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12/09/2020 A história dos japoneses escravizados por portugueses e vendidos pelo mundo mais de 400 anos atrás | Mundo | G1

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A história dos japoneses escravizados por


portugueses e vendidos pelo mundo mais de
400 anos atrás
Pesquisadores estimam que milhares de japoneses foram submetidos a este
mercado, que funcionava de forma ilegal e velada no sul do Japão.

Por BBC
12/09/2020 08h03 · Atualizado há 6 horas

Ilustração de portugueses que atuavam no Japão, capitães de barcos de escravos — Foto: Arquivo Lúcio de Sousa

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12/09/2020 A história dos japoneses escravizados por portugueses e vendidos pelo mundo mais de 400 anos atrás | Mundo | G1

Em 1585, um menino japonês de oito anos de idade foi raptado e vendido como
escravo a Rui Pérez, um comerciante português que atuava em Nagasaki. O menino,
que ficou conhecido como Gaspar Fernandes, nasceu em Bungo (atual província de
Oita, no sul do Japão) e foi o primeiro de cinco escravos asiáticos que Pérez
adquiriria nos anos seguintes.

Pesquisadores acreditam que o menino tenha sido raptado por outro japonês, pois
era comum que os próprios japoneses capturassem pessoas para vender aos
portugueses na região. Junto à família de Pérez, Gaspar passou a atuar como um
serviçal. Ele aprendeu português e espanhol e acabou levado com a família para
Manila, nas Filipinas, onde Pérez foi perseguido e condenado por praticar o
judaísmo em segredo.

O comerciante foi enviado ao México para ser julgado pela Inquisição e acabou
morrendo dois dias antes de atracar no porto de Acapulco.

Em 2013, o pesquisador português Lúcio de Sousa, professor da Universidade de


Estudos Estrangeiros de Tóquio, concluiu o quebra-cabeças da vida de Gaspar e
outros escravos japoneses de Pérez ao descobrir um documento nos Arquivos
Gerais da Nação no México.

"Passei um mês no México, pesquisando horas por dia, até


que o registro do transporte do Gaspar e outros escravos
caiu nas minhas mãos. Eu sabia que não estava apenas atrás
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de um simples documento, eu estava lidando com a vida de


pessoas que existiram de verdade, foram exploradas e
esquecidas", revelou à BBC News Brasil.

Gaspar foi um entre milhares de crianças, adultos, homens e mulheres capturados


no Japão entre o fim do século 16 e o início do século 17. As vítimas eram raptadas
nas camadas mais desfavorecidas da sociedade, depois eram acorrentadas e
empurradas aos navios. Os japoneses acabavam forçados a deixar o país e suas
famílias para sofrer abusos e torturas em terras estrangeiras.

Não há dados sobre quantos japoneses foram escravizados e exportados para o


mundo durante uma lacuna de pelo menos cinquenta anos. Pesquisadores
estimam que milhares de japoneses foram submetidos a este mercado, que
funcionava de forma ilegal e velada no sul do Japão.

"O mercado de escravos não começou com uma estrutura


organizada. Alguns eram raptados, outros se vendiam por
causa da fome extrema e da guerra. Tinham japoneses que
se vendiam para escapar de situações ou para dar o dinheiro
a família, acreditavam que, quando chegassem a Macau,
conseguiriam fugir. Muitos foram enganados e não
receberam dinheiro algum", explica Lúcio.

Apesar de ser no mesmo século do início da colonização portuguesa no Brasil, não


há registros de escravos japoneses enviados ao maior país da América Latina.

"Os portugueses estavam mais interessados em enviar


escravos africanos ao Brasil, por causa da força braçal. Os
asiáticos eram utilizados mais para tarefas domésticas. Em
Lisboa, muitas famílias exibiam seus escravos japoneses
como produtos importados."

Portugueses em solo japonês

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Os portugueses foram os primeiros europeus a entrar em contato com o Japão, em


1543, depois que uma tempestade fez um navio chinês com comerciantes atracar
na Ilha de Tanegashima, na província de Kagoshima (sul do Japão).

O comércio de escravos japoneses só começou mais de uma década depois,


quando os portugueses se instalaram em Macau e uma rota comercial para
Nagasaki foi estabelecida.

Professor Lúcio de Sousa, da Universidade de Estudos Estrangeiros de Tóquio — Foto: Arquivo Pessoal

Em solo japonês, os portugueses trouxeram coisas novas, como as armas de fogo e


o cristianismo.

"Os portugueses eram fundamentais para a economia do Japão na época, pois


intermediavam o comércio com os chineses. Quando já não tinham mais serventia,
pois podiam ser substituídos economicamente pelos holandeses e outros grupos,
foram expulsos", conta Lúcio.

Os padres jesuítas começaram a converter japoneses e alguns "daimyos" — os


senhores feudais que detinham o poder no Japão —, se tornaram católicos por
interesses diversos.

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"Os senhores feudais se convertiam não apenas pelo aspecto religioso. Eles estavam
interessados nas importações de produtos militares trazidos pelos portugueses,
especialmente materiais para fazer pólvora", explica a pesquisadora na área,
Mihoko Oka, professora da Universidade de Tóquio.

Mihoko Oka, professora da Universidade de Tóquio e especialista em história do Japão nos séculos 16 e 17 — Foto:
Arquivo Pessoal

Os escravos em Lisboa
O fortalecimento do catolicismo no Japão culminou em um momento histórico em
1582, quando quatro meninos japoneses partiram de Nagasaki para uma missão
jesuíta na Europa. O evento, que ficou conhecido como a "Missão Tensho", levou
garotos de 13 e 14 anos para conhecer reis, bispos e o papa Gregório 13º em Roma.

"Quando os meninos passaram pela Espanha e Itália, as pessoas saíram curiosas às


ruas. Todos queriam ver japoneses pela primeira vez. Quando eles chegaram em
Lisboa, no entanto, ninguém se interessou. A população local já conhecia os
japoneses, eles eram escravos, estavam inseridos nas comunidades locais", conta
Lúcio.

Os registros mostram que, pelo menos uma década antes de os garotos japoneses
missionários pisarem em Lisboa, já havia japoneses residentes no país.
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"O registro mais antigo é de Jacinta de Sá Brandão, uma escrava japonesa que casou
na Igreja Conceição em Lisboa, em 1573, com Guilherme Brandão, que também foi
um escravo japonês. Jacinta é a primeira mulher japonesa a morar em Portugal de
que se tem conhecimento", revelou.

Registro do livro de casamento da igreja Conceição em Lisboa, de 1573. Documento traz o nome de Jacinta de Sá
Brandão, a primeira mulher japonesa a viver na região que se tem conhecimento — Foto: Arquivo Lúcio de Sousa

A questão das escravas mulheres é particularmente delicada, pois muitas eram


vendidas com finalidades sexuais. Meninas pequenas acabavam raptadas,
exportadas para Portugal e outros países e forçadas a passar pelas mãos de vários
homens.

"A escravatura ainda é vista sob uma ótica masculina e machista. Em Nagasaki havia
bordéis chocantes com escravas coreanas. Os homens escravos não passavam pelo
que as mulheres eram submetidas. Foi chocante compreender isto, o quanto as
mulheres são colocadas de fora do discurso da escravatura", diz.

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Expulsos do Japão
Quem acabou com a "farra" dos portugueses foi Toyotomi Hideyoshi, um poderoso
senhor de guerra, conhecido por unificar o Japão.

Foi em 1587 que ele soube, através de um subordinado, que os portugueses


escravizavam milhares de japoneses na região de Kyushu e os enviavam para fora
do país.

O líder japonês ficou abismado com a notícia e, no mesmo ano, fez uma expedição
militar para Nagasaki que culminou no banimento dos padres.

"Ele ficou chocado com o domínio católico sob o apoio do clã Omura, depois que o
'daimyo' Sumitada Omura se tornou o primeiro senhor feudal cristão. No ano
seguinte, Hideyoshi usou seu comandante militar, Todo Takatora, para recuperar o
território ao Japão", conta o professor especializado em história do Japão Tatsuo
Fujita, do Departamento de Educação da Universidade de Mie.

Fujita acredita que a expansão do catolicismo trouxe preocupações maiores para


Hideyoshi.

"Ele temia que o próximo passo após a conversão religiosa fosse a colonização.
Podemos supor que ele sabia do Tratado de Tordesilhas, a divisão de territórios
entre Portugal e Espanha na América do Sul, ocorrido quase um século antes."

O mercado de escravos continuou mesmo após a sua proibição por lei em 1590 e
não incomodou apenas o líder do Japão, mas a própria estrutura da "Companhia de
Jesus", como era chamada a ordem religiosa. A captura e venda de numerosos
escravos japoneses afetava negativamente a imagem do catolicismo.

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Ilustração sobre a presença de portugueses em Nagasaki no século 16 — Foto: Arquivo Lúcio de Sousa

"O primeiro a tentar parar o comércio de escravos japoneses foi o Rei Sebastião, no
início da década de 1570. No fim da década de 1590, o bispo do Japão, Dom Luís de
Cerqueira, tomou medidas para coibir este mercado", conta a professora Mihoko
Oka.

O bispo agiu em uma reunião fatídica, ocorrida com as lideranças da Companhia de


Jesus em Nagasaki, em 1598. A igreja deixou claro o repúdio ao comércio de
escravos, que funcionava de maneira ilegal e atacava a moral religiosa. Ficou
decidido que os envolvidos seriam punidos com multas, excomunhão e não teriam
licenças para levar japoneses para fora do país.

No entanto, a escravidão persistiu no início do século 17, quando os católicos já


estavam sendo perseguidos e massacrados. Os portugueses acabaram expulsos do
Japão na década de 1630, sob o regime rigoroso do xogunato Tokugawa. O país
entrou em um período de controle severo de influências estrangeiras, que persistiu
por mais de 200 anos.

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