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Planejamento

Metodologias e boas práticas de gerenciamento de obras -


Leanconstruction e Gerenciamento pelas diretrizes

Engenheiro explica metodologias para planejamento e controle de


execução de obras

Edição 229 - Abril/2016

Giulliano Polito
Diretor de obras da Lorenge, Project Management Professional e doutor em engenharia
pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)
polito@polito.eng.br

O presente trabalho dá continuidade à discussão, iniciada na edição de março de 2016


(Téchne no 228), sobre metodologias e boas práticas reconhecidas pelo mercado para a
gestão de empreendimentos. Na primeira parte, apresentamos as principais características
do ciclo Plan, Do, Check, Act (PDCA) e da disciplina de Gerenciamento de Projetos
aplicada à realidade da construção civil. Neste artigo, que conclui a série, apresentaremos
o embasamento teórico da construção enxuta (Lean Construction) e as características do
conceito de Gerenciamento pelas Diretrizes. O conteúdo destes artigos faz parte do livro
Gerenciamento de Obras - Boas Práticas para a Melhoria da Qualidade e da Produtividade
(Editora PINI).

Lean Construction
O pensamento Lean é fundamentalmente uma filosofia que busca a geração de valor para
o cliente e a melhoria contínua dos resultados. Não é somente a aplicação de ferramentas
e técnicas organizadas. Trata-se de uma mudança cultural que deve ser estruturada
dentro de uma estratégia de transformação da companhia. O pensamento Lean se baseia
em cinco princípios: Criar valor (definido pelo cliente); Fluxo de valor (identificar e eliminar
o que não agrega valor); Fluxo (produção em fluxo, estável e sem interrupções); Puxar
(produzir somente quando demandado pelo cliente ou processo anterior) e Perfeição
(busca incansável pela melhoria, por meio da rápida identificação e solução de
problemas). Colocados nessa sequência, representam um guia para implantação da
filosofia Lean. Em 2008 foi proposto pela Comunidade Lean Thinking (CLT) a adoção de
mais dois princípios: conhecer as partes interessadas e inovar sempre, com o objetivo de
direcionar as empresas rumo a altos níveis de desempenho (figura 1).
Figura 1 - Os sete princípios Lean Thinking revistos (fonte: CLT, 2008)

Na década de 1990 um novo referencial teórico foi desenvolvido para gestão de processos
na construção civil, com o objetivo de adaptar os conceitos do Lean Production às
especificidades do setor. Esse movimento teve seu início marcado pela publicação do
trabalho "Application of the New Production Philosophy in the Construction Industry", no
Proceedings of PMI Research Conference 2002, por Lauri Koskela.

A principal diferença entre a filosofia gerencial tradicional e o Lean Construction é


conceitual. O modelo dominante define produção como um conjunto de atividades de
conversão que transformam insumos (materiais, informações, equipamentos e mão de
obra) em produtos intermediários (alvenaria, revestimento, azulejo etc.). No modelo
tradicional, o custo e o planejamento são segmentados apenas pelas atividades de
conversão. Suas principais deficiências incluem o fato de que as parcelas de atividades
que compõem os fluxos físicos entre atividades de conversão não são explicitadas nem
consideradas no planejamento, apesar de consumirem recursos, dificultando, dessa forma,
sua percepção e gestão. O controle da produção e melhorias é focado em subprocessos
individuais e não no sistema de produção como um todo, o que não garante ganho de
desempenho global, podendo, ao contrário, comprometer a eficiência dos fluxos e de
outras atividades de conversão.

O modelo Lean Construction entende a produção como um fluxo de materiais constituído


por atividades de transporte, espera, processamento e inspeção (figura 2), sendo que as
atividades de transporte, espera e inspeção não agregam valor ao produto final. São
denominadas atividades de fluxo. O foco deve ser na melhoria de desempenho das
atividades que agregam valor e na redução das atividades que não agregam.
Figura 2 - Modelo de produção Lean Construction (fonte: Koskela, 2002, adaptado)

As empresas existem para criar valor. A ideia de geração de valor está diretamente
relacionada à satisfação do cliente e, simultaneamente, de todas as partes interessadas,
não sendo inerente à execução de um processo. Um processo só gera valor se
transformar matérias-primas em produtos requeridos pelos clientes, internos ou externos.
Dessa forma, é fundamental iniciar a implantação da filosofia Lean pela identificação
precisa do que representa, ou não, valor para o cliente. Estima-se que cerca de 70% do
tempo gasto pelos trabalhadores da construção civil não agrega valor: transporte, estoque
e retrabalho (Formoso e Lantelme, 2002). Sem a compreensão dessas atividades de fluxo,
torna-se difícil a eliminação das causas de improdutividade. O conceito Lean Construction
é definido por 11 princípios, com grande interação e reforço mútuo entre eles:

Redução das parcelas que não agregam valor


Parte da premissa de que a eficiência de um processo pode ser melhorada e suas perdas
reduzidas pela eliminação de atividades que compõem o fluxo. Exemplos comuns da
aplicação desse conceito são a pré-fabricação ou a otimização da logística eliminando
manuseios desnecessários. Mas atenção, muitas atividades que não agregam valor
diretamente são importantes ao bom funcionamento do sistema, como, por exemplo, as
inspeções de qualidade. Para iniciar a aplicação desse conceito, é necessário explicitar
tais atividades no planejamento, permitindo assim seu controle, análise e possível
eliminação.

Aumento do valor do produto por uma consideração sistemática dos requisitos do


cliente
Trata-se de identificar as necessidades e expectativas dos clientes internos e externos e
considerá-las no projeto e na produção. É exemplo da aplicação desse conceito a
utilização de informações obtidas com a assistência técnica ou em pesquisas de pós-
ocupação para melhoria do produto ou do processo. Sua implantação passa pelo
mapeamento dos processos e pela identificação sistemática dos requisitos dos clientes em
cada estágio.
Redução da variabilidade O combate à variabilidade visa a atingir a maior satisfação do
cliente (interno e externo). O aumento da variabilidade traz consigo o aumento das
atividades que não agregam valor, bem como o tempo de execução da atividade. As faces
mais visíveis da variabilidade são as interrupções de fluxo de trabalho causadas pela
interferência entre as equipes e o retrabalho devido à não aceitação do produto. A
variabilidade pode ser reduzida em parte por meio da padronização de processos.

Redução do tempo de ciclo


Podemos definir ciclo como a somatória de todos os tempos necessários à realização de
uma atividade (transporte, espera, processamento e inspeção). Deve-se buscar a redução
do número de atividades de fluxo, a concentração do esforço em um número menor de
frentes e a eliminação de interdependências entre atividades, possibilitando a realização
de atividades em paralelo. Um exemplo de aplicação desse princípio é a alocação das
equipes para conclusão de pequenos lotes de produção ao invés de espalhar a equipe por
todo o canteiro. Os grandes benefícios dessa prática são a maior facilidade no controle de
produção em função da menor quantidade de frentes de trabalho e consequente
concentração do esforço da equipe gerencial; a maior velocidade de aprendizagem, uma
vez que os erros tendem a aparecer mais rapidamente; a maior precisão nas estimativas
futuras em função da experiência gerada, tornando os novos ciclos mais estáveis; a
redução do tempo total de construção; redução do trabalho em progresso (estoque); entre
outros.

Simplificação pela minimização do número de passos e partes A máxima neste princípio é:


quanto maior o número de passos de um processo, maior tende a ser o número de
atividades que não agregam valor. Isso ocorre devido às atividades de preparação, apoio e
inspeção para cada passo. Também está associada à quantidade de passos a
possibilidade de interferência entre as equipes. Bons exemplos da aplicação deste
conceito é o uso de elementos pré-fabricados e utilização de equipes polivalentes.

Aumento da flexibilidade de saída


Este conceito está associado à capacidade das equipes de se adaptarem para atender às
diversas características dos produtos sem onerar seus custos. Podemos obtê-la reduzindo
os lotes de produção, utilizando equipes polivalentes e adotando processos construtivos
que tenham flexibilidade.

Aumento da transparência
Busca-se com a transparência facilitar a identificação de erros, para identificar
oportunidades de melhoria, disponibilizar informações para realização das atividades e
envolver a equipe no processo de melhoria. Eliminação de tapumes, demarcação de
áreas, comunicação visual e o uso de indicadores de desempenho são formas de
aumentar a transparência.
Foco no controle de todo o processo
É muito importante não perder a visão do todo quando atuamos em atividades específicas
dentro de um processo. Esse é um risco real dentro da indústria da construção civil, uma
vez que existem muitos envolvidos no processo: projetistas diversos, fornecedores de
materiais, subempreiteiros etc. As melhorias nos fluxos devem preceder as melhorias no
processamento. É preciso criar uma visão sistêmica em toda a equipe.

Estabelecimento de melhoria contínua ao processo


É necessário criar uma cultura voltada para a busca incessante pelo aumento de valor e
pela redução do desperdício. Essa busca deve ser capitaneada pelos donos do processo.
Fomentam a instalação dessa cultura práticas como a gestão participativa, a definição de
metas e o seu desdobramento por todos os envolvidos no processo, a padronização como
forma de disseminação de boas práticas e a postura de aceitação de erros honestos.

Balanceamento da melhoria dos fluxos com a melhoria das conversões


É fundamental que exista um equilíbrio entre os avanços obtidos nos fluxos e nas
conversões. A alternância entre o avanço incremental proporcionado pela melhoria dos
fluxos e a ruptura provocada pelo avanço tecnológico proporcionam um crescimento
contínuo. Ambas se reforçam, ou seja, a melhoria nos fluxos facilita a introdução de novas
tecnologias, bem como a estabilidade fornecida por tecnologias mais confiáveis beneficia
os fluxos.

Benchmarking
É necessário que o tempo todo tenhamos um olho voltado para dentro da empresa (busca
da melhoria contínua) e um olho voltado para o mercado (inovações). Não é possível falar
em excelência e aumento de produtividade sem tratar de informações comparativas e
identificação de oportunidades de melhoria. Deve ser um processo estruturado dentro da
companhia.

De forma resumida, podemos dizer que o Lean Construction objetiva principalmente a


redução nos prazos de execução, a redução de estoques, a redução de perdas e
retrabalhos, a melhor aplicação dos recursos disponíveis (materiais e humanos), a
identificação de toda a cadeia de valor e o maior nível de controle e a estabilização do
ambiente operacional. Essa estabilização do ambiente operacional é uma etapa
fundamental no processo de implantação, sendo ela perseguida pela redução da incerteza
na cadeia de suprimentos (projeto, materiais, equipamentos, fornecedores de serviço).

Gerenciamento pelas Diretrizes


O Gerenciamento pelas Diretrizes (GPD), proposto pelo professor Vicente Falconi em
2004, tem sido aplicado por grandes corporações brasileiras e multinacionais com grande
sucesso. Sua obje objetividade, simplicidade e pragmatismo tornam o método uma
ferramenta poderosa para obtenção de resultados. O método busca melhorar
continuamente o sistema de gestão da empresa, de forma a tornar o atingimento da
excelência nos resultados apenas uma questão de tempo.

O GPD pode ser definido como um meio para se conduzirem mudanças rigorosas de
forma estruturada e controlada, objetivando transformar estratégias em realidade, ou seja,
tirar a estratégia do papel. O GPD permite o rompimento com a situação atual para o
atingimento dos resultados almejados.

As diretrizes são estabelecidas no processo de planejamento. Elas devem permear toda a


organização, sendo desdobradas em outras diretrizes sob a responsabilidade de cada
nível hierárquico, sempre com relação meio-fim. É importante que, no desdobramento das
diretrizes para cada nível organizacional haja consenso entre as partes. Entretanto, a
responsabilidade pelo resultado é indelegável, permanecendo sempre como
responsabilidade do gestor.

Com base nas diretrizes, são definidas as metas da organização. As metas devem ser
atingíveis, porém audaciosas. Devem estar acima de sua capacidade atual em atingi-las
de forma a exigir um crescimento da organização para tal. Quando o desdobramento das
metas é numérico, existe uma maior probabilidade de se atingir esse resultado. No
desdobramento das metas é necessário extrair todo o conhecimento da equipe e promover
o entusiasmo e a determinação de atingi-las. É também um momento de criar um
compromisso de todos com os objetivos.

Segundo Falconi, o verdadeiro poder reside na habilidade de coletar, processar e dispor a


informação de tal modo a transformá-la em conhecimento, que pode ser utilizado para
atingir metas. O gerenciamento pelas diretrizes é um sistema focado no atingimento de
metas e na resolução de problemas crônicos e desafiantes de uma organização. Podemos
dizer que gerenciar é atingir metas, ou seja, não existe gerenciamento sem meta (figura 3).
Figura 3 - Gerenciamento pelas Diretrizes (fonte: Falconi, 2004, adaptado)

Empresas que queiram se destacar e criar diferenciais competitivos sustentáveis devem


tornar-se exímias solucionadoras de problemas, uma vez que podemos definir uma
empresa, ou um empreendimento, como uma grande coleção de problemas. Grandes
erros e desperdícios são evitados com a definição correta de um problema. Normalmente,
ao se analisar um problema crônico, todos acham que já sabem quais as causas e como
solucioná- las. É preciso romper com o "achismo" e construir um gerenciamento de bases
científicas com a finalidade de buscar resultados fora do comum.

Quando uma meta estabelecida e acordada não é atingida, é necessário que o


responsável por ela apresente sua reflexão, identificando as causas que geraram a
discrepância e as contramedidas para essas causas. O maior erro de um gestor é
negligenciar a análise profunda das causas do não atingimento de uma meta. A boa
reflexão é a força desse gerenciamento. A análise transforma a informação em
conhecimento para que possa suportar a tomada de decisão acertada. Não existe o
gerenciamento pelas diretrizes sem o exercício de análise e reflexão. Da mesma forma,
análises realizadas sem o devido entendimento dos fatos, com base em "bom senso",
"experiência", "intuição" ou "coragem", resultam invariavelmente em planos de ação
inócuos e desperdiçam recursos valiosos da organização. Existe um mito em construção
civil de que, uma vez definida a meta, basta pressionar a equipe para que ela seja
atingida. Tal mito não se sustenta na complexidade dos empreendimentos atuais.
A um conjunto de medidas para o atingimento de uma meta denominamos planos de ação.
Os planos de ação colocam o gerenciamento em movimento, ou seja, viabilizam ações
concretas. Cada pessoa em cada nível hierárquico deve ter seu próprio plano de ação. As
medidas devem ser as mais eficazes, simples, baratas e rápidas de serem implementadas.
Elas também devem ser priorizadas de forma a otimizar a utilização de recursos da
organização e potencializar os resultados obtidos. Prioriza-se comumente em função da
sua capacidade de contribuir com o resultado, emergência, custo e alinhamento com a
organização.

Para o acompanhamento das metas são definidos itens de controle. Eles devem ser
verificados sistematicamente, de forma que, ao se perceber desvios em relação à meta, as
causas desses desvios sejam identificadas. Gerenciar é atuar sobre essas causas. Esse
processo faz girar o PDCA e não deve ser utilizado apenas para se pressionar a equipe
por resultados. Quando ações tomadas para solucionar problemas não obtiverem sucesso,
não basta encontrar uma explicação. É preciso esclarecer os motivos da ineficácia das
ações e quais novas ações reverterão o resultado. O conhecimento das causas de
variações - positivas ou negativas - nos resultados promove a melhoria do processo de
planejamento dos ciclos futuros e um maior conhecimento do processo. Reuniões
periódicas de acompanhamento dos resultados devem ocorrer também em todos os
níveis, sendo que devem iniciar pelas equipes próximas à operação, seguido pelas
gerências e diretoria (de baixo para cima).

É preciso existir um equilíbrio na definição das metas. Avaliar os gerentes somente pelos
resultados de prazo e custo leva-os a negligenciar os processos que produzem esse
resultado. É preciso que o gerente esteja sempre atento ao processo que produz o
resultado, de forma a identificar os erros, analisar e promover a melhoria contínua. Para
um gerente, não basta cobrar resultados; ele deve assumir a responsabilidade de levar a
equipe ao atingimento das metas. São condições fundamentais para implantação do GPD
a liderança e a motivação de todos os colaboradores.

O aumento da maturidade da equipe nos métodos de análise leva tempo e não existem
atalhos. O que realmente melhora o resultado da empresa é desenvolver em todos os
seus colaboradores a capacidade de atingir metas. Não adianta sofisticar o gerenciamento
pelas diretrizes sem disciplina e estabilidade na operação. O GPD só mostrará
completamente seus frutos se a gestão da rotina do dia a dia dos empreendimentos estiver
sendo amplamente praticada.

LEIA MAIS

Gerenciamento de Obras - Boas Práticas para a Melhoria da Qualidade e da


Produtividade.
Giulliano Polito. São Paulo: Editora PINI, 2015.
Metodologias e Boas Práticas de Gerenciamento de Obras - PDCA e Gerenciamento
de Projetos.
Giulliano Polito. Revista Téchne no 228, março de 2016, São Paulo, pág. 28-33.

Critérios para Desenvolvimento de Sistemas de Indicadores de Desempenho


Vinculados a Objetivos Estratégicos em Empresas de Construção Civil.
Formoso, C. T.; Lantelme, E. M. V. In: Encontro Nacional de Engenharia de Produção, 22,
e International Conference on Industrial Engineering and Operations, 8, 2002. Curitiba,
2002.

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