 2. Diss ooi~ o. Para form ar comb inaçõ es com seus ele-
as expliq ue tôdas e em sua totali dade. as, impo rta prime iro disso ciar ou distin guir em
antig
image ns. Aí
dá aqui uma respos ta surpre enden te. Está ade de acôrd o ment os os conju ntos de que form am parte essasenos que para
DuRKH EIM
corren tes novas na socied e que ainda , é própr io do gênio saber disso ciar fenôm
no que tange à realid ade de e nova" , es-
apare nteme nte excedem o estado social. Mas
isso, acresc enta êle,
ivas, onde reina o nós form am apena s um todo indist into. "Tôd a síntes 38), parte
II, pág.
absolu tamen te não existe nas socied ades primit ON retom ou esta tese creve ED. LE ROY (La pensée íntuit ive,
confo rmism o mais absolu to. (Sabe -se que BERGS
:, 1
de demo lição
grupo s primit ivos.) Ao -de uma anális e crític a preli mina r: uma fase
e denom inou «sociedades fechad as~ êsses iro traba lho do inven tor
passo que, nas socied ades moder nas, compl exas
e movediças, o gôsto prece de-a e prepa ra-a [ ... ] . O prime iares, (as)
, pela mesm a razão que consi ste em disso lver ( êsses ) agrup amen tos famil
da inven ção e da novid ade é um fato socialuma dialét ica dêste jaez tivo mede -se prime iro
o conse rvanti smo rígido . É claro que com
! rotin as obses soras [ ... ] . O poder inven a ment e".
sempr e se poder á prova r tudo o que se quiser
pelo poder de abstr ação, de dissol ução, que libera
o imag inativ a.
biológicos e É a form a do espír ito crític o na criaçã
Em resum o, os fatôres sociais, como os fatôres impor-
tos, e não os mais
fisiológicos, só explicam certos aspec as condi ções aci- 3. Combinação ou sínt.ese. Perce ber as seme
lhanç as, dis-
tantes, da criaçã o imagi nativa . Defin em-lh e 280
tais são os meios que a
, e não as causa1 r socia r os conju ntos em seus eleme ntos:
denta is (que podem ser muito impo rtante s) inaçõ es novas . Por aí
ditas. Estas há que buscá -las no gênio parti - imag inaçã o empr ega para realiz ar comb s as-
propr iame nte ma fór- se põe de mani festo o carát er livre da inven ção. Certo
ser reduz ido a nenhu
cular do inven tor, que não pode same nte gra- 5ocia cionis tas ignor aram êsse carát er, tenta ndo reduz ir a in-
mula, nem esgot ado por nenhu m cálculo. E preci ade e de vençã o à associação por conti güida de, da qual a analo gia seria
princ ípio de novid
ças a isso é que êle é inven tor, um caso entre outro s. Após o nos30 estud o da
assoc iação , já
progr esso. tir esta tese, que reduz iria as criaçõ es
não temos por que discu O desco bri-
áveis .
§ 3. ESFÔR ÇO DE INVENÇÃO da imagi nação a simpl es resul tados favor ões, as obras
ment o das analo gias, as síntes es e as sistem atizaç
es ativa s, volun tárias e re-
A inven ção, por mais origin al e impre vista que
seja, su- de arte são os efeito s de comb inaçõ iação ,
229 const an- expli car o que quer que seja, a assoc
põe a ativaç ão, consc iente ou não, de proce ssos que fletid as: longe de
os domín ios da criaçã o ima- como se vê, é que dema ndari a uma explic ação. 48
temen te se reenc ontra m em todos e. Ao
iação , dissoc iação , comb inaçã o ou síntes
ginat iva: assoc
descr ever êsses processos, não prete ndem os, aliás, defin ir uma B.Esfôr ço de invenção
espécie de mecâ nica da invenção, mas some nte
expor os cami- 281 propô s uma teoria da inven ção destin ada a ex-
BERGSON
labor iosas in-
nhos e os meios que o esfôrç o criad or livrem ente utiliza.. plica r a um temp o sua natur eza intuit iva e as
vestig ações que impli ca.
A. Proce ssos da imaginação criadora
4 8 Cf. PAUL HAN, Psycho logie de l'inven tion, Paris,
1930, 1, II. DE-
brir e
1. Assoc iação . ~ste proce sso consi ste em desco coisas , O LACROIX, L'inve ntion et le Génie, em DUMAS, Nouvet
ru TTaité de Psvcho -
existe m entre as
utiliz ar as relaçõ es e analo gias que escrit or é sua ap- logie, t. VI, págs. 447..554.
que carac teriza o grand e artist a e o grand e
A IMAG INAÇ ÃO 245
PSICOLOGIA
244
é resol- Assim poder -nos- íamos expli car o fato de tanto s artist as acha-
1. Esqu ema dinâmico. Inve ntar, dq: BERGSON,porta de sua obra está feita desde que lhe achar am o tema ou e;
a. Ness e intui to, "a gente se trans rem que s que possa comp ortar
ver um p·roblem o, quais quer que sejam as dificu ldade
trata de reali zar" traçad partic ularm ente o caso de
um salto ao resul tado completo, ao fim que se esfôr ço de invenção a realiz ação concr eta da obra. Tal era DELAC ROIX, de Ro»IN , de
(Energie spirit uelle , pág. 185) . Todo o MOZA RT, de BEETH OVEN, de FRANC K, de
nada , dram ática e, às vê-
vai resum ir-se numa tenta tiva obsti , desta vez seguin-
!\. FAURÉ , etc,
zes, dolorosa, para alcan çar o fim entrc !visto esquema, as-
quais será realiz ado. O fim Por outra parte , seria mist er cons idera r o
do o fio contínuo dos meios pelos o todo sem as par- sim definido, mais como um ato da consc iênci a do que como uma
é, pois, prim eiram ente dado sem os meio s, e A form a ou estru tu-
eiram ente, não repre senta ção estát ica, globa l e confu sa.
tes, isto é, o inven tor acha-se colocado prim ma. A inven - ra que o carac teriz a é ~qui uma form a dinâm ica, mais tem-
diant e de uma imag em, mas diant e de um esque de movi ment o inter ior ou
poral do que espac ial, uma espéc ie
em imag ens: irá,
ção cons istirá em conv erter êsse esque ma de tendê ncia em exercício, uma "inte nção " que, ao ir-se reali -
_conc~eto". ~
9
pois, como o viu PAULHAN, "do abstr ato ao modo sua maté ria. Por isto deve r-se-i a
dmam1smo, isto é, zando, dá-se de certo
O valor do esquema medi r-se- á por seu dizer que a invenção incide sôbre o esquema
mais do que sôbre
seu pode r de desen- o recebe já fei~.
por sua rique za em imag ens virtu ais, por za .é que mui- as imagens. ~sse esque ma, o inven tor não
o. Esta próp ria rique o tenh a gerad o de sua
volvimento e de assimilaçã
inven tor um estad o de tensã o Se parec e revel ar-se -lhe sem que êle tal esque ma é
impo rá ao artis ta ou ao de, como se viu, é que
tas vêzes
ões ou das imag ens que ela próp ria rique za, a verda segun do uma lon-
extre ma pelo conflito das direç efeit o de uma espécie de matu ração súbit a,
ic3:m en~ .aquilo cient íficas ,
possibilita. O esquema represent~,' po~s, dinâm (Ene rgie spirit uelle! ga form ação de quali dade s intele ctuai s, estét icas,
de natur eza.
como Ja fe1t<? uma espéc ie
que as imag ens nos dão desen ha o que foi técni cas, que atuam , já agora , como ora tôda
pág. 199: a imag em de c~ntornos pr~cisos pode e quer ser. Na realid ade, tôda criaç ão é um dram a no qual colab
e ima-
realizado, o esquema antecipa e profe tiza o que a perso nalid ade, dons natu rais e traba lho, inteli gênc ia
socie-
e espír ito crític o, indiv idual idade e
válid a essa ginaç ão, inspi ração de antem ão,
292 2. Esqu ema e imagens. Pode -se ter como s duas ob- dade, sensi bilid ade e razão . Se a inven ção é dada
em filigr a-
para preci sá-la são neces sária numa ilumi nação súbit a, inscr ita
descrição. Todavia, como em germ e, o s6
expre ssão "pass a- o germ e e a tensã
servações. De uma parte , acha r-se- á que a mal os caminhos na no esque ma dinâmico, a iluminaçã o,
ço,
gem do -abst rato ao conc reto" defin e basta nte prom etem êxito porqu e coroa m um esfôr
se propõe antes
que segue a invenção. Parec e que o esquema SON denomi-
como um todo ou uma estru tura (aqui lo que BERG
O SON O E O SON HO
repre senta ção abstrata. ART. V.
na uma "ima gem" ) do que como uma imag inaçã o, o
ssos da perce pção e da a parec e ser
Conf orme ment e aos proce
todo. Isso expli ca 299 Há nume rosos estad os em que a consciênci
movi ment o vai diret amen te à form a ou ao é "cum prida "
1
não some nte invad ida por onda s de imag ens, mas ainda com-
tudo o que há de conti ngen te na mane ira como 1
ie de impe rialis mo da ima-
inaçã o : ao que •\ pleta ment e subm etida a uma espéc
essa form a global, prim eiram ente dada à imag o tema , o mo-
.
} \. sono e do sonho,
ginaç ão. ~sses estad os são os do devaneio, do
parec e, o que impo rta é muito mais o esquema, ,.J
bem como os sonos patológico s.
que as imag ens ou ·,· t
vimento, o ritmo , a form a e a estru tura, do
os elementos. § 1. 0 DEVANEIO

vida inter ior


Energ ie spiritu eHe, pág. 186: "0 escrito r que escrev e um roman ce, Por devaneio entende-se o fato de deixa r a
49
e situaç ões, o music ista que compõ e curso espon tâneo , numa semi-
o autor dramá tico que cria person agens
ode, todos têm, prime iro, na mais ou menos aban dona da a seu
uma sinfon ia e o poeta que compõ e uma
o exter ior ambi ente, e relax adas as fun-
mente algum a coisa de simple s e de abstra to, quero dizer de incorp óreo. inconsciência do mund
Para o music ista ou para o poeta, é uma
impre ssão nova que se trata de ções de contr ôle e de inibição.
o roman cista ou para o drama tur-
desen rolar em sons ou em image ns. Para tos, um sentim ento, indivi dual Os psicólogos dis-
go é uma tese a desenv olver em aconte cimen
Traba lha-se sôbre um . 1. Deva neio ativo e devaneio passivo.eio : o devaneio pas-
ou social, a mater ializar em person agens vivos.
chega a uma image m ti_nguem, às vêzes , duas espéc ies de devan
esque ma do todo," e o resulta do é obtido quand o se
sivo, que cons istiri a em deixa r comp letam
ente a vida inter ior
distint a dos eleme ntos•.

.
-, ,._. .. •...... -·~

PSICOLOGIA A IMAGINAÇÃO 247
246

seguir seu curso (por exemplo nos estados de fadiga, de ócio § 2. As ALUCINAÇÕES OU VISÕES HIPNAGÓGICAS
e de inércia) e que produziria uma espécie de desagregação ou 1. As Imagens hlpnagógicas. São alucinações que, na escuridão
de decomposição da consciência; e um devaneio ativo, que con- e de pálpebras fechadas, se desenrolam no campo visual (ou audi-
sistiria em construir mundos imaginários, quer por gôsto da tivo) do homem que vai adormecendo. M Mais do que nos estados
ficção ( crianças e pJ'imitivos) , quer por necessidade de fugir à ·' intermediários entre o sono e a vigilia, estas imagens ou visões
hipnagógicas se apresentam, notadamente, nas oscilaçifes súbitas
realidade (necessidade normal em caso de fadiga; necessidade entre êsses dois est~.dos, que precedem, ou podem suceder, o verda-
patológica nos "sonhadores acordados", que vivem permanen- deiro sono.
temente num mundo imaginário, em vez e em lugar de num Essas imagens do meio-sono, cujo aparecimento está condicio-
mundo real). nado por um afrouxamento da atenção à vida e pelo desinterêsse
do real, não se apresentam como percepções de objetos. Carecem,
com efeito, da localização precisa que caracteriza a percepção; não
ff4 2. Discussão. Em realidade, essa distinção parece bas- são nitidamente individualizadas, e só admitem precisões ilusórias.
tante contestável. Ela encerra, com efeito, o risco de fazer l'or isto, o esfôrço para descrevê-las posteriormente só chega a re-
compreender mal a verdadeira natureza do devaneio. sultados decepcionantes. 51 Quanto a pretender observá-las (isto é, a
desprender-se delas, ou delas se afastar, para examiná-las, como se
faz com os objetos da percepção) no momento de sua formação, é
a) Todo devaneio supõe uma parte de atividade. O de- .completamente impossível, porque a atenção voluntária não poderia
vaneio dito passivo ou se confunde, no limite, com o 1;1ono e o .senão fazé-las desaparecer. Resta explicar êsse fenômeno.
sonho, ou então é só incompletamente passivo. Fato certo é que,
no estado de fadiga ou de atenção dispersa, há sempre certa 2 . Consciência hipnagóglca. B. LEROY define a consciência
hipnagógica como «espetacular e passiva~, e compara as visões do
intervenção das funções de contrôle, visto que o devaneio con-
serva, na ligação dos seus elementos, urna lógica que geral-
~o Essas imagens são ora manchas diversamente coloridas, que se dilatam,
mente não se encontra no estado de passividade do sono. Po- ,i;e contraem, se deformam e se reformam com extrema rapidez, sem se
de-se acrescentar que a deslocação da consciência ( que é de- fixarem em figuras claramente determinadas. Outras vêzes, as imagens
mência, e não devaneio) afetaria não o regime das imagens, -têm mais fixidez, e parecem compor formas geométricas regulares: cír-
mas sim as funções de contrôle e de síntese. culos, losangos, polígonos, flôres estilizadas, rodas luminosas, etc. Mas essas
figuras geométricas nunca são imóveis: não somente seus elementos são
,dotados de uma espécie de cintilação multicor, como também elas mesmas
b) Devaneio e imaginação criadora. Por outra parte, o estão em movimento; cruzam-se, superpõem-se, fundem-se umas nas outras,
devaneio dito ativo ou se reduz às formas refletidas e volun- €iram sôbre si mesmas, sobem e descem sem descanso. As imagens dessas
tárias da imaginação criadora, ou renteia os limites da de- duas primeiras categorias é que comumente são denominadas fosfenos ou
mência. Como encerrar sob o mesmo nome processos psíqui- luzes ent6pticas. Enfim, as imagens hipnagógicas muitas vêzes são imagens
de ob;etos. B. LEROY (Les Visions du demi-sommeU, Paris, 1926) recolheu
cos tão diferentes? No primeiro caso, as ficções das crianças grande número de observações, estabelecendo que as visões do adormecimen.-
e dos primitivos ( que são uns adultos sob o regime noturno da -to evocam rostos familiares, cenas da vida quotidiana, objetos usuais, paisa-
imaginação) (1, 95), a invenção dos símbolos ou o pensamento gens, etc. De maneira geral, as imagens hipnagógicas são de ordem visual.
por sinais, por inferior que seja em relação ao pensamento ló- Mas não exclusivamente, pois certos sujeitos "ouvem" às vêzes fragmentos
de obras musicais; outras "ouvem" palavras mais ou menos claramente
gico e abstrato, não são fatos de passividade, mas, ao contrá- :articuladas, etc.
rio, manifestações de vitalidade criadora. Quanto ao caso dos 151 J . P . SARTRE (L'Imctginaire, Paris, 1940, págs. 57-59) faz notar
que sonham acordados, é evidente que seu caráter mórbido o também que a aparição do objeto, nas visões hipnagógicas, confunde-se
aproxima dos estados demenciais. Sem dúvida, há nêle formas c?m a certeza de se tratar de tal objeto, ao passo que, na percepção, como
-vunos (147), há uma fase de pré-percepção, ou fase de organização sen-
benignas: fazer "castelos no ar", por exemplo, não tem nada sorial anterior à tomada de significação. Na consciência hipnagógica não
de patológico quando é meramente acidental. Desde, porém, há nada de semelhante: o objeto dá-se desde logo como tal objeto. l!: o
que essas imaginações delirantes se tornam contínuas e siste- que claramente ressalta das descrições de B. LEROY: "Em certo momento,
máticas, já não se hesita em catalogá-las no número dos fatos de olhos fechados, vejo distintamente urna mulher que serra madeira: isso
a~arece inteiramente, como num só bloco". "Pouco a pouco aparece certo
patológicos. numero de traços leves em sentido transversal; as flôres ordenam-se em
Em suma, o devaneio é um dêsses estados intermediários forma de ~a~rez, de maneira a que suas extremidades superiores fiquem
difíceis de classificar. É ao mesmo tempo ativo e passivo; tem l>;-stante !'roxunas dessas linhas. De repente, vejo que os traços em questão
sao cordoes, e que as flôres viraram meias postas a secar; e Logo vejo
da imaginação criadora e do sonho. Parece ser como um sonho também os pegadores da lavadeira pelos quais elas estão prêsas a.,_. cordéis".
dirigido e vigiado.
248 PSICOLOGIA A IMAGINAÇÃO 249'

adormecimento a uma «representação cinematográfica em côres> centes aduziram alguma luz sôbre o mecanismo, a fisiologia e
(loc. cit, pág. 111). O que é certo é que' os objetos não são apresen- a biologia do sono, muitos pontos ainda permanecem obscuros
tados como existentes (ao contrário dos objetos do sonho) . Quanto e tornam um pouco incerta a psicologia do estado morféico.
à m9.téria de que são feitas as imagens (dados ,atuais: fosfenos, sen-
sações diversas? - lembranças? - ilusões?), a consciência hipna-
gógica não nos ensina coisa alguma. Numerosos psicólogos, entretanto, 1. O sono sob o ponto-de-vista psíquico. O estado mor-
1!,C!.mitiram que as imagens hipnagógicas dependem das luzes entópti-, féico pode ser caracterizado, de, uma parte, como um estado
cas. Mas a pouca relação que, as mais das vêzes, há entre os fosfenos e de desorganização das funções psíquicas, que afeta particular-
as imagens torna esta solução duvidosa, ao menos sob a forma em
que é comumente proposta. Para resolver o problema, o melhor mente as faculdades de atenção, de vontade e de crítica (que
meio será, sem dúvida, esforçar-se por precisar a natureza da. cons- compõem o que JANET chama a "função do real"); e, de outra
ciência h ipnagógica. parte, como um estado em que a consciência de si torna-se ex.
a) Natureza da con,sciê-n cia hipna.gógica. Primeiro, fisiologi- tremamente ensurdecida e fraca, até anular-se inteiramente,
camente há não somente abolição das sensações visuais, mas alte- ao que parece, no sono profundo.
ração mais ou menos extensa e profunda das outras sensações: a
situação do corpo é mal apreciada; os contatos, confusamente sen- a) Pstquismo do sono profundo. As àntigas investigaçõe&
tidos; tudo está imerso no vago; por essa razão, o tempo é inde- (KoHLSCHÜTl'ER, DE SANcns) haviam chegado a estabelecer que 0,
terminado. O tônus muscular relaxa-se. P·sicologicamente, o sono atinge sua maior profundeza ao cabo de uma hora ou duas,
pensamento também é impreciso, caótico, disperso; deixa-se levar depois diminui bruscamente de intensidade, continuando a decresce:r
e como que submergir; a reflexão e a atenção experimentam um .. até o despertar (fig. 14). Perguntava-se se, durante o período rela-
afrouxamento mais ou menos completo. É então que aparecem os ·1'··
';,' tivamente curto de sono profundo, o psiquismo não era completa-
fosfenos. mente abolido. As experiências feitas a êste propósito (despertar·
Desde êsse momento, a consciência torna-se, de alguma sorte. brusco do dormidor em pleno sono) estavam cheias de incertezas,.
cúmplice, enquanto se deixa <i:encantar> (segundo a feliz expressão já que o despertar artificial (lento ou brusco) corria o risco de
de J .-P. SARTRE) pelas imagens hipnagógicas; não as observa.; vive-as, deflagrar um sonho. Hoje o método electrencefalográfico (que per-
como por efeito de uma espécie de fascinação consimtida. Assim se mite explorar o cérebro do dormidor e medir de maneira precisa o.
compreende que a atenção voluntária faria desaparecer tudo, já grau e as variações de sua atividade psíquica, correspondentes aos
que libertaria a consciência, ao passo que aqui ela se tornou cativa graus e às variações dos fenômenos bio-elétricos cerebrais) não deixa
(mas não inteiramente como nos sonhos) do encantamento hipna- lugar a qualquer espécie de dúvida: a vida psíquíca continua durante
góglco. o sono profundo. ~2
b) Papel das imagens entópticas. Doravante é possível enten-
der o papel representado pelas imagens entópticas, e mais geralmen- • b) Psiquismo do sono leve. Se do psiquismo do sono profundo
te pelas diversas sensações do adormecimento. E nada mais é do havia-se podido duvidar, o dos períodos inter!Ilediários, que o pre-
que proporcionar uma matéria intuitiva a «intenções» que visam cediam ou seguiam (estados hipnagógicos, adormecimento, momentos
objetos. É o que explica que o objeto se apresente de golpe, sem de antes dll despertar), nunca foi pôsto em dúvida. Testemunha-o
preparação : com efeito, êle é constituído não pelas manchas de maneira segura não somente o fato de nos lembrarmos do sonho
entópticas ou fosfenos, com os quais, enquanto objeto, nada tem de ao acordarmos. senão que muitas vêzes também uma espécie de
comum, mas unicamente pela intenção da consclência para um semiconsciência acompanha, distinguindo-se dêle, o psiquismo da
objeto determinado, intenção que, por sua vez, deve ter sido provo- sono. O s<mhador vê-se sonha..r. Quanto à extensão do fenômeno
cada pela necessidade de dar um significado às sensações e do sonho, as múltiplas e ricas experiências de DE SANCTIS estabele-
particularmente às imagens entópticas. Estas se prestam a tôdas ceram a realidade do sonho nos animais ,superiores, nas crianças
as dnformações>. A consciência não tem que <interpretá-Ias>, como (que, no entanto, só parece começarem a sonhar pelos quatro anos).
na fase de organização sensorial da percepção: a consciência só faz e nos velhos, cujos sonhos em geral são pouco vivos. Em compen-
propor, não objetos, ma.s que vê objetos·; quer dizer, suas intenções,. sação, os idiotas sonham pouco.
como tais, são constitutiuas das imagens do estado hipnagógico. A
consciéncia deixa-se colhêr por seu próprio fôgo; vtve ou desempenha
sua representação ao mesmo tempo e com o mesmo movimento com G2 O fisiologista inglês CATON observara, em 1875, mediante experiên1.
que a forma . cias em cérebros de macaco e de coelho, a presença de correntes elétricas,
reveladas pelas oscilações do galvanômetro. Essas correntes elétricas
§ 3. 0 SONO E O SONHO pareciam estar ligadas às funções da substância cinzenta: quando estas se.
A. O sono exercem, a corrente elétrica varia nega ;ivamente. Em 1913, PRAWDICZ-
NEMENSKY teve a idéia de utilizar o galvanômetro de corda para recolher,
no cérebro do cão, oscilações de potencial, a que chamou electrocerebro.
~S5 Durante muito tempo o sono foi, segundo a expres- gramas, e 9ue, em seguida a diversos aperfeiçoamentos, passaram a ser os;
são de MYERS, a "cruz da fisiologia". · Se as investigações re- electrencefalograrnas atuais (cf. LHERMITTE, loc. cit. pãg. 174)
A IMAGINAÇÃ O 251
250 PSICOLOGIA

2. O sono sob o ponto-de-v ista fisiológico. Fisiologica- prGfundidade, em perpétua oscilação. na Ora, êsses dois carac-
mente, o sono caracteriza -se "pela perda do tônus muscular, teres são precisame nte os que em fisiologia definem a inibição.
pela supressão da inervação voluntária , rebaixame nto da ex- A inconsciência, relativa ou total, do sono deveria, pois, ser
citabilidad e, perda da diferenciaç ão das cronaxias ([, 439), e atribuída, como o suspeitara BROWN-SE QUARD, a um ato inibi-
pela tendência ao isocronismo dos grupos musculare s antagô- tório. As coisas, observa CLAPAREDE, passam-se como se hou-
nicos, diminuição da respiração e da circulaçã'o; em suma, pela vesse na origem do adormecim ento uma inibição ativa, exer-
desordem das funções vegetativa s" (J. LHERMITT E, Les méca- cida pelos centros, sôbre a função da atenção à vida. Tal como
0 fêz notar BERGSON, "dormir é desinteres sar-se.
Dorme-se na
nismes du cervau, pág. 134). em que a pessoa se desinteres sa". O sono natu-
exata medida
ral é, pois, um estado querido, desejado ou aceito, que a vontade
do que dorme é capaz de interromp er, e que deixa parcialme nte
o dormidor em relação com o exterior.
54

Explicam- se, assim, certos fenômenos bem conhecidos, que


são mistérios para a teoria passiva ou físico-quím ica do sono,
a saber: o caso da mãe adormecid a que, absolutam ente surda
a todos os demais ruídos, acorda instantâne amente mal o filho
chora oi se move; ou o caso do moleiro que desperta assim
que seu moínho pára; os casos em que a gente acorda brusca-
mente no momento querido, mesmo quando êsse momento não
7• h.ora é habitual; os casos, enfim, em que a preocupaç ão por uma
diligência a fazer, por um problema a resolver, por um traba-
Fig. 14. Curvas que indicam a profundeza do sono de um homem lho a prosseguir , suspenden do a inibição, suspendem , do mes-
de 65 anos. (Segundo DE SANCTIS, I sogni) . mo passo, o sono.
DE SANCTIS servia-se de um estesiômetro de mola (método tátil), cuja Ali experiência s de F. BREMER, úe Bruxelas, sôbre o gato, ajudam
ponta embotada era aplicada sôbre a fronte 0 do dormidor. E anotava que a entender o mecanismo inibitório. BREMER «isola~ o cérebro sepa-
pressão devia ser exerc-ida para provocar: 1. , uma reação motora qualquer
do dormidor, sem que êste acordasse (curva b); 2. , o despertar do dormidor
0
rando completam ente o mesencéfal o, de maneira que o encéfalo não
(curva a). V~-se que ambas as curvas são sensivelment e para!e!as. mais recebe da periferia outras excitações que as visuais e as olfa-
tivas. Em seguida a essa operação, o an1mal cai em estado de pro-
fundo sono natural. Segundo isso, pareceria que o sono é efeito de
um bloqueio das vias por onde passam as excitações periféricas
3. O sono sob o ponto-de-vista biológico. O sono aparece (;f. LHERMITTE, Zoe. cit., págs. 143-144) .
como "o repouso do cérebro". Mas a questão é saber se êle é
o resultado da fadiga, por intoxicação dos centros cerebrais, B. O sonho
ou se, ao contrário, é uma manifestaç ão vital de defesa contra
a fadiga ou contra o desenvolvimento dos tóxicos produzido s 237 1. Métodos para o estudo do sonho. O estudo do psiquismo do
sono pode ser abordado de várias maneiras.
durante a vigília. Na primeira hipótese, o sono seria um es-
tado passivo, como algo que se impõe ao organismo . Na se- a) Processos diretos. A introspecçã o pode proceder quer por
gunda, seria um estado ativo, análogo à expressão de um ins- .. auto-observ ação, quer por inquéri:tos e questíondrio s. Pelo primeiro
processo, esforça-se o sujeito por se lembrar daquilo que nêle se
tinto. Esta última hipótese parece a mais verossímil : não dor- passou imediatame nte antes do sono e no período do adormecim en-
mimos porque estamos intoxicados, mas a fim de não sermos to, e, depois, por descrever o mais exatamente possível os sonhos de
intoxicados. que se lembra, logo após o despertar. A comparação dêsses estados

296 4 . Mecanismo do sono. O sono natural é afetado de 53 É o que se demonstra experimenta lmente por meio dos encefalogram
as
reversibilidade e de instabilidade, isto é, de um lado o dormi- bio-elétricos .
.dor pode ser reconduzido ao estado de vigília por uma excita- 54 Os casos em que a fadiga extrema provoca um sono que põe
em
ção externa, e, de outro lado, o sono, independe ntemente de perigo o dormidor são casos-limites , que estão fora do sono normal (cf. CLA-
PAREDE, Nouveau Traité de Psychologie, de DUMAS, 1. IV, pág. 468).
qualquer influência externa, está, por si mesmo, quanto à sua
252 PSICOLOGIA
A IMAGINAÇÃO 253

deveria permitir precisar-lhes as relações (cf. MAURY, Sommetl et dar lestemunho. Ora, êsse testemunho é completamente impossível,
rêves Paris, 1878). :tste método, sem dúvida, é imperfeito, em razão como mais adiante se verá, devido à própria natureza do sonho.
da intervenção necessária da memória e dos riscos de deformação (ou,
antes do organização) que encerra (33). Mas, se se trata de estudar- 2. Mecanismo do sonho.
a sonho em si mesmo, não há outro.
a) Inibição e dinamogenia. Como é que se produz o estado

,
, , onírico? Investigações recentes pareceram demonstrar que o,pro-
cesso que condiciona os sonhos encerra dois aspectos ou condi-
ções a saber: a inibição das zonas corticais em relação com os
sentidos, e a formação consecutiva de focos cerebrais de grande ati-
vidade. A inibição resulta da atitude assumida por aquêle que quer
dormir: posição deitada, afastamento do barulho, obscuriàade,
oclusão dos olhos, exclusão de atividade intelectual, entorpecimento
A geral. Graças a essas inibições, as zonas corticais extinguem-se umas
,após outras. Mas, ao mesmo tempo, tudo o que resta de influxo
disponível na zona cortical é drenado por um ou vários focos, cuja
atividade vai traduzir-se em imagens, particularmente visuais e
cenestésic~s.
b) Privilégio das imagens visu-ais e cenestésicas. Resta, entre-
tanto, explicar essa profusão de imagens visuais e cenestésicas. Por
que é que entram em atividade os focos que lhes correspondem, ao
passo que adormecem os outros? BERGSON propôs a explicação seguinte.
Parte do fato,' bem estabelecido, de que, no sonho, a pessoa que dor-
Fig. 15. ActÕgramas (registros gráficos da mobilidade) de um ·me não deixa de experimentar grande número de impressões: táteis
menino de 10 anos. (contato, pressão, tato interno), visuais ,<luz idi~-retiniana),
cenestésicas, auditivas (movéis que estalam, rmdos extenores, ronco,
O actograma A representa o início do sono, após um dia física e psiquica- zumbidos, tilintares, silvos do ouvido, respiração), etc., e, por con-
mente calmo. O actograma B representa o início do sono do mesmo menino~ seguinte, de que, no sono ,natural, no~sos sentidios de modo algum.
a quem haviam contado, antes do sono, um conto das "Mit e uma noites" .
Dessa mobilidade física pode-se inferir a mobilidade psíquica. (Segundo, estão fechados às impressões externas e internas. Nossos sonhos
KARGER, Ueber den Sch!af des Kinàes, Berlim, 1925.) estão, pois, ao menos em parte, ligados a essas impressões.
Por que é que tudo isso, tão diverso, se traduz sobretudo em
imagens visuais e cenestésicas? A abundância das imagens cenes-
tésicas explica-se por si mesma, ao que parece, pelo fato de, no
b) Método indireto. Consiste êste método em provocar artifi- entorpecimento dos sentidos externos, a vida vegetativa continuar
cialment~ o sonho:55 ao despertar (quer natural, quer, na maioria seu curso e não cessar de se traduzir em impressões mais ou menos
das vêzes, provocado pouco após a excitação artificial), o sujeito dá vivas. Explicam-se, assim, os «sonhos premonitórios», pelos quais s~
conta do que lhe sucedeu. :tste método teria sôbre o anterior (que,. manifestàm durante a vigília. Quanto às imagens visuais, cre
aliás, êle utiliza necessàrlamente, apelando para as recordações do.
dormidor) a vantagem de permitir um estudo mais preciso da rela- BERGSON que a predominância delas resulta de nossa tendência
ção existente entre a excitação externa e o próprio sonho. Esta. fundamental a inserir tôdas as nossas percepções no quadro espacial
vantagem não é sõmente teórica. Mas, para nos podermos fiar da .visão. Essa tendência realiza-se totalmente no sonho.
regularmente nesse processo, seria preciso estarmos seguros de · ter A explicação de BERGSON é válida, mas insuficiente. Porquanto,
sido realmente a excitação externa artificial que provocou o sonho se temos uma «tendência fundamental» para visualizar as nossas
descrito pelo dormidor ao despertar. Disso, só o que sonha poderia sensações, emoções e mesmo pensamentos, resta saber por que essa
tendência se exerce de pleno no sonho. Tal é o ponto capital_ ~ue
será mister esclarecer. Mais adiante veremos que o estado omnco,
55 Produzem-se excitações visuais (projeção de uma luz viva sôbre o, pelo próprio fato de excluir a consciência reflexa, só pode comportar
dormidor), auditivas (ruídos diversos perto do dormidor ou numa peça imagens, e que, por sua própria natureza, está votado ao processo
vizinha), táteis (contatos variados sôbre diferentes partes do corpo). Por- da simbolização.
exemplo. colam-se sôbre diversos pontos do corpo, antes do sono, quadrados.
de papel gamado que esticam a pele. Uma série de experiências (em
número de 750) parecem estabelecer que os sonhos estão ligados à impressão, 238 3. Análise da ·consciência onírica. Para caracterizar a
assim produzida. Assim, quando um quadradfl de pape! foi aplicado no, consciência onírica, podemo-nos colocar seja do ponto-de-vista
dedo grande do pé, sonha-se que se caminha com dificuldade nas pontas do conteúdo do sonho, seja do de !,mas causas, seja do de sua
dos pés; a aplicação na nuca provoca, em sWJhe.,, a penosa impressão de·
observar o vôo dos aviões, etc.
forma.
A IMAG INAÇ ÃO
PSICO LOGIA
254
do sonho , o efei-·
citaç ões senso riais do sono a causa espec ífica da mesm a natu reza
e feito notar to produ zido pela excit ação física seria
a) Materiais do sonho. Muit as vêzes tem-s a são suscetiveis tante com ela. Ora, a expe -
que todos os fenômenos psíqu icos da vigíli que esta, e estar ia em relaç ão coi:is
se nos sonho s: sensa ções cenes tésic as e musc ulare s, riênc ia prov a que não há nada d1sso .
de produzir- afetiv os (emoções, a soma tógen ~
imag ens táteis , lumin osas, plást icas; estad os Por isto, a mani festa insuf iciên cia da teori
form a simbólica, údo do sonh o pela
alegr ia, triste za, etc.) ; enfim , ao meno s sob levou nume rosos psicólogos a expli car o conte com as preoc upa-
cínio s, lemb rança s, volições etc.). comb inaçã o das excit ações senso riais do sono
atos int;le ctuai s (juízo s, racio izaçã o tão par--·
Obser va FREUD que, no sonho , por faltar a consc iência reflex a, ções da vigíli a, e pelo recur so, para a" organ iação . O so-
às leis cláss icas da assoc
as opera ções racio nais não podem ser exerc idas, mas some nte signi- ticul ar dêsse s mate riais, . Mas, sem.
s). O pensa ment o conce ptual só pode de- nho torna r-se- ia, assim , um fenômeno assoc
iativo
ficada s (ou simbo lizada oposi ção ao movi mento expli cação verbalr
comp or-se em repre senta ções plásti cas, por
falar mos do fato de não have r aí senão uma
edir da image m para a idéia. 56 o caráter simb ó-
essa teoria deixa ainda sem justificação real
do pensa ment o vígil, que tende a progr
que o .sonho só pode admi tir image ns,
notáv el há no
Isso bem se comp reend e, visto lico do sonho, que é justa ment e o que de mais
impo tente s para expri mir puras relações.
estad o oníri co.
hiper amné sico
Do mesm o modo, é bem conh ecido o carát er Assim somo s levad os à conclusão de que os
mate riais do,
, com efeito , o sonho põe em ativi da- mas a título
de certo s sonho s. Às vêzes arece r do campo sonho não estão neste como em seu lugar próp rio,
des elem entos que havia m acaba do por desap as ao jôgo da imag inaçã o sim-
em certo s casos remo ntam até a pri- de simp les ocasiões apres entad o sonh o tem
da mem ória vígil, e que , que o sonho en- bólica. Como FREU D solid amen te estab elece u,
meir a infân cia do sonh ador. Acon tece, ainda psíqu icas: não é possí vel expli -
que parec eram perfe itame nte insig - porta nto causa s prop riam ente só de dentr o.
cerra múlti plos elem entos meno s adeq uada ment e) de fora, mas
vigíl ia (cf. D, La. cá-lo ( ao rá versa r meno s
nific antes e indif erent es dura nte a
FREU
Isto equiv ale a dizer que a inves tigaç ão deve form a, isto é,
Science des Rêves, págs. 10-19 ). sôbre os mate riais do sonho do que sôbre
sua
maté ria do sonho
b) Font es do sonho. Pode -se acaso expli car dorm e soo,
adeq uada - sôbre seu simb olism o, visto que a verdadeira aria sua causa
sobre vêm ao que a que, em estilo aristo télico , se cham
ment e o sonho pelas impre ssões que (ruquilo
as impressões que:
inter nas? Pen-
form a de excit ações senso riais ou de sensa ções ia soma tógen a) mate rial) não são, propriamente falando, lembrança s, en-
sou-s e isso às vêzes. Mas esta expli cação (teor sobrevém ao que dorme, nem tampouco suas que êle produz, en-
s externas, nem a quanto taÜJ, mas sim as próp rias imag ens
certa ment e é insuf icien te: nem as impressõe -
perm item expli
cenestesia, nem o jôgo das ir11,agens entópticas a obser vação de quanto puras imagens ou puros símbolos.
do sonho, visto que, segun do se elabo ra o conte údo
car a totalidade nas, que agem F'REun enum era cinco processos pelos quaiseleme ntos prove nient es
FREU D, as excit ações senso riais, exter nas ou inter os
da consc iência oníric a. Cond ensaç ão:só image m. Trans ferên cia: a
a real, mas sob
dura nte o sono, não se apres entam em sua form busc ar nas ex- de image ns divers as funde m-se numa norm al, é trans porta da a um
form a simb ólica . 07 Ao contr ário, se se deves se carga afetiv a, dissoc iada de seu objeto estran gulan do um cãozinhc>
objeto acessório (algu ém sonha que está uma pesso a que possu i um cão
R. DALB IEZ (La méthode- branc o, que de fato é o sub.:i tituto de
Eis aqui um exemp lo típico, citado por gêner o e a qual êle execr a). Dram atizaç ão: o pensa ment o
36
145: "Silbe rer, quase adorm ecido, pensa nos juízos dêsse concr etas; os ligam es lógicos
PS11Chana!ytique, I, pág.
ógica de um vasto abstr ato é tradu zido em image ns
de valor transu bjetiv o ( ... ) . Tem a alucin ação hipnag
forma m-se em image ns suces sivas. Simbo lizaçã o: uma imag em
ar e que contém as trans
círcul o ou de uma esfera transp arente que flutua no
é subst ituida por outra , cujo simbolismo tradu z, em forma dissim u-
o dessa curios a image m, acresc enta ), o conte údo da prime ira
cabeça s de todos os homen s". O sentid lada (e segun do um códig o coleti vo e típico
o círculo que rodeia tôdas as cabeça s signifi ca que sonha dor põe ordem , de ma-
R. DALB IEZ, é claro: por todos os espírit os. Trata- imagem.5 Elabo
8 ração secun dária : o
impess oais é admit ida
a valida de dos juizos
lizaçã o" do pensam ento.
i se, pois, af de uma "visua 5 8 Tomam os o têrmo "simb olizaç ão" em sentid o mais
lato que FREU D.
i 57 Se, por exemp lo, a projeç
dormi dor basta talvez para explic ar a
ão de uma ~iva luz sôbre os olhos do
produ ção de um sonho, não basta ~sta palavr a design a para nós uma
ativid ade ou função produ tora de

t
!.
para explic ar a produ ção de tal sonho
festa num salão brilha nteme nte ilumin
(ora de um incênd io, ora de uma
ado, ora da passag em súbita de
meio- dia, etc.). Do mesm o modo,
unage ns que tem sua razão imedi ata em
e que, por conseg uinte, não acha, como
(excita ções, lembr anças e saber) , senão
si mesm a, em seu própri o jôgo,
tal no real que afeta o dormi dor
um~ simple s ocasiã o de se exerc er f.'.
debaix o de um túnel para o pleno sol de Dêste pontQ -de-vi sta, os proces sos de-
, pág. 26), o toque de um despe rtar segun do sua finalid ade própri a.
faz notar FREU D (La Scienc e des R~ves o já não são mais que espéci es
1 leva a sonha r, ora quand o se ouve tocar
um sino de igreja , ora quand o se
quand o uma pilha de pratos se
conde nsação , de transf erênci a, de drama tizaçã
divers as da simbo lização .
ouve~ tilinta r os guizos de um trenó, ora
espati fa no chão.

·t .
A IMA GIN AÇÃ O
PSIC OLO GIA : ~es te
256 a a con sciê nci a em vig ília
,qe·- - que os per ceb e, isto é, par e o que son ha qu! deve atribi:,ir um
hos, utilizando seus caso, pois, é nec ess àri am ent duas preocupaçoes, seus cuidados,
.,r~'-
neira maisemouvigí menos arbitrária, em seus son
devaneios lia. sen tido simbólico, segundonças, às div ers as imp res sõe s que ex-
i, seus hábitos 1 sua s lembra as imp res sõe s mú ltip las que
afe -
o pro ble ma red und a, pois, aqu per ime nta . No utr os têrm os, pod em ser sen ão ocasiões ofe re-
299 c) . For ma _do so'Y},ho. To_d? . É o pon to sôb re o qua l mu i
~m exp lica r.º 8:rrl:bolismo oni
nco tam O dor mid or não são nem hos .
que afi rm a que os sonhos
têm um que atu a livr em ent e nos son
.,. Jus~me1:1te 1~s1stiu FREYD, o son ho tem cau sas "ps íqu ica s pró - cid as à fun ção sim bol iza nte a~ pelo que são em si me sm as
tad
se"!tido, 1Sto e (se ~un do ele ), uir á a ver - As imp res sõe s não são cap um a con sciê nci a des per ta), sen ão
pri as, e o des cob rim entson o des sas cau sas é que con stit (ist o só ser ia pos síve l par a
eto s, isto é, como símbolos.
60

dad eira exp lica ção do ho.


li- como válidas par a out ros obj que pen sa FREUD, dire mo s que
udi ana , o sonho só '[){)de exp Ass im, con tràr iam ent e ao rica,
De a<_:ôrdo com a _teo:,ia freum deseio, recalcado dur ant e a a ess ênc ia da consciência oní
de
ca:r-s_e a titu lo de realizaçao o seus elementos dos acontecimen- a função simbólica é da pró pri al, não pode senão exp rim ir-s e
vig ília e que , emb ora tom and esc a- que, desenvolvendo-se no irre sim bol ism o, aqu i, não é (se não
for ma simbólica, a fim de sob a for ma de ima gen s.
O pri a
tos ~a vigília, exp rim e-s e sobfun cio nan do, pôs to que mu ito di- ent e) um arti fíci o ou um a esc apa tór ia; é a pró tal.
a
p~r cen sur a, que con tinu EUD, La Science des Rêv es pág i- aci den talm , aqu ilo que a con stit ui com o
mm md a, dur ant e).o 5osono (FR ' for ma da con sciê nci a oní rica nto do suj eito (ist o é, aqu i, da
ito do dup lo esv aec ime
- nas 112, 132, 14~ Po r efe ndo da
obi eto (ist o é, aqu i, do mu
sono constitui con sciê nci a ref lex a) e do ssõ es, inq uie taç ões , ma -
Desd~ muito havia-se not ado que o psiquismo doem vigilla. su: per cep ção ), tudo o que de
rea i (im pre
aco nte cer sob as
de oposição à con sciê ncia son hos só pod e
muitas vezes, ~ma espécie man ifes te
consciência onírica es, que a consciência
inclinações, lestares, desejos) sucede nosão.
cede 1 com efeito, quebraança s, proponha sug estõ espécies da ima gem e da ficç
d;s_eJos, desperte lem , levavam a fazer tável,
I_~epele e rene _ga. .1!:stes fatos, bem conhecidosvol
trôl e untário deixava no sonho é um fato incontes
A «realização dos desejos» viva luz (embora mais tard e FREUD
v1g1 a red ução d-0 con
adnut1r que_ a ausencia ou sonhos as tendências obscuras do sujeito. que a análise freudiana põe em primeiras posições).
que se mam!estassem nos vista, FREUD fêz dêle objeto de investiga- haj a atenuado o intransem igente rigor de suas ach ar uma explicação
saber se se pod e ai
~etoman~o. este modoo de ram a formular a teor ia seguinte: no Mas tôda a questão está onírico. Acabamos de ver que é muito
çoes me~odicas,. q~e Jr_leva o con teúd o clar o, que nad a ·suficiente do simboli smo podem passar como
sonho, ha que . d1stmgu o, dois con t_e~ dos:
sup erpo siçã o de imagens duvidoso, primeiro pordes que muitos sonhos não sa em que FRE UD acabou
a apos1çao ou a recalca-dos (coi
ma1s é que a Justaposiça sínteses de que nor mal men te fazem par te sendo a realização de deejos Psy ch4 nali se, trad . fran cesa, Paris, 1922,
esparsas, desligadas das ado pelos des ejos e pelo s pen samentos' por ouvir: cf. Essais porque a simboli zaç ão tem uma causa, mais
e o conteúdo late nte , form za sexual, que , repr imi dos no esta do d~ págs. 17- 19) ; e, depois, pró pria forma da con sciê ncia onírica. Dêste
P~~t!cularmente de nature liberdade e se exp rim em sob a form a ger al, que consiste na e o sono , é apenas um
dos desejos, dur ant as impressões, externas
v1g1ba, recobram no sonote,sua son ho, que é de mis ter decifrar con{ ponto-de-vista, o jôgorvê nos sonhos (com
apare?~emente incoeren do
(psicanálise). Os sonhos seri am,
pois d®s elementos que inte s, m er): o clJesejo reca lcad aaz,tam
bém não
o aux1!10 <!_e métodos especiais ejos mai s secretos.
' e internas, lembrança sab ocasião, mai s ou men os efic pre sen te à
a real i2aç ao de nossos des 'represeinta senão U171J(V con sciê ncia oní rica .
é a pró pria form a da
onírico. As obs erv açõ es de fun ção simboliza,nte, que
d) _Sentido do simbolismo ida , são cap aze s de exp lica r
rica.
FREUD sa? eng enh osa s
e, sem dúv
inc ont es- 4. Natureza. da consciência. oní
g:a ~de 1:u ~er o. ~e son hos . Mas, se sub linh am fato s con stru iu. 240
air e,
sôb re ela s FRE UD J.-P . SARTRE (L' lma gin
tave1s, nao Jus tifi cam a teo
ria que
son ho a) O estado de fascinação. como um a espécie de "fa sci -
ndo que, se a "m até ria " do pág . 217 ) def ine o esta do
oní rico
Per ceb er-s e-á isto con sid era s, ext ern as e inte rna s e de nos- stê nci a". Pod er-s e-á faz er um
a idé ia
sõe exi
a tom am os de nos sas imp res o), ·essa ~té rià só naç ão sem pos ição de
rica par tind o do
so sab er ( ~º- sen tido ma is lato dês te têrmo. Como já fize mo s
rmas do sím bol apr oxi ma da da nat ure za
da con sciê nci
a leit ura
a
de
oní
um rom anc e apa ixo -
pod e ser utih za? a sob as _f~ hip nag ógi cas , pro pri am ent e fa- est ado de fas cin açã o em que
es
not ar a 1;>rop6sit~ das viso não for nec em obf eto s à con sciê n- desp erta r mat inal é um
ribo mbo de trov ão,
o
l~ndo :t~ 1mpressoes do son sciê nci a Por exem plo, o toqu e do corr ente de ar é um
só há obj eto par a um a con
60
o silv o prod uzid o por uma
cia omr1ca. Po r def iniç ão, ou um toqu e de sino s, etc.; da de jane la con tra a pare de é urna catá stro fe
• o caso de tran sfer ênci a
cita do
silv o de loco mot iva; urna
de estr ada de ferr o.
bati

59
Com o exem plo típic o,. bast a lem brar
um pou co mai s acim a.

: ..... ·. .... .... - ··~· ·-·· .


A IMAGINAÇÃ O 259
258 PSICOLOGIA

nante nos faz mergulhar . Estou lendo um romance de aven- descreve, considera- se como ;it?r, q_ue ~o~re, que ama, que fala,
turas: creio no que estou lendo, isto é, entro necessària mente etc. nesse personage m que e ele s1mbõhc~m ente ou por subs-
no seu jôgo, senão o interêsse não mais existiria. Por isso mes- tituição espontâne a. É da mesma 1?ane1ra q?e q1:1e:°. sonha
mo, o mundo da percepção enfraquece -se espantosam ente: pa- assiste às suas próprias aventuras, vivendo-as 1magmana men-
rece mesmo (salvo o caso de um choque brutal) não mais exis- te : é a um tempo ator e espectado r; seu eu tornou-se um ob-
tir para o leitor apaixonad o e enfeitiçado . Mas daí não se se- .,j eto ("o objeto-eu" ).
gue que eu deixe de ter p6r imaginári a a história que estou "
SARTRE se pergunta como é que , nas condições que acabamos de
lendo (ainda que, para lhe aumentar o interêsse e lhe ajudar descrever, pode quem sonha perguntar-s ~, às vêzes, em s?nho: _«Será
o fascínio, o autor pretenda contar uma "história verdadeir a": que não estou sonhando?~ . Isso, de feito, pare_ce implicar a mter-
de qualquer maneira, mesmo "verdadei ra", a história não pas- venção de uma consciência reflexa, incompat1vel _com. º. '."to de
sa de uma ficção, mas uma ficção na qual me encerro de algu- sonhar. Mas, de fato, trata-se de um a.to reflexo imaginan_o, pel<;>
ma sorte, e tanto mais fàcilmente quanto seu caráter de ficção qual O objeto-eu se assegura a si mesmo, isto e, sonha que nao esta
a põe ao abrigo de tôda intervençã o exterior a ela. sonhando.
Eis aí a imagem do sonho, que procede do mesmo meca- e) Volta ao estado mental da criança e do primitivo. As ~êzes
nismo de fascinação , sôbre um registro de poder muito mais tem-se caracteriza do o sonho c~mo wna forma ~o pr?cesso de disso-
lução regressiva rítmica do psiquismo, cujo prmc1p10 JAcK_SON tor-
elevado ainda. A consciência onírica, como a consciência hip- mulou sob a forma seguinte: Quando, na esfera de expressao ~1co-
nagógica, porém desta vez de maneira total, é uma consciência motora, uma instância superior sofre um enfraquecime;11to func1_?nal,
que se deixa enfeitiçar por seu próprio jógo. Porque aí é ela que a instância imediatame nte inferior logo recobra su9: 11;1-dependencia
cria a história fascinante e que a vê, ao mesmo tempo, desen- •e põe-se a funcionar segundo suas leis primitivas propnas. Em vir-
rola-se, sem aliás distinguir senão em ato vivido ( e não re- tude dêste principio, nota-se que, no sono, a inibiç_ã? momentâne a
do psiquismo consciente faz surgir uma forma de at1v1dade que obe-
flexo) essa dualidade formal que a constitui. dece a leis psicológicas definidas, que reproduzem e!11 suas linhas
gerais as leis do pensamento da criança ou do primitivo.
Sabe-se que os sonhos têm a propriedade de desenrolar- se com Do ponto de vista descritivo, estas observações são válidas._ M~s
extraordiná ria rapidez. «Em alguns segundos o sonho pode repre- a idéia de regressão, por si só, não poderia constituir uma explicaçao
sentar-nos uma série de acontecime ntos que ocupariam dias inteiros adequada, visto que haveria igualme~te que explic9:r o slmbolisID:o
durante a vigília;s.. BERGSON (E'nergie spirituelle, pág. 113) assim
explica êsse fato: «Uma multidão, tão grande como se queira, de do pensament o da criança e do primitivo. Na realidade, ~e o P~I-
imagens visuais pode ser dada de uma só vez, em panorama; com quismo da criança e (parcialmen te ao menos) o do pri~t1vo. estão
maioria de razão ao longo de um pequeno número de instantes-.. votados ao imaginário e à ficção, como o psiqU!_smo omt1co, e ~or-
Esta explicação não parece válida, pois não é a rapidez do des- que e na medida em que, num e noutro caso,,na? há nem obJet1v1-
file das imagens que pode explicar a impressão de longa duração dade no sentido estrito do têrmo, nem conscienc1a refletida. É por
que experiment a a consciência onírica. Para isso, seria preciso que isto que se pode dizer ora q.ue a criança e o primitivo vivem n? so-
nho, ora que o ,sonho faz voltar o adulto ao .estádio merntal d.a cn.ança
a duração real e sucessiva dos momentos dessa consciência coincidisse
com a sucessão das imagens. Ora, isso é impossível, visto que os e do primttivo.
ritmos de escoamento da duração da consciência e da duração dos
objetos ou cenas imaginados são (por hipótese) absolutame nte di~ !41 5. Questão da incoerência do sonho.
ferentes: trata-se, para a consciência, de alguns instantes, e, para
as cenas sonhadas, de várias horas, às vêzes de vários dias. De fato, a) O sonho e a lógica. da vigília. Multas vêzes define-se a cons-
o tempo, do mesmo modo que a extensão tmaginária, é 04ui tgU4l- ciência onírica, em relação à consciência vigil, c~mo um estado de
mente irreal; é uma qualidade intrínseca dos objetos dos sonhos, e anal"quia psíquica, afetiva e mental. O sonho sena, pois,_ caracte~i-
não a medida de uma sucessão, como na percepção do movímento. zado por sua incoerência. E esta é, de fato, a lmpressao que ele
Tal como as dimensões, a duração faz cotpo com os próprios objeto,ç. mais comumente nos deixa. As histórias mais extravagan tes e absur-
-das estão-lhe presentes; os personagens mais afastados no ~em~o e
b) O eu-objeto. O papel e a forma do "eu" no sonho têm no espaço nêle se encontram de maneira a mais natural, e as vezes
algo de inteiramen te singular. De fato, não há "eu" (formal- até se fundem pura e simplesmente; as situações menos ver_ossímeis
apresentam -se nêle e nêle se desenvolvem em lances teatrais que o
mente falando) , visto que a consciênci a reflexa se acha abolida. , sonhador contempla sem espanto. A lógica da vigília está inteira-
Somente, o sonhador vê-se sonhar. Isso ainda se passa como mente ausente.
no caso do leitor apaixonad o. :tste, com efeito, "coloca-se no Tem-se procurado explicar essa incoerência, isto é, diID:.inuí-la,
lugar" de tal ou qual personage m do romance, e, por essa mostrando que o sonho tem um sentido, e que seu absurdo e mera-
razão, à medida que decorrem os acontecim entos que o romance mente aparente. FREUD insistiu largamente sôbre êste ponto. Mas
261
A IMA GIN AÇ ÃO
PSI CO LOG IA
260
gen era liza r um tipo de explicação § 4. SO NO S PAT OLÓ GIC OS
FRE UD est á em pode valer par a
vimos que o êrr o de liza um des ejo ) que só a espécie de sonseo
(o sonho como rea ção de eção.
a todos os sonhos sem exc ins isti r no sim - Dá -se êst e nome a um
1 . Son am bul ism o. a é variável, e dur ant e o qua l o suj eito
certos sonhos, e não par mé rito de 244 ano rma l cuj a pro fun
dez seu sonho.
Fic a de pé que FRE UD aí,teve o gra nde , con trà ria - ou fal a, isto é, rea liza o
e
de faz er com pre end er que lev ant a, cam inh a, escrev
bolismo do sonho, e, por acionista, tra ta- se, não de explica.r o son ho o nat ura l ou esp ont â-
Dis ting uem -se o son am bul ismolv e no curso do sono
me nte ao princípio associ ima gen s pelo son ho, ou, o que vem a dar 2. Hip nos e.
que em ger al se des env
as
pela-s ima ge-n s, ma s sim sim ból ica da con sciê nci a oní rica . neo, est ado patológico ism voç p.do, que é um a for ma
o art ific ial ou pro sar
no mesm6 , pel a fun ção nat ura l, e o son am bul car act eri zad o pelo fato de se pod er con ver
rica . O simbolismo,
dizíamos, é a pró pri a do est ado hip nót ico ,
lado, pode apr ese nta r, par a um obs erv a-
de seu ent e
b) A org ani zaç ão oní
rica, par a a qual, no sen tido aci ma expli- com o suj eito , que ,
rên cia de um a pessoa nor ma l e per fei tam
for ma da consciência oní nem objeto. Não se pode, pois, ped ir ao dor ina dve rtid o, a apa
nem suj eito real, a qual, com bas tan te inc ert a.
cado, não há a um a reflexão sôbre o
aco rda da. 61
Qu ant o à nat ure za ádoem sono hipnótico, é coisa do hip not iza do com
sonho que se assemelheàs reg ras da lógica. De fato, o son ho é um a cil est exp lica r a rela ção
orr er
efeito, deveria obedecer alm ent e viv ido , que obedece à lóg ica da o pon to mais .difíCom o par a o sono nat ura l, ten der -se -ia a rec
irre - o hip notizador ão e da inib içã o, aqu ela <indu-
ficç ão, um rom anc e ien te essencial. As his tos da exc itaç
esp ont âne o dep en-
ficç ão, na qua l «o ilóg
ico > entra. com o i,ng reà
do que «Pe au d'âne> aos mecanismos con jun me nte. O sonambulismo
sonhos não são mais «in
coe ren tes» zindo'> est a, e rec ipr oca smo me can ism o.
tór ias dos
62
Ch ate let. deria, sem dúvida, do me
ou os contos de fad as do
sso est ud o per mi tiu -no s des -
242 6.Finalidade do sonho. . No é, do sim bol ism o oní ric o.
do son ho, isto
cob rir a cau sa efi cie nte aqu i, re-
det erm ina r-l he a finali
dade. Po dem os, ain da
Re sta e que
per fei tam ent
UD, que est abe lec eu
cor rer às teo ria s de FRE ita ção psí qui ca ( ent end end o-s e
ção à exc
o son ho, enq uan to rea es sen sor iai s,
da con sci ênc ia, im pre ssõ
po r isto tod o o con teú do , "de ve ter po r fun ção
des ejo s, sab er)
ma l-e sta res , cui dad os, sa con tin uar ", de
a fim de que o son o pos
afa sta r ess a exc ita ção , , um pe rtu r-
ser , com o lho exp rob ram
tal mo do que , "lo nge de o, que êle def end e con tra
gu ard ião do son
ba- son o, o son ho é um Int rod uct ion à la
per tur bá- lo" (FREUD,
o que é sus cet íve l de
'P8'1Jchanalíse, pág . 14 3). son ho sal va
er, com o FREUD,, que o
243 To dav ia, em vez de diz liz ado (o que , com o se
des ejo com o rea
o son o apr ese nta nd o o den tal do son ho ), "Ve rifi cam -se
cas o pa rtic ula r ou aci ism e psv cho log iqu e, pág . 75:
viu , não pas sa de um é def end er o sono, Cf. P. JAN ET, L'a utoomatdos a raz ão ou por
e biológica do sonho 61 ind ivíd uos que , por um
dir em os qu e a fin ali dad
ent da leis
ões , som ató gen as ou reg ula rme nte no pen sam três car acte res ou três
s tôd as as exc itaç os de son amb ulis mo, ant e
tra nsf orm and o em fic çõe ser iam um out ra, tive ram per íod
s: 1. Esq uec ime nto com plet o, dur
pri a, lare 9)
ticu
em sua rea lid ade pró ória , que lhe s são par pas sou dur ant e o son am-
mem se
psi cóg ena s, que , vis tas rar . o esta do de vig ilia nor
mal , de tud o o que nôv o son amb ulis mo,
de
rep ous o que dev e ass egu com plet a, dur ant e um
obs tác ulo ao son o e ao
nça -
bul ism o; 2. 0) Lem bra
e os son amb ulis mos pre ced ente s; 3.º) Lem
pas sou dur ant sou dur ant e
cepção da fin alid ade oso do sonho tor ne lnin - tud o o que se
e o son amb ulis mo, de
tud o o que se pas
que as
Par ece ria que est a cona,de pen s) que per tur bam bra nça com plet a, dur ant apr ese nta mai s exc eçõ es e irre gul arid ade s
los (ou sonhos terc eira lei
teligíveis os fato s dos pesper tar de quem dorme . Mas, par a explicar a vig ília . A
é um
o pro fun do, mas não
o sono e provocam o des ar- se- á, de um a
o pesadelo aca rre ta, not tra par te, que o
out ras" .
62 A cata plex ia tem
as apa rên cias de um son imp rev ista e irre sist íve l,
a int err upç ão do sono que , de man eira súb ita,
den tal, e, dou son o. O cata pléc tico
é priv ado
um a inib ição bru tal da
fun ção
é me ram ent e aci cer ta ma nei ra, na
par te, que o pesadelo voc a ent ra, por sua vez, de do tôn us mu scu lar de
pos tura , isto é, sofr e
ncia sub sist e inte gra lme nte :
o
des per tar que êle pro o, que é ass egu rar o repouso. O son ho é um e a cris e, a con sciê dêle , e
mu scu lar. Mas , dur ant se faz e ouv e tud o o que se diz per to
fin alid ade ger al do son conseguinte, da tran qüinte lida de do sono: enf êrm o vê tud o o que l imp ress ão de imp otên cia (ct. J. LH ERM
ITT E,
dês se rep ous o e, por lme ) se converte íve
me io exp erim ent a um a terr
todavia, convém queson êle cesse qua ndo (acaideonta vea u, pág . 156 ).
j. em per tur bad or do o e em fad iga par que dorme. Les méc ani sme $ du cer
A MEMÓRIA 263

aparentes e universais, sendo a memória sempre, no animal


como no homem, o ato de evocar as imagens do passado.
Distinguem-se, às vêzes, uma memória sensível e uma memória
intelectual. Mas, propriamente falando, não há memória intelectual:
CAPÍTULO IV
, o ato de apllcar a me&.te em noções abstratas não é um ato de me-
mória, mas de razão. Se se evocam as circunstâncias nas quais as
noções foram adquiridas, existe memória, porém memória sensivel,
A MEMóRIA visto serem imagens do passado que são evocadas. Finalmente, tôda
memória é sensível.
SUMARIO 1
2 . Reminiscência e lembrança. Distinguem-se na mem~
Art. I. NOÇAO. Definição. Reminiscência e lembrança. ria quatro momentos ou fases distintas : a fixação e a conser-
II . FIXAÇÃO E CONSERVAÇAO. Condições de fixação.
vação, a evocação, o reconhecimento e a localização das lem-
Art.
Organização. Memória imediata. Esquecimento. Dis- branças. Costuma-se acrescentar que, dessas •quatro frases,
solução .dos grupos. Inibição retroativa e ântero-ativa. só as duas últimas especificam a .memória, definida nesse caso
Deformação. Causas. Processos. Transformação eia como a f ac:uldade de reviver e de reconhecer o passado da cons-
lembrança em saber.
ciência como tal. A fixação, a conservação e a evocação seriam
Art. III . EVOCAÇÃO DAS LEMBRANÇAS. Evocação espontdnea. apenas as condições da memória, e constituiriam aquilo a que
Influência do agrupamento. Influência do campo inter- BERGSON chama a memória-hábito ou reminiscência, reprodu-
mediário. Evocação voluntária. O problema. Organi-
zação e reintegração. ção do passado sem reconhecimento, sendo a outra memória, a
Art. IV. RECONHECIMENTO E LOCALIZAÇÃO. Reconhecimen- que reconhece e localiza, a memória-lembrança ou memória
to na percepção. Reconhecimento inconsciente. Reco- propriamente dita (Matiere et Mémoíre, págs. 74 e segs.).
nhecimento consciente. Reconhecimento na memória. A Essas duas memórias, para BERGSON, não devem ser conside-
questão dos critérios. Distinção imediata. Casos de re• radas como subordinadas, mas como essencialmente distintas.
conhecimento laborioso. Localização. Reconhecimento e
localização. Quadro temporal. "O passado sobrevive-se sob duas formas distintas: 1.0 , em
mecanismos motores; 2. 0 , em lembranças independentes [ . .. ] .
Art . V. DISMNl!:SIAS, AMN:l!:SIAS, HIPERAMN:l!:SIAS. Dismné- Levando até o fim esta distinção fundamental, poder-nos-íamos
sias. Amnésias sistematizadas, localizadas ou apráxicas.
Amnésias instantâneas ou progressivas. Hiperarnnésias. representar duas memórias teoricamente independentes". A
memória-lembrança é, pois, memória do passado corno tal ; a
ART. 1. NOÇÃO memória-hábito é pura repetição mecânica.
Já fizemos notar (190) as dificuldades desta teoria. Aqui
245 1. Definição. Pode-se definir a memória corno a função bastará observar que ela se adapta bastante mal a certos fatos
de evocar ( conscientemente ou não) as imagens do passado. de memória. Com efeito, tôda gente está de acôrdo em consi-
Esta definição não deve prejulgar nada das soluções que se derar como urna atividade propriamente memorial, por exem-
deverão dar aos problemas que suscita a atividade memorial. plo, o fato de recitar um discurso decorado, ou de dar um reci-
Ela só pretende designar um fenômeno pelos seus caracteres tal de piano. Em casos dêste gênero, o passado como tal não
tem de intervir: a evocação versa diretamente sôbre as ima-
l Cf. ARISTóTELES, De Memória et Remtniscentia. SANTO TOMAS, gens como tais, e não como formando parte de meu passado.
ln Aristote!is, De Memoria et Reminíscentia, ed. Pirotta. Turim, 1928. RIBOT, Ora, se essas evocações, como todos os atos de memória, im-
Les maladíes de la mémoire, Paris, 1881. J . DE LA V AISSl:tRE, Elément~
de PS'!/Chologie expérímentarle. VAN BIERVLET, La mémoire, Paris, 1902.
plicam certos mecanismos, não podem ser reduzidas ao ·puro
W. JAMES, Précis de Psychologie, trad. de BAUDIN. BERGSON, Matiere et mecanismo automático. Seu processo, na fixação como na
Mémoire; L'énergie spírituelle, págs. 117 e segs. PIÊRON, L'évo!ution de evocação, é essencialmente o mesmo que o das imagens-lem-
la mémoire, Paris, 1910; "L'habitude et Ia mómoire" , em Nouveau Traité de branças. O fato de reconhecer subietívamente e de localizar
PS'!/chologíe de DUMAS, t. IV, págs. 67-136. KOFFKA, Principies of Gestalt wma lembrança só acrescenta, pois, uma modalidade acidental
Psycho!ogie, caps. X e XI. ·J . DELAY, L es dissolutions de la mémoiTe,
P aris, 1942 GUSDORF, Mémoire et Personne, Paris, 1951. à atividade memorial.

·:.J .,.
A MEMÓRIA 265
264 PSICOLOG IA

pois, de alguma sort~, de se71:tido contrári'!, . e só P?r equiv_oco se pode


A memória compreen de, pois, de uma parte, a evocação das ima- falar de uma «memoria -hábito». A memoria domma o habito; e, se-
gens enquanto imagens, independe ntemente de tôda referência às gundo seus níveis, ela é pensamen to e reflexão, intenção e consciência,
circunstân cias de sua formação; e, de outra parte, as lembrança s ao passo que o hábito é mecanism o e inconsciên cia.
que fazem referência ao passado. A primeira forma da memória Em sua forma mais autêntica, a memória não é nem um conjunto
versa sôbre coisas, e só acidentalm ente utiliza a evocação das cir- de imagens-l embrança s a flutuarem no fundo da consciênc ia, nem
cunstânci as vividas como meio de melhor informar a consciênc ia urll. sistema automatiz ado de hábitos mc1tores, mas sim o ato de formar ,
imaginan te. A segunda forma réfere-se às circunstân cias vividas do as imagen.s do passado segundo uma or<f,em que permita conservá- las,
meu passado, e só se apóia na evocação das coisas para melhor isto é, r elembrá-l as. Recordar- se não é pôr sob o olhar da consciênc ia
precisar o estado de consciência passado. uma imagem do passado, imóvel e fixa e subsistent e em si, mas afun-
dar-se no próprio passado e inserir-se nas suas perspectiv as articula-
3. Memória. e hábito. Será que convém reduzir o hábito à das entre si, de maneira a reviver de nôvo, segundo sua ordem tem-
memória , como se faz freqüent emente ( cf. DUMAS, N ouveau poral, as experiênc ias que êle resume.
Traité de Psychologie, t. IV, pág. 73 (PIÉRON) ? Esta redução
não parece justificad a, pois o hábito motor é, fundame n- ART. II. FIXAÇÃ O E CONSER VAÇÃO
talmente , um sistema fisiológico ( embora tenha, como se
viu (II, 72-79), na sua formação e no seu jôgo, condições psico- 246 A questão da imaginaç ão levou a estudar os processo s de
lógicas), ao passo que a memória é essencial mente um fenô- fixação e de conserva ção das imagens. Aqui só as considera -
meno psicológico (embora comporta ndo, na sua formação .e no remos sob o ponto-de -vista da memória .
seu jôgo, condições fisiológic as). A memória, reminisc ência
e lembranç a, utiliza para seus fins os mecanismos montados A. Condi~ões de fixação
pelo hábito, mas não se reduz a êle. Distingu em-se, por experiên cia corrente, o fato de reter
Com razão distingui r-se-á, por exemplo, entre repetir ga-
sem esfôrço nem vontade premedit ada, e o de fixar ativamen te
mas ou arpejos e tocar "de cor" um trecho de música. O pri- as imagens e de aprender de cor. Neste último caso, a fixação
meiro caso depende do mecanism o ( diz-se, aliás, que se tra- é ordenada diretame nte à evocação, e seu mecanism o já deve
balha para "aperfeiç oar seu próprio mecanism o"). O segun-
fazer-nos apreende r os caractere s da memória .
do caso, utilizand o o mecanismo e o automati smo do hábito,
comporta primeiro uma mirada especial das idéias ou imagens Certos psicólogos (FECHNER, RICHET) pretender am considera r a
musicais (coisa formalm ente psicológi ca), e depois uma ré-in- persistênc ia sensorial das impressõe s sensíveis após a excitação como
venção do trecho de música, que é o que há de menos mecânico o fenômeno mnemônic o eiementar . Essa persistênc ia, observa RICHET
e automáti co. (<La mémoire élémentai re>, in Revue Phílosoph ique, 1881; t. XI, pági-
nas 540 e segs.) , amortece com certa lentidão. Bastaria supor que o
Parece, pois, que não se possa afirmar que <O hábito é uma forma amortecim ento nunca é completo, para explicar a impressão mnemô-
da memória inteirame nte semelhan te às demais» (PIÉRON, no Tratté de nica e, por conseguin te, a memória. Esta opinião é um bom exemplo
DuMAs, 't. IV, pág. 72) . A razão aqui alegada é que o lugar enorme de redução abusiva de um fenômeno a suas condições. A memória é
um fenômeno menta·l, e não um fenômeno fístológico . Certamen te ela.
que se deve conceder à atividade motora na vida mental faz que se tem condições fisiológicas, aliás muito mal conhecida s. Mas não se po--
veja no hábito multo mais que uma forma de memória inferior, a de reduzi-la a essas condições, e cumpre dizer que a fixação mnemôni
saber: <Um elemento essencial suscetível de intervir de maneira quase ca (muito incerta, ainda por cima) <não represent a uma obliteraçã o
constante nos fenômeno s mnemônicos». Mas êste raciocínio é bem incomplet a da sensação, mas sim um nôvo fenômeno positivo> (DUMAS,
discutivel. Primeiram ente, é difícil compreen der que um <elemento Nouveau Traité àe Psycholog ie, t. IV, pág. 69 (PIÉRoN)), e um fenô-
essencial» só apareça de maneira «quase constante> . Ademais, mes- meno de natureza propriam ente psicológica, que deverá, portanto, re-
mo se nos resignarm os a essa anomalia, o hábito, que é apenas um ceber uma explicação psicológica.
«elemento> (is'to é, uma condição) da memória, não é portanto uma
forma da mesma. Enfim, esta condição, que é fisiológica, é irredu-
tível ao fato psicológic o da memória. 1 . A o r ~ ~ . Já focalizamos o papel da organiza ção
A oposição das duas funções torna-se bem patente no caso tipJco das imagens (186). Sôbre êste ponto, numeros as experiên cias
da irrupção da memória (ou da consciênc ia) no interior do mecanis- aduzem notáveis precisões. Podemos partir do fato, solida-
mo habitual: êste é, com isso, imediatam ente perturbad o. Desde que mente estabelecido, de que tôda percepçã o é percepçã o de for-
o pianista tenta analisar os hábitos mdtores de que usa, seu desem-
penho é marcado de. hesitações e de erros. Inversam ente, se o auto- mas e de estrutura s; de que tôda imagem está compree ndida
matismo vem a substituir -se à memória, o ato reveste, de imediato, numa estrutura ou se apresent a como _implican do uma estru-
um andament o mecânico, rígido e estereotip ado, que assinala o eclipse tura. Parece, destarte, que o poder de fixação (supostos iguais
do psiquismo próprio da memóna autêntica . Memória e hábito são,
,.·
l!
j
267
A MEM ÓRIA
PSICO LOGI A
286 o da perc epçã o
a) Fixação imediata. Todo o nosso estud iata, frisa ndo que
l à clareza, à simpli- pôli! em evidê ncia êsse fato da fixaç ão imed
todos os outro s fatôr es) será prop or ciona
pção e da imagem. 2 É simp lesm ente expe rime ntar impr essõ es suces-
cidade e à precisão estru tura l da perce perceber não é
impr essõ es como integ rada s em
o que se verif ica expe rime ntalm ente. sivas, mas sim apreender essas pção seria nece ssàri a-
totalidades. Sem essa fixaç ão, tôda perce
Expe riênc ias de Rest orff. Medi ante
enge nhos as exper iênci as, de- s falar um amig o : a
que, numa série de imag ens dadas , mais fácil e men te pont uada e desc ontín ua. Escu tamo e nós não é some nte
mons trou REsTO RFF
distin guem por seu relêvo e cada mom ento do discu rso, o que atua sôbr
mais nitid anum te se retêm as quea se que preceder am, visto
por sua organ izaçã o, ao passo que homo gene idade (ou falta de or- a pala vra pron unci ada, são as pala vras ão das prec eden tes.
um obstá culo à fixaç ão. a cada pala vra da frase e do discu rso ser funç
ganiz ação) const itui vez cada dia, apres en- dia, cada nota da
Por três vêzes, dura nte três dias, e uma tamo s uma melo
10 eleme ntos. Estas séries são ás O mesm o sucede quan do escu depe nde das an-
tam- se a 15 sujei tos três séries de mom ento de um todo temp oral,
qual , enqu anto form as móv eis.
segui ntes:
terio res e, em gera l, de tôda perc epçã o de
palav ra, 1 pequ ena roto elem entos suce ssivo s só são fixados
1 núme ro, 1 silab a, 1 côr, 1 letra, 1 quim ' Ora, verif ica-s e que os
(1)
ação, 1 fórm ula ica. medi da em que se incorporam a
1 simbolo, 1 sinal de pontu e conservados f àcilmente na ento disco rdan te,
. Ao cont rário , se um elem
(2) 1 núme ro, 9 sílaba s. uma estrutwra série cont ínua , sua
inass imilá vel, se intro duz brus came nte na
(3) 1 silab a, 9 núme ros. relêv o que alcan ça, será bem nota da e retid a,
prese nça, pelo
tos têm de ler, por exem - os elementos que ve-
Depois de apres entad as as séries, os sujei minu tos. Em segui da mas pràti came nte não terá efeit o sôbr e à estru tura de con-
plo, um texto qualq uer de jorna l dura nte dez
nham depois, por não pode r inco rpor ar-se
,, pede-se-lh es que
e
trans
(conc
creva
edem
m todos
-se-lh es
os
para
elem
isso
entos da série de que pos-
trinta segun do). Os re- junto. Daí resu lta que a ação do pass
ado imed iato depe nde
a temp oral (caso
sam lemb rar-s
acum ulado (núm ero ou sí- ante s de tudo de sua inser ção num a form
sulta dos foram os segui ntes: o elem ento rção de 22%; o elem ento cons egui nte, que a mem ória está
laba, confo rme a série ) é retido na propo análo go ao do espaço) e, por
a), na propo rção de 70%; os mesm os ele- a às estru tura s.
isolad o (núm ero ou silab
senta da em últim o lugar ), na propo r- intim amen te ligad
ment os na prim eira série (apre «mem ória imed iata> que
' tados são clara ment e em favor da organ izaçã o. b) A «iem branç a do prese nte>. J!: essa
' ção de 40% . ll:stes resul longa s, de ele- 248 de lemb rança do prese nte (Ener gte spt-
O fato de se cheg ar a reter séries , não raro multo BERG SON descr eve sob o nome.
const ituir objeç ão, porqu e êsses são ape- rltueU e, págs. 137 e segs.). «Cremos>,
escreve êle, «que a forma ção da
ment os unifo rmes não pode ço anorm al e percepção, mas coote mpor 4nea
nas casos excepcionais, que às vêzes supõ em um esfôr lemb rança nunc a é poste rior à da
Outro s casos de «mem ória absur da> (por dela. Ã medi da que a perce pção se
cria, sua lemb rança perfi la-se -lhe
nunc a duram na mem ória. se pela . Mas ordin àrlam ente a
corpo
exemplo mem ória dos horár ios de estra da de ferro ) expli cam-
tri- ao lado, como a somb ra ao lado docomo nosso ôlho veria nossa som-
form a de ritmo , de agrup ações simé iênci a não a perce be, tamp ouco
disposição dos elem entos , sob so a uma unia.o lógic a dos ele- consc
ilumi nasse cada vez que para ela se volve . . .; Quan to mais
cas, de acent o, etc., ou ainda pelo recur bra se a erá que a lemb rança possa
o privilégio da organização , tanto meno s se comp reend
ment os. Com isso acha -se restab elecid o ae refle tir nisso
do à medi da em que se realiz a a
estru tural . jama is nasce r se não se vai criannão deixa nenh um vestígio na me-
próp ria perce pção. Ou o prese nte
ias que prec edem desdo bra-s e a todo insta nte, no seu própr io jorra r,
247 2 . A memória imediata. .As expe riênc te se cham a a
móri a, ou então
em dois jacto s simét ricos , um dos quais volta a cair sôbre o passa do,
que comÍ imen últim o, a que cha-
podem ser conf irma das por isso a de fixaç ão imediata, ao passo que o outro se lança para o futur o. :mste
Enqu anto tocam 03
mem ória imed iata, aind a que aqui se trate mam os perce pção, é o único que nos intere ssa.
a. fazer de sua lemb rança . Ao afas-
ante s que de mem ória e de lemb ranç as própr ias coisas, não temo s o que
essa lemb rança como inútil , a refle xão teó-
tar a consc iênci a práti ca a ilusã o de que a lemb rança
rica tem- na por inexi stent e. Assim nasce
pág. 170: "Com o apren de!' de
2 Cf. BERG SON, L'éne rgie spirit uelle, ção instan tânea? Lê-se UJ1l sxcede à perce pção:i> .
de uma evoca há uma funçã o da me-
Em outro s têrmo s, pode r-se- la dizernaque
memó ria, quand o não é em vista
mente , depoi s divide -se o mesm o em parág rafos ou seções , sorte , espes sura do prese nte. A
trecho atenta Obtém -se assim uma visão móri a que .çe exerce, dJe algum ca
or.
levan do em conta sua organ ização interi or do esque ma insere m-se as , a f-0rm ação de imag ens resid uais ou
Então , no interi perce pção deter mina , com efeito confe re um carát er de relat iva
imag ens ltvres , às quais a mem ória
esque mátic a do conju nto.
-se com a idéia domin ante as idéias dão, trata -se meno s de mem ória
expre ssões mais notáv eis. Relac ionam fixide z. De fato, para falar com exati
com as idéias subor dinad as as palav ras domin antes e repre sen- mem ória. As imag ens livres , por
subor dinad as; palav ras interm ediári as que as que das cond ições ou mate riais da
essas palav ras, enfim , as
i:'tiva s, e com
ligam como uma cadeia .
8 Cf. KOFF KA, Princ ipies of Gesta lt PS'l/ch
o!ggy, págs. 486-487. de ia forme , pág. 158.
!ogiqu e, Louva in (A71,114!,:s Ct. P . GUIL LAUM E, La Psych o!ogie
4 Ct. MICH OTI'E , Deux étude s sur !a mémo ire
5

de Philos ophie , 1912, 1913) .


lnat. Sup.

J
·'J:: ..
A MEMÓRIA 269

268 PSICOLOGIA
que se referem à paixão em jôgo, assim também a debilitação
um 11;do, e contràrlamente ao que pensa BERGSON, não têm nenhuma ou o desaparecimento dessa paixão tem por efeito desagregar
relaçao
a d formal
b com
· o passado como tal ' e , por outro lado, sao
- 1nca- o complexo afetivo.
P zes e so revive; por si ~esmas; sua sobrevivência é função do O esquecimento pode ainda resultar quer passivamente
uso que a adaptaçao _Perceptiva, o pensamento, a arte ou a técnica do desuso (lei de obliteração: o esquecimento, a princípio rá-
P?dem fazer delas, utilizando-as para seus próprios fins. Deixadas a
si mesmas, elas_ se degradam pouco a pouco porém fatalmentº pido, vai aumentando, porém de maneira cada vez mais lenta)
., nada pode salva-las da morte. ' ., v, e (fig. 16), quer ativament_p, da destruição da lembrança. Em
ambos os casos, a rapidez e a realidade do esquecimento es-
B. O esquecimento tão ligadas à desagregação dos todos de que faziam parte as
lembranças. Não se esquece tudo o que se quer, nem tão fà-
249 . ~studo do esque_ci_mento P?de servir de contraprova. E cilmente como se quer. Há mesmo casos em que é impossível
ord!nanamente se verifica que e função do estado da organi- o esquecimento, a saber: os casos em que a lembrança está
zaçao das lembranças. incorporada a estruturas solidamente articuladas e constan-
temente evocadas.
1. :1)issolução dos grupos. Demonstra a experiência que
o esquecimento é tanto mais rápido quanto menos precisa ou 250 2. Inibição retroa.tiva e ânf;ero-a.tiva.. Faz-se diversos
menos natural era a organização. Certas estruturas artificiais sujeitos aprenderem duas séries de elementos senslvelmente
(_do gênero das que utilizadas por certas mnemotécnicas) re- parecidos, e duas séries de elementos totalmente diferentes.
sis~em m!l-1 ao ~empo e à falta de exercício. Os agrupamento8' Depois procede-se a experiências de re;memoração. Verifica-se
l6g~cos sao mais t~nazes, _e observa-se que os elementos mal que, no primeiro caso, a evocação da segunda série exerce in-
articulados ao conJunto sao os que mais fàcilmente desapare- fluência desfavorável sôbre a da primeira (inibição retroativa).
cem. Os grupos de núcleo afetivo refletem naturalmente as ao passo que, no caso das séries totalmente diferentes, a evo-
mudanças, afetivas ~o sujeito. Do mesmo modo que os siste- cação de uma absolutamente não incomoda a da outra. Por-
mas de nucleo afetivo agregam a si fàcilmente os elementos tanto, é realmente a semelhança que paralisa a evocação no
primeiro caso. 6
li Os mesmos resultados se obtêm quando, após uma pri-
meira série, se faz aprender uma segunda, que encerra algu-
mas ligeiras diferenças. A segunda série aprende-se muito
mal, por falta de algo suficiente que a distinga da primeira
(inibição ântero-ativa). Isso mostra ainda claramente que a
fixação de um têrmo depende da percepção do todo ou da es-
., trutura em que êle se insere, e, assim, de nôvo se verifica a lei
aS
'+>"' geral de que as partes dependem do todo.

-
:::s
ãl 16
19
e. Deformação
o 21 251 1. Causas de defo~. Os casos de deformação das
'"'
Q)
2
lembranças também são muito interessantes. São de experiên-
E
,;:, cia corrente, e todos sabemos quanto, com a mais firme con-
z 26
6 12 2, 48 72 96 120 vicção e a mais perfeita boa-fé, se está exposto a apresentar
Horas como rigorosamente objetivas lembranças profundamente al-
Fig. 16. Curva do esquecimento. teradas. Ora, os experimentadores demonstram que as causa.,
principais de transformação das lembranças são de natureza
~!f;::;ã,~e eu":/ eC::;va do esgue~imento aprendendo séries de sílabas de igual
a linha inferi~r) d~as apos diferentes intervalos (a-notados em horas sôbre 6 Ct. KOFFKA, Principies of Gestalt Psvchotoo11, págs. 490 e segs.
série para decorá-la ecur;:: mo:,tra que O ~ujeito teve de reler 26 vézes a
sár¼11 ·12 leituras· após 1~ ho~::a re~~trend e-la após 6 horas, foram neceB-
' , 16 ,e, uras; após 24 horas, 19 leituras, etc.
270 PSICOLOGIA A MEMÓRIA 271

afetiva ou lógioa. Com efeito, ora são os fatôres afetivos que po com a lembrança. A lembrança de tal ma~ria, literária ou
intervêm para modificar surdamente .nossas lembranças se- científica, desperta neste estudante as emoçoes que acomp~-
gundo nossos interêsses e preferências, e ora são nossas neces- nharam o estudo dela. Aos poucos, essas lembranças pessoais
sidades lógicas que intervêm para modificar os complexos aci- se apagam, e só subsiste o saber ou a ciência aprendida, im-
dentais conservados na lembrança, acrescentando, suprimindo, pessoal e intemporal. :Ê:ste saber, por outra parte, representa
reforçando ou atenuando tal op tal elemento, em mira a tornar uma,organização superior em relação à lembrança. Desapa- ,
inteligível o conjunto. receram os detalhes inúteis, operou-se uma esquematização, a.
ordem lógica reforçou-se, estabilizou-se o conjunto. Por isto,
2. Processos de deformação. Seja qual fôr a causa da já agora a memória é mais segura. Isto se verifica facilmente,
transformação das lembranças, verifica-se que os pocessos de em todos os casos em que os saberes permanecem algum tempo-
def armação consistem, em geral, em substituir por f armas sim- sem uso: a êles recorrendo de nôvo, fica-se supreendido de re-
Q:>les e regulares as formas complexas ou equívocas da percepção, encontrá-los quase intatos, ou, pelo menos, de recuperá-los sem
ou em acentuar os detalhes significativos. 1!::sses processos grande esfôrço. É êsse o privilégio da organização. Como o-
foram postos em evidência pelas belas experiências de WULF. 1 demonstrou RIBOT, os saberes (ou hábitos) resistem assim tão-
bem ao esquecimento por serem por excelência lembranças orga-
Consistem essas experiências em apresentar ao sujeito figuras nizadas.
desprovidas de significação, e, depois, em pedir ulteriormente, e re-
petidas vêzes, reproduzir de memória essas mesmas figuras. Exami-
nando os desenhos, verifica-se que as deformações não se fazem ao
acaso. Obedecem, de fato, a duas tendências: uma leva a acusar ART. III EVOCAÇÃO DAS LEMBRANÇAS
sistemàticamente certos detalhes particulares dos desenhos; outra.
aparentemente de sentido contrário, leva: a atenuar ou mesmo a su- Podem-se distinguir dois casos, que dão lugar a observa-
primir as particularidades e a esquematizar o conjunto. Na reali-
dade, essas duas tendências são do mesmo sentido, pois vão ambas a ções diferentes: o da evocação espontânea e a da evocação vo-
ceder o passo à estrutura sôbre os elementos: ora o elemento caracte- luntária.
rístico da forma é reforçado; ora os elementos semelhantes são assi-
milados; ora o elemento Irregular, mas não característico, desaparece A. Evocação espontânea .
em proveito da nitidez e da precisão estrutural do conjunto. Reen-
contram-se, pois, aqui as leis gerais da. percepção (144-146).
A objeção que se poderia fazer é que êsses fatos de transformação asa O caso da evocação espontânea das lembranças ( quando-
se explicam bem supondo que se estabelece uma média mecânica- estas se apresentam à consciência por si mesmas) parece fa-
mente pela repetição das experiências (imagens compósit.es de GAL- vorecer a teoria associacionista. Com efeito, parece que a lem-
TON, 195). Mas essa explicação não pode ser aceita, porque, por um
lado, verifica-se que essas transformações não dão médias, e sim brança espontâneamente evocada deva ser, de ordinário, a que.
simplificações ou regularizações!; e, por outro lado, que as transforma- mais freqüente ou mais recentemente estêve ligada ao conteú-
ções já se efetuam, ou pelo menos se esboçam, desde a priméira do atual da consciência. Vamos ver, entretanto, que os fatos.
evocação. levam a conclusões inteiramente diferentes.
ZSZ 3. Transformação da lembrança em saber. Já notamos 1. Influência do agmpament-0. O caso da memória ime-·
(245) que saber e lembrar-se são duas formas de memória que diata, acima examinado, já nos põe na trilha de uma explica-
só diferem por caracteres acidentais. O saber é uma lembran- ção. A lembrança espontâneamente evocada parece dever ser
ça que, voluntàriamente ou por esquecimento, abstrai de suas nece.ssàriamente, não a mais próxima, nem a mais freqüente--
origens. A lembrança é um saber que se refere, explícita ou mente evocada, e sim a que é exigida pelas leis da organiza-
implicitamente, às circunstâncias da sua aquisição. ção, tais como as manifesta a atividade perceptiva. Ora, as-
Todavia, a transformação da lembrança em saber não se experiências são decisivas sôbre êste ponto: ao passo que a
opera sem alguma modificação dos objetos de memória. Pri- evocação pela ação da contigüidade ou da repetição mecânica.
meiramente, e por definição, o saber significa um empobreci- devem.a interessar os têrmos fora de tôda consideração de agru-
mento, visto eliminar os elementos acidentais que faziam cor- pamento ou de sistema, elas estabelecem, ao contrário, que a
evocação depende, em parte considerável, de fatôres diferentes.
T CCKOFFKA, !oc. cit., pág . 493. dos do contato ou da _repetição.
PSICOLO GIA 273
272 A MEMÓRIA

s (que
LEWIN faz um sujeito aprender , por numeros as repetiçõe tição estúpida ) depende nltidam ente do desenvolvimento9 di-
vão até a 300), séries compost as de 12 sílabas desprovi das de sentido, nâmico do campo interme diário como um todo funcion al.
Suponha mos que o sujeito encontra de nôvo uma dessas silabas. Se-
gundo a teoria associaci onista, essa sílaba deve evocar automàt ica- B. Evocação voluntária
mente a preceden te ou a seguinte . Ora, os testes mostram que de modo
algum assim sucede, isto é, que a evocação resulta de outros fatôres 1. Problema da evocação voluntária. O problem a sus-
que não os da associação mecânic a, Por um lado, com efeito, os testes i55.
citado pela evocação voluntá ria pode assim formula r-se: quais
memória referente s à reproduç ão dessas sílabas só comportam.,.
resposta s exatas, após tempos de reação curtíssim os, na medida em são as condições que permite m evocar a lembrança b por meio
que as sílabas foram agrupad as e -0rganizadas (geralme nte aos pa- da lembrança a? A evocação voluntá ria consiste, com efeito,
res) . Por outro lado, na ausência d.êsses agrupam entos, e sob a con- em apoiar-s e no conteúdo atual da consciência para chegar,
dição de o sujeito não fazer nenhum ensaio ativo de reproduç ão, a de aproxim ação em aproxim ação, a evocar uma lembran ça x.
leitura de uma das sílabas da série não provoca nenhum a evocação A atividad e de evocação compõe, assim, séries de têrmos, e tra-
(cf. KoFFKA, Principle s of Gestalt Psycholo gy, pág. 495). ta-se de determi nar como estão unidos entre si.
Para o associacionismo, sendo a, b e c consecutivos, a evo-
254 2. Influência. do campo int.ermediário. As experiên cias cação de c consisti rá em evocar a. depois b, ou b. Automà tica-
que precede m são sobretud o negativa s. Elimina m a explica- mente, c achar-se -á evocado à consciência. Êsse problem a,
ção mecânic a . do associacionismo. Outras experiên cias estabe- assim formula do, tem algo de estranho , pois é evidente , à pri-
lecem que a formação de um grupo de objetos semelhantes, e, meira vista, que o fato de procura r c imn.lica conhecê-lo de
por conseqüência, a evocação de um objeto por outro, depen- antemão . Sem dúvida, é o paradox o de tôda procura ativa da
dem da naturez a do campo interme diário ( espacial ou tempo- Jembrança, ao mesmo tempo ignorad a e conhecida. Entreta nto,
ral) que existe entre os têrmos extremo s. Essa formaçã o (e a no contexto associac ionista, êsse paradox o assume o aspecto de
evocação) é facilitad a quando os elementos interme diários são um absurdo , visto que, sendo mecânic a a evocação, exige o in-
semelha ntes entre si mas diferent es dos objetos extremo s as- fluxo atual e imediato do têrmo pressum idament e ignorad o e
milados reciproc amente. Ao contrári o, é dificulta da quando ausente (207).
Ao contrári o, o fato de as lembran ças serem integrad as
os objetos do campo interme diário são semelha ntes aos têrmos em estrutur as permite compre ender o paradox o da evocação
assimila dos. 8 Destarte , não somente estamos nos antípod as do voluntá ria. Esta parte da represen tação de um todo, espacia l
mecanis mo imagina do pelos associac ionistas , senão que clara- ou tempora l, no qual a lembran ça procura da deve integrar -se.
mente se vê, como o faz notar KÕHLER , que a evocação espon- A lembran ça element ar é realmen te ignorad a como tal, mas
tânea (fora dos casos de êrro acidenta l ou dos casos de repe- está contida na organiza ção, que se oferece primeir o à memó-
ria. O fracasso , para passar dessa estrutur a à lembran ça, le-
8 Cf. GUILLAU ME, Psvcholog ie de la Forme, pág. 161,
citando as vará a ensaiar com outras formas. A experiên cia mostra que
experiênc ias de KõHLER : "0 método consistirá em apresenta r
duas vêzes tal é o processo normal da evocação voluntá ria: nós não vamos
o mesmo objeto, a primeira vez em boas condições de percepção ,
e a segun-
será
de uma lembrança à outra por movime nto mecânico, mas sim
da em condições rned!ocres ; trata-se de saber se a segunda percepção dos todos aos elementos.
pela primeira, isto é, se produzirá urna revivescê ncia da impressão
facilitada
2. Organim ção e reint .e~. Poder-s e-ia achar que
objeto,
correspon dente a esta. No intervalo das duas apresenta ções dêsse 256
ário; êsses
mostram- se outros que formarão o campo temporal intermedi
critico o processo de que estamos falando não difere do processo de
objetos são, na constelaçã o suposta favorável , diferentes do objeto
e, na constelaçã o· suposta desfavorá vel, mais ou menos semelhan
tes a êle. reintegr ação ( ou reconstr ução do todo a partir do element o)
Assim, apresenta -se primeiram ente ao taquistosc ópio, durante três
segun- do associacionismo. Mas haveria nisso uma grave ilusão. Com
dos, a palavra BTosk, mui legível; depois aparece urna série
de outros efeito, tratar-s e-ia antes, aqui, de reconstituição ou de repro-
objetos minúsculo s, mal iluminado s; na constelaçã o desfavorá vel
(A), trata-
dução da parte a partir do todo, porque a parte só evoca o todo
na medida em que está funcion almente unido ao todo, isto é,
na constelaçã o favorável (B), são figuras complicad as,
se ainda de palavras;
carentes de sentido. A experiênc ia termina, em ambos os carns, pela
pequenos
reapariçã o da palavra BTosk, mas desta vez pouco iluminada , em 9 As experiênc ias de KõHLER sôbre os campos
intermedi ários corn-
das
caracteres . Ora, esta palavra é lida corretame nte em 30% sómente plicam-1ie com urna hipótese fisiológica , que não forma parte, em
absoluto,
confirma a coisa, e a
''-'· provas dó tipo A, mas em 75 % das provas do tipo B, o que dos seus resultados psicológic os. A filosofia de KõHLER é uma
hipótese" (da influência do campo intermedi ário). psicologia da forma é "outra, todo diferente (138).
A MEMÓRIA
275
274 PSICOLOGIA

qua;;_do o todo está nela virtualm ente inscrito. :ll:sse laço fun- pica de falar ou de rir, etc.". Aliás, o :ecurso espo1:tâneo a e_ssa
cional é totalmen te distinto da simples justaposi ção mecânica forma, sempre idêntica, é o que expl~ca a ausenc1a de hesita-
do associacionismo, para o qual o elemento, propriam ente fa- ção em reconhec er as pessoas e as coISas.
lando, não é uma parte, senão um fragment o . Dêste ponto-de-
vista, a evocação voluntár ia é um processo vizinho do da ima- B. Reconhecimento na memória
ginação criadora. "
258
Trata-se aqui de saber como distingui mos a lembranc a
imaginad a, isto é, a imagem referida a meu passado, da pura
ART. IV.RECONH ECIMEN TO E LOCALI ZAÇÃO DAS imagem, abstração feit&. de tôda referênc ia às suas origens
LEMBR ANÇAS
temporai s.
275 O reconhec imento das lembranç as está compreendido, a
1. Questão dos crit.érios. Para explicar e justific~ r a
bem dizer, em todo ato de memória , mas em graus diferente s e
sob diversas formas. Há primeira mente o fato de reconheci- distinção que fazemos entre a imagem- lembranç a e a pura ima-
mento objetivo, isto é, independ entement e de tôda referênci a a gem, foram proposto s diferente s critérios .
meu passado : assim é que a vida quotidian a, no contexto fa- a) Critério do conteúdo afetivo da iembrança. A lem-
miliar em que se inscreve, implica o reconhecimento imediat~l brança, declara HõFFDING (Esquisse d'une Psychofogie f~ndée
de numeros as coisas e pessoas. Há, em seguida, uma forma de siir i'expérience, pág. 202), acompan ha-se de uma espécie de
reconhec imento que consiste em referir conscien temente os obje- conteúdo afetivo que não se encontra na pura represen tação
tos a meu passado, quer espontân eamente e sem hesitação, quer imaginat iva do objeto. tsse valor afetivo, ao que parece, é for-
por atos complexos de discernim ento e de contrôle. mado, por sua vez, de um sentimen to de facilidad e, de esp?n-
taneidad e. Estas observações são fundada s: normalm ente, a
O reconhecimento na percepção lembranç a possui uma tonalidad e afetiva, e evoca-se com faci-

-
A.
1. Reconhecimento inconsciente. Nesta forma de reco- lidade. Mas nem sempre assim sucede, e, ademais, essas mes-
nhecimen to, a memória , segundo a expressã o de HÕFFDING, não mas propried ade podem pertence r à simples imagem.
passa de uma "memóri a implicad a", pois não há vestígio de b) Critério do sentimen to de famiUari4,ade. :ll:ste senti-
retôrno sôbre o passado, nem mesmo consciência alguma de evo- mento, que caracteri za a imagem- lembranç a, seria determin ado
cação. O reconhecimento confunde -se pràticam ente com a per- pela reação motora bem organiza da que o ac~mpan ha, e, p~r
cepção, e explica-se pela lei da percepçã o variável (146). consegui nte na base do reconhec imento haveria que descobrir
Dever-se- ia, mesmo, dizer que a memória é neste caso prospectii,'o um fenôme~o de ordem motora (BERSON, Matiere et Mémoire,
e não retrospectiva. Com efeito, sendo tôda ela ordenada à ação, pág. 93).
sua função própria é fazer esperar a repetição de um acontecim ento,
ligado, a título simultâne o ou sucessivo, àquele que é dado, e, por As experiênc ias de CHEVES WEST PERKY (cf, J . DE LA ~AISSIERE,
conseguin te, projetar de alguma sorte a passado no futuro. í: a isso, Eléments dia Psychologie expérimentaie, pág. 14) parecem J1:stificar
igualment e, que se reduz a memória animal. êsse ponto-de- vista. Elas dão a percentag em seguinte de reaçoes mo-
toras: memória visual (movimen tos dos olhos) , lembra nças: 89,50%;
2 . Reconhecimento consciente. Sucede, entretant o, · que imagens: 20,50%; memória auditiva (movimen tos do laringe contro-;
percepçã o e lembranç a se separam, de alguma sorte. Isto ocorre lados por wn aparelho colocado sôbre o laringe) : lembrança s, 84%
imagens 9% · memória olfativa (movimen tos das narinas): lembran-
cada vez que o objeto percebido sofreu mudança s importan tes. ça.a, 96%; i~agens, 10% . Entretant o, essas experiênc ias admitem
Às vêzes, o reconhecimento exige um esfôrço mais ou menos pro- boa dose de incerteza, pelo fato de não haver o expei::imentador pre-
longado, e passa por alternati vas de certeza ou de dúvida. "Será cisado suficiente mente se o reconheci mento era anterior ou posterior
essa realment e a pessoa que eu conheci? " Neste caso, o meca- ao moviment o.
nismo do reconhecimento consiste, evidente-mente, em confron- Todavia, o critério do sentimen to de familiari dade parece
tar a imagem do passado com a percepção presente, para des- ainda carecer de universa lidade: há fatos que a gente se repre-
cobrir, sob as mudança s parciais, a identidad e e a permanê n- senta nitidame nte como passados , e que só comporta m uma
cia da forma, já em seu conjunto , já em seus detalhes caracte- reação motora fraquíssi ma; e, reciproca mente, simples imagens
rísticos. "Sim, é realment e a pessoa que eu conheço : mudou são capazes de provocar uma forte reação motora. ·
muito, mas é realment e a mesma, pelo andar, pela maneira tí-
276 PSICOLOGIA A MEMÓRIA 277

c) Critério da coerência. Enfim, alegou-se o caráter de 3. Casos de reconhecimento laborioso. Aduzem-se exem-
coerência, de nitidez e de riqueza em detalhes concretos que plos de confusão. de lembranÇ_?,S e de imagens. !='or~m êsses
pertenceria à lembrança e não à imagem. ll:sse caráter de coe- casos são patológicos~ Fora deles, pode haver hes1taçao. Mas
rência é que tornaria a lembrança rebelde às fantasias da ima- a experiência mostra que tal hesitação não se refere ao fato
ginação e menos fàcilmente maleável do que a simples imagem. de saber se se trata de uma imagem ou de uma lembrança,
Êste critério não parece maill decisivo que os precedentes, por- coi-sa que se impõe imediatamente e absolutamente, mas à loca- ,
que, por um lado, há imagens e complexos de imagens de uma lização da lembrança no passado, ou às circunstâncias de per-
coerência perfeita, e, por outro, há lembranças diluídas, ins- cepção. Não se toma uma imagem por uma lembrança, mas
táveis, indefinidas e indefeníveis. pergunta-se, por ocasião de uma lembrança, se esta é exata,
isto é, se de fato se refere à percepção original. As investiga-
Tentou-se precisar êsse caráter dizendo que, subjetivamente ou ções para se certificar disso podem ser longas, difíceis, e mesmo
em si mesma, a lembrança se completa noxmalmente pela evocação não dar resultado. Mas nem por isso a lembrança se imporá
das circunstâncias concretas da percepção. Mas, se efetivamente isso
é freqüente, não é universal nem necesári-0. Amiúde falta êsse com- menos como algo nltidamente distinto da simples imagem.
plemento, já que o esfôrço de reconhecimento consiste justamente em
buscar (às vêzes em vão), as circunstâncias concretas da primeira e. Localização
percepção.
260 1. Reconhecimento e localização. Sendo a lembrança
25 9 2. Distin~ imediata. Na discussão que precede reco- propriamente dita uma referência ao passado, ao menos de di-
nheceram-se os critérios já invocados para explicar e justificar reito supõe uma localização no tempo. Essa localização pode ser
a distinção entre percepção e imagem (177-180). Verificamos distinta do reconhecimento, pois sucede reconhecer-se espontâ-
então que nenhum critério era realmente eficaz e decisivo, e neamente uma lembraça sem se ser capaz, no momento, de lo-
aqui repetimos AS mesmas observações. Isso significa que, ~e calizá-la, isto é, de situar exatamente o momento da percepção
fósse possível duvidar da distinção entre imagem e percepção, que lhe deu origem. Como se efetua essa localização?
ou entre imagem e lembrança, nunca chegaríamos a nos certi- 2. O quadro temporal. A localização imediata é, muitas
ficar dessa di,stinção de maneira evidente. Ora, é um fato que vêzes, imprecisa. Consiste numa impressão ou num sentimento
distinguimos espontâneamente entre lembrança e simples ima- de proximidade ou de antiguidade da percepção original. Para
gem, graças a uma intuição imediata, que normalmente é infa- chegar à precisão, cumpre esforçar-se por situar a percepção
lível. Ela atinge, com efeito, diretamente, no meu eu concreto, num quadro constituído pelo conjunto dos acontecimentos que
o passado que eu sou. A lembrança, em certo sentiuo, pertence se sucederam no período entrevisto a princípio confusamente.
realmente ao presente, - do contrário, como poderíamos atua- Quando êsses acontecimentos formam uma seqüência lógica, o
lizá-la? - ; mas é um presente-passado, um presente-por-trás- esfôrço de localização fàcilmente dá resultado. Pergunto-me:
de-mim, um presente constituído em profundidade, e sôbre o "Vi realmente Z há três semanas? Sim, parece-me realmente
qual já não teuho poder. ll:sse duplo caráter, que forma uma uni- tê-lo visto. Mas onde foi que o vi? Só pode ter sido em casa de
dade com a lembrança e a constitui como tal, é que a distingue X, onde êle se hospeda em suas viagens. Ora, justamente estive
da pura imagem, que carece dêsse sinal do pasado e que flutua, em casa de X há três semanas, e lá não tornei depois. Foi, por-
de certo modo, num espaço sem dimensões temporais. A ima- tanto, seguramente lá que o encontrei".
gem do Monte-Branco não contém nota alguma de passado para Donde se conclui que a localização no passado é sobretudo
quem só a contempla como artista; mas é uma lembrança para relativa: consiste em situar um acontecimento em relação com
mim quando ela é-eu-mesmo-sendo-o-que-fui, isto é, aquêle pre- os que o precederam, seguiram ou acompanharam. A aprecia-
cisamente que· fêz outrora a ascensão do Monte-Branco. Reco- ção direta da duração transcorrida é, ao contrário, extrema-
nheço-me nela, e ela é uma parte de mim mesmo. mente difícil e sujeita a êrro (125). Normalmente, recorremos
Sem dúvida, poder-se-á objetar que isso nada explica. Mas, neste às medidas que nos proporcionam o relógio e o calendário.
caso, trata-se menos de explicar que de descrever corretamente um Nossa representação do passado, bem como nossa percepção
fenômeno; e a própria descrição, se fôr exata, vale como explicação da duração, tornam-se, assim, a um tempo precisas e abstratas.
psicológica. Metafisicamente, seria mister ir mais adiante, e buscar Nossas lembranças têm datas (tal ano, tal mês, tal dia, tal
na noção de substância-sujeito a razão última da permanência e do hora, tal minuto), e, por efeito dessas medidas, que dispensam
reconhecimento da lembrança: isso será objeto de um estudo ulterior:
279
A MEM ÓRIA

278 PSICO LOGI A !1


uma faca; risca o fósforo na vela; apag a o fósforo antes de have r
ira com a corda que estic a o serro te, etc.
desc olori das e ince rtas acend ido a vela; serra made
de reco rrer às circu nstân cias, flutu am
o, unifo rme e vazio (1, 325) .
no temp o imag inári as. Afora os c_asos de
b) Amné sias instai ntâne as ou progr essiv m acarr etar amnés1~s ins-
traum atism os acide ntais grave s, que pode
SIAS
ART. V. DISM NÉS IAS, AMN ÉSIA S, HIP ERA MNÉ tantâ neas, a amné sia f!eral memt e segue um
ha
proce
da
sso repressivo re-
amne sia segue a
gular form ulado na lei de RmoT : «a marc
., ire, pág. 95). A
1. bism nésia s. Cham a-se dism nésia
(ou amné sia de fixação) à 'linh a' de meno r organização:i> (Mala dies de la mérrw
repre senta ~ .ª
261 fixar as imag ens. Manl - ens recen tes,. que
impo tênci a, cong ênita ou acide ntal, para amné sia começa por afeta r as imag ~la abollça_o ?-essa memor2-a
idioti ce, na paral isia geral, na demê n- organ izaçã o mais fraca , e rema ta-se
:testa-se na idiotice t} na semi-
ce, as quais, fisiologicamente, smo, const itui a organ izaça o
cia senil, na confu são ment al, na velhi sensori'al, instin tiva, que, fixad a no orgam
eresc ência cereb ral mais ou meno s em seu grau mais eleva do. 1s
se carac teriza m por uma degen ses, em que os sujeitos, embo ra per- isia geral, na paral isia
profu nda, 10 «em certa s psiconeuro E:;'ta lei verif ica-s e regul arme nte na .paral rva--se que são semp re
ou parec em esquecê-los oca- no alcoo lismo Obse
ceben do os fatos prese ntes, os esquecem infan til, na demê ncia senil,
arece m em prim eiro lugar ; segue m-se os
siona lmen te». u os nome s própr ios que desap adjet ivos vêm de-
A dism nésia acha--se igual ment e ligad a a certo s estad os acide ntais nome s comu ns concr etos; os nome s abstr atos e os
esgot amen to geral. últi~ o lugar , e seu desap areci ment o
e temp orári os de fadig a nervo sa ou de pois; e, por fim, os verbos em
assin ala a vitór ia defin itiva da deme ncia. 14

para conse rvar as ima-


f6f 2. Amn ésias . A !l,mnésia é a impo tênci aser sistem atiza da, local i- 3. Hipe ramn ésias . São, escreve RIBOT (Ma·
ladies de la mém oire,
regis' trad.a s e fixad as . Pode que parec ia aniqu ilado ressu scita,
gens que foram a. os casos «em que aquil o
zada ou simp les; insta ntâne a ou progressiv pág. 139).,
e em que pálid as lemb rança s recob ram sua inten sidad e>. Cita- se o
das, locali zadas ou apráx icas. Disti n- dos, de certo s intox icado s, etc., os quais vêem aflui r em
a) Amné sias sistem atiza
parci ais. Mas tôãa. a1111nésia, caso dos afoga ente, imag ens, que _parec iam es-
guem-se, às vêzes, as amné sias gerai s e quan tidad e, com preci são surpr eend
e parci al. As amné sias gerai s não são s perío dos de sua vida. 1~
pDr grave .que seja, é mera ment
mesm o na. catás trofe deme n- queci das, de certo
mais que apare ntes: no adult o, semp re,
imag ens. O que está preju dicad o é a fa-
cial, subsi stem nume rosas
culda de de síntes e. 12 oria deter mina da de imag ens
A amné sia refer e-se ora a uma categ
ada): imag ens relati vas à famil ia,
ligad as entre si (amn ésia S'iste matizmúsi ca, etc.; ora a tôdas as ima-
ao oficio, palav ras de uma lingu a, (amn ésia loc41.izada); ou então ao
gens de um período deter mina do xia).
1 uso práti co de certos objet os (apra é mui difer ente dela. Na
A aprax la assem elha- se à paral isia, mas da mem ória moto ra. Assim,
realid ade, trata -se de uma desor ganiz ação
canet a, ou a cane ta por
o apráx lco toma a colhe r ou a faca por uma

l de Psych ologie patho lo-


Cf. ROUB INOV ITCH , Traité intern ationa
ógico da substâ ncia cereb ral demo ns-
10
gique , t. II, pág. 510: uo exam e histol
das célula s nervo sas sob o
deráv el
tra uma reduç ão mais ou meno s consi
seu núme ro. Ataca dos por uma ver-
pog.to -de-vi sta de seu volum e e de
do córtex cereb ral são insufi ciente -
dadei ro proce sso atrófi co, os neurô nios de image ns defini das do que
r e em seus prolon game ntos".
mente desen voh•id os em seu corvo celula 1a Ao que parec e, trata- se meno s da perda bem mostr aria uma anális e
em uma dismn ésia muito acent uada. É o que
11 Certo s casos de hister ia admit
casos nenhu ma organ icidad e. da dissoc iação das síntes es de image ns.
a êsses passa ndo, suces sivam ente e por ordem
Mas até agora não se pôde consi gnar
Isso poder ia explic ar que dos distúr bios da lingua gem escrit a,
psíqu icos. palav ras, depoi s às ligaçõ es sintát icas,
Os distúr bios parec em ser puram ente
icos reapa recem fre- de gravi dade, das forma s verba is às
apena s apare nte, já que nos histér organ ização geral do sentid o da frase (cf. R. MALL ET,
a dismn ésia seja não parec iam haver sido e finalm ente à
longo tempo , image ns que 1935, págs. 83-84 ).
qüent emen te, após La Déme nce, Paris,
fixada s. do 14 Cf. BERG SON, L'Ene Tgie
spirit uelle, pág. 57.
12 Cf. P. JANE T, Etat menta
l des hystér iques, pág. 77, a discus são I, pág. 133) relata o caso, menc ionad
o
dezoit o anos, duran te um sono de 16 TAIN E (L'Int ellige nce, t .
caso célebr e de Mary Reino lds. Aos er iletra da que, num acesso de febre,
, ao que parec e, absol utame nte tôdas por COLE RIDG E de uma jovem mulh
vinte e quatr o horas , essa pesso a perde essa pesso a fôra recolh ida, na idade
de uma crianç a que acaba de nasce r, falava latim, grego e hebra ico. Ora,
as suas lembr anças , e acord a no estado stante , que diària mente , após o jantar ,
adulta s. JANE T obser va que, se, no seu desper t.:ir de nove anos, por um pasto r prote
a môça ouvia lá da cozin ha,
mas com faculd ades suas faculd ades adulta s, é que nessas lingua s, textos que
lds ainda goza de lia em voz alta
e depois . Mary Reyno anças ou tôdas as suas ima-
perde u tôdas as suas lembr onde trabal hava.
evide nteme nte não rio, seria absolu tamen te estúp ida.
gens anteri ormen te forma das . Do contrá

~.
,>
I I

SEGUNDA PARTE

A VID A AFE TIV A

INT ROD UÇÃ O


vida afet iva é dom ínio
270 1 . Difkulda.des dêst,e estudo. -A orad o pela psicologia.
mui to pouc o expl
aind a bast ante obsc uro e
aria m para dem onst rá-lo :
As amb igüi dade s de voca bulá rio bast outr os deno min am sen-
ção ao que
uns, com efeit o, cham am emo mel ham as sens açõe s a
time ntos , e inve rsam ente ; algu ns asse a "em oções mor ais" ou pu-
"em oçõe s físic as", e os sent ime ntos
o, algu ns psicólogos têm o
ram ente psíq uica s. Do mesmo mod hete rogê neos , ao pass o que
praz er e a dor como dois proc esso s
gêne ro, emb ora de sen-
outr os os cons ider am como do mesmo
tido oposto. e, do fato de os es-
Prov ém esta confusão, em gran de part . A pala vra expr ime
difíc eis de trad uzir
tado s afet ivos sere m tiva s; mas ·é imp oten te
obje
noções univ ersa is e desc reve cois as afet ivos , que são indi -
idão os esta dos
para trad uzir com exat ica a falt a de uma dou-
vidu ais e subj etiv os. É isso o que explesta dos. Não há acôrdo
natu reza dêss es
trin a prec isa sôbr e a dos af et-ivos relativamen-
geral acêrca do critério sôbre os esta e acêr ca dos cara cter es
te aos outros estados de cons ciên cia
dos afet ivos .
fund ame ntai s de cada espécie de esta
Devemos, entr etan to,
2. Nat urez a dos estados afet ivos . dos afet ivos , dest ina-
esta
part ir de urna definição prov isór ia dos de noss as inve stiga ções .
po
da simp lesm ente a deli mita r o cam atos psicológicos se acham
Par a isso, obse rvar emo s que nossos cia, .a certa tonalidade
norm alm ente unidos, em nossa consciên desagradáveis. Esta im-
ou timb re que os faz agradáveis oumas é coisa óbvi a para to-
pres são é inde finív el em si mes ma,
praz er e de dor.
dos os sêre s sensíveis, sob a form a de
se, pois, sob um du-
Os estu dos de consciência apre sent am-aspecto afetivo. Sob-
esen tativ o e o
plo aspecto, o aspecto repr ensã o, afet iva ou ima gi-
o prim eiro aspecto, imp licam a apre um objeto. Pelo segundo·
nári a, do conteúdo ou da natu reza de
aspe cto trad uzem , sob form a de praz
er ou de dor, de sentimen-
reaç ões que expe rime ntam os ante os obje--
tos e de emoções, as

• ~.· •••• ..1.J. .... ~.M,---.. ........


J
283
1
282 PSICOLOGIA A VIDA AFETIVA

tos que nos são apresentados pela atividade cognitiva. As vê- Podem-se, entretanto, corrigir as imperfeições de ambos
zese pode-se hesitar em verificar cientificamente esta distin- os métodos multiplicando as experimentações e os sujeitos sub-
ção entre representação e afetividade, isto é, em separá-las na metidos aos testes. Como o fator sensorial ( ou excitante afe-
experimentação. Pelo menos, nenhuma hesitação é possível do tivo) permanece sempre o mesmo para numerosos sujeitos, as
ponto-de-vista teórico, e pode-se dizer, com KÜLPE, que "a ca- variações devidas aos outros fatôres devem compensar-se mu-
racterística dos estados afetl,vos é ser um aspecto dos fenôme- tClamente e deixar que apareça uma média aproximativamen-'
nos que não é conhecimento de objeto extenso e dotado de qua- te exata.
lidades sensíveis".
271 3. Mét.odos para o estudo dos estados afetivos. Pode- 272 4. Princípios de uma divisão racional.
se recorrer a dois : o método de impressão e o método de ex- a) Ponto-de-vista funcional. O problema da vida afetiva
pressão.
não é só o da natureza dos estados afetivos. Ou, mais exata-
a) Método de im'J)'ressão. 11:ste método utiliza principal- mente, a própria solução dêsse problema supõe resolvida a
mente o 'J)'rocesso comparativo. Propõe-se ao sujeito, quer su- questão da finalidade dos estados afetivos, pois não será de
cessivamente, quer simultâneamente, conforme o sentido, duas outro modo que se chegará a definir o gênero de relação que
excitações diferentes, por exemplo dois acordes, um de quinta existe entre os dois aspectos, orgânico e psiquico, externo e
e outro de nona, e pede-se-lhe que diga, sem nenhum recurso a interno, dos estudos afetivos. Trata-se, pois, primeiro, de res-
considerações abstratas, que impressões, agradáveis ou desa- ponder às suas duas questões seguintes : quais são as situações
gradáveis, lhe causam êsses acordes. em que se têm estados afetivos? qual é a função dêsses fenôme-
11:ste método é muito imperfeito, porquanto nossos estados nos relativamente à conduta do indivíduo?
afetivos dependem constantemente de fatôres múltiplos. 1 Se b) Instintos e inclinações. O conjunto do estudo da vida
se pode apreciar de maneira assaz precisa o excitante sensorial afetiva é que trará uma resposta a essas questões. Mas desde
não é possível determinar quais são as influências conjuntas d~ já podemos dizer que os f enêmenos afetivos são manifestações
cenestesia, dos componentes imaginativos e intelectuais, das de nossas tendências e inclinações. E' evidente que, à falta des-
reações acidentais do indivíduo, coisas estas tôdas ignoradas sas tendências, poderia haver no vivente, em resposta a uma
do experimentador e, não raro, do próprio sujeito. ação extrema, uma reação mecânica medida por essa ação, mas
b) Método de expressão. 11:ste método visa a registrar as não essa manifestação, tão variável nas suas expressões, de sen-
modificações somáticas que acompanham as mudanças afeti- timentos e de emoções, que define a vida afetiva do ani-
vas. Para isso, servimo-nos de diferentes aparelhos (tambor mal (J, 491).
de Marey, esfimógrafo, pneumógrafo, ergógrafo, etc.) , a fim Essas tendências, que os antigos designavam sob o nome
de medir os efeitos físicos (número e intensidade das pulsações de apetites, podem, nos sêres dotados de conhecimento, ser ou
das respirações, variações da pressão sangüínea, etc.) dos es~ naturais ou intencionais.
tados afetivos. As tendências naturais, ou instintos, são a própria natu-
11:ste método, evidentemente, é mais preciso que o prece- reza de um ser, enquanto está feito para tal ou qual operação
dente, mas topa com os mesmos inconvenientes. Choca-se tam- determinada. Derivam, pois, das necessidades fundamentais
bém com a complexidade extrema ãas causas que comandam ou primárias do indivíduo. E' em virtude de necessidades dêsse
a expressão, e que são ao mesmo tempo de ordem física (fadi- gênero que o animal é impelido a exercer todos os atos neces-
ga, r~pouso, estado nervoso) e de ordem psíquica (idéias, pre- sários à sua conservação individual e específica. Essas tendên-
conceitos, etc.). O sentimento própriamente dito pode, em cer- cias naturais, que são inatas, não constituem faculdades distin-
tos casos, ser mero fator acessório da expressão. tas: identificam-se com a natureza do vivente sensível, e por ela
se definem.
1
~ULPE dá esta fórmula: A (estado afetivo) = f (I, D, E, R). f = fator Há analogia entre essas tendências naturais ou instintos e as ener-
sensoria~, I :"' individualidade, D = humor geral e cenestesia, E = conjunto gias especificas dos sêres inorgânicos (I, 380). Essa analogia é que
?ªs excI_taçoes de natureza afetiva, R
mtelectuais.
= reações motoras, imaginativas e explica nossa maneira antropomórfica de descrever as propriedades
dêsses sê:res (I, 150). Mas nem essa analogia justifica uma reduçiio
A VIDA AFETIVA 285
284 PSICOLOGIA

do vivente à matéria, como o tentou o mecanismo, nem essa Ungua-


. . - ue os rimeiros. il::sses estados, provocados
gem autoriza supor que os que a empregam incidam no animismo e de defm1çaot dodq te ps1quico (imagem ou idéia), têm um
atribuam ao inorgânico as propriedades do vivente. Por um " anb.ece en em
etivo,, comparação com as sensaçoes - a fetivas
,'
aspecto su J t orno "obJ' etivas" no sentido de que o cara-
q ue se apresen am c ' orno
As tendências adquiridas ou inclinações derivam das ne- , l
cessidades secundárias do animal e dependem, em suas mani- ter agra d ave ou desagradável que os provoca aparece c
um dado objetivo. '
festaçõe~ da estimulação de um fato cognitivo, sensível ou in-

·:o
telectual. Donde a distinção entre inclinações sensíveis, orien- . adiante veremos que a afetividade, em _geral e sob ttô~as ~s
Mais um sinal e um efeito de adap açao o
tadas para os bens sensíveis, e inclinações i.ntelectuais, que têm suas formas, a~arece O O desde que as circunstâncias acidentais ou
por objetos os bens inteligíveis e se exercem pela vontade. Es- vivente. f~::s ~~i~:tI~as cont rariam ou favorecem o _eq~íbrio )ª~ª
sas inclinações enxertam-se evidentemente nas tendências na- ~s :!~~o:le \end_e . constantemente ou, se se quiser, a dlreçao gera e
turais ou instintos, e lhes exprimem as manifestações contin- sua vida, es~ec1f1cadei indlvldaua:alf. i:tividade é correlati-i~ de um mundo
gentes, variáveis em número e em intensidade segundo os indi- Isso equivale a zer que é dist" · uma
víduos. Por isso, os instintos servem para definir a natureza d,e valores, que ~e trata de atu:a·~izar. ~:miis co~J::~m) e
específica, enquanto que o sistema das inclinações permite de- afetividade estntam_eI_J.te orgd.nica ~~mem está Ugada à atração e à
terminar o caráter ou .o natural dos indivíduos. Biológicas em uma afet~vidade espmtu?-J• ~ue~~ºraciona~ livremente perseguidos e
atu_alizaçao dos valores i ~1s al é de alg~a sorte, «possuído» pelos
seu princípio, as inclinações representam, portanto, as formas vividos (ao passo que. o a m ~de se destarte como muito bem o
psíquicas e subjetivas (tanto mais variadas quanto mais rica seus próprios valores). t~º:i!e! a ;legrla malgrado suas condições
é a vida) das necessidades fundamentais do vivente. d_l..Z R. ~UYER, _2d qutea~ª sei· asm essencialmen~ devidas a um sentimento
fislológ1cas ac1 en , . -
obscuro de perfeição e de imperfe1çao,.
Dessas tendências, inatas ou adquiridas, resultam movimentos ou
atividades, quer sensíveis, quer intelectuais, destinados a alcançar o 5 Divisão. Já agora temos os elementos e~senciais _de
bem desejado ou a afastar o mal temido. Os Escolásticos atribuíam t d da vida afetiva, encarada do ponto-~e-v1sta _fun_c10-
êsses movimentos a wna «faculdade locomotora», isto é, produtora d.o
movimento local dos viventes sensíveis, quer êsse movimento seja. re- ::i.
-
e~:seº estudo versará primeiro_ sôbre ods in~tmt_?:r:
o fontes dos estados afetivos, e, epo1s, so
nexo, instintivo, habitual ou voluntário. Os psicólogos modernos, ao -
reservarem a êsses movimentos o nome de atividade psicológica, res-
tringem assim excessivamente o domínio da atividade, visto que o ~~:~;º:Stadfo~ af;!i:~;~i~;ª::rp:i: ~~. ~~:i:~n~:li~a~~:: ~r::
Teremos, en im,
vadas a um alto grau da potência e e es lTI da de .
conhecimento, sensível ou intelectual, também é uma manifestação . d tab
de atividade.

Z73 c) Estados afetivos e tendências. As tendências, inatas


ou adquiridas, são inconscientes como a própria vida. Não po- \
dem ser apreendidas direta e imediatamente em si mesmas, mas !
somente em seus efeitos, que são os fenômenos afetivos. '
1
1
~sses fenômenos afetivos podem, por sua vez, ser divididos
em dois grupos: os que têm por antecedente uma modificação
orgâ,n,ica, e os que têm por antecedente um fato psíquico. Os, .. !
1
estados do primeiro grupo são chamados ora sensações afetfoas, \
ora sentimentos elementares. Tais são o prazer e a dor, bem !
como os múltiplos estados afetivos provocados pela cenestesia:
sensações de fome, de sêde, de bem-estar e de mal-estar, de an-
gústia, de fraqueza, de fôrça, de fadiga, de sono, etc. Impossí-
vel enumerá-los todos, pois alguns dêles, em razão de uma in-
determinação ou de sua raridade, nem sequer têm nome. Im-
possível igualmente defini-los, por se tratar de estados elemen-
tares e primitivos que se conhecem imediata e intuitivamente.
Os estados afetivos do segundo grupo são as emoções e
os sentimentos propriamente ditos. Não são mais suscetíveis 2 Etéments de pS1/cho-biotogie, p ág. 130.

\,
., li
O INSTIN TO
287
'
cos do 1mi-
tos muita s vêzes, são consid erado s como carac terísti de mais o
maÍ, por oposiç ão ao homem . Mas isso é restri ngir
, se é um
domínio do instin to, ou então esque cer que o homem de ten-
racion al, també m é a nimal e, a êste título, dotad o
ente não
ia, no home m essas tendê ncias
dência s instin tivas. Todav
,, se manif estam no est-ado puro, porém mais ou menos modif ica- lj
social. É
das pela exper iência , pela reflex ão e pela influ~ ncia tudo na
por essa razão que o estudo do i~stin to se apoi~ rá ~obre
tos atuam ,
descri ção do comp ortam ento amma l, onde os mstm
CAPÍT ULO I
no estado puro, ao menos sem modif icaçõe s indivi duais
senão
O INST INT O profu ndas.
SUM ARIO ' ART. CARA CTER ÍSTIC AS DO INST INTO
I.
pri-
Art . I. C;ARA CTERf STICA S DO INSTI NTO. Caracteressecundá-
primá -
275 Devem -se distin guir duas espéci es de carac teríst icas:
n._os. O 1natism?. A perma nência . Caract eres são: o inatis mo e a esta-
. mária s e secun dárias. As prime iras
rios. Universalidade específica. Ignorâ ncia do escopo bilida de dos instin tos. As segun das são: a unive rsidad
e espe-
Art . II. O INSTIN 'TIVO. Ati-
P~ICO LOGI~ _DO COMP ORTA MENT cífica e a ignor ância do fim.
~ade _co__gnit iva no instint o. Cadeia dos atos instinttaivos
A mtellgenc~a a serviço do instint o. Caráter finalis o instint o § 1. CARAC TERES PRIMÁ RIOS
1.nsttnto. . _Smais _ da ativlda de intenc ional.tropism os o
com_o at1v1dade intenc ional. Instin to e
~stmt o, fato de est~tu ra. Fenôm enos afetivos no· ins- 1. Inatismo.
·~nto. Instint o, emoçoes e sentim entos.
traço s
Art. m. CL_ASSIFI~AÇAO DOS INSTI NTOS . Princípios e métodos
Instin to; a) Natur eza. O instin to, pelo meno s em seus diza-
dos. Critéri os dos objeto s. não é objeto de nenhu ma apren
Cr1té~i~s m adeq~a
e gregár io. funda menta is e essen ciais,
alimen tar, sexual uma inteli -
gem, nem de um discer nimen to indivi dual, nem de
prtmarios. Instint os
ir uma exper iência anteri ormen te adqui -
das gênci a que faça interv
274 AM~is acima indica mos o princí pio de uma distin ção rida. Nada tem a dever , tampo uco, à educa ção e à imitaç ão,
cem como primi tivas inatas
!e~de ncu:s. Algum as delas apare pois as preced e e elas se funda m nêle.
m epend ;~tes da _edu~ação e da imitaç ão, e carac m terí;ti cas d; exerc í-
ncias que deriva imedi ata- Daí sua infalibilidade e sua perfeição imediata. O adas,
uma espE:::ie. Ta_1s sao as tendê todos cio do instin to, desde que as condiç ões norma is são realiz
s funda menta is do anima l, e que mais com-
mente das necess 1?ade
de instin tos. ~sses instin - efetua -se com segur ança marav ilhosa . As opera ções o amó-
conco rdam em design ar sob o nome plicad as parec em como um jôgo para certos inseto s, tal
só deve nas-
filo, que, para garan tir à sua larva carnív ora, que
sa um epifí-
1
L'é zC!: REV~U L'.f D'ALL ONES, Les inclinations:,
Paris, 1907. BERGS ON cer depois de sua morte , um alime nto vivo, parali
rando suces sivam ente com
Pa 't;
u ion cr atrice, e. II. BUYTE NDIJK , Psvcho
logie des animau x'
zd gero golpea ndo-lh e a cabeç a e perfu
seguid a.
ct::;~,' 2~~r :d.,1i:i~dr!!~ logie
N r , 1928. . ANDRÉ , Autour de l'instin ct (Cahier
s de PhiloB-Ophie de
os seis centro s nervo sos do inseto , que em
seu aguilh ão resol-·
o modo, as abelh as
êle arras ta para a sua toca. Do mesm
1
l~~~° w~~Á ~:m;r :;sPic ~~:~~ :lo~:c ~l ~ - e desco ncer-
animal e, Paris, 1940, págs. 114' e · se °
vem proble mas de geom etria de uma compl exidad
GUILL AUME , Lef p~ycho 8
imped idas de voar até·
JOUSS AIN, Les passion s humain es, Paris, 1928
~ J. DE LA VAISS H:iE' tante. Ando rinhas novas , que foram a liber-
E_lém_ents: de. psycho logie expérim entale, págs. 205
e segs.; La pudeur ins~
seu prime iro vôo mal lhes restitu em
certa idade, fazem
entale, págs. 45 e segs. s saída do·
tinctive , Paris, 1935. :f'.IÉRON, Psvcho logie expérim
t. II págs 498 e seg s. e L es dade, sem a meno r hesita ção. A borbo leta, apena
DUM.A S, Nouvea u Traité de Psycho logie
• • · lha desde logo a tromb a no cálice das flôres .
· t·
tenda~.. ces. ms ·
mctive s (LARG UIER DES BANCE LS), t. VI.p · ·
PRADI NES casulo, mergu
BURLO UD , d' '
A opõe-se,
b) Instin to e inteligência. O instin to, como tal,
Psvcho log,e généra le, págs. 153 e segs • rmcipe s une
p h z · • · R Condui tes
DE MONT PELLIE de se
. syc .º ogie des tendanc es, Paris, 1939. G.
ência defini da como a capac idade
~n;ez~ ~~:S et ~~c~is me _c hez l'anima l et chez
l'homm e, Paris, 1946. portan to, à intelig anteri or-
STE UD, L mstmc t, et le compor tement animal, 159 Paris, 1949. GOLD-
e segs.
adapt ar às situaç ões novas , com o auxíli o do saber
IN, La structu re de l organis me, Paris, 1951, págs.
PSICOLOGIA O INSTINTO 289
288

mente adquirido . 2 Não que a inteligên cia não possa insinuar- d.e sua atividade instintiv a. 11:stes caractere s pertencem segu-
se no jôgo do instinto, mas, em si mesmo e em sua essência, o ramente aó instinto, de modo que, quando realment e verifica-
instinto manifest a suas "habilidades" sem recorrer a nenhuma odos, podem servir de indícios de uma atividade instintiva . Mas,
experiência anterior. É o que se verifica de maneira a mais por outro lado, não são fundame ntais, senão derivados, e, por
lado comporta m muitas restriçõe s.
1 i
outro,
, ,
evidente quando se vê o animal executar uma ação instintiv a
imediata mente após haver 'saído do ôvo (tal o pinto que pro-
A. Universalidade específica
cura o alimento mal rompeu sua casca), ou após haver sido
colocado numa situação em que é absolutam ente certo que não 1. O fato da especificidade. Parece que cada espec1e
pôde receber os efeitos da educação ou da imitação (tal o es- pode definir-s e por um sistema de instintos tão seguram ente
quilo nôvo, criado em cativeiro solitário, ao qual se dão nozes ·como pela sua estrutura orgânica . É assim que cada espécie
pela primeira vez, e que abre e come algumas, e depois enterra de aranha tem uma maneira especial de cempor sua teia, cada
as outras com todos os gestos caracterí sticos de sua espécie). -espécie de ave constrói um ninho particula r, cujos elemento s
(localização, materiais , suporte) são tão estritame nte determi-
Sucede que vários instintos só se manifestam mais ou menos tar- nados que, só com vê-lo desocupado, sabe o naturalis ta imedia-
de na vida individual: tal é o caso do instinto sexual, que só des-
perta com a puberdade. Nem por isso deixam êsses instintos de tamente a que espécie de ave pertence. As vespas solitárias em-
ser inatos, enquanto derivam Imediatamente das necessidades fun- -pregam para os seus ninhos diversas espécies de focas. Mas
damentais da natureza. cada espécie serve-se sempre do mesmo tipo ou de um pequeno
nú.mero de tipos semelhan tes. Umas cavam buracos no solo,
2. Penn&nência. O instinto define uma conduta perma-
nente e estável do animal, apesar das modificações muita vez os quais têm uma forma caracterí stica de cada espécie. Outras
importan tes que afetam uma ou outra de suas funções, e não -escolhem buracos nos troncos de árvore, etc. Do mesme modo,
obstante a diversida de das situações exteriore s que depara e as prêsas com que as vespas aprovisio nam sua toca são diver-
que lhe impõe adaptaçõ es não raro complexas. Essa estabilid a- .sas, porém cada espécie recorre sempre à mesma prêsa (lagar-
ta, aranha, cigarra, etc.) .
de verifica- se pelo fato de, nem no espaço nem no tempo, se pro-
duzirem nem variações notáveis nem progressos importan tes e A especificidade concel"ne, pois, a um tempo ao fundo e à forma
duradouros no funciona mento de um instinto. Há milênios, cada do instinto (têrmos que correspondem respectivamente ao que o), os
espécie de ave recomeça constante mente o mesmo ninho, cada3 neolamarckistas chamam insti1nto primário e instinto secundári
com esta diferença todavia: que o fundo ou instinto primário é co-
espécie de aranha torna a fazer perpetua mente a mesma teia. mum a tôdas as variedades ou raças de uma espécie, e que ou a forma,
As abelhas operam em nossos dias exatame nte como operavam ou instinto secundário, pode variar e especificar tal raça varie-
dade. Por exemplo, o fundo do instinto, para tôdas as andorinha s,
no tempo de VIRGfLIO, nem parece que os gatos tenham feito conjunto
progresso s na arte de persegui r e de apanhar os ratos. será a construção do ninho; a forma será definida pelo palhas e
das ações ou meios que realizarão êsse fim: colhe.ita de
de pelos (ou, às vêzes, de objetos supletórios), aglutinação com terraa
§ 2. CARACTERES SECUNDÁRIOS amassada, etc. Nos castores, o fundo é a construção da morada;
forma, para os castores do Canadá, será definida pelos diques· e cho-
276 Citam-se também, como caracterí sticas dos instintos , sua ças que formam uma aldeia, e, para os da Europa, pela perfuração
de galerias.
universa lidade específic a e o fato de o animal ignorar o escopo
277 2. Limit.es da universalidade específica. A especificidade
2 Cf. MC. DOUGALL , An Out!ine of Psychology , pág. 71: "Intelligen ce
". do instinto comporta , entretant o, seus limites, já que o instinto
is the capacity to improve up native tendecy in the light of past experience
Não pode ser é suscetíve l de variações individua is, e a uniformi dade especí-
A inteligência , assim entendida, encontra-se no animal.
assemelhad a à inteligênci a humana, que é a faculdade de pensar o universal.
fica é mais formal do que material.
Correspond e ao que os Escolástico s chamavam estimativa. 1, Cf. também a) Variações individuais. Em realidade , todo instinto,
pág. 379, n.0 1, onde MC DOUGALL opõe a inteligênci a ao intelecto, o qual mesmo nos insetos, que são os menos inteligen tes dos animais,
"compreen de a inteligênci a e muito mais ainda".
s O número dos raios transversai s é fixo em cada espécie: a teia de
implica c,rtas diferenças individuais (no interior da forma ou
epeira angular tem 21, a de epeira faixada 32, a da epeira sedosa 42, etc. instinto secundár io). Em tôda espécie, os indivíduo s diferem
O INSTIN TO Wl
290 PSICOL OGIA
se exerce
ra côr eia exteri or modificou as condições norma is em que prosse gue
uns dos outros por seus carac teres somáticos, estatuco~por~ Êste, com tôda máqu ina bem monta da,
do mesm o gêner o devem existi r no 0 instin to.
difere nças r no vácuo
forma ;
dificilmen- sua march a uma vez deflag rado, com risco de opera
tamen to. Mas, nos anima is inferi ores, são fraças e ores. ou em sentid o contrá rio.
áveis, ao passo que se impõe m nos anima is superi
te observ vez maio-
Por isto, o instin to admit e variaç ões indivi duais cada Se se modif icam as condições em que se exerce o instint o, nem
dos insetos ões que, nesse caso,
res à "medida que nos elevamos na escala animal, êstes, aos por isso deixa o anima l de contin uar as operaç nte um ôvo de
aos verteb rados , morm ente aos mamí feros e, entre se tornam absurd as. A galinh a choca obstin adame solitár ia contin ua a
amen- pedra substi tuído ao ôvo fecund ado. A abelha
grand es macacos. Sabe-se, adema is, tudo o que o adestr do com- ·aprovisionar de mel uma célula perfur ada no fundo,
por onde se
to (72) e os hábito s podem inseri r de novid ade no seio vespa constr utora fecha
escoa o líquido à medid a que é fabrica do. A petizes , lagart as parali -
portam ento instin tivo dos anima is. 0 ninho de barro onde
depositou, com seus
foram retirad as à me-
sadas por hábeis golpes de ferrão, as quais
b) Natur eza da unifor midad e específica. Doutrque a parte as deposi tava., Mesmo num anima l tão i:nteligente como
ma~ dida que ela
e espec ífica parec e ser mais forma l do o cão, o instint o atua, às vêzes, com verdad eira estupi dez. Assim é
a uniformidad result a- de um coelho, põe-se a
terial, isto é, deveria definir-se pela unifor midad e dos que o «fox-t errier~ , logo que cai no rastro
áveis s; que outro resulta do não podem ter senão
dos antes que pela dos mecan ismos . Os efeito s são invari soltar latidos furioso
instint o gregár io que rea-
lidad; fazer escapa r a prêsa. Trata- se do velho
e põem em viva luz o caráte r de perma nênci a e de estabi am o em caçava m em
parece nêle: seus antepa ssados no estado selvag os compa nheiro s.
Tôdas as aves de uma espéci e dada edific para chama r em auxílio
dos instin tos. os mate- bandos , e o latido servia
mesm o ninho, mas sucede-lhes empre garem para isso papéis, instin -
a seu alcanc e, como restos de panos , de b) Psiquismo do instinto. A tese da estupi dez do
riais que têm
mater iais ir a ati-
ponta s de fósforos, etc., e que se parec em com os elemen- to tornar -se-ia inteir amen te falsa se preten desse reduz
nar
que de ordiná rio empre gam. Do mesm o modo, certos vidad e anima l ao puro mecan ismo. O instin to pode funcio
das cir- máqui na, e o
tos do ninho ( dimensões, ponto de apoio) depen derão ma- como um mecanismo, porém o animal não é uma
a estupj -
constr ução. Esta espéci e de contin gência instin to está longe de ter sempr e
cunstâ ncias da rção que funcio namen to do bola de
terial no seio da unifor midad e forma l aume nta à propo a que arras ta a
de va- dez que se obser va no caso da aranh se obstirta
nos elevamos na escala anima l. Os fatôre s indivi duais cortiç a que substi tui seu casulo, ou da galinh a que
riação têm, assim, cada vez mais influê ncia. em choca r u:rr.i ôvo de pedra .
uma
Aliás, seria difícil fazer da unifor midad e específicamida- Mais adian te voltar emos a tratar do psiqui smo implic
ado
carac terísti ca especial do instin to, porqu e existe m unifor já devem os obser var que o anima l não
mida- pelo instin to. Desde
des que absolutamente não são instin tivas. Essas unifor ter causa s ignora de modo absoluto o escopo de seus atos: tem do instin -
certa re-
des, unive rsaliz adas na espéci e, podem , com efeito , define justam ente a finali dade
por exemp lo) presentação dêle, que
tais (ação do meio, o anima l
física s ou biológ icas aciden
s pseudo- to.- Por outra parte, se há nume rosos casos em que s nas cir-
ou sociais (imita ção, moda ), e const ituir apena não tem meios de discer nir as muda nças introd uzida
is su-
instin tos. constâ ncias exteri ores, outros há, sobre tudo nos anima ica-
es, em que o anima l perceb e claram ente essas modif
perior
B. Ignorância do escopo ções e a elas adapt a o seu comp ortam ento.
4

nunca
De fato, as circun stânci as em que atua o instin to
278 1. Mecanismo instintivo. perfei tamen te idênti cas, e, dêste ponto -de-vi sta, todo ato
são
instin tivo deve admit ir uma marg em de adatptação dos meios
a
a) A est'Ulpidez do instinto. O anima l, diz-se, realiz ao fim. Há um comp ortam ento geral, que, como se viu,varia r de
é coman-
o que faz
com perfei ção o que faz por instin to, mas nem sabe nem os dado pelo fim, mas dentro do qual os meios podem
nem como o faz, isto é, não tem de escolh er nem o fim do in8- um indiví duo a outro e de uma situaç ão a outra. Todos
os ga-
meios , que lhe são impos tos pela nature za. A estupi dez atitud e em face do rato; mas todos têm
sua per- tos adota m a mesm a
ti71:t<:_ resultf!,, pois, de sua necessidade, e o que explicaos simul-
! eiçao explica ao mesmo tempo seus erros. Os reflex rsível do 4 Quase sempre , entre os insetos, a indústr ia instinti
va compo rta elos
tâneo s ou sucessivos que compõem o mecan ismo irreveinfalível, tão estreita mente ligados entre si, que a inteligê
ncia animal absolut amente
comporta?1ento instin tivo funcio nam com segur ança
circun stân- não é capaz de lhes modific ar a ordem.
mas contm uam a segui r seu camin ho quando uma
292 PSICOLOGIA O INSTINTO 293

de regular seus movim /4tos pelos do rato, e seus saltos pela § 1. ATIVIDADE COGNITIVA NO INSTINTO
distância dêste. Daí falar-se, com justa razão, da habilidade
prodigiosa dos animais, isto é, de sua habilidade para apreciar 1. A cadeia dos atos instintivos. As teorias mecanicis-
as circunstâncias concretas em que deve funcionar o instinto. tas apóiam-se sobretudo no encadeamento dos atos instintivos,
Muitas vêzes, verifica-se que êles param um trabalho que já que presueyvelmente permitiria explicá-los, a partir do estimu-
não serve para nada, e que o retornam mais tarde, exatamente lo externo que deflaga o processo, sem recorrer ao psiquismo.
no ponto em que o haviam interrompido. Dir-se-ia, mesmo, que Mas é exatamente o contrário que se impõe, quando nos esfor-
:regulam sua conduta mediante raciocínios complicados. Ao çamos por apreender a natureza do encadeamento. 11::ste, com
lhes atribuir a estimativa, ARISTÓTELES tinha razão de fazer ef,eito, é primeiramente como que a atuação de um sistema de
notar que o instinto "imita a razão". conhecimentos hereditários, ou, como mais adiante se verá, de
uma estrutura psíquica inata, e implica ademais a interven-
t79 2. O aut.omatismo. E' certo, todavia, que o psiquismo ção contínua, no funcionamento do instinto, de percepções, de
animal é não-refletido e automático, designando o automatis- imagens e de lembranças, que fazem dêle um processo não s6
mo a propriedade pela qual um ato complexo e adaptado su- todo diferente do puro mecanismo, senão irredutível ao simples
cede imediatamente a uma excitação e se desenrolá de um só reflexo. Foi o que Me -DoUGALL pôs bem em evidência com
jacto até seu completo acabamento. A consciência do animal auxílio de múltiplos exemplos que demonstram que o ato ins-
tintivo se apresenta claramente, em múltiplas circunstâncias.,
é distinta dos fenômenos orgânicos que resultam de sua ativi- como resposta a um objeto (isto é, a uma percepção), ao passo
dade, bem como das imagens que deflagram essa atividade nu- que o reflexo nunca é outra coisa senão uma resposta a um
ma ordem definida de antemão, mas não pode apreender-se a estímulo externo, uma réplica motora que sucede mecânica-
si mesma ou voltar sôbre si. Trata-se de uma consciência abs- mente a uma excitação simples.
cura. Tudo o que os animais aparentam de habilitação, de des-
CO)lfiança, de reserva, de dissimulação e de astúcia provém não Tal é o caso da vespa solitária, que fornece um belo tipo de a_tos
encadeados, que à primeira vista poderiam considerar-se como um
da. reflexão e da deliberação, mas das virtualidades compreen- simples encadeamento de reflexos, cada um. dos quais, uma vez 6.i:e-
didls na estrutura do instinto ou no equipamento hereditário cutado, determinaria automàticamente a execução do seguinte. Ora. ,.
do animal, e cujo funcionamento depende das circunstâncias não há nada disso, a ordem dos atos tnstintivos é exatame7J.tei o con-
trário do que exigirí,a o puro mecanismo. O inseto começa por cavar
em que se exerce o instinto, isto é, das percepções, das imagens a toca, depois põe-se à procura de sua prêsa. Ademais, a escolha
e das lembranças do animal. O automatismo, diminuído e pene- da toca supõe uma prospeção minuciosa do terreno, e o carrêto da
trado de uma margem de indeterminação, continua sendo um prêsa dominada não se faz ao caso, mas sim pelo caminho mais se-
automatismo. guro e menos difícil, etc. Tudo isso implica, seguramente, a inter-
venção de percepções, de imagens e de lembranças. Se o himenóptero
pratica todos êsses atos com segurança, é em razão dos vôos de re-
ART. II. PSICOLOGIA DO COMPORTAMENTV conhecimento previamente realizados para fixar a localização da
INSTINTIVO toca e descobrir o melhor caminho de carrêto. Achamos uma con-
firmação desta hipótese no fato de que, se deslocarmos os pontos de
referência colocados no caminho e observados pelo inseto, êste só
280 O funcionamento do instinto depende de duas sortes de fa- pode reencontrar o ninho depois de laboriosos tateamentos (Outli'ne
tôres: os fatôres externos, que servem de estimulantes à ativi- of Psychology, pág. 80). Me DoUGALL ac.rescenta que êsses pontos de
referência não são objetos isolados, mas formam entre si um sis-
dade instintiva, e os fatôres internos, que são suas causas es- tema: «Somos obrigados a pensar que, em certo sentido, a vespa
senciais. As teorias behavioristas (14) pretenderam descre- forma e traru;porta consigo um mapa ou um plano do local,. pois seu
ver e explicar o instinto unicamente pelo exterior, com exclu- comportamento mostra que ela reconhece os objetos vizinhos da
toca como partes de um todo, uma das quais seria o ninho».
são de todo recurso ao psiquismo. Mas os fatos estão absolu- O caso da borboleta Tegeticula alba, Zell, a que Me DouGALL
tamente contra essas teorias e as que pretendem reduzir o ins- eh.a.ma «Yucca moth» (Outltne of PS'/lchology, pág. 74), é outro
tinto a tropismos e a puros reflexos. Vai-~ poder verificá-lo exemplo típico de atividades em ordem inversa daquilo que o meca-
estudando a psicologia do comportamento instintivo, nos três nismo exigiria, e revelaoora-s d,a atuação sucesiva das percepçóes e
das imagens. Essa borboleta sai da crisálida, uma . vez por noite,
elementos que a definem: fenômenos cognitivos, fenômenos de justamente no momento em que se abrem as grandes flõres amare-
tendências e fenômenos afetivos. las e brancas, em forma de sino, do Yucca. Sôbre essas flôres, a
O INSTINTO
294 PSICOLOGIA
impulso orientado, pressão interna ou, como se exprime
fêmea do «Tegiticula albai recolhe o pólen dourado e fá-lo passar, Me DoUGALL, "inclinação hórmica", saída da própria natureza
argamassando -o, a uma espécie de pequena bôlsa que tem atrás da
cabeça, por meio de patas extensíveis e sedosas. Assim carregada do ser. A ação dêsses fatôres internos explica que só objetos do
vai à procura de outra flor. Quando a encontra, com suas lanceta; instinto tenham "significaçã o" para o aminal.
afiadas perfura o tecido do pistilo, deposita nêle seus ovos entre .,
os óvulos, e depois, lançando-se ao vértice do pistilo, esvazia a. bôlsa 282 b) A significação para o animai. Reenconbam os aqui
cheia de pólen fertiltzante na abertura em forma de funil. Dêsse aquela noção de significação que nos apareceu essencial no es-
modo, a falena coloca seus ovos num lugar onde poderão desen- tudo da percepção (140), onde vimos que perceber um objeto
volver-se se se desenvolverem os óvulos; mas êstes só podem de-
senvolver-se se a borboleta empurrar o pólen de outra flor no estigma é essencialme nte atribuir uma significação a uma estrutura.
aberto do pistilo. Ao mesmo tempo apresentava -se o problema de explicar como
Poder-se-ia_m citar ainda numerosos exemplos da maneira como é que o animal, que percebe, pode chegar ao significado. Ora,
certas aves reconhecem suas congêneres da mesma espécie e da aqui verificamos que, em relação ao instinto, o significado não
mesma variedia:ie, ou ainda distinguem os indivíduos de sexo oposto
e~ mi~a à procriação. P~r exemplo, o caso dos pombos, em que o representa uma noção universal, mas sim uma relação constan-
dlscermmento dos sexos so pode fazer-se por uma atitude de con- te entre as tendências afetivas do animal e seu meio vital. 7 O
jnnto mui complexa, a qual compreende arrulho, ostentação da sentido do projeto, para o animal, é assinalado pelas emoções
cauda, entumescime nto do colo; chocarrices. o descobriment o do que experimenta em sua presença. "Mesmo para os animais
sexo _exi~e, :pois, o exercício de uma atividade sintética de percepção, superiores, como o cão e o macaco", afirma BUYTENDIJK, "nada
que e coisa inteiramente diversa de uma pura estimulação sensiveb. 5
existe que não seja também produto de suas emoções" ( Cahiers
281 2. A inteligência a serviço do instinto. O psiquismo do de Philosophie de la Nature, IV, Paris, 1930, pág. 75). O meio
instinto pode definir-se como "a inteligência prêsa às servidões externo é integrado na vida subjetiva do animal e passa a fa-
do instinto". Com efeito, a inteligência animal está todo in- zer parte do seu próprio fluxo vital.
teira compreendid a nos limites do instinto, e os objetos só têm
p~ra ela significação na medida em que se acham em relação § 2. CARÁTER FINALISTA DO INSTINTO
cçim os fenômenos afetivos pelos quais se exprime a tendência
instintiva. 288 O caráter finalista do instinto acaba de aparecer-no s como
coisa evidente. Devemos, entretanto, precisar o sentfdo dêsse
a) A inteligência nos limites do instinto. As percepções, caráter, e mostrar como se ooncilia com os mecanismos do ins-
imagens, lembranças que intervêm no inicio ou no curso do tinto.
processo instintivo estão estreitamen te encerradas nos limites
do instinto, isto é, como o observa M. BUY'I'ENDIJK (Psycholo- 1. Sinais da atividade intencional. Entre os sinais dis-
gie des animaux, Paris, 1928, pág. 75), o poder de percepção tintivos de uma atividade intencional, isto é, ordenada à obten-
é fortemente especializado. Q. a11~m~l nful "per,c~.12e:' seja lá ção de um fim e dirigida por tendências ou impulsos internos,
,<:>. q~., f§r, ma.a. s!)ro.e.:t:lt.~. aquilo que é útil ao instinto. Suas· fa- podem citar-se como sendo os mais importantes : o poder de
culdades cognitivas estão sô'5' a dépe°r1âênciã de c-êrtos fatôre3 iwiciativa e a espontaneidade (ao menos em certa medida);
que lhe determinam estritamente o exercício, enquanto só êles as mudanças trazidas, ao longo do caminho, na direção dos mo-
são capazes de fixar a atenção do animal sôbre certos objetos vimentos instintivos ; a cessação dêsses movimentos exatamente
definitivos, na massa dos que lhes ferem os sentidos. ll:sses no momento em que atingiram sua meta; o fato de os movi-
fatôres são: a cenestesia do animal, cuja influência se mani- mentos parecerem antecipar a situação que contribuem para
festa, por exemplo, na procura da comida, na nidificação e na realizar; e, enfim, o fato da reação totai, isto é, o fato de que
incubação, e encerra períodos de atividades e de latência, o
6
tôdas as energias do organismo tendem para o mesmo fim.

5 Por si mesmo se compreende que, recusando limitar o instinto a um glândulas endócrinas chamadas hormônios. Essas secreções endócrinas pa-
simples jôgo de reflexos, não se trata de negar que o instinto ponha em recem desempenhar papel importante na aparição dos comportamento s
ação reflexos numerosos e mui complexos. Mas serve-se &.!les à guisa de instintivos c!clicos (migrações, períodos de cio, canto dos machos entre as
instrumentos, e não é por êles constituído, do mesmo modo, por exemplo, aves, etc.).
que a memória não é constituída pelos mecanismos motores que .utiliza. 7 Pode-se notar que essa "relação constante " constitui o equivalente ou
« A própria cenestesia é influenciada por fatõres externos como a o anãlogo de um universal.
temperatura, o alimento, e por fatôres internos tais como as secreções das
296 PSICOLOGIA O INSTINTO 297

2. Instinto e reflexo. Nenhum dos sinais enumerados se- o reflexo, cujo caráter «explosivo» se notou, exerce-se e esgota-
encontra no caso dos reflexos. 8 Contràriamente, achamo-los se no instante. Reação imediata a uma excitação dolorigena, muita
ve.z tem o caráter de uma resposta, e, em todo caso, é limitado a uma.
todos, em diferentes graus, na atividade instintiva. 9 Dessa reação de defesa ou de adaptação que é, todo inteira, função da
diferença entre o reflexo e o instinto podemos dar-nos conta. circunstância externa que se trata de modificar. Ao contrário
por uma simples observação sôbre nós mesmos. O reflexo ro-· o instinto inscreve-se no tempo: de:Rende de um passado e tend~·
túliano, por exemplo, é pura resposta automática a um estí- _. para um futuro. Significa a permanência de uma necessidade,.
.afetada de um ritmo de tensão e de repouso, e, mais profundamente
mulo externo, mas não orientação ativa e consciente para um ainda, a permanência de uma vida que se desenvolve e se expande·
fim. Ao contrário, percebemos que a cólera que sentimos é· na duração.
um forte impulso para praticarmos certos atos determinados.
(palavras, gestos, atos de violência), de tal maneira que temos 184 3. Instinto e tropismos. Êsses fatos tornam impossível,
de fazer esforços mais ou menos difíceis para inibir êsse im- com maioria de razão, qualquer tentativa de redução aos tro-
pulso. pismos como a realizada por LoEB. Encontram-se, certamente,
Muitas vêzes se confunde a seqüência do processo instin- entre os animais, fenômenos que têm certa analogia com os
tivo com uma cadeia de reflexos, porque tudo se desenrola. tropismos vegetais (fototropismo: efeito da luz; geotropismo~
sem dificuldade. Mas, desde que surgem obstáculos, a diferença. efeito do pêsõ; quimiotropismo, ação de agentes químicos; es-
tona-se muito grande. O instinto, obediente ao impulso, adapta- tereotropismo : ação dos corpos sólidos ; anemotropismo : efeito
se por variações às vêzes mui complexas, como se vê nas expe- dos ventos, etc.) . Mas analogia não é identidade, consoante o
riências de labirinto. Sem dúvida, as adaptações não são in- mostramos em Cosmologia (l, 432). A ação do tropisrrw não
venções no sentido estrito do têrmo, senão que fazem parte do, somente não comporta, mas exclui absolutamente tôda espé-
equipamento hereditário do animal. Mas nem por isso é menos. cie de contingênoia na resposta ao excitante externo, ao passo
certo que êste tem de escolher na coleção dos mecanismos mo- que o funcionamento do instinto admite variações numerosas
tores que estão a seu dispor, 10 e que essa eleição implica evi- nos mecanismos pelos quais se realiza um fim constantemente
dentemente o exercício de uma atividade intencional de natureza. idêntico.
representativa.
A abelha, depoi~ de se afastar de sua colmeia para colhêr mel,
e após inúmeros vôos de flor em flor, reencontra infalivelmente seu
s A contingência das respostas possíveis aos reflexos condicionados (57)' ponto-de-partida. Em virtude da teoria dos tropismos, dir-se-ia que
de modo algum significa que, por si mesm-o, o reflexo comporte iniciativa,. a abelha obedece a uma fôrça de nature.za desconhecida (radiotro-
espontaneidade ou escolha, mas somente que o sistema nervoso funciona pismo), que a reconduz à sua colmeia exatamente como um guin-
como um todo, e que cada reflexo, longe de ser o simples resultado de- deste reconduz a si, por meio do cabo que se enrola, o objeto prêso
um excitante determinado, é uma função do todo, que aqui é o corpo, à ponta dêste. Mas isto não tem sentido algum em face da expe-
com o conjunto de suas necessidades e com as condições totais de seu riência, pois se verifica que a abelha tem que adquirir o conheci-
equilíbrio interno. Fisiologicamente, aliás, a complexidade das articulações. mento prévio dos lugares, por vôos de ensaio e por 'tateamentos;
sinápticas ou das vias nervosas deixa aos outros fatôres da atividade psí- que, se, na. ausência da abelha, deslocarmos o cortiço, a abelha volta
quica (atenção, habilidade, interêsse, vontade) uma margem de expressão, regularmente ao local onde .aquêle se achava antes; 11 que, normal-
mais ou menos grande. mente, a abelha não se afasta para além de três quilômetros da
colmeia, e, se vai mais longe, muitas vêzes não mais torna a achar
9 No que concerne às mudanças de direção, ver em Souvenirs ento-. seu caminho de volta; que as abelhas que habitam colmeias vizi-
mologiques, de FABRE, o que conta do "Sphex languedociano (Moeurs de:r nhas de um:i. região árida vão freqüentemente colhêr mel em outro
insectes, Paris, Delagrave, pág. 118): O "sphex" transporta a prêsa parà- lugar mais rico em flôres, mas pouco ou nada na região árida; e,
lisada por golpes de aguilhão: "As vêzes o trajeto faz-'Se de uma só vez; enfim, que tôdas as experiências mostram que as abelhas são guia-
outras, e mais freqüentemente, o condutor deixa de repente sua carga e- das pela vista: se se modifica· a paisagem (côr, forma) das cercanias
acorre ràpidamente à toca [ ... ] . Depois volta à epifígera, que jaz lá, da colmeia, o regresso da abelha torna-se hesitante, difícil, o que
virada sôbre o dorso, a alguns passos de distância. E carrega-a de nôvo ..
Em caminho, o "sphex" parece possuído de outra idéia, que lhe atravessa
o volúvel intelecto. Visitou a porta, mas não viu o interior. Quem sabe· 11 LOEB supõe que os hipotéticos raios que determinariam o movimento
se tudo vai bem lá por dentro? Corre para lã, largando a prêsa outra da abelha provêm, não da colmeia, mas do lugar onde esta está colocada.
vez. Faz sua visita ao interior, aparentemente acompanhada de alg= Porém esta suposição é gratuâta e pouco verossímil, e, aliás, contradiz a
golpes de trolha com os tarsos, dando às paredes sua última demão ... " hipótese, avançada pelos partidários da teoria do instinto-tropismo, de que
10 As vêzes o animal, detido por um obstáculo, emprega, um após a abelha seda atraída pelo cheiro da rainha ou, em geral, pelo cheiro da
outro, todos os mecanismos motores de que dispõe. colmeia.
29D
O INST INT O
PSIC OLO GIA
298 em evidência o primado
An Out line of Psyc ho-
Tudo isso é verd ade . Mas, ao pôr de outro ponto-ele-v ista, , o
Me da tendência, não se pode excladm uir,
não acon teci a ante rior men te (cf.
DoU GAL L,
irá veis aná lise s de Me Dou -
logy , págs . 82-8 4) . primado das representações: as inst into é um imp ulso orie n-
GALL bem dem ons tram que
, se o
que se cita m par a just ifi- ltar ia e iria ao léu se não fôss e
Os fenômenos, tão numerosos, tado, êsse impulso em nad a resu com and am o curs o ord ena do de
trop ism os mos tram som ente
car a assi mila ção do inst into aos está suje ito à infl uên cia de o sist ema de repr esen taçõ es que
que o fun cion ame nto do inst into que inté rnos , que serv em de ente aind a, não teri a conteúdo,
po sua s rnanifesfações. Mas exa tam fina lida de. Um a tend ênc ia
fatô res exte rno s, ao mesmo tem a questão. O problema é saber, e, por essa razã o, não pod eria
ter
12 Mas não é essa uma tend ênc ia com and ada por
esti mul ante s.
o que é inte iram ente certo), mas com fina lida de é nec essà riam ente ente , a representação só tem
não se exis tem estimulantes ( s. Ora , as vari açõ es cert as urna repr esen taçã o. Con tràr iarn em relação com uma tendên-
sim como reage o animal em face dêle mot ores pelos qua is se eficácia 1notora pelo fato de esta rliza. Imp ulso e repr esen taçã o
mos
da reaç ão pro vam que os mec aniss exte rno s são ape nas inst ru- cia ou uma necessidade que atuaproc a, e o inst into defi nir- se-á
esti mul ante
efet ua a resp osta aos
prio inst into . A explicação estão, pois, em cau sali dad e recí
men tos do inst into , e não o pró mos, mas , ao mesmo tempo,
..... lista inat a, defl agra da, ilum i-
como um fato de orie ntaç ão fina
. -~,
anis
últi ma acha-se, pois, não nos mec util iza par a seus fins , e nas taçõ es por uma estr utu ra he-
nad a e diri gida em sua s man ifes ima gen s que apa rece m à me-
na tend ênc ia ou impulso que os red itár ia de repr esen taçõ es ou de
uma mar gem de inic iativ a mot oras que têm de gui ar. rn
repr esen taçõ es que os diri gem com s e mai s à med ida que nos dida que surg em as ativ idad es
ce mai Ain da podemos pre -
e de esp onta neid ade que cres res. b) O inst into , estr utu ra mental.o-o como urna estr utu ra
elevamos par a os anim ais sup erio 286 lificand
cisa r a natu reza do inst into qua e da ima gina ção nos fam ilia ri-
men tal. O estu do da perc epç ão
O instinto, fato de estrutura. Do pon to-d e-vi sta men tal, a es-
.'28,'S 4. zou com a noção de estr utu ra.
ulso fina liza do e fenô- virt uali dad e, per man ente e in-
a) Impulso e representação. Imp trut ura defi nir- se-á como uma psíquicos, que são sucessivos
qua l dêst es elementos, nec essá rios consciente, por oposição aos atos disposições ou virt uali dad es,
men os repr esen tati vos : a o inst into , deve-se atri bui r e conscientes. Não pas san do de
amb os par a defi nir ade qua dam ente defe nde o prim ado da ten- as estr utu ra só são con hec idas
por indução, a par tir dos atos
o prim eiro pap el? Me DoU GAL L rado s como "tod os" org aniz ado s
car áter inte ncio nal do inst into e dos com por tam ento s con side
dên cia fina lista . Afi rma que o con scie nte das sínt eses per ma-
s esse ncial nêle e que lhe exp lica e resu ltan tes da infl uên cia sub
é que defi ne o que há de mai
e dêsse impulso hórmico. Os nen tes da vida men tal. isto é, uma organização
o func iona men to. Tudo depend O inst into é urna des sas estr utu ras, gens, de tendências e
mot ores são menos cara cter ís-
pró prio s fenô men os cognitivos e dem ente , ao pass o que a im- , de ima
inconsciente, ina ta e hereditária mecanismos específicos. Ja-
' ticos, vist o pod erem var iar gran riáv el; e, de out ra part e, as de emoções que se exp rim em por o uma séri e mec ânic a de ati-
pu_lsão é estável, perm ane nte e inva
.
sen sori ais do anim al não são mai s será possível explicá-lo come si pelos aza res da con tigü i-
1'
i cois as apr ese ntad as aos órg ãosnão são capazes de lhe rete rem vida des just apo stas , liga das entrniza ção , e, como se viu, defi ne-
"ob jeto s" par a êle, que r dizer, sen ão na med ida em que o dade. ~le é e com and a urna orga
a aten ção e de sere m perc ebid os ativ idad e. Senão, o anim al al do que por sua mat éria .
em se mui to mai s por seu car áter form nte dos fato s de ativ idad e
imp ulso ou a tend ênc ia está do ôsso mai s apetitoso, o Tod avia , há que dist ingu i-lo clar ame
abs olut ame nte não reage. (Di ante cípi o, à guis a de form a per -
já não é obje to par a êle.) men tal, dos qua is é ape nas o prin o. 14
cão _fart o é insensível. O ôsso man ente e inco nsci ente do psiq uism
o da laga r-
curio síssi mos, em parti cula r IV, "A
12 LOE B cita num eros os caso s fôlha s da hast e em de Philo soph ie de la Natu re,
se alim enta r, sobe para as Cf. M. THO MAS (Cac hiers conh ecim ento
ta, qne, na prim aver a, para pelo
13 tradu z-se
um fotot ropis mo "O insti nto
obse rva que ela obed ece a noçã o de ins-t into" , pág. 74): oal ou outr o
que fêz seu ninh o. LOE B man eira variá vel o por imita ção, expe riênc ia pess
num tubo orien tado de inato , here ditár io, não apre ndid uma indú stria
pasit ivo, 'Porq uant o, oolo cada cons tante men te para vêze s reve ste todo o aspe cto de
relat ivam ente a urna fonte lumi
nosa , a laga rta dirig e-se
enfia -se por proc esso , de um meio (que às do pela espé cie na reali zaçã o
de um
da, a laga rta desc e e univ ersa lmen te emp rega
alim enta com plex a)
o la~o ilum inad o. Uma vez é inve rtido : a laga rta foge da
diz LOE B, fim útil" . 1938, pági -
deba ixo da terra . O tropi smo, o, os caso s de d'ap res Me DougaH, Pari s,
como análo gos ao quim iotro pismsubi r os curs os 14 Cf. ED. JAN SEN S, L'ins tinct
luz_. P':de m-se amd a citar , a da deso va, torn am a nas 136-145.
na époc
tm'1graçao dos- salm ões, que, mais ricas em oxig ênio .
s
de água s em busc a de água

' ... ~- .:..,,., .. .. _...


,.
O INSTINTO 301
300 PSICOLOGIA

ÜS FENÔMEN OS AFETIVOS NO INSTINTO


clinações que se enxertam nas primeira s, particula rizando- as e
§ 3.
empresta ndo-lhes seus caractere s, e também em razão da falta
de um critério verdadei ramente científico que permita ordenar
!87 1. lnstint.o e em~ões. Observam os anteriorm ente que, as tendênci as segundo sua importân cia vital e sua energia na-
por suas emoções, o animal apreende o significa do dos objetos. tiva. Por isto, numeroso s têm sido os ensaios de classifica ção.
Cada espécie de instÍJl,to é, assim, revelada por um fenômeno ., Vamos examina r os principai s. .,
afetivo específico, ao qual se pode dar o nome de emoção. A
relação que une a emoção ao impulso instintivo (com o sistema A. Critérios inadequados
de imagens que ela atua) permite concluir de uma para o
outro. Cada vez que se observam num animal sinais de emo- 1. Ponto-de- vista funcional . O ponto-de- vista funcional é cer-
tamente o mais favorável, pois o instinto só pode definir-se perfei-
ção, pode-se tê-los como indícios da ação de um instinto corres- tamente em relação ao fim que realiza. As classificações «objetivas~,
pondente ; e, inversam ente, cada vez que um animal exerce fundadas na simples descrição dos mecanism os motores ou do
uma atividade instintiva , pode-se supor que experime nta uma comporta mento do animal, só podem é levar a confundir condutas
excitação emocional, e tentar interpre tar essa atividade em diferen'tes, instintiva s ou não, que guardam semelhan ças entre> si.
têrmos de emoção. 15 Sem dúvida, quando se trata dos animais, os instintos só nos são
revelados pelo comporta mento exterior: o ponto-de- vista subjetivoe
A emoção é, pois, o sinal da atuação de um instinto. ~ste não tem aplicação. Mas a finalidade do instinto é tão objetiva
não passa de uma virtualid ade enquanto a emoção não vier es- observáve l quanto os mecanism os que emprega, e só uma concepção
timular as tendência s. Esta emoção, por sua vez, é posta em estreita e arbitrária da objetivida de leva a excluir sistemàtic amente
ato, quer imediata mente, pelos fatôres internos, quer mediante todo recurso à finalidade -(43).
fatôres externos. A emoção que desperta o instinto-c açador do Todavia, êste ponto-de- vista a nada de preciso conduziria se não
se visasse a determina r as finalidade s dinâmicas particular es dos
"fox-terr ier" é excitada pelo rastro de um coelho. A emoção instintos. Classifica r os instintos em dois grupos: instintos que ten-
que o gato sente ao cheiro do rato deflagra tôda a série dos dem à conservaç ão da espécie, e instintos que tendem à conservaç ão
movimen tos instintivo s. O desperta r dos instintos sex1tais pe- do indivíduo , é muito insuficien te enquanto dentro de cada grupo
riódicos deve correspo nder a emoções devidas às mudança s mor- não se procurar realizar uma classificaç ão racional.
fológicas ou humorais do animal. 289 2. Classifica ção subjetiva de Aristótele s. ARISTOTELES e os
Escolástic os elaborara m uma classificaç ão que tem por principio a
2. Em~ões e sentimentos. Estas considera ções permi- relação do objeto para com o fim do animal, relação que se defme
tem-nos antecipa r o que poderá ser uma teoria biológica dos pelas paixões dêste último. O objeto, observa AISTÓTELES, pode ser
,1
estados afetivos. Distingu ir-se-ão as manifest ações emotivas bom ou mau. já em relação ao apetite sensitivo, já relativame nte;
ao apetite intelectua l (vontade) . No primeiro caso, aparecerá sob
1 que derivam diretame nte dos diferente s instintos ou da ação o aspecto do útil ou do nocivo, e, no segundo, sob o aspecto do bem
sinérgica de tendência s instintiv as múltiplas (emoções) e as. ou do mal. Percebido como útil ou como bem, o objeto determina
~nifesta ções afetivas, estáveis e complexas, ligadas, nã~ maiei o apetite concupisc ível; percebido como nocivo ou como mal, deter-
diretame n~ ao instinto, mas sim à idéia de um estado que in- mina o apetite irascível. Dêstes dois moviment os fundamen tais de-
teressa mais ou menos de perto as tendênci as instintiv as e por rivam onze paixões (e outros tantos atos na atividade voluntária )
(Cf. SANTO TOMÁS, IIa IIae, q. 27-50).
conseqüência, podendo subsistir após os atos que as gera~am Além destas paixões elementar es, existem também as paixões
sob forma de disposições subconscientes, que, no seu exercício : mistas, que resultam da união de várias paixões elementar es: por
dependem de represent ações psíquicas. É o que chamamo s exemplo, a misericórd ia, complexo de tristeza pela desgraça alheia
sentimen tos. e de desejo de aliviá-la.
Esta classificaç ão, apoiada por SANTO TOMÁS com análises de
finura e de profundez a admirávei s, é uma classificaç ão das paixões,
ART. III. CLASSIF ICAÇÃO DOS INSTINT OS mais que dos instintos e inclinaçõe s. Com efeito, podem essas paixões
resul'tar de diferentes instintos (a cólera pode estar ligada a uma
§ 1. PRINCÍPIO S E MÉTODOS DE CLASSIFICAÇÃO frustração da nece,s sidade de alimento ou do desejo sexual; o desejo
pode tender à satisfação de uma ou de outra dessas necessidad es, etc.).
288 , A questão da classificação dos instintos e das inclinaçõ es Convém, pois, completar essa classificaç ão das paixões com outra
!
I'
e das mais complexas, primeira mente em razão das dificulda des dos instintos que as geram.
em distingui r as tendência s fundame ntais e primitiva s das in- 290 3. Instintos individuai s, sociais e ideais. Esta divisão corrente
virtude
não pode ser tomada por uma verdadeir a classificação, emprincipio
i' 16
Cf. Me DOUGALL . Out!ine of Psycho!ogy , pág. 129.
da desordem que implica. Mistura, em primeiro lugar, sem
tf

l
O INSTINTO
302 PSICOLOGIA

vente. Ora, para isto podemos fundar-n os, consoant e o mos-


de discernim ento, instintos primitivos e inclinaçõe s secundári as, co-
e, trou PRADINE S (Psychologie générale, I, págs. 150 e segs.), na
,, mo C? instinto ffregário, a _!.m~tação, a benevolên cia e a simpatia,
depois, _as ! zndencrns sens1ve1s com as intelectua is. Ademais, opõe observac ão de que a tendência instintiv a, se a distingui rmos
entre s1 tres categorias que, sob muitos pontos-de -vista se confun- do simples automati smo ( que é tendênci a para fazer alguma
dem: «individu ab pode opor-se a «social», mas não a ~ideal» ou a coisa, e não tendênci a para alguma coisa), é essencialmente
«desmtere ssado»; do mesmo modo, os instintos sociais podem muito , definúla por um objeto de que o ar,i,mal tende a apropriar-sé
beth ser «superiores» e «ideais».
par,p, satisfação de suas necessidades. O problema reduz-se,
291 4 . Critéri~ das _reações emociona is. Vimos mais atrás que, se- pois, a saber quais são os objetos naturais primário s e univer-
gundo a termmolog1a proposta por RoMANES (L'évolutio n mentale sais da atividade de relação do vivente, considera do no plano
ch,ez les animaux, _c. XII), há razão para distinguir instintos primários,
correspon dentes as necesidad es fundamen tais de cada espécie e animal.
i7:_cli~ações ou pseudo-ín stí~tos,_ que ~ão derivados, complexos, ~a- 2. Objet.os primérios. Os objetos que definem univer-
nave1s, e resultam de orgamzaç oes ps1quicas que só aparecem numa
etapa elevada da evolução vital. Todo o problema está em achar salmente tôdas as formas possíveis da atividade de relação do
um princípio objetivo de distinção. Poderá êsse princípio segunc,J . animal são em número de três: o alimento, o parceiro sexual
crê Me DouGALL, consistir nas reações emociona is? ' e o congênere. Tôdas as atividade s do animal estão orienta-
, Os instintos? observa ~e DouGALL (S09ial Psychology, págs. 39-76), das para um ou para outro dêstes objetos, e só para êles. Daí
tem-no~ apare_c1do como llgados a emoçoes específicas, que lhes sãc poder-se, portanto , deduzir que as necessidades ·fundamentais
mamfestaç_oes. Pode~os, pois, encontrar ms diferentes catego-
ruzs de emoçoes um meio ele chegarmo s CIJté aos instintos que lhes do animal e os instintos que delas resultam também são em
correspon dem. A dificuldad e está em distinguir os instintos primá- número de três: a necessidade alimenta r e o instinto de beber
:ios . das in~!inaç~es, I?Orque há muitas emoções complexas que e de comer; a necessidade e o instinto sexual; e a necessidade
1~pllcam o Jogo srmultane o de tendência s múltiplas. li: às emoções e o instinto gregário. Verifica- se, ao mesmo tempo, que a cada
srmples que temos de ir para apreender mos as tendência s funda-
mentais e primitivas de uma natureza. um dêsses instintos correspo nde uma emoção específic a e sim-
. Qua.nto. às p~óprias emoções simples, poderemo s estudá-las por ples, que revela a entrada dêle em atividade .
me10 da psicolog,a comparad a (o animal mal).ifesta menos emocões
complexa s do q~ o homem, e emoções menos complexas que as· do Êste ponto-de- vista já nos permite eliminar tôda uma série de
homem) ; da psrcopato logia, que demonstr a que só as emoções ele- reações orgânicas reflexas, que comumen te se põem na lista dos
m1;ntares ligadas _aos instintos são capazes de atingir um paroxismo instintos. :S:stes, como dissemos, represent am uma estrutura mental,':l
morbido; ou, enfim, da etnologia, que pode informar- nos s6bre as e definem-s e em têrmos de psiquismo (represen tações, tendência s
emoções e instintos fundamen tais da natureza humana fazendo- emoções), e não de simples organicid ade (reflexos) . Destarte, rea-
no-los apreender na sua expressão nativa entre os primitivos antes ções purament e orgânicas como caminhar , arrastar-s e, coçar-se,
das complicações introduzid as pela. civilização. ' bocejar, tossir, espirrar, defecar e urinar, há que eliminá-la s da
E;v1tretanto, mesmo com as precisões de Me DoUGALL o critério lista dos instintos.
ilma
das (ffnOçóes simples 'fJ(Uece insuficien te para estabelece r divisão Ademais, deveremo s afastar muitas reações automátic as de
realmente científica dos wistintos. De feito, por um lado, em razão adaptação , que comumen te se classificam entre os instintos, mas que
do seu caráter subjetivo, conserva.rã sempre uma boa parte de in- lhes n ão comporta m o carãter essencial, que é serem uma tendência
certeza. Por outro lado, o processo consisten te em estudar os instintosa natural para um objeto. Essas reações de adaptação procedem , de
direta e ímediatam ente no homem corre o perigo de extraviar fato, dos instintos, e, por esta razão, movimen tam todo um sistema
pesq~is~, faze_n~o intervir conduta_s que supõem a combinaç ão de de emoções ligadas às dos instintos (o que •tenderia a fazê-las con-
tendenc1a s mult1plas e de inclinaçoe s derivadas difíceis de diferen- fundir com êles), mas não represent am senão um automatis mo
ciar. Sem dúvida, mais seguro seria partir simplesm ente do animal mecânico que o instinto põe a seu serviço, mas que não o constitui.
buscando logo as particular idades que, nos homens, os instintos fun~
damenta.i s nevestem, e quais novos instintos irredutíve is ·aos do § 2. INSTINTO S PRIMÁRIO S DO ANIMAL
animal, nêle se manifesta m. ' '
299 · 1. A necessidade e o instinto alimentar. Em muitos ani-
B. Critério dos objetos mais, os movimen tos da nutrição revelam os caractere s do com-
portamen to instintivo , com as emoções correspondentes da fome
292 1. Tendência para o objeto. Repetida s vêzes fizemos e da sêde. Na espécie humana, 'tantos fatôres intervêm , desde
notar que os instintos só podem derivar das necessidades funda- a mais jovem idade, para temperar e regular as manifest ações
mentais do animal. Ao que parece, devemos achar nesse terreno dessa necesf:!idade, que só o poderoso impulso que ela determin a
um princípio objetivo de classificação, ·se possível é definir lhe assinala nitidame nte o caráter instintivo .
com exatidão quais são essas necessida des primária s do vi-
j.;
'
O INSTINTO 305
304 PSICOLOGIA
de algumas espécies; 10 não parece, todavia, que os traços que se
A êsse instinto reduzem-se diversas condutas que às vêzes são invocam excedam o nível de uma analogia assaz remota com o pudor
tratadas como instintos primários, mas que, de fato, não passam de humano, que aliás interessa aos dois sexos. De qualquer modo, não
reações automáticas de adaptação. Tal é a atitude de repuls-a com pode tratar-se senão de um comportamento liga,do ao instinto sexuo1.
sua emoção específica a náusea, assinalada por movimentos pura- Isso a que se tem chamado o instinto parental introduz aqui
i
mente fisiológicos (arrepio, ato de repelir ou de cuspir o objeto re- .dificuldade. A conduta de que se trata parece, com efeito, revestir
pugnante). um caráter instintivo. A emoção terna que a manifesta, com os
, ..',
,. Tal é também o pseudo-instinto de curialidade, tão ativo nos gestos maternais elementares que a traduzem (atos de proteger as
animais superiores, que observam, vêm farejar, examinar e às vêzes :crias, de beijá-las, de segurá-las), encontramo-la equiva1entemente
palpar os objetos. Sabe-se o quanto êsse comportamento' é desen~ -em tôdas as espécies. ~ste comportamento, consoante Me DouGALL
volvido nos macacos. Essa conduta, no animal, parece de todo (Social Psychology, pág. 59), só seria verdadeiramente primitivo na
.,., enxertada num ou noutro dos instintos, pois é sempre a procura do fêmea, e no macho não p1ssaria de instinto derivado e adquirido. Mas
alimento, a busca do parceiro sexual ou o descobrimento do congênere ,isto parece muito discutível. O próprio Me DouGALL consigna que,
que determmam os gestos de curiosidade dos animais. Não há, pois, na vida selvagem, não há traço que esteja mai~ perto de ser universa.l
ai u~ instinto autêntico, mas um simples automatismo de adaptação, do que a gentileza e a ternura d.o~ primitivo~, mesmo dos pais, por
movido pelas necessidades sexual, gregária ou alimentar. l!': por isto seus filhinhos. Todos os observadores, acrescenta êle com raz:lo,
que também a curiosidade, no animal, nunca é, propriamente ,estão de acôrdo sôbre isso. Mas, nos próprios animais, verifica-s ,
fala1:,do, admiração~ A a~iração é própria do homem, enquanto uma estreita colaboração dos machos com as fêmeas em tudo o que
implica a intervençao de fa'tôres racionais. .se relaciona com as crias: nidificação, incubação, alimentação . 11
Entretanto, me.lgr'1do êsses· ca racLeres. poàBmos perguntar-nos
Pode-se, enfim, ligar ao instinto alimentar as atividades de .se se trata aí realmente de um instinto fundamental e irred.utívcl,
aquisição e de apropriação, consistente& em acumular objetos e em ,correspondente a uma necessidade primária. A razão de duvidarmos
fazer provisões, e que se manifestam em diversas espécies animais disto está em que essa pretensa necessidade careceria originàriamen-
(formigas, cães, pêgas voadoras, etc.), e também na espécie humana, te de objeto, por falta de progenitura. Sem dúvida pode-se dizer que
onde seus exageros patológicos indicam que se trata realmente de .ela só se revela, com seus caracteres próprios, no momento do nasci-
um impulso ligado imediatamente a um instinto fundamental. mento dos filhotes. Mas fica de pé que o que move ariginàri.amente
,o animal é pura e símplesmente a necessida.d e sexual, e não a pro-
294 2. Necessidade e instinto sexual. emoções que corres- genitura, que não exis'te, e da qual o animal não tem nenhuma
pondem a êsse instinto nem sempre são emoções violentas, como repre,sentação . 18 Mas, por outra par te, é certo que o aparecimento
da prole determina a existência de condutas que têm um aspecto
se tem demasiada tendência a crer, senão, mais fundamental- instintivo -inegável, e que constituem uma diferenciação ou uma dis-
mente, sem dúvida, emoções ternas, que traduzem a necessi- sociação tão manifesta do instinto sexual, que se teria fundamento
dade e o desejo de proteger e de se dedicar. A extensão· e as em dizer que o comnortamento m1renhl 11mi:i. V"'ll rl<'.do seu objeto,
formas múltiplas de suas manifestações levaram muitos psi- funciona à maneira de um instinto especificamente distinto.
cólogos, como mais adiante se verá, a fazer derivar do instinto 295 3. Necessidade e instinto gregário. Em todos os tempos
sexual todo o sistema das tendências. Há nisso exagêro evi- os homens patentearam a existência dêsse instinto nos animais.
dente, porquanto, mesmo no animal, nem a necessidade ali- "O semelhante procura o semelhante", afirma-se universal-
mentar nem a necessidade gregária são redutíveis à necessidade mente, asinalando assim, com justa razão, ao que parece, que
sexual. Nada, porém, é mais certo do que a fôr-ça, e às vêzes a necessidade gregária é esseneialm,ente distinta da necessidade
também a tirania, dêsse instinto. sexual. É, aliás, o que as observações dos naturalistas têm
pôsto em viva luz. Verifica-se, por exemplo, que muitas vêzes
. Ao instinto sexual, ao mesmo tempo que ao instinto alimente.r. o animal misturado ao rebanho nem sequer parece notar seus
liga-se, no animal, o pseudo-instinto de combatiV/idade (do qual o
ciúme do macho é mero aspecto), com a sua emoção específica: a 10 Nas toupeiras, a fêmea faz esforços para escapar à perseguição do
cólera. A combatividade depende, com efeito, em seu aparecimento :macho. Em certas espécies, o aca~alamento faz-se com lentidão e hesitação
e e~ suas manifestações, da existência e da importância dos (cf. A. JOUSSAlN, Les passions humaines, Paris, 1920, pág. 154) .
obstaculos que deparam a necessidade alimentar e a necessidade 17 O fato de, em muitas espécies, o macho limitar-se ao papel de proge-
11exual, e, a êste título, apresenta-se com os caracteres das condutas nitor, e não se ocup~r das crias, não constitui objeção contra a realidade do
de adaptação. l!':, em suma, o que reconhece Me DouGALL (Social instinto parental (a supor que se trate de instinto), pois êsse instinto não
Psychology, pág. 51), quando escreve que «êsse instinto não tem ·tem de fe exercer senão na medida em que as necessidades das crias reque-
objeto específico, isto é, objetos cuja percepção constftua o ponto- ·rem intervenção do macho. As mais das vêzes a fêmea basta para isso.
de-partida do processo instintivo». 18 Mei;mo na espécie humana , ao menos se se encara o jôgo espontâneo
As vêzes tem-se querido também elevar o pudor à categoria de do instinto, o filho é antes o fruto (finis operis) da união dos sexos, do que
instinto. Mais adiante teremos de estudá-lo na espécie hwnana. ,o fim subjetivamente querido (finis operantis) dessa união.
Mas, no que concerne ao animal, acreditou-se descobri-lo em fêmea!?
O INST INTO
307
PSICO LOGI A
306
Citar emos dois particular mentiros e signi ficat ivos. Em geral , os-
ra do rebanho, dá sina is anhe fraco s e doen tes, ou os igno
cong êner es, mas que, desde que se sepa ma.ca cos ou atac am seus comp mútu as são gove rnad as pelo egoís mo
do boi do Dam arlan d, ram em abso luto. Suas relaç ões
de inqu ietaç ão e de agita ção. Tal é o caso mais bruta l. A hora da refei ção,comi os antro póid es mais forte s tenta m
da da. Assim, nota ZucK ERMA NN,
na Afri ca do Sul. obter para si a total idad e grup o fami liar, composto de
de aves e de fera s, a um
Dêsse insti nto é que nasc em os band os , os enxa mes de
atira -se um cach o de bana nas um bebê nasc ido há. cêrca de meia
de cães um mach o, de uma fême a e de mand íbula s e cons erva a seus pés
as nuve ns de gafa nhot os, as mati lhas ntos vibram sirnpà- hora : o mach o soca os fruto s nas na bôca . As fême as não são' mais
abel has, etc. Nessas a'!}lo merações, os insti r
s prod uzid as pelos congê- o que não cons eguiu fazer entrarias crias : arreb atam -lhes todos os
tica.mente às manifestações insti ntiva em alvo rôço todos os altru ístas para com suas próp Na reali dade , o próp rio «auxílio
neres. Por exemplo, o cão que ladr a põe alim entos que lhes são ati'ra dos.
, form avam mati lhas ). mais acim a faláv amos não pass a de um efeito do
dem ais cães ( que, no estad o selvagem arra sta empós si todos mútu o~ de que
domi nânc ias, e acha -se deter mina do pelos mesm os fatô-
e se põe a corr er siSte ma de mo e da cruel dade . O
O cavalo que se espa nta insti nto greg ário reen - res que os que gera m as reaçõ es do egoís
cos não fazem ne-
os seus congêneres do band o, etc. 11:ste da sociabilidade. Mas outro fato carac terís tico é o segu inte: os maca
apes ar do absu rdo das
cont ra-se na espécie hum ana, como raiz nhum a distin ção entre o mort o e o vivo,
a afeti va complexa. mort os: o antro póid e opõe -se, com efeito,
disti ngue -se desta, que é uma tend ênci rea ções prov ocad as pelos ênere mort o
a man eira à retir ada d.e um cong
riza., pois, a fala r exat amen te da mesm s, demo nstra com
A reali dade do insti nto greg ário não autoo a sociedade , em e à de um vivo, 1!:ste fato, como os prece dente
. Com efeit o, send evidência: que os primat as sub- hum anos só prod uzem reaçõ es cegas,
de "sociedades animais" s indivíduos, agru pa- que lhes é atrib uída não pass a de pura
sua noção form al, a uniã o mor al de vário e que a «cooperaçã o socia l»
por todos conhecido inter preta ção antro pom órfic a pet'f eita-
dos de man eira estáv el em mira a um fim apar ência , efeit o de uma
próp riam ente dita senã o men te gratu ita.
e quer ido (/, 258) , não há sociedade -se só agru pa- Quan t9 aos comp ortam ento s de abaix
ame nto e d-e sujei ção, d.e
anim ais enco ntram spon dem os estad os emo-
entr e sêre s intel igen tes. Nos indiv íduo s que reag em exce lénci a e de domi naçã o, aos quais corre
adm itir (com a cond ição
mentos, que são ou uniões temporárias de es rela tivam ente per- de hum ilhaç ão e de altiv ez, cump re
ciona is form a simp les, desti tuída de qual -
s, ou uniõ os aqui sob sua
aos mesmos exci tante s exte riore de os enten derm
ntram os nos anim ais, algun s dos
ão mút ua dos mem- pomo rfism o) que os enco
man ente s de indivíduos, por efeit o da atraç
quer antro os de osten tação (a caud a do
ssão , alias conf usa, dess as quais são mesm o providos de órgã ecem o orgu lho do pavã o e
bros (inst into greg ário ) (cf. a discu of nwn keys and apes, pavã o, a goela do pomb o). Todo s conh
ou desd enho sa do cão de
noções em ZUCK ERM ANN , The socia l life do cava lo de raça , a atitu de dom inad ora
face do cãoz inho gôzo, ou, inve rsam ente, a atitu d~
e. IV). gran de porte em fiacr e, etc. Essas cond utas evide n-
hum ilhad a do antig o cava lo de
a- s ao insti nto greg ário, e não pode m cons tituir
nto de simp atia (ou ins- teme nte estão ligad
296 Par.a demo nstra r a reali dade de um insti ais, invoc a-se freqü entem en- insti ntos especiais. 19
tinto socia l prop riam ente dito) nos anim
cos, que se prec ipita m em auxíl io de um· cong ênere
te o caso dos maca por exem plo, escre ve que se prod uz
amea çado ou ataca do. KõHL ER,
uma excit ação inten sa desd e queeven um chim panz é é ataca do aos olhos
de seu grupo. «Bem se pode , tualm ente (sob a influ ência do
um delin qüen te com algu ma rude za; no mom ento
clima ) , casti gar como uma só bôca » (L'in telli-
em que a mão bate, todo o grup o urra
rieur s, pág. 273) . Assim tamb ém, quan do é
gence des singes supé co que faz parte de um grup o,
preciso retir ar de uma jaula um maca
pitam -se para amea çarem o guar da. :ll:stes
seus comp anhe iros preci mesm o gêne ro são bem estab eleci -
fatos e outro s nume rosís simo s do
antro pom órfic a é das mais contestáveL'I.
dos. Mas a inter preta ção of monk eys and. ap&,
l life
Efeti vame nte, ZucH ERMA NN (The socia des agres sivas dos comp anhe i-
c. XIII ) obser va com razão que as atitu
pelos grito s do maca co amea çado ou batid o são efeit o,
ros excit ados da situa ção, mas simp lesm ente
não de uma comp reens ão da natu reza
iatas ao excit ante cons tituíd o, por exemplo, pelo
de reaçõ es imed sua vez ao siste ma de domi - confu de-se com o probl ema geral
A quest ão da orige m do instin to
grito do anim al ataca do, e ligad asdoporgrup o. É impossível desco brir
19
ies (I, 455-4 76). Com efeito , como cada espéc ie se dis-
teriz a a vida. da evolu ção das espéc s, expli car a orige m das es-
nânc ia que carac simp atia, no senti do em que se tingu e por seus instin tos ou hábit os hered itário
nessa s reações um senti ment o deo comp ortam ento hum ano. Muitos pécie s redun dará em expli car a gênes e dos instin tos. Já vimos como os fa -
emprega. êste têrm o para defin ir expli car os fatos.
ariam a exclu ir clara men te a inter preta ção antro - tôres lamar ckian os e darw inian os não basta m para
fa:tos, aliás , obrig
pomó rfica .
AS INCLINAÇÕ ES 309'

muito mais inst1:ntos do que os animais, não sàfnente porque


aos instintos fundamen tais •que concernem ao animal se juntam,
no homem, os instintos específicos do animal racional, como-
também porque as tendências elementare s e simples-, sob a
influência de uma razão que é universal, diferencia ram-se e ·
,, ,, combinara m-se de múltiplas mane.iras, para formarem o tão·
variado e tão rico sistema das inclinações humanas,
CAPÍTULO II Em contraposi ção, tudo o que o homem ganhou em varie--
dade e -multiplicidade de inclinações perdeu-o em seguranca:
AS INCLIN AÇõES mecânica. Mas o ganho é certo, e só aparente a perda, visto•
que às precisas e seguras, mas estritamen te limitadas, habili-
SUMÁRIO 1
dades do instinto a inteligênci a humana substitui um "aavoir-
faire" universal.
.Art. 1. ·os INSTINT'o s NA ESP:ÉCIE HUMANA. A ação da inte-
ligência e dxL vontade. Instinto e inteligência . Instinto Diversos métodos têm sido propostos para estudar os instintos.
e vontade. As tendências e a realidade objetiva. As do homem, isolados das modificaçõe s que lhes impõem as influên---
tendências perante a consciência . Inconsciênc ia. Impul- ctas da razão e da vida social. Alguns autores, como G. PENNAZA·. ·
so e desejo. observaram os anormais congênitos (idiotas, epilépticos) e veriíica~-
.Art. II. TEND:S:NCIAS E INCLINAÇÕES ESPECtFICAMENTE ram que todo o ps~quismo dêles é absorvido pelo cuidado e pelo prazer-
HUMANAS. O instinto sexual no homem. O pudor ins- de comer, operaçao que efetuam de maneira assaz parecida com a.
tintivo. Natureza do pudor. Inclinações racionais. A dos animais: comem gulosament e e farejam os alimentos antes de
verdade, o bem e o belo. Instinto religioso. Inclinações os levarem à bôca. Na realidade, não pode tirar muito proveito des-
sociais. A simpatia. A imitação. O jôgo. sas observações. O psiquismo do idiota não é um psíquismo mccnn-
pleto, sustado em seu desenvolvim ento, mas um psíqufsmo anormal:
Art. m. LEIS DE VARIAÇÃO DAS TEND:S:NCIAS. Leis de evolu- e degenerado, tanto que não se pode concluir dêsse psiquismo para
ção e de involução. Lei de caducidade . Lel de sobrevi- o do homem normal nem, muito menos, para o da criança.
vência. Leis de conflito e de fusão. Lei de inibição. Lei É_ na criança normal que melhor se pode estudar, sob sua forma.
de sistematiza ção. Lei de especialização. Lei de con- a mais simples, as tendências instintivas. Verifica-se que as crian-
fluência. Lei de transferênc ia. ças têm, em geral, os mesmos gostos, os mesmos instintos os mesmos.
inter~ss~s dominantes , mais ou menos na mesma idade. 'Tôdas essas
Art. IV. REDUÇAO DAS INCLINAÇÕES. Tentativa. de redução ao tendenc1as atuam nelas com espontaneid ade notável, que se atenua .
egoísmo. Discussão. Tentativa de redução à sexualidades. ~ada vez mais, com o progresso da razão e da reflexão. Todavia,.
Pansexualis mo freudiano. Discussão. Conclusão. este 1;stud~ comporta seus limites, que s_ão de duas espécies: prtmeiro, .
convem nao_ esquecer que os instintos obedecem a uma lei de gênese
I. OS INSTINTO S NA ESPÉCIE HUMANA e de evoluçao, e que, se os m:stintos àa criança são sem dúvida os·
instintos do homem, não são necessàriam ente ner,/, os instintos' do•
ART.
adul~o nem todos os instintos dêste; noutros têrmos, o mais que s~
§ 1. A AÇÃO DA INTELIG~N CIA E DA VONTADE verifica no adulto não é necessàriam ente o resultado de uma ativ1-
dad~ de sif1:t~se, mas pode representar também uma atividade
instintiva origm8:l plenamente desenvolvid a; e, em segundo lugar,
'297 1. Instinto e inreligência. As tendências instintivas só cumpre se evite interpretar os comportd.m entos àa criança como .te
raramente se manifesta em estado puro na espécie humana, fôra esta um adulto, isto é, fazer da criança um adulto em miniatura,.
uma vez ultrapassa da a primeira infância. Quase não repre- Em vez de es~udar a criança, seria ainda o adulto que se observaria;
sentam, no adulto, senão espécies de orientaçõe s gerais ou de e falsear-se-i a a um tempo a psicologia de ambos. Ma.is adiantei
,quadros da atividade: a experiênci a adquirida, os hábitos indi- veremos que FREUD não soube evitar êste escolho.
. • En!im, em c_ertas circunsttinc ias excepcionai s (dor v1olentissima;.
viduais e saciai~, e sobretudo a intervençã o ativa de uma inte- ~1;cendios, cataclismos naturais), o instinto, rejei'tando positivame nte:·
ligência que transcende o espaço e o tempo, exercem constante- oda~ as formas adquiridas, hábitos e convenções que incorporou,..
mente sua ação para refrear, derivar, canalizar ou modificar 1!'-ªn:festa-se, rjJe alguma sorte, em _seu estaõ.o puro. Nos cataclismos ,.
a atividade doa instintos. Vem daí que o homem pareça te·r as vezes tamb~m na guerra, a reaçao de fuga (tão sofreada no estado
normal) mamfesta- se com violência inaudita. Mesma observação ,
tº tocante ao «instin!to parental» (amor materno): após o terrível ,
erremoto de Messina (1908), encontraram -se centenas de mães.;
1 Mesma bibliografia que para o capitulo precedente.
,. AS INCL INAÇ ÕES 311
PSICOLOGIA
310
o fato de poderem as tendências ser
derivadas e supridas. Com
muit as havi am feito de seu corp o
e as tend ênci as pode m exercer-se, por assi m
mort as com ·&s filho s nos braç os; ntrad to por deba ixo da mãe efeit o, de uma part a do jôgo. Nos anim ais
o intac sob a form
escudo para o filho, qut foi enco dizer, inut ilme nte, e libe rar- se cert a ativ idad e lúdi ca: o
esma gada pela s pedr as. já se veri fica a exis tênc ia de uma e os cãezinhos exer cita m-
rolh a,
ter notá vel do funcio- gati nho brin ca de rato com uma ativ idad e de jôgo, ser-
2. Instint.o e vontade. Out ro cará se na luta. IVias é no hom em que essaire mai s amp litud e,~e ja
.298 es DO homem é o poder
nam ento dos inst into s e das inclinaçõdo impulso inst intiv o por vindo de deri vati vo às tend ênci as, adqu
q~ êste possui de SU81)ender o efeit o "des afio ", pela s com peti -
refletida. Sem dúvida, a ini- de man eira real , pelos espo rtes, pelo ima giná ria, pela inve nção
wm ato iwibitório de sua vontade ções de todo gêne ro; seja de man eira
anim ais, em razã o das inte rfe- e nas arte s. Por isto ARIS-
bição tam bém se enco ntra nos uzir -se entr e dife rent es de situações fictí cias , na liter atur a
rênc ias e dos conf litos que podem prod efei to inib itóri o sôbr e a ( esta obse rvaç ão vale para tôda s
tem um TÓTELES via na arte dram átic espécie de purg ação ou de
inst into s ( o mêdo, por exemplo, ições resu ltam de frea gens as arte s e para a liter atur a) uma
os dem ais inst into s) . Mas essa s inib deri vaçã o das paixões.
eração, por falta de uma
auto mát icas sem refle xão nem delib espaço e do temp o. No a part e, as tendências
inte ligê ncia libe rta das serv idõe s do c) Repressão e suplências. Por outras tend ênci as inib idas
uma perc epçã o ou por uma podem suprir-se mu tua ~te . Às vêze s,
homem, as tend ênci as, aler tada s por decisão volu ntár ia, ou, titut os, tran sfer indo sua ~
imag em, podem ser inib idas por uma e rec~lcadas proc uram e acha m subsespe cific ame nte dist inta s.
juiz o de valo r, já não tem , as tend ênci as
pelo menos, o ato, subm etid o a um que assi nala o exercício ener gia próp ria a outr enta r, com suas potê ncia s
o
norm alme nte, êsse cará ter explosiv jôgo. Daí que, no homem, Assim, o inst into mat erno pode alim nte às cria nças órfã s ou
egue a seu próp rio não utili zada s, a dedi caçã o mai s arde
do inst into entr tas luzes, ao mes mo temp o
e, do ato. Con tràri a- anor mai s. FREUD, que trou xe mui
a tendêr,,cia se desligue, de alguma sort ela perm anec er pura - reca lque e de seus efeit os,
men te ao que se pass a no anim al,
pode que grav es erro s, a esta ques tão do inst into s", isto é, de uma
falo u a:qui de uma "sub lima ção dos
men te pote ncia l ou virtu al. por um obje tivo e uma
subs titui ção do escopo sexu al prim itivo gene ticam ente liga dos
, mas
3. As tendências e a realidade objetiva.
. ativ idad e espe cific ame nte disti ntos relig ião e a arte nad a mai s
ao prim eiro . Dês te pont o-de -vis ta, a
299
próp rio fato de se sexual. Brev e tere mos
a) Plastici.dade das tendências. Pelo seri am do que subl imaç ões do inst into s teor ias.
uma libe rdad e ou uma ma- essa s tão cont rove rtida
desl igar do ato, a tend ênci a adqu ire ais, onde suas man ifes ta- de exam inar
a de supl ênci as tão fecu ndas . Os
leab ilida de que não pode ter nos anim Aliás, nem sem pre se trat sexu al, podem libe rar
mec anis mos here ditá rios into
inst into s recalcados, mor men te o inst port ame ntos patológicos, -': •
ções são estr itam ente defi nida s por aí, está ence rrad o no em com
sens ivel men te inva riáv eis. O insti nto, insid iosa men te suas ener gias tulo das neur oses e das psi-
"'·,." nto. No homem, em razão que, segundo FREUD, form am o capí
ato, que por sua vez limi ta o instiersal, a tendência torna-se
da inteligência, facu l,dad e do univ coses.
ações. O inst into pa-
plástica e mul tifor me em suas manifest
p
disp õe de algu ns gest os inva riáv eis: quão § 2. AS TEN D~N CIAS PERA NTE A
CON SC~N CIA
rent al nos anim ais só segu ranç a e infa li-
de sua
pob re êle apar ece (mesmo à cust a avil hosa s e inum eráv eis 900 1. lnoonsciência das tendências.
O insti nto, a tend êncf a
bilid ade) em face das inve nçõe s mar icos , mas sim prin cípi os
à educação físic a e mor al e a inclinação não são atos psic ológ
do amo r pate rnal do homem, em mira greg ário do anim al, o tais, têm real idad e meramente virtual, e
dos filho s! Ass im tam bém , o inst into de ativ idad e. Com efeit os, que são ao mes mo
s adm iráv eis, como nas
fôsse mesmo nas suas expr essõ es mai efei tos prod igio sam ente só podem ser conheci.dos por seus e os atos que os atua li-
dos temp o as emoções que os man ifes tam
abel has, está infin itam ente long e s emo ções e êsses atos nem
zam. Ain da convém nota r que essa
vari ados da sociabilidade hum ana. sem pre bast am para reve lar clar ame nte a real idad e da tend ên-
sa plas ticid ade das ten- ntra r esta , às vêzes, obst ácul os
b) Derivação e purificação. Des ~ia de que procedem, por enco inclinação
lta outr a cons eqüê ncia notá vel, a sabe r: vime nto. Uma
mte rnos ou exte rnos a seu desenvolmente, a si mes ma: faz- se
dências no homem resu corr ente
tornada habitual ignora-s e,
dade , um frac asso , para
de Psych otogi e expér imen tate, pági- mis ter um imp edim ento , uma cont rarie
2 Cf. DE LA V AISS IERE , Elém ents
nas 215-2 22.
313
AS INC LIN AÇÕ ES

312
PSICOLOGIA
pre adm itir que os sêre s com unic am ent re
lo met afis icam ente , cumdo que a con sciê ncia . Por isto SAN TO TOM ÁS
nos si por algo mai s pro fun últi ma do
ncia, pel as reações ma is ou me coisas no ser é que é a razã o
rev elá- la clar.amente à consciê ent o que a con trar iou . afir ma que «o pare ntes co das
for tes res ulta nte s do aco nte cimo que o homem tom a consciência desejo~.
É sob retu do pel a ima gin
açã viu,. INC LIN AÇ ÕE S
dên cias e incl inaç ões. De feito, como acim a se ato ART. II. TE ND ÊN CIA S E MA NA S
de sua s ten em o laço da ten dên cia e do ESP EC IFI CA ME NT E HU
,
a ima gin açã o des ata no hom a a ten dên cia, que dor ava nte · ,
e, e:c om isso isol os e elem ent are s que per -
cor resp ond ent rep rese nta çõe s. Ass im sendo,
a À rela ção dos ins tint os
prim itiv
ar a list a
pode sati sfaz er-s e me dia nte de sub jeti va, isto é, um fato de· 902 ani ma l cum pre acr esc ent
ten cem ao hom em enq uan to hom em e das inclinações comple-
ten dên cia torn a-se um a rea lida e vivi da, é pensada e raciocinadho-
a,.
das ten dên cias esp ecíf icas do o das ten dên cia s fnn dam ent ais,
consciência. Já não é som ent rec alq ue. me did a que o xas que der iva m da combinaçã em-
ten dên cia s e inclinaçõe.'! ofe rec
do À
sob a for ma da aceitação ou si, sua s ten dên cias e inclinações. sen sive is e rac ion ais. Ess as staç ões possíveis a·o ape tite inte -
me m ava nça no domínio de das ", isto é, sub met ida s ao con- nos, aliá s, o qua dro das ma nife enc ialm ent e dis tint as das ten -
são cad a vez mai s "su bje tiva em ite juíz os de valor. É tam - ess
lect ual , que, como tais , são sem dei xar em tod avi a de est ar
trôl e crít ico de um a raz ão que senhoreia e domina os imp ulso s dência8 do gpe tite sensitivo,
bém por isto que o hom em que11J,elhor do que aquêle que a êle- freq üen tem ent e em rela ção com
elas.
do ins tint o conhece-o mu ito
'J)assivamente se abandona. § 1. 0 INS TIN TO SEXUAL NO HOM
EM

ulso, que serv e par a def inir hum ana , rev este um asp ecto
901 2. Impulso e desejo. O imp de fato está ma is do lad o O ins tint o sexual, na espécie
as, ar, a
ativ
as ten dên cias como pot ênc ias dên cia, como tal, é inconsciente, sua imp ortâ nci a, convém fris
par ticu lar que, em raz ão de
do ato que da potência. A ten s o imp ulso , que é um a espécie· sab er: o sen tim ent o de pud or.
por que está aba ixo do ato. Ma mo tem po fisiologicamente,
pel as
de atuação esboçada, ao mes ologicamente, pelos efe itos que- e-se def inir o pud or, com
1. O pudor instintivo. Pod sen síve l de apreensão quase
atit ude s que pre for ma , e psicncia. Ademais, não é, como tal, H. ELLIS, como "um din am ism o
da
ant ecip a, é acessível à consciêsi. Sen tir os imp ulso s dos instin-. com os processos sex uai s". Ain
ins tint iva , em relação dire ta um as ana log ias nos ani mai s, no
sin al de falt a de domínio de im.- que se lhe pos sam ach ar algpud or par ece ser fenômeno especi-
ôsse com violência, não é ser
tos e inclinações, ain da que f"im pul siv ida de" car act eriz a ma is com por tam ent o das fêmeas, o os car act ere s de u;:n inst into .
pulsivo. O que cha mam os sem resi stên cia aos ímp eto s ins - fica men te humano, e pos suir
,, pro pria me nte o fato de ced er ,,
pud or tem a uni ver sali dad e
{ tint ivo s.
Qua nto ao desejo, pa.rece que
está ligado ao aspecto emo-
a) Sua universalidade. O em tod os os países, em tôd as
-lo
pró pri a dos inst into s. Achamo e em amb os os sexos, sem ne-
cional das inclinações, e trad uzi
ria sob for ma afe tiva o estad().
re-
• as raç as, climas, civilizações, ELLIS (La pudeur, Par is, 1909,
pel a nec ess ida de ou por um a nhu ma exceção. HAVELLOCK os não-civilizados têm um sen so
de um a ten dên cia des per tad a eria ser vir par a o disc ern ime nto
pre sen taçã o. Em prin cíp io, pod pot ênc ia med ir-l hes -ia a im- pág s. 15 e 124 ) afir ma que e, mesmo, que "o pud or é ma is
sua
dos ins tint os e inc lina çõe s; os psicólogos e mo rali stas têm desenvolvidíssimo do pud or,
,que nos civilizados".
por tân cia vita l. Ma s tod os pa- inv enc íve l nos selv age ns do
vag o de mu itos desejos, que
feit o not ar, por um a par te, o e só faz em é trad uzi r um esta do com o que se cha ma o imp udo
r das
ciso Con tra isso tem -se obje tadocolhe. O pud or está evid ente men te
rec em car ece r de obj eto pre out ra par te, o fato de, me dia nte não
cria nça s. Mas a obje ção e só se desenvolve com êste inst into . No
de insa tisf açã o ger al, e, por gir liga do ao inst into sexu al, s,
m os desejos mai s fúte is atin aos ano rma is e às pro stitu
tas, não se
o jôg o da ima gin açã o, pod ere ão. Por isto acr esc ent am êles, que con cern e aos devasso plet a de pud or, mas , ante s, de- um pud or
um gra u ina udi to de exa spe raç meio ma is seg uro de se ext ravões·.
iar pod e fala r de aus ênc ia com tend ênc ias adv ersa s.
com mu ita raz ão, que não há ind icaç ou dim inuí do ou inibido por
do que com por tar- se sist em
àtic am ent e seg und o as to. Sem dúvida, alg uma s de
b) Ina tism o. O pud or é inadep end em dos usos, da trad i-
e
do des ejo.
o satisfaz er~ sua s expressões são adquiridasdo é inato. "Cu mp re dis ting uir" ,
O desejo, que tend e por si
par a o obje to cap az de par
o cará ter adoxal de ção, da exp eriê nci a. Mas o fun", in Rev ue philosophique, 1903,
esc rev e DUGAS ("L a pud eur
pria tend ênc ia em ato, tem
e que é essa pró cau sa, enq uan to é o sen ti-
sua pró pria
prev enir , de algu ma sort e,e ad·aquilo que está aus ente. Par a exp licá -
men to de uma nec essi dad
AS INCLIN AÇÕES 315
314 PSICOL OGIA

edá-lo s § 2. AS INCLIN AÇÕES RACION AIS


t. I, pág. 468), "mesm o quand o não se pudess e desenr
e um
de fato, um fundo inato de pudor, eleme ntar e simple s, re- O homem tem instint os específicos, ligado s à sua nature
za
de idéias e de sentim entos factíci os 904
depósi to consid erável intelec tual e moral. São êles comum ente definid os como amor
ivo",
presen tando a explor ação ou a valoriz ação do fundo primit da verdad e, do bem e do belo. A êstes três instint os acresc
enta-
m
tanto que o mesmo psicológico acresc enta que o pudor "conté se comum ente o instint o religioEJI:).
senti,.
"o mais imperi oso dos instint os ( ... ) , o mais forte dos
mento s". 1. A verdade, o bem e o belo. Impos sível enume rar
tô-
deriva m das tendên cias funda-
das as inclina ções compl exas que
309 2 . Natur eza do pudor Trata- se de determ inar qual é menta is e verdad eirame nte instint ivas do homem para
desco-
erão
exatam ente a finalid ade do pudor. Aqui as opiniõ es depend brir a verdad e e adquir ir a ciência , para realiza r o bem por sua
natura lmente da idéia que se faz da origem do pudor.

a) O pudor considerado como tendência especial. Os psi-


des-
cólogos que só vêem no pudor uma tendên cia adquir ida não
senão um caso de síntese menta l, cujo funcio na-
cobrem nêle
sexual . o ponto- de-vis ta 1.
mento se combi na com o do instint o É
o-
de SERGI (Les émotio ns, Paris, 1901) e de W. JAMES (Psych
logy, II, pág. 435). Para A. JoussA IN (Les passions humaines, do ~-
Paris, 1928, pág. 154), seria o pudor uma forma superf icial
vez, dos instint os de
instint o de defesa ( combinação, por sua tar
fuga e de repuls ão), pelo qual a mulhe r "recea ria desper
desejo s cuja realiza ção traria consig o dores e perigo s".
São arbitrá rias essas teorias . Não se vê que o pudor acres-
cente ou suprim a o que quer que seja ao instint o sexual.
Ê:le
não consti tui uma ativida de especi al. 2.
., .
b) O '[YUdor como freio do instinto. Realm ente, a finali-
do ins-
dade própri a do pudor parece ser funcio nar como freio
s anima is, o instint o sexual atua den-
tinto sexual . Nas espécie , da pré-hist ória.
tro dos limites estrita mente fixado s pela nature za. No homem Fig. 17. Espécim es de obras de arte dos homens
à razão e à vontad e é que perten ce regula r-lhe o jôgo. O pudor ·~
(Dordon ha): au-
Gravura de Mammo uth, da gruta d.e Combar elles búfalos,
é a expressão das exigências de ordem e de moderação no exer-
1. gravura
rignaciano superio r (H. BREUIL ). 2. Combat e d.e
da
cício do instint o sexual. É um espont âneo juízo de valor de Richa (Sul Oriio) (G.-B.-M . FLAMA ND).
rupestre At
"Afo-
razão, oposto ao que afirma o valor do prazer imode rado.
asse-
ra os motivo s superi ores aos quais pode recorr er para
pois, um susten táculo que os têm
gurar sua liberda de, a vontad e tem,
como para opor ii. vida moral e a beleza pelas obras de arte. Êsses instint uni-
surge da própri a nature za desenc adeada ,
sua raiz na razão, da qual são aspect os divers os, inatos e
l uma repuls ão espon tânea" (J. DE LA VAISSI ERE, Manif estam- se espont âneam ente
atraçã o sensua versais como a própria razão. ssos da
La pudeur instinc tive, págs. 31-69) . na crianç a como no selvag em; a educaç ão e os progre
é multi-
Podem os, pois, conclu ir que o pudor não adita coisa algu- civilização, produt o dêsses instint os racion ais, só fazem
.
ma ao instint o sexual , que êle apenas contro la. É simple
smen- plicar e divers ificar ao infinit o os meios de sua manife stação
r-se. 3
te um limite que êsse instint o impõe a si mesmo ao exerce do
2. Existe um instint o religioso? A univer salidad edêle
fato religio so no espaço e no tempo não autori za a fazer
3 Cf. SOLOV IEW, La justifica tion du bien, Paris, 1939,
págs. 28-34, para
o produt o de um instint o especial. A "religião natura l"
resulta
ra-
do exercício de tôdas as nossas inclinações ou necessidades
MAX SCHEL ER, La
quem o pudor está ligado a uma fonte biológic a.
pudeur, Paris, 1952.
,, AS INCLINAÇÕ ES 317
316 PSICOLOGIA
o riso, as atitudes, os gestos, as lágrimas, a mímica alheia reve-
cionais: inclinação para a verdade, que incita a procurar a ex- lam-nos situações idênticas àquelas em que reagimos da mesma
pli cação de tôdas as coisas num Deus criador, Pai e Providênc ia maneira, e fazem-nos reviver essas situações ou recear vivê-
da humanida de; inclinação para o bem e para o belo, que nos las. D~ste ponto-de-v ista, a simpatia passiva referir-se- ia não
leva a descobrir em Deus a fonte primária e o exemplar perfeito ao próximo, mas a quem a experimen ta. Seria fundamen tal-
da Bondade e da Beleza, o princípio de tôda justiça, o juiz mente egoísta. Isso explicaria a "crueldade " das crianças: não
incorruptí vel das consciênci as e o supremo desejável. Se o se tratarÍJJ,, nelas, senão de uma falta de experiênci a pessoal. ,,
homem pode ser definido como um "animal religioso", é antes Esta explicação parece insuficien te. Porquanto é fato que
de .t udo por ser um animal racional. a simpatia passiva se manifesta com veemência mesmo em
f. casos em que falta a experiência pessoal. Ela é talvez mesmo
§ 3. As INCLINAÇÕES SOCIAIS mais intensa nesses casos. Antes pareceria que a simpatia pas-
siva resulta do contágio dos fenômenos expressivos, que estão
305 Certament e existe no homem um instinto gregano, dis- carregado s de sentido emocional . O instinto tem uma estrutura
tinto e independe nte de tôda tradição, hábito ou experiênci a tal, q?~ é pôsto em moviment o ao perceber, em outro, emoções
individual . Manifesta -se às vêzes sob forma mais propriame nte espec1f1cas correspond entes. Quanto à ausência de reações na
mórbida em indivíduos que vivem solitários nas grandes cida- cria~çc., ::ria apenas uma dificuldad e aparente, pois a simpatia
des e não poderiam suportar o isolamento absoluto .. Mas, nor- passiva, sendo, como é, uma sensibilida de às emoções específi-
malmente, êsse instinto elementar é revestido das formas cada cas e a suas .expressões , evidentem ente só pode tomar forma com
vez mais complexas da vida social, as quais comument e se fazem o desenvolvi mento dos instintos.
derivar de três tendências considerad as como instintivas , a sa-
ber: a simpatia, a imitação e o jôgo. 906 b) A simpatia ativa. Como a palavra o indica, a sim-
1. A simpatia. Há que distinguir uma simpatia passiv~ patia ativa designa um conjunto de atitudes de benevolência,
e outra ativa.
1visando a proteger, ajudar, socorrer ou aliviar o próximo. A
:simpatia ativa está, pois, muito próxima da amizade. Dilata-
a) Simpatia passiva. Segundo a etimologia , é a capa- ;se, para além do meio restrito da família, para se expandir em
cidade de sentir com seus semelhantes, de lhes participar dos -sociabilidade. As causas imediatas de suas manifestaç ões po-
sentimento s e emoções. Em sua forma elementar, manifesta - dem residir quer na simpatia passiva, e constituir, em sua for-
se nos animais por uma espécie de contágio emocional que já ma mais simples, o móvel da piedade, quer em motivos racionais
fizemos notar (296). Um grito característ ico de um indivíduo ( caridade, filantropia , solidarieda de, etc.) .
basta, muitas vêzes, para criar sinais de mêdo em todo o re- _MAX ScHELER (Nature et Formes de ia Sympathie, tra.d. LEFEBVRE,
banho. O mesmo sucede com os outros instintos, que são con- Paris, 1928) esforçou-se por estabelecer a especificidade do instinto
tagiosos, e cujas expressões são acentuada s e reforçadas pela .de simpatia e mostrar como ê!e é por excelência o fundamento do
vida coletiva. Tudo isso se prende ao instinto gregário. No sentimento social. SCHELER prova , com efeito, qu.e a simpatia não
homem, a simpatia passiva desempenh a papel consideráv el, ao pode reduzir-se nem à imitação, nem ao contágio emocional, nem
mesmo tempo em sua forma espontâne a ( às vêzes experimen - à fusão afetiva. Não pode reduzir-se à imilacão, que não implica
.necessàriamente nem a compreensão de outr~m nem a participação
tamos como uma espécie de confusão do nosso eu e de outrem: ,em seus sentimento ·;. Tampouco pode reduzir-se ao contágio emo-
por exemplo, num espetáculo , ou quando a vista das lágrimas .cional (instinto gre~ário, que atua nos casos de exicitações coletivas,
basta para que irrompam também as nossas) e em sua forma na formação da opinião pública e, em geral, nisso a que se chama
deliberada , quando o comportam ento simpático é produto da «psicologia das multidões~) . Sôbrri ê2te ponto são nitidament e in-
ventadas as as~erctes de DARW.rN e de SPENCE:t. «O que carac~eriza
atividade moral. o processo do contágio», escreve S ~HECER (pág . 32), << é sn ,. tendência a
A simpatia passiva não parece constituir instinto especial. voltar incessantemente a seu ponto-de-p artida, o que tem por efeito
Acha-se ligada, de fato, a cada uma das emoções específicas dos uma exageração dos sentimentos, que se amplificam à maneira d.e
instintos fundamen tais. Apresenta -se, pois, antes como uma uma avalancha:i> . :tl:ste fenômeno evidentemente nada tem que ver
provriedade comum aos diferentes instintos. Tôda a questão .com a simpatia, pois não encern1. nenhuma participação interncional
nos sentimentos de outrem : tudo aí se reduz a uma espécie de
está em precisar essa propriedad e. Certos psicólogos fazem :acumulação mecânica dos fenômenos emocionais . Enfim ScHEJ,ER
notar que em referência à nossa experiênci a pessoal é que se distingue a simpatia da fusão afetiva do eu com outro eu, 'enquanto
produziria m as manifestaç ões da simpatia passiva. Os gritos,

,.
1
·'
AS INCLINAÇÕ ES 31!)
PSICOLOGIA
318
do pseudo-ins tinto de imitação, mas sim do instinto social, que,
t 1 fusão ou identificaçã o não comporta os ~aracteres consciente e na espécie humana, pode exprimir-s e sob a forma da admira-
v~Iuntárío da verdadeira simpatia. Esta consiste essencia~me~te em
participar afetivamen te ào outro enquanto outro, o que_ impllca ao ção e da submissão ao prestígio. Sabe-se como, no domínio ar-
mesmo tempo a distinção do eu e do outro, e a apreensao do outro tístico, a admiração por um mestre determina a aparição de
como um tu, isto é, como uma pessoa que item_ o me~mo valor que "cópias" mais ou menos hábeis da maneira do mestre : gera-
eu. A simpatia é, pois, realmente a expressao mais perfeita do ções inteiras de a,rtistas têm composto seus "Wagner" , seus
., .,
sentimento social.
A dificuldade que se poderia opor a essas firmes análises feno- "Debussy" , seus "Strawins ky". A imitação é, pois, uma, in-
menológicas é que, se de fato a simpatia _constitui realmente um clinacão extremam ente cornplexa, cujas manifestações se pren-
aspecto do instinto social, êste aspec~ nao é, como o preten~e dem 'antes de tudo à socialidade instintiva.
ScHELER, a priori, pois é fundado na razao, que apreende a comum-
dade específica das pessoas humanas e o valor a.bsolu!to _destas. Mas Contra isso, duas objeções: o caso das crianças, que - ao que
o sentimento de simpatia, do mesmo modo que a razao,_ exerce-se se diz - só podem aprender a falar por imitação, e o de certos ani-
como uma "\Verdadeira natureza, o que faz dele, no sentido estrito mais (papagaios entre outros) que imitam a palavra humana. De
do têrmo, um instinto. Por aí se explicam a 911 tempo seus graus fato, êsses dois casos parecem reduzir-se a simples reflexos: em vir-
,, e sua. espontaneid ade: como a simpatia resulta do sentiment_o na- tude de seu poder motor, as representaç ões levam a reproduzir os
tural do va-lor do outro sua inltensidade mede-se pela apreensa.o ou, atos percebidos e, especialme nte, as palavras ouvidas. Aliás, ainda
melhor ainda, pela ton{ada de consciência, da realidade dêsse valor, há algo de mais fundament al: como o animal, a criança é movida
· isto é, da realidade do tu em face do eu. Por outro lado, como· a por uma tendência puramente automática (e não instintiva) a emi-
simpatia funciona como uma natureza, exerce-se com a esponta- tir sons. Essa 1tendência exerce-se no sentido determinad o pelo ca-
neidade que caracteriza o jôgo dos instintos, e multas vêzes fica ráter motor das representaç ões. É por aí que se expiicam as tenta-
aquém da consciência clara: é dela sobretudo q_?e, com P~scAL, Je tivas de linguagem articulada. Propriamen te falando, a imitação
pode dizer que muitas vêzes tem razões que a razao (discursiva) na.o na.da tem com isso. Quanto aos animais, êsses fenômenos só podem
percebe. produzir-se nos limites de seus mecanismo s vocais. O rouxinol4 não
pode emitir sons articulados ; pode, porém. fazê-lo o papagaio.
907 2. A imitação. O jôgo. O jôgo é uma atividade gratuita, isto é, uma
3.
908
a) Natureza. Citam-se às vêzes os fenômenos de contá- atividade que não visa a produzir unia obra, mas sim ao puro
gio emocional para provar a existência do ins~into de imitação desenvolvimento de atividade. Pode-se ver nêle um instinto
nos animais. Há nisso, porém, um abuso, pois absolutam ente especial e propriame nte dito? Sabe-se que se acham exemplos
não se trata de imitação em semelhant es casos. Tomados de dêle nos animais novos: o gatinho que brinca de rato, os cães
pânico ao ouvirem o relincho de pavor de um companhe iro do novos que brincam de luta ou de corrida, etc. Já é bem notá-
mesmo bando, os cavalos não imitam êste, mas sentem, por con- vel que o jôgo desinteres sado, nos animais, preforme ou imite
tágio, um verdadeiro pavor. A imitação é uma cópia, mas não o jôgo efetivo dos instintos. :tsse caráter afirma-se claramen-
uma reação automática. Por isto, é especificamente hurnana. te na espécie humana, onde o jôgo (que, aliás, também corres-
ponde a uma necessidad e biológica de expansão fácil e harmo-
b) Existe um instinto de imitação? A partir dos _estudos
de TARDE (Les lois de l'imitation, Paris, 1890), tem havido ten- . niosa de atividade) é determinado e'!"- suas modalidades, isto é,
em sua finalidade imediata, pel,as tendências cujo exercício pre-
dência para exagerar o papel da imitação, a ponto de fazer de- forma ou supre. É o que bem mostram os jogos de crianças: a
rivar dela tôdas as formas da vida social. A verdade é que a menina brinca de boneca e de casa; o menino brinca de soldado.
imitação absolutamente não é um instinto especial. Não é um Nos adultos, o jôgo (esportes e artes) também é, evidentem en-
processo realmente inato (a cr~i;nça só imita, r~lativame n!e tar: te, uma atividade supletiva das tendênci,a,s: nêles estas se exer-
de, pelos três anos, e o adulto, Ja com seus hab1tos contra1dos, e cem no vazio ou a frio. O instinto sexual, por exemplo, acha
rebelde à imitação) . Não se lhe pode consignar nenhuma e~oção uma suplência na dança, nas representa ções dramática s, nas
projeções cinematog ráficas, nos relatos passionais dos roman.
, 1
específica, e ela não comporta nenhum daqueles mecamsmo s
que caracteriz am os instintos primários. . S? se co,n~edeu t~l ces, etc. Isto acha-se confirmad o pelo fato de a atividade de jôgo
importânc ia à imitação porque se lhe atribmram var10s feno- seguir exatamente a evolução dos instintos. Os velhos já não
menos que, na realidade, dependem de outros instintos. É o dançam, à míngua, não de vigor físico, mas de instinto. Pela
caso dos fenômenos de simpatia passiva, que são vizinhos do
instinto gregário e nada têm que ver com a imitação. É tam- Cf. JANSSENS, L'instinct d'aprcs Me Dougal!, pág. 131.
bém o caso dos fatos de imitação deliberada , que não procedem
1
AS INCLINAÇÕES 321
'320 PSICOLOGIA

mento de sua maior energia, o animal posteriormente, por falta


mesma razão, as leituras passionais normalmente são sem atra- de hábito formado, não reagirá, ou só reagirá fracamente, aos
tivo para êles. Aliás, acha-los-íamos perfeitamente ridículos se excitantes habituais do instinto.
continuassem a dançar ou a ler romances como na adolescência.
De tudo isso podemos concluir que a atividade de jôgo não B. Leis de conflito e de fusão
é produto de instinto especial, mas uma inclinação que deriva
' do conjunto dos instintos, e que depende dêstes tanto em suas 8J1 1. Lei de inibição. "Uma tendência instintiva, antep do
manifestações como em' sua evolução. período de caducidade, é unicamente neutralizada pela união
,,,1 com a tendência contrária". Efetivamente, como não é possí-
É de notar, outrossim, que o jôgo não encerra nem o sistema de

:!. atividades corporais definidas exigid.as pelo instinto de natureza


sensível, nem uma emoção específica. As emqi;ões ligadas ao jôgo
vel romper o vínculo da tendência com seu objeto (ruptura
que só se realiza pela ação da lei de caducidade), a inibição, para
são as dos instintos que êle supre. 5 • ser eficaz, deverá exercer-se no próprio interior da tendência
instintiva. Em psicologia, como no adestramento dos ani-
[.' ART. III. LEIS DE VARIAÇÃO DAS TENDÊNCIAS mais (72), o recurso a essa lei é freqüente pela associação de
1;' i "
dor ou de prazer às tendências que se quer refrear ou incentivar.
_l, . .tl09 Várias vêzes frisamos que o que é permanente e estável 2. Lei de sistema.ti7.açã.o. «Todo instinto que uma vez
no instinto é o impulso ou tendência intencional para um objeto, se satisfez num objeto está exposto a comprazer-se nêle exclu-
isto é, sua forma ou seu fim ( instinto primário), bem como os sivamente, e a perder seus impulsos naturais para os objetos
'I ' fenômenos afetivos e as mímicas que o acompanham. Em com- da mesma natureza" (JAMES, loc. cit., pág. 532). Esta lei não
pensação, variações mais ou menos extensas e numerosas, que passa de uma aplicação da lei de formação dos hábitos. O há-
atingem seu máximo na espécie humana, podem intervir no bito que se une ao instinto é adquirido desde o primeiro exerci-
jôgo das representações e dos mecanismos pelos quais as ten- cio dêste ( 71), e fortalece-se em seguida, com o efeito normal
dências realizam seus fins. Mas essas próprias variações são de canalizar o instinto numa direção determinada. O instinto
suscetíveis de ser reduzidas a leis que lhes definem conjunta- acha-se sistematizado.
mente os processos e as causas mais gerais.
Essas causas e êsses processos podemos encará-los sob JAMF.S faz notar que esta lei se verifica. em tôda a série animal:
dois pontos-de-vista: primeiro, sob o ponto-de-vista da evolu- «Observa-se sempre que a lapa volta a colar-se no mesmo lugar do
mesmo rochedo, a lagosta torna a seu buraco favorito no fundo do
!:
1 •

ção dos instintos e inclinações, e, depois, sob o ponto-de-vista mar, o coelho deposita seus excrementos no mesmo canto ela coelhei-
das relações mútuas dêsses diferentes instintos e inclinações. ra, o pássaro refaz seu ninho no mesmo galho>.

A. Leis de evolução e de involução 812 3. Lei de especia.Iização. «As tendências ins'tintivas


1 " tornam-se mais ou menos organizadas no tocante a certos ob-
:31 O 1. Lei de caducidade. «Algumas tendências desenvol- jetos ou certas representações" (Me DoUGALL, Social Psycho-
vem-se numa certa idade e depois desaparecem" (W. JAMES, logy, pág. 28). Esta lei já vale das reações automáticas como
1' Précis de Psychologie, pág. 535). Escreve JAMES "algumas o mêdo e a fuga. Originàriamente, o animal reage a qualquer
tendências" para reservar as exceções que aqui fazem outras ruido violento. Aos poucos, graças à experiência, passa a dis-
tendências, particularmente as que têm relação com a própria tinguir entre os ruídos, e só reage pelo mêdo e pela fuga àque-
conservação do indivíduo. les a que estão ligados efeitos nocivos. Essa lei tem muita apli-
cação na espécie humana. Não só podemos verificá-la no com-
2. Lei de sobrevivência. Esta lei é uma conseqüência da portamento instintivo das crianças, senão também em todos os
precedente, e assim se formula: "Se o instinto pôde funcionar casos em que o discernimento racional intervém explicitamente
na época de sua energia máxima, forrou-se de um hábito que lhe para governar o jôgo do instinto. No homem, o automatismo
sobrevive e lhe prolonga as reações" (JAMES, loc. cit., pág. 535). dêste diminui à medida que cresce sua especialização.
E, inversamente, se o instinto não pôde funcionar no mo- 4. Lei de confluência.. «Se um obieto dado é suscetível
de despertar em nós duas tendências cori:traditórias, o fato de
5 Cf. J . HUIZINGA, Homo tudens, Essai sur la fonction sociale du jeu: desenvolver uma acarretará a inibição da outra, que será como
Paris, 1949.
PSICOLOG IA AS INCLINAÇ ÕES 323.
322

uma tendênci a natimort a" (JAMES, loc. cit., pág. 532). Veri- contigüid ade (mediata) , mas apenas constitui,ção de uma forma,.
fica-se está lei por"induç ão nos animais, cujos movimen tos opos- cujos elementos essenciais e canstituti vos são os têrmos extremos
tos traduzem primeiro o conflito dos instintos . Assim é que o O fenômen o que a lei de transferê ncia formula nada tem,
gato faminto, mas desconfia do, ao qual uma pessoa oferece de pois, que ver com a associaçã o mecânica de têrmos heterogê neos
comer, parece empuxad o entre o mêdo (produzin do a reação em virtude de uma contigüid ade acidental . Resulta essencial -
de fuga) e o instinto de comer. ~ste último acaba prevalece n- mente de urna constituição de formas e de estrutura.s, cujos ele-
,, do .e abolindo o mêdo, quando o gato tiver recebido de comer mentos não podem rep1·esentar-se e1ff- seguida senão como pa rl;c
[· várias vêzes da mesma pessoa. Nas crianças, verifica-s e esta do todo que integram .
!~ lei freqüent emente: não raro a atitude que elas assumem dian-
te dos desconhecidos manifest a claramen te o estado de conflito ART. IV. REDUÇÃ O DAS INCLINA ÇÕES
das tendência s.
914 Será possível reduzir à unidade os instintos e inclinaçõ es
919 5. Lei de transferência. «As reações instintiva s tor- do homem? Já os quadros que precedem constitue m apreciáve l,
nam-se aptas a ser postas em movimen to não somente pela per- redução, pois as inclinaçõ es do homem são numeros íssimas . e
cepção dos objetos da espécie que excitam diretame nte a dis- há que distribuí -las em alguns grupos, por categoria s homogê-.
posição inata e que são os excitante s naturais do instinto, como neas. Não se poderia, entretant o, levar mais além êsse esfôrco
também pelas imagens dêsses objetos e pelas percepçõ es e ima-- de redução e reduzir à unidade as próprias categoria s? É a esta
gens de objetos de espécie diferente " (Me DOUGALL, Social idéia que responde m as tentativa s de LA ROCHEFOUCAULD, de
Ps-ychology, pág. 27). Exemplo : certas aves que a princípio não.
'I
HOBBES e de FREUD.
manifest avam nenhum temor à vista do homem, fogem regu-
larmente à aproxima ção dêste último desde que disparou seu § 1. TENTATIVA DE REDUÇÃO AO EGOÍSMO
fuzil contra elas. No homem, ocorre o mesmo fenômeno, por
exemplo quando um adulto freme de mêdo à vista de alguém 1. Primado do interêsse e do egoísmo. LA ROCHEFOU-
parecido com o indivíduo que fortemen te o assustou em sua in- CAULD afirma que "as virtudes vão perder-se no interêsse como
fância.
Como explicar êstes fatos de transferê ncia? A explicaçã o os rios no mar", e que tudo em nós procede do amor-próprio,
isto é, do amor de si mesmo e de tôdas as coisas por si.
6
por uma inferênci a é evidente mente impossível no caso dos n, identifica -se
animais, porém também não vale no caso do adulto que freme A tese de HOBBES, exposta em seu Leviatha
UCAULD, mas se enquadra numa teoria
de mêdo sem nenhuma referênci a às recordaçõ es de sua infân- com a de LA ROCHEFO
cia, que podem ter sido esquecid as. Do ponto-de -vista associa- complexa sôbre a origem da sociedad e humana e do poder polí-
cionista, só restaria a explicaçã o da ligação por contigüid ade. tico. Consoan te HOBBES, o estado original da humanid ade é o
O pássado foge à vista do homem porque a imagem dêste se estado de guerra e de anarquia . Por natureza , o homero é um
associou, por sucessão imediata , à da detonação . Mas esta ex- lôbo para o homem (homo homini lupus). Todavia, sêres in-
plicação é bem dificil de aceitar, porque obrigaria a admitir a teligente s, os homens não tardaram a compree nder que a paz
existênci a, no animal, de imagens livres, isto é, desligada s das seria mais vantajos a do que a guerra, e decidiram viver em so-
percepçõ es ou dos todos. Cumpre, antes, pensar que a reação ciedade e abdicar seus direitos individua is nas mãos de um ti-
de fuga é deflagrad a diretame nte pela forma humana, sem pas- rano, encarreg ado de assegura r a ordem por meio das leis.
sar pelo intermed iário da detonaçã o. Que se passou? Como A sociedade nasceu, pois, de um contrato, que no fundo não
vimos preceden temente (219), a forma humana e a detonaçã o passava de uma invenção engenhosa do egoísmo. Aos poucos,
acabaram não formando senão urna só coisa, cada parte da qual
contém (impllcit amente) o todo. O pássaro não tem por que 6 O autor das Md.Timas tenta explicar sucessivam ente tôdas as "virtudes"
passar do homem para o tiro: o homem e o disparo não fazem pelo amor-próp rio: "A amizade mais desinteress ada não passa de um co-
mais do que um. mércio em que nosso amor-próp rio intenta sempre ganhar algo". "A recusa
't ' dos louvores é um desejo de ser duas vêzes louvado". "0 amor da justiça,
Verifica-s e o mesmo fenômeno quando, numa enumeraç ão qual- na maioria dos homens, não é senão o temor de sofrer injustiça". (11:sse "a
é
quer, se _passa diretamen te do primeiro têrmo ao último. Desapa- maio-ria dos homens" atenua curiosamen te a tese do autor.) "A compaixão
receram os intermedi ários. Não há neste caso uma associação por . uma hábil previdênci a das desditas em que podemos cair", etc.
324 ' PSICOLOGIA AS INCLINAÇÕES

c) Oposição das noções de egoísmo e de instinto . De qual-


325

entretan to, as práticas do altruísm o, unicame nte dirigida s, a


princípi o, pela obediên cia ao contrato social, despren deram-s e quer maneira , parece difícil fazer do egoísmo um instinto único,
das suas origens egoístas e adquirir am valor autônom o, que as nem mesmo um instinto autêntic o. Por um lado, com efeito, na
fêz estimáv eis por si mesmas . Nem por isso deixa tudo de deri- medida em que pode ser reduzido ao interêss e, isto é, à determi -
·var do egoísmo, que é o instinto fundam ental, e mesmo o único nação pelo bem objetivo , o egoísmo é essencialmente múltiplo ou
,
jnstinto do homem. " polivalente. É menos uma tendênc ia do que a forma comum
de tôdas as tendênc ias. Por outro lado, todo instinto , como vi-
2. Discussão. A teoria de HOBBES teve uma grande for- mos, define-se por um objeto distinto do sujeito; o instinto é
,315
tuna. Adotada pelos evolucio nistas, que supunha m que o ho- tendênc ia para algo distinto de si. Seu movime nto próprio é,
mem primitiv o saíra da animali dade por um processo de evo- pois, inverso do egoísmo, no sentido em que HOBBES e LA Ro-
lução contínu a, proporc ionou às doutrina s do progres so indefi- CHEF-OUCAULD tornam êsse têrmo, como volta sôbre si. Poder-
nido uma espécie de esquema simplíss imo do desenvo lvimento se-ia dizer que o instinto é alienação, o que faz dêle precisa-
da humani dade. Quanto à tese de LA RocHEFOUCAULD, deve mente o contrário do egoísmo .
.ela o melhor de seu êxito ao equívoco em que labora sua noção Na realidad e, segundo a justa observa ção de PRADINES
lde interêss e. (Psychologie générale, I, pág. 162), o egoísmo, que ·é uma no-
ção moral, e não psicológica, antes que um instinto é uma
,u,) Equívoco do interêsse. Há um sentido em que é mui perversão do instinto , pois consiste em transfo rmar em pu-
verdade iro que tôdas as nossas inclinações são express ões de ros meios de prazer ou de proveito os fins objetivo s dos ins-
nosso interêss e. Foi o que ARISTÓTELES e os Escolástico3 tintos.
fizeram ressalta r quando afirmar am que o bem é o único fim
possível de nossa atividad e, isto é, que não podemo s amar, de- § 2. ENSAI-0 DE REDUÇÃO À SEXUALIDADE
sejar e demand ar coisa alguma senão sob o aspecto do bem
(sub specie boni). Dêste ponto-d e-vista, tudo é "interessado": 916 O freudism o assume aspecto s mui diversos. É a um tempo
não sàmente nossas tendências sensíveis, o que de per si se método para a explora ção do inconsc iente e tratame nto de neu-
compreende, mas também o próprio desinterêsse, a dedicação roses, - uma psicolog ia dos instinto s, - e uma filosofia ge-
e o sacrifício de si. 1 Mas êsse "interês se" é evidente mente ral. De fato, foi sobretu do a tentativ a feita por SIGMUNDO
coisa bem diversa do interêss e egoísta, visto ser êle que, quan- FREUD para reduzir tudo no homem à sexualid ade que valeu ao
do o bem o exige, nos impõe sacrific armos nossos gostos, nossos freudism o sua imensa repercu ssão. Sob êste aspecto, que longe
bens e até mesmo nossa vida. está de ser o mais original , é que temos de encará-l o aqui.

b) Mito do egoísmo primitivo. A teoria de HOBBES é A. Pan.sexualismo freudiano


uma construç ão arbitrár ia, que nenhum fato positivo justifica , 1. Princípio da redução. Na base do freudism o há uma
pois que, por mais longe que possamo s remonta r às origens da doutrin a que afirma a continu idade do homem com o animal,
humani dade, vemos sempre o homem vivendo em sociedade. cujas diferenç as se explica riam por via de evolução. Daí se
Não se vê, aliás, que o contrári o haja sido alguma vez pos- segue, pois, que todos os instinto s do homem são essencial-
sível, já que a família, primeir a forma da sociedade, foi sem- mente os mesmos que os do animal: as diferenças que se veri-
pre absoluta mente necessá ria à perpetu ação da espécie humana . ficam são acidentais, e represe ntam meras sublima,ções ou ra-
Finalme nte, HOBBES emprest a aos primeir os homens cálculos cionalizações dos instinto s animais. A própria razão não passa
bem profund os e sutis, e, se êsses cálculos devessem ser consi- de um simples desenvo lviment o da inteligê ncia animal: o grau
derados como fruto espontâ neo de um instinto , isso equivale ria é outro, mas é a mesma essência , de tal sorte .:;ue os produto s;
a admitir que o "instint o social" é contemp orâneo do egoísmo específicos da espécie humana , ciência e filosofia , arte, moral,
-e irredutí vel a êle. e religião, não são mais que formas adquirid as e derivad as dos
instinto s animais . 8
7 Cf. SANTO TOMAS, Contra Gentiles, III, e. XVII: "Finis ultimus perfeita
eni1:1 factis 8 :t:sse postulado empirista e sensualist a acha-se expresso com
cujuslibe t facientis, in quantum est faciens, est ipsemet; utimur clereza pelo psicanaliE ta americano FRINCK (Morbid fears and computsio a
ns,
fac1at, hoc
a no bis proper nos; et si · aliquid aliquando homo propter alium ed. de Londres, pág. 2): "Se se estuda um organismo simples, por
exemplo
".
:refertur in bonum suum, vel utile, vel delectabil e, vel honestum
AS INCLINAÇÕES 327
326 PSICOLOGIA

317 2. Primado da sexualidade tal, em que as tendências sexuais se di~igem p~ra um objeto
exterior e estabelecem o co'YIV])lexo de Édipo; e fmalmente uma
a) A tese. Na massa de instintos que manifesta a ativi- fase de latência, em q_ue fe~ôme~o~ inibitórios (pudor, des-
gôsto, influência do meio, fre10 religioso, etc.) recalcam. a ten-
dade humana, é possível descobrir o instinto fundamental,
princípio e fonte de tod~s os outros. Êsse instinto é, evidente- . dência sexual até o momento da puberdade. O aconteciJllento 10
mente, o instinto sexual. Sua fôrça imensa e sua influência capital dessa evolução é a formação do complexo ~e Édipo,
designam-no já como sendo o instinto-mestre . Mas a análise isto é de uma situação em que o impulso sexual orienta o me-
das diversas atividades ou tendências instintivas do homem nino para a mãe e a menina para o pai, ~com ci_úme d? ?utro pro-
(curiosidade, desgôsto, imperialismo e excelência, submissão, genitor como rival, de tal modo que toda criança e ince~tuosa
aquisitividade, etc), bem como das formas patológicas do psi- e parricida em potência. FREUD explica também_ que a diss?lu-
quismo, 0 leva a caracterizá-las como derivadas, componentes ção dêsse complexo pode vir a ser fonte das mais altas aspira-
ou efeitos ( em conseqüência de conflitos internos) do instinto ções, como sua permanência inconsciente pode explicar os fa-
sexual. tos de desordem psíquica.
:tsses diversos fenômenos é que explicarão o homem todo.
b) O argumento da sexualidade infantil. Numerosos são Tudo provém da "libido" narcísica ou objetal, que: diretamen-
os argumentos aduzidos por FREUD, porém o mais importante te quer indiretamente quando "os impulsos sexuais perderam,
de todos, o que é base, em suma, de tôda a teoria, é o argumen- n~ todo ou em parte, seu uso próprio e são aplicados a outr~s
to das sexualidade infantil. Para FREUD, todo o comportamen- fins" 11 pelo processo da sublimação, fenômeno de transferência
to da criança explica-se pela sexualidade, que é vislvelmente o específica de ação inconsciente. Se a criança é um pe:verso
princípio de onde, por uma evolução cheia de vicissitudes, pro- polimorfo, a sublimação é apta para fazer b_rotar, dos 1mp1;1l-
cedem a sexualidade normal do adulto e, ao mesmo tempo, tô- sos recalcados da sexualidade, as grandes virtudes, o hero1s-
das as formas anormais da sexualidade, que nada mais seriam mo, o gênio e a santidade. 12
que a sexualidade infantil aumentada e decomposta em suas
tendências particulares. B. Discussão
As fases da sexualidade infantil definem-se, consoante
FREUD, como um auto-erotismo (a criança explora seu próprio 318 Não podemos entrar nos pormenores desta teoria, e deve-
corpo, sendo sua atenção retida sobretudo pelas zonas erotóge- remos cingir-nos a indicar as graves dificuldades que ela topa
nas), um narcisismo ( desde que se constitui o eu, as tendên- sob os três pontos-de-vista da análise da sexualidade infantil,
cias sexuais orientam-se para êsse eu) ; depois, uma fase obje- da psicologia comparada, e dos efeitos da sublimação.
1 . A sexualidade infantil. O que concerne à sexualidade
ameba, fàcilmente se percebe que todos os seus atos dependem de um ou
de outro dos dois grupos de tendências: conservadoras e reprodutivas. Se infantil e às fases de sua evolução choca-se com uma dupla
se proceder então ao estudo comparativo de outros organismos mais elevados objeção referente ao princípio e aos elementos de descrição.
na escala filogenética, descobrir-se-á que não há nada, nem sequer os pro-
cessos mentais mais complicados do homem civilizado, que não esteja repre- a) Urna psicologia infantil em. t~rmos d~ a~ulto. A te~-
sentado de alguma maneira simples e rudimentar nos organismos interiores, ria freudiana da sexualidade infantil e, todo mte1ra, construi-
até mesmo na ameba. Dessarte, todo elemento do comportamento humano,
seja explícito (ação), seja impllcito (pensamento ou sentimento), revela-se, da em têrmos de adulto. Há nisso êrro grave, que vicia tôda a
quer à observação direta, quer à análise regressiva de sua história filogené- tese. A criança e o adulto diferem grandemente, por não se
tica, como pertencendo a um ou a outro dos grupos de reaçí5es preservadoras acharem no mesrrw estádio da evolução. Observação esta capi-
do individuo ou da espécie" (citado por R. DALBIEZ, La méthode psycha- tal quando se trata dos instintos, sujeitos, como se viu, a uma
nalytique et la doctrine freudienne, Paris, 1936, t. II, pág, 482).
9 Escreve FREUD (Cinq leçons sur 1,a Psychcrnal11Se, trad. de LELAY,
Paris, 1910, pág. 123): "A disposição patológica de um processo consiste sim- 10 Complexo: conjunto de elementos representativos carregados de afeto.
plesmente na possibilidade de ser inibido, retardado ou impedido em seu 11 FREUD, Trois essais sur la théorie de la sexualité, trad. de REVER-
desenvolvimento". Neurose e sexualidade estão estreitamente ligadas: "En- CHON, Paris, 1905.
tre as causas das doenças nervosas, os fatôres da vida sexual desempenham 12 Cf. J. DE LA V AISSIERE, La théorie psychanalytique de Freud, Paris,
p·a pel de importância desmesurada, papel dominante, talvez mesmo espec!- · 1930 (Archives de PhilosopMe, VIII, pág. 1). R. DALBIEZ, La méthode psv-
fico" (Psychanalysé et Médécine, trad. de M. BONAPARTE, Paris, 1926,
chanalytiquc ct la doctrine freudienne, t. I, Exposição.
pág. 161).
AS INCL INAÇ ÕES 329'
328 PSICOLOGIA
ça, não dispo mos senã o de
qual ifica r as situa ções vitai s dasó crian gicam ente pode valer para
tem, pois, o direi to de
lei de evolução e de involução. Não se noss a lingu agem de adul' to, que analà
inve rsam ente , pela sim- , os têrm os amor , ódio, possessão, desej o de-
conc luir da crian ça para o adul to, ou a crian ça. Na reali dade crian ça, deve m ser desp ojado s
pare cido s. mort e, inces to, quan do aplic ados à
ples verif icaç ão de com port ame ntos das refer ência s afeti vas que lhes impõ e a psicologia adul ta. Não·
sexu alida de infa ntil norm al mas é , nânc ia social, nem, aind a meno s,
Cert ame nte exis te uma te indi f ere'nciada têm na crian ça nem a mesm a resso
lmen '
dife rent íssim a da do adulto. É essencia sexu alida de infa ntiÍ a mesm a ress<mância mora l. tese de FREU D não tem nada de·
ao cont rário da sexu alida de adul ta. Essa Tend o em cont a estas reser vas, aento em que, por volta dos quatr o
sensações geni tais devi- estra nho ou de escan dalos o. No as mom
pode man ifest ar-se quer sob form a de gena s, quer sob form a anos , se desp ertam na crian ça prim eiras exigê ncias do amo r (e da
das à exita ção acid enta l das zona s erotó êsse amo r diret amen te no pai
ão psíquica. Mas é fato sexu alida de), come ça ela por fixar a sua mãe com 1todo o pode:t·
amo rosa , por efeit o de uma estim ulaç do sexo opos to. O meni no apeg a-se
ssiva intra nsige nte. O pai, ao de atrai r
cies de fenô men os não estão ligad as do insti nto, num a atitu de posse
certo que essa s duas espé o de um ódio cium ento e um
crian ça (que FREU D atri- r da mãe, é entã o objet
entr e si, e que as emoções afeti vas da para si o amo , a crian ça resse nte-s e
Não pode ndo elimi ná-lo
o") não adm item reações geni tais. 1a desejo de exclu são.
r supla ntá-l o ident ifica ndo- se
bui ao "com plex o de Édip de larg ame nte o geni - dêle como de um rival , e vai tenta ra da mãe. Mas, ao mesm a·
Sua sexu alida de (pois o sexu al tran scen usa. com êle, que tão bem sabe capt ar a' ternu
no fund o, não pass a de uma
tal) é, de algu ma .sort e, impl ícita e conf temp o, desco bre nêle o amo r do pai,
ada, e, por essa razão , desen volve -se em sua linha
agres sivid ade revir
alidade. Por outr a
b) Aspecto parcial e adde ntal da sexu ar o disc ernim ento masc ulina .
fund Toda via, a crian ça sente essa rival idade com mal- estar , como-
part e, os fato s em que FREU D pret ende prob lema de sua form ação psicológica e
orien taçã o ince stuo sa da se fôsse culposa. Todo o de culpa bilid ade e aceit ar,.
do auto -ero tism o, do narc isism o e da mora l será, aqui, dlquid!lr> êsse comp lexo
zido s à pura sexu alida de. ll:s- rival que é o pai. A aceit ação -
cria nça são arbi tràri ame nte redu aspe cto sexu al (êsse
com scren ídade , ser lnfEr ior a êsse
cial que lhe perm itirá expa ndir- se-
ter, e realm ente têm, um de sua fraqu eza é a cond ição essen
ses fato s podem êste aspe cto não é 0 tamb ém é capit al. Deve m êles
mesmo que se acab a de faze r nota r), poré m camo adult o. Mas o pape l dos pais dessa dialé tica do amor em sell5,
14 A exploração do cor- adve rtido s dêsse proce sso ou
únic o e nem sem pre o mais impo rtan te. ser meli ndra r das prefe rênc ias insti n--
ssidade que a crian ça filhos, e não se adm irar nem seoutro . ll: seu deve r ajud á-los pouco
po é prov ocad a em prim eiro luga r pela nece , visu al de seu próp rio tivas que êles man ifest am pelo
con'trário, se fixar ia desd e a
sent e de com por o atlas cenestésico, tátil ntra r acid enta lmen te a pouc o a venc er êsse conf lito, que, do
pode enco ngan do-se na adole scênc ia e na idad e mad ura, pela.
corp o (129 ). Esta exploração infân cia e, prolo
sora, deter mina ria as mais graves.
ssàri ame nte com anda da. sua prese nça incon scien te e obses
a sexu alida de, mas não é por esta nece carinhos: pode ela ter neuro ses.
Outr o tant o deve-se dize r da proc ura de
te acid enta l, e, em todo
uma repe rcus são sexual, mas pura men de. Como justa men te 2. Teoria. das sublimações. A teor ia
freu dian a das tran s-
caso, não pode ria redu zir-s e à sexu alida 919 mor al e relig ião fun-
. 260-263), o êrro ca,..
o obse rva R. DALB IEZ (loc. cit., t. II, págsão essencial a ligação form açõe s da "libi do" reca lcad a em arte, s, por isso que, sem ne-
ligaç da-s e num a filos ofia das mais discu tívei
pi~al de FREUD foi tran sfor mar em ifest açõe s da atividade-
de infa ntil isto é foi
aculental das sexopatias com a sexualidaalida de pe{o dese~vol- nhum a prov a, post1da que tôda s as man sensível, e, por conse-
da sexu '~ hum ana só pode m deri var da ativi dade
ter expl icad o tôda s as anom alias lo que êle tem de com um
vime nto norm al da crian ça, cons ider
ada como um "per vers o guin te, que só é natu ral no hom em aqui abso lutam ente não se-
ertív el polimorfo. il;ste post ulad o
polim orfo ", quan do não pass a de um perv com os outr os anim ais. D. 15
(
expl ica por si mesm o, como o supõ e FREU
o de julga ment os severos que aliás é fato indis cutív el) que o psi-
O «complexo de 1!:DIPO» tem sido objet Pode -se adm itir (o te supe rativ ado,
FREU D sôbre êste pont o rosa men
e escan daliz ados . Entr etant o, as idéia s de
é comp reend er que, para quis mo supe rior muit as vêzes é pode de, por exemplo, no,
r. O impo rtant e aqui ntos ( como suce
acab aram por se impo sob a influ ênci a dos insti nece ssida de ou por es-
caso em que uma mulh er, priv ada, por entr ega- se com ardo r·
, lntrod uctio n biolo gique d l'étud e colha volu ntár ia, das satis façõ es sexu ais,
Cf. VO~ MON AKO W e MOU RGUEie, pág. 79. a infâ ncia aban dona -
13
de la neuro logie et de la ps11c hopo: tholog
a tôda s as form as da carid ade para com
14 Aliás, muitas vêzes não verificamos na criança nenhuma manifes-
_
entemente para as lembranças que
taçao sexual precisa. FREUD apela freqü Mas é verossímil que as reminis- ruiu FREUD tôda uma meta -
os ª?ultos conservaram de sua infância. te Para esteiar êsses pontos-de-vista, const teremos de voltar maur
em matér ia de sexualidade, sejam inconscientemenin- 15
física relativa estru tura do psiquismo, à qual
cênc~8:s dos adultos, adulto . Por outra parte, há sexualidades à
a consciência .
mod_ificadas p~lo psiquismo adiante, ao estud armo s
fantis anormaJS.
330 PSICOLOGIA

da), sem que daí se siga que a razão e os instinto s superio res
se reduza m aos instinto s sensíveis e não passem de simples
disfarc e da sexualidade.

, C. Conclusão. , ,

320 O estudo que precede leva-nos a verific ar não soment e o CAPÍTU LO III
fracass o das tentati vas de reduzir os instinto s à unidad e, se-
I)ão também a impossibilidade de tal redução. Com efeito, os O PRAZER E A DOR
instinto s derivam das necessidades. Ora, essas necesid ades são
múltipl as e irredut íveis. Sua unidad e não pode ser essencial SUMÁ RIO 1

ou ontológica, mas apenas funcional. Os instinto s são feito.s


para o vivente, e devem harmon izar-se entre si para assegu ra- Art I . NATUREZA DO PRAZER E DA DOR. Noções . Impress ões
rem o bem individ ual e específico dêsse vivente . agradáv eis e desagra dáveis. Ordem física e ordem moral.?
Existem estados afetivos puros? Existem estados neutroste.
No homem, a redução à unidad e ainda tem menos sentido A dor. Relativi dade oo prazer e da dor. Lei de contre.s
do que no animal , ao menos se se levar em conta o fato, empi- Lei das circuns tâncias. Lei de saturaçã o. Lei de adaptaç ão.
ricame nte certo, da dualida de sensível e intelec tual da nature-
za human a. Esta dualidade implica a realidade de instinto s e PAPEL DO PRAZER E DA DOR. Ca.usas do prazer eafe- da
Art. II.
dor. Teorias intelect ualistas . Discuss ão. Teoria da
inclinações essencialmente diferentes. Quanto à unifica ção fun- tividade . Discussão. Teoria da atividad e. Discuss ão.
cional dêsses instinto s e inclinações tão numero sos e diversos, pra-
Comple mentos à teoria de ARISTÓT ELES. Finaliàa àe dorazão.
já não é à nàturez a, como no animal , que·co mpete assegu rá-la zer e da dor. Estimul as do prazer e da dor. Papel da
no homem, mais sim à razão, ou, mais precisa mente, ao princí-
pio imateri al que é nêle o princíp io único de tôdas as operações ART. I. NATU REZA DO PRAZE R E DA DOR
psíquicas. O estudo das inclinações reconduz-nos, pois, à hipó-
tese geral que formul ávamos no comêço dêste Tratad o (50). § 1~ NOÇÕE S

821 1. Impressões agradáveis e desagradáveis. O praz.er, a


dor e a pena não podem recebe r uma definição essencial, por-
que não se pode reduzi-los a estados mais simples e mais ge-
t't.is. Definição tal é, aliás, inútil, visto que nada nos é mais
familia r do que essas impres sões agradá veis e desagradávei::;
que não cessam de sucede r-se em nossa vida.
Pode-se, entreta nto, caracte rizar êsses estados pelas reu-
ções que provocam. Nos animai s e nas criança s, manife
stam-
se essas reações com espont aneida de perfeit a, e verifica -se que,
de maneir a geral, o prazer e a dor têm por efeito determ inar os
vivente s a se afastar em ou se aproxi marem de um objeto, a lhe
buscar em a ação ou a dela fugirem . Noutro s têrmos, procura-
se o prazer e foge-se da dor. É o que já se manife sta sob forma

1 Cf. RIBOT, Psycholo gie des sentimen ts,


Paris, 1896; PToblêm es de la
nes affectifs , 3.ª edição,
vie a1fectit.•e, Paris, 1910. PAULHA N, Les phénomê
Les sens de la
Paris, 1912. PRADIN ES, Les sens du besoin, Paris, 1932;
défense, Paris, 1934. NOGUÉ, La significa tion du sensible, Paris, 1936.
affectifs, pági-
DUMAS , Noveau TTaité de Psvcholo gie, t. II; Les états
nas 221-293; t. III, págs. 240-291.
333
O PRAZ ER E A DOR
332 PSIC OLOG IA
a (a mãe que sofr e pelo
uma aleg ria mor al a uma dor físic
ameba, cujo cont ato com
a m11;is simples, no com port ame nto da fiUi.o). 2
~do a natu reza do corpo,
os d1fere~tes corpos é s~guido, segu des. As dife rent es mí- Algu ns se perg un-
da exte nsao ou da retra çao dos pseu dopo g. Exist.em estados afet ivos puros? que só cont ives sem
a dor não têm o valo r ex- 329
tara m se podi am exis tir esta dos alge dôni cos
mica s que acom panh am o praz er e ção ou de retra ção, de todo elemento repr e-
pres s!vo ~u~dame;1tal dos fen_ôme nos de atra ,, a man ifes taçã o afet iva, com exclusão "
ativ idad e sele tiva posi tiva
que tao mtid ame nte cara cter izam aer e a dor ou a pe~a. sent ativ o.
ima gens afet ivas , que já
ou nega tiva , que cons titue m o praz Êsse prob lema redu z-se ao das
de, com KüL PE, have rmo s
estu dam os (172 -174 ) . Em virt ude er ima gens afet ivas pro-
2. Ordem física e ordem moral. adm itido que não há e nem pode hav
922 mai s razã o não pode have r
pria men te dita s, segue-se que com
nte entr e o praz er e dor puro s, porq ue, se tais imp res-
a) Distinção. Dist ingu e-se com umenormal, e gera lme nte imp ress ões de praz er ou de
ima gens corr espo nden tes.
a pe?1'a ou dor físic a, e o praz er e a dor sões exis tisse m, tam bém exis tiria m as conf und ir as imp ress ões
nção . Do simp les pont o- pont o foi
cons ider a-se como esse ncia l esta disti ce just ifica da esta ndo O êrro de RIBO T sôbr e êste
: esta s (esta do de fadi -
de-v ista empírico, tal disti nção pare .afetivas com as sensações cene stés icas de mal- esta r, etc.) são
a fato s orgânicos'; ao pass ~ de angú stia,
como estão, o praz er e a dor ligad os ga, de acab runh ame nto,
mai s ou menos acen tua-
mor al, aos quai s mais prop riam ente cha- acom panh adas de imp ress ões afet ivas repr esen taçõ es conf usas
que o praz er e a dor
acom panh em de orga nici - , com o tais,
mam os ~leg ria e trist eza, emb ora sea ime diat a e prop orci onal das, mas tam bém ence rram
dade, nao pare ce tere m com o caus das dife rent es part es do corpo.
um esta do orgânico. e-se adm itir a exis tên-
4. Exist.em eshulos neutros? Dev podem defi nir como
nção form ulam -se en- , que não se
b) Dificuldades. Con tra essa disti erva-se prim eira m'en te cia de esta dos indi fere ntes
ques tão ence rra de fato
treta nt~, cert o núm ero de objeções.
Obs agra dáve is ou desa grad ávei s? Esta
por exemplo uma cris e car- üent eme nte se conf unde m.
q?e mui tas pe~ urba ções orgâ nica s, , ao mesmo temp o que pe- dois prob lema s disti ntos , que freq se é possível esta r, de ma-
Podemo-nos, com efeito, perg unta r
diac a, uma cris e de asm a, prod uzem esta do gera l afet ivam en-
ansiedade, de opre ssão, de- neir a mais ou menos consciente, numaçõe s são nece ssàr iam ente
nos~s .sensações locais, imp ress ões de
desa ~mo , et~. Por outr a part e,izan a~ dore s agud as ou prol ong a- te neut ro, ou se tôda s as noss as sens
posi tivo ou negativo. Um a
das sao depr imen tes e desm oral tes. acom panh adas de um refle xo afet ivo lem a supõe a impossibili-
ões, mas prov am som ente que cer- resp osta afir mat iva ao segu ndo prob
São exat as esta~ observaç nça afet iva. Mas a imp os-
tos estados depressivos de ?1:dem mor m_ora:t (sen time ntos ) podem dad e de um esta do gera l de indi fere
bidos, mas não que essa.s men te não imp lica que tôda s
resu ltar de certos estados fisic os sibi lida de de tal esta do abso luta
ticas. O mesmo há que is ou desa grad ávei s.
d1!"13 ord e~ de f e'llômenos seja m idên as noss as sensações seja m agra dáve
rvaç ão de que cert os exci tant es fí. Com ume nte se adm ite que nun ca
deixamos de sent ir ao
d_izer rela tiva men te à obse "ver tudo róse o" "ve r ão afet iva, em razão da cenes-
sicos (odores, sais, perf ume s, côre
s:
al: exis ~ rela -
men os algu ma confusa imp ress ares , o prob lema de seu
t~do negr o") têm valo r afet ivo de orde m mor
tos, mas não se tesia . Qua nto às sensações part icul rime ntal men te, devido à
e sent imen -valor afet ivo é difícil de reso lver expe
çao ce~ e_ntre sensações afet ivas a iden tida - argu men to invocado pelos
pode imed iatam ente conc luir da relaç ão para inex istên cia de imag ens afet ivas . O
ões defí ceis de classi- GI, WUNDT, KÜL PE), em
d.e. Observa-se tam bém que há imp
ress
icia da é físic o part idár ios dos esta dos neut ros (SER que sem inte rrup ção se
nça quan do acar s os esta dos em
fica r: o praz er que sent e a cria físic a ou mor al? -virt ude do qual todo
para outr a desa grad ável , e
ou ~or al? a dor prov ocad a por uma
bofe tada é
, já fí- pass a de uma imp ress ão agra dáve l a tépi ca que se esqu enta
~ur~ men_te_p~íquico ou, ao cont rário -inv ersa men te (a mão ime rsa em águ
º. medo de sofr e: é çao 1ma gma ria do sofr imen to que se tem e?
sico, como ante cipa
perg unta s, nem por isto é
Qua lque r ~ue sej3: a ,r~sposta a esta s , e, adem ais, as impressões: DESC ART ES, Trait é des Passio-ns, II, c. XCIV : "0 praze r dos sen-
a maio ria
men os váhd o o prmc1p10 da disti nção 2
alegr ia, e a dor pela triste za, que
-:tidos é segui do tão de perto pela
praz er físico a um sent i- , que se pode m al-
pode m ser com~lexas e asso ciar uma um sofr imen to mor al, e
ia, difer em tanto
-élos home ns não os distin guem ; todav radam ".
a ia e receb er praze res que desag
men to de alE;_gria, uma dor físic ;g.umas vêzes sofre r dores com alegr
a um sofr imen to mor al e:
mesmo, às vezes, um praz er físico '
O PRAZER E A DOR 335
334 PSICOLOGIA

de cabeça), quer em rel";_ção com suas causas (queimaduras, pic'.'da,


aos poucos), admitiriam necessàriamente um ponto-limite indi- fratura, pisadura, opressao, etc.). Para fazer conhecer as qualida-
ferente, êste argumento parece configurar uma abstração, não des dessas diversas dores, utiliza-se o processo da analogia: dores
sendo, como não é, o limite nem uma coisa nem um estado surdas, lancinantes, agudas, fulgurantes, etc.
positivo.
§ 2. RELATIVIDADE DO PRAZER E DA DOR
924 4. A dor.
I I
925 Os prazeres, as penas e tis dores são afetados de uma re-
a) Dor e pena. A dor, tomada em sentido estrito, é uma latividade que se manifesta de diferentes maneiras. As leis
impressão penosa de natureza especial. Muitas impressões de- - seguintes exprimem os diversos aspectos dessa relati vida de.
sagradáveis não se apresentam como dolorosas: tais os esta-
dos de mal-estar difuso, de fraqueza, de acabrunhamento, ou 1. Lei de contraste. O prazer e a pena fazem-se valer
também certas sensações penosas como as produzidas por um mutuamente. Após um prazer intenso, uma dor ligeira será
grito estridente, por um odor nauseabundo, etc. Do ponto-de- duramente sentida, e inversamente. Certos prazeres e certas
vista psicológico, a dor é, pois, assinalada por caracteres var- dores parecem mesmo só ter um conteúdo negativo, constituído
ticulares, difíceis de descrever, porém fáceis de conhecer, os pela ausência da pena ou do prazer que êles substituem.
quais a_ distinguem das demais impressões penosas. Por outra parte, a intensidade dos prazeres e das penas
está em razão inversa de seu núm~ro. Os homens completamen-
b) Caracteres fisiológicos da dor. Fisiologicamente, há te satisfeitos ou a quem nada falta gozam cada vez menos. Num
um comportamento específico da dor, compreendendo fenôme- estado contínuo de dor física, uma dor nova que sobrevenha é
nos reflexos, reações vasomotoras, viscerais, musculares, gri- pouco sentida.
tos, lágrimas, movimentos de retração, contrações faciais, pul-
so e respiração irregulares, diminuição das secreções, dilata- 2. Lei de circunstâncias. A intensidade de um prazer ou
ção da íris, etc. Todavia, essas manifestações nem ocorrem ne- de uma dor depende das circunstâncias físicas e mentais em
cessàriamente tôdas juntas, nem são absolutamente automáti- que êles se produzem. Um ferimento mal se sente no momento
cas, pelo menos na espécie humana. Várias delas podem ser da luta (campo de batalha ou terreno de esporte) ; apenas aca-
inibidas por um esfôrço voluntário. É isto que, juntamente com bado o combate, logo êle se impõe à consciência. Uma dor for-
o grau de sensibilidade, explica que variem tanto, de indivíduo temente receada assume, quando sobrevém, intensidade espe-
\; para indivíduo, exagerando uns a expressão da dor e, ao con-
trário, refreando-a outros. O domínio de si pode, às vêzes, che-
cial. Prazer que responde a uma tendência em atividade, dor
que contraria essa tendência, são sentidos com viveza particular.
)
!
1
gar até certa aparência de insensibilidade. Os prazeres e as dores variam em qualidade e em intensi-
dade com a idade, o temperamento e os hábitos adquiridos. O
c) Questão do sentido da dor. Os antigos faziam do tato, prazer é mais vivo após uma privação dolorosa. A privação,
exte~no e interno, isto é, em suma, da cenestesia, o órgão da dor, por sua vez, é tanto mais penosa quanto mais freqüente e mais
considerada como resultante de uma alteração anatômica ou intensamente foi sentido o prazer.
funcional do organismo. Hoje, como vimos (115), comumente
se admite que a dor pode resultar da excitação de qualquer 3. Lei de saturação. Nem os prazeres nem a.s dores se
nervo sensitivo, se essa excitação ultrapassa o limite normal, adicionam indefinidamente. A capacidade de gozar, como a de
ou se o sujeito se encontra num estado de hiperestesia ner- sofrer, é limitada. :mste limite varia de acôrdo com a sensibili-
vosa. Quanto às hipóteses relativas à existência de um sentido dade individual e a adaptação obtida.
e de órgãos especiais para a dor, até aqui não puderam aduzir
nenhum argumento decisivo em seu favor. A questão continua, 4. Lei de ada-ptação. O prazer repetido embota-se, gas-
pois, sem resposta. O que é certo é que a dor é uma reação afe- se e tende à saciedade. Daí por que, para continuar a gozar, é
tiva particular aos excitantes nocivos, e que resulta de certas preciso aumentar constantemente as sensações afetivas, com
modificações orgânicas produzidas por êsses excitantes. Como risco de chegar ao ponto em que se tornam dolorosas por ex-
o prazer, ela é -qm fato afetivo de natureza orgânica. cesso. Noutro sentido, produz-se certa adaptação à dor e à pena,
Sucede correntemente acabar-se por não mais sentir o elemento
Pràticamente, definem-se as sensações dolorosas quer em re~ desagradável de certas situações (acostumação afetiva).
fe.rência aos órgãos onde estão localizadas (dores de estômago, dor
336 PSICOLOGIA O PRAZER E A DOR 337

A adapta_~ão 'é no~mal. , Os caso_:! em que ela não sobrevém, e nharn. Minha dor e meu prazer não se identific am com a cons-
que parece so ~oncermr~ m _:l-S sensa_çoes penosas e dolorosas, são de ciência que dêles tenho, ainda que para mim só existam atra-
natureza patologica : ha neles abaixame nto progressivo e anormal vés dessa consciência. Noutros têrmos, a consciên cia é con-
da resistênci a, quando, ao contrário, deveria aumentar .
dição, e não causa adequada e total, do prazer e da dor, que
PAPEL DO PRAZER E DA DOR também são realidade s orgânica s. Onde HERBART fala de re-
ART. II.
presentaç ~es, dever-se- ia falar de tendênci as sensíveis. Um fato
.926 Podemos pergunta r-nos quais' são as causas do prazer e que desconce rta o sistema de minhas represen tações pode tra-
da dor: serão respectiv amente o bem e o mal de quem os expe- zer-me uma viva contrarie dade, mas não uma dor propriam en-
rimenta? E qual é a finalidad e dos estados afetivos? São efe- te dita. Prazer e dor revelam-se, aliás, como relativam ente in-
tivament e úteis ao sujeito? Na realidade , isso equivale mais dependentes das representações. Um prazer fica sendo um
propriam ente a encarar o mesmo problema sob dois aspectos di- prazer mesmo para aquêle que a si o censura.
ferentes, pois a procura das causas do prazer e da dor já não
versa, aqui, sôbre as causas imediata s, que sabemos serem or- B. Teoria da afetivida de
gânicas; mas sôbre as causas mais gerais, o que é uma forma 927 1. O pessimismo. Vários filósofos quiseram ligar a dor
ou ao menos um elemento do problema da finalidad e dos esta- à ativi?ade como tal. . Agir seria sofrer, e, por conseqüência,
,.
dos afetivos. o sofrimento tornar-se-ia a. forma essencial da vida. Assim
sendo, o prazer teria apenas uma realidade negativa , que con-
§ 1. CAUSAS DO PRAZER E DA DOR sistiria na ausência de dor. Tal é, com diferença s assaz no-
As teorias que encontra mos acêrca dêste ponto são muito táveis, a tese de EPICURO e de LUCRÉCIO, de KANT, e sobretud o
mais metafísic as e morais do que psicológicas. Devemos, no en- de SCHOPENHAUER e de LEOPARDI, que insistem sobretud o sôbre
tanto, expô-las brevemen te, insistind o em particula r sôbre a o fato de implicar a consciên cia um livre-que rer indefinid o e
teoria aristotéli ca. nunca satisfeito , e, por consegui nte, inquietaç ão e sofrimen to,
porque, diz SCHOPENHAUER, "a vida é uma luta pela existên-
cia, com a certeza de ser vencido" .
A. Teorias intelectualistas
2. Discussão. Vê-se que à Metafísic a e à Moral é que
. 1: _ Os es~os afetivos :reduzidos a juízos. O ponto-de- pertence apreciar essas teses. Todavia, do simples ponto-de-
v1sta mtelectu ahsta tem sido apresenta do sob formas bastante s vista psicológico, não deixam de ser muito discutíveis. Por
diversas. Os Estóicos vêem no prazer e na dor simples opiniões, um lado, com efeito, nem o desejo, nem o esjôrço são sempre
que dependem de nós, como tôdas as opiniões. O sábio se o dolorosos. Há atividade s felizes, benéficas, produtor as de saú-
-quiser, pode ser feliz até no touro de Falaris. Para D~SCAR- de, de prazeres sadios e de alegrias serenas. Por outro lado,
TES, prazer e a dor reduzem-se a juízos pelos quais a alma parece impossível reduzir o prazer a uma simples ausência
aprecia seu estado de perfeição ou de imperfeiç ão. SPIN0LA e de dor, porque a ausência de dor se apresent a como um estado
LEIBNIZ também considera m os estados afetivos como tradu- vazio, por si mesmo, de tôda positivid ade hedônica, ao passo
zi~do na consciência o aumento ou a diminuição de nosso ser. que o prazer implica aspiração a um objeto e satisfação po-
Fmalme nte HERBART, apoiando-se na relativid ade dos prazeres sitiva no gôzo dêsse objeto. ·
e das dores, e particula rmente na lei das circunstâ ncias, acha Em suma, prazer e dor são igualmente positivos e reais.
que o prazer e a dor são produzid os por aquilo que se harmo- Acompan ham o exercício natural de nossas atividade s. A
·niza ou que entra em conflito com o conjunto de nossas re- questão é saber em que exata relação estão ambos com essas
·']Yresentações. atividade s. E' a esta pergunta que pretende responde r a teoria
aristotéli ca .
2 . Discussão. Essas teorias são insuficie ntes. O prazer .'
e a dor absolutam ente não dependem das nossas opiniões. Se C. Teoria da atividade
-0 sábio é feliz no touro de Falarís, nem por isto deixa
de so-
frer nêle cruelmen te. Felicidade (hipotética) e dor podem co- 828 1. Principio da atividade normaJ. O prazer, para ARIS-
.existir por não serem da mesma ordem. Quanto aos cartesia- TÓTELES, ?arece resultar ou de um estado de equilíbrio, em qua
nos, confudem os estados afetivos com os juízos que os acompa- as necessidades estão normalm ente satisfeita s, ·ou da ação dos
339
O PRAZER E A DOR
338 PSICOLOGIA
t hábito de beber) não é necessària mente bom
estímulos normais das diferentes funções.
3
Sob êste último O
para qu~md. ~mduo O que é bom para um indivíduo pode ser
é acompanh ado · po de comi-
de certas ten d~encias
aspecto, o ato de comer, para quem tem fome, Para o m iv1t r O·· A inibi,.ão
--; . , .
de prazer; sob o primeiro aspecto, o esta.do do mesmo sujeito, mau para ou
tituir um sofrimento necessário e benefico.
tendo comido consoante sua fome, é um estado de equilíbrio
orgânico ou de bem-estar, que constitui um prazer positivo. 3. Complementos à t,eoria_ de Aris~~les . Vários filóso-
Quanto aos estados dolorosos, são o resultado das condições , 929 fos tentaram completar a teoria da atividade, de maneira a
inversas, isto é, quer de estimulantes arwrmais ou inadequados
às necessidades ( um ruído estridente , uma bebida ardente, uma torná-la mais rigorosa.
temperatu ra glacial, um alimento demasiado abundante ou ) Quantidade de energia despendida. HAMILTON pro-
malsão, etc.), quer de um estado geral de desequilíbrio, de- - fevar em conta para explicar a relação entre o prazer e
vido a necessidades não satisfeitas ou a atividades excessivas. poeti'vidade a ener~ia despendid a na ação. "A energia mais
a a feita é 'ao mesmo tempo a mais · agra d'avel" . Qu al é, po -
2. Discussão. li:sses modos de ver de ARISTÓTELES são P:~ essa energia "mais perfeita"? GROTE responde: . "_Para
justos, com a condição de serem entendidos como definindo r ' xista prazer cumpre que haja equação entre a atividade
médias. Com efeito, por um lado, o prazer e a dor podem que e
disponível
'
e a atividade despen d'di a " ; quer d'iz_er ~ue
a per -
estar ligados a simples fenômenos locais ou acidentais, ou ser f 1· - 0 da atividade se define em têrmos ,quantitati vos, e qu_e
produzidos por atividades respectiva mente nocivas (álcool) ou e J:azer correspond e a uma atividade média, exatament e si-
úteis ( a dieta em certas doenças ; o parto, a dentição, etc.) . tuada entre O excesso e a falta, ambos causa de dor. SPENCER
0
Nestes últimos casos, há uma lesão dos tecidos, que explica a 4
dor; mas é certo que esta, como o prazer, pode às vêzes estar faz suas essas observações. •
Contra êsses pontos-de- vista freqüente. mente _se obJeta _que
acidentalm ente ligada a atividades biologicam ente benéficas ou êles não se aplicam às ativ} dades s~ye~iores, mte~ectuars. e
nocivas. morais: não há excesso poss1vel de ~iencia_, s~bedoria ou <>V1;-
Por outro lado, muitas vêzes a dor não guarda proporção tude. Mas esta objeção não colhe, pois aqui nao se tra_t3;. s_nao
com sua causa. A dor de dentes tem algo de atroz; em com- das atividades sensíveis, as únicas que, por suas condiç~es or-
pensação, há graves doenças cardíacas ou pulmonare s que mal gânicas são suscetí;eis de prazer e de dor. Neste sentido, as
são sentidas. A dor e o prazer parece dependere m menos observ;çõe s de GrÁ>TE e de SPENC~R sã? _fundadas: Mas, a bem
do gênero de atividade exercida do que da maior ou menor dizer, não completam a teoria ar1s~otel!ca, q~e tão _clarame~te
riqueza em nervos sensitivos da região interessad a. Ademais, liga a perfeição da atividade sensivel a noçao de Justo me10-
prazer e dor são relativos menos ao gênero de afü,idade pro-
duzida do que ao grau de hábito adquirido no exercício dessa têrmo.
atividade. Por efeito do hábito, atividades anormais podem b) Qualidade da energia. Resta, 1:<>~avia, e~t~ dificul-
comportar certo prazer. Ao contrário, atividades perfeita- dade: que, se O prazer está ligado a uma. atlv:dade, media (sen_do
mente normais são, às vêzes, penosas: assim, o ato de comer a média definida em função da energia dlspomvel ) , _tambem
para quem sofre do estômago. tem outras condições. Depende em ~articular da ~uahdade d.a
Enfim, na ordem moral, é rnenos o gênero de atividade atividade isto é da qualidade do excitante. De feito, há exc!-
que importa, do que seu acôrdo com o conjunto das atividades. tantes qu'e são ;empre desagradá veis, e outros sempre a~rada-
Por outros têrmos, não são o prazer e a dor que podem servir veis, seja qual fôr sua intensidad e. A esta obse:vaç_ao de
de critério do bem e do mal do indivíduo. O que é bom para STUART MILL, acrescenta RIBOT que, para uma excitaçao Rer
uma tendência (a violência para quem está em cólera, o álcool
4 H. SPENCER, Principes de Psychologie, I, pág._ 282: "Se se rcc~-
ARISTóTELES, Ética a Nicômaco, X, e. IV: "0 prazer remata o ato,
3 nhecem a uma extremidade as dores negativas da inaçao chamadas ~e_cessi-
não como uma maneira de ser que lhe fôsse inerente, mas como uma es- dades, e à outra extremidade as dores positivas do exce~so de ~tlvt!ade,
pécie de fim que se lhe junta, do mesmo modo que à juventude se junta resulta que O prazer acompanha as ações situadas entre esses dm~ ~· tTe-
a beleza ( ... ) . Essas duas coisas são manifestadamente unidas, e não podem mos (. .. ]. Geralmente falando, pois, o prazer acompanha as ativ1dad~s
ser separadas, pois sem ato não há prazer, e todo ato remata-se pelo pra- médias". No mesmo sentido escreve WUNDT (Eléments de Psychol.ogie
zer". "Como é que o prazer não dura continuamente? É que tôdas as physiotogiqu e, I, pág. 557): "O sentimento de prazer está constantemente
f~cul~ades humanas são incapazes de agir continuamente; o ato já. não é ligado a sensações moderadas" .
tao vivo, relaxa-se, e eis por que também o prazer se embota".

..... . . _-~ ·-·


O PRAZER E A DOR
341

340 PSICOLOGIA
a, conduzem a lhes
êstes estados como contrários de idêntic a naturez saber: o modo
necess i- procur ar causas igual_rnente da mes_ma naturez a, a gu~
:agrad ável, faz.se mister que esteja de acôrdo com as de exercíc io das tenden cias. Ora,_ diz-se, se é certo todo pr3:z~r
cias do ser vivo. está ligado à satisfa ção de necessidades e, por mente consegwnte, à ativi-
dades e tendên uma ativi-
Estas observ ações ainda parece m fundad as. Mas não
adi- dade é duvidoso que a dor proven ha regular parece de consist ir mais
notar dade' anorma l ou contrar iada. A causa da dor
,, tam coisa algum a à teoria de ARISTÓ TELES, que já fizera lesões orgânic as, que às vêzes pode:;:.1.
pràoriamente em distúrb ios ou
(Ética a Nicômaco, X, c. XII) que "o que é própri o a cãda acomp anhar a necessi dade não satisfe ita (dores da fome
nos
e da sêde),
ligados à
lhe con- como fenôme
ser em virtud e de sua nature za é també m o que mais mas que de modo algum podem passar
vém e mais agradá vel lhe é". ativida de do vivente.
por
de- Dêste ponto- de-vist a pareceria, pois, que eonve-nha l,assinar
c) Evolução ~as espécies. SPENC ER objeta ao ponto- causa, ao prazer, a satisfaç ão de uma necessi dade s~nsíue p~la apro-
vicioso :
vista finalis ta que êle parece consti tuir um círculo priacão do objeto capaz de satisfa zer essa necessid,ade, e a dor os
quand o o exercíc io de
define m-se o prazer e a dor em relação às tendên cias, dist-árbios que afetam o organis mo e que detenn inam te a afastar o
ou deliber ado) tenden
ntes das (reflexo
estas só são conhec idas pelo prazer e pela dor resulta um esfôrço repulsi vo
fenômenos são Irredutíveis entre si, exatam ente
dade, objeto nocivo. ~sses
modal idades de seu exercíc io. Para resolv er esta dificul como o são o apetite concupiscível e o apetite por irascível de ARISTÓ-·
à his-
propõe SPENC ER a sua teoria evoluc ionista : recorr endo TELES e dos Escolás ticos. Prazer e dor têm, pois, causa os objetos-
tem tais o sim e o não,
tória natura l é que se saberá por que uma espéci e que os provocam, e que são tão heterog êneos
para
como
o prazer, gerado de
,que tais r, visto que,
necess idades e tais tendên cias, e, por conseg uinte, por como o interio r e o
cia
exterio
necessi dade, trata-s e de uma coisa a pos-
lhe são úteis ou nociva s ou desagr adávei s dentro como seqüên à
e tais ativida des suir, e, para a dor, provocada de fora, trata-s e de uma
coisa a
(Principes de Psychologie, I, pág. 286). afastar .
ins-
· Esta teoria, de fato, nada explica . Prime iramen te, os Estas observações, no que concerne ao prazer e àELES dor sensiveis,
tintos não podem reduzi r-se a hábito s adquir idos (l, 469-47 0) . fundad as, e podem aditar à teoria de ARISTÓT uma pre-
parecem nar uma tese
Por outra parte, o pró'J)rio hábito não se explica senão
por uma cisão formal de real interês se. Sem obrigar a abando
de to estados afetivo s e. que deve seu _yalor ao
tendência anterior na qual se enxerta. A adapta ção, longe vi- que visa ao
ponto-de-vist
conjun
a genera hssrmo que adota, sublinh am com r3:zao a he-
s, é anteri or à instala ção do que
provir do meio e dos hábito terogen eidade funcion al do prazer e da dor, e levam a dizer o
êle pre-
vente num nôvo meio, ao qual só se adapta por ser a contrár io do Praeer não é a dor, mas sim a privaçã o, e que o con-
da dor. Prazer e
adapta do . trário da dor não é o prazer, mas sim a ausênc ia a titulo de
dor não fazem portan to, parte de um mesmo gênero
contra- diverso s, há que
Quanto à censura de círculo vicioso, esta funda-se num tivame nte soo medida comum
contrários. Q~alita em que o prazer P-
senso, porquanto, para ARISTÓTELES, não são o prazer e a dor que buscá- la em su,a comum referên cia ao valor vital, negativo. E
revelam ou manife stam a tenà<ência, mas aditam -se-lhe pela orienta -
sóment e. A afetado de um índice positivo e a dor de um indice o sen-
tendéncia é manife stada pela inclinação para uma fim, com isso, finalmente, êsses pontos-de-vista encont ram-se com
ção finalista. É o que a psicologia contemporânee of pôs bem em luz: tido geral da teoria de ARISTÓTELES.
s tendên cias», escreve Me DouGAL L (Outlin abnorm al P[f]J-
«Nossa em, quanto à sua
New York, 1929, pág. 224), «não depend
cholog y,
são simple smente modificadas § 2. FINALI DADE DO PRAZER E DA DOR
determ inação , do prazer e da dor, mas
e pela dor que encont ram em sua realizaç ão>. Pode-se, /'
pelo prazer A questã o da finalid a-
pois, sem incorre r em círculo vicioso , referir o prazer e a dor ao modo 890 1. Estímulos do pruer e da dor.
o que
de exercício de nossas tendén cias. de do prazer e da dor depend e eviden temen te da soluçã
à questã o preced ente. Se se admit ir que prazer e dor
se dê
4 . Conclusões. A final de contas , os compl emento s com são hetero gêneos e traduz em funçõe s difere ntes, sua respec tiva
real-
que se preten de enriqu ecer a teoria de ARISTÓ TELES nada finalid ade imedia ta será defini da por essas própri as funçõe s,
lhe acresc entam que ela já não houves se previs to. Mas a satisfa ção das necessi dadet'I. .
mente
se pren- que são, para o prazer , favore cer
també m é certo que ela encerr a várias dificul dades que orgâni cas, e, para a dor, afasta r os objeto s nocivo s. Mas ~<t'-
de um ponto- de-vis ta que englob a UOO$. fi--
dem ao caráte r tão geral
a defini r uma média, no própri a finalid ade está, por seu turno, a serviç o de
todos os estado s afetivo s e só visa geral, válida para o conjun to das imPttl5 sõ.esi
nalida de mais
sei~ da qual as exceçõ es são numer osas. é determiia-a·r,:-
afetiva s, e que, como o fêz notar ARISTÓ TELES,

Pode-se esperar que se resolvam essas dificuld ades? Recente-


mente se escreveu (cf. PRADINES, P sycholo gte généra le, I, pági- . I, págs. 101-106.
5 Cf. P. RICOEU R, Philoso phie de la volanté, t
nas_301-396) que as ambigüidades da t eoria aristotélica se devem à
sua própria noção de prazer e de dor sensíve is, que, fazendo considerar ·<-

,~_;·.,
342 PSICOLOGIA

ou reforçar a atividade ú.til, ou, ao contrário, frear ou inibir


a atividade prejudicial ao vivente.
Em ambos os casos, aliás, ou, se se quiser, nos dois níveis,
só poderá tratar-se de uma média. De fato, freqüentemente
as reações afetivas são tardias ou difíceis.,de interpretar, e às ,#

vêzes não existem ou são desproporcionadas. Daí vem que,


mesmo nesse domínio, haja matéria para tôda uma adaptação
por "tentativas e erros". CAPÍTULO IV
Errôneamente se objeta, contra o ponto-de-viSta finalista, que há
dores perfeitamente inúteis, tanto do ponto-de-vista físico como do EMOÇõES, SENTIMENTOS E PAIXÕES
ponto-de-vista moral, a saber: as que se produzem quando a situa-
ção já não pode ser modificada ou exclui qualquer adaptação. Dá-
se como exemplo, na ordem física, a dor que segue uma queimadura SUMÁRIO 1

e que é inútil (a dor concomitante tinha a utilidade de provocar a


retirada da mão), e, na ordem moral, o pesar ou o remorso. Mas Art . I . ANALISE DOS FENOMENOS EMOTIVOS. Fisiologia das
para logo se vê o que essas observações encerram de inexato. O emoções e iws sentimentos. Emoções. Sentimentos. O
arrependimento e o remorso têm por finalidade evidente provocar psiquismo na . emoção e no sentimento. Psiquismo emo-
um rtttôrno à ordem, mediante restituição, reparação, correção, ·etc. cional. Psiquismo dos sent,\mentos. Identidade das emo-
Assim também, a dor prolongada parece ter, senão êsse fim, pelo ções e dos sentimentos.
menos o de chamar a atenção para os cuidados que se hão de to-
mar. Aliás, é fato que a dor cessa no momento em que os tecidos Art . II. . NATUREZA DOS ESTADOS EMOTIVOS. Teoria inte-
lesados asseguraram a sua própria proteção. Pode-se acrescentar lectualista. Exposição e discussão. Teoria fisi-Ológica.
que certas reações à dor, que parecem constituir um gasto inútil de Argumentos e discussão. Conclusões. Resultados das
energia (gritos, lágrimas, agitação, etc.), de fato 1trazem certo alívio experiências. Reações inemotivas. Observações de psi-
à dor. copatologia. Teoria psicofisiológica.
Art. III. FUNÇAO DOS ESTADOS EMOTIVOS. Teoria mecanf.sta.
2: Papel da razão. A finalidade das impressões afetivas Desordem emocional. Descargas nervosas. Teoria bio-
é, pois, incompleta e imperfeita. Só nos fazem conhecer aquilo lógica. Explicação dos fatos. Função reguladora dos
que é imediatamente bom ou mau para tal função ou tal órgão, sentimentos. A emoção.
sem nos informarem mais. Os efeitos remotos de nossas ati- Art . IV . LINGUAGEM EMOCIONAL. Origem das reações emo-
vida,des geralmente não são anunciados pelos estados afetivos. cionais sistematizadas. Função da analogia. Influência
Por isso a finalidade dêsses estados é completada, nas espécies da imitação. Interpretação dos sinais emocionais.
animais, pelas indicações do instinto, que encerra ao mesmo Art . V. AS PAIXÕES. Definições. Os dois sentidos da palavra
tempo uma tendência e uma espécie de juízo prático sôbr~ patxão. Definição. Paixões sensiveis e paixões racionais.
as circunstâncias da atividade instintiva; e, na espécie huma- Causas das pai1:ões. Disposições hereditárias. Função
na, pelas luzes da razão. E' a esta que compete constante- da inteligência e da vontade. Efeitos das paixões. Efei-
tos sôbre a inteligência. Efeitos sôbre a vontade. Fina-
mente interpretar ou suprimir as informações insuficientes ou lidade das paixões.
ausentes da sensibilidade afetiva.
Para explicar o fato paradoxal de uma finalidade natural tão 1 Cf. ARISTóSTELES, ttica a Nicômaco, 1. II (ed. Soulhié-Crouchon,
imperfeita, mister se faria, ao que parece, como já fizemos notar Archives de Philosophie, VII (1929). SANTO TOMAS, Ia., q. 77-78, Ia. IIae,
em Cosmologia (1, 419), referir a sensibilidade afetiva às reações q. 55-60. RIBOT, Psychologie des sentiments, Paris, 1896; La logique des
mais elementares da irritabilidade. Sem dúvida, a Bensibilidade sentiments, Paris, 1905. LANGE, Les émotions, trad. francesa, Paris, 1895.
afetiva não pode reduzir-se à irritabilidade. Mas, ao ajuntar a esta SERGI, Les émotions, trad. francesa, Paris, 1901. SOLLIER, Mécanisme des
um elemento específico e irredutível, parece não ter como fim, nos émotions, Paris, 1905. W. JAMES, La théorie de l'émotion, 1902. A. GE-
sêres cuja complexid'II.àe tcmna insuficientes as reações da inttabili- MELLI, "Émotions et Sentiments" (Contributi de! Laboratorio di Psicologia,
dade, senão provocar o vivente a aditar aos estímulos reflexos os re- _sério V , págs. e segs. Milão, 1931) . P . JANET, Les sentiments fond.a-
cursO,S trazidos pela memória instintiva e pela razão. Dêste ponto- mentaux, 3.• parte, e. I ; Les émotions, págs. 499-496. R . DE.JEAN, L'émo-
de-vista, compreende-se que a finalidade do prazer e da dor, redu- tion, Paris, 1933. DUMAS, Nouveau Traíté de Psycho!ogie, t. II, pági-
zidos a simples reaçõe:, reflexas, não se baste e não possa ser corre- nas 297-443; 530-537 (LARQUIER DES BANCELS) e t. III. J'.-P. SARTRE,
tamente interpretada senão em referência à atividade cognitiva do Esquisse d'une theorie des émotions, Paris, 1939. J'. MAISONNEUVE, Les
vivente. Sentiments, Paris, 1948.

__._,,,.~•-~-- .. :
EMOÇÕE S, SENTIME NTOS E PAIXÕES
345
344 PSICOLO GIA

aparelhos que permite m obter medidas precisas . Tais são o


391 Os estados afetivos designa dos sob o nome de emoções e cardióg rafo e o esfimóg rafo, que registra m as pulsações do
de sentime ntos constitu em um grupo de fenômenos que se dis- coração e das artérias ; o ;sfigmo manôme ~ro, que me~e 8:.. pres-
tinguem do grupo das sensações afetivas de prazer, e de dor: são sangüín ea; o pneumo grafo, que registra as vanaçoe s de
enquant o estas últimas têm por anteced ente imediato uma mo- volume do tórax ou do abdôme n por efeito da respiraç ão; o
dificaçã o orgânica , os sentime ntos têm por antecedente ime- .,, .,,
diato um estado psí{Juico, de ordem sensível ou inteligível
(imagem , idéia, recorda ção), o que equivale a dizer que todo
sentime nto é sentime nto de alguma coisa, que ao mesmo tempo L
procede de um objeto e visa a um objeto sob um aspecto de-
' 1

termina do. Assim, sentir afeto por João é ao mesmo tempo


conhece r João como amável (conhec er João-am ável) e conhe-
cê-lo como causa do afeto que sinto. E' a êste grupo de es-
tados afetivos que devemos dar agora a nossa atenção .

ART. I. ANÁLI SE DOS FENôM ENOS EMOTI VOS


)

Podem- se tomar como sinônim os os têrmos emoção e sen-


timento . Entreta nto, a diferenç a que distingu e êstes dois fe-
nômenos é de observação corrente . Vê-se imediat amente o que "' '
separa um estado tranqüil o e contínu o de alegria e de conten-
tamento da explosão brusca de júbilo que se segue ao recebi-
t. ''
mento de uma notícia impacie ntement e aguarda da. A questão ''
é saber se, entre estas duas espécies de fenômenos, há lugar
...
''
para admitir uma diferenç a essencial ou só acidenta l. E' o
que tentarem os esclarec er mediant e a análise do conteúdo dos.
estados de emoção e dos estados de sentime nto.
§ 1. FISIOLOGIA DAS EMOÇÕES E DOS SENTIMENTOS

A. Em~õe s
S92 1. Emoção-choque. Por oposição ao sentime nto, a emo- s.
ção caracter iza-se por uma perturbação brusca e profund a da
vida psíq_uica e fisiológica; o sentime nto, ao contrári o, não só
não implica, porém mesmo exclui tôda desorde m psíquica e •
somátic a. JAMES assinalo u muito bem a diferenç a empíric a
das duas situações, definind o a primeir a como uma emoção-
choque, e a segunda como uma emoção-delicada. Mas o em- Fig. 18. Instrumen tos para a medição das reações fisiológica s
prêgo do mesmo têrmo emoção para definir ambas as situa- 2. Pneumod inamômet ro. 3. Dinamôm etro.
ções implica a redução dos estados de emoção e de sentime nto
1. Esfim6gra fo.

a um mesmo gênero, do qual seriam apenas duas espécies. Ora,


esta é justame nte a questão que procura mos resolver .
galvanô metro, que registra os reflexos galvânic os (modific a-
2. Componentes fisiológicos da emoção. Aqui encara- ções do estado elétrico da pele), etc. (fig. 18). Bem e;11ten-
mos somente a emoção-choque. Esta emoção acompa nha-se de dido, os casos patoiógicos são aqui particul armente preciosos,
fenômen os fisiológicos extrema mente complexos. Para os es- pela amplitu de dos fenômenos somátic os que encerra m.
tudar, nos animais ou nos homens, emprega m-se diferent es
EMOÇÕES, SENTIMENT OS E PAIXÕES 347
346 PSICOLOGIA

As exper1encias revelam três espécies de reações fisioló- e) Reações eX'pressivas. Assim se designam as reações
gicas: as reações viscerais, musculare s e expressiva s (fenô- visíveis assinalada s na atitude do corpo ou nos traços do ros-
menos de irradiação ) . to (mímica). Através dessas expressões caracterís ticas é que
distinguim os as emoções de outrem. Há gestos e fisionomia s
333 a) Reações viscm·ais. Estas reações podem inj;eressar específicas da cólera, do Il}.êdo, da angústia, do susto, da ale-
simultâne a ou parcialmen te todos os sistemas fisiológicos: gria intensa, do pavor, etc. A essas mímicas juntam-se certos
respiratór io (variações do ritmo da respiração por aceleração movimento s geralment e mal adaptados para tomar, evitar ou
ou retardame nto ; variações da profundid ade da inspiração ; en- repelir o objeto causa da emoção, ou para proteger-s e ou de-
gasgo, com esfôrço respiratór io consecutivo) ; circulatório fender-se.
(aceleraçã o ou parada brusca dos movimentos do coração,
acentuação ou enfraqueci mento dêsses movimentos, fenômenos 334 d) o riso. Entre as reações emocionais comuns, o riso pediria
vaso-const ritores, centrais ou periféricos , com palidez conse- um estudo especial. Cingir-nos- emos aqui a algumas indicações sôbre
cutiva) (fig. 19) ; digestitio (suspensão das secreções saliva- suas formas e sôbre as explicações que delas têm sido propostas.
Primeirame nte cumpre distinguir o riso da alegria e o riso do
cômico, que são de natureza diferentes, se .bem que possam ocorrer
juntos e dependam dos mesmos mecanismo s anátomo-fis iológicos.
o riso da alegria resulta de uma excitação agradável riso e traduz uma

h
I
espécie de descarga emotiva do sistema nervoso. i!:ste não é ex-
clusivo da espécie humana, pois se produz em certos animais, por
efeito de afagos ou de cócegas (ZuCKERMANN, The socuzi life of
monkeys a,.nd apes, dá diversos exemplos) . O riso do cômico, ao
contrário, é particular à espécie humana, pois resulta da percepção
de uma relação. Várias teorias têm sido propostas para explicar a
natureza dessa relação.

} Segundo HoBBES («De la nature humaine>, in Oeuvres philoso-
phiq~, Neuchâtel, 1877, t,. IX, pág. 13), «o riso provém do sentimento
·;

repentino de triunfo que nasce da idéia subitânea de alguma supe-


rioridade por comparação com a inferioridad e de outrem ou com a
nossa inferioridad e anterion. Esta explicação vale para certos
casos, mas não para todos. SCHOPENHAUER, depois de KANT, concebe
o riso como efeito da percepção súbita de um desacôrdo entre um
., conceito abstrato e o objeto nêle compreendi do (caso das caricatu-
Fig. 19. Gráficos do pulso normal (1) e do pulso do mêdo (2). ras e paródias, e, em geral, dos contrastes: tal o caso de Augusto
majestoso e solene, que uma paródia faria responder a Cin.a por êste
res ou gástricas ; paralisaçã o da digestão em curso ; pa:r;alisia alexandrino : «Vejo-'te, pobre velho, enloquecen (SCHOPENHAUER, Die
dos esfíncters, com incontinên cia urinária); glandul,ar '(exci- Welt, ed. W. Ernst, Lepizig, 1. f; § 13; 2.ª parte, c. VIII, págs. 798 e se-
guintes). Esta teoria sublinha com razão o jôgo do contrMte, porém
tação das glândulas lacrimais, secreção anormal de bile, com o recurso ao conflito do conceito com a intuição parece mais dis-
icterícia consecutiva, suores frios, encanecim ento brusco dos cutivel: muitíssima s vêzes o imprevisto e a incoerência de uma si-
cabelos). tuação bastam para deflagrar o riso. H. BERGSON, por seu turno (Le
A adrenalina, produto da secreção das cápsulas supra-renai s, rire. Essaí sur la stgnific,a,tÍO'n du comi.que, Paris, 1900), propôs uma
produz efeitos particularm ente importante s sôbre o tônus cárdio- teoria do cômico cujo essencial é que o riso se pradnl.z caoo vez que,
vascular, sôbre a regulação do açúcar no sangue, sôbre a mecânica em lugar da reação inteligen.te. e ad,aptada que se espera de um in-
digestiva, enfim sôbre o sis'tema nervoso simpático cuja atividade divíduo, produz-se uma reação automática e mal adaptada. Tal é
própria a adrenalina serve para reforçar ou precl&i.r (J. LEri:VRE o caso do paralítico geral que, tendo decidido suicidar-se e, para
Manuel critique de Biologie, págs. 758-774). ' êste fim acendido um aquecedor a carvão, manda abrir a janela
para qu~ a fumaça não ·o faça tossir. F. JEANSON" (SignificatiO n hu-
maíne du rire, Paris, 1950) critica vivamente a teoria bergsonian a,
b) Reações muscul,ares. As emoções comportam numero- e mostra que «o riso é um fenômeno intencional », e que «sua tensão
sas reações musculare s reflexas : calafrio, tremor dos membros psíquica provém de seu perpétuo distanciam ento entre as duas atl·
paralisia dos membros inferiores ; contração dos músculos to~ tudes essenciais segundo as quais o homem se esforça por conse-
rácicos, eriçamento dos pêlos (os cabelos que se erguem na guir o pleno gôzo emotivo ou a perfeita recuperação de si no ima-
cabeça), etc. ginário~ (pág. 201).
348 PSICOLOGIA EMOÇÕES, SENTIMENTOS E PAIXÕES 349

985 3. Caráter reflexógeno das r~ões. A maioria das rea-- vêzes mesmo, podem essas expressões depe~der apenas. de si:11-
ções emocionais são puramente reflexas. São deflagradas au- les ~onvenções sociais ( expressões de tristeza, de_ simpatia,
tomàticamente pelo choque emocional. Na medida mesma em ~e respeito, impostas pelos costumes o~ pela educaça?). _Mas ·
que a reação voluntária e adquirida se substitui à reação re- nem por isto é menos verdade que, deixados a seu dinamismo
flexa, pode-se dizer que a emoção perde de sua especificidade.
i nat ur al , os sentimentos, como
, . as emoções, traduzem-se por,
1 A emoção, como tal, está tora da alçada da vontade. Da von- ;atitudes e mímicas caractensticas.
tade e do hábito pode depender o refrear, ou mesmo inibir
parcialmente, as manifestações emotivas, mas não produzi-las b) Reações cenestésicas. Pondo de part~ a ques~o das
diretamente à vontade. .397
ções expressivas, achamos também os sentimentos ligados
Vimos (172) que certos indivíduos produzem à vontade certas
:e~iversas reações cenestésicas. E' êste um ponto be~ foca-
expressões emotivas. Mas ou a emoção é uma reação a lembranças . lizado por experiências recentes : todo estad? ~e sentime_nto
evocadas voluntàriamente, e, como tal, ainda está fora do circuito. provoca fatos subjetivos que se referem a variaç_oes do r_eg1me
voluntário, ou então (casos citados por HARTENBERG) podemos per- da respiração, do batimento do pulso, e a sensaçoes locahzadaa
guntar-nos se se trata de emoções propriamente ditas. especialmente no tórax, na cabeça na garganta. 2 :tl:sses fe-
nômenos orgânicos podem s~r . mmto tracos, e comumente o
B. Sentimentos são. Porém observações metodicas assinalam a presença cons-
tante dêles, e provam que os indi':'íd~os submetidos aos testes
886 1. Organicidade nos sentimentos. Nos sentimentos, as; só experimentam sentimentos su?Jetlvos quando percebem em
reações fisiológicas são muito mais difíceis de apreender. Bas- seu organismo sensações orgâmcas. 9nde quer _qu_e faltam
tantes vêzes poder-se-ia mesmo supor que não existem, e que essas sensações, também faltam os sentimentos s71:b3etivos. Por
o sentimento é um fato puramente psíquico. Uma leitura que outra parte, os testes revelam clar~mente'. naqmlo que o~ su-
agrada, a simpatia contristada que provocam em nós os abor- jeitos sentiram, a maneira de sentir particular ao orgamsmo
recimentos do próximo, a alegria que proporciona a vista de de cada um dêles.
uma bela paisagem, a admiração que se sente diante duma
bela obra de arte: êstes estados afetivos parece não serem assi- Eis aqui alguns registros das experiências (A. GEMEI.LI, Zoe: c~t.,
nalados por nenhum fenômeno orgânico. Entretanto, assim págs 15&-160): Sentimento de alegria: <i:No início da _experiencia,
um profundo suspiro; tive a impress~o de maior vitalldade>. «O
não é, de modo algum: todo fenômeno afetivo com,porta rea- aparecimento do estado de prazer f01 ac9mpanhado ~e mais fre-
ções somáticas. qüente e profunda respiração>. «Tive na bôca como o gosto d~ pra~
preferido, e ao mesmo tempo um sentimen~ de praz~:>- - Sentimen
a) Atitudes e mimicas. Há numerosos casos em que os. de repugnância : «Tive como uma sensaçao de enJoo, acompanha~o
sentimentos propriamente ditos (as emoções-delicadas de de um sentimento estranho de náusea, como se, em vez de uma co a
moralmente repugnante, se tratasse d': m_na co~a repugnante ma-
JAMES) estão ligados a expressões exteriores características .. terialmente». «O sentimento de repugna~cia nw-mfes~ou-se_ com uma.
E' o que acontece na tristeza e na melancolia, que provocam espécie cie opressão no abdômen>. - Sentimento de tr,.steza. «Quando
um estado de prostração física muito especial, acompanhado, eu acabava a. leitura, percebi que respirava 1rre_gularme1:te, como
de reações viscerais mais ou menos acentuadas. por sacudidas ( ... ) . senti os olhos molhados. Tive iII:e~atamente
0
espiritto invadido por um sentimento geral de depressao, pareceu-
Por outra parte, há tôda uma mímica ligada aos senti- me que a respiração se me tornava irregular ; senti uma pontada no
mentos, bem como às emoções fortes. O sorriso, com suas. tórax>.
formas tão variadas (benevolente, mordaz, afetuoso, sardô-
nico, desdenhoso, etc.) ; a careta, exprimindo o enjôo, a sacie- 2. Natureza. dos fenômenos orgânicos. A questão está
i dade, a irritação, o despeito; o ato de coçar a cabeça (estado. em determinar qual a relação dos fatos psíquicos com os or~il,-
:1 de incerteza) ; as lágrimas, o brilho do olhar, o tom e o acento- nicos. Sôbre êste ponto, cumpre notar que todos ;>S ~estes ir1,-
' da linguagem, aí estão autênticas manifestações somáticas dos. dicam que os sujeitos consideram as impressõe~ psiquicas c~no
1í:. ,l sentimentos. E, sem dú.vida, não têm o automatismo das ex- constituindo o elemento fundamental do sentimento. Mmtos
pressões emocionais. O caráter moderado dos estados de sen-
timento deixa à vontade uma margem importante para atenuar, 12 Cf. A. GEMELLI, Contributi dei Laboratorio di Psicologia, série V,
'l modificar ou frear a expressão exterior dos sentimentos. As. Milão, 1931, p á gs. 147-173.

#
ti
EMOÇÕES, SENTIMENTOS E PAIXÕES 35~
350 PSICOLOGIA

dêles frisam que só são advertidos da modificação orgânica momento em que cumpriri3;_ fugir. _er!i~ção p_arece pa_rnli.~ar
depois do ato de conhecimento. Vários não sabem dizer se tôdas as funções de controle . e 1e inibiçao, e mtroduz1r pro-
o estímulo foi seguido primeiro pela sensação orgânica ou pelo funda desordem em todo o ps1qmsmo.
estado afetivo. Mas a,s sensações orgânicas, como os movi- 2. Psiquismo dos sentimentos. Sucede de _ou~ro modo
m:_entos de praze-i: ou de desgôsto, de atração ou de repuls:io, com os sentimentos. Lo7::ge de perturba:_re-in o 1?siq1!isr,:i<~, pa-
sao,., sempre consideradas como condicionadas por um estado ,., rece que exercem uma açao reguT,adora s<J'bre a vida ·indiv·id:ual,
de consciência (representação). Acompanham o estado afe- estabelecendo ou restabelecendo um constante estado de equi-
tivo, mas não o constituem. líbrio entre as diferentes atrações ou repulsões relativas às
_P<?demos pr~cisar essas observações dizendo que os fenômenos circunstâncias da vida. Mantém o interêsse pela vida, colo-
orgamcos contribuem_ para c~~stituir a própria representação, e cando-a num estado de adaptação contínua, graças ao jôgo de
que o estado afetivo e a consc1encia que simultâneamente se toma oscilações afetivas tão regulares que às vêzes a vida afetiva
p~r exemplo, da representação como repugnante e das reações or~ parece tornada completamente estável. Em oposição à tem-
ganica~. Efetivamente, se tal representação é repugnante e provo-
c~ a naus~a, é porque_ a qualidade de re1:ugnante entra na constttui- pestade da emoção, o psiquis:110 do sen~~~ento poderia ca-rac-
çao do obJeto por efeito mesmo dos fenomenos orgârúcos que acom- terizar-se como um curso de agua tranquilo.
panham a produção da imagem. O processo completo é pois O se-
guinte: estímulo, ·- idéia do objeto como repugnante' - ;eacões 3. Relações dos sentimentos com as emoções. ·Da com-
orgânicas que constituem o objeto como efetivamentte 'repugnante 939
- estado afetivo ou consciência das reações orgàrúcas. o sentlmentÓ paração que acabamos de fazer resulta que, se é preciso admi-
ou e~tado afetivo !, pois, diferente e, logicamente ao menos, poste- tir entre os sentimentos e as emoções, uma identidade fwzda-
rior a representaçao. :S:ste processo explica o fato de muitas vêzes m;ntal, enquanto uns e outros são fatos a um tempo psíquicos
o estado afettivo ser puramente fictício e não vivido, como quando, e orgânicos que têm como antecedente imediato uma represen-
ao OUJir o relato de um crime, exclamamos: «Que coisa horrível!>, tação ou um estado de consciência, também convém assinalar-
que nao corresponde a nenhuma emoção real. A mingua das reações
orgânicas que determinam a constituição da imagem como horrível lhes as diferenças, que fazem dêles condutas opostas e mesmo,
nenhum sentimento {ou consciência de emoção) é possível e tud~ de alguma sorte, de sentido contrário, apresentando-se a emo-
se reduz a exclamações puramente convencionais. Outras ~êzes ao ção sempre como a crise do sentimento correspondente. Mais
contrário, a reação emotiva, isto é, a consciência do crime cbmo adiante teremos, aliás, de perguntar-nos se essas diferenças são
horrível, do objeto como repugnante, ativará por seu próprio dina-
mism? fenômenos fisiológicos (palidez, arrepios, náusea, etc.) que irredutíveis ou se não são mais aparentes que reais.
contnbu1ram para form~r a representação como algo horrífico ou
repugn~nte. Esta -~eaçao emotiva alimentar-se-á de sua própria Vê-se, assim, a insuficiência do critério que propõe KLAGES 3 para
expressao: a !!onsc1encia secundária de náusea e de vômitos ou de distinguir as emoções dos sentimentos. Se convimos, diz êle, em
horro: tendera a ?-esenvolver-se, a intensificar-se, a funcionar de assinalar dois aspectos inseparáveis em todo etado afetivo: o matiz
maneira quase autônoma. O fato de sentir os olhos molhados à lei- ou tonalidade e a intensidade, dir-se-á que um afeto merece o nome
t~ra de um dEama comovente condicionará um nôvo processo emo- de sentimento na medida em que o ma!tiz sobrepuja a intensidade,
tivo (respiraçao irregular, lançamento no tórax) cuja causa ime- e que merece o nome de emoção po caso inverso. Dêste ponto-de-
diata é, não a própr.i:J, representação, mas sim a consciência dos fe- vista, a tristeza, a alegria serena e o descontentamento seriam sen-
nômenos emotivos antecedentes. timentos; a cólera e o pavor, emoções. Contra isso notamos que a
tristeza, a alegria serena e o descontentamento podem crescer em
intensidade sem se tornarem emoções, tal como as havemos caracte-
§ 2. Ü PSIQUISMO NA EMOÇÃO E NO SENTIMENTO rizado, e que, inversamente, a cólera e o pavor, quando se acalmam
e se transformam em sentimentos, não somente perdem da sua «in-
888 1. O psiquismo emocional. A emoção propriamente dita tensidade>, como também, por assim dizer, mudam de espécie. Não
i é, pois, somente pela intensidade que se podem distinguir as emoções
tem por efeito transtornar, momentâneamente mas brutal- dos sentimentos. Há sentimentos intensos que não são emoções, e
;l mente, o psiquismo, e submergi-lo sob a tempest~de afetiva emoções fracas que não são sentimentos.
e as sensações resultantes das reações viscerais. Por êsse Cumpriria levar em conta aqui as diferenças de profundeza afe-
mesmo fato, as reações de defesa e de adaptação são geral- tiva. Certos estados afetivos podem existir simultâneamente no re-
i gistro emocional e no do sentimento: tais são a alegria e a indigna-
,,/ ~en~e das mais desastradas, às vêzes mesmo completamente ção. Outros podem ser profundos, mas excluem a forma emocional:
1 mef1cazes ou absurdas. O homem irado grita e gesticula a
1 torto e a direito. O mêdo provoca movimentos de fuga de- 3 Cf. G. THIBON, La science du caractere, Paris, 1933, págs. 58-69.
sordenados; ou então faz que o indivíduo fique imóvel, no
EMOÇÕES , SENTIME NTOS E PAIXÕES 353
352 PSICOLOG IA

podem reduzir-s e pura e simplesm ente a uma relação entre


tal a veneração . Certos sentimen't os ganham em profundid ade o represen tações, e que os fatos fisiológicos são parte integran te
que perdem em veemência emocional . Nem sempre são os emotivos dêles. Mas não provam que sejam independ entes de tôda re-
os que «sentem» mais profundam ente.
presentaç ão, porque, em todos os casos citados, há, que reco-
ART. II. NATURE ZA DOS ESTADO S EMOTIV OS nhecer a presença de fatos psicológicos mais ou menos precisos
(percepçõ es ou imagens ). A questão é saber em que relação
,, O duplo aspecto, psíquico e somático, dos,.fenômenos emo~ se acham êsses fatos,, I)f!icológicos com os fatos fisiológicos.
340
" tivos deu origem a duas teorias mui diferente s para explicar a A tese intelectua lista apresenta -se, não raro, sob forma menos
natureza dêsses fenômenos e a relação dos fatos de consciên- rigorosa mas também pouco verossímil, ao reduzir o sentiment o à
cia para com as manifest ações orgânica s. São as teorias in- consciên'cia de uma tonalidad e afetiva, ligada a uma represent ação
telectual ista e fisiológica. intelec-'tual. Por exemplo, a alegria que sinto em ver Pedro reduzir-
se-ia à consciênc ia do agrado que me proporcio na sua presença real
-0u imaginada . Dêste ponto-de- vista, o sentiment o seria consciênc ia
§ 1. TEORIA INTELECTUALISTA de si, mas não consciênc ia do objeto. Ora, isso não parece exato.
o &entimento só é con.sciê.ncia àe si reflexame nte, em ato segundo.
1. Exposi!;ão. A teoria intelectu alista, defendid a por Jmeàiata e dnretamen te, é consciênc ia àe alguma coisa que tem um
1,alor (positivo ou negativo)
: minha alegria de ver Pedro é cons-
HERBART, considera a emoção como sendo a consciência de ciência. de Pedro-am ável (331). É a própria coisa sob tal ou qual
uma relação de conveniência ou de desconveniência entre· re- .aspecto afetivo que é visada pelo sentiment o (intencion alidade afe-
presentações atuais. Assim, no candidato que acredita ter-se tiva), o qual, portanto, não pode ser nem reduzido a representa ções,
'-...i saído bem no exame, a notícia de seu êxito cria uma emocão nem mesmo concebido como se acrescend o a urna representa ção, vis-
de alegria; a de seu fracasso, uma emoção de tristeza. A emo- to exprimir o aspecto sob o qual se dá essa represent ação (objeto
'i ção é mui precisam ente a consciência que se toma de um acôrdo
ou de um conflito de nossas idéias com a realidade .
afetivo). Entretant o, por isso não há mdtivo para, como fazem
certos filósofos existencia listas (SCHELLER), tomar o sentiment o como
instrumen to de conhecim ento. Sem dúvida, o sentiment o revela o

1
valor, isto é, a relação do ser com as tendência s. Mas o próprio ser
2. Discussão. Esta teoria evidentem ente é insuficiente. .só é objeto do pensamen to, e o sentiment o é necessàri amente função
Uma relação percebid a entre representações é coisa purament~ da percepção do objeto. 4
intelectual. Pode ter conseqüências emotivas, mas distingue -
se da emoção, que é fenômeno afetivo, e não um simples co- § 2. TEORIA FISIOLÓGICA
nhecimen to.
Opõem-se, ademais, a essa teoria fatos cuja interpret a- 341 Esta teoria, que consiste em reduzir a emoção à cons-
ção é assaz discutível. Trata-se dos diferente s casos de emo- ciência de modificações cenestésicas, tem revestido diversas
ções e de sentimentos sem objetos (fobias, angústia, tristeza formas. Para W. JAMES, a emoção consiste sobretud o na
vaga, etc.), bem como dos fenômenos ciclotímicos (alternân - consciên cia das modificações muscular es do organism o. Para
cias de períodos mais ou menos longos de depressão e de exal- LANGE, é antes ~e tudo consciência das reações vasomoto ras,
tação, sem que o doente possa apresent ar uma explicação plau- que dependem do grande-s impático . Para SERGI, as reações
sível dessas oscilações mórbidas , nem tampouco sentir os viscerais é que desempe nham o papel principal . Nestes três
acontecim entos felizes durante o período depressivo ou os casos, as emoções explicam-se por fatos periféric os, e não
tristes durante o período exaltado ) . No mesmo sentido, há pelas represent ações. Donde o nome de teoria periférica mui-
também o caso dos otimistas ou dos pessimistas de tempera- tas vêzes dado a essa opinião.
mento, que procuram constante mente com que justifica r uma
serenida de ou uma melancolia que comumen te derivam de uma 1. Argumenros. Os fenômeno s orgaruco s, diz JAMES,
boa ou de uma má cenestesia. Sabe-se, enfim, que os atores
podem sentir emoções simplesm ente pelo fato de imitarem as Bão, não efeitos da emoção, contrària mente ao que em geral
manifest ações normais dessas emoções. De todos êsses fatos, .se pensa, mas sim as causas da emoção. Esta nada mais é
diz-se, resultari a que a emoção pode ser independ ente de todo do que a percepção confusa que temos das modificações orgâ-
fato de conhecimento.

't
Na realidade , êstes últimos argumen tos bem demonstr am, 4 Cf. .J.-P. SARTRE, L'Imaginai re, págs. 93-95 .
.contra a teoria intelectu alista, que os fenômenos emotivos não
354 PSICOLOGIA EMOÇÕES, SENTIMENTO S E PAIXÕES 355

.
n_icas. "Co~soant e o senso c?mum, perdemos nossa fortuna, visitaram e viram os animais (apestesiados ) compartilhar am minha
ficamos afhtos e choramos; msultam-nos , irritamo-nos e ba- opinião e a dos outros membros do la_!>oratório, de que êles ex1?erJ-
temos. Pretendo que esta ordem é inexata; que ficamos afli- mentavam intensas e vivas emoçoes». G Assim se exprimia
tos porque chora,~os, irritados porque batemos, assustados SHERRINGTON. Porém REV:AULT D'ALLONES ~~mtestava o bem-funda~o
dessa conclusão, observando que as expenenclas provavam a poss1-
porque trememos . Para compreende r que é mesmo assim billdade de uma mímica automática em animais apestesiados, con-
basta perguntarmo -nos o que restaria da emoção se se elimi~ forn;emente aos resulta~os das experl~ncias ~e BETCHEREW, mas não
n~sse~ dela to_dos os fenômenos ,orgânicos externos e internos. necessàriame nte a realidade de emoçoes autenticas.
Ja n!o restaria senão uma vaga e fria representaçã o, sem e) Experiéncias de Pagano . Mediante engenhosas experiências
relaçao ne_nh_uma com _um estad? ~~etivo. Sabe-se, aliás, que, (injeção de curare no núcleo cauda.to, sem nenhuma. lesão das partes
para suprimir a emoçao, basta mibir as reações somáticas es- vizinhas dêsse núcleo, o fisiologista italiano PAGANO demonstrou que
boçadas e provocar outras contrárias. Se vos sentis invadir a excitação dos terços anterior e médio do núcleo caudato causa a
pe!a cólera, resist~ a tôdas essas manifestaçõ es que se deli- mímica do mêdo, ao passo que a excitação do têrço posterior pro-
voca a mímica da cólera violenta, Em compensação, a excitação de
neiaID::. descarregai o semblante, descerrai os punhos, falai outras partes do cérebro não determina nenhum fenômeno emocio-
tranquilame nte, e vossa cólera cessará do mesmo passo. Prova nal. Daí se concluía, com PIÉRON (Journal de Psychologie, VII, 1910,
de ~ue era resultado dessas modificações orgânicas que im- págs. 441-443), que o núcleo caudato é a sede dos fenômenos emo-
pedistes. tivos de mêdo e de cólera.
Todavia, REVAULT D'ALLONES objetava de nôvo que o núcleo cau-
da.to aparecia, sim, nas experiências de PAGANO, como condição ne-
942 2. Discussão. A discussão da hipótese periférica só · é cessária das emoções, mas não como sua condição suficiente. As
frut?osa no terreno experimenta l. Vamos ràpidamente expor sensações viscerais pareciam desempenhar um papel importante, e
mesmo essencial, no jôgo das emoções. A mímica, dependente da
as diferentes experiências que têm sido feitas para verificá-la. excitação do núcleo caudato, não passaria, assim, de um dos com-
ponentes da emoção. Havia, portanto, razão para precisar ainda
a) Experi ências de Betcherew. As experiências de BETCBEB.EW mais essas experiências (cf. REVAULT D'ALLONES, Les incltnatton.s, Pa-
versaram sobr«; a mímica emotiva. 1!lle privava certos animais (ga- ris, 190'7) .
tos, cobaias, ras) d:> córtex cerebral e produzia assim uma atrofia
e uma desorganizaça o do feixe piramidal que liga o córtex ao bulbo
e transmite aos núcleos bulhares dos nervos motores as incitações 949 d) Experiéncias de Gemelli. Estas experiências combinam os
motoras. Teoricamente , a mímica devia ser impossível. ora, três processos anteriores: descerebração , apestesia e excitação do
BETCHEREW verificou que continuava a produzir-se, mas sem nenhu- núcleo cauda'to. Continuadas em cães e gatos, elas confirmaram os
ma espontaneidad e, e unicamente em resposta a excitações externas resultados obtidos por SHERRINGTON: os ·animais apestesf.aào8 ma-
nifestam comportamen to emotivo semelhante ao dos animais nor-
ou viscerais. Em contraposição , tôda. mímica desa.parece mal se su,.. Por outra parte, GEMEI.LI estabeleceu por suas experiências,
prime o tálamo ópti;º· Dessas experiências podia-se concluir, por ma.is.
uma. parte, que a mímica pode constituir um fenômeno puramente
contra REVAULT D'ALLONES, que se trata realmente de fenômenos afe-
automático (caso dos animais descerebra.dos com mantença das ca- tivos, e não de uma símples mímica automática : com efeito, os
madas ópticas), e, por outra, que está sob a dependência das cama- animais ao mesmo tempo apestesiados e descerebrados já não ma-
das ópticas. nifestam nenhuma mímica emotiva. Dai se segue que o tálamo ópti•
co é nece.ss4rio à produção de um feuômeno emocfonal, mas não é
senão um centro motor àa mímica emotiva, e não um centro da
b) Experiências M Sherrington. Estas experiências foram fei- emoção.
tas sõbre animais apestesiados. BHERRINGTON secionou em vários cães
a medula espinhal na região cervical, de maneira a romper tôda.s as Quanto à opinião de PmoN sôbre a significação do núcleo cau-
conexões entre o cérebr~ e as vísceras torácicas, abdominais e pélVi- dato, OEMELI.1, por diversas experiências em gatos apestesiados e
cas, bem como as conexoes entre o centro vasomotor bulhar e os va- descerebra.dos, estabelece que êsses animais não reagem por nenhu-
sos sangüíneos. Em dois indivíduos, SHERRINGTON secionou ademais ma mhnica emCJtiva à excitação do núcleo caudato. ll:ste não é, pois,
os dois pneumogástri cos. Dessarte, o cérebro achava-se mi{is ou me.'. urn centro da emoção. A teoria central de PAGANO não tem, portanto,
nos completamen te isolado, e Inca.paz de receber os influxos centrí- mais fwldamento que a teoria periférica. Enfim, ·relativa.mente ao
petos. É a Isso que se chama apestesla, Isto é, ausência de sensibi- papel das sensações viscerais, novas experiências (injeções de curare
lidade aferente. no núcleo caudato de dois cães apestesia.dos, seguidas de fenômenos
de furor num e de pavor no outro) provaram que as sensações vis-
1:_ratava-se sempre de julgar da presença ou da ausência de . cerais não são necessárias à produção dos fenômenos emotivos.
e~oçoes segundo a mímica dos animais. Ora, verificou-se que êsses
arumais conservavam intatas tôdas as manifestaçõe s emotivas. «Não
pud1:_mos observar>, escreve BHERRINGTON, «nenhum vestígio de dimi-· G Texto citado por J. DE LA V AISSIERE, Etéments de PS11chotogie ex-
nuiçao ou de mudança no caráter emotivo do animal. Todos os que périmentcile, pág. 236. ·
;~:
' (·'.

,.
:1
.. 1.f 356 PSICOLOGIA EMOÇÕES, SENTIMENTOS E PAIXÕES 357

r § 3. CONCLUSÕES 4. Teoria. psicofisiológica. Impossível é, pois, duvidar


do papel determinante das representações nos fenômenos afe-
944 1. Resultados das e:x;periências. As exper1encías que tivos. 1!:sses fenômenos são deflagrados por percepções, i:,.1a-
acabamos de referir permitem concluir que a teoria fisiológica gens ou lembranças. Mas não são fenômenos ,_;,uramente psí-
é falsa sob tôdas as suas formas: visceral (visto que se podem quicos. Consistem essencialmente em movimentos afetivos,
realizar emoçõ'és malgrado a interrupção das vias nervosas cuja sede orgânica deve ser situada no córtex cerebral e, mais
-entre as vísceras e o cérebro), central ( visto que o córtex precisamente ainda, para alguns dêles, no núcleo caudato, --
,cerebral aparece como um centro motor da mímica) e peri- e em reações orgânicas, das quais o sujeito toma consciência
férica (visto que as modificações orgânicas aparecem como por sensações cenestésicas. Estas sensações são a conseqüên-
posteriores ao fato psíquico) . 6 cia, e não a, causa, da emoção, e parece que por elas é que se
torna consciente a emoção. Tal é a explicação psicofisiológica
sugerida por tôdas as experiências. 7 Quanto à explicação fi-
,.
2. Reações inemotivas. Uma série de observações con-
cerne aos fatos de reações somáticas de idêntica natureza que losófica dêsses fenômenos, já se vê que ela só será possível
1 aquelas pelas quais se manifesta a emoção, e que entretanto se se admitir a realÍdade de um principio único dêsses fenô-
não comportam nenhum caráter afetivo. Assim é que o arre- menos a um tempo psíquicos e orgânicos.
pio produzido pelo frio se assemelha ao arrepio do mêdo; uma
marcha rápida acelera o ritmo cardíaco exatamente como o ART. III. FUNÇÃO DOS ESTADOS EMOTIVOS
faz a cólera. Mas, nesses casos, não há nem mêdo nem cólera.
Do mesmo modo, a injeção de adrenalina no sangue provoca 946 A questão da finalidade dos estados emotivos acha-se
um estado geral de superexcitação que, no testemunho de todos constantemente formulada em função da emoção-choque, que
os indivíduos submetidos à experiência, nada tem de comum aos psicólogos sempre pareceu constituir uma espécie de mis-
com uma emoção autêntica. tério, em razão da desordem afetiva e orgânica que supõe.
Por outra parte, é certo que os mesmos fenômenos orgâ- Entretanto, se é verdade que emoções e sentimentos são fun-
nicos se encontram em emoções de qualidade totalmente di- damentalmente idênticos e só diferem em grau, razão há para
ferente: o pavor, a cólera, a alegria e a tristeza assemelham-s,e pensar que as duas séries de fenômenos explicar-se-ão da mes-
fisiologicamente em muitos pontos-de-vista. ~ste conjunto de ma maneira e corresponderão, em graus diversos, à mesma
fatos confirma os resultados das experiências: os f en-0men-0s finalidade.
orzânicos nâ<' têm, por si mesmos, caráter emotivo. § 1. TEORIA MECANICISTA

945 3. Observações de psicopatologia. Essas conclusões ne- Muitos psicólogos, por não poderem descobrir uma fina-
gativas são confirmadas por várias observações de psicopa- lidade para a emoção, ou por hostilidade sistemática a tôda
tologia. JANET notou numerosos fatos que provam a relação noção de finalidade, têm procurado explicar adequadamente
existente entre as emoções e as representações. Caso típico êsse fenômeno mediante a ação de fatôres mecânicos.
é dos histéricos afetados por uma anestesia completa da pele
e das vísceras, e que, não obstante, experimentam emoções 1. Desordem emocional. Já fizemos notar os sinais jun-
violentas (Névroses et Idées fixes, t. I, pág. 345). Por outra tamente psíquicos e orgânicos da desordem emocional, que em
parte, consigna aquêle autor que nas neuroses há uma espécie geral cria um estado de inadaptaç.ão às circunstâncias, cujas
de conexão entre a emotividade e a cenestesia inferior, o que conseqüências podem às vêzes ser funestas. E' o que se obser-
é inconciliável com a teoria periférica (ibidem, pág. 112).
7 Esta tese não há por se confundi-la com a teoria cerebral ou central
de SOLLIER (Mécanisme des émotions, Paris, 1905), que tem um sentido
6 Cf. H. PlÉRON, Journat de Psycho!ogie, VII (1910), pág. 443: "Des- claramente fisiológico. Com efeito, SOLLIER considera que a emoção não é
sas experiências GEMELLI conclui que tôda teoria periférica é absoluta- senão a atividade cerebral difusa derivada para os nervos motores. 11:ste
mente contradjtada por suas experjêndas fisiológicas, e creio . que, e!eti- ponto-de-vista não difere do de PAGANO. A emoção é "penas um fe•
vamente, será difícil que e.ssas categorias ditas "fisiológicas" levantem a nômeno fisiológico. O papel determinante do psiquismo da representação
cabeça após o golpe que lhes vibrou êsse conjunto de dados novos". ai se acha ignorado.
PSICOLOGIA EMOÇÕES, SENTIMENTO S E PAIXÕES 359
358

va a propósito das emoções violentas. Mas, a nos atermos aos A. Ex.plfoação dos fatos
senti1nentos, faz-se observar que a maioria de suas manifesta-
ções parecem carecer de utilidade. Em particular, tudo o que 1. Componentes dos estados afetivos. Vimos que os es-
é da alçada da mímica só tem interêsse social, e apenas serve tados afetivos requerem três elementos : uma representaçã o,
para advertir os outros do curso de nossa vida afetiva. Utili- que coloca o sujeito ante uma situação dada e exerce função
dade secundária e extrínseca, que, aliás, longe está de ser per- de estímulo; sensações orgânicas, e reações 'motoras (atração
feita, visto que, sendo a mímica dos sentimentos dependentt! ou repulsão, prazer, dor ou pena), reações ligadas às sensa-
em grande parte da vontade, só tem importância relativa. ções orgânicas, mas que com elas se não confundem.
Podem-se explicar os estados emotivos com êsses três ele-
2. As descargas nervosas. Melhor seria, pois, acrescen- mentos? Parece que não, pois não bastam para explicar a
tam os teóricos do mecanicismo, renunciar a descobrir uma fun- . passagem da representaçã o aos fenômenos orgânicos e às rea-
ção, isto é, uma utilidade real, para as emoções e sentimentos, ções motoras. Não padece dúvidas que essa passagem implica
e explicá-los mecânicame nte por descargas nervosas e pelas a ação de um dinamismo, pois se produz em virtude de um
reações musculares que produzem. A emoção seria uma des- impulso, que vai traduzir-se em movimentos de atração ou de
carga maciça da energia nervosa em direção à periferia, uma repulsão. Deve, pois, haver wm quarto elemento em todo f e-
espécie de inundação, que, em virtude do volume extraordiná- nômeno afetivo, elemento dinâmico que só pode ser o instinto.
rio de energia posta em movimento, em vez de seguir as vias De fato, todos os testes referem-se ao funcionamen to dos ins-
previamente definidas ou as agulhagens marcadas pelos homo- tintos ('no sentido lato da palavra), aos quais se referem as
cronismos ou sintonizações ( I, 49 9), distribui-se de qualquer reações motoras. Verifica-se, aliás, no mesmo sentido que,

l maneira através do organismo e por essa razão provoca rea-


ções anormais e incoerentes. 8
ordinàriame nte, nos servimos dos mesmos têrmos para desig-
nar o sentimento e o instinto corresponde nte (ter mêdo, estar
em cólera, ter fome) : nosso estudo do instinto frisou essa
Tudo deve ser, pois, explicado do ponto-de-vis ta quanti-
tativo. O sentimento é uma reação motora dirigida por uma união do instinto e de sua emoção especifica.
distribuição regular e calma de energia nervosa. A emoção
é uma reação motora irregular e brusca produzida por uma 948 2. Função do instinto. E' unicamente pela função
irradiação maciça de energia nervosa. Os estados emotivos do instinto que se explicará como é que um fato representa-
não são, pois, feitos para algo determinado . Podem, porém, tivo provoca um estado afetivo e tal estado afetivo. Um es-
servir para alguma coisa: sua utilidade, aliás med.íocre, é tado afetivo só existe realmente quando uma representação
apenas o uso que dêles se pode fazer, individual e socialmente, deflagra o complexo biológico que define U1n. instinto dado.
um resultado e não um princípio. Não há nêles finalidade. Há Sem a atuação do instinto, o estado emotivo não teria sentido
somente mecanismos. algum.
Isso é evidente sobretudo quando há desproporçã o entre
§ 2. TEORIA BIOLÓGICA
a representaçã o e o estado afetivo. Escorregar, sem cair,
sôbre uma casca de laranja, ouvir inopinadam ente uma deto-
847 O mecanismo nunca é uma explicação, por não ser uma nação longínqua, são fatos às vêzes transtornan tes somente
causa real, mas um efeito (1, 869-970, 471),. Esta observação
impõe-se de nôvo aqui. Se a emoção é uma tempestade e uma pelo complexo biológico ("instinto de conservação ") que põem
inundação, e o sentimento uma distribuição regular e mode- em movimento. Assim, também, o magistrado em traje de
rada de energia nervosa, resta saber por que a emoção é essa grande gala que, numa cerimônia, desvia-se da cadeira e se
inundação e o sentimento essa tranqüila distribuição. Pelo senta no chão (sem nada sofrer) torna-se prêsa de imensa con-
mecanismo sabemos como as coisas se passam, mas não por fusão, que não tem proporção com o gesto desastrado e ino-
que assim se passam. E' esta última explicação que a teoria fensivo, mas explicável a um tempo pelo perigo de uma tal
biológica dos estados emotivos quer proporciona r-nos. queda e pelo ridículo da sua situação ("instinto de excelên-
cia"). Já o garoto a quem sobrevém igual desventura, mesmo
in Journal de
se de algum modo se machuca, não deixará de rir dela gosto-
8 ct. L. LAPICQUE, "Nouvelle théorie de l'érnotion",
Psycllo!ogie, 1911, pág. 7.
samente, por não funcionar nêle o instinto de excelência.
EMOÇÕES, SENTIMENTOS E PAIXÕES 361
360 PSICOLOGIA

3. Va.~ões dos estados afetivos. A presença do ele- não dependem somente, nem mesmo principalmente, dos fatos
mento instintivo em todo estado emotivo pode também expli- externos, mas também das disposições inte7:1-as. Todo estado
car as variações que sofrem nossos sentimentos no correr da afetivo implica, ao menos por contraste, vários dos fatôres que
vida, bem como as diferenças individuais que se notam nos comandam o estado seguinte, que se apresenta como uma rea-
estad~s afetivos. Tudo depende da atividade instintiva. A , ção relativamente ao precedente. Daí o fato de tôda alegria
evolução, natural ou acidental, das tendências (811-313) no comportar um elemento de dor e invérsamente, e de se rea-
mesmo indivíduo lhe é re1 élada pelo fluxo e refluxo de scw; lizar um equilíbrio relativo da vida afetiva, que não é o re-
sentimentos. Por outra parte, um mesmo estímulo (a notícia sultado da permanência de um sentimento determinado, mas.
de uma sorte ganha na. loteria) produz reações motoras com- de um jôgo constante de ação e de reação. Os sentimentos
pletamente diferentes segundo os indivíduos, quer dizer se- de fadiga, de tédio, de inquietude, alegria, fôrça, segurança e
gundo as tendências que lhes dominam momentâneame nte o êxito, longe de se fixarem, alternam-se segundo um ritmo tran-
psiquismo. qüilo e, por essa alternância, regularizam o curso da vida psí-
quica. Se um dêles se instala e dura com exclusão dos outros.
B. Função reguladora dos sentimentos aparece uma enfermidade (melancolia, exaltação mórbida, ma-
nia, obsessão, etc.). No homem normal, sem dúvida, um sen-
349 Podemos doravante compreender a função dos sentimen- timento fundamental pode durar e dura habitualmente, dando
tos, que é de regular e estabilizar a vida psíquica e a ativ•idade o tom ao conjunto da vida afetiva; · mas acha-se submetido a
prática. contínuas variações de matiz e de intensidade.

1. Regulação da atividade. A atividade humana é pro- Bem entendido, êsse processo de oscilação nada tem de comum
com a Instabilidade da, vida afetiva, em que um estado afetivo l'lUnca.
digiosamente complexa. Todo um jôgo de ações e de reações chega a rematar-se e a influir n~ conduta antes de ser _:1ubst~tuido
produz-se por efeito dos elementos múltiplos e diversos qlle :por outro sentido contrário .. Há ai um caso de desagregaçao 11s1qu,Ica
constantemente vêm integrar-se na vida psíquica: p"rcepções, de natureza claramente patológica (P. JANET, De l'angoisse à· l'ell:tase~
imagens, idéias, lembranças, crenças, sentimentos, inclinações, t. II, págs. 616 e segs.) .
prazeres e penas, etc. Neste conjunto, os estados afetivos é b) Equilíbrio afetivo. Daí se segue que os sentimentos
que desempenham o papel principal. Uma situação nunca é
não só têm um papel regulador da vida psíquica, mas são essen-
para nós simplesmente um dado representativo, mas uma coisa
cialmente auto-reguladores, regulando cada sentimento o jôgo
ligada às nossas tendências e inclinações. Daí as reações di-
versas com que a consideramos. Pareça-nos um ato fácil e dOB outros sentimentos. A reação emotiva é seguida de uma
agradável, executamo-lo com alegria e disposição; apresente-se espécie de oscilação que provoca, conforme o caso, a acelera-
como difícil, acima das nossas fôrças, contrário a nossos gostos, ção ou a freagem, e que assim contribui para fixar a ação numa
e para logo manifestar-se-á uma influência inibitória. E' o espécie de média favorável. 0
sentimento que ora favorece e ora refreia e paralisa a ação, Pode êsse estado médio de equilíbrio ser mantido? 11:le
sendo, assim, evidente que é regulador da atividade. reclama certo grau de bem-estar físico, em que a ação ·das
glândulas de secreção interna intervém amplamente. Reclama
2. Aut.o-r!'gulaçâo afetiva. Esta concepção permite ex- sobretudo um método de vüia afetiva que tempere, ordene e
plicar ·que os sentimentos mudem tanto e tão ràpidamente. dirija as manifestações do instinto. Mas por aí tocamos no·
A razão disso está no processo de adaptação do indivíduo às domínio da moral.
·situações constantemente novas em que se acha. :tsse pro-
cesso exige perpétuos ajustamentos, e teria andamento brusco
e febril se fôsse unicamente comandado de fora, pelas contin- 9 Cf. A. GEMELLI, ContTibuti de! Labo,-atodo di Psicotogia, V, pági-

gências ela vida de relação. De fato, é de dentro que se efetu.1 nas 160 e segs. P. JANET, toe. cit., II, pág. 643: "Há nos sentimentos normais
urna complexidade variável, que se opõe à simplicidade forte e duradoura-
sobretudo êsse processo de regulagem, que assume a forma de dos estados patológicos Sem exagerar o paradoxo, tem-se vontade de dizer
uma oscilação permanente. que, para observar verdadeiramente inquietudes, fadigas, tristezas ou ale-
grias, é preciso ir observar doentes; o homem normal só nos apresenta
a) Oscilações afetivas. ~sse mecanismo de oscilação esboços de sentimentos. Tão verdadeiro é isto, que os filósofos foram
compreende-se bem quando se pensa em que os estados afetivos levados a falar do sentimento de indiferença da vida normal".
362 PSICOLOGIA EMOÇÕE S, SENTIME NTOS E PAIXÕES 363

C. A emoção que parecem inúteis, na realidad e é ao mesmo tempo uma


energia nervosa que se esgota por sua difusão orgânic a e um;-
950 1. Problem a da emoção. Se as observa ções que prece- tristeza que se acalma por suas própria s manifes tações. Com
dem se aplicam bem aos sentime ntos, podemo s pergunt ar-nos muita razão se diz que "as lágrima s aliviam ".
como con_vêm às emoções fortes, que absoluta mente não pa-
rece servi7em para regulari zar a ação. Ao contrárk>, parece Ademais, as emoções, por sua forma e intensida de, podem servir
se~ produzi rem qu~nd? . falta ou é impossível a adaptaç ão: 0 para nos informa r sôbre o estado de nossa vida instintiv a. Muitas
e sus-
vêzes, são uma revelaçã ô para aquêles que as experim entam,
medo e a cólera sigmflc am sobretud o a impossi bilidade atual cetíveis, a êste titulo, de impor o recurso a uma terapêut ica, física
de se adaptar a uma situação externa . Desordem mental de- ou moral, destinad a a retificar ou ordenar o jõgo da vida psicológica.
ficiência motora, a emoção parece ser o contrário de u1n Íenô- Ademais, mesmo do ponto-de -vista objetivo, convém não exage-
meno regulador. Há aí um problem a que convém examina r. rar a inadapta ção das reações emocionais. Não raro a emoção co-
Para êle têm sido propost as numero sas soluções que po- meça por um choque, com reações desorden adas. Mas a tendênci a
com-
a se readapta r manifest a-se pouco a pouco, e restabele ceo um
deremos reduzir a dois tipos opostos, a saber: de un{ lado as portame nto mais edequado à situação . Aliás, já desde inicio, a
soluções consiste ntes em mostrar que, por alguns de seus' as- multiplic ação dos motJimentos pela agitação difusa substitu i a
qua-
pectos, a emoção conserv a, sob sua desorde m aparente uma
-
lidade peia quantida de e proporci ona à reação útil uma, oportuni
finalida de própria ; e, de outro lado, as soluções que co~side- dade de se produzir .
Assim, conclui-s e, 10 _a emoção é também uma regulação. Como
ram a emoção como uma desorde m real e como a ruptura de o sentimen to, ela é uma reação regulado ra da ação, porém primitiv a
uma ordem normal. e brutal, em virtude de sua ligação imediata com o instinto. li: o
que explica sua freqüênc ia nos sêres instintiv os, animais, crianças ,
anormai s, não-civil izados; e, ao contrário , sua. raridade eosseu as-
2 . . Teoria instinti~ista. _Sob êste nome podem-s e agrupar e mor-
pecto incomple to no adulto normal, que os hábitos adquirid
as teon~s que, de maneira mais ou menos estreita , se inspiram mente a influênc ia das regulaçõ es superiore s dispensa m do processo
nas teorias de DARWIN (L' expression des émotions trad. fran- primitivo da explosão emocional.
cesa, Paris, Reinwal d, 1877). '
b) A tese instintiv ista explica bem a inten-
Discussão.
a) Exposição. A tese instintiv ista faz praça de duas emotiva s. Mas não explica a desordem
sidade das reações
ordens de observa ções, destinad as umas a estabele cer a rela- emocional. A intensid ade, com efeito, não é fonte necessá ria
ção da emoção com .o instinto , e outras a mostrar como a de desorde m psíquica : há sentime ntos e paixões poderos os e
emoção cumpre uma função ú.til.
perfeita mente ordenad os e adaptad os (339). A questão é,
Do primeir o ponto-d e-vista, nota-se que se os fatos afe- pois, de um lado, saber por que as reações emotiva s são tão
tivos só podem explicar -se adequad amente c~m referênc ia aos pobrem ente adaptad as e tão desorde nadas; e, de outro, deter-
instinto s e às inclinações que manifes tam, há entretan to que minar se a adaptaç ão que se realiza no seio do processo emo-
fazer uma distinçã o conside rável entre os sentime ntos e as tivo é mesmo obra da própria emoção, e não, ao contrári o,
emoções~ Estas são reações instintiv as elementares, ao passo uma conduta oposta à emoção e com ela incompa tível.
que os sentime ntos são reações complexas, ligadas também ao,;
Esta última opinião parece ser a mais plausíve l. Por-
instinto s, mas por intermé dio das inclinaç ões e dos hábitos
quanto, se a conduta útil e aàaptada s6 se restabelece à me-
adquirid os, e mais ou menos sujeitas às regulaçõ es superio res dida que a emoção se acalma, isto parece implicar que a adap-
da inteligê ncia e da vontade . Explicar-se-ia assim por suas
tação não pode coexistir com a desordem em_ocional. Sem
raízes biológicas, o caráter explosivo e desordenado das reações dúvida, sempre se pode observa r, na própria emoção, a exis-
emotivas.
tência de certa regulaçã o instinti va: mas, no caso, esta asse-
Do_ se?'undo ponto-d e-vista, há que notar, dizem, que, se melha-s e bastant e ao destroço que sobrena da após o naufrág io.
a e~oç~o e pobrem ente adaptad a, não deixa de ter, subjetiv a .....
Quanto a conside rar a emoção como uma "válvul a de segu-
e o~Jetiva!Il~nte, uma função útil. Há, com efeito, uma adap- rança", isto equivale a só lhe atribuir uma finalida de pura-
taçao subJetiva, que a emoção contribu i para realizar enquan- mente acidenta l, e que longe está de se verifica r em todos os
to, muitas vêzes, de alguma sorte serve de válvuki 'de segu-
rança para uma energia nervosa que, acumula da nos centros
c~rebra is, aí criaria um estado de tensão perigoso . Uma dor IO CH. BLONDE L, Revue de Métapli11sique et de Morale, outubro
de
v10lenta, que se traduz em gestos, em gritos e em lágrima s, 1933, pág. 528.
.. EMOÇÕES, SENTIMENTOS E PAIXÕES 365
364 PSICOLOGIA

pulso a vida do espírito, e, com isso, determinar essa desor-


cas~, P<:is f7:eqüentemente suce~e ~ue a emoção nã8 provoqua dem geral que, na consciência que dela toma o sujeito, se
ª.
agitaçao dif7:sa 1,ue se lhe atribui, e que, muito pelo contrá-
chama emoção.
r10, tenha efeitos estupefacientes" e, como ela, aumente pe-
rigosamente a tensão nervosa, em vez de atenuá-la. E' certo· c) Transtôrno da representação. Por aí se apreende o
que "as lágrimas aliviam", mas isto, sem dú.vida, é justa- papel que desempenha a representação, cuja desordem é pro-
!
mente ~elo ato de a~si~alarem a vitória de um pr0cesso de: vocada por aquilo que aparece como um perigo ou uma ale-
~daptaçao so?re_a propr ia emoção, que antes estanca, quando gria que se está realizando. Todavia, há que explicar esta
e forte, a propr1a fon t e das lágrimas. própria aparência. Podem-se descobrir para ela três espécies
~iz-;s~ que, ao multiplicar os gestos de reação, a emoção dà à, de razões. Primeiro as circunstâncias, que muitas vêzes têm
reaçao util uma oportunidade de se produzir. Mas nem sempre tsso, uma importância capital (o caçador surpreendido num bosque
é ~xa~, e em to~~ caso não deixa senão um caráter puramente for- por uma fera ; o anúncio do número sorteado com o grande
twto a conduta util. ~ode-se, porém, ir ainda mais lon 6e e coBtestar prêmio da loteria, e que se acha em nosso poder). V em em
todo valor de adaptaçao às emoções propriamente ditas. Sôbre isto seguida a superavaliação dos fins afetivos, a qual funciona
LARGU~ I>ES BANCELS (Nou'!?eau Traité de Psychologie de DuMr,,s:
t. II, _pag. 536) c~m justa razao faz observar que as reações do mêdo e cada vez que a vida está em jôgo. Há, finalmente, e sobre-
da colera (que sao emoções-tipos) são tão mal adaptadas, que O mê- tudo, a imaginação, capaz de produzir essa espécie de delírio
do, l<;,m~e de favorecer a fuga, impede-a ou desvaira-a, inibindo-lhe pelo qual o homem chega a considerar como próximos, e mes-
o exerc1cio do «instinto de fuga:,,; e que a cólera favorece tão poucry mo imediatos, os acontecimentos que o interessam gravemente
e defe~a ou o ataque, que suprime o domínio de si, que é a primeira
condiç~o de um_a luta eficaz. Nessas condições, como poderíamos (por exemplo, o momento da morte). 11
ide::.,itif1car emoçao e instinto? As condutas instintivas são orãenaãa8' Tais são as causas que, agindo, por mais ràpidamente que
e calmas, a9 passo ru,e as condutas emotivas são incoerentes e, as· seja, sôbre a representação, provocam o transtôrno psico-orgâ-
mats v~~. nocivas. Por fim de contas, a emoção seria, pois, nico a que se chama emoção, e que é propriamente a consciên-
mais propriamente <a forma malograda do instinto~. cia da inadaptação total em que se encontra o sujeito face ao
acontecimento que o surpreende. A emoção poderia, pois, ca-
851 3. A emoção, a f ~ desorganizadora. ra<:terizar-se brevemente como "a agitação de um espírito ex-
cedido por seu corpo" (PRADINES, loc. cit., pág. 133).
a) A emoção-desordem. Está-se vendo com que dificul-
dades topa a tese instintivista, e como é difícil descobrir na
emoção outra coisa senão um afeto desorganizador. E' 0 ART. IV. A LINGUAGEM EMOCIONAL
ponto-de:vista defendido por M. PRADINES (Psychologie géné-
rale, I, pags. 682 e segs.), para quem a emoção é essencialmente 95'2 Mais acima estudamos as reações emocionais. Ternos
a consciênc!a de uma desordem que compromete gravemente a.gora que considerá-las somente como sinais ou linguagem.
as perspectivas de conduta correta e oportuna. A êste título
ª. emoção, de~ordem da representação, opõe-se a fundo ao sen~ 1. Origem das reações emocio~is siste~a~. Te11:1-
timento, que e um afeto regulador. Ela é a ruptura brutal de se perguntado como explicar as reaçoes emoc1ona1s s1stemat1-
uma ordem dada ou prestes a se constituir e não faz senão zadas, isto é, que servem de sinais ou linguagem próprios das
tradu~ir, ~sicolõgicamente, a consciência do transtôrno qt\s diferentes espécies de emoções e de sentimentos. Será na-
afeta 1rres1stiyelmente o sujeito. "-. tural ou convencional essa linguagem?
DARWIN recorreu à explicação evolucionista. A lingua-
, b) As causas da desordem emocional. Resta explicar a gem emocional seria a sobrevivência de gestos outrora úteis,
propria desordem orgânica. Porquanto absolutamente não se mas já agora desprovidos de valor: os gestos da cólera, por
trata de voltar às teses intelectualistas. A desordem é um exemplo (cerrar os punhos, gritar, gesticular, ameaçar, etc.)
fato real, de natureza psicofisiológica, e, como tal, deve ter não passariam de sobrevivências da atitude do homem que se
uma ca_iISa. Ora, e_sta só pode consistir na aparência que o lança sôbre seu inimigo ou da fera que se precipita sôbre sua
aco~tec1men,to emoc10nante reveste, de estar não só iminente,
sen~o.. tambem em ato mesmo de se realizar. Esta "apresen- 11 In,;,ersamente, é possível que o sangue-frio prodigioso de certos In-
taçao brutal do_ acontecimento tem por efeito substituir pelo divíduos perante a morte se deva somente a uma imaginação pobre.
reflexo a reflexao, pelo automatismo a memória, e pelo im-
EMOÇÕES, SENTIMENTOS E PAIXÕES 367
366 PSICOLOGIA

prêsa. 12 Esta explicação é insuficiente. Primeiro, nada é mente inteligíveis a nossos vizinh~s e familia!es _?U a nos~o;-:;
menos certo do que a inutilidade de nossas reações emocionais. concidadãos, podem às vêzes susCitar a admiraçao ou a 11!'-
Sem falar de seu valor social, que é evidente, são o resultado, comprPensão dos estranhos. A~é certo ponto, pod:-se pois
como se viu (347), da atividade dos instintos, que elas expri- admitir, ao mesmo tempo, que_ ha 1!''":ª 1!:oda da em~çao _e uma
mem e traduzem. Não são, pois, hábitos adquiridos, mas sim transformação contínua, por simphflcaçao ou comphcaçao, dos
,
sinais emocionais.
' ' 13

/ formas naturais e inatas da vida afetiva. E' o que explica


sua constância específica. 1 I

I 4. Interpretação dos sinais emocionais. Como se com-


(
853 2. Fun~ da analogia. Pode-se, aliás, admitir em parte
854
7
preende a ling~ag~m emocional .os ~scoceses_ (D. STEWART)

/ a influência, na linguagem emocional, da analogia e da imi-


tação. WUNDT insistiu neste ponto, exagerando grandemente
falam de um instinto, que seria mfahvel. Nao. se. pode, _en-
tretanto, ver aí uma explicaçã~, porquanto, se mstmto ha, o

/ a influência dêsses dois fatôres. ll:le observa que emoções de problema é de saber como func10na. . , . . , .
natureza tão diferente como a náusea e o desprêzo exprimem- ÀS vêzes · tem-se feito a pêlo a uma ~nf erencia implicita,
se mediante reações do mesmo gênero. A maioria dos senti- fundada na analogia, dizendo que, se a criança, por exemplo,
J mentos vão, assim, tomar a sua expressão de emoções físicas compreende O sentido das lágrimas, é porque as chorou qua~do
I
./ análogas. ll:stes fatos são certos, e deve-se reconhecer que freu. A criança que nunca houvesse chorado nem sofrido
:~ria incapaz de dar um significado às l~grimas. . Por con-

j
/ a analogia entre as duas ordens pode levar a adotar emprés-
timo, para traduzir um sentimento, das formas da linguagem qüência compreender a linguagem emoc10nal seria sempre
emocional. De fato, a linguagem falada não cessa de operar ~eresultado ou de uma experiência atual da e!-11oção, ou_ de uma
essa transferência: o têrmo desgôsto, que é de origem senso- experiência precedente guardada na me~ória. . ~as isso tem
rial, aplica-se correntemente a comportamentos morais. Assim, suas dificuldades. Esta opinião, com efeito, dificilmente vale
também, de um projeto se diz que é atraente, e, de uma idéia, para O mundo animal: nenhuma inferência é conc~bí~e~ no.~
que é estupenda, etc. Todavia, seria falso daí deduzir que os ·-nis que além disso apreendem de chofre o significado
an1.,,...., , , ' p tra parte
sentimentos 'morais f or.am buscar sua expressão nos reflexos das reações emocionais de seus congeneres. or ou . ,
A

emocionais. Sabemos, com efeito, que todos os sentimentos com- será necessário haver chorado para apreender ? sentido ~as
portam certamente alguma organicidade, reações fisiológicas lágrimas, ou haver rido Pª:ª compre~nder o sAentido da mímica
e cenestésicas (336-887) que, como tais, implicam atitudes e do riso? o contágio emocionai, que e espontân~o, ~~rmal~en-
mímicas expressivas mais ou menos assinaladas. A analogia te basta para ligar o sinal emocion.al c~m significado, ISto
de ambas as ordens é fundada na identidade fundamental das é, para criar O complexo sina!-co.1sa-s~gnificada. Em . sun_ia,
emoções e dos sentimentos (389). em razão mesmo da corresponden~ia existente e~tre ! v~da m-
terior e a exterior, não há necessidade nem de infer~ncia nem
3. Influência. da imitação. Quanto à imitação, tem ela de interpretação para comJ[>1'eender os estados af e~ivos, p~los
papel sem dúvida importante, mas só no emprêgo de certas sínais emocionais: êles são apreendidos na própria mimica,
formas de expressão acidentais. De feito, é certo que as rea- que lhes é o aspecto visível.
ções afetivas, máxime na ordem dos sentimentos, variam em Resta, entretanto, urna margem de interpretação, desde
alguma medida de um indivíduo para outro, de um povo e de que se ultrapassam as emoções el:mentare~.. Todo mundo
uma raça para outra. Certos gestos, pela imitação, tornam- compreende a mímica da dor, mas nao :n~cessana~ente certas
se habituais a urna família ou a um meio determinado. Não mímicas caracteristicas de dores especiais. Aqm, para com-
cessamos, até nesse domínio, de nos imitarmos uns aos outros preender é preciso haver experin;entado. ou, p_elo men~s, como
e as particularidades de nossas reações emocionais, perfeita~ no caso do médico, haver aprendido a discermr o seJtido P:e-
ciso dos sinais. Enfim, sendo específicas as emoçoes, a lin-
12 SPENCER abunda neste sentido. Para êle, os fenômenos viscerais
da angústia não são senão um eco da maneira como nossos antepassados 13 Sabe-se que os cegos têm normalmente um rosto pouco expressivo
tinham de respirar quando, no combate, "sua bôca estava cheia de uma e quase não fazem gestos, em virtude de não poderem observar as mímicas
parte do corpo de um inimigo de que se haviam apoderado". MANTEGAZZA dos que vêem claro.
afirma que o tremor do mêdo tinha por fim reaquecer o sangue.
EMOÇÕ ES, SENTIM ENTOS E PAIXÕE S 369
368 PSICOLOGIA
to
-. ao passo que a paixão é exclusiva e empre ga em seu provei
guagem emocional só se compreende bem no interio r da espécil! si se tôdas as energi as da alma.
Os cães, os macac os entend em-se entre si, como entre
-
entend em os homens. Se o cão ou o macaco podem, até
certo 3. Clas sifi~ das paixões. Sendo as paixoe s inclina
sua
ponto, compr eender a lingua gem emocio nal do homem , e o ho- ções levada s a um alto grau de intens idade e de potênc ia,
ções.
,, mem a lingua gem emocional do cão e do macac o, é em razão enume ração estará ligada à dos instint os e das inclina ou
de seu parent esro genéri co ou, se se quiser , de seus instint
os , Haver á, pois, que disting uir o grupo das paixões infepo res -
/ comuns. Em compensação, se se trata de anima is muito dis- sensíveis e o das paixões superiores ou racionais. · As primei
são- São
1
tancia dos de nós, como os insetos, suas reaçõe s emocionais ras são enxert adas nos instint os elemen tares (293-2 96). as
(' e do comer (gula e embri aguez ), -
nos muito menos inteligíveis. as paixões do beber
ins-
( paixões sexuais, - as paixões da excelência, ligada s ao
sua
/ ART. V. AS PAIX õES tinto social. Essas três paixõe s fundam entais podem porque a
é

/
vez assum ir forma s ou aspect os mui diverso s. Assim
cla-
§ 1. DEFIN IÇÕES o,vareza, que é o mêdo de ter falta do necess ário, liga-se alco-
ramen te ao instint o alimen tar. O mesmo sucede com o
I 355 , 1. Os dois _sentid~s do t,êrmo _Paixão. A palavr a paixão
stica,
olismo. A ambição (que pode atingi r um grau de exalta
instint o social. A
ção
paixão
{ e tomad a em dois sentido s assaz diferen tes. Na Escolá o" frenéti co) é uma forma eviden te do
O ciúme é um
bem como em DESCARTES, MALEBRANCHE e BossUE T, "paixã do jôgo é um aspect o da av~rez a e da cupidez.
sen- de outro dos instint os
signifi ca em geral um movim ento do apetite sensitivo, um estado passio nal depen dente de um ou

j
I
ogia
timent o ou uma emoção qualqu er, isto é, segund o a etimol um elemen tares.
da palavr a, o fato de ser afetado (ou de padecer) por O segund o grupo, ligado às inclinações racion ais (304-3 08)
e, à
objeto, e de reagir por um movim ento.ª Os morali stas
en- é ó das paixões superiores, aplica das à procura da verdad são
"paixã o" uma inclina ção tornad a predo- ão do belo, ao progre sso do bem e da justiça , que
tendem pela palavr a E'
produç
o de
minan te e que rompe o equilíbrio da vida psicológica.em a expres sões divers as de uma razão a se exerce r no sentid
també m neste sentid o que os psicólo gos moder nos entend suas finalid ades essenc iais.
paixão , e é o ponto- de-vis ta em que aqui nos colocamo,;i, tes a coisas
i!:sses reparos deveria m inclina r a dar nomes diferen
tão diferen tes como as paixões sensíveis e as paixões raciona is. De feito,
2 . Definição. A paixão só pode definir -se corretamen~ êsses grupos são especif ica.men te distinto s, e as
que respect i-
te por compa ração com a inclina ção. A pa,ixão é uma
incli- da mesma ma-
vamen te os compõ em não podem ser caracte rizadas seus efei-
nação P':ed~minant e e fixada num hábito . Está, pois, ligada neira. Não somen te suas causas são diferen tes, senãoteque opostos. St:,
a uma mclma ção, mas absolu tamen te não se confun de
com tos podem ser, e norma lmente o são, diamet ralmen que somos passivos,
a inclina ção, por sua relação mais ime- como a palavra indica, a paixão é um estado em paixão convirá mal
esta. Efetiv ament e, domina dos, arrasta dos e submer gidos, o têrmoque
algo
diata com o instint o que ela determ ina e manife sta, tem para design ar os ardores generos os e potente s ou da o espirita desen-
religião, e que
paixão . Esta é adquir ida en- v~lve a serviço da ciência , da arte, da caridad e
de inato que não perten ce à
e o um dinami smo raciona l e
quanto adita à inclina ção de que proced e uma intensi d~de sao eminen tement e o stnal e efeito de
parece m de or-
menos obra sua. Doutr a parte, voluntá rio. Sem dúvida , o sábio, o artista, o místico
uma veemência que são mais ou e es- dinário submet idos, exterio rmente , ao automa tismo tirânic o de uma
a inclina ção é, senão perma nente, ao menos relativ ament • idéia. Mas isso, no que tange ao fundam ental, não passa de pura
vontad e
tável e duráve l, ao passo que a paixão pode ter o caráte r de ilusão, porque nêles o imperia lismo da idéia é obra de uma
mutua mente , erante energia tende para o fim colimad o. A paixão
uma crise. Enfim , as inclina ções equilib ram-se que ~om persev do automQ -
s?ns1vel, ao contrár io, signific a propria mente a vitória
tismo afetivo sôbre a razão e a vontad e. ias de
"Passio est motus appetitu s sensitiv i". DES- Para fazer entrar num mesmo grupo essas duas categor
14 Cf. SANTO TOMAS :
sen~lme~tos apaixo nados, mister se faz reduzi- los à exaltaç ão de uma
CARTE S, Traité des Passions, I, XXVII: "Parece -me que geralme nte se que pa.rece haver
podem definir (as paixões ) como percepç ões, ou sentime
ntos, ou emoções inclina çao tornad a predom inante, e é bem isso lhes dar o mesmo
da alma, que re_ferimos particul armente a ela, e que
são causada s e conser- levado a linguag em, isto é, o senso comum , a inconv eniente de
vadas e fortalec idas por algum movime nto dos esp!rito
s". MALEB RANCH E, no~e. Mas essa unifica ção verbal tem o grave diferen ças
Recherc he de !a Vérité, V, c. I : "Chamo aqui paixões
a tôdas as emoções deixa~ de lado o essenci al, e de dissimu lar as profun das raciona is.
ntos extraord inários que disting uem e opõem as pa_ixões sensiveis e as paixões
que a alma sente naturalm ente por ocasião dos movime
dos esp!rito s animais no sanguen .
370 PSICOLOGIA EMOÇÕES, SENTIMENTOS E PAIXÕES 371

§ 2. h sos que sejam o avarento e o devasso em proveito de


CAUSAS DAS PAIXÕES
gen °
suas pa1
·xo-es estas nem por isto assinalam menos a anula-
, out ra c01sa
· -
356 As causas das paixões podem consistir quer no tempera- ão simultânea da razão e da vontade. nao q1:1e-
mento e nas disposições hereditárias, quer no comportamento ~em dizer os moralistas, que fazem ~8: vonta~e a c3:us~ prm-
intelectual e voluntário. . 1 da paixão , porquanto ' se o dehr10 pass10nal
c1pa , ,s1gmf1ca
b. , a
, , , da vontade livre, normalmente ..essa ruma e o ia sua
ruma , ·ta 1· ºd d
1. O temperamento. A pa1xao, como dissemos, é uma ou, ao m enos ' exigiu sua tác1 cump 1c1 a e.
inclinação levada a um alto grau de intensidade. Ora, as in-
clinações são fundadas imediatamente nos instintos, isto é, na As paixões superiores, ao contrário, caracteri~m-se por ~a
ex-altação da r<J,!;!,áo e da vontade. A vontade deve, nao raro, intervir
natureza.. Daí se segue que as paixões resultam, por um lado, de maneira extremamente enérgica e perseverante ~ara_ afa~r os
do temperamento ou das disposições hereditárias físicas e mo- divertimentos, a dispersão dos esforços, e_ dominar. as mc1maçoes que
rais. As inclinações, sem dúvida, equilibram-se mutuamente, atuam em sentido contrário. Com as mais belas disposiçoes do mun-
mas não de maneira absolutamente perfeita: na realidade, são do muitos homens fracassam na mediocridade. Outros, menos do-
tados ardem de paixões ardentes pela beleza, ~ela carldad~, ~ela
desigualmente desenvolvidas, consoante a hereditariedade e o justic'a ou pela ciência, e produzem obras magnificas. Os primeiros
temperamento físico. E' o que se nota claramente nas crian- carecem sobretudo de vontade, de método ou de perseverl!-~ça. Os
ças, que às vêzes manifestam inclinações e gostos tão precoces. outros, às vêzes, têm de, com ext!aordinária . ene~gia, ~acr:ficar sua
Daí se segue que, quando damos mais oportunidade às incli- tranqüilidade, sua fortuna, sua saude e sua vida a reallzaçao do se-q_
nações predominantes, estamos no caminho das paixões, e pode- ideal.
se dizer que estas existem em germe em nosso temperamento § 3. EFEITOS DAS PAIXÕES
físico e moral.
:f!:sse germe pode crescer sob a influência das circunstân- 958 :f!:stes efeitos interessam a inteligência e a vontade.
cias exteriores, tais como a educação, os exemplos, as freqüen-
tações. A paixão ora se· desenvolve lentamente, por cr·istali- 1. Efeit.os sôbre a inteligência. Pode-se resumi-los no
zação progressiva, ora explode como o raio e transforma de que chamaremos o "círculo passional" e a "lógica passional".
chofre tôda a orientação da vida. a) Círculo passional. A paixão tem por efeito concen-
Tôdas estas observações valem a respeito das paixões superiores trar as atividades da alma sôbre o objeto da paixão, e ao
como das sensíveis. Os heróis da ciência, da arte e da santidade me5lmo tempo suspender tôda forma d~ ati_vidade que não s~ja
trouxeram, ao nascerem, dlspo:,ições mais ou menos assinaladas, estritamente requerida pelos fins pass10na1s. Produz-se, assim,
E'Xatamente como outros são, de nascença, inclinados ao vicio, à ava- uma espécie de unificação da alma. :f!:ste efeito _é um dos maia
reza ou ao alcoolismo. Estas disposições, normalmente ao menos,
não criam nenhuma fatalidade: apenas orientam as energias da al- fáceis de verificar e dos mais explorados na hteratura e no
ma num sentido em que poderão desenvolver-se livremente. As in- teatro. Harpagon e Grandet verdadeiramente só pensam em
fluências htreditárias não dispensam do esfôrço nem (salvo os casos seu ouro. Fedra é Vênus "apegada tôda à sua prêsa". Otelo
patológicos) suprimem completamente a atuação da liberdade moral. não vê não ouve e não compreende senão o que serve a seu
ciúme.' No nivel inferior, há todos os maníacos que parece só
857 2. Razão e vontade. As causas propriamente psicoló- viverem para o que lhes afaga a mania. A paixão, nesses di-
gicas é que desempenham, em suma, o papel mais importante .. . versos casos, unifica a alma, mas empobrecend~-a, porque a
na gênese das paixões. A razão e a vontade, às quais com- esvazia de tudo o que transcende ·a ordem sen~1~el, e, nest'.1-
pete ordenar e governar o funcionamento das inclinações, de- própria ordem de tudo o que não é objeto da pa1xao. O apcii-
mitem-se de sua função de direção e de contrôle, e já não xonado gira círculo estreito das imagens que o obsidiarn,
servem senão para dar à paixão, - não raro, aliás, com enge- e já não conhece mais qualquer outra coisa, nem razão, ne:-n
nhosidade extrema, - os meios de se satisfazerem. Em vez
verdade, nem justiça. Por isto pôde-se justamente comparar
de se aplicar a inibir a paixão nascente, a desviar de seu obje-
to o curso da imaginação, a fim de se opor a seu natural de- a ,paixão a um delírio.
terminismo, a vontade deixa-se pouco a pouco suplantar pelo Nas paixões superiores, muitas vêzes tem-se a impressão de se
desejo e por suas impetuosas exigências, e. a razão torna,..sc achar ante uma espécie de monoideísmo. Não faleis de política ou
serva da imaginação passional. Por mais prodigiosamente en- de ciência a êsse músico! êle vos responderá harmonia e contra-
1 372 PSICOLOGIA

ponto. Quanto a êsse homem apaixonado de matemáticas, como


EMOÇÕES, SENTIMENTOS E PAIXÕES 373

êste ponto, conviria recorrer à dis~i~ção que f_:1-zem os mo!al_is-


haveria êle de não vos tomar como um teorema.? As lendárias dis- tas entre paixão anteceden~e e pa1xao consequente. ··Aqm s1g~
trações dos sábios, o pouco senso prático dos artistas, são efeito
dessa concentração do psiquismo, que às vêzes lhes dá algo de estra- nificaria que, se a vontade, antes que esteja forma_:da a P°'.ixão,
nho e de cômico. Há, pois, em certo sentido, empobrecimento. To- trabalha sempre de alguma maneira para favorece-la e alimen--
davia, êss(;l empobrecimento, em realidade, é um enriquecimento, tá-la depois já não tem senão uma função aparente e decora-
porqui é em benefício das funções superiores e de uma a.tivjdade in- tiva.' De feito, doravante .ela está passivamente submetida à
telectual mais intensa. No plano das próprias atividades naturais, violência impetuosa do desejo, que (com uma consciência de
é também certo que «quem perde sua vida a ganha».
má-fé) os apaixonados muitas vêzes designam como uma -~on~
b) A lógica passional. Muitas vêzes atribui-se à pa1xao tade superior à sua. As paixões, portanto, só chegam a domma r
o efeito de produzir uma ativação da inteligência. A paixão, a alma pela abdicação da vontade.
diz-se, unificando a alma, permite à inteligência consagrar-se
tôda inteira e exclusivamente aos fins que persegue. O Cllpai- Ao contrário, nas paixões sttperiores, as energias da alma é que
sii acham exaltadas, primeir_? porque a paixão não _pode desenvo_l-
xonado rediza, com frecpüência , prodígios de engenhosidadc, ver-se e afirmar-se sem esforço e mesmo sem hero1smo, e, depois,
pelo fato de concentrar sua atenção sôbre o mesmo ponto, com porque não pode manter-se nem sustentar-s~ ~enão mediante uma
uma perseverança que não recua ante obstáculo algum nem co- tensão extrema da vontade. As grandes pai:xoes reclamam o dom
nhece outro interêsse senão o da paixão. total do homem.

Estas idéias traduzem fatos certos. Mas, para lhes dar 960 3. Problema da finalidade das pa.IXoes. Os psicólogos
seu verdadeiro sentido, cumpre notar que, nas paixões sensí- perguntam-se para que servem as paixões, e às vêzes respon-
veis, a intel-igência , realmente superativada, escapa ao con- dem que têm por função biológica geral reforçar os instintos
trôle da razão. Foi isso mesmo que RIBOT quis dizer ao falar de e as inclinações. Mas esta resposta é demasiado vaga, e encerra
., uma lógica dos sentimentos ou lógica passional, quer dizer, de
muitas dificuldade;). Porque se trata de saber é se a exaltação
uma maneira de inventar ou de dispor os argumentos e condu-
/
zir os raciocínios que visa a obter, não as conclusões exigidas mórbida de uma inclinação, se o transtôrno e as perversões que
pelas premissas, mas sim os resultados ditados pela paixão, as paixões introduzem no funcwnamento dos instintos, respon-
sem nenhuma preocupação de coerência ou de verdade. O apai- dem de alguma maneira ao voto da natureza. Os animais, que
xonado é geral:::-iente um raciocinador desvairado, mas só racio- não têm paixões, possuem instintos mais bem regulados.
cina para justificar de antemão ou posteriormente sua paixão; De fato, só se poderá resolver o problema da função das
e, como que por milagre, todos os argumentos redundam nessa paixões na vida humana distinguindo de nôvo entre paixões
justificação. Mas também se vê que, nesse caso, o têrmo ló- sensíveis ou inferiores e paixões racionais ou superiores. É,
<Jir(isó pode servir para designar a submissão pas.iha ri um mesmo, aqui que se revela de modo o mais nítido a diferença
simples determinsimo psicológico, onde os "ora" e os "logo" essencial que tivemos de fazer entre elas, porque, se as pai~ões
que intervêm com abundância não servem senão para dissimu- racionais têm uma finalidade certa, as paixões sensíveis só po-
lar a desorientação da razão e do bom-senso. dem ser caracterizadas pela desordem que produzem na vida
Nada de semelhante nas paixões superiores, onde a inteligência, liumana.
sobreativada também pela própria intenstdadle ào sentimento, só se
exerce nos limites de uma razão exigente. :t impossivel que se cho- a) Desordem passional. Se é verdade que as paixões sen-
quem com as leis morais ou com as exigências da verdade e da jus- siveis são desregramentos da afetividade, não em virtude de
tiça, das quais são tributárias e às quais, direta ou indiretamente, sua intensidade, mas porque escapam ao contrôle da razão, já
trab::ilham por servir. Por um efeito contrário ao das paixões sen- não se vê •que sentido pode conservar o problema da finalidade
síveis, conferem ao homem que as possui uma espécie de nobreza.
Cumpre mesmo dizer, com PASCAL, que por elas é que o homem se delas. Uma desordem não tem fim nem sentido, e é por isso
torna grande. · mesmo que é uma desordem. Sem dúvida, diz-se às vêzes que
aw paixões sensíveis têm uma função biológica, na medida em
859 2. Efeitos sôbre a vontade. Indiretamente já assinala- que a razão as tempere, harmonize e governe. Tratar-se-ia,
mos os efeitos das paixões sôbre a vontade, ao estudarmos o porém, de saber se as paixões assim temperadas e dirigidas
papel desta faculdade na gênese das paixões. Para precisar pela razão ainda são paixões! Certamente, mais exato é con-
374 PSICOLOGIA

siderar as paixões como estados de delirio e de vertigem, que


nada permite reduzir à lei da ordem biológica e psicológica, e,
por isso mesmo, tê-las por nefastas, pelo desequilíbrio profundo
que provocam e pela decadência que acarretam.
b) Valor das paixões racionais. A finaHdade das paixões "
racionais não pode ser diferente da da própria razão, cuja fun-
ção é promover, sob as formas múltiplas que reveste, a gran-
deza própria do homem. As paixões superiores são, pois, boas
e fecundas por si mesmas, pois exaltam o que de melhor há em
nós, e manifesui.m a ambição fundamental que está no coração
do homem, e que o define, de incessantemente superar-se. De ..
fato, como bem o mostrou BERGSON, todos os progressos da
.~

humanidade são obra dos grandes apaixonados.

LIVRO II

A VIDA INTELECTUA L
, ,

A VIDA INTELECTUAL

361 Não passamos da vida sensível à vida intelectual por sim-


ples continuidade. Se o estudo do instinto nos levou a admitir
a realidade de uma inteligência animal, vimos, ao mesmo tem-
po, que essa inteligência (estimativa), mesmo nos animais su-
periores, está tôda compreendida nos limites do instinto e, por
conseguinte, desprovida dêsse caráter de universalidade que
define a razão humana tão claramente, que mesmo as operações
que o homem possui em comum com os animais: percepção,
imaginação, memória, emoções e instintos, acham-se profun-
damente modificadas pelo clima racional em que se realizam.
Os sentidos do homem já estão totalmente penetrados de razão,
e o pensamento exprime-se não só na linguagem, tão prodigio-
1 samente variada em comparação com os gritos dos animais, mas
'1
até no corpo humano, que é um pensamento vivo.
É esta razão, precisamente, que vamos agora estudar,
assim em suas atividades cognitivas como nos movimentos que
inspira e governa.
l
'1
1
:, ' , ,
PRIMEIRA PARTE

O CONHECIMENTO INTELECTUAL

O pensamento transcende o conhecimento intelectual, mas


é pelas operações do pensamento, conceito e idéia, juízo e cren-
ça, razão e princípios diretores, -que se caracteriza o mais
claramente a atividade cognoscitiva do espírito. Portanto, em
tôrno destas noções temos de ordenar nosso estudo sôbre a
função intelectual de conhecer, e sua condição mais geral, que
é a atenção. ·


1I

l
j

1.
-1

CAPÍTULO I

A ATE NÇÃ O
SUMA RI0 1

DEFINIÇÃO E DIVISÃO. Espécies da atençãoAtençã . Atençã o


Art. I. o es-
sensori al e intelec tual. Formas da atenção . . ;Lei
pontân ea e atençã o voluntá ria. Fontes d.a a,tenção
do interês se. Fatôres do interês se. Teoria sensua lista da
atenção .
II. NATUREZA DA ATENÇAO. Psicologia. da múltip atençã o. Ca-
Art. la. Du-
ractere s da atenção . Proble ma da atençã o gia da
ração da atenção . Medida da atençã o. Fisioloica da
atenção . Condições orgânic as. Teoria perifér
atençã o.

ART. I. DEFIN IÇÃO E DIVIS ÃO


~
362 O fenômeno da atençã o é fácil de discer nir pelas atitude
rmente . Em geral, de:J;_ine uma
• que implica, interio r e exterio
orientação determinada do conhecimento, sensível ou intelectual, dos
que, por meios diversos, se aplica a uni objeto isolado eno
demais em razão do interês se que aprese nta. í!:sse fenôm
fica e
psíquico traduz -se ao de fora por urna mímic a especí
media nte reaçõe s viscer ais e vasom otoras .

§ 1. ESPÉC IES DE ATENÇÃO

Podem -se disting uir difere ntes espécies de atençã o, quer


do ponto- de-vis ta das funções (sentid o ou intelig ência) que
pode
ela utiliza, quer do ponto- de-vis ta das forma s divers as que .
adotar , quer, enfim, do ponto- de-vis ta das causas que a geram
JANET, Né-
1 Cf. RIBOT, Psychot ogie de l'attenti on, Paris, 1889. P.
1,rose et idées fi:J;es, Paris, 1898. MEUNI ER, Pathoto gie de t'attenti on,
, in Archivi o itai. di
Paris, 1908. A . GEMEL LI, "Richer che sull-atte nzionen
ts de psychot ogie
Psicologia, I, págs. 1-2, 1920. J. DE LA VAISSI ERE, Elémen
of Gestatt Psychol ogie,
e.rpérim entaie, págs. 240 e segs. KOFFK A, Principi es
págs. 204-210, 386-400, 358 e segs. DUMAS , Nou.veau
. Traité de Psychot ogie,
ses maladie s, Paris,
t. IV, págs. 3 e segs. (PI~RO N). BAL, L'attent ian et
1952.
!
.,
\
382 PSICOLOGIA
A ATENÇÃO 383

contemplo um quadro de Rafael tentando discernir o plano de


A. Atenção sensorial e intelectual conjunto e os detalhes da obra: todos êstes casos representam
1. Os dois tipos de atenção. O gato que espreita um observações, caracterizad as pelo fato de ser eu simples espec-
tador, de desejar realizar uma adaptação física e menfol, tão
ratinho, a criança que segue o movimento das nuvens no céu, per/eita quanto possivel, à situação dada, para melhor com-
o homem que procura um objeto perdido, desenvolvem uma preendê-la, mas sem nela intervir. ,
altnção sensorial, enquanto sua atenção é dirigida para um ,
objeto sensível 'e se exerce por meio dos sentidos. O estudante A atenção expectante comporta uma espécie de tensão interior.
que busca a solução de um problema ou estuda o plano de o gato espreita o rato que êle farejou ou ouviu. O caçador está à
uma tragédia; o músico que ordena os temas de uma compo- espera de uma caça que o cão está ocupado em descobrir. A senti-
sição, o homem que admira um quadro de mestre, desenvol- nela está à espreita, prestes a atirar. :Êstes exemplos definem uma
atenção que está ?}{Jltada para um objeto amda não presente, moo
vem uma atenção intelectual, por incidir essa atenção sôbre antecipado pela imaginação e pelo pensamento, em razão de certos
objetos inteligíveis. sinais exteriores. Ela supõe ao mesmo tempo uma preparação para o
Logo se vê, entretanto, que, se a distinção é clara em ato que cumpre praticar logo que o objetto se fizer presente.
·principio, torna-se difícil na prática desde que ocorram juntas
as duas atenções. Adnúrar um ·quadro supõe, a um tempo, 2. A reflexão.
uma atividade ·sensorial e uma atividade intelectual. Escutar
uma conferência não é simplesment e um ato do espírito; é a) Problema da reflexão. A reflexão (etimolàgicam ente ato
também uma atividade sensorial. Há casos em que é difícil de se dobrar sôbre si mesmo), suscita um problema dificil, que é
nada mais nada menos que o de sua possibilidade. Com efeito cum- 4
,. distinguir que tipo de atenção predomina. Seja lá como fôr, pre distinguir dois ttpos de reflexão, um dos quais só impràpria'.mente
é certo que o animal só pode exercer uma atenção puramente é reflexão (se esta é retôrno sôbre si), e a outra ao que parece real-
sensorial, e que a atenção especificame nte intelectual, isto é, mente inconcebivel. ' '
para objetos que estão fora do espaço e do tempo, é própria Há, primeiramen te uma espécie de «reflexão objetiva» que outra
do homem.
coisa não é que a atenção, não ,a. st mesmo como sujeito, ,,;_~s ao con-
teúdo da con.s-ciêncfu. como tal. A uma «reflexão» dêsse gênero re- ; .
ferimo-nos quando dizemos: «Preciso refletir neste problema» ou
2. Divisão dos dois tipos de atenção. A atenção sen- «nesta idéia». No domínio metafisico, tôda atenção por definição
sorial, que é muito estudada nos laboratórios , pode ser de cada mesmo, é oetreflexãol>, visto não podermos apreender objeto meta-
um dos sentidos externos: tátil (cegos), visual (pintores), físico (por exemplo as idéias de ser, de causa, de verdade) ~não no
auditivà (músicos), olfativa (animais), etc. interi~r de_ nosso pensamento. Mas, assim sendo, é claro que essa
reflexao nao passa de uma forma de observação, isto é, de atenção
A atenção intelectual assume igualmente formas mui di- a um objeto: não só não se dirige ao sujeito, mas exclui-o formal-
versas, definidas pelos têrmos reflexão, meditação, contempla- mente, como tal.
ção, exame, deliberação, etc. Sob êstes diferentes aspectos, A ques~ão é, pois, saber se há uma «reflexão subjetiva», isto é,
trata-se da própria inteligência, cuja amplitude, penetração e uma atençao que se dirija diretamente à subjetividade . Ao que pa-
rigor dependem da capacidade de atenção voluntária. .rece, pode-se duvidar disto. De feito, a reflexão assim concebida te-
ria, por efeito transformar o sujeito em objeto: tornar-se-ia uma
A a'tenção afetiva e a atenção volitiva, de que às vêzes se faz forma dessa atenção objetiva que acabamos de caracterizar. Dir-
menção, não são espécies distintas da atenção, mas simples modos se-_á que, pela memória, eu posso apreender reflexivamen te meus
particulares da atenção sensorial e intelectual proprios estados passados? Mas esta memória de mim nunca será
reflexão subjetiva, porque assim eu só me conheceria como conheco
u~ objeto: o ato passado que evoco já não existe, e, se se trata de
B. Observação e reflexão mim-mesmo- no-passado, isso é, também uma subjetividade objeti-
vada.
963 Distinguem- se uma atenção objetiva (observação) e outra
subjetiva (refl('xão), conforme a atenção verse sôbre n'!ll ob,i0to b) A sitbjetividade consciente. Na realidade existe urna
1 distinto do sujeito ou sôbre o próprio sujeito. r~flexão subjetiva, mas que é preciso compreende r' noutro sen-
tido que o que comumente lhe é dado. Esta reflexão não é
1. A observ8@,(). Sigo as peripécias de uma partida de atenção, porque tôda atenção é objetivante mas consciência
futebol, leio um romance ou um livro de história, observo de d~ subjetividade, isto é, subjetividade consdiente. A subjeti-
minha janela o movimento da rua, esforço-me, no laboratório, vidade não é necessàriam ente consciente de si : não O é no
por apreender exatamente os elementos de uma experiência,
384 PSICOLOGIA A ATENÇÃO 385

vegetal nem no animal: nem sempre está em at? no homem, ge à 'lerdade (Meditações, XIII,§ 11). Se a atração exercida pelo
que ordinàriame nte vive, de certo modo, nas c01sas. Entre- objeto fôsse «forçada~ (segundo a palavra de BossuET), como nos
tanto, no homem, certa consciência de si como sujeito (cons- casos de obsessão ou de mania, só impropriame nte se poderia falar
de atenção.
ciência "reflexa"), embora implícita e surda, é coextensiva a
tôda a sua atividade. Pode também intensificar- se e atuali- 2. Atenção volunt.ária. Como o indica a palavra, a, aten-
,,. zar-se: isso ocorre cada vez que ela se torna explicitamen te ·Ção aqui depende da vo1!tade, isto é, da iniciativa do suieito,
o sentimento de um "eu" como princípio e forma de minha .e não da atração do obieto. De fato, entretanto, êsse poder
existência. Vê-se, porém, que o têrmo "reflexão" designa aqui .,de iniciativa não é ilimitado. Não se presta atenção seja lá
menos um "retôrno sôbre si" que a atualidade de uma cons- ao que fôr. A lei do interêsse atua ainda na atenção volun-
ciência de subjetividad e, isto é, o ato pelo qual eu afirmo e tária, como na espontânea, embora sob outra forma, p_orque
assumo, exercendo-a ( existencialmente, estas duas coisas 2não muitas vêzes os interêsses que movem a vontade têm de pre-
são senão uma só), minha própria subjetividade (1, 496). valecer sôbre os interêsses imediatos que solicitam a atenção
c) A distração. t sobretudo da reflexão (e em suas duas for- · em outras direções. O estudante desportista que deve ficar
mas) que se afirma que ela. tem «o ar ausente>, isto é, distraido. em casa a trabalhar num dia de sol esplêndido, em que poderia
Co.m todos os enganos e equívocos que acarreta, a distração não é, jogar tão belas partidas, tem de fazer um esfôrço enérgico
nesse caso, nada mais que o aspecto e o sinal de uma «reflexão obje- para que o interêsse por seu trabalho se anteponha ao inte-
tiva"$ ou de uma intensa concentração . Como tal, difere totalmente .rêsse espontâneo pelo jôgo. A atenção a seus estudos será,
da.quilo que se produz no estado de disper-são menfial, em que a dis-
tração é efeito de uma impotência, provisória ou definitiva, de fixar pois, o duplo fruto de uma inibição e de uma aplicaqão. Em
a mente num objet.o (hipoprossea;i,a,) ou de não poder afastar da todo o curso de seu trabalho, poderá êle ter de renovar, contra
mente uma imagem obsessora (para,prossexia) . as solicitações do jôgo, seu primeiro esfôrço de atenção vo-
luntáYia. Se não a sustentarmo s, essa atenção tenderá a de-
C. Atenção espontânea e aten~o voluntária saparecer e a deixar o campo livre às imagens do jôgo, um
instante recalcadas, a menos que o interêsse próprio do tra-
• 36.Ç 1. Atenção espontânea. li: a produzida pelo Jogo de balho intelectual, despertado pelo esfôrço inicial, acabe por
interêsses, isto é, de tendênc-ias instintivas ou adquiridas. A -dominar e afastar o interêsse pelo jôgo. Neste último caso,
atenção do animal, como também a da criança, não tem outra a atenção voluntária une-se à atenção espontânea.
causa 11enão essa. No adulto, ela não cessa de orientar o curso A capacidade de atenção voluntária é que define o grau
da atividade mental, e de fazer discernir na massa das per- de energia intelectual do adulto. Ao contrário, seja por efei-
cepções as que corresponde m aos interêsses e inclinações do to de lesões cerebrais, seja em conseqüênci a de distúrbios psi-
sujeito. O pintor é espontâneam ente atento às linhas e às eógenos (histeria, psicastenia) , o anomal é um indivíduo in-
côres, o músico aos sons, e, em geral, o profissional às coisas .capaz de atenção voluntária, e arrastado pelo determinism o
de seu ofício. das imagens ( aprossexia).
Essa atenção tem um assinalado aspecto de automatismo, enquan- P. JANET (Les Névroses, págs. 337, 343, 346-357) acha que, entre
to segue o curso do interêsse. Todavia, há que se precatar de fazer ·as neuroses, sobretudo a histeria e a psicastenia (estados ansiosos
dela um estado passivo, porquanto a atenção, mesmo espontânea, é. • •• de dúvida, de agitação, de obsessão), é que são caracterizada s pelos
uma ação, a saber: o ato de tendetr (ad-tendere) para um objeto, distúrbies da atenção. Na psicastenia, o campo da atenção propria-
para captá-lo e conhecê-lo bem. Dêste ponto-de-vist a, MALEBRANCHE mente não se estreita, senão que é vago e impreciso; de alguma
definia-a justamente como uma «prece natural> que o espirlto diri- sorte, não está mais como deve ser. Ao contrário, na. histeria, há
estreitamento do campo da atenção: os histéricos estão num estado
2 Comprende-se, assim, o sentido que se deve dar à expressão "cons-
de distração perpétua, que os impede de aplicar sua atenção a outro
ciência da consciência", pela qual definimos (I, 436) essa "subjetividade
objeto que não seja aquêle que atualmente lhes ocupa o espirito.
refletida". Não é a consciência que se toma por objeto, senão irlamos ao
infinito, como num jôgo de espelhos: a consciência perseguir-se-ia sem § 2. FONTES DA ATENÇÃO
fim, sem jamais poder alcançar-se, visto ser sujeito e não objeto. Abolir-se-
-ia nessa corrida louca de reflexo-refleten te. Na realidade, por "consciên-
cia da consciência" só se deve significar uma consciência que, como cons- 665 1. Lei de interêsse. Acabamos de verificar que a aten-
ciência, não faz senão uma coisa . só consigo mesma, isto é, uma consciência ção, quer espontânea, quer voluntária, está sempre determi-
subjetiva em ato. nada pelo interêsse. Não existe atençã,o desinteressada. Nos

386 PSICOLOGIA A ATENÇÃO 387:

casos de atenção espontânea, é o próprio objeto que, por sua pesquisas sôbre a eletricidade. O ouvinte apaixonado que, na
relação imediata com as tendências, exerce uma espécie de conferência ou no concêrto, se irrita com os cochichos de seus
atração sôbre o espírito ou sôbre a imaginação. Na atenção vizinhos, a custo notá-los-ia se não se interessasse pela música
voluntária, a imaginação ou a inteligência devem aplicar-se ati- executada ou pelas idéias expostas pelo conferencist a. Assim,
vamente a um objeto desprovido de atrativo imediato. Porém vê-se que o que governa os estados de atenção é menos o de- ,
até mesmo neste último caso a lei i!o interêsse continua a terminismó mecânico dos objetos que o determinism o finalista
atuar, pois o esfôrço a realizar só é coroado de êxito na me- das tendências e das inclinações.
dida em que conseguimos comunicar algum interêsse ao objeto O estudo das condições de eficácia da propaganda é mui sugesti-
a considerar. À falta do quê, nenhuma atenção seria possível. vo sôbre êste ponto. Pôde-se avaliar o efeito de certas condições
objetivas: verifica-se, por exemplo, que os anúncios insertos nos jor-
2. Fa.t.ôres do int.erêsse. Pode-se, pois, em geral, dizer nais e revistas têm mais efeito na página direita do que na página
que todos os estados de atenção revelam o jôgo, claro ou la- esquerda, e no canto inferior mais que em qualquer outro lugar; que
tente, de algum interêsse. Em sua forma e intensidade, de- um traço que os enquadre duplica-lhes o efeito; que êste efeito au-
menta com o tamanho do cartaz e a brevidade do texto. A repetição
pende êsse jôgo simultâneam ente de condições objetivas e sub- obstinada também tem seus resultados. Porém a eficácia maior
jetivas. pertence, de longe, aos processos que tendem a despertar e estimular
a necessidade a ·que se dirige o objeto do anúncio. Os <anúncios-
a) Condições objetivas. São de duas espécies estas con- necessidades~ são, de muito, os mais lidos (na proporção de 39%),
dições : a intensidade e o caráter contra,stante ou singular do e as recordações que deixam sobrepujam em 11 % os outros anún-
objeto. cios (cf. H. WIXLON, Principe.'J de Psychologie appliquée, Paris, pá-
Há objetos que parecem forçar a atenção unicamente pela ginas 185-193).
intensidade de suas manifestaçõ es. Assim, não se pode deixar
de prestar atenção a um forte trovão, a um relâmpago, a uma 866 3. Teoria. sensualista da a.t.enção. As observações que
detonação inesperada. Entretanto, podemos perguntar-n os se precedem vão permitir-nos apreciar a teoria sensualista da
a atenção só é determinada pela intensidade com que o objeto atenção, tal como foi preposta por C0NDILLAC e T AINE, e mo-
se impõe à percepção. Consoante o nosso estudo do instinto, dificada por RmoT.
pareceria, antes, que a atenção e a emoção, que aqui são a a) A atenção, sensação predominante. C0NDILLAC pre-
mesma coisa, sejam reações instintivas. tende reduzir a atenção a uma "sensação predominan te".
Uns vizinhos cochicham no concêrto ou na conferência, TAINE, por seu lado, declara que a atenção é "a fascinação
e acabam por monopolizar a atenção de maneira exasperador a. exercida sôbre o espírito por uma imagem obsidente". Ora,
Uma luz insólita aparece e desaparece no horizonte durante a o estudo que vimos de fazer mostra-nos que essas definições
noite, e chama a atenção. Tôda particularid ade extraordiná- já se aplicariam muito mal à atenção espontânea, para a qual
ria, nos traços ou no vestuário, atrai a atenção dos transeun- uma sensação nunca é predominan te por si mesma, mas sõ-
tes, que se voltam e trocam seus comentários . Com grande mente em razão do instinto que ela estimula ou do mecanismo
surprêsa, GALVANI observa que os membros de uma rã esfo- habitual que põe em movimento, isto é, em virtude de fatôres
lada convulsionam-se logo que, por um fio de cobre, são postos internos. Com maioria de razão fracassam totalmente essa,s
em contato com uma barra de ferro. :estes diferentes casos teorias ao explicarem a atenção voluntária, que vai exatament.e
explicam-se quer pela curiosidade, espontânea ou científka, em direção contrária às sensações, e que é justo o oposto de
quer pelo esfôrço de inibição necessário para afastar um ruido uma obsessão.
incômodo e que acaba por fixar a atenção sôbre êsse ruído.
De modo que estão sempre presentes fatôres subjetivos de in- 867 b) Redução da atenção voluntária à atenção espontânea.
terêsse. RmoT pretendeu afastar o obstáculo que a atenção voluntária
b) Condições subjetivas. Na atenção, tudo se reduz fi- C?nstitui para esta teoria. Para isso, esforçou-se para redu-
nalmente ao jôgo das condições subjetivas, visto que tudo de- zir a atenção voluntária à atenção espontânea, invocando a
pende da relação dos objetos da percepção quer com as ten- lei_ de transferênci a. Só há atenção espontânea, pensa êle.
dências instintivas ou adquiridas, quer com o conteúdo pre- Nao se pode obter que a atenção se aplique a um objeto que
sente da consciência. As convulsões dos membros da rã ti- nii-0 corresponda aos interêsses imediatos seniú> associando-a
nham um interêsse especial para GALVANI em virtude de suas a êstes interêsses (transferênc ia). Por que êsse estudante

l.· · ·- - ~ -.
PSICOLOGIA A ATENÇÃO 389'

despprtista fica em casa a estudar geometria, pela qual não exclusão, tão completa qusnto possível, de todos os obfeta8
·tem nenhum gôsto? Porque conseguiu ligar êsse estudo ao estranhos. De fato, verifica-se que um homem absorto em
interêsse natural que tem pelos sucessos escolares ou por sua sua meditação parece não ver mais nada nem ouvir coisa al-
carreira. Assim, pela promessa de uma recompensa, induzem- guma. Porém, mesmo fora dêsses casos de aplicação intensa,.
,se as crianças a darem,.sua atenção a composições que as abor- a atenção corrente exigida por nossas tarefas habituais já tem:
:-recem. Poder-se-ia, mesmo, mostrar que tôda a civilização é por efeito e por condição atenuar grandement e a influência
\fundada no jôgo infinitamen te variado dessa lei de transfe- dos objetos exteriores. JI]sta inibição comporta graus e nunc,i•
rência. Os homens quase nunca fazem o que lhes apraz. As é total, como se os órgãos sensoriais nada mais percebessem~
mais das vêzes têm que agir contra seus gostos inatos e suas O homem que vai pelas ruas, absorto em seus pensamentos ;
inclinações espontâneas . Fazem-no entretanto, e geralmente deixa até mesmo de cumpriment ai: os amigos que encontra,· e.,
bem, porque a sociedade associou a essas atividades fastidio- por assim dizer, não os vê, mas precata-se bastante bem dos.
sas oU indiferentes sanções de todo gênero (ganho, honras. veículos que passam. Assim, também, o leitor imersg num1
punições contra 0s delinqüentes , etc.) que lhes comunicam seus romance de aventuras apaixonante s não deixa de ouvir, ao,
1U1terêsses próprios. menos vagamente, as perguntas que lhe fazem. E, se não
Esta engenhosa teoria é tão ·insuficiente quanto a de responde imediatamen te, é porque não quer fazer o esfôrço
l(;ONDILLAC- TAINE. Como reduzir a atenção voluntária a um
de adaptação requerido. Mas fechado o livro, ou responde às.
rfen6meno de passividade? A transferência pode, sem dúvida, pergu:;:tas deixadas sem resposta, ou pede que lhas formulem.
-ezplicar certos casos de atenção voluntária, mas não explicá- de nôvo. Do mesmo modo, o passeador distraido, ao retornar ·
ilos todos, pois é fato que ela nem sempre atua, e com muita a casa, lembra-se de haver encontrado vários amigos e de lhes,
irregularidade o faz . As sanções mais alicientes não conse- não haver respondido ao cumpriment o. Reecontrare mos êstes ·.
guem decidir tal menino a se aplicar a um dever que êle acha diferentes casos quando estudarmos o subconsciente_
fastidioso, nem as sanções sociais chegam a impedir os ho- 869 2. InrensifieAÇão da percepção.
mens de comportar-s e mal. Doutra parte, essa teoria não
pode explicar o esfiJ-rço que acompanha a atenção voluntária. a) Monoideísmo da atenção. A inibição realiza, pois; .
A transf0rmaç ão desta em atenção espontânea (por efeito da uma concentração do olhar da consciência sôbre um objeto que·
transferênei a do interêsse) deveria redundar em suprimir o se acha situado no foco em plena claridade. Daí falar RIBOT '
-esfôrço. Ora, se é verdade que a intensidade do esfôrço re- do monoideísmo da atenção. Todavia, não se deve tomar e~ta.
,querido pode diminuir por efeito de uma transferênci a de in- expressão como significando uma espécie de vazio consciencial,
-terêsse, continua ela sendo sempre exigida. Sejam quais fo- como sucede nos anormais. Ao contrário, ai a imao-em 3-,
rrem os altos salários pagos por certos misteres perigosos ou idéia, a lembrança retidas pela atenção são apreendidas 'na•
,<duros, as atividades que êles exigem permanecerã o sempre di- sua riqueza, na variedade de seus detalhes e de seus aspectos.
:fíceis e penosas. Senão, a atenção depressa seria esgotada, por falta de objeto,
ou produziria uma espécie de obumbração interior, vizinha do-•
ART. II. NATUREZA DA ATENÇÃO sono hipnótico. A atenção contínua é feita, em realidade de
uma multidão sucessiva de atos perceptivos. '
.§ 1. PSICOLOGIA DA ATENÇÃO
b) Efeito seletivo da atenção. Por efeito dessa concen- .
A . Caracteres da a.tenção tração, o objeto da atenção é percebido com intensidade singu-
lar, resultante não precisament e do fato de ser observado ou"
{16:lJ A atenção, tal como acabamos de descrevê-la sob suas cons~d.erado, de maneira mais enérgica, já que a atenção não
fi.erentes formas, apresenta essencialmen te dois aspectos: um mod1f1ca coisa alguma no objeto; mas pelo fato de ser isolada ·
negati.vo, constituído pela exclusão, para fora do campo da de um confunto, de ser considerado à parte, aparecendo, assim,
consciê:ncia, de todos os elementos estranhos ao objeto da aten- sob um aspecto que não tinha como simples elemento de um
ção, e um aspecto positivo, que consiste em reforçar a per- todo. . Reencontram os, pois, aqui, as leis da percepção, que-,
cepção. nos aJudam a melhor compreende r o mecanismo seletivo da
1 . A imoição. Quer verse sôbre um objeto exterior, atenção e os esforços que ela réquer para fixar, separar e es-
.quer ..sôbr-e 1llfil objeto interior, a atenção exige e realiza a tudar, num todo, um elemento isolado dos outros. A princi-- ., .
.-r,1
l'
,\ 390 PSICOLOGIA A ATENÇÃO ·" 391
'•.1
pal dificuldade do trabalho de inibição resulta menos da ne- 3. Atenção panorâmica. Alegam-se, enfim, os casos de
:( 1
cessidade de afastar os elementos contingentes da percepção
exterior, do que da necessidade de impedir a reconstituição do
atenção dirigida a vastos conjuntos, panorama, trecho de mú-
sica complexo, partida de futebol, etc. A atenção parece apre-
! todo de que faz parte o elemento considerado. ender simultâneamente todos os elementos dêsses conjuntos.
1

1 e) A autoscopia. Conhecem-se os efeitos da autoscopia, prática Na realidade, verifica-se que a percepção de conjunto se torna
'i' familiar ~os doentes que sofrem de dores internas e se deixam absor- cada vez mais confusa à medida que ~nde a apreender de
'
ver pelas sensações vindas de sua cenestesla, ou aos melancólicos maneira e~lícita maior número de ele1nentos. 3 É assim que,
que uma reflexão obstinada reconduz constantemente à ruminação no concêrto, a atenção aplicada aos instrumentos considerados
j· de suas causas de tristeza. Poder-se-ia supor que a atenção tem
por efeito aumentar o mal-estar fislco ou moral, hipótese tanto mais
verossímll quanto, ao achar meios de d.lstrair êsses doentes, conse-
isoladamente, ou aos elementos musicais distinguidos da massa
sonora, só pode ser uma atenção oscilante quanto aos elemen-

j
! gue-se fazê-los esquecer por um lnstante o seu mal. Apesar de tudo, tos e confusa quanto ao conjunto. Ou então os elementos como
o certo é que a atenção, mesmo em semelhantes casos, não modifica tais ficam em segundo plano, e o todo, a forma, a estrutura,
por si mesma o objeto. Como se trata de sensações internas, ela só o plano ou o ritmo são diretamente os objetos da atenção e
tem por efeito mtensificar o influxo nervoso e, por isso mesmo, a
fôrça da excitação. compõem a unidade necessária a uma percepção distinta e
clara.
! B. Problema da atenção múltipla
; 370 ·;_ A solução do problema de saber se é possível prestar aten-
871 4 . D ~ da atenção. A questão da duração da aten-
ção exige que se distinga o estado de atenção do ato de atenção . .,
.l ção a várias coisas ao mesmo tempo resulta do que acabamos
·' de dizer. Caracterizando-se pe1,a concentração da consciência, a) Estado de a.tenção. O estado de atenção é compatí-
·:, a atenção não pode admitir vários objetos simultâneos, cujo vel com pausas e distrações relativamente numerosas. Com
À efeito necessário seria dispersar o olhar da consciência. Sem efeito, está continuamente atravessado por percepções, lem-
f
l dúvida, alegam-se contra isso alguns fatos. Vamos, porém, ver
que êle são mal interpretados.
branças, imagens, que tendem a reduzi-lo e a fazê-lo desviar
. para outros objetos. Todo estado de atenção é, pois, mais ou
menos intermitente. Pode-se considerar que dura tanto tempo
,. 1 . Atenção alternante. Cita-se o caso de César, que di- quanto, sem interrupção notável, a atenção volta ao mesmo
tava três cartas diferentes enquanto êle próprio escrevia uma objeto.
quarta. Há também o caso, freqüente, do operário que dirige
várias máquinas ao mesmo tempo. Os jogadores de xadrez A duração de um estado de atenção é extremamente variável
prestam atenção ao mesmo tempo a todos os elementos de seu conforme os indivíduos, idades e circunstâncias. A criança não é
capaz de ficar longamente atenta. Podem-se obter dela atos de
jôgo e aos de seu adversário. Na realidade, êsses são casos atenção intensa, mas não estados prolongados de atenção. Esta é
de atenção sucessiva e alternante, que passa rapidissimamente de extrema mobilldade na criança, que, ou.trosslm, mui depressa se
de um objeto a outro. fatiga. No adulto, a duração do e-stado de atenção depende do poder
de aplicação, do interêsse do objeto, do estado físico (nos períodos
2. Aten!;ão e automatismo simultâneos. Os exem- de fadiga a atenção é dificil, às vêzes impossivel) . De qualquer mo-
plos típicos, neste grupo, são os do pianista que lê o jornal do, o estado de a-tenção não pode dura;r ind.efinidaanente. A fadiga


ou um romance enquanto dedilha suas escalas e arpejos; do - que produz exige, após tempos variãveis, repouso mais ou menos
;
prolongado. O sono poderia definir-se como um estado de inatenção
automobilista que guia seu carro mantendo uma conversa ani- destinado a compensar as fadigas da atenção em vigília.
mada; do dentista que, para distrair o cliente, lhe fala de
coisas suscetíveis de interessá-lo. Aí também, não há atençi'iu b) O ato de atenção. O estado de atenção compõe-se de
simultânea a vários objetos, mas a um só objeto, graças à atos múltiplos de atenção, que são como unidades no seio da
·execução automática da outra tarefa. Na medida em que êsse atenção que dura. Ora, êsses atos de atenção, considerados em
automatismo já não atua, uma das duas tarefas é interrompi-
da, ou é mal executada: o pianista que lê seu jornal executan- 8 MYERS (A text-book. of Experimentai Psychotogy, págs. 321-323)

do gamas teria muita dificuldade em fazer outro tanto se cita várias experiências, entre outras esta: Se se mostram ao ôlho simul-
tâneamente vários sinais (letras, pontos, linhas) sem que o ôlho se mexa
tivesse de tocar um estudo complicado; o automobilista inter- durante a experiência, verifica-se que o máximo de percepções claras si-
rompe sua conversa logo que a direção do carro exige uma multâneas é de cinco. Acima disso, a percepção dos elementos torna-se
atenção particular, etc. · confusa.
A ATENÇÃ O 393
392 PSICOLOGIA
com-
mais prontas e erros cada vez menos numero sos. SuJe!tos cujo
si mesmos, apresentam-se como sujeitos a uma espécie &e OS'- portam ento é desorde nado. 4

cilação ou de ritmo, por um duplo movimento de tensão e de


§ 2. FISIOLO GIA DA ATENÇÃ O
repouso.
,
certa
Experiê ncia simplíss ima consiste em colocar um relógio a p1'ssa 879 1. Condições orgânicas. A atenção encerra fenôme nos
distânci a do sujeito, calculad a de maneira que êstesinal apenas
quando o orgânic os gerais e fenômenos êspecia is. Os primei ros concer -
ouvir-lh e o tique-ta que. Pede-se -lhe que faça um a percepç ão nem à circul,ação ( aceleração do ritmo cardíac o e vaso constri -
escuta e outro quando deixa de ouvi-lo. Verifica -se que iguais. ção perifér ica), à respiração (diminu ição das expiraç ões, au--
do tique-ta que é interrom pida a interval os sensive lmente
mento das inspira ções), e ao sistema muscul ar ( em geral, imo-
5. Medida da aknção . Process os e resultad os. Têm-se hna- bilizaç ão).
Os fenómenos orgânicos especiais resulta m da adaptação
972 atenção ,
ginado diversas experiê ncias para medir a capacid ade deprecisas
sob suas diferent es formas. Porém apenas médias poucodos fatôres dos dif er.entes órgãos sensoriais em mira a realizar a melhor·
é
que se devem esperar desssas experiên cias, em razão a e in- percepção possível: acomodação e conver gência dos olhos, ro-·
múltiplo s (ou var:riveis) que intervêm na atenção : naturez
tensidad e do estímulo , hábitos, estado mental e nervoso , grau de tação da cabeça, orienta ção do pavilhã o da orelha para o obje-
aplicaçã o voluntá ria, e da impossi bilidade em que se está de
deter- to e tensão dos músculos do tímpan o; aspiraç ões nasais; pal-
pação, etc. Além disto, a atenção provoc a uma mímica muito·
o
minar a cada vez o valor exato dêsses diversos fatôres no complex
atencion al. expres siva: ato de inclina r a cabeça, de levanta r os olhos ou-
a) Processos. Para a atenção expecta nte, utilizam -se
os testes de fechar, enruga mento da fronte, franzim ento dos sobrolhos.
de tempo de reação, segundo os métodos que já expusem os. Para a ato de pôr a cabeça entre as mãos, etc.
atenção de discerni mento, recorre- se freqüen temente ao método ãe
cancela mento. O sujeito deve cancela r certas letras
ou grupos de 2. Teoria periférica da ateo~ . Alguns psicólogos qui-
letras (por exemplo todos os a, ou todos os s, ou a segunda das letras ·
num seram reduzir a atenção a êsses fenôme nos orgânic os e fisio-
lógicos. Assim é que RIBOT afirma que as manife stações mo-·
duplas, ou tôdas as vogais colocad as entre duas consoan tes)
palavra s por êle conheci -
toras da atenção não são nem efeitos nem causas, mas sim
texto que lhe fornece m e que não contém
poc;le ser aplicad a sob outra forma: em vez de
elementos, que, juntado s ao estado de consciê ncia que constitui'
das. Esta técnica
cancela r letras, o sujeito deve reagir a certos sinais cada calcand o uma
clave Morse. A experiê ncia dura de 2 a 3 minutos vez, e os o aspecto subjeti vo dêsse fenômeno, constit uem a atenção .
sinais apresen tados são em número de 200 por 30 segundos. )As o mo-
vêzes, Esta tese deve ser aproxim ada da teoria perifér ica da.
registra -se (por meio do quimóg rafo e dos sinais Desprez do emoção, l'J,Ue já discutimos (344). Não é mais aceitável que·
mento do sinal e o da reação. Pode-se , assim, medir a duração durante a. ela. Verific amos que a emoção só é explicá vel como reação a
ato de atenção do sujeito, isto é, a extensã o de tempo
qual o sujeito é capaz de manter fixa a sua atenção . uma represe ntação . :€-ate caráter é ainda mais evident e na:
atenção , e particu larmen te na atenção voluntá ria. As modi-
ficações orgân·icas que intervê m na atenção são conseqüências
a
b) Resultados. Calcula ndo, para cada interval o de tempo, média.
duração das reações e o número dos erros, ,btém-s e aosduração
obtidos sôbré ·da atividade atencional e não a constituem. A atenção é essen-
de uma o:ada de a,tenção. Compar ando os resultad . cialme nte um fenômeno mental , com condições fisiológicas cen-
numero sos sujeitos , verifica -se que a onda média é duração curtíssi-
ma, inferior a; 2 segundos. trais e perifér icas. Aliás, a tese de RIBOT fracass aria com-
Uma vez estabele cida essa duração , pode-se visar a determ inar pletam ente em explica r a atenção reflexi va. Explica m-se os
os resultad os
a duração do estado de atenção ; para isso estudam -semédia dos re.: · fenôme nos orgânic os quando se trata de atenção a um objeto
obtidos para o interval o de tempo inteiro (2 a 3') : a geral da externo . Como, porém, poderia m servir para pôr a atenção
diferent es sessões dá uma média
num objeto interio r ao pensam ento? Enfim, são numero sos
sultado s fornecid os pelas
capacid ade de atenção , e caracte riza o compor tamento do sujeito.
Verifica m-se aqui diferenç a mui sensíveis entre osatenção diversos sujeitos , os casos em que se deve prestar atenção inibind o as manife s-
diferenç as que permite m distingu ir os tipos de seguint es:
maiores
tações externa s da atenção (por polidez, prudên cia, reser-
va, etc.), ou mesmo aparen tando a mais perfeit a indifer ença.
Sujeitos em quem as ondas da atenção se tornam cada vez
de
e de maneira uniform e: êsses chegam a estabili zar seu detempo atenção Vê-se, destart e, que a atenção é rel,ativamente independente
reação e o número de erros. Sujeitos em quem as ondas é periódic
aument am, mas com intermi tências: a atenção dêstes
a. de sua:s condições e expressões somáticas.
Sujeitos cuja atenção diminui ràpidam ente: estes são caracter izados
por ondas prolong adas; mas, em compen sação, os tempos de reação • Cf. GEMELL I-GALLI , "Richerc he sull'atten zione", in
Archivo italiano
aument am depressa , bem como o número de erros. Sujeitos que se dl Psicofog ia, I, págs. 1-2, 1920.
adaptam lentame nte, mas, uma vez adaptad os, têm reações cada
ve:ii
O PENSAMENTO. NOÇÕES GERAIS 396

':'
Mas, se é verdade que conceber, julgar e raciocinar são in-
contestàvelmente operações intelectuais do pensamento, êste,
encarado psicologicamente, é algo de mais simples e de mais
geral, que é de mister descrever primeiro de maneira objetiva,
r, nas condições de fato de suas manifestações. Só depois é que
teremos de estudá'tlo em seus meios universais, que são a idéia,
,

CAPÍTULO II
., o juízo e o raciocínio .
b) Em'{>irismo e idealismo. Por aí se vê quanto são ar-
,. bitrários os problemas que os empiristas e os idealistas situam
O PENSAMENTO. NOÇõES GERAIS comumente no princípio da psicologia da inteligência. Par-
tindo, não do pensamento, mas de suas formas lógicas, esfor-
SUMARI0 1 çam-se por determinar qual é a mais primitiva e mais essen-
\
Art . I. NOÇAO DE PENSAMENTO. Lógica e psicologia do pen-
cial. Para PLATÃO, é a intuição das Idéias, isto é, segundo
,t samen.t o. Dificuldades. Métodos. sua doutrina, a intuição das Formas puras ou Essências do
mundo inteligível. Para DESCARTES e para KANT, e também
,( Art . II. NATUREZA EMP1RICA DO PENSAMENTO. Comporta- para muitos filósofos modernos, a essência do pensamento con-
mento -inteligente. A inteligência nos animais. A inteli-
gência humana. Níveis intelectuais. Nivels intelectuais siste no juízo. WUNDT acha que o raciocínio é que é a função
nos animais. No homem. Patologia mental. Intelig~ primeira e essencial do pensamento.
e ra,zão. Limites do comportamento inteligente no animal. Essas discussões de,pendem de um postulado discutível,
A razão. O pensamento. idêntico ao que reencontramos no empirismo e no idealismo,
Art .. III . O PENSAMENTO E A LINGUAGEM. O pensamento sem a saber: que o dado só é feito de têrmos-átomos. Trata-se
li,nguagem. O gesto e a mimica. Casos de surdo-mudez. de explicar as relações pelas quais êsses têrmos estão unidos
O pensamento implícito. Pens<I.Tfl,ento e discurso. Discurso entre si: para os empiristas, seriam o resultado de puras asso-
int erior e exterior. Linguagem conceptual. Pensamento
e sociedade. Origem da linguagem. ciações mecânicas de imagens, e, para os idealistas, obra de
uma razão que impõe soberanamente ao caos sensível sua
ART. I. . NOÇÃO DE PENSAMENTO ordem e suas leis próprias. Ora, o estudo da percepção tem
demonstrado o que há de arbitrário nessas doutrinas. De
374 1. Lógica e psicologia do pensam.ent.o. i: uma parte, com efeito, não há obj~tos puros, átomos de per-
,j
cepção: todo objeto supõe uma organização ou está implicado
a) O pensamento em geral. O têrmo pensamento, que numa organização (143, 211). De outra parte, ex.istem rela-
etimologicamente significa pesar ( pensare) , isto é, medir, esti- ções que são percebidas primitiva.m ente, enquanto que seus
mar e comparar, aplica-se a operações mentais mui variadas: têrmos, considerados isoladamente, não têm nenhuma reali-
análise e síntese, associação e dissociação, comparação e li- dade psicológica (GUILLAUME, Psychologie de la Forme, pági-
gação, invenção e organização, intuição e discurso, etc. Os na 165). Não temos, pois, que nos molestar aqui com problemas
lógicos, desde PLATÃO e .ARISTÓTELES, definem-no essencialmen- especificamente filosóficos, mas unicamente que estudar o pen-
te pelas três operações de conceber idéias, julgar e raciocinar. samento em suas condições mais gerais.

1 Cf. M. BLONDEL, La pensée, t. I , Paris, 1934. BINET, Etude e:rpé- !75 2. Dificuldades. O estudo psicológico do pensamento
rimentale de l'inte!ligence, Paris, 1904. PIAGET, Le langage et la pensée encerra dificuldades particulares. Em primeiro lugar, as ope-
chez l'enfant, Paris, 1924; La Psvchologie de l'inte!!igence, Paris, 1947. rações intelectuais são constantemente associadas a fenômenos
BOURDON, L'inte!!igence, Paris, 1926. THORNDIKE, Animal inte!!igence, sensiveis. E' o que ARISTÓTELES fazia notar numa fórmula
New York, 1911. BUYTENDJIK, La psychologie des animaux, Paris, 1928.
KõHLER, L'inte!!igence des singes supérieur.s, trad. de GUILLAUME, Paris, célebre: "Não se pensa sem imagem". Ao que se pode acres-
1927. DUMAS , Nouvecru Traité de Psychologie , t. V., págs. 85 e segs. (DE'- centar que o sujeito inteligente quase não imagina sem pensar.
LACROIX). L. GUILLAUME, La pS1Jcho!ogie animale, Paris, 1940, e. V . Como discernir, nesse conjunto psicológico emaranhado, o que
DWELSHAUVERS, L'étude ·de la pensée, Paris, 1935. J. PALLIARD, Pensée é pensamento propriamente dito, do que é pura atividade sen-
implicite et perception visue!!e, Paris, 1949.
396 PSICOt.OGIA O PENSAMENTO. NOÇÕES GERAIS 397

sível? Pretendeu-se achar um critério na abstração. Os fe- outros (91-!JS), e fizemos notar que, sob certas condições, êsses
nômenos intelectuais seriam essencialmente os que são afetados processos podem dar resultados apreciáveis. Seus limites são
de um caráter abstrato, isto é, aquêles que concernem a objetos marcados pelo perigo, difícil de eliminar, de só fazerem apre-
despojados de sua singularidade concreta: o homem, e não ender os resultados das operações intelectuais, e nãó as etapas
êsse homem que é Callias ; a mesa, e nij.o esta mesa em que e os meios de;itas. O sujeito, ocupado com· a resposta que
escrevo ; o ser em geral, e não aquêle ser. Veremos que estas deve dar ou com a solução que deve encontrar, quase não é
idéias são justas. Parece, no entanto, difíoil adotá-las no capaz de notar e de assinalar as fases da elaboração, o ca-
ponto-de-partida, devendo, como deve, a noção de abstração minho zig\iezagueante do pensamento. O experimentador
ser cuidadosamente precisada e distinguida de certas formas corre o risco de não haver finalmente provocado e apreendi-
abstrativas já presentes na atividade sensível. Partir da no- do senão reações elementares, e não a complexidade viva de
ção de abstração equivaleria a prejulgar a solução do problema um pensamento em movimento.
do pensamento.
Uma segunda dificuldade dêste estudo reside no caráter .ART. II. NATTJREZA EMPíRICA .DO PENSAMENTO
transitivo das operações intelectuais. Os empiristas quiseram
contornar a dificuldade considerando somente os elementos ou 977 Nosso intuito é tentar- definir experimentalmente os ca-
os produtos do pensamento, reduzidos por sua vez a coisas na racteres específicos da inteligência, de maneira a determinar
consciência. Mas isto é falsear a fundo, desde o princípio, o a um tempo as condições radicais da vida intelectual e os pro-
estudo do pensamento, porque êste é ato, e, portanto, pelo cessos tipicos da inteligência. ·
menos tal como é exercido pelo homem, é dinamismo e -movi-
mento. Ora, sabe-se quanto o que é móvel é difícil de obser- § 1. CO!ll:PORTAMENTO INTELIGENTE .
var e de descrever.
A. A inteligência nos animais
876 3. Mét.odos. Aqui, como alhures, cumpre recorrer an-
tes de tudo aos processos experimentais. f::stes processos são Temos interêsse em partir da psicologia animal e em in-
a um tempo objetivos e introspectivos. vestigar em que medida e sob que forma a inteligência pode
existir no mundo animal. f::ste estudo, com efeito, pode re-
a) Métodos objetivos. Objetivamente, o pensamento velar-nos certos aspectos mui gerais da inteligência, e escla-
acha-se evidentemente fixado na linguagem escrita e falada. recer, ao menos por contraste, o comportamento 'inteligente do
Observa justamente LEIBNITZ que as línguas são o espelho do homem.
espírito humano, e que "uma análise exata do significado das
palavras faria, melhor do que qualquer outra coisa, conhecer 1. Adaptação à.s s i ~ concretas. Vimos que no ins-
as operações do entendimento". Todavia, a linguagem não tinto a adaptação a uma situação dada era específica e inva-
nos põe de posse senão de um pensamento acabado, eminen- riável (275-276). Por isto fala-se de inteligência desde que
temente revelador para o lógico e para o gramático, mas que a adaptação admite certa margem de variabilidade, isto é,
ao psicólogo não lhe revela bastante os processos constitutivos implica uma reação improvisada e inédita a uma excitação
e elementares do pensamento, tais, por exemplo, como se pode nova e inesperada. A adaptação, nesse caso, procede por se-
observá-los na criança, antes que se torne senhora da lin- leção de meios ou, noutros tê.rmos, de processos que, em si
guagem. mesmos e isolados do conjunto, não têm sentido algum e só
Já o estudo do comportamento pode dar melhores resul- '!ão inteligíveis em relação ao fim colimado. KõHLER (L'in-
tados para o psicólogo. Tratar-se-á de discernir, na maneira. telligence des singes supérieurs, págs. 11-48) dá um grande

..
de reagir a estímulos dados, o que pode servir para caracte- -número de exemplos, dos quais citamos alguns:
rizar a operação propriamente intelectual. a) Expe,-tênci& do rodeio. Oferece-se a um macaco sua comida,
para. a qual êle se dirige pelo caminho direto. Mas, se entre ambos
b) Métodos introspectivos. Entre os métodos introspec-
tivos, há que citar os interrogatórios orais (RIBOT) e o pro-
cesso dito de retrospecção, de BINET e da Escola de Würz-
•• :Se· fizer interpor obstáculos variados, que obriguem a fazer rodeiüllj
·verifica-se que os chimpanzés de 4 a. 7 anos «sabem imediatamente
.icontornar todo obstáculo interposto entre êles e a meta, se tiverem
burg (KÜLPE, BüHLER). Na Introdução já falamos de uns e de .uma visão s~ficiente do eSP9'0 que contém as curvas de rodeio pos-
398 PSICOLOGIA O PENSAMENTO. NOÇÕES GERAIS 399

síveis». Em situações semelhantes, um cão e um gato parecem muito mesma, e não mais como meio para atrair a isca. Daí deduzir
embaraçados, uma galinha fica desnorteada e entrega-se a movi- KõHLER que a «ligação» da corda e da isca parece não passar, para
mentos desordenados (fig. 20 a). o chimpanzé, de um contato óptico de grau mais ou menos elevado.
lsoa Q cJ Experiência do pau. Trata-se sempre de uma isca a apro-
1

r- - - - - - - - - , ximar, mas em condições que aumentam ainda mais a dificuldade.


1 ,, 1
, o chimpanzé tem de fa-zer a isca vir a seu alcance mediante um _pau
1 ' . colocado perto dêle. Verifica-se que os macacos inferiores são in-
1 capazes disso; limitam-se simplesmente a puxar o pau que vêem em
t
contato co:i;n a ísca, mas nunca procuram aproximar esta por cho-
1
ques, trazendo-a pouco a pouco ao alcance da mão. O chimpanzé,
ao contrário, serve-se do pau para êste fim, pôsto que de maneira
1

Y··.··
bastante desajeitada (fig. 20 c).
1
1 d) Experiência dia caixa. A isca é colocada em altura fora do
1 o :,
alcance do chimpanzé, e põe-se uma caixa na jaula. Após diversas
tentativas para atingir o objeto sartando, o chimpanzé arrasta a
o
A
caixa para debaixo da isca, trepa-lhe em cima e apodera-se do
Iam objeto cobiçado (fig. 20 d). 2

878 2. Ada.p~ e a.caso. 11:sses comportamentos dos chim-


panzés devem, ao que parece, ser distinguidos dos que, no
processo por "ensaios e erros" (72), implicam meros resulta-
o Isa dos fortuitos. Nestes últimos casos, não há inteligência real
do problema a resolver. Ao contrário, a inteligência parece

l,
caracterizada por uma adaptação ao mesmo tempo imedÜLta e
generalizável. Esta adaptação, aliás, pode ser imediata e ad-
mitir diversas tentat ivas infrutíferas, quando estas são orien-
2 tadas diretamente para a solução do problema. A solução pode

e
E1 ~ , Caiu

o
1
não ser imediata, mas a adaptação o é realmente. Por isto,
ela é generalizável: o chimpanzé que empregou a caixa para
alcançar uma isca colocada alto saberá, depois, servir-se de
Fig. 20. Experiências de problemas a resolver.
outro macaco como escabelo, ou erguerá várias caixas sôbre
a outra (cf. KõHLER, loc. cit., pág. 128; GUILLAUME et MEYER-
a) Experiência do rodeta. b) Isca a puxar. c) Isca a aproximar SON, "Recherches sur l'usage de l'instrument chez les singes",
com um pau. d) Isca a pegar com auxílio de um caixão. in Journal de Psychologie normale et pathologiq_ue, 1937, pági-
nas 425 e segs.) .
b) Experiência <ta corda (fig. 20). Problema mais dificil coo.-
siste, para o chimpanzé, em se apoderar da comida com ajuda d.e Há muitos casos em que a inteligência é uma espécie de obstáculo.
um instrumento. Sob uma primeira forma, a comida é amarrada a Mesmo ai, porém, não deixa de se revelar tão claramente como quan-
um cordel ou a uma palha. cO objeto estava no chão, acêrca de do é bem sucedida. O macaco inferior (Gibão) resolve, às vêzes,
um metro da grade da jaula; uma corda flexível estava amarrada por puros tateamentos cegos, problemas que o macaco superior, e
a êle, e, por sua extremidade livre, no chão nu, chegava at.é a grade. sobretudo a criança, percebendo problemas e não procedendo por
Mal Nueva viu o alvo, agarrou a corda e serviu-se dela com precau- «ensaios e erros», consideram a principio com embaraço. BoUTAN (Les
ção para atrair o objeto> (fig. 20 b). A repetição da mesma expe- deux méthddJes de Z'enfant, Bordeaux, 1914) observa que a crian-
riência com outros chimpanzés prova que co gesto de puxar para si ça, em presença de caixas com mecanismo invlsivel, em vez de tatear
sempre foi feito em mira ao objeto: um olhar sôbre o objeto, e o por tôda parte e acertar por a.caso, reflete e fica quieta. Seu emba-
animal começa a puxar, dirigindo sua atenção para a comida, e não raço é evidentemente sinal de superioridade. s
para a corda>. O mesmo já não sucede com cães e ca:valos: delxar-
se-iam morrer de fome. em situações em que, para o chimpanzé e 2 Cf. GUILLAUME, La psycho!ogie des singes, em DUMAS, Nouveau
para o homem, haveria apenas um problema. Todavia, o chimpanzé Traité de Psycho!ogie, t. Vlll, págs. 261-290.
só puxa a corda se esta e a isca estiverem. em contato óptico. Se · 3 Cf.
o fio fôr muito comprido, só puxa a corda se se interessar por esta A. REY, -L'inte!!igence pratique chez l'enfant, Paris, 1935.
O PENSAMENTO. NOÇÕES GERAIS 401
400 PSICOLOGIA
segundo fó;.mula _d~ AUGUSTO ~O~TE, se a inteligência apa-
Os sucessos obtidos pelo processo dos tateamentos só são rece corno a aptidao para modificar a própria conduta con-
um acaso no comportamento puramente instintivo. Num com- formernente às circunstâncias de cada caso", a inteligência
portamento inteligente, os ensaios e erros servem para escla- consiste portanto. em compreender uma situação, isto é, em
recer a situação e definir uma direção. Os sucessos são, pois, perceber um conJunto de dados enquanto coordenados entre
uma solução, e não um simples resultado. Em contraposição, si, em_ ~nven~ar ~u descobrir os meios ad<J/ptados a um fim,
para os animais inferiores, o fracasso é absoluto : ou a reação em critwar, isto e, em_ escolher e~tre soluções possíveis a que
:absurda é indefinidamente repetida, ou todo ensaio é aban- melho: res:Qonde ao fim perseguido, e, enfim, em dirigir O'U
,donado. No comportamento inteligente, o fracasso é um en- organizar o comportamento, físico ou moral num sentido de-
,sinamento: conduz a inventar outras soluções mais eficazes. finido, por uma série de ajustamentos fin~lizarlos. Noutros
. Vê~se, com isso, que não é precisamente o rrrocesso por tatea- têrmos, que resumem tudo, a inteligência caracteriza-se nlti-
-mentos que se opõe à inteligêncm, mas sim o tateamento me- d'.1me~te como uma função de organização mental que cria para
cânico, não finalizado. O chimpanzé, como o reconhece si os mstrumentos apropriados e •que por essa mesma razão
·KÕHLER, nunca procede senão por ensaios e erros. A criança apreende relações e delad se serve. 4 ' '

faz outro tanto. Mas a criança, como o macaco superior, sabe


aproveitar seus fracassos, explorar e até certo ponto genera- § 2. Os NÍVEIS INTELECTUAIS
lizar os acidentes favoráveis.
380 Do ponto-de-vista psicológico, somos levados a discernir
di~erentes níveis ou graus de inteligência, tanto na espécie .
B. A inteligência. humana animal como na humana. Por outro lado, apresenta-se o pro-
blema de saber se é possível passar do animal mais inteli-
.979 1. A cultura, obra do «homo faber». l!l evidentemente gente ao homem mais atrasado, por simples continuidade isto
no homem que se encontra o tipo mais assinalado do compor- é, de saber se entre o animal e o homem existe apenas' uma
tamento inteligente. O homem, que é pobre em instintos re-
diferença de grau.
lativamente ao animal, sente, em compensação, grande número
de necessidades que requerem adaptações constantemente novas,
e, portanto, uma função específica de invenção e de organização. A. Níveis intelectuais nos animais
O que chamamos a civilização ou a cultura não passa de um Se não se der à palavra inteligência um sentido definido
conjunto prodigiosamente complexo de adaptações, relativas que a faça sinônimo de razão, não há motivo para recusar
.às necessidades materiais e espirituais do homem. Desde suas inteligência aos animais. Somos mesmo levados a distinguir
.origens, e das formas mais baixas às mais altas da cultura, e1;tr~ os_ animais, as espécies e os indivíduos, graus de inteli-
.a humanidade é essencialmente uma espécie que se propõe pro- gencia, isto é, graus na capacidade de se adaptar a situações
blemas e os resolve por meio de instrumentos que não cessa novas por invenção de meios apropriados.
de produzir com inesgotável engenhosidade. Na invenção das
artes mecânicas, nas técnicas da lógica nas teorias científi- , 1_. Düerença entre as espécies. Primeiramente, de uma
cas e nas especulações dos filósofos, n~s técnicas do direito -espec1e a outra, verificam-se grandes diferenças. Vimos como
,e nas constituições políticas, é sempre o JJlesmo tipo de es- us chimpanzés conseguiam resolver problemas ante os quais
fôrço intelectual que descobrimos, nascido biologicamente da fra~assavam cães, gatos ou caval9s. Certos animais, como as
necessidade vital de satisfazer as complexas necessidades do gah_nhas, parecem particularmente estúpidos. Os insetos, ma-
homem, pela solução de l')roblemas constantemente renovados, ravilhosamente dotados quanto aos instintos são extremamente
mediante instrumentos cada dia mais nuJJlerosos e precisos. pobres de inteligência. '
·Dêste ponto-de-vista, pode o homem caracterizar-se como
:fabricante de instrumentos e de ferramenta. Ho'f'M faber Co~vém notar que a determinação dos niveis de inteligência
uos aromais é assaz hipotética e incerta. Faltam as observações
.(BERGSON).

2 . Caracteres da inteligência. hUilllLllS.. Se é verdade 4 Cf. DUMAS, Nou.veau· Trrrité de Psvcholor,ie, t. V, págs, 104-106 (DE-
que o sinal da inteligência reside no fato de resolver proble- LACROIX). .
mas novos por adaptaç.ões inéditas dos meios a um fim, ou,
402 PSICOLOGIA
O PENSAMENTO. 403
NOÇÕES GERAIS

precisas na maior parte das espécies, e os meios de investigação são


muito insuficientes. Após muitos outros psicólogos, KõHLER quis es- pela função lógica G, Por outra parte, a inteligência é poli-
tabelecer uma correlação constante entre a inteligência- animal e o morfa, e hã modalidades de inteligência (funções mentais pri-
desenvolvimento morfológico, particularmente do cérebro. Mas essa márias) que não têm entre si nenhuma correlação necessária.
correlação é muito discutível. BIERENs DE HAAN' (Journal de PS']lcho-
logie normale et pathologique, 1937, págs. 374-375) prova, com nu- Verificam-se, não raro, fatos dêste gênero: matemáticos, uma
merosas experiências, que o grau de inteligência não depende do Iuiar vez retirados das matemáticas, racigcinam como selvagens; obs~rva-
; que os animais ocupam no sistema zoológico, e que, em matéria de dores admiráveis são desprovidos de senso lógico; lógicos notaveis
«inteligência criadora», os chimpanzés estão longe de ocupar o pri- fracassam na observação mais singela; artistas de dons maravilhosos
meiro lugar. não têm ~enhum senso prático; individuas incapazes de cultura
teórica manifestam uma- espécie de gênio mecânico, etc.
2. Diferenças entre os indivíduos. Dentro de uma mes-
ma espécie, observam-se ainda notáveis diferenças entre os in- O l 2 3 4 6 6 7 8 9 10
divíduos. As experiências de THORNDIKE e de KOHLER abun-
dantemente o demonstram quanto aos macacos, e também
Atenção A , B .
Vontade !',.. (
se sabe como se distingue correntemente entre cães ou cava-
\
-
Percep~io
los mais ou menos inteligentes, isto é, mais ou menos capazes
>
<)
de adaptar-=se ràpidamente às situações novas. -~ visual

. <t>
,o
s auditiva
B. Níveis intelectuais no homem ;i; numérica

881 1. Tipos de int.eligência. :m fato de experiência comum


Compreensão "i ...
\
Combinação )
que existem entre os homens diversos graus e formas de inte-
ligência, não só no sentido de que certos indivíduos são mui
dotados e outros pouco, mas ainda no sentido de que as apti-
Habilidade

lm11eina(,ão ..,. J
t' <
dões intelectuais são extraordinàriamente variadas. Alguns I
Obaervaeão '
têm notáveis disposições para as artes mecânicas; outros são
naturalment~ artistas, especulativos, matemáticos, comercian- Fig. 21. Dois perfis psicológicos.
tes, etc. Têm-se imaginado numerosas técnicas a fim de de- Cada um désses perfis é obtido reunindo por um traço o número de pontos
terminar, de maneira tão precisa quanto possível, os níveis que exprime o grou das diferentes aptidões medidas. A: perfil de crianças
intelectuais e os tipos de inteligência. Essas investigações anormais. B: perfil de crianças normais (RossoLINO).
têm grande interêsse prático para a orientação e seleção pro-
fissionais.
Um bom teste de inteligência deveria, pois, fazer atuar
2. Os test.es de int.eligência. Já que a inteligência se tôdas essas diferentes modalidades. Ideal dificilmente reali-
manifesta empiricamente como uma função de adaptação, tôdas zável. Por isto, convém, de preferência, recorrer a testes va-
as técnicas de discriminação consistirão em formular proble- riados, suscetíveis de revelar o conjunto das funções intelec-
mas. Os graus de inteligência serão determinados conforme tuais. Foi o que BINET preconizou e tentou realizar.
a rapidez e exatidão da solução.
982 b) Testes analíticos. O método consiste em examinar
a) A questão da "inteligência geral". A inteligência várias operações intelectuais de natureza diferente (atenção;
geral, enquanto função global, só dificilmente é acessível pelo percepção; memória visual, auditiva, numérica; compreensão;
método dos testes. Com efeito, primeiramente o gênero de
teste empregado depende, muitas vêzes, de uma concepção fi- 5 Cf. BALLARD, The neu, examiner, Londres, 1924; SPEARMAN, "Ge-
losófica sôbre a natureza dessa faculdade. Para uns, a inte- neral lritelligence objectively determined and measured", em AmeriCll'n
ligência definir-se-á como um poder de percepção do real; para Journal of Psycholo1711, 1904, págs. 201-292; THORNDIKE, The measurement
of Intelligence, New York; LHAY, "Un test d'intelligence logique", em Le
outros, como uma aptidão para apreender relações, ou, ainda, travail humain, Paris, 1933, págs. 129-151.
404 PSICOLOGIA

combinação; habilidade; imaginação; observação) , e depois to-


O PENSAMENTO. NOÇÕES GERAIS 405
talizar os resultados obtidos. 6 Pensa-se formar assim certo
juizo do valor intelectual geral (fig. 21). Feitas estas reservas, é possível, por meio de testes apro-
priados, muito empregados nos institutos de psicotécnica,
_, Propõem-se a crianças os problemas seguintes: 3 anos: apontar determinar as aptidões de um indivíduo. Ora tentar-se-á defi-
o nariz; repetir dois algarismos; enumerar os objetos de uma gra- nir os graus das funções de compreensão, de invenção, de
vura; repetir seis sílabas; 5 anos: COliliar um quadi;,ado; repetir uma,
frase de 8 silabas; contar 5 moedas; repetir 4 números; mostrar e crítica, de organi:mção, ou também os tipos de pensamento in-
nomear 4 objetos diferentes e dizer-lhes o uso. 8 a 10 anos: mos- tuitivo ou analítico, prático ou especulativo, afetivo, imagina-
trar as lacunas de uma figura; reproduzir um desenho simplissimo; tivo ou,lógico, ou então os tipos· vivo ou lento, sensorial ou
ordenar em série crescente cinco pesos diferentes; contar por núme- motor, visual ou auditivo, etc.; ora, se possível, cuidar-se-á
ros pares; definir um objeto de outro modo que não pelo uso; com- de ser mais preciso ou rigoroso, procurando, mediante provas.
pletar uma frase em que faltam ceI'tas palavras ; compor uma frase
que encerre duas palavras dadas «Brasil, glória:s>; reconstituir uma diversas, descobrir as aptidões concretas (mecânicas, artísti--
frase inteligível com palavras dadas sem ordem; discernir os absur- cas, verbais, simbólicas, etc.) de cada indivíduo. Em todos.
dos de uma afirmação (o ferro é mais leve do que o papel), de um os casos, tratar-se-á de problemas especiais a resolver, que:
desenho, de um relato. 7 exigem uma rápida faculdade de adaptação a situações con--
Bem entendido, como já o observamos ( 40), êsse processo cretas bem definidas.
só dá valores ordinários, e seus resultados só proporcionam
··comumente meras indicaç~s, não sendo, como _nào é, a pre- C. Patologia mental
cocidade necessàriamente sinal de superioridade definitiva, A patologia mental, estudo das doenças mentais ou tipos: nosológí-
nem o atraso marca de inferioridade irremediável. 889
.•
! ' cos como tais (psicoses) , assim como a psicologi{]) patológica, estudo
dos distúrbios funcionais (amnésias, alucinações, hiperestesias, etc.),
c) Testes de aptüiões. Quando se trata dos adultos, a considerados em si mesmos, independentemente da psicose de que
noção abstrata de inteligência tem ainda menos alcance que dependem, transcendem largamente o campo da inteligência, viSto
para as crianças, entre as quais a diferenciação das diversas concernirem igualmente aos distúrbios da afetividade e aos da ati-
funções intelectuais é, muitas vêzes, pouco marcada. No vidade. Todavia, aqui como no estado normal, tôdas as funções são-
solidárias ; a .atividade l.Iitelectual muitas vêzes é perturbada oui
adulto, a inteligência é normalmente especializada, e depende inibida por «deficits> da afetividade, e inversamente: o torpor inte-
também não só do desenvolvimento mais assinalado de uma lectual freqüentemente está ligado à depressão nervosa ou à psicas--
ou de várias funções intelectuais, como ainda da harmoniza- tenia; a diminuição do número dos interêsses é, ordinàriam.ente,.
'J'·
ção mais ou menos perfeita de funções diferentes e pràtica- conseqüência da pobreza, nativa ou acidental, da imaginação e da .
mente solidárias, determinada pelo jôgo da vontade e dos in- atenção, etc.
Não obstante, se levarmos em conta estas--observações, podem--
terêsses. Um indivíduo superiormente dotado em tal aspecto se classificar de vários pontos-de-vista os transtornos intelectuais.
pode, de fato, se fôr preguiçoso ou abúlico, ser muito inferior Primeiramente, do ponto-de-vista de sua duração, são definitivos .
a outro medianamente dotado sob o mesmo aspecto, porém (idiotia, imbecilidade) ou passageiros (delírio momentâneo). Do
dotado de uma energia poderosa e perseverante. A inteligên- ponto-de-vista de sua natureza, distinguem-se os transtornos pol'"
excesso (hiper), por falta (hipo) e por desvio ou perversão (para).
cia, mesmo especial, nunca é, pois, pràticamente isolável do
complexo psíquico que define um indivíduo. 984 1.
I
Transtornos por excesso. :tstes transtornos não são gerados,:
por um excesso de inteligência, pois não há excesso possível na inte-
6 Cf. BINET et SIMON, La mesure du développement de r'intelligence
ligência . Na realidade, afetam certos instrumentos (sensoriais, me-
chez les ;eunes enfctnts, nouv. éd.., Paris, 1945. DECROLY et DEGAND, "La mória, linguagem) utilizados pela função intelectual: hiperestesia,
mesure de l'intelligence chez les enfants normaux d'apres les tests Binet hiperamnésia, logorréia, psicose alucinatória, etc.
Simon", em Archives de Psychologie, 1910, págs. 81-108. R . ZAZZO, Intel- 2. Transtornos por falta. Distinguem-se aqui as paradas de
! ..
1
ligence et quotient d'âges, Paris, 1946. desenvolvimento, as regressões e os casos de confusão mental.
7 Têm-se feito tentativas para determinar, para cada idade, as questões
variadas que podem ser resolvidas pelo maior número de sujeitos (idade a) Paradas de desen.volvimento. Podem-se agrupar nesta cate-
mental). Quando um menino não pode resolver as questões de sua idade, goria: a debilidade mental: a criança é incapaz das aquisições
diz-se que sua idade mental é inferior à sua idade real: um menino de 7 normais, e de discernimento e de iniciativa; atraso intelectual e im-
anos que só resolve as questões de 5 anos tem a idade mental de 5 anos. becilidade: a ação é de pura imitação, sem sentido nem continuidade;
Inversamente, um menino de 5 anos que obtém êxito nos testes de 7 anos a idiotia, com seus estigmas físicos característicos e assinalada.
tem a idade mental de 7 anos. :psicol_à~icamente pela estagnação da atividade, votada à repetição
1ndefm1da dos mesmos gestos, pela obumbração do intelecto e au-
sência de. sentimentos normais.
1

406 PSICOLOGIA O PENSAMEN TO. NOÇÕES GERAIS 407


1

.b) Regressões. As regressões ou degeneresc ências mentais § 3. INTELIGÊN CIA E RAZÃO i J

produzem-s e quer na velhice (demência senil>, quer por doenças


! '

cerebrais: demência precoce e paralisia geral. A demência precoce 986 Até aqui não tivemos de assinalar diferença essencial
é efeito de uma degeneresc ência celular devida. a uma infecção ou entre a inteligênc ia dos animais superiores e a do homem,
intoxicação . Mantfesta-s e psicologica mente pela dissolução da uni-
dade da vida consciente e por uma desir~erção do real, chamada., criança e :multo. Todavia, apresenta- se o problema de saber
em geral, esquizofren ia. A paralisia geral, por meningo-en cefalite se o têrmo inteligência pode ser empregaà,o univocamente para j
difusa, comporta psicologica mente amnésia, retrógrada progressi- o animal e para o homem. A questão pode, aliás, ser abor- 1 .

va (22), queda gradual da atenção, do juízo e do raciocínio, obum- dada do po~to-de-v ista experimen tal e reduzida a pequeno nú-
bração do senso moral, manifestaçõ es delirantes, e, finalmente, im- mero de observações.
IÍ becilidade integral.
t: c) Sonhadores mórbidos. :tl:ste caso, que encontramo s no estudo A. Limit.es do comportamento int.eligent.e no animal
do devaneio (233), pede algumas observações. Comument e fazem-no
entrar na categoria das esquizofren ias, a qual se define pela disloca- No estudo do instinto (281), fizemos notar que, no ani-
ção da unidade da consciência ou dispersão intrapsiqui ca. Trata-se mal, a inteligênci a está de todo compreend ida nos limites do
1

',
de indivíduos que só vivem no imaginário. O caráter patológico de
sua conduta não deriva precisamen te do fato de preferirem os pro- instinto, isto é, que ela absolutam ente não constitui um psi- 1:
i
dutos de sua imaginação como mais ricos, mais belos e mais sedu- quismo autônomo, especifica mente distinto do próprio instinto.
tores que o real, isto é, em razão de seu conteúdo, mas sim em razão Ou, por outros têrmos, a inteligência no animal não é uma
de seu egtado imaginário, quer dizer de sua forma. Daí vem que o
1 ·

faculdade ou função. E' simplesme nte uma qualidade do ins- i


real, pôsto que lhe realize os sonhos, nunca os satisfaz, pois é sem- tinto. Todavia, certos animais superiores , como o chimpanzé ,
pre para êles, não um aquém do mundo imaginário, mas outro que
não êle, situado num plano onde o esquizofrên ico não quer viver, por pareceram dotados de uma inteligênc ia relativame nte autôno-
não poder adaptar-lhe sua conduta. O sonho, ao contrário, não re- ma. Sôbre êste ponto podemo-nos ater às observações de
quer nenhuma adaptação; está à disposição do sonhador acordado; KÕHLER. O important e é apreender -lhes exatament e o signi-
não admite nem risco nem novidade, e transforma -se ao sabor de sua ficado.
fantasia ou de sua instabilldad e menta,!. :ltsse mundo imaginário é,
finalmente, em relação ao real, dei pobreza e de banalidade extremas.
1. Servidão ao presente. Tôdas as expenenci as de
d) Confusão mental. A organicidad e desta afecção parece ser KÕHLER sôbre os antropôide s demonstra m que as situações
meramente acidental (infecções ligadas à febre tifólde, à tuberculose , em que os colocam essas experiênci as devem apresentar-se
ao câncer, ao alcoolismo. Psicologica mente, ela se manifesta por
um entorpecim ento das faculdades superiores, acompanha do ou não sempre completas simulroneamente, isto é, formar um com-
de agitação. Efetivamen te, ora reveste forma astênica (obtusão plexo óptico presente. Corda, pau e caixa só são utilizados
intelectual, passividade e imbecilidad e), ora a forma delirante (cri- pelo chimpanzé para alcançar a isca na medida em que são
ses alternantes de agitação delirante cr:nn aluctn,,açáo). apresentad os juntos com esta. Do contrário, o antropóide não
chega a resolver o problema proposto. Suponha-se, por con-
885 3. Transtorno s por desvio e perversão. As paranóias têm a traste, a humanida de primitiva limitada ao psiquismo do ma-
particularid ade de unir dois sintomas que à primeira vista parece-
riam inconciliáve is: de uma parte, as concepções delirantes (por caco mais inteligente : jamais teria esboçado a menor civili-
exemplo, a convicção de ser príncipe, gênio ignorado) e, de outra, a
integridade intelectual e sensorial (nada, de alucinações , senão muito
.. zação. Nem o fogo teria sido inventado, nem as habitações
construída s, nem a terra cultivada, nem, com maioria de ra-
acidentalm ente). Fora iro campo do delírio, os paranóicos são tnte- zão, teriam nascido as artes e as técnicas da indústria.
zectualmmi te normais; no campo do delirio, as deduções são corretas A razão desta diferença reside no fato evidente de que
e mesmo, não raro, de sutileza desconcerta nte. O demente interpreta
os fatos segundo sua idéia delirante, mas raciocina corretamen te a o macaco só é determinado pelo presente sensível, e não tem
partir dessas interpretaç ões. Donde o nome de loucura, raciocinant e. nenhuma percepção ou antecipação do não-presente, quer di-
Enumeram -se sete tipos de paranóicos: os perseguidos , os hipocon- zer, só tem representa ção do dado imediato. Mesmo êsses
dóacos, os megalôman os, os amorosos, os ciumentos, os místicos e os complexos ópticos imediatos são-lhe extremam ente obscuros,
auto-acusad ores. s fora dos casos simplíssim os que compõem os problemas pro-
postos: não somente as soluções a descobrir estão subordina -
das à estrutura óptica do campo, mas, além disso, os proble-
R Cf. Dr. CH. BLONDEL, Ler conscience morbide, Paris, 1914. R:tGIS,
Précis de Psychiatrie, 6.ª ed., Paris, 1923. Dr. MALLET, La démence, Paris, mas tornam-se insolúveis para o chimpanzé "quando a estru-
1935. · H . DEHOVE, Notions de Psychologie pathologique et de Pathologie
mental e, Paris, 1934. tura do campo exige demasiado de sua faculdade de apreensão
PSICOLOGIA O PENSAMENTO. NOÇÕES GERAIS 409
408

óptica" (KÕHLER, L'intelligence des singes supérieurs, tradução zes de exprimir seu pensamento, ou que sêres incapazes de
de GUILLAUME, pág, 254). Que quer isso dizer senão que o exprimir seu pensamento sejam, no entanto, capazes de pen-
chimpanzé não pensa (maneja, antes que as pensa, as rela- sar? De fato, presença e ausência da linguagem são efeitos
ções de meios a fim), sendo o pensamento, como é, por essên- e não causas. Não se deve dizer : o animal não pensa porque
" não fala, e sim : o animal não fala porque nio pensa. ,
cia, a faculdade de aprelnder o não-presente, de transcender
o espaço e o tempo, de captar as relações necessárias dos meios Aliás, KõHLER reconhece que, do ponto-de-vista da organização.
aos fins? 0 o chimpam1é revela uma fraqueza que mais o aproxima dos macacos.
inferiores que do homem. O que equivale a dizer que êle não pensa,
já que a organização implica a construção refletida de uma ordem
387 2. Ausência da linguagem. Em relação com as obser- por meio de um conjunto de representações livres.
vações precedentes, ainda há que fazer notar que o antropóide
não fala, enquanto que a criança, como o homem mais primi- 988 3. O animal e a criança. Muitas vêzes compara-se a
tivo, tem uma linguagem à sua disposição. A pa/,avra é o criança com o animal. 10
sinal do pensamento, em primeiro lugar porque traduz repre- KõHLER sugere que haveria lugar para estabelecer, por
sentações não presentes e liberta o bom.em da servidão do atual, testes, "em que medida crianças normais ou retardadas se sa-
e, depois, porque também significa a realidade de uma ordem fam de dificuldades em situações dll,das de maneira concreta"
interior, refletida e consciente. E' a marca de uma autonomia. e da mesma natureza que as que servem para os chimpanzés_
Não quer isso dizer que os animais não tenham nenhuma espécie Porém isso nada significaria, porquanto a criança não é uma
de linguagem. Averiguou-se, por exemplo, que as abelhas que des- espécie especial. Tornado adulto, o antropóide continua sendo
cobriram um lugar de melada abundan:te fazem sobressair pequenas antropóide. A criança é um homem em via de desenvolvi-
vesículas situadas entre o quinto e o sexto segmentos abdominais; mento e que, já muito cêdo, fala, pensa, julga e raciocina como
essas vesículos exalam um odor que alerta as abelhas próximas. o adulto.
Ademais, a abelha colhedora, ao voltar à colmeia, avisa as compa- Que, em seus primeiros anos, a criança fracasse em re-
nheiras presentes por uma espécie de dança. li:ste caso e outros
semelhantes ainda não se compadece com o que se chama a «lin- solver os problemas propostos aos antropóides, ou que os re-
guagem animab: trata-se apenas de sinais ligados a reflexos emo- solva como êstes, é sinal de um desenvolviment o insuficiente-
cionais inatos, deflagrados por situações concretas (287). A lingua- e, de modo algum, de uma natureza fixada e murada nesses.
gem animal é formada de gritos diversos, que são outros tantos sinais limites (72). 11
dotados de um sentido definido e percebidos pelos congêneres. Mas
ainda aqui esta significação é puramente afetiva: não traduz senão PIAGET (Journal d,e Psychologie normale et pathologique, 1937,
emoções instintivas (325-354/. É o que nitidamente reconhecem págs. 112-113) sustenta que o pensamento da criança dife:de do-
observadores tão atilados como YERKES e KõHLER. pensamento adulto: certos modos de pensar seriam próprios da cian-
ç& e desapareceriam nas idades seguintes. Noutros têrmos, o desen-
Por esta razão, sem dúvida é inverter os têrmos do pro- volvimento da criança seria qualitativo, e não apenas quantitativo.
blema escrever (KÕHLER, loc. cit., pág. 254) que "a ausência ·Numerosas experiências infirmam essa opinião: tôdas demonstram
que, do ponto-de-vista qualitativo, o pensamento da criança é idên-
de linguagem [ ... ] [é responsável] pela diferença considerá- \ tico ao do adulto, que tôda a düerença reside na falta de expriência
vel que existe entre o antropóide e o homem mais primitivo": da criança, e que o adulto cometle as mesmas faltas que a criança
Pode-se acaso conceber que sêres que pensam sejam incapa- quando tem de se aplicar a coisas que não lhe são familiares.

9Se certos êxitos entre os macacos mais inteligentes (Sultão, de KõH- 10 Cf. KELLOG, The ape and the child, New York e Londres, 1933.
LER, e sobretudo Nicolau, de GUILLAUME e MAYERSON) poderiam in- 11 Mme. N. KOHTS (Journal de Psychologie normale et pa:thologique.
clinar a falar de "pensamento" ou de "idéia", em todo caso é certo que do 1937, págs. 494 e segs.), comparando a conduta da cria do chimpanzé e O· •

pensanrento êsses macacos "só puderam adquirir o mais hwnilde germe, e comportamento da criança, propõe as seguintes conclusões: "0 pequeno chim-
que não souberam tirar dêsse privilégio nenhuma vantagem correspondente panzé aparece [. , . ] como um ser que possui rudimentos de certas quali-
a suas imensas possibilidades", - e, mesmo, que "tão raro e incerto aparece dades ou aptidões especificamente humanas, mas que não tem tendência
nêles o emprêgo espontâneo dêsse nôvo instrumento mental, que quase po- alguma a exercê-las nem a aperfeiçoá-las, ainda quando, com isso, pudesse-
deríamos perguntar.JIJ.os se não foi suscitado nêles principahnente pela pre- obter vantagens apreciáveis [. .. ] . Trata-se de um s&r estacionado no es-
sep.ça, ação e estimulo do homem, e se não foi a própria experimentação que treito círculo de suas imperfeições inatas, um ser "regressivo", se o comparar-
criou as condições essenciais do fenômeno, ao invés de apenas nô-lo revelar, · mos ao homem, um ser que não quer nem· pode entrar na via do progresso"
como lhe pedíamos" (M. PRADINES, Psychologie générale, Il, I, pãgl- (pág. 530) . (:11:sse ·"que não quer" é fôrça de expressão, porque só recusamos.
g!nas 112-113). aquilo que, de alguma maneira, somos capazes de realizar.).

...... ..... _,_, __ .,.,· -


,
O PENSAMENTO. NOÇÕES GERAIS 411
410 PSICOLOGIA

2. A inteligência infra-racional. Não se trata, pois, de


B. A razão
recusar a inteligência ao animal, mas somente de reconhecer
''989 1. Inteligência racional. Entre o animal, mesmo su- que essa inteligência é especificamente diferente da inteligên-
perior, e o homem, mesmo não civilizado, devemos pois re- cia humana. O instinto é uma forma de inteligência, porém
conhecer duas diferenças essenciais. De uma parte,' o ho~em., ob,ietiva e montada pela, natureza. No animal superior, o ins-
em suas representações e atividades, não está prêso como o tinto torna-se mais maleável, a inteligência pa~ce despren-
animal, aos dados sensoriais atuais; pode utilizar im'agens li- der-se dêle em certa medida. Mas essa medida é das mais
vres; pode, antes de agir, organizar mentalmente sua ação estreitas, e fica sendo infra-racional, enquanto o antropóide
segundo um plano. O animal, ao contrário, é escravo do real permanece sempre escravo do dado sensorial.
sensível, a ponto de só evocar as imagens motoras à medida
da ação. 12 e. O pensamento
FR. ALVERDES (Social life tn the animal world, Londres, 1927)
pret~nde explicar tôda atividade, humana e animal, pela fórmula 990 A inteligência, que empiricamente caracterizamos como
seguinte: A = f (C, V), em que A = o ato, C = elementos instintivos um poder de adaptação, aparece-nos, pois, agora em suas for-
e V =. var~ável que produz em certos casos a reação apropriada mas superiores, propriamente humanas, como implicando fun-,
uma s1tuaçao dada e, noutros, uma reação imprevisível. A díferença
entre as atividades instintiva e intelectual seria qU!e, na primeira; ções ou potências mui diversas, que podem ser reduzidas às
a constante é que predomina, e, na segunda, a, variável. É evidente funções gerais de análise e de síntese, e às operações originais
a petição de princípio de uma tal fórmula, qu'e implica que entre que põem em atividade essas funções.
o comportamento constante e o comportamento variável só há mera
diferença acidental. Tratar-se-ia precisamente de saber primeiro
se a variabilidade das reações é sempre do mesmo tipo (281) e de~ 1. Análise e síntese. O pensamento humano não recebe
pois, se a distinção de uma atividade constante e de uma atividade o dado como um caos indiferenciado. Mediante operações de
variável não constitui uma diferença essencial. dissocmção, decomposição, divisão e distinção, esforça-se cons-
Por outro lado, o homem tem o poder de fazer prevalecer tantemente por apreender os elementos da experiência, por
,,
1 ' uma tendêncm antagonista sôbre uma tendê'TbC'ia instintiva. compará-los entre si a fim de determinar suas relações de
Não se descobre no animal vestígio algum de semelhante po- semelhança e a ordem sistemática que os une.
der, em virtude mesmo da servidão em que o animal se acha A síntese consiste em reconstruir os todos a partir dos
relativamente ao dado sensorial presente. elementos não sõmente em vista de apreender os objetos da
experiência, previamente analisados e decompostos, em sua
1 A prqpósUo de chimpanzés, há que nota.r, como o confessa
KõHLER, que, desde a mais tenra idade, devem ter tido a experiência
dos objetos móveis; devem ter-se servido de um galho ao brincar,
unidade complexa e em sua multiplicidade orgânica, mas tam-
bém para criar objetos novos. Tôdas as técnicas, tôdas as
escavado o solo e ter-se alteado num galho para colhêr um fruto. ,',t ciências e tôdas as artes são produtos dêsse poder sintético,
11:sses animais só resolvem um problema com o auxílio do que apren- que culmina no pensamento filosófico, esfôrço de síntese ra-
deram. As reações musculares impostas pela situação e criada pelo
problema já se acham de antemão constituidas, bem como do mesmo cional que ambiciona pensar o universo como um todo.
modo preexistem as imagens motoras correspondentes.
2. Meios do pensamento. O pensamento humano tem
Poder-se-iam resumir êstes dois pontos dizendo que o ho- por instrumentos o conceito, o juízo e o raciocínio. Pela idéia
mem tem sôbre o animal, graças ao jôgo de suas representações ou conceito, representação abstrata, o pensamento é liberado
livres, o privilégio de dominar o universo e de se dominar a da servidão da imagem e do presente sensorial. Escapa aos
1
si mesmo. 11.:ste privilégio evidentemente é o efeito de uma limites do espaço e do tempo. O juízo e o raciocinio são os
função original, irredutível aos mecanismos, instintivos e emo-
cionais, que governam o comportamento animal. 11.:sse poder meios pelos quais a inteligência humana apreende o real, não
define-se pelo têrmo razão ou faculdade de perceber e produ- mais somente como um complexo confuso de objetos diversos,
zir uma ordem, isto é, de apreender as relações inteligíveis porém ainda como um sistema ordenado de maturezas e de
existentes entre as coisas e unificar o conjunto do saber. essências, e, mediante recurso aos princípios e às causas, cons-
trói um universo mental -que permite ao homem transcender
12 Cf. MC DOUGALL, An Outline of Psychology, pãgs, 204 e segs.
o mundo sensível.
O PENSAMENTO . NOÇÕES GERAIS 413

1
(, ',,
412 PSICOLOGIA

Simbolismo intelectual. A linguagem humana retira


lNTELIGtNCIA IN'l'ELIGt:\NCIA lN'CELIGtNCIA
991 3. RETARDADA REGULAR ADIANTADA
' t daí tôda a sua significação. Como o mostrara DESCARTES, ela 1
é o sinal da razão, única capaz de usar símbolos que servem 30% 50%
de substitutos às coisas, e, por isso mesmo, de se libertar da Adiantados cefálicos 20%
Regulares cefálicos 2fi% 50% 25%
,, escravidão do dado sensível imediato. A indiferença do sipal Atrasados cefálicos 40%,· 35% 2n%
articulado (tal como o definem as convenções infinitament e
variadas que são as línguas humanas) não faz senão traduzir
a realidade de um pensamento capaz de abstrair e de genera- Segundo BINET, essas experiências levam às conclusões seguintes:
lizar as experiências , isto é, de dominar o espaço e o tempo. <?~o que concerne ao grupo, a significação dessas medidas é tão pre-
cisa, qur -:nderia servir para um diagnóstico global [ ... ] . Mas, se,
4 . Sinais físicos do nível intelectual. Sempre se relacionou em vez de me apresentar as crianças agrupadas, trazem-mas uma
espontâneam ente o estado do cérebro, e, em particular, o maior ou a uma e me pedem que julgue cada uma delas pelo volume do
menor dE:senvolvimento do crârúo, com o estado intelectual. Em- crânio, sou obrigado a. me recusar».
preenderam-s e pesquisas metódicas para controlar e precisar êsse R. ZAzzo (Intelligence et quotient d'âges, Paris, 1946) contesta
ponto. o alcance dos testes de BINET-SIMON e mostra. que os quocientes que
por êsses testes se estabelecem são relativos não a quantida!1es de
inteligência, mas a ida.eles. «Define-se a criança normal nao por
RAÇAS VOUIME CRA!IIANO certa quantidade de inteligência, mas sim pelo lugar médio que ocupa
entre as crianças da mesma idade; não pela aritmética que permite
,fi adicionar, subtrair, multiplicar ou dividir valores, mas pela estatJS-
Negróide de Boskop <Cabo) . .. .... ...... . 1.900 cm3. tlca que situa um individuo em relação a um grupo biológica e so-
La Chapelle aux Saints ....... .. ........ , 1.600 -
Néanderthal ..... ... ..... ... ..... . ..... . .. . 1. 500 a 1. 600 cm3. cialmente defirúdo» (pág. 45). Como mais acima fazíamos notá-
Japonêses . . . ..., ... .. .... . ........ .. .. .... . 1.586 lo (382), aqui só poderia tratar-se de números ordinais.
Bretões ... . ............ , . , .. ·,. · ·,, , · · · · · · · 1.583
Chineses .......... . .......... . ......... . .. . 1.518 b) Estacfu da massa encefálica. Sôbre êste ponto, numerosas
Esquimós ...... .. .... .. . . . .......... .... . .. . 1.456 hipóteses têm sido propostas. Pretendeu-se relacionar a inteligência
Negros do Dahomey .. ... . . .. . ... . .. .. .. .. . 1.352 com a superfície encefálica ou com o número das circunvoluçõe s,
Anglo-Saxões ............ . ............... . . 1.412 ou ainda com a conformação destas últimas. De fato, nenhum dêstes
Indianos .... .. ... .... ..... . ............ . .•. 1.289 critérios é decisivo. O último parece, entretanto, proporcionar al-
, i gumas indicações, mormente nega:tivas, já qu.e os alienados são por-
Fig. 22. Volume craniano médio de diferentes raças.
tadores de anomalias freqüentes nos sulcos cerebrais. Os dois
primeiros critérios são claramente falsos. .
Se é certo que um pêso mínimo (1.000 g) e um volume mínimo de massa Quanto ao pêso d.a massa cerebral, êste não tem significação

l encefálica (cérca de 1.250 cm3) são necessários para que se;am possíveis as
funções psíquicas superiores (maximum dos antropóides: 621 cm3), o n!vel
intelectual não é exatamente proporcional ao volume craniano.
absoluta do ponto-de-vist a individual (63). O cérebro humano tem
um pêso médio de 1.360 gramas. O cérebro de Cuvier pesava 1.830 g;
o de Byron, 2.238 g; o de Cromwell, 2.231 g. O de Gambetta pesava
apenas 1.294 gramas.
1 ·.'
c> Qualidade dia substO.ncta encefálica. O fator qualidade é,
a) Volume do crânio. As estatísticas permitem comparar entre por sem dúvida, o mais decisivo, pôsto que o menos fácil de inves-
-~ ' si as düerentes raças humanas. o quadro da fig. 22 mostra não ser
possível estabelecer uma relação fixa entre o desenvolvime nto cra-
tigar. Cada vez que se pretendeu medi-lo, foi sempre (conforme-
mente ao processo normal da ciência, I, 153) ao ponto-de-vist a
niano e o nível intelectual. quantitativo que se voltou, com tôdas as obscuridades que encerra.
Todavia, BINET («Signes physiques de I'intelligence», in Année
, psych., 1910, págs. 3-12) demonstrou, por experiências numerosas,
; que se podem estabelecer conclusões assaz precisas à base da, medição D. Pensamento e sociedade
crania:çia de indivíduos da mesma raça e da mesma idade. O pro-
cesso consiste em medir a compasso de espessura o diâmetro ântero- 392 1. Tese sociológica. A escala sociológica contemporâ-
posterior da cabeça, o diâmetro transversal, o diâmetro longitudinal nea tem-se esforçado por explicar pela sociedade o conjunto
acima e diante das orelhas, e enfim a altura do crânio. Somam-se da ·vida intelectual. DURKHEIM observa primeirame nte que
as cinco medidas em cada sujeito, e estabelece-se a média para todos a linguagem, pela qual se transmitem as idéias e tôdas as
os individuas da mesma idade. Os indivíduos que excedem a média
são chamados adiantados cefálicos, e os que estão abaixo retardados aquisições do saber, é essencialme nte de natureza social e, por
cefálicos. O quadro seguinte, que resume as experiências de BuraT conseguinte, de origem social.
sôbre crianças das escolas municipais de Paris, dá a relação entre o
estado cefálico e a estado intelectual.
PSICOLOGIA O PENSAMENTO. NOÇÕES GERAIS 415
414

Aliás se se analisam os elementos do pensamento, não b) Natureza da causalidade. social. _Tôda questão está
são meno; evidentes seu valor e sua origem social. O conceito, em definir a natureza da causahdade social. E ela, como o
por exemplo, é impessoal, imutável e universal; domina e go- quer DURKHEIM, criadora das funções mentais graças às
verna o pensamento individual. Ora, êstes caracteres são quais pensamos por conceitos e submetemos nossas operações
intelectuais a princípios universais e necessários? Bem difí- i'
formalmente os que definem a sociedade (I, 258). Ademais, cil é de admitir. Duml} parte, com efeito, a própria sociedade l
0 conceito implica uma hierarquia de gêneros e espécies. Ora, ·1·
só é possível por essas funções mentais que se supõem pro-
as noções de gênero e de espécie, como a de hierarquia, são duzidas por ela. Não há sociedade humana senão porque seus
1

de origem social (família, clã, tribo, pátria), pois a natureza indivíduos'pensam por conceitos e obedecem a leis lógicas uni-
não apresenta exemplo delas (DURKHEIM, Formes elémentaires versais. Se faltassem essas condições primárias, a humáni-
de la vie religieuse, págs. 205-211). Poder-se-iam fazer idên- dade viveria em rebanhos e por bandos, como os animais.
ticas observações para tôda a Lógica. As categorias de que Doutra parte, os argumentos pr<Yf)ostos por DuRKHEIM
ela se serve (princípio, causa, fim, substância, etc.), as re- não passam de petições de princípio. Do fato de o conceito
gras ideais que formula (princípios de razão) têm, tôdas, os ser impessoal, estável e universal conclui imediatamente que
caracteres do fato social, a saber: a universalidade, a imuta- êle é produto da sociedade. Mas isso supõe gratuitamente que
bilidade e o valor de coação, e, por outra parte, as próprias tudo o que é impessoal, universal e ·estável só pode provir da
coisas que elas exprimem são, originalmente, sociais (a causa, sociedade. Ora, é o que seria de mister .provar. A hipótese
por exemplo, que significa a eficiência, é primitivamente hu- de uma razão comum a todos os membros da espécie humana,
mana). Sem dúvida, acrescenta DURKHEIM, o indivíduo, como embora variável em algumas das suas manifestações, e con-
tal bem que tem o sentimento confuso de certa constância nas dicionando a própria existência da sociedade, é pelo menos
coi~as, das semelhanças que encerram, da ordem que as liga tão plausível quanto o postulado de DuRKHEIM. Quanto aos
entre si. Mas tudo isso é algo de inteiramente distinto das argumentos tendentes a explicar as categorias do pensamento
1 categorias e dos conceitos: êstes governam imperativamente (gênero e espécie lógicas, categorias de causa, de fim, de subs-
tôdas as nossas representações empíricas, e só podem provir

)
tância, de sagrado, etc.) a partir das realidades sociais, assen-
de uma realidade que excede o indivíduo, isto é, da sociedade. tam em dados positivos mais do que incertos, e implicam a
Esta concepção, consoante DURKHEIM, explica ao mesmo mesma petição de princípio.
tempo a transcendência do conceito e das categorias da razão,
Por exemplo, a noção de causa seria originalmente a de mana.
transcendência desconhecida pelo empirismo, - e seu valor Mas, admitindo a realidade da mana primitiva (fôrça difusa uni-
natural ou experimental, desconhecido pelo racionalismo idea- versal), pode-se opinar mais acertadamente que a noção de causa-
lista, visto como a sociedade que os produz é "a manifestação lidade é que se exprime sob forma, de mana, de tal modo que, dêsse
mais alta da natureza" ( Formes elémentaires, págs. 18 e segs.). ponto-de-vista, a idéia de causa é que deveria ser considerada como
primitiva, e não a de mana. Do mesmo modo, pensa R. HtraERT, is
o sagrado é primitivamente o tabu (aquilo que é objeto de interdição
999 2. Discussão. A teoria de DURKHEIM apóia-se em cer- e que não se deve tocar). Não se poderia, porém,, igualmente admitir
to número de observações justas, mas tira delas conseqüências que a interdição ritual definida pelo tabu deriva da, idéia do sagrado?
que não contêm.
Resumindo, nossa vida intelectual depende, em grande
parte, das influências sociais. A sociedade, que tem sua na-
a) Jôgo das influências sociais. Não se pode negar que
as influências sociais exercem considerável influência nas ex- tureza e seus fins próprios, modela e especifica parcialmente
pressões da vida intelectual, idéias e linguagem. Com efeito, nosso pensamento. Mas nem o cria, visto a sociedade só ser
possível por êle, nem o justifica, visto que a vida intelectual
não somente a sociedade assegura, pela linguagem, a trans-
só se exerce e só se desenvolve libertando-se das servidões
missão, de urna geração à outra, de uma tradição de pensa- coletivas e dos mecanismos do hábito. Porquanto não existe
mento, que encerra um material enorme de conceitos e de for- outro pensamento autêntico senão aquêle que, pela atividade
mas lógicas rigorosas, como ainda não cessa de influir sôbre
nosso pensamento para lhe imprimir direções e comportamen-
tos coletivos. E' o que explica os caracteres comuns à men- 13 Cf. HUBERT, Manuel élémentaiTe de Sociologie, 2.ª ed., Paris, 1930,
pág. 82.
talidade, à ciência e à filosofia de cada época.

'
1.
....
416 PSICOLOGIA O PENSAMENTO. NOÇÕES GERAIS 417

pessoal, assimil,a, os materiais conceptuais transmitidos pela Falando com mais precisão ainda, e para afastar os equívocos,
sociedade, e que os examina e os critica em referência a nor- melhor seria dizer que o que é primeiro absolutamente, segundo a
mas absolutas das quais a sociedade como os indivíduos são ordem lógica, é a razão, pois ela. é que possibilita a um te1:1po o
universalmente tributários. pensamento e a linguagem, os quais, de fato, formam uma c01sa só.
o pensamento, enquanto é ato e discurso, ~o~funde-se com a pa~a-
/
vra que lhe dá uma forma e um corpo. Distmto desta encarnaçao,
MAINE DE BIRAN (Défense de la Philosophie, éd. Naville, CEuvres nã~ é outra ()()isa senão a, potência radical que chamamos pelo nome
inéàites, t. III) criticou com vigor a tet>ria sociológica, tal como já
a encontrou elaborada em suas linhas essenciais por DE BoNALD em de razão.
sua Théorie àu Pouvoir politique et religieux. Nada, diz êle (pág. 207),
é menos defensável que essa nova «metafísica sociab. «Como se a 395 2. Gésto e mímica no homem, O gesto e a m1mica não
séciedade fôsse um ente misterioso, existeIJlte por si mesmo, inde- são necessàriamente expressivos de pensamento. Muitas ~-
pendentemente dos indivíduos e diferente da reunião dêles; como zes não fazem senão traduzir reflexos emocionais. E' o que
se a sociedade, sem seus indivíduos, possuísse um sistema de verda-
des que lhe teriam sido dadas primitivamente, e que os indivíduos sucede com os animais. Porém, já na criança pequena, à
receberiam passivamente, sem sequer ter o direito de -examinar, falta de expessões verbais, o gesto e a mímica são reações
nem, por conseqüência, os meios de entender essas verdades exte- que significam o pensamento.
riores; como se o ensino dado pela sociedade a cada um de seus
membros não fôsse sempre e necessàriamente uma transmissão oral Por exemplo, pode-se verificar que a criança possui a idéia de
de indivíduos a indivíduos; como se as noções ou às sentimentos chapéu antes de conhecer a palavra «chapéu>, como o demonstra
comuns a tôda a espécie pudessem ter sua causa e sua razão em o fato de se cobrir com todos os objetos que servem de cobre-cabeça
outro lugar que na própria natureza dos indivíduos, ou nas faculda;- (barretes, bonés, gorros, quépis, etc.) . Sem dúvida ela verificou que
des igualmente dadas a cada um pelo autor de sua existência; enfim, êsses objetos de forma variada servem para cobrir a cabeça, mesmo
como se não fôsse girar num círculo ridículo o explicar pela socie- antes de conhecer a expressão verbal dessa noção: a idéia empírica
dade a natureza humana e as leis primordiais de sua inteligência; (o-que-se-põe-na-cabeça) precedeu a palavra. AJsim tam~ém, ,:luas
porquanto a própria sociedade evidentemente necessita, por sua vez, reações (careta ou gesto de recusa, ou expressao de sat1sfaçao e
ser explicada pelo homem dotado, quer primitivamente, na época de gesto de preensão) ante certas qualidades por_ ela isoladas em dif~-
l sua criação, quer posteriormente, por uma espécie de transcriação rentes complexos sensoriais, testemunham a presença de uma noçao
milagrosa, dotado, digo, de faculdades, noções, sentimentos ou ins- empírica dessas qualidades. Tal é o caso da criança que repele ora
tintos, relativos ao estado social em que devia viver. o leite, ora a sopa ou a infusão. que lhe parecem muito quentes: certa
I noção geral do calor está implicada em seu ~esto. !(ela já há pe;,,s~-

/ ART. III. O PENSAMENTO E A LINGUAGEM mento, porque o gesto é portador àe uma intençao e àe um signi-
ficado.
Como mais acima se viu (377), verificam-se, é verdade, fatos
§ 1. Ü ABSOLUTO DA RAZÃO análogos nos animais. O chimpanzé, para aproxima;r uma isca,
serve-se de objetos mui diferentes: pau, galho ~e arvore, cana,
:S94 1. Razão, pensamento e palavra. Pode parecer vão per- tábua. etc. O cão retira-se diante de alimentos mmto quexttes, seja
qual fôr a forma dêsses alimentos. Grande é, porém, a diferença entre
guntarmo-nos quem é primeiro, a razão ou a linguagem, visto a criança e o animal. :mate, quando se trata, por exemplo1 de alimen-
que a linguagem atesta o pensamento e pràticarnente com êle tos quentes, fareja-os e retira-se por efeito da sensaç~o de calo.r.
,se confunde. Todavia, no complexo pensamento-linguagem, Assim também o animal reconhece imediatamente os seres (conge-
·sem dúvida é possível definir qual é o aspecto ou elemento neres e lnimig~s) com os quais está em relaç_ão, nem por isso pá
razão para se falar de idéias gerais: trata-se somente de percepçoes
,que tem a primazia formal, isto é, determinar uma ordem de estruturas e de formas que fazem corpo com o instinto (resultan~o
.lógica. Ora, dêste ponto-de-vista, evidentemente é ao pensa- isso do fato de serem essas percepções inatas, especificas e he,red1-
mento que cumpre atribuírmos a função essencial, visto que, tárias), ao passo que a _criança necessita da experiência E; progride
1'!e o pensamento atua na e pela palavra, esta não faz senão continuamente. Quanto ao emprêgo àe instrumentos variados pelo
macaco, não implica, tampouco, a presença de uma idéia, mas so-
,exprimir o pensamento.· Sem o pensamento não haveria lin- mente uma aptidão relartivamente grande para reconhecer estruturas
guagem, mas simplesmente reações emocionais que se limita- e fórmas· espaciais do mesmo tipo, o que é realmente um comporta-
riam a exprimir o estado afetivo de um indivíduo incapaz de mento que imita a abstração, mas de ordem puramente sensorial, e
que se reduz a repetir, com objetos variados, o mesmo gesto eficaz
situar-se fora de si. ª levado a efeito uma primeira vez.

14 Cf. DELACROIX, Le langage et la pensée, Paris, 1930. G. GUSDORF, 896 3. O discurso interior. Nem tôda palavra_ é necessària-
La parole, Paris; 1953. mente exterior. A linguagem não se reduz tôda a um fenô-
r r·
O PENSAMEN TO. NOÇÕES GERAIS 419
418 PSICOLOGIA r
\ 1

meno sonoro. Se é verdade que pensar e falar são uma coisa '];odavia, ao unir a linguagem à razão como à sua condi-
só, há primeiro uma palavra interior, que é a própria defi- ção absolutam ente primeira ( condição de possibilidade), ain-
nição do pensamento, palavra primitiva e autêntica pela qual da não teremos resolvido a questão da origem da linguagem , i
a idéia recebe sua primeira existência , e que é propriame nte que para nós se apresenta no plano fenomenal . Um recurso
o ato pelo qual o ser racional se situa à distância em relação metafísico não poderia substituir uma explicação psicológica.
ao mundo e se diz a si mesmo, opondo-se a elas, o que as Devemos, pois, perguntar -nos agora quais são as condições
primordia is (condições de realidade) da palavra exterior.
:,
coisas são para êle. O animal, ao contrário, ignora essa emer-
gência fora do mundo, e por isso nem pensa nem fala.
A. Três teorias sôbre a origem da linguagem
•bs casos de surdo-mudez e o pensamento implícito obrigam cla-
ramente a distinguir palavra interior e palavra exterior. 1!: fato Distinguim os três tipos principais de explicação da ori-
perfeitame nte certo que os surdos-mudos de na.scença, embora cons- gem da linguagem : teoria emotiva, teoria imitativa e teoria
trangidos pela falta de linguagem, u exercem todas as operações social, que têm isto de comum: procurare m reduzir a lingua-
intelectuais do homem. O emprêga do alfabeto Braille não faz senão gem a um gênero de comportam ento geral do qual a palavra
dar corpo a um pensamento que exilltla antes dêle. Mais notável
ainda é o casa das «almas em prisão>, isto é, dos surdos-mudos-cegos articulada seria apenas uma espécie.
de nascença, que, por métodos de educação que utilizam o sentido do Limitll,r-nos-emos a mencionar a teoria àa origem sobrenatura l,
tato, podemos tornar capazes de uma vida intelectual e moral ma- que desfrutou grande voga na Escola tradicional ista. Deus, dizia
ravilhosam ente rica, que supõe êsse «discurso interior>, sem o qual DE BoNALD, deve ter revelado ao homem, ao criá-lo, a um tempo a.
seria impossivel. 16 11.ngUagem e as principais verdades morais e religiosas. Com efeito,
É certo, aliás, que nesse caso, como também no diálogo que não o homem teria sido radicalmen te incapaz de inventar a linguagem,
cessamos de sustentar conosco mesmos, a palavra interior é com- porque, para inventar uma linguagem, é necessário possuir outra.
posta de imagens motoras de articulação e de pronúncia esboçadas Doutra parte, sendo a palavra, consoante DE BoNALD, a condição e
(ação ídeo-motor a das imagens: 198), que é a forma normal da re- o instrument o de todo pensamento , deve o homem ter recebido de
flexão, da percepção e da ação, a tal ponto que, para os primitivos, Deus sua linguagem, como dêle recebeu sua razão.
o pensamento se define como o ato de «falar por dentro>, e que, em Peca esta teoria, em primeiro lugar, pelo fato de recorrer ao
certos momentos de surprêsa ou de estupor, a impotência de fala.r é «sobrenatural>, que não pode trazer luz ao plano psicológico. Sem
mero efeito de uma espécie de bloqueio do discurso interior. dúvida, a linguagem supõe, como condição absoluta, a razão, que
Todavia, bem longe está o homem de falar interiormen te todo vem de Deus. Mas a tnvenção àa Ztnguagem é obra humana e na-
o seu pensamento . Primeirame nte, na ação, nós produzimos uma tural. De resto, afirmar que «para inventar uma linguagem é ne-
multidão de percepções e de operações intelectuais que desafiam a cessário possuir outra> é confundir língua e linguagem, invenção so-
I análise mais minuciosa e só encerram uma linguagem interior su- cializada e natureza. 17
mária, eliptica e descontinua. Idêntica observação há que fazer no
tocante ao trabalho de tnvenção que, operando no desconhecido (es- 898 1. Teoria da origem ativa.
quema dinâmico) e, não raro, com rapidez prodigiosa, abandona sls-
temàtlcame nte a expressão verbal, em que só encontraria o duplo a) Exposição. Esta teoria, proposta por LUCRÉCIO, 1 ª
embaraço de uma fixide.z e de uma rigidez incompatív eis com seu
dinamismo (231). .. DE BROSSES, DARWIN, DE HUMBOLDT, considera a linguagem
19

§ 2. ORIGEM DA LINGUAGEM 17 Cf. DE BONALD, Recherches philosophiqu es sur les premiers ob;eta
des connaissances morales, e. II. Como o fazia notar MAINE DE Bm.AN,
397 A questão da origem da linguagem é um problema filo- criticando a tese de DE BONALD (cf. Origine du langage, éd. Naville, Oeu11res
inédites de Mame de Biran, t . III, pág. 247), "crer que entes do sinal não
sófico, por ser problema de estrutura ontológica, ao passo que _havia nada, e que de tôde necessidade foi mister que um sinal revelado
a questão da formação e da evolução das línguas é uma ques- viesse, não excitar e despertar, mas criar e idéia, é querer que a mó tenha
tão de técnica fonética e de história, e concerne somente à sido feita pela coisa molda, é negar e atividade do espírito humano". Na
estrutura morfológica (orgânica) do ser-falante . realidade, acrescenta BffiAN (pág. 277), "nenhum homem é capaz de rece-
ber de fora e verdade ou de entendê-la se já não estiver nêle. Sinais dedos ou
-. aprend.Jdos só podem tirar do entendiment o aquilo que neste já estava sem
uma lei falar o próprio pensamento, de tal sorte que, segundo nota
15 É
êles, mais ou menos obscurament e".
V. 1.026-1.102.
M . SCHELLER (Formal!smt u in der Ethik, Halle, 1921), "um homem que
18
DE BROSSES
19 '.l'héorte 4e ia tormation mécanique des langues, 1765.
tem paralisada a Ungua não compreende tão bem o que escreve quanto um
homem são". também apela pera e l.mltaçlio, que considere mesmo como tendo tido a
16 Cf. L. ARNOULD, Ames en prís071., Paris, 1910.
influência preponderan te.
~-
...
O PENSAMENTO. NOÇÕES GERAIS 421
420 PSICOLOGIA
-~. ~ - ;-,~.. -
p&;, u-e,!'O leite que lhe apresentam está quente de mais nao f~z se-
como uma diferencia ção e um desenvolvimento do gesto ~pon- nãb;~"iiteriorizar um estado de mal-estar ou desc0;ntent:3-_mento._ re ..
tâneo, do grito e das interjeiçõe s, isto é, daquilo a que se· tem cusá O leite e pede que seja _menos quente . P<?r a1 el~ Ja se af1~ma .
chamado a linguagem na.tural. Em sua origem, não passaria com os meios de que dispoe, .como ~m suj,:1to auton<?~º e livre.
de uma mímica vocal das emoções, e derivaria dos sinais na- Nela, a expr@ssão~ é não . somente manifestaç ao dle emotividade , mas
turais, emprega,dos intencionalmente. 2 0 -. tambem..,a firmaçao de si.

com efeito, o grito, o gesto e a atitude são sinais inteligíveis para


,,-
f" 999 2. Teoria da origem imitativa.
todos, enquanto comuns a todos. Tornam-se propriamen te uma lin-
guagem d.esde que resultam de uma intenção. A criança que grita
. ;/•_
.-, a) E~posição. Esta teoria, defendida por LEIBNIZ,
para chamar a mãe começa ao mesmo tempo a pensa?' e a fala.r, vistCJ HERDER, TYLOR, F. DE SAUSSURE, 22 ao observar que a lingua-
:

que explora uma relação de signíficação . gem se dá como um sistema de significações, afirma que não
pode ter sido elaborada senão por oposição à "linguagem na-
b) Discussão. O defeito desta teoria• é apoiar-se na tural", a qual (contrària rnente ao ponto-de-v ista da teoria
noção equívoca da "linguage m natural", como se a mímica, o precedente ) de modo algum é uma linguagem , já que, por ser
gesto e o grito, no homem, pudessem constituir um gênero espontâneo e automático , todo gesto e todo grito exclui a sig-
unívoco com o grito e a mímica dos animais. De fato, se se iüficação intencional. A linguagem , portanto, propriame nte
quiser chamar "linguagem natural" às expressões emocionais só existe como comportamento simbólico e significativo, e seu
do animal, o homem, desde que fala, está para além de tal caráter essencial é exprimir uma i1ttenção relativa ao objeto.
linguagem , e de maneira alguma é possível passar desta para Quanto à sua origem primitiva, deveria esta ser buscada
.a palavra. 21 no instinto de imitação, que leva a "reproduz ir o mundo".
Com efeito, no animal, o gesto e o grito são meras ex-
pressões que coincidem estritamen te com seus estados emoti- o problema de saber como se atualizou essa tendência reprodu-
tora e imitadora é bastante obscuro. Faz-se notar, em primeiro lu-
vos, ao passo que no homem estão carregados de intenciona- gar, quanto nos é familiar o gesto que, para significar uma ação, imi-
lidade e manifesta m, para alé·m da situação emotiva, um al- ta essa própria ação: tal o gesito da criança que tapa os olho.~ com
cance e um projeto, quer dizer um "sentido". Traduzem o as mãos para indicar que a luz a fatiga e que é preciso puxar as
.aspecto que as coisas assumem em sua experiênci a, e as rela- cortinas. A ação mimada é uma linguagem ideográfica , que encerra
ções que se estabelecem entre um sujeito livre e o mundo. conceitos, pela mesma razão que as palavras. Sabe-se como os sur-
do-mudos, reduzidos a essa linguagem, empregam- na com maravi-
Se a «expressão» fôsse a forma primeira da linguagem, o animal lhosa engenhosid ade. Mas essa forma de expressão é confusa e de
pouco ·alcance comparada com a linguagem vocal.
estaria na trUha que conduz à palavra. Aliás, é bem o que, mui ló- Todavia, não bastam unicamente as vantagens da linguagem
gicamente, admitem os defensores da teoria.. O leão que ruge, di- articula.da para .explicar seu aparecimen to. Sem dúvida, sua supe-
zem êles, não simplesmen te como expressão pura. de sua cólera., mas rioridade sôbre o gesto e a mímica é evidente: é utilizável na es-
para intimidar, o gato que arranha a porta para fazê-la abrir, es- curidão como na luz; é mais precisa e mais clara; requer apenas um
boçam o primeiro mecanismo da palavra. Mas êste modo de ver é dispêndio muscular mediocre; não interrompe nem estorva o tra-
puro antropomor fismo. o leão não ruge para intimidar, nem o gato balho ou a atividade corporal. Mas tôda.s estas vantagens não fazem
arranha para fazer abrir a porta: isso são operações intelectuais que os animais acrescentem à «linguagem emocional» a linguagem
que se lhes atribuem gratuitame nte. De faito, tudo se reduz aqui a falada. 2a Cumpre, pois, admitir que no princípio da linguagem fa~
:um cómplexo de imagens, que formam uma estrutura global: <ru- lada hã uma aptidão e uma tendência inatas para explorar as pos-
gido-fuga-do-inimigo:i-, «arranham ento-abertu ra»; quer dizer, reduz- sibilidades, muito extensas, de articulaçõe s vocais.
se a um fenômeno de adaptação. Sem dúvida, no grito e no gesto O ponto-de-p artida, diz-se, deveu abraçar duas espécies de ele-
hã uma finalidade, mas que é puramente objetiva; ao passo que riu mentos fonéticos. Primeiro, as onomatopé ias, que imitam os ruídos
homem tem um carãter subjetivo, quer dizer, é pensa.da e assumida naturais. Verifica-se que tôdas a.s crianças elaboram Hma linguagem
como tal.
Na criança pequena, como o fizemos notar, o gesto e a mimica
são reações que significam o pensamento , a saber, que manifestam •
t2 Cours de linguistique généra!e, Paris, 1922.
intenções relativamen te às coisas do seu meio. A criança que grit3: 2.~ Esta observação tem tanto mais alcance quanto a conformação
anatômica dos órgãos vocais do chimpanzé não difere notàvelment e da do
homem. DELACROIX (NouvetrU Traité de Psvcho!ogie de DUMAS, V,
20Chama-se. ,inal natural ao que está ligado por uma relação natural pág. 269) observa justamente que "há na fonética do chimpanzé tantos
à coisa significada (a fumaça é sinal natural do fogo). O sinal convencional
elementcs fonéticos da linguagem humana, que não se pode imputar aos
é efeito de uma decisão arbitrária (o ramo de oliveira, sinal de paz) (I, 44) . defeitos do instrumento essa ausência da função verbal" (387).
2 1 C:f. MERLEAU-P ON'rY, Pliénoméno! ogie de la Perception, pág. 491.
O PENSAMENTO . NOÇÕES GERAIS ·423
422 PSICOLOGIA

dêsse gênero (o cão é primeirament e o uau-uau), e que as linguas reprodução das precedentes. Observemos primeirame nte que
mais evoluídas conservam certa quantidade de raízes que exprimem 0 êrro
certo dessa teoria é excluir "a priori" o caráter expres-
onomatopéias (zumbir, ranger, roncar, assoviar, sussurrar; cocorocó sivo e significativo da linguagem, e que, em conseqüência, é
glugu, tique-taque, etc.). Doutra pa.rte, as vocalizações naturais pe~ outro êrro pretender que a linguagem derive da sociedade.
las quais o homem, dotado de uma gama extraordinàri amente v~ria- Com efeito, há na, palavra algo que evidentemen te é pré-social
da de articulações sonoras, tem os meios de criar sinais que· a imi-
tação e a tradição pouco a pouco estab111zam. , (logicamente ao menos), e <J,Ue consiste em ser fundamental -
, mente manifestação de um eu-no-mundo. A palavra que brota
b) Discussão. A crítica da teoria da origem emotiva já espontâneam ente para traduzir a experiência humana do mun-
nos permite apreender o que de errôneo e de justo há na teoria do é o ato pelo qual o homem toma, o mais nltidamente , cons-
da linguagem-i mitação. No fundo, o êrro aqui é inverso, mas ciência de seu poder criador. Por isso mesmo que são no-
do mesmo gênero que aquêle que mais acima frisamos, e con- meadas, as coisas do mundo compõem um mundo nôvo total.-
siste em ignorar o caráter expressivo da linguagem. Esta tem mente humano. Milagre permanente, a palavra atesta e con-
certamente, e mesmo no nível do gesto e do grito, um caráter sagra a independênc ia e a soberania do homem.
intencional de relação ao mundo. Mas é também, e ainda mais
fundamental mente, expressão de um sujeito que se afirma face Eis ai o que DuRKHEIM não compreendeu , - e é êsse apenas um
ao mundo. A palavra certamente é significativa de uma in- caso particular do êrro fundamental que lhe faz negar, por sôbre
tenção ; mas é primeiramen te libertadora, enquanto liberta dfJ a sociedade, a realidade da razão e do humano, que explicam a so-
ciedade. Mas, em compensação fêz ressaltar muito bem tudo o que
mundo das coisas. E' simult.ânea e solidàriamen te isto e a linguagem, como tôda a cultura, deve à sociedade. Porquanto é
aquilo, e a oposição de uma linguagem-e xpressão pura da sub- certo que o ato da palavra não pode orga.ntzar'-se senão numa co-
jetividade e de uma linguagem pura da intencionalid ade é com- munidade de indivíduos encQ/1'11ados. A linguagem desenvolve-se
pletamente arbitrária : a palavra realiza abstrações, separando num plano de existências mtersubjetiva s. l!: isso justamente que ex-
plica que ela se ache orientada para as significações despersonali-
os elementos biológicos dos elementos psicológicos e sociais, zadas, nas quais seu papel se r,em.ata, por abstração, na pura e sim-
que fazem da linguagem a expressão de um pensamento e- n ples comunicação. Meto de ação, a linguagem toma-se ~via espécie
afirmação de um sujeito e de uma comunidade. de intermedtárto neutro e da comwn:iàad.e Zingüúitica, sinal sistema-
tizado impessoal, moeda q'Ulil todos os indivíduos podem trocar para
Tão ilusório é pretender que a linguagem nasça da imitação dos as necessidades práticas da vida. 2 7
ruídos dos objetos reais, como fazê-la nascer da mímica vocal das
emoções. Com efeito, o elemento imitativo, uma vez introduzido na
linguagem, já não tem, em absoluto, o mesmo sentido, e ai não con- B. Triplioo raiz da linguagem
serva mais nada de imita.ttvo: exprime a coisa no geral e como se-
parada da experiência particular. A expressão pode aqui tomar de 401 1. Expressão, signifi~, oomuni~ . As discussões
empréstim'! seu símbolo à onomatopéia, mas a ela não se reduz, e anteriores permitiram- nos estabelecer que cada uma das teo-
visa a muito além, isto é, à *léta. 24 rias criticadas apreendeu realmente um aspecto autêntico da
linguagem, mas também se equivocou ao querer fazer dêsse as-
400 3. Teoria da origem social. Segundo esta teoria, que é pecto particular um caráter exclusivo. Na realidade, a lingua-
a da Escola sociológica, e que foi retomada, sob forma aliás gem nasceu da tríplice necessidade de exprimir, significar e
bastante diferente, por REVECZ, 25 a linguagem é esséncialme nte comunicar. Para compreendê-lo, há que partir da situação exis-
um produto do grupo e da existência em comum. Original- tencial do homem, que é um eu-encarnad o e que se encarna com
mente, não é nem expressiva nem significativa , mas só e essen- outros num mundo comum.
cialmente ação socialmente constituída: nasceu da transmissão
dos sucessos e dos projetos técnicos do homem e dos laços múl- a) Expressão. O ato fundamenta l de que procede a lin-
tiplos e poderosos de colaboração que produzem. 20 guagem é a expressão de um eu que, difundindo-s e no mundo e
Acima discutimos (992-998) a tese sociológica que quer humanizand o o universo de sua experiência, afirma-se espon-
explicar pela sociedade tôdas as manifestaçõ es da cultura. As
objeções que aqui temos a fazer não passarão, pois, de uma 27 É çaracteristico, nota CLAPAREDE (PSt/ch.ologie de !'enfant, pági-
na 524), que, quando a criança pergunta que é isto ou aquilo a resposta que
espera é um nome, e não uma definição. De um lado, o nome é para ela
24 Cf. M. PRADINES, Ps11clw!ogie généra!e, II, 1.ª parte, págs. 504 e 510. uma tomada de posse do objeto, e, de outro lado, dá-lhe a possibilidade de
25 Cf. G. REVECZ, Origine et préhistoire du !amgage, Paris, 1950.
26 Cf. DURKHEIM, La Divirion du travail. uma ação eficaz .

.,A
. '~ . A V ....... ...,,., • . -
424 PSICOLOGIA O PENSAMENTO. NOÇÕES GERAIS 425

\.. tâ~eamente ~orno u~ sujeito. A_ linguagem é, assim, em sua ........ . . ....... onde. se perde 9 _v alor .e?CpressJ_vo _da palavra. De feil::>, a linguagem
origem, o efeito e o sinal d.~ uma libertação e dªe uma autonomia. só tem senitido na medida em que conserva sua ligaçao com o poder ~--
criador da Imagem. Separadas desta, as palavras envelhecem e mor-
. b) Sig7::ificaç~o. Mas a s_ignificação já aí está, na pró- rem. Para durar e viver, devem tornar a carregãr-se incessante!·' -~~~- -· ····-~----
pria expressao de s1, que por s1 mesma é significativa. Con- mente de fôrça expressiva. A influência da $octedade impõe, pois, à
linguaçem uma tensão permaneinte entre a neutralidade elo sinal
tràriamente ao que sucede com o anitnal em que a expressão que ela reclama e a riqueza da ima'gínárta que assegura a• vitalidade
do indivíduo pela mímica e pelo grito é' um impulso cego da da palavra., e essa própria tensão é que faz da linguagem uma hi8-
natureza, no homem a expressão já é pejada de intencionalida- tórla. Não se conSiegulrá destruir êste equivoco, mas compreender-
de mais ou menos explícita. Sujeito livre num mundo que êle se-á o sentido dêle reconhecendo na linguagem o duplo aspecto de
uma criação que, pelo nome, a um tempo inventa o mundo e afirm&.
talha à sua medida pela linguagem, o homem necessàriamente o sujeito, e de uma intersubjetividade que só pode ter sua eficácia
afirma seu projeto, encarnando em cada gesto e em cada pala- pela mediação do universal e do Impessoal.
vra um projeto para o futuro. Assim a linguagem desenha o
sentido 9ue o kom:_eAm 'Pretend_e dar C:º mundo, e essa intenção é 409 2. Problema. de lingüística. geral. Quanto a saber como
a própna consequenc1a da hbertaçao trazida pela expressão : se exerceu concretamente em sua, origem o ato da palavra, isto
está faz corpo com ela, e ambas traduzem O duplo aspecto de é assunto de lingüística geral. Se se admitir que as relações
um sujeito que, ao encarnar-se no mundo ordena êsse mundo constitutivas da linguagem se reduzem às que servem para for-
à volta de si como seu mundo, o mundo de sua ação e de sua mar a frase (substantivo, adjetivo e verbo), apresenta-se a.
expansão. questão de determinar qual foi a relação fundamental que pro-
vocou o desenvolvimento da linguagem. MAX MüLLER 28 de-
402 .. c) Co?""u!"i~ação_. O sujeito encarnado não é um puro fendeu a teoria d,a geração predicati·va ( sol ardet seria uma
suJe1to, um md1v1duo isolado e separado. Está no mundo com simplificação de sol ardens). SCHUCHARDT 29 e MEYER propu-
outr_os sujeitos e_ deve comunicar-se com êle para realizar seus seram a teoria verbal ( o verbo, isto é, a expressão da ação e
pro7etos,,1, P?r isso mesmo, perfazer sua própria libertação e da paixão, foi o princípio gerador das outras partes d_q, discur-
sua autonomia. ·r-,:
.,.:,;;:. so). Enfim, certos lingüístas, como Michel BRÉAL, ªº admiti-
. N~o se po~er reduzir a inve1:ção da linguagem à ação dês- -!';- ram, após CONDILLAC (Grammaire, 2.ª. p., c. 1), a teoria subs-
..,~ tantiva, isto é, a derivação do verbo e do adjetivo a partir do
se n:~stmto _.:10c~al, m~s t!lmbém_ nao se pode reduzir ao mínimo
-

sua ~mportânc1e.. Nao e a soc1~dade que explica O nascimento substantivo. 10

da hngua~e~, ':isto que a sociedade não é possível sem ela. linguagem. Enfim-, cumpre
~as a socia_lizaçao ~o Pe'f!Ba_mento tem exercido sôbre a própria 3. Invenção permanent.e da
linguagem _i~nsa influenc_ia, quE: consiste em lhe dar, aos pou- entender bem que tudo isso, expressão, intenção e comunicação,
cos, essa fixidez e essa universaUdade já implicadas a bem di- absolutamente não é coisa do passado, nem coisa de reflexão. É
z~r, nas fo~as mais hu~~des do Pensamento, mas'que só po- pura ilusão pretender alcançar a origem da linguagem no passa-
diam adqumr ~ua perfe1çao ~raças à poderosa influência do do, como se esta houvesse sido inventada uma vez por tôdas, e
.: ·I.,.
fator so~1al. Lin.gu'!:gém e socied_ade vão necessàriamente jun- não mais se tratasse, depois, senão de recebê-la, pronta, da tradi-
t~, e tao bem estão e~ causalidade recíproca, que se pode ção. Se é certo que o exercício imemorial da palavra fixou na.
~1zer ao mesmo tempo, a~nda que por diferentes razões, que da espécie aptidões que primeiramente ela teve de adquirir (ou
hnguagem procede a sociedade e da sociedade a linguagem. atuar) , :11 nem por isto é menos verdade que a linguagem é uma
invenção permanente: nasce cada dia do poder criador que de-
O efeito dessa socialização foj a impersonalldade ao mesmo tem- fine a razão-encarnada-den tro-do-mundo. :É no próprio presen-
po que a_ unlverãalidade. Tais sao as condições da comunicação in- te que a linguagem surge, como um esfôrço para pensar, isto é,
tersubjetiva em que_ se realiza em sua plenitude essa ctranscendê11 _ medir, apreciar e -organizar um mundo que de início se nos dá
cla atlva:i- em _re~açao ao mundo, que é a própria definição do ho-
mem. Ve;~de é que, P?r essa despei-son,_alização, a linguagem perde como um toclo global e inarticulado, e como o ato, para o homem,
sua relaçao imediata. d t1TIJQÚ(fml, q~ esta no princípio 00 ,wmea.ção
e reveste um a~pecto_ artificial e convencional. Pretendeu-se, mesmo;
fazer d~~a art1flciahdade e dessa neutralidade um Ideal em relaçãi:i 28 "Le verbe", in Revue de ph.i!., 1888, II, págs. 588-591.
à i'!1a_gm~ria orl?inal. Mas Isso é compreender mal O fenômeno da 29 Ueber die Lautgesctze, Berlim, 1885.
f~:alizaçao ltnu-i!-istica... ~sta, com efeito, não é senão um estado so Mélange de myth.ologie et de li-nguistique, Paris, 1878.
tável entre a 1maglnaçao de que proooue a palavra, e a convenção 31 Ct. M. PRADINES, Psvch.ologie générale, II, pág. 472 .

.
O PENSAMENTO. NOÇÕES GERAIS 427
426 PSICOLOGIA

de se compreender a si mesmo ou de se tornar consciência ex- i1M,gem. Neste sentido afirmava ARISTÓTELES que "não há
plícita dessa apreensão do mundo, e nisso está a maravilha cons'- nada na inteligência ..que .primeh·,0_ não tenha estado nos senti-
tantemente renovada de nossa presença no mundo. dos". A linguagem conceptual está, pois, em continuidade com
. Doutra parte, êsse nascimento nada deve a uma iniciativa as formas- primárias da expressividade. Mas, -se a palavra é
voluntária. O homem desobre a palavra, mas não a constitui. sempre sinal de pensamento, êste não explicita sua realidade
A palavra é obra espontânea de seu estar-no-mundo,· até mes- formal senão na e pela idéia, que é um sinal espiritual. Ten-
temos precisar como se realiza essa explicitação e como se tra-
,, mo o sentido da palavra, sem o qual, como se viu, a palavra é
duz na própria linguagem.
inconcebível, não faz senão nascer do comércio do homem com o
mundo : é uma forma de seu comportamento , da mesma ma-
neira que o gesto ou a mímica, e é por isto que, mesmo fixada, 405 1. Etapas do progresso inteleetual. O advento do pen-
ela continua sempre aberta e indefinível, como o indivíduo que samento propriamente dito está ligado ao uso consciente do sinal.
com ela se exprime. Sem dúvida, o sinal também inter\Tém constantemente na vida
• do animal. Mas êste não percebe a relação de significação. Per-
O que acabamos de dizer da palavra não significa que esta for- ceber esta relação, como tal, é, como já fizemos notar (147),
neça a estrutura elementar de. linguagem. :S: seu elemento material, ·
como veremos que a idéia é o elemento material da juizo. Mas, assim privilégio do pensamento humano.
como o Juizo é a unidade concreta do pensamento, assim também
a frase stgnificante, e não a pala,v ra, é que forma a estrutura ele- Ora, do ponto-de-vista psicológico, pa.r a . apreender a natureza
mentar da linguagem. Com efeito, a palavra fixa realmente a idéia., do pensamento, nada melhor que tentar assistir, de alguma sorte,
mas está longe de fixá-la tôda: por sua complexidade, a idéia trans- à gênese dêle no mundo mental da criança. Imaginaram-se expe-
borda imensamente o seu sinal verbal. Ademais, a mesma palavra riências.de duas espécies para definir a estrutura mental da criança:
pode servir para múltiplas idéias. Dai se segue que a palavra. só re- umas visam a descobrir como a criança chega . a abstrair, de uma
cebe seu stgnificad.o reaz no interior c(a frase; fora desta, já não percepção global dada, certos aspectos determinados (advento da
I" idéia abstrata); as outras tendem a, conhecer os processos e as eta-
tem senão uma função proposicional. Como tal, a palavra só tem,
pois, uma existência virtual; só recebe seu sentido preciso por sua pas que conduzem à generalização (advento do conceito).
1 inserção ·nas estruturas complexas que a integram. s2 :t por isto que, a) Nascimento da idéia. As primeiras experiências empregam
rigorosamente falando, não se pode dizer que a. frase é composta de
'1

a llnguagem e o desenho. Apresentam-se a uma criança imagens


palavras, visto que estas, enquanto significativas, não existem na de cenas simplissimas (por exemplo, as que ilustram a fábula da
consciência antes do uso que delas se faz. 88 Dêsse modo se vê que rapôsa e do corvo), e pergunta-se-lhe o que está venào. Aos dois
estas observaçõe§ concordam com as que mais acima fazíamos (137) anos, a: criança só enumera as pessoas e os objetos (a rapôsa, o cor-
no tocante à prioridade do todo sôbre os elementos. vo, o .queijo, a árvore). Mais tarde, pelos 3 ou 4 anos, nota. certas
ações e começa a precisar as relações concretas das pessoas e dos
§ 3. A LINGUAGEM CONCEPTUAL objetos: a rapõsa está falando ao corvo; o corvo larga o queijo.
Pelos 5 anos, a criança é capaz de interpretar o conjunto da situação,
404 A linguagem evolui constantemente da imagem para a • isto é, de descrever as relações não somente materiais, mas também
morais, dos atores da cena.
noção. De fato, corno já vimos, a noção é interior à imagem;
O estudo do desenho infantil conduz aos mesmos resultados.
esta contém virtualmente o significado; e o saber, ao desenvol- Os primeiros desenhos da criança, mesmo feitos sôbre modêlo, são
ver-se no abstrato, s6 faz e:i,plicitar as riquezas imanentes da essencialmente esquemáticos: ·os caracteres individuais acham-se
omitidos em proveito do tipo genérico; as relações e as proporções
são ignoradas, ou tratadas de maneira muito aproximativa (figu-
82 Quando a criança utiliza apenas uma só palavra, essa palavra, de ra 23). Só relativamente tarde, pelos 7 ou 8 anos, é que ai criança re-
fato, tem valor de frase; esta, impUcita ou explicitamente, é a própria forma vela um cuidado mais exato das proporções e relações, e preocupa-se
da linguagem, como o juízo é a forma do pensamento. A assimilação da com reproduzir, num todo complexo (uma bicicleta, por exemplo), o
llngua falada, na criança, vai das palavras-frases, ou proposiçõea unino-
mmais, pelas c{uais designa uma situação ("fome" = desejo de comer;
arranjo mecânico e as relações dos elementos.
:6'.sses testes demonstram que o progresso da criança está ligado
"levar" = é d momento do passeio), às frases de várias palavras simples-
mente justapostas ("bebê-bobô-mão" = bebê machucou a mão) e, enfim, ao emprégo d.os sinats. Primitivamente, há só imagens. A idéia
começa a brotar no momento em que a criança inventa um sinal
às freses articulaêias.
88 Quando se segue a evolução morfológica e semAntica das palavras,
que representa o objeto. :S:Ste sinal (palavra ou desenho) está, a
seguem-se por isso mesmo, como o observa J.-P. SARTRE (L'Et.,-e et te princípio, ligado à imagem, e, por falta de uma percepção suficiente
Néant, pág. 598), os vestígios da passagem das frases no curso do tempo. das relações, permanece tipico e genérico. Ainda não é um abstrato,
As palavras são os ·produtos que o pensamento vai depositando no curso mas simplesmente a expressão da estrutura e da forma que caracte-
de sua evolução. riZam a percepção. Todavia, a idéia propriamente dita já está im-
. 428 O PENSAM ENTO. NOÇÕES GERAIS 42!)
PSICOLO GIA

em separar objetos semelha ntes. Pede-se, por exemplo, à criança que


escolha, numa pilha de cartões diferente s pela forma, pelo tamanho anos
e pela côr, os que sejam semelhanties. A criança de 2 ou 3 ou os
juntará os cartõ'ª§- v~rmelho s s~m se preocup ar com sua forma, ·
cartões quadrado s sem se preocup ar com sU:a, côr. -'Mais tarde, a, "······--
criança dá-se conta de que hã ·vários principia s- de escolha possíveis o
e de que se podem agrupar os cartões segundo a forma, a côr ou
tamanho . Desde êsse momento , a criança adquiriu os sinais (isto
é, as noções) de circulo, de quadrado , e as das diferente s côres: di-o
ferenciou caractere s e, por êsse motivo, associou caracterem es sob
mesmo sinal. O progress o de seu pensame nto consistiu consi-
.) derar o mesmo objeto sob vários pontos-d e-vista, em perceber qua-o
lidades ou caracter es por si mesmos, por abstraçã o de todo complex s em
em que êles são dados, e como suscetive is de existir idênticomente
objetos múltiplos. Com isso, o pensame nto da criança decididasignifi-
se emancip ou das coisas concreta.e;. Na posse de relações de
cação múltipla s (idéias e conceito s), êle transcen de a imagem e de-
senvolve-se no universa l. s4

406 2. Simboüsmo conooptual. As observa ções que prece-


dem revelam que o progres so da criança depende do próprio
2 progres so do simbolismo. O simbolismo já está present e na
imagem esquem ática ou genéric a da percepç ão sensível, que
prevê a imagina ção de estrutur as e de formas (195). Mas, a
êsse nfvel, a represen tação não se distingu e do objeto sensível.
Tôdas as experiên cias de escolha que têm sido praticad as nos
animais demons tram que, nêles, a escolha está ligada ao meca-
Fig. 23. O desenho intantil. nismo das imagens. A criança, ao contrári o, eleva-se pouco
a pouco a uma diferenc iação prodigio samente variada do mun-
do sensível, graças a um sistema de sinais abstratos que a edu-
intere•-
1. Desenh?s esquemáticos do bo~e~o. Estão presentes detalhes s No
~antei p~rer f<;!tam partes essenciais, e as proporções sãod descurada
es~n a ircitai os memb1'os servem de suporte imediato cabeça. 2·. De- cação lhe proporc iona, e pelos quais se liberta das coisas. O
sen e -uma cria:,1ça de ! an!_)s, o qua! revel4 a -negligênc, iaLesdasdefsina
ro-
pensam ento é isso mesmo, a saber: a criação de um universo
porçoes e !14s relaçoes d~ situaçao. (Segundo G .-H. LUQUET
d un enfant, Paris, Alcan, 1913, gravura CXXII, n.º 1.368.) mental que simboliza o universo objetivo e sua inesgotável
complexidade.

plicada no fato de ? sinal ser não somente exercido (como no ani- 407 3. As idéias e as palavra s. A própria idéia, enquan to
mal), mas ainda utilizado como tal para simbolizar todos os objetos- estrutu ra abstrata , é poderos amente servida pela linguag em,
d~ mesma espécie. ltle implica doravan te essa relação de significa tanto do ponto-de-vista social como do ponto-de-vista indivi-
çao <entre a palavra ou o d.esenho e o objeto, isto é, entre O sinal oe dual. Se a linguag em parece feita antes de tudo para permiti r
a c~a signifi~a da) que é a própria forma da idéia. oosprogress a comunicação do pensamento, serve primeir o para pensar.
ulterior conslst.1rã em usar sinais cada vez mais numeros e varia-
d~s, ~. depo_is, _em passar dos sinais de objetos aos sinais de rela- Pensar é, as mais das vêzes, falar-se a si mesmo. Por outro
çoes, o que mdícara o acesso do pensame nto infantil à.s noções abs-e lado, nosso saber, nossas experiências, nossos .<Jentimentos fi-
tratas de causalid ade e finalidad e. Nesta fase a criança. possuire- xaram-se de alguma sorte nM palavras, que lhes confere m uma
empreg'.1- os sináis lógicos mais abstratos , que traduzem as formas estabilidade, uma flexibilidade e uma disponibilidade que de
lac~ona1s da linguage m (por quê, porque, como, por causa de ' . por
..,.,_

meio de, em vis~a óe, conquan to, se, etc.) . outro modo não teriam.
b) Aparição do conceito. As esperiência.s de escolha servem t'enfant, Paris, 1935;
isto 34 Cf. PIAGET, La naissance de t'intel!ige nce chez
J?ara di,escà.obrlr. quando e como a criança tem acesso ao conceito, , Les origines
e, aqu idéia formalm ente universa l, consisten te em 11imbolizar La construct ion d« réel c·h ez l'enfant, Paris, 1937. H. WALLON
de ta pensée chez t'enfant, Paris, 1945. J. CHATEA U, Le rée! et
t'imagina ire
por um sinal abstra.to um caráter comum a tôd.a. uma classe de obje- Paris, 1946.
tos e apreendi do como tal. O principio destas experiên cias consLste dan& le ;eu de· t'enfant,
430 PSICOLOGIA O PENSAMENTO. NOÇÕES GERAIS 431

a) A pal,a,vra fixa a idéia. Com efeito, as idéias têm uma c) psi,tacismo e formalismo. Daí vem que se discuta tan-
espécie de fluidez e de instabilidade que é como um tormento to sôbre as palavras. O conteúdo .yirt'!'-'1-l de~ta~, que é o ~es,.
para o pensamento que quer ser precioso. ,4s palavras fixam- mo da idéia, permite tomá-las em sentidos mll.ltlplos. Por is~,
Iias, dando-lhes um corpo. Por isto, procurar reencontrar uma numa discussão convêm enten~er-sé-exa~a_mente ·sôbre o senti-
idéia é, ordinàriamente, procurar uma palavra na memória. do das palavras empregadas, isto é, defmi-las (I, 56). As pa·
No mesmo sentido, tôda idéia nova, tôda ciência, tôda técnica lavras, destartes, valem por u1!1a ~efin_ição e dispensam de
novas implicam invenção de novas palavras, que fixem, pri- atualizar, no discurso, seu conteúdo mtehgível,
meiro para o inventor e depois para o público, os elementos Em compensação, haveria abuso -em atribuir às palavras
essenciais da descoberta. Daí ter-se podido dizer que uma ciên- mais importâncias do que às idéias (formalismo). Em certo
cia não é mais que urna lingua bem feita (CONDILLAC), e que sentido, a palavra (a saber: tal ou qua_l palavra de uma língua
dada) é indiferente ao pensamento, visto se:r, como tal, mero
a língua de um povo é o espelho de suas idéias. sinal convencional. Se é indispensável que nos entendamos sô-
bre as convenções, isto é, que aceitamos falar a, mesma língua,
b) A palavra torna a idéia flexível. Ademais, as palavras há que saber discernir, por sob as formas, às vêzes imperfei-
têm a vantagem de proporcionar às idéias uma flexibilidade tas ou aproximadas, da expressão verbal, as idéias que esta
extrema. Por si mesma, a idéia é o substituto da coisa, e é mes- quer traduzir. Há uma maneir~ de se apeg8::r às palavras CI:ue
mo, relativamente a este, de bem mais fácil manejabilidade: 'denota menos precisão de espírito que preguiça ou pobreza m-
com efeito, está sempre à nossa disposição, ao contrário da coi- telectual.
sa. A palavra, sinal da idéia, constitui na mesma ordem umnôvo
progresso em razão mesmo de sua fixidez e de sua estabilidade. E. A linguagem escrita.
O uso dos dicionários é uma prova palpável disto: êles são como
que um conservatório de idéias disponíveis, que permitem a 408 da A linguagem escrita cedo estendeu, na humanidade, os beneficios
nosso pensamento achar seu modo de expressão mais adequado, linguagem falada, permitindo-lhe transpor os limites do tempo
e, por assim dizer, manipular à vontade a moeda inteligível de 8 do espaço. As etapas do desenvolvimento da esertta pare.ce terem

que necessitamos. sido as seguintes: ...


Pode-se, pois, admitir que as mais das vêzes se pense com 1. Pictografismo. Uma fase completamente primitiva é assi-
nalada pelo emprêgo de sinais convencionais <entalhes feitos em
palavras, neste sentido que as operações sôbre os sinais equi- paus· penas recortadas de diferentes me.neiras, etc.), para slgniflcat
valem às operações sôbre as coisas significadas. Não que, como detei=mtnadas sttuações (fig. 24). A escrita esboça-se sob a forma.
na álgebra, o sinal valha por si mesmo e signifique uma ~oisa figurativa, que consiste em representar direta_ ou.slm.bollcame~te as
qualquer. Porém, mesmo significando uma idéia definida . (se- próprias coisas ou situações. Esta representaçao está em relaçao di-
reta com a linguagem por gestos (pictogramas).

Ili ~
não a linguagem incidiria no puro psitacismo e seria um nada
de pensamento), a palavra reduz e BÍtnlJ)lifica a idéia, cuja com-
plexidade e riqueza interna, se se explicitassem, seria um obs-
táculo ao progresso do discurso (I, 100).
A idéia e a palavra estão associadas, e não formam senão um
só todo consclencial: a idéia cé> a palavra, e a palavra «é> a idéia.
Mas, de uma parte, como a idéia encerra uma grande complexidade 2 J •
interna, acaba por não ter na palavra que a exprime senão uma
Fig. 24. Figuração convencional de uma sit11ação dada.
espécie de exlstên'cia virtual. Damo-nos bem conta disto sempre que
se trata de definlr o sentido de uma palavra: é itôda uma multidão·
Penas ~adas pelos lndios que significavam que o inimigo foi: 1) morto;
de idéias que não faro afluem ao pensamento. Doutra parte, e por 2) escalpelado; 3) decapitado; 4) ferido. (SeKUndo THURNWALD.)
essa mesma razão, temos multo menos palavras que idéias, e as
palavras devem servir para s1gn1ficar idéias múltiplas (pollsseman- 2. Ideograflsmo. A escrita propriamente dita começa com o
tlsmo): as palavras desempenham, de alguma sorte, um. papel de ideograma ou desenho estUlzado do objeto cuja. idéia. se quer evocar
economia, em que multo bem se assinala sua função essencial, que (fig. 25 a). Pràtlcamente, o Ideograma é, pois, uma «pln11lra. de
é, não substituir o pensamento, mas servi-lo sem oprimi-lo. idéia>.
O PENSAMENTO. NOÇÕES GERAIS 433
432 PSICOLOGIA

•".,
(
. ;:::_
...... !t~
0
....

o sol ,

,
a lua a .manhã


'• .
4E> .h , ,
a menina dos olhos o ôlho o boi
)
i' "' 4'

°'
-~ '1 :4 r-
• ••,
(·> ~
A
"'
(a) 'I!:•

m~a J.L,'
a água
0 (sol) = luz, divisão do
tempo
• • • <matéria granulada)
trigo, areia
=
_,
/1
.,,, ,,
(região montanhosa) = .CS:-- (ôlho) = vista, vlgllla, 'fJ
pais estrangeiro
# w
ciência
(égua) =
riacho, lava• ,-., (teto) = céu, superio- z

'
mento, purWcação, sêde
(, rx+
ridade
(mumla) = embalsamamentc,
e, a H l\
(b) ritos, costumes '
Fig. 26. As vinte e duas letras do alfabeto fenício.
Fig. 25. Etapas da escrita.
Os caracteres que estão d direita das letras fenícias são as formas arcaicas
a) Ideogramas ou "pinturas de idéias". b) Ideogramas-chaves ou logogrifoa. das letras gregas: a derivação fenícia é aí mui visíuel. (Segundo MASP1:RO;
Histoire ancien-ne des peuples de l'Orient, Paris, Hachette, pág, 843.)

Uma fase de transição consiste em simbolizar 0


um objet;o, ou. sinal convencionados, não já a próp;i1 c~ts!es:o de t .
,
Jo~e(tf/~fº~tas idéias que evoca (ideogramas-cha ves o.:i logO:~~ 3. O fonetismo. Como se vê, a evolução faz-se dd' concreto

,.
para o abstrato, neste sentido que o 3inal se emancipa pouco a pouco
da imagem. concreta prtmtttva. Esta evolução termina, com o hieró-
A .. H . fiJ gllío egípcio, num sistema em que cada ideograma se torna o sinal
da primeira silaba do nome evocado (ucnta ailábfcaJ. Assim, o si-
}\~ J sinalc=>,que orlglnàriamente slgntficava a bôca, significou depois a
...
AouÃ. HouH'.
palavra rou (bôca). Mais tarde, o mesmo sinal slgn1ficou simples-
•• mente ·a letra R (primeira letra da palavra rou). Nesta fase, a es-

-.~
Ãouà __., XouKh
crita tornara-se alfabética, quer dizer, slgnlflcava um único fonema.
H. s _,p.
,.}."·
I ou som (fig. 25 bis).
Os Fenicios ainda aperfeiçoaram êsse sistema, escolhendo entre
u S. S', Sh os antigos sinais alfabéticos 22 grafismos que serviram para de-
signar as consoantes de sua Ungua Ulg. 28>. Os Bebreua e os Ore•
WouF. Q ~-
-
gos adoraram êsse sistema gráfico, do qual são trlbutàrlas tõdaa as
B·ouV
p
J. G.K ZJ, línguas modernas.

•• 111. K
M \.-=.f.~. T •,w::,5,
..
•!

N -.'!/. D.T. ..
.. ,
R-L •. - . .w. T', ts, dj -i.
Fig. 25 bis. Sinais alfabéticos egípcios. -~_.1"-
."J
Cada -sinal derlgna uma articulação (MASPÉRO Histoire ancienne delÍ
peuples de l'Orient, Paris, Hachette, págs. 831-839).
A IDÉIA 435

ART. I. NATUREZA PSICOLóGICA DA IDÉIA


§ 1. TIPOS DE IDÉIAS

A. Concepção e idéia
1. A visão inteligível. A palavra idéia vem de urna pa-
lavra grega que significa ver ( tliE'iv , vide1·e). Etimolõgicamen-
ÇAPÍTULO III te, ter uma idéia é, portanto, exercer uma percepção intelectual:
conceber a idéia de círculo é operação análoga à de ver um
A IDt!J'IA círculo inscrito no quadro (intuição). A diferença está em que
a vista do círculo concreto é percepção de um objeto sensível,
SUMÃR/0 1 ao passo que a idéia do círculo é percepção de um objeto inteli-
gível. O problema psicológico que se ..apresenta é verificar
Art. I. NATUREZA' PSICOLóOICA DA ID:S:IA. Ttpos àe idéias. experimentalmente êsses dadl?s do senso comum.
Conceito e idéia. Classificação das idéias. Imagem e O têrmo concepção é igualmente muito expressivo: signi-
idéia. Teorias empirilltas e nomlnallstas. Processos ex-
perimentais. Conclusões. fica uma geração, o ato de produzir i»teriormente, no próprio
seio do pensamento, o ser nôvo de natureza imaterial que se
·Art. II. A ABSTRAÇAO. Problema dos universats. Ponto-de- chama idéia ou conceito.
vista psicológico. Soluções-tipos. Natureza da abstra-
ção. Noção de abstração. Teoria da abstração passiva 2. A idéia como meio de conheeer. A experiênci"a ·mais
Abstração ativa. Graus de abstração. · comum da vida intelectual basta para nos ensinar que a idéi'a
Art. III. A INTELECÇAO. Condições àa tntelecção. Intelecto-
ou, conceito não é o que conhecemos, mas sim aquilo por que
agente e espécie impressa. Intelecto paciente e espécie conhecemos. Apreendemos não idéias, mas objetos por 'ineio das
expressa. Objeto àa inteligência. A inteligência fe.cuI- idéias. Conceber a idéia de círculo é pensar no objeto definido
0p.ad~ do ser. Inteligência humana. Teorias ükalistas. como circulo : a representação mental ( à qual, aliãs, se asso-
··'.N'oçoes do idealismo. Idealismo problemático. Id~alismo ciam imagens concretas mais ou menos precisas) não é, de modo
critico. Idealismo dogmático. Conclusão. .· algum, como tal, o têrmo do pensamento, mas unicamente seu
meio. O que tivemos ocasião de fazer notar a propósito da ima-
409 ~s psicólogos da inteligência, sobretudo os lógicos , têm gem (199) vale igualmente a respeito da idéia.
r!duz1do .ª ~rês as _funções esse~ciais do pensamento: à c~née7r

mo~ ag?ra de estudar, mas unicamente ªº


ça,o das idéias, o Juízo e o raciocínio. Estas funções é que te-
ponto-de-vista -psico-
lógico, isto é, do ponto-de-vista das condições imediatas ·de seu
.:t B. Classificação das idéias
410 Visamos a classificar as idéias não do ponto-de-vista de
exercicio. Relativamente à idéia, os problemas que se propõem sua forma, o que compete à Lógica (I, 51), mas do ponto-de-
concernem à sua natureza psicológica, à sua origem e ao ato vista de seu conteúdo. Sob êste aspecto, distinguem-se duas
prõpriamente dito de intelecção. grandes categorias de idéias: as empiricas e as racionais ou
lógicas, ..;.... as idéias individuais e as idéias gerais.
Cf. ARISTóTELES, De Anima, III, IV-VIIII. SANTO TOMAS De
Ve7:tate, q. 2, 3 e 10; Ia., q. 84-89. RIBOT, L'evoluticm des idées géné:.O?es 1. Idéias empíricas e raciona.is.
Par~, 1897. ROUSSELOT, L'intellectualisme de Saint Thomas 2 a ed ' a) A idéia empírica. Esta idéia, como o indica a palavra
ParJS, 1924. M._ BLONDEL, La Pensée, t. II. DELACROIX, Le ~ng~ge et
la pensée, Paris, 1930. DUMAS, Nouveau Traité de Psychologie t V empírica, exprime antes de tudo uina experiência, e depende
págs. !'5 e segs. ~~ELACROIX). J. DE TONQU1:DEC, La Critiqu~ de desta experiência. Significa muito menos o que a coisa é em si
C'Onnaiss'ance, PIIJ'lS, 1929, págs. 133 e segs. A. BURLOUD La Pensée mesm,a do que o que ela é em relação a nós. Assim, para a crian-
:c;:ceptuelle, P?ris, 1927. MARITAIN, Réflexions Stir l'inteliigence et sa ça, o leite é o que serve para alimentar; para o comerciante, é
propre, Paris, 1924, e. II e IX. R. JOLIVET, L'intellecticm intellectuelle
Paris, 193f; Les Sources de !'idéa!isme, Paris, 1936. Y. SIMON, L'cmtolog~ uma mercadoria que representa tal ganho determinado. Do
du connai~e, Par~, 1934. RABEAU, Speces. Verbum, Paris, 1938. LA- mesmo modo, uma paisagem, para um agricultor, é antes de
PORTE, L abstractton, Paris, 1940. tudo um conjunto de culturas; para o pintor, é um co~junto de
A IDÉIA 437
436 PSICOLOGIA
curso de
costur eira, uma língua para outra um tratad o de filoso fia ou um
linhas e de côres ; uma máqu ina de costur a, para a mecânico, __ física do que um roman ce de DICKE NS ou de BALZA C. _
signif ica tal trabal ho, tal fadiga , tal ganho ; para um ........ ........ .. .. ~, ... ,, .. _...... ~--···--· .. I~so,._1;o.davia, em princí pio. Na prátic a, estand o a image m
é um eonju nto mecânico de peças divers as. a, um tempo ricas concr eta como se verá, sempr e mais ou menoS' conju s (salvo
nta com o
As idéias empír icas são, eviden temen te, idéias 1.ógica
as expe- pensa m~nto , mesmo ó mais racion al, as
e confusas. Resum em, sem discri minaç ão nem ordem, juntas em matem áticas , onde o objeto coincide estrita mente comem df!
a de-
riênci as múltip las relativ as a um objeto , e evoca m-nas ram sempr e certa marg
predo mine finiçã o que o gera, /, 172) encer
indete rmina damen te, ainda que, as mais das vêzes, As
o
empirismo latente, que em larga parte explic a as ambigas idéias
üidad es
sse mais assina lado.
tal ou tal caráte r relativ o a um interê cambian- da expre ssão e da discus são cientí ficas. Por exemp lo,
idéias empír icas são, por essa razão, extrem amen te transf or- de Deus, da alma, do espíri to, da vida, por mais abstra tamen -
tas que
te11, à medid a das exper iência s que vêm enriqu ecer ou dúvid a não são absolu
se propo nham nos filóso fos, sem
tão difícil,
mar as prime iras repres entaçõ es. Daí vem que seja de raça a te idênti cas em PLATÃO e em ARISTÓTELES, em SANTO
TOMÁS e
às vêzes, enten der-se não somen te de povo a povo, e em MAIN E fJE BIRAN . Por certo,
época e da em DESCARTES, em KANT
raça, mas ainda de fü11.ivíduo a indiví duo da mesm a que não difere nças de doutr inas é q~ traduz em essas difere nças nos
mesma cidade. Cada um se refC1te às idéias empír icas, conce itos; mas as própr ias difere nças de doutr inas ntalm ente
proce dem,
que també m explic a que seja ados acide
são exatam ente as dos outros. É o em parte, dos eleme ntos empír icos associ
tão difícil fazer passa r de uma língua para outra idéias risco
empí- dimin uir q. :
às noções. Em todo caso, as difere nças tende m a
·ric"às : as palav ras que servem para traduz i-las correm o
medid a que o esfôrç o do pensa mento cientí fico e filosófico se
·- i«,.~il, l~
os matiz es,
de . n/io evoca r nem o mesmo conteúdo ou os mesm apode ra de mane ira cada vez mais precis a da essênc -no no
nein-\ :i" mesmo halo afetiv o da língua origin al. sêres. Se també m as idéias racion ais evoluem, fazem
2

rsalid ade.
Como se vê, as id.éias empiricas estão, por assim dizer, a melo sentid o da precis ão forma l, da objeti vidad e e da unive 11 •

tivos, que são o fruto espon-


•11,

caminho. entre êstes esquemas percepou esquematização lmaglnatl- Essas observações valem sobretudo paraão,as visam noções filo;ófi cas, ª!I ·
. tâneo de uma espécie de abstração entreta nto, envolv e-os vir- mais abstra tas de tôdas, e que, por definiç a signifi car as : '
.:-Va (1, 169), e o conceito racional. os:a:ste, esquemas percep tivus, embqr a essências das coisas. As ciência s da nature za, quanto mais concre -
tualmente, como envolve também No homem , a per- , passan do da mecA.n ica à fisica e à quimic a, da bio-
êstes estejam mais próximos da imagem (195). tas se tornam mais também devem
cepção sensível, em todos os seus graus, já está como
impregnada logia e da psicologia à sociologia (I, 127), tanto de sentlC!l os menos rlgide.-
sacrificar ao empiri smo e usar concei tos
da razão. ..,. novas descob ertas, admitir em suas
mente definidos, e, pelo jôgo das
A idéia racion al ou idéia propr ia- noções maior varlab ll1dad e.
411 b) A idéia racional. ri
coisas, O(:
mente dita, signif ica, de direito , a pura essência das para w-
que estas são em si mesm as e, por cqnse guinte , o que são 411 2 . I.déias individuais e idéias gerais.
51),
todo pensa mento "impe ssoal". Tais são as idéias
cientí ficas. a) Princípio da distinção. Sabem os pela Lógic a (J, a um
em que são exatas , à expre ssão das pro- que a idéia indivi dual ou singu lar é aquela que só se aplica
Reduzidas, na medid a a todos os
prieda des essenc iais das coisas, livres de todos os empír icas,
elementos único indivíduo, ao passo que a idéia geral co::ivém Evide nte-
que fazem corpo com as idéias de uma espéci e ou de uma class~ àadas .
aciden tais e afetiv os m o sa-
indiví duos
mos ora
transc endem em princi pio o espaço e o tempo , e forma razão mente usamo s dêsses dois tipos de idéias, pois pensa , João;
ber em sua forma mais objeti va. Permi tem, assim , em
quós ou
... em indivúiuos, ou em coisas indivi duada s (Pedr o, Paulo
g,:neros l
de sua precis ão e fixade z, um diálogo isento de qüipro con- meu cão, êste livro, minha casa, minha rua), ora cm
Atrav és dos século s, pode travar -se uma o livro, a casa, a rua) .
malen tendid os. PLATÃO, espécies ( o homem, o cão,
versa frutuo sa entre os el'lpíritos: conve rsamo s com DES e Todav ia, a distin ção de idéias indivi duais e gerais obje-
é r.iais
TOMÁ S, DESCA RTES ou KANT . EUCLI das idéias (quer dizer, ao
ARISTÓTELES, SANTO ARÉ e de propr iamen te relati va ao têrmo se per-
ARQUIMEDES 'torna m-se contem porân eos de POINC to signif icado pela idéia) , do que à própr ia idéia, e pode-e por si
EINSTEIN. No mesm o sentid o, é muito mais fácil tradu zir de idéias que sejam , como tais
"gunt ar se temos realm ente lares. 3
emente se ch2ma de mental idade é precisa mente êsse mf!smas, isto é, por seu "conte údo", indivi duais e singu, • l·
2 O que corrent
clima, da educaç ão e das
conjun to empíric o proven iente da raça e do ual, por
cias pol!tica s e das crenças 3 Como fato de consciê ncia, é eviden te .que tôda idéia é individ
aptidõe s profiss ionais e heredit árias, das influên Pedro ou Paulo.
pensar e de agir de um que forma, hic et nunc,
religios as, que define a maneir a específ ica de ser necessà riamen te a idéia
povo <!ado numa determ inada época.

::.\
488 PSICOLOGIA A IDÉIA 48!)

b) Problema da idéia individual concreta. Se a idéia, cepção sensível, que apreendem juntos os aspectos discutidos
como tal, é abstrata e, conseguintemente, geral, a idéia indivi- -da ·-·~----
mesma realidade
concreta.
dual concreta equivaleria a um circulo quadrado. Devemos;·""· ········'··-·'···~- :. .... ·-- ..r-·----~~ ·~".. . .
"''S--------
porém, examinar a questão do ponto-de-vista psicológico. Ora, 419 3. Idéia e conceito. No domínio das idéias gerais, po-
sob êste aspecto, podemos verificar que s6 pensamos realmen- dem-se ainda distinguir duas espécies de idéias. Urna, deno-
te o indivíduo mediante noções gerais e sinais individualizan- minada pelos Escolásticos universal potencial ( ou direto), e a
tes. A árvore que vejo da minha janela é esta árvore, isto é, outra universal atual ( ou reflexo) . O universal potencial ex-
propriamente a árvore (noção geral) que designo. Sem dúvida prime, antes de tudo e primeiramente, a compreensão de uma
é um carvalho ou uma macieira. Mas êste carvalho ou esta idéia, mas só confusamente se refere à sua extensão (], 46). É
macieira não são ainda senão o carvalho ou a macieira que eu o caso quando, por exemplo, eu penso na noção de virtude,
assinalo. O mesmo sucede com as pessoas e sêres que designa- sem evocar expressamente as diferentes.virtudes. O universal
mos por nomes prõprios: Pedro é para nós um homem distin- atual implica, ao contrário, referência expressa à extensão da
to de todos os outros por suas qualidades físicas e morais, que idéia, e é tanto mais perfeito quanto o pensamento apreende
eu resumo no nome Pedro, o qual equivale à designação "êste nêle de maneira mais precisa e própria todos os inferiores que
homem", da mesma maneira que eu dizia "esta árvore aqui". contém. É evidente que o universal atual comporta também e
A idéia, como tal, é, portanto, sempre geral, e o abstrato primeiramente a apreensão da essência objetiva.
é inevitàvelmente o intermediário pelo qual deve passar todo
conhecimento intelectual individual. Entretanto, o problema Aqui os modernos se servem de preferência dos dois têrmos idéia
(universal direto) e conceito (universal reflexo) . Cumpre, porém,
não está resolvido. Porquanto fato igualmente certo é que compreender bem que o conceito não passa de uma idéia afetada
nossa inteligência atinge o singular como tal, do contrário juizos de uma intenção formal de universalidade, e que a idéia. é sempre, ao
de sujei11os singular ("Pedro é aviador", "Tiago é sábio", "Pe- menos em potência, geral e universal.
dro não é Tiago") seriam impossiveis. Como se pode, pois, com De tudo l&so se segue que idéia e conceito só silo inteligíveis pela
o auxílio de idéias gerais, pensar o individual? Acabamos de relação. Com efeito, a definição, que proporciona a compreen-
são (idéia), é essencialmente a «expressão de uma reiação entre
verificar o processo geral da idéia individual. Há aí, dizíamos, objetos de pensamento> (sujeito e predicado), resultante dêsse traba-
designação do indivíduo no seio de uma classe ou de uma es- lho de composição e de divisão que procura reencontrar a unidade
pécie. Mas essa- designação implica a apreensão do individual complexa ou a ordem interna do real. Por outra parte, o conceito, no
como tal, o que ela seria inintelígível. A solução mais óbvia qual prevalece a intenção de generalidade, é a expressão da relaçilo
que uma multiplicidade indefinida de objetos têm entre si, e que, a
consiste em dizer que, por uma espécie de reflexão espontânea, êsse título, os unifica no pensamento. Enfim, a ciência, em todos os
a inteligência reduz o objeto de pensamento universal (o ho- domínios, é um sistema d,e relações que vtBa a unificar tudo ou parte
mem: idéia geral) às imagens (qualidades físicas e morais dos sêres do universo. Assim, todo pensamento autêntico é relacio-
nal: empregar idéias ou conceitos é sempre descobrir e afirmar re-
que designam Pedro) nas quais o homem foi apreendido. Nou- lações.
tros têrmos, a inteligência apreende diretamente o universal, Acrescentemos que por isso mesmo o pensamento é essencial-
e, pela imagem que está em continuidade com a idéia universal, mente àin4nfico, porque, sendo relacional, implica um movimento
atinge ao mesmo tempo, por um ato único, pôsto que complexo constante entre os têrmos relacionados; ou, mais exatamente, é êsse
(já que encerra a dupla atividade da inteligência e da percep-
próprio movimento, essa tensão interna que consiste em manter
uma unidade que a análise ou a divisão trabalham incessantemente
ção sensível), o modo sob o qual o universal é realizado hic et para destruir, e em descobrir na unidade confusa que nos é dada a
nunc no singular apreendido pelos sentidos. 4 inesgotável diversidade que lhe constitui a riqueza. Pensar é, pois,
Pode-se, pois, falar de uma intuição intelectual concreta também, em certo sentido, criar, e mesmo em seu ato maii;i elevado,
que é a contemplação, a inteligência só apreende verdadeiramente
do singular, seni que dai se siga que a idéia, como tal, seja ja- aquilo que de alguma maneira ela gera.
mais individual. Se o é, é ao mesmo tempo por seu têrmo, que
é o singular existencial, e pelo concurso da inteligência e da per- § 2. IMAGEM E IDÉIA

4 Cf. ~ANTO TOMAS, ContTa Gentiles, I, e. LXV; De Anima, Ili, lect. 8 414 As noções que precedem ainda não passam de análises
(Cathala, n.0 712); Summa theologica, I, q. 86; De Veritate, q. 2, art. ~- empiricas. Visam a determinar sob que forma aparecem as
Sôbre tôda esta questão, cf. R. JOLIVET, L'intuition inteUectuene, ParIB, idéias utilizadas pelo pensamento. Resta o probl~ma de sua
Beauchesne, 1934, págs. 24-32). ,. - verdadeira natureza, o qual não se resolve por definições ou
A IDÉIA 441
440 PSICOLOGIA

descrições empíricas. tste problema tem dois aspectos : trata- sível (uma planta, um animal, uma máquina ) sem saber o que
se de saber se a idéia é realment e uma realidade psíquica dis- é isto é, sem ter dêle uma idéia; e, inversam ente, pode-se ter
tinta da imagem, e se existe um pensamento s.em imagens. ........ -- -- -i u'ma,idéia--pr-ecisa ..de .um.-<lbjeto irreprese ntáv~l à imaginaçãp,.m~
> por exemplo, de um miriágono.
A. Teorias empiristas e nominalistas Por outra parte, a imagem é estritame nte limitada ao mun-
do material e sensível. Por essa razão, à falta de imagens cor-
Numerosos filósofos, chamados empirista s ou nominalis- respondentes, não teríamos nenhuma noção dos sêres imateriai s.
"l •

tas, sustenta ram que a idéia universa l nãô passa de uma reali- Ora, é certo que nos~o pensame nto é rico de tais noções, relati-
dade mítica que se reduziria a imagens singul~res e concretas. vas quer a sêres espiritua is (Deus, a alma, o espírito) , quer
Bem entendido, incumbe a êsses filósofos explicar, a partir a ,qualidades iihateria is (inteligência, pensamento, virtude, li-
das imagens, as formas psíquicas ilusórias (por suposição) a berdade, Justiça), quer a sêres lógicos (casualidade, finalidade,
que chamamos idéias gerais, e que acabamos de descrever. To- relação). Por definição, não há imagem dessas diversas reali-
davia, pode-se julgar que o problema da idéia universa l é sus- dades. Contudo, pensamo-las realment e, e, pensando-as, estamo,,;.
cetível de um tratamen to experimental, mais seguro, em seus segure:s de pensar algo real e objetivo.
resultados, do que as teorias elaborad as em função de postula- 416 b) O universa l é mero substitut o. ~ste argumen to visa
dos sobejas vêzes arbitrári os. a explicar o paradoxo das imagens que, consoante o empiris-
.... •• mo, se apresent am como idéias. Foi copiosamente desenvolvi-
415 1. Teorias empiristas. Estas teorias fundam-se em dois do pelos ·nominali stas medievais ( OCKAM e NICOLAU o' AUTRE-
tipos de argumen tos :

.
OOURT), e repetido por TAINE. ~stes admitem, num sentido,
Tôda representação é determinada. Da antiguid ade
' ,'
• que a idéia universa l existe realment e no espírito, mas que
a) sua função é apenas "suprir" as realidade s singulare s da ex-
aos nossos dias (EPICURO, ZENÃO, OCKAM, NICOLAU D'AUTRE- periência. O universa l não é, de modo algum, uma represen -
OOURT, GASSENDI, C0NDILLAC, BERKELEY, HUME, KANT, MILL, tação de essências, mas um simples sinal ou substitut o, que
TAINE, GoBLOT), os empirista s não cessam de repetir êste ar- evoca, a êste titulo, um objeto de natureza inteiram ente dife-
gumento. Impossível, dizem, pensar realment e um ser geral rente. ~te sinal pode ser natural ( da mesma maneira que o
que não existe na experiência. Pensar o homem é represen tar- grito indica a dor), ou, as mais das vêzes, arbitrári o, como é
se Pedro, Paulo ou João, com seus caractere s singulare s; pensar.
o triângulo é necessàr iamente represen tar-se um triângulo de-
finido, isóceles ou escaleno ou retângulo. A idéia geral, fora
. . ;.;·;
--~··
,,,,.
• o caso das palavras que emprega mos para designar coisas sin-
gulares múltiplas. Assim, o objeto imediato do espírito não é
de nil><io;,algum, a própria coisa, senão o que "supõe" por ela,
do pensamento, é, pois, um mito: nada lhe correspc,nde, visto ·::: aquilo que lhe é o substitut o mental ou verbal. Pensar homem
que nada existe que não seja individualizado. No pensament.o, .·: /
ou árvore não é pensar uma essência, mas unicamente evocar,
ela não passa de uma imagem confusa, de um resíduo mais ou por meio das palavras "homem " ou "árvore" , um ou outro,
menos esquemático de imagens múltiplas relativas a indivíduo s indiferen temente, dos homens ou das árvores individuais.
da mesma classe. Também dêste ponto-de-vista a idéia geral reduz-se a imagens•.
:tl:ste argumen to não é convincente. Sem dúvida, a ima- Pois mais engenhosa que seja, esta teoria fracassa ao redu-
gem é suscetível de certa generalidade. Mas é simplific ar arbi- zir as idéias às imagens. Efetivam ente, vimos mais acima ( 407)
tràriame nte o problema identific ar, sem mais, a imagem es- que a. idéia e sua ezpressã o verbal são independ entes e
quemáti.<::a com a idéia geral. Com efeito, de urna parte, a imar 1111P,iferentes entre si, e que muitas vêzes a posse de ,,,µ!Jla pala:-
:-· gem, mesmo, "g~rica " (195), exprime somente o aspecto vra não equivale à posse de uma idéia (psitacis mo), ou, inver~
material sensívelrde um objeto, ao passo que a idéia significa aamente, que a idéia existe às vêzes realment e sem sua expres- ·
· o que é essencialmente o objeto. São duas coisas mui diferen- ' ·•
são verbal. Ademais, não se vê como teriam as palavras .che-
tes: representar,,.se um barômetr o, ainda que fôsse esquemàti- gado a servir de substitut os às idéias, mesmo reduzidas a irna-
camente, de modo ·algum é ter a idéia do barômetr o como ins- gen~, se a idéia não houvesse (logicamente)' precedido a pala-
trumento que serve para medir a pressão do ar ; represen tar-se vra, para lhe dar seu sentido geral. Na teoria da "suposiç ão"
o pêso por uma ima~em kinestésica é coisa bem diversa de con- ou do sinal arbitrári o, deveríamos só ~r à nossa disposição
ceber o pêso como efeito da atração dos corpos para o centro palavras que designassem objetos singulare s, e tantas palavras
da terra. De fato, pode-se imaginar claramen te um objeto sen-1o

.•
-,1,(·'-
442 PSICOL OGIA
1 A IDÉIA 443
quanta s image ns. O próprio fato de empregarmos "nome
comuns" demonstra, à evidência, que temos també m s e) Discussão. Dessa s experi ências dever- se-ia conclu
ir
comuns", isto é, idéias. As idéias explic am as palavr as,"noções
e nãot:
que a image m_e a idéia são nitida mente distintas. Não
é esta,
as palavr as as idéias, como o afirma m os empiri stas porém , a opiniã o de RIBOT, que interp reta o "~abit o
no...: , .. ~"··r···· intelec
minali stas. tual" em função ·de seú'·.tntlftíinalisfno. Com efeitõ, o hábito 7
telectu al reduz- se, para êle, à supres são do esfôrç o necess in-
ário
B. Prooessos experi menta is
..
para explic itar o saber latente que as palavr as oculta m.
ples alívio da memó ria, o hábito tem por efeito esvazi ar Sim-
417 As teoria s empir istas deixam , pois, intato o proble ma. de seu
conteú do o conceito, substi tuir a image m pela idéia, e
Consid erada em sua realida de empíri ca, a idéia resiste a a idéia
tôdas pela palavr a. A idéia, aliás, nunca é, para RIBOT, senão
as tentati vas de reduçã o. Deixem os, pois, as teorias , e um
mos recorr er aos proces sos experi menta is. tente- resídu o ou uma simpli ficaçã o do pensam ento concre to
e ima-
ginado .
1. Experi ência de Rlbot. tsse nomin alismo parece -nos incapa z de dar o sentid o das
experi ências de que RIBOT faz praça. Estas demon stram
a) Os testes de idéias gerais. Em sua cenquête> sôbre as idéia& cla-
gerais (L'évol utfon des fdées générales, Paris, ramen te que há hábito s intelec tuais, mas que têm signifi
1897), Rmor procurou cação
resol':er o problema seguinte: «Quando alguém mui divers a da que lhes é atribu ída. Repre sentam formas
um termo geral, que é que há além do sinal, na pensa, ouve ou lê abs-
tratas de organização que caracterizam o dinamismo menta
diatamente e sem reflexão?> O processo conslstlaconsciê em
ncia ime ..
pronii.n isto, é, forma s vivas, "torna das pouco a pouco consus tancia l,
várias palavras diante de um sujeito que ignorav o intuito ctar is à
periências, e em lhe pergun tar imediatamente o aque das ex-
essas palavras
intelig ência e capaze s de presta r-se, cada uma, a conteú
dos de
lhe evocavam na mente. 5 A resposta era imediatament certo gênero ", quer incorp orando -se a uma intenç ão do
e anotada. espí-
Se tardava mais de sete segundos, consideravam rito orient ada para um conteú do virtua l de pensam ento,
EMas experiências realizaram-se em 103 adultos -na como duvidosa.
de ambos os sexos funcio nando de manei ra autom ática. 6
quer
de profissões e culturas mui dife'!'entes. RIBOT utlllzou igualmente'.
para os mesmos fins, frases curtisslmas, nas quais uma palavra de- Sob êste aspecto, não somente o conceito, mas também a própria
terminada devia prende r a atenção. razão (como sistema de categorias) são hábitos intelec
tus: 73). Constituem, segundo a palavra de KANT, mas tuais (habi-
b) Resulta.dos. Os resultados foram os seguintes. Verifica-se,
em todos os sujeitos, a presença de um elemen
acompanhado, muitas vêzes, de uma imagem outo declaro,
de imagem, visual, auditiva ou motora. A tmagem
a palavra,
um fragmento
.. tido, essa «arte oculta nas profundezas da alma humana>em outro sen-
a forma de um automatismo espiritual, paralelo ao automa que reveste
luntário das virtudes, e que tem, como tal, aquêle aspectotismo vo-
a priori
:f freqüen tement e é mu1 diferen te do sentido da palavra
, quando é dada, e_inato que Santo Tollds múltiplas vêzes acentuou.
«infinito» evoca em vários suje~ s um buraco negro;.: aa palavra
~;.·. !' .•·

~tempo>, um metrõnomo; a palavra «justiça>, uma balança, etc. palavra 2. Experiências de Messer e de Bühler. ...... , .
Por 418
outra parte, ao mesmo tempo que a palavra e a imagem associada,
os su1e1tos asstnalam a pre.&ença, em sua ccm.sciêncla, do sentido da a) As «atitud es de consciencia>. As expei;,iências da Escola
palavra , perceb1do como distinto e indepe ndente Würzburg estabeleceram primeiramente a ex!Stên de
" êste elemento multas vêzes é declarado obscuro,dapouco tmagem. Todavia,
consciente e,
cia de 1ntenç6es (ou
de tensões orienta das), bastan te semelhantes aos fenômenos que-
. de alguma sorte, latente, exigind o, para ser precisado, certo BERGSO N descreveu com o nome de esquem
Enfim, numerosos sujeitos responderam que as palavras propos esfôrço. a d1n4m1co (243), e que
são como sentimentos ou intuições bruscas, e irredutiveis
não lhes evocavam nada à consciência. Por esta afirmaç tas imagens,
da regra a seguir para resolver um problema, das relaçõesàslógicas
Bmor, era preciso entender, não um nada de pensamento, ão, segundo identidade, de conveniência ou de contrad de
mente, a um tempo, a ausência de tôda imagem definida e um mas so- de uma lembrança que se procura, etc. Essas ição, da. aproximação
potencial?um hábito. saber tuais (Bewustseinslageni distinguem-se do pensamento atitudes intelec-
De suas experiências conclui Rmor que as tdélas gerais silo hábi- dito, mas o preformam e já manifestam sua independênci propriamente
tos lntelect uats. Quando o hábito é perfeito, a. idéia lação às imagens. a em re-
apresenta-se
sem esfôrço ao 1chamado da palavra: a palavra
mente compreéndida. Ao hábito imperfeito corresp é imediata e plena- '--···
b) o «pensamento sem imagens>. Visaram as experiências
mais ou menos penoso, com evocação onde um esfôrço determinar se é possivel pensar sem imagens, problem a
auditivas e motoras, distintas do sentidoconfus a de imagens visuais
das palavras. dois aspectos, a saber: Pode exercer-se o pensamento a que encerra
acompanhado de qualquer espécie de Imagem apreciável?sem estar
POde o
G As palavra s empreg adas foram: cão, animal, côr,
bondade , virtude, lei, número , fôrça, tempo, relação, causa, forma, justiça,
infinito. 6 A. BOURL OUD, La pensée concept uelle, pág. 302.
A IDÉIA 445
444 PSICOLOG IA
.,.
pensamen to funcionar acompanh ando-se de imagens insuficien tes :,, • contradiç ão com o pensamen to. Freqüente mente, ao procurar a res-
para o ilustrarem completa mente?• .,-~- . posta que há de dar, o sujeito verifica simplesm ente a presença das
imagens, e conduz seu pensamen to quer descurand o-as, quer recal- .
Testes de Messer. Dois grupos de experiêncijl.s. As seis primeiras - -- =- cando·.:.as:·<>-apêlo à imagem produz-se sobretudo .quaudo o problem!l_ __ ,~
~
0

consistiam em pronuncia r diante do sujeito um substantiv o de três a resolver exige o recurso aos dados sensoriais.
sílabas, à guisa de palavra indutora. O sujeito devia indicar ou uma Dessas experiênc ias conclui BÜHLER que a lógica do pensamen to
noção subordina da, ou outra que compreendesse em sua extensão a é 1nteiramen te distinta. da imaginári a, e que um elemento tal como
da palavra indutora, ou o todo de que forma parte a noção da pala- a imagem, que aparece na consciênc ia de maneira tão fragment ária,
vra indutora. Logo após a resposta, o sujeito descrevia o processn tão arbitrária e acidental, absolutam ente não pode ser considera do
psicológico da elaboraçã o da resposta. Ou,tros cinco grupos consis- nem como constituti vo, nem mesmo como suporte, do pensamen to. s
tiam em propor pares de palavras (por exemplo, Platão-Ar istóteles):
o sujeito devia dar o resultado da comparaç ão entre as duas pala-
vras, e precisar se no juízo-resp osta haviam intervindo imagens vi- 419 4. Discussão das conclusões., As experiên cias da Es-
suais ou auditivas, e quais (cf. MEssER, «Untersuc hungen über das cola de Wiirzbur g certamen te trouxera m resultado s preciosos.
Denken>, em Archiv für gesamte Psychologte, t. VIII, págs. 1-124). Não quer isto, porém, dizer que se possam subscrev er tôdas as
Testes de Bühler. BÜHLER propõe uma série de perguntas cor- conclusões que aôbre elas se tem querido fundar. Há reservas
responden tes ao saber ou aos gostos do sujeito. ( «O monismo é a a fazer assim quanto ao método como quanto às afirmaçõ es
negação da personalidade?> «Você sabe o que Eucken entende por que· lhe resumem os resultados. 0
apercepção mundial?> «Você pode calcular a velocidade de wn corpo
em queda livre?>) O sujeito deve responder sim ou não, e expor,
logo depois, o que se passou em sua consciência. Por outra parte, 420 Do ponto-de-vista do método, observar -se-á que é eficaz
a flm de afastar o jôgo da associação (pela qual os associacionistas para descreve r os produtos do pensame nto antes que a própria
pretendem explicar o juízo), BÜHLER toma uma série de 15 aforismas formação do pensame nto (976). Esta ausência de perspect iva
ou provérbios, divide-os em dois, e lê em seguida as 15 primeiras genética explica que a "Psicolo gia do pensame nto" quase não
partes, e depois, em ordem diferente, as 15 segundas. Deve o sujett.o
dizer qual é a primeira parte do aforisma cujo fim acaba de ouvir. conduz senão a resultado s negativo s consistentes em afastar o
(Exemplos: «a menor brisa arranca ao homem sua coroa de flôres>. empirismo, que quer reduzir a idéia à imagem. A Escola de
<.:Aquêle que se subtrai inteirame nte ao reconhecimento>. «Há gente Würzbur g mostrou muito bem que a atividade intelectu al en-
que acredita conhecer um pâssaro>. «A ingratidão também se poupa>. cerra sempre elementos que não podem explicar-se pelas sen-
«Porque viram o ôvo de onde êle saiu>. «Mas sua coroa de espinhos
resiste à tempestade>.) Enfim, BÜHLER lê uma série de provérbios sações nem pelas imagens. Mas isso não basta para constitui r
e, depoiS, sem ordem, certo número de palavras caracterís ticas tira- uma psicologia do pensamento.
das dêsses provérbios. O sujeito deve dizer os provérbios em que
figuravam e.ssas palavras, e explicar como reencontr ou os provérbios .
e ·Cf. BUHLER, ~Tatsachen und Probleme zur einer Psychologi e der
. 3_. Conclusões da Escola de Würzburg. Os experimen tadores de Denkvorgã nge", em Archiv für dfe gesamte PS11chologie, t. IX, págS: ·12 e
Würzburg acreditara m poder afirmar. que suas experiênc ias esta- segs. A. BURLOUD , La pemée d'apres les recherches e;i;périmentalea de
belecem que há um pensamento sem imagens. Em muitos casos, o Watt, de Messer et de Bühler, Paris, 1927.
sujel,to compreen de ,p. palavra ou o jufzo sem vestigio qualquer d~
imagem, e mesmo sem discurso interior. e Certas criticas inspiram-s e em teorias mais ou ~menos válidas. Assim
· Doutra parte, os testes permitira m precisar as relações do pen- é que WUNDT objetou que o pensament o é um complexo de imagena
samento com as imagens que muitas vêzes o acompanh am. Verifica- demasiado numerosas para estarem simultânea mente presentes; elas ficam,
diz êle, em segundo plano, e só se manifestam à medida que se desenvolve
se primeiro que as imageins, os esquemas, o di8curso interior, quase o pensament o. Mas quem não vê os a priori contidos nessa objeção? É
não passam de «-subprodutos». Só se apresenta m na medida em que possivel que um pensan,ent o que se desenvolve evoque sucessivam ente
o pensamen to hesita: quanto menos está seguro de si mesmo, tanto imagens múltiplas. Mas, de um lado, trata-se de definir a relação dessas
mais o discurso interior, ao mesmo tempo que as imagens, torn11.-1e imagens com o pensamento , eo passo que WUNDT afirma, sem mais, que
abundante . esta não passa de um "éomplexo de imagens", que é precisamen te o que
Enfim, o pc;nsamento é independente da imaginári a. Interpr?ta está em questão! Doutro lado, muitos sujeitos afirmam que o pensament o
a imagem, nãp' raro informe e fragmentá ria, e às vêzes mesmo em n_ã o se forma durante o processo de sua expi;essão verbal, mas está presen-
te . como um todo antes da primeira palavra, sem acompanha m~pto de
que empregam imaginária mental. Fazendo dêsse pensament o 'ainda não expresso e,. global
T Convém mencionar também as experiência s de BINET, urna_ espécie de consciência afetiv a surda, WUNDT acaba por identificar
o mesmo método e procedem por interrogató rio oral. Formulava -se uma pemi:amento e sentimento . Sem dúvida, deve-se admitir a existên-cia de
pe1gúnta aos sujeitos (em número de vinte); a resposta podia ser dada sentimento s intelectuai s (cf. A. BURLOUD , La Pensée conceptud! e, pãgs. 29
oralmente, por escrito ou por um desenho. O sujeito era em seguida e segs.) . Mas justamente se trata ai de estados de consciência que é
interrogado· sôbre as imagens e sôbre o processo psicológico que haviam imixssivel reduzir pura e simplesme nte a· estados afetivos.
acompanha do a elaboração da resposta.
.,,.,.,.
·..;·

. .....
.•.
·-
.
446 PSICOLOGIA
A IDÉIA
447
De .fato, na medida. em que visa ~· ..
de Wurz burg, obrig ada por seu métoadoresul tados positivos, a. Escola § 1. PROB LEMA DOS UNIV ERSA IS
e à análi se das etapa s termi nais a se_ ater à pura descriç_\i,Q.
sobre tudo com Bttm.ER, numa espéciedadeevoluçao intele ctual , imbica, Já ti..vemoJ!__ eM~fa- de..f.ala.r_.no prob lema
panlo gismo, que cons~ te ein"~--- ····
fazer do pensa ment o o simp les espelho
da lógica. · · (l, 48). Aqui, temos só que relem brar as princdos univ ersai s
ipais
que ence rra, e que delim itar seu aspecto psico posições
421 Essa falha do método explica o equív lógico.
que nos são propostas. A noção de um "penoco daB conclusões 1. Pont.o-de-vista psicológico. A ques
same nto sem ima- tão que se apre -
gens " arris ca-se , com efeito, a ser mal enten senta à psicologia é de sabe r que realidade
que ela dissimula deveria, com freqüência dida , e a confusão men tal cumpre reco-
, ser levada à cont a nhecer à idéia universal. A idéia, no pensamen
de BOHLER. li:ste provou realmente, cont redutível às imag ens e às pala vras ? Tem to, é algo de ir-
há um pensamento que transcende a imagra o empirismo, que cífica próp ria? Tal é o prob lema que acab uma reali dade espe-
inária ou que não é.
composto de imag ens; mas não, como êle pági ~as que precedem. Fom os levados a amos de estu dar nas
o
um pens amen to não acompanhado de imag afirm a, que exist e univ ersal era algo de real no pens amen to concluir que a idéia
ens. Na realidade, te disti nto das repre senta ções sensíveis. Rest e algo essencialmen-
dever-se-ia dizer, segundo os pontos-de-vist
sem imagens, no sentido de que o pensamen as, que se pensa ber como se form am as idéias, o que cons a-nos, porém, sa-
to é especificamente titui o prob lema da
distinto da imaginação, e que ao mesmo abstr ação .
tempo não se pensa.
sem imagens, enqu anto a imag inári a cons tante
men te subenten- 2. Psico logia e Crittca. Os aspe ctos
de, de ma;µeira mais ou menos explicita,
a ativi dade do espí- do problema das idéias são intim amen te solidpsicológico e crítico
rito. ro é, com efeito, que a questão do valor das ários entre si. Cla-
10

Há, porta nto, certa dependência do pens tica) depende da solução dada ao prob idéia s gera is (Crí-
ção à imaginação. A natu reza e a medida amen to em 1·ela_- idéia gera l e de seu modo de formação.
lema da natu reza da
dência estão por dete rmin ar, e cons titue exat a dessa depen- conhecimento está, de fato, impl icada noTôda a psicologia do
mos agor a abor dar com o estudo da abstrmação o problema que va::-
inve rsam ente. Apes ar de tudo, convém manprob lema crítico, e
. ponto-de-vista, já que a críti ca tem por fim ter a distinção dos
ART. II. A ABS TRA ÇÃO faculdade do ser, e a Psicologia visa simp julgar a razã o como
o funcionamento dessa mesm a razão. lesm ente a descrever
422 A idéia, cuja realidade específica é certa idéia apre senta r-se- á, pois, de man eiraOdiferprob elma do valo r da
ser algo de bast ante paradoxal. É um sinal , não deixa de eni. Psicologia. Nest a, trata r-se- á apen as ente em Críti ca e
do real, mas, por modo de repre senta ção próp rio (valo r emp de lhe dete rmin ar o
seu--- çaráter de gene ralid ade e de universal
corre spon der a nada de real. Porque· tudo idade, pare ce não em Críti ca se trata rá de lhe defin ir o valo írico ), ao passo que
o que é real é indi. julga r a prete nsão do pens amen to de ating r absoluto, isto ~r de
vidua l. O homem eJJl gera l não existe,
mas somente, como afir-
mav a com insis tênci a ARISTÓTELES, êsse hom dos fenômenos, e as caus as e os princ ipios ir o ser para além
Cállias ou Pedr o ou João. li:ste para doxo
em que se cham a do sensível e do múltiplo da expe riênc ia. prim eiros para além
apar ente é que "se
trata agor a de explicar. Como é que se -4!8 3. Soluções-tipos. As gran des soluções
form
idéias? Que valo r se lhes devem atrib uir como am as nossas histó ria para êste prob lema têm, pois, prop ostas na
cer o real ? meios de conhe- nece ssàri amen te, um
11
duplo aspecto, psicológico e critico. Cumpre-n
subl inha r o prim eiro aspecto. os agor a apen as
10 Contr a as teses de BOHL ER
tem-s e
estabe lecer a realid ade de um pensa mentoainda objeta do que traca s~m ·em a) Nominalismo. O nominalismo tem dois
meiro, o nominalismo radical: as idéia s univ grau s. Pri-
todo modo , resta si!mpre a "imag em verba sem image m, por isso que, de ersai s não
..inos sem alcanc e. · De feito, a "imag em l". Mas esta dificu ldade parece ~ lidade alguma, nem objetiva, nem mesmo têm rea-
verba l", como tal, esté. aqui fora
de questã o. 1: precis ó realm ente que esteja ·- pala vras ( ou nomes) vazias de conteúdo ( subj etiva ; são pura s
tação se serve dela para evoca r as idéias prese nte, já que a exper imen- nalismo). Para o nominaliBmo moderado, tamb donde o têrm o nomi-
corpo norm almen te com o sentid o da palav . Porém , adema is, ela forma ém chamado co·n-
ra, quer dizer que aqui se· falá ceptualismo ou, na Idad e Média, term
real no esrnrito, mas essa reali dade éinism o, a idéia é algo de
de "imag em" em sentid o impró prio.
ll Cf. PRAD INES , PB11chologie
gtn4!ra1e, Il cader no 2, pág. 139, IV. inexplicável pela expe-
riênc ia: é ou o prod uto de uma intui ção
das pura s essências
i
448 PSICOLOGIA
A IDÉIA 449
existentes num mundo inteligível (idealismo objetivo, defen-
dido por PLATÃO), ou algo de inato ao espírito e que êste não Distingue-se comum~nte o realismo exagerado (que é o Idealis-
faz senão tirar de seu próprio fundo, sem recurso à experiên- mo· ontológico de PLATÃO) - e·o realismo moderado co · de ARISTÓTELES
.e de SANTO ro;iv.cá_s). Mas essa distinção, como os têqnos (~xagera-:
cia, senão a título de condição acidental (idealismo subjetivo···~ ... ..... d.õ»" «mode'i·ãdo») peleis quais elâ se exprime, depende do ponto-de-
defendido por DESCARTES e KANT sob formas diversas) . A~ vista críticó. Psicológicame nte, só ná, na verdade, duas posições: a
idealismo objetivo pode-se juntar o ontologismo de MALEBRAK- do nominalismo (a idéia, de modo algum, provém da experiência)
CHE, para quem as idéias são vistas em Deus, e o panteísmo e a do realismo (a idéia vem da experiência). O idealismo de- PLATÃO,
como o ocasionalismo de DESCARTES e de MALEBRANCHE , ou o idealismo
de SPINOZA e de FICHTE, para quem as idéias sãe em nós de KANT, não passam de tentativas para resolver OS problemas for-
modos do Pensamento divino. mulados pelo nominalismo inicial. 1:, portanto, ês:ie nominalismo
que caracteriza essencialmen te es:ias doutrinas.
b) Realismo. Para o realismo, defendido por ARISTÓTE-
LES e SANTO TóMÁS, nossas idéias são ao mesmo tempo algo 424 A discussão dessas doutrinas deve fazer-se no terreno da
de real no espírito, e algo que exprime autênticame nte, pôsto experiência, pois trata-se essencialme nte de saber, uma vez es-
que sob forma abstrata, o real dado à experiência (fig. 27). tabelecida sua realidade mental, como se formam de fato as
idéias gerais. As numerosas teorias propostas sôbre êste ponto
há que apreciá-las não por sua engenhosida de, mas por sua apti-
I.NOMINALISMO dão para explicar a experiência.
As idéias não são formadas a partir da experiência. § 2. NATUREZA DA ABSTRAÇÃO
A. NOMINALISMO RADICAL. As idéias não têm nenhuma Todo o problema, como se viu, concentra-se na questão de
realidade mental, e reduzem-se a imagens (HUME). saber se a idéia é explicável a partir da experiência. Temos,
B. NOMINALISMO MODERADO. As idéias têm uma reali- pois, de examinar se a solução realista, que se apresenta como a
dade mental pró'f)ria, irreduUvel às imagens: mais óbvia e a mais conforme às exigências do senso comum,
1. Idealismo problemátic o: pode ser considerada como válida. Essa solução consiste essen-
a) Inatismo : as i~éias são inatas ao espírito cialmente em afirmar que as idéias se formam por abstração a
(DESCARTES, LEIBNIZ, BERKELEY). partir da experiência sensível.
b) Ontologismo: as idéias são apreendidas
pela intuição no mundo inteligível em que A. Noção de a b s ~
subsistem (PLATÃO), - em Deus, lugci·r No sentido mais geral, abstrair (abs-trahere ) significa se-
das idéias (MA.LEBRANCHE). parar. Do ponto-de-vis ta do conhecimento, abstrair é comide-
2. Idealismo crítico: as idéias resultam das for- rar num objeto 11,m e'lemento ou um aspecto prescindindo dos
mas "a priori" do entendiment o (KANT). ou.trOB. Abstrair implica, pois, uma espécie de análise ou de
3. Idealismo dogmático: as idéiall são modos fi- decomposição de um todo em seus elementos, em mira a exa-
nitos do Pensamento absoluto, pelos quais êsse minar à parte e por si mesmo algum dêsses elementos. Numa
Pensamento pena e gera o universo (SPINOZA, c:isa, pode-se, por exemplo, encarar o aspecto prático ou o esté-
FICHTE, HEGEL} . tico; num quadro, pode-se considerar a côr ou o desenho. Pode-
se, também, num objeto, distinguir a essência de seus caracte-
II. REALISMO res acidentais : neste sentido, e por abstração das particulari-
As idéias têm uma realidade mental prápria, e não forma- dades raciais ( amarelo, negro, branco) ou individuais (gran-
das por op'stração a partir da experiência (ARISTÓTELES). de _ou pequeno, sábido ou ignorante, moço ou velho, etc.) , dis-
se-a que o homem é um animal racional. Temos, assim, dois
F~. ~7. Quadro das soluções dadas ao problema t~pos de abstração, cuja natureza devemos cuidadosame nte pre-
das idéias gerais. cisar.
~ste quadro esquematiza soluçõer q,,e encerram graus mui variados e ,e
implicam mais ou menos umas as outras. Jf: assim que todo idealismo '- 425 . 1. Abs~-sep aração. Sob esta primeira forma, abs-
aima esp'-cie de inatismo, e que todo inatismo conthn, de maneira maia ou trair é essencialme nte separar ou dividir um todo real em suas
menos precisa, uma parte de ontologismo. partes fisicas (1, 57). É o que faço quando, num quadro, con-
460 PSICOLOGIA A IDÉIA 451

sidero à parte as côres e as formas; num Estado, a constituição 1 Ponto-de-vista empirls1a e nominalista. :ti:ste ponto-
política, as instituição jurídicas, o exército, os costumes públi- de-vista foi expresso sob ~uas rormas diferentes:
cos, etc.; na humanidade as raças diversas que a compõem.
a) A idéia geral reduz_-se '! uma imagem. :Para· os e;11p_i-
2. Abstração das essências. li: a abstração propriamen- ristas do século XVIII, e para HUME em particular, a 1de1a
te dita, que consiste em separar, nos sêres singulares da expe- geral não passa de uma imagem_ empo?ret:l~ po_r um estreit~-
riência, os tipos de ser que realizam ( generos e espécies) . A mento da tenção, e, por esta razao, desmd1v1duahzada e banali-
idéia de homem, por exemplo, é uma noção obtida por abstra- zada. A idéia abstrata não é, pois, em realidade, senão ~ma
ção, quando o tipo ou a essência "homem" (= animal racio- imagem abstrata que se obtém, de alguma sorte, automàtica-
nal) é apreendido na e pela experiência que temos dos homens mente, já que tôda imagem tend~ por si mesma, po~ apagamen-
individuais, Pedro, Tiago, João. A idéia de ser resulta da abs- to progressivo dos cara~teres smgulares, a a~sum1r _u~a for-
tração da essência do ser ( = o que é, de qualquer maneira que ma genérica e esquemática (195). A evocaçao das 1dé1as re-
seja) nos sêres singulares e diversos dados à experiência. Aqui, duz-se assim, de fato, a uma simples representação de imagens
tratamos somente desta abstração, que é a única passível de gerais' que representam cada uma tôda uma classe de objetos.
discussão.
Esta espécie de abstração é realmente, em certo sentido, b) A idéia geral reduz-se a um hábito m.otor. O ponto-
uma separação ou divisão, visto consistir em pôr entre parên- de-vista empirista foi retomado, sob forma nova, por T AINE.
teses a essência da coisa, isto é, em separá-la mentalmente dos Em seu livro De l' Intelligence, êle ensina que a idéia geral tem
caracteres individuais que a acompanham sempre na realidade. por ponto-de-vista uma tendência que provoca uma expressão
Importa, entretanto, compreender bem que o abstrato, neste e, em particular, um nome: a massa de impressões semelhantes,
caso, 'Tliio é uma parte do todo, mais sim o próprio todo. Com provocada por uma multidão de objetos particulares, acha-se
efeito, o abstraído significa não só a essência da coisa, que êle sintetizada pelo movimento idêntico que tôdas elas determinam.
declara explicitamente, mas ainda, embora sob forma implicita Por outros têrmos, a generalidade da representação resulta do
ou potencial, tôdas as propriedades e tôdas as notas individuais fato de os fenômenos ou objetos diferentes serem classificados
que podem afetar essa essência. Assim é que a noção abstrata no mesmo grupo, como meios "equivalentes" para obter deter-
do homem diz ao mesmo tempo expllcitamente a essência "ani- minado resultado. Por exemplo, a idéia de alimentação não ex-
mal racional" e potencialmente tôdas as propriedades e todos prime nada mais que a identidade de comportamento do indi-
os acidentes físicos e morais capazes de determinarem o ani- víduo relativamente a objetos múltiplos e diversos capazes de
mal racional (branco, amarelo ou negro, grande ou pequeno, lhe aplacarem a fome.
virtuoso ou vicioso, paciente ou colérico, sábio ou ignorante,
sensato ou louco, físico, químico, mecânico, matemático, etc). BERGSON (La pensée et le mouvent, págs. 67 e segs.), sem querer
negar a especificidade do conceito, acha que o ponto-de-partida da
Dá-se a esta abstração o nome de abstração formal (abstractfo idéia geral reside num sentimento confuso de qualidade marcante
formalfs), por isso que consiste em considerar a forma à parte da ou de semelhança entre os objetos. Esta semelhança é separada pela
matéria (I, 389), ou, mais geralmente ainda, o ato à parte da potência ação e consiste na. identidade das reações do vivente com ações par-
que éle atua ou faz existir. A mais elevada abstração formal, que, cialmente diferentes: dl: a erva, em geral, que atrai o herbívoro: à
como se verá, proporciona seu objeto próprio à Metafísica, é a abstra- côr e o cheiro da erva, sentidos e suportados como fôrças (não vamos
ção do ser comum (ens tn quantum eM). até a dizer: pensados como qualidades ou gêneros), são os únicos
dados imediatos de sua percepção exterior> (MatUre et Mémoire,
pág. 173); Todavia, BERGSON assim quer somente explicar a genera-
B. Teoria. da abstração passiva lidade, que seria identidade de atitude, isto é, hábito, e não o abstrato
propriamente dito, que é uma generalização consciente e refletida,
426 As definições que precedem não são, evidentemente, solu- que acaba no conceito ou noção de gênero e espécies.
ções. Só fazem é propor e delimitar o problema, que assim se Outras teorias são muito mais radicais, e pretendem ex-
formula: É processo abstrativo uma realidade psicológica, ou, plicar totalmente a idéia geral pelo hábito motor. Tendo êste
ao contrário, é uma ilusão que pode ser explicada mediante re-
dução a processos elementares (por exemplo, ao. jôgo da ima- . por efeito fixar reações numa disposição funcional estável, a
excitação singular, uma vez formado o hábito, provocaria a rea-
ginação simbólica e esquemática)? Examinemos primeiro as 'f
ção global e complexa a que ilusoriamente chamamos "idéia
soluções que foram propostas pelo empirismo. geral".
PSICOLO GIA A IDÉIA 463
452

2. Discussão. O ponto-de-vista empiri sta e nomina lista b) A abstração não se reduz à generalização. O êrro

.
427 428
topa com as observações seguin tes: - fundam ental de tôdas as teorias empiri stas consiste em defi-
. ............... ..nir.-. l!,. ~!?l>t-1'.~Ç.~,<?,. g:nera}ização, q~er dizer, em s6
a) A imagem esquemática é essencialmente diferen te da tomar em comnãe raça!:J a _áb~tl'à' çao-separaçao: · · Ora, de um··· --
idéÚJ, abstrata. Sabemos que a percepção é em primei ro lugar lado, essas teorias não chegam sequer a explica r, como pre~
apreensão de uma estrutu ra ou de uma forma afetada de sig- tendem, a genera lidade do conceito, visto que a imagem, por
nificação (147). A imagem esquemática não requer, pois, ne- esquem ática que seja, fica num plano de genera lidade muito
nhuma das complicadas explicações que foram propos tas. abaixo e todo diferen te do do conceito. Doutro lado, genera-
12

Está realme nte no princip io do conhec imento , que começa lizar não é abstrair. Ao contrár io, tôda genera lização , na
assim por uma espécie de percepção geral. Dêste ponto-de- ordem conceptual, supõe uma abstraç ão prévia. Por conse-
vista, completamente oposto ao ponto-de-vista sensua lista e qüência, cumpre renunc iar à ilusão de explica r o abstrat o -a
empiri sta, segundo o qual o conhecimento começa por sensa- partir do geral, visto ser precisa mente o inverso que se deve
ções isoladas de elementos ou sensações-átomos, o que haveria fazer.
que explica r, seria muito antes a apreen são do individual e que, «para genera-
do elemen tar. BERGSON (Matíere et Mémoir e, pág. 170) crê
utilmen te,
lizar, é preciso antes abstrair , mas (que), para abstrair
. Todavia, essa imagem esquemática da percepção sensível é preciso já saber general izan. Efetiva mente, se - como o admite
não é, de modo algum, a i.déia abstrat a da inteligência. Em- BERGSON - abstrair se reduz a «extrair qualida des comuns> , para que
piricam ente, e indepe ndente de tôda teoria, imagem esquemá- estas qualida des apareça m como comuns é preciso que primeir amente
·re-
tica e idéia abstrat a diferem por caracte res irredut íveis. Pri- tenham sofrido um trabalh o de general ização. Mas e·s tao.opinião
numa noção errônea da abstraçã BERGSON
meiro, a imagem esquem ática é uma represe ntação concreta pousa evident emente
redu-la ao processo de dissociação e de separaç ão. dita Ora, não é disto
de uma estrutu ra e de uma forma sensíveis. Não é êsse o que se trata, por não ser a abstraç ão propria mente de um& espécie
abstrat o prõpria mente dito, que é, não mais represe ntação de .~)
de «colocação entre parênteses> de uma qualida de ou ente um aspecto ,
dif-ereute.
uma estrutu ra sensível, mas, de direito ao menos, concepção e sim a apreens ão de uma essência, o que é radicalm
·)

de uma essência indepe ndente de tôda forma sensível. A per- Dêste ponto-d e-vista, a abstraç ão precede e fundam enta a generct-
Zízação. Esta só é possível pela abstraçã o.
cepção dá-me a imagem esquemática do homem : conformação
física, atitude e mímica ; mas a idéia de "anima l raciona l" é e) Imagem esquemática e hábito motor não são uns
algo de completamente diferen te e de irredut ível à imagem, abstratos. O recurso à imagem esquem ática e ao hábito mo-
seja qual fôr o grau de esquematização e de "gener alidade " tor, para explica r a idéia abstrat a, não respon de sequer aos
desta. dados do problema. Com efeito, se a imagem esquem ática é
Em segundo lugar, há muitos objetos aos quais não pode uma represe ntação mais ou menos geral, não é um abstrat o,
corresponder nenhum a imagem esquemática, porque êsses ob- senão uma representação geral concreta. Do mesmo modo, o
jetos não são de ordem sensíve l: tais são as noções abstrat as hábito motor é uma espécie de atitude geral, mas nada tem
de causa, fim, substân cia, limite, lei, infinito , essência, abso- que ver com o abstrat o, que não é uma atitude , e sim uma
luto, ser, etc. Para tais objetos, a imagem que às vêzes está representação. Aliás, o hábito tende a dispen sar dos concei-
unida à idéia opõe-se a esta, longe de constituí-la. tos, longe de os constit uir. :tle é, precisa mente, no mundo
Quase não é necessário discutir a tese de 8TuART Mn.Luma (Lógica, animal , destituído de pensam ento, o substit uto do instrum ento
págs. 255-257) segundo a qual o conceito nada mais é quemo
ima- univers al que, no homem, é o pensam ento por conceitos.
gem isolada pela atenção num todo complexo. Claríssisão Inteira-é, com
Não se pode reduzir o conceito a imagen s esquem áticas ou a es-
efeito, que o caráter ou o aspecto fixados pela atenção Isolados. signific a que não haja entre ambos
mente tão c'oncr~tos e individuais com o todo de que são até perder a
quemas percepti vos. Mas Isto não
ao mesmo
Se eu concent ro a minha atenção na côr de uma flor, nenhum a relação. Ao contrári o, imagens e esquemas .sãoSão êles que
consctência. de seus demais caracter es, nem por isso obtenho a idéia tempo os substitu tos e os primeiro s esboços do conceito
a. suprem o conceito, não só nos animais , mas também no homem,. por
de côr: esta é coisa inteiram ente distinta da contemp lação obstinad o faz
e exclusiva de um objeto particul ar. mais de três quartos de sua vida (195). Doutra parte, como ainda
notar A. BuRLOUD, 1a é certo que «se os esquemas perceptivos
12 As hipótese s da fusão e da superpos ição
das imagens singular es
18 A. BURLOU D, La. pensée conceptu etie, págs. 121-122.
(GALTO N) estão universa lmente abandon adas.
A IDÉIA 455
454 PSICOLOGIA

não são verdadeiros conceitos, pelo menos os conceitos estão nêles em vista do quê uma coisa é ou se faz) é gerada pelo espírito
virtualme nte ou em potência~, e que, «reencont rando, com o auxilio a pa:rtir de·nossas-exper-iências.-de intenção ou de org8:nizaçã_o
da reflexão, no mundo já organizado da ação e da percepção, os .eil}tim1}!.tj,ca: .M~.: ..~~stJ1~~.gud~: ~P.ºt~~;>. a poucdo, se=co~stró1 bo tun~=-
esquemas que serviram para construi-l o, fixandopos por meio da.~"'·~....._ verso do saber, s1s ema . e na ·urezas e e es1:1enc1as, a s ra1-
linguagem e explicitan do-os por operações Intelectuais~, é que o es• das do mundo sensível pelo esfôrço da inteligên cia, e ligadas
pírito forma a maioria dos conceitos empíricos (410), dos quais se
sabe que têm por conteúdo essencial determina ções geométric as ou entre si pelas causas e princípio s, abstraído s também êstes
mecânicas, estruturas e figuras. da experiên cia como condições da inteligibi lidade do ser.
Em grande parte, nossas idéias são sínteses formadas a partir
C. Abs~ ativa de elementos obtidos pela abstração . Assim, a a_!itmética, , partindoa
1. O verdadeiro problema. A discussão que precede bas- da noção abstrata da unidade tratada pela adiçao, constr01 tôda o
429 série dos números; a geometria , partindo do ponto e do moviment
ta para mostrar que tôdas as teorias empirist as procuram no espaço, gera tôda a multidão das figuras geométric as (I, 168). De
resolver um pseudopr oblema, proposto por uma noção inexata outro ponto-de-vis~a, as idéias problemá ticas ~movi~~nto pe~tuo) ,
da abstração . O problema da abstração propriam ente dita, os conceitos negativos (nada, zero), os conceitos-limites (o numero
apreensã o das essências , e não considera ção exclusiva de qua- infinito o movimento instantân eo ou de velocidade infinita), resul-
tam de 'sínteses praticada s pela intellgê_I:cia. Mas, em todos as cas_os, . ~·
lidades isoladas do todo, êste problema permane ce intato. 0 ponto-de- partida é tomado
da exper1encla ~ensível, e essas noçoes
.

Quanto a chamá-lo ilusório, é impossív el: vimos, com efeito, sintéticas só são possíveis mediante a abstraçao . Mesmo .as constru-
que é suscitado pela própria natureza da idéia e do conceito, cões absurdas (circulo quadrado, v~rdade falsa, Deus injusto) são
à base dos mais seguros dados experime ntais. formadas com o auxilio de elementos abstraido s da experiênc ia.

·2. Apreensão das essências. A abstraçã o das essências 430 3. Fnnçã.o das imagens. Compree nde-se melhor agora
será, como o quer BERGSON, "um requinte da inteligên cia"? o papel da imagem tanto no princípio como no têr,;110 da
Em tQdo caso, é a própria forma da atividade intelectu al. abstração .
Quanto ao ponto-de -partida desta, pode-se situá-lo nas per-
cepções esquemá ticas: nossa percepção está, de alguma so·rte, a) Tôda idéia procede de uma imagem. Primeira mente,
naturalm ente orientada para a forma abstrata, mediante ima- tôda idéia, por abstrata que seja, direta ou indiretam ente pro-
gens de estrutura s e de formas que nos dão objetos ou qua- cede de uma imagem. Todos os nossos conhecimentos vêm
lidades "gerais" . Nessas imagens mais ou menos esquema - do sensível, segundo a fórmula célebre de ARISTÓTELES: "Nada
tizadas procura a inteligên cia entender o que são as coisas hã na inteligên cia que não tenha estado primeiro no sentido".
em si mesmas, suas natureza s e essências, as quais se expri- As próprias idéias de alma e de Deus não fazem exceção. Da
mem em forma de idéias ou de conc~itos, que dizem a pura alma ou do espírito só podemos ter idéia na medida em que
significa ção das coisas. são experime ntados: daí vem que, certos por intuição imediata
A idéia (noção ou eldos) é relativa à ordem do ser; consiste em
da existênci a dêles, só temos de sua essência mera noção ina-
.... dequada e imprópri a, por carecerm os de uma experiên cia au-
apreender ou fazer aparecer propriedades ou relações que pertencem
à essência da coisa. e a constituem. Ao contrário, a. percepção é re- têntica do espiritua l. Por isto, para definir a natureza dêsses
lativa à ordem dos fenômenos ou das aparições. Mas a essência está sêres, servimo- nos de analogia s tomadas do sensível: ani1na
sempre implicada na própria percepção, a tal ponto que a elabora-. (sôpro) para a alma, e spiritus (ar sutil) para o espírito.
ção da idéia só é possivel porque a essência «já lá» está, ruw percepção Assim também, nossa idéia de Deus não é, por sua vez, senão
Em certo sentido, a definição não va1 parai a essência; dela procede.
Tal é o sentido preciso do axioma segundo o qual «nada há na inte- uma noção analógica , tornada de nossa experiên cia, a saber,
ligência que não tenha estado no sentido». a idéia de uma causa primeira universal , análoga às causas
que conhecem os no universo e, particula rmente, à causa inte-
f

Assim sucede em tôda a extensão do conhecimento. Mes-


mo as noções ultra-abs tratas de causa e de fim, de número e ligente e livre que podemos ser em nossa ação.
de lei, de relativó e de absoluto, de substânc ia e de ser, têm b) "Não se pensa sem imagens" . Com isso se explica
sua base empírica em nossas experiên cias sensíveis ; assim a que a imagem seja inseparáv el da idéia, fôsse esta a mais
idéia de causa (= àquilo por que alguma coisa começa a ser) abstrata. "Não se pensa sem imagens" , dizia ARISTÓTELES,
resulta de um trabalho da inteligên cia sôbre . as experiên cias porque tôda idéia tem seu princípio numa imagem e mantém
externas e internas de eficiênci a; a noção de fim (= àquilo
PSICOLOGIA A IDÉIA 45'1
456

sua uniao com o sensível de onde procede por abstração. Daí logias de ordem sensível (o que sucede, em particular, quando
se segue que um enxame de imagens confusas ou pedaços de · 0esfôrço de compreensão versa sôbre puros inteligíveis).
imagens formem sempre como um halo em tôrno de nossas ..... .. --
idéias. Não penso homem, animal racional, senão formando 491 4. «Metafisica experimental». Nosso pensamento não
uma imagem mais ou menos esquemática do homem concreto. pode pois, reduzir-se a imagens. Se é verdade que todo o
A idéia de brancura evoca imagens confusas de coisas brancas noss~ conhecimento se origina em imagens, êste transcende
(neve, papel, paredes brancas). A imagem tende naturalmen- imensamente o campo da imaginação, no sentido de que, na
te, consoante a expressão de HussERL, a pôr um "enchimento" experiência, apreende as naturezas e essências, os princípios
ou um conteúdo intuitivo na signifiêação: esta permanece li- e as causas que tornam a experiência inteligível, mas que, como
gada às imagens sensíveis. tais, são inacessíveis à percepção sensível.
Quanto às experiências que analisamos ( 418) e que pa- Certamente pode-se falar de uma "metafísica experimen-
recem estabelecer que existe um pensamento sem imagens, de tal", porquanto o princípio de tôda metafísica, como ciência
modo algum contradizem o ponto-de-vista aristotélico, pois im- do ser, é a experiência sensível, e a obra metafísica depende,
plicam somente que, no pensamento por conceitos, a imagem em tôda a sua extensão, dessa experiência. Mas, no dado
pode ser extremamente apagada e quase inapreensível, que o experimental, a inteligência humana é capaz de apreende1· in-
ato de julgar é essencialmente distinto do jôgo das imagens, finitamente mais 1·ealidade que a proporcionada pela percepção
e que o pensamento, em geral, transcende as imagens sensíveis. sensível. Aliás, ela só ultrapassa o dado sensível imediato em
Foi tudo o que BINET e BüHLER puderam estabelecer. Mas virtude das exigências inteligíveis inscritas nesse próprio dado,
sua tese (a de BÜHLER pelo menos) inclina-se para o excesso e que só ela é capaz de apreender.
contrário (que a teoria aristotélica evita) de negar que se possa
pensar com imagens. Na realidade, bem se poderia, em certo D. Graus de abstração
sentido, dizer que só se pensa com imagens, a saber, no sen-
tido de que tôda idéia tem seu princípio numa experiência sen-· 492 1. Os três graus de inteligibilidade. A abstração pode
sível. Porém, ademais, também é certo que a imagem como ser mais ou menos completa. A idéia de "mesa redonda"·\· por
tal pode ser um instrumento do pensamento, e que cumpre exemplo, é menos abstrata que a de "mesa"; o conceito de
admitir a existência de diversos processos de compreensão com "suporte" é mais abstrato que o de "mesa" (já que a mesa
imagens. é uma espécie do gênero suporte); a idéia de homem é menos
abstrata que a de vivente (I, 46). Podemos, assim, elevar-nos
c) A compreensão co1:i imagens. Com efeito, relativà- pouco a pouco a uma abstração cada vez mais completa, que
mente ao jôgo das imag·ens, podem-se distinguir dois tipos de nos conduza à idéia mais abstrata e universal, que é a idéia
intelecção. Primeiro, uma compreensão pura, sem interven- de ser, ou idéia daquilo que é ou existe ( de qualquer maneira
ção explícita da imagem: esta, na medida em que existe, não que seja).
é tomada em consideração ; pode mesmo passar como desper- ARISTÓTELES distinguiu três graus progressivos de abstra-
cebida, quando a compreensão (conceito) é imediata. Há, ·de- ção, pelos quais se realiza um grau cada vez mais elevado de
pois, uma compreensão com imagens, que se produz quando inteligibilidade. Com efeito, num objeto material, a inteli-
o pensamento faz uso explicitamente da imagem e a ela se gência pode abstrair primeiro as qualidades sensíveis, consi-
refere de algum modo: nesse caso, a imagem parece ser um derando-as independentemente de suas notas singulares : é o
dos elementos do processo de compreensão, a título de sinal grau de abstração próprio às ciências da natureza, que têm
ou de símbolo .d a idéia, quer assinale a etapa empírica de um· por objeto, por exemplo, o calor, o pêso, a fôrça, a velocidade,
pensamento ainda empenhado todo nas experiências singula- a luz, a vida, etc. ; em seguida, a quantidade como tal, inde-
res ( 41 O), quer só exprima um aspecto ou um elemento d~. pendentemente das qualidades sensíveis que a afetam: é o
um conceito capaz de múltiplas determinações (o "gênio mi- grau de abstração próprio das matemáticas, que têm por obje-
litar da França" traduz-se, em meu pensamento, pelas repre- to os números e as figuras; e, finalmente, o próprio ser, con-
sentações de Turenne, de Napoleão ou de Foch), quer enca: siderado independentemente de tôda matéria, pura e simples-
minhe expressamente às intuições sensíveis que estão na base'.
mente como ser: é o grau de abstração próprio da metafi-
sica (/, 21).
dQ- conceito,. quer,· enfim, o conceito se elabore mediante ana-.
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J A IDÉIA 459
l 468 PSICOLOGIA
1 sejam elevadas ao nível de imaterialidade da inteligência, e,
499 2. Abs ~ e indeterminação dos conceitos. Os con- por conseguinte, despojadas de ___S'UaS condições sensíveis, sin-
ceitos são cada vez menos determi nados à medida que nos ele- uma _espé;.... ~, r.- = ,.....
"'git1lar-es..,.e.. concr.etas,.~ E~~rP..P~t~_Ç.ão r:aliza- se :eor pr6pr1a
vamos na abstração. A -idéia de ser é a menos determi nada----- -- cie de ilumina ção das imagens , que e a funçao do - ·
de tôdas, por convir a tudo o que é ou pode ser. Inversa - intelecto agente e constitu i a abstraçã o intelectu al.·
mente, o indivíduo (Pedro, êste cão, a:quêle quadro) é a rea- A operação do intelecto agente produz o que os Escolás-
lidade mais determi nada. ticos chamam uma espécie impress a intelectual ( species im-
3. Idéia de ser. Esta idéia, que resulta do primeiro pressa intelligibilis). Já encontr amos e explicamos essa noção
olhar da inteligência sôbre as coisas, dá origem imediat amente de espécie impress a (species impress a sensibilis) no estudo do
a juízos, a que chamamos princípios primeiros, que não fazem conhecimento sensível (192). As razões que impõem a rea-
senão exprimi r aa leis do ser, intuitiv amente apreend idas nêle. lidade dela no conhecimento sensível valem a fortiori no co-
São: o princípio de identúlade ("o que é é", ou também "o nhecimento intelectual. Todo conhecimento implica, com efei-
ser é idêntico a si mesmo" ), e o princípio de não-contradição to, que a semelhança do objeto conhecido esteja present e na
("uma mesma coisa não pode, ao mesmo tempo e sob o mesmo faculdade cognoscente ( condição que não faz senão definir a
aspecto, ser e não ser"). própria essência do conhece r). Ora, no conhecimento inte-
lectual, o objeto, que em sua origem é de naturez a sensível,
4. Idéias de causa, substância e fim. Convém citar ain- só é assim,ilável pela inteligência se, de alguma sorte, estiver
da, entre as noções que, intuitiv a pôsto que confusamente, nos imaterializado. 14 Função do intelecto agente é realizar essa
são dadas pelo primeir o contato do espírito com as coisas, as imateria lização e formar, assim, a similitude que, ao informa r
noções de causa, ou "do-que-produz-alguma-coisa"; de subs- a inteligência, torna-a capaz de conhecer em ato.
tância, ou "do-que-subsiste-sob-a-mudança"; de fim ou "daquilo-
para-que-uma-coisa-é-feita ". Como a idéia de ser, essas no- 2. Intelecto passivo e espécie expressa.
ções dão nascimento a princípios univers ais: princípios M 495
causalidade, de substância, de finalidade. A questão do valor a) Intelecto passivo. O intelecto agente é, pois, umâ fa-
destas noções e princípios pertenc e à Crítica do conhecimento. culdade ativa que age como condição radical da intelecção. A
inteligência propria mente dita (faculda de passiva ) chama-se
ART. Ili. A IN7'EL ECÇÃ0 •\ , intelecto passivo, porquan to recebe as espécies inteligíveis for-
madas pela atuação do intelecto agente. Essas espécies inte-
494 Foi, pois, pelo realismo do conhecimento que tivemos de ligíveis fecundam, por assim dizer, a inteligência, que déste
concluir, nas discussões que precedem. Mas, do ponto-de-vista modo pode produzi r o ato de intelecção ou ato de conheci?nento
psicológico, não fizemos senão est.abelecer a verdade de fato intelectual, que se remata na formaçã o da idéia propria mente
do realismo. Resta-nos examina r, de um ponto-de-vista pro- dita, também chamad a pelos Escolásticos espécie expressa,
priamen te filosófico, como é que se opera a passage m da ima- (species express a), ou também verbo mental (verbum ), isto
gem à idéia, isto é, como se produz o ato de intelecção. é, palavra interior , pela qual o cognoscente se diz a si mesmo
§ 1. CONDIÇÕES DA INTELECÇÃO . o que é a coisa conhecida mediant e a espécie impress a .
b) Necessidade da espécie expressa. A espécie expres-
1. Intelecto agente e espécie impress a. A condição ra- sa (verbum , similitudo intelecta, intentio intellecta, conceito
,
dical da formação das idéias é realizada pelo concurso de uma idéia) é evidente mente necessá ria para a intelecção. No caso
faculdade que SANTO TOMÁS, seguindo ARISTÓTELES, designou do conhecimento sensível, a espécie impress a ou similitude for-
com o nome' de intellecto agente ( ou ativo). Efetivam ente, mada no sentido pelo objeto, aparece suficiente para deter-
as imagens 'formad as nos sentidos pelo conhecimento sensivel minar a apreens ão cognitiv a do objeto, já que êste está pre-
não são capazes de agir por si mesmas sôbre a inteligência, sente ao sentido em seu ser físico. O mesmo não sucede quan-
que é completamente imateria l, porque ficam sujeitas às con- do o objeto não está fisicam ente present e à faculdade cognos-
dições da matéria , enquant o represe ntam objetos materia is
determinados. E' o que se exprime dizendo que não são inte- 14 Cf. G. RABEAU , Species, Verbum. L'actitJité intellectu eUe élémen-
ligíveis em ato, isto é, cognoscíveis como tais pela inteligência. taire selon saint Thomas d' Aquin, Paris, 1938, págs. 56-61.
Para se tornarem inteligíveis em ato, cumpre que as imagens
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A IDÉIA 461
460 PSICOLOGIA

des que a diversificam nos diferentes sêres inteligentes (Detld,


cente, como é o caso do conhecimento intelectual. Nenhuma os espíritos, o homem), 10 a inteligência tem por objeto esse11-
imagem vinda dos sentidos é capaz de representar à inteligên~ cial o ser como tal. O ser assim considerado é a um tempo
eia objetos abstratos, como o ser, a huma:qj.dade, a beleza, a ·ser tomado no -mals' altõ-grãll tle abstração, ~simplesmente
justiça, o bem, etc., dos quais sabemos que não têm, como tais 0
como idéia do qué é ou existe de qualquer maneira que seja,
realidade existencial (I, 43). A imagem dos objetos concre~ e as determinações inumeráveis do ser constituídas pelas essên-
tos ( os diferentes sêres : tal homem, tal ato de justiça, etc.) cias dos sêres concretos.
é mera provocação, dirigida à inteligência, para que forme, pela
ação do intelecto agente, símiles inteligíveis que tornem possí- 2. As oper~es intelectuais, do ponto-de-vista do ser. A
vel a intelecção. Por elas, a inteligência torna-se em ato ca- análise das operações intelectuais demonstra que a inteligência
paz de conhecer. Mas, para que se complete a operação vital é essencialmente ordenada à apreensão do ser.
do conhecimento, isto é, para que se produza o ato de intelec-
ção propriamente dito, cumpre, ademais, que a inteligência a) Concepção das idéias. A idéia, como se viu, é a apre-
se exprima a si mesma aquilo em que se converteu pela espécie ensão do que a coisa é: a idéia de homem é a noção de um
impressa, isto é, que gere a idéia propriamente dita. Nesta ser que é animal racional; a idéia de triângulo é a noção de
e por esta idéi<: é que a inteligência conhece em ato, sob forma um ser que é uma figura composta de três lados. 11:ste ser
abstrata e universal, os objetos antes apreendidos pelos sen- é o expressado pela definição. 17 Doutra parte, a inteligência
tidos. 15 é apta para apreender, na essência que abstrai, a razão de ser
Não sendo aquilo que é primeira e diretamente conhecido intrinseca e extrinseca das notas que se harmonizam com essa
mas sim aquilo em que e por que é conhecido o próprio objeto' essência. E' assim que, na noção de animal racional, a inte-
a espécie expressa evidentemente só pode ser apreendida roe~ ligência apreende a razão de ser das faculdades e proprieda-
des do homem, e, na noção de triângulo, a razão de ser das
diante reflexão do sujeito sôbre si mesmo.
propriedades do triângulo. Como o mostramos, é isso o que
distingue essencialmente a imagem de um objeto (o termô-
§ 2. OBJETO DA INTELIGtNCIA
metro como figura concreta) da idéia dêsse objeto (o termô-
496 ·Assim como, de um ponto-de-vista filosófico e já meta- metro como instrumento que serve para medir a temperatura).
físico, pudemos definir, a partir da experiência, o que se pode b) Juízo. O juízo consiste em afirmar oque é o objeto.
chamar a ontologia do conhecer, assim também estamos agora seja em· si mesmo (Pedro é homem), seja relativamente a
em condições de precisar qual é o objeto formal da inteligên- outros (Bruno é filho de Gerardo; O universo é obra de
cia humana. Deus) (I, 60).
A. A inteligência, faculdade do ser: c) Raciocínio. Pelo raciocínio procura a inteligência
descobrir a razão de ser de um objeto, enquanto está contida
1. O objeto formal próprio da inteligência, corno tal. num ou em vários outros objetos previamente conheciàos.
Conside'rada em si mesma e independentemente das modalida-
3. Ser e inteligibilidade. Do que precede resulta que
15 Cf. SANTO TOMAS, De Potentia, q. 8, art. 1: "Intelligens in intelligen-
o ser é que é a medida da inteligibilidade ( ens et verum con-
do ad quatuor potest habere ordinem: scilicet ad rem quae intelligitur ad vertuntur), e que, em si, um objeto é tanto mais inteligível
sp1;ciem intelligibilem, qua fit intellectus in actu, ad suum intelliger~ et quanto mais perfeito grau de ser possui.
a<_i conceptionem intellectus. Quae quidem conceptio a tribus praedictis
differt. A re quidem intellecta, quia res intellecta est interdum extra
intellectum, concepÍio autem intellectus non est nisi in intellectu et iterum . • 16 Já não mais se trata senão da inteligência subjetiva, isto é, con-
co~ceptio i~tellectus ordinatur ad rem intellectam sicut ad fine~; propter sid_erada como faculdade autc'inoma e distinta, e não da inteligência objetiva,
emm hoc mtellectus conceptionem rei in se format ut rem intellecta·m existente no mundo animal.
cognoscat. Differt áutem a specie intelligibili: nam species intelligibilis 1 7 Isso, de direito. Porquanto, de fato, a inteligência humana está
qua fit intellectus in actu, consideratur ut principium actionis intellectus: longe de apreender tôdas as essências das coisas por falta de suficiente
cum omne agens agat ~ecundum quod est in actu, actu autem fit per aliquam penetração. Mesmo porque as mais das vêzes lança mão de substitutos
formam, quan oportet esse actionis principium ( ... ) . Differt autem ab que significam ou simbolizam as essências das coisas que permanecem
actione intellectus, quia praedicta conceptio consideratur ut termlnus actionis desconhecidas em si mesmas (I, 55-56).
et quasi per ipsam constitutum".
A IDÉIA 463
462 PSICOLOGIA

~e fato, o grau de inteligibilidade de_, um ser depellde da pro- versais, enquantQ ª'I>~reÇ,em _à int_el~gência. co~~ suscetíveis dE:
porçao exJstente entre êsse ser e a faculdade cognoscente. Deus, Ser ser realizadas num numero mdef1mdo de md1v1duos.
infinito, é em si o Supremo Inteligível. Mas, para nós, q11e só pode- -- -------Tt. .. - ....... .._..,."._~_ ......._,. •., •~_.., .. •ar-- •

mos conhecer a partir das imagens, é O Supra-Inteligível, algo assim Estas idéias não devem fazer esquecer que tôda a atividade in-
como o sol, soberanamente visível enquanto fonte de 1u:z:, mas que, telectual visa, através da essência ou qi?-ididade, ao próprio ser pelo
pela própria intensidade da luz que dêle emana excede as possi- ual a essência é. Como vimos em Lógica, ao estudarmos o ver-
bilidades de nosso olhar. ' (1 63) e como o veremos mais adiante, ao analisarmos o juízo, a
existéncia: exerclàa, ou significada, é sempre o tê_rmo d-o pensamento,
já que s essêncl:a é o modo sob o qual alguma coisa. é ou ea:tste.
B. A int.eligência humana
497 ~- humana inteligência é a de um ser corpóreo., . Esta 498 2. Objeto indireto da int.eligência.
condiçao carnal do espírito determina O modo de e"erc1c10 es- a) O conhecimento de si. A inteligência é apta a co-
pecífico de nossa inteligência.
)',
nhecer indiretamente, mediante reflexão sôbre suas próprias
operações, ~uas idéias, enquant~ for~a~ _subjetivas, ass!m
1. Objeto formal próprio e direto da int.eJigênoiJl,- como o sujeito pensante que lhes e o prmc1p10. Esta reflexao,
a) Apreensão das essências. Como O conheciJJlento hu- propriamente falando, é uma int~ição: a alma perc~be,-s~ exi~-
mano começa . pelo sensível, nossa inteligência tem por ob3~et_o tente, enquanto se apreende a s1 mesma como prmc1p10 pri-
formal próprio o ser ou a qiiididade 18 das coisas ,materiais meiro (sendo o princípio próximo a faculdade) de suas
(ens in sensibili existens). A inteligência humana é ordenada operações, e ao mesmo tempo percebe confusamente sua na-
essencialmente à apreensão da essência das coisas sensíveis. tureza, enquanto se conhece como princípio de um ato que
... Isto de modo ~lgu_m sig~ifica que apreenda sempre ii- ime~ia- produz uma representação imaterial e universal. 10
tamente as essencias, tais como as definem O gênero próximo b) Conhecimento analógico. Enfim, a inteligência es-
e a diferença específica (1, 55) . Essas essências só r9,ramente tende imensamente seu domínio graças à analogia. Com efeito,
as conhece a inteligência: fora das matemáticas eJll que as a partir das qiiididades da ordem sensível, eleva-se ao conheci-
ess~ncias são geradas pela inteligência, usamos d~ 8 obstitutos mento dos sêres imateriais, princípios e causas exigidos pelu
v!lriados (proprie~ades, descrição, origem ou mes~º puros inteligibilidade do ser dado à experiência. Num sentido, êsses
sunbolos) para designar a essência desconhecida em si mesma. objetos ainda estão implicados no sensível, objeto direto da
Mesmo nos casos em que a essência metafisica nos é 9,cessível, inteligência, enquanto são necessários para explicar o universo
inteligência ,ªs. mais das vêzes não chega a conhecê'la se~ão e sua organização ( é assim que, para a razão, Deus é primeiro
a custa de múltiplos e longos esfor.ços. Nem por iS~º de1xa afirmado como exigido pela impossibilidade de o universo ex-
de ser verdade que, clara ou confusamente a inteligêJlc1a tende plicar-se por si mesmo). Mas, sendo supra-sensíveis, suas
sempre espontânea e naturalmente a apr;ender O qtle a coisa naturezas não são diretamente acessíveis à inteligência. Esta
é ( qüididade) . só as conhece por via de analogia (I, 53), e é incapaz de fazer
. b) Modo abstrato e universal do conhecer. Essti.S _essên- delas uma idéia própria adequada, pelo fato de que todos os
cias ou substitutos da essência conhece-as a inteligérICia sob conceitos de que ela usa terem por origem primeira o sensível.
forma a~strata uniyersal. Com efeito, as qiiidid((,d_es, em
s_ua realidade existencial, são singulares e concretas . sao rea- . 3. Realismo da inteligência. Sem abordar o ponto-de-
hza~as na ~atéria individuada. Não podem, pois,' eer 8:Pr~- vista critico, desde já pode-se fazer notar várias conseqüên-
e~d1das senao por abstração da matéria e dos caracteres md1- cias das observações precedentes, que serão utilizadas depois
v1duantes, isto é, sob forma imaterial. Como tais, são uni- na Crítica do conhecimento.
a) O cognoscente e1n ato é o conhecido em ato. Pelo ií
18A palavra qüididade (quidditas, o que constitui o quid de 1,1ma .coisa) ato de intelecção, a inteligência, tornada cognoscente em ato,
é empregada pelos Escolásticos em razão de sua generalidade .Aplica-se, é intencionalmente (isto é, pela idéia ou intentio intellecta),
com efeito, por igual ao ser em geral, aos transcendentais (no~Ões de uno,
de verdade e de bem, que convém a tudo o que é ou pode ser ae qualq11er
maneira que sej_a) ' às categorias ou modos mais gerais do ser' (1, 49) ' bem 19 SANTO TOMAS, De Anima, III, 4 ; De Veritate, X, art. 8. ,
como aos substitutos das essências desconhecidas em si mesma.S:•
464 PSICOLOGIA
A IDÉIA
a própria coisa conhecida enquanto tal (Cognoscens in actu
est cognitum in actu). E' o que igualmente significa o outro si pela reflexão, implicam a independência intrínseca da inte-
axioma, correntemente empregado e mais geral: cognitum ei" . ·1igência em relação a iodo órgão corporal. Se -a inteligência
cogrwscens sunt idem, o c<_mhecido, como .tal, e o cognoscente, depende -extrffiseoamente--doe .. M>gáos corporais;~ enquanto lhe·~.. r . .. ar

como tal, são uma só e mesma coisa. Noutros têrmos, o obje- condicionam o exercício, não é com êstes órgãos, no entanto,
to inteligível ( ou qüididade) é idênticamente o mesmo na idéia que ela produz suas operações.
e na realidade : só há diferença no modo de existência, que
é imaterial e abstrato na inteligência, e material e concreto § 3. TEORIAS IDEALISTAS
na realidade.
A. Noção do idealismo.
b) Os dois f atôres do conhecer. A existência da espécie
inteligível ou idéia resulta ao mesmo tempo da atividade do 440 1. Postulado nominalista. O nominalismo consiste em negar
eS'J)'Írito que s~para o inteligível, e da ação das coisas, que lhe a realidade subjetiva, ou, mais comumente, o alcance ontológico das
dá sua determmação especifica. 20 Por ai, o empirismo recebe .. noções gerais e abstratas. Esta doutrina é comum 'QO empirismo e
sua justa parte, pois é certo que nossas idéias vêm originà- ao idealismo, que não passam de tentativas diferentes para resolver
os problemas propostos pela negação inicial de que ambos procedem.
riamente do sensível. Mas ao mesmo tempo, e contràriamen- O empirismo pretende, com efeito, reduzir a idéia geral a imagens:
te às simplistas idéias do empirismo, o caráter próprio e irre- o sensualismo de CoNDILLAC, o associaciontsmo de Hmm:, MILL e TAINE
dutível do conhecimento intelectual é salvaguardado, visto ser são suas formas principais, 2 1 Mais acima discutimos os argumen-
concebido como uma atividade ordenada a extrair do sensível tos pelos quais êle se esforça por demonstrar que as idéias não são
nada no pensamento (414-416), ou, pelo menos, são correspondem a
as formas inteligíveis do ser. nada fora do pensamento (426-428). Não temo11 por que voltar a isso.
Por isso mesmo, essa atividade não pode aparecer (como O idealismo, ao admitir, por um lado, a realidade psicológica das
na doutrina dos idealistas) como produzindo de seu próprio noções universais, mas ao negar, por outro, a possibilidade de expli-
fundo o objeto inteligível, em virtude de uma espontaneidade cá-las de qualquer maneira a par.tir da experiência sensivel, é obri-
gado a fazer delas, sob formas diversas, dados «a priori> do enten-
misteriosa. Ao contrário, é, por natureza, conforme às de- dimento. · São as teorias que dependem dêsse ponto-de-vista que
terminações dadas no real : pensa isto ou aquilo em razão das temos agora de examinar brevemente. Essas teorias não vamos re-
exigências do real, tal como êste se impõe aos sentidos. Donde jeitá-las pela simples razão de não concordarem com a doutrina
o nome de intelecto paciente que se dá à inteligência. que acabamos de expor: haveria nisso circulo vicioso. Pode-se, porém.
coniront~-las com os dados da experiência, que afinal de contas
Por essa razão, enfim, é a própria coisa que é conhecida Julga todos os sistemas.
pela idéia, porquanto, ao conhecer, a inteligência percebe-se
determinada a formar tal ou tal idéia pela ação das próprias 2. Divisão do Idealismo. 1: diffoil propor uma divisão precisa
coisa_s. A idéia como tal, enquantQ forma subjetiva, só é co- das teorias idealistas, em razão de sua grande multiplicidade e di-
versidade. ·Pode-se, entretanto, de um ponto-de-vista sobretudo
nhecida mediante reflexão da inteligência sôbre seu ato. Dire- prático, distinguir três formas principais. O tdecdfsmo problemático.
ta e primeiramente, o real objetivo é que é apreendido pelo segundo o qual as idéias são inatas ao espirita e formam a única
ato de intelecção, embora sob forma imaterial. E' isso que realidade imediatamente conhecida. A realidade de um mundo ex-
é chamado o realismo do conhecimento intelectual. terior sensivel toma-se dês então, um problema, resolvido ora pela
afirmativa (PLATÃO, DEscARTES, MALEBRANCBE, LEIBNIZ), ora pela ne-
4. A int.eligência, faculdade inorgânica. Enfim, de tudo
o que precede resulta que a inteligência só pode ser conside- 21 O sensualismo, defendido na antiguidade por EPICURO e entre os
r~~a ~orno uma faculdade inorgânica. Pensa-se sem órgão, modernos por HOBBES, LOCKE e CONDILLAC, quer explicar tôda a vida
intelectual por transformações da sensação. CONDILLA.C imagina uma
d1z1a Justamente ARISTÓTELES. Com efeito, a imaterialidade estátua da qual abre sucessivamente todos os sentidos: só pelo olfato, essa
e a universalidade das idéias, a capacidade de tomar posse de estátua tornar-se-ia primeiramente sensação de odores, em seguida atenção,
ein virtude de uma sensação predominante·; depois comparação entre sen-
sações diferentes, depois juízos relativos a essas sensações, e finalmente
2 0 Cf. SANTO TOMAS, De Veritate, q. 10, art. 7: "lntellectus possibilis princípios generalizadores dêsses juízos. Discutimos a teoria da atenção (366).
recipit formas intelligibiles actu ex virtude intellectus agentis sed ut simi- Mas; se se encarar essa doutrina como uma explicação de todo o conhe-
litudines determinatas rerum ex cognitione phastasmatum". Cf. RABEAU, cimento, pode-se dizer sem impertinência que é difícil tomá-la a sério.
Species. Verbum. L'activité intetlectuelle éléme-ntaire selon saint Thomas Porque, se o animal tem realmente todos os seus sentidos abertos e expe-
d'Aquin, págs. 40 e segs. rimenta autênticas sensações, espera-se, ainda, que formule juízos e enuncie
os primeiros princípios da razão.
466 PSICOLOGIA A IDÉIA 467

gativa (BERKELEY). O idealismo crítico (KANT), segundo o qual os corpo. Encarnadas por castigo, as almas evocam as Idéias, J?Or
fenômenos, isto é, todo o universo, em sua organização sistemática, ocasião d1f r,erceberem-os objetos sensiveis, sombras e participaçoes
resultam das formas a priori da sensiblUdade e do entendimento. O das Idéias. Tal é a doutrina que traduz a alegoria_ da Caverna. 116
idealismo dogmático .(SPINOZA, F'iICHTE, SCHELLING, HEGEL)' segundo- --···-··-- "'tl''i!~sé quê~êssã"aoútrtiía' é üma~·&pécie de inatismo, pois explica
º qual o universo é gerado pelo sujeito pensante, concebido ora. como
· - ·· - · ~ - - . , . &

a evocação das idéias como uma reminiscência. Poi' isso esbarra com
razão individual, ora como Razão consciente universal, ora como um. a dupla dificuldade da inatismo e do ontologismo ou «realismo exa-
sistema de Idéias independentes das consciências. 22 gerado» ao supor que existem universais subsistentes (1, 48), sem
falar dá hipótese gratulta da preexistência das almas.
MALEBRANCHE propôs uma doutrina próxima da de PLATÃO. Obser-
B. Idealismo problemático va que nosso conhecimento inteligivel não pode vir dos objetos cor-
póreos, incapazes de operar sôbre a alma, que é espiritual. ~a rea-
U1 1 . Inatismo cartesiano. Para DESCARTES, as noções simples lidade as idéias são vistas em Deus, que é o «lugar de tõdas
(noções de verdade, de bem, de pensamento, de alma, de Deus, de idéias; isto é, a causa exemplar ou o modêlo de tudo o que extsw.
causa, de substância, noções matemáticas e lógicas, etc.), bem como Esta ~orla é desmentida pelo fato de tôda a nossa atividade inte-
os princípios universais, que DESCARTES denomina «noções comuna>, lectual se exercer sob a dependência dos dados sensiveis, a ponto
são inatos ao espirito. 2s tl:ste ou as possul de vez todo formadas de as nossas próprias noções das realldades espirituais, sob uma forma
(noções simples), ou as forma êle mesmo por ocasião da experiência, analógica, serem também função dos conceitos tomados do sen-
isto é, dos movimentos que se produzem no corpo. sivel (430) .
LocKE criticou vivamente, de um ponto-de-vista empirista, essa
teoria cartesiana das idéias inatas, que, por seu lado, LEmNIZ chama
de dllosofia pregulçosa>. J!: certo que de modo algum se harmoniza e. Idealismo critico
com os dados da experiência. Esta, com efeito, prova que n&, temos
idéias inatas, nem em ato, visto que temos consciência de elaborar- 449 Chama-se assim ( do titulo da Crítica da razão pura) , ou
mos pouco a pouco nossas idéias a partir do sensivel, e que os sujeitos também idealismo transcendental, a doutrina idealista de KANT.
privados, de nascença, do uso de um sentido não podem ter as ima-
gens correspondentes a êsse sentido; nem vtrtualmente, já que a von- 1. As formas «a priori». KANT observa que todo o nosso conhe-
tade não basta para adquiri-las, como sucederia se estivessem cimentt, matemático, tisico e metafisico, repousa sôbre noções gerais
virtualmente à disposição da inteligência. 24 Quanto a dizer que os (noções' de causa, de fim, de substância, de -alma, de Deus) , e sôbre
movimentos produzidos nos corpos são para nós ocasião de formá- princípios (de causalidade, de finalidade, de substância), que, sendo
las, é coisa bem difícil de compreender num sistema que não vê nen- universais e necessários, não podem derivar da experiência sensivel,
nh~a relação de semelhança entre êsses movimentos e as imagens. que só nos proporciona o contingente e o singular. 28 Para explicar
essas noções ou categorias e êsses principios, KANT propõe se admita
442 2. Ontologismo. Para PLATÃO, as Idéias ou Essências univer- que são formas inata.s do entendimento e resultantes de sua estrutura.
sais formam um universo inteligível, superior ao mundo sensivel, e Esta hipótese, imposta pelo principio nominalista da dout~na, 27
no qual as almas as contemplaram antes de serem unidas a um afigura-se a KANT como a única capaz de expllcar nossa llusao de
que o pensamento abstrato seja a expressão fiel de uma ordem ex-
22 Cf. LALANDE, Vocabulaire technique et critique de la Philosophie,
terior. Efetivamente, o pensamento é o verdadeiro legislador do
ed. 1928, t. I, págs. 322-323 .
universo; a natureza é obra nossa, e nós tornamos a encontrar-nos
23 DESCARTES distingue duas outras espécies de idéias: as adventícias,
nela. O entendimento impõe à massa dos fenômenos que afetam
que são as imagens das coisas sensíveis, e as factfcias, que são inventadas
os sentidos, e que constituem a única matétja de conhecimento, as
por nós. Ora, as idéias adventícias são também inatas, mas só se revelam
forma.s próprias da sensibilidade e da razao, a saber, as formas
ao espírito por ocasião dos movimentos produzidos pelas coisas nos sentidos,
a priori do espaço e do tempo e as categorias racionais: causalidade,
e que mit1 têm relação alguma· com uma imagem, e ainda menos com uma finalidade, substancialidade. Graças à atuação dessWl_ ,.formas
idéia. Quanto às idéias factic!as, resultam da combinação de várias idéias a priori, isto é inatas e constitutivas de nossa estrutura q,ental, é
(tala são as idéias de qu!liógono ou de quimera) . Cf. Méditations troisiême que o univers~ nos aparece como governado por leis universais e
et cinquieme; Principes de la Philosophíe, I, pág. 10.
24 A teoria das virtualidades é própria de LEIBNIZ, que primeiro
25 PLATÃO, República, VII, págs. 1-2. A alma humana é comparada,
admitiu que as idéias e os princípios são inatos ao espirito como "prefor-
mações" que se. atualizam pelo jôgo. da experiência. Mais, tarde, na Mona- em seu estado presente, isto é, unida ao corpo, a um prisioneiro acorrentado
dologia, LEIBNIZ. afirma que a alma (ou Mónada), incapaz de receber de numa caverna, voltando as costas à luz e não vendo as coisas exteriores,
fora o quer que ·seja, por isso que por si só forma um universo fechado, mas unicamente as sombras que projetam no fundo da caverna.
sem portas nem janelas, deve tirar de si mesma tôdas as suas idéias que 26 KANT considera êstes princípios como "sintéticos a· priori". Mais
possui em germe ou virtualmente desde o seu nascimento. Quanto ao adiante teremos de discutir essa concepção, ao estudarmos os principios
imaterialismo de BERKELEY, êste se apóia, como aliás os sistemas de de razão.
DESCARTES e de LEIBNIZ, numa critica das noções de matéria, de extensão 27 KANT confessa, com efeito, que foi HUME, quer dizer, o nominalis-
• ·. de espaço e de substancia, que discutimos em Cosmologia (I, 289-290, 294-295) . mo empirista, quem o acordou de seu "sono dogmático" .

... .
A IDÉIA 4fü)
468 !'SICOLOGIA

necessárias. 28 Assim se expllca que a c1encia seja bem sucedida, D. Idealismo dogmático
p9is não faz senão reencontrar nos fenômenos a_. ordem que a razão · ------- -·-1 --·-,·-·r--1acld" panteísta;-r. Nas,,doutrinas agrupe.das o nome de
nêles põe necessàrlamente. Assim se explica, em compensação, que 445 tcteazÚmo ºdo~mático (ou absoluto), as idéias tornam-~e os modos
a. metafísica fracasse, pois utiliza, para especular sôbre o que está f' itos do Pensàmento divino, quer êsse Pensamento seJa. conceb~do
além da experiência (números) , categorias e princípios que só têm c:mo se exprimindo em e pelas razões individuais, quer a ~ane1ra
valor no mundo da experiência (fenôme nos). d Axioma eterno, que desenvolve sem fim suas consequ~nclas
:c::árlas Essas doutrinas, tôdas de inspiração panteista, sao em
444 b) Discussão. A doutrina de KANT deverá ser discutida em Crí- neral muit~ abstrusas. Reencontrá-las-e mas em Teologia natural.
tica, pois concerne antes de tudo ao problema do valor. da razão ia medida em que se lhes pode descobrir uma forma comum, _do
metafísica. Do pondo-de-vista psicológico, podemo-nos ater a duas onto-de-vista psicológico reduzem-se ao tema seguinte: nem as
observações. A primeira é que a ra2ão pala qual KANT afasta a hipó- fdéias nem as leis do pensamento pod~m, _de forma alguma, pro':_lr
tese da abstração do universal a partir da experiência. sensível do sensivel (postulado nominalista). Nao sao, pois, outra coisa senao
constitui puro sofisma. Escreve êle, com efeito, em sua dissertação
de 1770, De mundi .senstbilis atque i ntelligibi lis forma et pr i ncipiis as ma.nífestaç6es finitas de um Pensamento infinito e ~ra.nscendente
ue se pensa a si mesmo e, pensando-se, gera o univer~o. Como
(sectio Ia., § 5): «No que concerne aos inteligíveis como tais e pro- ~bjetos pen&ados, formam o mundo; como (Jjto d~ pensar, sao o Prin-
priamente ditos, nos quais o exercício da inteligência é real, cumpre
dizer que os conceitos que representam tanto objetos inteligíveis ipio universal de tudo o que existe. Enquanto transcen~ente (ato
como relações procedem da própria natureza da inteligência, que ~e pensar), 0 Pensamento é Deus; enquanto imanente (ObJetos pen-
absolutamente não são abstraídos da experiência por um jôgo qual- sados) , constitui o divino.
quer do conhecimento sensível, e que não contêm nenhum elemento
que venha do conhecimento sensível como tal, porque uma abstração 2 Problema do real. Tôdas essas teorias manifestam pel:3-
operada no sensível não pode proporcionar conceitos que excedam o experÍência um perfeito desdém:', q~e e1!1- multo bem lhes retribui.
nível do conhecimento sensível, de tal modo que, por elevada que Porquanto, se os sêres da experiencia nao passam de puros objetos
possa ser a abstração, continuam sendo indefinidamente conceitos pensados· ou de puros conteúdos Imanentes do Pensamento,. como
sensíveis (imagensl ». Por ai se vê que, aos olhos de KANT, a abstra- têm consciência de ser em si e para si, isto é, de serem r ealidades ,
ção nunca passa de um simples processo de generallzação das Ima- subsistentes e sujeitos pensantes? Como pode o Pensamento bastar
gens fornecidas pela experiência. Ora, já vimos (427) que essa para constituir um universo de sêres reais, que se pensam e se afir-
concepção é errônea e está desmentida assim pela análise da idéia mam reais? Eis o que é bem dlficil de entend~r. Sem contar que os
abstrata como pelos resultados dos processos experimentais. processos psicológicos pelos quais temos consciencia de ela~orar nos-
Em segundo lugar, a asserção de KANT, de que só a teoria das sas idéias a partir da experiência sensível constituem, ja agora, o
formas a priori é capaz de explicar que a ciência progrida, harmo- menos inteligível dos mistérios.
niza-se mal com o fato de a ciência., no próprw domínio cv.r. expe-
riência., nãQ cessar de chocar-se com a natureza.. Pode-se mesmo
dizer que só progride devido a êstes choques, o que seria inconcebível E. Conclusão
se a natureza não fôsse nada mais que obra de nosso espírito. Como
se explicaria a convicção universal de lidarmos com uma ordem que 446 Compreende-se agora como a doutrina da abstração, que
nos escapa em sua quase totalidade, e que só podemos conhecer à nos foi imposta por uma rigorosa análise dos proce~sos d? es-
fôrça de paciência e astúcia? pirito na formação das idéias, inclui tudo o que ha de Justo
tanto no empirismo como no idealismo.
28 Cf. Crítica da razão pura especulativa, Introdução da 1.ª edição:
"Os conhecimentos universais, que têm ao mesmo tempo o caráter de uma 1. A idéia é real. O empirismo preocupa-se tanto com
necessidade intrínseca, devem ser claros e certos por si mesmos, indepen- conservar à idéia seu caráter real, isto é, objetivo, que acre-
dentemente da experiência. Por esta razão . são denominados conhecimen-
tos a priori; ao contrário, o que é tornado unicamente da experiência só é dita necessário para isso reduzi-la à imagem, expressão ime-
conhecido, segundo as expressões consagradas, a posteriori ou empiricamen- diata do real sensível. É legítimo êste cuidado, porquanto a
te. Vê-se agora, e é coisa notabilíssima, que aos nossos próprios conhe- idéia, por abstrata que seja, deve proced~r sempre de . u~a
cimentos se misturam conhecimentos que necessàriarnente têm uma origem experiência sensível e tôdas as nossas idéULs, no domínio in-
a priori, e que talvez só sirvam para ligar nossas representações sensíveis.
De feito, se dessas experiências afastarmos tudo o que pertence aos sentidos, teiro do conhecime-r:.to e até em metafísica, são devidas à ex-
1·estam ainda certos conceitos primitivos com os juízos que dêles derivam,
conceitos e juízos que devem produzir-se inteiramente a priori, isto é,
periência. Mas contràriamente ao que imagina o empirismo,
' .
dai não se segue que a idéia só possa ser uma imagem mais
.
inqependentement e da experiência, pois fazem que se possa dizer, ou ao ou menos elaborada. Abstrata e universal, significando di-
m enos que se creia poder dizer, dos objetos que aparecem aos sentidos,
mais do que o ensinaria a só experiência, e que essas asserções implicam reta ou indiretamente uma essência, a idéia conserva, como tal,
uinà verdadeira universalidade e uma necessidade rigorosa que ao conhe- o cará,ter real que, com tôda razão, exige o empirismo, visto
cimento puramente empírico não seria dado produzir".
.._,.
470 PSICOLOGIA

ser na própria imagem que a inteligência a apreende mediante


a abstração formal.
r·~
.

2. O real é idéia. O idealismo não quer admitir como


real senão o racional. As coisas ou imagens do empirismo
parecem-lhe com muita razão inassimiláveis, como tais, pelo
pensamento . Elas formam, com efeito (se se faz abstração
das relações inteligiveis, das essências, dos princípios e das
leis), um universo atomístico, descontínuo e inconsistente, uma CAPÍTULO IV
multiplicidade pura absolutamente impensável, porque despro-
vida do caráter essencial do ser, que é a unidade. Tudo isso O JUfZO
é justo, e um dos grandes benefícios que devemos ao idealis-
mo é haver feito ressaltar êsse ponto. Mas seu êrro foi, a SUMÃR/0 1

pretexto de assegurar a racionalidade do universo, fazer da Art. I. DIVISAO. Juízos refletidos e espontâneos. Juizes certos
idéi,a, algo de estranho ao real sensível, repetindo assim, pôsto e opinativos. Juizos de ser e Juizos de valor. Jufzos
que em sentido inverso, o tema do empirismo. O empirismo explicitas e implícitos.
e o idealismo crêem, com efeito, que é preciso escolher entre Art . II . ~ATUREZA DO JUtZO. Essência do 1ufzo. O juizo como
o real sensível e a idéia. Se a idéia é real, opina o idealismo, smtese. Juizo e conceito. Teorias emptrtstas. O sensua-
não é racional. Se a idéia é racional, objeta o empirismo, lismo. O associacionismo.
não é real. Ora, pelo contrário, sabemos que a idéia é ao Art. III. O JUíZO DE VALOR. Teoria dos valores. O valor funda-
mesmo tempo real e racional: real porque vem da experiência se no ser.
sensível, e racional porque exprime aquilo que, no real, é aná- Art. IV. VERDADE E ~RRO. A verdade lógica. Referência ao real.
logo ao espírito, a saber: as formas e as essências que defi- A inteligência é ordenada ao real. Tôda verdade é obje-
nem os sêres da experiência. tiva. Verdade e coerênr,ia. o êrro. Noção e causas. Clas-
E' êsse o próprio sentido da doutrina da abstração das sificação. Lógica dos sentimentos.
idéias, que assim se acha indiretamen te confirmada por sua
aptidão para conciliar, no que têm de fundado e de justo, o, J47 E~ Lóg~ca (1, 60), definimos o juízo como o ato pelo qual
pontos-de-vista contrários do empirismo e do idealismo. o espírito afirma (ou nega), de um sujeito, quer a existência
real, quer uma determinação. Esta definição vale para a .Psi-
cologia. Mas, enquanto a Lógica se colocava no ponto-de-vista
das condições de validade do juízo, a Psicologia só encara êste
último como o ato vital e imanente de assentir, expresso na.
proposição. Noutros têrmos, a Lógica tem por objeto o ato
realizado pela inte~igênc~a ( a saber : o j uizo como proposição) ,
ao passo que a Psicologia estuda a própria operação (o juízo
como ato).
ART. I. DIVISÃO

Considerado do ponto-de-vista psicológico, o juízo com-


preende as categorias seguintes :


1
C:t. ARISTóTELES , Categorias, Prime-iras AnoUticos. SANTO T0ll4AS,
iil Ia. q. 77-80, 84-89. TAINE, De !'IntelZigence. NEWMAN, Groníinor o/.
ossent. GOBLOT, Troité de Logique Paris 1918. BRUNSCHV'ICG La
modolité du jugement, Paris, 1894. HUSSERL, Logische Unter suchu~gen
Halle,. 1900-1901. MEYERSON, Idendité et Réolite, Paris, 1912. PIAGET:
La !aison et le jugement chez l'en.fant. RABEAU, Le jugement d'e.ristence
Paris, 1938. A. FOP.EST, Lti réalité conerete et 1a dialeetique, Paris;··19st'.
PRADINES, Psvchologie généf'ale, II. ·caderno 2, págs. 171 e segs. ·.
nr!.
l 472 PSICOLOG IA
'\
\.
1 O JUÍZO 473
l
1. Juízos refletido s ou espontân eos. O juízo ora resul- ·· 5 Devem-s e distingui r juízos explícito s e implícito s?
• ·i ta de uma comparação ativa e refletida dos dois têrmos em 449
presença, ora, ao contrário , é efeito de uma espécie de espon- Os j~ízos explícitos são o_s que·se formulam d~s~ursiya e, c?ns- .
taneidade racional, que não admite nem exame nem delibera- cientemente no espírito. Como exemplos de JUizos 1mphc1tos,
ção. Neste último caso, não se trata de juízos emitidos levia:-- - isto é não formlilados e mais- ou- menos subconscientes, certos- "·
ps~cól~gos citam quer as apreciações de relações concreta.~
namente, por inatenção e preguiça de espírito, mas sim de (identidade, semelhança, diferença, causalidade, finalidade,
juízos que se impõem imediata mente ao espírito, por sua grandeza s, distâncias, formas, etc.), que constant emente acom-
absoluta evidência (por exemplo, "o que é é", "o que não é não
é", "o todo é maior que a parte", "eu penso", "eu vivo", etc.). panham nossa aç~o prática, quer os juízo~ _intuiti-vo~, ~elos
quais apreciam os incessan temente nossas atividade s ps1qmcas,
idéias, palavras , gestos, ou os objetos da experiência, coisas e
• 1 2. Juiz.os mediatos ou imediatos. Os juízos mediatos pessoas.
são os que servem de conclusão a um raciocínio. Os imediatos Esta distinção, no entanto, parece pouco fundada. Com
são formulados se1n raciocínio. Um juízo espontâneo é neces- efeito, os juízos ditos implícitos reduzem-se ou a simples im-
sà'riamente imediato. Mas não inversamente, porquant o o pressões afetivas, que não merecem o nome de juízos, ou ti
juízo imediato pode ser fruto de um hábito adquirido ou de esti1nações práticas que não dependem da inteligência propria-
um hábito científico. Para outro espírito, não dotado do mes- mente dita, 2 ou, enfim, não passam de opiniões, enunciad as
mo hábito científico, far-se-ia mister um raciocínio. do ponto-de-vista da utilidade prática, e não do ponto-de-vista
do ser, e que portanto só teriam aparênci a de juizos. Em
448 3. Juízos certos ou opinativos. Os primeiros não encer- suma, todo juízo autêntico é explícito. Mas pode muito bem
ram, para o espírito que os formula, nenhum risco de êrro. não admitir nenhum discurso prévio, como é o caso dos juízos
Os juízos de opinião só são formulad os como aproximações espontâneos e imediatos. 8
mais ou menos plausíveis, da verdade. '
Só os juízos certos correspondem às exigências do saber ART. II. NATUR EZA DO JUtZO
científico. A ciência opõe-se à opinião, e, quando lhe sucede
legitima r uma opinião, é por motivos outros que os da opinião, § 1. EsstNCIA DO JUÍZO
pois esta muitas vêzes traduz necessidades antes que conheci-
mentos; apreende as coisas mais do ponto-de-vista de sua uti- 450 1. O juízo como síntese.
lidade que do de seu ser objetivo. Em sua noção estrita (1,144), ; :, 17
a ciência proíbe-se as opiniões. a) A afirrruu;ão, forma do 3ui::o. O que caracteri za
~sencial mente o juizo não é o ato de ligar entre si, de qual-
4. Juízos de ser e juízos de valor. quer maneira, dois objetos de pensame nto: não há juízo au-
têntico no fato de pensar conjunta mente "tempo" e "frio",
a) Jukos de ser. ~stes juízos são os que versam sôbre "Pedro" e "sábio", que são para o espírito meras noções com-
a existência (juízos existenci,a,is: "Deus existe", "não existe plexas, suscetíveis somente de tornar-se matéria de juízo.
montanh a de ouro"), e os que se referem à essência (julzoa O juízo é, por essência, o ato de afirmar ( ou de negar) a
de atribuição : "o homem é um ser racional" ). existência de um sujeito ou de uma determinação do sujeito.

b) Jui:zos de valor. ~ates juízos enunciam o valor de 2 Era a essas estimações espontânea s e instintivas do
um 'sujeito ("vale mais boa fama que cinto dourado" ). Im- útil e do nocivo
que os escolásticos chamavam estimativa nos animais e cogitativa ou razão
plicam não a afirmaçã o de um gôsto ou de uma preferên cia pankula1' no homem, e que constituem diversas espécies de julzos sensiveis.
subjetiva , c9:íno nestas proposições: "gosto de música", "o Estudamos longament e a estimativa sob o nome de instinto, como preferem
chamá,--'.la os modernos. Se, no homem, recebe essa faculdade o nome de
automóvel ni_e fatiga", o que é apenas enunciar um fato, - "cogitativa " ou "razão particular" , é porque, nos objetos singulares que
mas sim a afirmaçã o de um valor de direito e objetivo, sus- são postos em relação, de certo modo implica a apreensão e a comparaçã o
cetível de ser universalizado ("a virtude é o maior dos bens", das . naturezas que definem êsses objetos.
''antes a morte que a desonra" , etc.). Os juízos de valor sus- s A questão dos julzos analíticos e sintéticos pertence ao mesmo tempo
à Lógica, em que foi tratada (I, 65), e à Critica do conhecime nto, em
citam um problema particula r, que examinaremos mais adiante. a reencontra remos.
que
1
PSICOLOGIA O JUÍZO 475
474
ica: a
Em Lógica (63), frisamos o duplo sentido do verbo «é» no juizo, concei to de virtud e só recebe sentid o enqua nto signif Or~,
a saber: o sentido copulwtivo nos juízos de atribui ção («O homem é genero sidade , a paciên cia, a modé~ tia, etc. são yirtud es.
cial nos Juízos de os1- ·
mortal>, «Sócrates é filósofo »), e o sentido existen
a Quimera»}, bem como a irredu--······-··-·· - êsses própri os -juízos são compo stos de conce1t~s (gener T,_
existência (f.Deus é», «Não existe - • · dade; páciên cia, modés tia, etc.) que, se~nd o a te?rJa de G~Blf>
tibilidade dessas duas espécies de juizos. JUizos
Todavi a, é verdad e que, em ambos os casos, a existên cia é que deverã o, por sua vez, para terem sentid o, reduzi r-se aos de
se afirme a exis- serão igualm ente forma dos
é visada, quer se afirme a existên cia do sujeito , quer virtua is que implic am, os quais juí-
tência de uma determ inação do sujeito . Somen te que, no Juizo de concei tos que só terão sentid o media nte ·reduçã o a outros
quer dizer, afirma-se estende-
atribuição, a existên cia é apenas
inação
signific
(predic
ada,
ado), distinto s no pensa- zos virtua is, e assim ao infinit o. Como a regressão o
que o sujeito e sua determ
só na existên cia, suposta a existên cia do su- se ao infinit o, segue-se que será im,possível dar um sentid
mento, são uma coisa do quer aos conceitos quer aos juízos. Por outras palavr as, o
jeito; ao passo que o juízo exl..stencial afirma a existência real . nada
próprio sujeito . pensam ento desenv olver-s e-ia no vazio e desem bocari a no
• j
suicídi o admiti ndo que o con-
ii' Na realida de, só se evitar á êsse
I' i
b) Simplict'dade do juízo. O juízo, como ato de assent ceito é anteri or ao juízo na ordem da especi ficação , isto é,
ou de negar, é, pois, um ato essenc ialmen te simple s e indivi- ção do
la é que o juízo, que é essenc ialmen te apreen são e afirma
sível. Se é verdad e que a propos ição pela qual se formução, ser, só se exerce sob a condiç ão de uma prévia captaç ão do
compo sta de partes , o ato de julgar concen tra-se na afirma
ser e de suas leis univer sais.
que é operaç ão una e indivis ível.

. O argumento consistente em dizer .que o conceitdeo só é compre-


tado o a uma série asserçõ es que
:1 2. Juízo e conceito. Os psicólo gos têm-se pergun endido se é definid o, isto é, reduzid
extensão, e que, por
,.,
qual é primei ro e:rn nosso pensam ento, o concei to ou o juízo . concernem à sua compreensão e precisam sua. nto equi°'.:'.ale à teor~a.
das observ ações seguin tes: conseguinte, é posterior ao juizo, êste argumes confuso es. Definll'
A soluçã o dêste proble ma depen derá do conceito-juízo virtual, e encerra as mesma
um conceito é, com efeito, julgar, e, neste sua. sentido, o JOnceito só é
: ,,t A distinç ão, do ponto- de- «compreendido» pelo juízo que formula definiçao. Mas bse
451 a) Exercício e especificação. ica, quer dizer,
vista do exercíc io e do da especi ficação , é capital . Se nos próprio juízo só é possível pelo conceit o que o específ de exercicto e a,
i1 ógica), mais uma. vez que é preciso distinguir a ordem
coloca rmos no ponto- de-vis ta do exercíc io (ordem cronol ordem de espediflcação. o concei to e o juízo são, pois,primei
duas operaç6es


1
cumpr e dizer que o jufao é primei
se exer,e sob forma de juízo. Do ponto-
ro, porque o
de-vis
pensam
ta da
ento
especi

fi-
., ·
irredut íveis. Para afirma r uma relação, é de mister é esffeciflcado
der os têrmos dessa relação: o ato de pôr em relação
ro enten-

l
ou tal somente por essa apreensão dos têrmos .
cação, isto é, daquil o que faz que o pensam ento seja tal
pensam ento determ inado (ordem lógica ), o concei to é que é
.-r primeiro, no sentid o de que o juízo só
prévia dos objeto s intelig íveis aos _quais
é possív
se
el
aplica
pela
o
apreen
pensam
são
ento.
§ 2. TEORIAS EMPIRISTAS

1
-
459 Reduz indo o pensam ento ao jôgo de image ns na consci
b) Conceito e jufaos virtua is. A objeçã o que as mais ência, e ignora ndo, por conseq üência , a ativida de própri a da
to
das vêzes se aprese nta contra a priorid ade lógica do concei intelig ência, o empiri smo só podia propo r uma teoria
mecâ- .
1 ,·

te em dizer que o própri o concei to nada mais é que um ordem encon tramos as teoria s de
consis nica do juízo. Nessa
noção" ,
conjun to de juízos virtua is. "A genera lidade de uma C0NDILLAC e de HUME .
(Logiq ue, Paris, 1918, pág. 87), "é a possib i- . :(o
escrev e GoBLO
1. O sensua.Usmo. Foi CONDILLAC quem nos deu sua fór-
T
que têm por atribu to essa
lidade de uma infinid ade de juízos é com-
ade mula: "Julga r é sentir ". Efetiv ament e, diz êle, julgar
noção. Homem é um têrmo geral, porque há uma infinid um duplo ato de atençã o. Or~.
con- parar, e compa rar é realiz ar
de sujeito s dos quais homem pode ser o atribu to". Por to o reduz- se a uma sensaç ão predom inante . Logo, o
seqüên cia, o conceito seria um jufao reduzido a um atribu
a atençã
ânea de duas sensaç ões pre-
expresso. , Não somen te o juízo seria primei ro, senão que seria juízo resulta da presen ça simult ·
domin antes.
a única op~raç ão do pensam ento. o é meram ente uma sen-
O princip io desta teoria (a atençã
inante ) foi discuti do mais acima (966). Aqui
· c) Primado do inteligível. A hipóte se defend ida por sação predom
452 dizer resta observ ar que os têrmo s do juízo não são necess àriame
nte
GoBL0T tropeç a com graves dificul dades. Com efeito, que image ns, mas noções univer sais, que o juízo não consis te só
que o concei to se reduz a juízos virtua is equiva le a dizer na negaçã o
lo, o na comparação dos têrmos , mas na afirma ção ou
seu sentid o depend e dêsses juízos virtua is. Por exemp
476 PSICOL OGIA
O JUÍZO 477
da sua rel,a,ção.A teoria de CONDI LLAC só explic a (e aliás
muito mal), no juízo, aquilo que não o constit ui. ,a valor é uma propr-iedade ão ser.
) O te a relação do ser a uma tendênCom cia
efeito, signific a
essenc~ almerts fazer. uma coisa aparece-me afetadaoud_e apetite que o .
. _2. O 3!>~ia cionis mo. Para HUME e para os associa . ser ~~n\~ :nto é suscetível de sa.tisfazer uma necess valor, isto_ é,
c1omstas, o Juizo é o resulta do de uma associa ção autom ~ .. ", . idade: o pao, - -
boa,_ q ontoló ica tem valor de alimen to para quem
0

ática tem fome,


forma da pelo hábito . "A neve é branc a" é a mera expres ~etali~a~~u valorg é ~onstit uido, de fato, por sua relação
sá~ com a ne-
da associa ção habitu al das image ns da neve e de brancu ~;~id~ de de alimen to. O bem ou o valor é, pois, Jm aspecto
ra. ·etivo. Tudo do r~al
Já discuti mos longam ente o associa cionism o como teoria 001 t inclui·da isso equival e a dizer que a relaçao esta neces~ ària-
geral da consci ência (206-2 14). Bastar -nos-á , pois, na noção de valor e que é imposs
notar men eou um bem ·
valor • cia, ao' menos imp li'c i ivel deflmr um
agora que o juízo autêntico é tudo o que há de mais contrá a
sem referen ta (ou t r9:.nsce n-
rio uma tendên cia. O bem é ser, uma relaçao com
ao mecanismo e à inércia que de.finem as associações, tais d en tal ' 1• 53) ' . el ou mtelec
. t ua 1) .
mais
uma tendên cia (sens1v
como as entend em HUME, STUART MILL e TAINE. o
juízo b)
com efeito, é um ato do espírit o, que perceb e e afirma Fundam ento objetiv o do valor. Como, porém, disting uir
um~
relaçã o intelig ível entre dois objeto s de pensam ento. Muitís
455 sar (ens) e valor (bonum )?
O o bem não adita ao ser nenhum a rea~i-o
simas vêzes o juízo, longe de aceita r os complexos sensor -
dada nova, do contrár io essa realida de que se juntari
seria ser. Que é, pois, o bem ou o v~lor? É, já o dissema ao ser n~o
.
'. a
forma dos pelo hábito , dissoc ia-os e desarti cula-o s. Todoiais
saber científ ico e filosóf ico provém , de fato, de um persev
o
e-
a uma tendên cia. Mas com isso nao se vem a fa_zer ?s, a relaçao
ente de razão, isto é, uma coisa que só tem existên dele um _puro
De modo algum pois d12emos que, se o valor é, com cia no espirito ?
rante esfôrç o para ultrap assar o dado sensor ial imedia efeito, um ente
to
para sistem atizar o real, não de acôrdo com o mecan ismo e de razão (], 48),' é um ente de razão objetiv amente fundad
o, a saber:
da uma qualida de ou .,roprteoocle realme nte inerent e
ao ser.
imagin ação, mas segund o as leis intelig íveis acessív eis Efetiva mente, ô bem enquan to apetecí vel ou desej~v .
à só
razão. a mesma coisa que .:o que aperfei çoa> ~o que é perfeitoel sigmfic a
ART. III. O JUJZO DE VALO R dência dirige- se ao que traz uma perfe1ç ao; e o que ~raz ». A ten-
feição deve por definiç ão, possuí- la, isto é, ser per!elt uma per-
454 1. A «teoria dos valores » (Geltun gstheo rie). relativa mex{te ). Por conseq üência, o bem-reI3:ç~o o (ao menos
valor suscito u um problema. especia l quando certos O juizo de funda- se no bem-pe rfeição (bem em si)_. A _perfeiçao (apetec ivel)
filósofos moder- é a maior ou menor plenitu de de ser) e, a-ssim, o objetiv a (isto
nos (KANT, Lô'rzE, SCHELER, N. HARTll4ANN, HEIDEGGER) fundf.1r
dever afirma r, sob formas diversa s, que o ser e o valor acredit aram tivo da apetibí liàaàe ou do valor. Dêste ponto- de-vist mento obje-
a,
domín ios sem nenhum a relação . Por conseq üncia, formam dois premo será necess àriame nte o Ser suprem o, em quem o Bem su-
conviri a disting uir plenitu de do ser. Princip io univers al do bem, se achl!- .ª
do1s tipos irredut íveis de juízos: o <1ufzo real>, pronun assim como princ1p10
ção do ser, ex_tstenctal o_u essenci al, e o «juízo ciado em fun- univers al do ser. Deus é necess àrlame nte o objeto
valor>, que seria univers al e
especif icado nao pelo ser dado no conceit o, mas àe por uma apreeru ,ão
necessá rio do desejo, isto é, Fim univers al. Quoà omnt.a.
appetu nt.
de valor (estima ção ou avaliaç ão: Geltun g) essenci alment e distint a c) Os valores particu lares. :l!Jsses valores são yroprie dades
da apreen são do ser ontológico. sêres particu lares. Cem efeito, do que precede segue-s dos
Dêste ponto- de-vtst à, claro que se torna lmposs ivel dar
conta dência ou a finalid ade pressup õe em seu objeto umae que a ten-
do aspecto ontológ ico ou real do valor. Tôdas as sutileza perfeiç ão intrínse cas. Com tsso acham -se explica dos bondad e e
fracass am em dissimu lar o aspecto puram ente subjeti s dialétic as e justific ados
os dois aspecto s aparen tement e opostos dos valores
em ocultar o fato de os juizos que enunci am o que évo do valor, e absolut o, sua conting ência. e sua necessi dade, sua mutabi : ~eu aspecto
bem ou mal
bom ou mau, não terem mais que um sentido arbitrá rio, relativ o eternid ade. Porqua nto o fato de o valor ou o bem hdade e sua
cambia nte. A moral e o direito, nesse conte:eto, perdem todo valor relação a uma tendên cia explica , no concret o, que o signifi carem
absoluto. «atuali zado> por uma tendên cia efetiva mente em ato: valor só seja
altibaix os, individ uais e coletivos, dos valores concret os. donde os
2. O valor funda- se no ser. Para resolve r o MJS o fato
disting uiremo s com AllISTÓTELES e SANTO ToMÃS, problem
o
a do valor, de o valor e O bem, serem, objetiv amente , a própria perfeiç
ao do ser
(bonum ou bem transce ndenta l) dos valores particu valor em geral (relaçã o transce ndenta l à tendên cia) explica que
mo, por exemplo. o bem moral, o bem agradá vel, olares (bona) , co- sejam sempre , através de tôdas as vicissit udes de osuas bem e o va!or
bem útil. Se o
valor em geral ' está fundad o no ser, os diversos valores concre tas. realidades imutáv eis, absolut as, eternas , e por atualiz açoes
particu lues fundem fuizos igualm ente necessá rios e absolut os. conseg uinte
estarão fundad os nos diferen tes aspecto s do ser. •
Quanto à questão da hierarq uia dos valores , é assunto
da Moral e depend e da Metafi sica, já que deve estabel da alçada
4 ct. SANTO TOMAS , De Veritate , q. ecer-se em
21, art. 5: "Essent ialis bonitas non função da hierarq uia dos sêres. "
attendit ur seeundu m conside ratlonem naturae absoluta
m sea secundu m esse
ipsius: humani tas enim non habet rationem boni
quantum esse·· habet •.
v~l bonitati s nisi in
G Cf. R. RUYER , Le monde des va!eurs
, Paris, 1948; Phitoso pnie de la
valeur, Paris, 1952.

1
478 PSICOL OGIA
O JUÍZO 479
ART. IV. VERD ADE E CRRO f á l Se é verdad e que certos juízos de existên
Com o juízo se introd uz o ponto-de-vista da verdad ens tove ·e refere m ao eu individ ual ("esto u com dorcia, de
en-
1i,
456 quan s . . . te ,d ca-_··
do êrro, porqua nto a verdade lógica s6 se dá no juízo, e e e b~_ça_", ..'.'-~-~toqti:J,st~,:·,, ~~,e.), 1:1~- b. t'
con u º. s~ Je 1vo, nem i
nas idéias como tais. Em si mesmas, as idéias não são nem não por isto..deixam de ter, entret anto, algo de obJetivamente
r~al
verdad eiras nem falsas, porque nada afirma m. Só se tornam . para aquêle que os formul9: e m:s~o para outr?s,_na med1d
tais pelo ato de julgar , que estabelece entre elas uma em que se dá confia nça a estes ultunos. De direito, o que ~
e
que é (verda de) ou não é (êrro) conforme ao real. Arelação
ques-
verdade para um é-o para t?dos, p~r~ue é sempr e em função
tão da verdade e do êrro é da alçada da Lógica (1, 116-12 do ser objetivo que se enunc iam os Ju1zos.
e da Crítica. Porém certos aspectos concernem à Psicolo 2)
gia.
'·.
457 4. Verdade e coerência.. A verdade, tal como nô-la per-
§ 1. A VERDADE LÓGICA mite defini r a análise psicológica do juízo, não pode,
ser reduzi da à simples coerência do pensamento consigo pois,
mes-
1 . Referência. ao real. Fala-s e do verdadeiro, por mo como o susten tam DESCARTES e os idealistas. ll!stes,
sição ao falso, como de uma qualidade que determ ina certos opo- com
efeito não reconhecendo outro mundo evidentemente certo
atos do espírito, juízos e crença s: a verdad e e a falsidade senão' o mundo interio r ao pensamento, não podem consid
se atribu em aos objetos e aos fatos, mas somente às operaçnão


ões a verdad e como uma confor midad e do espírit o com o real erar
intelectuais. Mas, por outro lado, quer-se dizer que os juízos : só
0 acôrdo do pensam ento consigo mesmo pode funda r a verdad e.
são verdad eiros ou falsos enqua nto valem de outra coisa Donde a doutri na de DESCARTES, de que o critéri o da verdad
não êles, e que são referid os a têrmo s reais e objetivos, que reside na clarez a e na distinção da idéia, isto é, na compo e
oa quais perder iam tôda impor tância e tôda significação. sem
1
ssi- i
bilidade dos elementos da idéia ( 1, 117).
juízos não têm sentido, isto é, não podem ser qualificados Os E' evidente que uma tese dêsse gênero postul a a verdad
1
verdadeiros ou falsos, senão em referência a algo que de do idealismo, isto é, de um sistem a em que só se tratar ia e
i
'
está
para além do próprio jufao e que, de alguma sorte, o mede. puros inteligíveis imane ntes ao pensamento. Neste caso, de
1
1
l
o
2. A intelig ência é essencialmente onlenada. ao real. A único critéri o de verdad e seria, com efeito, a coerência
idéias. Sem entrar mos aqui na discussão do idealismo, das
ativida de judica tiva tem sua origem na necessidade de
ponde r às questões: "é ou não é?", "é assim ou não é assim? res- é da alçada da Crítica , podemos observ ar que é um êrro que
evi-
O juízo está verdad eirame nte forma do e torna- se explíc ". dente dizer que a verdad e se esgota na coerência das idéias,
desde o momento em que se dá uma respos ta a essas questõito visto como é possivel, de fato, construir si.stemas de idéias
mui
Estas evidentemente só têm sentido na medida em que es. diferentes, e mesmo contraditórios entre si, mas igualm ente
admite que a exigência de verdad e é ·ineren te ao espírito, se coerentes em si m..esmos e igualmente distanciados do reai.
por conseqüência, na medid a em que êste é reconhecido como e, assim que, em Cosmologia (/, 292-29 9), observamos que E'
capaz de se juntar à própri a coisa, isto é, no fim de contas geome trias de EUCLIDES, de LoBATCHEVSKY e de RIEMANN as
são,
à própri a existência. Não quer isto dizer que seja basta-µ , tôdas três, isenta s de contra dição intern a, mas não podem
ser
pensar , para afirma r sempr e e em todos os casos a verdad te verdad eiras conjun tamen te. A coerência intern a não basta,
pois os erros demon stram bastan te o contrá rio. Mas a possi- e, pois, para determ inar a verdade.
bilidade de se dar conta do êrro, a capacidade de se corrig
prova bem a correlação orgânica do espirito, enquanto ir, De nada serviri a invoca r aqui o domíni científico,
muitas vêzes se utilizam com igual legitim idade oduas em que
cog-
noscente, com a verdade. A inteligência é feita, de direito
, explica tivas, sem que se possam fornece r razões ou várias teorias
intrins ecas que
para atingi r o re.al. justifiq uem a escolha de uma em detrim ento das
Na realida de, essas teorias não passam de vastas outras (1, 204-206 ).
htpóte ns, que va-
3 . Tôda. verdad e é objetiva.. Ãs vêzes tem-se preten dido lem como ficções ou convenções prática s para explica
disting uir entre '(verdade objeti va" e "verda de subjet iva". Mas não podem ser verdad eiras ao mesmo tempo, no rsentido
a experiê ncia.
da palavra , como o prova o fato de devere m umas preciso
como coisas opostas entre si. Neste caso, haveri a que admit sucessi vamen te abando nadas ou modifi cadas devido a um e outras ser
que exista uma verdade valendo unicamente para aquêle ir feito conhec imento do real. Sua coerên cia interna não mais per-
que para lhes conferi r caráter de verdad e; drf,reta ou indiretbasta, pois,
a crê, sem que sua negação seja um êrro. Mas isto é inde- am.e nte,
depend em sempre do critério da adequa ção ao real.
\

li
O JUÍZO 481
480 PSICOLOGIA

como ·faculdade dos primeiros princípios, nunca se engana, já


Doutra parte, pode-se provar que a teoria da coerência __ que êsses princípios são vistos em plena clareza (evidência).
acaba por se contradizer a si mesma. Gom efeito, para sa- _ .. .Por . .isso, também, a inteligência, deixada unicamente à ação
bermos se uma idéia ou uma proposição .são coerentes em sL, ....... . de seu objeto próprio;· sêria bifalível, porque é de"sua natureza . -
mesmas, isto é, não encerram elementos que se excluem reci- afirmar unicamente o que compreende, e na medida em que o 1 '

procamente, temos de nos referir ao princípio de não-contra- compreende, duvidar quando é duvidoso, negar quando. é falso,
dição ( uma coisa não pode, ao mesmo tempo e sob o mesmo medir-se exatamente sôbre o que vê. Mas não há inteligência
aspecto, ser e não ser, ser tal e não ser tal), isto é, a um ·sem vontade e sem alguma liberdade. Ademais, no homem a
juízo imediatamen te evidente que enuncie a lei universal do inteligência está associada à sensibilidade, às paixões, aos in-
ser. Donde se segue, por um lado, que não é a coerência, como terêsses, que sôbre ela influem, que a orientam para seus pró-
tal; que revela a, verdade, mas sim o princípio de não-contra- prios fins, e a inclinam a julgar sem ver.
dição, enquanto imediatamen te evidente; e, por outro lado, . Daí o êrro, que sempre provém de alguma ignorância,
que, sendo êsse princípio formulado em função do ser, tôdct pois consiste em afirmar o que não se vê, ou não se sabe, em
verdade se estabelece, por sua vez, em função do ser. Nosso generalizar imprudentem ente, em seguir analogias enganosas,
pensamento, universalmente, é medido p~lo ser. em induzir sem razãÓ suficiente. Sem dúvida, o êrro formal-
Sob o nome de pragmatismo, W. JAMES propôs uma teoria da mente é um, ato do espírito, mas de um espírito preocwpado e
verdade, em que esta. se acha definida pela comodidade e pelo como obscurecido, contrariado pelos sentidos ou outras fa-
êxito. O sentimento de racionalldade , escreve êle, reduz-se a um culdades, e que procura, onde não está, o critério da verdade.
estado subjetivo de tranqilllldade e de repouso. «Tôdas as vêzes que
o curso de nosso pensamento se desenvolve com perfeita fluidez, o ' b) A vontade, causa remota. ~e a ignorân~ia é _causa
objeto de nosso pensamento parece-nos racional» (La volonté de. imediata do êrro, é, por sua vez, mais ou menos imputável à
croire, pág. 83) . O «racional> é, antes de tudo, o que nos vale uma vontade. Com efeito, não sendo dado o assentimento , no êrro,
economia de esfôrÇtJ. Quanto aos princípios iiue parecem governar
nosso pensamento, só se justificam Por sua utilidade. «Depois do em razão das exigências evidentes do objeto, é sob o influxo
interêsse de um homem em respirar livremente, o maior de todos os irracional da vontade que se formula o juizo errôneo.
seus interêsses, aquêle que, à diferença dos lnterêsses de ordem fisica Quanto à culpabilidade dessa intervenção voluntár!a, ~á
não conhece nem flutuação nem declínio, é o interêsse que êle te~ que apreciá-la ao mesmo tempo segundo o grau da ~brigaçao
em não se contradizer, em sentir que o que êle pensa neste momento que se nos impõe, em geral ou em cada caso particular, _de
está de acôrdo com o que êle pensa noutras ocasiões> (Le Pragma-
tisme, pág. 295). Discutimos, noutro lugar, esta doutrina (I, 131). controlarmo s o uso de nossas faculdades, e segundo6 os meios
Notemos somente, aqui, que ela constitui um circulo vicioso. Porque, de que de fato dispomos para exercer êste contrôle.
se há «interêsse em não se contradizer>, fsso tmplica que se saiba
primeiro o que é contradtzM-s e e não .se contradizer, tsto é, que se e) A debilidade da inteligência, causa primeira. E' evi-
possuam as noções de v,rdade e de êrro. Estas noções não são, pois. dente que, a-final-de-contas o êrro s6 é possível em razão da
convenções cômodas, e são Justificadas por outra coisa que não pelo fraqueza de nossa inteligência. Por falta de penetração, a
êxito. O êxito que se segue da obediência à verdade pode servir .: , inteligência humana esbarra constanteme nte com objetos des-
para confirmá-la, mas não para defini-la.
providos da evidência que, só por sua fôrça, determina o juizo
§ 2. o t&Ro verdadeiro. Mas, se essa debilidade nativa da inteligência
torna possível o êrro, e, de fato, tão freqüente, absolutamen te
458 1. Noção. O êrro, que é o contrário da verdade, con- não o torna necessário, porquanto, advertidos dos nossos li-
siste numa falta de conformidade do juízo com a realidade. mites, deveríamos guardar a circunspecção e a prudência ne-
O êrro, como a verdade, só pode, pois, encontrar-se no juízo,
e não na simples apreensão.
. cessárias em nossas afirmações, e abster-nos de julgar cada
vez que falta a evidência.
3. Classificação dos enos. De vários pontos-de-vis ta podem
2. CaUSJLS do êrro. Há lugar para dintinguir a causa 460
classificar-se os erros. ARISTÓTELES catalogou-os sob o nome de
imediata, a causa remota e a causa primeira do êrro. sofl.:Jmia.s (I, 123-124). Esta classificação, feita do ponto-de-vist a

a) A ignorância, causa imediata. O êrro provém de 6 C1. BROCHARD, De l'eTTeUT, Paris, 1897. ROLAND-GOS SELIN,
uma visão insuficiente. Aquêle que se engana não compreen- "L'erreur", em Mélanges thomistes, Paris, 1923, págs. 266-li69.
de em que é que se engana. E' por isto que a inteligência,
482 PSICOLOGIA

lógico, é a mais rigorosa de quantas foram propostas. As classifi-


cações de BACON e de MALEBRANCHE dependem do ,ponto-de-vista,
psicológico, e referem-se menos ao próprio êrro que às causas ma-
teriais do êrro.
a) Classificação àe Bacon. BACON distingue quatro espécie de
êrros (De Dignitate et Augmentis scientiarum, V. c. IV; Novum Or-
ganum, I, apoph., págs. 62 e segs.). Uns· provêm da própria natureza·
humana: são os ídolos àa tribo (iàola tribus). Tais são os erros
devidos à. propensão demasiado humana para. reduzir tudo à. nossa CAPlTUL0 V
maneira de ver, para considerarmos sempre nos fatos o que Justifica
nossas idéias e sentimentos, etc. Outros erros provêm dos defeitos
pessoais: são os iàolos àa caverna (làola specus): o misantropo A CRENÇA
desconfia de todos; o imprudente fia-se no primeiro que aparece; o
avarento tem sempre boas razões para recusar a esmola; o enamo- SUMAR/0 1
rado só vê perfeição no objeto de seu amor; o matemático nega
tudo o que não pode ser pôsto em equação, etc. Outros erros são

.
gerados pela linguagem: são os equívocos e os,.sofismas da eloqüência Art. I. NATUREZA DA CRENÇA. Noção. A crença como assen-
ou iàolos ão forum (!d.ola forl) . Outros, enfim, provêm das seitas timento. Crença e ciência. Crença e certeza. Dlferent.es
• 1
dos filósofos, comparados por BACON a charlatães no teatro (idola formas de crença. Crença real e crença nocional. Crença
theatrl). implicita e crença explicita. Crença espontânea e refle-
tida. Crença habitual e crença atual.
b) Classificação àe Malebranche. Na sua obra Becherche àe
la vérlté (I, cap. IV) , MALEBRANCHE reduz todos os erros a cinco clas-
ses: erros dos sentidos, erros àa imaginação, erros ão entenàtmento, Art. II. CAUSAS DA CRENÇA. O assentimento na ciência e na
erros. dlu inclinações (inquietação, curiosidade, amor da grandeza, crem.ça.. O assentimento na ciência. O assentimento na
das riquezas, do prazer, da estima alheia), e erras das paixões. crença. Papel da vontade na crença. Influência direta. In-
fluência indireta.
4. A lógica dos sentimentos. O que se tem chamado
com êsse nome, segundo o título de uma obra de TH. RIBOT,
não· passa, em suma, de uma espécie de psicologia do êrro, 461 O fenômeno psicológico da crença constitui _um caso par-
análoga às de BACON e de MALEBRANCHE. A lógica dos sen- ticular· da atividade judicativa. A crença, com efeito, acres-
timentos consiste, com efeíto, em partir, não de uma verdade centa ao juizo um elemento nôvo, que é a referência à certeza
ou de um fato certo, para dêle sacar legitimas conseqüências, do enunciado do juízo. Sem dúvida, o juízo, por si mesmo,
mas de uma asserção fonnulada de antemão como conforme supõe a adesão do espírito à verdade da proposição. Mas essa
ao que se anela oti deseja, e que se justifica com tôda sorte adesão faz corpo com a afirmação, e dela não se separa. Na
de razões: Esta ·lógica .v isa mais a resultados que a conclu- crença, o assentimento exprime-se num ato especial pelo qual,
sões, porque os juízos que inspira são dirigidos, não pelas exi 7 voltando sôbre o juízo enunciado, o espírito declara sua adesã,J
gências objetivas da realidade, mas pelas necessidades afeth·~q a êle. :E:ste fenômeno, de aspectos múltiplos, é que temos agora
e pelos interêsses (1, 94). de estudar em sua natureza e em suas causas.
'!
1 Cf. SANTO TOMAS, De Veritate, q . 14. JOAO DE SANTO-TOMAS,
Cursos philosophicus, 2.a. p ., q. 26. PASCAL, De l'esprit géométrique, seção
II, ed. Brunschvicg de Pensées et Opuscules, págs. 184 e segs. NEWMAN,
GT«mmaire de l'1Usentiment, trad de JANKÉLÉVITCH (OEuvres philoso-
phiques de Newman, Paris, 1946). OLLÉ-LAPRUNE, La cer~tude mora-
le, Paris, 1880. RENOUVIER, Essais de critique générale, Paris, 1861-1864.
W. JAMES Les variétés de l'expérience nligieuse, trad. de ABAUZIT, Pa-
ris, 1902. M. BLONDEL, La Pensée, t. II: L'acti<m. DUMAS, Naveau Trmt.é
de Psvchologie, t. V, págs; 185 e segs. (DELACROIX) . G. MARCEL, Du
refus d l'invocation, Paris, 1940, págs. 158-182, 220-225. STOETZEL, Théorie
des opini011s, Paris, 1943.
A CRENÇA 485
484 PSICOLOGIA
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objetivamente, a evidência capaz de se impor a todos os es-
ART. I. NATUREZA DA CRENÇA píritos. Dêste ponto-de-vista, o assentimento cissinctla e ex.,.
., prim_e,.J,!,ZJ'W, escolha en~re a afi?-"!"a~ão e a negação possíveis,
§ 1. NOÇÃO ou entre· vários enunciados possiveis. . •
A primeira categoria (asserções que implicam formalmen-
1. A cren~. c~mo assentimento. A palavra crença en- te o perigo de êrro) é constituída por todos os enunciados que
tende-se ora, subJebvamente, do assentimento dado a uma se designam com o nome de opiniões. A segunda categoria
as~erção _tida como verd~deira, ora, objetivamente, dos pró- (asserções não suscetíveis de evidência imediata que se impo-
prios. obJetos do ~ssenbmento (crenças religiosas, crenças nha a todos os espíritos) compõe-se de todos os enunciados
n:iora1s, etc.) . ~qm,_ só temo~ de encará-la no sentido subje- relativos a fatos ou realidades de ordem não sensível: hipó-
~1vo, como adesao ativa da.da a verdade da afirmacão. Assim teses científicas, enunciados históricos, metafísicos, morais e
e que correntement,e. se diz: "creio que Deus existe'í "creio que religiosos ( crenças raciocinadas). -~,
Pedro diz verda~e", "creio que o verão será q~ente", etc.
Portanto, e ~rópr1ame1;1t~ o assentimento que especifica a 468 3. Crença e certeza. Já agora se vê que, em seu sen~
cre_nça, e, assim, todo JUIZO, de qualquer ordem que seja, é tido mais estrito, a crença implica a possibilidade de duvidar,
0bJeto de crença, já que a própria afirmação. que formula é seja subjetivamente, no espírito que assente (opinião), seja
1
. l
objeto de um assentimento: dêste ponto-de-vista "creio que objetivamente, em razão dos objetos por demais complexos ou
Deus existe", "creio que dois e dois são quatro!, "creio no afastados do sensível para forçarem por si mesmos e imedia-
triunfo da justiça", "creio que a Terra gira em tô:no do sol" tamente o assentimento de todos ( crenças raciocinadas).
"~reio que existo", "creio que amanhã fará bom tempo", sã~ Daí a diferença essencial que cumpre fazer entre as
outras tantas expressões de crença. crenças-opiniões e as crenças raciocinadas, sob o ponto-de-vista
da certeza. A opinião encerra em si mesma o risco de êrro,
462 2 . . C ~ e ciência. Vamos procurar saber que é que enquanto insuficientemente fundada do ponto-de-vista experi-
determina esse redobramento da afirmação que constitui o mental ou racional, e êsse perigo é necessàriamente reconhe-
"creio". cido por aquêle que opina. Ao contrário, a crença raciocinada
. a) Juízos de ciencia. Verificamos que existem muitos pode admitir as formas mais perfeitas da certeza, excluindo
em quem a enuncia todo risco de êrro. As certezas metafisi-
JU~zos em 9u~ o assentimento não precisa, pelo menos de di- cas, morais, religiosas, em nada são inferiores, para os espí-
reito,. exprim~r-se: Nest9: categoria entram todos os juízos de ritos informados e retos, às certezas experimentais. Não raras
c1encia, que rmphcam seJa percepção imediata e evidente da
verdade, seja demonstração racional excludente de tôda espé- vêzes são-lhes superiores (l, 26-28). Se, não obstante, comu-
mente são colocadas na categoria da crença, é unicamente em
cie de dúvida. Sem dúvida, êsses juízos, como acabamos de razão do fato de que seus enunciados, complexos, que versain
ve~, também podem revestir a forma da crença ("creio que sôbre realidades não sensíveis e que exigem, às vêzes, delica;.
dois e dois são quatro", "que a luz percorre 300.000 quilô- das demonstrações, ou podem ser contestados pelos demais, por
metros J?Or segundo", "creio que existo"), mas isso só ocorre falta de informação e do rigor racionais necessários: o "eu
por motivos polêmicos ( diálogo ou discussão) : a cada vez tra- creio", nesses casos, tem essencialmente o valor polêmico de
ta-se de ~firmar, a outre"!" qu: assentimos a tais proposições. que são suscetíveis os juízos de ciência, ou então não possuem
O !ssenbmento e ~equerido ~ao pela natureza da proposição a evidência atual que força o assentimento: o "eu creio " , neste
(nao tendo o espírito, por hipótese, de formular a si mesmo caso, tende mais ou menos a aproximar-se da opinião.
seu assentim,ento), mas unicamente pelo fato da contestação
da hesitação ou da dúvida de outrem. ' Assim se compreende que tantas vêzes se confundam as
duas e:ipécies de crenças (crenças-opiniões e crenças-raciocina~
•A ~) J~zo _de crença._ Em todos os casos em que não há das), e que se fale correntemente de "opiniões religiosas" ou
c1enc1a propriamente dita, o assentimento expresso pelo de "opiniões filosóficas". Em si, nem umas nem outras são
"creio" é uma atitude ativa do espírito que formula a si mesmo opiniões, visto se apresentarem: ambas corno sucetíveis de pro-
a ad~s.ão dada a um enunciado em que falta um ou outro dos . vas racionais certas, ou de justificações rigorosas. Mas, de
r~ms1tos para que haja aí saber científico, isto é, ou, subje- fato, podem transformar-se em simples crenças-opiniões, desde
tivamente, a certeza perfeita, e que exclui o risco de êrro, ou,
- \

486 PSICOLOGIA A CRENÇA 487

que sejam enunciadas sem referência às razões que as fun:la 0 falta O assentimento?- O único sentido em que se possa falar de
mentam, por escolha mais ou menos arbitrária, e admitindo «crença implícita» e, por cons~qüência, de assentimento implícito,
onsistiria em dizer que se cre, sem as perceber ,atualmente, em .. -'-"' - - r. · ··J.::
subjetivamente o risco de êrro. No mesmo·sentido, pôsto que Wdas as consequüências implicadas nas crenças formal e e_?Cplicita-
consideradas como opiniões por quem não as admite, poderr r mente fdrmuladas. Assim, crer em Deus implica que se cre na sa-
ser crenças racionais rigorosas em quem as enuncia com plena bedoria na justiça e na providência divinas. Mas a lógicai da crença
certeza. nem se~pre coincide com a da impltcação: há quem creia firme-
mente em Deus sem por isso se julgar obrigado a crer na Justiça
divina. "·
§ 2. As DIFERENTES FORMAS DE CRENÇA
A psicologia do comportamento (14) define como crença lmpli-
cita as reações às situações percebidas e reconhecidas. Uma ·repre-
464 Tem-se tentado distinguir as diversas formas sob qut; sentação provoca a crença enquanto promove reações afetivas ou
pode apresentar-se a crença, quer se trate da crença-opinião, motoras. Mas há ai um emprêgo abusivo do têrmo crença. As rea-
quer da crença raêiocinada. Essas distinções, em sua maior ções de que se fala são meros reflexos, e não ·atitudes do espirlto;
parte, só são feitas de um ponto-de-vista acidental, ou não dependem tão pouco da· crença, que podem produzir-se numa situa-
ção em que o juizo está em contradição com elas: tal o homem aue
opõem realmente têrmos irredutíveis entre si (I, 57). sofre as reações do mêdo num momento em que sua razão lhe diz
claramente não haver nenhum perigo. Inversamente, há numerosas
1. Crença real e crença noelonal. Esta distinção apresenta-se crenças que mão provocam reações: muitos tê~ crenças religiosas
às vêzes sob forma equívoca. Com efeito, opõe-se a «crença real», sem nenhuma vida religiosa; o homem corajoso pode, mesmo crendo
ou assentimento a verdades empiricas, isto é, realizáveis em dados de no perigo, não ter reações d.e mêdo. Admitindo êste11 fatos, objetam
experiência («creio que César venceu a Pompeu», «creio que New os behavioristas que, em·todo caso, a passagem· da crença aos atos é
York é uma grande cidade>) à «crença nocional», ou assentimento sempre possível e realiza-se desde que se dêem certas condições se-
às verdades lógicas («creio que os ângulos do triângulo são iguais cundárias. Ora, isso é certo, porém não significa mais nada, Por~
a dois retos>). Porém muitas crenças podem ser simultl'ineamente que, se a reação afetiva ou motora é apenas possível, não é por ela
reais e nocionais: por e,remplo, «todos os homens são mortais> é ao que se deverá caracterizar a crença:, visto que esta poderá e:idsttr· snm
mesmo tempo uma a,'lserção empirica e um juízo de essência. 1::ste reação. E, como, por outro lado, se acaba, de verificar que a reação
juízo não é, mesmo logicamente, justificável senão do ponto-de-vista motora também pode éxistlr sem crença, há que concluir que é total-
da essência (I, 68-99). Do mesmo modo, os -enunciados das· ciências mente ilegítimo redluzir a. crença ao determinismo da represt!!f1,tação
da natureza são a um tempo «reais», enquanto redutivels à experiên- e das reações motoras ou afetivas que acarreta.
cia, e «nocionais», enquanto formulados com o auxilio de noções ou
de símbolos cada vez mais abstratos (1, 191).
Em sua Gramática do assentimento (cap. IV), NEWMAN propôs 466 3. Crença espontânea e crença reflexiva. Há razão para dis-
essa m·esma distinção sob forma assaz diferente. Distingue duas tinguir estas duas formas de crenças. Em muitos casos, com efeito,
espécies de assentimentos: o assentimento real (real assent) e o as- concedemos espontânea e imediatamente nosso assentimento. outras
sentimento nocional (nottonal assent); o primeiro refere-se às vêzes, o assentimento é resultado de um exame mais. ou menos longo
noções intuitivas dos objetos singulares e suPQe a cooperação da e atento das razões que o fundamentam.
imaginação; e o segundo refere-se a 'Tloções vuramente abstratas e Entretanto, seria falso considerar o assentimento espontâneo
universais. Todavia NEWMAN admite que certas verdades acessiveis como sinônimo de assentimento Insuficientemente fundado. Com
só à inteligência possam ser objetos de real assent, quando interessam efeito, há crenças espontl'ineas que tmportam na apreensão imediata
pro.fundamente as potências afetivas do cognoscente: tal é o caso e segura das raz6es que as fundam: a existência de Deus pode ser,
da existência de Deus naquele que vive intensamente a fé cristã para certos espíritos, objeto de uma crença dêsse gênero; do mesmo
Por conseqüência, a oposição entre real asseint e nottonal assent modo, pode-:se crer espontâneamente na realidade de uma ordem
reduz-se, pràticamente, à que existe entre o assentimento a uma moral. Outro tanto deve dizer-se do assentimento espontl'ineo
verdade que determina um estado afetivo intenso, e o assentimento («crença sôbre palavra>) às afirmações de outrem sôbra st mesmo, ou
a uma verdade que não interessa as potências afetivas ( «dois e dois às asserçófAS de sua competência: êste assentimento não é necessà-
são quatro>, «a ruz percorre 300.000 km por segundo»). NEWMAN, riamente irracional, pois muitas vêzes repousa na percepção Intui-
aliás, precisa que o assentimento real não é determinado simples~ tiva dos motivos (prestígio moral, autoridade) que justificam a con-
mente por cõns~derações abstratas, mas supõe experiências pessoais. fiança. Inversamente, há crenças refletidas que não encerram cer-
Seria, pois, diriamns nós, tanto como, e sem dúvida mais que, um teza perfeita: há múltiplas opir.-iões a que alguém adere depois de
modo de conhecer, - um modo e uma expressão do ser. l,'efletir, mas admitindo o risco de êrro.
465 2. Crença Implícita e crença explícita. A distinção entre cr~!!ça Quanto ao assentimento espontâneo que resulta de um impulso de
implícita (crença não articulada na consciência) e crença expllc1ta confiança cega, sem nenhum elemento de critica ou de justificação
(discursiva e conscientemente formulada) é igualmente discutivel. racional, e equivale a uma espécie de indiferença l~gica (credt!lida-
Porquanto, se crer con.siste em assentir, como haveria orença onde de), êste não merece o nome de crença, porque nao tem senao as
488 PSICOLOGIA A CRENÇA 48D
aparências de um ato do espírito: na realidade, é mero efeito de
uma submissão passiva ao poder motor da representação. 2 sempre suspender nosso assentime nto (Principes ele la Ph-ilp-
sophie, I,_ c. XJpCI~-XXJ:CIX).
4. Crença habitual e crença atual. Evidênteme nte, cremos ... .... . Bastaria· esta última asserção para infirmar a teoria car-
muito por hábito. Nossas crenças incorporara m-se à nossa vida in- - ·
telectual e prática, e governam- na mais ou menos sem o sabermos. tesiana,, pois é absolutam ente certo que há numerosos casos
Mall cumpre também notar que o automatism o do hábito, à medida em que a vontade não tem de intervir no juízo, e é impotente
que se tnstala, torna-se diretament e contrário ao assentimen to que para suspender o assentimento. Os juízos de experiênci a ime-
especiftca a; crença. O assentimen~o é, com efeito, uma atitude ativa
do espírito; o pensamento, juízó e crença, parece mais propria- diata (penso, ando, vivo, sofro};; os juízos que enunciam evi-
mente ligado ao poder de se libertar do determinismo do hábito. dências ("o que é é", "o todo é maior que a parte", "nada
Dêste ponto-de-v ista, tôda crença é atual. começa a existir sem causa", "deve-se fazer o bem e evitar o
Todavia, pode-se falar de «crenças habituais>, não já no sentido mal", etc.), formulam- se necessària mente pela simples apre-
de mecanismos inconscientes (rotina) , mas para designar crenças ensão de seus têrmos, e por si mesmos arrancam o assenti-
que, por sua du~ção, firmeza e vitalidade, adquiriram a estabtll~
dade e a facilidade que caracteriza m os hábitos ativos. mento. Contra êste, a vontade nada pode. E' o caso de todos
os juízos de ciência como tais. Em tais juízos, a vontade só
ART. II. CAUSAS DA CRENÇA pode exercer uma influéncia indireta, para desviar o espírito
da consideração dos têrmos do juízo, isto é, para impedir não
§ 1. ASSENTIMENTO NA CitNCIA E NA CRENÇA o juízo, mas o exercício do pensament o. Analogicamente, é
o ,que sucede com o ôlho em face da luz: de olhos abertos eu
467 As análises cite precedem ~ermitem precisar a diferença não posso, em pleno dia, deixar de ver o f,fUe está sob meu
que existe entre o assentimen to de ciência e o assentimen to de olhar; minha vontade nada pode nisso, nem pró, nem contra;
crença. mas posso voluntària mente fechar os olhos e não ver nada.
Neste caso a vontade só intervém para impedir o exercício
1. Assentiment.o na ciência. da visão.
a) Coação da verdade. No estrito•sen tido do têrmo e .
RENotTVIER (PS1Jchologie ratio-neUe, t. I, c. XVI, págs. 366 e segs.)
absolutam ente falando, a ciência exprime-s e em juízos ou sis- retomou sob forma nova e muito mais radical o voluntarism o car-
temas de juizos fundados na evidência (1, 127). E' por iet.o, tesiano. O essencial de sua doutrina pode ser resumido assim: Obje-
também, que o juízo de ciência não é livre. O assentime nto tivamente, se se toma a certeza em sua acepção estrita (o que ex-
é necessário enquanto a evidência é dada ao espirito. Mas clui absolutame nte a dúvida), não existe nada certo, e só há lugar
esta necessidade não é uma coação material. Coincide com ri ~~_,... para a crença. Subje"tivamente, o juizo só se torna verdadeira mente
própria razão, e não é outra coisa que· a obrigação em que se meu (pessoal) pelos motivos, isto é, pelas razões em que eu con-
,>Jfnto, após haver consentido em considerá-l as. Assim, de tôda ma-
acha a razão de ser ela mesma, de obedecer à sua lei essencial, neira o assentimen to depende da vontade livre, e todo juizo é um
que é de se conformar ao ser e ver o que vê. fato de crença. fácil de ver os efeitos desta doutrina. Objetiva-
mente, ela postula um ceptlcismo absoluto e universal, que põe em
b) O érro do voluntarismo. Devemos, pois, rejeitar a dúvida até Juízos dêste gênero: «penso>, «existo>, «o que é é~.
opinião de DESCARTES, segundo a qual o juízo é essencialmente Subjetivam ente, faz depender o assentimen to da vontade livre, o
ato da vontade (voluntari smo). DESCARTES, com efeito, acha que é mera conseqüência do postulado céptico, e confunde a ordem
que o entendimento, sendo puramente passivo, apenas pode de exercício, em que a vontade tem, com efeito, um papel indireto,
com a ordem de especificação, em que ela nada mais tem a fazer,
conceber as idéias, sem nada afirmar ou negar. Só a von- desde que existe a evidência.
tade, potência ativa e livre, é que poderia levantar a indeter-
minação do entenáimen~o, estabelecendo a afirmação ou a ·ne- 2. O assentimento na crença. Ao contrário da c1encia,
gação, como o prova, segundo DESCARTES, o fato de podermos a crença implica a intervençã o mais ou menos ativa da von-
tade, visto que o assentime nto não é determina do por motivos
2 Nesta categoria de pseudo-crenç as devem evidentemen te ser
que excluem tôda possibilidade de êrro e de discussão, oíi- se
classi- refere a enunciados desprovidos de evidência intrínseca. Tôda
ficados todos os casos patológicos em que a distinção entre o real e o fict.i-
cio, entre o real e o imaginário, já não existe, assim como o psiquismo do . a questão aqui consiste· em definir o papel e o valor da inter-
sonho. Todos êstes casos só dependem do determinism o motor da repre- venção da vontade. Esta intervençã o pode ser direta ou ín-
sentação. direta. Só a intervençã o direta especifica a crença.

.....
490 PSICOLOGIA A CRENÇA 491

§ 2. FUNÇÃO DA VONTADE NA CRENÇA qu~ se enuncia em função, não de uma certeza atualmente im-

.,,
possível, mas de probabilidades (/, 120). Quanto à opinião
468 A. Influência direta .--- ---- ·--~ --- .... caprichosa e fantasista, formulada por simples- i'eferência aos- -·
J' interêsses e às paixões, aos prejuízos incontrolados ou em moda,
Tentemos descobrir o papel da vontade nas duas espécies é evidentemente condenável, pois nesse caso a inteligência é
de crenças que havemos distinguido.
posta em servidão. A custo se pode ainda falar de opinião
1. Cren~-opiniões. ,. em tal caso, visto como não mrus se trata de uma atitude in-
telectual, mas do efeito de um determinismo mecânico, afetivo
ct) Formas da intervenção voluntária. As opiniões, como ou passional.
dissemos, são asserções formuladas com o sentimento de que c) A opinião nas ciênci,as da natureza. Nas ciências da
admitem certa possibilidade de êrro, por serem meramente natureza há todo um vasto domínio que só pode ser objeto de
aproximativas, parciais ou partidárias, e insuficientemente opinião. E' o caso das grandes teorias, que não passam de
fundadas. Em geral, elas dependem menos das razões obje- hipóteses, justificáveis por sua comodidade ou seu grau de fe-
tivas que dos impulsos de ordem afetiva, dos interêsses utili- cundidade prática. Porém, ademais, o fato científico é um
tários, dos hábitos e dos preconceitos, 3 e também da necessi- fato interpretado ou racionalizado (I, 192), quer dizer, sua
dade prática de tomar partido e -de inclinar-se para uma so~ inteligibilidade é função da lei ou do sistema de que faz parte.
lução. Tudo isso equivale a dizer que são_ comandadas pela Por isso, só pode obter um assentimento de opinião. De outro
vontade. lado, à parte de experiência bruta que o fato científico con-
serva está, por sua vez, submetida a uma medida que é mera-
· -li: por isto que correntemente se afirma que cas opiniões são 1\- mente aproximativa, tanto ,que, quando se trata de .fenômenos
vres», o que se deve entender no sentido de serem desprovidas da de grande complexidade, já não se pode falar senão de leis
fôrça da evidência e, por esta razão, não poderem ser impos~aa. mas estatísticas ( I, 209). Tudo isso explica que, .· malgrado as
não no sentido de serem permutáveis à discrição. Porquanto a opi- aparências, haja menos certeza nas ciências da natureza do
nião é sempre um ato do espírito e, ~e dir~to, tem sua justJfiC!lção
racional. Na prática, verifica-se que as opiniões são mui variáveis, que na metafísica. 4
primeiro porque as razões em que apóiam não são Jamais determi-
nantes por definição, e podem ceder a outras razões contrárias; e, 470 2. Crenças raciocinadas. Compreendem-se nesta catego-
dépois e sobretudo, pelo 11.feito de tôdas as pressões irracionais a que ria os assentimentos aos enunciados históricos, metafísicos e
com demasiada facilidade se cede: por exemplo, quem Julga que religiosos.
tudo vai mal quando começa a sofrer do fígado, e acha que tudo vai
bem quando passa a crise; sabe-se tambim como nossos juizos sôbre Definimos como racionats êste conjunto de crenças, para as opor
os outros variam, amplamente, com as oscllações misteriosas de à opinião, que, por definição, exclui a certeza, e depende de condi-
nossa simpatia. ções irracionais, ao passo que os enunciados históricos, metafísicos
e rellgiosos são suscetíveis de uma justificação racional perfeita, quer
469 b) Critério da probabilidade. A op1mao é legitimada em si mesmos (certeza intrínseca), quer pela autoridade em que se
pelo grau de probabilidade da asserção que enuncia. Em nu- apóiam (certeza extrínseca.). De fato, os mistérios da. religião estão
acima da razão, mas o assentimento que se lhes concede é racional
merosíssimos casos, quer subjetivamente, por ser preciso agir em virtude dos motivos de credibilldade acessiveis à razão.
e tomar partido, quer objetivamente, por ser extremamente
complexo o objeto da asserção, é impossível exceder o nível a) ·A crença em história. Os enunciados históricos, que
da opinião. Esta acha-se legitimada pelo próprio fato, de vez muita vez são alinhados entre os que exigem a crença, na rea-
lidade dependem da ciência na medida em que seu objeto ( os
:1 PASCAL (Pensées, ed. Brunschvicg, ns. 82 e segs.), após MONTAIGNE,
fatos passados, como tais) pode,n ser controlados de manefra
insistiu muito sôbre êste ponto: "A vontade é um dos principais ór- certa. Sem dúvida, é sempre ao testemunho alheio que há
gãos da crença: não que forme a crença, mas porque as coisas são verda-
deiras ou falsas segundo a face por onde as olhamos. A vontade que se
comprBT. mais numa do que noutra desvia o espírito de considerar as qua- ? 4 Cf. PASCAL, Penaéea, n. 0 79 (ed. Brunschvicg) : "Cumpre . dizer em
lidades daquelas que ela não gosta de ver, e assim o espírito, andando em geral: "Isso se faz por figura e movimento", porque é verdade. Mas dizer
estreita união com a vontade, detém-se a olhar a face de que esta gosta; quais, e compor a máquina, isso é ridículo. Porque é inútil, e incerto, e
e, assim, julga dela pelo que vê". penoso" .

. _.
492 PSICOLOGIA
A CRENÇA 493
que recorrer. Mas êsse testemunho, aqui, não é aceito sem
fundarnento, senão a título de fato objetivo, capaz de um con- mos e. da vontade reta, já que o assentimento não é perfeito
trôle quase exyerimental (1, 295-240). Bem entendido, o con- se dão é completo, a saber : especulativo e prá~~º·
trôle pode ser :Ínsuficiente, os fatos poq.em ser demasiado com~ Vê-se o quanto esta concepção estã longe da tese dos fideístas,
plexos para admitirem uma verdadeira certeza. Neste caso, para os quais a crença religiosa é completamente irracional.
os enunciados históricos passam a ser objetos de crença. São- ScHLEIERMACH (Reden über die Religion), e KlERKEGARD sobretudo,
sustentaram êsse ponto-de-vista. KxERKEGAARD opina que a fé reli-
no sobretudo quando sua ordem de sucessão e sua interdepen- giosa _só subsiste pela «incerteza objetiva~. A verdadeira fé, diz êle,
dência dependem, em grande parte, da interpretação do histo- é a do homem que fica até o fim sôbre 70.000 braças de água (Stad-es
riador e de hipóteses mais ou menos fundadas. Se há nume- sur ze Chemin de la Vie, 1846) : «Se quero permanecer na fé, pre-
rosos fatos históricos singulares que atingem o nível da ciso tomar constantemente cuidado de guardar .a incerteza objetiva.
certeza cientüica, a história, como tal, é objeto de crença. de me manter nessa incerteza objetiva sôbre as 70.000 braças de
água, - e de crer apesar disso». No pós-escrito da mesma obra,
b) A crença em metafísica. Os enunciados metafísicos fala também do «martírio de crer contra a razão». Seria, efetiv!l.-
mente, um autêntico martírio êsse «salto no absurdo~ de que fala ,·
versam quer sôbre abstrações da ordem racional (noções de noutro lugar. Na realidade, é indigno do homem crer «contra a
ser; de substância, de causa, de fim, de relação, de verdade, razão~ .. Se a inteligência humana deve confessar mistérios que estão
de quantidade, de movimento, de espaço, de vida, de pensa- acima de seu alcance (mas não contra a razão), tem o direito e o
mento, etc.), quer sôbre realidades ontológicas de ordem niio dever de exigir que os enunciados de fé apresentem seus títulos à
crença, por motivos de credibilidade que lhes confiram a evidência
sensível (Deus e a alma). Uns e outros são, de direito, obje- extrínseca, única que podem ter, mas que constitui para a razão a
tos de ciência, e dependem do raciocinio fundado na experiência. mais segura das justificações.
Alguns dêles, como os primeiros princípios especulativos e prá-
ticos, são mesmo necessàriamente, de fato, em razão de sua 472 3. :&rro do int.electua.lismo. As teorias intelectualistas
evidência absoluta, objetos de intuição imediata. da crença, excluindo totalmente a intervenção da vontade na
Todavia, a complexidade dos problemas, e sobretudo o extre- crença, propõem um êrro simetricamente inverso ao do volun-
mo afastamento em que se encontram do sensível, fazem que tarismo cartesiano. Umas (HUME) afirmam, com efeito, que
o maior número das asserções metafísicas só possam ser admi- a crença não passa de um estado forte que determina, como
tidas por muitas inteligências sob forma de crenças. Esta ra- tal, o sentimento da realidade. J ã devemos ter criticado essa
zão, como também a multiplicidade e a variedade de doutrinas, opinião, quando se tratou de distinguir a imagem da percep-
faz que comumente as consideremos como objetos de crença. ção (175-177). Podemos acrescentar aqui que ela comete o
êrro de descurar, no juízo de crença, o assentimento que lhe
471 c) A fé religiosa. A religião é o domínio por excelên- dã sua forma essencial, e que implica a atividade do espírito;
cia da crença. Com efeito, os enunciados propriamente reli- e, de outra parte, que, em todo caso, ela não poderia aplicar-se
giosos referem-se aos mistérios sobrenaturais (Trindade, En- aos enunciados concernentes a fatos contrãrios às percepções.
t.carnação, Redenção, graça e justificação, sacramentos, etc.). sensíveis (rotação da Terra em redor do Sol). ·" ·
:ts1leS enunciados só podem ser objetos de fé, por excederem SPINOZA, por seu lado, declara que o assentimento na~a
irrfi'nitamente, em si mesmos, a capacidade de nossa inteligên- mais é do que a idéia que se impõe por si mesma, só por sua
cia. Só são formulados sob o influxo da vontade, influxo jus- clareza. 15 Contra essa teoria há o fato de muitos assentimen-
tificado, por sua vez, pelos motivos de credibilidade (teste-
munho, historicamente demonstrável, de Deus que revela os 15 Cf. Ethices, lia. pars, propositio 49: "ln Mente nulla datur volitio,
mistérios). Por outra parte, requerem também a intervenção sive allirmatio et negatio, praeter iliam quam idea, quatenus idea, invol-
ativa da vontade, enquanto implicam. conseqüências de capital vit". O que SPINOZA demonstra assim: "Na alma não existe nenhuma
:faculdade absoluta de querer ou de não querer, mas somente volições par-
importância p/i,ra nossa conduta moral. O agir humano sen- ticulai::es, a saber: tal ou tal afirmação, tal ou tal negação. Imaginemos, pois,
te-se profundamente interessado pela fé reiigiosa, e, por essa uma volição particular qualquer, por exemplo: o modo do pensamento pelo
razão, pode a ·vontade, aqui mais do que alhures, e segundo as qual a alma afirma que os três ângulos de um triângulo são iguais a dois re-
disposições morais do sujeito, exercer uma ação decisiva. tos. Esta afirmação envolve o conceito ou, por outras palavras, a idéia, do

O assenti1u~nto de fé é, pois, duplamente obra da vontàde, ·.~ triângulo. Isto equivale a dizer, com efeito, que A deve supor o conceito
(a idéia) de B, ou dizer que A não pode ser concebido sem B [ ... ] . Por
pois depende ao mesmo tempo da vontade livre, visto qu~ os conseguinte, esta afirmação pertence à essência da idéia de triângulo, e
mistérios, estando acima da razão, não se impõem por si roes- não é outra coisa senão essa própria essência. Assim, .tôda volição, qual-
quer que seja, outra coisa não é senão a própria idéia".
494 PSICOLOGIA

tos, perfeitame nte firmes, não serem determinados só pela


clareza do objeto,· e, adernais, quando há realmente evidência,
esta não é simplesmente a evidência de uma ou várias idéias,
mas a da relação que as une. Enfim, a própria evidência da ··
relação, se acarreta o juízo, é formalmente distinta dêle, que,
como se viu, é não somente percepção de uma relação de con-
veniência ou de identidade entre dois objetos de pensamento, CAPÍTULO VI
senão também afirmação da verdade dessa relação.
O RACIOCINIO E A RAZÃO
B. Influência indiret.a
SUMÃR/0 1
Aqui saímos do domínio da crença, já que a atividade da
vontade não tem por objeto o assentime nto como tal, mas sim I. o RACIOCtN IO. O raciocínio sob o ponto-d:e-v ísta psi-
as condições gerais do pensamento. Com efeito, da vontade Art.
cológico. Formas empíricas do raciocínio. O raciocínio
dep~nde aplicar-se o espírito, com a atenção, a informação, a como justificação . Etapas do raciocinio. Raclocinlo in-
penetração e a perseveran ça necessária s, aos problemas que fantil. Há uma mentalidad e pré-lógica? Teoria empi-
solicitam o exame, como também afastar as objeções falazes, rista da raciocínio. Tese associacion ista. Discussão.
refrear os interêsses e as paixões que põem obstáculo ao co- Art . II . A RAZAO. Princípios diretores do conhecimen to. Prin-
nhecimento da verdade, e, para resumir tudo com palavras de cipio de identidade. Principio de razão de ser. A lntell-
PASCAL, "trabalhar por pensar ben;i ", pois, efetivamen te, neste gibilidade. Principio de causalidade. Princípio de fina-
lidade. Principio de substância. Caracteres dos primeiros
sentido, é "o princípio da moral". princípios. Origem dos primeiros princípios. Noçõe,:; e
princípios. Formação dos princípios.

.ART. I. O RACIOCI NIO

479 Aqui, como no domínio da idéia e do juízo, o ponto-de-vista


lógico, que é o dos processos de direito e das regras ideais do
pensamento, é distinto do ponto-de-vista psicológico, que con-
cerne às operações e aos fenômenos intelectuais como dados
empiricos. Todavia, a psicologia · das operações intelectuai s
está estreitame nte mesclada à lógica dessas mesmas operações,
porque, como se viu (1, 98), o ponto-de-p artida da lógica cien-
tífica só pode ser descoberto na experiênci a intelectual reco-
nhecida como válida e correta. As leis que governam a ati-

1 ARISTóTEL ES, Categorias e Segundos Analíticos. SANTO TOM.AS,


De Veritate, q. 2, 3 e 10, la. q. 77-80, 84rll9. RABEAU, Verbu.m. Species,
Paris, 1938. PIAGET, La raison et le ju.gement chez i'enfant. LÉVY-BROH L,
La mentalité primitive, 4a. ed., 1925; L'4me primitive, 4.ª ed., 1930.
O. LEROY, La raison pTimitive, Paris, 1930. M. BLONDEL, La Pensée, t. II.
L. ROUGIER, Les paTa!ogisme-' du Tationa!isme, Paris, 1920. KANT, Cri-
tique de la Taison puTe. "Dialectique transcendent ale". LACHELIER , Le
fcmdemrnt de !'induction. RIBOT, La logique des sentiments. GOBLOT,
Tmité de Logique, e. IX-XVIII, Pads, 1918. DUMAS, Noveau TTaité de
Psvchologie, t. V, págs. 186 e segs. (DELACROI X). DESCOQS, Institutiones
Metaphysica e geneTalis, Paris, 1925, págs. 431-578. PRADINES, TTaité de
Psvchologie générale, II, págs. 190 e segs.
496 PSICOLOGIA
...
O RACIOCÍNIO E A RAZÃO 497

vidade do espírito só podem ser conhecidas pela reflexão dêsse Os têrmos são ordenados segundo suas relações de generali-
espírito sôbre sua própria atividade. _ dade, de maneira a permitir passar do mais geral (térmo maior)
Esta observação vale sobretudo para o raciocínio, cujas ____ ao. menos g~raL (_tê,;mo _.m,e.n_orLai:r:_avés de um ~têrmo médio,.
formas extremamente complexas descreveu a Lógica Maior, compreendido na extensão do têrmo maior, e que compreende
pelo estudo dos métodos, a fim de determinar as leis a que o têrmo ,menor em sua extensão. A forma esquemática dêste
deve obedecer o pensamento segundo os objetos a que se aplica. raciocínio é a seguinte: B faz parte de A; ora, C faz parte
Uma boa parte da psicologia do raciocínio se acha, pois, ne- de B ; logo, C faz parte de A. Se nos colocarmos do ponto-
cessàriamente incorporada à· Lógica. Não temos de voltar ao de-vista da compreensão, correlativo do da extensão, teremos,
assunto neste capitulo, senão para resumir os aspectos pro- esquemàticamente : B implica A ; ora, C implica B ; logo C
priamente psicológicos da questão e precisar as formas empí- implica A. '
ricas do raciocínio.
b) Substituição de têr,nos. O processo da substituição
§ 1. 0 RACIOCÍNIO SOB O PONTO-DE-V,ISTA PSICOLÓGICO é o do racíocinio matemático. Não é mais o ponto-de-vista
da generalidade que governa o raciocínio, e sim o das relações
A. Formas empíricas do raciocínio de igualdade ou de equivalência, em virtude do qual uma gran-
deza substitui outra por meio de quantos intermediários sejam
474 Distinguem-se o raciocínio de descobrimento ou de inven• necessários. Esquemàticamente: A _ B, B = C, C = D,
ção, e o raciocínio de verificação. D = E, logo A = E (1, 170).

1. Formas do raciocínio de descobrimento. c) Ligação dos têrrrws. f::ste processo é o de todos os


raciocínios hipotéticos. Consiste em ligar os efeitos às cau-
a) Raciocinio por analogia. O raciocínio analógico (1, 59) sas, as conseqüências aos princípios, os condicionados aos con-
consiste em concluir pela identi.dade de dois ou vários dicionantes (1, 99). E' o processo usado nas ciências experi-
têrmos em razão de sua analogia (semelhança parcial). Na mentais e, em geral, em todos os raciocínios que visam a
vida prática, grande número de raciocínios futJ.dam-se nas explicar os fatos de experiência. Esquemàticamente: A de-
analogias sugeridas pela experiência. Tivemos oportunidade pende de B, B depende de C, C depende de D, logo A depende
de ver (229-290) que a analogi~ é um dos grandes recursos da de D.
imaginação criadora, bem como das ciências experimentais.
O raciocínio analógico normalmente só proporciona hipó- B. Raciocínio como justif~
teses, porque as analogias existentes. entre dois ou vários tér-
mos nã,o são prova certa de sua identi.dade. Essas hipóteses 476 . Pode-se reduzir ? raciocínio, sob tôdas as formas empí-
exigem uma verificação posterior, experimental ou racional. i ricas que pode revestir, ao processo fundamental da justifica-
b) Raciocínio por exemplos. A prova pelos exemplos, ção. Que se trate de descobrimento ou de verificação, é sempre
ou éasos particulares, difere do raciocínio analógico, pois não em forma de justificação que se manifesta a atividade racio-
se trata de identificar dois ou mais têrmos, senão de descobrir cinante. Com efeito, o descobrimento e a invenção consistem
um caso ou uma lei geral a partir de fatos particulares. E' em buscar a prova ou a demonstração de uma hipótese; na
isto que a Lógica define sob o nome de indução (1, 101-105), verificação, o espírito procura as razões de uma verdade já
e é por excelência o raciocínio em uso nas ciências da natureza. conhecida e admitida como tal.

475 2. Formas do raciocínio de verificação. A verificação . . 1. A justificação como conclusão e conseqüência. A jus-
se faz por subsul!-ção, por substituição ou por ligação de têrmos. tificação que constitui o raciocínio pode visar a estabelecer
quer a verdade incondicional de uma proposição, quer simples-
a) Subsunção de têrmos. O processo da subsunção é mente sua relação lógica com outras proposições. No primeiro
essencialmente o da dedução ou do silogismo categórico (1, 89). caso, o raciocínio parte de premissas tidas como verdadeiras,
com o fim de demonstrar uma conclusão que será igualmente
2 Cf. M. DOROLLE, Le Raisonnement par analogie, Paris, 1949.
considerada como verdadeira. No segundo caso, o raciocínio
498 PSICOLotIA O RACIOCÍNIO E A RAZÃO 499

parte de quaisquer proposições, aceitas à guisa de hipóteses, C. · Etapas do raciocínio


e delas conclui con~eqrüências cujo valor será relativo ao das
premissas. Sabe-se que a demonstração p_or absurdo consisbJ 478 1. O .raci~o infantil. lt só por volta -dos sete anos
em provar a falsidade de uma asserção tornando-a como ponto. que a criança começa a esboçar raciocínios. Âinda assím:· só
de-partida de um raciocinio que leva a conseqüências absurdas. versam sôbre casos reais, pois a criança, antes dos onze ou
Neste caso, trata-se ainda de justificar, mas por via indireta, doze anos, quase não é capaz de raciocinar a partir de simples
a proposição contraditória da que leva ao absurdo. hipóteses. Os raciocínios infantis são de tipo extremamente
Nestes dois casos, o raciocinio desenvolve-se segundo as sumário. Marcados pela conjunção porque, são destinados a in-
exigências lógicas, e visa a estabelecer a verdade, seja absolu- dicar quer uma causa ("estou chorando porque Paulo me ba-
tamente, seja hipoteticamente. De fato, se nos colocarmos do teu"), quer um motivo ("quero ter um cavalo mecânico porque
ponto-de-vista lógico, um e outro estabelecem ao mesmo tempo Paulo tem um"). Aos poucos, o raciocínio evolui para formas
mais lógicas, e tende a formular conclusões. A criança que de-
conclusões e conseqüências: no primeiro caso, a conclusão é clara: "Paulo teve mêdo, porque se pôs a correr", estabelece
urna conseqüência das premissas; no segundo, a conseqüência entre duas proposições uma conexão lógica, que constitui uma
é a conclusão do raciocínio. Mas, psicologicamente, só o pri- autêntica dedução. Mas êste gênero de mciocínio só aparece por
meiro raciocínio conclui, isto é, remata o processo discursivo. volta dos nove ou dez anos, ao mesmo tempo que as outras for-
O raciocínio que só visa à conseqüência por si mesma fica ina- mas lógicas assinaladas pelo emprêgo das diferentes conjunções:
cabado e provisório sob o ponto-de-vista da verdade objetiva, embora, se bem que, visto como, portanto, etc. 3
têrmo último da atividade raciocinante. Mas está governado
pela idéia de verdade, enquanto se submete às normas lógicas 479 2. Haverá uma mentalidade pré-lógica! Alguns socto-
e requer uma verificação ulterior da conseqüência, pelo con- logos contemporâneos, particularmente LÉVY-BRÜHL, sustenta-
trôle experimental ou racional. ram a tese de que a mentalidade primitiva era de natureza "mís-
tica e pré-lógica", quer dizer, puramente emocional e alheia ao
477 2. A justificação como simples resultado. Há tôda uma principio de contradição, que rege as operações lógicas dos ci-
categoria de raciocinios que de maneira alguma, nem direta vilizados.
nem indiretamente, se referem à verdade. Tais são os que
LÉVY-BRÜHL (Bulletin d.e la Socfété àe Phtzosophfe, abril de 1932>
formam o que chamamos a lógica dos sentimentos ( 460), e declara: «Assim como o meio social em que vivem os primitivos é
que encontramos, sob forma patológica, em tôdas as espécies diferente do nosso, o mundo exterior que percebem também difere
de loucura ·raciocinante. Os raciocínios desta categoria po- daquele que nós percebemos. Seja qual fôr o objeto que se lhes
apresente, êle possui propriedades ocultas, sem as quais êles não
dem ser perfeitamente rigorosos sob o ponto-de-vista da con- conseguem representá-lo a si mesmos. Para êles não existe fato
'Seqilência: os loucos são, com muita freqüência, lógicos in- propriamente físico>. o primitivo é indiferente à contradiçãà,,
trépidos. Mas, na argumentação passional, o encadeamentQ como o demonstra a lei de participação. «Segundo essa lei, os obje-
das proposições ordinàriamente é de um ilogismo desconcer- tos, os sêres, os fenômenos podem sei·, de maneira incompreensivel
para nós, ao mesmo tempo êles mesmos e algo distinto dêles; podem
tante: premissas contraditórias conduzem infalivelmente, por estar presentes, num momento dado, em determinado lugar, e no
meio de uma argumentação tão absurda quanto extravagante, mesmo momento em outro sitio afastado do primeiro. De maneira
ao mesmo resultado. Por isto se diz justamente que é perder não menos incompreensível, emitem e recebem fôrças, virtudes, qua-
lidades, ações misticas, que se fazem sentir ao longe, sem deixarem
tempo discutir com os obsessos, maníacos e gente obstinada- de estar onde se encontram>.
m.ente sujeita ao determinismo da paixão.
Em todos os casos, logicamente falando, não se trata se- Esta tese quase que só encontrou cepticismo da parte do::1
não de pseúdo-raciocínios, porque a argumentação só visa a ,.• especialistas da etnologia, em razão dos numerosos equívocos
.... .,,
..
r~ulta,dos, é não a conclusões. Se as leis da conseqüência são que encerra (1, 95). Cingir-nos-emos aqui a resumir as,,críticas
respeitadas, é coisa puramente acidental, ou, melhor, não é por que se lhe podem fazer .
submissão às normas lógicas, mas pelo fato de a conseqüência
correta coincidir com as exigências do determinismo passional, 3 Cf. PIAGET, Le jugement et le raisonnement chez l'enfant, Paris-
que é sempre o principio motor da argumentação. 1924.
O RACIOCÍNIO E A RAZÃO 501
500 PSICOLOGIA

a) O mito do «primtti'IJo». Vimos anteriorme nte (I, 264-267) ficios: furar com um espêt? a imag~m ou figurinha de um inimigo
quanto -era equívoco e impróprio o têrmo primitivo, no qual incessan- equivale a dar a morte a esse inimigo. Totemtsmo : um ente sa-
temente se confundem o sentido qualitativo (simples, grosseiro) e grado geralmente animal, às vêzes vegetal, dá seu nome ao clã ou
à ·tribo, ·e serve-lhe de emblema; fenômeno de natureza social, li-
o sentido cronológico (antigo, primeiro), como sê estivesse demons- gado à tendência de determinad as unidades sociais a se associarem
trado que êsses dois sentidos se identificam , quando é êste justa- com objetos ou símbolos de valor emocional, a fim de manter a coe-
mentti todo o problema. De fato, UVY-BRÜH L e os sociólogos de sua são do grupo. JJ Práticas idoltttrtcas: criação de símbolos do divino
escola acumulam confusamen te, sem crítica nem discriminaç ão (se- que são adorados como deuses e põem à. disposição do mágico as
não para eliminar ou minimizar os documento s contrários à sua
tese), fatos culturais tomados ao mesmo tempo das civilizações ru- fôrças psíquicas universais.
-dimentares e das civilizações complexas, evoluídas ou regressivas. 1: Em todos os casos, o sinal conserva sempre sua relação de signi-
impossível descobrir nessas construções arbitrá.rias uma imagem ::.i.u- ficação com outra coisa. A úJ.entificação significa a equi1?4°lência fí-
têntica do primitivo. 4 sica do sinal e do stgntficaào . Mas a relação de operação ou de
causalidade eficiente implica a distinção da causa e do efeito, tsto
b) A razão primitiva. -Se levarmos em conta os fatos bem es- é, do sinal e do significado . O principio de identidade não é, pois,
tabelecidos, temos de reconhecer que os «primitivos> muitas vêzes fundament almente ignorado em seu valor ontológico.
7
são iguais, senão superiores, aos brancos, quando se trata de lhes
aprender as línguas e de se iniciar em sua civilização. Sua ltngua- d) o primitivo e a criança. A final de contas, a mentaiidad é
gem é menos rica em tftm1os abstratos do que a nossa; mas a abun- primitiva é uma mentalidad e de criança. Esta, até pelos doze anos,
dância dos têrmos concretos só provém das necessidade s da vida faz pouco caso das relações objetivas. Atribui fà.cllmente à sua von-
prática e encontra-se em tõda parte, nas crianças como na gente tade um poder direto sõbre as coisas e os acontecime ntos. Manifesta
sem cultura e votada às tarefas materiais. Sua numeração não uma espécie de animismo, que confunde o objetivo e o subjetivo, e
tem nada de particular. Se crêem no poder místico de certos nú- procura obstinadam ente explicações finalistas, em que os fenômenos
meros, muitos civilizados supersticios os se lhes assemelham nisto. naturais se relacionem com uma vontade que os determine em sua
Aliás, essa crença não parece existir nas civlllzações mais rudimen- existência e em sua forma.
tares. Enfim, os «primitivos» raciocinam como os civ11tzados e, às Em tudo isso, o raciocínio infantil, como o do «primitivo», pro-
vêzes, ~elhor que êstes. Não obstante, se seu estado mental é, em cede segundo as formas próprias aos adultos, mas, por falta. de ex-
geral, inferior, isso se expltca pela ausência dos estimulante s nP.-
cessários da vida intelectual, e pelo estado de ancllose em que ve- periência e de critica, confunde os nlveis e os tipos da causalidade ,
getam há séculos em razão de suas condições de «habitat>. Por i3to, e exerce-se num regime imaginativo , em que a inteligência está pre-
é i1npossivel achar entre os não-civiliza dos uma imagem precisa da sente, mas ainda não liberta.
infâncta da humanidad e. Antes, é bem «uma imagem de decrepi-
tude e de senilidade> (R. ALLIBR,Le non-civilisé et nous, Paris, 1927, § 2. TEORIA EMPIRISTA DO RACIOCÍNIO
pág. 268).

Alcance das «participações místicas>. Qual é o sentido da 481 1. Tese associacionista. Os empiristas tentaram expli·
480 c)
dei de participa.ção»? Em realidade, trata-se de associações sim- car o raciocínio pelo jôgo da associação. Todo raciocínio, obser-
bólicas entre obj.etos dAferentes, unifi.cados sob o ponto-de-vi sta, prá- va STUART MILL, por ser de tipo analógico, reduz-se a uma as-
tico (equivalênc ia física do sinal e do significado ), mas nunca trans- sociação por semelhança, quer di7er, a um hábito. O raciocínio
formadas em puras identidades .
:il:sse fenômeno chamado «participaçã o> descobre-se nas práticas não é senão a evocação esponúine a de imagens sucessivas, asso-
seguintes: Invocação de nomes míticos-: o mago identifica-s e ao he- C'iadas pe1,a erperiênci a. Por exemplo, a criança que se quei-
rói cujo nome invoca e toma. Processos de magia simpática., que mou afastar-se -á doravante do fogo, pelo simples fato de a quei-
consistem em reallzar simbolicam ente o efeito realmente esperado,
como se o símbolo devesse equivaler à realidade e produzi-la: assim, madura haver-se associado à imagem do fogo. Vemos aí um ra-
para fazer chover, o feiticeiro rega o solo; para obter tubérculos
abundantes , enfia na terra, no momento das semeaduras , pedras má-
gicas da mesma forma que os tubérculos desejados, etc. 5 Male- igualdade. "Els af•, exclama Dor:feullle, "o i:angue dos reis. Republicano s,
bebamos!•. O vaso circula e, acrescenta o jornal, "cada bõca, pressurosa,
'.f ávida, acreditava, em bebendo aquêle licor, secar as veias dos tiranos da
4O. LEROY, La raison primitive, Paris, 1927, fêz uma critica rigorosa i Europa" (Ed. HERRIOT, Lyon n'est p!us, ·t. III, pág. 203).
e decisiva das font~s de LÉVY-BRO-HL. ··' e Cf. GOLDENWE ISER." "Totemism an analyt!cal study", in Journal o1
5 Essas práticas de magia simpática, como tampouco as outras,
não são American Fo!ktore, XXIII (1910), págs. 179 e segs. LOWIE, Traité de So-
especiais aos "primitivos" . É assim que o Journai de Commune-A ffran- dologie primitive, trad. francesa, Paris, 1935, págs. 144 e segs.
chie (Lião) de 23 frimário, ano II, faz o relato de um "banquete fraterno" 7 Cf. J. MARITAIN, "Signe et symbole", pág. 102, em Quatre
essau SU7'
onde se achavam reunidos administrado res e militares: recitam-se hinos cí- l'esprit dans aa condition charnelle, Paris, 1939; nova edição, revista e au-
vicos, diz o jornal; o cidadão Grandmaison , comandante da gendarmeria , mentada, 1956.
traz algumas pintas de vinho tinto numa caçarola que figura a taça da
O RACIOCÍNIO E A RAZÃO 503
502 PSICOLOGIA

: na realidade, tudo se re- O problema da razão é, pois, essencialmente o dos primei-


ciocínio que procede por idéias gerais ros princípios, dos quais se trata de saber em_ que consistem
duz ao mecanismo da associação. 8 e qual lhes é a origem.
2. Discussão. O exemplo alegado por- STUART MILL não
consegue estear a tese associacionista. Em primeiro lugar, é § 1. PRINCÍPI OS DIRETORES DO CONHECI MENTO
equívoco. De feito, o raciocínio em questão é um caso especial,
no qual a sucessão imediata (fogo-queimadura) é ao mesmo tem- 489 A análise das operações do espírito mostra que o pensa-
po uma relação de causa a efeito. Ora, todo o problema é saber mento se refere constant emente a duas normas suprema s ou
se a reação da criança ou do adulto ante o fogo é comandada princípios primeiro s: o princípio de identidad e e o de razão de
unicamente pelas imagens associadas•ou pela percepção de uma ser. Vimos, em Lógica, que a condição primeira e universa l
·relação causal. Sem dúvida, a criança conclui do particula r da verdade lógica residia no respeito do princípio de identidade
para o particula r, e a proximidade do fogo provoca um reflexo ou de não-contradição "( o que é é; uma coisa não pode ao mes-
que nada tem que ver com o raciocínio. · Mas depressa vem ela mo tempo e sob o mesmo aspecto ser e não ser) . Tôdas as re-
a distinguir as relações de causalidade das de sucessão, e é pre- gras da lógica são meras aplicações ou conseqüências dessa nor-
cisamente nesse momento que se diz que ela começa a racioci- ma universal, ao mesmo tempo lei do ser e do pensame nto, por-
nar (1, 84). que, se o absurdo é impensável, é primeira mente por ser im.-
Por outra parte, a teoria de STUART MILL é impotente para possivel.
~xplicar as outras formas de raciocínio, onde intervêm noções
gerais e processos lógicos irredutív eis à analogia e à associação Quando se trata não mais simplesmente de définir essên::.
mecânica. Mesmo nos raciocínios fundados na analogia, esta cías, e sim determin ar.as relações mútuas dos sêres, intervém
contribui tão pouco para determin ar a validade da argumen ta- outro princípio, chamado por LEIBNIZ princípio de razão sufi-
ção; que sempre há que recorrer a uma verificação ulterior. ciente. Efetivam ente, as relações dos sêres entre si não são
Quanto às associações, que, na realidade, se reduzem a estrutu- tôdas, ao menos para nossa razão, relações de direito, sujei•s
ras, experime ntais ou racionais, é próprio do raciocínio cien- à judicatu ra do princípio de identidade, mas relações de fato,
tífico submetê-las à crítica, longe de as aceitar passivamente. que só podemos conhecer pelo raciocínio fundado na experiên -
Raciocinar, no sentido lógico da palavra, equivale essencial- cia e destinado a desvenda r as razões de ser das coisas. Nessa
mente a subtrair- se ao determin ismo do costume. investigação, somos guiados pela convicção de que tudo tem
sua razão de ser ( ou de que nada existe sem razão) , o que é a
ART. II. A RAZÃO fórmuia do princípio de razão de ser. Quanto ao epíteto "su-
ficiente" na fórmula de LEIBNIZ, tem sobretud o valor lógico, e
482 O raciocínio não é a razão, visto haver bons e maus racio- só serve para assinalar a. um tempo as exigências e os limites
cínios. O raciocínio só é correto e 'válido na medida em que é do princípio de razão, já que as razões de ser estabelec idas pelo
conforme às exigências da razão. A própria inteligência, em raciocínio devem bastar, sem mais, para explicar uma coisa ou
certo sentido, pode ser distingui da da razão, já que suas opera-
ções dependem de normas que têm para ela valor de leis univer-
·,
;
' . um fenômeno. .
sais e absolutas, e qae definem o que chamamos razão. Todavia,
esta não designa '1ma faculdade distinta da inteligência, mas A. Principio de identidade
somente um aspecto dela, a saber : o que, na inteligência, faz
que esta se exerça segundo sua lei essencial, que é de ser confor- 484 1. Lei fundamental do ser. Se o pensame nto se reco-
me ao ser. Somente neste sentido é que se pode falar, de manei- nhece absolutam ente sujeito à necessidade de admitir. que o
ra aliás bastante imprópri a, de razão como da faculdade dos pri- que é é (princípio de identidad e) ou, sob forma negativa , que
meiros princiipios. 9 uma mesma coisa não pode, ao mesmo tempo e sob o mesmo
aspecto, ser e não ser (principi o de não-contradição, chamado
8 RIGNANO, Psvcho!ogi e du raisonneme nt, Paris, 1920, retomou a tese
também princípio de contradi ção), é antes de tudo em razão de
empirista de RUME e de STUART MILL, sem nada lhes aditar de essencial. ·uma exigência objetiva. Lei do pensamento, o principio de
D Os Escolástico s denominav am razão (ratio) aquilo a que
os moder- :·· ; '.identidade é primeira mente a lei fundamental do ser: todo sei-
nos chamam intelio~ncia , e inteligê_ncla (intellectus principioru m) aquilo é o que é. Por isso, tôda atividade intelectu al desenvolve-se
que os modernos denominam razão.
O RACIO CÍNIO E A RAZÃO
505
504 PSICO LOGIA
por sua vez,
a coerência de ser em outro que o faz existi r. 1!:ste princípio, de causa li-
à luz dêste princípio, que asseg ura ao mesmo tempo tem· diver sas aplicações, segundo os diver sos tipos
do pensa mento e a inteli gibili dade das essên cias. disce rne na exper iência .
dade que a razão
O prin- -agen te é a
2. Form as derivadas do princípio de identidade. s prin- · a) Causa-agente. A causa eficie nte ou causa assim o te-
ident idade dá imed iatam ente nasci mento a algun ia ação, produ z um efeito dado:
cípio de absoluta. que, por sua própr
cipios derivados, que partic ipam da sua· evidência que, duran te
lhado r que atira urna telha do alto do telhado ouuma telha do
seu traba lho, invol untàr iamen te faz escor regar
a) PrincÍ'pi,o do terceiro excluúlo. Assim se
formu la êste
meio- têrrrw entre ser e não ser. alto do telhado.
princ ípio: para um ser, nâ-0 há
êsse ser,
Com efeito , se houve sse êsse meio, consi stiria , para
b) Causa-antecedente. A causa -ante ceden
te é a condi-
ao mesmo tempo em ser e não ser, o que é absur do. depen de a existência de
ção ou conjunto das condições de que por seu esta-
um fenômeno: a queda da telha pode expli car-se
b) Principio do terceiro equivalente. É
expresso sob do vento violen to que a
,ca,s a u.ma tercei ra são idênticas do de equilíbrio instáv el e pela ação o im-
esta form a : duas coisas idênti e a form a se- empu rrou. O antec edent e só é cham ado causa em sentid
entre si. Em matem ática, êste princ ípio assum eza se limita m à de-
s a urna terce ira são iguai s en- própr io. Sabe-se que as ciências da natur isto é,
guint e : duas quant idade s iguai termi nação das relaçõ es de antec edent e a conse qüent e,
o conju nto de fenôm enos
tre si. que procu ram descobrir o fenômeno ou
10
apare cirne b-
(ante ceden te) que condicionam const antem ente o de fenôme-
B. Princípio de razão de ser to ou a varia ção de outro fenômeno ou grupo
a explicação
e das cau- nos (conseqüente) (I, 195). Assim concebida, sim à questão
1. A inteligibilidade. A procu ra das razõe s quê?" , mas
485
ânea do despe rtar da inteli gênci a, como sufi- causal já não responde à questão "por funcional.
sas é contempor o"? da cri- "como?", e só propo rcion a uma inteligibilidade
cientemente demo nstram os "por quê?" e os "com ias da natur eza, assu-
própr ia form a da ra- O princ ípio de causalidade, nas ciênc
ança. Esta inqui etude da explic ação é a mo : "nas mesm as cir-
ínio, por ser me a form a do princ ípio do deter minis
zão, que só se define princ ipalm ente pelo racioc ra é guiad a cunst ância s, os mesmos antec edent es são segui dos dos mesm os
procura das causa s e dos princf:pi,os. Esta procu
ainda , de que conseqüentes".
pela idéia de que tudo tem sua razão de ser, ou, sentido, o
e o torna inteli gível. Neste ípio é uma
só o ser explic a o ser
ém é o princ ípio da unive rsal e) Todo ser age conforme o que é. 1!:ste princ de ser,
princ ípio de razão de ser tamb form a deriv ada do princ ipio de causa lidade . Dá a razão
inteligibilidade. de sua natur eza e mo-
confor- não mais do efeito enquanto efeito, mas
Todo ser é suscetível de uma dupla inteligibilidade, O pri- dalidade. Que o efeito ou o fenôm eno produ zidos sejam tais,
expli car sua existê ncia e sua natur eza. causa ou dos antec e-
me se queir a o ser existe isso só pode expli car-se pela natur eza da
meiro ponto-de-vista, que dá a razão pela qualextrín seca. O dentes. Uma causa qualq uer não produ z um efeitohá semp re
qualquer.
( atual ou poten cialm ente) é o da inteli gibili dade obstá culo,
o ser é o que Na medi da em que a causa se exerce sem
segundo ponto-de-vista, que dá a razão pela qual seca. Donde as uma proporção entre ela e o efeito. Tôda a procu
ra das causa s
como age, é a da inteli gibili dade intrín
é ou age
: princ ípio de causa lidade , princ í- e dos princ ípios é funda da neste princípio.
form as do princípio de razão
pio de finali dade e princ ípio de subst ância .
3. Principio de finalidade.
tudo o
486 2. Princípio de causalidade. 11lt assim expre sso: sua razão 487 a) Finalidade subjetiva. No sentido mais geral
da pa-
a ser existe por outro , isto é, deve ter por uma ativid ade
que com.eça lavra , o fim é o efeito queri do ou produ zido
l. O arqui teto que const rói urna casa tem por fim
intenciona o lucro que
de sua ativid ade a própr ia casa e, eventualmente,
respec tivo dêsses di-
10 Exami narem os em Metafí sica a ordem e o valor
versos princíp ios. dessa ativid ade. É o ·que se cham a finali dade subje tiva
efeito tem uma causa" , ou unão há efei- tirará gênci a, capaz
11 .AJi fórmul as corren tes: "toa.o
Sendo o efeito uaquilo que é produz ido ou inten ção: supõe, corno no home m, uma inteli
to sem causa" , são tllutoló glcas. ação os meios
fórmul as equiva lem a isto: "Tudo o que é produ- de se propo r e de quere r um efeito , e de pôr em
por uma causa" , essas
zido por uma causa tem uma causa" .

i
,J
O RACIOCÍ NIO E A RAZÃO 507·
506 PSICOLOGIA

mamos de forma, em Cosmologia ([, 39Z) . Dêste ponto-de -vista, não


apropria dos para realizar êsse efeito; ou então, como no ani- há nenhum escândal o em passar da finalidad e subjetiva à objetiva, e
mal, uma atividad e determi nada a produzi r um efeito median- essa passagem é tanto mais plausíve l quanto é pela consciên cia de __
te uma representação sensível. 12 Nos dois casos, o efeito a pro- nossa própria atividade intencion al, dispondo os meios em vista de um
duzir é que a razão de ser da atividad e e o ,que a torna inteli- --
0 0
··füii;·qu"Ernós·""ffl!cessàriamente nos l.niciamos. 1!: o que explica que a. ,__ _
parte
criança, como o «primitivo>, se sinta inclinad a a ver em tôda
· ' " • ~ ••• •

gível. Donde a fórmula do princípi o de finalidade ; todo agen-


·.

intençõe s subjetiva s e manifest e uma tendênci a animista assinala -


te age por um fim. da. o progresso do pensame nto não conduz, aliás, a substitui r a fi-
sêres da
nalidade pelo .mecanis mo, mas a conceber a finalidad e nosatividade
coisa
Distingu e-se o fim da obra (finis operis), que é a própria (finís natureza por analogia com a finalidad e de :nossa própriapara reali-,
a produzir : a casa, no caso do arquiteto; e o fim à.o agente ter e o mecanism o por analogia com os meios que utilizamo s
operanti s), que pode ser distinto do primeiro : o arquiteto pode er, zarmos nossos fins.
em vista quer o ganho a obter, quer sua reputaçã o a estabelec fim
quer simplesm ente a satisfaçã o de produzir uma obra bela. Omeio. . .:
do agente é d fim último, e subordin a a si a obra, a título de 4. O principio de substân cia.
-~'
b) Finalidade objetiva. Da finalida de subjetiv a ou de 488 a) Experiência da mudança. Nossa experiê ncia das coi-
intenção passa-se naturalm ente para a finalidade objetiva ou sas e de nós mesmos impõe-nos constan temente a distinção do
de adaptação. Com efeito, do mesmo modo que a atividad e in- perman ente e do instável, do aparent e e do real, do dentro e
ternacio nal dispõe de meios que se subordi nam uns aos outros, do fora, do essencial e do acidental. Com efeito, os sêres estão
e, todos juntos, ao fim que se vai realizar , assim também tôda em perpétu a mudanç a, qualitat iva e quantita tiva, e no entanto
órganização ou arranjo de elementos múlt~plos e diversos que continuam sendo o que são. Para êles, mudar é propriamente
formam um conjunto unificado só pode ter sua razão de ser tornar-se outro, e não um outro. Somos imediat amente leva-
numa idéia do conjunto. De feito, os elementos, tomados iso- dos, por essa experiência, a atribuir a mudanç a a um sujeito,
ladamente, são indifere ntes ao todo ; todo o seu sentido é um porque a mudanç a só é inteligivel por um. sujeito perman ente.
sentido funcional ou instrum ental, e vem-lhes do todo que com- Com efeito, sem sujeito permanente, tôda mudança seria ani-
põem. O todo é que é a razão de ser a um tempo de sua exis- quilamento do ser que muda e criação de um ser nôvo (1, 919).
É esta evidência que exprime a distinçã o da substân cia ( ou
su-
tência, de sua forma e de suas operações (I, 219, 424, 477). des ou quantid a-
jeito perman ente) e das propried ades, ,qualida
Contràr iamente à objeção de KANT a esta doutrina , isso
absolutamente não obriga a procura r intenções conscientes na :ill> · " de (acidentes) que êsse sujeito pode receber ou perder. O prin-
naturez a. A naturez a, segundo a expressão de CUÉNOT, é geô- cípio de substân cia, sob suas diversas formas, não faz senão
metra, e não artesã. Mas nem por isto é menos certo que a rea- traduzi r essa evidência.
lidade dos sistemas e dos sistemas de sistemas que a experiên- b) Tríplice causalidade da substâ,ncia. Em sua forma
cia nos revela só pode explicar-se por idéias (ou formas) ima- mais geral, o princípi o de substân cia assim se enuncia : tôda
nentes a êsses sistemas. O mundo, assim, aparece como um mudança supõe um sujeito permanente. A consideração das re-
pensamento cósmico ou objetivo. 18 Um problema ulterior cons- lações do sujeito perman ente para com as proprie dades ou mo-
sistirá em investig ar se êsse pensam ento cósmico pode expli- dalidades variáve is que êle pode receber proporc iona três apli-
car-se por si mesmo, sem um Pensam ento supracósmico. cações do princípi o de substân cia. Efetiva mente, a substân cia
aparece ao mesmo tempo como o sujeito dos acidentes, isto é·,
Discute- se sôbre se é a finalidad e objetiva que deriva da subje-
tiva, ou inversa.mente. Notemos que se trata de dois aspect.osmais da aquilo em que os acidente s são recebidos ou inerem; como fim
mesma finalidad e. Quem dia finalidad e diz intenção (no sentido dos acidentes, enquant o a substân cia ou sujeito necessit a dos
acima definido ). Somente, na ftnalidad l, subjetiva trata-se de uma "ª acidentes para exercer a atividad e corresp ondente à sua natu-
intenção que vj_sa, a. um e.jeito e:,;terlor rw agente, ao paaso que reza própria ; e, enfim, como principio dos acidentes, pelo me-
finalidad e objetiva se trata ele, uma tntenção ordenada. a um efeito nos dos acidente s próprio s ou propried ades (1, 47), enquant o
imanente ao ágente, e que organiza · êste por dentro. 1!: o que cha-
estas resultam natural e necessà riament e do que ela é.
12 Vê-se que a palavra intenção é aqui tomada no
sentido mais lato, c) Substância, razão de ser e identidade. O principi o de
substân cia é, pois, uma forma do princípio de razão de ser, e
e:
para designar uma tendência orientada para um têrmo definido (ín-tender
tender para). enuncia as condições da inteligibilidade intrínseca do ser. Por
18 Cf. M . BLONDE L, La Pensée, t. I, págs. 3 e segs.
O RACIOCÍN IO E A RAZÃO 509
508 PSICOLOG IA

questão dos princípio s reduz-se ao estudo das noções que -os


outro aspecto, depende também do princípio de identidade, en-
quanto afirma a unidade e a identidad e do ser sob as múltiplas compõem.
.. . .... . i
e variáveis determin ações que podem afetá-lo. '·a .. ,._. ,.a· .
.. . ·pai-á" LÀcÍIÊi.Il;!R" (Le fonàemen t àe l'inàuctio n, pág. 37), <SÓ bá
três :maneiras de expllcar os princípios, porque também só há três
C. Canroteres dos primeiros princípios maneiras de conceber a rea,idade e o ato pelo qual nosso espirito
entra em comércio com ela . Pode-se primeiram ente admitir, COID
HuME e Mn.L, que tôda realidade é um fenômeno, e que todo conhe-
489 Os primeiro s princípio s são evidentes, universa is e ne- cimento é, em última análise, uma sensação: os princípios, se to-
cessários. davia se pode cogitar dêles nesta hipótese, serão então apenas os
resultados mais gerais da experiênc ia universal. Pode-se também
1. Evidência dos primeiros princ1p1os. Nenhum a de- supor, com a escola escocesa e com Cousm, que os fenômeno s sãoa
apenas a manifesta ção de um mundo de entidades inacessive is
monstraç ão é necessár ia para justifica r os primeiro s princípio s nossos sentidos; e, neste caso, a principal fonte de nossos conheci-
da razão. Impõem-se ao espírito por sua pr6pria, clareza, des- mentos deve ser uma espécie de intuição intelectua l, que nos des-
de que seus têrmos são enunci,ad,os. Por isto a demonstr ação cobre a um tempo a natureza dessas entidades e a ação que exer-
dêles é não somente inútil, mas, também impossivel. Não se cem sôbre o mundo sensível. Mas há uma terceira hipótese,qual- que
KAN't introduziu na filosofia, e que consiste em pretender
que,
demonst ra a evidência, já que não supõe nada mais claro e quer que possa ser o fundamen to misterioso sôbre o qual repousam
mais certo que ela mesma. os fenômenos, a ordem em que se sucedem é determina da exclusiva -
mente pelas exigências de nosso próprio pensamen to». Or,a, de fatoe
2. N-ecessidade dos primeiro s princípios. Os primeiro s há uma quarta maneira de expllcar os principias, que é totalment
princípio s são necessários objetivamente, enquanto se apresen- dlferente, ao mesmo tempo, do empirismo associacio nista, do misti-
cismo dos Escoceses e do idealismo transcend ental de KANT. Con-
tam como leis cujo contrário é absolutam ente impossível, e sub- siste em dizer que os prtncípios são conhecfàos tntuttivam ente nas
jetiva.mente, enquanto estão implicados em todo pensamento, noções universais de causa., àe fim e de substdncia , abstraída s da
e sua negação conduzir ia ao absurdo puro. expertênci,a sensivel. Não é, de modo algum, a hipótese dos Esco-
ceses, visto que as noções universais não são concebidas como com-
pondo um «mundo de entidades » exterior ou superior ao sensível.
3. Universalidade dos primeiros princípios. Por essa mas como presentes na própria experiênc ia sensivel, da qual são
razão são universai s, ao mesmo tempo objetivamente, por se- abstraída s pela inteligênc ia.
rem leis de todos os sêres, reais ou possíveis, e subjetivamente,
visto pertence rem a tôdas as inteligências, ao menos sob a for- 491 2. A abstraçã o. A questão da origem das noções de
ma de um exercício natural e espontâneo. identidade, de causa, de fim e de substânc ia é mero caso parti-
cular do problema da origem e da formação das idéias gerais.
§ 2. ORIGEM DOS PRIMEIROS PRINCÍPIOS Essas noções, como tôdas as outras, são abstraída s da experi-
ência, externa e interna, que não cessa de nos impor fatos sin-
A. Noções e princípios gulares nos quais a inteligência, segundo sua função própria,
apreende as essências inteligíve is (429).
igo 1. Forma do problema.. O problema da origem dos pri-
meiros princípio s é sobretud o um problema crítico, já que nêle a) A identidade. A experiên cia do idêntico e do mesmo
está em causa o valor da razão. Todavia, como tudo o que per- é a mais corrente de tôdas: uma coisa não é a outra, cada coisa
tence à Crítica, êle tem um aspecto psicológico, que é o que te- é o que é, e só é reconhec ida enquanto persiste idêntica a si
mos agora de considera r. Dêste ponto-de-vista, tudo se reduz mesma. A criança formula sem detença juízos que implicam
a investiga r como adquirim os as noções universa is de identida- manifest amente essa noção do idêntico. Em sua forma abstra-
de, de causa, -de fim e de substânc ia, que proporcio nam os têr- ta e universal, ela nada mais é que a elaboração da experiên cia
sensível. ·
mos dos princip!OS. 11::stes, com efeito, não são, psicologicamen-
te distintos dessas noções, pois é por um mesmo movimento do b) A causa. Vimos que uso faz a criança da noção de
espírito que as noções universais de -identidade, de causa, de causa, a partir da idéia de causa-ag ente que é o que primeiro
fim e de substância são formadas pela raziio, e que os primei- se impõe à sua experiên cia. O recurso à causalida de eficiente
ros princípios siio, seniio explicitamente formulados, ao menoit parece mesmo intemper ante na criança, que espontân ea e
exer.cido.s pela r.azcio. De fato, como se vai ver, todo exame da
O RACIO CÍNIO E A RAZÃO 511
510 PSICOL OGIA
mar a
se passa à necessários? Por outro s têrmo s, como explic ar e olegiti uni-
natura lment e atribu i a causa s-agen tes tudo o que realidade, passa gem do fato ( exper iência sensív el) ao direit (leis
volta de si. Tôda a nossa exper iência se acha, em Sôbre isso, as teoria s abund am. São as
evidên - versai s absol utas)? gerais
como saturada de fatos concretos de causalidade. Comque pra.: mesm as que as _encontramos na questã o das _idéias
atos ramos , o··.
cia imedi ata nós nos conhe cemos como causa dos
mane ira a (415~416, 426, 440-44-6), visto que, como acima -most 14
ticam os. Dizer : "fiz isto ou aquilo " é exerc er de do das idéias . Quem
extern a não problema dos princípios é me1·0 aspecto pelo menos
mais clara a noção de causa lidade . A exper iência l das noçõe s unive rsais, ou
de causa a efeito , nega a realid ade menta conte star
cessa, tampo uco, de nos apres entar relaçõ es sua origem exper iment al, deve, por êsse mesmo fato, o passo,
o,r
e grande parte de nossa atividade prática consiste em procur
A noção o alcanc e ontológico dos princí pios. Mas, do mesm
nos conce rnem. ade subje-
as causas dos acontecimentos que
ada em fica suscit ado o proble ma psicológico de sua realid ar.
i• unive rsal de causa, em sua forma filosófica, está implic o mais tiva, que não pode ser negad a, e que é precis o explic
/ tôdas essas exper iência s e comp ortam entos, cujo sentid
geral não faz senão enunc iar. 494 2. Alca.nce ontológico dos princípios.

492 c) O fim. A exper iência da intenç ão é-nos tão famil iar a) lm:plicação dos princípios nas noções. Os princí pios,
em re- tempo pela
1. e óbvia, que o progr esso do pensa mento consit e menos a busca como os têrmo s ,que os compõem, explic am-se a um
forçá- la do que em lhe limita r as aplica ções. A crianç que seus têrroo s
1,
ela na exper iência e pela razão. Efetiv amen te, vimos são
intenç ões em tôda parte : as coisas só têm sentid o para que (noções de identi dade, de causa , de fim, de substâ ncia)
quê, isto é, para s, desde que são
-~- medid a em que se lhe pode explic ar por men- abstra ídos da exper iência . Ora, êsses têrmo
feitas . Esta nocão funda formu ladas pelos princí -
fim as coisas são feitas ou assim
etos; po- abstratos, implicam tôdas as relaçõ es
tal poder á, mais adian te, reves tir aspec tos mais compl pios. A noção d"'o que é idênti co a si mesm o" implic a a iden-
, não só sob a forma do princí -
rém contin uará a se impor ao pensa mento
mas també m, e até tidade de cada coisa consigo mesm a, que é a fórmu la a coisa
de intenc ionali dade consc iente e volun tária, pio de identi dade. A noção d"'aqu ilo por que algum
no saber cientifico, sob a forma de experiências de
ordem e de a a existi r
nature za. A começa a existi r" (caus a) implic a que o que começ
coisas da causa lida-
-~ organização, que nos propo rciona m as
realm ente, depen de de outra coisa distin ta de si (princ ípio de
finalid ade, antes de ser uma noção unive rsal, é pois
A noção d'" aquilo por que uma coisa é ou age" (fim) im-
exper iment al. de). ( princí pio
.·\
como o obser vava CLAUD E BERNA RD, um dado plica que o que é ou age, age ou é por algum a coisa
. Enfim , a noção d"'aqu ilo que é sujeit o de .m u-
1
a noção de finali dade)
d) A substância. Mais acima mostr amos como um sujei-
1

dança " (subs tância ) implic a que a muda nça tem


!
era impos ta pela exper iência da muda nça. Seu
.,i de substâ ncia nsão do to (princ ipio de subst ância ).
ponto-de-vista, do domínio sensív ~l, consis te na apree
antem ente, e no entan to so- noções
11 permanente. Nós muda mos incess
qua- .-.~( . b) Explicitação dos princípios. A passa gem das do
:, mos sempr e o mesmo sujeit o. As coisas se transf ormam "as mes- . ·"' aos princí pios explic a-se, portan to, como uma passa gem im-
litativ a e quant itativa mente , mas contin uam sendo pios estão mater ialme nte
de subs- plícito ao e~plícito, visto que os princí
mas". Por complexo que apare ça o conceito filosófico concre - contid os nas noções unive rsais. É à razão que se atribu i esta
ado na mais comum e aqui sua
t4ncia , é eviden te que está arraig explicação. Miste r se faz, porém , comp reend er bem que
', ta exper iência . Tôda a nossa ação prátic a é tribut
exper iência eleme ntar que nos faz distin guir em tôda
ária dessa
parte o opera ção não é realm ente
s unive rsais.
distin
A razão
ta da

que
os
abstra
princí
i
pios
da
nas
exper
noçõe
iên-
s,
que podem cia as noçõe
perdu ra, das modif icaçõe s aciden tais intelig ibilida de dessas noçõe s; e, por
1 sujeit o que e vê-os como exigidos pela
vo, a ra-
afetá- lo. isso que essas noções são abstra ídas do ser real e objeti
' os princí pios como as leis do ser
zão conhece imedi atame nte s; po-
A formação dos princípios vo. Sem dúvid a, os princí pios, como as noçõe
B. real e objeti
J1 '
pro-
'i 499 1. O problema, do ponto-de-vista, nominalista. ~sse por isso que não há razão para voltarm os, neste
capitul o, sôbre
ão empir ista e nomin alis-
blema KANT , resum indo tôda a tradiç
14 É
1
O ponto-d e-vista delas é o mesmo , quer quanto às idéias,
iência, essas teorias
ta propõe-no sob esta forma : como explicar, pela experrsais e
1
quer quanto aos princíp ios,
que é singular e contingente, princípios que são unive
512 PSICOLOGIA O RACIOCÍNIO E A RAZÃO 513

dem tornar-se objetos de reflexão filosófica e sofrer, assim, (causa, fim, substância) ; somente, essas ex1gencias objetivas
uma elaboração mais ou menos externas, a fim de lhes confe- já não são mais definidas pela identidade, e sim pelas proprie-
rir o máximo de precisão formal possível. Mas princípios e no- dades. Asàim, no princípio de causalidade, a noção de "ser
ções são primeiramente exercidos e vividos com uma esponta- produzido -por outro''· não-estájnclusa na noção~d"'aquilo que _.,,,,,,,,.,,
neidade e necessidade tais, que é o sinal mais claro de sua evi- começa a ser", mas dela resulta imediatamente, a título de
dência absoluta. propriedade. Do mesmo modo, no princípio de finalidade, a
noção de fim ou de intenção está ligada, a título de propriedade,
495 c) Necessidade e universalidade dos princípios. Dêste à noção de agênte e à noção de ordem ou de organização. Enfim,,
ponto-de-vista, a necessidade e a universalidade dos princípios no princípio de substância, a noção de sujeito permanente não
não têm mais nada de misterioso. Não fazem, com efeito, se- está incluída na de mudança, mas dela se segue imediatamente,
não traduzir as exigências inteligíveis das noções universais, a como propriedade essencial de tudo o que muda.
necessidade, para elas, de serem o que são e de implicarem tudo KANT quer que os primeiros princípios da razão (causalidade,
o que implicam. EssM noções já não teriam sentido, e seriam finalidade, substancialidade) sejam sintéticos «a priori»: sintéticos
absurdas, isto é, contraditórias em si mesmas, se os princípios porque o predicado não está l,ncluido na noção do sujeito; c:a. priori»
não f ôssern necessàriamente verdadeiros. E, como essas noções porque são necessários e universais, e portanto independentes da
vêm da experiência objetiva, o universo da experiência seria experiência. Ora, acabamos de ver que os princípios são, não sin-
téticos, mas analiticos. O êrro de KANT está em não conhecer, de
l)'or sua vez ininteligível e absurdo se os princípios não fôssem juizos analiticos, senão aquêles em que o predicado está contido na
necessàriamente verdadeiros. Tudo isso equivale a dizer que a noção do sujeito (praediicatfo per se primo modo) (I, 50), quando
necessidade subjetiva dos princípios é mero efeito de sua neces- igualmente devem ter-se por analitlcos os juízos em qut o sujeito é
sidade objetiva. que é razão do predicado (praeàicat10 per se secundo modo), não
como parte intrinseca, mas a titulo de matéria na qual o predicado
é recebido por sua nat~re:i;a de propriedade essencial. a o p~prio
Allás, essas asserções são verificáveis. Pode-se mostrar, para sentido da observação de ARISTÓTELES, de que nariz é da razao de
cada noção, que a negação do principio correspondente conduz ao chato, como número é da. razão de par e de ímpar, quer diSer, o su-
absurdo puro. Negar o princípio de causalidade equivale, com efeito, jeito próprio está necessàriamente ligado às suas propriedades
a negar o principio de identidade, porque, se uma coisa pode come- essenciais. é exatamente o caso dos principios de causalidade,
çar a ser por si mesma, segue-se que ela pode aer antes de ser, isto de flnalldade e de substância, que como tais são analitlcos e bne-
é, ser e não ser ao mesmo tempo. Negar o princípio de finalidade dlatamente evidentes à razão.
equivale a dizer que a ordem provém do acaso. Negar o principio
de 3ubstância significa que_ o que muda não muda, porquanto, se a Sendo analiticos, os princípios são, por conseguinte, a
mudança pode existir sem sujeito permanente, é o ser todo inteiro
que, ao mesmo tempo e sob o mesmo aspecto, se torna outro, per- priori, isto é, evidentes por si, independentemente da experiên-
manecendo o mesmo. Quanto ao principio de identidade, êste ex- cia. Isso não significa que não depende de modo algum da ex-
prime a lei mais fundamental do ser:, se uma coisa é, é: evidência periência, visto que dela procedem e a governam universalmen-
primeira e absoluta que garante tôdas as outras. Destarte, se se te. Mas são chamados a priori porquanto são imediatamente
negam os princípios, então as noções e, por conseqüência, as expe-
riências de identidaà.e, de causalidade, de finalidade, de substancia- Q/P1"eendidos nas noções de i,dentidade, de causa, de fim, de subs-
lidade 1á não Um sentido nem realidade. O absurdo torna-se a lei tância, como as leis universais do ser. Seu carãter a priori sig-
d!' universo. nifica, pois, somente a imediatez e a necessidade de sua per.,.
cepção ou de seu exercício.
496 d) Caráter analítico dos princípios. Resumimos o que Vê-se, assim, o que se deve entender por ineidade dos prin-
precede dizendo que os princípios são analíticos, isto é, que po- f cípios. Quanto à sua especificação, não são inatos, visto depen-
dem verificar-se por simples análise de um ou outro têrmo, in- derem das noções universais, abstraídas da experiência. Mas,
dependentem~nte da experiência (1, 65). Todavia, há que ire- quanto a seu exercício, pode-se dizê-los inatos, neste sentido
cisar esta a&5erção. Primeiramente, quanto ao caráter analítico que são contemporâneos do despertar da vida intelectual, ou
dos princípios. Só o princípio de identidade, por definição mes- mais precisamente ainda, no sentido de que estão implicados
mo, se exprimt! numa fórmula em que o atributo é idêntico ao no poder de abstrair da inteligência.
sujeito: "o ser é o ser", "todo ser é o que é". Os outros prin-
cípios são igualmente analíticos, enquanto a conexão do predi-
cado e do sujeito é necessária em razão das exigências do objeto
SEGUN DA PARTE

A ATIV IDAD E VOLUNTARIA

500 Todos os nossos estudos procedentes concerniam a modos


sen-
diversos da ativida de psicológica: trata-s e de conhecimento com
sível ou intelectual, de instint os ou de inclinações, sempr e
En-
manifestações de dinamismo é que tínham os de nos avir. o
tretan to, a palavr a "ativi dade" pode entend er-se num sentid -
mais estrito , para design ar o movim ento exterio r, ou o conjun
.
to dos movimentos exteriores exigidos pela vida de relação neuro-
:tsses movimentos execut am-se por meio de mecan ismos
ade
musculares. Mas são comandados de dentro, por uma faculd os fins
que de algum a sorte os ~em a seu dispor e os utiliza para
do vivente.
A totalid ade dêsses movimentos extern os no anima l, e uma
á-
parte impor tante dêsses movimentos no homem, são autom Mas
ticos, quer dizer, resulta m imedia tamen te das excitaç ões.
dos
o homem produz ainda outros movimentos que são chama te
voluntários, para signif icar que não depend em imedia tamen
que
das representações, mas de uma espécie de mando daquele
os executa. Como nesta f arma de ativida de, consci ente e senho-
ra de si, é que parece culmin ar o dinamismo do vivente, a ati- por
vidade volunt ária é consid erada como sendo a ativida de al,
excelência. Esta ativida de, chama da ainda apetite racion
porque se exerce em dependência da razão, é que vamos agora
estuda r no seu principio, que é a vontade, e na sua propri edade
essencial, que é a liberdade .

. i -· ..
CAPÍTULO I

A VONTADE
SUMARI0 1

Art. I. MOVIMENTOS VOLUNTARIOS. Elementos do movi-


mento voluntário. Movimentos lndeliberados. Análise
do movimento voluntário. Natureza da attv'1dade volun-
tária. Experiências. Problema das fases do querer. Fa-
ses da ação voluntária. Discussão.
Art. II. TEORIAS DA VONTADE. Teorias sensualistas. Vontade
e desejo. Discussão. Vontade e afetividade. Atividade
impulsiva. Discussão. Vontade e campo psíquico. Teo-
na fisiológica. Tese associacionista. Discussão. Teorias
intelectualistas. A vontade reduzida à Inteligência,. Dis-
cussão.
Art. III. NATUREZA· DA VONTADE. A vontade como expressão
da personalidade. A vontade como síntese. A vontade,
expressão da unidade pessoal. A w,ntade como apettte
racional. O bem conhecido, objeto da vontade. Forma
do eonflito interior. Determinação e indeterminação. A
volição concreta.
Art. IV. DEGRADAÇÕES DA ATIVIDADE VOLUNTARIA. Auto-
mattsmo normal. Hábitos. Distração. Automatismo
anormal. Patologia mental. Patologia da vontade.

ART. I. OS MOVIMENTOS VOLUNTARIOS


,;01 De preferência a partir de uma definição abstrata da
vontade, vamos tentar apreender-lhe as características nos mo-
vimentos reconhecidos como voluntários, isto é, ao mesmo tem-

1 Cf. SANTO TOMAS, Ia, q. 82-83; Ia IIae, q. 6-17. FONSEGRIVE,


Essai sur le libTe a,-bit,-e, Paris, 1896. MICHOTI'E et PRtl'M, "Etudes expé-
rimentales sur le choix volontaire", in ATchives de Psychologie, t. X, pãgi-
nas 113-320. PAULHAN, L'autmnatisme psvchologique, Paris, 1889; Obsessions
et PBYChasthénies, Paris, 1903. FOUILLÉE, La !ibe,-té et le déterniinisme.
SEGOND, Traité de Psychologie, e. VII, Paris, 1930. BERGSON, Les don-
nées immédiates de la conscience. W. JAMES, Précis de Psycho!ogie. DU-
MAS, Nouueau T,-aité de Psycho!ogie, t. VI, pãgs. 317 e segs. (CH. BLON-
DEL). L. LAVELLE, De l'Acte, Paris, 1938, e. VII, XI-XII, XXV.
M. BLONDEL, L'Action, Paris, 1893 (nova edição, 1950)
518 PSICOLOGIA A VONTADE 619

po nesses próprios movimentos e nos antecedentes que impli- ante uma situação dada a um fim a realizar. Uma vez desen-
cam, no seio da consciência, e que uma experimentacão apro- cadeados, êles funcionam como reflexos, e portanto de maneira
mais ou menos inconsciente. _
priada pode ser capaz de revelar com precisão suficiente.
A vontade não intervém, pois, diretamente,J1esses mecanis-
§ 1. ELEMENTOS :CO MOVIMENTO VOLUNTÁRIO
mos. Seu papel em relação a êles consiste em deflagrá-los, uti-
lizando para isso a motricidade específica das imagens, em
1. Movimentos indeliberados. Tivemos ·de estudar, sob
adaptar os movimentos ao fim colimado, e em inibir as ima-
gens estranhas suscetíveis de parasitarem os mecanismos pelos
o nome de reações, .diferentes espécies de movimentos: a irri-
quais se executa o movimento voluntário.
tabilidade celular, pela qual a célula animal reage de maneira
específica à ação de estimulantes externos, produzindo fenôme- b) A representação. Tôda atividade voluntária tem seu
nos luminosos, térmicos, elétricos, anatômicos e motores ponto-de-partida numa representação, que pode ser uma per-
(I, 419-423); o reflexo, ou fenômeno nervoso em virtude do cepção, uma imagem ou uma idéia, e que tem por efeito-apre-
qual uma excitação, periférica ou interna, deflaga autoij/'}ltica- sentar ao apetite sensível ou intelectual um objeto a desejar
mente, por conexões nervosas preestabelecidas, uma reação de
gênero determinado (secreção, contração muscular, etc.) ou a evitar.
(57-60) ; o movimento instintivo, no qual a reação ou a série c) A apetição. Todo movimento voluntário comporta,
de reações a produzir se executam automàticamente ao apêlo inais ou menos acentuado, porém sempre presente, certo tônus
de uma excitação sensível ou de uma imagem (279); os movi~ afetivo, derivante do fato de haver a representação despertado
mentos habituais, que dependem fisiologicamente do fenômeno · um desejo ou uma tendência. Por si mesma, a reprewentação
da transferência associativa (reflexo condicionado) e que atuam 11,(ÍQ é motora. Só o é por intermédio da tendência que ela atua-
psicologicamente à maneira dos instintos ( 71). Citemos, en- liza. É assim que se deve compreender aquilo a que FOUILLÉE
fim, os movimentos que dependem do automatismo psicológico, chamou o caráter motor das idéias (ação ídeo-motora: 198).
normal ou anormal, que estudaremos mais adiante. Uma idéia que não despertasse nem desejo nem tendência não
. 1 Todos êsses movimentos têm por caráter serem indelibera- teria nenhum poder motor; seria uma representação, e nada
dos, isto é, automáticos. Os movimentos voluntários distin- mais. ~se elemento afetivo-motor constitui o que se chama a
guem-se dêles não, como às vêzes se diz, por procederem de um apetição.
fenômeno psicológico, coisa que lhes é comum com o hábito e
o instinto, mas por serem deliberados, isto é, conscientemente d) O juízo prático. A representação, a petição e os me-
antecipados e escolhidos. É o que a análise do movimento vo- canismos neuromusculares não bastam para definir o movimen-
luntário vai ajudar-nos a precisar. to voluntário, ao passo que bastam para explicar todos os mo-
vimentos que dependem do automatismo psicológico. Nestes,
50:! 2. Análise do movimento volunt.ário. O movimento vo- desde que êsses elementos são dados, o movimento ou o ,ato se
luntário é mais complexo do que à primeira vista parece. A produzem. Ao contrário, na atividade voluntária não há pas-
análise descobre nêle os element.os seguintes : sagem automática da apetição ao ato. ~ste depende de um pro-
cesso intermediário que parece caracterizar o voluntário e con-
a) Mecanismos neuromusculares. Todo movimento vo- sistir num juízo prático, isto é, que define a conduta que se há
., luntário executa-se por meio de mecanismos reflexos instinti- de manter.
> vos e habituais, que coordenamos de maneira mais ~u menos
perfeita em, mira ao resultado a obter. Se, do ponto-de-vista § 2. NATUREZA DA ATIVIDADE VOLUNTÁRIA
funcional, ,êsses mecanismos são muito simples, são, ao con-
trário, ext.raordinàriamente complexos quanto aos elementos 509 Os psicólogos realizaram diferentes experiências para
neuromusculáres que põem em jôgo: pense-se no que represen- precisar a natureza e a ação dos elementos psicológicos que a
ta, sob êste aspecto, o ato de tocar piano ou de bater à máquina análise acaba de dar a conhecer. Vamos resumir brevemente
de escrever. :tsses mecanismos neuromusculares gozam de cer- os resultados dessa experiências e as conclusões a que con-
ta independência, que explica seu funcionamento automático duzem.
A VONTADE 521
520 PSICOLOGIA

seu valor relativo não é equivalente a um valor positivo sob o ponto-


A. ~riênci as relativas à atividade voluntária de-vista da determinação>. «A consciência da ação é característi ca
do fenômeno voluntário; a consciência do eu, mesmo não sendo
1. Experiência s de Acb. Estas experiências visam a descobrir A consciência.
,.,. ., ,.,. nela forma,llI.),~_1:i.te expressa, nela se acha inclusa. o «A
como se acha determinad o o curso das imagens na atividade volun"" ,=" . eia ação desâparécé ·sob .aº lnflilênciã do exercício:.;~ escolha vo-··-
tária. A técnica das experiências empregava várias espécies de tes- luntária reveste a. forma do consentime nto quando a alternativa. fa-
tes, e em particular os seguintes: O sujeito, a quem se apresenta vorecida na discussão dos motivos (ou o valor que a ela se ligou)
um papel que traz dois algarismos, dev~ escolher entre somar. reaparece na consciência no momento da escolha». «Quando essas
subtrair, multiplicar ou dividir êsses dois algarismos, ou não f.azer condições estão ausentes, a escolha faz-se sob a forma de decisão.
nenhuma operação. Imediatam ente depois, o sujeito dá conta do A decisão pode ser viva ou fria. As decisões vivas acompanha m-se
que se passou em si. Outros testes eram destinados a distinguir os de contrações muscuw.res acentuadas , e são condiciona das pela pre-
atos comandados por um juízo de tipo «é preciso>, dos atos coman• sença de forte tensão muscular durante a discussão dos motivos».
dados por um juízo do tipo cdevo:.. 2
Os protocolos de ACH levam a admitir que existe na consciência
uina tendência determinan te, mas que essa tendência é distinta das B. Elementos psicológicos da atividade voluntária
Imagens e lhes diríge o curso. Por outras palavras, o que comanda
o movimento e lhe regula o curso é a atttude mental que primeira- 595 Dos resultados obtidos pelos diferentes experimen tadores
mente foi adotada pelo sujeito. s
podemos inferir as conclusões seguintes, que confirmam e pre-
2. Experiência s de Dürr. As experiência s de DüRR tinham por cisam, sôbre certos pontos, as da análise psicológica.
objeto principal a atenção. Levaram-n o naturalmen te a estudar o
ato voluntário, do qual se . sabe que a atenção é uma das formas :tssea resultados merecem mais crédito em seu conjunto do que
característi cas (364). Os sujeitos tinham ou de escolher entre vá- nos pormenores. Com efeito, concebe-se mal que experiência s sôbre
rias atividades possíveis, ou de executar uma ordem dada. silabas ou sôbre algarismos possam levar, em matéria de atividades
DÜRR indica os resultados seguintes: Os motivos que proyocam voluntárias , a. resultados de grande precisão. Sem dúvida, Ml:CHoTTE
o prazer ou a dor de modo algum constituem o ato voluntário. O e PRtlx pediam a seus sujeitos (muito ao corrente das pesquisas de
ato voluntário não comporta necessàriam ente um estado de tensão laboratório ) só operarem «por motivos sérios>. Mas, admitindo que
especial. Uma Imagem ou uma idéia provoca a reação, e o sujeito u razões para somar, antes que para subtrair ou para dividil', os
sente-se simples espectador. Os atos reconhecidos como voluntários dol.8 algarismos apresentad os fôssem «sérias», que relação entre êsse
parecem fundados numa produção ou reprodução de imagens ·ou dé gênero de atividade e, por exemplo, o ato de escolher a morte de
idéias, sem que intervenha a consciência do eu ou um sentimento .• preferência à apostasia ou à desonra? Estas observações não ten-
dem a recusar o lnterêsse .das pesquisas experiment ais, mas somente
604 3. Experiências de Michotte e Prüm. M1cuoTrE e PRfu« esfor- a assinalar que elas só ·podem valer em grosso e em geral. Por tsto,
çaram-se por determinar os antecedentes tmeátatos. da escolha :vo- não nos admirarem os de que as conclusões a que elas conduzem só
luntária. A técnica. da experiment ação é organizada de maneira. façam traduzir a experiência psicológica mais comum.
que se produza o ato voluntário exatamente entre o momento da
excitação e o da resposta-re ação.. Assim, o sujeito, a quem eram 1. Papel da represe n~. A atividade voluntária e
apresentad os dois algarismos, tinha de, escolher entre duas operações não constituúl, a) por representações anteri.o-
a fazer sôbre êsses algarismos, com a recomendação de escolher por provocada (mas
motivos sérios. Como, uma vez feita a escolha, a execução da ope- res (imagens ou idéias), sem as quais nenhuma atuação de ten-
ração corria o risco de fazer esquecer ou de alterar a lembrança dos dências seria concebível nem possível. É o que bem mostra, sob
estados de consciência que acompanha ram a escolha, MicHOTTE e forma negativa, o caso dos psicastênicos e dos abúlicos, que, por
PRÜM suprimiam essa execução. O sujeito apenas indicava que a
escolha estava feita. falta de uma atividade representa tiva suficiente, ficam como
As numerosas experiência s dêstes experiment adores dão os re-- que inertes cada vez que algo de nôvo se lhes apresenta diante
sultados seguintes:~ Quando se trata de uma alternativa , o partido· dos olhos. 7 Essas representa ções provocam, em razão das ten-
que tem o maior valor espontâneo tem tendência a ser examinado
em primeiro lugar. «Quando os valores opostos são ambos negativos,
6 Essa conclusão explica-se em parte pelas próprias condições da expe-
riência, visto como o sujeito é avisado de ter de prestar atenção ao seu es-
2 Cf. MICHOTI'E et PROM, "Etudes expérimenta les sur le choix
volon- tado psicológico e de descrevê-lo.
taire", in Archives de PStlchologie, t. X, págs. 300-315. 7 Cf. P. JANET, Etat mental des hystéTiques, pág. 123: "Não sômente
8 ACH propõê em particular a "lei de determinação especial":
"Uma
M . toma com dificuldade um objeto nôvo, mas se acha impotente em todos
atividade geral é mais dificilmente realizãvel do que uma atividade espe- 08 · atos em que há alguma novidade. É sempre o início do ato, o pôr-se em
cial", ou, noutros têrmos: "a realização daquilo que queremos, é tanto mais marcha, que é penoso; mas é necessário entender bem o que eu chamo aqui
rãpida e segura quanto mais especializada é a adaptação da nossa vontade". comêço de um ato. Não é o fato material de pôr os músculos em movimento
4 MICHOTTE et PRUM, loc. cit., pãgs. 123 e segs. quando estão em repouso ( ... ) . Entendo a formação dêsse conjunto com-
G MICHOTrE et PRUM, loc. cit., págs. 133-320.
E-22 PSICOLOGIA A VONTADE 523
dências que atualizam, estados afetivos mais ou menos violen-
tos (tensão psicológica). Mas a atividade voluntária aparece cias de MICHOTTE e de DüRR, pode ser perfeita na ausência de
distinta dessa tensão. Mesmo os testes de AcH e de DÜRR pa- tôda tensão. · ·· ·
recem estabelece r que o voluntário como tal não é sensível. ", ..,.,i ..,.Fíinçio- ·das 1mái;en's. o
moviment o voluntário só
pode executar-se por intermédio das imagens, cuja motricidad e
506 2. O juízo. As reações motoras não são automátic as, especifica é utilizada ou posta em obras para a produção do
quer dizer, entre essas reações e a excitação (ou representa - movimento. Essas imagens, aliás, as mais das vêzes não fazem
ção) intercala-se um juízo de escolha. Isso resulta de tôdas as senão atravessar a consciênci a com extrema rapidez e segundo
experiênci as precedente s, que estabelecem que o estado afetivo uma ordem predeterm ina e automàtic amente realizada. O pa-
indeliberad o provenient e da apresentaç ão, sob forma de ima- pel motor, inato ou adquirido, das imagens é confirmad o pelo
gens ou de idéias, de um resultado a obter ( ou a evitar) não fato de os distúrbios , no regime das imagens relativas aos mo-
constitui o ato voluntário . AcH, DÜRR e MlCHOTTE são igual- vimentos de um membro, tornarem êsses moviment os difíceis,
. mente claros sôbre êste ponto: o sujeito sente-se simplesme nte desajeitad os, canhestros ou, às vêzes, impossíve is (caso dos
espectado r (quer dizer, passivo) ante a reação (afetivo-m oto- paralíticos ).
ra) provocada por urna imagem ou uma idéia. A atividade vo-
luntária é caracteriz ada por um juízo de escolha entre vários § 3. PROBLEMA DAS FASES DO QUERER
partidos possíveis (alternativ as).
ii::sse juízo é um juízo prático, isto é, que enuncia uma or- 507 Das análises que precedem, e que, em suma, concordam
dem e decide o movimento a executar ou a ação a praticar. com os dados do senso comum, alguns filósofos quiseram dedu-
Dêle, e não das imagens ou idéias, é que procedem o movimen- zir uma espécie de esquema, em ·que a ação voluntária se orga-
to e a ação. :ftle é, pois, o sinal específico da atividade vo- nizaria e se desenrolar ia segundo fases sucessivas bem distintas.
luntária.
i ' A. Fases da ação voluntária
l '
Por aí se vê que ilusão há em pretender provar o querer pela
ação de mecanismos motores. :S: o que se faz quando se diz: <Le- 1-. Descrição de Cousin. Foi Co11sm quem elaborou a primeira
vanto o braço porque quero levantá-lo>. Ora, nem o fato de levantar forma. do esquema voluntário, que, segundo êle, permite distinguir
o braço prova a presença de um ato voluntário, pois o animal se mo- três !ases sucessivas : a p1°edeterminação da ação a produzir, ou con-
ve a s1 mesmo sem que intenenha nenhum voluntário, nem o fato cepçao do fim a atingir; a deliberação, relativa aos motivos que se
de não levantar o braço significaria necessàriamente a ausência de têm de agir ou de não agir de tal ou de tal maneira; a decisão ou
vontade. Com efeito, pode haver juizo prático comandando um mo- ato próprio da vontade:s '
vimento ou uma ação, sem que êsse movimento ou essa ação se pro-
duzam, por parecerem ou serem impossíveis ou dificílimos. 2. Descrição de W. J'ames. W. JAMES retomou a descrição de
CousIN, precisando-a. No princípio da atividade voluntária, diz êle,
f' há uma represert,tação do fim a atingir. Depois vem a fase da de-
Doutra parte, o juízo prático só é real e eficaz na medida liber<,ção, que supõe: a concepçlio das diferentes alternativa s, a das
em que está na consciência de maneira a lhe assegurar a pre- razões pró ou contra cada uma delas, que são de ordem sensível e
ponderânc ia prática. ~le é, pois, a um tempo uma atividade afetiva (m6vetsJ , ou de ordem racional (motivos), e, finalmente, a
eletiva, enquanto escolhe um ato a produzir, e uma atividade discussão das razões. ·
inibit6ria, ao recalcar os juízes contrários . É o que explica o Até ai tudo se reduz a uma reflexão. Mesmo quando a dellbe-
ração conduz a um juizo especulativo do gênero «eis o melhor par-
estado de tensão da consciência quando se formula o juízo prá- tido>, ainda não há vontade, porquanto querer é decidir. A fase
tico de encontro a interêsses sensíveis poderosos, que impõem
um grande esfôrço de inibição. Mas essa tensão é acidental à
8 Cf. V. COUSIN, Fragments de Phi!osophie contemporai ne, pág. 24:
atividade v~lúntária : esta, como bem o mostram as experiên- "0 fenômeno da vontade apresenta os momentos seguintes: 1.0 , predeter-
minar um ato a fazer : 2.0 , deliberar; 3. 0 , resolver-se. Se não se tomar
cuidado nisso, a razão é que constitui o primeiro por inteiro, e mesmo o
plexo de idéias é de imagens pelo qual é necessário representarm o-nos o segundo, porque é ela também que delibera, mas não é ela que resolve e
ato para apreendermo s um objeto determinado ". "0 que falta", conclui se ·determina. Ora, a razão que aqui se mistura à vontade mistura-se-l he
P. JANET, "não é portanto um mecanismo de imaginária capaz de mexer o sob forma refletida: conceber um intuito, deliberar, supõe a idéia de reflexão.
braço, é o juizo prévio: "Quero mexer o braço para tomar tal cbjeto A r:flexão é, pois, a condição de todo ato voluntário, se todo ato voluntário
determinado ". supoe uma predetermina ção do seu objeto e uma deliberação ".
A VONTADE 526
524 PSICOLOGIA
longe
pois, a decisão, o «que- 509 3. Há que disting uir fasE-S? Esta critica vai muito maisão das
capital e essencial da atividade volunt ária é,Quanto à execução, que que as precedentes, visto negar o próprio principio da distinç
ro:. ou fiat soberano que deflagr a a ação. r ao querer: nem fases sucessivas.
cousm nem sequer menciona, é, de fato, exterio falta de gica, observa BERGSON
sua realidade é prova de vontade, nem sua aus~ncia prova --· -··-·- - · ar-· Teoria- 'bergso niana,- -A análise psicoló
(-Les donmées imméd iates de la conscience, págs. 107 consiste essen-
e segs.) , consiste
vontade.
em decompor o ato voluntário e em mostra r que· aêlereflexão sôbre· os
cialmente, para a vontade, aP?S a deliberação em ou
B. Discussão motivos e os móveis que nos impelem a agir, dar sobera namen te
a preferência a um dêles. A liberdade exprim e-se nessa eleição .
608 Essa descrição foi critica da de difere ntes pontos -de-vis ta, Mas esta anállse é falaz, porqua nto, de tato, o a.to volunt
ário admite
A decisão precede a dJe-
n- exatam ente a. ordem Inversa do da análise. ação
desigu almen te fundad os. Em primei ro lugar, JAMES , retoma posterior dela; por
ão de tem o cuidad o de mostr ar que a von- líberação, que não é ma.is que uma justific
do a descriç CoUSIN ,
outros têrmos , tudo se passa como se o efeito precede sse a causa.11
.
tade pode estar presen te em cada uma das fases do querer :,: que, na reallda de; todo motivo é express ivo do querer, e a vontad e
êle, isso signifi ca que a cada vez o ato de vontad e ser conceb ida como um poder estranh o que intervé m no
Mas, para o
não deve
arbitrá -lo sobera namen te,
implic a as fases sucess ivas da descrição. Ora, foi o própri conflito dos motivo s e dos móveis para
que ºêle supõe que BERGS ON mas como imanen te ao conjun to da consciência, da:.· qual é mero as-
princí pio desse esquem a e a ordem , o ato voluntá rio e livre é, não o ato escolhido
pecto. Neste sentido
vivam ente contestou. entre outros possi veis, mas o ato que empen ha tõda a pessoa na
nos exprim imos a nós mesmo s todo inteiros , 11
vê operação ação, o ato pelo qual
quais
1. A vontad e está cm tôdas as fases. Cousmdonão As fases e que, como tal, é indepe ndente dos motivo s e das razões pelas
própria da vontad e senão na fase da decisão ou fiat.
o justificamos, a tal ponto que multas vêzes «e. ausência de razão
para êle puram ente es- te livres
anteriores, represe ntação e deliber ação, são
é pouco conform e à expe- tangível é tanto mais evidente quanto mais profun damen
peculativas. Tudo isso, observa JIIJICES, IOIDOS> (BERGSON, loc. ctt., pág. 131).
riência psicológica, que nos mostra que a vontad e está. presen te em
t6d.a parte; quer dizer que cada uma das fases
do ato voluntário ente tem
sos. Assim é que, 510 b) Verdad e e falsida de do esquema. BERGSON certam
comporta atos de vontade mals ou menos numero o da ação ideo- razão de pôr em evidên cia o carâte r artiftcl al da anãllse psicoló gica
na deliberação, a vontade manife sta-se como tnibiçá do ato voluntá rio em fues distint as e sucessi vas: deliber ação, de-
motora das imagens e das idéias, que, deixad as a si mesmas, pro- ão. A verdad e é que, pràt1ca mente, essas
também como cisão ou volição , execuç
vocariam automà ticame nte o movimento e o ato, ,e que não resulta
que a deliberação
fw.ies muttas vi~ s4o interior es umas els outras, e também que ·a
atenção ativa aos motivos e aos móvels. Na decisão e que escolhe já é uma escolha e a escolha já uma execuç ão,
da vitória do motivo ou do móvel mais forte, é a vontad deliberação discursiva não raro vem depois da decisão , que as -ra-
soberanamente, por um ato positivo, o motivo ou ao o móvel que deve te razões de haver escolhido.
menos ·quancto zões de escolher são freqüe ntemen
prevalecer sõbre os outros. Na execttçáo, enfim, no mecanismo dR Tudo isso é verdade, mas não prova nada, porqua nto, de fato,
ela é difícil e longa, a vontad e deve intervir, não ia à idéia que coman - na análise psicológica, é de outra coisa· que se dblttnta trata. A dispersão
execução, mas para conservar sua prepon derânc e novas decisões. do ato voluntário em fases cronolà gtcame nte s não passa
da a execução. o que pode exigir novas .deliberações de um artifício de exposição, destinado a discer.n lr momen tos ló-
gicos ou elemen tos essenctats, mais do que fases
cronológicas (que,
2. A execução é · parte integra nte da ativida de voluntária. tos lógicos ou ele-
w.- faz questão de observ ar que, se a von- adem.ais, às vêzes são posslvels). 11 i:sses momen no pro-
Pôde-s e notar que JAMES
como tal, ·ainda mentos essenciais reenco ntram- se necessàrlamente mesmo
tade intervém ou pode intervi r na execução, esta, o pela de-
persiste exterior ao querer, todo e exclusivamente definid ca• im-
cisão ou pelo ftat. Há ai um êrro certo. Tôda i•olição autênti
. 9 Cf. Donnée s immédi ates, pág. 21:
"Interro gando-n os escrupu losamen te
sem ato que o exprim a e lhe dê corpo, o querer , delibera r, quando a
plica execttç ão:
do espírito , isto é, já não é a nós mesmos , veremo s que nos rucede pesar motivos
não passa de uma atitude especu lativa nossa resoluçã o já está tomada. Uma voz interior , apenas percept lvel,
· . o e sabes bem o
querel'.
do, em razão murmu ra: "Por que esta delibera ção? sabes-lh e o desfechquestão de salva-
Bem verdade é que, em certos casos, o ato é impedi tâncias exteriores. que vais fazer?" . Mas não importa ! parece que fazemos brusca da vontade
quer de uma deficiência orgânica, quer de circuns volição , esta não
guardar o princípi o do mecanis mo [ ... ] . A Interven ção
ncia tivesse o pressen ti-
Menos certo nã'o é, porém, que, se houve realme nteigualm ente a exe- é como um golpe de estado do qual a nossa inteligê
ção regular ".
se limitou a d-ecidir. uma escolha, mas decidiu -lhe mento, e que ela legitima de -antemão por urna delibera
cução e real~u -a na medtda do possível. Quanto
ao exemplo· do
e nunca executa o
°
1 Cf. Donnée s imméd¼ates, pág. 128: "l!: da alma inteira que emana
a série dinâmic a
fraco, que, ao que dizem, «decide:. com energia não «quer> ver-
ª· decisão livre; e o ato será tanto mais livre quanto mais ental".
que quer que seja, cumpre negar- lhe valor: o ofraco ato seguir- se-ia. A
a que êle se liga tender a se identifi car com o eu fundam que se assiste a
11 Isso se produz em certos casos mui complex os, em
dadeira mente: se houvesse nêle volição real, querer, lhe com- es múltipl as de ui:n
execução ou o ato não são, pols, exteriores ao é deciid:irmas uma delibera ção muito longa, que compor ta oscilaçõ tomada.
põem um dos elementos essenciais. Se querer , a verdad eira partido a outro, antes que uma resoluçã o definiti va seja
decisão comiSt e em executa r.
&26 PSICOLOGIA
A VONTADE· 527
cesso . voluntário instantâneo. O esquema de Cousm e de JAMES é ou. mandar, isso equivale a dizer que o ato de vontade consiste
pois, Inaceitável no sentido cronológico. Mas, se o entendermos n~
sentido lógico, êle sublinha justamente, ao distinguir deliberação e em querer. Pura tautologia .e petição de princípio, que dá ape- __
decisão, e fazendo abstração do desenrolar temporal, o caráter ra- nas uma explicação ilusória;
cional da. escolha voluntária. Pouco importa, ·com efeito, que o atO'' ~"~' ,-,,,,,·,;A·",fonte'-dêsse êrro--deve ser ·buscada na concepção que faz
de escolha ou decisão seja, temporalmente, anterior à. exposição dis'- da vontade uma faculdade exterior aos elementos que compõem
cursiva dos motivos: é necessário, mas basta, que êsses motivos se-
jam realmente imanentes à decisão; fazendo corpo com ela, êles, no 0 ato voluntário, como uma máquina é exterior aos produtos
entanto, é que a explicam e que, a êsse título, lhe são lógicamente que fabrica. Assim concebida, a vontade é uma espécie de
anteriores. A justificação post rem só faz é traduzir a certeza de potência soberana, que assiste aos debates da consciência e,
que a decisão tinha -a sua fonte profunda n_a razão. quando lhe convém, produz atos voluntários com a mesma na-
turalidade com que a macieira produz maçãs e a figueira
BERGSON não está, portanto, errado em criticar as decom- figos. 18
posições arbitrárias do ato livre em que às vêzes se compra-
zem os psicólogos, ao ressaltarem, como outros tantos bloco., b) A vontade como faculdade. Esta crítica dirige-se in-
justapostos, fases que mutuamente se implicam. Mas se equi- contestàvelmen te contra certas concepções da vontade, notada-
voca quando pretende inverter os têrmos dessa análise e ta- mente contra a que está implicada no esquema de C0USIN e de
char de ilusão absoluta a deliberação. Isso é a um tempo des- JAMES. H Para lhe escapar, não basta, com efeito, dizer, como
conhecer o valor lógico do esquema e eliminar do ato voluntá- JAMES, que a vontade está em tôda parte na atividade voluntá-
rio o que êle tem de mais característico, a saber: a iminência ria, p~is isso é apenas multiplicar a dificuldade, se se deve ter
da razão no querer. a vontade como uma decisão ou um fi,at suscetível de ser consi-
derado à: parte como um ato distinto de todos os outros. A ex-
Assim, nem a deliberação discursiva, nem a própria decisão, se periência não nos proporciona coisa alguma de semelhante: a
a considerarmos como uma arbttragem que põe fim ao conflito dos
:qióvels, são essenciais à vontade. Como mais acima se viu (506), sio vontade não se manifesta por estados especfuis; e o querer, como
apenas modalidades acidentais d.ela. Há atos perfettamente volun- ob~rva HõFFDING e como atestam os processos experimentais_.
tários que ·não comporta.m nem deliberação dtscurstva nem arb1tra- não pode ser isolado nem das razões de querer nem das coisas
g_em. Nem por isso são êles menos racionais e plenamente assumidos queridas.
~lo sujeito que os produz. A deliberação e a decisão nada mais são,
na sua essência, do que ·essa racionalidade e essa assunção, e essas Não quer isso dizer que a vontade não seja uma faculdade,
duas coisas, por sua vez, não fazem senão uma, que, como veremos em isto é, uma potência original, distinta da inteligência e do ape-
Moral, é o voluntário (voluntartumJ.1 2 tite sensitivo (pelo menos teremos de investigá-lo), mas somen-
'i": te que uma faculdade · ou princípio de atividade não pode ser
511 4. Critica. do vohmtari81Do, apreendida fora dos atos que del,a derivam. Psicologicamen te,
a inteligência é o conjunto das operações intelectuais; a vonta-
a) Círculo 'Vicioso do voluntarismo. Outra dificuldade de, do mesmo modo, é o conjunto das operações chamadas vo-
que o esquema em questão parece comportar, mesmo se só o luntárias. A questão é saber em que é que consistem exatamen-
tomarmos no seu sentido lógico, é que êle nada explica. Com te essas operações.
efeito, faz consistir o querer na decisão. Mas decidir e querer
são uma só e mesma coisa, de sorte que, quando se afirma que · Foi no sentimento do esfôrço que W. JAMES quis descobrir o es-
o ato voluntário consiste essencialmente em decidir, escolher tado psicológico de vontade. ~e sentimento, diz êle, acompanha o
querer ou a atenção que vai «no sentido da maior resistência> e se
encontra cada vez que se apela para «um motivo raro e ideal a fim
12 É o que SANTO TOMAS mostrou muito bem (la. llae, q. 8-17), ao de neutralizar as impressões habituais e instintivas> (Précts de P81J-
analisar, com profundeza admirável, o processo psicológico do ato livre.
Para êle, é absurdo imaginar a vontade como um cirbitro que faz prevelecer 18 Cf. EBBINGHAUS, Précis
de Ps11chol.ogie, pág. 117. BINET, Année
um dos partidós em conflito, como se ela pairasse acima das partes. · Em Psvchologlque, t. XVII (1911), pág. 36. Dr. BLONDEL, T-raité de Psvcho-
realidade, por Jier essencialmente tendl!ncia, a vontade não poderia super- logie (DUMAS), t ll, pág. 371. J . SEGOND, Traité de P81Jchologie, pág. 432 .
por-se às tendêncfas, do contrário cairíamos numa regressão ao intinito. A 14 Essa concepção vem,
aliás, em linha reta, do cartesianismo. Para
arbitr~gem, na medida em que é requerida, depende do julgamento da razão, DES.<?ARTES, a vontade é uma faculdade autônoma, porque é de amplitude
e o papel da vontade é tender paro um fim concebido pela -razão, sem ser infiru:a, visto só consistir em querer (e não em querer isto ou aquilo), e,
necessitada, em razão de sua própria indeterminação, por nenhum dos bens em si, querer não comporta nenhuma limitação. "Não se concebe a idéia
finitcs que a razão lhe propõe. de nenhuma outra vontade mais ampla e mais extcnsan (Quarta Medita-ção) .
r;:;1\jULUGIA A VONTADE 529

chologie, pág. 589). Mas há ai êrro. O sentimento de esfôrço ou tfe todos os outros desejos. Por êsse próprio fato êle se to~na von-
tensão não é característico do querer. Por uma parte, há atos de tade. Ora, se a primeira condição se compreende por s1 mesma
vontade ou_ de atenção voluntãria .que custam pouco; e, mesmo, al-
guns que vao no sentido dos interesses espontâneos não custam es- (pois a gente pode deseja~ o imp?ssi~e!, mas só, pode querer o
fôrço algum. Por outra parte, poder-se-ia dizer que a quantidade possível-), _a segunda, qu,: e ~ssen~1al, e. mcompat1vel com o, qu:-
de esfôrço é Inversamente proporcional à potência do querer. De . rer mostrando a experienc1_a ps1col~g1ca que o q'lfer~r estaA tao
fato, o sentimento de esfôrço é mais familiar aos Indecisos e aos ~,--·- 1onie" êfe-- redüzif::se··ao·-ã,êsefo dominante, _que, muitas ?JeZe~<;,
abúlicos do que aos enérgicos. Enfim, os testes levaram-nos a con- entra em conflito com êle, e que, quando vai na m.esma direçao
siderai· a atividade voluntária como distinta do estado de tensão oo
de esfôrço. · que êle, fá-lo escolhendo-o, e não sujeitando-s~ a ~le. Na ~e-
dida em que o desejo acarreta por sua_p_rópria força a _açao,
ART. II. TEORIAS DA VONTADE temos o sentimento de ceder a uma especie de constrangimen-
to, que é o contrário mesmo da vontade. 15
512 As teorias da vontade são tão numerosas quanto os elemen-
tos que intervêm no movimento voluntário, pois ora por. um e B. Vontade e afetividade
ora por outro dêsses elementos é que os psicólogos têm tentado :':t

definir a vontade. O estudo dessas teorias vai ajudar-ri.os a 618 1. A atividade impulsiva. WUNDT parte do fato de tôda
precisar a natureza e o papel dos diferentes fatôres da_"ati'Vi- representação forrar-se de um estado. afetivo, de ~odo es-
dade voluntária. tado afetivo ser acompanhado de movimentos viscerais e or-
gânicos, geralmente inconscientes. Quando as circu~stâncias
o permitem, os sentimentos que forram as representaçoes org3:-
§ 1. TEoRIAS SENSUALISTAS nizam-se e reforçam-se entre si, e produzem a emoção, que é a
resultante original dos afetos elementares. A emoção, por seu
Na categol'ia das teorias sensualistas entram tôdas &li turno, provoca movimentos ou atos que podem ter por efeito
doutrinas que reduzem a vontade quer ao desejo (CoNDILLAC), fazê-la desaparecer (assim o animal faminto que salta sôbre a
quer à afetividade (WUNDT, LEWIN), quer à associação das prêsa e a devora: a fome cede ao prazer de se fartar) .
sensações e das imagens (SPENCER-RmOT). É isso mesmo saber, a emoção e o ato que ela provoca e
A. Vontade e desejo
que a faz desapar~cer, que co!1stitui? proces~o. volun~rio. ~ob
sua forma mais simples, consiste, pois, na atividade 1mpuls1va,
.•. 1. Vontade e desejo predominante. CoNDILLAC não vê
ato voluntário simples determinado por um sentimento único.
No homem, o processo voluntário torna-se, as ~ais_ das vê~es,
na vontade senão um desejo predominante, da mesma maneira ato de escolha nisso que um sentimento de hes1taçao, nascido
que, para êle, a atenção se reduz a uma sensação·predominan- do conflito entre diversos motivos e móveis, traduz as oscila-
te. "Se a estátua", escreve êle, "se lembrar de que o mesmo de- ções das fôrças afetivas presentes, até a vitória de uma delas.
sejo que ela· agora concebe foi, .de outras vêzes, seguido de Em todos os casos, a representação, que desempenha o papel
prazer, alegrar-se-á à proporção que maior fôr sua necessida- de motivo é acompanhada de um sentimento que desempenha
de. Assim, duas causas contribuem para sua confiança: a ex- o papel d~ móvel: são sempre os móveis que têm a importân-
periência de haver satisfeito semelhante desejo, e o interêsse cia decisiva (WUNDT, Physiologische Psychologie, 5.ª edição
de que êle ainda seja satisfeito. Destarte, ela não se cinge e. XX.VII).
mais a desejar, quer; porque por vontade se entende um desejo
absoluto e tal que pensamos que uma coisa desejada está em 514 2. Discussão. Podem-se reduzir a dois pontos principais
nosso poder" (Traité des Sensations, 1.ª parte, III, § 9). as observações que essa teoria suscita.
· 2. Discussão. Verificamos que o movimento voluntário a) Vontade e reflexo. A dificuldade capital da teoria de
implicava necessàriamente a atualização de uma tendência, WUNDT é que confunde a atividade voluntária e_ a !tivid~de
sem o quê o'movimento seria inconcebivel. O desejo é a fornia reflexa, que só difeririam por seu gra'!- de compl_icaçao ps1co-
da tendência ~m ato. Mas será que êle basta para constituir o .fisiológica. De fato, até o reflexo deveria ser considerado como
q~~rer? Basta, afirma C0NDILLAC, com duas condições : pri-
meiro, que verse sôbre uma coisa possivel, e, depois, que exclua 15 Cf. G. LE ROY, La Psychologie de Condillac, Paris, 1934
530 PSICOLOGIA
A VONTADE 531
uma degradação da atividade voluntária. Esta, com efeito, na Pode-se observar outro aspecto paradoxal dessa teoria, assim
medida em que a representação (motivo) perde sua tonalidade como da de CoNDILLAC. Tudo nela se· d_e'fine ~m têrmos de a_fetivi-
afetiva, tende a tornar-se puramente automática: a excitação dade, não valendo a própria_ re:presentaçao senao_ pe~o seu coeficiente _
produz imediatamente a reação, como no reflexo. Por conse~-, ·' ·'" afetivo. Uãt se· segue· que so ha difere~ç9: quant1tat1và entr~ os afe-
qüência, pode-se igualmente dizer que o reflexo é um ato vo- tos que derivam das necessi~des orisamcas (~orne, s~x_ualldade) e
os sentimentos oriundos dos 1mperat1vos morais e rellg1osos.
luntário simples, e que o ato voluntário é um reflexo de certa
complexidade, o que equivale a afirmar ao mesmo tempo que e. Vontade e campo psíquico
não há vontade, mas unicamente processos afetivos seguidos
de reações motoras, e que a vontade está em tôda parte na cons- 516 1. Teoria gestaltlsta. LEWIN proporcionou aos Gestaltistas
ciência, a título de dinamismo psíquico. 16 sua fórmula da atividade voluntária. 18 A vontade, diz êle, não pode
ser atingida diretamente, e o «quero» nunca é a prova suficiente dela.
Estamos longe, por isso, daquilo que a análise da consci- Mais vale, pois, reccrrer a uma análise funcional do dinamismo psi-
ência nos impõe. Porquanto a experiência do querer é exata- quico. Dêste ponto-de-vista, somos levados a distinguir «ações de
mente o contrário de uma experiência de impulsividade e de campo» e «ações controladas». Há, efetivamente, casos em que o
passividade. As observações feitas à tese de CONDILLAC have- ato depende inteiramente das fôrças que formam o campo exterior
ria que reiterá-las aqui, não passando a afetividade, como não ao sujeito, e casos em que depende das fôrças controladas pelo su-
jeito (campo psíquico),
passa, de um aspecto do desejo invocado por CONDILLAC. · o ato voluntário pertence. evidentemente, a êste último tipo.
Será, porém, que isto basta? Não parece, porquanto as próprias ati-
515 b) Motivos e móveis. A teoria de WUNDT sustenta que vidaães impulsivas e instintivas são, por sua vez, realmente contro-
ladas pelo sujeito. Que há, pois, de especial na atividade voluntária?
nos- complexos "representações-sentimentos", isto é, "motivos- o seguinte, diz LEWIN: a organização das fôrças do campo externo
móveis", que são as "razões" de nossos atos, os sentimentos ou e do campo psiqulco é aí inteiramente outra que na atividade re-
móveis prevalecem sempre, porque as representações só podem flexa. Esta, que é do tipo máquina, define-se pela uniformi~~de e
agir por intermédio da afetividade. Ora, há nisso grave equí- pela infalibilidade da reação aos estimulas externos. Na at1v1dade
voco. De feito, se é certo que a motricidade pertence, não às voluntária há interdependência entre o campo externo e o campo
psiquico: aspecto do objeto depende do sujeito, mas a necessidade
representações, mas ao complexo afetivo que elas despertam do sujeito depende do aspecto do objeto. 10 Por outras pitlavras. cam-
daí não se segue, como o supõe WUNDT, que êsse complexo afe: po externo e campo psíquico dão nascimento a um campo total que é
tivo-motor se imponha fatalmente. É justamente a caracterís- o resultado de uma tensão entre as fôrças em presença. Daí é que
twa do voluntário que uma representação, mesmo poderosa- nasce a experiência do querer, que outra coisa não é senão o senti-
mento dessa tensão, variável segundo a ação das diferentes fôrças
mente afetiva, possa ser inibida ou recalcada e substituída por que a entretêm, a transformam ou a resolvem. A vontade reduz-se,
outr~. Sem dúvida, por êsse mesmo fato, é outro complexo pois. aqui a um sentimento de conflito.
afetivo-motor que toma lugar na consciência. Mas precisa-
mente o voluntário é assinalado· por êsse poder de dominar o 517 2. Discussão. Dessa teoria pode-se dizer, em geral, que nada
curso das representações e, portanto, o curso da afetividade. explica. l!: certo que, seja qual fôr a natureza da vontade, nunca se
Da mesma sorte que a representação só age por intermédio da poderia apreendê-la à parte das fôrças que utiliza. Dêste ponto-de-

.
vista, tôda descrição da atividade voluntária concreta pode, teorica-
afetivida_de, a afetividade só é possível pela representação, tanto mente, reduzir-se .a um cálculo de fôrças, e o ato de vontade defi-
que dommar a representação equivale a dominar a afetivida- nir-se como a solução ou como a modificação de um estado de ten-

,..,
de. 17 Esta é a conclusão capital, confirmada aliás pela expe- são. Mas isso só é legitimo na medida em que não se pretender pôr
riência a que nos leva a discussão da teoria de WUNDT. ; i. tôdas as fôrças no mesmo plano, como se fôssem da mesma natu-
reza. Todo o problema da vontade consiste justamente em saber
se mna fôrça de gênero especial e absolutamente original nfío in-
tervém no conjunto das fôrças definidas pelo ststema afetivo-mo-
1c Cf. DUMAS, Nouveau Traité de Psychologie, c. VII, pág. 353
(Dr. BLONDJ!':L). tor. 20 Que essa fôrça não possa ser apreendida separada das outras
1
7 A teo~ia de MC DOUGALL, que geralmente se define como volunta-
rista, de fató é, puramente sensualista, e do mesmo tipo que a de WUNDT. 18 Cf. VORSATZ, "Wi!!e und Bedii.rfnis", em Psychologische Forschung.
Por isto, merece as mesmas críticas. MC DOUGALL admite realmente que o t. VII (1926) , págs. 330-385.
ato voluntário se expressa num juízo do gênero "eis o que devo fazer". Mas, to Cf. GUILLAUME, La Psychologie de la Forme, pág. 135.
para êle, êsse próprio juízo é mero resultado das disposições emocionais, nas 2
0 KOFFKA (Principies of Gestalt Psychology, pág. 419), fazendo notar
quais se deve ver a raiz afetivo-motora (conative-affective root) de todo o que se fala de vontade quando a solução (ou a resolução) foi controlada,
sistema consciente (cf. An 1-ntroduction to social psychology, pág. 438). acrescenta que o contrôle não faz senão criar uma nova estrutura do campo
'\
532 PSICOLOGIA A VONTADE 533

não l;-utoriza a negá-la, tampouco como seria legítimo negar a orl- aparecer os estados afetivos. Com o instinto, o processo cere-
ginalldade da atividade vdtuntária pela razão de ela se exprimir pe- bral complica-se ainda. mais, e por isso torna-se mais lento,
los mesmos mecanismos neuromusculares por que o fazem o reflexo
e o instinto. 21 dando margem a que a consciência compreenda não só as sen-
sações atuais, como também as imagens e idéias das excitações
§ 2. TEORIA FISIOLÓGICA e das reações passadas. Quando se passa do nível dos movi-
mentos específicos para o dos movimentos individuais, a extra-
518 O ponto-de-vista desta teoria é que a vontade deve expli-
ordinária complexidade das vias nervosas e dos mecanismos
car-se, co~o todos os ou~ros fatos psíquicos, pela fisiologia ge-
ral. Partmdo da sensaçao, que é a mera expressão consciente cerebrais dá uma intensidade especialíssima ao fenômeno de
de modificações moleculares, deve-se chegar, por via de dife- interferência do passado e do presente. ~ste, doravante, já
renciação e de complicação progressivas das condições elemen- não é coisa absolutamente nova; desperta as excitações e as
reações passadas de natureza análoga, e por êsse próprio fato
tares, ao fenômeno da vontade.
compreende-se que haja consciência de várias respostas pos-
1. Tese as.sociacionista. Os associacionistas, e parti- síveis, e, em todo caso, que se possa prever e antecipar a rea-
cularme1;1te BAIN_ e_ SPENCER, tentaram montar, peça por peça; ção (idéia ou movimento) que vai produzir-se. A vontade não
o mecanismo defmido como vontade, ou, se se quiser, descrever é outra coisa: explica-se tôda, e até nas suas f Mmas mais com-
~s et~~as ~a evolução que, parti_ndo_ do reflexo simples, vai ter plexas, como previsão ou antecipação da idéia ou movimento
a vobçao. Em sua forma mais simples, o reflexo não passa que vão produzir-se, corno resposta a uma situação dada. 2ª
de um fenômeno de associação de vias nervosas. Pouco a pouco, TH. RmOT, em Les mcaadies -d.e la volonté, Paris, Alcl:!,n, 1919,
pelo fato de se acumularem as experiências individuais sensi- adota êste ponto-de-vista, embora sob forma um pouco diferen1.e.
velmente ?niformes, a organização do sistema nervoso adapta- A volição, diz êle, que é impulsão e inibição, há que defini-la como
se ao meio e torna-se hereditária : aos reflexos simples j un- «a reação própria de um individuo:,,, o que tem um sentido slnlul-
tam-se os reflexos compostos e os comportamentos específicos. tâneamente fisiológico e psicológico: «Fisiologicamente, isso significa
que o ato voluntário difere tanto do reflexo simples, em que uma. só
Um nôvo progresso é assinalado no homem pelo fato de o cére- impressão é seguida de um conjunto de contrações, como das forJllas
bro, tornado preponderante, já não ser um simples lugar de mals complexas, em que uma só impressão é seguida d.e um conjunto
p~ssagem para os excita_ntes, mas sim um instrumento prodi- de contrações; e que é o resultado da organização nervosa inteira,
giosamente complexo de mforrnação, de elaboração e de reação. que por sua vez reflete a natureza do organismo todo e reage em
conseqüência> (pág. 32). Por isso cumpre dizer que «o eu quero con-
Todos os fenômenos psicológicos podem deduzir-se dêsse signa uma situação, mas não a constitui».
estado nervoso, e especialmente do estado cerebral. Ao nível
do ;~flexo simples, a consciência (quando existe) reduz-se a 519 2. Discossã.o.
ver1f1car, sob forma de sensações. diversas sobretudo cinesté-
sicas, a excitação sofrida e a resposta q~e dela automàtica- a) Psicologia e fisiologia. Na medida em que esta teoria
mente resulta: q?Aan~o ao que ocorre no entremeio, escapa to- tendesse somente a mostrar que tôda atividade psiquica é, de
talm;nte à consc1enc1a. As coisas se passam do mesmo modo alguma sorte, subentendida ou condicionada por fenômenos
ao mvel dos reflexos compostos, com esta diferença entretanto : orgânicos e fisiológicos, não suscitaria nenhuma objeção dê
que a complicação e duração dos processos nervosos fazem principio. Poder-se-ia observar que os dados da fisiologia ner-
vosa ainda são muito imprecisos. Mas nada proíbe esperar
total, e que tudo s~ reduz, depois, ao mecanismo. Mas é sempre deixar em que se chegue a precisá-los, e, aliás, há alguns pontos que pa-
suspenso o verdad~iro problema. Sem dúvida, o contrôle que intervém (sob recem definitivos. Assim é que ao mecanismo de inibição cor-
a. f~rrna de urna "intenção", Isto é, de uma idéia) é uma fôrça que vai mo- respondem, no plano fisiológico, os fenômenos de interferência
dificar a estrutúra do campo em que êle se introduz. Será porém urna fôrça
~orno as outra's?_ Conhecer uma fôrça exige que se leve err: conta ~a direção
das 'Vias nervosas descritos por LAPICQUE (I, 439). Julgou-se
isto é, sua qualidade. ' mesmo, no que concerne à vontade, poder distinguir músculos
21 , ~onviria · observar também que a atividade voluntária não supõe voluntários (músculos vermelhos e estriados) e músculos in-
necessariamente a consciência de uma tensão de ordem afetiva. Já fizemos voluntários (músculos brancos e lisos). Mas esta divisão é
êste reparo a propósito do "sentimento de esfôrço" de W. JAMES.
22 Cf. H . SPENCER, P,-incipes de Psychologie t I 4 a parte c IX pági-
na 218. ' · ' · ' · ' 28 Cf. D~S. Nouveau Traité ié Psychologie, t. VI, pãgs: 345 e segs.
534 PSICOLOGIA A VONTADE 535

das mais duvidosas : de uma parte, o coração, que é um músculo justiça, sociedade, Deus, etc.) que dificilmente se explicarú
estriado, não está sob o império direto da vontade; de outra pela fisiologia! ··
parte, os mesmos músculos podem servir t;mto para os reflexos
como para os movimentos voluntários. Antes pareceria que § 3. TEORIAS INTELECTUALISTAS
a distinção do voluntário e do não-voluntário se reduz, fisio-
logicamente, a uma diferença no modo de inervação. A iner- 6~1 1. A vontade reduzida à int.eligência. As teorias inte-
vação voluntária parece utilizar normalmente o feixe pirami- lectualistas que reduzem a vontade à inteligência apresentam-
dal que atravessa a protuberância e o bulbo para se dirigir à se sob duas formas diferentes, definidas pelos nomes de
medula e levar aos músculos do corpo as incitações vindas do SPINOZA e de HERBART.
cérebro. Mas essa inervação também pode fazer-se por outras
vias, por exemplo mediante excitações que chegam quer do a) A vontade como faculdade de afirmar e de negar.
tálamo ( cérebro intermediário), quer de outras regiões do SPINOZA distingue três gêneros de conhecimento: a imaginação,
córtex. que só atinge os fenômenos e os modos passageiros e só nos
proporciona idéias confusas; o entendimento, que pelo racio-
520 b) Paralogismo psicofisiológico. Nada é, pois, mais certo cínio se eleva até ao conhecimento das causas e nos oferece
do que o aspecto orgânico e fisiológico de todos os fatos psí- idéias claras; a ciência intuitiva, que é o conhecimento per-
quicos. Daí se pode, porém, inferir que a consciência é ade- féito, adequado, absoluto, visto que nos faz apreender o real
quadamente explicável pelos mecanismos fisiológicos e _pelos "sub specie aeterni".
processos de diferenciação e de complicação que aos poucos se A teoria da atividade corresponde à do conhecimento. A
teriam produzido no curso da evolução? Esta maneira de ra- lei fundamental de tôda atividade finita assim se enuncia:
ciocinar implicaria ao mesmo tempo um postulado gratuito e tôda coisa esforça-se, tanto quanto está em seu poder, por
um sofisma: com efeito, de um lado o apêlo à evolução, sob a perseverar no seu ser, e êsse esfôrço nada mais é que a essên-
forma que êle aqui reveste, não passa de uma hipótese, e das cia atual dessa coisa (Ética, III, t. 6 e 7). Chama-se-lhe
mais arbitrárias; ademais, a argumentação consistente em, do vontade quando êle se refere só à alma, e apetite e desejo
fato de o aspecto fisiológico e o aspecto psicológico serem con- quando se refere ao mesmo tempo à alma e ao corpo. 25 O
juntos, deduzir imediatamente que o psicológico se reduz ao fi- desejo é o principio de tôdas as paixões. A vontade corres-
siológico, e que a consciência é mero epifenômeno, esta argu- ponde às idéias claras da razão, como a paixão corresponde
mentação constitui um paralogismo evidente. 24 às idéias confusas da imaginação. E' a / aculdade de afirmar
Se nos colocarmos mais particularmente no ponto-de-vista e de negar, e não o desejo,· quer dizer, confunde-se com o de-
da vontade, aqui com-0 alhures a consciência-epifenômeno apa- terminismo próprio à idéia. A vontade e a inteligência são,
rece incapaz de explicar o dado experimental. A volição, seja pois, uma só e mesma coisa (Ética, II, t. 49).
lá o que fôr da stia natureza, absolutamente não é uma cons-
ciência de antecipação de uma idéia que vai nascer ou de um b) A vontade como resultado do dinamismo das repre-
Jhovimento que vai produzir-se, isto é, uma consciência espec- sentações. No sistema de SPINOZA, a vontade acha-se a tal
tadora; é uma consciência de atividade. Por outro lado, a ponto identificada com o determinismo da idéia clara, afir-
açã-0 da vontade implica a intervenção de todo um sistema d,, mando-se por si mesma pelo simples efeito de sua clareza, que
valores e de imperativos morais (dever, bem e mal, obrigação, a noção de fôrça ou de dinamismo só tem sentido fora da von-
tade, no desejo e no apetite. E' sôbre êste ponto que HERBART
modifica a teoria de SPINOZA. Para êle, a realidade psicoló-
24 BERGSÓN insistiu muito sôbre êste ponto. Cf. L'energie spirituelle,
pág. 38: "Qóe nos diz a experiência? Diz-nos que [ ... ] a vida da cons- • gica só é feita de representações e de suas relações. Mas
essas representações, enquanto tendem a perseverar no ser,
ciência está ligada à vida do corpo, que há solidariedade entre ambas, e
nada mais. Mai êste ponto nunca foi contestado por ninguém, e vai grande são dotadas de dinamismo interno : reforçam-se mutuamente,
distância daf a sustentar que ·o cerebral é equivalente do mental, que se
poderia ler num cérebro tudo o que se passa na consciência correspondente . . .
25 Apetite e desejo são sinônimos, exceto em que o desejo implica a
TUdo o que a observação, a experiência e, por conseguinte, a ciência nos
idéia de consciência: "0 desejo é um apetite do qual se tem consciência"
permitem afirmar é a existência de certa relação entre o cérebro e a ccns- · :'
(Ética, III, escólio do teorema IX).
clé'·ncia ".
537
536 PSICOLOGIA A VONTADE

fundem-se urnas nas outras ou se recalcam abaixo do limiar deve levar em conta tôda a expe_1:.,iên_cia definida como at~vi-
da consciência. As representações assim recalcadas continuam dade voluntária. Ora, ess~ experiencia apre~enta-se e~sencial-
a subsistir, mas sob forma de tendênciás. 11:sse conflito das " -···merite como a "de unt confhto--de representaçoes (móveis e ~o-
representações com as tendências é que os estados afetivos e tivos) dentro da consci?n~ia, conf_li!o que deve ser_ resolvid~
voluntários traduzem, estados que não têm, pois nenhuma rea- por um fiat que constitui a decisao. ~orno exp~~c!1r esta_.
lid~de específica distinta da das representações'. Simples mo- JAMES viu muito bem que a vontade designa uma força adi-
dahdades destas últimas, a afetividade e a vontade são mero cional" suscetível de pôr fim ao conflito. Mas não chega a
aspecto do conteúdo representativo da consciência: a afeth1- explica~ de onde vem essa fôrça adicional. Para_ explic~-la,
dade traduz o conflito das representações, a vontade traduz é mister ultrapassar o indivíduo e a~elar para os imperat~vos
o desejo acompanhado da idéia de sua realização. coletivos, que não cessam de pesar sobre nós e de_ determmar
um comportamento diferente daquele que resultaria do dete:i--
2. Discussão. Sob essas duas formas, o ponto-de-vista minismo dos desejos e apetites individuais .. A vont~e é, P!'is,
intelectualista é igualmente inaceitável. De feito, fazendo da propriamente a re8'istência que os imperativos coletivos opoem
vontade uma simples modalidade da idéia clara, SPINOZA cho- aos nossos apetites individuais e a ordem que éles lhes
ca-se com o fato psicologicamente certo de que as idéias não impõem. 28
agem por seu conteúdo representativo, mas S'im pelas tendên- Dêste ponto-de-vista, confessa o Dr. BLONDEL, o fia_t é
cias e sentimentos que atualizam. Reconhece-o de certa ma- muito menos decisão do que, "propriamente falando, obediên-
neira, HERBART, visto considerar a representaçã~ como dotada cia obediência consentida, se se quiser, mas sempre obediência,
de fôrça própria. Sendo, porém, essa fôrça concebida como visto ~orno a consciência recebe de fora sua lei" (Nouveau
resultante da representação como tal, acaba por fazer do su- Traité de Psychologie, t. VI, pág. 365). Sempre se pode falar
~eito um S'imples espectador do conflito das representações; de vontade, primeiro porque a obediência aos im~erativos co-
impossível, com efeito, imaginar que o sujeito intervenha no letivos acaba por nos formar uma nova personahdade: asse-
conflito, pois essa intervenção implicaria a existência de uma gura à nossa ação um poder, uma ~o~tin~uidade eu~ coerênc_ia
fôrça diferente da das representações; pela mesma razão, não que ela não teria se cedesse às sohcitaç?es do deseJo,. e, depoi~,
s~ pode sequer conceber que o sujeito tenha poder sôbre o mo-' porque se apóia num sistema de conceitos suscetiveis de apli-
vimento das representações. Assim, a volição é um fenômeno car-se a tôda a conduta humana; graças a êles, a atividades
em que o sujeito não toma parte ativa. ·
· Por outro lado, nas duas teorias, o desacôrdo da repre- voluntáriJI. é ao mesmo tempo uma atividade racional.
. 1 sentação e da açã.o torna-se ininteligível. 11:sse desacôrdo é ·
no entanto, freqüente: pode alguém ter uma inteligência no: 524 2 . Discussão. Esta teoria depende de postulados cujo
tável e um coração mau, uma ciência prodigiosa e uma virtude caráter arbitrário mais acima mostramos ( 402-403). N n
~e~iocre; pode-se valer mais ou menos do que as próprias questão da atividade voluntária, ela não parece conseguir dar
idéias. Do mesmo modo, o conhecimento pode ser imperfeito uma explicação satisfatória da experiência do quer?r: Com
e gerar uma paixão violenta; e, ao contrário, a paixão pode efeito se como o admite DURKHEIM, o querer é atividade e
ser fraca, com um conhecimento perfeito. Em suma se é decisão, ~omo pode essa experiência nasc~!" ~a obediência a
inteiramente certo que uma vontade sem inteligência ~ntece- imperativos impostos de fora? Tal obed1encia, mesmo con-
dente ;é uma impossibilidade psicológica, o querer não poderia sentida é obra de coação, isto é, exatamente o contrário do
querer, ' que aparece como autonorma
• e l"b
i erda de.
27
reduzir-se nem a uma idéia, nem a um conflito de idéias nem-
a um juízo especulativo. Como o faz notar RIBOT êle ~igni-
fica uma «áfirmação prática", quer dizer, um juizo que co- 2.6 Cf. DURKHEIM, L'éducation. mo-rale, págs. 46-47: "Graças à auto-
manda ,um ~to ou. um movimento. · ridade que nelas está, as regras morais são verdadeiras fôrças com que s.e
vêm chocar nossos desejos, necessidades e apetites de tôda so~te,. quando ten-
§ 4. TEORIA SOCIOLÓGICA dem 3 tomar-se imoderados [ ... ] . Bem as sentimos como tais todas as v_ê zes
que empreendemos agir contra elas: pois nos opõem uma resistência de que
529 . . . 1 . A vontade e os imperativos coletivos. Os filósofos nem sempre nos é possive1 triunfarmos. .
21 É sob a · forma de uma coação que. DURKHEIM concebe a ação das
da,'.escola sociológica admitem ser impÓssí'(tel reduzir a von- repr~~ntações coietivàs.. Mas essa noção é, nêie, vaga e equivoca (I , 256).
tade a um d'os seus elementos, e que UJD.a .teoria da vontade·
538 PSICOLOGIA A VONTADE 539

Verdade é ·que o Dr. BLONDEL (loc. cit., pág. 361) adverte razão é, pois, a um tempo inteligência e vontade, ou, noutros têrmos,
que, para descobrir uma vontade autêntica, há que se dirigir, _vontade e inteligência incluem-$e mutuamente.
não à massa, que sofre os imperativos coletivos, senão à "élite",
'1 que cria os princípios diretivos de seu ·pensamento e de sua ·· A ·. A ·vontade como expressão da personalidade
conduta 28 • Todavia, ainda nisso a "élite" continua a obede- 1. A vontade como sínt.ese. Que a vontade seja uma
cer a alguma coisa que excede o indivíduo: "as consciências atividade sintética é o que ressalta da impossibilidade absoluta
de "élite" são unânimes em querer e em afirmar que os prin- de reduzi-la quer às representações, ,quer às tendências e im-
cípios diretivos, científicos, estéticos, econômicos, morais ou pulsos, quer aos estados afetivos e ao desejo. Ela é, de fato,
sociais, que lançam no mundo não são criações arbitrárias de a síntese de todos os estados, imagens e idéias, tendências e
seu capricho individual, mas sim verdades válidas para todos apetites, conscientes e subconscientes, que constituem o eu num
os homens". Mas, diremos nós, essas "élites", do ponto-de- momento dado. 30 Encaremos dêste ponto-de-vista os doia
vista sociológico, manifestam muitas pretensões! Supondo casos possíveis de volição: com ou sem conflito interior.
que estas sejam fundadas, não seria mais simples e inteligível Na ausência. de conflito entre idéias e tendências antagô-
.1
admitir que os princípios e as regras a que essas "élites" se nicas, a personalidade exprime-se de maneira harmoniosa e
r~ferem excedem ao mesmo tempo o indivúiuo e a sociedad<i, simples: o ato de vontade é apenas a adesão inteligente aos
visto ser em nome delas que pretendem transformar os indi- fins indiscutidos da pessoa inteira. No conflito, a vontade
víduos e a própria sociedade? 29 Sem dúvida, assim se ex- significa uma reação do todo sôbre um dos elementos, ou uma
plicaria, muito melhor do que pela pressão dos ideais coletivos, espécie de coalizão momentânea de tendências múltipl,as contra
a experiência do querer e, em particular, o sentimento de que, uma tendência particul,ar. Por aí se vê tudo o que há de ina-
obedecendo ao dever, obedecemos não a uma coação externa, dequado na hipótese do "motivo preponderante" ou das "ten-
mas a uma exigência da razão. dências dominantes", peloil quais se procura explicar a decisão.
'' ' Na realidade, o motivo não é preponderante, nem a tendência
ART. III. NATUREZA DA VONTADE dominante, senão enquanto são escolhidos, isto é, enquanto seu
'i '
poder depende menos daquilo que êles são em si mesmos do
i 5f6 A discussão das teorias que precedem não nos proporcio~ que do conjunto da personalidade. Do contrário, como se ex-
.!. nou 11õmente resultados negativos. Ao contrário, ajudou-nos plicaria o sentimento de esfôrço que acompanha a volição nos
a formar uma noção mais justa e mais completa da atividade
estados de conflito?
voluntária e, por conseguinte, da vontade. Agora já não te-
\:· 1 mo!! 11enão que reunir, à guisa de conclusão, os elementos dessa 6!6 2. A vontade como expressão da unida.de pessoal. Quan-
1
noção, que é a de um poder de atividade racional, expressi-vo do se fala de síntese para definir a vontade, é preciso tomar
t da personalidade inteira. · êsse têrmo em seu sentido mais estrito. A volição não é, com
!'. efeito, o resultado de uma coleção de tendências agrupadas ou
t, Os Escolásticos definiam a. vontade como um apetite ou tnclina- justapostas, do mesmo modo que um organismo não é o pro-
ção racional (appetitus ratlonalis sequens intellectum seu tendens ln
" objecta ab intellectu proposita). Jl: o mesmo ponto-de-vista que duto de elementos múltiplos e diversos. Ela é expressiva de
1, Aals'l'ÓTELl!'8 exprimia sob esta forma: «A vontade é o apetite pene- unidade e de organização, e a êste título é que traduz a per-
'1 trado de inteligência, ou a inteligência penetrada de apetite>. A sonalidade. A vontade será, pois, tanto mais poderosa e eficaz
quanto mais perfeita fôr a unidade pessoal, quer dizer, quanto
~ 8 Ao contrãrio, sob o ponto-de-vista sociológico pareceria que o fato
i1 de wf'rn os ideais coletivos deveria reforçar a consciência de vontade. Esta
'. I consciência deveria desaparecer nas "élites•, pelo próprio tato de criarem ao li: o que afirma RIBOT: "0 ato voluntário, em sua forma com-
elas o seu ideal e não mais aceitarem a pressão dos ideais coletivos. ·Tudo pleta, não ê e simples transformação de um estado de consciência em mo-
isso, verdadeiramente, não ê muito clero. vimento, mas supõe a participação de todo êsse grupo de estados conscientes
i ou subconscientes que constituem o eu num momento dado" (Les maladies
29 É o que- justamente BERGSON faz observar em Les deu:i: sou'l'ces de
la vo!onté, pág. 32). Todavia, sabe-se (518) que, para RIBOT, êsse "con-

;
la MoTale et de la Religion. ~le admite uma moral •estática e fechada" re-
duzida aos ~perativos coletivos. Porém, acima, há uma moral "din~ca Junto que constitui o eu" ê mero reflexo da organização nervosa. Dêste
e aberta•, prmcípio de progresso e de libertação, que deriva, não de socie- ponto-de-vista, a vontade não ê uma atividade racional, e a indeterminaç6o
dade, mas de crenças (BERGSON diz: de intuições que transcendem o in- que bem se lhe deve reconhecer ê a mera expressão de uma oscilação de
·.1
dividuo e a sociedade. fôrças antagônicas.
1
:~
1
A VONTAD E 541
540 PSICOLOGIA
Por exemplo, Paulo está ocupado em compor uma dissertaç ão
mais forteme nte organiz ado e hierarqu izado houver sido o pela qual não toma grande intP.rêsse, mas que deve acabarda e entre•
gar dentro de duas horas. Ao mesmo tempo tem em cima secre~
conjunt o dos apetites e das tendências. A vontade implica i
e de ,~:v.eutMI'.ª,S gu~ ..o apaixona . Cada vez que
uma concentração interior, ao passo que a- inconstância, a in- ·- .. ·······" ·'"""-,..,t;ária• um. ~romanc de lhé~'""
seu olhar incide no livro, êle experim enta um forte· desejo No
coerência, a instabil idade e o capricho signüic am uma espécie reatar a leitura e de abandon ar a dissertaç ão fastidiosa. en-
o
de dispersã o interna e manifes tam um psiquismo mais próxi- tanto, não o faz. Por que isso, senão porque o romance
presente , isto
é
é.
percebid
do bem,
em função da noção do dever
mo da colônia que do organism o. e apreciad o
e não simplesm ente i.zob o aspecto particula r de distração agradáve l?e
o ponto-de -vista «leitura- contrári a-ao-dev er» entra em conflito,
B. A vontade como apetite racional prevalec e sôbre o ponto-de -vista deitura-a paixonan te~. Os doistn-
pon tos-de-v ista são tnteriore s à represen tação, mas s,upõem uma
527 1. O bem conhecido, objeto da vontade. Ao de:finir a teligênci a que os perceba.
vontade como uma inclinação ou atividad e racional, quer-se
frisar não sõmente que essa atividad e ou inclinação tem seu 528 3. Deter mi~ e indete rmin~ . As observa ções pre-
princípi o primeir o e sua condição essencial numa represe nta- cedentes dão conta, a um tempo, da determi nação e da inde-
ção que propõe às tendênc ias um objeto a procura r ou de que termina ção da vontade . Com efeito, a volição é determi nada
fugir (porque também a atividad e instintiv a procede de uma pelo bem percebido, e só se exerce em função do bem. Tôda
represen tação), mas também e antes de tudo que essa repre- atividade voluntária explica-se adequadamente como uma de-
sentação propõe um objeto sob o aspecto do bem.. term,inação pelo bem conhecido. Dêste ponto-de-vista, como
o observa PASCAL, até mesmo o homem que vai 81 enforca r-se
E' isso o que diferenc ia formalm ente a vontade da im- procura o seu bem (que não coincide com o bem); o ladrão,
pulsão do instinto . O animal, limitado à represen tação sen- ao roubar, faz o mesmo, como também o homicida ao assassi-
sivel, só apreend e o objeto sob o aspecto em que êste respond e nar. E' esta evidênc ia que a fórmula socrátic a traduz: "Nin-
"hic et nunc" a um apetite determi nado, e, por êsse próprio guém faz o mal voluntà riament e", quer dizer: ninguém pode
fato, a ação segue automà ticamen te a represen tação. Ao con- querer aquilo que é mal para si, sob o aspecto em que isso é
trário, graças à universalidade da inteligência, o homem apreen- mal para si. 82
de o objeto representado niio simplesmente como suscetível de
satisfaz er uma tendência determinada, mas também como sig- Por outra parte, pelo próprio fato de, num objeto repre-
nificando um grau de apetibilidade ou de bem; apreende-o e. sentado, a razão apreend er aspectos de bondade diversos e
aprecia-o em função da idéia geral de bem, sub specie boni. múltiplos, nenhum dos quais represe nta o bem absoluto e total,
a vontade fica ( de direito, senão de fato) indeterm inada : ne-
Por exemplo, o animal faminto precipita -se automàt icamente nhum bem, isto é, nenhum aspecto do bem, é suscetível de
sôbre o alimento que encontra , porque a represen tação do alimento r- determiná-la, precisamente porque só se trata de bens parciais
é adequad a e exclusivamente a imagem d'«aquilo -que-pod e-aplaca e limitados, ou, por outras palavras, de coisas que só são boa1
lhe-a-fo me». O homem que tem fome, pôsto nas condições sóemcomo que
pode apoderar -se de um pão, represen ta-se êsse pão não
sob tal ou tal aspecto. Determ inada a querer as coisas sob
capaz de lhe desaltera r a fome, mas também como propried ade o aspecto do bem (vontade como naturez a), a vontade fica
alheia, isto é, o pão é represen tado sob diferente s aspectos que lhe
possi-
livre de escolher entre os diferent es bens que se lhes ofere-
definem o valor sob o ponto-de -vista do bem. Daí nasce aque fôr cem (vontade como faculdade). 83
bilidade de comport amentos diferente s, conforme o aspecto
escolhido como definindo hic et nunc o bem preferíve l. E isso, evi- O romance que está na secretári a de Paulo é apaixona nte, e,
denteme nte, implica uma ra.ião e conceitos. é con-
como tal, constitui u11i bem incontes tável, mas atualme nte
trário ao dever, o que o impede de ser o bem. A dissertaç ão repre-
2. Forma do conflito interior. Essa espécie de poliva-
lência da represen tação e das própria s coisas é que explica os 31 Subjetiva mente, em l'Onseqüê ncia de um êrro
do juízo, é possível que
conflitos inte.riores : êstes se produzem entre tendênc ias anta- pareça haver coincidên cia e, em conseqüên cia, não-culpa bilidade.
gonistas atualiza das pelos diferent es aspectos de bondade ( ou 32. Cf. XENOFO NTE, Memoráv eis, III, IX, 4-5.
Sôbre o sentido da
de apetibilidade) de um mesmo objeto, o que implica, com evi- teorja socrática, cf. R. SIMETER RE, La théorie socratique de la Vertu-Sci
ence
dência, primeiro uma inteligência que pensa por idéias gerais, selon !es "Mémora bles" de Xénopho-n, Paris, 1938.
e, depois, uma inteligência que julga as coisas sob o aspecto 33 Cf. SANTO TOMAS, Suma Teológica , Ia Ilae,
q. 10, aut . 2.
do bem.

- -- t.:
542 PSICOLOGIA A VONTADE 543

senta o dever, e por isso é um bem; é igualmente um bem se se § 1. AUTOMATISMO NORMAL


quiser, pelo proveito intelectual que proporciona, etc. Mas é fa;tidios::i.
e exige um grande esfôrço; não é, portanto, o bem. Mesmo a virtude 1. Os hábitos. O automatismo motor, definido pelos
nunca é senão um bem, e não o bem perfeito, pois impõe sacrifícios
esforços e lutas, que são contrários ao bem pr;rfeito. ' .. bem.montados. 1p.~canismos fisiológicos que utiliza]Ilos, segundo .. _
as necessidades de cada momento, forra-se de numerosos au-
529 4. A voli~o concreta. Assim se explica a eleição de tomatismos psicológicos. Alguns dêles são adquiridos e re-
tal bem, a prática de tal ato, bem como o duplo aspecto de sultam da atividade voluntária. Foi o que verificamos no
determinação e de indeterminação que a análise aí descobre. estudo do hábito (72-73), que, se assim se pode dizer não é
Empiricamente, a volição concreta definir-se-á, segundo as nas suas formas superiores, senão vontade automati;ada 01~
observações precedentes, como uma expressão da personalida- sistematizada, e, a êste título, condição de continuidade e de
de, considerada como um todo unificado e hierarquizado. Que progresso. Nossos hábitos profissionais e morais são, em
tal aspecto do bem (ou tal bem) seja escolhido, é o efeito e a grande parte, desta ordem, e atuam como uma segunda na-
conseqüência daquilo que somos, consciente ou inconscientemen- tureza.
te (pois a personalidade total estende-se até as raízes incons- Em compensação, êsse próprio automatismo, que nasceu
cientes de nosso comportamento), no momento da eleição : da atividade voluntária (sob forma de atenção, de método, de
nosso querer concreto traduz, assim, mais claramente do que esforços renovados e perseverantes), tende a degradar-se em
todos os discursos, o ser que somos. costume, em rotina e em inércia, desde que desaparecem a
Mas êsse próprio ser que somos é querido e escolhido, - reflexão e o espírito de iniciativa que renovam constantemen-
o que parece encerrar-nos num círculo, se é verdade que mi- te os hábitos, os enriquecem e transformam, incorporando à
nha escolha concreta depende daquilo que sou, e o que sou aquis~ção que êles representam as conquistas novas que rea-
depende daquilo que quero ser. Em realidade, o círculo não lizam. Porque também há um hábito de dominar os hábitos,
existe, porque eu só me realizo tal como quero ser pelas esco- de controlá-los incessantemente, a fim de que permaneçam
lhas concretas que faço. A vontade nunca é um objeto que sempre dependentes da iniciativa voluntária de que nasceram.
se possa contemplar e apreender, de alguma sorte, no estado
puro ou de fora. Ela é, como bem o viu K. JASPERS, 34 "uma 2. Dist~o. Na vida corrente, pode-se verificar que
consciência de si em que eu me comporto ativamente em face automatismo é normal na medida em que fica sob o contrôle
de mim mesmo". Ela exprime êsse ato misterioso pelo qual latente da consciência. Os movimentos mais automatizados (ir
sou verdadeiramente posição e mesmo criação de mim. "Esco- e. vir, ~umprimentar, apanhar um objeto caído, jogos de fi-
lher", observa KIERKEGAARD, é sempre "escolher-se", como a10nom1a, etc.) acham-se, de fato, inibidos em certas circuns-
"escolher-se" ou "querer-se" é sempre querer ou escolher isto tâncias. Ao entrar em nosso escritório, baixamo-nos automà-
ou aquilo. ticamente para apanharmos um pedaço de papel · mas no
salão onde estamos em visita, precatamo-nos de faze~ o m~smo
ART. IV. DEGRADAÇõES DA ATIVIDADE VOLUNTÁRIA gesto. A distração consiste precisamente em deixar funcio-
nar um automatismo sem contrôle nem adaptação às circuns-
590 O automatismo ocupa lugar considerável na nossa vida. tâncias: é essencialmente um automatismo não vigiado. Fe-
Já vimos, no estudo do movimento voluntário, que êste utiliza nômeno tão inevitável na vida normal como o automatismo de
os mecanismos neuromusculares, que, uma vez deflagrados, fun- nossos comportamentos, mas que às vêzes atinge proporções
cionam automàticamente. Mais interiormente ainda à ativida- q_u~ põem o distraído em contradição com as conveniências so-
de voluntária, no próprio domínio psicológico, o automatismo c1a1s ou com as elementares exigências da prudência. 35
ocupa lugar mais ou menos importante, e faz pensar sôbre a
vontade uma' ameaça de dissolução em puros mecanismos au- " 33 Conhece-se o retrato de Menalco (LA BRUYÉRE, Caractéres, c. XI;
tomáticos. Em certos casos, o automatismo reveste forma~ Menalco desce a escada, abre a porta para sair; torna a fechá-la. Per-
nitidamente patológicas. cebe que está com boina de dormir; e, examinando-se melhor, acha-se bar-
beado pela metade [ ... ] . Se anda pelas praças, sente-se de repente bater
rud?mente no estômago ou no rosto; não suspeita o que possa ser, até que,
34 K. JASPERS, Philosophie, II, pág. 151. abrmdo os olhos e acordando, acha-se diante de um timão de "charrette".

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544 PSICOLOGIA A VONTADE 545
§ 2. AUTOMATISMO ANORMAL Existem formas múltiplas de automatismo moral que não pas-
sam de aspectos variados da neurose obsessional. A forma geral
531 O automatismo anormal ou patológico comporta duas ca- dêsse automatismo consiste em afetar de valor moral seja compor-
tamentos puramente mecânicos, seja fatos exteriores ·independentes
tegorias ou _dqis graus, a saber: os aut.omatismos que estão 0 ._
,_ ·-----' da vontade. -·No -prtmeiro--ca:so, 9 - obsesso·impõe-se práticas minucio····
ligados a um enfraquecimento intelectual, congênito ou adqui- sas, de caráter geralmente absurdo: êste obriga-se a cada travessia
rido, agtido ou crônico, e as formas de automatismo que estão de uma passa~e~ ~acheada, a an~r sõbre tôdas ad tachas da passn-
ligadas a uma deficiência da atividade voluntária. gem; se as ex1gencias da circulaçao o forçam a passar mais depressa
e a pular algumas tachas, êle volta sõbre os passos' e recomeça a
operação. 11:ste outro só deve descer dois a dois os degraus dos seus
A. Patologia. mental três andares: se encontra alguém na escada desce normalmente
por mêdo do ridículo (nos casos graves, êste p;óprid temor não m~
1. Demências. Em tôdas as formas de demência ( de- atua) ; mas sobe de nõvo os três andares, para efetuar a descida
exatamente como é «obrigado> a fazê-lo. Na vida religiosa certas
mência precoce, paralisia geral, demência senil, às quais se práticas automatizadas e de uma minúcia irrisória caracte'rJzando
pode juntar aqui a idiotia), a inteligência é mais ou menos o que correntemen~ se denomina escrúpulo, entram' nesta categori::i.
profundamente perturbada, e funciona sem disciplina; nos de automatismos morais. Na segunda categoria devem ser colocados
casos mais graves, hã a obnubilação completa. Em conseqüên- todos os comportamentos supersticiosos, consistentes em atribuir
significação moral a acontecimentos fortuitos ou acidentes. Em geral,
cia, o conjunto da conduta depende cada vez mais do automa- essas du_as espécies de fatos representam fenômenos de compensação :
tismo. Sob a forma delirante, há exaltação dos fenômenos de as reaçoes automatizadas tendem, com efeito, já a compensar um
automatismo normais, que já agora escapam à direção do do- «deficit» moral real, já a equUibrar, por inibições «voluntárias> ini-
ente, mas nem sempre à sua consciência ( o que acarreta nêle bições obsessionais irreprimíveis, ou a encobrir um complexo d~ in-
ferioridade.
um sentimento angustiante de "despersonalização"). t:sse es-
tado, aliás, é compativel com a persistência de numerosos au- B. Patologia. da. vontade
tomatismos normais e -que funcionam normalmente: o paralí-
tico geral continua por muito tempo a exercer sua profissão 592 Trata-se aqui de doenças da vontade, e não de doenças
antes de soçobrar na demência; o demente senil às vêzes con- · mentais. Mas as relações estreitas que existem entre inte-
tinua sendo, em sua vida mundana, homem de bom-tom, capaz ligência e vontade devem fazer-nos compreender bem que as
de uma conversação seguida, quando gestos e linguagem já não faculdades mentais são igualmente afetadas por êsses diversos
passam de restos automatizados de uma vida mental ausente. casos, 86 e que, ao falar de "patologia da vontade", quer-se so-
Na forma propriamente demencial (alienação), a unidade bretudo designar o aspecto principal das diferentes psiconeu-
afetiva d~ personalidade é destruida, e, ao fim, o automatis- roses. Há várias classificações possíveis das doenças da vonta-
mo, em sua forma mais inconscjente, é que comanda todo o de, que podem distribuir-se em três categorias, definidas pelas
três fases da atividade voluntária, ou então dividir-se conforme
comportamento do enfêrmo. os tipos de automatismo que elas comportam.
2 . Sugestão, hist.eria., hipnotismo., Os fenômenos que 1. As três categorias de abulfas.
dependem da sugestão, entre os quais se incluem hoje a histe-
ria e o hipnotismo, ainda são mal conhecidos e mui discutidos. a) Patologia da deliberação. Distinguem-se ·a abulia dos im-
Aqui, aliás, cingir-nos-emos a observar que êles dependem do pulsivos e a abulia dos intelectuais.
automatismo psicológico, quer sob a forma da hétero-sugestão : Abulia dos «tmPUlsivos>. A vontade não chega a possibilitar a
uma representação vinda de fora apodera-se imediatamente da deliberação; êles sofrem passivamente seus impulsos, e dêles pode-se
dizer que não agem, mas são a,gidos. O caiprtch.Q é do mesmo gênero.
consciência ,e, à falta de ser inibida por outras, desenvolve por
si mesma ,t ôda a sua ação ídeo-motora; quer sob a forma da Abulia dos «intelectuais:,. 1!: o caso dos que deliberam indefini-
damente, _sem jamais passarem à decisão; repõem incessantemente
auto-sugestão: o· mesmo sujeito é simultâneamente sugestio- em questão os mesmos problemas, e não podem resolver-se a con-
nador e sugéstionado. cluir a dJBcussão. Para êles, a deliberação nunca é encerrada.
Hétero-sugestão e auto-sugestão não têm nada de anormal
dentro de certos limites. Suas formas anormais e patológicas 86 P. JANET (Obsesrions et PB11cnastnénies, I, pág. 354) descobre ai um
são, respectivamente, o hipnotismo e a histeria. enfraquecimento da síntese mental.

,.
d ·- ~, - . -
PSICOLOGIA A VONTA DE 547
546
capazes de pessoas com que entra em relação , inspeci ona consta ntemen te as
b) Patolog ia da decisão. Alguns, ao contrário, .são Mas a passa- roupas, particu larmen te as interio res, para verific ar se estão lim-
conclui r a deliber ação e de formul ar um juizo teórico de pisar, lnvo1u ntària-
ível: flcam na verifica ção do que _ pas, etc. Uma mulhe r est(l" inquiet a por temor
gem ao ato de decisão lhes é imposs onde passa, preocu pa-se com averi-
fazç-lo . Ou então espe-:-_ .. _ ·-·- ~--', mente •.nun:w.. ç~, . Na rua, por
deveria m fazer, sem se decidir em a querer
veliwtários-,-- -- --··'" aigum papel do. chão não traz-um a cruz que possa ser pisada-:---- --, - ·
ram que as circuns tâncias decida m por êles: é a abulia dos-
:.. ;' guar se os papéis que encon-
Por precau ção, apanha cuidad osamen te todos
L

não age, por temor, mui normal , de se fazer notar,


c) Patolog ta da execução. Aqui se disting uem: a abulia
dos tra. Se assim sua calma, cum-
já não tem nem paz nem sossêgo: para reenco ntrar
fracos, a abulia dos obsessos e a obstina ção. pre que volte a percor rer o caminh o para examin
ar o papel
mesmo
Abulia dos fracos: o fraco parece decidir, e às vêzescessa de descurado, etc.
enérgic amente ; raro é, porém, que passe à execução; não
repetir suas pretend idas decisões, e com tanto mais
fôrça qua11,to
dificuldade, e às
Os casos de depres são (melancolias, depressões nervosas
menos executa . Se começa a agir, cede à primei ra de ir ao e psicastenias, neurastenias) refere m-se a estados em que a von-
vêzes deseja e provoca essa dificuld ade, que o dispen sará tade está doenti ament e inibida, e em que falta a propenseja
são
têrmo do seu querer.
para os atos volunt ários, natura is nas sujeito s norma is,
ação de uma em
Abulia dos obsessos: é o caso dos que sofrem a
a, podem -se tomar em razão de obstáculos interio res ou exterio res que imped as
idéia fú:a. Quand o esta doença é de ·rorma benign io, nêles a a atenção, seja por faltar em geral a capaci dade de trazer
os obsessos por voluntariosos. Más, multo pelo contrár a
vontad e está ausente , porqua nto essa faculda de dados consiste em ser razões de agir ao campo da consciência. Neste caso, como
e dirigidos a em razão de inibiçõ es que não chega a do-
senhor de sl, ao passo que os obsessos são coman vontad e se ausent com-
por uma ldéla fixa. minar , a ativida de (aliás reduzi da) fica entreg ue quase
o: os ente ao autom atismo .
Obstinação. &ste caso pode ser aproxim ado dadeobsessã suas idéias
pletam
obstinados são aquêles que nada pode fazer demover de obsessão, e o (Obsessions et Psy-
ou de suas extrava gâncias . 1: bem uma espécie :tsse automa tismo, como o mostro u P. JANET
mais a impotê ncia do querer do que ver- cha.,thénies), é, propria mente, obra da ativida de mental , e não, como
obstina do manife sta muito quando ,
dadeira vontad e: ela provém , com efeito, da exaltaç ão doentia dos corren tement e se diz, obra das represe ntações . Pelo menos,
ntações:s,, cumpre
instlnt.oB de afirma ção de sl e de contrad ição em face dos outros, e para abrevia r, se fala do «autom atismo das represe
de uma idéia obsi-
êsses instinto s é que domina m o obstina do, quando sua vontad e é entend er que êl~ não se reduz à ação mecâ.nica~eprod espasm ó-
que deveria dominá -los. dente (monoi deísmo ), mas é constit uído pela tmpõe uçãopar si mesma
dica da obsessão inibitó ria. A tmagem não seterror que êle às vêzes
ao obsesso; êle é, que a; impõe a si mesmo. O
59/l 2. Tipos de automatismo. A divisão que propomos, por manife sta da volta da. imagem obslden te (e das inibiçõ
es que ela
i-
tipos de automatismo, acredi tamos que oferece uma classif que o
do automa tismo
condiciona) :não passa de uma forma·e de um sinalpatológ ico do seu
cação melhor, porque seu ponto- de-vis ta é mais forma l de sua reprodução. :S: nisso que consist e o aspecto
da divisão anterio r. Esta, com efeito, não deixa apreen derque
as caso, que é um processo de auto-ob sessão e de auto-in ibição.
causas das difere ntes abulias, e inspira -se na concepção de tão b) Defeitos de inibição. Nesta catego ria entram todos
"a vontad e" desempenha (ou deve desem penha r) um papelgico os casos em que falham ou não existem as funções norma isabú-
de
ditator ial quanto inexplicável. O autom atismo psicoló - inibiçã o e de contrô le. Tais são as psicop atias de forma
pode resulta r quer de inibições intern as anorm ais, que contraia dos
lica: abulias dos fracos, dos "intele ctuais ", dos veleitátrios, -se
riam a ativida de norma l, quer, ao contrá rio, de uma falênc hosos. Todos êsses doente s deixam
i11~pu1.8ivos, dos capric
dos
das funções inibitórias. arrast ar passiv ament e ao autom atismo das tendên cias e
- instint os. s1
a) Inibições internas. Uma repres entaçã o ou um conjun de
to de repres entaçõ es ou de sentim entos parali sam a ativida
por
normal. No,s casos de obsessão, essas inibições geram , me-
contra golp~ ou por compe nsação , compo rtamen tos mais ou
vez,
nos extrav agante s· (manÚUJ, tiques) que assumem, por sua
a forma de· impuls os obsess ionais.
Exemplos: na obsessão do contágio, o doente faz grande s rodeios
e não toca em certos objetos determ inados ; não ousa abrir nem os
olhos nem a bôca, lava indefin idamen te as mãos, usando desinfe - 87 Ct. Juliette BOUTO NIER, Les défailtan ces de la volonté , Paris, 19~5 .
tõdas as
tantes que nunca são bastan te enérgicos, a seu ver; teme

-- • ' • • -:.J-- .. _- ___ -


... · --- · - -
rr - .
A LIBERDADE 549

584 A vontade apareceu -nos caracteri zada, psicologi camente,


pelo sentimen to de liberdade interior. BERGSON consider a êste
sentimen to como um dêsses "dados imediato s da consciên cia"
que se impõem por si mesmos, por sua própria evidência . Deve-
se supor que os filósofos não se deixam impressi onar por ês.cre' ·
gênero de evidência , porque, se todos devem concorda r sôbre
a realidade empírica do sentimen to de liberdade , muitos pre-
CAPÍTULO II
tendem não ver nisso senão uma pura ilusão. A liberdade
constitui , pois, um problema , cujos aspectos essenciai s são re-
lativos à natureza da liberdade e aos argumen tos pelos quais
A LIBERDADJfJ os filósofos se empenha m quer em estabelec er quer em negar
a sua possibilid ade e realidade.
SUMAR /0 1 NOÇÃO DA LIBERD ADE
ART. I.
Art. NOÇAO DA LIBERDA DE. Natureza da indetermin ação.
I.
Necessidade e contingência. Determinação e indetermi- Para ter uma noção exata da liberdade , basta-no s referir-
nação. Contingência e Uberdade. Liberda4e àe agir e nos ao nosso estudo da vontade, visto como a liberdade nada
liberdade àe querer. Liberdade de agir. Liberdade de mais é do crue a maneira como se exerce o querer autêntico.
querer. Ora, vimos que a vontade, conforme os pontos-d e-vista, era ao
mesmo tempo determin ada e indeterm inada; determin ada quan-
Art. II. PROVAS DO LIVRE ARB1TRIO . Provas de experiência. to ao bem que é o têrmo necessári o de tôda atividade voluntá-
Testemunho da consciência psicológica. Testemunho da ria, e indeterm inada (idealme nte pelo menos) quanto aos as-
consciência moral. Testemunho da consciência social.
Prova metafistca . Principios do argumento. O argumento. pectos diversos e parciais sob os quais o bem se lhe oferece.
Evidente mente, essa indeterm inação ideal é que caracteri za a
Art. III. NATUREZA DO LIVRE ARB1TRIO . Liberdade e indife- liberdade moral. Temos somente que lhe precisar a natureza .
r~ça. Indiferença de equllibrto. A indiferença é um mito
e uma impossibilidade. Liberdade e ·determin ismo pstco- A. D e t . e ~ e indeterm inação
lógico. Privilégio do «motiivo maia forte>. O determlniamo
psicológico destrói a liberdade. Liberdade. e autodeter mi-
... , nação. A espontaneidade. A autodetenninação. 585 Importa compree nder exatamen te o sentido dos têrmos
pelos quais se definem a liberdade do querer e o ato livre. A
Art. IV. ARGUME NTOS DETEJl:lMINISTAS. Fatalismo e prede- maioria das dificulda des que se opõem à noção de liberdade
terminaçã o. O datum>. Presciência e predeterminação moral provêm do carãter ambíguo e equívoco dos têrmos que
divina. Determ1niamo ffslco. Liberdade e causalidade. se emprega m. 2
Liberdade e conservação da energia. Liberdade e socie-
dade. Conclusão . Conhecimento de si. Retidão do querer. 1. Necessidade e det.erminaçã.o. 1; determin ado 11.quilo
que é explicãvel, dêsse ou daquele modo, por seus antecede ntes.
1 Ct. SANTO TOMAS, Ia, q. 82-83; Ia llae, q. 6-17. ET. GILSON, La Existem, pois, tantos tipos de determin ação quantos tipos de
doétrine cartésienne de la líberté et la théologie, Paris, 1913. J. NABERT, causalida de há (1, 208-209) . Dêste ponto-de -vista, distingui -
L'expérien ce intérieure de la Uberté, Paris, 1923. J. LEQUIER, La Ubem!, remos: a determin ação mecânica, a determin ação afetiva e a
te:rtcs inédits présentés par J . GRANIER, Paris, 1936. J. LAPORTE , La determin ação racional, conforme a coisa ou o ato tenham por
c<>Mctence ,de liberté, Paris, 1947. H. BERGSON , Les doTLnées immédlate r de la
conscience: MARITAIN, De Bergson à Thomás d'Aquin, Paris, 1847, e. V e VI. antecede nte imediato ou uma / ôrça meoânica ( como nos fenô-
BERDIAJl:FF, De l'esclavage et de la ltberté. de l'homme, 'Paris, 1946. menos da natureza ), ou uma potência afetiva (instinto s e ten-
HEIDEGG ~, Sein und Zeit, 1929. JASPERS, Philosophi e, t. II. SARTRE, dências, obsessões, paixões e emoções), ou um juízo da ia.zão.
L'Etre et Ze Néant, Paris, 1943. FR. JEANSON, Le probleme moral et la
..,. pensée de Sartre, Paris, 1947, 3." parte, e. 1. Simone de BEAUVOI R, PouT
une monde de l'ambigüité , Paris, 1947. P . RICOEUR, G. Marcel et K. Jaspers, 2 Cf. P. RICOEUR, Philosophi e de la volonté, Paris, 1950, t. I, pági-
Paris, 1947, págs. 207-264. MERLEAU -PONTY, Phénomeno logie de la per- nas 172-180.
ception, Paris, 1945, 3.ª p ., e. 3. Y . SIMON, Traité du livre arbitTe, Liege, 1951.
A · LIBERD ADE 551
550 PSICOLOGIA
em,
minaç ão ideal do querer e sua determ inação efetiva compõ
Por outra parte, a determ inação mecân ica e a determ ina- pois, propri ament e uma autode termin ação.
üente
ção afetiva são necessárias, no sentido de que o conseq
pode deixar de provir do antece dente, nem deixar de ser àa inteligê ncia e àa
não . .. Jlê..-se,, a.ssim, __qP.e. ,Q , ato ljvre é_fruto comumcodete
tal como o implic a o antet:e dente (dete'T'minatio at unum
). A concorrendo juntas parâ··uma mesma tminação. Por-
vontade ,
racion al, ao contrá rio, não é necess itante, por quanto, se da vontade depende que tal bem seja escolhi do pelo último
determ inação só pode realizar
não ser da ordem da fôrça : a razão propõe , sob a forma de juizo prático da inteligência, a vontade, por sua vez,determ pelo
um juízo prático , uma condu ta à qual a vontad e pode ou não atualmente essa escolha estando formalmente Noutrosinada têrmos, a
aquê- juiz<> da razão que sua escolha torna eficaz.
pode confor mar-se , quer dizer, o último juízo prátic o - especificação raciona l do ato, como bem que hic
et nunc convém
le do qual o ato se segue - fica sempr e em poder da vontad e.
escolher, depende do exercício da vontad e; mas êsse próprio exerci-
elo só é possíve l sob a condiçã o de serem pela razão apresentados
s bens atualm ente realizáv eis. Há, pois, aí causali dade
2. Derer mina~ e liberdade. Se é verdad e que turlo os diverso
da inteligê ncia e da vontad e. O princíp io imedia to da li-
algum recípro ca
o que é é intelig ivel, e, por conseg uinte, determ inado de berdade consist e na indeter minaçã o do último juízo prático ; o prin-
modo, o ato livre també m deverá compo rtar sua própri a de- cípio remoto está na própria razão.
inação que êle pode admit ir Tudo isso demonstra que a liberdade, na sua própria essência, é
terminação. Mas a única determ ra- a ou poder d-os contrár ios
é ( como o mostro u o estudo da vontad e) a determ inação verdadeiramente essa potestas aà opposit
só vale (lfberda àe de escolha, libertas arbitri i), que os psicólo endida me-
gos têm cons-
cional, uma vez que a determ inação mecân ica ( que aliás o tantemente sublinhado. Mas a escolha deve ser compre
a afetiva , quand o entreg ue a seu própri Não significa um.a
para as coisas) e
conseg uinte, incom - taf'isicamente, mais do que psicológicamente. que lhe seria estra-
jôgo) são igualm ente necess árias e, por intervenção arbitrá ria da vontade num confllto
a liberda de. nho, mas sómente uma capacidade de se determ inar a si mesmo
patíve is com por si, absolutamente
relativamente· a bens dos quais nenhum é, só nte,
Todav ia, racion almen te determ inado (devid o ao juízo prá- determinante. Mesmo quando, psicologicame não há escolha
do,
tico que o condic iona), o ato livre também é indeterminaade (quer dizer, aqui, decisão que ponhru fim a uma oscilaç ão), a. escolha,
vontade
de uma parte, enqua nto proced e da razão, que é a faculd a saber a autodetenninação, define a própria essência da
pró-
de se liberta r de tôdas as determ inaçõe s estran has à sua do- livre.
de outra parte, porque resulta de uma vontad e
pria lei, e,
s da Liberdade de fazer e liberdade de querer
tada de indiferença ativa em relação aos juizos prático B.
efeito, que - entre os atos possív eis que
razão. E' a ela, com e de
a intelig ência propõe como bons relativ ament e a tal
ou tal 596 O ato livre, no domín io da vontad e, exclui tôda espéci
uir, é, a ação de um
,, fim, - cabe escolh er em última instân cia o bem a perseg necess idade, a saber: a coação exterio r, isto
·
hic et nunc, o melho r em relaçã o com o bem abso- agente extern o que se impõe pela fôrça (libert as a coacti one),
como sendo,
movi- atismo
luto (ou beatitu de), que é o têrmo necess ário de seu prá- e a coação interio r, isto é, tudo o que provém do autom
último juízo instin-
mento , e é o que se exprim e ao dizer que o mecân ico e aparen ta a ativid ade com o reflexo e com o or é
(ou in- exteri
tico está no poder da vontad e. Essa indeterminação a
to (libertas arbitr ii). No domín io da ação, um ato
difere nça ativa) em relação aos juízos da razão é a própri chama do livre quand o não sofre nenhu ma coação extern a. Po-
ade: liberd ade de
forma do livre arbítrio. demos, pois, disting uir dois tipos de liberd
fazer e liberd ade de querer .
3. A liberda de hmna.na. Estas vistas podem ser trans-
a, soli-
postas ao plano psicológico, que é o da vontad e human 1. Liberdade de fazer. A única condiç ão desta liberda
-
citada por bens múltip los e diverso s. Concretamente,
o ato qualqu er coação exterio r. A êste gênero
de é ser isenta de
-se por seus antece den- de se
livre é determinado, quer dizer, explica
conhe- de liberda de perten cem a liberdade física, ou liberd ade
tes, a saJ:>'er, pela atraçã o de um bem (ou de um fim) ele mover ; a liberdade civil, ou poder de agir a seu talante , nos
cido e "p°,roposto· pela razão, o que se resum e sob o nome limites fixado s pelas leis civis ; a liberdade poUtica, ou
direito
êle
último juízo prático; mas, sem embar go, sob outro aspectoo do- de tomar parte, dentro das forma s defini das pelas consti
tui-
é idealmente indeterminado, enquan to a vontad e possui ·çõe!!, no govêrn o dos difere ntes ·grupo s polític os ( comun
a, Es-
E'
mínio do último juízo prático pelo qual ela se determ ina. no que :tado) ; a liberdade de consciência e a liberdade de pensam
ento,
rminaç ão que ,consis te, ência e
justam ente ·nessa própri a indete
r- poder de agir exteri ormen te segund o a própri a· consci
ela tem de mais formal , a liberda de do querer . A indete
552 PSICOLOGIA A LIBERDADE 553

de exprimir exteriormente o próprio pensamento (sob forma ente livre. "Escute-se cada um de nós e consulte-se a si mes-
escrita ou falada) . mo", escreve BossUET (Traité du livre arbitre, c. II), "e sentirá
Tôdas essas liberdades de ordem exterior absolutamente .-· que é livre, como sentirá que é racional". Ora (W. JAMES)
não coincútem com a liberdade interior ou livre-arbítrio: podem"'"' '·'"' "" ·" . t ...... ., ,,m- r,<:'Ónsístétem -Iiiõstrin·· qmnr·ato-·ve1lwntário 86 é inteligível pela
faltar sem que falte a liberdade de querer; podem ser exerci- - -: liberdade, porque nem a deliberação, nem a decisão, nem a
das tôdas sem liberdade interior. execução têm sentido senão pela liberdade que supõem e ma-
nifestam (508). Ora o argumento frisa não precisamente o
597 2. Liberdade de querer. Esta liberdade também é cha- sentimento geral de liberdade, mas a experiência de liberdade
mada liberdade moral (ou interior) ou livre arbítrio, porque imanente ao ato livre, que de fato constitui com êste ato uma
define a volição que não sofre nenhuma coação ou necessidade mesma coisa. Temos, diz DESCARTES, uin "vivo sentimento
interna, que procede de um ser senhor de si (arbiter sui) interno" da liberdade, que "assim se conhece sem provas, só
condiciona a atividade moral.
pela experiência que dela temos". No mesmo sentido, escreve
Cumpre, pois, precatar-se de reduzir essa liberdade à espanta-· J. LEQUIER: "Tomo consciência da minha liberdade sem tPr
netàade, que só exclui a coação externa e é compativel com a ne- dela nenhum conhecimento".
ceSBidade, como no case da determinação afetiva.
K. JASPERS (Phtlosophie, t. n, «Existenzerhellung:i>, págs. 177-1801
Esta liberdade de querer exerce-se sob diversas formas. mostra que a própria questão da liberdade implica, com evidência, a
Distinguem-se, com efeito: a liberdade de exercício ( ou de existência oo liberdade. Com efeito, diz êle, a questão de saber se
contradiçã-0), isto é, de agir ou de não agir; a liberdade de sou livre tem sua origem primeira em mim mesmo: quero que eXista ·
a liberdade. Só por isso se acha estabelecida a possibilidade da li-
especificação, isto é, de agir de tal ou tal maneira, de produzir berdade, porque só um ser livre ou capaz de liberdade pode interro-
tal ou tal ato; a liberdade de fazer o bem ou o mal (ou liber- gar-se sôbre a liberdade. Do contrário, o próprio problema careceria
dade de contrariedade). 3 Nenhuma dessas formas do livre de sentido e a Idéia de liberdade não corresponderia a nenhuma
arbítrio exclui a determinação, porque, sob pena de absurdo, experiêncl~ concebivel. Mas, se o homem formula êsse problema, é
sempre se têm razões de agir ou de não agir, de agir de tal porque êste se enraiza no mais profundo de seu ser pessoal, comr,
uma exigência absoluta de sua vontade. Assim, ou a liberdade não
maneira, de fazer o bem ou de fazer o mal. A ausência d6 é nada ou então já está. presente na pergunta que, sôbre ela me faço.
determinação, longe de constituir o ato livre, arruiná-lo-ia E' ai está presente como uma vontade orlglnal de ser livre: a lil>er-
como tal, visto que equivaleria ao puro acaso, que é um as- àacle se quer, e, para ela, querer-se é existir.
pecto da necessidade mecânica ( I, 970). Notemos, enfim, que os defensores do livre arbítrio (sobretudo
como liberdade de indiferença) multas vêzes invocam como prova as
ART. II. PROVAS DO.LIVRE ARBITR/0 atividades gratuitas. 4

598 A realidade do livre arbítrio está fundada em razões ti- 2. DisCWJSão. Têm-se feito ao argumento psicológico
radas da experiência, e num argumento metafísico. duas espécies de objeções.

§ 1. PROVAS DE EXPERieNCIA 4 Cf. BOSSUET, 7'raité du líbre arbitre, e. 2: MSinto que, levantando a
mão, posso ou querer mantê-la imóvel, ou dar-lhe movimento, e que, resol-
Test.emunho da consciência. ,psicológica vendo-me a movê-la posso movê-la para a direita ou para a esquerda com
A. igual facilidade; porque a natureza dispôs de tal forma os órgãos do mo~i-
mento, que não tenho nem mais pesar nem mais prazer numa dessas ~çoes
1. O argumento. 11:ste argumento invoca a consciência, do que na outra; de sorte que, quanto -mais séria e profundamente considero
isto é, a intuição da liberdade. Pode revestir várias formas. o que me inclina a isto mais do que àquilo, tanto mais claramente sinto que
Ora apela para o sentimento, comum a todo homem, de ser um é minha vontade que a isso me determina, sem que eu possa achar ~nhulna .
outra razão de o fazer". REID escreve, por sua vez: "Quanto li mun, faço
cada dia grande número de ações insignificantes, sem ter consciência de qual-
a Sabemos que o mal só pode ser querido sob o aspecto em que é ou quer motivo que a elas me determine". Um homem que tem uma guinéla a
'...,.
aparece bom para aqti~le que o quer. Materialmente, é sempre algum bem. pagar, e posrui duzentas, dá qualquer wna delas, sem nenhuma razão para es-
Moralmente, é um mal, enquanto e na medida em que êsse bem não é colher uma de preferência a outra (Tll. REID, OEuvres (Jouffroy), t. VII,
aquêle que é exigido pela norma da moralidade objetiva. pág. 214).
554 PSICOLOGIA A LIBERDADE

a) Não há consciência de poder. Não há consciência o ponto-de-vista de JASPERS . escapa a essas d.ificulda.des. Mostra
real, diz S. MILL, senão do ato, e não do poder ou do possível : bem de um· lado,. que a liberdade é possível, visto que me interrogo __ -- .
sõbr~ ela; e, de outro lado, que é exigida, sob pena de absurdo, por
a consciência bem pode dizer-me o que faço hic et nunc, mas -minha vontade de -ser livre: uma -vontade adequadamente determi- ··--~- ...... e.,.·.~
não o que sou capaz de fazer e não faço, pois isso não existe. - nadai e que se quereria livre ê tão pouco concebível como um circulo
quadrado ou como um animal que reivindicasse a razão. O argu-
Essa objeção é, certamente, eficaz contra as duas primeiras for- mento de JASPERS associa, pois, com felicidade o ponto-de-vista me-
mas do argumento, assim como contra o ponto-de-vista das ativi- tafisicu ao ponto-de-vista psicológico.
dades gratuitas, na medida em que invocam uma consciência de
po(rer nu. Aliás, pode-se retorquir que o ato gratuito, isto é, totaJ- b) A consciencia de liberclade é ilusória. Com efoito,
ment!! indeterminaido, não pode ser um ato livre. Ato tal é incon- diz-se, antes do ato ela não é mais que a consciência das osci-
cebível num ente racional: o homem de REm não escolhe a gilÍnéia lações que precedem a determinação. Depois do ato, é a-penas
que pagl)., precisamente porque não tem nenhuma razão para esco-
lhê-la (isto é, porque tem uma razão de não a escolher). Noutros a consciência retrospectiva dessas oscilações e o sentimento de
casos, a vontade de praticar um ato absolutamente gratuito (o Laf- que o ato é nosso ou espontâneo. No próprio ato da volição, a
cadio de GmE) faz que êsse ato precisamente já não seja gratuito. r. experiência de liberdade pode ser ilusória, e explicar-se per-
Por outro lado, os «atos insignificantes> de REID, praticados sem cons• feitamcnt(• pela ignorância em que estamos das causas r>elas
ciência de motivo determinante, evidentemente não são atos volun-
tários, mas sim atos a.utomàticos ou semi-automáticos. quais somo.e; determinados a agir. fl É, de fato, o caso do dor-
nlinhoco, do ébrio, do hipnotizado, do histérico, todos os quais
Muitas vêzes, ao argumento de S. MILL responde-se que, est:io convenc.idos de agir livremente no momento mesmo em
se a consciência não pode, de feito, perceber o ato possível. que sofrem uma coação irresistível. Assim, conclui BAYLE, o
que não existe, porque não é senão possível, pelo menos pode corropio que o vento faz girar, se tivesse consciência de seus
perceber o poder atual real que o sujeito possui de praticar movimentos sem lhes conhecer· a causa, faria honra a si mes-
ou não um ato, de realizar atos diferentes, e também perce- mú e atribuir-se-ia a iniciativa dêsses movimentos.
ber-se, ela própria, não necessitada pelos antecedentes, mas A estas dificuldades pode-se responder, primeiramente,
árbitro de sua própria escolha. Entretanto, essa resposta só que não bastariam para estabelecer que a liberdade é ilm1f.-
terá verdadeiro valor se se estabelecer que o sentimento dêsse ria, e que, a rigor, provariam somente que pode sê-lo. r,f.as
isso mesmo será que elas o provam? Observa-se contra isso
poder (ou virtualidade) e dessa ausência de coação interna não
é uma ilusão. que, se o principio da objeção fôsse exato, daí se seguiria que
cleveríamo11 sentir-nos tanto mais livres quanto menos consci-
Ora, é isso justamente o que o argumento de DESCARTES ência tivéssemos de uma determinação interna por idéias ou
e de LEQUIER quer provar, os quais, admitindo a objeção re- sentimentos. Ora, tal não sucede. Nossa experiência de· n-
lativa à consciência de um poder nu, afirmam que a minha
consciência de liberdade não faz se1ião uma coisa só com o ato
l1erdade comporta um sentimento de determinação, neste sen-
tido: que sabemos e vemos (intuitivamente pelo menos) por
livre, no momento mesmo em que o pratico : neste caso, minha que agimos, ou por que agimos de tal maneira. Poder-se-ia
consciência de liberdade é idênticamente a liberdade de minha mesmo dizer que a determinação necessária suprimiria a cons-
consciência ( quer dizer, de meu ato) . Sob esta forma o argu-
mento é menos discutível. Mas não o é ainda? Para que não
o Cf. SPINOZA, .ttica, II, prop. XXXV, scholium: "Falluntur homines
o fôsse, seria preciso P'rovar também que a ilusão é impossível, quod se liberos esse putant; quae opinio in hoc solo consistit quod suarum
isto é, que a consciência de liberdade não é somente liberdade actionum sunt conscii et ignari causarum a quibus determinantur. Haec ergo
significada, mas liberdade real. Ora, é isso mesmo que está est corum libertatis idea, quod suarum actionum nullam cognoscant causam.
em questão. Daí por que acreditamos que o argumento psi- Nem quod aiunt, humanas actiones a voluntate pendere, verba sunt, quorum
nullarn habent ideam". LEIBNIZ escreve do mesmo modo (Teodicéia, I,
cológico só é 'perfeitamente válido se fôr completado pelo ar- pág. 50): .. "A razão que DESCARTES aleg9u, para provar a independência
gumento metafísico, que, estabelecendo que devemos ser livres, de nossas ações livres por um pretenso sentimento vivo interno, não tem
justifica o sentimento de liberdade. valor. Nós não podemos sentir propriamente nossa independência, e nem
sempre percebemos as causas, não raro imperceptíveis, das quais depende
-nossa resolução. É como se a agulha imantada achasse prazer em se volver
Cf. LEIBNIZ, Teodicéia, I, pág. 45: "Quando se toma uma resoluçãq para o norte; pol., acreditaria girar Independentemente de qualquer outra
por capricho; para mostrar a própria liberdade, o prazer ou a vantagem causa, não percebendo os movimentos insensíveis da matéria magnética".
que se crê achar nessa afetação é uma das razões que impelem a assim agir". SCHOPENHAUER, Essai sur le !ibre arbitre, c. 2.

J
554 PSICOLOGIA
A LIBERDADE 555
a) Não há consciência de poder. Não
real, diz S. MILL, senão do ato, e não do poder há consciência o ponto -de-vi sta de JASPERS_ escap a a essas dificuldades.
ou
a consciência bem pode dizer-me o que faço hic do possível : bem de um lado, que a libf'rd ade é possív Mostr a
et sôbr~ -ela; e, de outro lado, que é exigid a, el, visto que me interr ogo
não o que sou capaz de fazer e não faço, pois isso nunc, mas sob pena
.. .minh a .v.outa.!l,e./l~,.sex Jl"{.rt:,. µrna .vrrn..tade -adequ de absurdo, por
não existe. adamente determ i- . . - -·-
naoo e que se ··q uereri a ltvre é tão pouco conce
Essa objeção é, certam ente, eficaz contra as duas quait.rado ou como um anima l que reivin dicassbível como um círcul o
mas do argum ento, assim como contra o ponto prime iras for.: mento de JASPER S associa, pois, com felicid ade e a razão . O argu-
dades gratui tas, na medid a em que invoca m -de-vi sta das ativi- tafísico ao ponto -de-vi sta psicológico. o ponto -de-vi sta me-
poder nu. Aliás, pode- se retorq uir que o ato uma consc iência de
mente indeterminaido, não pode ser um ato gratui to, isto é, total-
cebivel num ente racion al: o home m de REIDlivre. Ato tal é incon - 5.'J!J b) A consciência de liberdade é ilusória. Com
não escolhe a guÍnéia diz-se, antes do ato ela não é mais que a consc efoito,
que pag!J,, precis ament e porqu e não tem nenhu ma razão para esco- iência das osci-
lhê-Ia (Isto é, porqu e tem uma razão de não a lações que prece dem a deter minaç ão. Depois do
casos, a vonta de de pratic ar um ato absolu tamenescolh er). Noutr os ato, é apena s
te gratui to (o Laf- a consciência retros pecti va dessa s oscilações e o
cadio de GmE) faz que êsse ato precis ament e já não seja gratui to.~ que o ato é nosso ou espon tâneo . No própr io atosentim ento de
Por outro lado, os «atos insignificantes> de REID,
exper iência de liberd ade pode ser ilusór ia, e expli da volição, a
ciência de motivo determ inante , eviden temen te pratic ados sem cons-
tários, mas sim atos autom àticos ou semi- não são atos volun - feitam ente pela ignorância em que estamos das car-se per-
autom áticos .
quais somos determinados a agir. 6 É, de fato, o causas velas
1
Muita s vêzes, ao argum ento de S. MILL respo nde-s minhoco, do ébrio, do hipno tizado , do histér ico, caso do dor-
t· se a consciência não pode, de feito, perce ber e que, e,3tfio convencidos de agir livrem ente no mome todos os quRiR
nto
"
que não existe, porqu e não é senão possível, pelo
o ato possível. que sofre m uma coação irresi stível . Assim, concl mesmo em
perce ber o poder atual real que o sujeit o possu meno s pode corrn pio que o vento faz girar , se tivess e consc ui BAYLF, o
i de prati car movimentos sem lhes conhe cer ·a causa ; faria honra iência de seus
ou não um ato, de realiz ar atos difere ntes, e
ber-se, ela própr ia, não neces sitada pelos antec
tamb ém perce - mu e atribu ir-se- ia a inicia tiva dêsses movimentos a si mes-
edent es, mas .
árbitr o de sua própr ia escolha. Entre tanto , essa A cistas dificu ldade s pode-se respo nder, prime
terá verda deiro valor se se estab elece r que o sentimrespo sta só que não basta riam para estab elece r que a liberd irame nte,
poder ·(ou virtualidade) e dessa ausên cia de coaçã
ento dêsse ria, e que, a rigor , prova riam some nte que pode ade é ilm1f.-
é uma ilusão. o inter na não isso mesmo será que elas o prova m? Obse rva-s sê-lo. Mas
que, se o princ ípio da objeç ão fôsse exato , daí e contr a isso
se
Ora, é isso justa ment e o que o argum ento deveríamo:,; sentir -nos tanto mais livres quant o segui ria que
e de LEQU IER quer prova r, os quais, admit indo de DESCARTES ência tivéss emos de uma deter mina ção intern a
menos consci-
a
lativa à consciência de um poder nu, afirm am objeç ão re- sentim entos . Ora, tal não sucede. Nossa experpor idéias ou
que a minh a iência de · li-
consciência de liberdade não faz senão uma coisa berdade comporta um sentim ento de determinação,
livre, no momento mesmo em que o pratico : neste só com o ato tido: que sabem os e vemos (intui tivam ente pelo neste sen-
caso, minh a
consciência de liberd ade é idênt icame nte a liberd
ade de minh a que agimos, ou por que agimo s de tal mane ira. meno s) por
consciência ( quer dizer, de meu ato). Sob esta
form a o argu- mesmo dizer que a determinação necessária supri Poder -se-ia
ment o é menos discutível. Mas não o é ainda ? miria a cons-
o fôsse, seria preciso provar também que a ilusão Para que não
é impossível, 6 Cf. SPINO ZA, Ética, II, prop.
isto é, que a consciência de liberdade não é some XXXV , scholiu rn: "Fallu ntur hornin es
nte
significada, mas liberdade real. Ora, é isso mesm liberdo,de
quod se liberos esse putant ; quae opinio in
hoc
o que está action um sunt consc! i et ignari causar urn a quibus solo consis tlt quod suarum
em questão. Daí por que acred itamo s que o argum determ inantu r. Haec ergo
est corum liberta tis idea, quod suarum action
eo]ógieo só é t)erfe itame nte válido se fôr comp ento psi- Nam quod aiunt, human as actione s a volunt
um nullam cognos cant causam .
letado pelo ar- ate pender e, verba sunt, quorum
nullam habent idearn ". LEIBN IZ escrev e
gume nto met:ifísico, que, estabelecendo que devem do mesmo modo (Teodi céia, 1,
justif ica o sentim ento de liberd ade.
os ser livres , pág. 50) : " A razão que DESCA RTES alegou
, para provar a indepe ndênci a
de nossas ações livres por um preten so sentim
ento vivo interno , não tem
valor. Nós não podem os sentir propri ament
e nossa indepe ndênci a, e nem
sempr e perceb emos as causas , não raro imperc
G Cf. LEIBN IZ, Teodic éia, I, pág.
eptívei s, das quais depend e
45: "Quan do se toma urna resoluç ão nossa resoluç ão. É como se a agulha imanta
por caprich o; para mostra r a própri a liberda da achass e prazer em se volver
de, para o norte; pois acredi taria girar Indepe
que se crê achar nessa afetaçã o é urna das razões o prazer ou a vantag em causa, não perceb endo os movim entos insens
ndente mente de qualqu er outra
que impi!lern a assim agir". iveis da matéri a magné tica».
SCHO PENH AUER , Essai sur le !ibre arbitu
, c. 2.
556 PSICOLOG IA
A LIBERDADE 567
ciência de determinação (racional), isto é, a consciência de ,<Ji,
visto que constitui ria minha consciênc ia em algo exterior, e ligado à obrigaçã o e à, responsa bilidade. De feito, a obriga-
consegui ntemente destruí-la -ia. Eu coincidir ia com as coisas çã-0 pode não ser, na consciência, ·senão efeito da coação
que me determin ariam. Corno o animal, eu estaria alienado social (529), como a responsa bilidade pode reduzir-s e ao sen-
de mim mesmo. ·' ~., .............. , timento de haver agido segundo ou contra os imperati vos so-- ---.....
ciais ( o animal deve experime ntar algo parecido, visto que o
Certamente, esta resposta é forte. Estabelece, pelo menos, a vemos esperar ou temer as sanções aplicadas a seus atos).
extrema probabilid ade da liberdade. Foi-lhe, entretanto , objetado Aliás, é um fato que aplicamo s sanções contra sêres que con-
que a experiência que ela invoca poderia, a rigor, explicar-s pela sideramo s irrespon sáveis: crianças, dementes , animais.
realidade e pelo conflito de diferentes nivcls de determinação:e soli-
citado por várias tendências passionais, eu poderia ter a ilusão de Esta objeção não colhe. De uma parte, com efeito, a ex-
não estar determinado ad unum e de ser capaz de: escolher, sem que plicação dos sentimen tos de obrigaçã o e de responsa bilidade
a «escolha> seja verdadeiramente livre. Em todo caso, diremos nós, pela coação social não passa de um postulado ,qratuito, e dos
é um fato que a · capacidade de refletir, Isto é, de se ver e de se menos inteligíve is ( 402-408) . Doutra parte, se o animal dá
possuir a s1 mesmo, parece incompativel com a necessidade. Mas a impressã o de que espera pela sanção de seus atos, não é
nisso está justamente o argumento metafisico. Concluiremos, por-
tanto, desta discussão, que a consctência. psicológica não é perfeita- que êle se conheça responsá vel por êles, mas simplesm ente
mente válida se não implica ao mesmo tempo isso a. que se poderia porque a sanção, em razão do adestram ento, acabou por com-
chamar uma consciênc ia metafísica d.e liberdade. por um só todo (urna estrutura ) com o ato sancionado. Enfim,
se é verdade que se exercem coações diversas sôbre os irrespon-
1 1' B. Test.emunho da. consciência. moral sáveis, é unicamen te corno cor-retiva ou defesa, e não como san-
ção penal ou castigo. No sentido próprio do têrmo, só se san-
540 1 . Argumento. Sem liberdade , não haveria para o ho- cionam os atos dos sêres responsá veis. 7
mem: nem dever ou obrigação moral, pois não pode haver
obrigação moral ou dever senão para quem não está sujeito b) Responsabilidade e liberdade. Para dar todo o seu
a nenhuma coação; nem responsabilidade moral, pois não se pêso ao argumen to tirado da consciênc ia moral, convém notar.
tem de responde r senão pelos atos de que se é o autor; ne·m que êle consiste menos em inferir a liberdade da responsa bili-
mérito ou demérito, nem sanção de qualquer espécie, porqm! dade do que em apreender a liberdade na própria responsabi-
estas coisas só são inteligíve is em função da liberdade . lidade; quer dizer que o argumen to 'é mais psicológico do que
moral, e que, por isso, escapa a tôdas ·as dificulda des que se
l:ste é o argumento pelo qual, na Critica da razão prática, KANT podem opor a uma pura consciênc ia de liberdade .
estabelece a liberdade. Mas ai se trata apenas de um postulado .
A liberdade é postulada pelo dever, que , sem ela, não teria
algum ; ma., não é nem experime ntada (pois o sentimento desentido A fim de compreendê-lo, analisemos o sentimento de responsa-
dade é llusórlo, estando a experiência fenomenal submetida liber- bllldade moral. Verlficamos que a pessoa intervém aqui inteira;
terminismo mais rigoroso), nem · demonstrad.a, porquanto,aopara de- compromete todo o seu valor moral. Responde pelo que fêz
atribui, pois, a si mesma o valor de seus atos, tomando sôbreou quis;
demonstrá-la, seria preciso fazer da razão um uso transcendente,
uso que seria sofistico, não valendo a ~o, como não vale, senão carga que nenhuma inclinação natural e nenhum interêsse a sldeter-uma
no mundo dos fenômenos. A liberdade que o dever postula minam a suportar, e que, ao contrário, lhe contradiz as tendências
não é, naturais. A suspeita de ilusão (que poderia surgir de uma
pois, da ordem fenomenal: é, diz KANT, uma liberdade numenal, isto
é, uma liberdade que se exerce fora do espaço e do tempo, e que cria
habitual de julgar) perde aqui tôda base. O pêso meta.físicomaneira
<ta res-
ponsabilid ade como prov~ da liberda4e é, pois, não só maior que o
nosso caráter inteligível . do argument o que fundamos sôbre a conscUnc;a. de autodeten ntnação,
mas é também totalment e diferente. O que, no argument o tirado
2. Dificuldade. A objeção que se faz a êsse argumen to da consciência de liberdade, ainda é meramente implícito, a saber:
é que o sentimento de obrigação poderia resultar da coação a tomada de posição moral atual da pessoa. em face de si me.,ma
1 • social. M!lS esta objeção, que carece de valor, seria, sem dú- e, quando necessário, contra si mesma, eis o que clarament se
manifesta na responsabilidade. Porquanto essa posição não etem
vida, menos especiosa se se apreende sse bem tudo o que o sen- simplesmente forma de uma pura consciência de alguma coisa; não
timento de responsa bilidade moral implica. é mais somente uma tomada de posição <aparente:. (ou fenomenal),
a) A obrigação e a coação social. A objeção versa sô-
bre o próprio princípio do argumen to fundado na consciêncfa. 7 A prova disso está na discriminaç ão que nos esforçamos
por fazer
moral, e contesta que o livre arbítrio esteja necessàr iamente entre os delinqüent es responsáve is e irresponsáv eis. Nos casos duvidosos ou
difíceis, médicos especialista s são designados para os exames necessários .
A LIBERDADE 559
PSICOLOGIA
558
,, consideração. Mas, de um lado, êle não poderia bastar só
" por trás da qual algo de outra espécie poderia dissimular-se:_ é e: de outro, .nos encaminha aos argumentos tirados quer da po~ê Si,
imedia.tamente a própria, cotsa, a saber: a realidade de fato da Vida consc n-
moral ·a, vida moral em sua realidade objetiva. O ato de assumir -· -:, - moral.
• ...Ç!a. mi!çgiógica, _quer ..da consciência - -~
..:, _

a responsabilidade é um ato real, que não admite discussão de ma~.. ·---


neira alguma, e que tem o mesmo pêso de realidade que a ação ou § 2. PROVA METAFÍSICA

o querer. Esta prova é a mais sólida e a mais profunda de tAd


542
Desta análise, que revela um fato que acompanha e pe- porque nos ,?Aá razão d? livre arbítrio, mostrando que ~1:sê
!' netra tôda atividade propriamente moral, deve-se concluir que uma consequencia necessaria (ou uma propriedade) da razão.
um ser que assume a 1·esponsabiiitlade de seus atos e com ela
arca, isto é, que se conhece como princípio e autor dé/,es, de l. . ,PrincípJos do . ~entio. Os princípios dêste ar _
alguma forma deve ser capaz desta conduta. Ora, a noção mento Ja nos _sao fam1bar~s, pois dominam todo o estudo ~a
exata dessa capacidade nada mais é do que a noção da liber- vontade e da liberdade. Vimos com efeito ' que a vontade ver-
dade moral. Assim, pois, a liberdade, que se manifesta no ato manece indeterminada (id l , t )
- ea men e enquanto tem por objeto
de assumir e de arcar com a responsabilidade, não é um prin- nao
· o bemdabsoluto
Ih ·e· universal' senão bens par,,,;n
.,..,,is · ·tos '
· e f ini
cípio que se manteria como que por trás da consciência, numa incapazes e e satisfazerem
.... . · '
a capacidade 1·1·imi·tada, e mca-
espécie de segundo-plano metafisico. E', no sentido mais es- paz~s, por consequencia, de a determinarem necessàriamente.
!
trito, a liberdade tia consciência moral ,pessoal. Aqui se acham A liberdade é apenas o nome dessa indeterminação ideal.
t cumpridas as duas condições enunciadas por KANT e LEIBNIZ :
de uma parte, a autonomia da consciência, e, de outra parte, , 2. ~ t o : Poder-se-ia assim resumi-lo: A vontade
a autonomia da pessoa. Uma e outra, tomadas juntas, p1·0- e uma p_otenc1a racwnal_ que tem por objeto o bem conhecido
porcionam justamente aquilo que é exigido pela noção de uma pela raz:i,o sob forma universal (bonum in commimi) Só 1
bem umversal dete't"mina necessàriamente a vontad. esdse
fato I - .d d . e. que, e
P:;~
8
autêntica liberdade moral. , iao P? e eReJar nada senão sob o aspecto do b~
i' co!11o as ,coisas que atualizam concretamente a inclina;o
O
C. Testemunho da consciência social o oem. s? representam aspectos do bem, isto é bens r .t d
. ) ' a vont a d e nao
,pa.rticul,aria _111:1 a. os
- é' necessármmen-
641 1. Argumento. :t proposto sob esta forma: as leis, os contratos,
e parciais
te d t . rlu:ma.
d
os conselhos e as exortações, as promes11a.s e as ameaças supõem ª
;rrni1;a por nenh~~ d~les, quer dizer, é livre. A. libe~·-
a realidade ão livre arbítrw. Estas coisas não teriam sentido algum , pois, uma conseq-uencia necessária da razão. 9
se tivéssemos consciência de estar necessitados por coações internas:
ninguém se compromete a alguma coisa por contrato senão para ligar berd~~;:1' éo~sten~l~llstas, e especialmente para J.-P. SARTRE a li-
uma vontade que é tida como livre. própria essência eJ~e:im~~evi~~1;;la flmltoediata,a enquanto constitui a
· e e , se existência precede a
2. Dificuldades. Contra isso objeta-se que, ao contré.rio, tais ale-
gações implicam a crença no determinismo, porque, se se faz alguém
contrair um compromisso, se se lhe tmpõem leis e regulamentos, se 9 Cf. SANTO TOMAS Summa theo!o ·
se lhe exigem promessas, é por se pensar que essas leis e êsses con- in nihil potest tendere nisÍ sub ratione bo:tªs 1;, q._ 82, art. 2: "_Voluntas
propter hoc non ex necess1'tate· determma, t d e qu1a bonum multiplex est,
tratos lhe determinarão a conduta futura. Mas esta objeção não . ur a unum" E t d
· m o os os tempos,
tem valor: a execução dos contra.tos, das promessas, etc. prova a os psicólogos e os moralistas insisti
em que o homem se h ra~ ao mesmo tempo sôbre a necessidade
realidade de uma determinação ãos atos humanos pela tàé1a de dificuldades que expe;i~:n: per~_gmr bem (ou a felicidade) e sôbre as
dever, de ju~tiça, de inter~sse, ma,s não o determin,tsmo, quer dizer, quais os que podem asse em ~cernir, nos bens qufl lhe são oferecidos
aqui, a necessidade. De fato, lels, contratos e promessas muitas vêzes Cf. S1!:NECA, De vita beata·~~:~er:f1cazme~te t seu bem ou sua felicidade:
são violados. quid sit quod beatam vit~m eff' . omne~ ea e volunt: sed ad pervidendum
Assim .argumentam partidários e adversários da prova pela schvkg, n.º 169): "Não ob~ta t 1c1at, ca~1ga~t". PASCAL, Pensées (Brun-
consciência sócial. De fato, nem a prova, nem a objeção, nem a feliz quer ser e não pod~ ~/ sua~ m1sér1as, o homem quer ser feliz, e só
resposta parecem multo convincentes. Não têm valor, com efeito, Action, mostro~ com rande f ixar e _querer sê-lo". M. BLONDEL, na
nem pró nem contra a liberdade moral. Bem se pode admitir que o ut natura) no princf!io de a :-e~~1d;de dessa fôrça querente (voluntas
consentimento geral em favor da liberdade merece ser tomado em lógica da felicidade que se ex r' a 1v1 a e no~sa, e impondo a esta essa
cegueiras e nas faltas da v~ntad! q1rnuer'daté( nals incertezas e nos erros, nas
e 1 a ''º untas ut facultas) .
8 Cf. N, HARTMANN, Ethik, Berlim, 1935, págs, 659-672.
560 PSICOLOGIA LIBERDADE
A 561
essência, ou se a existência não tem essência distinta de si mesma,
dai imediatamente se segue que a realidade própria da existência, A. Liberdade e indiferença
não podendo ser ligada a nenhuma outra coisa para além de si, é .
contingência radical e finitude irremediável. A existência está 1. Indiferença de equilíbrio. í: a concepção de DESCAR-
«jogada lb, numa derelição tal que só repousa sôbre si e só consigo TES, de REID e dos Escoceses, de V. CoUSIN e dos Ecléticos,
pode contar. Isto equivale a dizer que ela é essencialme.ite liberdade,
neste sentido, precisamente: que não depende de nenhuma outra para os quais a liberdade se define pela indiferença ante os mo-
coisa senão de si. Liberdade signiftca, pois, contingência absoluta, tivos ou pelo estado de equilíbrio, isto é, como o poder de se
e define adequadamente o ser ela existêneúL. O homem, diz SARTRE, decidir a si mesmo independentemente de qualquer influência
está «condenado a ser livre>, porque a escolha de seus fins não de- exterior ou interior, poder "que nada predomina, nem mesmo
pende absolutamente senão dêle, sendo, portanto, Incondicionada,
sem razão e injustificável, e porque o homem já não pode furtar-se aquilo que o sujeito é antes do último momento que precede a
a essa eleição mais do que pode negar-se a ser, - o que, ainda por a,ção" (RENOUVIER, La Scíence de la Morale, I, pág. 1). Daí qmi
cima, não passaria de outra forma de escolher e de ser {cf. SARTRE, DESCARTES ponha em Deus a vontade antes da inteligência, e
L'Etre et le Néànt, págs. 541-561). ensine que não há "verdades eternas"; estas são criadas por
Essa argumentação, por mais contestável que seja na fonna que Deus, que bem houvera podido também criar o que nós denomi-
reveste, não deixa de se fundar num justo sentimento da exigência
metafísica de liberdade que está implicada na própria estrutura da namos o absurdo e que, nessa hipétese, teria sido para nós ver-
realidade-humana. Em certo sentido, com efeito, é verdade que o dade absoluta e necessária.
homem está <i:condenado a ser livre>, enquanto a liberdade é uma
propriedade essencial do ser racional que êle é. O homem é livre 2. A indüerença é um mito e uma impossibilidade. A
precisamente por ser homem e por ser, e, se pode abdicar sua li-
berdade, esta própria abdicação ainda é obra de sua liberdade. Mas teoria da liberdade de indiferença é initeligível e contrária aos
a expressão «condenado a ser livre> tem, em SARTRE, um sentido que fatos. A hipótese de dois motivos iguais em fôrça (hipótese
não podemos admitir, pois significa, no homem, uma contingência :ümbolizada pelo "burro de Buridan"), 10 e que deixaram o ho-
tão absoluta da escolha de seus fins, que a liberdade se torna com
isso {como o diz SARTRE) essencialmente absurda. Ao contrário, cre- mem num estado de equilíbrio impossível de modificar, é irre-
mos que, se a liberdade é um aspecto da razão, e portanto da essência alizável e, ademais, implica uma concepção mecânica do querer
do homem, é, como tal, o mstrumento pelo qual o homem tem de que não tem sentido algum. 11
se realizar como racional, Isto é, de fazer existir, por seu esfôrço e
segundo as normas da razão, uma essência que deve ser sua obra Quando a supor que a vontade paira, de alguma sorte,
mais pessoal. O homem não está «condenado> à liberdade, como por acima dos motivos e decide despôticamente, vimos que isso era :j
efeito de uma fatalidade que teria. de suportar sem lhe compreender ,,
a significação: deve, antes, aquiescer à liberdrttle, Isto é, à própria impossível : não sômente a volição careceria de razão explicá-
11
razão., na qual ela encontra a um tempo seu fundamento e sua lel. vel, mas também, por falta de razão, ficaria reduzida a puro
automatismo. De fato, a liberdade de indiferença é exatamen- '1
1

A.RT. III. NATUREZA DO LIVRE ARB!TRIO te a dos autômatos, que são indiferentes às pressões que sôbre I'
.1
elas se exercem, e que se movem segundo as leis de equilíbrio 1
1 !

549 As provas de experiência e a prova metafísica estabele- das -fôrças. i


r
cem de maneira absolutamente certa a realidade da liberdade I'
moral. Trata-se apenas de bem entendê-las, para lhe8 apre- i 1
1
ender tôda a fôrça. Ao mesmo tempo, elas nos ajudam a Cf. LEIBNIZ, Teodic-éia, 1, pág. 49: "É o que também faz que o
!111
. 10
compreender melhor a natureza do livre arbítrio, fazendo-no!! caso do asno de Buridan entre duas pastagens, igualmente inclinado a ambas
seja ·uma ficção que não poderia ter lugar no universo, na ordem da nature~
ver que as objeções que se opõem à liberdade moral provêm, za_[. ·.:l· Verdade é que, se o caso fôsse possível, haveria que dizer que êle se
1

as mais da.a vêzes, de noções inadequadas ou falsas do livre d1mcaria morrer de fome: mas, no fundo, a questão é sôbre o impossível" .
1 I
1
'i
arbítrio, já porque exageram ou entendem mal a indetermina- ~ 1 Cf. LEIBNIZ, Teodicéia, 1, pág. 46: "-Há, pois, uma liberdade. ·de· I,
ção (liberdade de indiferença), quer porque exageram ou en- cont~ência ou. de algum modo, de indiferença, desde que por indiferença
se entenda que nada nos necessita para um ou outro partido; mas nunca há
tendem mal·· a determinação ( determinismo psicológico). A indiferença de equillbrio, isto é, em que tudo seja perfeitamente igual de
noção que a experiência e a análise impõem está a igual dis- uma parte e de outra, sem que, haja mais inclinação para um dos lados. Uma
tância dêsses dois erros contrários, pois determina a justa parte in1irudade de grandes e pequenos movimentos internos e externos concorrem
conosco, os quais as mais das vêzes não se percebem; e eu já disse que,
que compete ao mesmo tempo à determinação e à indetermi- quando se sai de um quarto, há tais razões que nos determinam a pôr tal
nação (liberdade de autodeterminação). na frente, sem que reflitamos niss,;,.".
A LIBERDADE 563
562 PSICOLOGIA

demos ..:onceder ou retirar nossa atenção ; ª mas, suposto que


1
B. Liberda de e detefflli nismo psicológico no sentido do motivo
a concedamos, é necessá rio que ajamos
544 1. Privilégio do «motivo mais forle». Como acaqllmos ..mais. forte,_ 1
~ A_ 'l!!>Jiyão__ #1yo~L~~1r,, r~~ltad o, e não um ato.
de ver, LEIBNIZ criticou energica mente a liberdad e de indife- - Por outro lado, a conting ência metafís ica, pela qual LEIB:- -·--·
NIZ define a liberdad e, rigorosa mente falando nada mais
é do
rença, e mostrou que não existe ato voluntá rio sem motivo ou
razão. Como, por outra parte, a vontade não pode ficar em que a possibil idade abstrat a: o ato metafis icament e conting en-
estado de equilíbr io entre vários motivos, segundo LEIBNIZ o te é aquêle que em sua essência ideal não tem nada que o faça
necessà riament e existir. Mas isso nada tem qne ver com o ato
.1
motivo mais forte é que necessà riament e prevalece, e determi -
na a volição. livre, que, se fôr verdade irament e livre, deve ser psicologica-
Todavia, ainda segundo LEIBNIZ , o ato assim produzido é mente conting ente.
livre. Porque êsse ato é: inteligente, visto, que o motivo mais
forte é tal pela atenção que nêle se concent rou; espontâneo, isto e. Liberdade e autodeterminação
é, produzi do sem coação externa ; contingente, isto é, não me-
taflsica mente necessá rio. LEIBNIZ resume tudo isso dizendo 546 Da dupla discussã o precede nte resulta que ser livre não
que o ato livre é aquêle que é praticad o infallibiliter, certo, sed é ser indifere nte às tendenc ias que se manifes tam na consciên-
ncn necessario. cia, nem tampouc o sofrer necessà riament e a ação da mais po-
t Nessa concepção, acresce nta LEIBNIZ , compree nde-se que derosa delas, mas sim essencia lmente determinar-se a si mes-
t haja graus de liberdade. ~ates serão em proporç ão com a par-
mo. É o que ARisTóTELES exprimi a sob esta forma: não é a
J vontade que quer, e sim o homem· pela vontade ; e, por conse-
te de razão existent e nas nossas decisões. A liberdad e mais in- qüência , se há liberdad e do querer, essa liberdad e é a do pró-
ferior, avizinha ndo-se do automat ismo, será aquela que não prio homem; ou, por outras palavra s, se é certo que não pode
tem outra razão senão a obediência aos imperat ivos coletivos. haver ato livre sem motivo, êste não é causa do ato (o que nos
A liberdad e mais alta (liberda de de perfeiçã o) será aquela em reduziri a ao determi nismo) , senão parte integra nte dêle, ou,
que tôda a decisão e tôdas as decisões proviere m da razão. Fi-
J' nalment e, como a liberdad e se mede pela razão, será definida
mais exatame nte ainda, constitu i-o como livre. Ser bivre é,
propriamente, produzir u,m, ato motivado, o que exprimi mos
como o determinismo do melhor: poder-se-iam mesmo prever de pelo têrmo autodeterminação. Há, todavia, várias maneira s de
antemão todos os atos livres, se ae conhecesse (como o conhece compre ender essa autodet erminaç ão, e é importa nte distingu i-
Deus) tudo o que condicio na o jôgo dêsse determi nismo.
12
las bem-.

545 2. O ~rmin ismo psicológico destrói a liberdade. A 1. A espontaneidade.


concepção de LEIBNIZ não parece compatível com a liberdad e j'
autêntic a, pois parece implica r, diga LEIBNIZ o que disser, uma a) Teoria bergsoniana. BERGSON define como ato livre 1

determi nação necessá ria do querer. Se êste é "infalív el e certa- o ato "que emana do eu e só do eu", aquêle "do qual só o eu 1
mente" determinado pelo motivo mais forte, não se vê como se fôr o autor" (Essai sur les données immédi ates de la consci-
poderia escapar à necessidade. Diz bem LEIBNIZ que é a aten-
ção que faz que tal motivo seja o mais forte, isto é, que a alma
1
Ct. Noveaux Essais, II, pág. 47: "A alma tem o poder de suspende r i
é livre de conside rar ou não seus desejos, de compará -los en-
18
em liber-
o cumprime nto de alguns de seus desejos, e, !)Or conseguin te, está
consiste a
tre si e deI se deter diante de um dêles (liberda de de exercíci o). dade de considerá -los um após outro, e, de compará- los. Nisso
no meu
liberdade do homem, e aquilo a que, ainda que impropria mente,
Mas nem por isto deixa de ficar. de pé que, do ponto-de-vista entender, chamamo s livre arbítrio".
da espéd,ficação, o desejo (ou o motivo) mais forte é que pre- . 14 Cf. Nouveaux Esscris, II, pâg. 47: "A execução de nosso desejo é sus~
valece pÓr si mesmo, desde que é apresen tado à razão. No fun- pensa ou detida quando êsse desejo não é bastante forte para nos
mover e
. J. Mas,
do , LEIBNIZ reduz tôda a liberdad e à liberdad e de exercicio : po- para superar a pena ou o incômodo que há em satisfazê- lo [ ..
,· o impede
quando o próprio desejo é bastante . forte para mover, se nada
simples
pode êle ser deüdo por inclinaçõe s contrárias , quer consistam num o pró-
pendor, que é como o elemento ou o comêço do desejo, quer vão até c11n-
Ul Cf. LEIBNIZ, Noveau:,; Essais sur l'entende ment humam, Il, págs. 13-54. prio desejo. Entretant o, como essas inclinaçõe s, pendores e desejos
A LIBERDADE 565
564 PSICOLOGIA .
que atinjam uma profundeza suficiente! refletem cada um a perso-
ence, pág. 127) : "É da alma inteira que a decisão livre emana; nalidade inteira, e são, justamente yor ISSO, o que se chama um ato
e o ato será tanto mais livre quanto a série dinâmica a que êle livre, pois nêles e por êles ~e exprime. o eu total ou o eu profundo
(por oposição ao eu supedic1al, dominado por um automatismo cons-
pertença tender mais a se identificar com o eu fundamenta l" . .. ciente)- cumprir4, pois,._qiz.e,r, ~.ess!l caso, ,segundo o justo repar? _de .• ··-
ll:sse ato, que nos resume todo inteiro, é, diz BERGSON, as M PRADINES (Psychologíe générale, m, pag. 376), que «meus V1C10S:· ...... ..
mais das vêzes irrefletido. Não que seja irracional, mas a re- profundos podem tornar-mé mais livre do que minhas virtudes su-
flexão é supérflua. Se esta se junta a êle, é só depois: "ela ve- perficiais»! Por aí se vê que o êrro de BERGSON é haver. desconhecido
que, se é próprio da vontade livre, com efel~, unif1car:,nos, ~a
rifica, explica, mas não constitui; quando muito, serve para unificação só pode realizar-se pela subordinaçao das paixoes sens1-
preparar os atos futuros". Finalmente, o ato verdadeiram ente veis ao plano superior da razão. ir.
livre é aquêle "ao qual nos decidimos sem razão, talvez mesmo
contra tôda razão" (Essai, pág. 130). 547 2. A autodet.erminação.
Em Matiere et Mérnotre, págs. 16 e segs., BERGSON mostra que a
condição da liberdade reside na interposição do cérebro entre as a) Sua natureza. A espontaneid ade é realmente exigida
excitações e os moVlmentos. O cérebro é essencialmen te um órgão pela autodetermi nação, já que a primeira condição desta é que
de adaptaçãq e de escolha, enquanto as vias motoras que dêle depen- a ação proceda da iniciativa própria do agente. Mas isso não
dem, tomando-se cada vez mais numerosas à medida que a mais basta, porquanto a espontaneid ade só exclui a coação externa,
alt.o se sobe na série animal, a resposta à excitação aduzida pelo e é compatível com o determinism o interior mais rigoroso. A
influxo nervoso adqu{re uma indeterminaç ão cada vez mais extensa.
A liberdade apóia-se nessa indeterminaç ão: quant.o maior é esta, autodeterminação que define a liberdade deverá, pois, excluir
;: tanto mais campo ou poder de ação alcança a liberdade. No animal, também tôda espécie de coação interna. 16 Ora, a coação inter-
a margem de indeterminaç ão f! fraca, e pode ser tida por nula. No na pode provir : ou da tirania de uma representaçã o, que se
homem, é imensa. impõe sem que o sujeito tenha qualquer poder sôbre ela (caso
b) Discussão. Parece que a doutrina bergsoniana reduz dos animais e dos automatismo s resultantes de idéias ou de
a autodeterminação à pura espontaneidade, quer dizer, à ação imagens obsessionais ) , ou de uma impotência para dominar
e fixar o fluxo das representaçõ es (automatism os das difereD:-
t isenta de coação extrema ( consistindo esta, para BERGSON, na
pressão social ou coletiva, bem como na mecanização da con-
duta, que traduz o pêso das coisas sôbre nossa consciência) .
tes espécies de abulias: 533). Dai se segue que a autodetermi-
nação que define a liberdade con.mte no poder de dominar o
Sem dúvida, BERGSON admite que a razão intervém no ato li- cu1'so das representações, e de fixar ou deter êsse curso so~ for-
1 vre, visto não ser êste "irracional" . Mas não intervém como ma de um último juizo prático que diga o que deve ser feito.
i\ potência que julga e governa: não passa de um elemento da Sob pena de ser absurdo, êste último juizo tem eyi?ente-
corrente que provoca a decisão. É por isto que BERGSON insiste mente sua razão suficiente na disposição total do suJe1to no
tanto em situar a deliberação após o ato. Vimos que isso podia momento da decisão, isto é, como já se viu (525-526), _em _s~a
ser verdadeiro do ponto-de-vis ta cronológico (510) ; mas, para personalidad e concreta. "Qualis unusquisque est, tahs17 fmrn
., BERGSON, isso é verdadeiro também logicamente, quer dizer, as
razões são apenas um ponto-de-vis ta parcial e tardio sôbre o
videtur ei" (SANTO TOMÁS, S. Theol., la, q. 83, a. 1). Mas
isso, que exclui a concepçã~ despó~ica do quei:er, implica
impulso total que constitui o ato livre. Portanto, a autodeter- nenhuma volta ao determimsm o, VIsto que a d1spos1çao do su-
minação, tal como a concebe BERGSON, fica reduzida à simples
espontaneida de. 16 Cf. P. RICOEUR, Phifosophie de 1a volonté, t. 1, págs. 152-155.

,~
Para BERGSON, o sinal mais claro e maLs seguro que temos de 10 HEMELIN (Eléments principaux de la représcntation, pãg. 380) foca-
nossa liberdade consiste na harmonia perfeita da alma, Lsto é, em liwu bem êste ponto, fazendo notar que, "por si mesma, a espontan~idade
sua plena edntetra determinação . BERGSON chega mesmo a dizer, não se garante como absoluta", pois dar razão de tudo o que se pratica '!u
para ilustrar êste ponto de vista (Essat su.r 1es données tmméd.fates, se produz não é dar razão de si, nem conhecer-~e como um,:i fonte _d~ açao
1 págs. 126-127), que uma simpatia, uma aversão ou um ódio, desde realmente primeira. · A consciência de e!lpontane1dade poderia coex1st~r com
o determinismo radical. Por conseqüt-ncia, a liberdade só poderia s~r
l
'
identüicada com uma esoontaneidade que trouxesse em si mesma sua pro-
trários já devam achar-se na alma, esta não os tem em seu poder, e, por pria garantia". HAM:ELIN acrescenta, a justo título, que tal espontaneidade
conseguinte, não poderia resistir de maneira livre e voluntária, em que a é essencialmente aquela que implica contingência".
razão posse ter parte, se não tivesse ainda outro meio, que é o de desviar 17 O axioma operari sequitur esse tem o mesmo sentido.
a mente pura cutro lado".

1 j
566 PSICOLOGIA A LIBERDADE 567

jeito (isto é, a síntese psicológica que define a personalidade 1. Fatalismo muçulmano. Esta forma de fatalismo foi
concreta) depende do próprio sujeito. admitida pelos antigos gregos, e sobretudo pelos maometanos
. ("Esta,va escrito"), que su~õem ~u.e uma fôrça ~nôn~ma e in-. _
b) Sua raiz primeira. A final de coritas, a autodetermi- flexível (fatalidade ou destino) dirige o curso dás coisas, sem
nação significa, no sujeito inteligente, o poder de ser êle pró- que nenhum esfôrço humano possa mudar nelas o que quer que
prio o que quer ser (529). A liberdade é a forma dêsse poder seja. Nosso próprio esfôrço para modificar os acontecimentos
relativamente ao ato: êste, conforme ao que é o sujeito que o entra no destino como um de seus elementos.
produz, é livre na medida em que êste sujeito é o que quer Esta concepção não deve ser confundida com o determi-
ser. O ato verdadeiramente livre é sempre diferente daquele nismo, tanto menos quanto não é incompatível com a crença na
que poderíamos explicar por uma causa exterior. Mas não pode liberdade moral, podendo o Destino utilizar para seus fins as
ser diferente do que é aos olhos daquele que quis a ordem es- ações livres dos homens.
piritual de que êle procede e que êle ao mesmo tempo revela.
2. Fa.talismo panteísta. Em compensação, o panteísmo
No seu Ensaão .sôbre o livre arbítrio (Werke, ed W. Ernst, t. Ili. de maneira alguma pode acodar-se com a crença na liberdade.
pág. 488), ScHOPENBAUER emprega uma fórmula dêste gênero: «O Se tudo é Deus, ou se Deus é o Todo, tudo é necessário como
homem nunca faz senão o que quer, e, no entanto, age sempre ne- Deus. Esta doutrina depende, evidentemente, da hipótese pan-
cessàriamente. A razão disto está em que êle já é o que quer; por-
quanto daquilo que êle é decorre naturalmente tudo o que êle faz>. teísta, que teremos de discutir em Teologia natural.
Mas o sentido é tnteinimente diferente: com efeito, ScBOPENBAUER ' 1

refere-se expressamente à doutrina kantiana da liberdade transcen- B. Presciência e pred-eterminação divina


dente ou do caráter intellgivel, e nega tôda espécie de liberdade na
ordem empírica. Seu pensamento exprimir-se-ia muito melhor pela
fórmula fam1llar a HEGEL: «A liberdade é a necessidade compre- !549 As vêzes tem-se querido aproximar dessas concepções fa-
endida». talistas as doutrinas teológicas da presciência e da predestina-
ção divina.
Quanto à raiz primeira dêsse poder de alguém ser êle mes-
mo, é a razão, pela qual o homem é ao mesmo tempo libertado 1. Ponto-de-vista teológico. Deus, dizem os teólogos,
da servidão das coisas sensíveis, e capaz de tomar posse de si prevê necessária e infalivelmente, em virtude de sua onisciên-
pela reflexão. cia, não só todos os acontecimentos necessários, mas também
todos os "futuros livres", isto é, todos os acontecimentos que
ART. IV. ARGUMENTOS DETERMINISTAS dependem do livre arbítrio. Doutra parte, Deus é fonte uni-
versal do ser, e tudo o que se produz no universo só pode exis-
548 Os partidários do determinismo não somente tentaram re- tir pelo influxo do poder criador de Deus. Daí se segue que
futar as provas da liberdade moral, mas ainda propuseram mesmo os futuros livres são fisicamente predestinados por Deus
certo número de argumentos destinados a estabelecer que a li- (promoção física) .
berdade moral não pode existir. Segundo essas teses, a liber-
dade seria inconciliável quer com o poder divino, quer com as 2. Obj~ e resposiaa. Dêsses princ1p10s, que decor-
leis naturais. 18 rem logicamente da natureza de Deus e da natureza das coisas
criadas, alguns têm querido deduzir que a liberdade humana é
ilusória, já que Deus não somente conhece de antemão atos que,
§ 1. FATALISMO E PREDETERMINAÇÃO por definição, são imprevisíveis, mas também predetermina
atos que, por definição, não podem ser predeterminados.
A. O «faturo» Os teólogos, contudo, protestam contra essas conclusões,
de modo algum impostas pelos princípios que êles enunciam.
o fatalismo apresenta-se sob duas formas diferentes, que Por um lado, com efeito, a previsão divina é, de fato, uma vi-
são o fatalismo muçulmano e o fatalismo panteísta. são, pois Deus está acima do tempo. Por outro lado, os futu-
ros livres são previstos e predeterminados como livres, visto
18 Cf. G. MOTTIER, Déterminisme et !ibeTté, Neuchâtel, 1948. que Deus move cada ser segundo sua natureza, os sêres neces-
568 PSICOLOGIA A LIBERDAD E 569

sários como necessários, os livres como livres. Todavia, cum- às formas inferiores , senão também de formas de ser cada vez menos
determina das em si mesmas. 1 9 Essa argument ação 'd.e BoUTRoux,
pre reconhec er que, se essas doutrina s teológicas nada têm que .P.r9P~~Pl~~~. t11:1and<>., 11ã<> p_rov:?:~~3:.3: :ealidade do livre-~rbí trio, mas
ver com o fatalismo , por elas excluído mesmo absolutamente,··-· sômenté sua possibiliêlade· ou· 'fJerosstmtlhança. AdemaIS, comporta -
deixam entretant o subsistir um certo mistério, que se prende à 11m equivoco, ·pois a . contingên cia ·que BoUTRoux descobre na nature-
nossa impotênc ia para compree nder adequada mente os modos za não é, de modo algum, da mesma ordem que .a que define o ato
da causalida de divina. livre. Com efeito, na natureza, a contingên cia das leis, que aumenta
à medida que progredim os na escala das ciências, não é senão a
conseqüên cia da complexid ade dos fenômenos, e· ·assmala muito
§ 2. 0 DETERMI NISMO FÍSICO mais a interferên cia de determini smos múltiplos do que a ausência
de determini smo. Ao contrário, a contigênc ia que define o ato livre
exclui o determini smo (no sentido de determina ção necessária ) . Sem
550 Aqui os argumen tos são tirados do domínio das ciências da embargo, BoUTROux conseguiu realmente demonstr ar que «necessi-
natureza . A noção de ato livre seria diretame nte contrária ao dade e determina ção são coisas distintas> (Idée de lot naturelle,
principio de causalida de e ao da conservação da energia. pág. 141).

A. Liberdade e causalida de 4. Voluntari smo de Renouvler. Sob o nome de neocriticis mo,


RENoUVIER propõe um kantismo desvencllh ado do mundo numenal e
não comporta ndo outra realidade a não ser os fenômeno s, e êstes
l. O det.erminismo fenomen al KANT acha que a liber- mesmos reduzidos à relação. Em tal universo, não há lugar para a
dade é postulada pelo dever. Mas a liberdade assim postulad a liberdade. Entretant o, utllizando aqui modos de ver de LEQuIER,
é de ordem intempor al (liberdade numenal ). Ao contrário , na RENouvma entende que a liberdade deve ser postulada como «a con-
dição necessária que possibilita o conhecim ento e a ação humanas,
ordem fenomenal não há liberdade possível, pois todos os fe- que não t.êm sentido se não livres>. «Duas hipóteses>, diz LEQU1ER: «a
nômenos são regidos pelo principio de causalidade, em virtu- liberdade ou a necesstdade. A escolher entre uma e outra; com uma
de do qual, diz KANT, tais antecede ntes produzem necessàri a- ou com outra. Não posso afirmar ou negar uma ou outra senão por
meio de uma ou de outra. Prefiro afirmar a liberdade e afirmar que
mente tais conseqüentes. "Os princípio s determin antes de cada afirmo em nome da liberdade . Assim renuncio a imitar os que
uma de (nossas) ações residem naquilo que pertence ao passa- procuram afirmar alguma coisa que os obriga ai afirmar. Renuncio
do, em algo que já não está mais em (nosso) poder" (Critique a prossegui r a obra de um conhecim ento que não seria meu. Abraço
de l,a 1'aison pratique, Picavet, pág. 176), tanto que, se conhe- a certeza de que sou o autor> (LEQUIER, citado por RENotrVIER, Psy-
cêssemos tôdas as condições externas e internas dos atos de um chologie rationelle , I, pág. 138).
Esta doutrina não poderá passar como sendo uma prova da li-
indivíduo, poderíam os calcular- lhe a conduta futura "com a berdade, visto como a escolha. clesta é efetto de uma opção racional-
mesma certeza que um eclipse da lua ou do sol" (ibidem, pági- mente tn.justift.cável. O postulado que fundamen ta a opção é, aliás.
na 169). puro sofisma, porquanto êsse «algo que nos força a afirman não é
outra coisa senão a evidência, a qual só salva a liberdade da afir-
mação ligando-a às exigências da razão, e só ela faz que a certeza
2. Discussão. Sem insistirm os aqui sôbre a dificuldade seja minha, justifican do-a perante minha razão. Aliás, supondo que
de compree nder como pode uma ação ser simultân eamente li- liberdade fundamen te a certeza, dai se seguiria que as crenças e as
vre e necessári a, observar emos que o princípio de causalidade, decisões voluntária s seriam tão diversas quanto os lndividuos, e que
que efetivam ente é condição de inteligibilidade, exige que "tudo não haveria nem verdades gerais nem princípios comuns de conduta:
seria o ceptlcismo e a anarquia moral, que RENOUVIER justamen te
o que começa a ser seja produzid o por outro (causa)" , mas pretende evitar.
não, como o diz KANT, que isso seja produzido necessàri amen-
te. A causa ou o antecede nte podem agir necessári a ou livre- B. Liberdad e e conserva ção da energia.
mente. O êrro de KANT consiste em reduzir arbitràriamento::
tôda causaliddde à causalidade mecânica ([, 208-209) . 552 1. A liberdade implicaria cri~ de energia. O ato li-
vre, diz-se, seria um ato não determin ado por seus antecede n-
551 3 . . Críticà de Boutroux. Em sua obra La C()(fl,tingence àes lois tes, e, por consegui nte, um ato que implicari a a um tempo cria-
de la nature, BoUTRoux pretendeu mostrar que, contràriam ente às
asserções dos determini stas, hà contingência; no mundo contingên cia ção de energia, pela novidade que êle comporta ria, e aniqililação
que ~e acentua à medida mesmo que nos elevamos ~a hierarqui a
dos seres. É o que; se deduz da classificação das ciências por Augusto 10 BOUTROU X, De !'idée de toi natuTelte dans la.
science et !a philo-
CoMTE (1, 159), onde se vê que a complexid ade crescente
dos fenô-
sophie contempoTa ines, págs. 135 e segs.
menos implica a realidade não sómente de formas de ser irredutíve is
r··

,,' A LIBERDA DE 571


570 PSICOLO GIA

entre êSlle «indeterminismo», que parece ser o nome do acaso, e a


de energia, pelo fato de que a· energia própria dos anteced entes liberdade, que implica a determi nação raciona l, não há identifi
ca-
seria, parciah n.ente ao menos, inefica z. Ora, tudo isso é contrá- ção nenhum a concebível.
rio ao princíp io da conserv ação da energia , em virtude do qual
todo fenôme no não faz senão reprod uzir sob urna nova forma a C. Liberdade e socieda de
energia de seus anteced entes; ou, noutro s têrmos , a quantid ade
de energia de um sistema dado perman ece constan te através 1559 1. Det.er:minismo social As teorias sociol6gica.G con-
de tôdas as suas transfo rmaçõe s interna s. tempor âneas parece m ter reforça do o argume nto determ inista
tirado da coação da socieda de sôbre os indivíd uos. Para justi-
a
2. ·Discus são. O princíp io da conserv ação da energia é ficar a asserçã o de que o indivíd uo sofre necess àríame nte
um apostol ado da física. tsse postula do, por outra parte, só ação do meio social em que vive, invocam -se sobretu do as esta-
vale para os sistema s fechado s, e só tem sentido no domíni o tísticas. Estas, com efeito, parece demon strarem que, em de-
da quantid ade. O ponto-d e-vista da qualida de já obriga, em termin adas condições, certos fenôme nos sociais julgado s de-
Física mesmo, a completá-lo pelo princip io da degrad ação da penden tes da vontad e human a, têm uma freqüên cia constan te.
energia , em virtude do qual a energia , embora perman ecendo DURKHEIM mostro u, ·por exempl o, que o suicídio , num dado
constan te em quantid ade, tem a proprie dade de se reparti r en- meio social, aprese nta uma taxa de freqüên cia muito mais re-
tre os corpos da maneir a cada vez mais uniform e. Com maio- gular que a mortali dade. Um econom ista observ a, no mesmo
ria de razão não se pode fazer uso dês se princípio no domínio sentido , que "o trânsit o da estrada de ferro de Lião a Marse-
s
ps-icológico. lha é menos variáve l do que a vazão do Ródano , cujas margen
ela segue" (CH. GIDE, Cours d'économie politique, c. I, § 3).
Quisera m alguns filósofos demons trar a possibilidade ESda apesarllber-
dade a partir dos próprios dados cientificos. Já DESCARr o par' LEIBNIZ 2. Discus são.
de seu principi o de conservação do movimento, corrigid esquem a dessa
em principi o da conservação da energia , fornece o conserv
argume ntação, quando. oooerva que o princípi o da ação dÓ a) Sentido das médias estatísticas. O argume nto basea-
movim~~to não ~xige a constân cia da direção doa movime nto: por
alma pode mo- do nas estatíst icas não tem o alcance que se lhe quer dar. Pri-
consequencia, pela ação sôbre a glândul a pineal sem modific ar meiram ente, pode-se observ ar que a constân cia das médias
é
dificar o sentido do movime nto dos espiritos anii'.n.ais 41).
a quantid ade de movimento (Tratté des Passions, pág. os uma CoURNOT, relativ a a um número abstrat o de indivíduos quaisquer, mas
no século XIX, mostrou que, em certos sistema s mecànic
fôr- não a indivíd uos determ inados. Isso mesmo implica que as leis
(uma cen-
ça intima pode produzi r _efeitos sem proporção com ela estatísticas são não só compatíveis com a indeterminação dos
telha determi na uma explosão). WUNDT aplica esta observação te
à
biologia e à psicologia, sob o nome de princípi o de energiaes.crescen
elementos, como também implicam, essa própria indetermina-
em virtude do qual as reações são superiores às excitaçõ Enfim: ção (], 275). Quanto menos determ inados em si mesmo s são os
acresce nta-se, a Física contem porânea demons tra que o determt
nis-
ota elemen tos, tanto mais precisa será a lei estatíst ica. De feito,
bancarr
se se trata de indeter minaçã o pura (acaso ), a iné1·cia total dos
mo s6 tem valor na escala macrosc 6ptca, mas está em
no mundo Infra-at ômico, onde a naturez a parece procede r de ma-
nsi- elemen tos quanto à distribuição dos resultados dará nos gran-
neira análoga ao que chamam os liberdad e ou escolha na ordem -
cológica. des número s médias absolu tament e rigoros as. Se se trata de
&sses argume ntos pretend em combat er em seu próprio terreno
a indeter minaçã o de ordem psicológica, a precisã o das médias
teoria determi nista fundada nas ciências. Mas, ao fazê-lo serã, igualm ente, propor cional ao grau de indeter minaçã o, visto
incorrem
no mesmo equívoco, consistente em ldenttft car dots dominw s (o
por isto que que esta signific a a capacid ade de se determ inar median te ra-
físico e o psicológ ico) que são trredutf veis entre st. J!:cer
nenhum dêsses argume ntos parece eficaz para estabele daainda
que zões : quanto mais acessíveis os elementos indivi.duais forem à.s
fôsse simples mente a possibilidade ou a verossim ilhança liberdad e razões que se exprim em nas leis morais, civis ou sociais, tanto
do qual se afir-
moral. 20 Quanto ao «indeter minism o tisico» (1, 211), grau de contin- mais constante será seu comportamento. Ao contrár io, qua_nto .
ma que induz a pensar que a naturez a admite certo , cremos que, mais sujeito s êles forem a automa tismos irracio nais, tanto me-
gência, e, par ·conseguinte, que a liberdad e é possivel nos constan te será seu compo rtamen to. No limite, numa so-
ciedade de dement es (se os dement es podem formar socieda de),
Tudo o que aqui se pode dizer é que, sendo a !iberclacle
20 estabe!ec ida as médias de compo rtamen to seriam de uma instabi lidade de-
articulaç ões sináptica s,
por ou~ro lugar, o sistema nervoso parece, pelas sespera dora.
harmoni zado ao jôgo da liberdad e (59).
.
' J

f \ 572 PSICOLOGIA A LIBERDADE 573


r~
A constância dos casos de suicídio numa dada sociedade não realizada inteiramente. Em certo sentido, dever-se-ia ante.~
:~ passa, de fato, de um aspecto da constância das determinações d.e
ordem racional (moral ou religiosa) que governam a vida humana, dizer que o homem não nasce livre, mas se torna tal na própria
e, por conseguinte, da liberação ·do maior número dos indivíduos em • ·'=·· "meâida ··em· ·que ··se· torna· racional. ····Dessarte, é como que um
relação dos automatismos irracionais. As tabelas de mortalidade não. campo ilimitado que se oferece ao progresso da liberdade. Por-
··1 podem ter semelhante constância, precisamente porque a percenta- quanto a liberdade perfeita implica uma posse de si tão plena
gem de mortalidade depende de condições muito mais contingentes, e uma orientação tão perseverante do querer para os fins supe-
e nas quais a liberdade- não tem por que intervir. Assim, é claro que
a constância das médias estatísticas 1mpl1ca fundamentalmente ao riores do homem, que mais que uma realidade ela é um ideal.
mesmo tempo a determinação dos elementos individuais por leis, NQssa grandeza depende do esfôrço que desenvolvemos para
físicas ou morais, e a indeterminação dêsses mesmos elementos con- realizar em nós as condições pelas quais, de degrau em degrau,
siderado o resultado de conjunto. A determinação explica a cons- terenos acesso a urna mais alta liberdade : conhecimento de si
t4ncta das 1nédias; e a indeterminação explica a contingência abso-
luta da distrtbuiçc7o dos casos individuais nas tabelas de const4ncia.. e retidão do querer.
(

554 b) Natureza do influxo social. A influência da sociedade 1. Conhecimento de si. O homem se possui pela refle-
i'
absolutamente não é incompatível com a liberdade moral. Com xão. Como o queria SÓCRATES, é a primeira condição de liber-
dade que o homem se conheça a si mesmo, isto é, conheça seu
À efeito, o fato social é ordenado a fins que são supra-individuais.
temperamento, seu caráter, seus hábitos e suas inclinações,
Mas é obra do indivíduo racional e livre que, sabendo-se mem- e conheça e julgue, sucessivamente, as tendências que se lhe
t
/!
bro de uma sociedade, conforma voluntàriamente seus atos aos
fins dessa sociedade. Se, às vêzes, há coação física da socieda-
atualizam na consciência. Neste sentido se diz que os atos li-
vres são "deliberados", quer dizer, são produzidos em plena
de, essa coação, em primeiro lugar, versa só sôbre "a liberdade consciência do que são e do que devem ser, e, por esta razão,

.
de fazer", e, depois, fica acidental, porque é antes de tudo se- empenham a responsabilidade do sujeito de quem emanam.
gundo a noção do bem comum que o indivíduo, enquanto mem-
'1

bro da sociedade, ordena livremente sua conduta (1, 259) . 2. Retidão do querer. A retidão do querer não é nada
J_: Se a influência social, assim compreendida, em nada ameaça a
mais que a retidão dos juízos práticos pelos quais orientamos
nossa ação e nossa vida. Portanto, neste terreno, é de um es-
': llberdade moral, esta, em compensação, seria absolutamente incom- fôrço para racionalizar nosso querer que depende a liberdade
' 1 patível com a concepção de DURKBEIM. Para êle, com efeito, a coa- moral, porque somos tanto mais livres quanto menos nossas
ção da sociedade exerce-se de fora sôbre os indivíduos, pelo próprio
lj l fato de ser a sociedade uma realldade exterior às consciências indi-
viduais. Tratar-se-la, pois, nesse caso, de uma coação mecll.nlca do
decisões são servas dos impulsos irracionais do instinto e do
capricho, dos mecanismos da rotina e da tirania das paixões, e
J
,· ) querer, que é tudo o que há. de mais contrário à liberdade. Depois quanto mais claramente a razão, por uma visão cada vez mais
disso, DURKHEIM bem pode afirmar que êsse determinismo social dá justa e serena da hierarquia dos valores, orienta a vontade para
uma impressão justificada de maior liberdade, porque liberta o In-
1.:
dividuo da tirania de seus apetites e de seus instintos; 21 compreen- os fins morais e espirituais, únicos capazes de proporcionar ao

l
der-se-á que o homem só é libertado de seus instintos e de seus ape- homem a verdadeira felicidade. Assim, mais uma vez vemos
tites individuais (que pelo menos são bem seus) para se tornar servo que a liberdade está na dependênci.a da razão, graças à qual
de imperativos sociais que (tal como os apresenta DURKln:IM) lhe o homem é capaz de escapar à servidão do sensível, de se pos-
:1 são estranhos e não têm outro titulo senão sua fôrça.

'
'~ suir a si mesmo pela reflexão, e, assim, de se tornar senhor de
§ 3. CONCLUSÃO si e do seu destino.

555 Dêste' estudo e dessas discussões podemos, pois, concluir 3 . A liberdade como ascese. A liberdade, retornada e
que a realidade da liberdade moral é uma certeza que nenhum vivida nas suas manifestações principais, sofre regularmente
de urna espécie de impotência em assimilar perfeitamente o
argumento consegue abalar. Daí não se segue, porém, que a mundo, e êsses próprios limites, que o homem constantemente
liberdade seja em cada homem algo de pronto, uma perfeição aspira a transpor (pois aspira a se exceder a si mesmo) , orien-
tam-nos invencivelmente para o mundo dos valores. Com efei-
21 Cf. DURKHEIM, Les Formes élémentaires de la vie Teligieuse, pági- to, êstes, se assim se pode dizer, impõem-se sempre à interfe-
na 388. FAUCONNET, La responsabilité, págs. 386 e segs. rência de uma liberdade que é aspiração, arrebatamento e apê-
• •
' p
\. '
L
574 PSICOL OGIA

respon de
lo, e à mediação de um real que, ao mesmo tempo, lhe tual não
e lhe resiste . O exercício da liberd ade moral e espiri
do homem
cessa de nos conve ncer disso: ela supõe a unida de er. A
consigo mesmo, mas essa unida de só se faz. para se desfaz te, por-
liberd ade é ascese , isto é, por defini ção, esfôrç o e comba
de mater ialida de que nos
que nossa presen ça no mund o e o pêso condiç ãQ,
impõe não cessam de nutrir a ambig üidad e da nossa
nós mesm os e em nossa s
e de nos dividi r, no mais profu ndo de , é à
relações com os outros . E, se o amor pode unific ar-nos
mas tal,
custa de um conflito, vitorioso, sem dúvida, às vêzes, sem-
no entan to, que nossa s contra dições essenc iais perma necem
cristã os
pre presen tes. Daí vem, finalm ente, que os pensa dores graça e o
tenha m julgad o que a única solução no caso seja a
em últim a instân -
concurso de nossa liberd ade com ela, e que, emos
que o ato pelo qual nós escolh
cia, a liberd ade nada mais é
a nature za
a Deus ou O recusamos. Tanto que, de algum22 modo,
e a razão já reclam am e anunc iam a graça .
LIVRO 10

O SUJEITO PSICOLõGICO

~;l

1950.
22 Cf. J . DELAS ALLE, Libertl! et Valeur, Louvai n,
O SUJEITO PSICOLO GICO

,. 556 Até aqui só estudamos fenômenos, propriedad es, qualida,


des ou atividades diversas. Agora devemos considera r o su-
jeito dêsses fenômenos psicológicos. Porque é bem evidente
que todos êles supõem um sujeito do qual procedem, e que
manifesta m empiricam ente: propriamente falando, a imagina-
ção O'U.. os instintos, a inteligência ou a vontade são os meros
instrumentos ou meios pelos quais um sujeito, homem ou ani-
mal, age conformemente à sua natureza. Não é a inteligênci a
que pensa nem a vontade que quer, é o homem que pensa pela
inteligênci a e quer pela vontade.

1. O sujeito empírico. Consideremos, pois, o sujeito de


tôda a vida psicológica. 11:sse sujeito é-nos dado primeiro empi-
ricamente, como um eu físico e moral que perdura através' de
tôdas as transform ações psicológicas, e condiciona o sentimeµto ·
de nossa identidade pessoal. O "eu" é, pois, objetivamente, o
conjunto de todos os fenômenos orgânicos, fisiológicos e IJ)sieo-
lógicos, que constituem um sujeito determinado. Mas êsse eu
objetivo tem no homem o poder de se conhecer a si mesmo pela
reflexão, quer dizer, de existir para si mesmo. Essa consciência
subjetiva é, aliás, preparada e condicionada pelo confuso e sur-
do sentimento de existir como sujeito, sentimento que acom-
panha todos os fenômenos psíquicos, e que o animal deve pos-
suir como o homem. Mas o eu propriame nte dito, que implica
não somente consciência de subjetivid ade, mas também noção
dessa subjetivid ade e posse de si pela reflexão, é privilégio do
homem, único capaz de dizer "eu".

2. O sujeito metafísico. O estudo do sujeito psicológico


não está concluído com a descrição do eu empirieo e de suas
condições. Cumpre, ademais, investigar qual é a natureza dêsse
sujeito e qual é a sua relação com os mecanismos orgânicos e
fisiológicos pelos quais exerce suas atividades. Ao tratar dêsse
sujeito metafísico, não se abandona, aliás, o terreno da expe-
riência, pois também aqui são os dados experimen tais que di-
rigem as conclusões que excedem a experiênci a imediata.
Tal é o plano geral dos estudos que nos resta fazer para
concluirmos o conjunto de nossas investigações psicológicas.
PRIMEIRA PARTE

O SUJEITO EMP.IRICO

CAPÍTULO I

O EU E A PERSONAL IDADE
SUMARIO 1

Art. I. NATUREZA DO EU. Análise descritiva. O eu-objeto e


o eu-sujeito. Elementos do eu. Fatôres da síntese pai-
quica. Etapas da personalldad e. Patologia da perso-
nalúfaàe. Desdobramen tos. Despersonallz ação.
Art. II . TEORIAS DA PERSONALIDADE. TeC1T'fa.s fenomenistas .
Argumentos fenomenlstas . Discussão. Teoria kantiana.
Teortas substancialist as. A «coisa que pensa> de Descar-
tes. O eu como experiência de fôrça. O eu como infe-
rência. Conclusão.
Art. III. O CARA.TER. Natureza do caráter. Elementos do cará-
ter. Class1tlcação dos caracteres. Euoluçáo do caráter.
Variações do caráter. Modificações do caráter.

Os problemas que o eu suscita são os de sua natureza, de


sua formação e evolução, dos transtornos que podem afetá-lo,
enfim das condições da personalidad e.

1 Cf. SANTO TOMAS, De Veritate, q. X, art. 8. RIBOT, Lea maladies


de la personnalité, Paris, 1885. BINET, Les altérations de la personnalité,
Paris, 1892. JANET, L'automatisme P811Chologique, Paris, 1889; NéuToses et
idée8 :/i:i:es, Paris, 1898. P. MALAPERT, Le caractere, Paris, 1902. Dr. M .
AULIFFE, Les tempéraments, Paris, 1926. J. POYER, Les problemea
aénéraux de l'hérédité psychologique, Paris, 1921. ALLERS, Das Werden
der Bittlichen Person, Freiburg im B., 1931. L. KIAGES, Les príncipes de
la Caractérologie, trad. francesa, Paris, 1932. G . THIBON, La science du
caractere, Paris, 1934. J. LHERMITTE, L'image de notre corps, Paris, 1939.
A. BURLOUD, Le caractere, Paris, 1942. H. WALLON, L'évolution p511-
chologiques de l'enfant, Paris, 1941. R. LE SENNE, Traité de CaTacMrologie,
Paris, 1945. E. MOUNIER, Traité du Caractere, Paris. 1946. L. LAVELLE,
Les Puissances du moí, Paris, 1948. CH. BLONDEL, La. Personna!ité (N. T. de
P81Jchologie de DUMAS, VII, pág. 3) . P. GRIEGER, Le diagnostic
caractérologiqu e, Paris, 1952. G. BERGER, Caractere et personnalité, Paria,
1954. P. LERSCH, Aut~u der Person, Munique, 1956.
•• 580 PSICOLOGIA
( O EU E A PERSONALIDADE 581
ART. I. NATU REZA DO EU
o corpo numa só - rea_lidade, e a união entre o eu encarn
• § 1. ANÁLISE DESCRITIVA
res,to..do _mundo,~sto é,.º fato de estar-no-mundo. _
ado e o

A. O eu-objeto e o eu-sujeito 558 3. Caracteres do «eu-sujeito». O «eu» signif ica,


tomada de posse do "eu-objeto" por si mesmo. 11:ste, pois a
ples objeto exper iment ado e sentid o que deve ser para de si~-
557 1. O meu. A noção de meu é mais exten sa que a cons-
a do ciência sensív el do anima l, torna- se, no homem, e cada
eu, pois há muita s coisas que são minha s sem serem eu. vez mais
Todav ia à medid a que êle mais se possu i pela razão e p~la
o próprio tipo do meu, aquilo que o é ao máximo, é feito vonta de, um
de tud~ "si" e um "para si", isto é, uma pessoa, com os carac
o que constitui minha vida orgânica e psicológica, e
ção a êsse meu rigoro so e estrito é que se define m os
em rela- unida de e de identi dade, de razão e de auton omia que teres de
graus de a define m.
nossa posse dos sêres e das coisas. Por efeito da amiza
de dois sêres faz moral mente um, o outro pode tornar de que a) A unidade. A unida de signif icada pelo "eu"
-s~ um prime iro, em sua forma eleme ntar, que todos os estado implic a
outro nós mesmos. Quant o às coisas que dizemos "noss ordin àriam ente variad os, móveis e fugiti vos de nossa s extra-
o são realm ente na medid a em que são fruto de nosso as", só terior vêm conve rgir para um centro único que os assumvida in-
trabal ho e todos
e, como tais, algo de nós mesmos e uma como extens ão como seus. E implic a també m, como o demo nstrou
de
eu. Do contrá rio, o "meu " já não exprim e senão um nosso DESCARTES,
vínculo um vivo sentim ento de unidade ontol6gica, a saber,
juridi co e uma convenção mais ou menos arbitr ária. o sentim en-
Assim , to de consti tuir, sob a multip licida de infini ta dos
vemos que o "meu " nos recon duz sempr e ao "eu-o bjeto" estado s de
, isto consciência, uma coisa ou um ser.
é, àquilo que compõe ou integr a o sujeit o físico e Em sua prime ira forma , êsse sentim ento admit
moral que
somos. graus. Nunc a é mesm o um sentim ento de unida dee divers os
pois exper iment amos simul tâneam ente um sentimento perfei ta,
de
2. O «eu-sujeito». O meu é, pois, prime ira e
mente , tudo o que eu sou, isto é, tudo o que pode serviressenc ial- tiplicidade, não só em razão do núme ro de fenômenos mul-
de atri- sucedem na consciência, mas també m e sobre tudo porqu que se
buto a um "eu". Assim se acusa a espécie de desdo brame tese interi or fica sempr e inaca bada e frágil (90). e a sín-
eu, assina lado pela distin ção entre o "eu-o bjeto" e nto do Com efeito,
o "eu-su - nossos divers os "~u" estão às vêzes em confli to; a cada
jei1:<>", desi_gn~ndo o "eu-o bjeto" o conju nto orgân te a distração rompe a unida de penos ament e conse instan -
lógico e ps1qmco que me consti tui, e o "eu-s ujeito ico, fisio- atençã o volun tária; a ·parte consid erável de incon
guida pela
" o sujeit o sciente que
ou princi pio ao qual são atribu ídos. todos os eleme nossa vida encer ra forma como que outro eu que escap
conju nto. É êsse "eu" que dá sua forma própria aosntos dêsse pério do quere r; o mecan ismo e a ativid ade consc iente a ao im-
fatos
quicos, a saber, a forma de fatos pessoais, e a vida psicol psí- dois movim entos parale los e parcia lment e indep enden dirige m
ógica tes.
é cada vez mais perso naliza da à medid a que o "eu",
que culmi na no estado norma l, nenhu ma destas coisas afeta grave Mas,
na ativid ade volun tária, domin a e unific a mais fortem nosso sentim ento de unida de ontológica, que é a mente
conju nto do eu objeti vo. ente o base mais
sólida de nossa consciência de unida de.
A consciência do eu-objeto impõe
como consciência de um «eu> encarnado.-se Não
a mim irresistivelmente
só o existe nte -sou eu
559 b) A identidade. Sejam quais forem as muda nças
cons-
mesmo co~o enca~ do, mas adnda não posso tantes de nossa vida interi or, conhecemo-nos sempr
de uma coisa seriao na: medid a em que astá afirma r a ea;fsténcto. e idênti cos
a nós mesmos, e, da infânc ia à velhice, sempr e "o mesm
corpo, e é capaz· de ser posta em contato com relacio nada com meu
tamente que seja. 2 Nós nos conhecemos êle, por mais indire- dízer, é ao mesmo "eu", invari ável, de algum a sorte, o", quer
como corpo antes de ·nos
conhecermos como pessoa, e, ao longo de tôda do fluxo move nte de nossa vida psiqui ca, que atribu no meio
ciência do corpo rião cessa de estar-nos presena.tenossa vida a cons- ímos todos
e mesmo' de ficar os nossos estados de consciência.
prà~icamente idêntica a si mesma. A análise A bem dizer, se só se consid erasse m os fenôm
naçao leva, pois, ao mesmo tempo a estabelecer e~ten cial da encar-
a união da alrna com elementos do eu, êsse sentim ento de identi dade, maisenos ou os
o de unida de, teria algo de singu lar. Porqu anto, de ainda que
Cf. G. MARC EL, Etre et Avoir, pág. 9. tão pouco semel hante s a nós mesm os atravé s do tempofato somos
to e o .velho custam a recon hecer- se nos sentim entos,! O adul-
2

emoções
582 PSICOLOGIA O EU E A PERSONALIDADE 583

e comportamentos do adolescente ou da criança que foram um veis, ao inverso dos elementos representativos, tão fàcilmente
dia. Essas lembranças parecem-lhes, às vêzes, referir-se a um transmissíveis de uma consciência a outra. Como já vimos
ser diferente e quase estranho. Fora dêsses casos-limites, aliás (849), é pelos estados afetivos que o homem é particulamente
freqüentíssimos, nosso passado podemos sempre mais ou me- . _ . . rev~~do a sj mesmo,_ e. em todo o correr da vida a consciência- - · --- - -
nos reconstruí-lo mediante os fragmentos" que dêle subsistemm... -- - · -- ·- - - de sf é constantemente despertada ou avivada pelas oscilações
em nossa memória: não é mais algo de vivo, porém se transfor- ma.is ou menos amplas (sentimentos) ou pelas crises (emoções)
ma em página de história. Muita razão se tem, pois, de dizer da afetividade.
que o sentimento de identidade pessoal admite graus. Seria Mais adiante ainda, ou mais perto do centro do eu, as ten-
até incompreensível se, como o sentimento de unidade, não se dências e as inclinações dão-nos o sentimento de serem corno
fundasse sobretudo numa consciência de continuidade onto- que as fontes permanentes de nossa vida interior e de nossa ati-
lógica. vidade. 11:sse próprio conjunto acha-se mais ou menos fortemen-
te organizado e sistematizado pela vontade, a qual vimos que
c) A autonomia. O "eu" conhece-se ao mesmó tempo era a expressão da síntese psicológica que define a personali-
como o princípio dos estados interiores. Dêle é que sentimos dade concreta (525). Assim, na medida em que a atividade vo-
surdirem nossos pensamentos, volições e ações. Mas não bas- luntária domina nossa vida psicológica, aparece esta cada vez
taria isso para explicar adequadamente o "eu". 11:ste implica, mais como um todo unificado: os eu múltiplos que a compõem
ademais, o sentimento de ser causa consciente e voluntária da formam, sob a autoridade de uma vontade penetrada de razão,
atividade que dêle emana. Na medida em que a atividade se um organismo fortemente hierarquizado.
torna automática e inconsciente, o sentimento do "eu" atenua-
se e esfuma-se, para não mais significar senão uma consciên- C. Fatôres da síntese psíquica
cia confusa de espontaneidade vital. Por isto, é na atividade vo-
luntária que culmina o sentimento de autonomia e de responsa- -561 Essa síntese e êsse organismo psíquico de que acabamos
bilidade, sinal decisivo da personalidaãe. de falar não se realizam espontâneamente. Pré-formada e con-
dicionada no organismo físico, a síntese psicológica é como uma
B. Elementos do eu-objet.o conquista sôbre a natural anarquia das tendências, realizada
.graças aos progressos da razão e da vontade e ao concurso da
560 1. O conteúdo da conciência. Materialmente, o eu-ob- sociedade. A síntese psíquica depende, pois, de três espécies de
jeto é aquilo de que eu tomo consciência, graças às modüica- fatôres : orgânicos, psicológicos e sociais.
ções contínuas que experimento, como constituindo o ser que
sou. O eu-objeto equivale, pois, pràticamente ao conteúdo da 1. Fatôres orgânicos.
consciência. As modificações que sentimos são de duas espé-
cies: umas, orgânicas e referem-se ao corpo; outras, psicoló- ·, a) Individualidade orgânica. O corpo é uno de uma uni-
gicas e referem-se à alma. Corpo e alma juntos formam o meu dade interna onde tudo é solidário e hierarquizado, graças so-
eu, compreendendo cada uma dessas partes variedade prodi- bretudo ao sistema nervoso, que centraliza e coordena as ati-
giosa de fenômenos que se misturam e se compenetram, se su- vidades elementares e as faz convergir para o cérebro, pelo
cedem e se chocam sem interrupção. qual se realiza a unidade de ação. A unidade funcional do sis-
tema nervoso proporciona, pois, uma base fisiológica à unidade
2. Graus de interioridade. Nessa multidij.o movediça de da consciência. O mesmo se dá com a identidade psicológica,
elementos orgânicos, espontâneamente distinguimos diversos condicionada pela identidade física. Os elementos do corpo re-
graus de intetioridade. Os elementos cognitivos, imagens e novam-se incessantemente, mas sua figura persiste quase a
idéias, que são o mundo exterior tornado presente à nossa cons- tnesma através do tempo. A própria autonomia do eu apóia-se
ciência, ficani, por assim dizer, na superfície do eu. Contrària- na poderosa centralização do sistema nervoso e na prodigiosa
mente, os estados afetivos acompanham-se de um vivo senti- variedade das conexões sinápticas ( 60), graças às quais as ini-
mento de interioridade e apresentam-se como tão particulares ciativas da vontade abrangem um campo, de certo modo, ili-
ao eu concreto que os experimenta, que se tornam incomunicá- mitado.
584 PSICOLOGIA O EU E A PERSONALIDADE 586

b) Natureza do fator orgânico. O organismo físico é a 3. Fatôres sociais.


condição do organismo psíquico, como o provam as transfor-
mações paralelas que sofrem o organismo corporal e o psiquis- 563 af- Pónto-de-vista sociológico. Os soci61Ógos contempo-
mo. As lesões centrais desorganizam as funções psicológicas râneos -acred-itaram··q1:1e·-os··fatôres essenciais da síntese psí~-~ " 0
·"~

e, como se verá, perturbam mais ou menos profundamente a -· quica ·eram, não ·os fatôres fisiológicos e psicológicos, mas sim....
consciência de unidade e identidade pessoais. As secreções. in- os fatôres sociais. Se a noção de indivíduo equivale adequada-
ternas transformam de maneira às vêzes radical a afetividade. mente a algo fisiológico e psicológico, a pessoci, por seu turno,
A doença e a saúde repercutem sôbre todo o nosso sistema men- é produto da sociedade. Definimo-a, com efeito, pela autonomia.
tal e afetivo. Ora, essa autonomia tem seu princípio na razão, que é univer-
Deve-se-á supor que a personalidade psicológica é não· so- sal e, por conseguinte, de origem social ( 402). O desenvolvi-
mente condicionada, mas também constituída, pela unidade e mento da razão e da autonomia pessoal parece ter sido liga•o
pela identidade orgânicas e fisiológicas? Assim o supuseram à desagregação contínua do comunismo primitivo, à extensão
certos psicológos. RIBOT, em particular, acredita poder reduzir cada vez maior dos grupos sociais, e à divisão do trabalho: o
o sentimento de personalidade à cenestesia ( 119). Diz êle : "O indivíduo, liberado da tirania dos grupos restritos e fechados,
organismo e o cérebro, sua representação suprema, é que são a pôde desenvolver uma atividade mais livre em suas formas e
personalidade real. A unidade do eu. . . [ é] a coordenação de seus meios, e, assim, pela interiorização progressiva da regra
certo número de estados incessantemente renascentes, que têm moral, chegar à personalidade. 3
por único ponto-de-apoio o sentimento vago de nosso corpo"
(Les maladies de la personnalité, pág, 70). É o que, segundo b) Discussão. Que o progresso da interiorização da re-
RIBOT, seria provado pelo fato de a tôda perturbação da cenes- gra e do direito (e da autonomia pessoal que ela supõe) esteja
tesia corresponder uma perturbação da personalidade. ligado à desagregação progressiva do "comunismo primitivo"
Esta opinião seria aceitável se se tratasse sõmente de indi- é coisa possível. Mas o que não o é de modo algum é que a mo-
vidualidade (isto é, de unidade e de identidade), e não de per- ral, a personalidade e a autonomia sejam puros efeitos da de-
sonalidade (autonomia). Com efeito, como vimos em Cosmolo- sagregação dêsse comunismo primitivo. Muito melhor se com-
gia (1, 401), a individualidade resulta da matéria quantificada preenderia que tal comunismo ( aliás hipotético) só se haja
(ou suscetível de receber tal ou tal determinação quantita- distendido e desagregado sob a pressão cada vez mais ativa d~
tiva). Mas o de que aqui se trata é da personalidade, definida um sentimento de personalidade e de autonomia que já preexis-
essencialmente pela razão e pela autonomia. Os f atôres orgâ- tia nas consciências individuais. Sem dú.vida, DURKHEIM (e
nicos são aqui evidentemente insuficientes. DAVY após êle) assegura que, se a razão, a moral e o direito
puderam interiorizar-se e individualizar-se, e assim condicio-
562 2. Fatôres psicológicos. Psicologicamente, a persona- nar o advento da autonomia pessoal, foi porque residiam pri-
lidade aparece como uma síntese de tôdas as funções psíquicas. meiramente . no próprio grupo sob a forma social. Mas isto
Forma uma espécie de organismo imaterial, composto de fun- equivale a conceder-se gratuitamente tudo o que está em ques-
ções diferenciadas, que agem de maneira solidária sob o con- tão, se o grupo ou a socialidade só são evidentemente coisas mo-
trôle e a direção da razão. A identidade dêsse organismo psí- rais para consciências capazes de as apreender sob êste aspecto.
quico através do tempo é assegurada pela memória. Sua auto- A verdade é que o fator social desempenha uma função
nomia é obra da vontade livre, expressão a mais alta do dina- importante no desenvolvimento da versonalidade, mas não a
mismo original da personalidade. constitui. Pela linguagem, pela educação moral, pela tradição,
Se a personalidade não é dada de uma vez desde o prin- pelos hábitos, costumes e pelas sanções, a sociedade ajuda-nol:l
cípio, não é sõ:r,nente porque suas condições orgânicas ainda não poderosamente a dominar e a hierarquizar os elementos psico-
estão plenamente realizad~~, senão também porque é próprio de lógicos da personalidade. Ademais, a sociedade favorece a ma-
sua natureza_.que seja uma conquista progressiva. A expe- nutenção da identidade pessoal : ela não pode, com efeito, ficar
riência faz-nos ver suficientemente por que vicissitudes passa
essa difícil conquista, aliás nunca concluída e sempre mais ou s Cf. DURKHEIM, La Division du travai!. DUMAS, Nouveau Traité
menos ameaçada por um relaxe do império que a vontade exerce de P8Jlchologie, t. VI, págs. 153 e segs. (DAVY); págs. 355 e segs. (Dr.
sôbre os impulsos irracionais do instinto. BLONDEL).
687
•O EU E A PERSO NALID ADE
586 PSICO LOGIA
a por opos ição
contr atos e os com- 2. O eu físico. O eu vai-se form ar agor ente o corpo.
à mercê das flutu ações da perso nalid ade; os ao não-eu (148) . Para a crjan ça, o eu é prirn eiram
ade .e exige m a cons tânci a da ce pelos esfor ços
prom issos excluem a insta bilid
cias form aram :tste se afirm a pelos estad os afeti vos; apare
cond uta; o perso nage m social que as circu nstân o,sim ultâ.n eame nte o s~nti do e o sen; .•• ~-·"· "··
lhant e a si mesm o, sejam quais forem as,~" ~ ..~. "- ~ "·· ·"""" 'de explora9ão,-.,como ,send move r à vonta de,
deve perm anec er seme ' · si'.ente, e depois como um objet o que se pode
se acha, aliás , por essa ra- ----
varia ções pessoais, cuja ampl itude que está conti nuam ente prese nte, e para além do qual nada mais
zão, parci alme nte limit ada. o a pouco , o corpo acaba , pois, por form ar o
nume rosos na se sente. Pouc
Os fatôr es sociais são, pois, impo rtant es e ndem com suas próp rias
mant ença da sínte se psico lógic a. Mas não domínio do eu, cujos limit es se confu
const ituiçã o e na o a fun-
desem penh am nem uma funçã o exclu siva, nem mesm front eiras .
pesso a, com efeito , é muito mais que o perso -
ção capit al. A se psicológica
nage m social. A síntese psíquica não é cons truíd a de fora, 565 3. . O eu psicológico. A form ação da sínte
prog resso da pois supõe urna distin ção ao meno s vi-
mas de dentro; seus fatôr es essen ciais resid em no é relat ivam ente tardi a,
como uma refle -
razão e do domínio de si, que a socie dade pode, sem dúvid a, vida da vida orgânica e da vida inter ior bem ça se d{i
feita quan do a crian
favor ecer, mas não produ zir. xão sôbre esta. Esta distin ção é ela pode
ica não é todo o seu eu, que
conta de que sua vida orgân si o que
dar para
D. Etap as da personalidade viver em seu inter ior e, se o quise r, guar so pode
aliás , só mui confu
dentr o dela se passa . Tudo isso, tro", por
icion am a a de um "den
564 Sabemos agor a quais são os fatôr es que cond sarm os ser a princ ípio, e reduz -se à consc iênci
antes , um conti -
form ação do "eu" ou da perso nalid ade. Rest a preci oposição ao corpo, que se torna um "fora " ou, as
os ver que o pro- se expli citarã o, graç à
quais são as etapa s dessa form ação . Vam erenc iação , numa nente . Essa s coisa s só tardi amen te
indif uma alma disti nta
cesso consiste, a parti r de um perío do de
conq uista e uni- educação mora l e relig iosa, com a noção de
espécie de inter ioriz ação, pela qual a crian ça do corpo que form a o eu espir itual .
fica pouco a pouco os elem entos de seu eu.
go dos prono mes pela
princ1p10, a ill~ progresso vai-se assinalando no emprê
1. Período de indistinção. Parec e que, aque sua cons- ·crian ça. pelos 20 meses , para se desig nar -a, si mesma a criança
o subje tivo do objet ivo, e Até
para designar um objeto.
crian ça não distin gue ral, senso rial, só se serve do seu nome, exatamente como
ciência está form ada de eus distin tos ( cereb Pelos 2 anos, o prono me apare ce, e seu emprê go assinala a apartçãv
! espin al) não ligad os entre si. Aliás , a custo pode -se falar de
do sentimento de subjetivida de. Mas ·êsse sentim ento a principio é
corre nte confu sa e caó- por dizer >, e só mais tar-
consciência. Trata r-se- ia, antes , de uma cidad e de confuso,. porquanto a criança começa ~e os outros pronomes: tu e
«mim
sobre ssai, por falta de uma capa de passa ao eiu. Com o eu introd uzem
tica, na qual nada têm papéis distintos: aquêle
atenç ão que ainda não enco ntrou . suas cond ições orgân icas. êle. A princípio, êsses três pronomes
ça a disce rnir ele- que fala, aquêl e a quem se fala e aquêl e de quem se fala. Só mais
Pouco a pouco, entre tanto , a crian ça come às funçõ es orgâ- tarde tornam-se sinais de perso nalida de, e a criança, com o eu, co-
ligad as
ment os nesse caos: sensações internas, às quali dade s das nhece-se e afirma-se como pesso a.
nicas , e depois sensações exter nas relati vas exter ior opõem-se,
coisa s (sobr etudo à luz). O inter ior e o está de posse
tação ao mund o Dora vante a crian ça, pelos dez ou doze anos,
desde então ,: por efeito dos esforços de adap de seu eu. 11Jste inter ioriz ou-se ; const ituíd o
antes de tudo pelos
exterior e dos obstá culos que depa ram. elementos psicológicos, por assim dizer repel iu o corpo para a
dessa oposição seria basta n- ment o da razão , as exigê ncias da edu-
Segundo PlAGET, o sentimento claro ão entre o eu e o não-eu não perif eria. O desen volvi
tuar essa inter io-
te tardio, não no sentido de que a oposiçtos ainda estão mal d,eftniàos. cação mora l, relig iosa e social vão ainda acen
sentid a, senão porqu e os àots domín e a comp reend er que o
seja é uma coisa objetiva, rização do eu, induz indo o adolescent
,, Ass1m
que
, para
outra
a
pesso
'crian
a,
ça,
deitad
o
a
sonho
no mesm
multa
o
s
quart
vêzes
o, poder
almen
ia ter visto. Quan-
te, ao mesmo tem-
conju nto de tudo aquil o que êle é se conc
,
entra
de
, de
dirig
algum a
i-lo e de
to aos valore s· afetiv os, a crian ça
ades
mui
subje
natur
tivas, tamb ém os põe entre as sorte , no seu "eu" , que é capaz ~.e dominá-lo a ser ta-
os sente ·como realid uista do eu passa
po que
ela, o leite como é branc o ou quent e. trans form á-lo. Dês então , a conq perfe ição
coisas: para é bom
e seu prog resso defin e o grau de
eado e re- refa de tôda a vida,
Enfim , os objetos separ am-s e do contí nuo color mora l a que cada home m pôde elevar-se.
siste nte com que se confu ndiam a princ ípio.
'
588 PSICOLOGIA O EU E A PERS.ONALID.ADE 589

§ 2.
?J
PATOLOGIA DA PERSONALIDADE 567
.
2. Despersonalizações. Trata-se aqui de fenômenos comple-
tamente distintos dos precedentes. O sutetto não maria reconhece
quer uma parte quer mesmo o,,,conjunto do seu eu. Ora é o corpo que
566 Os transtornos da personalidade sto transtornos da consciência. _ parece mudado: certos doentes asseguram que seu cõrpo é de vidrô__ ___ _
do eu, ligados a alterações mais ou menos prõfundas dos elementos ou está. sem vida. Ora é o psiquismo que sofreu misteriosas tra •..ll- ·
orgânicos ou psiquicos constitutivos do eu. Pode-se dividi-los em mutações: afirma o sujeito que lhe tomaram a vontade; sente-se
duas categorias: os fatos de desdobramento e de desagregação da dominado por fôrças exteriores; perde totalmente a lembrança de
personalidade, e os fatos de despersonalização. sua vida passada, etc. Ora, enfim, o mundo exterior assume um
aspecto totalmente nôvo, ou porque a forma e a ordem das coisas
1. Desdobramentos. s.e transformem como no sonho, ou porque tomem um significado
nôvo.
a) Fatos de alternância. Nos sujeitos acometidos desta en- Aliás, em todos êsses casos, assim de desdobramento como de
fermidade, a vida psíquica cindiu-se em dois ou vários sistemas, que despersonalização, os transtornos só concernem à unidade e à iiden-
evoluem independentemente uns dos outros. O sujeito passa por es- tidade empíricas do eu. O que se desagrega é unicamente a sintese
tados que já. não supõem a continuidade normal: no estado 2, não psicológica. A unidade fundamental do eu fica intata: não somente
tem mais nenhuma lembrança do estado 1, porém a memória dêste pode ser restaurada, nos· casos de transtornos psicógenos e em mui-
voltar-lhe-á desde que êle estiver de nôvo no estado 1 (fenômeno tos de psicoses lesionais, 1 senão que, mesmo no estado de desagre-
das memórkul alternantes). A cada um dêsses estados podem corres- gação, os sujeitos conservam o sentimento espontâneo de sua uni-
ponder um caráter, um comportamento e mesmo um nome diferen- dade profunda, e muitas vêzes manifestam estupefação ante a in-
tes. Certos casos dêsse gênero ficaram célebres nos anais da psiquia- coerência de seu próprio psiquismo.
tria (Fétida X, Miss Beauchamp, Mary Reynolds) . Admite-se, é ver-
dade, que as condições de observação dêsses sujeitos anormais, ex- ART. II. TEORIAS DA PERSONALIDADE
tremamente sugestioná.veis e gravemente ciclotimicos, 4 devem ter
contribuido para constituir os fenômenos de alternância. Mas, ao 568 Aos filósofos foi proposto o problema de explicar os ca-
que parece, seria exagêro supor que elas os hajam produzido, já. que racteres que definem o "eu", isto é, a personalidade. Temos
ês.,es fenômenos se acham esboçados em certos estados normais. r; sôbre isso uma porção de teorias, que as mais das vêzes depen-
b) Desdobramentos stmultdneos. Os fenômenos de desdobra- dem de princípios estranhos à experiência psicológica, mas que
mento simultâneo são revelados sobretudo pelo processo da escrita devem ser apreciadas em função dessa experiência. Aliás,
automática.. Consegue-se manter uma conversação seguida com um pode-se reduzi-las a dois grupos principais, conforme dependem
individuo que, por exemplo, faz operações aritméticas enquanto fala. de uma ou de outra das duas hipóteses que aqui se podem for-
Todavia, a maioria dêstes casos parecem duvidosos. Teve-se de re- mular. Com efeito, a análise que precede revela duas realidades
conhecer que bom número dos fenômenos de desdobramento slmul:. empíricas : de uma parte, os múltiplos e variados fenômenos
tãneo são produzidos artificial e involuntàriamente pelas sugestões
do psiquiatra. Aliás, o desdobramento nunca é perfeita.mente simul- que constituem o eu; de outra, um sujeito de atribuição de todos
tâneo: ao que parece, há. saltos rápidos de uma operação à outra. e êsses. fenômenos, chamado eu-sujeito. Tem-se, pois, que esco-
lher entre duas explicações: ou explicar o "eu", com seus ca-
racteres de unidade, identidade e autonomia, só pelos fenôme-

l
4 A constituição ciclotfmica é caracterizada por oscilações bruscas,
nos, ou explicar por um sujeito os caracteres da personalidade.
freqüentes e irregulares do humor.
5 O momento do despertar, sobretudo se sobrevém bruscamente em
O primeiro ponto-de-vista é o das teorias fenomenistas; o se-
gundo, o das teorias substancialistas.
1

pleno sonho, muitas vêzes é um momento de indecisão para a consciência


de personalidade. Do mesmo modo, um choque emotivo violento pode
fazer que a gente se sinta transformado a fundo e como que revestido de § 1 . TEORIAS FENOMENISTAS
uma nova personalidade. Os fatos de conversão relacionam-se com o caso
precedente, quando a conversão se produz bruscamente, como um relâmpago.
569 Essas teorias foram propostas pelos empiristas dos 1
6 Cf. P. JANET, Les névroses, pág. 270. Em muitos casos, a explicação 1

séculos XVIII e XIX. Seu princípio geral é que a personalidade


\
mais óbvia é a' do automatismo pBicofisiológico. :tste automatismo deflagra-
se ao apêlo de· uma percepção subconsciente. Assim é que se provocam
movimentos compfexos de adaptação colocando na mão anestesiada (e oculta)
de um histérico objeto conhecido (faca, lápis, caixa de fósforos): o contato 7Distinguem-se as psicoses constitucionais, cuja origem primeira se
dêsses objetos provoca os movimentos apropriados (cf. BINET, Les attératioflS acha em certas disposições nativas dos sujeitos, razão por que são chamadas
de la personnatité, pág. 106). Tudo isso explica-se bem pelo subconsciente, psic6genas ou endógenas, embora não esteja esclarecida a questão de saber
sem que haja razão para recorrer a dois eus. Teremos de voltar sôbre se admitem ou não uma organicidade; e as psicoses lesionais, condicionadas
êste assunto no estudo do subconsciente. por alterações anátomo-fisiológicas.
O EU E A PERSONALIDADE 591
590 PSICOLOGIA
que se tem em tão grande .conta, não é uma experiência, mas
pode e deve explicar-se só pelos fenômenos, considerad os co~o uma construção de filósofo, porquanto , por mais fundo que eu
podendo sob certas condições, formar q_ma soma ou coleça<~......-...... , '"··--·-pei1et're em--m.im mesmo, nftnca chego a ter outra coisa senão- -- -~--·
com os ~aracteres que definem o etf pessoal. percepções particular es.
Todos êstes argumento s, já implicados na afirmação de
A. Argumentos fenomenistas CoNDILLAC de que o eu não é mais que uma coleção de sensa-
ções, foram repetidos no século XIX por TAlNE, para quem o
São de três classes êstes argumento s. Uns são ~uramente eu se reduz inteiro a uma "série de acontecim entos" e a um
negativos e tendem a provar que é ininteligív el a h1pó~ese de "polipeiro de imagens" (De l'lntelligence, t. I, pág. 350).
um sujeito substancia l. Outros contestam o valor expe71mental
da noção de personalid ade. E há os que p~etendem explicar sem · 571 3. Gênese da ilusão do «eu-sujeito».
nenhum sujeito os caracteres da personalid ade.
1 Critica da noção de substincla . Todos os empiristas a) O jôgo da associação. Segundo RUME, tudo pode expli~
do sé~ulo XVIII (LoCKE, C0NDILLAC, BER~~Y , ~UME) con- car-se pela associação . A idéia de sujeito representa apenas
sideram a noção de sujeito substancia l com~ 1~1!1tehgivel. Um~ . uma generaliza ção da noção comum de coisa. Efetivame nte,
substância ou um sujeito, dizem, é por d~fm1çao algo que ~tá · esta tem três proprieda des: é a unidade de uma multiplicid ade
situado por debaixo dos fenômenos ( sub-3ace~e, sub-star~), _isto coexistent e; é a unidade de uma mutliplicid ade sucessiva, e é
é, um substrato ou um suporte. Ora, tal reahdade, se_~xi~tis:re, um substrato cujas modificaçõ es as qualidades sensiveis re-
presentam . Ora, é fácil demonstra r que tôdas essas proprieda-
seria incognoscível em si me81lta, visto que ª. e~J?er1e~c1a J~-
j mais nos dá senão qualidades ou fenômenos ; inutil, pois seru1'. des são o resultado da associação. A primeira é produzida pela
\
imóvel e inerte sob o fluxo dos fenômenos ; impens~vel em;_ si coexistênc ia das qualidades na percepção : o espírito represen-
mesma, já que deveria ser consid~ra~ a como desprovid a _de tôda ta-se em bloco essas qualidades e trata essa coleção como um
determina ção; e, enfim, contraditória, porquanto , destm~da a todo orgânico, designand o-a com uma só palavra. Aos poucos,
servir de suporte aos fenômenos , teria por sua vez necess1d=1de a unidade verbal transform a-se em unidade real. A segunda
de suporte próprio (LoCK, An Essay on human understanding, proprieda de deriva do fato de a coisa parecer não mudar, ou,
pelo menos, não mudar de maneira sensivel, senão em tempo
1. II, c. XXIII) . ºdéº d · ·to b
Há, portanto, que renunciar a tôda 1 1a e su !- relativame nte longo; daí vem que a coisa nos pareça idêntica a
1
,\1. tancial, que não tem outro fundamen to na experienc1a a nao si mesma. Mas, como essa identidade não pode ser atribuída às
ser um grupo de qualidades co~stantes que sustentam as qua- qualidades evidentem ente variáveis, atribuímo- la ao próprio
grupo de qualidades , e, para além dessas próprias qualidades ,
lidades variáveis. a um sujeito comum imóvel das modificaçõ es.
A substância chumbo por exemplo, reduz-se a um complexo de
qualidades: cõr desbotada e esbranquiçada, um pêso dete~jªf f·
erto grau de dureza de ductllldade e de fusibilidade. su e o b) Gênese da pessoa-sujeito. É da mesma maneira que
e «!e qua- formamos a idéia de substância espiritual. Assim como a subs-
~ie111 não passa de complexo de qualidades extensas
lidades ditas espirltuais. O sujeito alma ou e,spfrito não é ~rl uma tanciabilid ade das coisas exteriores provém, para nós, da se-
coleção de fatos internos, que coexistem mercê da mem a . melhança que apresentam no tempo, assim também a substan-
ciabiliàade do eu nasce da memória. Esta, com efeito, basta
570
2 Critica da experiência de personalidade. Esta criti- para explicar nosso sentimento de identidade pessoal : de en-
ca é ~bretudo obra de HUME, que pretende _mostrar q~e esta- volta com a continuida de sucessiva de nossas percepçõe s inter-
mos longe de ter uma consciênci a precisa e fi~e da umdade e nas, ela nos dá -o -sentiment o da causalidad e reciproca dessas
da identidade do eu. · Nã .i:ealidade, nã~ ver1f1ca~os ,,em nós percepções, isto é, de seu encadeame nto, e, enfim, agrupa essas
i :1 impressão éonstante e invariavel . 8 O sentimento do eu (self), próprias percepçõe s conforme suas semelhanç as. Dessas diver-
·,
sas relações conservad as pela memória nasce a noção de nossa
e A Treatise of human nature, 4.ª parte, seção VI: "Se despre~rm~ s identidade pessoal e substancia l. Mas esta, em definitivo, não
alguns metafislcos ouso afirmar do resto dos humanos que êles .?8º sao é outra coisa que a da ligação de uma série de causas e de efei-
outra coisa senão 'um feixe ou uma coleção de diferentes percepçoe_s, que
Ili! sucedem com inconcebível rapidez e estão num fluxo
e num movunento tos (Treatise, 1. I, 1.8 parte, sec. VI).
perpétuos".
592 PSICOLOGIA O EU E A PERSONALIDADE 593
TAINE e STUART Mn.L, partindo do mesmo principio que HuME,
propõem explicações um pouco diferentes. Segundo TAINE, entre os isolados e dispersos, fôssem em seguida reunidos num todo. O
fatos psicológicos, que são a única realidade dada, alguns são estados todo é que é primitivo, e os- elementos, como tais, só os discer-
fortes e, como tais, assumem a forma de inte~oridade; erigem-se_em _ ... .....-.,,..~.- .... XÜJJI.Q.f:!.. ~- .dW.!Í.r!-El!!fil<l§ ..11}Ilfül.!l'.!glli&,... _
corpo e em eu; os estados fracos, ao contrário, sao r~PE;lidos e compoem··-·_, - ..... ·. -· --· .
o mundo dos objetos ou do não-eu. 11:m suma, a ideia de personali.. · · o ·que mais acima dissemos da formação do eu na criança não
d.ade reduz-se à de estados psíquicos internos, e os objetos ou mundo contra.diz essa observação, porquanto, a bem dizer, a criança não
exterior são efeito de uma «alucinação verdadeira> (TAINE, De l'In- constrói o seu eu: descobre-o progressivamente, à medida que se
teUigence, t. II, livro III, c. I). Quanto a STUART ?v!n.L, êste define realizam as co!)dições orgânicas, experimentais e racionais. Quanto à
o eu como uma «possibilidade permanente de sensaçoes;i,. «A crença sintese psicológica, na criança, ela não resulta de uma acomodação
de que meu espírito existe, mesmo quando não o sintamos, nem pen- de elementos preexistentes, mas sim de uma tomada de consciência
semos, nem tenhamos consciência de sua própria existência, reduz-se cada vez mais profunda de uma ordem de direito implicada e pré-
à crença de uma Possibilidade permoment" dêsses, estados [ ... l . formada na razão. Como tal, é pois anterior aos elementos.
Não vejo nada que nos impeça de considerar o espirlto como
sendo apenas a série de noi;sas sensações, tais como se apresentam Enfim, não é de admirar que HUME não consiga descobrir
efetivamente aditando-lhes as possibilidades indefinidas de sentir o "eu" na sua experiência: o "eu" que êle procura não existe
que, para su~ realização atual, pedem_ co:r:dições qu~ podem ocorrer nem pode existir, pois não é um substrato existente à pa1·te
ou não ocorrer, mas que, como possibilidades, existem sempre, e
muitas das quais podem realizar-se à vontade;i, (PhilosopMe de Ha- dos estados de consciência, mas o próprio conjunto do eu com :1
milton, pá~. 228) . seus caracteres da unidade e identidade pessoais. ,i

B. Discussão 3. Malôgro do associacionismo. As explicações de HUME li


p
l quanto à formação da idéia de coisas ou de sujeito permanente
'·t
572 Temos de examinar brevemente as três categorias de ar- são puras petições de princípio. Com efeito, se as pretensas 1

gumentos fenomenistas. "coleções" são designadas por uma s6 palavra, evidentemente


é porque desde o principio aparecem como todos orgânicos. As Ji1
1. O sujeito não é um substrato inerte. A crítica da no- pedras de um montão, por mais que sejam dadas juntas para
ção de substância repousa inteira num contra-senso. A noção a percepção, nem por isso deixam de continuar formando um
de sujeito não é a de um substrato inerte da mudança, no qual montão, isto é, uma coleção, mas nunca uma coisa ou um su-
as qualidades viessem de alguma sorte colar-se, como a veste jeito. Doutra parte, é verdadeiramente impossível conceber
adere ao corpo, ou como a pintura recobre a superfície das coi- ,.
.\ como uma coleção ou série de estados de consciência poderia
sas. Esta concepção é absurda. De fato, o sujeito s6 compõe chegar a conhecer-se a si mesma como uma unidade idêntica a

1
com suas qualidades um único ser concreto, de tal sorte que, si mesma.º Aliás, o próprio HUME acaba concordando conosco
prõpriamente falando, não são as qualidades que mudam, mas quando diz que, na hipótese do eu-coleção, a experiência de
sim o sujeito é que muda com elas e por elas. O sujeito muda, uniclade e de identidade é incompreensível, e que a única solução i 1

pois, constantemente, conforme o curso dos fenômenos que o plausível seria a de um sujeito permanente. 10 1

afetam : a permanência e a estabilidade só pertencem à sua es-


t sência, e não à sua realidade concreta. Vê-se, por ai, que a
objeção de HUME, de que o sujeito seria impensável em si
9 A explicação de TAlNE não é menos arbitrária. Não se vê como,
sendo dados somente estados psi<:ológicos, sua dl1erença de intensidade
mesmo, não tem valor. O sujeito, em si mesmo, define-se ao bastaria para os transformar em mundo interior ou exterior, real ou
mesmo tempo por suas propriedades essenciais e pelas qualida- imaginário.
10 TTeatise, l. I, 4.• parte, Apl!ndice: "Em suma, há dois princípios que
des que o individualizam, visto que tudo isso compõe o sujeito não chego a harmonizar, sem que por isso possa renunciar a um ou ao
concreto. outro, il. saber: o principio de que nossas percepções distintas são existên-
cias distintas, e que o espírito jamais percebe qualquer conexão real entre
e.xistências. distintas. Já não haveria nisto dificuldade se se admitisse ou
579 2. Realidade empírica do «eu». Em vão contesta HUME- - que nossas percepções inerem em algo de simples e de individual, ou que
a experiênci~ psicológica do "eu". Essa experiência pode com- o espírito percebe alguma conexão real entre elas. No que me concerne,
portar graus, mas é um fato tão evidente como a multiplfoidade devo confessar que esta dificuldade excede meu entendimento ... " S. MILL
dos estados de consciência. Ademais, contràriarnente ao que faz a mesma confissão: "Se considerarmos o espírito como uma série de
estados de consciência, somos obrigados a completar a proposição, chaman-
imaginam os empiristas, êsse "eu" não é construido a partir de do-a uma série de estados de consciência que se conhece a . si mesma como
seus elementos, como se os elementos, dados primeiramente passada e futura; e somos reduzidos à alternativa ou de crer que o espirito
594 PSICOLOGIA O EU E A PERSONALIDADE 595

e. Teoria kantiana § 2. TEORIAS SUBSTANCIALISTAS


,.,
574 KANT é um empirista nominalista que, partindo das rnes~ Como as teorias fenomenistas··são impotentes para expli-
mas idéias que HUME, procura noutra via a solução dos pro~ 575
car a experiência do "eu", mister se faz encararmos.ª outra
blernas propostos pelo empirismo. Essa via é a das formas a hipótese, que procura a explicaç~o no s~jeito su?stanc1al. Na
priori do entendimento e da sensibilidade. Dessa teoria faz realidade as teorias substanciahstas sao anteriores ao feno-
KANT a seguinte aplicação à psicologia do "eu". menismo,' pois correspondem às exigências do sens~ comum,
que exige um sujeito como suporte da mudan~_a. _Nao _p<?dem,
1. Unidade formal do eu. A idéia de um sujeito perma- porém, essas teorias nem ater-se às con~epço:is msufic1ente-
nente colocado além dos fenômenos deve ser rejeitada corno rnente elaboradas do senso comum, nem deixar de ter em conta j'
não tendo apoio na experiência. Entretanto, a consciência de as críticas feitas pelo fenomenismo a certas formas discutí- !
unidade, de identidade e de autonomia é um fato. Corno ex- i.
veis do substancialismo. l.
plicá-Ia? Explica-se, diz KANT, pela mesma função de aper-
cepção que nos faz reunir no conceito de um objeto tôda a i,.
A. A «~oisa que pensa», de Descart.es
diversidade e multiplicidade de urna intuição. Essa função 1

produz urna unidade transcendental (isto é, um objeto) ligan- 1. O «Cogito». Para DESCARTES, <;>A«e~ pensante», 3: «coi- ,.
do os diversos elementos da intuição, e produz um "eu" ligandr> sa que pensa", é primeiro uma experiencia. Com efeito, o 1

os dive1·sos e múltiplos estados da consciência (Crítica da razãn sujeito pensante percebe-se a si mesmo no ato de pensar como 1
'J)U.ra, "Analítica transe.", § 178; "Dialética transe.", e. I) . A
unidade do eu, do ponto-de-vista empirico, não passa, portanto,
de uma unidade formal. Materialmente, o eu é mera coleção
"uma substância cuja essência ou natureza tôda é só pensar".
"Eu penso, log2' existo" não é um raciocínio, é_ uma intuiçãrJ il
em que o pens"amento e o ser formam uma coisa só. O ~er
e sucessão de fenômenos. assim percebido, insiste DESCARTES, só pode ser uma substân-
2. Discussão. A teoria de KANT não traz solução às difi- cia ou um sujeito. 11
culdades nascidas do empirismo. Primeiramente, também ela 2. Valor do «Cogit.o». Mais acima se viu que os empi- 1
'576
constitui uma petição de princípio : para explicar como os es- ristas contestam a realidade da intuição de um eu-sujeito. Mas
1 1

tados de consciência múltiplos e cambiantes tomam a forma


do "eu", KANT declara que é porque são percebidos como uni-
dades; mas, como já se faz mister um sujeito para formar essa
seus argumentos são inoperantes. Redundam todos em diz~r
que não temos nenhuma "consciência pura ~o eu-substâ~cia !
;
como ser individual", o que é evidente, mas nao se trata -~1ss?.
percepção, segue-se que o sujeito é que explica aquilo que de- O que se trata de saber é se é possível ter uma conscienc1a i
veria explicá-lo !
1
·
Doutra parte, tornamos a encontrar nessa teoria o êrro empírica do eu que não seja ao ~~smo ~mpo e nec~ssària- 1

mente a consciência de ser um suJeito. Nisso, o Cogito car-


que caracteriza todo o empirismo, e que consiste em pensar
tesiano resiste a todos os assaltos. Se podemos dizer ou pen-
que o múltiplo e o diverso se dão antes que a unidade, e que
a unidade seria o resultado de uma fabricação artificial. J a- sar: "Eu sou pensant e " , " sou viven
· t e " , " sou padecente"
. , é
mais o empirismo pôde conseguir explicar inteligivelmente os porque nos apreendemos intuitivamente como "uma coisa que
processos pelos quais .se efetuaria essa difícil operação. Aliás, pensa, vive e sofre", isto é, como um sujeito_ ~erm_ané~te ~as
a experiência contradiz claramente essas concepções, fazendo- múltiplas e diversas modificações. O eu-su1eito e. primeira-
nos ver que as unidades ou todos orgânicos precedem seus mente uma realidade experimental.
elementos, e qne os objetos, enquanto formas ou estruturas, De fato a concepção cartesiana encena dificuldades. Assim,
são dados imediatos da percepção. DESCARTES identifica arbitràriamente o pensamén!<> com o ser. 01J,
há ser que não é pensamento, e o pensamento nao é um ser, senao
uma maneira de ser. Todavia estas dificuldades deixam intato o
i,,
ou eu é coisa diversa das séries de estados de consciência ou de pos~ sentido profundo do Cogito.
sibilidades de estados de consciência, ou então de admitir o paradoxo .de
que alguma coisa que, por hipótese, não passa de uma série de estados
de consciência !>Ode conhecer-se a si mesma enquanto série" (PhilosoPhie 11 ci.. MAINE PE BmAN, MémoiTe sur la décomposition de la pensée.
de Hamilton, pág. 235). Oeuvres (Tisserand), t. III e IV.
,
,O EU E A PERSONALI DADE 597 .
1
596 PSICOLOGIA
C. O eu como inferência
1
1

3. Crítica empirista do «Cogito». De um ponto-de-v ista


1
;

empirista objeta-se, contra o Cogito cartesiano , que há confusão 578 1. i'eoria de Beid Os Escoceses com REID e os Ecléti-
entre o "eu empírico" , tal como o revela a consciênci a, e o "eu cos com RoYER-COLLARD e V. COUSIN crêem que é necessário
substancia l", pelo qual conclui a metafísica.- Mas esta objeção admitir a reâÍidade de um ºsujeito para explicar ·a experiênc iã .
não significa coisa alguma de inteligível. Efetivame nte, não psicológica, mas que isso só pode resultar de um raciocínio.
há dois eus, um empírico e outro substancial. Se se tem a O sujeito é inferido, e não intuído. O principio dêsse racio-
intuição do primeiro, tem-se por isso mesmo a intuição do se- cínio, afirma REID, outro não é senão o principio de subetãn-
gundo, pois ambos não fazem senão um só. O que é verdade cia: tôda mudança supõe um sujeito.
é que a noção metafísica de alma espiritual está merament e
implícita na intuição do eu empírico, e que só pela reflexão e 2. Discussão . Nessa teoria há uma confusão entre a
pelo raciocínio, a partir da intuição do eu empírico, é que própria exper1encia e as razões que a fazem inteligível . A
chegaremo s a explicitá-l a. Mas isso não tira nada ao valor da noção de um sujeito da vida psicológica não é efeito de um
experiênci a que ternos intuitivam ente de nossa existência como racio'c;,1io, mesmo implícito (a supor que os haja tais), e sim
sujeito. um dado imediato, um "fato primitivo" da consciênci a, que
sob forma mais ou menos clara acompanh a tôda a nossa vida
B. O eu como experiênci a de fôrça psicológica.
Só posteriorm ente é que a reflexão sôbre essa intuição nos
577 1. Sensação de esfôrço. MAINE DE BIRAN reconhece permite compreend er discursiva mente a evidêneia inteligível
que, como o queria DESCARTES, há deveras uma percepção ime- que encerra. E ainda há que compreend er que essa experiên-
diata, isto é, ·urna intuição, do sujeito por si mesmo. Todavia, cia, longe de ser justificad a pelo princípio de substância , é,
crê que essa intuição não é a do ser no pensamen to ou do su- ao contrário', simultâne amente com a intuição do eu, uma in-
jeito pensante, e sim a de uma relação entre o eu e o não-eu, tuição dêsse princípio ( 494).
relação revelada pelo esfôrço desenvolvido pelo eu para domi-
nar o não-eu que lhe resiste. Nesse esfôrço contínuo é que D. Conclusão
percebemo s a unidade, a permanênc ia e a identidade do eu
no tempo. 12 579 1. Necessida de de· um sujeito. O estudo das diferentes
teorias relativas à personalid ade leva-nos a concluir que não
2. A intuição do eu como sujeito ativo. A explicação há outra explicação possível da experiênci a e dos caracteres
oferecida por BIRAN é discutível, pelo menos quanto à natu- do "eu" senão por um sujeito substaneial. O fenomenis mo,
reza da sensação de esfôrço, que é de origem periférica , e não com efeito, como quer que se apresente, é incapaz de explicar
central (117). Contudo, BIRAN bem viu que a intuição do
essa exper1encia. Uma coleção de coisas não é um ser; uma
eu não era a intuição de uma substância passiva, e sim a do
sujeito ou pri.ncípio ativo da vida psicólógica. E' êsse o sen- série ou uma caravana não é um todo orgânico; uma série su-
tido profundo de sua doutrina. O "eu", tal como o revela a cessiva ou uma coleção simultâne a não podem conhecer-s e nem
intuição, é, com efeito, apreendido nos diversos e múltiplos como série, nem como coleção, nem ainda menos como unidades.
fenômenos (idéias, imagens, afetos, percepções, emoções, sen- Ao contrário, a unidade e a identidade tornam-se .inteli-
timentos, volições, etc.) que emanam dêle ou o afetam. E' in- gíveis desde que se admita que elas exprimem a realidade de
terior a todos os seus estados. Mas é no esfôrço voluntário um sujeito que está submetido à mudança e de um sujeito que
que êle é objeto de uma experiênci a vivida particular mente in- dura ao mesmo tempo que muda. Quanto à autonomia , se
tensa, pois em nenhuma outra parte se afirma tão clarament e implica outra coisa que a unidade e a identidade , que são os
como princípio e causa. caracteres da individual idade (indivisum in se et diviS'Ulm a
quolibet alio), pelo menos encontra na individual idade a sua
12 DESCARTES , Diacurso do Método, 4.• parte; Princípios da Filosofia, condição necessária : só um indivíduo (e não uma colônia ou
1, c. XI: "Observamo s que é manifesto, por uma luz que está naturalment e série) pode ser uma pessoa, isto é, um ser inteligente e livre,
em nossas almas, que o nada não tem nem qualidades nem propriedades senhor de si (índividuu m ratione praeditum , sui juris).
que lhe pertençam, e que, onde achamos algumas delas, deve achar-se
necessàriame nte urna coisa ou substância de que dependem". i
i
Ir
li
,
598 PSICOLOGIA O EU E A PERSONALIDADE 599

580 2. Intuição do eu. ART. III. O CARATER

a) Forma da intuição. :Ji:sse sujeito que nós somos não 5~1.. A noção de caráter está_ ligada com a noçªo de persona--
é uma construção do espírito. E' um dado experimental. A" -- ... iiéfade.~ Sob o ·'iiõme· de·caráTer entende-se, com efeito, quer
intuição do eu-sujeito é coextensiva a tôda a nossa vida psico- a personalidade concreta, isto é, o conjunto de disposições psi-
lógica, no sentido de que de alguma sorte não cessamos de estar cológicas e de comportamentos habituais de uma pessoa, quer
ontolõgicamente presentes a nós mesmos, e de que apreende- a capacidade e hábito da energia no querer e na ação (neste
mos essa presença ontológica nos atos que dela emanam. 13 sentido se diz de alguém que tem "caráter"), noção que ainda
Essa consciência de si co;mo sujeito é uma consciência ha- é relativa à personalidade, mas considerada aqui em sua ma-
bitual. Para que se torne consciência atual, faz-se mister um nifestação mais alta, que é a vontade. E' sobretudo do caráter
ato de reflexão sôbre si. Mesmo quando é consciência atual entendido no primeiro sentido que temos agora de nos ocupar.
e reflexa, nunca é essa intuição do eu puro que os empiristas Duas questões se propõem: as de sua natureza e de sua evolução.
timbram em reclamar, e que é impossível. Porque o sujeito
s6 pode ser apreendido em seus atos e por seus atos, dos quais
só é possível distingui-lo por uma abstração da mente. Enfim, § 1. NATUREZA DO CARÁTER
a consciência ou intuição de si como sujeito não é um conhe-
cimento intuitivo da natureza do sujeito que somos. Somente A idéia de caráter implica referência à individualidade,
é apreensão de uma realidade existencial, cuja natureza não àquilo que faz que um indivíduo seja distinto de todos os outros,
chegaremos a conhecer com precisão senão à custa de minu- e que se possa reconhecê-lo. Todo indivíduo, como tal, possui,
ciosas e difíceis análises. 14 com efeito, caracteres ou marcas próprias, que são "diferenças
b) Conteúdo da intuição. Qual é exatamente o conteúdo individuais" ou notas individuantes (1, 46), acessíveis à in-
dessa intuição existencial? Nós nos apreendemos como um tuição concreta e ao conhecimento por simpatia ou conatura-
sujeito complexo, princípio de fenômenos e de atividades de lidade. tsses sinais individuais (idiossincrasia) são de natu-
natureza mui diferente, visto dizermos com igual verdade: "eu reza fisiológica e psicológica.
como", "digiro", "sofro", "amo", "raciocino", "quero". Esta
complexidade deixa, pois, subsistir na intuição a unidade essen- A. Elementos do caráter
cial do sujeito, porém dois pólos se manifestam também, de
alguma sorte, na intuição do eu, o pólo físico (corpo) e o p6lo 582 1. O remperamento. A individualidade, dizíamos acima,
psíquico (alma). Nada de tudo isso se precisa claramente ao vem do corpo. Isso equivale a dizer que o caráter tem como
nível da intuição empírica do eu: Mas, como antes dissemos, primeira base o temperamento ou individualidade física. O
é nessa própria intuição que a análise metafísica discernirá temperamento ( etimologicamente equilíbrio) segundo a concep-
a natureza e o modo de união dos princípios de onde procede ção de HIPÓCRATES e de GALENO, é uma mistura, em propor-
a complexa unidade da pessoa humana.
ções variáveis, dos quatro humores fundamentais: linfa, bile,
nervos e sangue. Desta concepção provém a divisão clássica
13 Cf. SANTO TOMAS, De Veritate, q. 10, art. 8. Quantum ad cog- dos caracteres em linfático, bilioso, nervoso e sangrüíneo, con-
nitionem habiutalem, sic dico quod anima per essentiam suam se videt, id forme o elemento que predomine no temperamento correspon-
est, ex hoc ipso quod essentia sua est sibi praesens, est potens exire in
actum coJZnitionis sui bsius ( ... ) . Ad hoc autem quod percipiat anima dente. Na realidade, parece certo que a distinção dos carac-
se esse et qlJid in seipsa agatur attendat, sufficit sola essentia animae, teres foi que suscitou a dos temperamentos.
quae menti ~st praesens: ex ea enim actus progrediuntur, in quibus actu- ..
aliter ipsa percipitur". - Ia., q. 43, a. 5, ad. 2; "Illa quae sunt per essentiam Hoje em dia considera-se que o temperamento é o resultado dos
sui ln animá i:ognoscuntur experimentali cognitione, in quantum homo cinco elementos seguintes: constituição anatômica, morfológica,
experitur per àctus principia intrínseca". química, sistema neurovegetativo e cérebro-espinhal.
H Cf. SANTO TOMAS, De Veritate, q. 10, a. 8, ad 8m. in contr.: "Secun-
dum hoc scientia de anima est certíssima quod unusquisque experitur se a) Constituição anatômica. Distinguem-se quatro grandes sis-
animam habere et actus animae sibi inesse, sed cognoscere quid sit anima temas anatômicos: bronco-pulmonar, gastro-intestinal, muscular e
',,
.. difficillimum est". cérebro-espinhal. Conforme o sistema que predomine, diz-se que um
600 PSICOLOGIA , O EU E A PERSONALIDADE 601

temperamento é do tipo respiratório, do tipo digestivo, do tipo mw- tálamo e corpo estriado). Nessa região é que reside provàvelmente
cular ou do tipo cerebral (fig. 28) . lij o patrimônio instintiv(!, impulsivo e afetivo de um indivíduo.
:S:stes diferentes sistemas podem dar combinações extraordinà-
rlamente variadas, que explicam a multidão infinita de individuali-
• dades_ e carl!,cteres ..16

589 2. Elementos psicológicos. l!::stes elementos é que cons-


tituem o caráter propriamente dito. Compreendem primeira
e fundamentalmente o que se chama "o natural", depois os
hábitos adquiridos, e finalmente as influências do meio e da
profissão.
a) O natural. Sob o nome de "natural" designam-se
tôdas as disposições psicológicas hereditárias e inatas, prove-
nientes da família e da raça, e que compõem o temperamento
moral. Essas disposições concernem à inteligência, de ampli-
A B C D tude e de forma tão variáveis de um indivíduo a outro; à von-
Fig. 28. Esquema dos quatro tipos anatômicos. tade, igualmente tão diferente em poder e em continuidade
a) Tipo respiTatório. Cabeça em losanoo. Predomin4ncia do tórax e do conforme os indivíduos; e, enfim, à afetividade, pela qual so-
andar médio da face. b) Tipo digestivo. Cabeça triangular. Predomin4n- bretudo se distinguem melhor os caracteres.
cia do abdômen e do andar inferior da face. c) Tipo muscular. Tronco
igualmente repartido entre o tórax e o abdômen. Anda,-es iguais da face. A questão da hereditariedade psicológica, que é um fato tão
d) Tipo cerebral. Predomindncia da cabeça e do andar supe,-ior da face.
(Segundo o Dr. THOORIS, Paris, Legrand, 1924) . certo como o da hereditariedade física, ainda é multo obscura em si
mesma. Há certamente transmissão de qualidadies psfqutcas, e mui-
tas vêzes as doenças mentais se transformam ao se transmitirem
(muitas vêzes mudam de sinal, de alguma sorte: certos inibidos
b) Constituição morfológica.. Leva-se em conta, aqui, de um psiqulcos têm como descendentes indivíduos falhos quanto às fun-
lado a estrutura geral ão corpo, e, do outro, a estrutura ão cr4nfo. ções de inibição, e inversamente). Quanto à hereditariedade dos
Do primeiro ponto-de-vista, distinguem-se dois tipos : o tipo «cha- caracteres q.dquiridos, isto é, da diferença existente entre a normR.
to» e o tipo «redondo». (Em geral, as pessoas «compridas» são e a flutuação, 17 nada se sabe de absolutamente seguro. Parece
«chatas», e as pessoas «largas» são «redondas»). - Como caráter, somente, que a modificação adquirida não se inscreve no germe e'
observa-se que, em geral, os «chatos» são concentrados ou retraídos, por conseguinte, não é suscetível de transmitir-se (1, 422). o qu~
e os «redondos» são abertos e expansivos. - A estrutura craniana se transmite é uma predisposição ou um «terreno>. Estas observa-
permite a Eugêne LEDOs (Traité de phiswnomi.e humatne, Paris, ções, feitas a propósito d~s caracteres morfológicos e fisiológicos,
1894) distinguir oito tipos distintos e oito caracteres correspon- valem com maioria de razao para os caracteres psicológicos adqui-
dentes. ridos, cuja transmissão, de fato e de direito, é das mais incertas.
e) Constituição química. Aqui tudo depende das gl4ndulas en- 584 b) Os costumes. O costume, depois da herança, é o
dócrinas ou glândulas de secreção interna. A influência destas se-
creções sôbre o psiquismo é certa, e parece considerável. Distinguem- fator mais importante do caráter psicológico. E' o passado
se diversos temperamentos endocrinianos, conforme predomine uma do indivíduo que vem juntar-se ao passado ancestral, para re-
glândula sôbre as outras e conforme seu grau «híper» ou chlpo> forçá-lo, modificá-lo, contradizê-lo, e, às vêzes, para libertá-lo
(temperamentos hipertlreoldiano e hlpotlreoldiano, híper ou hlpoge- dêle.
nital, etc.) .
d) Sistema nerroso vegetativo. Subdivide-se em parassimpáttco
(que produz pessimistas, em razão de seu excessivo dispêndio de ões permanecem ainda muito vagas, e longe estão
10 Essas classificaç_
de haver atingido o nfvel cientifico. Cf. POIRIER, La PS11chologie des
energia) e em ~mpáttco (optimistas, expansivos). caracteres (N. Traité de PS11chologie de DUMAS, VII, pãg. 2).
e) Sistema, cérebro-espinhal. A efetividade parece depender so- 17 Cf. L. CUENOT, La genese des especes animales, Paris, 1911, pãg. 109:
bretudo dos órgãos situados na ba.se do cérebro (terceiro ventrículo, "Para certa raça de vacas, a norma é produzir quinze litros de leite por
dia; se u1!1a delas, ricamente alimentada, e tratada de maneira hãbil, chega
1~ O respiratório é, de bom grado, esportivo; o digestivo é exuberante, a produz.ir vinte litros, o "caráter adquirido" pelo individuo é de vinte
"bon vivant", optimista; o muscular é combativo; o cerebral revela grande menos quinze, ou seja a faculdade de produzir cinco litros mais do que a.
atividade intelectual, especulativa, estética ou organizadora. norma".
602 PSICOLOGIA
O EU E A PERSONALIDADE 603
e) O meio e a profissão. O caráter de cada um depen-
de, em parte também, de seu meio, do qual êle toma, por mi- HJ:YMANS e W ·I ERSMA (cujas técnicas empregou LE SENNE no seu
Traite de Caractérologie) pelos processos da psicografia conseguiram
metismo ou como por osmose, as disposições orais, os senti- assinalar três propriedades fundamêntais: emotividade (emotivos: E;
mentos, os preconceitos e as paixões. A profissão só intervém não-emotivos: nE); - atividade (ativos: A; não-a,tivos: nA); -
mais tarde, e sôbre um caráter já formado. Mas não deixâª'····' ···rep"éfcus!iáÕ-êlll:S- fepresentaçÕês (âqui HEYMANS e 'WIERSMA distin-
de exercer influência às vêzes considerável. Cada profissão guem duas ·classes: os «prlmários>, nos quais a repercussão não vai
multo além do presente: P; e os «secundários», em quem vai muito
comporta hábitos e atitudes, a um tempo exteriores e morais, além: S).
que acabam por se integrar na personalidade, e mesmo, em A combinação dessas três propriedades fundamentais dá otto
certos casos, por modelar até a personagem física. Se normal- caracteres-tipos, a saber:
mente o caráter profissional desaparece fora do exercício da 1. nE nAP (não-emotivos não-ativos primários) : amorfos.
função, também sucede incorporar-se tão bem ao conjunto psi- 2. nE nAS (não-emotivos não-ativos secundários): apáticos.
cológico, que vem a ser como uma segunda natureza e nunca 3. nE AP (não-emotivos ativos primários): sangüineos.
é deposto no vestiário. 4 . nE AS (não-emotivos ativos secundários): fleumáticos.
5. En AP (emotivos não-ativos primários) : nervosos.
B. Classificação dos caract.eres 6 . En AS (emotivos não-ativos secundários): sentimentais.
585 1. Ensaios de cl88sifie~. A classificação dos caracte- 7. E AP (emotivos ativos primários): coléricos.
res segundo os temperamentos e os diferentes elementos que 8. E AS (emotivos ativos secundários) : apaixonados. 10
os compõem é extremamente vaga e muito incerta em suai:;
bases. Tentou-se também classificar os caracteres conforme § 2. EVOLUÇÃO DO CARÁTER
a predominância de uma ou de outra das grandes funções psí-
quicas. Por exemplo, as diferenças na sensibilidade dariam · 586 Tem-se às vêzes contestado que os caracteres evoluam.
os caracteres brutal, grosseiro, delicado, émotivo, sentimen- Aliás, é para a imutabilidade do caráter que propende também
tal, etc. As diferenças intelectuais dariam os caracteres ra-· o senso comum. "O que o berço dá só a tumba tira". Do
ciocinador, intuitivo, científico, estético, prático, etc. Mas tudo mesmo modo, KANT, BICHAT, SCHOPENHAUER , LOMBROSO, por
isso ainda é muito impreciso. motivos diversos, sustentaram que o caráter não era suscetível
de variar : dado uma vez por tôdas, não mudaria. Para logo
Objeta-se, por vêzes, contra as classificações dêsse gênero, que se vê que uma tese semelhante é demasiado absoluta. A ex-
ainda não passam de divisões abstratas e sem alcance quanto à in-
dividualidade, pois há muit-as maneiras de ser raciocinador, ou sen- periência quotidiana nos outros e em nós mesmos prova bem
sivel, ou voluntarioso, etc. Mas esta objeção é excessiva, porquanto que os caracteres se modificam. 2º Em todo caso, haveria aqui
bem evidente é que, se classificação devesse levar em conta tôdas lugar para distinguir entre os diferentes elementos do caráter,
as diferenças individuais, haveria tantas classes quantos individues! e para indagar se são ou não capazes de variações passivas,
2. «Enquêt.es» psicográfieas. 'l1êm-se empregado dife- em conseqüência de circunstâncias acidentais, ou de modifica-
rentes processos experimentais para obter maior precisão na ções provenientes da iniciativa do sujeito.
definição e classificação dos caracteres. O mais empregado é 1. Variações do caráter. Alguns elementos do caráter
o das "enquêtes" psicográficas. Seu princípio consiste em são certamente variáveis: os hábitos adquiridos podem mudar,
obter de pessoas competentes (médicos, professôres, educado- por desuso ou em razão das dificuldades que topam. Do mes-
res) descrições detalhadas de grande número de temas, feitas mo modo, a mudança de meio ou de profissão muitas vêzes tem
segundo um questionário uniforme versante sôbre todos os ele- influência notável sôbre o caráter.
mentos do caráter.. Procura-se, em seguida, determinar pelo
método estatís_;tico quais são as qualidades que, ordinàriamente ,
10 Para uma classificação diferente, cf. R. MAISTRIAUX, L'étude des
se apresentai:n juntas, e qual é, em cada grupo, a freqüêncb caracteres, Bruxelas, 1950. ·
das outras q~alidades. 18 20 VOLTAIRE (Díctionnairt philosophique, artigo "Caractere", ed. Benda,
Paris, t. I, pág. 89) objeta que, "se alguém pudesse mudar o próprio caráter,
dar-se-.i a um caráter, seria senhor da natureza". Não haveria ninguém que
1s Cf. Dr. G. POYER, Les problemes généraux de l'hérédité psychologi- não fôsse perfeito. Mas isso é esquecer que são necessários esforços, não
,que, Paris, 1921. O estudo científico do caráter e chamado hoje quer raro longos e penosos, para modificar o caráter, e que bem poucos têm
cm-acteroLogia, quer psicologia individual. a coragem de os fazer ou n perseverança de os prosseguir até o fim.
604 PSICOLOGIA
O EU E A PERSONALIDADE 605
Quanto ao natural, ao que parece deve-se-lhe reconhecer
,,,
uma plasticidade bastante grande. Verifica-se, com efeito, que Em oue limites se inscreve comumente esta possibilidade outor-
., gada ao .. homem de se arrancar à fatalidade bioló~i~a e de trans-: _______ ....
se modifica por transformações orgânicas trazidas pela idade, -··· iormar ou-modificar seu caráter?· :S:sses limites varuon conforme os
po1· doenças crônicas (tuberculose, artério-esclerose, artritismo)""" - indlviduos. Alguns parecem possuir podêres indefinidos de renova-
ou acidentais (afeções do estômago ou do fígado), por efeito ção. outros parecem ou encerrados no círculo infrangivel de uma
de uma mudança de regime ( diferenças entre vegetarianos e constituição imutável, ou (quando a vontade tenta escapar _a essa
escravidão) fadados a uma luta extenuante e infecunda (senao mo-
carnívoros, entre bebedores de vinho e bebedores de água) , ou ralmente) contra uma natureza ingrata. Entre êsses limites extre-
por uma mudança de clima ou de higiene, etc. O natural psi- mos é que se situam. de fato, a maior parte dos caracteres. Nor-
cológico, que é formado sobretudo dos instintos, é também malmente na maioria dos homens o caráter encerra um substrato
relativamente plástico, e varia com a idade, a experiência, a elememtar' composto de elementos psicofisiológicos que vão seria pre-
tender transformar profundamente, mas cujo uso ou direção está
cultura intelectual, o meio moral, etc. no poder da vontade. O entusiasmo, a espontaneidade afetiva, a emo-
A isto tem-se objetado que as causas secundárias de va- tividade, a agressividade são fatos que as mais das vêzes cu1':1pre
riação só têm efeito na medida em que são acolhidas pelo ca- aceitar ou sôbre os quais só se pode agir dentro de estreitos linutes;
mas di{ cada um depende orientar de tal ou tal forma êsses dados
ráter inato, e que só fazem é revelar as virtualidades dêstc fundamentais. 1!: neste domínio do exercício (que é o das virtudes e
último. Mas esta observação não traz muita luz. Primeira- dos vicias) que as possibUidades de transformação encontram seu
mente, por definição mesmo, só podemos conhecer as virtuali- campo mais vasto.
dades quando elas se revelam. Depois, tratar-se-ia de sabe·1· Deve-se, aliás, assinalar que o coeficiente àe plasticidade ão ca-
ráter varia com a id,,ade, e que êle vai diminuindo ràpidamente após
se o caráter real e concreto ( e não o abstrato e teórico) encer- 0 momento ótimo da infância e da puberdade. As modificações pro-
raria verdadeiramente tôdas essas pretensas virtualidades. fundas como as mudanças de orientação, exigem normalmente, à
Enfim, o fato de acolher as influências exteriores, e de por medida' que se avança em idade, esforços cada vez mais dificeis.
elas deixar-se modificar, pode bem, se quiser, exprimir um
aspecto do natural, mas isso não muda coisa alguma ao fato
de que êle se transforma mais ou menos profundamente.

587 2. Modifi~ões do caráter. Aqui é o domínio do esfôrço


pessoal, onde se realiza o paradoxo da causalidade recíproca,
pois a vontade é ao mesmo tempo causa e efeito do caráter.
Neste mesmo sentido dizíamos mais acima (547) que o querer
exprime a personalidade concreta no momento da decisão, mas
que essa personalidade mesma é obra da vontade.
Os meios de que o homem dispõe para operar a transfor-
mação de seu caráter são os mesmos que produzem as varia-
ções passivas dêste. O homem tem poder sôbre seus hábitos.
Podem mudar de meio e de profissão, quer dizer, modificar
as influências que sôbre êle pesam. Pode também criar para
si um nôvo regime de imaginação, renunciando, por exemplo,
a leituras que exerçam influência nefasta sôbre sua conduta
moral. Pode mesmo, para agir sôbre as próprias bases de seu
temperamento; lançar mão de judiciosas modificações de se'u,
r(!gime alimentar ou higiênico.
Tudo isst> .demonstra-nos que, se o querer concreto está
conforme com a síntese psíquica e com o caráter, êste, como
a síntese psíquica, depende, em grande parte, da vontade. O
homem de vontade é precisamente aquêle que sabe criar para
si um caráter, e que por êste orienta sua própria conduta.
A CONSCI°E:NCIA 607

,''
ART. I. NATUREZA DA CONSCIÊNCIA

Fàcilmente distinguimos a consciência psicológica da cons-


ciência moral. Esta formula juízos sôbre o bem e o mal; aque-
la limita-se a informar-nos sôbre os acontecimentos de nossa
vida interior, sem os apreciar, como simples testemunha. Aqui
só tratamos da consciência psicológica.
CAPÍTULO II

A CON SCl:il:NCIA § 1. FORMAS DA CONSCIÊNCIA


I •
A. Noção
SUMARIO 1
1 . Consciência subjetiva.. A consciência é a função pela
qual conhecemos nossa vida interior. Muitas -uêzes emprega-
Art. I. NATUREZA DA CONSC'ttNCIA. Formas da consciência. se também a palavra consciência num sentido objetivo, para
Noção. Caracteres dos fatos de consciência. Graus da designar o conteúdo ou a matéria da vida psicológica ( eu
consciência. Condtç6es dia consciência. Condições bio-
lógicas. . Condições psicológicas. objetivo) : é neste sentido que se fala de estado de consciência.
Aqui encaramos somente a consciência subjetiva, que, a bem
Art . II . O SUBCONSCIENTE E O INCONSCIENTE. O subcons- dizer, é consciência da consciência (eu subjetivo).
ciente. Na vida normal. Na vida anormal. Lapsos. Des-
dobramentlos. As duas formas do subconsclen11e. O Essa consciência, da qual REID e RoYER-COLLARD faziam
inconsctente. Delimitação do inconsciente. Dom.inio e uma faculdade especial, sob o nome de senso íntimo, em reali-
papel do inconsciente. dade não é distinta dos fatos psíquicos que nos faz conhecer.
Art . III.
E' somente a propriedade que têm êsses fatos de aparecer (L
ESTRUTURA DO APARELHO PSÍQUICO. Teoria d.as
personalidades múltiplas. Abaixamento da tensão psí- seu próprio sujeito.
quica. Teorta da consciência &ubliminar. Eu subliminar. 2 . Consciência espontânea e consciência. reflexiva. A
Apreciação. T-eorta do recalque. Apreciação. Conclusão.
Unidade da consciência. Estrutura psiquica.
experiência de nossos estados psíquicos pode ter duas formas
diferentes: a forma espontânea e a forma refletida.
Í' 588 O estudo do eu e da personalidade introduz-nos natural- a) Consciência espontânea. E' a consciência em sua
mente no estudo da consciência, já· que o eu-objeto e o eu-sujeitn forma mais simples, aquela que temos de nossos estados sub-
são consciência, pelo sujeito, de sua própria vida psicológica, jetivos simplesmente pelo fato de vivê-los. Se não fôsse esta
e consciência de si como sujeito e princípio dessa vida psico- consciênci,a, todos êsses estados ser-nos-i,am estranhos, exata-
lógica. Dêste poder de se conhecer a si mesmo é que temos mente como os fenômenos da vida vegetativa. A consciência
agora de nos ocupar. Os problemas que se propõem a seu espontânea é confusa e indistinta: é uma espécie de senti·mento
respeito concernem à sua natureza e a seus graus. global da vida psicológica, pelo qual esta nos é dada sobre-
tudo em sua continuidade e em seu fluir (stream of conscien-
ciousness).
1 Cf. P . JANET, L'automati.sme psychologique. BINET, Les a!tératiam
de la persannalité. W . JAMES, L ' expérience religieuse, trad. francesa , Paris, b) Consciência reflexiva. O estudo da reflexão (963)
1902. FREUDr Essais de Psvchanalise. trad. francesa, Paris, 1922; La Psy-
chopatho!ogie, de la t.'ie quotidienne; La science des r~ves, trad. francesa,
já nos introduziu nesta maneira de assumir-se a si mesmo como
Paris, 1926. .JASTROW, Subconscience, Paris, 1908. E. JONES, _La Psy- subjetividade, maneira que havemos definido como consciência
chanalise, trad. -francesa, Paris. 1925. Dr. A . M~IE, L~ psychana!ise et !es reflexiva. Esta consciência é privilégio do ser racional, e a
nouvelles méth.ades d'investigatian de l'inconscient, Paris, 1925. J . DE LA própria forma do que denominamos um "eu" ou uma "pessoa"
V AISSI:tRE, La théarie ps11chanal11tique de Freud, Paris, 1930. D~ELS- (577), isto é, de um ser capaz de si possuir a si mesmo ativa-
HAUVERS L'inconscient, Paris, 1929. DEHOVE, Mélanges psychologiques, mente, e, portanto, de escapar ao determinismo das represen-
Paris, 1931: DALBIEZ, La méthade ps11chanal11tique et la doctrine f7:eudien-
ne, 2 vols., Paris, 1936. L. JUGNET, R. All~rs ou !' Anti-Freud, Par1S, 1950. tações.
608 PSICOLOGIA A CONSCiíl :NCIA 609
,•1
i Tôda consciência é necessàr iamente consciên cia de alguma superponha a êsse ato uma modalidade nova. Por sua ime-
t, coisa. A irt.tencionaz-tdade (isto é, Q ato de tende~ para algo distinto diatez, a-.consciência é, pois, testemunha preciosa da vida psi- --- ·-
de si) é o caráter de tôda. consciência atual. A consciên cia só é ~-
atuada, e portanto só existe, como consciência, por algo distinto de. cológica, mas é uma t~stemi: nh~_q11e h~ que controla r.
si mesma. . ... ·····"·--··.
··
Tôdas essas fórmulas são equivalentes: implicam que a cons- 590 2. A personalidade. Os dados da consciên cia são pes-
' ciência, coma tal (isto é, enquanto consciência de si) não é distinta soais ao sujeito e, por consegu inte, incomun icáveis e invio-
•j de consciência da coisa (dêsse quadro que estou vendo, por exem-
plo). Ter consciência de um objeto presente (fisicam ente ou em láveis.
imagem) é não lançar o olhar sôbre a consciência para lhe apreen-
der o conteúdo, - q que significa ria regressão ao infinito, a) Incomunicabilidade . Os dados da consciência, en-
-
a um só tempo ser o objeto enquanto conhecido, isto é, intencio mas nal- quanto estados subjetivc;is, são intransm issíveis a outrem. Po-
mente, e ser reveladq a st mesmo co11J,O consciên cia de si. Assim, dem de certo, ter um conteúd o impesso al, como nos casos das
intenção cognoscente é, segundo a fórmula de HEmEGGE R, revelant e-a rep;esen tações; mas, enquant o formas subjetiv as da consciên-
revelada . 1!: o que SANTO ToMÁS exprimia sob esta forma:
cente em ato é o co11hecido em ato (cognoscens tn actu e.t ocognttum
cognos- cia, só pertenc em ao sujeito, e trazem a marca incomun icável
in actu sunt idem). 2 da persona lidade. Com maioria de razão assim sucede com
Daí se segue que a consciência reflexiva nunca é senão umn. os estados afetivos . Sem dúvida, o sujeito pode expor a outro
consciên cia segunda., visto que a reflexão já supõe a consciên cia o que com êle se passou: um sonho, um raciocín io, uma dor.
reflexa, isto é, a consciên cia de ter (ou, melhor, de ser) consciênnão
cia Mas a forma vivida dêsses acóntec irnentos psíquico s não pode
de alguma coisa (a que acima chamam os consciên cia espontân ea).
ser represe ntada a outro.
B, Caracteres dos fat.os de consciência b) Inviolabilidade. Ninguém pode penetra r na consciên-
cia alheia. E' um mundo fechado. Pela mímica, pelos refle-
589 Os fatos de consciência têm propried ades que os distin- xos ou pelas palavra s de alguém, chegam os a formar- nos urna
guem de todos os outros fatos de percepção externa . São ime- imagem do que nêle acontece. Mas essa imagem compomo-la
diatos, pessoais e imateria is. sôbre o modêlo de nossas própria s experiên cias, e só em grosso
ou esquem àticame nte nos represe nta os acontec imentos interio-
1. A imediat.ez. Os dados da consciência, em razão de res do outro. Aliás, há um número conside rável de fatos psí-
serem a experiên cia que o sujeito tem de si mesmo, não admi- quicos que não têm express ão externa .
tem intermediário nenhum . Estão ao alcance do sujeito, sem
raciocínio nem inferênc ia. Dessa imediatez, os Escoceses e os e) Imaterialidade. Os fatos de consciên cia não estão no
Ecléticos, como também certos filósofos contemp orâneos , qui- espaço, nem num lugar. Verdade é que se fala corrente mente
seram deduzir o caráter absoluto e infalíve l dos dados cons- de "fatos internos '', e mais acima dissemos que o eu "se in-
cienc1a1s. Mas essa inferênc ia 'é discutível. Sem dúvida, o terioriz ava" progres sivamen te. Mas essas express ões cumpre
estado de consciência é dado numa intuição concreta , e não entendê -las por oposição ao não-eu, que aparece corno "o fora"
num conceito. Mas essa intuição , ao nível da consciên cia es- e "o exterior " (o "mundo exterio r"), e também corno aquilo
pontâne a ou concom itante, muitas vêzes é confusa , em virtude que está colocado no espaço. Todavia , a consciên cia militas
de sua multipli cidade interna ; e, ao nível da consciência re- vêzes é concebida como interior ao corpo, que represe nta a
flexiva, é mais ou menos modific ada pelo ato de isolá-la da periferi a do eu. Mas essas são imagens inexatas , que sem
corrente consciencial e de observá-Ia de memóri a. O fato de dúvida não fazem senão traduzi r certo sentime nto de que as
tomar consciência reflexiv amente de wm ato implica que se condições orgânic as da consciência não são periféri cas, porém
centrais (68). Na realidade, a consciência envolve o corpo,
visto que êste pode ser objeto de consciência. Por isto, mais
2 Cf., no fuesmo sentido, J.-P. SARTRE, L'Etre
et le Néant, pág. 18:
"Se minha cbnsciênc ia não fôsse consciênc ia de ser consciênc ia justo seria·di zer que o corpo está na consciência. Porém, aqui,
de mesa, "fora" e "dentro ",· que são têrmos de espaço, só devem ser
seria pois consciênc ia dessa mesa sem ter consciênc ia de sê-lo,
ou, se se
quiser, uma consciênc ia que se ignorava a si mesma, uma consciênc
ia in- compree ndidos à luz da analogia .
consciente - o que é absurdo. Página 19. "Essa consciênc ia espontâne
minha percepção é ccmstitutiva de minha consciênc ia perceptiv a.
a de Os fatos de consciência, como tais, isto é, enquant o rea-
têrmos, tôda consciênc ia posiciona l de objeto é ao mesmo tempo
Por outros lidades subjetiv as imateria is, não são pois suscetÍV!;lÍS nem de
consciên-
cia não posiciona l de si mesma". relações de posição, já que não estão em nenhum lugar, nem
610 PSICOLOGIA
A CONSCI:11:NCIA 611
1
--

de dimensões e de medida, visto não serem quantitativos senão tra coisa. E' fenômeno que se repete constantemente em nossa
só qualitativos ( 40). ' vida: a todo momento, há na consciência uma multidão infi-
nita de pequenas percepções, que permanecerão obscuras E: ,.._ ... .
C. Graus da consciência latentes por tanto tempo quanto não se lhes preste aten-
ção (Nouveaux Essais, Preâmbulo):
591 1. Princípio de continuidade. Para DESCARTES, a alma
é "uma substância cuja essência tôda é pensar", e o pensa- 593 3. Consciência e subconsciência. Vem assim LEIBNIZ a
mento reduz-se à consciência. "Pelo nome pensamento com- distinguir uma série contínua de graus de consciencia, que
preendo tudo o que está de tal forma em nós, que o percebe- vão dos estados claros e distintos aos obscuros e surdos, e
mos imediatamente por nós mesmos" ( Apêndice das Respostas depois aos "mais que surdos". 11:stes estados mais que surdos
às segundas objeções). Daí se segue que nada pode passar- são também, para LEIBNIZ, estados conscientes, embora sua
se na alma que esta não perceba por êsse próprio fato; quer existência só possa ser revelada pelo raciocínio.
dizer que o fato psicológico é idêntico ao fato de consciência. Abaixo, não há mais nada. Sôbre êste ponto LEIBNIZ
Dêste ponto-de-vista, é ininteligível uma consciência obscura.. permanece fiel a DESCARTES, e não acredita que a consciência
A essa concepção opõe LEIBNIZ sua teoria dos graus de cons- objetiva seja mais vasta que a consciência subjetiva. Para
ciência, teoria fundada, a um tempo, na experiência, que de- êle não há, pois, inconsciente propriamente dito. Seja lá como
monstra que a consciência pode ser mais ou menos clara, e fôr dêste último ponto, que suscita um problema especial, ad-
naquilo a que êsse filósofo chamava princípio de continuidade, mitir-se-á, com LEIBNIZ, que se devem distinguir dois graus
em virtude do qual a natureza não dá saltos e em tôda parte principais de consciência: o consciente ( estados claros) e o
procede por gradações insensíveis. 8 subconsciente (estados surdos).

592 2. Percepções e apercepções. LEIBNIZ apora sua teoria § 2. CONDIÇÕES DA CONSCIÊNCIA


dos graus no fato das "pequenas percepções". Uma coisa diz
êle, é percebida desde que produz sôbre a consciência uma' im- 594 Quais são os fatôres que condicionam a consciência?
pressão qualquer, por fraca que seja; mas só é apercebida se Uns são biológicos, outros psicológicos.
essa impressão é bastante forte para prender a atenção. Daí
se segue que percebemos muito mais coisas do que delas nos A. Condições biológicas
1
apercebemos, e que, por conseqüência, abaixo da consciência 1. Insuficiência do fator intensidade. Pareceria que, ob-
clara há uma margem enorme de consciência obscura. Por jetivamente, o fator necessário e suficiente da consciência seja
exemplo, à beira-mar somos impressionados pelo ruido do mar: a intensidade da impressão. Entretanto, deve isto ser pre-
isso é uma apercepção. Porém ela é composta de uma mul- cisado. Efetivamente, o / ator intensidade é mui relativo.
tidão infinita de pequenas percepções, produzidas pelos ruí<l.os Tal fato exterior, que sôbre um indivíduo produz impressão
elementares das vagas e das gotas de água, percepções que considerável, mal é percebido por outro, colocado entretanto
realmente se dão na consciência, embora de maneira extrema- nas mesmas condições externas, mas absorto em profunda re-
mente surda, sem o que não ocorreriam as apercepções. flexão. De outro ponto-de-vista, a intensidade é sempre mais
Aliás, essas apercepções podem, por sua vez cessar, se ou menos relativa: aos interêsses do momento ( o caçador per-
f a_ltar a atenção necessária: eu posso passear à beira-mar sem cebe nitidissimamente ruídos que escapam de todo ao passean-
lhe notar o ruído, por efeito de uma leitura absorvente. En- te; o pintor percebe matizes invisíveis ao profa~o, etc.), e ao
tretanto, as pequenas percepções nem por isso cessam de todo, hábito (o visitante de uma forja fica ensurdecido pelo baru-
pôsto que se não imponham à minha consciência, ocupada nou- lho, que os operários já não percebem senão. confusamente).

s LEIBNIZ, Nouveaux Essais, III, § 12: "Há esta analogia entre os


2. A desadap~. As ob~ervações precedentes de-
corpos e os espfrltos: que, assim como não há vazio nas variedades do monstram que a condição objetiva da consciência reside numa
mundo corpóreo, nã6 haverá menos variedades nas criautras inteligentes. ruptura de equilíbrio entre o vivente e seu meio. E' o que
Começando por nós e indo até as coisas mais baixas, é uma descida que se verifica sob formas mui variadas. Vimos, por exemplo, que
se faz por pequeníssimos degraus e por uma série continua de coisas, que muitas vêzes não tomamos consciência de perceber objetos ou
em cada afastamento diferem pouquíssimo uma da outra".
A CONSCIÊNCIA 613
612 PSICOLOGIA

qualidades senão em virtude das mudanças que os áfetam (85). pendem de nós mesmos, o que equivale a dizer que nossa capa-
BAIN parte, mesmo, daí para afirmar que . nunca percebemos
cidade de consciência, ..esvontânca ou reflexiva, dependerá tam- .
senão diferenças. Sabemos igualmente que os estados afeti- bém em grari:de parte, de nós mesrnos. Com isto, vamos ter
' , ·tO d a per-
àír~observ'ações que· fazíamos a propos1
•,
.,
vos admitem variações constantes de matiz e de intensidade;·- - - ººn ôvamenfé
e que, na medida mesmo em que essas oscilações alternam se- son:;i,lidade e da vontade. . Assim como nosso querer concreto
,i está em conformidad e com o que somos, e somos o que que-
'
gundo um ritmo tranquilo e regular, a consciência afetiva
remos ser, do mesmo modo nossa consciência é proporciona l
t debilita-se proporciona lmente (949) . Ao contrário, a emoção,
que se apresenta como uma brusca desadaptaçã o, constitui um à natureza e ao poder de nossos interêsses, porém de nós é
fato de consciência extraordinàr iamente intenso. No mesmo que depende (nos limites que nos impõem as circunstânci as
') !· sentido, os automatismo s (mecanismos motores), que atuam concretas de nossa vida) criar para nós interêsses numerosos,
inconsciente mente, tornam-se conscientes desde o momento em elevados e fortemente hierar quizados. A intensidade da cons-
que encontram um obstáculo, - e as lembranças ficam incons- ciência está na razão direta do poder dêsses interêsses, e ela,
cientes até que uma lacuna na memória da experiência passa- por sua vez, é o resultado da riqueza dos elementos psicoló-
da as evoca à consciência. Em parte, nossas lembranças são gicos que êles encerram e do rigor com que êsses elementos
função de nossos esqueciment os. Enfim, observamos (900-901) são hierarquizad os e unificados.
que as tendências se revelam à consciência sobretudo pelos
obstáculos que topam. Uma inclinação que se tornou habi-
tual ignora-se ordinàriame nte a si mesma até o momento em ART. II. O SUBCONSC IENTE E O INCONSCI ENTE
.i que esbarra com algum impedimento .
597 As degradações da consciência, dos estados claros aos · es-
595 3. Sentido biológico da consciência. Compreende mos, tados surdos, conduzem naturalment e a chegar até ao limite
dessarte, o sentido biológico da consciência. Esta, em sua e a formular a hipótese de que possa haver estados ou fatos
forma espontânea, é uma função de adaptação ao real, e, por psíquicos completame nte inconsciente s, Sôbre isso têm-se feito
conseguinte, é proporciona l às necessidades da ação. · Ela objeções de princípio, tendentes ,qu~r a negar quer a provar
aclara tanto menos o psiquismo quanto com mais perfeição "a priori" a possibilidad e de uma vida psíquica inconsciente :
funcionam os mecanismos motores, e mais exatamente se adap- Mas devem ser rejeitados ambos os "a priori". Com efeito,
tam às condições concretas da ação. Nos insetos, cujos me- o que afirma apóia-se no argumento das pequenas percepções
canismos instintivos funcionam de maneira tão regular e pre- ou dos elementos inconsciente s da sensação, argumento que
cisa, a consciência deve ser extraordinàr iarnente surda.· Ao sabemos ser errôneo (102). O que nega funda-se numa pe-
contrário, à medida que nos elevamos na escala animal, e que tição de princípio, pretendendo que um fato de consciência
o instinto se faz mais flexível, a consciência deve tornar-se inconsciente seja uma contradição nos têrmos. Na realidade,
mais clara. No homem atinge um grau de clareza especia- nenhum absurdo há em supor que um fato de consciência, isto
líssimo, em razão da margem enorme de iniciativa que a inte- é uma realidade psíquica, possa não ser percebida pelo su-
ligência aduz. Mas em todos os casos a consciência corre.~-
j~ito, isto é, ser inconsciente . . A questão do inconsciente é,
ponde sempre à mesma necessidade biológica de adaptar a-?
pois, uma questão de fato, que devemos tentar resolver por
real a atividade animal ou humana.
meios experimenta is.
B. Condições llSicológicas o argumento que J.-P. SARTRE (L'Etre et le Néant, pág. _8~) opõe
à noção de um inconsciente psíquico, afirmando que necessar1~me n-
596 1. Lei de interêsse. O fator psicológico da consc1enda te «o ser oo consctência é consciêncw de ser,,, funda-se todo mteiro
reside na a~Jnção, espontânea ou voluntária. Isto não nos faz num equívoco. É mui certo que a consciência não é uma coisa ou
abandonar .o ponto-de-vis ta precedente, porquanto a própria um recipiente, que tôda consciência é consciênc~a ~e alg?, e que, por
conseguinte, não se pode conceber urna consciencia ex'!Stente como
atenção é determinada pela lei de interêsse (965), isto é, pelas consciência de alguma coisa, sem exi8tir, por isso !Ilesmo, como cons-
r elações das tendências e inclinações com a realidade. ciência de si. :tl:ste argumento é perfeitamente valido contra a con-
cepção corrente (e tipicamente freudiana) de um'3. ati'vidade incons-
2. A vontade. Todavia, se, afinal de contas, a atenção é ciente. Mas nada vale contra a noção de potencialidade ou de vir-
tualidade inconscientes, porque justamente êsse inconsciente, por de-
o resultado da lei de interêsse, em parte nossêJs interêsse!I de~
\
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-:(

iJj
A CON SCI~ NCIA
615
'1
614 PSICOLOGIA
.,1 etc.) da peça que exec uta quan to de
por- • mas, desenvolvimento, ritm os, dese seu mec anism o pian ístic o.
1
finição mesmo, está ~ba~xo at1~a d_o nível do ato, isto é, do ser.daí1:,se se- man eira mais auto máti ca se nrola

• iso em que a cons ciên cia se


dina mismo. Mas
tanto , e pode ser potenc1~ , isto é,
da consciêncía, não pode have r Dou tra parte , fora do pont o prec a de fenô men os que só são per-
gue q~e, _uma vez que nao ha serRE, que exclui a categ oria de po- ... -. ___ . _ ...... . ..apl!ç_i;i., pode have r tôda uma mass
te-- obl!c ura. Enq uant o exec uto um.
do ser. Sóme nte_, SART cebidos de inan efrà.' éxtl' ema men
C!;)ns~ie11;<:_ia
tenc1~, nao _pode faze r jus a, esse pont o-de -vist a, e é por isto que su11. Noturno de Faur é com uma aten ção que envo lve todo o cam po de
ora por uma razã o exat ame nte de mim, abre m-se e fe-
-Í , cont raria ) quan
pouc o defe
posiça:o. é tao to a de FREUD. nsav el (emb
minh a consciência, vai-s e
em
e vem
voz
-se
baix
à
a,
volta
faze m-m e até uma perg unta
t' enco ntra r a noção de um incomí- ns- cham -se porta s, fala- se
ce que nada ouvi de tudo isso. Entr e-
f . A únic a ?bje_ção que pode riaacab aria resta bele cend o a noçã o que fica sem resposta. Pare
-me à mem ória vária s circu nstâ ncia s:
c~ente _pote}Jc1al e 8:.de _que ela; . tanto , fech ado o pian o, vêm abso lutam ente
tica de um0; c?nsc1~nc!a-rec~p1ala ente (ou de uma consciência-coisa) lemb ro-m e de um nom e pron unci ado que no mom ento
uma tend ênci a para redu zlr o ser
da perg unta feita e que eu não tinh a «ouvi-
~as esta propr1a ?bJeçao assm ês~e, com efeito, um dos tema s que eu não havi a nota do, percebid.t!s,
a categor1a de coisa (e é bem nt). Con tra isso dizemos que
a do», etc. Na reali dade , tóda
surd
s estas
a, subc
circu
onsc
nstâ
iente
ncia
, do
s fora
cont
m
rário eu nao
sube nte_nd~m todo L 'Etre et le Nea a algu ma é cons ciênc ia (sub jetiv a) poré m tJe nwn eira mui
não posso , por exem plo, evoc ar os
«conscienc1a potencial> de form pode ria evoc á-las depois, como
RE, o é no modo de não
o ser) e que ento se pass avam em S. Fran -
(ou que, para falar como SARTalida des de que se trata têm co~o su- acon tecim ento s que naqu ele mesmo mom
à.s pote ncia lidad es ou as virtu , inata s ou adqu irida s. cisco da Cali fórn ia.
jeito o corpo e suas estru turas enta -se com o prec eden te.
599 2. A distr ação . 1:ste casoou apar um jorn al que 1:1-e abso rve tõda
·,J Circulo pela rua lendo um livroo mais . Pare ce que nao percebo nada
a aten ção e me distr ai de tudo . Entr etan to, a cada insta nte edaptfJ
'
§ 1. 0 SUBC ONS CIEN TE
do que se pass a à volta de mim culos,
meu anda r às circu nstâ ncia s queos, se apre sent am: evito os obstáexat a-
questão do incons- e, sem sabe r como , cheg o
598 Se quisermos obte r dados precisos na onsciente e que
avan ço por cam inho s complicad cert a perc epçã o dessas circu nstâ n-
ao subc men te aond e quer ia ir. Há, pois,
ciente, convém disc erni r o que toca vêze s invocam-se cias.
pert ence ao inconsciente. Na mai oria das
Prov a-se isto de outr a man eira com o fato de difer ente s cir-o
ente psic ológ ico, fato s ter tido nenh uma perc epçã
mist urad ame nte, em prov a do inconsci s que real men te são cuns tânc ias das quai s me pare ce não
fato me torn ar à mem ória. Por exemplo, uma vez
que não são de natu reza psíquica ou sere m suscetíve is de z-me 9:. me dar cont a
conv ersaç ão indu
nguir claramente O sub- entr ado em casa, o acas o da
só subconscientes. Ora, M que disti de have r enco ntrad o tal pess oa conh ecid a, a quem nao cwn prim e~-
inconsciente absoluto e coisa a que eu nao
consciente, ou inconsciente relativo, do susc ita nenh um pro- r ela vesti da de tal man eira,
tei e mesmo de esta Tudo isso pare cia have r-me esca pado
propriamente dito. O subconsciente não reve r as form as prin - pr;s tara a men or aten ção.
disso me sobrevém mos tra que
desc com pleta men te: a lemb ranç a que
b!e~ a especial, e temos somente que houv e perc epçã o subc onsc iente (Isto é, não organiaiada) (368 ).
Por isso mes mo, o domínio do inconsciente
c1pa1s que reveste. itado e o prob lem a que W. JAME S assim cham a ao sen-
prop riam ente dito fica rá mai s bem delim 600 3. Con sciên cia de ausência. rime nta em certa s falha s de me-
nte form ulad o. time nto de mal- esta r que se expe
susc ita será mai s exat ame que esqu eci. Não o esqueci, entr etan to,
mória.. Proc uro um verso u proc uran do e afas to as falsa s
com pleta men te, pois sei o que esto
sent am. Tenh o, pois, uma, cons ciên cia
A. Na vida nonnal soluções à med ida que se apre o fenô men o que se prod uz quan do se
surd a dêsse verso. 1: o mesm rio que esca pa de repe nte. 1: como
e considerável de quer iden tific ar um nom e própcont eúdo exat o se tr~ta de acha r, e
O psiquismo subconsciente form a part auto mat ismo na uma form a esqu emá tica cujo
ação no pont a da li~gua>, nao inco nscie nte,
noss a vida normal. Vamos vê-lo em que lá está, em reali dade , «na inse rir pare ntes es em seu discu rso,
tr~ção e sob form a de cons ciên cia de ausê nêia e de c~ns- mas subconsciente. A fôrça deame a quan tas anda . Perg unta :
d_i~ uma pessoa já não sabe exat nte
c1enc1a laten te.
temp o
smo ence rra ao mesm o utiliz t. I, pág. 81) obser va justa ment
e,
1. O auto mati smo. O auto mati iente . Os meca nism os que a 4PRA DINE S (Psyc holog ie géné ra!e, de Psyc ho!og ie, IV, pá~s. 360-
a~go d_e inco nscie nte e de subc onsc após CH. BLO NDE L (DUM AS, NO'U
veau TTait é
nscie ntes, porq uant o, uma vez mon tado s, nada i a espon tanei dade , ne~ é neces sària
men-
sao_ ev1~entem ente !~co es 383), que o autom atism o não exclu
já vimos, só se torn am consecient
que
mesm o dos autom atism os reflex o~
mais tem _de psicologico: como imo de maqu inal. "Pró prio
s que enco ntra m e que cham am a aten ção sôbr o seu te sinôn
psíqu ica é, ao contr ário, envo lvere m urna espo
ntane idade
pelo~ obstaculo auto máti ca não elim ina tôdJa es-
supo rtam a vida
m da form a prim eira dêsse s carac
teres nas
f~n~10nament~.. ~as a ativi dade e uma final idade que não passa e que, por isso, admi tem perfe itame nte
ia. Ao cont rário , perm ite à consciência clara apll- cond utas prop riam ente refle tidas
,
pecie de conscienc
o seu pode r a uma ação dete rmin ada (70) . o pia- a colab oraçã o, ou pelo meno s o
contr ôle, desta s últim as" .
.\ 1 c~r-s e com todo tanto mais Inten sa do valo r estético (te-
.\ msta tem uma cons ciênc ia
i·'
J
A CONS CiflNC IA
617
616 PSICO LOGIA

quilha . - Um comp ositor tipóg rafo tem de dificu ldade s com a caixa
reata r o fio . De fato. o fio uma circu lar: «Senhor,
«Em que ponto estav a euh, e procu ra do de seguros sociais, e compõe assim o...texto » (quan do o texto dizia: «rei-
eu: a maté ria e a ordem discurso estão prese ntes e ·· reiter o-lhe meu seguro social que idera
não se romp retorn ar, mas a aten~ ção). - Fala- se a uma sP.- --- ......
orien tam a procu ra das idéias a que ela deve
passa r -por um mome nto ao·'" .,,,,_"."' ·-tero'-'lhe a· segur ança de-m¼nha -eonsde uma pessoa que ela abom ina-,
ção reque rida pelas digres sões fê-las nhora , em têrmo s mui lisonjeiros, Para não ficar em débito de
estad o subconsciente. mas que finge estim ar grand emen te. X é perfe ita. Detes -
da encer ra uma obrig ação amabilidades, ela respo nde: «Tem razão , Mme. o-a muito ). - FREUD cita
4. Consciência laten te. Nossa jornamina da e assin alada num to-a muito» (quan do queri a dizer: estimanalyse, pág. 69): Fazen -
precis a (visita a fazer a uma hora deter
traba lho habit ual fêz que a -esquecêssemos. o caso segui nte (Intro ductt on à la Psych sino conse guira arran jar
cader no de notas ). O
mome nto exato em que é preciso parti r oara do-se passa r por bacte riolog ista, um assas ntíssi mos, dos quais se ser-
quand o, de repen te, no brusc amen te. · Na cultu ras de micró bios patog ênico s virule
realizar a visita prom etida, dela nos 1-emb ramos
supri mir as pesso as que o rodea vam. Foi prêso porque um
esque cimen to, senão recalque para o via para , escreveu: «No
realid ade, não tinha havid o seme lhant es porém ainda mais dia, numa carta dirigi da ao direto r do labor atório
subconsciente. Verificam-se casos meus ensai os sôbre os home ns» (em vez de sôbre asco -
a c~nsciência nem sem- corre r dos
típicos, no sono. Vimos (236) que, no sono, parec e propo rcion al aos in- baias ).
pre está comp letam ente abolida, e ,que mãe acord a ao meno r ge- explic ação corre nte con-
terêsses atuai s do dorm idor. Assim umabrusc b) Natur eza psicológica do lapso. Uma so, à distra ção, ou então
amen te num mome nto siste em atribu í-los à fadiga, ao estad o nervo
mido do filho, como outro s despe rtam tar-se mais cêdo para exe- da 1}U1'ação dura por duraç ão
Jnabi tual, por haver em decidido levan a uma fusão de imag ens moto ras (caso efetiv amen te, explic a uma
cutar uma tarefa urgen te. Ambos osestad casos só se explic am por uma pura, e de glícer ma por gltcfn ia) . Isso,
o subconsciente. , nem todo o lapso. _A
consc iência latent e, isto é, por um
fenômeno da consciência parte impo rtante dos lapsos, mas não atodos fusão das image ns apena s
Pode-se averi guar sob outra forma êste enfad onha. Distr aio-m e fadig a, o estad o nervoso, a distra ção. coisas explic am que se di-
laten te. Tenho de fazer uma diligê ncia
er perde r-lhe com- favor ecem a. freqü ência dos lapsos: essas outra , mas não tal pa-
dela por um traba lho absor vente , a ponto de parec
-me notar que estou ga, se escreva ou se profi ra uma palav ra por
pleta ment e a lembr ança. Entre tanto , fazem lavra por tal owtra .
r ou que tenho ares de preoc upado . Contr a isso pro~ A verda deira causa dos lapsos está pelo alhur es. Está na interf e-
de mau- humo razão nenh uma para tanto . A ou fac11 itada enerv amen to, pela fa-
testo de boa-f é e alego que não há a súbita (prep arada
a idéia da provi dênct a desag radáv el que devo tom.ar rênci
ou distra ção) de duas intenç ões, uma «pert urbad a» (a que se
verda de é que torna sem que eu diga ora» (a secre ta) e que,
está, ai, prese nte, em forma subco nscien te, e me osten ta à plena luz), e a outra «pert urbad ão, cru2a -se com a prime ira
o saib~, mal-h umor ado. graça s a uma falha acide ntal da atenç
no camp o da consc iência clara. A maio r parte dos
e supla nta-a nscien te., e prova m que
am-se , pois, pela ativid ade subco
À. ;Na vida anor mal lapsos explic de com um psiquismo in-
nossa consc iência clara está em conti nuida
vêzes, brusc amen te irrom pe em nosso comp ortam ento
lapso s e os fenô- ferior que, às
601 Temo s aqui duas categ orias de fatos : os extern o.
bram ento. Na realid ade, os lapso s perte ncem
meno s de desdo
excep ciona is. E' sob êste aspec to
à vida norm al, mas são casos :i: Desdobramentos.
que aqui se pode trata r q.êles .
no estud o do eu {568) .
·a) Os fatos. Flalamos dêste s f-enômenosa.o que .já citamos. l!Jstes
ialme nte, 5 inter pre- 602
1, Lapsos. FREUD estud ou-os espec Aqui basta r-nos -á acres centa r três exemplos . _
sua teori a do recal que, que exam ina- fenômenos são freqü entes na hister ia.
tando -os em funçã o de la perso nnalit é, pág. 184) :
adian te. Por enqu anto temo s apen as de consi de- Escreve BiNET (Les altéra tions de histé rica); colocamo-la por
remo s mais 4:Tomamos a mão insensível (de uma
rá-lo s como fatos psico lógic os. do antep aro e picam o-la nove vêzes com um alfinete._ Depois,
trás o,s ao sujeit o pensa r num
, o lapso é um ato fa- seja logo, seja um pouco mais tarde , pedim
a) Fatos de lapsos. Etimologicamente audiç ão ou de transc rição ) algari smo qualq uer e desig nar-n o-lo: êle
respo nde ter escolhido o
lhado (erros de elocu ção, de visão, de ente às picad as>. - B~T relata
ouvir ou escrev er uma palav ra por núme ro nove, isto é, o corre spond
que consi ste em expri mir, ler,
exper iência (ibide rn, pág. 188): «Se se faz a mao anes~e-
outra . estou tra se se dispõ em êstes uns por baixo
a BERGS ON anun cia que vai siada escre ver vários algari smos, e
Um profes.sor de filosofia que explicdura (por duraç ão pura) . - dos outro s como para fazer uma adiçã o, o sujeit o [ ... ] pensa não
consa grar su9i lição à teoria da puraç ão mas na cifra total». - Escreve
Um farma cêutic o que foi em visita ao camp o asseg ura que a en- em tôda a série dêsses algarismos,ico, em estad o de distra ção desta
encim ada, por uma magn ífica gli- JANET , falan do de um sujeit o histér
trada da casa· d~ seus amigo s está
come teu um crime, do vez : «Tentei obrig á-lo a formu lar juízos incon scien tes. As suges - ·
cerina (por glicín ta). - Um jardin eiro que hipnó tico bem contr olado ; depois o
armen te em lugar de for- tões são feitas duran te o sono
qual ningu ém o suspe ita, diz regul fôrca
comp letam ente acord ado, os sinais e a execução têm lu-
sujeit o é ndo eu disser duas letras iguais uma
gar duran te a vigília ». - «Qua
de você ficará tôda têsa» . Após o despe rtar, murm uro as
5 Cf. S. FREU D, Introd uction
à la Psych analys e e Psych opatho logie após outra ,
la vie quotid ienne.
:,_·

'
618
'
f, PSICOLOGIA
A CONSCI~NCIA 619
letras a . . . e. . . d . . . e. . . a . . . a, e
1

rígida : eis aí um juízo- de-semelhanLúcia fica imóvel e inteiramente


Q
ça inconsc.lente > (L'automattisme O segun do caso é const ituído , no estad o norm al,
psych ologiq ue, pág. 263).
quismo da distra ção profu nda, do devaneio, qo pelo psi-

r
b) Solução pelo subconsciente. ,., .._.._-~ '"·pê'lõ ' 'psiqüTsífüi quê- seg ue imed iatam ente sqno, ou, ainda ,
J_: quais BINET e JANET , falam aqui de Muitos · psiquiatras, entre os o despe rtar
que encerra um eu normal e um eudupla personalidade simultânea , ···· · de uma sínco pe; ·e, no estad o anorm al, pelos casos ou o fim
segundo, Na realidade, tudo patoló gicos
pode explic ar-se muito mais fàcilmente pelo
j6go da consctência cla-
da hister ia, da hipno se, etc.
ra e do subconsciente de um úntco
picada nove vêzes pôde sentir surdaeu. A mão da histérica que foi 2. O subconsciente. marginal. Mesmo nos mom
póteses do próprio JANET (Les névrosmente as picadas, segundo hi-
pág. 192) . Por seu lado, que a síntes e ment al está const ituída e é mant entos em
observa BINET que o sujeito «bem quees, sentiu alguma coisa, como o tade e pela atenç ão, por debai xo ou em tôrno
ida pela von-
prova a concordância» entre o número das picada
cida. Bnrer acrescenta que «a excitação, s e a cifra fon1e- clara há to.do um mund o de image ns, de estad da consc iência
os afetiv os, de
eu normal, produziu certo efeito sôbre êsseembor a não percebida pelo
eu: trouxe-lhe uma. idéia,
tendê ncias mais ou meno s atual izada s em desej
os, que a aten-
,t '
.\ ' a idéia do número de picadas>. Mas ção à vida não cessa de recalc ar, mas •que flutu
vocado por BINET não passa, aqui, doé claro que o «eu norm ah in-
nome do subconsciente. A sorte numa espéc ie de brum a indec isa que não am de algum a
i '
adição explicar-se-á bem da mesma mane é a incon sci-
ira, sem desdobramento. ência real. E' aquilo a que JAME S cham ou
Quanto ao «juízo-de-semelhança pelo nome de
JANET, parece repousar também sôbre a incons ciente>, de que fala psiquismo marginal. Essa multi dão de estad os,
em relaçã o
sugestões durante o sono hipnótico. Dopercep ção subconsciente das
.1,
mais ou meno s preci sa com a síntes e ment al
contrário, seria impossível do mome nto, e
compreender que a sugestão possa «ser reenc que form am como uma zona exter ior ou uma
parte de uma espécie de outra consciência> . e ontrada como fazendo franj a obscu ra
em tôrno do foco da consc iência , exerc em sôbre
pécie de press ão e podem, não raro, irrom per esta uma es-
brusc amen te na
C. As duas formas de subconsci;ente ·cons ciênc ia clara ou influe nciar poder osam ente
o nosso com-
porta ment o.
609 Os fatos que acaba mos de estud ar most ram ~sse subco nscie nte, sob uma e outra forma s, e, . .
quismo subco nscie nte pode apres entar -se sob que o psi-- todos os fatos que citam os. ~sses fatos reque rem que expli ca
duas forma s, a o recur so ao incon scien te quant o, se por isso se tanto meno s
saber : a form a dispe rsa e a forma marg inal. enten de o in-
consc iente absol uto, torna r-se-i am, uns e outro s,
1. A consciência dispersa. Uma parte enorm ininteligíveis.T
dade subco nscie nte é obra dos estad os de consc e da ativi-
iência dispe rsa. § 2. 0 INCON SCIEN TE
Isso se produ z em todos os casos em que a síntes
não está, constituída, ou então se acha acide
e menta
l ainda Poder -se-á acaso supor que, à fôrça de exten uar-s
ntalmente disten- 604 e, a cons-
dida. O prime iro caso é o da crian ça que, à ciênc ia acaba por desap arece r de mane ira a
falta de mais comp leta,
atenç ão, receb e passi vame nte uma mass a de impre poder de sem que os fatos psicológicos que até então revel
incap az de coord enar e unific ar, e que, por essa ssões que é neira mais ou meno s clara , cessa m por isso de ava, de ma-
·i razão , só pro- exist ir? Tal
vocam urna consc iência extre mame nte vaga. é o probl ema do incon scien te psicológico.
Não há razão para nos determos na objeção de que
ciente como tal, não poderia, se existis o incons-
vado. ' Evtde nteme nte não se pode obserse, ser conhecido e obser-
8 JANET , L'auto matism e, pág.
28. É bem difícil tomar ao pé-da- letra
a explica ção de BINET. "É prováv el", escrev vá-lo em si mesm o. Mas
e êle (Altira tions, pág. 159) pode-se conhe cê-lo indire tamen
" que o person agem incons ciente que há em todo
mente o pensam ento do experi menta dor; ouve
histéri co compr eende ràpida - exemplo se uma imagem de umte,passad por suas conseqüências. Por
o. remoto, do qual eu não
pedir- lhe que pense um algaris mo; ao mesmo êste interro gar o sujeito e pensava' ter conservado a menor lembrança,
riment ador faz um númer o determ inado de picada
tempo perceb e que o expe- deve-se supor que essa lembrança subsistia deme torna à memória,
certa maneira, pôsto
s na mão insens ível [ ... ]. que totalmente inconsciente.
Ésse incons ciente, ' não duvido , é que
sopra à consci ência primei ra a idéia
do númer o, e esta recebe a idéia sem saber
de onde vem". - Em verda- Não raras vêzes, êsse probl ema do incon scien
de, muito há qué ctuvida r sôbre isso, porque
de mane ira muito impre cisa. Quan do se trata te é tratad o
não tem nenhu m sentido . Em
compe nsação , tudo ·se torna claro desde que
se substit ui o incons ciente pelo de saber se
subcon sciente , e a "consc iência prima" pela existe m verda deira ment e fatos psicológicos
consci ência pura e simple s.
Aliás, BINET confes sa que, no curso das
pesqui
produz ir-se no histéri co "um retôrn o de sensibi sas, poderi a muito bem
zem-se em prova do incon scien te realid adesincon scien tes, adu-
psico lógica s que
que descon fiar " (Altéra tions, pág. 116). lidade, do qual há sempr e

7 Cf. ABRA MOWS KI, L e subcon scient noTma
!, Paris, 1914.

1
<f T

620 PSICOLOGIA
A CONSC !tNCIA 621
não são fatos, ou fatos que não são psicológicos ou enfim
fatos psicológicos que não são inconscientes. E'' difí~il ima~ gicos. Como tais, eviden tement e são inconsc ientes: não po-
ginar ninho de eq4ívocos tão perfeito . · Por isto, deveremos demos perceb~ r o que se passa erii ..ri'ossas células, nem os fe-
elimina r sucessi vament e tudo o que não está relacio nado conr nômenos .,qqí:r;r;iic.os..., do .cér.-ehro..., .Dever- se-ia mesmo dizer que·
a questão. estão abaixo do inconsc iente, visto pertenc erem propria mente·
•,. ·
1 à vida vegetat iva, e não à sensitiv a.
A. Delimitação do inconsciente
b) A cenestesia. Quanto à ceneste sia, em que W ALLON
605 1. Fatos e virtualidades. (DUMAS, Traité de Psychologie, I, pág. 224) vê uma espécie
de síntese ou defeito global de estados múltipl os normal mente
a) O virtual epiden tement e é inconsciente. · Quando se ignorad os pela consciência, não poderia , sem contrad ição, pas-
fal8; de fatos psicológicos, há que entend er por êles atos, pro- sar como sendo comple tament e inconsc iente, visto definir -se
duzido~ por uma das potênci as psíquicas. Ora, para provar uma sensibilidáde orgânica geral. Norma lmente , a ceneste sia.
a realida de de fatos inconscientes, isto é de uma ativida de é subcon sciente , e só se torna objeto de consciê ncia clara em
pi:;icológ~ca in~onscien~e, ci~am-se realidade~ que não passam de caso de desord em funcion al.
puras virtualidades, inferio res como tais ao nível do fato ou
do ato, e, por conseg uinte, evident emente inconscientes. A justo titulo (Es.sais àe PS'Jlchanalys.e, trad. de JANKÉLÉ
VITCH,
págs. 187-18S), FREUD faz observar que as sensaçõ s que
. b) Tend ~s e lembranças. As duas categor ias de nos fazem conhecer nos&o corpo como coisa nossa esnãointerna podem ser
realida des assim alegada s são as tendên cias e as lembra nças. inconscientes. Uma sensação interna (ou sensação afetiva) incons-
E demon stra-se que as tendênc ias, enquan to não se atualiz am ciente é uma contradição nos têrmos. Todavia, F'REuD
em desejos, são comple tament e inconscientes, o que na reali- tir a possibllldade de estados afetivos inconscientes, parece admi-
sob uma forma que não é perfeitamente assimilável àmas, dw êle,
das repre-
d~de certo. · Mas as tendências (instint os ou inclinações) sentações, Isto é, como o entende FREUD, à forma
sao nem atos nem fatos psicológicos: são puras virtua- com efeito; que os afetos podem tornar- se inconscdo ato. Veremos,
ientes sob forma
lidades, necessà riamen te inconscientes, visto não serem "al- de virtualidades, que correspondem bastante bem ao que se chama
~uma coisa" senão no plano metafís ico (800). Como tais uma «tonalidade afetiva».
isto é, não atuada s, não são nada no nível experim ental. ' Por outra parte, é verdad e que a sensibi lidade orgânic a é·
_ Outr_o tanto há que dizer das lemhranças. As lembra nças o resulta do de uma multid ão de estados elemen tares. Mas aqui
nao subsis_!:e~ em at~, como coisas ou átomos (190), mas sim tornam os a encont rar um caso de percepç ão global: M uma
s_ó em potencia, ou virtual mente. · E não podem ser senão in- multidã o de excitações interna s, porém uma só percepção, que
c·onscientes, pór9ue, não atuada s em imagen s concretas, f'isica- constit ui a consciê ncia cenestésica. As excitações elemen ta-
rnente nada são. · res não são nem inconsc ientes (mas extraor dinària mente sur~
606 2. Psicologia e fisiologia. das e confus as no estado norma l), nem perceb idas uma a uma
e somada s pela consciência, e sim perceb idas juntas numa im-
. a) Estado s orgânicos e fisíológicos. Não se podem adu- pressão que é, de pancad a, integra l e indecomponível (102),
zir em prova do inconsc iente psicológico fatos não psicológicos. e que é o que se denom ina a ceneste sia.
Entreta nto, é o que se faz quando se fala de "cerebr ações in-
conscie ntes", ou das "modificações do estado orgânic o dos 607 3. Inconsciência e subconsciência. O problem a é de sa-
nervos " (STUART MILL), GU quando se frisa a inconsc iência ber se há fatos inconsc ientes. Por conseg uinte, convém não
dó fenômeno de fusão das duas imagen s retinia nas numa só fazer aqui menção do subconsciente, porque o subcon sciente
.( visão bino~u!~r), ou, ~inda, a inconsciência da correçã o das ainda é consciente. Ora, uma parte conside rável dos fatos
m_iagens retmian as. 8 Esses fenómenos não estão em questão
visto serem /f,sicos ·e fisiológicos, e, ele modo algum, psícoló: psicológicos que se aduzem em prova do inconsc iente só de~
pendem, na realida de, do subconsciente. Invoca-se, com efei-
to, o psiquismo das funçõe s intelec tuais, sensações, associa -
8 :tsse
ponto-de -vista procede de DESCAR TES, que reduzia ções, memór ia, imagin ação, raciocínio, sem fazer o necessá rio
te a processo s nervosos de natureza puramen te fisiológic a o inconscie n-
I, c. XVI-XV II). (ct. Passions ';
.-',,
discern imento entre o inconsc iente e o suJ:,consciente. Vamos
' verificá -lo por alguns exempl os:
622 PSICOLO GIA
A CONSClt NCIA 623
a) Sensação. Vimos (97) que podia haver sensações memória os elos intermed iários, e que geralme nte os reencont ramos
relativa mente inconscientes, em virtude quer da distraçã o, quer à custa de algum esfôrço, o que _prova que estiveram subconsc ientes.
de lesões ou de anestesi a dos centros nervosos. Mas não pa.
rece que se possa admitir a realidad e de l!ensações absoluta ------- 608 e) lmaginaç!lo ....._.Sob1,~t11d9__"os fenômenos .. que acompa -
mente inconscientes. nham o esfôrço de invenção ou de criação artística: e científic a
é que são aqui aduzidos como prova do psiquismo inconsciente.
FREu», entretan to, faz notar (Essa'is de Psychanalyse, trad. de O invento r, dizem, em muitos casos seria o primeir o a se admi-
JANKÉLÉVITCH, pás. 188) que a percepçã o pode ser distinta da cons- rar de sua descobe rta, prepara da e mesmo realizad a sem êle,
ciência da percepção, ainda que, em geral, as sensações externas se-
jam conscientes. Esta maneira de ver parece-n os assentar num nas profund ezas de seu inconsc iente (Cf. H . POINCARÉ, Science
equivoco. Se por percepção (ou sensação) se entende o ato vital de et Méthode, pág. 52). Há também o caso, que todos conhece-
apreensã o de um objeto, êsse ato não pode ser absoluta mente in- mos, em que a gente se deita depois de haver inutilme nte tra-
consciente. Ademais, se se chama percepção ao fato de um objeto balhado para· resolver um problem a complicado: ao despert ar,
imprimir sua imagem na retina sem que haja da parte do sujeito
qualquer reação cognoscitiva, então o fenômeno é totalmen após uma noite ·tranqüi la, a solução apresen ta-se à mente. E
consciente. Mas, no sentido próprio, não há ai nem sensaçãote nemin- concluímos que foi o inconsc iente que a encontr ou durante o
percepção (61). sono. 9
Se para logo desconf iamos dessas explicações, não é por
O único caso que pode ser aqui invocado seria o dos ani~ "parti pris", mas unicame nte porque, na verdade , a coisa é
mais descerebrados. Crê-se que êles experim entam verdade i- simples de mais ou por demais complicada, :êonforme os pontos-
ras sensações, visto que reagem a certas exêitações, e que essas de-vista. Uma atividad e conscien te de · si, forteme nte tendi-
sensações são inconscientes, de vez que o cérebro , órgão da da para um escopo bem definido, não chegari a a resolver um
consciência, está suprimi do. Mas êste raciocínio é especioso, problema, e a solução dêste seria elabora da por uma atividad e
pois primeir o haveria que provar que o cérebro é a condição purame nte automá tica: é essa uma hipótese que, para ser
total e absoluta da consciência sensível. Ora, pelo contrári o, aceita, reclama ria provas inteiram ente peremp tórias. Ora, de
parece que a medula espinha l é um órgão secundá rio da cons- um lado, faltam essas provas, e, de outro, é possível explicar
ciência, capaz de assegur ar certo grau de consciência extra- fatos dêsse gênero de maneira menos estranh a (231,).
ordinàri amente surdo, mas ainda positivo. Por aí bem se ex-
plicaria m os reflexos dos animais descereb rados, que assim Seja, por exemplo, o caso da invenção súbita, ém que a
experim entariam sensações, não inconscientes, mas áubcons- descobe rta parece "dada" como uma "revela ção" ao artista ou
cientes. ao sábio, não raro após longo período de insucessos, ou após
· longo tempo de esquecimento. :tste caso pode explicar -se pelo
Cita-se também, como exemplo de sensações inconscientes, ca- concurso de múltipla s circunst âncias em que o inconsc iente
so das inumeráveis imagens que se imprime m na retina quando opas- não desemp enha papel algum. Mutas vêzes, a descobe rta não
samos pela rua; o caso da pressão das roupas sôbre o corpo, o tique- pôde ter lugar porque nem tôdas as suas condições estavam
taque do pêndulo, o ruido do moinho, etc. Mais acima vimos que
em todos êstes atos se trata apenas de subconsciente. realizad as: basta a ausênci a de um s6 elemento, às vêzes de
importâ ncia mínima , para impedir durante muito tempo o pro-
b) A associação. Será que as "cadeias associat ivas" são gresso da imagina ção criadora . Mais tarde, de repente, mercê
percorr idas na inconsciência dos elos interme diários? E' di- de uma reflexão que chega ao fini., e, às vêzes, graças ao acaso
fícil admiti-lo. Se . HOBBES, ao ouvir falar da morte de - por efeito de um longo repouso que relaxou a mente sem
Carlos I, se pergunt a qual é o valor do denário romano e pode que o trabalho subconsciente fôsse jamais complet amente in-
em seguida dar-se conta de haver passado pelos interme diá- terromp ido, - eis que esta última condição se realiza e a des-
rios seguinte s: Carlos I vendido pelos Escoceses - como Jesus coberta toma corpo subitam ente e oferece-se como por si mes-
por Judas - p'or trinta dinheiros, - evidente mente é porque ma ao olhar do artista ou do sábio. Quanto aos problem as
os interme diários foram apenas subconscientes, do contrári o
como os conhece.ria êle posterio rmente? 9 O inconscie nte, segundo POINCAR É, não somente
resolve problema s
que ultrapassa m a consciênc ia clara, mas aindi> "é capaz de discernim
Diz-se que isso é por pura conjectu ra. Mas, sem discutirm ento;
aqui a natureza dêsses fatos de «associação», faremos notar que os
tem tato e delicadez a; sabe escolher, sabe adivinhar " (Science et
Méthode,
a pág. 55). Nestas condições poder-se- á crer que a consciênc ia
experiência dêsses fatos prova que procuram os posterio rmente na é uma espécie
de calamidad e!
A CONSCI~ NCIA 625
624 PSICOLO GIA

em potência ou sob forma virtual. Isso é evidente quanto às


cujas soluções se oferecem ao desperta r, pode-se admitir que tendênc ias. Mas não é -menos certo no que concern e ao in-
durante o sono tenha podido efetuar- se um trabalho subcons- :ts,~ _:r,:~p_a:_:r,:,o tivemos de_ fazê-lo repe-
~9ns~ie_I!t~_.P.~ic-~1.§i~,co_._ .. _
ciente, ou, em todo caso, que a solução tenha sido elabora da __ . tidas vêzes· contra as concepções atomíst icas ·e ma.teria listas da
subitam ente ao despert ar, devido ao repouso da noite. consciência: em geral pode-se dizer que o que se conserv a não
609 d) O raciocínio. E' de notar que muitas vêzes os racio- são nem as recordações, nem as imagens , nem os mecanis mos
cínios se desenro lam num andame nto tão tápido, que cumpre motores , mas sim o poder de reprodu zir essas imagens , recor-
dações e mecanis mos ( 190).
ter por inconscientes a maioria dos moment os lógicos inter-
mediários entre as premiss as e a conclusão. Por vêzes, até Verdade é que é difícil fazer uma idéia precisa dessas
~- as premiss as são invisíveis, despercebidas e inconsc ientes: só virtualid ades. Mas não é de admirar esta impotên cia, .porque
as conclusões emergem na consciência clara. Em suma, é o só se pode ter idéia precisa do ato, isto é, do ser. Ora, o vir-
hábito que se deve invocar nesse caso : há um hábito de pen- tual não é ser, propria mente falando, e sim potência e prin-
sar, que atua tanto mais seguram ente quanto mais inconsci- cípio, realidad es estas concebíveis e pensáve is não em si mes-
entemen te o faz . Quer-se perturb ar a marcha dêsse pensa- mas, senão unicame nte em referênc ia aos efeitos e aos atos
mento feito hábito? Basta aplicar- lhe a reflexão. que delas derivam . Aliás, mesmo se se conside rasse o incons-
Nessas observações, entretan to, não haverá confusã o en- ciente psíquico como composto de fatos propria mente ditos, ain-
tre o pensam ento espontâ neo e o pensam ento refletido ? A ra- da assim só seria represen tável pelo que se passa na consciên cia
']JÍdez dos raciocínios nã,o supõe que os intermediários sejam cla·r a. Em si mesmo, e de qualque r maneira que o entenda -
inconscientes, mas somente que a réflexão não se detém nêles: mos, é, por definição, inatingí vel.
a consciência segue, sem interrom pê-lo, o determi nismo lógi-
co do pensam ento. Com freqüên cia também , o conjunt o da 611 2. Função do inconsciente. Se o virtual não é ato, tam-
argume ntação se dá de maneira sintética , como numa intuição pouco é uma coisa inerte no fundo da consciência. · Ao con-
global. Não há nisso nada de inconscente. Ao contrári o, . trário, é uma potência ativa, um princípio de vida psíquica.
quando tudo é apreend ido dessa maneira , como que instantâ - Por sua naturez a mesmo, as tendênc ias compor tam um dina-
neamen te, a consciência atinge · um grau superio r de intensi- mismo interno que não cessa de influir sôbre tôda a atividad e
dade, mas numa espécie de imobilidade, que é a forma mais consciente. Os estados habitua is e os hábitos motores diri-
perfeita da inteligência. gem, por efeito de seu dinamis mo automát ico, parte conside-
rável de nosso compor tamento consciente. O mesmo se dá com
B. Domínio e papel do inconsciente as recordaç ões e imagen s que, tornada s virtuais , conserv am
61 o Afinal de contas, o domínio do' inconsciente parece consti- sob êsse estado um poder próprio 10 e constitu em como a atmos-
tuir-se unicamente de virtualidades. Foi-nos impossível des- fera em que se nutre, em larga parte, nosso psiquism o cons-
cobrir nêle vestígios de uma atividad e propria mente dita: todos ciente, ou, se se quiser, o solo em que não cessa de aliment ar-se.
os fatds psicológicos que de ordinári o servem para demons trar A atenção ao presente , requerid a pelas necessid ades prá-
a realidad e de uma atividad e psíquica inconsc iente são apenas ticas, e as exigênc ias da disciplin a moral opõem uma barreir a
subconscientes. Mas, se se reduz o domínio do inconsciente à irrupção dêsse inconsc iente na consciência. Mas, por pouco
às virtualid ades, é de mister compree nder que não é pouca que se relaxe essa atenção ou disciplina, e com mais razão no
coisa, porquan to êsse domínio é imenso e de importâ ncia enor- sono, o dinamis mo próprio às virtuali dades do inconsc iente faz
me para o conjunt o da nossa vida psíquica. que imagens , idéias, recordações, desejos transpo nham o um-
I
bral da consciência, e que funcion em certos mecanis mos mo-
1. Domínio do inconsciente. 1:ste domínio compreende tores que um instante antes pareciam não existir, de modo
o conjunto de tendências (instinto s e inclinações) que. fo~- algum.
mam o inconsciente biológico ; o conjunto de estados habituais
adquiridos (hábitos motores, mecanismos motore s); o conjun- que as recordaçõ es
to de recordações e de representações (imagen s, noções abs- 10 BERGSO N (Matiere et Mémoire, pág, ?4) observa
como o
tratas), bem como dos sentimentos habit1!-<'-is, que corrvpõem o
não estão na memória no estado de marcos inertes: "ali estão,
vapor numa caldeira, mais ou menos tensas•.
inconsciente psicológico. Tudo isso subsiste nao em ato, mas
626 PSICOLOGIA
A CONSCI:Jl:NCIA 627
ART. III. ESTRUTUR A DO APARELHO PSíQUICO tomos p.síquicos, mas não a natureza e as formas dêstes. A teoria
... .'. ______ _de~JANET deve, pois, ser completada. 1:ste é o .p onto-de-vista que -
612 O inconsciente p.sicológico desempenhou uma função mais· pro- · FREUD opunha a JANET, e pode-se admitir que essa critica é valida. 11 ·
priamente decorativa até o momento em que o estudo aprofundado das
neuroses e das psicoses levou os psicopatólogos a lhe darem lugar
importante no conjunto da vida psicológica e na explicação dos casos § 2. TEORIA DA CONSCill:NCIA SUBLIMINAR
anormais. O problema que dês então se apresentava era o de expli-
car sua relação com a vida consciente, e proporcionar um quadro
inteligível do aparelho psíquico. As principais teorias concernentes 619 1 . o eu subliminar. Retomando certas idéias expostas su-
a êsse problema são as de JANET, JAMES e F'REun. Vamos examiná- màriamente por MYERS, 12 W. JAMES crê que certos fatos averiguados
las brevemente, insistindo entretanto sôbre a teoria freudiana, que pelas investigações metapsíquica s, por exemplo a telepatia, parece
obteve voga considerável. indicarem que a vida psíquica transcende imensamente o 9-;ie dela
apreende a consciência clara, e que se estende até uma reg1ao mais
profunda mais vital e operante que o domínio da inteligência. Se-
§ 1. TEORIA-DAS PERSONALIDADES MÚLTIPLAS ríamos, pois, assim levados a distinguir duas regiões e duas_ vidas
corresponden tes: a, região e a vida supraliminare s, e a região e a
1. Abaixamento da tensão psíquica. Influenciado por CHAROOT, vida subltminares esta inconsciente, aquela consciente, mas ambas
BERNHEIM e, em geral, pelos teóricos do hipnotismo, por volta de em continuidade :eal e influenciando -se mutuamente.
1890 propunha P. JANrr uma teoria quase puramente psicológica da
histeria. A consciência do homem normal, observa JANET, impõe à A vida supra.liminar, segundo JAMES, é individual e pessoal. Mas
multiplicidad e dos fatos p.sicológicos a unidade da personalidade , a vida subliminar poderia ser comum a indivíduos múltiplos, nos
neste sentido que é sempre o mesmo eu que pratica os diversos atos quais está subjacente (como um bloco de gêlo único, escreve JAMES,
de perceber, refletir, querer, imaginar, raciocinar, julgar, etc. Todavia que emerge acima do mar em dcebergs» Independente s). Isso per-
essa unificação é sempre imperfeita: mesmo no homem melhor mitiria compreender fenômenos tais como a telepatia, a stmpatta, ao
equilibrado, está incessanteme nte em perigo, e mais ou menos per- mesmo tempo que os fatos, tão numerosos, que não se podem explicar
turbada pelos automatismos da paixão ou do hábito. Quando, por pela consciência clara: conversões bruscas, vida mística, vida reli-
motivos quaisquer, mas que podem supor-se orgânicos, a síntese giosa tnspirações do artista e do sábio, etc. rn JAMES chega mesmo
mental se relaxa, a consciência adota a maneira dispersa que fize- a supor que, pelo eu subliminar (ou inconsciente)., poderia realizar-se
mos notar mais acima, e certos grupos de fenômenos psicológicos a comunicação com Deus. O eu inconsciente estende-se cada vez
constituem-se em sistemas mais ou menos independente s entre si, mais numa zona obscura cujos limites bem podemos protrair inde-
enquanto que uma parte do p.siquismo l)ermanece ligada à persona- finidamente: nosso eu fundamental estaria' imerso num oceano de
lidade primária. Haverá, pois, doravante várias personalidade s aber- espirttualtdad e.
rantes, que escaparão à direção e ao co111trôle do eu central e, de
certo modo, formarão o psiquismo inconsctente dêste. ~se p.siquismo 2. Apreciação. Vê-se que JAMES passa da psicologia_ para vas~
inconciente o psiquiatra só poderá atingi-~o por meio da hipnose. hipóteses metafísicas. Se nos ativermos ao ponto-de-vist a psicolo-
O ponto importante desta teoria é que ela explica a dissociação gico, observaremos que a teoria de JAMES distingue justamente dois
do eu empírico de maneira negativa, por abaixamento da tensão domínios no psiquismo, o consciente e o inconsciente; mas que o
psíquica, isto é, pela falência, de origem p.sicológica, do poder de papel atribuído ao eu.sublimina r parece exceder lCllTga1!"'8nte ao que
síntese m1lntal. a experlêncta nos revela. A realidade de um influxo mutuo do cons-
ciente e do inconsciente é certa; mas, na hipótese de JAMES, o incons-
2. Apreciação. Vimos que certas aplicações dessa teoria pa- ciente não se cinge a resolver problemas, é a fonte inexaurível da
recem assaz discutíveis. Tendo sido contestados os casos de desdo- arte, da ciência, da mística, da religião, da moral. Concepção que
bramentos simultâneos (particulares aos histéricos) nos quais se
fundava principalmen te JAN'ff, a teoria, no seu conjunto, foi aban-
dona~. Doutra parte, pode-se presumir que as neurose~, com os
12 Cf. MYERS, La personnatité h.umaine et ses survivances.
fenômenos que encerram (idéias fixas, obsessões, alucinaçoes, etc.) ,
não são explicávejs como .simples deficiências, mas comportam um 1a "A meu ver", escreve JAMES, "a consciência mística ou religiosa é
sentido positivo, q:ue se trata de descobrir. O abaixamento da tensão inseparável de um eu subliminar que deixaria filtrar mensagens através de
psíquica pode ex.P,licar, se se quiser, o aparecimento de certos trans- seu delgado tabique. Somos, assim, devidamente notificados da presença
de uma esfera de vida maior e mais poderosa que a nossa consciência ordi-
' nária, da qual ela não é, entretanto, senão um prolongamento . As impres-
sões, emoções e excitações que dela nos chegam ajudam-nos a viver; trazem
11 Sê-lo-ia menos na hipótese da organicidade das psiconeuroses, que a insensível confirmação de um mundo para além dos sentidos, enternecem-
explicaria a natureza da afecção neurótica; mas conservaria ainda . certo -nos, dão a tudo um sentido e um valor que nos fazem felizes ( . .. ) . Há
valor, porque, mesmo na hipótese da organicidade, restaria por explica~ o alguma coisa que não é nosso eu imediato e que influi em nossa vida"
conteúdo psicológico da afecção: a explicação deveria ter um sentido (Carta de 16 de junho de 1901, a RANKIN, que esboça as t eorias que JAMES
positivo. vai desenvolver em seu livro sôbre L'expérience re!igi euse) .
628 PSICOLOGIA A OONSCX:~NCIA 629

bem parece merecer, e pelas mesmas razões, o nome de filosofia, pre- b) A censura~ Entre o inconsciente e o p:reconsciente existe
guiçosa que LEmNIZ dava ao inatismo. Por outra parte, a hipótese '1ma espécie de censura que bloqueia a passagem às tendências que
de uma vida subliminar comum a vários indivíduos é puramente parecem contrárias- ãos desejos ·conscientes do individuo. Mas não
gratuitn. e pouco inteligível. devemos representar-nos essa censura «sob os traços_de um mocinhQ.. _.
severo ou de um espírito alojado num compartime-nto do cérebro~
§ 3. TEORIA DO RECALQUE (lntroducticm. à la Psycham.alyse, pág. 156). O têrmo · censura serve
pari!, . designar o conjunto da,s lembranças, idéias, desejos, sentimen-
614 FREUD propôs sucessivamente duas teorias do aparelho psíquir.o. tos, _que intbem outros grupos de idéias, senttme:n,tos e lembranças.
destinadas a explicar as relações do consciente com o inconsciente·
particularmente nos lapsos, nos sonhos e nas neuroses. Estas teoria~ e) O conflito. Para FREUD, a consciência normal é teatro de um
são, entretanto, meramente acidentais na obra de FREu», que é antes 615
de tudo um método para explorar o inconsciente, e não uma. filo- conflito irredutível: o dos lchtriebe (tendências do eú), que são de
sofia. u Porém elas tiveram grande difusão, e muito amiúde servem natureza. moral, social, artística, religiosa, e tendem à ·o rdem, - e
para siste1.1atlzar o conjunto do psiquismo. É sob êste aspecto que o dos Sexualtriebe (tendências sexuais). essencialmente expansivas
aqui convém examiná-las. e opostas terminantement e à ordem. Recalcados pela. fl/ttvidade da
censura, os instintos sexuais continuam a viver no incon.Ycien·te, e,
1. Primeiro esquema. por não poderem satisfazer-se, exprimem-se sob formas simbólicas
ou, nos casos graves, provocam desordens psíquicas mais ou menos
a) Consciente, preconscier..te, inconsciente. A primeira siste- profundas.
matização do aparelho psíquico é exposta por FREUD na. Ciência dos d) A liberação. O inconsciente propriamente dito não pode ser
sonhos. FREUD parte da oposição da. percepção (consciência.) e da evocado voluntàriaménte . Pode, porém, ser desrecalcado. Compre-
recordação (norm:llmente inconsciente) . Faz notar que, no domínio ender-se-á a possibilldade e os métodos dêssa liberação mediante
do não-consciente, há razão para distinguir duas regiões mui dife-
referência às causas que tornam o inconsciente inacessível à evocação
Inconsciente
voluntária. Essas causas podem ser lntrlnsecas às recordações in-
conscientes, isto é, consistir na falta de dinamismo do elemento in-
- Pr e co nsc1ente
consciente. Mas a explicação já não yale em todos os casos em qii'é
o elemento recalcado produz graves perturbações no psiquismo. A
causa da. inacessibilidade dêsse elemento não ,pode, pois, ser senão
extrínseca, e não há outrà. senão o recalque: o elemento.é inacessível
SI 52 S3 por ser sistemàticament e reprimido pela censura. Más, como, ao
niesµio .tempo, é poderosamente dinâmico, 16 dessa repr~ssão resw.:
tam graves distúrbios. tsses transtornos potJ,em. ser éu.rados pel<t
liberação, .que consiste em fazer subir de nôvo à consciência clara
a ncordação inconsciente, liberando-a, assim, -das formas anormal&,
e regressivas em que. se fix,ira.
Fig. 29. Esquema do aparelho psíquico segundo Freud. 2. Segundo esquema. Posteriormente, FREu1> teve de modificar
616
= camadas sucessivas de lembranças inconscientes.
seu primeiro esquema, para adaptá-lo a uma concepção· ma.is precisa
Sl, S2, S3 do· recalque (cf. FREUD, Le mot et le sót, trad. fr-a.ncesa, Paris, 1923).
rentes: a do inconscie~te pràpriamen.te dito, inacessível à evocação a> Recalque inconsciente. o ;ponto capital é qµe, de acôrdo
voluntária, e o preconsciente., possível de ser evocado em certas con- com o primeiro esquema, poder-se-ia crer que a tendência recalcante
dições. tG Pode-se representar isso sob forma esquemática (fig. 29). parte do eu. Ora, essa. tendência não é, nos doentes, nem cons-
clefité, nem mesmci subconsciente, ma:s· totalmente inconsciente. O
14 Cf. R. DALBIEZ, La méthode psychanalytique et la doctrine esquema do aparelho psiquice{ deve,' ·pois, conter uni elemento a
freudienne, pág. 11. mais, a saber: o processo recalca-nte inçon,sctente (fÍg. 30).
15 JONES assim define o preconsciente freudiano: "Freud serve-se do
têrmo "preconsciente" (vorbewusste) para designar os processos de que
podemos espontânea e voluntàriamente tornar-nos conscientes (por exem- 16 Para . FREUD, já -que o- recalque procede dos lm:;,erativos morais e
plo, as lembranças que moment!}neamente desapareceram da memória, mas sociais, o inconsciente constituído pelas tendências e instintos recalcados, é
que !àcilmente podemos evocar quando delas havemos mister)". O pre- de natureza bestial, -infantil (porque o recalque é um efeito do adestramen-
consciente freudiano compreende, pois, o subconsciente, mas a êle não se to educativo), al6gico (ou irracional) e sexual (os el1m1entos sexuais sã0;
reduz (JONES, Traité de Psychanalyse, trad. de JANKÉLÉVITCH, pág. 314}. largamente predominantes) .
A CONSCff iNCIA 631

r 630 PSICOLO GIA

Elemento s psíquicos não-consc ientes


supõe FREUD, visto que nêle se acha preform ada, sob forma potencia l
e virtual, tôda a variedad e do psiquismo.
Inconscie nte Preconsci ente b) Caráter do recalq·ue. O próprio recalque não parece neces-
Se o
sàriamen te incoMciente, Nunca o é, mesmo, completa mente.
hábito de se conform ar aos imperati vos morais, religiosos e socia1s··,
(eu)

implica um exercicio como que espontân eo e natural do érecalque ,


recalcado recalcante
(super-eg o) êste nunca atinge o puro automati smo. As mais das vêzes nitida-
mente voluntár io e exige uma. consciência viva e alerta pelos esfor-
(id)

ços que reclama.

§ 4. CONCLUSÕES

618 1. Unidade da. consciência. As três teorias que acaba-


mos de estudar parece encerra rem em comum, sob formas di-
versas, o êrro de fazer do inconsciente um mundo à . parte,
Fig. 30. Segundo esquema freudiano do aparelho psíquico. cortado do mundo consciente, ou em conflito sistemá tico com
êle, e, por conseqüência, de compro meter a unidade da perso-
nalidade. Ora, se se excetua rem os casos patológicos, para
b) Ego, super-ego e id. O nõvo esquema pode ser também
precisado pela distinção do ego, do super-eg o e do id. O egoo compõe- os quais se requer uma explicação especial, o inconsciente não
é cons-
se dos elementos conscientes e preconscientes. O super-eg recalca- somente está em continuidade com o consciente, senão qiie em
tituído pelo inconsciente recalcan te; o id, pelo inconscienteestético e grande parte está sob o contrôle, e mesmo à disposição, da
do. 11 O super-ego é o elemento ideal (moral, social, no consciência. Os fatos de censura ou de bloqueio, nos quais
religioso), e desempe nha já agora o papel mantido pela censun. qui-
primeiro esquema. Vimos (317) que, segundo F'REm>, êle provém de JANET e FREUD insistira m, signific am, sem dúvida, se se.
uma sublimação do instinto, particula rmente do instinto sexual. 1a ser, um conflito, mas não um conflito entre dois eu ou duas
3 . Apreciação. Há todo um aspecto dessas teorias que Jà dis-
persona lidades: o conflito está no seio do eu único, consciente
617
cutimos (318). Mostramos em particula r o êrro grave que constitui das potências antagon istas que nêle se enfrenta m, que o ex-
o pansexualismo freudian o. Aqui resta apreciarm os a teoria da es- primem parcialm ente umas e outras, e que êle deve hierarq ui-
trutura do aparelho psiquico, e especialm ente a questão do recalque. zar e unificar . 19
a) Estrutur a psíquica. F'REtJD põe em viva luz a realldade do
duplo domínio do consciente e do inconsciente, bem como o dinamis- 619 2. A estrutura psíquica. A estrutu ra psiquica . deveria:,
mo próprio dêste. Mas, se é verdade que o inconsciente pode nte ser pois, ser represe ntada por diferent es zonas em que a consci-
composto de tendênci as recalcadas, nli.o se v~ que no inconscie e ência se degrada cada· vez mais, na medida em que ·. os fatos
tudo seta recalque, nem que todo O· r.ecalca.do seja «bestial, alógico ou acontecimentos pBÍ(fUicos estão menos ligados às imagens
ae%U(J.b. Da um lado, com efeito, o inconsci ente prlmltivo é formado de pessoais do eu (ações, representações, recordações atuais, sen-
de todos os instintos, e não somente do instinto sexual, bem como
s, interêss es) (fig. 31). 20 Na mesma medida em que
tõdas as incllnações que estão ligadas. à. natureza racional do homem. timento
Grande parte dessas tendênci as persiste ,inconsciente, não por efeito se desligam das imagens pessoais do eu, os fatos psiquicos
de um recalque, senão por faltarem as condições que podem atua- tendem a transfo rmar-se em puras virtualidades, isto é, ator-
·
lizá-las. nar-se inconscientes. Inversa mente, as virtuali dades atuali-
Por outro lado, o recalque nem sempre versa sõbre os Seiua'l-
triebe. Pode haver repressão .de tendênci as ideais, e o conflito psiqlli-
co pode ser afeti+do de sinais contrário s aos de FluroD. Na realidade , SARTRE (L'Etre et
111 Cf. sõbre êste ponto a viva critica que faz J.-P.
o inconsciente é infinitam ente mata complexo e rico 4o que o que le Néant, págs. 89-93) da teoria freudiana d~. repressão e da censura.
20 Por si mesmo se compreen de que semelhan te esquema
tem valor
compar-
que quer dizer que meramen te analógico , já que a consciênc ia não pode ser dividida em
17 O id, segundo FREUD, transcend e o recalcado , o timento~. Ao propor seus esquemas , FREUD dizia mui justament
e: "Não
essencial-
nem todo o inconscie nte depende necessàri amente do id. O id. é creio que alguém tenha jamais imaginad o reconstru ir o aparelho
psíquico
do
mente formado de ••-:istintos recalcado s, e está sob o domínio absoluto partindo de semelhan ça decompos ição. Não há nisso nenhum risco"
(Science
principio do prazer. des réves, pág. 530) .
18 Ct. R. DALBIEZ , La méthode psychana!11tique,
págs. 586-649.
632 PSICOLO GIA

zam~se em razão e em proporção de sua relação com as imagens


e interêss es pessoais do eu. ·

Inconscie nte

1=~1 i
Consciênc ia mar1lnal
SEGUND A PARTE

!!
j peaao4is
do eu
i
j
A ALMA HUMA NA

··:··
···········-·············
Elemento s subconsci entes 620 Tivemos que admitir a realidad e de um sujeito da vida
psicológica. Cumpre-nos agora examin ar qual é a naturez a
Domínio. do virtual dêste sujeito. A experiên cia, a bem dizer, já nos advertiu
sôbre a complexidade do sujeito empírico, pois nos demons trou
Fig. 31. Estrutura do Eu.
que era o mesmo "eu" que se atribuía fenômenos tão diferent es
como os da vida vegetati va e os da vida intelectual. Estas
As diferentes ZaMs da estTUtur4 psíquica são função da ligação
mois ou
do eu (ações, idéias, porém, há que precisá-las. Para isto deveremos proce-
menos estreita dos fatos psíquicos com as imaaens pessoais
inter42sses). der por via metafís ica, visto pretend ermos ir além da experi-
representações, recordações atuais, sentimentos,
ência imediat a. Sabemos, no entretan to (I, 19), que não nos
é possível ultrapa ssar a experiê ncia imediat a senão em virtu-
de das exigências inteligívei~ do ser que se nos oferece na
Quanto aos elementos subconscientes, são os que, em re- experiência, ou, em outras palavra s, que a realidade metafís ica
lação acidenta l ou essencial com as imagens pessoais do eu, é apreendida pela razão na própria experiência em que está
são impedidos de chegar à consciência clara por efeito quer implicada.
de um obstáculo passageiro (orgânic o: transtor nos sensoria is; Esta realidad e metafís ica é a que designamos com o nome
psíquico : distração, preocupação, automat ismo, etc.), quer de de alma, princf.pio primeiro da vida e, por conseguinte, de
uma censura voluntária (atual ou habitua l). Todos êsses ele~ todos os fenômenos fisiológicos e psicológicos. As questões
mentos subconscientes deixam, entretan to, algum vestígio de que a seu respeito se põem referem -se a sua naturez a, a seu
si iriésmos na consciência, e podem ser evocados· median te re- modo de união com o corpo e, enfim, a sua origem e a seu
fei:ência· ou confron to com as imagens e lembran ças conscien- destino.
tes 'do_eu. · · ,, ·

•' •; :: ·

,·v rn·
' CAPÍTULO I
1'
NATUREZA DA ALMA

SUMÃRI0 1

Art. I. ESPIRITUALIDADE DA ALMA. Simplicidade da. alma.


Prova pela percepção e reflexão. Objeção. Espiritualidade
da alma. Argumentos. Alcance dos argumentos.
Art. II. TEORIAS MATERIALISTAS. Materia,li3mo mecanista. Argu-
mentos. Discussão. Materialismo dinamista. Paralelismo
psicofisiológico. Epifenomenismo. Discussão. Materialis-
mo evolucionista. Argumentos. Animlsmo. Manlsmo.
Totemtsmo. Discussão dos fatos. Discussão dos princípios.
Conclusão.
6!1 O estudo objetivo dos fenômenos psicológicos leva a afir-
~ar que o homem possui uma alma que é uma substância sim-
ples e espiritual. Ao demonstrar esta asserção e defendê-la
contra as objeções materialistas, vamos ver que não temos
senão que deduzir as conclusões contidas nos resultados posi-
tivos de nossos precedentes estudos de Cosmologia e de Psi-
cologia.

ART. I. ESPIRITUALIDAD E DA ALMA


A espiritualidade supõe a simplicidade. Mas a simplici-
dade não implica necessàriamente a espiritualidade, isto é, a
independência relativamente à matéria. A alma dos animais
é imaterial e simples, mas não é espiritual. Só a alma humana
é ao mesmo tempo simples e espiritual.

1 Ct. ARIST6TELES, De anima, II; Metaph., VII, e. VI. SANTO TOMAS,


1.•, q. 75-77; Q. disp. de anima. LANGE. Histoire- du. matériaLisme, 2 vols.,
tred: de POMEROL, Paris, 1877-1879. ROHDE, PB1Jché, Paris, 1930. A. FO-
REST, La stru.ctu.re métaph11siqu.e du concret, ael<m Saint Thomas d'Aquin;
Paris, 1931. SERTILLANGES, Saint Thomás d'Aquin, Paris, 1912, t. I , pãgs. 69
e segs: M. BLONDEL, La pensée, t. II. L . LAVELLE, De l'Acte, e. XXV~
::l,CXVII. BERGSON, Matiere et mémoire; L'énergie spiritu.elle. CHEVALIER,
La vie morale et l'au-deld, Paris, 1938. S . STRASSER, Le Probteme de t'dme,
Paris, 1953.
NATUREZA DA ALMA 637
636 PSICOLOGIA

§ 1. SIMPLICIDADE DA ALMA e diversos (multiplicidade sucessiva). E' precisamente o casa


da alma humana, que portanto é una e simples ao mesmo tempo-.
,. A alma não somente é una em número e una no tempo, _.,." P.ermitJ.t:Ulom, .;iem. D.Jl,Vida,. estas ..ab.servações, dar . um sentido à
isto é, idêntica a si mesma; é também una em sua essênc-ia;···· · concepção de SARTRE, que identifica a realidade-humana, isto é a
isto é, simvles e indivisível, ao contrário das coisas materiais, consciência, ou para-si, cem um «nada-aniquilador». Com efeito,
que são compostas e divisíveis. E' o que demonstra a análise bem viu SARTRE que, se a consciênciai fôsse uma coisa (ou um corpo),
das operações da alma. seria uma noção contraditória e absurda, porque uma «coisa> não
é senão o que é, opaca, pesada e cheia, ao passo que a consciência
impõe a idéia de uma transparência e de uma disponibilidade inde-
1. Provas pela percepção e reflexão. finida. Se conhecer é essencalmente tornar-se o conhecido, neces-
sário é que o cognoscente (ou a consciência), como tal, não sejà
a) A percepção. Das coisas materiais temos uma per- «uma coisa»: se «algo> fôsse, excluiria por isso mesmo tôda possi-
cepção indivisa. Isto, porém; só pode explicar-se pela simpli- bilidade de conhecer, visto que é da essência das coisas materiais
serem exteriores umas às outras e se excluírem mutuamente. Que
cidade da alma. Com efeito, se a alma fôsse composta de a consciência não seja «uma coisa», segue-se também do fato certo
partes, cada uma dessas partes perceberia ou todo o objeto ou de que não há consciência vazia ou consciência nua, porque isso
' 1
somente uma parte dêle, e assim teríamos, no primeiro caso, seria. um nada de consciência. Sem, dúvida que se fala de «conteúdos
tantas percepções totais quantas partes tivesse a alma; e, no de consciência>. Mas esta expressão é completamente imprópria,
porque deixa supor que a consciência é um continente que poderia
segundo caso, tantas percepções parciais quantas partes tivesse existir como tal, vazio de todo conteúdo. De fato, tôda consctência
l:l .alma, mas nunca uma percepção una e indivisa do objeto. · é consciência d.e a,lgo, e o «conteúdo de consciência> não é senão a
própria consciência, diversamente qualificada (588). ·
b) A reflezão. A alma pode voltar ou, de certo modo, "do-
brar-se" sôbre si mesma, para se conhecer em seus atos (968). SARTRE descreveu, pois, corretamente os fatos, por via da análise
Mas o que é compoeto de partes não pode conhecer-se a si fenomenológicatque neste ponto concorda com análises muito antigas.
Mas seu êrro consiste em conceptualizar através das noções equivo-
mesmo como todo, porque as partes do composto são ne- cas de «coisa> e «nada> observações perfeitamente fundadas. Porque,
cessàriamente estranhas umas às outras. Supondo que uma se é indiscutível que a consciência não é nem uma coisa nem um
parte pudesse conhecer-se a si mesma, as outras ser-lhe-iam ;,ontinente vazio, no qual viriam alojar-se os estados de consciência,
totalmente estranhas. Só uma substância simples é capaz· cie não é mais inteligível fazer dela um nada ontológico, e ainda menos
um nada «aniquilador», Isto é, que age (porque negar ou aniquilar
se dobrar ou de voltai" sôbre si mJsma, isto é, de se comportar é também agir). Afirmar que esse. é a. grande e inexplicável «aven-
por _meio de reflexão. ' · · tura do ser> é apenas uma maneira de confessar o absurdo desta
hipótese. Pelo contrário, explicar-se-iam as propriedades da cons~
622 2. Objeção. Contra êstes argumentos objetou W. WuNDT, ciência e a condição radical de sua intencionalidade essencial, defi-
nindo-a como uma forma imaterial (e espiritual no homem). A
dizendo que confundem a unidade com a simplicidade ou não
' 1
1 espiritualidade é ao mesmo tempo êsse «nada> (ou nada de maté-
1
divisibilidade quantitativa. ·· ·Com efeito, diz êle, "de onde ria) que é o fundamento da transparência da consciência e da
provém a convicção de que a alma seria um ser simples? . .. própria consciência, e esta maneira de ser que faz de um ser um
Um ser uno nem por isso é um ser simples. O organismo cor-:- sujeito capaz de «aniquilar>, isto é, capaz de ser para si, opondo-se
ao em si que se torna como con"b.ecente. Mas, para admitir êste
poral é uno, e todavia se compõe de·muitos órgãos. Do mesmo ponto-de-vista, seria de mister, sem dúvida, renunciar a subsumir
modo, encontramos na conaciênda, tanto sli~essiva como si- univocamente todo o ser sob a categoria de «coisa>.
multâneamente, uma multiplicidade que testemunha uma plu-
ralidade de sua base fundamental" (Eléments de Psychologie § 2. A ESPIRITUALIDADE DA ALMA
physiologi'que, II, pág. 508).
• 1
'WuNw tem tôda razão· eÍn assinalar· a multiplicidáde . su- A. Os argumentos
cessiva e s-imultânea da consciência ou da alma. Porém esta
multiplicidad~ não se opõe à simplicidade de que aqui se trata. 623 Chama-se espiritual todo ser que não depende da matéria
Esta só exclui a composição quantitativa ou divisibilidade em nem em sua existência nem em suas operações. Ora, afirma-
l1 partes homogêneas (/, 284). Mas um ser si:m,ples e por con- mos que a alma humana é espiritual. Todavia, é indispensável
seguinte imaterial pode encerrar várias potencias e faculdades entender bem em que sentido o dizemos. E' fato que as ope-

\ ; (multiplicidade interna. simultânea) . e produzir atos múltiplos rações sensíveis da alma recebem o concurso direto do corpo·,

.i
1

J
638 PSICOLOGIA NATUREZA DA ALMA 639

e que as operações superiores, inteligência e vontade, só podem é, do espaço e do tempo, não pode a atividade livre de modo
ser exercidas mediante certas condições orgânicas. A alma, algum exercer-se mediante um 6rgão corporal. Ela é o sinal
porém, por sua própria natureza, é independente do corpo, no de um ser capaz de existir e de atuar independentemente do
sentido de que exerce sem órgão suas funções superiores de _ --· --~ _ " _ corpo, !sto é, d~ nat1,1r~za espiritual.
inteligência e de vontade, e que é capaz âe existir sem o corpo; ········-···--·· ·
Nesse caso, quais são as provas da espiritualidade da alma? B. Alcance dos argumentos
j 1. !: ; .. '
.l 1. Prova pela inteligência.. Todo ser age segundo o que 625 E' importante entender bem o significado dos argumento::1
,1 é, isto é, produz atos conformes com sua natureza. Pode-se, que precedem, mas também cumpre evitar atribuir-lhes maior
portanto, deduzir de seus atos a natureza de um ser. Ora, alcance do que têm.
as operações da inteligência, em si mesmas e intrinsecamente,
não dependem do corpo. Com efeito, estas operações têm por 1. A alma não é um espírit-0 puro. Com efeito, é só
objeto sêrea imateriais e universais, e visam a enunciar rela- imperfeitamente espiritual, porque, como vimos, algumas de
ções necessárias, universais e intemporais, o que exclui que se suas funções (vegetativas e sensíveis) dependem intrinseca-
realizem por meio de um órgão corporal, porque um órgão cor- mente dos ór.gãos corporais, e suas funções superiores (inte-
poral não pode exercer senão uma atividade particular, con- ligência e vontade) dependem dêles extrinaecamente (63-67).
creta e extensa, como se pode ver no conhecimento sensí- Há que considerá-la também como uma substância incompletc.,
vel (421). A inteligência não é, pois, uma potência orgânica, destinada a estar unida a um corpo para formar com êle uma
mas uma potência ou faculdade espiritual, e a alma de onde só e mesma substância composta que, por esta razão, se deno-
procede só pode ser, por sua vez, um ser espiritual, isto é, in- mina o composto humano. ·
trinsecamente independente do corpo.
2. A alma. como substância.. A noção de substância, Ja
624 2. Prova pela vontade. Os atos da vontade livre mani- o dissemos, de nenhum modo corresponde à de uma "coisa''
festam igualmente a espiritualidade da alma. inerte sob o fluxo fenomenal. A alma humana acomoda-se
a) Aspiração ao bem infinito. A vontade só pode exercer.:. ainda menos que as realidades materiais a essa vulgar ima-
se sob a determinação do bem universal (sub specie boni) (542), ginação. A noção de substância designa, com efeito, uma rea-
1 '
o que supõe que ela possui a mesma imaterialidacle que lidade não sensível, imanente a todos os fenômenos que dela
a intéligência. Esta tendência,' necessária e incoercível, para procedem e a manifestam e, de certo modo, lhes servem de
o bem universal faz com que o apetite racional nunca esteja laço interior. Esta unidade sintética é realizada pela forma
satisfeito pelos bens particulares, finitos e mutáveis que lhe substancial, que é o primeiro princípio da existência substan-
estão ao alcance, e sim que tenda sempre para além, para um cial (1, 982, 991).
bem estável, perfeito e incorruptível, e por conseguinte espi- Evidente é, pois, que a alma é a forma substancial do
ritual, único capaz de lhe satisfazer as aspirações profundas. corpo humano, isto é, o princípio simples pelo qual a matéria
Ora, tudo isso supõe claramente que a vontade é uma potência se torna algo de determinado, tal ou qual corpo vivente. Mas,
não orgânica e propriamente espiritual, porque nen,huma po- como, por uma parte, exerce êate primeiro princípio funções
tência orienta sua atividade para o que a excede essencialmente que ultrapassam inteiramente as possibilidades da matéria e
e portanto lhe é inaccessível e incognoscível; nenhum ser de- do corpo, somos obrigados a considerá-la como sujeito autô-
seja o que lhe ultrapassa essencialmente a natureza: nem a nomo e independente dessas funções, isto é, como um ser subs-
pedra deseja sentir, nem o animal aspira a pensar. Devemos, tancial. Mas, por outra parte, a alma, forma do corpo humano,
portanto, co,ncluir que a alma, da qual procede a vontade, é um não pode ser considerada como perfeitamente substancial, isto
ser espiritual. é, capaz, em tudo o que é e por tudo o que é, de subsistir por
b) A liberdade. A liberdade do querer leva-nos à mes- ai mesma sem o corpo. Com efeito, suas potências, vegeta-
ma conclusão, porque a lÍberdade significa a independência tivas e sensíveis, só podem funcionar por meio de órgãos cor-
relativamente ao sensível. Fundada na razão, pela qual pri- porais. Eis aí o que exata e unicamente· significa, aplicada à
meiramente é o homem liberado da servidão do sensível, isto alma humana, a expressão "substância incompleta".
640 PSICOLOGIA NATUREZA DA ALMA 641
.ART. II. TEORIAS MATERIALISr J'AS essência da matéria" (D'HOLBACH, Systeme de la nature,
pág. 22). 6
626 As teorias materialistas foram propostas na antiguidade
P;!ºs atomis_tas (DEMÓCRITO, EPICURO, ½UCRÉCIO) e pelos es-;- -· - - - 627 2 . Discus"são. F~cil é ver_ q:!le êsses dois a:r;-gumentos não
tmcos (ZENAO, CRISIPO). Os primeiros consideravam a alma pâssani dê petições de principw. Se a alma é imaterial, é
humana como composta de átomos sutis e ligeiros, de forma evidente que não se poderá atingi-la por meio de instrum~ptos
,1
redonda e lisa (I, 362). Os segundos definem a alma como materiais. 11:stes só podem .descobrir e tocar o que é corpôrã.l.
um sôpro, um composto de ar e fogo, que, dizia CRISIPO "está Aliás, êsse argumento valeria, proporcionalme nte, a respeito
unida à nossa natureza e, penetrando todo o corpo, realiza-lhe de tôdas as ciências. Estas têm por objeto realidades quali-
a unidade". Tudo no homem, até as mais elevadas formas tativas não-sensíveis, que elas só atingem indiretamente, me-
da vida intelectual, resultaria quer dos átomos e da forma dos di!!,nte redução à quantidade e a efeitos mensuráveis (I, 950).
edifícios atômicos (materialismo atomista), quer da tensão do Assim procede a ciência da alma : infere legitimamente a rea-
princípio ígneo (materialismo dinamista). Nestas duas con- lidade e a natureza da alma a partir dos fatos psicológicos,
cepções temos as duas formas em que se expressou o materia- senão mensuráveis, ao menos constatáveis e verificáveis, dados
lismo ao longo das idades. 2 na experiência.
Quanto ao argu~~nto segundo o qual o movimento pro-
vém essencialmente dá matéria, consiste em conceder-se gra-
§ 1. MATERIALISMO MECANICISTA tuitamente tudo o que está em questão. ~ate principio, aliás,
é contrário ·aos dados científicos, já que a matéria se caracte-
1. Argumentos. O materialismo mecanicista foi defen- riza pela inércia absoluta.
dido no século XVII por HOBBES, que considerav11, o espírito
como "um corpo sutil"; 8 no século XVIII, por LA METI'RIE
·(L'Homme-mac hine, Londres, 1751), D'HoLBACH (Syste1ne de § 2. MATÉRIALISMO DINAMISTA
la nature ou des lois du monde physique et du monde moral, "
Londres, 1772), e HELVETIUS (De l' Esprit, Paris, 1758; De A. Argumentos
l'Homme, Paris, 1772); no século XIX, pelos Ideólogos DESTUTT 628 .Na segunda metade do século XIX, o materialismo assume
DE TRACY (Eléments d'ldéologie, Paris, 1801-1815) e CABA- a forma dinamista do antigo estoicismo. Os principais defen- #li'
NIS (Rapports du physique et du moral de l'homme, Paris sares dessa concepção ·são TAINE, MOLESCHOTT, VOGT:, , BÜCH;t,;,
1802). · ' NER (Mati.ere et Force, 1856), HAECKEL (Les Enigmes du Mon-·
Os argumentos que apresentam êsses teóricos reduzem-se
aos dois seguintes: nenhuma investigação experimental per-
de, 1899). Seus argumentos resumem-se no
paralelismo psicofi-
siológico e no epifenomenism o.
mite descobrir no corpo outra coisa· senão matéria organizada; 4
"a matéria organizada é dotada de um principio motor que é só 1. Paralelismo psioofisiológico. A ~riência, dizem os
o que a diferencia da que não o é, e nos animais tudo depende materialistas, demonstra que a todo fenômeno psíquico corres-
da diversidade das organizações" (LA METTRIE, L'Homme- ponde um fenômeno nervoso, e vice . versa. Portanto, essas
machine, pág. 68); ou também, sob forma mais geral: "o mo- duas séries de fenômenos são, entre si, como causa e efeit.Q:
vimento é um modo de ser que decorre necessàriament e da o fe71iimeno psicológico é pr(Jdiezido pelos 6rgãos corporaú.
:tste próprio argumento funda-se no fato experi~ental de que
nunca M nem fôrça sem matéria nem matéria sem fôrça. · O
2 Cf. LANGE, Histoire du matéria!isme, trad. de POMMEROL.
3 Consideram-se geralmente como materialistas, no século XVII, GAS- aspecto dinâmico e qualitativo da vida pode ser, pois, legitima-
SENDI, e, no )ÇVIII, CONDILLAC. Porém não o são nem um nem outro. mente considerado como um efeito da matéria; inversamente,
Ambos são espjritualistas convictos. Mas é outra Questão saber se e em que cada vez que se verificar dinamismo ou fenômenos qualita-
medida o espiritualismo é compatível com a teoria que atribui a sensibilida- tivos, dever-se-á procurar a realidade materiàl e quantitativa
de aos átomos · (ÇASSENDI) e com a teoria que reduz à sensação tôda a que lhes é o principio imediato e único.
atividade psicológica do homem (CONDILLAC). · . ·
• O médico BROUSSAIS resumia êsse gênero de argumento dizendo
que só consentiria em crer na alma quando a achasse na ponta do seu · -11· É em·vista dêsse princípio que CABANIS escreve que "o cérebro [ .. . J
bisturi. taz orgânicamente a secreção do pensamento". · .. · ·.· ,
642 PSICOLOGIA NATUREZA DA ALMA 643
Donde certo número de fórmulas que fazem eco à de BROUSSAIS:
menos materiais, e não são senã9 o aspecto dinâmico da ma-
«A alma é um cérebro agente, e nada mais>. «Sem fósforo, não há.
pensamento (MOLESCHOT T) • «O cérebro segrega o pensament.o como ·. . téria. Ora, esta.. afirmação é um puro paralogism o. Com
•, --,- ·.. , -efeito;··-saeabam05~'fle·---v-eJ" ,que--•og--'fatos de Corr~spon dência
do··~" ..
o fígado segrega a bile:. (TAINE). «Na matéria residem tôdas as fôrças. . ---~·-·-· ~- ,.•..•.· = w··-
da natureza e tódas as fôrças espirituais; a matéria. é o fundo último .. psíquico e do ·físico não· são bastante constantes e universais
de todo ser» (BÜCHNER). s para justificare m essa afirmação .
·:· 2. Epifenomenismo. O argumento epifenome nista vem . Po1· _outr~ parte, ainda quando rôssem constantes , não pro-
sobretudo dos fisiologist as (HUXLEY, LoEB, SOURY). TAINE variam unediatam ente que entre o físico e o psíquico haja
propusera- o antes dêles, mas sob forma ambígua. Consiste em relação de causa a efeito, isto é, aqui, de identidade de na-
dizer que só há uma atividade real, que é a atividade orgânica t~reza : de essênci~. O~ [a.tos de correspondência justifica-
e fisiológica. A consciência é mero fenômeno que se acrescenta riam somente a afirmaçao de que há uma relaçclo entre as
a essa atividade fisiológica, mas por si não comporta nem rea- duas séries, e nada mais. A natureza dessa relação ficaria
lidade nem eficácia própria. por determina r (I, 942).
Ora, psicologi~ estabelece que essa relação não pode se~·
B. Discussão causal. E , com efeito, o -que nos provou o estudo das condi-
çõ~ fisiológ~~ s g~rais da vida psíquica _(65-67). Aliás, é per-
629 1. Critica do paralelismo. O paralelism o psicofisiológi- feitamente ininteligív el que um 1necanismo físico ou químico
co pode designar ora um fato, ora um método, ora uma dou- produza pensament o, isto é, em têrmos mais gerais, que qual-
trina. Para ser útil, deve a discussão distinguir êstes trê.~ quer coisa produza o que quer que seja.
pontos-de-vista. Enfim, o fato de em tôda parte matéria e fôrça serem
a) O paralelismo como fato. A interação do corpo e da dadas ju1:ta~ nAão poderia, sem círculo vicioso, provar que corpo
alma, ou, como se diz numa fórmula extremam ente vaga, "do e alma sao 1denticos. Porquanto o que está em questão com
físico e do moral", é evidente. Mas o paralelism o das séries o paralelism o é justament e saber se o fato de duas séries de
fisiológica e psicológica é apenas um fato geral e global, que fenômenos ocorrerem juntas justifica a afirmação de serem
·.,-,.· não se verifica no detalhe. De uma parte, com efeito, é im- êsses fenômenos da mesma natureza.
possível estabelecer duas séries de fenômenos ligados exata e
... regularmen:te 'têrmo a têrmo. De oµtra parte, há fenôme'!"os O materialism o consiste aqui em reduzir a atividade consciente
,. \iJ:e ·natureza orgânica que não têrn, correBpondentes psíquico3 a um simples modêlo mecânico: o cérebro reagírla às impressões
exatamente como um autômato reage a uma .ação externa. ora,
(Pôr· exemplo, as excitações que não chegam ao umbral da cons- como muito ~em o demo1:stra M. RuYER !La conscieince et z1:: corps,
ciência (,85); ·e fenômenos psíquicos q.os quais não se conhece Paris, 1937, pags. 70-85), isso realmente nao tem sentido algum. De
nenhum correspondente orgânico (idéia, juízo, vontade, fatos feito, vimos que nossa percepção é caracteriza da por sua maleabm-
patQló~jc_os, pas; psicoµe_uroses, etc.). dade (já o é no nivel animal) : percebemos as formas e as estruturas
. ..., aob aspectos extremame nte variados, como sendo as mesmas formas
b) O paralelismo como método. Metodologi~amente, o e as m~smas estruturas. O que BERGSON ensinou das imagens audi-
paralelism o significa que a Psicologia · deve esforçar-s e cons- tivas (Matiere et Mémoire, pág. 124) vale de tôda a percepção: não
reagimos a imagens singularme nte definidas, mas a formas
tantement e por ligãr os ,fenômeno s psicológicos às suas condi- «abstratas» ou es9uemati: ndas. Ora, isso o autômato não. poderia
ções fisiológicas . . Na medida em que não há tentativa de re- fazer: suas «reaçoes» exigem a identidade .absoluta da «excitação:11,
dução · do conseqüen te psicológico ao anteceden te fisiológico, e n:unca se adaptam a formas diferentes d.o mesmo modê]o exa.ta-
nada ·se· 'objetará ao emprêgo dêsse método, que correspon de mente como uma fechadura nunca obedece senão à mesm~ chave
(que pode ser numericam ente múltipla. mas é sempre, em sua form9.
a Umà eimcepçã,o positiva e experimen tal da psicologia (15). singular, idênticame nte a mesma chave) e não pode adaptar-se a
' ,::' formas diferentes dela.
690 e) · O" pafalelismo como doutrina. Doutrinàr iamente, o
paraleiism o psicofisiol6gico muitas vêzes é a afirmação de que S«;m dúv!da, coi:itra_ isso poder-se-ia imaginar uma espécie de
«!~nç_a<? de S1stemat1zaçao:11, que agruparia num feixe único os atos
08 :fenômenos psíquicos ..não diferem es~enci_almente dos fenô- f1S1olo1pc?s rel~tivos a_ um obj~to. Porém não se fica i:nais adiantado,
pois amaa ser1~ prer.iso exphc2r como é que o cérebro (i,to é, por
hipótese, o automato) poderia ,·reconhecer:. um objeto .singular (tal
• 6. Com.o ·se :viu (14), êsse ponto-de-vis ta foi retomado por certos teóricos chapéu, tal tinteiro) e.orno pertrnce ao grupo «tinteiro:> ou «chapéu»
do behaviorismo , sobretudo por WATSON. quando êsses objetos podem-apr es.entar-se sob tantos aspectos dife~

1
NATUREZA DA -ALMA 645
644' PSICOLOGIA

rentes e em contextos sensoriais tão prodigiosamente variados. Dito § 3. MATERIALISMO EVOLUCIONISTA


por outras palavras, a hipótese supõe resolvido o problema e harmoni-"
za consigo pura e simplesmente a função abstrativa que se trataria de . .. .692 .. . As teorias evg'luçionistas_modepias (teoria animista de TYLOR, -
explfoar mecânicamente. Na realidade, a percepção é uma adaptação~ · - - - ·· -· --- - . - - -- --niãhiiimo p:feanimista de MARETT, - sociologismo de DURKHEIM) só fa-
ao passo que a reação de um autômato só se produz se êste é adaptado .. · : zem repetir os argumentos do materialismo atómista e dinamista
de anternão, o que equivale a dizer que a reação automática é essen- · ou, mais exatamente, consideram o materialismo como demonstrad~
cialmente passiva, enquanto que a reação perceptii'a é essencialmente e compreendendo-se por si mesmo. Trata-se somente, para elas, de
ativa. dar ao matei:_ia.lismo um11: espécie de justificação histórica, mostran-
Doutra parte, a restituição das funções motoras abolidas por do que a noçao de alma se formou a partir de experiências que nada
uma destruição extensa dos hemisférios cerebrais e a suplência des- têm a ver com a idéia de um ser espiritual. Reconduzida às suas
sas regiões por outras regiões mais pequenas afastam-nos definiti- origens, a noção de alma espiritual perderia, assim, o sentido meta-
vamente do modêlo mecânico, onde nenhuma suplência, evidente- físico que se lhe pretende conceder.
mente, é inteligível.
A. Argumentos evolucionistas
2. Crítica. <lo epifenomenismo. O epifenomenismo fun-
J,···
691 1. Animismo.
Segundo Tvr.oa, a a idéia de alma procede da
da-se, por uma parte, no paralelismo psicofisiológico, e topa, crença nos espíritos. Essa crença, por sua vez, tem por princípio,
por conseqüência, com as mesmas dificuldades. Porém, ade- entre o_s yrimjtivos, a observação de certos fenômenos biológicos:
mais, quando afirma que a consciência não passa de um "re- sono, v1g11ia, extase, doença, morte, sonhos e visões. O primitivo,
flexo'' da atividade orgânica, de uma "fosforescência" ou da verificando que em seu .sono pode transportar-se para longe do lo-
"sombra do corpo", apresenta palavras em vez de argumentos cal onde repousa seu corpo, imediatamente conclui pela realidade
de um duplo mais sutil e leve que o corpo . . É êsse duplo que vai tor-
e propõe apenas uma explicação ilusória. nar-se a alma, coisa ni.ais ou. menos indep,e ndente do corpo, capaz
Não somente a explicação é ilusória, mas, se lhe conce- de sobreviver a êste, visto que pode desprendei:-se dêle .durante o
dermos um sentido, vai contra os princípios do determinismo, so~o, e capaz também de passar a outros corpos ·(metempsicose).
o que para uma teoria materialista é desvalimento capital. Efe- Da1 passa, em seguida, o primitivo a. admitir a existência de uma
alma semelhante em outros sêres, e mesmo nos animais. · Dondé o
tivamente, nesse sistema a consciência é um fenômeno sem culto dos mortos, Isto é, das almas desencarriadas, o ·qual conduz
razão suficiente, visto de nada servir, e sem condição de exis- logicamente 11, idéia de espíritos puros. :ll:stes mais tarde são -con-
tência determinada, pois seus modos de manifestações não estão cebidos COII).O podi:nd_o introduzir-se nos corpÓs para lhes trazerem
sujeitos a lei alguma (por que a consciência é ora presente, ª
doenças ou .. morte,. .e mesmo .e~ ~ertos obj~tos, troncos de· ?,rvores,
pedras sagradas, fetiches. O fetichis.m o é ·o último avatar da. inven- -
ora ausente, . ora fraca e surda, ora forte e clara?) . Impossí- , ção do duplo, isto é, . da alm,a humána.. · · ·
vel é, pois, compreender-lhe tanto a existência como a natureza.
699 · · · 2. ManlSliló . i>reanlmista. MARETr (The ThreshOld of Religion,
Os epifenomenistas respondem, entretanto, que a consciência. Londres, 1909) · achava que o animismo de TYLOR explicava insu-
aparece desde que e na. medida em C!Uf! s~as condições fisiológicas ficientemente as primeiras forinas da idéia de alma. Com efeito,
são realizadas (cf. PAULHAN, Les phenomenes a,!fectifs et les lots segundo MARETT a idéia de espiritos não·. pode ser primitiva, nem
de leur apparttton, pág. 12). Mas, se assim é, a consciência já não mesmo sob a forma do duplo psíquico. O que é primitivo é a idéia
é um simples epifenômeno: a. título de conseqüente, está ligada aos de uma fôrça tmpessoal,' pór tôda parte difundida na natureza: Os
estados fisológlcos, e nada permite afirmar a priori que êsse conse- primitivos atuais ainda crêem em tal fôrça sob diversos nomes: Mana.,
qüente seja um puro e simples efeito. entre os Melanésios; Oranda, entre os índios; Manttu, entre os Al-
gonquinos; Boylya, · entre os Australianos. P.ouco a pouco ter-se-ia
· Enfim, contràriamente ao que afirma o epifenomenismo, feito. a ·evolução dessa forma impessoal para a noção de alma, .que
a consciência não é um luxo inútil. A experiência demonstra seria uma participação individual do Mana. . · .
que é algo mais ,que o fenômeno fisiológico, e que possui efi- 3. ToterulSlilo, DURKHEIM ' acreditou descobrir que, originària-
cácia própria. .Quando intervém., pode determinar tôda uma mente, a alma não é outra coisa senão «o Principto totêmico enca.1·-
nado em cada tndtvíduo~. Sendo êsse principio concebido como, a
transformação ,da situação psicológica. 1 um tempo, material (sôpro ou ar sutil) e invisível, a noção de alma
conserva, no primitivo, um sentido ambíguo: a alma não se con-
-i Cf. RIBOT; I,,es maladies de la peTSonnalité, pág. 15: "Quando um
estado fisiológico se tornou um estado de consciência, adquiriu por isrn 8 ',rYLOR, PTimitive cultuTe. Researches into the Development of
mesmo caráter particular [ . .. ). Torna-se suscetível de ser lembrado, isto é, M11thology, Religion, Art and Custam, Londres, 1872.
reconhecido como tendo ocupado uma posição precisa entre outros estados 9 DURKHEIM, Formes éiémentaiTes de !a vie Teligieuse, II c. VIII.
de consciência. Tornou-se,· portanto, um nôvo fator na vida psíquica do Cf. MAUSS, "Esquisse d'une théorie générale de la Megie" in An.;.ée socio-
individuo, um resultado que pode servir de ponto-de-partida a algum rtõvo logique, 1902-1903. '
trabalho cónsciente ou inconsciente" .

, ..
:;~,
. \.

646 PSICOLOGIA NATUREZA DA ALMA 647·

'1í llm!.i., c~m o corpo, visto poder abandoná-lo, e, r.o ent::mto, está-
lhe estreitamente unida por intermédio de certos órgãos, morment;-:
:i_' Há que confessar que é de mister intrepidez' pouco comum para
tentar construir a idéia de alma (e mesmo tôda a. religião) a partir
,,,, do corac:ão (às vêze3 t ambém reside no sangue) . Ac\Jmai~, em ra- de uma noção >cujo sentido exato os etnólogos nem sequer chegam
zão d-i é1lráter sagrado do totem, a própria a lma torna-se algo de a de/intr; o único ponto sôbre o ··qual êles são unânimes é que c,o
sagradJ, é como que uma centelha da divinrhde. Pouco a pouco mana não tem nada que ver com a alma, o que é diretamente oposto
adauir;r~. a esn\rltualidade e a imortalidade. o que, opina DuRKHEil4, às aventurosas opiniões de TYLOR.
nãÓ faz ~cnão-traduzir ~dequadamente os caracteres da sociedade, e
demonstra que a almrr é 'lLma criação e uma ex-p1·essão do social. e) Crítica do totemismo. Como fato, o totemismo está longe
de ter o sentido e o alcance que lhe atribui DURKHEIM. Primeira-
B. rns-:us~5.o mente, não parece que exista um Totemismo; há só totemismos, quP.
entre si são mui diferentes. 10 Historicamente, o totemismo é um
634 Essa~ 1 eorias encerram fatos e princípios que cumpr~ examinar.:. fenômeno múltiplo, qire, de fato, se resolve numa série de problemas
mos à p.:.rLe. /' distintos, relativos aos modos de associação, e sem relações essenciais
uns com os outros. Os fatos totêmlcos são fundamentalmepte dis-
1. Dis<'ussão dos latos. Os fatos em que pretendem fundar-se pares. A pior confusão consiste em reuni-los, como o faz D.u~EIM
essas diV(rsas teorias são dos mais Incertos, e muito mais represen- sob um nome comum, e em tomar êsses nome por uma essenc1a. au-
'i tam construções ela mente que realidades positivas. têntica ou uma realidade etnográfica. ·
ii a) Crítica do animismo. A teoria de TYLOR foi fortemente e
1
justament~ critic3da por Du::E:HEIM (Formes élémentaires de l:i vie 686 2. Discussão . dos prlncfplos. Se as bases . experimentais ou
religieuse, págs. 78 e segs. ). DuRRHEIM faz ver que a base experi- históricas das teorias evolucionistas são frágeis, os princípios _que im-
mental dessa teoria é mais do que frágil. Com efeito, TYLOR afirma plicam não são de melhor qualidade.
que o sonho é que é a . or;gem da idéia do duplo ou de alma. Porém a) Princípio do evolucionismo. Consoante êste princípio,_.e.s for,-
nada é menos s~gllro : · por qlle o dormidor não teria 111).aglnado que, mas sucessivas da cultur.a. geram-se umas às outras por via de com-
durante seu soP.c, era capaz de ver à di3tància? «Para se atribuir plexidade crescente. Ora, éste princípio não vale nem de faito nem
um tal poden, nota DURKHEIM, cera preciso meno3 imà ginaçií.o que de ãiretto, porquanto não está provado que o mais simples seja sem-
pua, construir essa noção tão complexa de um duplo, feito de subs- pre primeiro no tempo, nem que o movimento da história se faça
tância etérea, melo invisível, e do qual a experiência direta não ofe- neceSBàriamente sob a forma que ê&se princípio supõe: a hLstóri'l é
recia nenhum exemplo>. assinalada Por avanços e recuos, complicações e simplificações, evo-
Por outra parte, a experiência corrente teria constantemente luções e involuções. 11
j)ôsto em xeque essa Idéia de duplo. Sucede julgar-~e ver ou ouvir,
í ' no sono, um ou outro dos próprios contemporâneos. Segundo TYLOR, b) Principw da redução ão sentido à., imagens. Os evolucio-
o primitivo explicará êsses ·fatos imaginando que seu duplo visitou nistas acham que o problema do sentido de uma nação é resolvido
ou encontrou o duplo de tal ou tal de ,seus companheiros. Mas «bas- desde que se tenha podido reduzir essa noção às imagens que ser-
tará que os interrogue ao despertar, para verificar que a experiência vem para éxprimi-la. Mas há ai um grave êrro. Sabemos, com
dêles não coincide com a sua>. Como então o primitivo não seria, efeito (420), que o pensamento é Independente das imagens. O sen-
com isso, levado a se perguntar se não foi vitima de alguma Ilusão, tido de uma noção não está todo inteiro fncluido ,nas tmagern,, e
1·1 e se o duplo hipotético não passa de ,uma quimera? nem mesmo é sempre corretamente expresso Pelas imagens: quando
· Enfim, não é seguro que o primitivo tenha procurado explicar- se trata de noções metafisicas, tôda imagem, Por definição, é ina-
se seus sonhos. Essa investigação parece ser antes um requinte de dequada (430) . Por conseqüência, mesmo supondo que se chegue a
clyllizado. fazer a história exata das imagens de uma noção (imagens, mitos,
le~), nada se teria ainda prove.do relativamente ao sentido de'ISa
695 b) Crítica do Ma:nismo. A noção de mane. está longe de ser Ii~~.. -que permanece independente das formas sensíveis acidentais
esclarecida. CODRINGTON, num estudo publicado em 1891, achava que em que tenta exprimir-se.
o mana pertence exclusivamente aos espíritos da natureza, e que as É assim q1,1e as representações da alma, no curso das idades, têm
cols1s consideradas em si mesmas jamais o possuem (cf. R!lHR, Das sido, certamente, mui diversas; 1~ muitas, no regime noturno da ima-
Wesen der Mana, «Anthropos>, 1919, pág. 209). Em compensação,
VAN GENNEP (Mercure de France, 1924, pág. 49.3) afirma que «o prin-
cípio semicivllizado do mana não difere, em essência, mas somente
em grau, de no,so principio científico moderno de energia>. Quanto 10 Cf. GOLDENWEISER, "Totemism, an analytical study", in Jou.ma! oi
à Oreed1 dos, Iroqueses, RADIN (Journal of Amer. Folklore, 1914, American Fo!k!oTe, XXIII, págs. 179-293. Ora, o totemismo parece derivar
pág.3. 211 e segs.), que interrogou os Soiux-Winnebago e os Algon- do hábito de pôr sobrenomes de animais: da( teriam nascido, por trans-
quinos-Ozlbwa; pretende que essa expressão visa sempre a espirito3 formações complicadas, os tabus que prolbem matar ou comer um in-
determinados. Doutra parte, P. CozE (L'oiseau-Tonnerre , Paris, 1938, divíduo da espécie do totem. Ora. o totemismo é relativo a uma proibição
págs. 247 e seg,.), que viveu longo tempo entre os índios, declar.i de caráter exogãmico. Ora é uma prática imposta por necessidades eco-
que Orenda é uma fôrça intermediária entre espírito e matéria, mor- nômicas. Ora. enfim, o totem é o ancestral do clã, etc.
tal, d~ n:i. turEza fluídica, vibratória, sutil, e distinta, a um tempo co 11 Cf. LALANDE, Les i!lusions évolutionn;.çtes, Paris, 1930.
corpo e da alma. 12 Cf. RôHDE, Psyché, trad. francesa, Paris, 1S3l.

:,":.'
f<i>·
648 PSICOLOGIA

gtnação (1, 35) , têm sido bastante grosseiras. Mas o verdadeiro pro..:
blema é de saber o que tp1.erem dizer essas imagens. Ora, em tôda
parte elas procedem da necessidade de simbolizar um princípio dis-
tinto do corpo e capaz de sobreviver ao corpo numa vida de além-' '""" .,,. ,-, ---
túmulo (concebida, as mais das vêzes, como um prolongamento da
vida presente). Esta noção, que se traduz em imagens e em mitos
não-civilizados, e que até no pensamento filosófico conserva os ves-
tigioa de sua formação analógica (alma = anima, ar, - espírito = spi-
ritus, sôpro), essa noção é tão essencial ao homem, ser racional, CAPÍTULO II
quanto pode sê-lo ao homem, realidade biológica, a função glicogênica
do figado.
UNIÃO DA ALMA E DO CORPO
3. Conclusão. O espiritualismo fica, pois, estabelecii,io,
positivamente, pelos argumentos racionais fundados na expe-
riência psicológica e destinados a fazer inteligível essa expe- SUMARI0 1
t\ riência; e, negativamente, pela impossibilidade do materialismo,
i sob qualquer forma em que se apresente, quer para refutar
'
1 os argumentos do espiritualismo, quer para propor uma inter- Art. I. O COMPOSTO SUBSTANCIAL. União substancial. União
pretação correta do conjunto da experiência psicológica. acidental e substancial. Principios do composto substan-
cial. Composto humano. O todo substancial. Relações
Resta definir, no contexto espiritualista que acabamos de do tisico e do moral. ·
precisar, qual é o modo de união da alma com o corpo.
Art. II . PROBLEMA DA COMUNICAÇÃO DAS SUBSTANCIAS.
Espiritualismo cartestano. As doutrinas. Principio dua-
lista. Ocasionall.Bmo. Harmonia preestabelecida. Dis-
éussão. A união é meramente· acidental. As soluções são
arbitrárias. Do espiritualismo ídeaztsta ao espiritualismo
bergsoniano. Idealismo. Espiritualismo bel'gsoniano. Dís-
'Cussão. Conclusão.

A questão :do modo de união da ·alma ·e do corpo - não


depende de um princípio de solução particular. Com ·efeito,
já ·que a
alma nos apareceu como .forma substancial ou ato
do corpo orgânico, o modo de união da alma e do corpo será
o da matéria e da forma.

ART. I. O COMPOS'l'O SUBSTANCIAL

A. União substancial
1. União acidental e união substancial. Cumpre distin-
guir dois modos de união essencialmente diferentes : a união
acidental, que é a que existe entre dois sêres completos ·em . si
mesmos e independentes ·um do outro : tal a união dos elos. de
uma cadeia ou das peças de uma máquina, ou, ainda, dos ci-
dadãos de um mesmo Estado; e a união substancial, pela qual
dua$ realidades incompletas constituem juntas uma substância
únic~1 embora composta (1, 57).

1 Mesma bibliografia que para o capítulo precedente.


650 PSICOLOGIA UNIÃO DA ALMA E DO CORPO 651
.,
2. Princípios do composto substancial. Quando se fala de 2. Relações «do físico e do moral». Só essa união subs-
1
i realidades incompletas, cumpre entender, como já o fizemos tancial pode e:xiplicar isso a que, em têrmos impróprios, se
notar, não coisas ·ou sêres que estariam inacabados ou muti- chama'relaç&w·do -fíg,iê'ó~e'Ylo 'ma?'al, isto é, do influxo múhHi ' ·· ·- -
lados, porém realidades incompletamente substanciais, quer 'das funções vegetativas, sensitivas e intelectuais. Uma diges-
dizer, primeiros princípios cuja natureza não encerra o poder tão penosa, uma· enxaqueca, e, com maioria de razão, lesõe;;
de subsistirem por si sós (I, 382). · ~sses princípios são a cerebrais, tornam impossível o trabalho do espírito. Inversa-
matéria e a forma substancial. mente, uma intensa atividade intelectual susta a digestão, ace-
A matéria é incompleta por essência, visto que, por si lera ou retarda o movimento do coração, ocasiona uma fadiga
mesma, é pura potência, absolutamente indeterminada. Mas orgamca. Todos êstes fatos, bem conhecidos, só podem ser
a. alma humana, como forma, também é incompletamente subs- explicados de maneira satisfatória se se admitir que corpo e
tancial, enquanto suas potências infe?-iores (vida vegetativa e alma não formam juntos senão uma só e mesma substância,
vida sensitiva) requerem necessàriamente o concurso do corpo. com a qual tôdas as funções são solidárias.
Somente em razão de suas potências superiores, absolutamente
inorgânicas (inteligência e vontade), é que tem o poder de ART. II. PROBLEMA DA "COMUNICAÇÃO
subsistir sem o corpo, se bem ,que tal subsistência seja menos DAS SUBSTANCIAS"
conforme à sua natureza, que implica a união com o corpo.
639 A expressão "problema da comunicação das substâncias·"
B. Composto humano designa, nos séculos XVII e XVIII, o problema da união d3
alma e do corpo. Os próprios têrmos dêsse problema impli~
698 1. Todo substancial. O problema àas relações da alma cam, no ponto-de-partida, que a alma e o corpo são conside-
e do corpo só pode ser resolvido de maneira inteligível se se rados como duas substâncias ou dois sêres completos e .sufi-
admitir que o corpo e a alma se unem mim só todo substancial, cientes por si mesmos, dos quais se trata de saber como podem
ou, noutros têrmos, já explicados em Cosmologia, que a almn unir-se para formar um só todo. Fácil é prever que essa
é a forma imediata e única do- corpo, o que equivale a dizer concepção· inicial não permitirá chegar-se a outra coisa que a
que só por ela é que o homem é não somente homem, mas uma união acidental.
ainda animal e vivente, corpo, substância e ser (I, 995, 494). Podem-se dividir em dois grupos as teorias que derivam
A união faz-se, pois, sem intermed_iário, já que os dois princí- • •;t . da corrente cartesiana: o primeiro é constituído pelas teorias
pios se unem como potência pura e ato substancial, e, como que formulam o problema da união nós mesmos têrmos que
tais, exercem um em relação ao outro uma causalidade intrín- DESCARTES; o segundo, pelas teorias que, confessando a impos-.
seca que não exige nenhum agente externo. sibilidade de chegarem a uma solução de tipo cartesiano, pe-
Daí se segue que a alma não ést.~ no corpo como um pi- dem ao idealismo, igualmente implicado na doutrina ambígua
lôto em sua nau (união acidental), mas que, formando com de DESCARTES, salvar a concepção espiritualista do homem e
êle um só todo natural, a alma está todo inteira em todo o do mundo.
corpo e todo inteira em cada parte do corpo. O homem não
é composto de dois sêres; é um único ser complexo. § 1. ESPIRITUALISMO CARTESIANO

O principio desta doutrina da união da alma e do corpo é que A. As doutrinas


a forma, por si, é indivisível. Pelo próprio fato de a eórrelação entre 640 Encontramos aqui três doutrinas, as de DESCARTES,
· a matéria e a forma ser rigorosa rr, 391), a alma necessàriamerite MALEBRANCHE e LEIBNIZ, que, de acôrdo sôbre os mesmos prin-
está presente todo Inteira e indivisivelmente em tôdas as partes do
corpo como no ,próprio todo. Porém ela «anima> cada parte dife- cípios, propõem três soluções diferentes do problema da uniãü
rentemente, segundo a natureza dos di.ferentes órgãos: sua ativi- da alma e do corpo.
dade é determinada, em cada órgão, pela função dêsse órgão. Por
outro lado, forinQ. substancial do corpo, a alma não é forma corpo- 1. Princípio dualista
ral segundo todo o seu ser. visto que exerce funções que só aciden-
talmente (a titulo de condições de exerciclo) requerem órgãos cor- ct) Natureza da alma. Vimos que DESCARTES descobre
porais. Por suas potências vegetativas e sensitivas (que definem a a alma no Cogito, isto é, no ato pelo qual o ser que pensa se
animação) é que a alma é forma corporal. Por suas funções supe- apreende a si mesmo intuitivamente como pensamento. Pens.o,
riores (inteligência e vontade), a alma transcende o corpo que ani- logo sou, sou um pensamento, ou uma coisa que pensa (r-e.s
ma, e, por essa razão, subsiste à dissolução dêle.

\
652 PSICOLOGIA
UNIÃO DA . ALMA E DO CORPO 653
cogitans), ou ainda "uma coisa que duvida, que entende, que
concebe, que afirma, que nega, que quer, que não quer, que dula pineal, porque essa ·glândula é um órgão único, ao passo
também imagina e que sente" (2a. Meditação). que as outras paortes do cérebro são duplas (Passions, I, pági-
,~ ,,nas.,ll-13,, 3.0,,..34.) ... --- · •.· .. _ • ;m.,
O Cogito faz-me, pois, ver não somente que eu sou, mas Resta explicar ·a própria possibihdade de uma açao da
o que sou. Com efeito, já que eu posso fingir que não tenho alma sôbre o corpo, e reciprocamente. Esta explicação é par-
corpo, sem que por isso daí se siga que eu cesso de pensar e, ticularmente difícil para DESCARTES, que tão radicalmente se-
por conseguinte, de existir, devo afirmar que sou "uma subs- parou o pensamento da _extensão. Parecer~a que a~bas as subs-
tância cuja essência ou natureza total é só pensar, e que, para tâncias não podem senao permanecer alheias uma a outra. Se,
ser, não necessita de nenhum lugar nem depende de coisa al- pois, os fatos obrigam a admitir~ u1!1 influ~o recíproco~ êste
guma material" (Discurso do Método, 4a. parte). Essencial- só poderá consistir na correspondencia de dois desenvo}v1men~
mente, sou portanto um pensamento; o corpo não faz parte da tos paralelos. DESCARTES fica aí, abrindo porém caminho ao
essência do homem,· a alma é uma substância completa e que ocasionalismo de MALEBRANCHE. •
se basta absolutamente.
o ponto-de-vista cartesiano de que a ordem da união da almi,.
b) Natureza do corpo . .Para DESCARTES, o corpo não , com o corpo escapa à análise não é falso em si mesmo. É apenas
passa de um puro autômato, de uma simples máquina que se impossível de conciliar com o princípio cartesiano da idéia clara e
distinta, critério absoluto e Único de verdade, e com o conceito de
move por si mesma. Imaginou-se que era a alma que causava duas substâncias completas e auto-suficientes. Porém, postas de
no corpo o calor natural e todos os movimentos que dêle de- parte essas contradições internas do sistema, DESCARTES enuncia uma
pendem. Mas isto é um grande êrro. Os movimentos que se verdade certa. Efetivamente, no plano especulativo, o problema. Jla
realizam no corpo "só dependem da conformação de nossos união ·supõe a decomposição .do ser único formado ·pela alma e pelo
corpo juntos, isto é, supõe que tomo o corpo por objeto a fim d~
membros e do curso que os espíritos, 2 excitados pelo calor do pensá-lo. Somente como o observa O. MARCEL (Le monde casse,
coração, seguem naturalmente no cérebro, nos nervos e nos Paris, 1933, pág. 268), o corpo assim objetivado já não é meu corpo,
músculos, da mesma maneira que o movimento de um relógio senão a idéia de corpo. Dessa ilusão procede a teoria cartesiana ~ue,
é produzido só pela fôrça de sua corda e pela figura de suas reduzindo o corpo à idéia, de corpo, faz consistir só na alma a essen-
rodas" (Passions, I, pág. ~6) (206). cia do homem. (O homem é uma alma que tem um corpo, possui
um corpo ou usa de um corpo: o corpo, de sujeito, tornou-se objeto).
Ora a experiência da ação prova-me, ·pelo contrário; que meu corpo
641 · e) Problema da união. ·Temos, pois, duas substâncias, sou 'eu, que minha realidade é a de uma totalidade concreta; _e q.ue •
uma cuja essência tôda é pensar; e outra cuja essência· tôda essa realidade, se fôsse complexa, não poderia ser nem rE:,Constitu~da
é ser extensa e capaz de figura e de mo:vimento. Como expJi .. nem compreendida a partir de elementos anterloru. Ve-se, assim,
como o problema da união se acha falseado, na maior parte do tem-
car a união delas? DESCARTES não dá nenhuma explicação e po, pela. ilusão analltica. Só se _lhe po<!_e compree~der o sentido e
limitá-se a considerar a união como· um fato evidente, p~r- dar-lhe uma solução intellgivel em funçao das noçoes de matéria e
quanto, diz êle, "não há nenhum sujeito que aja mais imedia- forma, que, precisamente, excluem, e!ll' certo sentido, a análise, visto
tamente sôbre nossa alma que o corpo ao qual está unida" estas noções definirem princípios e nao sêres (1,382). Aliás, importa
acrescentar que a análise retoma seu lugar quando _na alma hu-
(Passions, I, pág. 2). 8 A alma, se bem ·que unida a todo o mana. se considera aquilo que, de direito, a faz subs1Stente. Mas,
corpo, está-o entretanto de maneira mais particular à glân- c·o ntràriamente ao processo cartesiano, não é por _cima, se ass~ .se
pode dizer, que· se deve abordar ó problema da uniao, por paixo,
quer dizer, por aquilo que, na· alma, é principio de vida sensivel __e
2
Trata-se dos "espíritos animais", que são "tôdas as mais -vivas e orgânica.
sutis partes do sangue ". "O que eu aqui denomino espíritos são meros
corpos, e não têm outra propriedade senão serem corpos pequeníssimos e 2. Ocasionalismo. MALEBRANCHE' remata o movimento
ique se movem mui ràpidamente, como as partes da chama que sai de um
64!
facho; de sorte que não se detêm em lugar nenhum, e, à medida que alguns começado por ·DESCARTES. Partindo do dualismo, ~oncebido de
entram nas cavidades do cérebro, também saem alguns outros pelos poros maneira ainda mais radical, 4 afirma que os movimentos que
que estão em su.a substância, poros que os conduzem aos nervos, e daí aos
músculos por meio- do quê movem o corpo em tôdas as diver~as maneiras
como pode ser movido" (Passions, I, pág. Hl). 4 C!. Ent,-etiens su,- la Métàphysique, .IV; § XI : - "Não há relação neces-
a Na realidade, essa união é ininteliitivel no cartesianismo, por não ser sária entre as duas substâncias de que somos compostos; as modalidades de
representável por nenhuma idéia clara e distinta. Ora, para DESCARTES, nosso corpo não podem, por sua eficácia própria, mudar as ·de nosso espf-
a clareza e a distinção da idéia é o critério de sua verdade (3.ª Meditação). rito ( . .. ] . Não há nenhuma relação ·de causalidade de um corpo para ,u m
espírito. Que digo? nem tampouco de um espírito para um corpo" ,
UNIÃO DA ALMA E DO CORPO 655
654 PSICOLOGIA
"eu", tudo isso é inexplicável na concepção dualista. DESCAR-
se produzem no corpo são mera ocasião para Deus, causa uni - TES nem sequer pr.ocur.~ urna explicação, e, supondo realizada
versal única, de produzir na alma as percepções que corres- a união, sem pdder dizer como, declara que a alma move o
pondem a êsses movimentos. corpo por intermédio da glândula pineal. Mas restaria expli..-- -----
3. Harmonia preestabelecida. LEIBNIZ substitui o oca- car como uma substância espiritual como a alma pode agir de
sionalismo de MALEBRANCHE pela teoria da harmonia preesta- fora sôbre uma substância corporal com.o a glândula pineal.
belecida. O corpo e a alma são como dois relógios indepen- Isso não tem sentido algum no cartesianism o e nem o tem mais
dentes um do outro, mas harmonizado s pelo Criador de tal fora dêle.
maneira que seus movimentos se corresponda m perfeitamen te. Quanto ao ocasionalism o e à harmonia preestabelec ida,
seu caráter superficial e gratuito é evidente. Nem a experi-
k B. Discussão ência nos sugere tais soluções ao impor-nos a realidade de uma
\
relação imediata do físico e do psíquico, e nem a ·m etafisica
643 Essas doutrinas, se só as considerarm os do p~nto-d~-vist~ se acomoda com elas, porque, nesses sistemas, Deus fundaria
.\
do problema em tela, não pedem mais que umas breves obser- tôda a experiência humana numa ilusão, o que parece indigno
't{ vações. da sabedoria divina ..
1
1
1 1. A união é só acidental. Essas três doutrinas, sejam § 2. DO ESPIRITUALISMO IDEALISTA AO ESPIRITUALISMO
quais forem os têrmos com que se apresentem, só põem entre BERGSONIANO
a alma e o corpo uma união acidental, pois duas subst,âncias
completas não podem unir-se de outro modo. Ora, para ser 1. O idealismo. Podemos aqui cingir-nos a algumas in-
inteligível, a união acidental requer um princípio unificador
dicações, porquanto o espiritualism o se separa cada vez mais ,..
distinto das coisas unificadas. E' o que ARISTÓTELES opunha
a Platão, que fôra o primeiro a propor o dualismo : se a alma da psicologia para se formular em teorias gerais de forma
e o corpo são completos por si mesmos, para os unir faz-se geralmente idealista ( 440) . Com efeito, aparecendo já agora
mister um princípio ou elemento que partícipe de uma e de como incompreens ível a união da alma e do corpo, os filósofos
outro; quer dizer que o prpblema da união reaparece sob outra procuraram resolver o problema suprimindo um dos dois têr-
forma, com a agravante de se terem doravante três princípios mos : enquanto os materialista s só ·conservavam o corpo, os
em vez de dois (ARISTÓTELES, Metafísica, VII, c. VI; De Anima, idealistas renunciaram ao corpo, que, efetivamente , já não
II, c. 1, 412 b) . podia ter, nas teorias saídas do cartesianism o, senão um papel
de alguma sorte honorário e decorativo, e pensaram fundar o
2. As soluções são arbitrá.tjas. A experiência que cons- espiritualism o na afirmação de que a só e única realidade é,
tantemente fazemos da união tão estreita do psíquico com o nem mesmo a "coisa que pensa", de DESCARTES, mas sómente
físico, sua interação profunda, a unidade e a identidade do o pe:nsamento. Temos assim tôda uma série de doutrinas
(panteísmo de SPINOZA, imaterialism o de BERKELEY, criticismo
11 Entretie11s S1!1' la Métaph11sique, VII, § XIII: "Deus quis que eu tenha de KANT, teorias panteístas de FICHTE, SCHELLING,' HEGEL,
certos sentimentos, certas emoções, quand.o há em meu cérebro c,ertos ~estf- neoci:jticismo de RENOUVIER e HAMELIN, idealismo de LACHE-
gi(ls, certas vibrações de espírito. Numa palavra, quer e incessantement e LIÉR e de BRUNSCHVICG) que já ·não são da alçada da psico-
quer que as modalidades do espírito e do corpo fôssem reciprocas. Els al ·
a união e a dependência das duas partes de que somos compostos". logia e, aliás, estão em conflito permanente com os .dados mais
o LEIBNIZ, Troisieme éclaircissement du S11steme nouveau de la Nature claros da .e xperiência psicológica. Reencontrar emos essas dou-
'et de la communication des substances (Edrmann, pág. 134): "Figurai dois - trinas em Metafísica.
relógios de p:i1ede cu de bôlso que se harmonizem perfeitamenten , quer
dizer, que sejpm construídos "com tanta arte e precisão, que se possa ter
i certeza do seu acôrdo pelo.tempo adiante". Ponde agora a alma e o corpo 645 2. O espiritualismo bergsoniano .
no lugor dêzsÉs .dois relógios. Seu acôrdo ou simpatia ocorrerá pela [ .. . J
da da harmonia preestabelecida , por um artificio divino preventivo, o qual a) · Intuição do espírito. Em nossos dias, BERGSON pro-
de:dr, o comêço formou cada uma dessas substâncias de maneira tão perfeita,
é rer.u'8da cem tanta exatidão, que apenas seguindo suas próprias leis, por pôs-se reatar a tradição espiritualist a vinda de DESCARTES pol'
ela I'c-cebid«.; com o reu ser, ela se harmoniza entretanto com a outra, tal MAINE DE BIRAN e RAVAISSON.
como 2e aí hcuves:,e uma ·i11fluência mútua~.
656 PSICOLOGIA UNIÃO DA ALMA E DO CORPO 657

MAINE DE BIRAN opina que a alma se conhece intuitivamente co- coisas mais que no espírito (150), neste sentido que, ao menos i
mo causa e princípio de seus atos. Vimos (577) que para BIRAN esta de direito, coincide com seu objeto. e faz-nos apreender aspec-
solução estava implicada no sentimento d.o esfôrço, pelo qual o eu se. . tos verdadeiros da realidade, instrui-nos sôbre a 11atureza da 1
apreende diretam~nte, como oposto ao nã;0:e~. Todavia, s1:,gunao ___ ..
BIRAN essa intuiçao so faz apreender o suJe1to existente, e nao sua
natur~za. RAVAISSON (Rapport sur lm philosophie fram,çaise en FranEe
~- - matéria.- . Esta "deve· ser ·indivisí-vel··corno nossa percepção: as"" ~·
necessidades da ação é que a fragmentam. Em ài mesma, é.
·t·
;
att xrxe. siecle) . vai mais longe que BIRAN, e pensa que a reflexao continuidade e indivisibilidade; quer dizer que encerra essa
permite apreender intuitivament~, a um tempo, a existênc!a e a na- tensão interior que impede o múltiplo potencial, que também
tureza do principio espiritual: este se revela como tendencia, isto
é, como fôrça e amor. é, de se distender e de se dispersar em pluralidade. Com:o a 1
sensação, "ela se ostenta, imóvel; na superfície, mas viv~ e 1

Depois de estabelecer a inconsistência da doutrina mate- vibra em profundidade" (Matiere et Mémoire, pág. 2i8). Po- !
rialista, BERGSON acreditou poder fundar o espiritualismo na der-se-á, pois, defini-la como uma duração diluída. ·
intuição ,do espirito. ll:ste seria apreendido, Pº':' um aprofun- O espírito, ao contrário, definir-se-á como uma tensão. ex-
damento da vida psicológica, não como uma coISa, mas como trema, urna condensação de duração, cuja natureza a percepção
•, 1

um "progresso" ou um "impulso·:· Bem ~ais, po~e~íamos J?elo também nos ajuda a apreender, enquanto apreende no in9iví-
mesmo movimento apreender ate o própr10 prmc1p10 da· vida, sível e no instantâneo essa multiplicidade prodigiosa de movi-
que é vir-a-ser impulso e dinamismo criador (Évolution cré- mentos que a matéria estende, de alguma sorte, no tempo.. O
atrice, págs. 193, 258, 290 e segs.). Assim entendida, a 1>s_i- espírito é, pois, duração de tensão e instantaneidade, qualidade
cologia, sem deixar de ser positiva experimental, tornar-se-ia e heterogeneidade, ao passo que a matéria é orientada par.a a
a disciplina metafísica por excelência. 7 homogeneidade e para a dispersão espacial e temporal.
646 b) Natureza da alma e do corpo. Graças a essa intui-
647 c) União da aima e do corpo. Essas noções· permitir-
ção· e à análise que lhe descreve as riquezas, poderíam,o~ apr~- nos-ão resolver o problema da união da alma com o corpo, ·pro-
ender ao mesmo tempo a natureza do corpo e do esp1r1to e o blema que só é misterioso se a distinção -se propõe em têrmos
modo de sua união .. Ela nos impõe, com efeito, a dupla rea- de espaço, porque, ao conceber a matéria como essenciàlmente
lidade do corpo e da almi;i,/ isto é, da matéria ( extensão ho- divisível e todo estado de alma cõrtl:o absolutamente inexteilso,
mogênea e quantidade) e do espírito (intensidade heterogênea corta-se a comunicação entre os dois têrmos. Ao co.ntr4rio,
e qualidade). Como, porém, explicar sua união? · em função do tempo, tudo se aclara. De uma parte·, 'com êfei-
Para compreender a possibilidade e o sentido des~a união, to, a matéria, que é duração diluída, aproxima-se do espírito
cumpre partir da percepção. Esta nos dá, com efeito, uma enquanto possui em sua essência a in4ivisibilidade''realt e o
imagem da matéria, como uma multiplicidade unificada. Per- espírito _aproxima-se da matéria ou da extensão· à medida-·que
ceber é condensar períodos enormes de uma existência infi- evolui• pata a ação, que divide e fragmenta o réal cóntfnuo.
nitamente diluida, ·em momentos de particular intensidade, e, "~sses dois têrmos, percepção e matéria, marcham, assim, um
dêsse modo, resumir uma longa história: é assim que µma para o outro à niedida que mais nos despojamos disll8 .a que
sensação de vermelho condensa num instante indivisív_el 4!)0 se.:podetia chamar os.preconceitos da ação: a sensaçã<)·:récon-
trilhões de vibrações. 8 Ora, como nossa percepção está nas quista a extensão; e a extensão concreta retoma sua cóntinui-
dade e sua indivisibilidade naturais" (Matiere et Mémoire,
7 Cf. J .. CHEVALIERt Bergson, Paris, 1926, pãgs. 153 e segs., 186-187. pág. 245). Já agora a união é concebível, porquanto-ott dois
s Cf. Matiere et Mémoire, pãg. 229: "Imaginemos urna consciência que têrnws não são absolutamente heterogêneos : nesta hipótese,
assistisse ao desfile de 400 trilhões de vibrações, tôdas instantâneas, e apenas o espírito e o corpo não são mais "como duas vias férreàt1 que
separadas umaii das outras pelos 2 milésimos de seg~do nec!ssãrioQ . para se cortaàsém em ângulo reto", mas cómo trilhos que "sé 'unem
distiagui-las. tJ~ cálculo simplissimo mostra que sera~ precisos maIS de
25.000 anos para concluir a operação. Assim, essa sensaçao de luz _vermelha por uina curva, de sorte que se. passa insenslvelment~ dé, uma
experimentada por nós durante um segundo corresponde!· em s1, a u1:11a via para a outra" (Matiere et Mémoire, pág. 248j. · · ,.r
sucessão de fenômenos que, desenrolados, em nossa duraçao, com a maior Assim podem ex}Jlicar-se, a um tempo, a distinção e a
economia de tempo possível, ocuparia mais de duzentos e cinqüenta séculos
da nossa história". · · solidariedade. da alma e do ·corpo. Ao mesmo tempo se com-
658 PSICOLOGIA UNIÃO DA ALMA E DO CORPO 659

preende que, s~n.do inst_rumento da ação, o corpo só manif~sta b) A união fica sendo acidental. A comparação de que
da vida do esp1nto aquilo que dela pode ser representado, isto ·se serve BERGSON não ·parece implicar outra coisa senão uma
é o que se refere à acão sôbre as coisas e pode exprimir-se uniã.o..acide:nt.aL, por. fora, -da alma e do corpo. - Se a alma está-··-····
~m movimentos. Por isto, há mais numa -consciência que nó"'
0

unida ao corpo como o vestido ao prego que o sustenta, não


cérebro corresp9ndente, e a redução de uma ao outro é im- se poderá nem mesmo falar de união senão num sentido muito
possível. Não somente é impossível essa redução, como tam- impróprio. O vestido não está realmente unido ao prego, mas ,
bém não teria sentido algum. Porquanto, se a alma é solidá- ·
ria do corpo, é-o no mesmo sentido em que um vestido é em relação acidental com êle. Isso, aliás, é pouco inteligível,
solidário do prego ao qual está enganchado : a alma está engan- como já o indicamos. Prego e vestido são objetos materiais:
clwda ao cérebro, mas o cérebro não é o fôrro ou o equivalente que sentido dar, porém, a essa comparação, se se trata de ma-
da alma, como o prego não é o equivalente do vestido. téria e de espírito?

c) Monismo do vir-a-ser. A solução para a qual se ori-


,1,s 3. Discussão. Para apreciar eqüitativamente a doutri-
enta . BERGSON parece ser, em definitivo, a do monismo.
na bergsoniana, deve-se antes de tudo notar que ela possibilitou
um ressurgimento certo do espiritualismo pela cntica vigorosa BERGSON afirma, sem dú.vida, que corpo e alma são duas rea-
e decisiva que fêz do materialismo psicofi8iol6gico. Mas, po- lidades distintas; mas essa distinção reduz-se à de duas ten-
sitivamente, as concepções de BERGSON são mui discutíveis. dências divergentes de uma mesma realidade fundamental, que
constitui a própria essência do re~l, a saber, a duração ou n
a) Insuficiência da intuição. Primeiramente, o método vir-a-ser 'l)'Uro. O espírito é uma duração condensada, um im-
da intuição parece decorrer de ambições excessivas (28-29). pulso ascendente; o corpo é duração diluída, um impulso que
Vimos que a intuição do eu só nos permitia atingir o sujeito cai, é "psíquico invertido". Como ainda falar de duas reali-
empírico da vida psicológica, sem nos informar sôbre a na- dades distintas? Parece que o problema da união se resolve
ture~ dêle. Não temos· intuição do espiritual, 9 mas somente por uma identificação : corpo e alma não são mais que dois
intuição de uma realidade complexa, psico-orgânica, cuja na- graus de uma só e mesma realidade.
tureza ti princípios só o raciocínio,. -fundada na experiência Finalmente, é tôda a ontologia bergsoniana que aqui está
psicológica, pode chegar a definir. em questão. As dificuldades da teoria da alma e do corpo são
O que, de outra parte, bem prova isso é a própria confu- apenas um aspecto das que encerra uma doutrina .onerada, em
são dos dados dessa intuição, ~l .como a ·descreve BERGSON•. sua base, de graves ambigüidades, às quais teremos de voltar
A intuição,· diz êle, apreende ··a vida, com. um , impulso, : como mais tarde.
uma continuidade dinâmica, .que se.r ia o próprio espírito em,
sua essência. Ora, isso, justame11.te,. não é o espírito; mas
apenas o biológico ou o. vital, como. implicitamente o aceita e. Conclusão
BERGSON ao reduzir o espírito à _vida. A vida .profunda . de
que. temos intuição em nossa atividade. é êsse conjunto de ener7 649 O fracasso das teorias idealistas, desde DESCARTES, em
gias diversas que formam · aquilo . a 9ue chamamos .'o sujeitQ explicar inteligivelmente as relações da alma e do corpo é impu-
empírico. Podemos .também perguntar-nos, se a intuição . que tável, antes de tudo, aos princípios metafísicos e críticos que
BERGSON· menciona não é ainda menos que a apreensão do su- orientam essas doutrinas. Trata-se, com efeito, para elas, de
jeito empírico da vida psíquica. Com efeito, a intuição que fazer a experiência psicológica entrar no quadro sistemático
faz nos tornarmos idênticos ao "ritmo interior", à "duração que as define, muito mais que de interpretar e explicar os dados
de tensão", ao, [, puro vir-a-ser,, que. constituiria a essência mo- positivos dessa experiência. A disc1c1~são dessas teorias depen-
vente do eu. e. do real, no final das contas não é porventura de, pois, essencialmente, da metafísica. Mas seu fracasso no
senão .um11, espécie de apreensão da cenestesia. Isto, eviden- plano propriamente psicológico ·já significa que os princípio.;i
temente, é pouco de mais para fundar o espiritualismo ! de que dependem são por sua vez errôneos, pois a experiência
é que sempre julga em definitivo os sistemas: não é ela que
há de adaptar-se aos sistemas, e sim êstes é que devem sub-
· . t Cf. DWELSHAUVERS, L'étude de la pensée, págs. 152~176. meter-se à experiência e torná-la inteligível.

1
660 PSICOLOGIA

Aqui, ao contrário, vemos que, no final das contas, o espi-


ritualismo se acha comprometid o pelas próprias teor'ias que
pretenclem justificá-lo. O que LACHELIER dizia do s~stema car-
tesiano, que em grandíssima parte êle responsabili zava pelo
triunfo do materialism o no século XVIII, 10 • pode-se repeti-19 ........ ,
de tôdas as doutrinas idealistas, que, ao reduzirem o ser ao
pensamento e êste aos fenômenos, acabam por identificar o CAPÍTULO III
espírito com as coisas e, por êsse caminho, levam ··ao mate-
rialismo.
ORIGEM E DESTINO DA ALMA

SUMARI0 1

Art. I. ORIGEM DA ALMA HUMANA. Origem da alma. Im-


possibilidade de uma geração da alma. Modo da criação
da alma. Momento da criação. Origem da espécte hu-
mana.. Dados paleontológic os. Discussão. Limites da
evolução. Questão dos intermediário s. Ponto-de-vis ta fi-
losófico.
Art. II. DESTINO DA ALMA. Noção ela. imortalidade. Definição
e condições. Conceitos errôneos. Prcruas da imortali-
dade. Imortalidade intrínseca. Imortalldade extrinseca.

~T. I. ORIGEM DA ALMA


1
650 í:ste problema não existe, evidentemen te, para o mate-
riaiismo, porquanto, neste sistema, a alma não é mais que uma
modalidade da matéria. Verdade é que há qu"e esclarecer a
existência dessa "modalidade ". E já vimos que as teorias ma-
terialistas são incapazes de fazê-lo. Mas a solução que a filo~
sofia não lhes permite dar, êles intentam pedi-Ia ao ·princípio
da- evolução: o homem seria o têrmo de um largo desenvolvi-
mento que, partindo da matéria inorgânica, teria culminado;

1 Cf. SANTO TOMAS, Contra Gent., II, 84; Ia, q, 75, · a. 6. SERTIL-
LANGES, Saint Th.omaa d'Aquin, t . II, pâgs. 140-157. BERGSON, L'évolu-
tion créatrice, 42.• ed., Paris, 1932. M. BOULE, Les Hommena fossiles, Paris,
1946. VIALETON, Membres et ceint11res des vertéb .. és tétrapodea; Critique.
morphologique du transformisme, Paris, 1924; L'origine des ~tres vivants.
L'illusion transformiste, :Paris, 1929. ED. LE ROY, Les origi'IIAes h.umainea et
i'évolution de l'intelligence, Páris, 1928. TEILHARD DE CHARDIN, "Une
impo:,:iante découverte en paléontologie hurnaine: Le Sinanthropus peki-
menais", in Revue des Questions scientifiques, 20 de julho de 1930; "Le Phéno-
mêne humain ", m Revue des Questiona historiques, 20 de novembro de 1930.
COLIN e DALBIEZ, Le transformisme, Paris, 1927. GOURY, Origine et
évolution de l'homme. L. JOLEAUD, Eléments de Paléontologie, 2 vols.,
Paris, 1931. VAYSON. DE PRADENNES, La pré-histoire, Paris, 1938.
llie, t. ·1, ARAMBOURG , L.a génese de l'h.uma,iité, Paris, 1944. WEINERT, L'homme
10 LALANDE, Vocabulaire tech.nique et critique de l~ PMlosop_
pág. 793.
pré-historique, Paris,l94'1. VANDEL, L'homme et l'évolution, Paris, 1949.
·: ,,;·; ·:·

.
.

,
ORIGEM E DESTINO DA ALMA 663
662 PSICOLOGIA

através das sucessivas fases da série animal, na formação da alma não é individuada, isto é, não é tal alma singular senão
espécie humana. A primeira parte desta asserção (autobio- 1Jelo corpo ao qual está unida. Não pode, pois, preexistir ao
gênese ou geração espontânea da vida) foi examinada em Cos~···""'··' ..__ , ~"'"·'·· ·"-- córj:>õ,'·pótqiía.Iito:·âestinadã-poi-- natureza a unir:.se a um corpo,
mologia (1, 442-445), e não há por que repeti-la. A questão por isso mesmo só pode existir em forma individual.
que resta tratar diz respeito às origens humanas, e subdivide-
se em duas: a da origem da alma humana e a da origem du 2. Relação da abna com o corpo. A alma, que é feita
espécie humana, isto é (aqui), do corpo hum:.i.no. para se unir a um corpo, não pode, sem êste, conseguir a per-
feição da natureza. Sabemos, . com efeito,· que o exercício de I ,

§ 1. ORIGEM DA ALMA suas funções superiores de inteligência e vontade requer o


concurso extrínseco do corpo. De onde se segue que, se a alma
651 Relativamen te à origem da alma humana, podem fazer-se preexistisse ao corpo, de.veria ser criada num estado imperfeito,
duas hipóteses: ou a alma é gerada com o corpo, ou é criada o que parece incompatível com a sabedoria divina.
imediatamen te por Deus. Não podendo ser admitida a pri- A teoria platônica da preexistência das almas (442) parece res-
meira hipótese, a segunda é a que devemos abraçar. ponder me~os a uma exigência de intellg1bil1dade metafisica do que
a uma necessidade de inteligibilidad e moral. Trata-se, com efeito.
A. Impossibilidade de uma geração da alma para PLATÃO, de explicar a origem do mal. Desconhecendo a noção
cristã do pecado original, supõe PLATÃO que as almas pecaram numa
De duas maneiras diferentes poderia ser concebida a ge- vida anterior e foram «precipitadas » n\Ull corpo em castigo de sua
falta. ·
ração da alma: uma consiste em dizer que a alma é gerada
corri· o corpo (traducianis mo corporal); a outra, que é gerada
a partir da alma dos pais (traducianis mo espiritual). Nenhu- e. Momento da criação
ma destas duas concepções pode ser admitida.
.i
858 Hipót.eses. Em que momento é criada .a alma? .Três
1.
1. Exclusão do traducianismo corporal. Esta teoria opiniões foram aventadas. Uma, proposta, entre outros, por
identifica a geração da alma humana com a da alma dos brutos. SANTO TOMÁS (cf. Contra Gent., II, ·e. 88; la., q. 118, a.2),
Não se pode, p,orém, fazer esta equiparação, porque a alma supõe que a principio, desde o momento da concepção, ·só existe
dos brutos é intrlnsecam ente depend'ente da matéria, ao passo uma alma vegetativa, para logo substituída, quando o orga-
que a alma humana é intrinsecamente independente do cor- nismo atinge um grau suficiente de perfeição, por uma alma
po ( 625). Não pode, pois, ser transmitida por via corporal. sensitiva; e, enfim, quando o embrião se acha bastante desen-
volvido, pela alma racional, criada nesse momento por Deus.
2. Exclusão do traducianismo espiritual. A alma tam- Julga uma segunda opinião que, no momento da concepção,
bém não pode ser gerada pela alma dos pais. Com efeito, esta o embrião é enformado por uma alma sensível, que ao ·mesmo
espécie de geração suporia que a alma dos pais comunica tempo é vegetativa (visto cada grau exercer as funç~ dos
parte de si, o que não tem sentido, visto a alma espiritual graus inferiores: J, 497), e que a esta ·alma sensível sucede,
não ser divisível. Temos, . portanto, de convir em que a alma quando o feto já evoluiu suficienteme nte, a alma racional.
humana é criada por Deus. Enfim, consoante outra hipótese, o embrião é imediat-a-
mente enformado, desde o primeiro momento da ,concepção. .
B. Modo da da alma
i 2. Solução eomum. A terceira opinião ·é hoje a mais co-
652 No que tange à criação da alma, podemos perguntar-n os mum. Admite-se, geralmente, que, . desde o instante da con-
se ela é criada ' imediatamen te por Deus no momento da gera- cepção (realizada pela conjunção das células germinais mJlcho
ção do corpo, ou se preexiste ao corpo que deve animar. Duas e fêmea), existe uma organização especial que encerra as dis-
razões principais obrigam a admitir a criação imediata. posições próximas para a infusão da alma racional, e,. conse-
guintemente , que esta é criada sem haver sido precedida por
1. A individ~ . Vimos em Cosmologia (1, 997-401),
que a individuação e multiplicação dos sêres numa mesma es- Cf. SERTILLANG ES, Saint Thomas d'Aquin, t. li, pãgs. 152-157.
pécie é efeito da matéria quantificada . Por conseguinte, a,
2
., ORIGEM E DESTIN O DA ALMA 665
664 PSICOLOGIA
logos,
pertenc iam ao mesmo Individuo (fig. 32). Muitos antropó
nenhu ma alma preexi stente. De fato, pôsto que cada forma
que
um espécime de Gi-
especialmente M. -BoULE , consideram-no como certos
substa ncial requei ra disposições própri as e especiais, do dimor- bão gigante , que adquiriu, por con-vergência, traços de apa-
fismo sexual resulta que essas dispos ições l!,bsolutamente não rência · human a. Outros, mais numerosos, ----- +1
+---
dependem de um tipo extríns eco. 3
têm-no par um hominídeo, 5 sobretudo ,

após o descobrimento do Sinant hropus pe-


Esta criação da alma espiritu al não há que considerá-la em
um ser «ex nlhilo sul et
sentido unívoco ao que define a produção depalavr A alma, com
quinens is.
:~l 1
1

subjecti» (criação no sentido absoluto da numa).


1 1

656 2. O Slnã.ntropo. O Dr. BLACK e o P. 1


sujetto , visto que 1
efeito, seja como fôr, é produzida por Deus ias clêsse sujeito , pois TEILHAR D DE CHARDIN descobriram, em 1929, 1 1

é a forma do corpo, e em função das exigênc indivi- em Choukoutien, próximo a Pequim , nume- l---- - --.:.
que, a titulo de forma do corpo, depende dêste quanto à. sua rosos crânios fósseis das m-esmas dimensões 1
·duação. que o Pitecàn tropo (900 a 1.200 cmª). A
principio Julgara m os antropólogos que o 2
§ 2. ÜRIGEM DA ESPÉCI E HUMA NA 7
Slnânt ropo era uma forma de grau supe-
um rior ao Pitecân tropo. Hoje, porém, admite -
654 , O problema da origem da espécie human a é apenas se que ambas as formas não diferem sen-
es
aspecto do problema geral da origem da vida e das espéci con-
sivelmente entre si. Pelo que, o Pltecân tro-
viventes, que estudamos em Cosmo logia (l, 441-47 7). As pa recpbraria, par assim dizer, a flli.ação
clusões a que chegamos eram que é absolu tamen te imposs o
ível, hum,ana, ou seria reenviado aos Primat as
sair da matér ia por geraçã sub-hu manos , conforme o Slnântr opo apa-
de fato ou de direito, ·fazer a vida , recesse como um espécime human a ou como
espont ânea; que a evolução, consoante os dados positivos atuais um exi!.;nplar de primat a.
não parece esclarecer a formaç ão dos grande s quadro s da vida;
da- Ambas as hlpótes-es são defendidas atual-
e, enfim, que esta própri a formação não pode ser adequasim mente. Uns consideram o Binântropo como
mente. explicada pelos fa~ôres ~xtern os físico- químic os, e nitidam ente human o, em primeiro lugar-pe-
ou
reqtfer .a intervenção de fatôre s intern os, a saber: da idéia orma-
lo conjunto do crânio (pôsto que a mandi -
forma que é·o vivente,· com tôdas as potênc ias de transf bula seja quase ehimpanzóide), mas sobre-
~º que éstão,.inclufdas ne~sa idéia ouvamos forma i~ane nte ao ser tudo em razão dos vestigios de utensillos ·e
que_ p_art1r para tratar de fogo encont rados nas pedreir as calcárias·
vivo. E'. .dêst~s- -dados positivos (pleistoceno) de Chouk:outien. o · 4'

·, o pro'tlle nip.,d,as origen s human a,s, i'sto é, o proble ma de saber


,re. o. homem, enqua nto espécie anima l, é o têrmo de uma evo-
·_ 1pção proé_ e dente das espéci es não racion ais.
G Cf. JOLEAU D, E!émen ts de paléonto
logie,
-r,:.. .. .
Paris, 1931, t. II, pág. 121: "A calota cranian a
~,, Dados. paleontológicos do Pitecân tropo é morfolô gicamen íe interme diá-
.
-~ . riâ entt-e a de um antropó ide, como o Chimpa nzé

.
.

?k
Pretende1,t:-:se aparen tar 9 homem (homo saptens ) com os prima-
ou o· Gibão, e a de um homem arcaico, como o
5
655 fósseis, que assina-
• 1 .
tas.sub -huma nos• Di.edi!l,nte diferentes formas
. :~
0

as para o homo homem de Neande rthaL Sua face interna mos-


lari!tth as etapas ·de ascensão progressiva dos prima.t pa- tra circunv oluções menos simples que a dos I\
sapténs. · Os principais ·fósseis apresentados pelas investigações
leontológli:as -~P. os segU:intes: ·
Gibões, e já cómpar áveis às do· Homem : nada
CL F~ i
-i~ .. O Pitecin tropo. . tste. .fóssil foi descober.
1 e 1892. De fato, os elemen
to por E. DABOIS na
tos fósseis reduzlam-
obstante , a região frontal ainda está pouco de-
senvolv ida. Os dentes parecem -se muito com
os do Orangot ango. O fêmur é quase um fêmur
te--1 i
ilha ·de. .J..ava, em,189 Fig. 32. Perfis compar a -
se'à úma parte, do crânio· um fêmur e dois dentes, e estavam dema- humano : designa um ser que caminh a em pé". · dos de qânios fósseis pa-
siado ·separa d~ uns . dos.
1
outros para se pader a
· firmar com certeza 6 Ct. R. VAUl'R AY, L ' anth.rop ologie,
·Pa- leontológico& ·e de um
ris, 1933, pág. 112. crânio modern o.
. .
phil?sop hi.ae ·aristote licae-tho misticae , t. I,
a Cf. GREDT , li:lemen ta
1. . Calota craniana . do Pitecdn tropo de Trini! 3(Java).
2. Crdnio do Homem
pág°. '422. ' . . . Crdnio de mulher (raça de
da . Chapel! e-a•ux- Sai nts ( ti po Nean de r thal) .
4 LJNN:t denomin ou primata s os sêres
que ocupam o lugar mais ele• tipo Aurigna ciano). 4 . Crânio de tipo Cro-Ma gnon
(gruta .de
homem, os macacos , os
Grimald i:
vado na esc;ala animal. Colocav a neste grupo o chamam Menton ) . 5. Crdnio de homem atual.
-se primata s os
lemuria nos e os ·quirópt eros (morceg os). .. Hoje
prossún ios (os leumuri deos, quiromi oideos, tarsidee s).
666 PSICOLOGIA 'ORIGEM E DESTINO DA ALMA 667

Outros antropólogos formulam contra estas teorias sérias obje- dor). Morfologicamente, parece aproximar-se do Homo Neandertha-
ções. Nos jazigos de Choukoutien há numerosos vestígios de uma lensis, porém sua indústria estava muito mais adiantada. o
indústria constituída por fragmentos de quartzo, obtidos ao quebrar-
se o núcleo entre duas pedras: poucas peças foram retocadas, e a-- B. · Discussâô , -
indústria parece tosca (o que aliás pode explicar-se pela má quali-
dade dos materiais) . A questão que aqui se apresenta é de saber se
essa indústria e os centros contemporâneos do Sinântropo eram .obra 658 Há aqui duas questões, que geralmente se confundem, e que de-
dêste último, ou de um Homem que teria sido ao mesmo tempo fa- vem ser distinguidas: U!Da, _antropológica., refere-se ao valor e sen-
bricante de utensilios e caçador de sinântropos. Os crânios dêstes tido dos dados positivos da paleontologfa; a outra é a interpretação
não passariam, nesse caso, de troféus de caça. O fato de se encon- filosófica dêsses dados. No primeiro. ponto-de-vista, e mantendo-
trar pouco ou nenhum vestígio do Homem nesses jazigos não prova nos estritamente no terreno positivo, há que fazer as observações
nada, visto ser o normal nas cavernas quaternárias, em que se en- seguintes:
contram vestígios de indústria humana e ossadas de animais, mas
não fósseis humanos. -r 1. Limites da evolução. Consoante a opinião unânime dos an-
Em 1907, em Mauer, perto de Heidelberg, em terrenos fos.siliferos tropólogos, nenhuma, das formas fósseis descobertas representa um
que parecem ser da mesma época que os de Choukoutien, encontrou- antepassado (ou intermedliário genético) do homem atual. Pensam,
se um maxilar inferior entre ossadas de animais. Possui êste maxilar portanto, os evolucionistas que as formas fósseis representariam
caracteres . simiescos e hominideos. s simplesmente ramos que proviriam de uma mesma raiz, comum a
estas formas e ao «homo sapiens>, porém postos em outra estirpe
657 3. O Afrlcântropo. No decorrer de uma. expedição etnoióglca evolutiva. Dos antepassados do «homo sapiens» niio se possui -ie-
na Africa oriental, K(?m.-LARsEN descobriu, em. 1935, perto do lago nhum espécime. Apenas se· sabe que, em certa época (Quaternário
Nlarasa, no meio de esqueletos neollticos, fragmentos de dois ou três superl_o r), o «homo sapiens> está espalhado por tôda parte. 10
crànios, que pareciam datar do Pleistoceno antigo, e aos quais As observações seguintes precisarão êste ponto-de-vista.
WINDT deu o nome de A/ricmnthropus marasensls.
A caixa craniana, em sua forma geral, é muito parecida com a
do Sinàntropo. Os dentes são de talhe médio, porém os caninos . ·a) Cro-Magno11. Mister se faz eliminar em primeiro lugar,
são mais desenvolvidos que os do homem a.tua!. O prognatlsmo é ~m nenhuma dúvida, o tipo Cro-Magnon, que certamente é um es-
muito pronunciado. Pode-se estabelecer um parentesco dêstes fósseis pécime de homo saptens. O fato de estar êle dotado de certos ca-
com a caixa craniana de uma criança de ano e meio, descoberta. em racteres simiescos não basta para considerà-lo um intermedlirto
1938 em Modjokerto (llhâ de Java). A capacidade craniana que lhe sub-humano, se se tem em conta que possui ao mesmo tempo um
correspondia no adulto não ultrapassa.ria 1.100 cms . conjunto de caracteres morfológicos propriamente humanos e as ca-
racterísticas pslquicas do homo sapkns.
4. O tipo de Neanderthal. O primeiro espécime dêste tipo foi
encontrado em 1858 em Neanderthal, perto de Dllll8eldorf: calota b) Neandertha.t. ó tlpo de Neanderthal evidentemente há que
craniana que revela um crànio muito baixo e enormes arcadas or- colocá-lo multo aba.ixo do Cro-Magnon. Por uma parte; com efeito.
bitárias. Um esqueleto Inteiro foi dellcoberto em 1908 por A. e J. há de reconhecer-se o caráter verdadeiramente particular dêste ti-
BoUYS80NIB na Chapelle-aux-Salnts (em Correse), e depois outro, po: compactez e caràte'r bestial do rosto, com arcadas orbitárlas
E:m 1909, por HAU'SD, no abrigo de Mouatier (Dordonha) . outros aallentes, em viseira. 11 Mas, por outra parte, ao lado destas dis-
fósseis foram descobertos em La Feraisie (Dordonha) , em La Qw.- posições simiescas, são de notar, do ponto-de-vista morfológico, dois
na (Charante), em Broken Hill (Rodésia), em Saccopastore (perto de ·caracteres propriamente hwnanos: a posição reta e a capacidade
Roma), em Mont-Circé, em Baitoum (Sibéria) , etc. craniana (1.450 cmª em méc,Ua). Pretendeu-se, é verdade, reduzir
a importincia dêste último traço, afirmando que o valor absolut.o
da capacidade endocraniana só resulta das grandes dimensões do
li. A raça de Cro-Magnon. Foi descoberto êste fóssil em Cro-
Magnon (Dordonha) num terreno magdaleniano (paleolltico supe-
9 Cf. JOLEAUD, Zoe. cit., pãg. 174: "De modo geral, a cabeça dos ho-
meD& do grupo de Cro-Magnon apresenta crânio dolicocéfalo e cara curta;
sôbre as arcadas superciliares pouco salientes ergue-se a fronte, que conti-
f

7 Cf. VAY_S pN DE PRADENNE, La Pn!h!stoi,-e, Paris, 1938, pégs. 183-184.


nua a curva parieto-occlpital; o conjunto revela um desenvolvimento inte-
s Cf. JOLEA.UD, loc. clt., pág. 130: "A mandibula de Heldelberg carac- lectual bastante avançado (. .. ) . A raça de Cro-Magnon é notãvel por seu
teriza-se por seu grande talhe, ramos ascendentes multo fortes, e sfntise que grande talhe (1,79 m a 1,94 m), pela abóbada craniana achatada, cara larga,
desenha uma curva fugidia para baixo e para triis. Multas particularidades nariz . estreito e longo, mento saliente.
osteológicas do detalhe desta mandfbula reproduzem-se no Gibão; parte
10 Cf. PLA'ITARD, Les T'l1CU et l'Histotn, pãg. 380. VIALETON, L'ori-
anterior deixava à lfngua um espaço mais largo que nos Antropóides, porém ,gine des ft,-es vtvanta, pãgs. 27~"260.
mais estreito que nos homens modernosn. (:tste último ponto muito
- 11 Cf. L. VIALETON, L'origine des l!tres vivants, págs. 275-276.
discutido.) ~, .

...................,
ººº PSICOLOGIA
ORIGEM E DESTINO DA ALMA 669
conjunto do crânio, e sobretudo que a morfologia geral do encéfalo
revela abundância de caracteres simiescos e inferioridade intelectual 659 e) Pitecântropo. O pont_o-_de-;v:ista de BouLE, se~undo o qual o
certa. Pitecântropo teria sido um G1bao gigante mais evolmdo que os que
conhecemos, e pareceria ser o intermediário procurado entre o prima-
Todavia, o alcance dêstes ta sub-humano e o «homo sapiens», está geralmente abandonado. Fun-
argumentos fica muito reduzi- dava BoULE sua opinião na presença simultânea de certos caracteres
do pelo fato de que os Nean- especificas -dos- -dois ~xtremos·: -crânio :médio en~re o antropóidf:_ e o· · --- --~: ......
derthalianos eram fabricantes homem com circunvoluções que se assemelham as do homem, femur
de utensilios e enterravam seus quase humano, dentição de orangotango, indústria muito i:udimen-
mortos. Pareceria, pois, como tar que indica uma inteligência svperior à animalidade, porem abai-
admite BoULE, 12 que o tipo de xo 'da do Neanderthal. Infelizmente, os fatos não justificam esta
Neanderthal já fôra um tipo construcão. Por uma parte, com efeito, é duvidoso que os elementos
humano, em que pêse a infe- fôsseis tenham pertencido ao mesmo individuo, de vez que o fêmur
rioridade morfológica de seu foi encontrado a 15 metros do crânio. Por outra parte, DuBOrs reve-
cérebro, e de modo algum um lou mais tarde que descobrira, ao mesmo tempo que os dois molares
pré-homem, e que repl!eBenta simianos, um terceiro, claramente humano, em seguida cinco fêmu-
uma raça arcaica, que desapa- res fragmentários, de caTacteres humanóides, e finalmente dois crâ-
recera depois. rn nios de «Homo saplens». 15
No que respeita à mandíbula De todos êstes fatos parece poder-se deduzir que, pelos fins do
de Mauer (Homo Heldelber- Terciário ou princípios do Quaternário, existiu, por um lado, uma
gensis), notemos que possui espécie de gibão gigante, e, por outro, um tipo de «homo saplens:i-,
caracteres humanos nitida- um tipo humano autêntico, que se afigura. multo próximo do Sinân-
mente assinalados (fig. 33). tropo de ChQukoutlen.
Os caracteres slmlescos são d) Sinântropo. O problema do Slnântropo está longe de ser
igualmente reais, mas parecem esclarecido. Todavia, sua solução parece estar ligada à do Pitecân-
haver sido um pouco exagera- tropo e os mesmos argumentos podem ser invocados para. fazer dêle
dos po:r BoULE. BERGI reexami- um r~presentante de antiqüíssimo ramo humano. De um lado, com
Fig. 33. Perfis comnarados da mandf- nou o assunto (Il posto efeito, sua capacidade craniana é da ordem humana. (um crânio de
~,ula de Mauer (nÕ alto) e de uma de.ll'Uomo, págs. 143 e segs) • e
moderna. Siiiântropo descobertp em 1938 atinge 1.200 cm8 ). De outro lado,
afirma que a mandíbula de nada profbe atribuir-lhe a indústria licita e a fabricação de instru-
Mauer é certamente humana, mentos de madeira e de õsso, assim como o emprêgo do fogo, con-
mas encerra caracteres particulares, de molde a. fazê-la considerar soante testemunham os Jazigos de Choukoutien. 16
como uma forma especial, diferente da de Neanderthal e muito dis- Quanto ao Afrlcântropo e à. criança de Modjokerto, no momento
tanciada do tipo antropóide. H ' · seu lugar é dificll de precisar. Tudo o que se pode dizer. é que os
caracteres que êsses fósseis revelam afastam-se muito do tipo nean-
derthaliano, e parecem ser variantes do grupo Pltecàntropo-Slnân-
12 M. BOULE, Les Hommes-Fossiles, Paris, 1924, pág. 400. tropo. 17
1a Cf. L. VIALETON, L'origine des itres vivants, pág. 277. SERGI,
n posto dell'Uomo que estudou· especialmente o tipo neanderthaliano, acre• 15 Cf. MONTANDON, L'Homme préhiatorique et les préhumains; Paris,
dita (pág. 202) que "era um ramo de um tronco humano de origem a1ro-
européia, ou somente africana, que posufa todos os caracteres humanos 1943.
16 A opinião de BOULE, que faz do Sinântropo um animal de caça para
<. .. ) e se extinguiu ràpidamente na Europa•. ·- Esta opinião acha-se mui um homem contemporâneo, e qUê considera o Sinântropo como um minús-
reforçada pelá recente descoberta (1947) na gruta de Fontéchevade (Mont.
dron, Charente) , de uma calota craniano pertencente a. um homem fóssil
culo ramo antropôide cujo desenvolvimento teria sido bruscamente sustado,
antarior a Neanderthal. Parece que estamos em presença de um exemplar do não pode ser afastada a priori. Mas absolutamente não se impõe.
17 As escavações feitas em Java, nas camadas de Trinil, a partir de 1938,
Homo sapiens. Se o exame dos restos exumados confirma esta atribuição, o
fóssil de Fontéchavede será o mais antigo fóssil humano até o presente co- por von Koenigswald, permitem, ao que parece, reduzir o interyalo que
nhecido. E haveria que admitir então a existência do Homo sapiens desde o separa o grupo pitecãntropo dos antropóides. Com efeito, aparecerem novos
quaternário antigo. tipos de Pitecântropo (Meganthropus e Pithecanthropus robustus), que pa-
recem revelar formes mais arcaicas e simiescas que as do Pithecanthropus
14 SERGI ,discutiu sobretudo a ·asserção de BOULE de que a mandlbula erectus (e· do Sinanthrop11s). Escavações realizadas em 1953 sob a direção
de Mauer•nã~ deixava à Iingua mais que um espaço muito estreito, redu- de Camille Arambourg em Ternifine-Palikao (Algéria) descobriram ele-
zindo :-,roporcionalmente a faculade de llilguagém. SERGI acha êste espaço mentos fósseis de grande interêsse, a saber, entre outros, restos humanos
tão grande Cóm<] o dos grupos humanos recentes. Por outra parte, em 1924 (mandíbula e meia-mandlbula) enterrados há aproximadamente 500.000 anos,
DEHAUT descreveu (Compte rendu de la Société de Biologie, t. XV, pági- rodelldos de instrumentos mui -primitivos. :l!:sses restos humanos parecem
na 538), uma mandíbula de negro atual que oferece grande parecença com a pertencer ao grupo do Pitecântropo e éio Sin~ntropo, diferindo, todavia, pór
mandíbula. de Mauer.
certos pormenores. ARAMBOURG deu a êste homem primitivo o nome de
670 PSICOLOGIA ORIGEM E DESTINO DA ALMA 671

660 2. Questão dos intermediários. A única questão que se apre- c) O Australopiteco e o Plesiântropo. Os casos mais notáveis
senta não é, pois, a dos antepassados do homem atual, mas sim !L. q~E! a.té !).gora tenham sido apresentados como respondendo à noção
de saber se deveras foram descobertas formãs que possam ser con.: - de intermediário morfológico são os do Australopiteco e do Plesiân-
sideradas como intermediárias entre os primatas sub-humanos e ó tropo transvalense.
«homo sapiens>. Se se comprovasse a realidade de tais interme- O paleontólogo DART descobriu, em 1924, em Bechuanalândla,
diários morfológicos, haveria fundamento para pensar que a espécie uma porção de crânio, assim como uma moldagem endocraniana na-
humana poderia ter saído, por evolução, de um antecedente animal. tural, pertencente a um individuo de 5 a 6 anos. Acreditou-se, a
Sem embargo, a questão de fat_o permaneceria na mesma. Mas é pri~1cípio, que êsses restos eram de wn macaco antropóide que :.ipre-
preciso, primeiro, que a noção de «intermediário> seja apresentada sentava alguns traços humanos.1 9 Dai o nome de Australopiteco
com bastante precisão, se se quiser evitar os confusos debates a que africano que lhe foi dado. Depois, de 1936 a 193&, BaooM descobriu,
dá lugar êste problema. numa gruta de Sterkfonteln, perto de Pretórla, diversos fragmen- (\
tós (crânio de adulto, dentes isolados, fragmento de um maxilar direi-
a> Noção àe intermediário morfológico. Por definição, o inter- to, etc.) que atribuiu a um gênero distinto do dos restos anteriores,
mediário participa, em proporções variáveis, dos caracteres dos dois e que foi chamado Plesi.anthropus transwaalensis. :S:stes achados
têrmos extremos.
Por outra parte, há que averiguar a presença no intermediáric,
parecem datar de começos do Quaternário. 20
.
Hipótese transformista. Supôs-se que êsse fósseis chamados
3.
em forma esboçada porém sensível, de um caráter especificador do ordinàriamente, com têrmo equívoco, parantropianos, poderiam cons-
têrmo superior, e ao mesmo tempo, em virtude da lei de correla- tituir os Intermediários morfológicos (que até agora faltavam) entre
ções (1, 221), a presença dos outros caracteres coordenados com o Os homlnóides e os primatas terciárlos. 2 1 Na realidade, não se en-
primeiro. Se apenas se tratasse de caracteres acidentais, já não se po- controu nenhuma razão decisiva para relacionar os «parantroplanos>
deria falar de intermediário real. Asslm é que não pomos entre os com os homlnideos antes que com os símios.
primatas antropóides os indivíduos atuais dotados de pronunciado ,. . Não obstante, convém entender bem os aspectos sob os quais o
prognatlsmo ou de uma testa fugidia, visto que seu psiquismo e seus tl'aruiformismo adquire certa plausibllldade. O argumento principal
demais caracteres morfológicos lhes garantem indiscutivelmente oa é que-às leis fundamentais ela Paleontologia; (1, 473) parecem verifi-
sinais humanos. Do mesmo modo, não basta a inferioridade int.e- car-se para Primat«s como para outras ordens ào mundo amímal,
Iectual para considerar um Individuo como sub-homem, porque uma porque, desde a, aparição dos prlmelros repres.entantes do grupo, no-
inteligência inferior é sempre uma Inteligência e difere esseiiéial- ta-se, ao que parece, ·o funcionamento de wna tendência· típica para
me~te do psiquismo animal (386-388), e, por outro lado, alia-se aos· o que se pode chamar de ,~cerebralização», isto é, para· o aumento
caracteres morfológicos especificamen~e hum_anos. · ·· · . - - do volume do crânio e, sem duvida; a título de simples conseqüência,
para a redução da fa~e, o .aparecimento_ de uma dentição onívora e
. b) Morfologia dos primatas e morf_oÍOgia, humana.. Resumamos' a diminuição dos m~los- de . proteção. . . . . ·
brevemente os. caracteres morfológicos dos macacos antropóídes 1s _Sob êste ponto-de-vista, apareceria o homem como o têrmo nà..:
e do homem, a fim de deflnlrmõs concretamente· o «h1-termediário> tural de um movimento orientado pára a especialização cerebral,
hí119tético. · · · · ··· · càracterística :essencial da espécie humana, com: o correlato.- pro-,
· M orfoiôgicamente, o ·ângulo f~cial do macaco .n·ã~ ~assa .de 35º; gr~ss(i dos -recursos ·intelectuais e a reduçã~ dos meios de defesa.
o pêso do cérebro do gorila é de 460-500 g; o volume do crânio do:
chimpanzé é de 421 ema, o do gorila- é de 5'.31 cms; os macacos antro- 661 - · ·-4;. -<:Jo~cl~o; _Yeinos, .por. tlldo o q-ue antecede,· q:u~
pomorfos são, por todo o seu esqueleto, quadrúpedes. Psicológica- ~UDJ.p~e durtmgmr dois elemen~s: as provas de fato, relativas
mente, Já vimos· que os grandes macacos estão· submetidos ao de-
terminismo das imagens e do instinto. as- or.igens do homem, e as -p:rovas gerais da hipótese .ti-ans-
formista. . : . -·
Morfológica.mente, o ·hoinem é ui'p. ·mail).ífero vertlçal. Seu tion::- . : Sôbre o primeiro ponti, nenhum fato até agora pe~miÚJ
co está disposto de modo. que o pontó ·de apolo da cabeça sôbre á
coluna cervical esteja sôbre o eixo. vertical. O ângulo facial do ho- elaborar o menor esbôço do ramo füético do homem. Os Jós,
mem varia entre 76° e 90°; o pêso dó. cérebro jamais ê Inferior a
1.000 g; o volume craniano varia entre 1.200 e 1.600 cm3 • Psicológi-
· l.D Capacidade craniana de 500 crn3 aproximadamente, o que daria; pará
camente, o «hómo sapiens», mesmo entre os «primitivos>, representa
um caso sem' analogia na espécie animal: a razão, ou faculdade de · um adulto macho, ·de soo- a 700 cm3 ·(ou seja u-ma capacidade igual à do
pensar por idéias gerais, manifesta-se empiricamente nêle pela fa- go~lla, que é o maior dos antropóides atuais, porém muito acima . da do
bricação de uténsílios (homo faber). · chunpanzé, que é, no máximo, de 450 cm3). O conjunto da dentição be~
como a~ estruturas de detalhe dos dentes, assinalam, em compensaçã~, um
predornfnlo de caracteres humanos, .associados a outros caracteres antropóides.
20 . Ct. F.-M. BERG.fàllrGNIOUX e -A. GLORY, Les premiers hommes,
Atllmthropus Mauritanicus. Julga que êsté descob_rimento confirma a hi- Paris, -1943, pág. lOO• ..,._.. ·
pótese que anteriormente defendera, da origem africana dos homin!deos, como
também de todo o grupo dos primatas. / 1 Ct. MONTANDON, L'Homme pTéhiBtorique et les préhuma.ins. Paris,

.
194
18 A. URBAIN e P. RHODE, Les llinges anthropo,des, '.Paris, 1946.
'li?
• _, -- - -,,' -"- ,.
. - -- . __ •. -
-
ô72 PSICOLOGIA ORIGEM E DESTINO "DA ALMA 673

seis descobertos pertencem, com efeito, já aos antropóides, já 662 5 . Pont.o-de-vista filosó}ieo. Seja como fôr, o ponto-
aos representantes do grupo hominídeo, em níveis mais ou de-vista filosófico é independente do ponto-de-vista positivo.
menos elevados de civilização e de cultura, porém morfológica Com efeito, ainda supondo que a antropologia tenha podidó.
e psicologicamente semelhantes, - dizemos semelhantes, mair "·estábetecer a realidade ·de--fol'mll.B ·il;itermediárias 'entre os an..:
não idênticos, - aos homens de hoje, a despeito de caracteres tr-0p6ides e o "homo sapiens", de nenhum modo daí se segui-
simióides, que se encontram aliás nos atuais representantes ria que o homem não seja senão um animal mais desenvolvido.
da espécie humana. Há, com efeito, entre o animal e o homem um fôsso intrans-
Todavia, êste argumento negativo, sacado da impotência ponível, um abismo radical. A evolução, se realmente se hou-
em que nos encontramos de apresentar o ramo filético do ho- vesse produzido, teria si!}o, portanto, limitada à '[Yl'eparaçõ,o
mem, tem pouco valor do ponto-de-vista mutacionista (1, 419), do·, corpo humano, que só chegou efetivamente a ser corpo
isto é, na hipótese, geralmente admitida, em que as mudanças humano pela criação, por parte de Deus, da. alma espiritual.·
orgânicas importantes se produzem por golpes sucessivos. Não De sorte que ainda neste caso seria mister aludir a urna criação
se pode, pois, excluir pura e simplesmente a idéia de uma evo- imediata, por Deus, do corpo e da alma do primeiro homem.
lução. E até se deve dizer que esta ressalta, com evidência, FâJândo com rigor, o homem realmente não possui antepassados.
da comparação dos fósseis que, do Pitecântropo ao Africân-
tropo e aos Neanderthalianos, assinalam as sucessivas etapas ART. II. DESTINO DA ALMA
de um desenvolvimento que modificou profundamente a. estru-
tura anatômica do homem. Mas esta evolução efetuou-se den- 669 A união da alma e do corpo não é· indissolúvel: chega
tro do tipo hominóide. Se parece aconselhável conceder a um dia em que ela se rompe. Sabemos em que se torna o
êste grupo relativa autonomia (etapa antropiana), devem corpo. Mas · à alma, que lhe sucede? Morremos totalmente?
seus representantes ser considerados como hominídeos primi- Tudo o que sabemos da natureza da alma humana, forma es-
tivos, e não, consoante se pretendeu, como uma espécie de pir~tual intrinsecamente independente do corpo, leva-nos a
adµiitir que a alma é imortal. Antes, porém, de expor as
ramo simiesco abortado. Isto vale, com muito maior razão provas desta asserção, vale a pena precisar bem o que se en-
do tipo neanderthaliano, que parece ser o tronco a partir d~
qual se foram diferenciando, aos poucos, as raças do "Homo tende por imortalidade.
Sapiens" que aparecem desde o Aurignaciano.
§ 1. NOÇÃO DA IMORTALIDADE
Será que, tendo por base êstes dados, poder-se-ia efetuar,
por assim dizer, a passagem ao limite, e supor que a linhagem 1. Definição e condições. A imortalidade natural é uma
humana provém, por evolução, de um tronco comum a hipo- propriedade graças à qual um ser não pode morrer. Tal é a
téticos "hominídeos" e aos prim~tas antropomorfos? 22 "Há imortalidade da· alma humana. · Chama-se natural por derivar
que reconhecer, na verdade, que para tanto faltam os documen- da própria natureza da alma.
tos decisivos. Mas existe, a favor da hipóte,se, transformista, A imortalidade natural implica três condições, a saber:
por uma parte, o fato do movimento evolutivo que se observa qúe· a alma continue a eristir, após a dissolução _do composto
no grupo _dos primatas, e, .por outra, o fato certo de uma con- humano; que, nesta sobrevivência, a alma conserve sua indi-
tínua evolução da descendência hominídea::pará o tipo "Homo viduali.dade, e, por conseguinte, permaneça consciente de si
sapiens", evolução que leva a admitir que o corpo do homeni mesma e de sua identidade; e que a sobrevivência seja ilimitada.
'[Yl'ovém de ancestrais que possuíam certo número de,:caracteres
simiescos. Até agora, a fôrça do transformismo resulta muito 664 · 2. Concepções errôneas da imortalidade.
mais destas sistemáticas vistas gerais do que dos fatos com
que se tem ,Pretendido confirmá-las. ·· a) Imortalidade panteísta. Em Teologia natural have-
remos de discutir o panteísmo. Aqui bastará notar que esta
doutrina ensina que a alma humana ( ou o pensamento ou o
22 Seja comó fôr, admite-se unânimemente que é impossível considetar
espirita) forma com Deus uma só e mesma substâncía, da qual
os antropomorfos como os ascendentes diretos dq.:,i!iqmem. -Na perspectiva seria unia emanaçã.o ou manifestação pa·s sageira. Depois da
evolucionista, as semelhanças existentes entre os dois grupos exp1kain-se
como efeitos de uma evolúção paralela de dois ramos de · ilm tronco comum morte, iria a alma reunir-se com o Todo, no qual nãó mais
mas separados ,desde há muito tempo. ·· ' possuiria nem individualidade nem consciência de si mesma.
A 675
ORIGEM E DES TINO DA ALM
674 PSIC OLO GIA

órg ãos par a exe rcer sua s fun -


aind.a con tinu a a fala r de cessidade do corp o nem de seus von tade . A alm a é, pois, P<>t-
. E' _por abu so que tal dou trin a ções pró pria s 'de con hec ime nto
é
ue a imo rtalidade e:z:c.lui absoluta.- l e imo rtal .
imo rtah da~ e ~a ~m a, porq ira, sua· pró pria natu reza , inco rrup tíve
~t e a aniquilaç~o ~da pe~so~v1d ~idade. E, par a ser verd adeeira _
md1 ual e sub stan cial , de man ·-- -- --··- - ---- --
er demorultn.do que «O pen samento é em
exig e uma sob revi ven cia er e de ama r, a con s- BEROSON, -depÕis de hav
cére bro: . rgie .s1n rltue lle, pág i-
gran de part e lndependen~ ·doa como se o corpo fôsse simplesmente
con hec (Ene
q~e c:onservemos nosso pod er de sa iden tida de pessoal.
c1encia de nós mesmos e de nos nas 45-4 6) e que ,~tudo se pass lui que, «assim sendo, nãoinse temos nen hum a
senta-se utilizado pelo espirito>,oconc e o espi rita este jam paràvelmente
b) Esp iritis mo e metempscom icose. O espiritismo apre s que
nado razão para supor que corpo pág. 61. Cf. Mattêre et Mémotre, pági-
ões os espí ritos dese ncar unidos um ao outro> (íbtd em, , senão a
como uma <:_iêncta das relaçceri am através de indlvfduos chamadM nas 150, 195) . Não se demonst ra assim, acrescenta Bna soN iplin as (sem
por supoalçao, se estabele a da alm a, e a outr as disc
Seg uir- se-i a dai que a lmo rtillldade da alma estaria de- vero ssim ilhan ça da sobrevivêncidizer se o tempo da sobrevivência.
medfuns. te. Mas tu(io isto é pura fantasia Os pert ence
m.onatrada experimentalmen os ninguém Jamais -AA e dúVlda., à relig ião)
porém, êste resultado prec é porventura modesto-,
quic é limitado ou não . Se, exp
0

pelo s espí ritas ou met apsf .,..,.. mai s ioso que os argu
fa.tos alegados . em todo caso , por ser erim enta l, é
prová-los de maneira séria a.na icio nal» , «ext raid os da hipotética essência
e, que supõe que a alma. hum a- me11tos da «me tafis ica trad
Quanto à teoria da metempslcos
ame nte em múl tiplo s corp os hum an88, .s pur do corpo e da alma», que geralmente são coisas frág eis (Ene rg(e
o ver, grave equivoco.
se reincarna_ sucessiv com efeito nest as pala vras , a noss
mente grat wta e, ademais, ria inintellgivel em si mesma bend o múlti~ spfr ttue lle, pág . 82). Há
mento bergsoniano em favo r da sobrevi-
nesta hipótese, !- alm a deve ser conc ebid a com o rec~
and o, de cada Em primeiro lugar, o argu expe rime ntal , mas prop riam ente metafisico,
mes mo, com o se tom vência da alma é, não dade da
por isso
pias individuaçoes, e, amente diferente das anteriores. s mui justamente) a imortali
vez, uma alma numéric pois consiste em ded uzir (aliá de, que é exat lssim ame nte definida, pela
lida
alma de sua espiritua ou não (623-625), do mesmo modo que Por
ALMA metafisica, tradicional ência intrínseca relativaida mente ao corpo.
§ 2. PROVAS Dá IMORTALIDADE DA BERGSON, como a independ em segu que os argu -
decl ara
Por outr a parte, quando lmente frágeis, não só esquece que ê88ee
BERG SON
ana é imo rtal de direito mentos metafisicas são gera
665 Dem ons trar emo s !}Ue a alma humdir os argu men tos é. que nto o seu, se apóiam sõbr e a experiência
argumentos, tanto quatam ria argumenta.;
e de fato. O que obr iga a assi m divi
é, de dire ito, é imo rtal , há psicológica, senão que bém prej udic a a sua
lusã
próp
o que ultrapasse a
se a alm a, po~ .sua natu reza , isto potê ncia exte rior pode ani- razã o uma conc
ção, que propõe com muita efeito, ao ferir com uma suspeita de
a
qu~ pro var, aind a, que nen hum experiência imediata. taçã Com
o racional, expõe-se êle a ouv ir conteatar
quilá-la. principio tõda argumen de sobr eVlv ênci a que pret ende de-
1. até mesmo a modesta afirmação
' A. Imortalidade intrinseca fender.
e esta pro va nas tendên-
isto é a alm a é, po-r 2. Pro va pstoológt.ca.; Fun da-s
A alm a é imo rtal intr inse cam ente reza . E' um fato que asp iram os
666
Isto pod~ pro var- se por cias essenciai.s de nossa natu
el e imortaL
na.tureza, incorrwptivcipa e a pos suir o bem sup rem o e
prin is : a con hec er a verd ade abs olut a
três argu men tos a goz ar de obje tos que ultr apa s-
a feli cida de perf eita , isto é,
o é isto, que jam ais esta mos
e esta pro va na sim pli-
. 1. Pro va metafisica. Fun da-s J>?de uma sub stân cia pe- sam o espa ço e o tem po. Tão cert
de; qua nto mai s ava nça mos no
culml~ <lf1, alma. De dua s m~neira
~ fart os de verd ade e de feli cida
ou indi reta men te (ou por aci- prá tica e no amo r do bem , tant o
rece r. diretamente_ (ou por sx) cQnhecimento da verd ade , na
s.ub stân cia qua ndo é sel)K- pon to que nad a pare ce dev er
uma
dente.). P~rece_ diretamente be o ser, a vida e sua s fun çõe s: mais cres ce nosso desejo, a tal
da Bon dad e e da Beleza per -
rad_a do prmcíp10 do qua l rece sati sfaz ê-lo , fora da Ver dad e,
corpo, sep arad o da alm a, que
é seu prin cípi o vita l, o nos so fim , tal como o ma-
assi m feit as, isto é, fora de Deus. Eis
entos. Um a sub stân cia pere ce e vigo rosa s tend ênc ias, que
?ec«;>mpoe-se e volt a a seu~ elem nife stam nos sas mai s pro fun das
, qua ndo é priv ada do suje ito a alm a ultrapassa todo tempo
inà i1'e ta~ e.! ou por ac1dente s funções vita is : é o caso da por isso mesmo dem ons tram que
sem o qual n_ao pod e ~xe rcer sµa men te imo rtal por natu reza .
ões são tôda s org ânic as, e por particular e finito, e é real
alma d~ ~n~m:1s, cuia s funç -se sem o corpo. to psicológico apoiar-se dire tamente na
eonseqüenc1&· nao. pod em exe rcer Pode também o a.rgumen tão espo ntân ea, irresis-
Ora, a alma h'!: ~na . não pod e perece~. nem diretamen.te,, aspi raçã o é
a.,pfraçáo à imo rtali dad e. Esta do permanece implicita), que seria
e por tant o inca paz de se. de-- tivel e universal (mesmo quan impulso afetivo sem valor ontol6-
por ser uma 5;u ~n~ 1a sim ples não ter intr inse cam ente ne- dificil não ver nela mais que um
compor, nem indiretamente, por
676- PSICOLOGIA
ORIGEM E DESTINO DA ALMA 677
gico, Parece até que -ela traduz, por assim dizer, o sentido que a Justiça- possa ,exigir outra coisa que uma certa sobrevivéncia al7!'a,
vida tem em si mesma, e que, por esta razão, goza de uma infalibi- a ·fim de que seja restabelecida a ordem que a vida terrena nao po~e
lidade que, por sua origem e natureza, excede as certezas que pro- realizar. A imortalidade, dêste ponto-de-vista, pareceria constituir
porciona a ciência mais rigorosa. _ uma exigência impossível de justificar. Por outra parte, como crer
Contra isto objetou-se que a aspiração à imortalidade não seria q:11,~ se possa fundar um argumento sólfdo sôbre bases tão frágeis
outra coisa senão a forma do desejo que a, espétje experimenta, em como a apreciação d.e n~ssos mérttos e ~a feltctdacte que_ lhes é devida?
cada homem, de perpetuar-se. Mas esta objeção parece contradi- Há aqui uma exigencia que parece inspirar-se inteiramente num
tória em si mesma: porque, se é a espécie que aspira a perpetuar-se materialismo secreto, porque não se pode afirmar que a virtude é
(e, na verdade, a isto aspira), êsse desejo e esta necessidade satis- escarnecida cá na terra, e que o mal triunfe, senão em referência
far-se-iam com a procriação. O individuo, como tal, não teria razão a critérios puramente materiais (riquezas, honra, poder, etc.), como
alguma de desejar e reclamar uma perpetuidade própria da espécie. se a felicidade autêntica .;:e completasse com a posse dêstes bens.
Até a aspiração à imortalidade seria, neste caso, ininteligível (e de Finalmente parece que êste argumento, longe de fundamentar a
fato não poderia existir no animal). Mas justamente, se o homem, imortalfd<Ule da alma, antes toma desta, que é assegurada por outras
como pessoa individual, aspira a uma imortalidade que lhe conserve razões a fôrça de que se pret1alece. Suponhamos, com efeito, que a
a sua identidade e a sua consciência pessoais, essa é · a prova mais vlda futura só nos seja assegurada sob a condição de compreender
clara de que êle não se reduz a um simples individuo portador da tôdas as injustiças que pretendemos que nos revoltam na vida pre-
espécie, senão que tem um destino pessoal que sobrepuja a espécie ' sente; alguma coisa seria mudada em nossa profunda aspiração a
inteira. Ademais, como seria. possível conceber que a, «natureza,:,,
produzisse peasoas (sêres racionais, conscientes e livres) e lhe&
ptra.sse o profundo desejo de perpetuar-se como pessoas, unicamente
ins- durarmos?
b) - Prova pelas exigências da perfeíçá-0. No Fedon 007-108),
para, aniquilá-las em seguida? (Porque substituir a imortalidade PLATÃO expôs a prova moral da imortalidade da alma, fundada nas
individual pela imortalidade específica equivale a suprimir a .lmor-· exigências da justiça, mas o que êle pretende reclamar dêste argu-
talidade.) mento é antes ·a Imortalidade pessoal, sendo a imortalidade provada
Depois, .a própria pretensão de reservar a Imortalidade à espécie por outra via.
é bem significativa, porque supõe até a evidência. o sentimento de Por outro lado, KANT demonstrou que, se a suprema condição do
que é absurdo, quando se trata do homem, considerar a morte como sumo bem é a virtude, isto é, «a completa conformidade das inten-
fenômeno absolutamente último, sem qualquer significado. A morte cões com a lei moral», tal perfeição não pode ser alcançada na
é, pois, umai espécie de escO,nd,alo, tão profundo~ que é tmpossivel éxlstência terrena. Também devemos admitir (ou postular), para o
pensá-la como um têrmo, isto é, introduzi-la na série dos aconteci- homem a possibilidade de um aperfeiçoamento sem fim, que o apro-
mentos de minha vida como o rema.te dêste. 2a Existe, pois, realmen- xime n{a1s e mais do ideal de santidade. Mas êste progresso inde-
te uma exigência de imortalidade, da qual o escândalo da morte não finido só é possivel supondo que o ser racional subsista pessoalmente,
é senão o aspecto negativo; e também (uma vez que_ a lmortalidade- na infinidade de uma duração que só Deus pode abranger (Critique
específica, se devesse saciar nossas aspirações, excluiria todo escin- de la raison pratique, trad. de PICAVET, Paris, 1947, págs. 131-133).
dalo e todo terror da morte dos indivíduos) uma exigê.ncta, de imor- 1!:ste argumento- de KANT parece bastante dlficil de conciliar com
talidade pessoal, que só tem sentido se manifesta uma estrutura seu conceito da boa vontade, que é ou não é (porque consiste num
ontológica da realidade-humana. 24 -
indlvtsivel, e, portanto, não pode admitir «progresso indefinido•).
Ademais a hipótese de um progresso indefinido para além da vida
667 3. Prova moral. Esta prova tem sido apresentada sob terrestre' é arbitrário. Por último, o que há de válido no argumento
várias formas, de desigual valor. parece antes estar na dependência da prova psicológica, ao subli-
nhar êsse ideal de perfeiçâo moral que é em nós o sinal e o efeito
a) Exigências da justiça. A justiça, diz-se, e~ge que o bem e
de uma grandeza que transcende ·o espaço e o tempo.
o mal recebam as sanções devidas: recompensa e · castigo. Neste
mundo, as sanções do bem e do mal são, evidentemente, lnsilficien- e) Valor absoluto da ordem moral. A prova moral pode,
tes: comumente até, o mal triunfa e a virtude é -humilhada. Ora, enfim, ser proposta na seguinte forma. A consciência impõe
a justiça exige que cada um seja tratado segundo suas obras, e o respeito absoluto dos valores morais, e, com isso, assegura
isto. só pode ocorrer se a alma é imortal.
,A despeito, da aceitação de que desfruta, êste argumento, assim
que não pode absolutamente ser indiferente haver sido bom ou
apresentado, parece ter pouco valor. Com efeito, não se vê que a haver sido mau. Daí se segue que a moralidade exige a imor-
talidade: todo ser moral é necessàriamente imortal. Com efei-
2a Cf. a discÚssão de J .-P. SARTRE (L' Etre et le Néa.nt, págs. 618-630),
to, se supuséssemos que o nada é o destino final dos sêres re-
a propósito da teoria de HEIDEGGER, e R. JOLIVET, Le prob~eme. de la. gidos pela lei moral, tornar-se-ia indiferente ser bom ou mau ;
mo_rt çhez Heidegge7' et J.-'P, Sartre, Paris, 1950. o bem e o mal seriam equivalentes, ou, em todo caso, só teriam
, .24 Cf. P. LAMY, Le PTobleme de la destinée, Paris, 1947, págs. 40-50 e valor temporal, relativo e acidental, o que é contrário às -exi-
139-141. gências morais da consciência.

!.
-:- ' . "!' ·. •·

ORIGEM E DEST INO DA ALMA


679
PSICO LOGI A
678
imor talid ade pessoal
a salvo, sem dúvida, das como de fato, a alma é imor tal, de uma
Assim formulada, a prova. moral está . .Ma.s, como para o ar- e sem fim. 26

objeções que se fazem às form as anter iores


gumento psicológico, há que supor demo nstrado por outra via que - -a -im-0rtalidade extrínse(:Jl da alma apre- seria
mora l têm ve.lor absoluto e manifestam.e =·--,~,--.. -.,.·~ ·····.... -...... ~,.~ ·..,- , O·-argumento-que- prova . Esta, que será
as exigências da consciência válido mesm o sem recor rer à noção de Deus
uma estru tura ontológica do ser-m oral.
senta da em Teologia natur al, acha -se aqui antec ipada sem incona-
1f
lógico . De feito, abstr aindo desta noção, dizemos que
4. Alcance dos argumentos. Por cons eguinte, o argu - veniente
imor tal por natur eza ou de direito, não pode ser aniqu i-
mais decis ivo em favo!' alma, sendo É, porém, absu rda esta hipót ese
mento metafisico apre senta -se como o lada senão por uma causa exter ior.
a psico lógic a e a prov a mo- de uma causa exter ior capaz dedaaniqu ilar a alma, porque nenh uma
da imor talid ade da alma. A prov não têm valor s que se trate Caus a criadora, de que fazemo3
a de comp leme ntos, mas causa (a meno estrit o sentido da palavra,
ral inter vêm à guis Com efeit o, por um abstr ação) tem o pode r de aniqu ilar, no
senão por suas implicações metafisic as. trans form ar, por disso ciaçã o, o que está composto
itual idad e da alma e, adern ais, ;nas somente de . que é simples, escap a absolu-
lado amb as conf irma m a espir tle parte s. Ora, preci same nte a alma
pesso al respo nde às exigê n- ã.e disso ciaçã o. Por conseqüência, é real-
estabelecem que s6 a imortalidade como pesso a íntel·i- tame nte a todo proce sso
sua aniqu ilaçã o.
cias absolutas de um ser cons cient e de si ment e 1nconceb1vel a
subm etida à lei do deve r,
gente e livre, e, nesta qualidade, mort e, nem após uma
que não pode ria desa pare cer com a
no anon imat o do
sobrevivência mais ou menos prolongada, unda s aspirações,
Todo, sem ser frust rada em suas mais prof
que naacem de sua própria natureza,
e sem que a ordem mora l
perc a imed iatam ente todo signi ficad o e todo o valor. 24

B. Imortalidade extrínseca
Sê-lo-ia tamb ém de
'. 668 A alma é, pois, de direito, imor tal.
que nenh uma fôrça exte rior à alma
\
fato? -Para isto, é preciso
. Port anto , Deus,
a aniquile. Ora, só o que cria pode aniquilar
a alma no nada . Mas a
e só Deus, poderia torn ar a lanç ar deu à alma urna
o fará / e que, se 11::le
razão nos prov a que não fato, a imor tali-
de
natu teza imortal, foi para lhe asse gura r, ade.
e sua bond
dade. Assim o recla ma sua sabedoria
que :tle não
Com efeito, a sabedoria d<J Criador exige demolir, e
: o arqu iteto não cons trói para
destr ua a sua obra ível para entre-"
Deus não ··deu à alma uma natu reza inco rrupt
de Deus exige que a alma goze
gá-la ao nada . A bondade s mais arde ntes
ade, sem a qual suas aspir açõe
dessa imortalid
Frus trad a em suas
e mais prof unda s ficar iam insat isfei tas. t. 11, pág. 245: "Refl ltamo s
Cf. M. BLON DEL, La Pensé e, Paris, 1934, espéc ie de vener ação por
teria pior sorte do que as bêsta s,
tendências essenciais, a alma
26
consc iência da morte e esta
vota da ao desespêro. no que impli ca esta
que ao menos alcançam seu fim, e estar ia - mesm a coisa que parec eria destru ir todos
os temor es, tôdas as defe-
no da bondade divina. De sorte que, de direi to rença s, tôdas as consid eraçõ es. Se não tivéss emos um sentid o metaf isico
Isto seria indig de todos os fenôm enos que se suced em e desap arece m,
•' para sfirm ar, por trás conce ber uma sobre vivên cia,
, não poder íamos
uma realid ade perma nente mais certa) uma morte no
u1nte llectu s appre hendi t esse nem seque r (asser ção mais parad oxal e també m
ZG Cf. Sl'\.NTO TOMAS, Ia, q. 75, a. 6: idéia da morte só é possív el e real
absol ute et seéun dum omne tempu s. Unde omne haben s lntell ectum natur a- sentid o que damo s a esta palav ra. A e .. . Só pelo fato de se conhe cer
r. ale crutem deride rium 11cm potes t esse inane . graça s à certez a que temos da imort alidad
liter desid erat esse sempe Natur
lis". Cf. ainda: Contr a neces sidade de afirm ar a verdlifde dos princí pios
Omni s igitur intelle ctuali s substa ntia est incorr uptibi e de, para se conhe cer, ter m parec e dever escàp ar, por sua na-
Quod libet, X, a. 6; Quoes tio de Anim a, a. 14; e, em outro intem porais e do própr io Deus, o home
Gent., II, págs. 79-81; ct.· MAX SCHE LER, ica da decad ência e da morte " .
sentid o, F. ALQU I:t:, Le Msir d'éter nité. Paris, 1947. tureza racion al, à lei biológ
Mort et SUTvie, Paris, 1952.
t :

INDI CES ALF AB~T ICOS


I

fNDICE DOS NOMES PRôPRI OB


algaT'iamos em itá-
Os algarism os Temetem aos númeTos maTgina ia. Os
ll lico indicam uma passagem conceme nte especialm ente a um
auto,- e assi-
Os caractere s comuns
nalam as informaç ões biblíog,-áficas ou as citações.
concerne m aos :nomes mencion ados incidente mente.
io, o lugaT
Os expoente s (letTas ou algarism os) pTecisam, quando necessáT
exato dai/ remiasões.

Abramo wski, 603. Ballard , 381. Bierens de Haan, 380.


Ach, 503, 505-506. Barbado , 10, Biervle t (Van) , 862,
Adler, 35 Barres, 224, 335. 245.
Agostin ho (Banto) , 153. Baudela ire, 202, 217, Blnet (A.), 1, 10, 12, 33,
Albês, 168. 225. 40,159, 194,209 b,374,
Allers, 557. Bean, 63. 376, 382, 391, 418-419,
Alller, 479b. Beauch amp (Miss), 430, 511a, 557, 566b,
588, 602.
Alquié, 667. 566.
Alverdê s, 389 Beauvo ir (B. de) , 534. Biran (Malne de), 67,
André, 274. Beethov en, 188, 218, 68, 116, 121, 393, 397,
AnJel, 167 226, 227, 232. 577, 645.
Arambo urg, 650, 659. Berdiae ff, 534. Black, 656.
Aristóte les, 10, 18-19, Bergoug nioux, 660. Blix, 119.
64c, 68, 82, 96, 1252 , Bergson , 6, 9, 28-30, Blondel (Charle s), 34,
133, 135, 153, 156, 67, 87, 89, 91, 125, 350, 385, 501, 511ª,
170, 171, 200, 245, 127, 150, 151, 166, 514, 523, 524, 557, 563,
289, 299b, 3154, 328- 167, 169, 170, 177, 190, 598
\ 329, 331, 374, 375, 212, 228, 231-232, 236, Blondel (Mauric e) ,
409, 422, 423, 430, 237, 240, 245, 246, 248, 374, 409,461 ,473,48 7,
434, 4394, 447, 454, 258, 262, 274, 333d, 528, 5422, 621, 688.
460, 473, 525, 546, 360, 379, 426b, 428, Bohn, 38, 69b, 94.-95.
621, 643. 429, 501, 508-510, 520, Bonald (de), 397.
Arnould , 171.2 , 396 . . 524, 534, 546, 611, 621, Bossuet , 355, 384, 538
Arquim edes, 224. Bouche r, 226.
Auliffe, 557. · 630, 645-648, 650, 665.
Berkele y, 107, 122, 151, Bougue r, 862
415, 4402 , 569, 644. Boule, 650, 655, 658-
Bach (Jean Bébasti en) 659.
218, 227. Bernard (Claude ), 58
Bacon (Franci s), 460. 492. Bourdo n, 82, 138, 374.
Balllarg er, 34. Bernhe im, 612. Boutan , 378.
Bain, 85, 116, 197, Beryl, 158. Boutonl er, 533.
200, 2042 , 229, 518, Bessel, 101a. Boutrou x, . 484, 551.
5942. Betcher ew, 14, 16, 342. Bouysso nle (H. e J.),
Bal, 362. Bichat, 586. 6574.
682 ÍNDICE ANALITICO DAS MATÉRIAS ÍNDICfj AN ALÍUCO DAS MATÉRIAS 683

Bréal, 403. Dalblez, 162, 238, 316, Dürr, 503, 505. Gobineau, 219. 440, 443, 453, 472, 170, 2042 207B, 212,
Bremer, 236. 317b, 318b, 588, 614, DWelshauvers , 198c, Ooblot, 415, 447, 452, 569-574. 254, 296, 374, 377-378,
Breuer, 117. 615, 616, 650 374, 588, 848a. 473. Husserl, 30bts, 48, 181, 380, 386-389.
Broca, 622. Dandy, 65, 66. Goethe, 217. 447. Kohlschütter , 235.
Brochard, 459. Dart, 660. Ebbinghaus, l 115, 2042, Góldenweiser , 481c, Huxley.,,.628!..,. " , ,., ~,,.,. Kohts, 388. - --- .... ----···- -
Broglie (L. de), 113 Darwin, 69, 306, 350, 511a. 635c. Kohl-Larsen, 657.
Broom, 660. 352, 398. Economo (Von), 522. Ooldscheider, 119, 182. Jackson, 227, 240. Kretschmer, 35, 648a.
Brosses (de), 398. Davy, 563. Edison, 226. Goldstein, 52, 66, 76, James (W.), 1, 24, 434, Külpe, 12, 25, 31-33,
Broussals, 626. Debussy, 202. Ehrenfels, 137. 94, 274. 46-47, 68, 82, 1022, 172, 174, 271a, 323·\
Brown (Gr.), 67 Decroly-Dega nd, 382. Einstein, 113. Goltz, 63. 116, 151, 166, 172, 324•, 376.
Brown-Séqua rd, 236. Dehaut, 658b. Ellls (Havelock) , 302. Goury, 650. 191, 197, 209b, 245,
Brunschvlcg, 447, 644. Dejean, 157a, 331. Epicuro, 327, 415, 4401, Gredt, 1075, 653. 274, 303, 310-313, 331, La Bruyêre, 5302.
Büchner, 628. Dehove, 135, 385, 588. 626. Grleger, 557. 336, 341, 457, 461, 501, Lachelier, 9, 473, 490,
Bühler, 33, 376, 418-419, Delacrolx, 209b, 230, Euclides, 457. Grdte, 329. 507-511, 518, 523, 538, 540b, 644, 649.
430. 324, 379, 3'94, 399, Exner, lOla. Guillaume, 1, 13, 37, 5&8, 600, 603, 613. · Ladd, 237.
Burloud, 198c, 274, 409, 461, 473. . f2, 68, 10&, 135, 138, Janet (Pierre), 116, Laennec, 226.
408,417,419,4 28,557. Delacrolx {l~ugêne), Fabre, 37b, 2832. 146, 157, 170, 247, 254, 154c. 160, 161, 166, Laforgue, 117.
Buseman, 31. 232. Fauconnet, 17, 554. 274; 374, 377, 378, 386, 168-169, 182, 183, 214, Lagache, 163,
Buytend1Jk, 274, 281, Delay, 245. Fauré {Gabriel), 188, 516. 235, ".244, 262a, 331, Lahy, 381.
282, 374. Delesalle, 555. 232. Ousdorf, 245, 394. 345, 349a, 351, 362,
3642, 501, 5052 , 532, Lalande, 15b, 40, 440b,
Byron, 218, 3914. Delmas-Boll, 34. Fechner, 86c, 89, 1361 • 638a, 649.
Delp,ech, 65. Félida {X.) , 566. Haeckel, 628. 557, 566b, 5BS, 602,
612. Lalo, 1118 •
Cabanis, 626. Demócrito, 404s, 626. Fermat, 226. Hamelln, 547, 644.
De Sanctls, 235 Jansens, 286, 307b. Lamarck, 69.
Campbell, 622 Féron, 116. Hamilton, 200, 203, 208,
Descartes, 12, 13, 69, 211, 329. Jaspers, 534, 538. La Mettrle, 626.
Caton, 235. Fichte, 423, 4402, 644. Lamy, 686
96, 99, 107, 151, 181, Fielde (Miss) , 37b. Hartenberg, 1722 , 335. Jastrow, 1601, 588.
Charcot, 62B, 189,. 612. Jeanson, 17, 534. Lapicque, 52, 3462, 519.
Chateau (J.), 405. 191, 206, 226, 322, Fonsegrtve, 501. Hartley, 191.
326, 355, 374, 391, 423, Hartmann, 223; Jenner, 226. Laporte, 534.
Chauchard, 52. Forest, 447, 621.
4402, 441, 457, 467b, Foucault, 86c, 89, ·2042_ Hartmann (Nicolal). Jennings, 72, 95. Larguier des Bancels,
Chénler (André), 225. 511b, 538, 543, 552•, 454. João de Santo-Tomás , 82, 274, 331.
Chevalier (J.), 68, 621, Foufllée, 501, 502c.
575-576, 577, 591, Franck (César), 224, Harvey, 226, 229. 82, 461. La Rochefoucaul d, 314.
645. 606a, 639-643, 644. Hauser, 6574. Joleaud, 650, 655, 857ª. Lashley, 66.
232.
Cheves West Perky, Descoqs, 473. Fresnel, 113. Hegel, 423, 4402, 644 Jollvet, 409, 412, 688. Lauvrlêre, 217.
258b. Destutt de Tracy, 626. Freud, 3, 35, 47d, 237- Heidegger, 125, 454, Jones, 588, 814. Lavelle, 82, 501, 557,
Chopin, 218, 223, 226. Dirac, 113.. 241, 274, 297, 316"-319, 534, 666. Jost, 71. 621.
.,1 Claparede, 37, 38, 39,
43, 46-47, 236, 400.
Domet de Vorges, 135. 588, 601, 606b, 607, Heisenberg, 113.
123,
Joussaln, 274, 295, 303. Lavólsier, 229.
Dorolle, 474. 614-617, 619. Helmholtz, 91, Jugnet, 588. Ledos, 582b.
Clérambault {de), 162 Dostoievski, 225. Frey (Von) , 119. · 1368 • Juvenal, 225. Lefêvre (J.), 52, 53-54
Codrington, 635. Dougall (Me'.), 1, 15, Frinck, 316 . Helvetlus, 626. 61, 115, 333.
.i Colerldge, 262ª. 43, 49, 68, 72, 95, 274, Herbart, 326, 340, 521• Kalkbrenner, 223. Leibniz, 128, 151, 229,
1 Colln, 650. 275b, 280, 284, 285- Galeno, 582 . .·522. Kant, 8, 128, 141,. 181, 326, 399, 406, 4401,
./ Cóllln, 52. 287, 291-294, 312, 313, Herder, 399. 327, 333d, 374, 415, 441, 483, 538, 544-545,
Galileu, 224.
Comte (Aug.), 379, 551. 329d, 389, 515. Gall, 621. Herriot (Ed..) , 480b. 423, 440 2 , 443-444, 552, 591-593, 642.
Concllllac, 41•, 366-367, Drlesch, 91, 95. Galton, 193, 2512, 427. Heym.ans, 585. 454, 473, 487, 493- Lelut, 163.
403, 415, 440, 453, 51Z, Dromard, 168. Galvani, 365b. Hipócrates, 582. 496, 540, 550, 574, 586, Lemoine, 68.
514, 515, 569, 626. Dubols .{E.) , 655. Gambetta, 392. Hobbes, 85, 136b, 314- 644, 866. Leopardl, 327.
Cosseti, 140b. Dugald-Stew art, 200, Oassencll, 415, 626. 315, 333d, 4401, 607b, Karger, 240. Lequier, 538, 551,, 534.
Cournot, 53, 5522. 208. . Gatti, 157. · 626. Kellog, 38&. Leroy (B.), 234bis.
Cousln, 149, 507, 510, Dugas, 168, 302b. Gemem, 1, 67, 86c, 135, Hõficllng, 200, 211, 257, Klerkegaard, 334, 471. Le Roy (Ed.), 170, 221,
540b, 543, 578, Dumas (G), l:, 40, 52, 140b, 182, 331, 337, 258, 511b. Klages, 339, 557. 229, 650.
Coze, 635. 135, 162; 170, 274, 331, 343, 349b, .362, 372, Hólbach (d'), 626. Kle1st, 65. Le Roy (O.), 512.
Crisipo, 626. 362,374,409,4 61,473, 661. Hlibert, 393 Koffka, 15b, 20, 42, Leroy (O.), 473-479.
Cromwel, 391. 501, 514, 51&; 606b. Gennep ·(Van), 635. Hugo (Victor), 111s. 108, 138, 170, 186b, Lersch (Ph.) , 557
Cuénot, 487, 5&3. Durkheim, 11; 227, 228, Glde, 553. Huizinga, 308. 210, 245, 246, 250, Le Senne, 557, 585.
Cuvler, 391. 392-393, 400, 402-403, Ollson, 534. Humboldt ·(de), 398. 251, 253, 362, 517. Lester, 219.
Cyon {E. de), 82, 117. 524, 553-554, 563, Glscard, 164-166. Htime, 30bls, 412, 178, Kôhler, 13, 37b, 42, 72, Lévy-Bruhl, 17, 473,
Czarmack, 157. 632-635. Olory, 660. 200, 206, 415, 426a, 123, 138, 151, 157b, 479. ·

. --·-·· . :~ .,__
ÍNDICE ANALÍT ICO DAS MATÉRIAS 686
684 ÍNDICE ANALÍTICO DAS MATÉRIAS

·Rieman n, 457. Sollier, 331, 345. U:rbaln, 660b.


Lewln, 253, 512, 516. 440, 453, 481, 583, 571, 137, 158, 167, 213,.246, Soloviev, 303. U:tltz, 35.
Lhernú tte, 52, 55, 61, 606. 274, 342-343, 344 .. R1gault, 171.
Plateau , 39b. _ Rigna.no, 481. .. Soury~ -628~-- . " .....
65, 67, 96, 157a, 162, Mlnkowskl, 52, 65 .. Spaier, 170, 178, 1793, Valssler e (J. de la), 1, .
1712, 235, 237b, 244, Molesch ott, 191, 628. Platner , 122. Rodin, 227, 232.
;\ Rohde, 621, 636b. 209b, 224. 50, 82, 1072 , 116, 135,
557. Monako w (von), 66, Platão, 142, 374, 42,1, Spearm an, 381. 154, 170, 198b, 202,
1
440 2 , 442, 643, 652', Rohr, 635.
Lineu, 655. 318.
667; Roland- Gossell n, 459. Spencer , 41 2, 102, 178, 245, 258b, 274, 297,
Lister, 227. Montalgne·, 468. 200, 306, 329, 352, 518. 303b, 317b, 342b, 362,
Lobatch evsky, 457. Plattard , 658. Romane s, 291.
Montan don, 659, 660. Rothma nn, 63. Spinoza , 326, 423, 4402, 588.
Locke, 30b1s, 412; 404•, Montpe llier (G. de), Poe, 217, 225. 472, 521-522 , 539, 644. Vandel, 35, 650.
4401, 441, 569. Poincar é (Henri) , 224, Roubino vitch, 261. Vaschid e, 240.
274. Rougier , 473. Stern, 32.
Loeb, 38, 94-95, 284, Moore, 64c. 608. Vaufray , 656.
Stewart , 354.
628. Morton, 227. Poirier, 582. Roussea u (J.-J.), 71. -~ Stoetzel , 461. Vayson de Pradenn es,
Lombro so, 218, 586. Mottler , 548. Porter, 213. Roussel ot (P.), 409. Strasser , 621. 650, 656.
Lotz, 91. Mounle r, 557. Poyer 557, 585. Royer-C ollard, 578, 588. Strümp el, 116. Velpeau , 65.
Lotze, 121, 454. Mourgu e, 318. Pradine s, 68, 82, 89, Rutherf ord, 229. Verklet , 158.
Lowie, 481c, Moutler , 189. 274, 292, 315, 321, 329, Ruyer, 1, 47, 103, 142, Taine 1 8, 13, 412, 102, Verlaln e (L.), 1956.
Lubbock , 37b, 213. .Mozart , 21&, 223, 226, 351, 399, 403, 422, 158, 273, 455, 630. 136, 149, 150, 151, 177, Verlaln e (P.), 225.
Lucrécio , 327, 398, 626. 227, 232. 447, 473, 598. · Vlaleton , 650, 65&.
Pravdic z-Neme nski, 181, 195, 227, 262S,
Luquet, 405. Müller (J.), 90-92, 116. Saint-S imon, 171. 366-367, 415, 416, Vllley, 82, 129, 1712.
Müller (Max) , 403. 235. Sartre, 130, 165, 170- Vogt, 622, 628.
426b, 440, 447, 570-
Maisonn euve, 331. Müller- Lyer, 156-158. Prüm, 501, 503, 504- 171, 180, 198c, 234bls, 571, 573ª, 628. Voltaire , 588.
Maistrta ux, 585. Myers, 235, 3708, 613. 505. 240, 340, 403, 534, Vorsatz , 516.
Tambur inl, 163.
Malape rt, 557. 542, 588, 597, 618, Tarde, 307.
Malebra nche, 9&, 151, Nabert, 534. Quercy, 160. 622, 666. Wallon, 31, 365b, 405,
355, 423, 4402, 442, Teilhar d de Chardln , 557, 606b.
Navllle, 1. Saussur e (F. de), 399. 650, 656.
460, 640-642. Newma n, 447, 464. Rabaud , 274. Scheler (Max) , 303, Watson, 15, 26, 628.
Tharau d (Jerôme e Watt, 229.
Mallet, 188, 262, 385. Newton , 113, 222, 226. Rabeau , 409, 434, 447, 306, 340, 396, 454, 667. Jean), 224.
Manouv rler, 655. Nicolau d'Autre court, 473. Schellin g, 4402, 644. Watteau , 226.
Thlbon, 339, 557. Weber, 862, 89.
Marcel (Gabrie l), 461, 415. Racine, 226. Schleie rmache r, 471. Thomas (M.) , 285.
557, 641. Radln, 635. Schope nhauer, 327, 334, Welnert , 650, 657.
Nlcolle (Oh.), 219. Thoorls , 582. Werthe lmer, 138.
Marett, 632-633. Nietzsch e, 225. Ramon y Casal, 54a. 539, 547b, 586. Thomdl ke, 16, 76, 213,
Marie (A.), 189, 588. Nogué, 82; 321. Rancé (Abbé de), 171. Schube rt, 218, 227. Wlerzm a, 585.
374, 380, 381. Wolff, &.
Marte (Pierre) , 52, 66, Ravaiss on, 68, 72, 645 Schuch ardt, 403. Thurnw ald, 408.
67, 189. Ockam, 415. Rég!s, 385. Woodw orth, 82, 116,
Schuma nn, 21&, 226. Tilquin, 15. 197.
Marltai n, 131, 409, 481c, Ollé-La prune, 461. Reld, 149, 200, 538-&, Seglas, 163.
Oxner, 37b'. Tltchen er, 21. Wulf, 251 2.
534. 543, 578, 588. Segond, 68, 215, 501, Tolman , 15. Wundt, 1, 8, 116, 121,
Maskele yne, 101a. Renouv ler, 461, 467b, 511a. Tomás (Santo) , 10, 129, 136B, 147, 323t,
Maspéro , 4082. Pagano, 342-345. 543, 55H, 644.
Paliarei, 135, 374. Sêneca, 542. 64c, 68, 82, 84, 96, 135, 329, 353, 374, 512-515,
Maury, 237. Restorf f, 246. Sergl, 303, 331, 341, 1532, 156, 171, 200, 5522, 622.
Mauss, 17, 633ª. Pascal, 358, 468, 469, Revault D'Allon es, 274,
472, 528, 542. 658. 2042, 245, 289, 315,
Maxwel l, 113. 342-343. Sertllla nges, 621, 650, 331,355 ,409,41 2,423, Xenofo nte, 528.
Melnon g, 138, 147. Paulhan , 1363, 170, 172, Revecz, 400. 653. 434, 435, 438, 439, 447,
Merleau -Ponty, 60, 186b, 200, 209, 231, Rey, 378. Shakesp eare, 226. 454, 461, 470, 473, 501, Yerkes, 387.
121-127, 135, 146- 321, 501, 631. Reynold s (Mary). 262a, Sherrln gton, 342-343. 528, 542, 547, 557, 580. Young, 112.
147, 398, 534. Paulus (J.), 162. 566. · · 621, 650, 653, 666. Yung, 1592.
Messer, 418-419 Pavlov, 15, 37, 38, 52, stmeter re, 528.
Rhode; 660b Slmon (Yves), 130, Tonqué dec, 135, 1561,
Meunle r, 362, 58, 59, 60, 74. . Rlbot (Th. ), 1, 34;· 167, 409, 534. 409. Zazzo, 382, 391.
Meyer, 403 .. Pelllaub e, 162, 170, 174. 170, 172, 181, 191,'200, Toulous e-Pieron , 32. Zenão de Eléa, 127,
Penfield , 65. Simpso n, 227.
Meyerso n, 209b, 378, 209b, 225, 245, '252, Smith (A.) , 404. Turner, 655. 415, 626.
447. . , Pennaz a, 297, 262, 321, 329b, 331, Tylor, 399, 632-634. Zuckerm ann, 296, 334.
Sócrate s, 528, 555.
Mlchott e, 22b, 23, 33b. Piaget, 120, 374, 388, 358, 362, 369, 376, .409, 1
140a, 246, 501, 503, 405, 447, 473, 47&, 417, 460, 473, 501; ,518,
504, 505, 506. 564. 522 2, 525, 557, 631. i
1
Mill (James) , 200. Plcard, 226. Richet, 246.
M1ll (Stuart ), 412, 122, Piéron (H.), 1, 37, 52, Rlcoeur , 68, 329, , ·535, i
200, 329b, 415, 427, 73, 82, 94, 96, 101, ·546.
1

.. . .
;;;...;.;•• - -..-
_l
\

II

í: tNDICE ANALtTICO DAS MATÉRIAS

Os algarismos ,-emetem aos números maTginais. Os expoentes (citras ou


JetTaB) aBBinalam, quando necessário, a citação.

Abstração, noção, 424-431; graus Assenttmento, - e crença, 481,


de-, 432-433, 437; a - na for- na ciência, 467.
467 2 ; o - ·
mação dos prtncipios, 491-492. Assoctação, noção e história, 199-
Abulia, noção e divisão, 532, 533. 201; leis da-, 202-205; - e in-
Acaso, - e adaptação; 378; venção, 2911; sonho e - , 242-
Adaptação, emoção e -, 351; - 243; - e juízo, 453; - e racio-
e inteligência, 377; - e acaso, cínio, 481; - e vontade, 518-
378. 520; - e personalidade, 589,
Adestramento, processos, 72a. 573.
ri ., Af,u;a, noção e divisão, 189. Assoctacionfsmo, - e atomismo
Alma, noção, 620; esplrttuaUdade psicológico, 102 ; teoria do - ,
i da-, 621-625; negação materia- 202-205 ; discussão, 205-207; o -
t.:,
i
lista da -, 626-636; uruão da -
e do corpo, 637-639; teoria. car-
tesiana, 640-643; teoria bergso-
dos Escoceses, 208-209; fracasso
do - , 210-214, 453, 481, 519-520,
572-573.
,, niana, 644-648; teoria da - como
\. Atenção, noção, 382; divisão, 388-
1. subjetividade consciente, 6488 ; 364; fonte da - , 365; natureza

IL' origem da -, 850-653; imorta-


lidade da -, 664-668.
Aluctnação, noção, 160-111; teorias,
162-165.
da. -, 368-369; problema da - ,
370-371 ; medida, 372; flslologla
da-, 373.
~j Atttude, noção, 117.
Amnésia, noção e espécies, 262. Attvidade, a - intencional, 283;
j· Amputados, ilusão dos - , 98. teoria da-, 328-329; formas da
Analogia, - e emoção, 353; a- · -, 500; a - voluntária, 501-506;
no conhecimento, 438b; o raclo- fases da. - voluntá.ria, 507-510.
·Í : . cfnlo por - , 474. · Audtção, ver Ouvido.
1
Animal, a inteligência no -, 37'7-
378; nfveis intelectuais no -, Au.to4etermtnação, liberdade e - ,
380; limites da inteligência no 546-547.
-, 388-387; o - e a criança, Autom.atlsmo, o - no 1nat1nto,
388. 279; o - normal, 530; o - anor-
Animismo, noção, 632; critica, mal, 531-533; - e consciência,
598-599. . .
634. .
Apettte, a vontade como - racio- Autoscopia, natureza, 369c.
nal, 527.
Apetf.ção, natureza., 502c. Beber e Comer, instinto de - ,
Aprendizagem, noção, 76b. 293.
Apropriação, instinto de -. 293. Behavforismo, noção, 7b, 15-16.
L
688 ÍNDICE ANALÍTICO DAS MATÉRIAS
ÍNDICE ANALÍTICO DAS MATÉR.IAS 689
Campo, intermediário e lem- Costume, noção, 69b.
brança, 254; vontade e - psí- Crdnio, volume do - e inteligên- Energia, liberdade e conservação Evoluctonismo, noção e discussão,
quico, 516-517. cia, 391. ···· ·da-, 552. 636, 655-662.
Caráter, elementos, 582-584; clas- Crença, natureza, 461-463· formas Ensatos e Erros, método por -, 72. Excitaçllo, noção, 84; umbrais da
sificação dos -, 585; evolução 464-466; causas, 467; v~ntalie J ·· '" Epifenomercismo, noçã,tr- -e-crítica, - - '"~- -,. 85-86.
do -, 566-587. -. 468-472. ·: 628a; 631. Execução, a - no processo volun-
Caracterologia, noção, 35. Crtança, a sexualidade na - 318· · ,Equilíbrio, sensação d~ -, 117; tário, 508.
Ca,taplexia, noção, 244. a - e o animal, 388; progress~ 636; 655-662. Exemplo, ra_ciocínio pelo -, 474b.
Causa, idéia de -, 433; 491. intelectual na-, 397-398; o ra- erro, ca.usas do -, 45&-459; classi-
Causalidade, principio de -, 486; ciocinio na --, 478. ficação dos -, 460. Falso reconhecimento, fatos de -,
l'iberdade e -, 550. Curiostdade, instinto de -, 292ª. Esfôrço sensação de -, 116, 577. 166; teorias sõbre o -, 167-169.
Cenestesia, noção, 119; - e senti- Espaço: percepção do -, 121-124. Fantasma, noção, 170, 171 bis.
mentos, 337. Deformação, - das lembranças Espécte, - impressa, 132; 434; - Fatalismo, - e liberdade, 54B.
251-252. ' expressa, 435, 439. Fé, - e crença, 471.
Cérebro, - e vida. psíquica, 63-66; Fenomentsmo, teorias sõbre a per-
o - órgão da imaginação, 188- Demência, noção, 384b; 531. Espécie humana, questão das or:i-
189; - e invenção, 217; - e Desdobramento, fatos de - psí- . gens, 654; dados paleontológicos, sonalidade, 567-573.
inteligência, 392. quico, 566; - e· subconsciência · 655-661; ponto-de-vista filosófi- Fenomenologta, método da -, 17.
Certeza, - e crença, 463. 002. · · ' co, 662. , Fim, idéia de -, 433, 492.
Desejo, - e impulso, 301. Especificação; a - no juizo, 451. Finalidade, - na percepção, 143;
Cíé~cia, - e crença, 462; o assen- Espíritos a,nimais, natureza, 640. princípio de -, 417.
timento na -, 467. · Despersonalização, fenômenos de
- , 567. Espiritualidade, - da alma, 623- Fonetismo, 4088.
Cogito, sentido é valor psicológico Forma (ou Gestalt), ponto-de-
do -, 575-576. Determinação, a na atividade 625.
voluntária, 526-5352. Espiritualismo, - cartesiano 1 640; vista da.-, 42; teoria da-, 137-
Combatividade, instinto de -, idealista, 644; bergsoniano, 645- 139; teoria da - e ilusões dos
293. Determinismo, o - em :psicologia; 648; natureza do -, 649. sentidos, 158; teoria sôbre a von-
Compensação, fenômeno de -, 41-48; liberdade e - psicológico, Espontameidad.e, liberdade e -, tade, 516-517.
531. 544-545; liberdade e - físico 546-547. Formas «a príori», noção, 443.
Composto substancwl, noção de 550-552; liberdade e - social' Esquecimento, noção e mecanismo. Fuga, instinto de -, 292.
-. 637; natureza do-, 639-649. 553-554. '. Função, a - em psicologia, 43, 46-
249.
Coriceito, presença de - na crtan"- Deva,netd, natureza do -, 233-234: · Esquema Dtndmico, - e imagens 47; estrutura e-, 66-67; instinto
ça, 398; idéias e -'-, 413j juizo e Dinamismo, - psicológico, 43; hã.;· . · na invenção, 231-232. e-~ 288.
-, 451-452. bito e -, 69c. · ' Ess~ncía, apreensão das -, 429 2 ;
Co~hecímento, noção, 131-132; s. Discurso, - interior, 395; - e sig- 437. Generalização, noção, 425; abstra-
sensação como -, 130-134. Iiificação, 396. Estados· afetivos, natureza, 270; ção e -, 426-428.
Co~dência., - e psiquismÓ, 12; a Dismnésia, - ·natureza, 261. . método de estudo dos -, 271; di- Gestalt, ver Forma.
.-e- epifenômeno, 13; continui- Distração, - e automatismo, aesa, visão, 272-,273; - e instinto, Gôsto. noção, 109.
dade da-. 30; - e hábito, 753; 5302; - e consciência, 599. . 287; problema dos - puros, Gregário, instinto -, 296.
m,aterialização da -, 206-207; Domtn/JJÇilo, instinto de -, 296; 323-324; - e juizo, 326; compo-
tendência e -, 301-302; - de Dor, natureza, 321-324; relativida- nentes dos -, 307. Hábito, noção, 69; natureza, 69-
liberdade, 538-539; formas ·da - , de, 325; função, 326-329; finall-· Estímulo, mediato e imediato, 108. 70; formação, 71-74; efeitos, 75-
588-590; graus da -, 591-593; dade, 330. . Estrutura, - e sensação, 99; - 76; - como automatismo, 5301;
condições da -, 594; - de au- Duração, percepção çla _; 125, : e função, 66-67·, 139; .- e elemen- - intelectuais, 73, 417; - e ca-
sê.Qcia e - la.tente, 600; teoria. tos, 212; - e, lembrança, 249, ráter, 584.
da - subliminar, 613, - e re- tdipo, complexo de-, 317b. 253-254, 256; - e instinto, 285- Herança, - e invenção, 219b; -
calque, 614-615; unidade da -, Egofamo, redução das tendências 286; - psíquica, 612-619. e paixões, 356.
618. ao - , 314-315. Eu-sujeito, natureza e caracteres, Hereditariedade (vide Herança).
Consciência sensível, - e cérebro, Emoção, - e instinto, 287, 291; . 557-558; teoria empirista sôbre a Hiperamné-sia, natureza, 262B,
64c. noção, 331,-335; o psiquismo na gênese do -, 571-573. Hipnose, noção, 2442,
Contato, sensação de -, 115, -, 338-339; - e. sentimento, Eu-objeto (moi), natureza do -, "Hipnotismo, noção, 5312.
Contigüidade: lei de -, 203; re- 339; teoria intelectualista da -, 557-559; elementos do -, 560; o Histeria.! noção, 5312.
dução da ' - à inércia, 205. 340; teoria fisiológica, 341-343; - físico, 5542; o - psicológico,
Contingência, !).Oção, 535; - e li- teoria pslcofislológica, 344-345; 565; teoria kantiana da. unidade IdeaUsmo, o ....... platônico, 423b;
berdade, 551: função das -, 346-348, 350-351; formal do -, 574; o - como noção do -, 440-442; - critico,
Contradição, princípio de -, 484. a - como linguagem, 352-354. experiência. de fôrça, 577; o - 443-444; - dogmático, 444.
Contraste, lei 11.Ssoclacionlsta de Emptrtsmo, teorias sõbre o conhe- como inferência., 578; intuição Idéia, advento da - na criança,
-, 202; redução do - à seme- cimento, 415-416; teorias sõbre o do-, 580: 397a; a palavra e a -, 400-401;
lhança, 2041_ juizo, · 453. Evocação, - das lembranças, 253- natureza psicológica. da -, 409-
256. 413; imagem e -, 414-421; na-

.
_,. . -·-·- ·-
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690 ÍNDICE ANALÍTICO DAS MATÉRIAS ÍNDICE ANALÍTICO DAS MATÉRIAS 691
tureza das - universais, 422- Instinto, caracteres, 275-279· a ati- Nerv.oso (sistema), problemas do
431; a- e o real, 446. Leis; _ psicológJcas, 45-48. _
vidade cognttiva no 280- ·
Lembrança., noçao, 245; flxaçao e -, 61-67; hábitos e -, 68.
Identidade-, princípio de - 484, 2&2; finalidade do - 2á3-286·
491. ' conservação, 246-~5_0; cleforJ!liJ,.: - Neurônio, natureza e função, 53-
~~·. ·=
fenôlllenos afetivos nÓ -= ·237'. -- 57. ,____ ------
ldeograftsmo, noção, 4082. ção, 251; evocação; ·253:.:iM; ·"ré~ •
classificação dos -, 288-296; Ó conhecimento, 257-259; localiza- Neuropsicologia, noção, 14-16.
lgnordncia, - e êrro, 458. - na espécie humana, 277-301 · Nominalismo, teoria do - sôbre a
Ilusões, as - dos sentidos, 156- ção, 260.
- e emoção, 348, 350; - e lin~ Liberdade, noção, 535-537; provas, idéia, 415-416; - e idealismo,
158; - anormais, 159. guagem, 405. 440; teoria do - sôbre os prin-
539-542; natureza, 543-547; ar-
Imagens, - na. percepção, 141- fostinto sexual, noção, 295; _ no gumentos deterministas contra a cípios, 493.
142; fontes da-, 171; problema homem, 302-303, liberdade, 548-552; - e socieda- Númeno, noção, 443.
das - afetivas; 172; natureza Intelecção, condições da - 434- de, 553-554.
p~icológica da -, 175-183; fixa- 435. ' Objeto, exterioridade e localização
Libtdo, primado da -, 317.
çao_ das -, 184-186; -, conser- Intelecto agente, noção e função, Limiar, noção, 85; leis, 86-87. dos -, 148-151; · imagem e -,
l
vaçao das -, 190-191; função 434. 171bis.
l <la -, 192-194; problemas das lnt:,lecto paciente, noção e fun-
Linguagem, - emocional, 352-354;
Obrigação, a - moral como prova
esquemáticas, 195; motricidade çao, 435. - e inteligência, 387; pensa-
mento e -, 393-396; a - con- da liberdade, 540.
das -, 197-198; a - como sín- Intelectualismo, teoria sôbre a ceitual, 397-401; origem da - , Obsessão, noção, 533.
tese, 211-213; esquema e - 232· crença, 472; teoria sôbre a von- 404-408; - escrita, 408. Olfato, noção, 110.
- hipnagógicas, 234bis; as:_ n~ tade, 521-522. Liv11e arbítrio, ver Liberdade. Ontologtsmo, noção, 442.
sonho, 241; - e pensamento Inteligência, a - no instinto, 281- das lembranças, Organização, a percepção e a ima-
414-419; - esquemática e idéia' Localização, -
2~2; instinto e-, 297; - e pai- 260. ginação como -, 211-214.
428c; - e vontade, 5063. ' xoes, 357, 358-359; a - nos ani- Orientação, noção, 117e.
Localizações, - cerebrais, 62-67;
Imaginação, noção, 170; tipos de mais, 377-378; - humana 379· Ouvido, noção, 111.
-, 171~; natureza da - 1842· níveis da-, 384-385; - e razão: · as - e os centros . de imagens,
189.
condições gerais da -, là7-191; 386-393; objeto da - , 436-439; PCDiXáo, noção, 355; causas das -,
imagens e-, 192-196; a - cria- - e vontade, 521. Mania, noção, 533. 356; efeitos das -, 358-360.
dora, 215-232; - e devaneio Inteligibilidade, os 1três graus- de Manismo, nQção, 633, crítica, 635. Palavra, a - e a idéia, 400-401.
234b. ' -:, 432; ser e -, 4368; - e ra- Pansexualismo, - freudiano, 316-
zao de ser, 455. Materialtsmo, - e associacionts-
Imitação, natureza, 307 · - e emo- mo, 207; - mecanista, 63.6-627; 317.
ção, 3533. ' . lnt~rêsse, noção, 46a; na associa- Panteísmo, - e idealismo, 445; -
Imortalidade, noção, 663-664; pro-
- dinamlsta, 628-631; - evolu- e imortalidade da a,lma, 664a.
çao, 214; o - na invenção;225; cionista, 632-636.
vas, 665-667; - extrínseca, 668. o equivoco do-, 315a; o - na Paralelismo, - psicofísico, 628-630.
Impressão, problemas relativos à atenção, 365-367; - e consciên- Mecanismo, discussão do -, 91a; Parental, instinto -, 294.
- orgânica, 90-92; - agradável cia, 596. - materialismo; 207; - e teoria Participação, as - místicas~ 480.
e desagradável, 321. Introspecção, argumentos pró e escocesa, 209. Patologia mental, sua funçao em
Impulso, - e representação, 285; contra a -, 21-24; processos da Medida, - das sensações, 87-89. psicologia, 34; formas de-, 383-
- e desejo, 301; - e vontade -. 27-33. Memória, noção, 245; - imediata, 385.
513-514. ' Intuição, a - em psicologia, 28- 247; reconhecimento na -, 258. Pena, - e dor, 324.
Inatismo, - cartesiano, 44i; - 30; a - eidética, 30; a - sen- Metabolismo, noção, 56. Pensamento, noção, 374; métodos
plat.õnico, 442. sível, 98, 134; a - intelectual, Metempsicose, - e imortalidade para o e-c;tudo do -, 376; nat~-
Inclinação, as - racionais, 304; 4091; a - do eu, 580. da alma, 664b. reza empírica do-, 377-379; m-
- sociais, 305; redução das - Invenção, fat.õres fisiológicos, 217- Método, - e hábito, 78c. veis do -, 380-385; - racional,
314-320. ' 220; fatôres psicológicos, 221-225· Mímica, a - emotiva, 336; - e 390-393; o - sem linguagem,
Inconsciente, o - na invenção fatôres sociais, 226-228; esfôrç~ inteligência,, 393. 393-394; - e discurso, 395-401;
224; problema do -, 604; deli~ de -, 229-232. Mono:d:eísmo, o - da atenção, 369. - e sociedade, 402-403; - r
mitação do -, 605-609 · dominio Motivos, os - na atividade vo- imagens, 414-419, 424-432.
e f11D:ção do -, 610-6Íl; teoria Jôgo, natureza, 308. - luntária, 515, 544-545. Percepção, sensação e -, 128-129;
freudiana d(} -, 614-617. Juízo, noção e divisão, 447-449; na- Motricidade, - das imagens, 197- problemas da -, 136-142; leis,
lndeterminaç{fo, _, do querer, 528; tureza, 45o-452; - de valor, 454- 198. 143-147 ; objeto e-, 148-151; for-
a liberdadé como -, 535. 455; - de crença, 462b; - e von- Móveis, os - na atividade volun- mas normais e anormais da -.
lndiferernça, Ilberdade e -, 543. tade, 506. tária, 515. 152-159; - e -alucinação, 160-
Individualidade, - orgânica 561 Justificação, raciocínio de - 476- Movimento, percepção do -, 126; 165; - e falso reconhecimento,
477. '
Inércia, hábito e -, 69 · - e 'asso~ noção de -, 127. 166-169; imagem e -, 177-183;

l
ciacionismo, 205-207.' a - animal, 195~; reconhecimen-
1 Laboratório, métodos de -, 39-40. Natural, noCão do -, 583a. to na -. 257; - e atenção, 369.
Inibição, - e atenção 368· - no Lapsos, fatos e natureza 601.
automatismo anorm:U, 533. NecessidadJe, noção, 535; hábito e Personalidade, etapas da - , 564-
Lei do interêsse, ver Interêsse. -. 76 ; - de crer, 225. 565; patologia da -, 566-567;
692 ÍNDICE ANALÍTICO DAS MATÉRIAS ÍNDICE ANALÍTICO DAS MATÉRIAS 693

crítica empirista da -, 569- 573; Reação, - emocional, 290, 333- Significação, dado sensorial e -, Tato, o - como sentido térmico,
teoria das - múltiplas, 612. 335; as - nos sentimentos, 336- 140, 147 2 ; a - para o animal; 114; como sentido dolórico, 119;
Pêso, sensação de -, 117. 337; as - inemotivas, 344. 282; discurso e -, 396. como sentido. rou!lcular, 115; -.e
Pessimismo, teoria do -, 327. Real, a' idéia e o -, 446. ·· a.,.-.,,,,,,...,.,, Simbolismo; uó--__:~ e á' ínteligência, ·- esfôrço, 116; :....:. e pêso, 117; ·-
Pictograftsmo, noção, 4081. Realismo, - sensivel, 134b; - mo- 391-392, 399. . interno, 118.
Pragmatismo, teoria sôbre a ver- derado, 423b. Simpatia, a - como instinto, 296; Tecido nervoso, morfologia e fisio-
dade, 457. Recalque, ver Repressão. - ativa e passiva. 305-306. logia, 52-60.
Prazer, natureza, 321-323; relativi- Reconhecimento, - das lembran- Simplicidade, - da alma, 621-622. 7'emperamento, - e invenção,
dade, 325; função, 326-329; fina- ças, 257-259. Sinal, - emocionais, 352-354; - 218b; natureza do-, 5&2.
lidade, 330. Reflexão, natureza, 363a. intencional, 396b; linguagem e - Tendência, a.s - e a realidade
Presciência, - divina e liberdade, Reflexo, noção e espécies 57· - e naturais, 406. objetiva, 299; - e consciência,
549. · determinismo, 59; - e 'sen;ação Sinestesia, noção, 202. 300-301; leis da variação das -,
Predeterminação, - divina e liber-· 94-97; - e percepção, 142; von~ Sinopsia, noção, 202. 309-313.
dade, 549. tade e -, 514. Síntese, - de imagens na inven- Teoria genetista, os postulados
Prelogismos, noção, 479. Reflexo concltcionado (ou condi- ção, 230; o juizo como -, 450; da -, 1362, 149-150.
cional) , noção, 58. a vontade como -, 525; fatôres Terminismo, noção, 423a.
Presente, lembrança. do -, 248. Remtniscêrwia, noção, 2452. da - pslquica, 561-563. Testes, métodos dos-, 31-33; os -
Pressão social, - e invenção, 226- Representação, - e impulsos, 285- Sistema nervoso, ver Nervoso. de inteligência, 381-382.
228; vontade e -, 523-524. 286; - no querer, 502, 505, 521- ,.Sistematização, - e associação, Tipologia, noção, 35.
Prlmtttvos, a razão nos - 479- 522. 213. Todo, primazia do -, 412, 137-138;
480. ' Repressão, teoria freudiana da - Situação, das partes do corpo, 117d. - natural, 136.
Princípio, - de razão de ser, 458; 614-617. ' Sociedade, a questão das - ani- Totem.ismo, noção, 6338, 635c.
- de causalida.de, 486; - de fi- Repulsão, instinto de -, 2922. mais, 296; pensamento e-, 402- Traducianismo, teoria do -, 651.
nalidade, 487; - de substância, Resposta-Reaçllo, noção, 31-32. 403; liberdade e -, 553; o «eu~ Transferência, lei da - das ten-
48&; cara.cteres dos primeiros-, Retrospecç{lo, método de -, 33. e a-, 563. dências, 313; atenção e - ,
489; origem dos primeiros - ,sonambulismo, noção, 244. 307, 367.
Rtso, natureza, 333b. Sonho; · método para o estudo do
490-496. ' Transformismo, o - e a espécie
R!tmo, sensação de -, 1252. -, ·237; mecanismo do -, 237;
Probabilfdalde, - e crença, 469. humana, 655-662.
Psicanálise, função em psicolo..ia análise da consciência onirica, Tropismo, sensação e -, 94-95;
35. Semelhança, lei assoclacionista de 238-240; incoerência do -, 241;
&• '
-,· 202; redução da - à conti- instinto e -, 284.
Paicologts, objeto, 1-19; método güidade,· 2042_ finalidade do -, 241; o - acor-
20-50; divisão, 51. ' dado, 384. Umbral, noção, 85; leis, 86-&7.
Sensação, noção, &2-83; fisiologia, Sono, natureza, 235; psiquismo do
Psicologia animal, função em psi- 84-97; psicologia, 98-119; - e Universais, problema dos -, 415-
cologia, 37-38. -, 238; - patológico, 244; o ins- 416.
percepçao, 128-129; filosofia da tinto do - , 2955.
Psiquismo, noção, 12-13; - neu- -, 134; inconsciência das - Subconsctente, noção, 593; o - na
ropsicologia, 14-16; - e sociolo- 97; subconséiência das -', Valor, ser e -, 454-455.
vida normal, 598-600; na vida Verdade, a - lógica, 456; -
gia, 17; - e vida, 18-19· o - 154c; - e imagem, 175-176. < anormal, 601-602; duas formas e
animal, 38; - no sono ias· - Sensíveis comuns, noção, 120; di- ., , de -, 603; inconsciente e -, coerência, 457.
do instinto, 278b; a est~turi:.. do ferentes -, 121-127; percepção 605-611; 618. Verificação, o raciocínio de -, 475.
- , 612-619. dos -, 128. .·• Sublimação, teoria freudiana. da Vista, noção, 112-113.
Pudor, natureza, 302-303. Sensualismo, noção, 453; teoria sô- -, 316, 319. Voluntwrismo, teoria sôbre a cren-
bre a vontade, 512. Substancia, idéia de -, 433; 492; ça, 467b; crítica do-, 511; teoria
Qualidades sensíveis, problema psi- Sent~dJO, número dos - 104-105· princípio de -, 448; critica da da liberdade, 551 2.
cológico das - , 102-103; os di- descrição, 109-119; inf~libilidadê noção de -, 569, 572-573; a alma Vontade, instinto e -, 298; - e
versos grupos de -, 106-108. do-, 153. como-, 625. paixões, 357, 3592 ; atenção e -,
Questionários, métodos dos - 31- Senttmento, organicidade dos - Sugestão , noção, 531 2 • 3642, 367; - e êrro, 459; - e
32. ' 336-337; psiquismo dos - 338! Sujeição, instinto de -, 293 5 • crença, 468-471; elementos, 501-
Qilidtdade, noção, 4371. identidade das emoções e dos__: Sujeito, o - em psicologia, 4, 50, 502; fases do ato de -, 507-510;
339; função dos -, 349; lóglcá 556; - emplrico, 557-565; natu- teorias sôbre a -, 512-524; na-
Raça, - e inv,enção, 219a. dos -, 4604 ; - intelectuais reza do - empirico, 572-574; tureza da -, 525-529; degrada-
Ractocinio, noçãt>, 473; formas, 419. ' teorias substancialistas, 575- ções da -, 530-533; liberdade e
474-477; etapas do -, 479-480; Ser, idéia de-, 433; a inteligência 58.0. -, 537; - e consciência, 596.
teoria empirista do -, 481. faculdade do ~, 436; - e valor'.
Razão, - e inteligência, 386, 392; 454-455. ,.,
a - primitiva, 480; - e primei- Sexualidade, redução das tendên-
ros principios, 482-489. cias à -, 316-320.

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