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Bioeletrogênese e Sinapses

Dra. Ana Paula Peña Dias


Bioeletrogênse

Bioeletrogênese é a propriedade de certas células (como os neurônios) em gerar e alterar a


diferença de potencial elétrico em suas membranas. Essa habilidade dos neurônios de gerar um potencial
de ação deriva da presença de fortes gradientes iônicos ao longo da membrana; o sódio (Na+) e o cloreto
(Cl–) são altamente concentrados do lado de fora da membrana, enquanto o potássio (K+) é altamente
concentrado do lado de dentro. Esses gradientes são gerados por uma ação contínua das bombas da
membrana, as quais obtêm energia da hidrólise de adenosina trifosfato (ATP). Também na membrana
estão os canais iônicos ativados por voltagem, que regulam o fluxo dos íons Na+, K+ e Ca2+ através da
membrana.

Em repouso, os canais de K+ e Cl– estão abertos. Entretanto, se a membrana é despolarizada,


ultrapassando o potencial limiar para a geração de um potencial de ação, os canais de Na+ ativados por
voltagem abrem-se rapidamente. O aumento no influxo de Na+ leva à despolarização, o que abre mais
canais de Na+, aumentando, por sua vez, ainda mais o influxo de Na+, e assim consecutivamente. Portanto,
uma vez que o limiar é atingido, o potencial de membrana sobe muito rapidamente. Ao mesmo tempo,
canais de K+ dependentes de voltagem, os quais também são ativados pela despolarização, mas em uma
velocidade mais baixa, aumentam sua permeabilidade. Devido ao fato de o íon K+ fluir a favor do seu
gradiente de concentração para fora da célula, juntamente com a redução na corrente de Na+, ocorrerá a
repolarização da membrana. Dessa forma, o potencial de membrana atinge seu pico a um nível de
despolarização determinado pelo gradiente de Na+ e então rapidamente retorna ao potencial de repouso,
determinado pelo gradiente de K+. Uma vez repolarizada, a inativação do Na+ termina (o tempo que isso
leva para acontecer indica o período refratário do neurônio — um breve período no qual o limiar para
disparar um potencial de ação é elevado) e então a célula pode disparar novamente.

Fig 1-Potencial de Ação

Composição celular
Existem dois tipos de células cerebrais: a glia e os neurônios. As células gliais podem ser divididas
em três classes: astrócitos, oligodendrócitos e microglias. Os astrócitos apresentam três funções
tradicionais: fornecem o assoalho de sustentação cerebral, formam a barreira hematoencefálica e guiam a
migração neuronal durante o desenvolvimento. Os oligodendrócitos são responsáveis pela formação da
bainha de mielina, enquanto as microglias tem papel de fagocitose e proteção imunológica.

Os neurônios são o substrato para a maior parte do processamento de informações. Tratam-se de


células altamente diferenciadas que apresentam considerável heterogeneidade de forma e tamanho.
Alguns deles estão entre as maiores células do corpo, como no caso dos neurônios motores superiores, que
se projetam à medula espinal lombar e apresentam axônios de um metro ou mais de comprimento; outros
estão entre as menores células do corpo, como no caso das células granulares do cerebelo.

Embora os neurônios apresentem grande diversidade de tamanhos e formas, geralmente têm


quatro regiões bem-definidas (Figura 1): dendritos, corpo celular, axônio e terminações sinápticas. Cada
região apresenta funções distintas. Os dendritos recebem sinais de outros neurônios, processam e
modificam essa informação e então conduzem esses sinais ao corpo celular. Como em todas as células, o
corpo celular contém, em seu núcleo, a informação genética que codifica para a fabricação dos elementos
necessários à função celular e é o local onde esses elementos são sintetizados, processados e
transportados. O axônio transmite informação a longas distâncias e então se ramifica para formar as
sinapses. As terminações sinápticas são diferenciadas por suas conexões altamente específicas, com
dendritos pós-sinápticos; os elementos-chave são a zona ativa pré-sináptica, de onde o neurotransmissor é
liberado, e a densidade pós-sináptica, onde estão concentrados os receptores para os neurotransmissores
na membrana do dendrito pós-sináptico.

Figura 2- Neurônio

Nos axônios de maior diâmetro, a célula envoltória (Schwann) forma dobras múltiplas e em espiral
em torno do axônio. Ao conjunto dessas dobras múltiplas denomina-se bainha de mielina, cuja composição
é 70% lipídios e 30% proteínas, e possui função de acelerar a velocidade da condução do impulso nervoso.
A bainha forma uma camada isolante em torno do neurônio, o que vai permitir uma transmissão saltatória
pelos nódulos de Ranvier (ou nós neurofibrosos), que são regiões não mielinizadas.

A perda da mielina provoca uma grande variedade de sintomas. Se a bainha de mielina que envolve
a fibra nervosa for lesada ou destruída, os impulsos nervosos se tornam cada vez mais lentos ou não são
transmitidos. O impulso então é transmitido ao longo de toda a extensão da fibra nervosa, o que toma um
tempo bastante maior do que se ele pulasse de um nódulo para outro.

Sinapses

O protótipo de sinapse axodendrítica conecta um terminal axônico pré-sináptico a um dendrito


pós-sináptico. Esse arranjo é típico para neurônios de projeção que transmitem informação de uma região
a outra do cérebro. Em contrapartida, interneurônios de circuitaria local interagem com neurônios vizinhos.
Enquanto os interneurônios podem apresentar conexões axodendríticas e axossomáticas, eles também
podem formar vários outros tipos de contatos sinápticos que aumentam de forma significativa sua
sofisticação funcional. Em alguns casos, dendritos podem fazer contatos sinápticos com dendritos
(conexões dendrodendríticas), ou corpos celulares com corpos celulares (conexões somatossomáticas),
formando circuitos neurais locais que transmitem informação sem disparar o potencial de ação. Axônios
podem formar sinapse em terminais axônicos de outros axônios (conexões axoaxônicas) e modular a
liberação de neurotransmissores mediante a inibição ou a facilitação pré-sináptica.

Os neurotransmissores excitatórios ou inibitórios são liberados por um neurônio (célula pré-


sináptica) e induzem correntes despolarizantes ou hiperpolarizantes nos dendritos de um outro neurônio (a
célula pós-sináptica) e induzem o fluxo iônico através da membrana. Os sinais elétricos resultantes
espalham-se passivamente por certa distância, atingindo o corpo celular dessa maneira. No corpo celular,
esses sinais sinápticos combinam-se e, se forem suficientes, despolarizam o segmento inicial do axônio,
parte mais próxima ao corpo celular e que apresenta o menor limiar para ativação. Quando o nível do
limiar de despolarização é atingido, o potencial de ação é iniciado (onda elétrica que se propaga ao longo
do axônio). Nos terminais axonais, essa onda desencadeia um influxo de cálcio (Ca2+), o que leva à
exocitose dos neurotransmissores das vesículas sinápticas em áreas especializadas, chamadas de zonas
ativas. O neurotransmissor liberado atravessa a fenda sináptica e ativa receptores na densidade pós-
sináptica nos dendritos da célula pós-sináptica.

Figura 3- Sinapse
Neurotransmissores

A maioria das conexões sinápticas no SNC é mediada por neurotransmissores químicos. Embora as
sinapses químicas sejam mais lentas do que as elétricas, permitem a amplificação do sinal, e podem ser
inibitórias ou excitatórias. Essas sinapses podem modular as atividades de outras células através da
liberação de transmissores que ativam cascatas de segundos-mensageiros. Existem duas classes principais
de neurotransmissores no sistema nervoso: pequenas moléculas transmissoras e neuropeptídeos. Em geral,
as pequenas moléculas transmissoras medeiam a transmissão sináptica rápida, são armazenadas em
vesículas sinápticas pequenas e claras e incluem o glutamato, o GABA, a glicina, a acetilcolina, a serotonina,
a dopamina, a norepinefrina, a epinefrina e a histamina. Em contrapartida, os neuropeptídeos representam
uma grande família de neurotransmissores que modulam a transmissão sináptica, são armazenados em
grandes vesículas densas e incluem a somatostatina, os hormônios liberadores hipotalâmicos, as
endorfinas, as encefalinas e os opióides. É interessante notar que as pequenas moléculas transmissoras e
os neuropeptídeos são freqüentemente liberados pelo mesmo neurônio e podem agir em conjunto sobre o
mesmo alvo.

A ação de um neurotransmissor depende das propriedades dos receptores pós-sinápticos ao qual


ele se liga. Os receptores pós-sinápticos ativados por neurotransmissores dividem-se em duas classes:
receptores ionotrópicos e metabotrópicos. Os receptores ionotrópicos são diretamente acoplados a um
canal iônico; esses receptores sofrem uma mudança conformacional que abre o canal quando há a ligação
do neurotransmissor. Isso resulta em despolarização, dando origem a um potencial excitatório pós-
sináptico, ou em hiperpolarização, dando origem a um potencial inibitório pós-sináptico. A junção
neuromuscular é o protótipo de uma sinapse excitatória; a ligação simultânea de duas moléculas de
acetilcolina abre um canal no receptor que é permeável a Na+ e a K+, levando a um potencial de ação que
evoca a contração na fibra motora. Diferentemente da junção neuromuscular, os neurônios do SNC
funcionam em redes dinâmicas, nas quais geralmente nenhuma célula individual possui uma conexão
sináptica tão forte com outra célula, de forma que possa atingir sozinha o seu limiar. Em vez disso, grupos
de neurônios, ativados em conjunto, convergem em um neurônio pós-sináptico para gerar múltiplos
potenciais pós-sinápticos.

Por sua vez, os receptores metabotrópicos não são conectados a canais e regulam a função celular
através da ativação de proteínas G, que se conectam a cascatas de segundos-mensageiros e tem efeitos
modulatórios a longo prazo. Estes receptores G são assim chamados porque são ligados intracelularmente
a proteínas regulatórias ligantes de guanosina trifosfato (GTP). As proteínas G são a primeira conexão nas
cascatas sinalizadoras que podem ativar diretamente proteínas quinases (enzimas que fosforilam proteínas
celulares) ou aumentar o Ca2+ intracelular, ativando indiretamente as quinases.

Os principais neurotransmissores são:

-Acetilcolina: primeiro neurotransmissor descoberto por Henry Dale em 1915. Tem ampla distribuição em
todo o sistema nervoso, central e periférico, estando relacionada com vários processos fisiológicos, como
aumento de salivação e diminuição do ritmo do coração. Tem papel fundamental na placa motora, gerando
a contratura muscular
-Ácido gama-aminobutírico (GABA): principal neurotransmissor de inibição, presente no sistema nervoso
central de mamíferos. Sua função inibitória tem várias aplicações terapêuticas, como no tratamento da
epilepsia e da ansiedade. Várias classes de receptores GABAérgicos foram identificadas. Receptores do tipo
GABA-A são ionotrópicos e formam canais seletivosao Cl– que medeiam a inibição sináptica rápida no
cérebro. Receptores do tipo GABA-B são metabotrópicos, tendem a ser de ação mais lenta e desempenham
um papel modulatório; costumam ser encontrados em terminais pré-sinápticos, onde inibem a liberação de
transmissores.Os receptores GABA-A são membros da superfamília do receptor nicotínico da acetilcolina.

-Glutamato: principal neurotransmissor excitatório do sistema nervoso central participando de processos


sensoriais, cognitivos (como a aprendizagem e memória), emocionais e motores. Tem sido associada a
algumas doenças neurodegenerativas, como a Doença de Alzheimer. Os receptores glutamatérgicos são
divididos em três tipos gerais: receptores N-metil-D-aspartato (NMDA), receptores ionotrópicos não-
NMDA, e receptores glutamatérgicos metabotrópicos. Os receptores NMDA despolarizam a célula pela
abertura de canais que permitem principalmente a entrada de Ca2+ na célula. A propriedade mais
fascinante dos receptores NMDA é que seu canal iônico costuma estar bloqueado pelo íon Mg2+, e por
essa razão no potencial de repouso da maioria dos neurônios, o canal do receptor NMDA encontra-se
obstruído. Para a corrente fluir pelos canais NMDA, o glutamato deve ligar-se ao receptor e a membrana
deve ser despolarizada simultaneamente para deslocar o Mg2+.

-Endorfina: efeitos no humor e sistema imunológico; liberado após atividade física

-Vasopressina: hormônio que funciona como neurotransmissor, relacionado com as funções da memória de
curto e de longo prazo e com a formação de imagens.

-Dopamina: produzido por neurônios dopaminérgicos localizados na substância negra do mesencéfalo.


Tem função cognitiva, emocional e motora. A falta de sua produção leva a Doença de Parkinson

-Serotonina: também conhecido como 5-hidroxitriptamina (5-HT), produzido pela transformação do


aminoácido triptofano. Atua regulando o humor, sono, apetite, ritmo cardíaco, temperatura corporal,
sensibilidade e funções cognitivas (memória e aprendizagem)

-Histamina: aumenta a excitabilidade neuronal, regula as funções do hipotálamo e a relação sono / vigília,
o que explica o efeito sedativo dos anti-histamínicos típicos.

-Adrenalina: catecolamina produzido pelas glândulas supra-renais, com propriedades autonômicas


simpáticas como aumento da freqüência cardíaca, vasoconstrição, taquicardia, midríase. Também
relacionada com o estado de alerta e vigília

-Norepinefrina: atua em estreita relação com a adrenalina nas reações de luta ou fuga (sistema nervoso
autônomo). Os neurônios noradrenérgicos estão localizados principalmente no locus ceruleus, a parte do
cérebro envolvida em reações de estresse e pânico, e na formação reticular.

-Adenosina: atua nos processos bioquímicos associados com a vasodilatação, a imunossupressão e a


broncoconstrição. Possui propriedades sedativas que aumentam o sonho, apesar de seus receptores
podem ser bloqueados por cafeína para promover a vigília.

-Óxido nítrico: um gás presente no organismo em quantidades mínimas, servindo como um


neurotransmissor. Ele é produzido a partir da arginina e difunde-se facilmente através das membranas
celulares devido a sua condição de molécula solúvel em gordura. Está relacionada com a regulação dos
movimentos dos olhos e com o sono paradoxal (fase do sono em que os olhos se movem rapidamente)

-Canabinóides: os receptores canabinóides são distribuídos por todo o corpo e forma parte do sistema
endocanabinóide, que tem a função de controle da homeostase, um processo de equilíbrio dinâmico e que
regula a temperatura e o pH do corpo. Também tem papel no apetite, dor, humor, aprendizagem e
memória

Referências

YUDOFSKY, S. C.; HALES, R. E. Neuropsiquiatria e neurociências na prática clínica. 4 ed. Porto


Alegre: Artmed, p. 1009-29-31

KANDELL, E.R et al. Princípios de Neurociências 5 ed. Porto Alegre: AMGH, 2014. P 63-155

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