Você está na página 1de 210

Fundamentos e

Metodologias da
Alfabetização e
Letramento
Prof. Brigitte Klenz Jung

2012
Copyright © UNIASSELVI 2012

Elaboração:
Prof. Brigitte Klenz Jung

Revisão, Diagramação e Produção:


Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI

Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri


UNIASSELVI – Indaial.

372.414
J951f Jung, Brigitte Klenz
Fundamentos e metodologias da alfabetização e letramento /
Brigitte Klenz Jung. Indaial : Uniasselvi, 2012.

200 p. : il.

Inclui bibliografia.
ISBN 978-85-7830-520-8

1.Alfabetização - letramento. I. Centro Universitário Leonardo


da Vinci

Impressão por:
Apresentação
Discutir sobre a alfabetização e o letramento é uma tarefa ampla. Ela
consiste em buscar fundamentar e subsidiar a prática pedagógica, em que
nos encontramos inseridos em nosso cotidiano.

Alfabetizar traz em si, como a própria palavra sinaliza, aspectos


referentes a um código que fazemos uso, o alfabeto. Esse código está
acentuadamente presente no nosso dia a dia. Estar presente não significa que
todos o dominem e nem que saibam a importância e as implicações do seu
uso no meio social.

Oferecer oportunidades para que se conheça o código alfabético


e o seu uso é uma das tarefas atribuídas às instituições escolares desde os
primeiros anos do Ensino Fundamental. Contudo, não basta conhecer o
código, é preciso saber o que ‘podemos fazer’ com ele. Diante disso, ao longo
dos últimos anos, as preocupações têm se voltado aos estudos do letramento.

‘Conversar’ sobre o letramento é ampliar o horizonte da alfabetização,


visto que ela está inserida nas abordagens do letramento. Como isso se dá? O
que é pertinente a cada uma dessas áreas de estudo e conhecimento? É sobre
esses e outros assuntos que estudaremos ao longo deste caderno.

As páginas que seguem procuram dirimir algumas dúvidas, instigar


a reflexão, ampliar conhecimentos, enfim, servir de suporte para uma prática
pedagógica bem fundamentada.

Para tanto, dividimos o caderno em três unidades de estudo. Na


Unidade 1, o foco está voltado a questões pertinentes à linguagem, leitura e
escrita. O papel da gramática e a avaliação da escrita.

Já na Unidade 2, abordaremos a alfabetização. Estudaremos sentidos


a ela atribuídos, aspectos da sua história, métodos e instrumentos para
alfabetizar (cartilhas) utilizados ao longo do tempo. Além disso, algumas
características inerentes a quem alfabetiza e a quem é alfabetizado.

E na Unidade 3, a nossa atenção se volta ao letramento. Buscamos


conhecer do que se trata e como é possível trabalhar na perspectiva do
letramento no ambiente escolar. Discutiremos acerca dos gêneros textuais e
sua relevância quanto ao intuito de alfabetizar tendo em vista o letramento.
Retomaremos a temática da avaliação, pensando-a sob a ótica do letramento.

III
Por meio da construção e apresentação dessas unidades, pretendemos
auxiliar você, caro(a) acadêmico(a), a construir conhecimentos. Esperamos
que o ‘saber fazer’ faça mais sentido através dos escritos aqui apresentados.
Por isso, desejamos bons e proveitosos estudos! E, não se esqueça: vá além
do que está escrito, busque nas indicações bibliográficas e de sites outras
informações complementares.

Bom proveito!

Prof.ª Brigitte Klemz Jung

NOTA

Você já me conhece das outras disciplinas? Não? É calouro? Enfim, tanto para
você que está chegando agora à UNIASSELVI quanto para você que já é veterano, há
novidades em nosso material.

Na Educação a Distância, o livro impresso, entregue a todos os acadêmicos desde 2005, é


o material base da disciplina. A partir de 2017, nossos livros estão de visual novo, com um
formato mais prático, que cabe na bolsa e facilita a leitura.

O conteúdo continua na íntegra, mas a estrutura interna foi aperfeiçoada com nova
diagramação no texto, aproveitando ao máximo o espaço da página, o que também
contribui para diminuir a extração de árvores para produção de folhas de papel, por exemplo.

Assim, a UNIASSELVI, preocupando-se com o impacto de nossas ações sobre o ambiente,


apresenta também este livro no formato digital. Assim, você, acadêmico, tem a possibilidade
de estudá-lo com versatilidade nas telas do celular, tablet ou computador.
 
Eu mesmo, UNI, ganhei um novo layout, você me verá frequentemente e surgirei para
apresentar dicas de vídeos e outras fontes de conhecimento que complementam o assunto
em questão.

Todos esses ajustes foram pensados a partir de relatos que recebemos nas pesquisas
institucionais sobre os materiais impressos, para que você, nossa maior prioridade, possa
continuar seus estudos com um material de qualidade.

Aproveito o momento para convidá-lo para um bate-papo sobre o Exame Nacional de


Desempenho de Estudantes – ENADE.
 
Bons estudos!

IV
V
VI
Sumário
UNIDADE 1: ESCRITA E LEITURA – RUMO À ALFABETIZAÇÃO ........................................ 1

TÓPICO 1: SOBRE A LINGUAGEM ................................................................................................ 3


1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 3
2 CONCEPÇÕES DE LINGUAGEM ................................................................................................. 3
3 A LINGUAGEM VERBAL ORAL E ESCRITA: SEMELHANÇAS E DIFERENÇAS ............ 8
4 VARIAÇÕES LINGUÍSTICAS – A IMPORTÂNCIA DA SOCIOLINGUÍSTICA ............... 11
RESUMO DO TÓPICO 1 .................................................................................................................... 16
AUTOATIVIDADE .............................................................................................................................. 17

TÓPICO 2: A LINGUAGEM VERBAL ESCRITA .......................................................................... 19


1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 19
2 A HISTÓRIA DA ESCRITA ............................................................................................................. 19
3 NOSSO SISTEMA DE ESCRITA: O ALFABETO ........................................................................ 25
4 ASPECTOS DO NOSSO SISTEMA DE ESCRITA ..................................................................... 29
5 CONHECIMENTOS NECESSÁRIOS PARA QUEM SE APROPRIA DA ESCRITA ........... 31
RESUMO DO TÓPICO 2 .................................................................................................................... 33
AUTOATIVIDADE .............................................................................................................................. 34

TÓPICO 3: A LEITURA ....................................................................................................................... 35


1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 35
2 O QUE É LER? .................................................................................................................................... 35
3 ESTRATÉGIAS DE LEITURA ......................................................................................................... 39
4 A LEITURA COMO PRÁTICA SOCIAL – ‘LER O MUNDO’ .................................................. 43
RESUMO DO TÓPICO 3 .................................................................................................................... 48
AUTOATIVIDADE .............................................................................................................................. 49

TÓPICO 4: O LUGAR DA GRAMÁTICA E A QUESTÃO DOS ‘ERROS’ ............................... 51


1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 51
2 ORTOGRAFIA – UMA ALIADA NA/DA APRENDIZAGEM ................................................. 51
3 PRINCIPAIS ‘ERROS’ ENCONTRADOS NAS SALAS DE AULA – ABRINDO
CAMINHOS PARA REFLEXÃO .................................................................................................... 52
4 AVALIAR LEITURA E ESCRITA NA ESCOLA – VALORIZAR CONTEXTOS ................... 56
LEITURA COMPLEMENTAR ............................................................................................................ 60
RESUMO DO TÓPICO 4 .................................................................................................................... 63
AUTOATIVIDADE .............................................................................................................................. 64

UNIDADE 2: A ALFABETIZAÇÃO .................................................................................................. 65

TÓPICO 1: FUNDAMENTOS DA ALFABETIZAÇÃO ................................................................. 67


1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 67
2 DESVENDANDO SENTIDOS ATRIBUÍDOS À ALFABETIZAÇÃO .................................... 67
2.1 ALFABETO .................................................................................................................................... 68
2.2 ALFABETIZAR; ALFABETIZAR+AÇÃO .................................................................................. 70

VII
2.3 ALFABETIZADOR ....................................................................................................................... 71
RESUMO DO TÓPICO 1 .................................................................................................................... 74
AUTOATIVIDADE .............................................................................................................................. 75

TÓPICO 2: PERCORRENDO A HISTÓRIA DA ALFABETIZAÇÃO ........................................ 77


1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 77
2 DO ALEF AO ALFABETO ................................................................................................................ 77
3 UM CÓDIGO EM MÃOS, E AGORA? MATERIAIS DE ALFABETIZAÇÃO: PARA
ALÉM DA CARTILHA ..................................................................................................................... 78
4 DE ROUSSEAU A FERREIRO: UMA LINHA DO TEMPO ...................................................... 87
RESUMO DO TÓPICO 2 .................................................................................................................... 101
AUTOATIVIDADE .............................................................................................................................. 102

TÓPICO 3: CONCEPÇÕES E MÉTODOS DE ALFABETIZAÇÃO ............................................ 105


1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 105
2 POR QUE CONCEPÇÕES DE ALFABETIZAÇÃO? ................................................................... 106
3 MANEIRAS DE ALFABETIZAR: OS MÉTODOS ...................................................................... 107
3.1 MÉTODOS SINTÉTICOS: DAS PARTES PARA O TODO ..................................................... 107
3.1.1 Método alfabético . ............................................................................................................... 108
3.1.2 Método silábico .................................................................................................................... 108
3.1.3 Método fônico . ..................................................................................................................... 109
3.2 MÉTODOS ANALÍTICOS: DO TODO PARA AS PARTES .................................................... 111
3.2.1 Método global: Decroly e suas contribuições .................................................................. 112
3.2.2 Freinet e o método natural ................................................................................................. 112
3.2.3 Método construtivista: as pesquisas de Ferreiro e Teberosky ....................................... 112
3.2.4 Paulo Freire: ultrapassando um método .......................................................................... 114
4 A CONSCIÊNCIA FONOLÓGICA ................................................................................................ 116
RESUMO DO TÓPICO 3 .................................................................................................................... 119
AUTOATIVIDADE .............................................................................................................................. 120

TÓPICO 4: SOBRE QUEM ALFABETIZA, QUEM É ALFABETIZADO E ‘COMO’ SE


ALFABETIZA ..................................................................................................................... 121
1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 121
2 POSTURAS DE UM(A) ALFABETIZADOR(A) ........................................................................... 121
3 QUEM É ALFABETIZADO PRECISA SABER O/ DO QUÊ? .................................................... 122
4 IDEIAS PRÁTICAS PARA ALFABETIZAÇÃO ........................................................................... 125
LEITURA COMPLEMENTAR ............................................................................................................ 127
RESUMO DO TÓPICO 4 .................................................................................................................... 130
AUTOATIVIDADE .............................................................................................................................. 131

UNIDADE 3: O LETRAMENTO ........................................................................................................ 133

TÓPICO 1: SENTIDOS ATRIBUÍDOS AO LETRAMENTO ....................................................... 135


1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 135
2 O QUE SIGNIFICA LETRAMENTO? ........................................................................................... 135
3 ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO: ALIADOS NAS CONQUISTAS DE
ESPAÇOS SOCIAIS .......................................................................................................................... 139
4 PERSPECTIVAS DO LETRAMENTO – A DIMENSÃO INDIVIDUAL E A
DIMENSÃO SOCIAL ....................................................................................................................... 142
RESUMO DO TÓPICO 1 .................................................................................................................... 149
AUTOATIVIDADE .............................................................................................................................. 150

VIII
TÓPICO 2: PROMOVER SITUAÇÕES DE LEITURA E ESCRITA – OS GÊNEROS
TEXTUAIS ......................................................................................................................... 153
1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 153
2 TEXTOS E GÊNEROS TEXTUAIS SÃO SINÔNIMOS? ........................................................... 153
3 DIÁLOGO ENTRE GÊNEROS TEXTUAIS .................................................................................. 159
4 O TRABALHO COM SEQUÊNCIAS DIDÁTICAS ................................................................... 163
RESUMO DO TÓPICO 2 .................................................................................................................... 166
AUTOATIVIDADE .............................................................................................................................. 167

TÓPICO 3: ALFABETIZAR LETRANDO – CONTEXTOS DIVERSOS .................................... 169


1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 169
2 ALFABETIZAR LETRANDO NAS SÉRIES INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL .... 169
3 ALFABETIZAR LETRANDO NA EDUCAÇÃO ESPECIAL ..................................................... 171
4 ALFABETIZAR LETRANDO NA EJA ........................................................................................... 174
RESUMO DO TÓPICO 3 .................................................................................................................... 179
AUTOATIVIDADE .............................................................................................................................. 180

TÓPICO 4: PENSANDO SOBRE A AVALIAÇÃO ......................................................................... 181


1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 181
2 AVALIAÇÃO NAS CLASSES DE ALFABETIZAÇÃO ............................................................... 181
3 AVALIAR E MEDIR LETRAMENTO(S) – É POSSÍVEL? .......................................................... 187
4 AVALIAÇÃO COMO FORMA DE (RE)PENSAR A PRÁTICA PEDAGÓGICA .................. 189
LEITURA COMPLEMENTAR ............................................................................................................ 191
RESUMO DO TÓPICO 4 .................................................................................................................... 193
AUTOATIVIDADE .............................................................................................................................. 194
REFERÊNCIAS ...................................................................................................................................... 195

IX
X
UNIDADE 1

ESCRITA E LEITURA – RUMO À


ALFABETIZAÇÃO

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
O conteúdo desta unidade visa:

● conhecer aspectos referentes à linguagem e suas concepções;

● estudar sobre a história da escrita;

● compreender aspectos do nosso sistema de escrita, o alfabético;

● estudar sobre a leitura, estratégias e motivações;

● refletir sobre as hipóteses diante da escrita e o porquê de não serem consi-


deradas ERROS;

● conhecer o papel/lugar da gramática;

● discutir sobre a avaliação referente à escrita.

PLANO DE ESTUDOS
Organizamos esta unidade em quatro tópicos. Cada tópico é seguido de
um resumo e de uma autoatividade. Além disso, ao final da unidade, você
encontrará uma leitura complementar sobre o tema: leitura.

TÓPICO 1 – SOBRE A LINGUAGEM

TÓPICO 2 – A LINGUAGEM VERBAL ESCRITA

TÓPICO 3 – LEITURA

TÓPICO 4 – O LUGAR DA GRAMÁTICA E A QUESTÃO DOS ‘ERROS’

1
2
UNIDADE 1
TÓPICO 1

SOBRE A LINGUAGEM

1 INTRODUÇÃO
Neste primeiro tópico do nosso caderno estudaremos sobre a linguagem.
É importante compreendermos alguns aspectos pertinentes a ela. Isso porque,
posteriormente, pretendemos tecer compreensões referentes à escrita, à leitura,
à alfabetização, ao letramento, aspectos estes diretamente ligados à linguagem.
Portanto, sinta-se convidado a percorrer os primeiros passos dessa caminhada!

2 CONCEPÇÕES DE LINGUAGEM
O título desta seção sugere que pensemos a respeito de uma palavra:
CONCEPÇÃO.

Primeiramente, recorreremos ao dicionário para tentarmos construir,


descobrir um sentido para a palavra mencionada. Lá, encontramos cinco
referências, das quais apresentaremos as duas últimas, quais sejam:

NOTA

CONCEPÇÃO: 1. Noção, ideia, conceito, compreensão. 2. Modo de ver, ponto de


vista; opinião, conceito. (FERREIRA, 1999, p. 519).

3
UNIDADE 1 | ESCRITA E LEITURA – RUMO À ALFABETIZAÇÃO

de
autoativida

A partir dessas definições para CONCEPÇÃO, poderíamos reescrever o nosso


título. De que forma (s)? Como você o (re)escreveria?
_________________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________________

Retomando a nossa linha de pensamento, temos como ponto de referência,


então, a tentativa de estudarmos noções, conceitos de linguagem.

Os nossos contextos de vida são permeados por linguagem. Um autor que


se debruçou sobre estudos e teorias referentes, também, à linguagem foi o russo
Lev Semenovich Vygotsky (1896-1934). Seus estudos difundiram-se muito no
âmbito educacional, servindo de base para muitas práticas pedagógicas. Segundo
as abordagens deste autor, a linguagem humana surge a partir de necessidades da
vida social, em grupo. Exemplo: quando sentimos medo, tentamos expressar este
sentimento de alguma maneira, seja através do choro, da conversa com alguém,
de algum gesto etc. Isso para que haja alguma reação diante do nosso sentimento,
ou seja, a vida em comunidade acontece pela linguagem.

Muitos pensam que quando conversamos a respeito da linguagem,


referimo-nos à escrita. Isso não está errado. Contudo, a escrita é, apenas, um tipo
de linguagem. Partindo disso, que tal esclarecermos, com base na perspectiva
vygotskyana, o que vem a ser linguagem?

NOTA

Linguagem: o sistema simbólico básico de todos os grupos humanos. Ela


fornece conceitos, formas de organização do real, a mediação entre o sujeito e o objeto
do conhecimento. É por meio dela que as funções mentais são socialmente formadas e
culturalmente transmitidas.

Interessante, não é mesmo? Vygotsky pontua que TODOS os grupos


humanos são mediados pela e através da linguagem. Leia a interessante
observação do linguista Marcos Bagno (2009, p. 20): “Todas as pessoas (inclusive as
surdas!) são dotadas de linguagem e expressam essa linguagem com maravilhosa
competência (no caso das surdas, por meio da língua de sinais, que é uma língua
como qualquer outra...)”.
4
TÓPICO 1 | SOBRE A LINGUAGEM

Depreendemos desses dizeres que a linguagem perpassa os seres humanos


e os grupos sociais nos quais vivem e convivem. Note que tanto Vygotsky quanto
Bagno utilizaram palavras que indicam totalidade: TODOS, TODAS.

Além disso, e, como complemento desta totalidade, recorremos a outro


teórico, Bakhtin (2003), que apresenta linguagem como sendo usada em todos
os campos da atividade humana. Isso significa que não se trata, apenas, da
linguagem verbal, oral e escrita, mas também da linguagem extraverbal, da qual
a linguagem de sinais, as imagens, fazem parte. Enfim, seja qual for o tipo de
linguagem, sempre há uma intenção envolvida. Essas intenções permitem que
possamos compreender e agir em nossos contextos de vida, além de discutirmos,
tomarmos posições. A linguagem permite que nos desenvolvamos.

Certamente, você já percebeu que este assunto é amplo, não é mesmo?


Retomemos o conceito de linguagem apresentado anteriormente, este soa um
pouco complexo num primeiro momento. Tentemos prosseguir, destrinchando o
que for possível! Vamos em frente?

de
autoativida

O que lhe ocorre quando você lê SISTEMA SIMBÓLICO? Procure explicar nas
linhas a seguir:
_________________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________________

Sistemas simbólicos dão a entender que temos diante de nós alguns


conjuntos de símbolos, certo? Através destes conjuntos é possível que haja
compreensão entre nós. Tomemos como exemplo este caderno: do lado de cá nós
nos apropriamos do sistema da escrita a fim de levar até você informações sobre
o conteúdo em questão. Do lado de lá, revisores, diagramadores, coordenadores
de curso, tutores, tomam este caderno em mãos e leem o que escrevemos. Aqui
deparamos com a leitura, que também é uma faceta da linguagem. A partir de
acordos de compreensão, correções necessárias etc. o caderno é finalizado para
que você o receba pronto. Pronto? Com certeza NÃO, pois, para compreender o
que está escrito aqui você acionará elementos do seu contexto de vida, atribuindo
sentidos aos nossos escritos. Além disso, muitas abordagens aqui apresentadas
serão internalizadas, outras, com o tempo, esquecidas para serem (ou não)
retomadas em outros momentos.

Passado um tempo, talvez, este caderno não existirá mais, ou, você
o recuperará para rever algum assunto. Os escritos não mudam, o papel foi
impresso e a versão será essa que você tem em mãos. Porém, você não será mais

5
UNIDADE 1 | ESCRITA E LEITURA – RUMO À ALFABETIZAÇÃO

o mesmo. A sua história de vida será acrescida de novas experiências, o tempo


será outro. Tudo isso faz parte da linguagem. É nessa linha de pensamento que
se encaixa o restante do conceito de linguagem apresentado anteriormente. Que
tal recuperá-lo?

NOTA

Ela fornece conceitos, formas de organização do real, a mediação entre o sujeito


e o objeto do conhecimento. É por meio dela que as funções mentais são socialmente
formadas e culturalmente transmitidas.

As mediações entre você, acadêmico(a), o material escrito, seus professores


e colegas para além da sua graduação, ampliarão seu conhecimento. O que você
fará posteriormente, a maneira de compartilhar o seu conhecimento, permitirá a
transmissão do que aprendeu. Além disso, pode ser que você se lembre de algum
livro que não foi utilizado por nós enquanto escrevíamos estas páginas. Assim,
a leitura destas outras obras acrescentará conhecimentos a estes que você está
construindo aqui.

Dessa forma, podemos inferir que a linguagem abarca uma gama de


sistemas simbólicos, dentre os quais: a escrita, a leitura, a fala, as imagens, os
gestos, dentre outros.

Que tal recuperarmos a proposta lançada no título desta seção? Lembram-


se do que tratava? Isso mesmo, das CONCEPÇÕES DE LINGUAGEM.

Grande parte dos estudiosos da linguagem, dentre os quais Geraldi (2006),


indicam três concepções:

1. A linguagem é a expressão do pensamento.


2. A linguagem é instrumento de comunicação.
3. A linguagem é uma forma de interação.

Abordaremos cada uma destas concepções separadamente, a fim de


facilitar a sua compreensão. Adiante!

A LINGUAGEM ÉA EXPRESSÃO DO PENSAMENTO. Tradicionalmente,


é essa a concepção que mais encontramos. Contudo, se pararmos para analisar
a explicação dada a essa concepção – expressão do pensamento – ocorre-nos um
exemplo: você já deve ter se deparado com alguém que encontra dificuldades em
se expressar, seja pela escrita, ou em uma apresentação oral de algum trabalho.
Muito se ouve:

6
TÓPICO 1 | SOBRE A LINGUAGEM

— Não posso nem pensar em ministrar uma palestra! Chego a passar mal só
de imaginar!
— Tenho muita dificuldade em desenvolver um texto escrito, as ideias
estão na cabeça, mas na hora de pôr no papel a coisa desanda.

Estes são só alguns exemplos. Tente lembrar-se de outros. Se, a partir dos
exemplos anteriores, afirmarmos que a linguagem é a expressão do pensamento,
então é como se disséssemos que estas pessoas que encontram dificuldades de
se expressar, não pensam. Sabemos que isso não é verdade. Talvez, poderíamos
acrescentar a essa concepção algumas palavras que ampliariam a nossa compreensão:

ATENCAO

A linguagem também é a expressão do pensamento.


A linguagem não é só a expressão do pensamento.

A LINGUAGEM É INSTRUMENTO DE COMUNICAÇÃO. Essa


concepção é proveniente da teoria da comunicação. Nessa teoria, a língua é
vista como um código, que pretende transmitir uma mensagem a um receptor.
Contudo, perde-se nessa concepção a visão de que quem faz uso da linguagem
está inserido em contextos de vida que mudam constantemente, o que interfere
no uso da linguagem.

Por meio dessa concepção parece que a linguagem é tida como uma
ferramenta pronta e acabada que está disponível quando necessário. Talvez você
já tenha visto um gráfico como este que apresentaremos a seguir, que demonstra
como a linguagem é compreendida segundo essa concepção:

FIGURA 1 – CONCEPÇÃO DE LINGUAGEM

FONTE: Disponível em: <http://educacao.uol.com.br/portugues/


ult1706u16.jhtm>. Acesso em: 7 abr. 2011.

7
UNIDADE 1 | ESCRITA E LEITURA – RUMO À ALFABETIZAÇÃO

A LINGUAGEM É UMA FORMA DE INTERAÇÃO. Para explicarmos


esta concepção, apresentaremos as palavras de Geraldi (2006, p. 41): “Por meio da
linguagem, o sujeito que fala pratica ações que não conseguiria levar a cabo, a não
ser falando; com ela o falante age sobre o ouvinte, constituindo compromissos e
vínculos que não preexistiam à fala”.

Nessa concepção os falantes se tornam sujeitos por se constituírem pelas


relações sociais. A linguagem só existe nessas relações.

Nos contextos de sala de aula, a concepção de linguagem adotada nos


materiais de apoio (livros didáticos, apostilas), interferem diretamente nas
questões referentes à alfabetização.

Ressaltamos que a nossa concepção de linguagem visa à interação.


Pretendemos, ao longo deste fascículo, interagir constantemente com você. E,
através dessa interação, nos (re)constituirmos sujeitos de linguagem.

A fim de finalizarmos essa seção, reiteramos que estudar sobre linguagem


é algo bastante amplo e complexo. Há muito sobre a linguagem que permanece
um mistério, ou seja, ainda pode ser desvendado ao longo do tempo. Este assunto
não está esgotado. Além disso, são muitos os estudos realizados na área, cada qual
seguindo aspectos filosóficos que, ora se aproximam, ora se afastam bruscamente,
caindo em contradições. Contudo, o mais importante é lembrarmos que somos
seres constituídos pela linguagem e pelas interações que ela promove.

Na próxima seção abordaremos outro assunto, também referente à linguagem:


as semelhanças e diferenças entre a escrita e a oralidade. Acompanhe-nos!

3 A LINGUAGEM VERBAL ORAL E ESCRITA: SEMELHANÇAS E


DIFERENÇAS
Ao visualizarmos o título que abre esta seção, percebemos que ele nos
fornece uma pista: a de que a linguagem verbal pode ser oral ou escrita. E, sinaliza
que existem semelhanças e diferenças entre esses dois tipos de linguagem.

Antes de prosseguirmos, que tal compreendermos o que é LINGUAGEM


VERBAL?

NOTA

LINGUAGEM VERBAL é a linguagem que acontece por meio de signos linguísticos


(palavras). Por isso dizemos que a linguagem verbal pode ser oral (quando conversamos, por
exemplo) ou escrita. A função da linguagem verbal, tanto oral quanto escrita, é a de produzir
sentidos.

8
TÓPICO 1 | SOBRE A LINGUAGEM

O nosso foco, neste momento, está voltado a estes dois tipos de linguagem
verbal. Contudo, sabemos que não é só por meio da linguagem verbal que
podemos atribuir sentidos. Isto está claro para você? Pensemos em um exemplo:

Ao visualizarmos um semáforo, como o da figura a seguir, percebemos


que nele não existem palavras. Mesmo assim, sabemos o sentido atribuído por
este objeto, através das cores vermelho (PARE), amarelo (ESPERE) e verde (SIGA).
Ou seja, este é um exemplo de linguagem não verbal, pois nele não aparecem
signos linguísticos (palavras).

FIGURA 2 – SEMÁFORO

FONTE: Disponível em: <www.office.microsoft.com/pt-br/


images>. Acesso em: 7 abr. 2011.

Retomemos, agora, a proposta anunciada anteriormente, de elencarmos


semelhanças e diferenças entre a linguagem verbal oral e a escrita. Para tanto,
buscamos auxílio nos escritos da autora Scliar-Cabral (2003). Vale ressaltar que,
a partir de agora, sempre que quisermos nos remeter à linguagem verbal oral,
faremos uso da sigla LVO e quando à linguagem verbal escrita, LVE. Iniciemos,
então, pelas SEMELHANÇAS:

● ambas, LVO e LVE, têm função comunicativa;

● tanto quem escreve quanto quem lê (a leitura também é uma modalidade oral),
controla o tempo despendido para essas tarefas, de acordo com o resultado que
se almeja;

● a LVO e a LVE podem ser usadas como instrumentos para refletir sobre a nossa
língua (o português);

9
UNIDADE 1 | ESCRITA E LEITURA – RUMO À ALFABETIZAÇÃO

● LVO e LVE servem como veículos para a transmissão da cultura. Vale ressaltar,
contudo, que a LVE tem caráter permanente, enquanto a LVO pode ser distorcida
(um exemplo: se contarmos uma história familiar, com o passar do tempo ela
poderá ser (re) contada. A este (re) conto, certamente, serão acrescentadas ou
subtraídas informações. Já quanto à escrita, se esta mesma história for registrada,
é desta forma que ela permanecerá, a não ser que alguém altere os registros).

Leia e reflita sobre este interessante trecho/excerto da obra de Bagno


(2004, p. 87):

A língua escrita serve como registro permanente... scripta manent...


é usada para a transmissão do saber e da cultura, e muitas vezes é
até interessante que ela permaneça sem muitas mudanças, para que a
gente possa ler com facilidade documentos antigos e livros impressos
há muito tempo. O que não podemos admitir é que ela seja usada como
um “instrumento de tortura” ou uma “prisão” para a língua falada.
Nunca é demais lembrar que o homem fala há milhões de anos e que
as primeiras formas de escrita datam apenas de 3.500 antes de Cristo.

● Funções expressivas e estéticas. Na LVO podemos inserir sons inarticulados,


acrescentar entonação, expressões de face e gestos. Isso tudo para expressar o
que pretendemos. Na LVE isso também é possível, contudo, exige que reflitamos
sobre a escrita. Um exemplo, neste caso, é o uso da pontuação. A função estética
está ligada à emoção. Sua característica principal é “a ordenação dos materiais
disponíveis para obtenção do prazer estético”. (SCLIAR-CABRAL, 2003, p. 36).

Passamos, a seguir, às DIFERENÇAS entre LVO e LVE:

● a LVO é adquirida, enquanto a LVE é aprendida;

● a LVO possibilita a sobrevivência, já a LVE depende de materiais duráveis


que sirvam de suporte para aquilo que se pretende escrever. Quem não o faz,
sobrevive da mesma maneira pela LVO;

● a LVO é produzida com continuidade. Já na LVE é necessário que haja


segmentação. Ou seja, na escrita, o continuum da cadeia da fala é segmentado.
“Não se escreve como se fala”, faz sentido a partir da explanação anterior;

● ruptura espaço-temporal: quando usamos a LVO estamos no mesmo espaço e


tempo com o nosso interlocutor, já na LVE, o leitor não está no mesmo espaço
e tempo de quem produziu algum material escrito;

● na LVO não há um monitoramento tão intenso quanto na LVE. As pessoas podem


manter um diálogo informal. Caso queiram registrar esse diálogo de forma escrita,
com certeza surgirão preocupações quanto à maneira “certa/errada” de se escrever.

Diante dos pontos anteriores, podemos ter como certo: entre escrita e
oralidade há aproximações e descontinuidades. Conhecê-las permite refletir,
também, sobre a prática pedagógica.

10
TÓPICO 1 | SOBRE A LINGUAGEM

de
autoativida

Que tal analisar se você compreendeu a linguagem verbal oral e a linguagem


verbal escrita, para diferenciá-las da linguagem não verbal? Para fazê-lo, convidamos você
a observar as figuras a seguir, tente identificar cada qual. Lembre-se: na LVO e na LVE são
usadas palavras, o que não acontece na linguagem não verbal.

FONTE DAS IMAGENS: Disponível em: <www.http//office.microsoft.com/pt-br/images>.


Acesso em: 7 abr. 2011.

4 VARIAÇÕES LINGUÍSTICAS – A IMPORTÂNCIA DA


SOCIOLINGUÍSTICA
Vivemos em um país muito grande. Isso não é novidade, não é mesmo?
Inseridas nessa grandeza geográfica estão as pessoas que vivem no Brasil; dentre
elas, nós. O lugar onde você vive, é, com certeza, peculiar em relação a tantos
outros lugares.

11
UNIDADE 1 | ESCRITA E LEITURA – RUMO À ALFABETIZAÇÃO

Essa peculiaridade refere-se aos modos de viver, de se alimentar, de


trabalhar, de produzir, de ... e, também, de falar e de escrever.

As variações linguísticas referem-se à “língua em seu estado permanente


de transformação, de fluidez, de instabilidade”. (BAGNO, 2007, p. 38). A língua
é heterogênea e está entrelaçada ao grupo social no qual é utilizada. Não há
como separar um do outro. Quando mencionamos grupo social, referimo-nos a
aspectos tais como (BAGNO, 2007):

● origem geográfica (rural/urbana; regiões diferentes - norte/sul/nordeste/


sudeste etc.);
● status socioeconômico: renda familiar/pessoal muito baixa, baixa, média, alta
ou muito alta;
● grau de escolaridade: acesso à educação formal, à cultura letrada, escrita,
leitura;
● idade: adolescentes e seus pais não falam da mesma maneira (em sua maioria);
● sexo: há diferenças entre a maneira de falar dos homes e das mulheres;
● mercado de trabalho: advogados e eletricistas falam de maneira diversa;
● redes sociais: adotamos comportamentos semelhantes aos das pessoas com as
quais convivemos, isso também aparece na maneira de falar.

Muitos professores apresentam-se preocupados com a questão das variações


linguísticas, quando, na verdade, são elas que enriquecem a nossa língua.

O que ocorre é que, historicamente, devido a diversos fatores políticos e


sociais, a escola tem tentado unificar a língua, padronizando-a. Em decorrência
disso, depara-se com atitudes e resultados não desejados: evasão, rejeição,
preconceito, dentre outros.

Há uma “norma culta”, “um português padrão”, “uma língua padrão”,


associado ao grupo social de melhor status. Interessante perceber que, sob esse
viés, o que está se considerando são classes sociais e não contextos de vida.

Quando os contextos de vida são levados em consideração, então:

a aprendizagem da norma culta deve significar uma ampliação da


competência linguística e comunicativa do aluno, que deverá aprender
a empregar uma variedade ou outra, de acordo com as circunstâncias
da situação de fala. (BORTONI-RICARDO, 2005, p. 26).

Pois bem, a partir do que você leu anteriormente, pode-se perguntar: as


variações são referentes à fala?

Sim e não. O que acontece é que elas aparecem, também, na escrita. Muitas
ocorrências na escrita são frutos das variações da fala.

Posteriormente, veremos alguns aspectos pertinentes à escrita. Contudo,


vale adiantar que o ensino da escrita na escola tem o objetivo de que: “todos

12
TÓPICO 1 | SOBRE A LINGUAGEM

possam ler e compreender o que está escrito”. (BAGNO, 2004, p. 104). Note
bem a menção do autor a TODOS. Isso independe de local. Por isso, também, as
variações podem e devem ser respeitadas tendo em vista, como já mencionado
anteriormente, que a ESCRITA NÃO É MERA REPRODUÇÃO DA FALA.

No parágrafo anterior mencionamos a ESCOLA. A seguir, refletiremos


um pouco sobre o papel da SOCIOLINGUÍSTICA na escola.

O que é SOCIOLINGUÍSTICA?

NOTA

SOCIOLINGUÍSTICA é, nas palavras de Bagno (2007, p. 23), “toda e qualquer


abordagem do fenômeno língua que leve em primeiríssima conta os falantes dessa língua,
isto é, seres humanos de carne e osso, participantes-construtores de uma sociedade dividida
em classes, imersos em toda sorte de conflitos sociais, sujeitos-objetos de toda sorte de
disputas de poder, portadores-recriadores de uma cultura (por sua vez subdividida em muitas
subculturas), movendo-se num espaço-tempo socialmente hierarquizado, e herdeiros de
uma história, que são muitas...”.

de
autoativida

Quantas coisas importantes mencionadas nesse conceito, não é mesmo? Anote


a seguir o que mais chamou a sua atenção:
_________________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________________

Pois bem, a SOCIOLINGUÍSTICA surgiu nos Estados Unidos, na década


de 1960. Você sabe por quê?

E
IMPORTANT

Porque muitos cientistas da linguagem perceberam e decidiram que não era


possível estudar uma língua sem levar em consideração a sociedade que a fala. William Labov
é o cientista mais conhecido nesta área de estudos.

13
UNIDADE 1 | ESCRITA E LEITURA – RUMO À ALFABETIZAÇÃO

Pois bem, e a escola diante da SOCIOLINGUÍSTICA?

Ao serem inseridas no ambiente escolar, as crianças percebem que


estudar sobre a língua que falam é algo amplo, para muitas, difícil. São lhes
ensinadas regras, jeitos de escrever e de falar que, muitas vezes, destoam daquilo
que trouxeram consigo do seu ambiente familiar. Talvez, ouçam de alguns
colegas: - Os pedar da mia bicicreta inguiçaru. E de outros: - Os pedais da minha
bicicleta enguiçaram. São dois jeitos de dizer a mesma coisa. Talvez, ao sentirem
necessidade de ir ao banheiro, ouvirão: xixi, mijo, urina, referindo-se à mesma
coisa. Os exemplos são muitos (um deles é o de ‘aipim, mandioca e macaxeira’).

Diante disso, caberia à escola partir do que a criança já sabe “e sabe bem:
falar a sua língua materna com desenvoltura e eficiência”. (BAGNO, 2007, p. 83).
Assim, os alunos:

● seriam valorizados pelo português que sabem, que conhecem e, a este, seriam
acrescidos novos/outros conhecimentos;
● aprenderiam a não discriminar colegas por falarem diferente, tendo em vista
que, na sociedade, existem variedades linguísticas que são privilegiadas em
detrimento de outras. Algumas são consideradas ‘bonitas’ e ‘certas’, outras
‘feias’ e ‘erradas’. Isso não ocorre somente em relação à língua. Há diversos
tipos de preconceitos. Cabe aqui um alerta! Que tal analisarmos em conjunto o
que foi elaborado por Bagno (2004, p. 205)?

● racial: o índio “preguiçoso”, o negro “malandro”, o japonês “trabalhador”, o


judeu “mesquinho”, o português “burro”;
● sexual: a inferiorização da mulher, o desprezo pelo homossexual “pervertido
e doente”, a valorização do “macho” rude e indelicado;
● cultural: o conhecimento “científico” valorizado em detrimento do
conhecimento “popular” – por exemplo, o desprezo por práticas medicinais
naturais e tradicionais em favor de medicamentos químicos industrializados;
ou a valorização da cultura transmitida por escrito em detrimento da cultura
transmitida oralmente;
● socioeconômica: valorização do rico e do poderoso e desprezo do humilde e
oprimido – por exemplo, chamar o nordestino de “atrasado” e o sulista de
“progressista”; ou acreditar que tudo o que vem do “primeiro mundo” é
intrinsecamente bom, bonito, infalível e necessário...

Continuando a reflexão anterior aos tipos de preconceitos:

● teriam contato com outras variedades linguísticas que não a sua, acessando
diferentes formas de falar e de escrever. E, quando houvesse necessidade,
poderiam fazer uso desta ou daquela maneira de falar e/ou escrever, conforme
a situação exigisse (uma conversa formal ou informal etc.);
● seriam conscientizadas de que, pela língua, podemos discriminar ou promover
quem convive conosco em nosso entorno;

14
TÓPICO 1 | SOBRE A LINGUAGEM

● teriam seu repertório de leituras e escritas ampliado pela ação dos seus
educadores, os quais visariam à inserção plena dos seus alunos e alunas em
práticas de letramento (Na Unidade 3 deste caderno estudaremos sobre o
letramento).

Então, conforme os pontos anteriores, é essa a importância da sociolinguística


na escola.

Percebemos a necessidade de que haja uma mobilização no sentido de


conhecer quem é que ‘faz a escola’, mas, para além dela. Quando contextos são
levados em consideração, outros conteúdos podem ser acrescentados, desde que
problematizados, fazendo e produzindo sentidos. Conforme Bortoni-Ricardo
(2005) a escola deveria se tornar culturalmente sensível, levando em conta a
diversidade dentro dela.

DICAS

Para conhecer mais sobre a sociolinguística, sugerimos que você leia:


BAGNO, Marcos. A língua de Eulália. Novela Sociolinguística. São Paulo: Contexto, 2004.

A seguir você pode rever o conteúdo que estudamos nesse tópico


lendo o resumo que elaboramos. Em seguida, no Tópico 2 desta unidade, você
encontrará outro assunto: estudaremos sobre a linguagem verbal escrita. Sinta-se
convidado(a) a mais descobertas. Acompanhe-nos!

15
RESUMO DO TÓPICO 1
Neste tópico:

● Estudamos sobre a linguagem, entendendo-a como um sistema simbólico


pelo qual os seres humanos interagem, atribuindo sentidos ao seu mundo.
Aprendemos que existem muitas formas de linguagem, dentre elas a linguagem
verbal oral e escrita.

● Estudamos, também, sobre as três concepções de linguagem: linguagem como


expressão do pensamento, linguagem como instrumento de comunicação e
linguagem como forma de interação.

● Elencamos semelhanças e diferenças entre a linguagem verbal oral (LVO) e a


linguagem verbal escrita (LVE). Algumas semelhanças: ambas possuem função
comunicativa; pode-se controlar o tempo envolvido nas formas de expressão
oral ou escrita; são instrumentos para reflexão sobre a língua; são veículos
para transmissão de cultura; possuem função expressiva e estética. Algumas
diferenças: LVO é adquirida e LVE é aprendida; LVO garante a sobrevivência,
LVE a fixação (pela escrita) através de materiais duráveis. LVO é produzida
com continuidade, LVE com segmentação. Há ruptura espaço-temporal entre
essas linguagens. A LVO não exige monitoramento tão intenso quanto a LVE.

● Ao estudarmos sobre as variações linguísticas, aprendemos que a língua


está sempre em transformação. Ela é heterogênea e está ligada diretamente
ao grupo social que dela faz uso. A sociolinguística leva em consideração,
primeiramente, as pessoas que usam determinada língua, buscando promover
e garantir o respeito a cada um, independente das diferenças (regionais, sociais,
econômicas etc.) que possam existir.

● A escola tem importante papel na valorização dos sujeitos que a constroem no


dia a dia. Essa valorização perpassa os jeitos de “dizer a vida” que cada um
traz consigo, dizer pela e através das linguagens.

16
AUTOATIVIDADE

1 Quais são as variedades linguísticas da sua região?

2 Você já percebeu algum tipo de preconceito diante dessas variedades? Se sim,


qual foi a sua reação?

3 Organize uma atividade que você aplicaria em sala de aula cuja abordagem
se volta às variações linguísticas.

17
18
UNIDADE 1
TÓPICO 2
A LINGUAGEM VERBAL ESCRITA

1 INTRODUÇÃO
Neste segundo tópico da nossa primeira unidade de estudos, abordaremos
sobre a escrita. Pretendemos apresentar informações que partem do advento, da
descoberta desta importante ferramenta social e que desembocam no ambiente
escolar, local privilegiado para o ensino e a aprendizagem da escrita. Que aspectos
estão ligados à escrita? E o alfabeto, como surgiu? Estas são algumas das questões
que queremos desvendar com você!

2 A HISTÓRIA DA ESCRITA
Você já ouviu a expressão “tudo tem história”? Pois é, a escrita também tem
uma história bastante peculiar. É interessante conhecermos aspectos da história
da escrita. Isso porque podemos compreender, bem como fundamentar nossas
práticas enquanto portadores dessa importante ferramenta social. Além disso,
àqueles que são educadores e lidam diariamente com o ensino e a aprendizagem
da escrita, informamos que conhecer estes aspectos históricos é parte integrante,
indispensável da bagagem de conhecimentos que carregam consigo.

Primeiramente, buscaremos no dicionário o significado de ESCRITA. Lá


encontraremos:

NOTA

Representação de palavras ou ideias por meio de sinais. (FERREIRA, 1999, p. 801)

Interessante este conceito, não é mesmo?

Buscaremos compreendê-lo melhor a seguir.

19
UNIDADE 1 | ESCRITA E LEITURA – RUMO À ALFABETIZAÇÃO

Pesquisadores, tais como Higounet (2003, p. 13) afirmam que: “O estágio


mais elementar da escrita é aquele em que um sinal ou um grupo de sinais serviu
para sugerir uma frase inteira ou as ideias contidas numa frase”. Pois bem, conta-
se que os seres humanos primitivos buscavam maneiras de se comunicarem mais
e melhor com seus grupos. Provavelmente, desenhos encontrados em algumas
cavernas, feitos com tintas obtidas de plantas e frutas, antecederam a escrita. A
figura a seguir demonstra isso:

FIGURA 3 – DESENHOS ENCONTRADOS EM CAVERNAS

FONTE: Visconti; Junqueira (2001, p. 12)

Essas figuras representavam lutas, caças obtidas com êxito etc. Além disso,
aos poucos, os homens passaram a produzir e cultivar produtos que a natureza
lhes oferecia. Surgiu, então, a necessidade de registrarem suas posses, a fim de
não se perderem na estocagem. Esse registro era feito por meio de desenhos.
Vários desenhos combinados representavam uma ideia. Tínhamos um primeiro
tipo de escrita: a escrita PICTOGRÁFICA. Veja que interessante o exemplo de
escrita pictográfica apresentado por Cagliari (2000, p. 107):

20
TÓPICO 2 | A LINGUAGEM VERBAL ESCRITA

FIGURA 4 – EXEMPLO DE ESCRITA PICTOGRÁFICA

FONTE: Cagliari (2000, p. 107)

de
autoativida

Tente escrever o sentido dessas figuras. O que será que está escrito?
_________________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________________

Compare suas ideias com o que Cagliari (2000, p. 107) apresenta:

Um índio e sua mulher tiveram uma discussão: ele queria caçar, e ela, não.
Ele pegou o seu arco e flechas e encaminhou-se para a floresta. Surpreendido por uma
tempestade de neve, ele procurou proteger-se. Avistou duas tendas, examinou-as, mas
descobriu que abrigavam duas pessoas doentes: numa delas havia um garoto com
sarampo, na outra, um homem com varíola. Ele se afastou o mais rápido que pode e
logo se aproximou de um rio. Vendo peixes no rio, ele apanhou um deles, comeu-o
e descansou ali por dois dias. Depois, pôs-se a caminho de novo e avistou um urso.
Disparou uma flecha contra ele, matou-o e fez um belo banquete. Em seguida partiu
novamente e viu uma aldeia indígena, mas como eles se mostraram inimigos, fugiu e foi
ter a um pequeno lago. Enquanto caminhava ao longo do lago, apareceu um cervo. Ele
matou-o com uma flecha e arrastou-o para sua cabana, para sua mulher e seu filhinho.

21
UNIDADE 1 | ESCRITA E LEITURA – RUMO À ALFABETIZAÇÃO

Antes de prosseguirmos, vale lembrar algo importante: para escrever, é


necessário que tenhamos um suporte e algum material para marcar esse suporte
(uma faquinha, pedras, algum objeto que contenha cor...). Isso também marcou a
história da escrita. Segundo Higounet (2003), foram vários os suportes de escrita,
dos quais destacamos: pedra, ardósia, tijolos, cerâmica, mármore, ossos, vidros,
ferro, bronze (e outros metais), cascos de tartaruga. Esses materiais que citamos
anteriormente são duros. Contudo, outros materiais, mais maleáveis também
serviram de suporte para a escrita, tais como: madeira, cascas de árvores, telas,
folhas de palmeira, seda, peles de animais, tabuinhas de cera, lâminas de bambu,
couro.

Posteriormente surgiram o papiro, o pergaminho e o papel. O papiro


surgiu no Egito. O pergaminho, na Ásia Menor e o papel, na China.

O sistema de escrita mais antigo de que se tem conhecimento é o dos


SUMÉRIOS, conhecido como ESCRITA CUNEIFORME, em forma de cunha. Era
uma escrita difícil, tanto que quem se responsabilizava pelos registros eram os
ESCRIBAS.

FIGURA 5 – ESCRITA CUNEIFORME

FONTE: Visconti; Junqueira (2001, p. 17)

O comércio possibilitou o avanço desse tipo de escrita. Conforme Visconti


& Junqueira (2001), os sumérios inventaram um tipo de dicionário para mostrar
o que significava cada sinal da escrita cuneiforme.

Outro sistema de escrita antigo é o EGÍPCIO, conhecido como ESCRITA


HIEROGLÍFICA.

22
TÓPICO 2 | A LINGUAGEM VERBAL ESCRITA

NOTA

Hieróglifos: sinais sagrados gravados que os egípcios consideravam ser a fala


dos deuses.
FONTE: Higounet (2003, p. 37).

Algumas curiosidades sobre este tipo de escrita (VISCONTI; JUNQUEIRA,


2001, p. 19-21):

Ela servia tanto para necessidades da vida prática (agricultura,


comércio, educação) quanto para religião. Os egípcios acreditavam
que colocar textos sagrados ao lado das pessoas mortas era a garantia
para vida após a morte.
Somente os filhos de altos funcionários do estado e filhos de sacerdotes
aprendiam a leitura e a escrita deste sistema. Isso através de exercícios
de memorização, cópia e ditado. (VISCONTI; JUNQUEIRA, 2001, p.
19-21).

FIGURA 6 – ESCRITA HIEROGLÍFICA

FONTE: Disponível em: <http://historianaprofissional.blogspot.com/2011/02/


as-primeiras-escritas-escrita-surgiu.html>. Acesso em: 15 abr. 2011.

Os HITITAS também possuíam um sistema de escrita hieroglífico,


conforme mostra a figura a seguir:

23
UNIDADE 1 | ESCRITA E LEITURA – RUMO À ALFABETIZAÇÃO

FIGURA 7 – SISTEMA DE ESCRITA DOS HITITAS

FONTE: Higounet (2003, p. 43)

E surge então, a ESCRITA CHINESA. Apesar de ser um sistema antigo,


ele ainda permanece. A figura a seguir, apresentada por Higounet (2003, p. 49),
mostra alguns caracteres deste sistema. Interessante porque ele ainda persiste nos
dias atuais. Observe:

FIGURA 8 – ESCRITA CHINESA

FONTE: Higounet (2003, p. 49)

24
TÓPICO 2 | A LINGUAGEM VERBAL ESCRITA

Este tipo de escrita é conhecido como ESCRITA IDEOGRÁFICA, ou seja,


aquela representada por IDEOGRAMAS, desenhos especiais. A escrita suméria
tinha cerca de vinte mil ideogramas e a chinesa possui, até hoje, cinquenta mil
sinais. Esses números nos fornecem indícios de como deve ser complicado lidar
com sistemas tão amplos em quantidade de símbolos.

Outros sistemas de escrita antiga de que se tem conhecimento são os


sistemas do povo ASTECA e MAIA, conforme mostra a figura a seguir:

FIGURA 9 – SISTEMAS DE ESCRITA DOS POVOS ASTECA E MAIA

FONTE: Higounet (2003, p. 55)

Vimos anteriormente como seria complicado lidar com sistemas de escrita


que possuem muitos símbolos. Você já imaginou memorizar todos ou encontrar
alguma maneira de poder pesquisar constantemente, ou seja, ter consigo algum
tipo de material que pudesse ser consultado assim que surgisse alguma dúvida
ou necessidade de escrever algo?

Pois bem, aos poucos, os grupos sociais antigos perceberam dificuldades


relacionadas aos seus sistemas de escrita e passaram a diminuir os caracteres,
agrupando-os em sílabas. Já melhorou um pouco, não é mesmo?

Assim, foram sendo introduzidos os primeiros sistemas alfabéticos. Essa


palavra mencionada anteriormente, alfabético, nos remete ao nosso sistema de
escrita, você não acha? Isso é assunto para a próxima seção! Acompanhe-nos!

3 NOSSO SISTEMA DE ESCRITA: O ALFABETO


Talvez já lhe ocorreu um questionamento: por que mencionamos que a
nossa escrita é um sistema?

25
UNIDADE 1 | ESCRITA E LEITURA – RUMO À ALFABETIZAÇÃO

A fim de ajudá-lo(a) a compreender, apresentamos o que significa sistema,


conforme o dicionário:

NOTA

Sistema é um “conjunto de elementos, materiais ou ideais, entre os quais se


possa encontrar ou definir alguma relação”. Ainda, “disposição das partes ou dos elementos
de um todo, coordenados entre si, e que funcionam como estrutura organizada”.
FONTE: Ferreira (1999, p. 1865, grifos nossos).

Portanto, se você observar as partes que sublinhamos no UNI, perceberá


que elas remetem a uma organização através de alguns elementos, a fim de que
se possa construir/obter sentido, você concorda?

A partir disso, reflita sobre o que fazemos com o nosso alfabeto, ao


escrevermos. Nós não utilizamos este conjunto de elementos para produzirmos
sentidos? Conforme Cagliari (2000, p. 114-115) “a escrita tem como objetivo a
leitura [...] todo sistema de escrita tem um compromisso direto ou indireto com
os sons de uma língua”.

Sendo assim, quando você quer comunicar algo a alguém por escrito,
é necessário que tanto você quanto quem receba a sua mensagem, conheçam o
conjunto de símbolos, neste caso, as letras do nosso alfabeto, para que haja sentido.

Retomando os aspectos históricos, vale mencionar que a escrita


pictográfica, aquela por desenhos, bem como os hieróglifos, com o passar do
tempo, deram espaço ao surgimento do alfabeto.

NOTA

A palavra alfabeto vem dos nomes das duas primeiras letras gregas: alfa e beta.
FONTE: Visconti; Junqueira (2001, p. 23).

Que evolução! Imaginem só os benefícios sociais acarretados com o


surgimento do alfabeto: agora era possível se comunicar através do uso de um
número bem menor de caracteres. Leia que interessante:

26
TÓPICO 2 | A LINGUAGEM VERBAL ESCRITA

E
IMPORTANT

A escrita alfabética foi difundida com a criação do alfabeto fenício constituído


por vinte e dois signos que permitiam escrever qualquer palavra. Adotado pelos gregos, esse
alfabeto foi aperfeiçoado e ampliado passando a ser composto por vinte e quatro letras,
divididas em vogais e consoantes. A partir do alfabeto grego surgiram outros, como o gótico,
o etrusco e, finalmente o latino, que com a expansão do Império Romano e o domínio do
mundo ocidental, se impôs em todas as suas colônias.
FONTE: Heinig (2003, p. 11)

Como curiosidade, apresentamos alguns alfabetos ao longo da história,


acompanhe:
FIGURA 10 – ALFABETOS AO LONGO DA HISTÓRIA

FONTE: Visconti; Junqueira (2001, p. 24)

27
UNIDADE 1 | ESCRITA E LEITURA – RUMO À ALFABETIZAÇÃO

Vale acrescentar, ainda, que, conforme pudemos visualizar no quadro


anterior, não existiam letras minúsculas. Estas, conforme Visconti e Junqueira
(2001), foram inventadas por funcionários do imperador Carlos Magno, no ano
de 800 d.C.

O nosso alfabeto, este que usamos diariamente, também passou por


alterações. Agora, atualmente, são vinte e seis letras. Isso denota que não se trata de
um sistema fechado, que não pode passar por alterações. A fim de recuperarmos
e visualizarmos a organização atual, apresentamo-la a seguir:

UNI

Aa – Bb – Cc – Dd – Ee – Ff – Gg – Hh – Ii – Jj – Kk – Ll – Mm – Nn – Oo – Pp
– Qq – Rr – Ss – Tt – Uu – Vv – Ww – Xx – Yy – Zz

Se você observar, há tipos de traçado que se repetem nas letras do nosso


alfabeto, são traços tanto verticais (como em B, D, E, F, H, I, ...), quanto horizontais
(como em E, F, T, ...) e diagonais (como em V, W, Y, ...). Há também círculos (O,
Q) e semicírculos (a abertura destes se volta ora para a esquerda (como em p) ora
para a direita (como em q). Os traços também alteram de posição. Se tomarmos
como referência uma linha reta horizontal, a letra p (minúscula) tem seu traço
para baixo da linha, já a letra d (minúscula), tem seu traço para cima da linha.

Para finalizarmos esta seção, gostaríamos de refletir sobre ‘a existência


de alguns alfabetos dentro do nosso alfabeto’. Como assim? Temos os alfabetos
das letras maiúsculas e minúsculas, além do alfabeto da letra cursiva (maiúscula
e minúscula). Poderíamos retomar os nomes a ele dados, comumente: SCRIPT,
CURSIVA, CAIXA ALTA. O importante é lembrarmos: muda o traçado, mas não
o valor da letra. Ex.:

A a a
As letras acima têm o mesmo valor, independente do seu traçado. Isto é
o mesmo que dizer “A” é sempre “A”. Ou, escrever MALA, mala, (O quemala
pode mudar, conforme veremos no Tópico 4 desta unidade, é a função das letras
de acordo com o contexto no qual se encontram dentro de determinada palavra).
Agora, poderíamos tecer outras discussões, levando em consideração as variações
linguísticas etc. Que sentidos a palavra MALA possui? Enquanto você pensa a
respeito, iremos adiante. Na próxima seção pretendemos estudar sobre aspectos
do nosso sistema de escrita.
28
TÓPICO 2 | A LINGUAGEM VERBAL ESCRITA

NOTA

Na nossa região a palavra “mala” tem o sentido de bolsa/caixa utilizada para


guardar pertences pessoais em casos de viagem. Contudo, também dizemos a uma pessoa
que ela é “mala” quando apresenta atitudes inconvenientes.

4 ASPECTOS DO NOSSO SISTEMA DE ESCRITA


Nesta seção, pretendemos abordar alguns aspectos do nosso sistema de
escrita. Estes aspectos são fundamentais para quem faz uso dessa ferramenta, qual
seja, a escrita. Muitas vezes, porém, caem no esquecimento ou, não são levados em
consideração quando a escrita é avaliada, neste caso, é o que pode acontecer na escola.
Por isso, é válido relembrarmos, retomarmos, revermos o conteúdo em questão.

“É uma ilusão pensar que a escrita é um espelho da fala. A relação entre as


letras e os sons da fala é sempre muito complicada pelo fato de a escrita não ser
o espelho da fala e porque é possível ler o que está escrito de diversas maneiras”.
(CAGLIARI, 2000, p. 117).

Este é um dos aspectos a ser levado em consideração. Muitos compreendem


a escrita como um espelho daquilo que falamos. Mas, se a escrita não é um espelho
da fala, de que forma isso poderia ser visualizado ou compreendido? Observe
alguns exemplos:

● Quando duas letras representam apenas um som:


GU em FOGUETE

● Quando a letra não tem som na fala, mas aparece na escrita:


H no início das palavras. HOMEM – HORAS – HELICÓPTERO

● A mesma letra, dependendo de onde ela aparece na palavra, está relacionada a


diferentes sons:
X em EXAME – TÁXI – PRÓXIMO

● Mesmo som representado por letras diferentes:


[s] em CEDO – SAPO – OSSO

● Sinais diacríticos (acento agudo, grave, til, circunflexo) que fornecem às letras
valores sonoros especiais.

● Sinais modificadores de entonação da fala:


Pontos de interrogação (?), exclamação (!), ponto final (.), reticências (...),
aspas (“ “), vírgulas (,) etc.

29
UNIDADE 1 | ESCRITA E LEITURA – RUMO À ALFABETIZAÇÃO

● Abreviaturas, siglas. Estas não ocorrem na fala. Exemplos:


Sr. (senhor)/ Sra. (senhora) , att. (atenciosamente), qdo. (quando), qquer.
(qualquer)

● Abreviaturas que se tornaram palavras com “vida própria”. Ex: TV (televisão)

● Quando nós falamos, muitas vezes gesticulamos. Ocorrências da fala não


podem, simplesmente, ser transcritas para a escrita. “A escrita tem que criar,
com palavras, o ambiente não linguístico que serve de contexto para quem
fala”. (CAGLIARI, 2000, p. 120).

Para escrever, portanto, é necessário que se levem alguns aspectos, tais


quais anteriormente apresentados, em consideração. Além disso, existem outros
fatores relacionados à escrita sobre os quais vale refletir e construir, quando
diante de uma tarefa que exija que escrevamos:

● MOTIVAÇÃO – escrevemos algo porque existe (deveria existir) uma intenção


para fazê-lo. Na escola este é um dos aspectos em muito desconsiderado, o
que pode resultar em fracassos diante da escrita, acompanhando o indivíduo
durante toda a sua vida.

● PLANEJAMENTO – escolha e esquematização do assunto; estilo da escrita


(formal, informal); idade de quem lerá o que escrevemos; grau de instrução;
suporte (virtual, papel, ...); gêneros (escrever uma receita é diferente de
escrever uma bula de remédio, uma carta, um conto etc.).

TUROS
ESTUDOS FU

O assunto sobre gêneros textuais será retomado na Unidade 3 do nosso Caderno


de Estudos.

● LINEARIZAÇÃO – ao escrevermos, temos o compromisso de levar o leitor em


consideração para que ele entenda o que foi escrito.

● CODIFICAÇÃO – na escrita, fonemas são convertidos em grafemas. Na leitura


ocorre o inverso, a descodificação. A codificação deverá levar em consideração
as variedades sociolinguísticas dos alunos.

30
TÓPICO 2 | A LINGUAGEM VERBAL ESCRITA

E
IMPORTANT

Os grafemas estão ligados ao traçado das letras e os fonemas aos valores sonoros
que os grafemas representam. (SCLIAR-CABRAL, 2003).

● MONITORIA – revisar constantemente o que se escreve. As retomadas do texto


permitem visualizar trocas na escrita, omissões, repetições desnecessárias etc.

Na próxima seção estudaremos sobre o que é necessário que se conheça


quando se começa a escrever, ou melhor, a ter contato e a fazer uso do sistema de
escrita.

5 CONHECIMENTOS NECESSÁRIOS PARA QUEM SE


APROPRIA DA ESCRITA
Nesta seção contaremos com a ajuda de Cagliari (1999). Este autor
apresenta em sua obra uma lista de conhecimentos que precisamos ter quando
lidamos com o nosso sistema de escrita. Preste atenção! Você perceberá que se
trata de conhecimentos fundamentais. Que tal revisá-los?

Então, é de suma importância, quanto à escrita, CONHECER:

● a língua na qual foram escritas as palavras;

● o sistema de escrita;

● o alfabeto (o nome da letra não é o mesmo que o som que ela representa);

● as letras – que variam na forma gráfica e no valor funcional;

● a categorização gráfica das letras – cada letra tem sua função. Mudanças no
traçado não necessariamente alteram a função. Anteriormente, na Seção 3
desta unidade, apresentamos o exemplo da letra A em diversos traçados;

● a categorização funcional das letras – não se pode escrever uma letra qualquer
em qualquer posição da palavra. Ex.: convencionou-se que a palavra BOLA
é escrita nesta sequência. Independente da região do nosso país, BOLA será
BOLA. Existe uma representação para essa palavra. Ela representa um objeto
redondo, usado para jogar futebol e outros esportes etc. Não poderíamos,
simplesmente, mudar a escrita de BOLA para LAOB, pois não haveria
compreensão e nem convenção social para isso;

31
UNIDADE 1 | ESCRITA E LEITURA – RUMO À ALFABETIZAÇÃO

● a ortografia (grafia correta) – por ela a escrita pode ser ‘lida’ pelas diferentes
variedades linguísticas;

● o princípio acrofônico: conjunto de regras para decifrar o valor sonoro das


letras;

● o nome das letras – a – bê – cê – dê – ê/é – efe – gê – agá – i – jota – cá – ele –


eme – ene – ô/ó – pê – quê – erre – esse – tê – u – vê – dáblio – xis – ípsilon – zê
– cê-cedilha;

● relações entre letras e sons (para a leitura. Ex.: CASA). Neste caso, quando o
“s” está entre duas vogais, produz-se o som de “z”.

● relações entre sons e letras (na escrita) – quando se escreve dentro e se lê


drentu, a escrita padrão aparece e, na leitura prevalece a variedade linguística.
Já quando se escreve drentu, ocorre o inverso.

● a ordem das letras na escrita (no português, da esquerda para a direita);

● a linearidade da fala e da escrita – na fala: pronunciamos vogais, consoantes,


ritmos, volume, duração, velocidade (ao mesmo tempo e variando). Na escrita:
separamos vogais e consoantes, usamos sinais de pontuação, mudamos as
vogais com o acréscimo de acentos, til etc. Pelas pistas linguísticas apontadas
na escrita, o leitor tentará reconstruir a oralidade, “falando” o que lê;

● reconhecer uma palavra: na escrita, o conjunto de letras separado por espaços


em branco é uma palavra;

● nem tudo o que se escreve são letras, há acentos e sinais de pontuação que
modificam a entonação e o valor sonoro;

● nem tudo que aparece na fala tem representação gráfica na escrita.

Após termos estudado sobre a escrita, finalizamos este tópico com o


resumo. Aproveite para relembrar o que você aprendeu! Bom proveito! No
próximo tópico abordaremos a leitura.

32
RESUMO DO TÓPICO 2
Neste tópico, estudamos sobre:

● A escrita, compreendendo-a como um sistema, inventado e convencionado.


Aprendemos que um sistema é um conjunto de elementos, uma estrutura
organizada que possibilita estabelecer relações.

● Ao longo da história, a escrita teve a sua evolução. Passou das marcas em


cavernas aos desenhos em forma de cunha – escrita pictográfica. Em seguida,
desenhos mais elaborados – escrita hieroglífica - deram espaço a outros tipos
de caracteres, escrita ideográfica. Em virtude dos muitos caracteres, surgiu
a necessidade de redução. Dessa forma, chegou-se aos sistemas alfabéticos,
dentre os quais, o nosso.

● O nosso alfabeto tem, atualmente, vinte e seis letras. As letras podem variar em
seus traçados, mas não variam em seu valor sonoro. Isso quer dizer que A é A,
independente da sua grafia (maiúscula, minúscula, script, cursiva, caixa alta).

● A escrita não é o espelho da fala. Por isso, é necessário que se conheçam os


aspectos referentes ao nosso sistema e alguns conhecimentos pertinentes. Estes
se tornam ferramentas importantes para o uso da escrita.

33
AUTOATIVIDADE

Assista ao filme “Central do Brasil” e observe como se lida com a escrita


nesta produção. Quem escreve no filme? Quem depende da escrita? Qual é o
objetivo do que se escreve? Quais são os seus comentários pessoais a respeito
do tema escrita ao percebê-la neste filme?

34
UNIDADE 1
TÓPICO 3

A LEITURA

1 INTRODUÇÃO
No tópico anterior, ao estudarmos sobre a escrita, aprendemos que
escrevemos algo para que alguém o leia, você se lembra disso? Se não fosse assim,
a escrita e sua invenção não teriam sentido algum. Neste tópico, pretendemos
abordar a leitura. Apresentaremos as ideias de alguns autores sobre o assunto e
estabeleceremos elos entre o que apresentam. Desta maneira, queremos construir
compreensões, a fim de tornar a leitura algo muito próximo de nós! “Ler? Sim. E
com muito prazer!” Esperamos que seja esta a sua reação!

2 O QUE É LER?
“A leitura é sempre apropriação, invenção, produção de significados”.
(CHARTIER, 1999, p. 77).

FIGURA 11 – A LEITURA

FONTE: Disponível em: <http://office.microsoft.com>. Acesso em:


15 abr. 2011.

35
UNIDADE 1 | ESCRITA E LEITURA – RUMO À ALFABETIZAÇÃO

Conforme anunciamos anteriormente na introdução deste tópico,


apresentaremos a seguir o que alguns autores pontuam sobre ler. Acompanhe-
nos!

Ler é inscrever-se no mundo como signo, entrar na cadeia significante,


elaborar continuamente interpretações que dão sentido ao mundo,
registrá-las com palavras, gestos, traços. Ler é significar e, ao mesmo
tempo, tornar-se significante. A leitura é uma escrita de si mesmo, na
relação interativa que dá sentido ao mundo. (YUNES, 2009, p. 35).

Destacamos das palavras dessa autora, duas passagens para as retomarmos


posteriormente:

UNI

● SENTIDO AO MUNDO.
● RELAÇÃO INTERATIVA.

Outro autor, Foucambert (1994, p. 5), escreve:

Ler significa ser questionado pelo mundo e por si mesmo, significa que
certas respostas podem ser encontradas na escrita, significa poder ter
acesso a essa escrita, significa construir uma resposta que integra parte
das novas informações ao que já se é [...] ler é o meio de interrogar a
escrita e não tolerar a amputação de nenhum de seus aspectos.

Como destaque:

UNI

● SER QUESTIONADO PELO MUNDO.


● PODER TER ACESSO À ESCRITA.

Ler é:

● Um processo de interação entre leitor e texto.


● Uma construção que envolve o texto, os conhecimentos prévios do leitor que o
aborda e seus objetivos.
● Ler envolve a compreensão do texto escrito.

36
TÓPICO 3 | A LEITURA

● Para ler necessitamos manejar com destreza as habilidades de decodificação,


além de acionarmos nossos objetivos, ideias e experiências prévias. Ao lermos
nos envolvemos em um processo de previsão e inferência contínua. Isso
encontra apoio na informação proporcionada pelo texto e na nossa bagagem.
Ao mesmo tempo, nos envolvemos em um processo que permite encontrar
evidências ou rejeitar as previsões e inferências mencionadas anteriormente.
(SOLÉ, 1998, p. 22-23 – grifos nossos).

Ler é compreender. “Ninguém pode compreender as situações evocadas


nos livros se elas forem totalmente estranhas à sua experiência e a seus
conhecimentos ou exteriores a seu meio”. (CHARTIER, CLESSE & HÉBRARD,
1996, p. 115 - grifos nossos).

“Ler começa por uma intenção por parte do leitor: a busca por uma informação,
um momento de lazer, de prazer etc. Uma vez reconhecidas e identificadas as letras,
é atribuído o sentido”. (SCLIAR-CABRAL, 2003, p. 80, grifos nossos).

Pois bem, apresentamos alguns autores e o que eles escrevem sobre


“ler”. Você deve ter percebido que negritamos algumas palavras e a outras
demos destaque pelo UNI. Que tal recuperarmos algumas dessas passagens para
tecermos, a partir delas, algumas compreensões?

Algo que é recorrente nos escritos vistos anteriormente é a questão de que


ler envolve INTERAÇÃO, COMPREENSÃO e CONSTRUÇÃO DE SENTIDOS.
Também ‘lemos’ que ler envolve a decodificação dos símbolos apresentados pela
escrita. Mas, isso TAMBÉM está envolvido, contudo, ler não é apenas decifrar um
código. Que tal discutirmos um pouco mais a respeito?

Tomemos como exemplo um livro de literatura infantil. Quando a criança,


em seus primeiros contatos com este material, manuseia o livro, ele não passa de
um objeto a ser apreciado pelas suas imagens. Geralmente, estes materiais são
coloridos e apresentam pouca escrita. Observe um exemplo:

FIGURA 12 – LIVRO DE LITERATURA INFANTIL

FONTE: Threehouse (2009, p. 10)

37
UNIDADE 1 | ESCRITA E LEITURA – RUMO À ALFABETIZAÇÃO

Se não fosse assim, você acha que a criança daria importância ao livro?
Faça uma experiência: entregue um livro sem figuras a uma criança e perceba
a sua reação. Com o passar do tempo, a leitura de imagens dá lugar à leitura
do nosso sistema de escrita e a compreensões provenientes do nosso entorno,
relacionadas aos nossos contextos de vida.

UNI

Você sabia que foi um revendedor de livros chamado John Newbwrry quem,
em 1744 abriu a primeira livraria infantil em Londres, e começou a escrever e a editar, ele
próprio, breves histórias divertidas, ilustradas e baratas?
FONTE: Teberosky; Colomer (2003, p.152)

Posteriormente, em parceria com a assimilação do código, passamos a


fazer escolhas de materiais que queremos ler. Com esses materiais interagimos:
eles nos remetem a experiências de vida, locais que conhecemos ou gostaríamos
de conhecer, enfim, acionam nossos contextos. Além disso, oferecem outras
compreensões. Acrescem ou nos fazem mudar de ideia diante de determinado
assunto. Na região em que (con)vivemos havia uma livraria que adotou um
jargão: LER FAZ A CABEÇA. É isso que podemos compreender, num sentido
bastante resumido, sobre a leitura.

de
autoativida

Agora, observe a tirinha que segue e reflita:

● Que sentido têm as palavras de Mafalda diante do que discutimos anteriormente? Pense
em contextos de vida, compreensão, atribuição de sentidos, interação.
● Encontre um deslize na escrita do último quadrinho.

FONTE: Quino (1993, p. 149).


___________________________________________________________________
___________________________________________________________________

38
TÓPICO 3 | A LEITURA

DICAS

Anteriormente, mencionamos livros de literatura infantil. Acesse o site a seguir e


encontre uma lista de 204 livros sugeridos por um grupo de pesquisadores da área:
● <www.educarparacrescer.com.br> – o que seu filho deve ler dos 2 aos 18 anos para ter
uma boa formação.

Pois bem, até aqui caminhamos tentando desvendar o que é ler. O uso do
verbo TENTAR, neste momento, dá indícios de que essa tarefa não é unilateral,
ou seja, não encontraremos uma maneira única de dizer “o que é ler”. Além disso,
vale lembrar que muitos autores vêm se debruçando sobre estudos referentes a
essa tentativa, entre eles há concordâncias e divergências. Portanto, o que nós
fizemos foram escolhas. Essas escolhas estão em concordância com o nosso
contexto de vida, nossa prática pedagógica, experiências vivenciadas.

Na próxima seção pretendemos estudar e conhecer algumas estratégias


de leitura.

3 ESTRATÉGIAS DE LEITURA
Estratégias? Parece coisa de guerra...

Não. A fim de elucidar sobre o porquê dessa palavra, contamos com o


apoio teórico de três autores, quais sejam: Solé (1998); Serra e Oller (2003).

O uso da palavra estratégias refere-se a um tipo particular de


procedimentos para atingir determinados objetivos. Esses objetivos, obviamente,
no nosso caso, referem-se à leitura.

Ensinar e pensar estratégias de leitura, conforme Solé (1998), contribui para


equipar alunos com recursos necessários que culminam em um aprender a aprender.

Antes de partirmos para o estudo das estratégias de leitura, queremos


conhecer alguns objetivos de leitura. Quando tratamos de objetivos, somos
levados a refletir sobre: para que lemos?

Em resposta a esta pergunta, acompanhe-nos. Lemos para:

● Obter informações precisas: neste tipo de leitura pretendemos localizar algo


que nos interessa. Ao mesmo tempo em que buscamos algumas informações,
descartamos outras. Ex.: busca do significado de uma palavra no dicionário. É
uma leitura seletiva.

39
UNIDADE 1 | ESCRITA E LEITURA – RUMO À ALFABETIZAÇÃO

● Seguir instruções: através desta leitura queremos realizar algo concreto. Em


vez de selecionar, temos que ler tudo para compreender todo o processo. Ex.:
instruções de um jogo, receita de uma torta etc.

● Obter uma informação de caráter geral: diante desse objetivo de leitura, o leitor
lê algo de maneira geral e decide se quer/precisa aprofundar a sua leitura ou
não. Ex.: leitura de materiais específicos para a elaboração de um trabalho
escolar, leitura das manchetes de notícias etc.

● Aprender: este tipo de leitura tem como objetivo ampliar os conhecimentos


que já temos sobre determinado assunto. Estabelecemos relações, aprendemos
termos novos, fazemos recapitulações e sínteses, anotamos, grifamos etc.

● Revisar um escrito próprio: neste caso, temos que nos colocar no lugar de
escritor e leitor. É uma leitura crítica, útil. Esta leitura pode nos ajudar muito a
aprender a escrever. Afinal, temos que refletir sobre a maneira mais conveniente
de escolhermos as palavras a fim de atingir nossos objetivos diante de quem
nos lê/lerá.

● Obter prazer: cada pessoa sabe o sentido de ‘prazer’ para si. Por isso vale
destacar que esse objetivo envolve a “experiência emocional desencadeada
pela leitura”. (SOLÉ, 1998, p. 97).

● Comunicar um texto a um auditório: essa leitura tem como objetivo transmitir


alguma mensagem para um grupo de pessoas e, que estas pessoas entendam
a mensagem. Para isso podemos usar recursos de mídia, entonação de voz,
dicção clara etc. É importante, também, conhecer a mensagem que queremos
transmitir, ou seja, caso a tenhamos por escrito, como suporte para a transmissão,
que leiamos esse material anteriormente.

● Praticar a leitura em voz alta: a este objetivo, ou, anterior a ele, deve estar
a compreensão. Esta prática é comum em salas de aula. Contudo, é/seria
interessante que os alunos pudessem conhecer e compreender o texto que
devem ler em voz alta. Isso antes de apresentá-lo. Provavelmente na hora da
exposição oral haveria maior segurança.

● Verificar o que se compreendeu: isso pode ser feito através de um planejamento


de perguntas e respostas anterior, com base no texto a ser lido.

40
TÓPICO 3 | A LEITURA

de
autoativida

Que tal, agora, tentar descobrir, com base na lista anterior, os objetivos de leitura
presentes nas figuras a seguir?

_________________________
_________________________
_________________________
_________________________
_________________________
_________________________
___________________________
FONTE: Chartier (1999, p. 83)

_________________________
_________________________
_________________________
_________________________
_________________________
_________________________
___________________________
FONTE: Chartier (1999, p. 80)

_________________________
_________________________
_________________________
_________________________
_________________________
_________________________
___________________________
FONTE: Disponível em: <http://office.
microsoft.com/pt-br/images>. Acesso em: 15
maio 2011.

41
UNIDADE 1 | ESCRITA E LEITURA – RUMO À ALFABETIZAÇÃO

Você deve ter observado detalhes nas imagens que interferiram nas suas
respostas, certo? Detalhes como a posição dos leitores, os olhares, a disposição
corporal etc. Uma atividade interessante que você pode promover é a de pedir para
alguém do seu entorno observar como você se comporta ao ler textos diferentes
(ler por prazer, para buscar alguma informação etc.). Será que se percebe alguma
diferença entre uma leitura e outra? Tente.

Retomaremos daqui por diante o intuito anunciado no título desta seção


– abordar estratégias de leitura. Conforme vimos anteriormente, estratégias
referem-se a procedimentos. Estes procedimentos, ao serem ensinados e
aprendidos, permitem, com o passar do tempo, escolher e inferir textos a serem
lidos, servindo como “reguladores da própria leitura”. (SERRA; OLLER, 2003,
p. 35). Passemos, então, a conhecê-las. Ressaltamos que as estratégias aqui
mencionadas têm como base os escritos de Serra & Oller (2003):

● Identificar sinais gráficos com fluidez: essa estratégia tem a ver com a
aprendizagem do nosso sistema de escrita. Caso ocorra de forma lenta, difícil,
pode levar à perda do sentido global daquilo que se lê.

● Reler, avançar ou utilizar elementos de ajuda externa para a compreensão


léxica: algumas palavras possuem duplo sentido. Nestes casos, é importante
duvidar e procurar a acepção correta dentro do texto.

● Avaliar a consistência interna do conteúdo expressado pelo texto e sua


correspondência com os conhecimentos prévios e com o que é ditado pelo
senso comum: assumir uma postura crítica diante dos textos. Confrontar
informações e distingui-las (se são verdadeiras, falsas, exatas, inexatas).

● Distinguir o que é fundamental do que não é com relação aos objetivos de


leitura: em quase todos os textos encontramos informações que são essenciais
e outras que são secundárias. Quando não sabemos fazer a distinção entre elas,
facilmente incorremos no equívoco de trocar o que é fundamental no texto.

● Construir o significado global: ordenar e resumir ideias principais e


complementares.

● Elaborar e testar inferências de tipos diferentes, como interpretações,


hipóteses, previsões e conclusões: estabelecer uma relação ativa com o texto.
Interagir com o conteúdo. Comprovar previsões feitas diante do texto, ou
modificá-las.

● Estratégia estrutural: refere-se ao conhecimento da estrutura de diferentes


gêneros textuais (assunto que retomaremos na Unidade 3 do nosso Caderno
de Estudos). Conhecer a estrutura de uma carta, por exemplo, permite acionar
conhecimentos prévios ao escrevê-la e, posteriormente à sua escrita, ao efetuar
a leitura. Essas informações (gráficas, formais e linguísticas de cada gênero)
serão retomadas quando, novamente, uma carta for escrita.

42
TÓPICO 3 | A LEITURA

● Atenção concentrada: quer seja uma atenção individual ou compartilhada, ela


deve ser ativada em todos os momentos de leitura. Responda: o que acontece
quando você lê algo sem atenção?

● Conhecer os objetivos da leitura: o quê? Por quê? Para que ler? Isso traz
sentido às atividades de leitura e permite que sejam avaliadas.

● Ativar conhecimentos prévios pertinentes: saber “estabelecer conexões


significativas entre aquilo que sabemos e os novos conceitos, já que de outro
modo dificilmente interiorizaremos a nova informação recebida”. (SERRA;
OLLER, 2003, p. 40).

● Avaliar e controlar se a compreensão do texto ocorre partindo da revisão da


atividade de leitura e de retomar/ recapitular o que se leu: a avaliação deve
ser constante, ao longo de todo o processo de determinada leitura. Pode-se
supor um ‘aparente avanço’ na leitura, sem, contudo, haver compreensão.

● Relacionar os conhecimentos prévios pertinentes com a informação que o


texto nos proporciona ao longo de toda a leitura: reconhecer conexões que se
pode estabelecer permite inferir que houve compreensão do que se leu.

● Avaliar e integrar a nova informação e reformular, se necessário, as ideias


iniciais: modificar esquemas pessoais pelas informações que o texto trouxe. Isso
é fruto da interação entre texto e leitor. Pode haver contraste ou reformulação
de ideias.

Após conhecermos as estratégias de leitura apresentadas, podemos


deduzir que lemos constantemente. Você, ao realizar o seu estudo através deste
caderno, efetua a leitura e troca conhecimentos que você traz consigo com aqueles
aqui apresentados. Sem nem perceber, talvez, você se utiliza das estratégias acima
elencadas. Geralmente, elas são acionadas conscientemente quando percebemos
alguma lacuna na nossa compreensão. Exemplo: ter que retomar determinado
conteúdo a fim de compreendê-lo. Buscar informações complementares que
explicitem mais e melhor o que se pretende através de determinado assunto etc.

Vale conhecer as estratégias, reconhecendo o quanto são abrangentes as


nossas capacidades enquanto leitores. Leitores, leitores de mundo? Este é um
assunto para a próxima seção. ‘Leia-nos’!

4 A LEITURA COMO PRÁTICA SOCIAL – ‘LER O MUNDO’


A expressão que aparece no título desta seção refere-se ao título de um livro.
Este, por sua vez, conta a trajetória de vida de Paulo Freire, considerado o ‘menino
que lia o mundo’. O que iremos estudar a partir de agora trata desse assunto: o que
significa ler o mundo? Por que Paulo Freire foi considerado ‘leitor do mundo’?

43
UNIDADE 1 | ESCRITA E LEITURA – RUMO À ALFABETIZAÇÃO

Começaremos construindo respostas para a primeira pergunta feita no


parágrafo anterior. Ler o mundo?

Você se lembra da seção anterior quando aprendemos que ler é


compreender, construir sentidos?

Pois bem, comecemos a partir de exemplos práticos, do nosso dia a dia:

1 Você passa por uma parede em que está afixado um recado: CUIDADO, TINTA
FRESCA! Qual é a sua reação? A leitura deste recado provoca em nós uma
reação, ou seja, geralmente, afastamo-nos da parede. Se não o fizermos, ou, se
não avistarmos o recado, possivelmente haverá uma consequência: parte da
lata de tinta será levada conosco como acessório (talvez até fique interessante!!)
em nossa roupa.

2 Você está diante de um cinema, esperando o horário da próxima sessão, quando


se depara com um informativo: sessões canceladas até o fim da semana. Você
reprograma sua agenda. Ou, se não perceber o recado, passará algumas horas
ou dias esperando a ‘tal sessão’!

FIGURA 13 – ESPERA

FONTE: Disponível em: <http://office.microsoft.com/pt-br/images>. Acesso em:


15 maio 2011.

3 Ao comprar um produto você percebe alterações em seu conteúdo. Você lê na


embalagem sobre o SAC (Serviço de Atendimento ao Consumidor), encontra os
contatos necessários e tece as críticas/sugestões pertinentes, garantindo seus direitos.

4 Ao adquirir produtos de limpeza você pode ler na embalagem aqueles que possuem
menos agentes químicos, resultando em colaboração com o meio ambiente.

5 Você adquire determinado medicamento cuja bula pontua: conserve longe do


alcance das crianças. Obviamente, após ler este importante comunicado, o local
escolhido para conservar este medicamento será longe das crianças. Ou, essa
informação não chamará a sua atenção porque você não tem crianças em casa. E,
se tiver e não tomar o devido cuidado, poderá presenciar acidentes indesejáveis.

44
TÓPICO 3 | A LEITURA

de
autoativida

Os exemplos citados anteriormente podem ser parecidos com os do seu


cotidiano. Que tal pensar um pouco sobre o que acontece no seu dia a dia? Reflita sobre
algum momento interessante em que a leitura permitiu ou impediu que você tivesse
determinada atitude, procure anotar no espaço a seguir:
_________________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________________

É nessa direção que caminha a nossa conversa a respeito de ‘ler o mundo’.


Quando estudamos sobre a leitura como instrumento para compreender, tínhamos
a intenção de que isso ficasse claro e bem entendido. Veja que interessante são as
palavras de Lerner (2002, p. 73): “Ler é entrar em outros mundos possíveis. É
indagar a realidade para compreendê-la melhor, é se distanciar do texto e assumir
uma postura crítica frente ao que se diz e ao que se quer dizer, é tirar carta de
cidadania no mundo da cultura escrita”.

É a escola o local em que a leitura ganha (deveria ganhar) espaços especiais,


pois ela não deixa de ser um dos temas principais, pelo menos no imaginário
social. Contudo, é também na escola que muito se deixa a desejar no que se refere à
leitura. Como assim? Um exemplo seriam os tipos de leitura que se faz, os materiais
indicados, as exigências diante do que os professores concebem sobre leitura.

FIGURA 14 – A LEITURA

FONTE: Disponível em: <http://office.microsoft.com>. Acesso em: 20


jun. 2011.

Vale relembrar que antes de frequentar a escola, a criança traz consigo


leituras prévias, do seu ambiente de vida. Nessas leituras, muitas vezes, a
decodificação já está presente. Ou seja, muitos chegam à escola já sabendo
ler o nosso sistema de escrita. Na escola, a leitura é considerada um objeto de

45
UNIDADE 1 | ESCRITA E LEITURA – RUMO À ALFABETIZAÇÃO

ensino. Como se posicionar, como proceder se já se sabe ler? Ensinar o que se


sabe? Segundo Lerner (2002), deveria haver a conquista da leitura, também como
objeto de aprendizagem, ou seja, que tenha sentido para os alunos, que estes, pela
leitura, possam atingir objetivos que conhecem (queriam conhecer) e valorizam.

Dessa feita, a leitura na escola deveria ser encarada como uma via dupla:
de um lado, a escola com seus propósitos didáticos – “ensinar certos conteúdos
constitutivos da prática social da leitura, com o objetivo de que o aluno possa
reutilizá-los no futuro, em situações não didáticas” (LERNER, 2002, p. 80) – e, na
outra via o aluno, sendo ‘atendido’ nas suas necessidades atuais, de acordo com
situações comunicativas do seu contexto de vida.

Queremos agora, responder à segunda pergunta lançada no primeiro


parágrafo desta seção, aquela referente a Paulo Freire, ‘o menino que lia o mundo’.

Paulo Freire, um grande pensador da educação brasileira, tinha o intuito


de ajudar as pessoas a aprenderem sobre a leitura e a escrita. Mas, além de fazer
isso, tinha preocupações relacionadas ao sentido de ensinar leitura e escrita
para as pessoas. Paulo queria fazê-lo ensinando as PALAVRAS DO MUNDO e
O MUNDO DAS PALAVRAS. Além de trabalhar com crianças, trabalhava com
adultos, inclusive aqueles de baixa renda. No ano de 1960, ele participou da criação
do Movimento de Cultura Popular de Recife (MCP). “Esse movimento reuniu
professores, estudantes, intelectuais e artistas. Ele não existia só nas escolas nem
era um trabalho só de educação. Tinha teatro também, tinha cinema, tinha poesia”.
(BRANDÃO, 2005, p. 31).

Em vez de levar as coisas prontas, o grupo de apoiadores do MCP passou


a observar as famílias, suas maneiras de conversar, de cozinhar, de viver, de falar.
Começaram a desenvolver projetos de trocas de experiência. Dessa maneira, as
diversas culturas teriam seu espaço garantido. As pessoas se sentiriam respeitadas
e, com isso, teriam mais liberdade de exporem suas ideias e necessidades. Havia
muitos adultos que não tiveram acesso às escolas, ou seja, não sabiam ler e nem
escrever. Paulo Freire e sua equipe pensaram uma maneira de ensinar a ler e
a escrever para adultos. Essa ‘maneira de ensinar’ recebeu o nome de Método
Paulo Freire, e foi aplicada, primeiramente, numa localidade do Rio Grande do
Norte chamada Angicos. De lá se espalhou pelo Brasil.

No que consistia este método de ensino? É ali que compreenderemos


melhor o sentido de “ler o mundo”. Ao conversarem com as pessoas, foram
identificadas palavras, palavras que faziam parte do mundo dessas pessoas. Essas
palavras foram chamadas de palavras geradoras, palavras-semente. (BRANDÃO,
2005). A partir dessas palavras é que se chegava ao estudo das letras, das sílabas,
enfim, de aspectos pertinentes ao nosso sistema de escrita.

As pessoas se sentiam animadas para persistirem em seus estudos e a


aprenderem cada vez mais, porque se sentiam valorizadas em seus contextos de
vida. Era deles que partia o objeto de estudo para suas aprendizagens.

46
TÓPICO 3 | A LEITURA

Quando se encontravam para estudar, sentavam-se em círculos, chamados


círculos de cultura. Lá dialogavam, pensando em conjunto. Formaram-se fichas
de cultura. Nelas havia imagens do cotidiano das pessoas, com coisas que elas
conheciam. Os monitores mostravam fichas deste tipo nos círculos e, a partir das
imagens, ocorriam as conversas. Como? Por que tal e tal...? Perceberam isto e
aquilo? ...

Assim:
As pessoas reunidas nos “círculos de cultura” iam pouco a pouco
aprendendo e reaprendendo a LER O SEU MUNDO. Iam descobrindo
o que já sabiam e o que não sabiam ainda, para entender melhor como
o nosso Mundo é, como ele poderia ser... e o que deveria ser feito para
ele ser um mundo melhor. Um mundo mais humano, mais solidário e
mais feliz. (BRANDÃO, 2005, p. 69, grifos nossos).

Ler e escrever para essas pessoas tornava-se uma forma de “dizer” o seu
mundo. E mais, dizer a partir de vivências significativas, do compartilhar de
ideias advindas do dia a dia.

A ênfase dada por nós a LER O MUNDO, conforme pontuamos já no título


desta seção refere-se a isso: cada indivíduo provém de um contexto de vida. Neste
contexto acontecem relações valiosas, as quais poderiam e deveriam ser consideradas
nas leituras a se fazer, em especial na escola. Leituras de letras, letras com sentidos
construídos pela vida real, aquela do dia a dia.

Leia que interessante o que outro autor, Cagliari (1999, p. 247), escreve
sobre LER O MUNDO:

Toda pessoa precisa estar constantemente lendo o mundo e procurando


entendê-lo. Cada um faz isso segundo seu próprio modo de ser, segundo
as características da sua personalidade. Isso explica por que as pessoas
chegam a conclusões diferentes, tentando interpretar fatos iguais. O que
é importante para uma pessoa pode não ter valor para outra e vice-versa.

No tópico seguinte, discutiremos sobre a gramática, ortografia e “erros”.


Antes, porém, aproveite o resumo.

DICAS

Seguem dicas de sites (e de um blog) interessantes relacionados à leitura:


● <http://leituraebibliodiversidade.blogspot.com/2010/11/leitura-e-cidadania-7003.html>.
● <http://www.projetosdeleitura.com.br>.
● <http://www.unicamp.br/iel/memoria>.
● <http://www.mundodaleitura.upf.br>.

47
RESUMO DO TÓPICO 3
Neste tópico:

● Ao estudarmos sobre a leitura, aprendemos que ler é compreender, interagir,


construir sentidos. Além disso, ler envolve a decodificação do nosso sistema de
escrita.

● Sempre lemos com determinado objetivo. Ter um objetivo para a leitura significa
dizer para que lemos. Alguns objetivos de leitura são: obter informações
precisas e de caráter geral; seguir instruções; aprender; revisar; obter prazer;
comunicar algo a um auditório; ler em voz alta; verificar compreensões.

● Além dos objetivos de leitura (ter um ‘para que’ ler), usamos estratégias de
leitura, ou seja, procedimentos específicos que permitem inferências diante
dos materiais que lemos. Algumas estratégias são: conhecer os sinais gráficos;
ativar conhecimentos prévios; relacionar os conhecimentos prévios com as
novas informações que determinado texto possa nos oferecer etc.

● Pela leitura, podemos ler o nosso mundo. Ler o mundo nos envolve como
pessoas que pertencem e agem em seus contextos de vida.

● Na educação, Paulo Freire teve papel ativo nos seus estudos e práticas que
buscavam o acesso de todas as pessoas ao mundo da leitura e da escrita.
Desenvolveu um método, conhecido como Método Paulo Freire, cujo ponto de
partida eram palavras geradoras, provenientes do contexto em que as pessoas
viviam. Aconteciam reuniões, os círculos de cultura, onde as palavras eram
problematizadas e delas se partia para a ampliação da aprendizagem.

● ‘Ler o mundo’ é poder ‘dizer’ e ‘escrever’ o mundo em que se vive. E mais, é ser
valorizado nisso.

48
AUTOATIVIDADE

“Leia” a imagem a seguir e reflita sobre as questões que tecemos:

FONTE: Alvarado (2002, p. 101)

a) Que título você daria a esta cena?

b) Esta cena lhe remete a algo do seu contexto de vida? Por quê?

c) Que palavras geradoras lhe ocorrem a partir da imagem acima?

49
50
UNIDADE 1
TÓPICO 4

O LUGAR DA GRAMÁTICA E A QUESTÃO DOS ‘ERROS’

1 INTRODUÇÃO
Até aqui estudamos sobre a linguagem, a escrita e a leitura. Agora, ao
finalizarmos esta unidade, queremos, ainda, discutir sobre a questão do que
muitos chamam de “erros” na escrita. Descobriremos o porquê da expressão
“erros” não combinar com nossa visão e prática do que o corre quando nossos
alunos utilizam o sistema de escrita. Além disso, contextualizaremos assuntos
pertinentes à avaliação. Acompanhe-nos e reflita sobre esses importantes aspectos.
Leve-os em consideração na sua prática pedagógica!

2 ORTOGRAFIA – UMA ALIADA NA/DA APRENDIZAGEM


Qual será o sentido dessa palavra? O que vem a ser ORTOGRAFIA?

NOTA

ORTHOS – correto.
GRAFIA – escrita.
Ou seja, grafia correta.

A ortografia está ligada, então, à escrita correta das palavras do nosso


sistema de escrita, a escrita alfabética, pelo alfabeto.

Contudo, como definir o que é correto?

Existem convenções criadas diante do sistema de escrita alfabética. Essas


convenções surgiram em determinado contexto e seguiram dessa forma, dando
formato ao nosso sistema de escrita. Existe um ‘lado bom’ nisso? Sim. Ao se
criar um padrão de escrita, permitiu-se que todos tivessem acesso a esse padrão,
independente de variáveis na fala (conforme vimos no Tópico 1 dessa unidade).

Um sistema uniforme “serve para grafar as muitas variedades da língua,


permitindo uma base segura de comunicação entre falantes de variedades

51
UNIDADE 1 | ESCRITA E LEITURA – RUMO À ALFABETIZAÇÃO

diferentes. Se não fosse essa uniformidade, a grafia perderia sua utilidade como
sistema de representação da língua falada”. (FARACO, 2001, p. 11).

Sendo assim, se quisermos nos comunicar por escrito com alguém que
mora na região nordeste do nosso país (nós estamos ao sul), escreveremos da
mesma maneira, tanto lá quanto cá. Isso facilita a compreensão, não é mesmo?

O que pode haver diante da ortografia, conforme Faraco (2001) são


dificuldades. Dificuldades? Não seriam erros? Isso é assunto para o próximo tópico!

3 PRINCIPAIS ‘ERROS’ ENCONTRADOS NAS SALAS DE AULA


– ABRINDO CAMINHOS PARA REFLEXÃO
A palavra ‘erro’ traz consigo uma conotação de equívoco. Pensemos em
alguns contextos de uso:

● Houve um erro de cálculo na planta do edifício. Por esse motivo, a estrutura


rachou, trazendo risco para os moradores.

● O piloto do avião errou a rota. Sendo assim, o pouso foi forçado!

No dicionário encontramos:

NOTA

Erro: Juízo falso, desacerto, engano, inexatidão, desvio, falta.


FONTE: Ferreira (1999, p. 787)

Comumente, a palavra erro traz consigo um peso emocional, uma


sensação de culpa. Há uma ideia embutida de que haverá uma consequência a
se temer em decorrência da ‘falta’. Isso é aceitável conforme os exemplos citados
anteriormente (o do prédio e o do avião). Contudo, quando essa ideia se relaciona
ao nosso sistema de escrita, há alguns pontos a serem considerados.

Primeiramente, gostaríamos de problematizar a questão da falta de


conhecimento que muitos professores têm sobre o nosso sistema de escrita.
Assim, o jargão ERRO, pode se tornar uma via de escape diante da necessidade
de estudo e aprofundamento da questão.

Em outras palavras, é mais fácil afirmar que nossos alunos erraram, do


que refletir sobre as hipóteses que surgiram através das suas escritas. Hipóteses?
Sim. Retomaremos adiante essa palavra.

52
TÓPICO 4 | O LUGAR DA GRAMÁTICA E A QUESTÃO DOS ‘ERROS’

Mas o que é necessário que saibamos, enquanto professores?

Não podemos deixar de conhecer e estudar alguns princípios do nosso


sistema, princípios de base, que o sustentam:

1 Temos uma representação gráfica alfabética.

NOTA

Representação gráfica alfabética significa que as unidades gráficas (letras)


representam basicamente unidades sonoras (consoantes e vogais) e não palavras ou sílabas
como ocorre na escrita chinesa e japonesa, respectivamente.

2 Além de unidades sonoras, nosso sistema aceita também a origem das palavras,
isso se traduz na grafia (memória etimológica). Ex.: monge (com g) – uma
palavra de origem grega; pajé (com j) – uma palavra de origem tupi.

Nos casos das palavras em que a memória etimológica se faz presente,


temos que decorar a forma gráfica e, quando houver dúvidas, recorrer ao
dicionário. Note bem:

E
IMPORTANT

Recorrer ao dicionário, ter dúvidas diante da grafia das palavras, acompanha


todos os usuários do nosso sistema de escrita, para além da escola. (FARACO, 2001).

Por isso, podemos inferir que não é possível falar em ERROS. Você se
lembra de que anunciamos a retomada de ‘hipótese’? O que é uma hipótese? Para
definir usaremos palavras de um aluno nosso, quando frequentava a primeira
série (hoje segundo ano) do ensino fundamental:

53
UNIDADE 1 | ESCRITA E LEITURA – RUMO À ALFABETIZAÇÃO

NOTA

Hipótese: é uma ideia que a gente tem sobre alguma coisa.

Então, quando travamos os primeiros contatos com a escrita e a


continuidade deste processo, construímos hipóteses. Por isso não cabe a menção
‘ERROS de escrita’. Há que se ter respeito e consideração diante dos usuários, da
mesma forma como se tivessem contato com qualquer outro sistema (referimo-
nos a sistema, pensando em outras áreas da nossa vida na qual acessamos ou
buscamos conhecimentos sobre um sistema. Ex.: sistemas de computação. Se
somos usuários de WINDOWS e, por algum motivo, temos que conhecer LINUX,
enfrentaremos uma série de processos, muitos deles contínuos, de constantes
retomadas, a fim de podermos lidar com este novo sistema).

A palavra ERRO está tão impregnada, por isso a apresentamos entre aspas
no título que abriu esta seção.

Conforme anunciamos, também no título, apresentaríamos as principais


hipóteses (‘erros’) que os alunos cometem e dicas do que se pode fazer a respeito.
Conhecer essas hipóteses permite “entender as principais dificuldades [...] para
saber o que é mais importante ser ensinado e também para definir as melhores
propostas didáticas e as abordagens mais eficazes a serem aplicadas em sala”.
(MOÇO, 2010, p. 32). Vale ressaltar que esse tipo de conhecimento é variável. O
que pode ser hipótese a ser considerada em determinado contexto, pode não o
ser em outro.

A seguir apresentamos a análise de algumas hipóteses (você perceberá


que no texto aparece a palavra ‘erro’) e algumas sugestões de abordagem:

54
TÓPICO 4 | O LUGAR DA GRAMÁTICA E A QUESTÃO DOS ‘ERROS’

FIGURA 15 – HIPÓTESES E SUGESTÕES

FONTE: Revista Nova Escola (2010, p. 32-32)

O que são regularidades? O que são questões arbitrárias? Aprofundaremos


esses e outros assuntos na próxima seção, cuja abordagem se volta à avaliação.

Antes, contudo, gostaríamos de reiterar que “Não existe nada para o qual
não seja possível levantar uma hipótese de interpretação. Tudo que um aluno faz
ou deixa de fazer tem uma razão de ser para ele, e o professor precisa descobri-la
para poder ensinar adequadamente”. (CAGLIARI, 1999, p. 245).

55
UNIDADE 1 | ESCRITA E LEITURA – RUMO À ALFABETIZAÇÃO

A nossa insistência está voltada, de um lado, ao respeito pelo aluno e pela


construção de suas hipóteses, de outro, ao papel importantíssimo do professor
enquanto mediador entre aluno, hipóteses levantadas e objetos de conhecimento.
Por isso a necessidade de conhecer, num continuum, o nosso sistema de escrita e
detalhes pertinentes ao mesmo.

Obviamente surgirão casos especiais em que o professor não conseguirá


discernir procedimentos, sendo necessária a ajuda de outros profissionais. Nestes
casos, deverá buscar apoio e encaminhamentos.

E
IMPORTANT

Atribuir os erros das crianças à falta de capacidade de observação, de


inteligência, a fatores socioeconômicos, médicos, fonoaudiológicos, de desnutrição etc. são
formas equivocadas de interpretação de fatos linguísticos e que têm levado a educação por
péssimos caminhos. Essas explicações foram levantadas para inocentar os métodos de sua
incompetência. A escola precisa ser mais honesta e parar de ficar interpretando os erros das
crianças de uma maneira preconceituosa.
FONTE: Cagliari (1999, p. 250).

No UNI lemos coisas interessantes e pertinentes, as quais nos dizem


respeito enquanto profissionais da educação, que lidam com a linguagem. Vale
refletir!

Existem algumas patologias que refletem na leitura e na escrita.


Ressaltamos que são distúrbios fisiológicos, inicialmente, os quais aparecem,
posteriormente, quando a criança entra em contato com o sistema de escrita e
com a leitura. Ex.: dislexia, dislalia, distúrbios auditivos, distúrbios relacionados
à lateralidade etc. É necessário observar, analisar, avaliar com cautela cada caso,
a fim de encaminhar corretamente. Às vezes, com o acompanhamento adequado
e o apoio intensivo, as consequências podem ser amenizadas.

4 AVALIAR LEITURA E ESCRITA NA ESCOLA – VALORIZAR


CONTEXTOS
Muito se ouve e se comenta de que a escola é o lugar de aprender a norma
padrão, a língua culta. O que isso significa?

De acordo com estudiosos da sociolinguística, a instituição deste termo,


PADRÃO, baseou-se em variedades linguísticas de prestígio. (BAGNO, 2007).
Isso com certa distância da realidade dos falantes, da língua usada no cotidiano.
De certa maneira, a língua padrão, a norma padrão, tornaram-se instrumentos

56
TÓPICO 4 | O LUGAR DA GRAMÁTICA E A QUESTÃO DOS ‘ERROS’

de exclusão social. Ou seja, só algumas pessoas têm acesso e, aquelas que não
conseguem por algum motivo se adequar à norma, ficam à mercê. Os pensamentos
incutidos, como resultado disso, são: ‘falo errado’, ‘não penso direito’, logo, ‘não
sou/posso ser nada’.

Entre a norma padrão da nossa língua e o uso real dela, aquele do dia a dia,
existe um abismo. (BAGNO, 2007). Muitas gramáticas, que explicitam NORMAS,
têm como base a escrita literária de PORTUGAL. Aliás, qual é o significado de
gramática? Acompanhe a seguir a ideia de um autor a respeito:

● “Gramática: uma disciplina científica, tal como a astronomia, a química, a história


ou a geografia; ela deve ser estudada porque é parte da formação científica dos
alunos – formação essa que se torna cada dia mais indispensável ao cidadão do
século XXI”. (PERINI, 2010, p.18).

Para outro autor:

● Gramática: conjunto de regras que qualquer falante nativo de uma língua


domina e emprega em sua atividade de interação verbal com outros membros
de sua comunidade linguística. (BAGNO, 2009, p.19)

E como fica a escola?

À escola cabe a tarefa de ensinar o conjunto de ‘acessórios’ que pertencem


à nossa língua. Muitas discussões podem ser tecidas contra ou a favor de existir
apenas uma maneira de escrever aceita em todo o nosso território. Todas estas
discussões são pertinentes e acreditamos que devam ocorrer, contudo, não se pode
‘fugir’ da tarefa de equipar as crianças, os alunos, com aquilo que aparece nos
materiais escritos que circulam socialmente. Há que se levar em consideração que
a língua muda. Com isso queremos dizer que o que já era regra, atualmente não é
mais. Um exemplo disso é a reforma ortográfica pela qual passamos em 2009.

Quanto à gramática na escola, convidamos para a leitura do seguinte


trecho, que retiramos de Bagno (2009, p. 166-168, grifos do autor):

É OU NÃO É PARA ENSINAR GRAMÁTICA?

Se for para ensinar gramática como mera repetição da doutrina


tradicional, anacrônica e encharcada de preconceitos sociais, definitivamente
não é para ensinar gramática. Se “ensinar gramática” for entendido como decoreba
de nomenclatura sem nenhum objetivo claro e relevante, análise sintática de
frases descontextualizadas e às vezes até ridículas, definitivamente não é para
ensinar gramática.

No entanto, se por gramática entendermos o estudo sem preconceitos


do funcionamento da língua em sua plenitude, do modo como todo ser humano
é capaz de produzir linguagem e interagir socialmente através dela, por meio

57
UNIDADE 1 | ESCRITA E LEITURA – RUMO À ALFABETIZAÇÃO

de textos falados e escritos, portadores de um discurso, então, definitivamente


é para ensinar gramática, sim. Na verdade , mais do que ensinar, é nossa tarefa
construir o conhecimento gramatical dos nossos alunos, fazer com que eles
descubram o quanto já sabem da gramática da língua e como é importante se
conscientizar desse saber para a produção de textos falados e escritos coesos,
coerentes, criativos, relevantes, etc. e para empreender uma atividade de leitura
bem fundamentada.

Todo e qualquer trabalho de reflexão sobre a língua tem que ser precedido
pelo trabalho de prática da língua, ou seja, leitura e escrita, escuta e fala, leitura e
escrita, escuta e fala, leitura e escrita, escuta e fala... (grifos do autor).

De acordo com os escritos deste autor, percebemos que a gramática vai


muito além de um manual cheio de regras a serem estudadas e exigidas dos alunos.
Trata-se de um apoio que visa ampliar os conhecimentos que já se tem, sempre
diante de textos reais, aqueles do dia a dia. Assim, construímos familiaridade,
regras servem de suporte para direcionar alguns momentos de escrita. Pensando
em AMPLIAÇÃO e SUPORTE, podemos descartar a ideia de SUBSTITUIÇÃO,
ou seja, o que já sabemos é valorizado e não precisa ser descartado.

Agora, mergulharemos em outro assunto: a avaliação.

Ao refletirmos sobre a avaliação, temos que partir de um questionamento:


para que avaliamos? A essa pergunta, podemos associar outras, do tipo: o que
avaliamos?

Na verdade, nossas crianças (alunos e alunas) frequentam a escola para


aprender. A grosso modo poderíamos dizer que a avaliação se volta à verificação
desse objetivo que se busca na escola, qual seja: aprender. O que se altera é a
maneira como enxergamos a aprendizagem. Sublinhamos, em concordância,
o que Possenti (2006, p. 36) pontua: “Não se aprende por exercícios, mas por
práticas significativas”.

Desses escritos depreendemos que cabe à escola observar e inserir em seu


cotidiano de aprendizagens aquilo que é significativo. Você concorda com o fato
de que quem faz a escola são as pessoas que a frequentam? Pois bem, imaginemos
apenas um prédio escolar vazio. Que sentido teria falar sobre aprendizagem nestes
termos? Então, é na comunidade escolar constituída em determinado local, que se
constroem as práticas significativas. Ledo engano imaginar que isso possa ocorrer
fora de um processo contínuo de buscas e retomadas constantes. Segundo Possenti
(2006), a escola deveria se organizar para refletir em conjunto sobre as necessidades
reais diante do que precisa ser ensinado, como resultado daquela prática escolar.

Como acontecem as aprendizagens fora da escola? Pensemos nas crianças


menores. No seu ambiente e convívio, ouvem, tentam dizer, são corrigidas
pelos adultos, levadas à reflexão. Mas, nem por isso (espera-se) são reprovadas,
humilhadas etc. Nesses termos deveria ser pensada a avaliação dentro da escola.

58
TÓPICO 4 | O LUGAR DA GRAMÁTICA E A QUESTÃO DOS ‘ERROS’

Alguns lembretes:

● Não ensinar o que já se sabe. Se observarmos com acuidade, perceberemos que


nossos alunos já trazem muitos conhecimentos consigo. Às vezes, a escola ‘peca’
no sentido de exigir repetições infundadas, sem sentido. O desgosto pelas ‘coisas
da escola’ pode descender disso.

● Respeitar as variedades linguísticas e problematizá-las.

● Promover contatos reais com o sistema de escrita, assim, com o passar do


tempo, a familiaridade com o que é padrão, aumentará, bem como as decisões
diante de escritas mais formais ou informais.

Em suma, nestes termos e de acordo com esses e outros lembretes,


a avaliação poderá acontecer. Se ler e escrever passam pela compreensão e
construção de sentidos, seria por esse viés que se deveria medir, em conjunto, os
objetivos alcançados.

Algumas questões referentes à avaliação perpassam as regularidades e


arbitrariedades da nossa língua. É sobre essas questões que se podem pensar
estratégias para que haja aprendizagem. Você se lembra de que anunciamos a
retomada destes aspectos (regularidades e arbitrariedades) a algumas páginas
atrás? Então, vamos lá!

Quando nos referimos a regularidades, poderíamos pensar em algo que É


SEMPRE ASSIM, na nossa língua. Ex.: prato, mapa, pato (o som /p/ é o mesmo);
bala, taberna, braço (o som /b/ é o mesmo). O mesmo ocorre com “f”, “v”, “nh”,
“t”, “d”, “lh” (com “lh”, “t” e “d” pode haver algumas alterações na pronúncia,
devido às variedades linguísticas).

Já as arbitrariedades são aquelas ocorrências em que nada é previsível.


Não existe uma regra que explique a grafia da palavra. Ex.: jeito, gelo; chato, xale.

Nestes casos, as palavras são memorizadas pelo uso, pela visão da sua
grafia. Constantemente se recorre ao dicionário, a fim de pesquisar ‘como se
escreve’. Essa prática de consulta ao dicionário nos acompanha mesmo depois de
sairmos da escola.

DICAS

Aprofunde seus conhecimentos sobre as regularidades e arbitrariedades do


nosso sistema de escrita lendo “Escrita e Alfabetização”, de Carlos Alberto Faraco (Editora
Contexto, 2001).

59
UNIDADE 1 | ESCRITA E LEITURA – RUMO À ALFABETIZAÇÃO

E
IMPORTANT

Em sala de aula, ao se trabalhar com as regularidades e arbitrariedades do nosso


sistema de escrita, sugerimos que:

 Regras sejam anotadas e construídas em conjunto. Após essa construção, registrá-las em


cartazes grandes e afixá-las na parede para que possam ser fonte de consulta, sempre que
necessário.

 Promover avaliação entre os pares. Para tanto, pode-se construir legendas que sirvam de
direcionamentos para os autores dos escritos assim que receberem a devolutiva de seus
materiais por parte dos colegas.

As ideias citadas anteriormente visam à participação dos alunos no


processo de seu conhecimento. Há promoção de parceria entre o professor e o
aluno, tirando da avaliação o foco de ‘medida de coerção e poder’.

Alguns assuntos abordados nesta unidade serão retomados posteriormente.


Por isso, reflita sobre o que estudamos até então e fique à vontade para (re)visitar
as páginas já estudadas!

LEITURA COMPLEMENTAR

LER, UMA ATIVIDADE EM UM PROJETO

Jean Foucambert

Para abordar o que esse capítulo tornará mais preciso, pode-se dar uma
primeira definição de leitura através do que é observável no comportamento do
leitor. Colocado diante dos signos escritos que compõem uma mensagem, o leitor
coordena o movimento dos olhos para seguir as linhas da esquerda para a direita e
esse movimento se interrompe várias vezes em cada linha para permitir aos olhos
perceber, enquanto eles estão imóveis, um conjunto de signos, compreendidos
entre várias letras e várias palavras. Essa atividade perceptiva conduz o leitor a
dar uma significação ao texto escrito, associando – entre si e com o conjunto de
suas experiências passadas – os elementos percebidos, e a guardar deles uma
lembrança sob a forma de impressões, julgamentos, ideias.

Criou-se o hábito de se distinguir diversas situações de leitura para


tentar isolar comportamentos de leitor, o que leva sempre, o que não é de forma
alguma inocente do ponto de vista sociológico e cultural, a opor a leitura de uma
placa informativa, de uma publicidade, as regras de uma loteria, à leitura das

60
TÓPICO 4 | O LUGAR DA GRAMÁTICA E A QUESTÃO DOS ‘ERROS’

obras do espírito, poesia, romance, filosofia; a primeira leitura seria destinada à


informação, teria um caráter utilitário que a torna suspeita quando comparada à
segunda, esta pura jubilação crítica que se apodera do ser cultivado, desmontando
e distanciando-se das armadilhas da alienação. Sempre me surpreendeu muito
ouvir nossos professores primários descrever o que eles fazem ao lerem com
tanta complacência e ver seu mundo tão facilmente prisioneiro das modas e das
ideias prontas. Muitas coisas são ditas sobre leitura que denotam terrorismo intelectual.

Não acredito que seja possível nem útil distinguir comportamentos


diferentes do prisioneiro em trabalhos forçados que lê as instruções de uma
nova lima, do guloso que lê o cardápio de um restaurante, do candidato que lê
o enunciado do problema, do historiador que lê um documento, do enamorado
que lê um poema, do viajante que lê o horário de um trem... A leitura é, em todos
esses casos, uma tomada de informações e o que pode variar de uma situação à outra, é o
que se quer fazer com essas informações: sonho, prazer, especulação, ação etc. É em
função daquilo que se quer fazer que serão selecionadas as informações num
registro ou noutro, num campo ou noutro. Ler é, então, antes mesmo de procurar
informação, ter escolhido a informação que se procura. Ler, quer se trate de um jornal,
de um romance, de uma bula, de um poema, de um relato de experiência, da
legenda de um filme, de um mapa, ou de uma peça de teatro, trata-se sempre
de uma atividade que encontra sua significação porque está inscrita no interior de
um projeto. Pode-se discutir o valor do projeto, mas isto posto, a leitura é uma: trata-se
sempre de tomar as informações que escolhemos tomar.

● Se a informação procurada for de ordem quase física, sonora, se inscreverá


na dimensão social das palavras ou do discurso, a leitura tomará uma forma
lenta a fim de tornar possível, seja uma vocalização efetiva, seja uma pronúncia
interior, acentuada, obtida pelos elementos procurados.

● Se a informação for da ordem da natureza, do encadeamento e da apresentação


de fatos ou de raciocínios, a leitura tomará uma forma silenciosa, integral,
por vezes interrompida por uma meditação, com retornos ao que foi dito
anteriormente.

● Se a informação procurada é da ordem do conhecimento ou da ação, a leitura


tomará uma forma seletiva, certas passagens serão lidas muito rapidamente,
outras muito lentamente, retomadas etc.

● Se a informação procurada for da ordem do fato pontual isolado num texto


desconhecido ou conhecido, a leitura tomará uma forma completamente
seletiva, rejeitando tudo aquilo que não está sendo buscado, trabalhando por
triagem.

● Se a informação procurada consiste, enfim, em retirar o essencial de um texto,


a leitura tomará uma forma exploratória, por sondagens, por extensões, por
saltos, por associações.

61
UNIDADE 1 | ESCRITA E LEITURA – RUMO À ALFABETIZAÇÃO

A menos que seja esse mecanismo vazio do qual temos a experiência


quando nossos olhos seguem um texto e nosso espírito está em outro lugar, a
leitura é necessariamente essa atividade estreitamente ligada à totalidade do
indivíduo, ao que ele é, ao que ele vive e a seu projeto atual. Ler é ter escolhido
procurar alguma coisa; dissociada dessa intenção, a leitura não existe. Já que
ler é encontrar a informação que escolhemos, a leitura é por natureza flexível,
multiforme, sempre adaptada à pesquisa. Não há graus de leitura, leituras que
sejam melhores que outras; saber ler é poder fazer tudo, quando se quiser e
quando o texto se prestar a isso.

Aprender a ler é então aprender a explorar um texto, lentamente quando


o quisermos, muito rapidamente quando quisermos: é aprender a adaptar nossa
busca ao nosso projeto. Não é um luxo que pode vir quando se sabe ler, já que é a
própria leitura. Disso se depreende que uma situação de aprendizagem, privada dessa
relação fundamental que a leitura estabelece em um projeto, ensinaria outra coisa, que não
a própria leitura.

FONTE: Foucambert (2008, p. 62-64)

62
RESUMO DO TÓPICO 4
Neste tópico, vimos que:

● A ortografia está ligada à escrita correta das palavras do nosso sistema de


escrita.

● Um sistema padrão de escrita serve como base segura de comunicação entre


falantes de variedades diferentes.

● Na construção das palavras do nosso sistema de escrita, temos uma referência


gráfica alfabética (correspondência entre sons e grafia) e, a memória etimológica
como aquela que deu origem a algumas palavras.

● Ao escrevermos, levantamos hipóteses. Estas podem ser acatadas ou refutadas.


É um processo contínuo de busca, pesquisa, constatações.

● A gramática é um apoio e suporte para os conhecimentos de língua que cada


um de nós traz consigo.

● Pensando a avaliação, vale ressaltar: não aprendemos por repetições, mas sim
mediante práticas significativas.

63
AUTOATIVIDADE

1 Observe as frases a seguir e reflita sobre como você as avaliaria levando em


consideração as questões sobre gramática e avaliação que estudamos ao longo
deste tópico.

a) Oje nem xuveu ainda e já temo com frio!

b) Minha casa é legal.


Minha casa é bonita.
Minha casa é longe da escola.
Minha casa moram eu, mais minha mãe, mais meu pai, mais meu cachorro.

2 Pense nas informações apresentadas em cada um dos exemplos.

3 Que aspectos ortográficos exigem reflexão? Por quê?

4 Reflita sobre a bagagem de contexto que estes escritores trouxeram consigo.

5 Elenque algumas ideias de intervenção. Faça de conta que estes alunos são
da sua classe. Como você os avaliaria? Que estratégias adotaria?

64
UNIDADE 2

A ALFABETIZAÇÃO

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
O conteúdo desta unidade visa:

 conhecer sentidos atribuídos à alfabetização;

 conhecer a história da alfabetização e os estudos de alguns teóricos sobre


o tema;

 compreender a influência histórica da cartilha como instrumento utilizado


para alfabetizar;

 estudar os métodos de alfabetização;

 compreender a importância da consciência fonológica;

 estudar aspectos inerentes a quem alfabetiza e é alfabetizado.

PLANO DE ESTUDOS
Esta unidade também é composta por quatro tópicos. Cada tópico é seguido
de um resumo e de uma autoatividade. Novamente, ao final da unidade,
você encontrará uma leitura complementar sobre o tema: alfabetização.

TÓPICO 1 – FUNDAMENTOS DA ALFABETIZAÇÃO

TÓPICO 2 – PERCORRENDO A HISTÓRIA DA ALFABETIZAÇÃO

TÓPICO 3 – CONCEPÇÕES E MÉTODOS DE ALFABETIZAÇÃO

TÓPICO 4 – SOBRE QUEM ALFABETIZA, QUEM É ALFABETIZADO E


‘COMO’ SE ALFABETIZA

65
66
UNIDADE 2
TÓPICO 1

FUNDAMENTOS DA ALFABETIZAÇÃO

1 INTRODUÇÃO
Neste primeiro tópico da segunda unidade do nosso caderno, queremos
estudar sobre a alfabetização, sobre alguns sentidos a ela atribuídos. Ao fazê-lo,
pretendemos construir uma linha de pensamento com você. Portanto, acompanhe-
nos em mais esta etapa de construção de conhecimentos. Ressaltamos que, além
do que você encontrará escrito nas próximas páginas, como conteúdo para o seu
estudo, existe muito material (livros, sites, revistas) que aborda este tema, qual
seja, a alfabetização. Posto isso, vale lembrar que realizamos escolhas teóricas que
servirão de base para o nosso caderno. Ao longo do nosso estudo, indicaremos
alguns materiais que poderão auxiliá-lo na ampliação de seus conhecimentos.

2 DESVENDANDO SENTIDOS ATRIBUÍDOS À ALFABETIZAÇÃO


Conforme o título anuncia, podemos, desde já, inferir que existem alguns
sentidos relacionados à alfabetização. - Como assim? Você pode/deve se perguntar.
Que tal partirmos do seu contexto de vida?

de
autoativida

Se alguém lhe perguntasse: - O que é alfabetização? Que resposta você daria?


Utilize o espaço a seguir para anotar a sua resposta:
_________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________

67
UNIDADE 2 | A ALFABETIZAÇÃO

Provavelmente apareceram algumas palavras em sua resposta, tais como:


alfabeto, ensino, escrita, dentre outras.

Talvez, se você pudesse comparar as respostas dadas pelos seus colegas,


encontraria muitas parecidas com a sua e, talvez, outras bem diferentes, algumas,
ainda, com sentidos aproximados. A fim de discutirmos um pouco mais a fundo
os assuntos pertinentes à alfabetização, ou melhor, a que nos referimos quando
estudamos sobre a alfabetização neste caderno, decidimos apresentar o assunto
em tópicos. Antes, porém, de partirmos para as tentativas de compreensão às
quais nos propusemos, queremos apresentar o que encontramos no dicionário
referente à alfabetização:

NOTA

Alfabetização: ação de alfabetizar.


FONTE: Ferreira (1999, p. 93)

Quanto a alfabetizar, encontramos:

NOTA

Alfabetizar: ensinar a ler; dar instrução primária; aprender a ler por si mesmo.
FONTE: Ferreira (1999, p. 93)

Adiante discutiremos alguns pontos que apareceram nas definições


anteriores, tais como a referência dada à alfabetização como sendo o ensino da leitura.

2.1 ALFABETO
Uma das palavras que está contida na alfabetização é, sem dúvida, o
alfabeto. É em torno dele que se desenvolve o processo de alfabetização. Na
verdade, o surgimento do alfabeto exigiu que se desenvolvessem estratégias de
ensino e de aprendizagem, a fim de que se possa conhecer este sistema de escrita. A
referência a sistema de escrita é feita tendo em mente que o alfabeto é um sistema
de escrita, um conjunto de letras e outros sinais gráficos que servem de apoio
para a nossa escrita. A partir destas letras e sinais, podemos escrever e submeter
a nossa escrita à leitura, sempre com o objetivo de que haja compreensão.

68
TÓPICO 1 | FUNDAMENTOS DA ALFABETIZAÇÃO

No Tópico 3 da Unidade 1, já estudamos um pouco sobre o alfabeto. Que


tal relembrarmos alguns pontos?

1 A origem da palavra alfabeto provém das letras gregas alfa e beta.

2 O nosso alfabeto atual é composto por 26 letras, que podem ser escritas de
diversas maneiras, sem que por este motivo (o tipo de escrita), tenham seu
valor sonoro alterado. Escrevemos o alfabeto cursivo, caixa alta e script. Além
disso, usamos números e sinais.

3 Cada letra possui um nome. O nome da letra não significa o seu valor sonoro.
Ex: H – agá. Quando esta letra aparece no início da grafia de uma palavra, não
se atribui nenhum som à letra mencionada. Ex.: HOJE – lemos OJE/OJI.

Após relembrarmos alguns pontos já estudados, queremos dar sequência


aos nossos estudos conhecendo um pouco mais sobre as letras que compõem o
nosso alfabeto e algumas de suas características.

Segundo Scliar-Cabral (2010, p. 70) “os traços mais elementares que


constituem as letras são as retas e as curvas”. Contudo, não basta conhecer estes
traços elementares, mas sim, construir conhecimentos sobre como usá-los. Que
conhecimentos seriam estes? Scliar-Cabral (2010) pontua:

- A posição da reta: se vertical, horizontal ou inclinada. Ex.: na letra H – podemos


observar duas retas verticais e uma horizontal.

- O tamanho da reta: as retas verticais são maiores e as horizontais, menores. Ex:


na letra H, já mencionada anteriormente, podemos perceber essa diferença entre
o tamanho das retas.

- Relações entre os traços numa mesma letra. Ex.: “a única diferença entre
E e F está no fato de E ter um traço horizontal a mais na base, e de ambos
se diferenciarem de L porque esse só possui um traço horizontal na base”.
(SCLIAR-CABRAL, 2010, p. 72).

- Direção para a direita ou para a esquerda, e para cima ou para baixo. Diante
destes aspectos é necessária uma construção neuronal que dê conta da simetria
em relação às letras. Muitas pessoas, ao terem contato com a grafia das letras,
realizam o que chamamos de ‘espelhamento’, ou seja, efetuam uma troca no
traçado das letras. Ex: b, d; M, W; n, u.

Ao percebermos detalhes referentes ao nosso alfabeto como estes que


apresentamos anteriormente, podemos inferir que o alfabeto não é apenas um
conjunto de letras. Estas letras possuem traçados específicos, os quais, à medida
que grafados, produzem significados para quem os lê. Qualquer alteração no
traçado modifica o sentido, ou, anula o sentido.

69
UNIDADE 2 | A ALFABETIZAÇÃO

No próximo tópico estudaremos sobre alfabetizar, ou seja, um aspecto


que está contido na alfabetização.

2.2 ALFABETIZAR: ALFABETIZAR+AÇÃO


Se perguntássemos: - A que classe gramatical pertence a primeira palavra
que apareceu no título deste item?

Sem muitos rodeios, você responderia que se trata de um verbo, não é


mesmo?

Sim, alfabetizar é um verbo. Os verbos, na língua portuguesa, carregam em


si sentidos de ação. Desta feita, podemos inferir que alfabetizar implica uma ação.

Ação? Sobre o quê? Sobre quem?

Quando mencionamos alfabetizar, geralmente, nos ocorre que alguém irá


se incumbir de repassar questões pertinentes ao alfabeto, certo?

Pois bem, se há um repasse, subentende-se que de um lado se encontra


este alguém que conhece o conteúdo e, do outro, alguém que recebe o conteúdo.
Quando mencionamos alfabetizar, fazemo-lo pensando no professor ou em
outro agente que lida com a alfabetização, ou seja, uma pessoa que tem (deveria
ter) conhecimentos sobre o alfabeto suficientes para compartilhá-los com outras
pessoas (alunos das mais diversas idades e procedências) as quais não possuem
(ainda) estes conhecimentos.

Mas, para quê? Qual é o sentido desta discussão tecida até aqui?

Para nos auxiliar em nossas compreensões, contamos com o apoio de


Cagliari (1999, p. 104), o qual expõe que “alfabetizar é ensinar a ler e a escrever
[...] o ponto principal do trabalho é ensinar o aluno a decifrar a escrita e, em
seguida, a aplicar esse conhecimento para produzir sua própria escrita”.

Note bem, a última parte dos dizeres de Cagliari (1999, p. 104): “aplicar
esse conhecimento para produzir sua própria escrita”, ou seja, a partir do
conhecimento adquirido, poder usar este conhecimento para agir em seu contexto
de vida. Este assunto será retomado na Unidade 3 do nosso caderno, quando
estudaremos sobre o letramento.

Conheceremos o que outra autora, Soares (2010, p. 8), pontua sobre


‘alfabetizar’:

70
TÓPICO 1 | FUNDAMENTOS DA ALFABETIZAÇÃO

NOTA

Alfabetizar implica a criança aprender a codificar e decodificar, pois é um sistema


inventado, diferente da língua oral: o ser humano já nasce programado para falar. A escrita é
uma convenção.

No próximo item abordaremos com mais rigor o que cabe a quem lida com
o alfabetizar, ou seja, o alfabetizador. Antes, porém, precisamos retornar ao título
deste item. Lá aparece mais alguma coisa ao lado de alfabetizar: alfabetizar + ação.

Esta junção resulta na alfabetização. A alfabetização é um processo


amplo e complexo, pois abrange e inclui aspectos linguísticos, psicolinguísticos,
sociolinguísticos etc. É, conforme Soares (2008, p. 21), um “fenômeno de múltiplas
facetas”. Além de um código a ser aprendido, existe quem aprende e seu contexto
de vida, seus modos de falar, de viver, de construir o seu mundo. Podemos, assim,
ratificar o que já anunciamos anteriormente: a alfabetização é um processo amplo
e complexo.

Queremos, a seguir, estudar sobre as pessoas responsáveis ou que


assumem o papel de alfabetizar, os alfabetizadores.

2.3 ALFABETIZADOR
Antes de nos determos a quem alfabetiza, convidamos você a refletir
conosco sobre algumas profissões. A referência para estas reflexões está no tipo
de conhecimento que se exige para exercer determinada função.

Então, que conhecimentos um médico deve ter? E um engenheiro civil?


Um agricultor? Um pecuarista? E assim por diante.

Você deve ter notado que somos remetidos às especificidades de


cada área mencionada. Retomemos o nosso pensamento: um médico deve ter
conhecimento sobre o nosso corpo, seu funcionamento e questões ligadas à saúde
de maneira geral; um engenheiro, conhecimentos sobre estruturas, edificações,
materiais, cálculos,...; um agricultor sobre a terra e seu cultivo; um pecuarista,
sobre rebanhos e suas características. E um alfabetizador?

Pois bem, de um alfabetizador se espera que conheça o alfabeto e as


características pertinentes a este sistema de escrita. Conforme vimos até aqui, não
são poucas as características pertinentes ao nosso sistema de escrita, não é mesmo?
Isso é prova de que alfabetizar demanda muitos conhecimentos sobre esta área
fundamental na vida das pessoas. Você já parou para pensar que um médico, a

71
UNIDADE 2 | A ALFABETIZAÇÃO

fim de que conseguisse estudar seus manuais e elaborar seus receituários, teve
que aprender a ler e a escrever? E um engenheiro, para assinar seus projetos e
plantas, bem como organizar suas obras e planilhas de trabalho, também? O
mesmo ocorre com tantas outras profissões, as quais demandam que se conheça
o nosso sistema de escrita e mais, que se faça bom uso dele.

Só por intermédio deste pequeno exercício reflexivo já podemos concluir


que a tarefa atribuída a um alfabetizador é de muita importância social.

Há teóricos que se posicionam a favor de políticas que possibilitem


uma formação específica para alfabetizadores. Isso porque a demanda de
conhecimentos necessários para que se realize bem esta tarefa é grande. Se a
alfabetização é um processo amplo e complexo, conhecer o que é específico deste
processo, também o é.

Conforme Soares (2008, p. 24), a formação do alfabetizador

tem uma grande especificidade, e exige uma preparação do professor


que o leve a compreender todas as facetas (psicológica, psicolinguística,
sociolinguística e linguística) e todos os condicionantes (sociais,
culturais, políticos) do processo de alfabetização, que o leve a
saber operacionalizar essas diversas facetas (sem desprezar seus
condicionantes) em métodos e procedimentos de preparação para a
alfabetização , em elaboração e uso adequados de materiais didáticos,
e, sobretudo, que o leve a assumir uma postura política diante
das implicações ideológicas do significado e do papel atribuído à
alfabetização.

Alguns cursos de Pedagogia têm se preocupado com esta problemática


e têm buscado aprofundar questões relativas ao processo de alfabetização
e seus aspectos. Por isso, também, a nossa postura é a de destrincharmos o
quanto possível este tema, a fim de que você possa construir uma base sólida de
conhecimentos, que venham a interferir na sua prática pedagógica.

Em outro artigo de Soares (2010, p. 10), a autora pontua que os


conhecimentos sobre o nosso sistema de escrita por parte dos alfabetizadores deve
ser tão amplo quanto possível, permitindo “simplificar sem falsificar”. A autora
continua: “só faz isso quem tem um domínio muito grande do conhecimento de
determinada área”.

Através dessas ponderações sobre o que se espera de um alfabetizador,


pretendemos seguir adiante. Esperamos e desejamos que os alfabetizadores
que nos acompanham possam ter seus conhecimentos acrescidos de outros e
mais outros, os quais resultem em práticas significativas, favorecendo todos os
envolvidos no processo de alfabetização.

72
TÓPICO 1 | FUNDAMENTOS DA ALFABETIZAÇÃO

DICAS

A fim de aprofundar seus conhecimentos sobre o tema que estudamos até aqui,
sugerimos a leitura das seguintes obras:
● CAGLIARI, Luiz Carlos. Alfabetizando sem o BÁ-BÉ-BI-BÓ-BU. São Paulo: Scipione, 1999.
● SCLIAR-CABRAL, Leonor. Princípios do Sistema Alfabético do português do Brasil. São
Paulo: Contexto, 2003.
● ______. Guia prático de alfabetização. São Paulo: Contexto, 2003.
● SOARES, Magda. Alfabetização e letramento. São Paulo: Contexto, 2008.

Antes de concluirmos o Tópico 1 desta unidade, não podemos nos


esquecer de retomar o que anunciamos no final do Tópico 2 da unidade anterior,
você ainda se lembra? A referência dada à alfabetização como sendo o ensino
da leitura. Pois bem, após trilharmos por entre aspectos pertinentes ao nosso
alfabeto e ao processo que se desenrola a partir dele, qual seja, a alfabetização,
queremos inferir:

E
IMPORTANT

Ao conhecermos o nosso sistema de escrita, o alfabeto, e fazermos uso dele


como instrumento social, o que ocorre é que utilizamos este código para escrever. Qual é o
objetivo da escrita? A leitura. É esta a referência dada à alfabetização como sendo o ensino
da leitura.

A seguir, você encontrará o resumo deste primeiro tópico da Unidade 2,


bem como a autoatividade.

73
RESUMO DO TÓPICO 1
Neste tópico, estudamos:

● Sobre a alfabetização e sentidos a ela atribuídos, dentre os quais o sentido de


que a alfabetização se destina ao ensino da leitura.

● O nosso alfabeto não é, apenas, um conjunto de letras. As letras possuem traços,


os quais variam em sua posição, tamanho, relação entre os mesmos e direção
(direita, esquerda, para cima, para baixo).

● A escrita é uma convenção social. Por isso, alfabetizar está relacionado a ensinar
a ler e a escrever. O que não acontece com a fala. Aprendemos a falar em nossos
meios sociais. ‘Nascemos neurológica e fisicamente preparados para falar’.

● Os alfabetizadores são profissionais imbuídos de ensinar o nosso sistema de


escrita. Por isso, há a necessidade de que conheçam amplamente os vários
aspectos referentes à alfabetização. Isso permitirá que simplifiquem os
conteúdos, sem, contudo, falsificá-los.

74
AUTOATIVIDADE

Observe a imagem a seguir e teça seus comentários a respeito dela


levando em conta o que estudamos sobre a alfabetização. Ao escrever, procure
responder às perguntas: ao alfabetizar dessa maneira, o professor leva em
conta o contexto de vida das crianças? A repetição de sinais gráficos, repetição
por repetição, leva à aprendizagem?

FONTE: Tonucci (2008, p. 143)

75
76
UNIDADE 2 TÓPICO 2

PERCORRENDO A HISTÓRIA DA ALFABETIZAÇÃO

1 INTRODUÇÃO
Neste tópico pretendemos percorrer historicamente aspectos pertinentes
à alfabetização. Isso adquire importância a partir da visão de contexto. Ou
melhor, quando refletimos sobre as bases que antecederam o que hoje temos e
compreendemos por alfabetização, podemos tomar decisões pautadas, também,
em fatos históricos. Além disso, é interessante conhecermos onde se fundamentam
as nossas práticas. Afinal, para haver avanço é preciso entrelaçar o passado e o
presente. (ELIAS, 2000). A partir disso podem surgir ‘novas’, ‘outras’ práticas.

Vale salientar, desde o início, que o que estudaremos a seguir é fruto


de pesquisas de determinados autores. Sem dúvida, há aspectos históricos
que desconhecemos por não serem registrados e, talvez, há outros tantos aos
quais não se tenha dado o devido valor por uma série de fatores, que, também,
desconhecemos; há ainda outros a que não tivemos acesso.

2 DO ALEF AO ALFABETO
Já mencionamos no Tópico 1 desta unidade, bem como ao longo da
Unidade 1, que o alfabeto atual se originou a partir de outros sistemas de escrita,
estes, por sua vez, mais antigos. Houve uma economia processual no número
de símbolos a serem utilizados para escrever. O objetivo desta ‘economia de
símbolos’ visou facilitar a escrita para quem dela fizesse uso. Além disso, a
acessibilidade ao código escrito, antes privilégio de poucos (principalmente dos
escribas, os quais se dedicavam ao estudo e escrita de muitos caracteres, afinal,
era esta a sua profissão), passou a estar disponível para todas as pessoas.

Todas as pessoas?

Inicialmente, apenas os filhos de burgueses eram alfabetizados. Este


trabalho era feito nas casas, individualmente. A família contratava um preceptor.

77
UNIDADE 2 | A ALFABETIZAÇÃO

NOTA

Preceptor: aquele que ministra preceitos, instruções; tutor.


FONTE: Ferreira (1999, p.1623)

A intenção era a de que estas crianças tivessem um bom ensino de base e


que pudessem, posteriormente, frequentar as grandes universidades europeias.
Após esta formação escolar, elas poderiam voltar para assumir os cargos de
comando de empresas, indústrias, comércio, governo etc.

Aos poucos, grupos da classe trabalhadora começaram a se mobilizar


para garantir o ensino para todos, ou seja, todos teriam direito à educação.

Sucintamente, apresentamos alguns aspectos pertinentes ao que aconteceu


historicamente referente ao ensino. O que isso tem a ver com o alfabeto?

Já responderemos parte desta pergunta: houve a necessidade de organizar


materiais que servissem de base para o ensino e a aprendizagem. O que antes era
individual, afinal, ocorria nos lares das crianças, agora passou a ser grupal. Como
ensinar a todos ao mesmo tempo?

Adiante discutiremos mais sobre estas questões. No próximo item


queremos compreender como se procedeu socialmente, afinal, o alfabeto estava
aí. O que fizeram com ele?

3 UM CÓDIGO EM MÃOS, E AGORA? MATERIAIS DE


ALFABETIZAÇÃO: PARA ALÉM DA CARTILHA
O que fizeram com ele? Esta foi a pergunta que lançamos no final do item
anterior. O ele refere-se ao código, ou seja, ao alfabeto.

Pois bem, tínhamos um código. Como as pessoas procediam? Como se


alfabetizavam? Segundo Cagliari (1999, p.15):

Na Antiguidade, os alunos alfabetizavam-se aprendendo a ler algo


já escrito e depois copiando. Começavam com palavras e depois
passavam para textos famosos, que eram estudados exaustivamente.
Finalmente, passavam a escrever seus próprios textos. O trabalho de
leitura e cópia era o segredo da alfabetização.

Os textos famosos a que nos referimos eram escritos em latim. Conforme


mencionamos, aos poucos, os alunos passavam a escrever seus próprios textos e

78
TÓPICO 2 | PERCORRENDO A HISTÓRIA DA ALFABETIZAÇÃO

escolher o que queriam ler e copiar quando estavam em momentos particulares


de estudo e escrita. O latim continuava sendo importante, contudo, surgiu uma
inquietação: era necessário pensar e elaborar materiais que pudessem ser usados
como fonte de consulta e orientação na escrita das línguas vernáculas.

NOTA

Línguas vernáculas: idiomas próprios de um país ou região


FONTE: Ferreira (1999, p. 2063)

Elaboração de materiais? Que materiais seriam estes? Surgiram as


cartilhas.

NOTA

Segundo Cagliari (1999), a palavra cartilha tem a ver com carta. O sentido
atribuído é o de orientação, uma espécie de mapa.

Apresentamos, a seguir, com base em Cagliari (1999), algumas cartilhas


que, historicamente, marcaram suas épocas. Acompanhe-nos!

FIGURA 16 – JAN HUS

FONTE: Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Jan_Hus.


jpg>. Acesso em: 20 jun. 2011.

79
UNIDADE 2 | A ALFABETIZAÇÃO

Jan Hus (1374-1415) – elaborou o ABC de Hus: obra composta por um


conjunto de frases religiosas, cuja intenção era alfabetizar o povo. Cada frase
iniciava com uma letra diferente, seguindo a ordem do alfabeto. Além disso, Hus
apresentou uma proposta de padronizar a ortografia da língua tcheca.

Em Wittenberg, na Alemanha, no ano de 1525, foi publicada uma cartilha


que continha o alfabeto, orações, algarismos e os dez mandamentos. Dois anos
depois, ou seja, em 1527, Valentim Ickelsamer (um gramático alemão) organizou
uma obra parecida com a de Wittenberg, incluindo listas de sílabas simples. Este
tipo de obra continuou sendo publicada até o final do século XVII. Apenas no
século seguinte passaram a incluir figuras nas obras destinadas à alfabetização.

Um conhecido teórico, Jan Amos Komensky (1592-1670), mais conhecido


como Comenius, Comênio, publicou um livro de alfabetização em 1658. As
lições deste livro vinham acompanhadas de imagens, a fim de motivar as
crianças para o estudo.

FIGURA 17 – COMENIUS

FONTE: Revista Nova Escola (2008, p. 32)

Em 1720, com autoria atribuída a São João Batista de la Salle (conhecido


como padroeiro dos professores), foi publicada uma obra com três lições, cada
lição tinha três partes: uma aos alunos iniciantes, outra aos médios e a última aos
avançados. As lições seguiam esta ordem: tábua do alfabeto, tábua das sílabas e
o silabário. Estas eram as lições do primeiro livro. Em seguida, tinha-se acesso ao
segundo livro. O segundo livro era composto pela quarta lição (soletrar e silabar)
e pela quinta lição (leitura para quem já sabia silabar com perfeição). Então, na
sequência, o terceiro livro: neste se aprendia a ler com pausas.

80
TÓPICO 2 | PERCORRENDO A HISTÓRIA DA ALFABETIZAÇÃO

FIGURA 18 – SÃO JOÃO BATISTA DE LA SALLE

FONTE: Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Jo%C3%A3o_


Batista_de_La_Salle>. Acesso em: 6 jun. 2011.

Quanto ao ensino da ortografia (grafia correta), procedia-se da seguinte


maneira: o professor mandava os alunos copiarem cartas-modelo, documentos
comerciais. Dessa forma, aprenderiam a escrever corretamente e, além disso,
aprenderiam coisas úteis para as suas vidas. Isso dizia respeito à escrita. Já a
leitura era dirigida para as coisas religiosas.

Ocorreu a Revolução Francesa. Depois deste importante acontecimento


histórico, José Hamel criou a obra ‘Ensino Mútuo’. Nela o método de alfabetização
era descrito em detalhes. Os alunos aprendiam em aulas de 15 minutos. Exercícios
fáceis serviam de base. Estudava-se em coro, ou seja, o ensino era coletivo, dado
para classes, e não de forma individual, como até então.

Robert Owen (1771-1858), proprietário de uma indústria têxtil, na Escócia,


foi o precursor de uma escola infantil. O objetivo era prestar assistência aos filhos
dos operários da indústria. Esses tipos de escola se espalharam. A elas era dada a
incumbência da alfabetização das crianças.

81
UNIDADE 2 | A ALFABETIZAÇÃO

FIGURA 19 – ROBERT OWEN

FONTE: Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Robert_


Owen>. Acesso em: 6 jun. 2011.

Friedrich Froebel (1782-1852) fundou o primeiro jardim de infância,


denominado KINDERGARTEN (jardim de crianças, na língua alemã), no ano de 1837.

FIGURA 20 – FRIEDRICH FROEBEL

FONTE: Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Friedrich_


Fr%C3%B6bel>. Acesso em: 6 jun. 2011.

Foi após a revolução francesa que a alfabetização passou a fazer parte


das obrigações escolares. O intuito era o de que os filhos de burgueses também
tivessem acesso à escrita e à leitura, não apenas os nobres. A partir disso, as

82
TÓPICO 2 | PERCORRENDO A HISTÓRIA DA ALFABETIZAÇÃO

cartilhas passaram a ser mais elaboradas. Cada lição tinha ênfase em um fato. O
sistema silábico passou a substituir o alfabético. Todo este material se destinava
aos filhos de famílias que tinham certo status social. O povo simples continuava
fora da escola.

Até aqui percorremos aspectos europeus referentes à história da alfabetização.


Queremos, daqui por diante, ainda partindo de um país europeu (Portugal), contudo
mais próximo de nós, brasileiros, por fatores históricos já conhecidos, adentrar o
nosso contexto. Como a alfabetização foi construída por aqui?

É atribuída a João de Barros (1496-1571) a gramática e a cartilha


portuguesa mais antiga. Esta última recebeu o nome de Cartinha. Esta obra trazia
o alfabeto (em letras góticas) e tabelas com todas as combinações de letras para
se escrever as sílabas das palavras na língua portuguesa. Havia, ainda, uma
lista de palavras, cada qual iniciando com uma letra do alfabeto e ilustrada com
desenhos. Por último, os mandamentos da igreja e algumas orações. Nesta época
histórica, a escola ainda não era responsável pela alfabetização. Portanto, era um
livro destinado tanto a adultos quanto a crianças. Decorava-se o alfabeto, o nome
das letras servia de guia para a decifração. A ortografia não tinha vez. O método
voltava-se para a decifração e não para a grafia correta.

Acompanhe a seguir um retrato de João de Barros, bem como um trecho


da sua obra.

FIGURA 21 – JOÃO DE BARROS

FONTE: Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Jo%C3%A3o_


de_Barros>. Acesso em: 6 jun. 2011.

83
UNIDADE 2 | A ALFABETIZAÇÃO

FIGURA 22 – TRECHO DA OBRA DE JOÃO DE BARROS

FONTE: Cagliari (1999, p. 23)

Antonio Feliciano de Castilho publicou uma cartilha considerada


‘famosa’, em 1850: Metodo portuguez para o ensino do ler e do escrever. Havia nesta
cartilha a presença dos alfabetos picturais, também chamados de icônicos. Ou
seja, ao desenho ou à imagem era atribuído um sentido. Observe:

84
TÓPICO 2 | PERCORRENDO A HISTÓRIA DA ALFABETIZAÇÃO

FIGURA 23 – CARTILHA DE ANTÔNIO FELICIANO DE CASTILHO

FONTE: Cagliari (1999, p. 24)

No ano de 1853 foi publicada a segunda edição desta cartilha. Veja que
interessante o extenso nome dado à obra: Metodo Castilho para o ensino rápido e aprazível
do ler impresso, manuscrito, e numeração do escrever. Obra tão propria para as escólas como
para uso das familias.

Outro autor de cartilhas foi João de Deus (1830-1896). Sua cartilha foi chamada
de Cartilha maternal ou arte de leitura. Destacavam-se letras dentro das palavras. Dessa
forma o aluno prestava atenção no que estava grifado. Havia uma tendência nesta
cartilha de que a escrita fosse mais privilegiada que a leitura. Esta obra propulsionou
a criação de outras, algumas das quais chegaram aos nossos dias.

Chegamos ao Brasil. Em 1859, no Rio de Janeiro, foi publicada a cartilha:


Manual explicativo do método de leitura denominado escola brasileira, sob a autoria
de Francisco Alves da Silva Castilho. O autor foi “professor em Campo Grande
e alfabetizava as crianças pobres, passando depois a se dedicar à alfabetização
de adultos”. (CAGLIARI, 1999, p. 24). Um dos aspectos importantes a ser
considerado é o de que este autor tinha uma preocupação voltada ao ensino de
palavras inteiras e não de letras ou de sílabas. O método por ele proposto iniciava
por uma leitura coletiva, depois individual, seguida de exercícios de escrita.

A seguir, uma lista das cartilhas brasileiras publicadas após a cartilha de


Castilho. Em negrito, o título da obra seguido de seu autor.

85
UNIDADE 2 | A ALFABETIZAÇÃO

NOTA

Cartilha da Infância. Tomaz Galhardo; Cartilha. Leituras Infantis. Francisco


Viana; Cartilha das Mães. Arnaldo Barreto; ABC da Infância Primeira coleção de cartas para
aprender a ler (autoria anônima); Cartilha Analítica. Arnaldo de Oliveira Barreto; Nova Cartilha
Analítico-Sintética. Mariano de Oliveira; Cartilha Ensino Rápido de Leitura. Mariano de
Oliveira. Ilustração de Gioconda Uliana Campos; Cartilha Infantil pelo Método Analítico. Prof.
Carlos Alberto Gomes Cardim; Cartilha do Operário Para o ensino da leitura, pela processuação
do méthodo analítico, aos adolescentes e adultos. Theodoro de Moraes; Cartilha Proença.
Antonio Firmino Proença. Ilustrações de Oswaldo Storni; Cartilha do Povo. Para ensinar a ler
rapidamente. Lourenço Filho; Cartilha de Hygiene. Para Uzo das Escolas Primarias. Dr. A. de
Almeida Júnior; Cartilha Fácil, Claudina de Barros; Na Roça. Cartilha rural para alfabetização
rápida. Renato Sêneca Fleury; Cartilha de Higiene. Renato Kehl. Desenhos de Francisco
Acquarone; Brincar de Ler. Renato Sêneca Fleury. Ilustrações de Rita Blumer; Cartilha
Sodré. Benedicta Stahl Sodré; Caminho Suave (Alfabetização pela Imagem). Branca Alves
de Lima; Caminho Suave: 1o. Livro (Leitura Intermediária). Branca Alves de Lima. Ilustrações
executadas por Flavius; Cartilha de Bitu. Aracy Hildebrand; Onde Está o Patinho? Cecília
Bueno dos Reis Amoroso. Ilustrações de Rosa Monzel e Oswaldo Storni; Onde está o Patinho
Manual do Professor.

FONTE: Disponível em: <www.crmariocovas.sp.gov.br>. Acesso em: 20 jun. 2011.

DICAS

Caso seja do seu interesse visualizar as capas das cartilhas mencionadas


anteriormente, bem como ampliar seus conhecimentos sobre estas obras, acesse: <www.
crmariocovas.sp.gov.br>.

Após percorrermos a história dos materiais para alfabetização, queremos


voltar a nossa atenção para um trecho do título deste item, que ainda não foi
contemplado: ... para além da cartilha. Será que este trecho tem relevância?

Acreditamos que sim. Queremos, em conjunto, construir compreensões a


respeito.

Historicamente, talvez isso faça parte da sua história pessoal, a cartilha foi
usada (e ainda é em alguns locais), como instrumento fechado, o único material
responsável pela alfabetização das crianças, jovens, adultos. Se isto fosse verdade,
com certeza os problemas referentes à alfabetização em nosso país estariam
resolvidos. Afinal, bastaria seguir ‘o manual’ para se obter o ‘sucesso garantido’.
Sabemos que não é este o caso.

86
TÓPICO 2 | PERCORRENDO A HISTÓRIA DA ALFABETIZAÇÃO

Um dos grandes problemas referentes ao uso das cartilhas é o de que,


em sua maioria, não passam de manuais fechados, cheios de esquemas a
serem seguidos. Com isso, incorre-se na prática de DESCONTEXTUALIZAR
o conhecimento. Não se parte do que o aluno traz consigo, mas daquilo que é
proposto pelo manual. Com isso, a preocupação se volta a seguir e cumprir um
‘passo a passo’ estipulado por alguém, para atingir determinado objetivo.

Esperamos que este caderno não seja encarado como uma cartilha. Pelo
contrário, queremos que você amplie seus conhecimentos, por isso mencionamos
PARA ALÉM no título que abriu este item. Podemos continuar?

A nossa pretensão, no próximo item, é a de construirmos uma linha do


tempo sobre a história da alfabetização. Acompanhe-nos e descubra quem faz
parte desta linha. Faça algumas paradas reflexivas e aproveite para fundamentar
a sua prática e as suas concepções.

4 DE ROUSSEAU A FERREIRO: UMA LINHA DO TEMPO


Anteriormente, no item 3 deste tópico, estudamos sobre os materiais
construídos historicamente com o intuito de servirem como instrumento para a
alfabetização.

Agora, queremos tecer uma linha do tempo cujo objetivo se volta ao estudo
dos acontecimentos históricos relacionados à alfabetização. Diversos teóricos se
debruçaram sobre tentativas de tornar a alfabetização algo próximo das pessoas.

Quando mencionamos ‘DE ROUSSEAU A FERREIRO’, no título que abriu


este item, fizemo-lo nos referindo a esta linha do tempo, tendo como ponto de
partida Emílio, personagem criado por ROUSSEAU. No outro extremo da linha,
deparamos com Emília FERREIRO, pesquisadora argentina que tem grande
influência nos estudos sobre a alfabetização, ainda nos dias de hoje.

Antes de nos determos aos vários estudiosos que compõem a ‘linha do


tempo’ que anunciamos, queremos mencionar que não se trata de uma linha
fechada, esticada, em que cada teórico estacionou. Pelo contrário, percebemos
‘mobilidade entre’. Isto quer dizer que, ainda nos dias atuais, mobilizamos estes
teóricos, buscando fundamentos para nossos estudos e práticas. Em outras
palavras, somos influenciados por algumas ideias históricas que nos constituem
como sujeitos: “as técnicas usadas no passado são revivificadas e voltam a ser
utilizadas como se fossem novas”. (ELIAS, 2000, p. 9). Perceberemos isso ao longo
desse nosso estudo.

A fim de fundamentarmos teoricamente a nossa linha do tempo,


convidamos Elias (2000), autora da obra: De Emílio a Emília – a trajetória da
alfabetização, para guiar os nossos passos.

87
UNIDADE 2 | A ALFABETIZAÇÃO

Iniciaremos por Jean Jacques Rousseau (1712-1778).

FIGURA 24 – JEAN JACQUES ROUSSEAU

FONTE: Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Jean-


Jacques_Rousseau>. Acesso em: 8 jun. 2011.

Na verdade, Rousseau serve como referência, é como se fosse o centro da


linha do tempo a qual nos propusemos a construir. Antes dele, alguns teóricos já
haviam postulado ideias que influenciaram a educação.

Que tal conhecermos alguns deles e suas principais contribuições?


Anunciamos que grifamos o nome ‘principal’ de cada teórico, ou seja, o nome
pelo qual, comumente, é conhecido.

FRANÇOIS RABELAIS (1495-1553): suas ideias pedagógicas visavam à


proposição de métodos atraentes, que tivessem como objetivo formar o homem
integral. Para este teórico, a educação deveria ser alegre, risonha, promovida em
um ambiente de liberdade. O conhecimento deveria ser retirado da natureza e
não dos livros.

de
autoativida

Quantas ideias interessantes, não é mesmo? O que chamou a sua atenção nas
propostas deste autor? Por quê?
_________________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________________

88
TÓPICO 2 | PERCORRENDO A HISTÓRIA DA ALFABETIZAÇÃO

FIGURA 25 – FRANÇOIS RABELAIS

FONTE: Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/


Fran%C3%A7ois_Rabelais>. Acesso em: 8 jun. 2011.

MICHEL EYQUEM DE MONTAIGNE (1553-1592): para ele aprender


era sinônimo de assimilar conhecimentos e não amontoá-los; coisas deveriam
ter privilégio no ensino e não palavras; a instrução deveria ser adquirida pela
experiência; a educação deveria ter como fim último a formação do juízo.

FIGURA 26 – MICHEL EYQUEM DE MONTAIGNE

FONTE: Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Michel_de_


Montaigne>. Acesso em: 8 jun. 2011.

89
UNIDADE 2 | A ALFABETIZAÇÃO

JAN AMOS COMENIUS (1592-1670): defendia que a finalidade da


educação deveria ser o saber (conhecimento de todas as coisas, artes e línguas),
a virtude (bons costumes, domínio das paixões) e a piedade (religião pela qual a
alma se une ao Ser supremo). Além dessas finalidades, a educação deveria ser para
todos (ricos, pobres, meninos, meninas,...). A escola maternal era fundamental
para este teórico, nela as crianças deveriam aprender pelo exercício dos sentidos
(observando e experienciando). Já nos anos subsequentes, na escola comum,
os sentidos internos deveriam ser cultivados (imaginação, intuição, memória).
Ao ‘ginásio’ caberia o ensino do entendimento e do juízo (isso pela dialética,
gramática e demais ciências e artes de utilidade prática). Finalmente, cabia às
universidades o cultivo da alma (teologia), da inteligência (filosofia), do corpo
(medicina) e dos bens externos (jurisprudência).

UNI

No item 3 deste tópico, Comenius, ou, Comênio, já foi apresentado. Caso queira
contemplar a sua imagem novamente, volte algumas páginas.

JOHN LOCKE (1632-1704): para Locke, a Educação também deveria


contemplar três aspectos, assim como para Comenius. Porém, estes três aspectos
eram: o físico (vigor do corpo), o moral (virtudes) e o intelectual (saber). Foi
responsável pela elaboração da teoria empírica do conhecimento: “todo
conhecimento vem dos sentidos e do intelecto, isto é, da experiência”. (ELIAS,
2000, p. 22, grifos da autora). Para a sua época histórica, Locke inverteu as coisas
na educação: saúde e disciplina corporal eram mais importantes do que o saber e a
eloquência. “Não se consegue educar os jovens com castigos duros, mas por meio
de jogos adequados pode-se ajudá-los a aprender a viver etc.” (ELIAS, 2000, p. 22).

90
TÓPICO 2 | PERCORRENDO A HISTÓRIA DA ALFABETIZAÇÃO

FIGURA 27 – JOHN LOCKE

FONTE: Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/John_Locke>.


Acesso em: 8 jun. 2011.

Conforme anunciamos anteriormente, estes teóricos antecederam


Rousseau historicamente.

Rousseau se apropriou de algumas destas ideias para formular as suas. A


educação deveria ocorrer pelo interesse natural das crianças e não por esforços
artificiais. Veja que interessantes alguns tópicos dos estudos de Rousseau
referentes à fala, escrita, leitura e desenho:

- Deve-se deixar a criança falar, falar no seu dialeto. Afinal, é só falando que ela
aprenderá a falar. Conforme Elias (2000, p. 42), dialeto aqui é compreendido como
“variedade linguística falada pelas pessoas com as quais a criança interage”.

- Deve haver um trabalho intenso de linguagem oral. Além disso, é necessário


que a criança seja exposta a modelos corretos de fala. O educador não deve
corrigir todas as falhas que a criança comete ao falar.

- A criança deve ter contato com palavras acessíveis e não inúteis, ou seja,
palavras descontextualizadas.

- A linguagem se desenvolve quando ocorre em situações diversas.

- O ensino da leitura e da escrita não deveria acontecer com pressa. “O desejo e


o interesse levam o aprendiz a relacionar-se convenientemente com o objeto do
conhecimento”. (ELIAS, 2000, p. 43).

91
UNIDADE 2 | A ALFABETIZAÇÃO

- Rousseau se opunha a qualquer método de leitura e escrita que se ativesse à


memorização. Leia que interessante alguns aspectos apresentados por Elias
(2000, p. 44, grifos da autora):

A criança é capaz de descobrir caminhos para o uso da


comunicação, em diferentes contextos socioculturais,
o que, sem dúvida, irá favorecer o domínio pleno do
código alfabético. Rousseau acreditava que “o conteúdo
dos livros didáticos e a forma como eram trabalhados
representavam o flagelo da infância”.

- O homem é sujeito do próprio desenvolvimento. A leitura, a escrita e o desenho


são maneiras de integração social e transformação. É preciso, contudo, esperar
que a criança construa, no seu tempo, noções básicas que permitam os avanços
nestas áreas.

de
autoativida

De acordo com o seu contexto de vida, com a sua prática pedagógica, você
consegue traçar algum paralelo entre as ideias de Rousseau e as preocupações atuais
referentes ao processo de alfabetização? Anote no espaço a seguir:
______________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________

Após Rousseau, alguns teóricos continuaram desenvolvendo ideias


pertinentes à alfabetização. Queremos conhecer alguns destes estudiosos.
Procederemos da mesma maneira que anteriormente, grifando o nome mais
conhecido do referido estudioso.

JOHANN BERNHARD BASEDOW (1723-1790): suas propostas


pedagógicas referiam-se a uma educação nacional e independente de religião;
a intuição, a recreação, bem como a cultura utilitária deveriam ser metas
educacionais. Dos 8 aos 12 anos, as crianças deveriam conhecer apenas coisas da
vida prática (visitas frequentes a oficinas e fábricas) e não palavras. Conforme
Elias (2000, p. 23), Basedow foi o responsável pelo adágio: “Aprender pouco – e
esse pouco, sempre brincando”. Basedow se opunha à gramática e à retórica.
A História deveria ser ensinada despojada de datas. A geografia privilegiava o
contexto da criança (quarto, casa, cidade,...), inicialmente, depois o restante. Bons
exemplos e evitar maus hábitos eram a máxima de suas preocupações referentes
à moral.

92
TÓPICO 2 | PERCORRENDO A HISTÓRIA DA ALFABETIZAÇÃO

FIGURA 28 – JOHAN BERNHARD BASEDOW

FONTE: Disponível em: <http://en.wikipedia.org/wiki/Johann_


Bernhard_Basedow>. Acesso em: 8 jun. 2011.

JOHANN HEINRICH PESTALOZZI (1746-1827): privilegiava a atividade


do aluno. O ensino deveria seguir a ordem do simples ao complexo, do conhecido
ao desconhecido, do concreto ao abstrato, do particular ao geral. O ‘método de
Pestalozzi seguia alguns princípios, dentre os quais: a intuição (habituar a criança
a observar); o saber e o saber fazer (qualquer conhecimento deve ser aplicado
a outras situações); o poder (aliar as noções teóricas às habilidades práticas); o
amor (as relações entre professor/aluno devem ser amorosas).

Leia as proposições feitas por Elias (2000, p. 25) quanto aos aspectos da
alfabetização sob a ótica de Pestalozzi e alguns comentários feitos pela autora
referentes à influência ‘pestalozziana’ nos dias atuais:

O ensino da leitura e da escrita era feito por meio do método sintético,


começando pelo estudo das vogais. Mas, antes de saber ler e escrever,
achava indispensável saber falar. Para a leitura, empregava letras
móveis, colocadas num cartão de modo que, aproximadas umas das
outras, formavam as sílabas. Em geral, os métodos de nossas cartilhas
eram, até bem pouco tempo, resultado direto, embora não imediato,
dos esforços de Pestalozzi em analisar a matéria em seus elementos
mais simples e, depois, por aumento gradual de complexidade do
material, levar a criança à compreensão simétrica e ordenada de toda
a matéria.

93
UNIDADE 2 | A ALFABETIZAÇÃO

de
autoativida

Alguns dos aspectos mencionados, referentes à alfabetização, fazem ou fizeram


parte do seu contexto de vida? Anote no espaço a seguir:
_________________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________

FIGURA 29 – JOHANN HEINRICH PESTALOZZI

FONTE: Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Johann_


Heinrich_Pestalozzi>. Acesso em: 8 jun. 2011.

FRIEDRICH FRÖBEL (1782-1852): Para Fröbel, o desenvolvimento


espiritual e o cultivo da verdadeira humanidade eram a finalidade da educação.
Brinquedos e jogos simbólicos auxiliam na construção do conhecimento. Alguns
princípios gerais quanto às crianças: devem exercer seus sentidos com liberdade;
a individualidade e a índole de cada criança devem ser respeitadas; as atividades
manuais são o melhor caminho para o desenvolvimento sadio e natural das
crianças; a educação deve iniciar antes dos 6 anos de idade, principalmente para
crianças de classes menos privilegiadas.

94
TÓPICO 2 | PERCORRENDO A HISTÓRIA DA ALFABETIZAÇÃO

UNI

Fröbel já foi mencionado no item 3 deste tópico. Portanto, caso queira visualizá-
lo, sugerimos que volte algumas páginas.

JOHN DEWEY (1859-1952): este estudioso propõe que não deve haver
nenhuma separação entre a vida e a educação. Além disso, a educação deve
permitir “compreender, projetar, experimentar e conferir os resultados das
aprendizagens”. (ELIAS, 2000, p. 28). Deve haver uma conexão entre escola, vida
social e outras instituições (igreja, estado,...). A ‘pedagogia’ de Dewey tinha uma
fórmula: aprender fazendo.

FIGURA 30 – JOHN DEWEY

FONTE: Disponível em: <http://revistaescola.abril.com.br/historia/pratica-


pedagogica/john-dewey-428136.shtml>. Acesso em: 8 jun. 2011.

MARIA MONTESSORI (1870-1952): os princípios desta estudiosa


referem-se ao estímulo a fim de que haja o despertar da criatividade. Toda criança
tem direito: à vida própria, à liberdade e à autonomia. Para isso deve haver
promoção da autoeducação das crianças, através de meios adequados de trabalho.
Para Montessori, o ensino é individual, cabe ao professor observar e estimular a
autoformação das crianças. O objetivo último da pedagogia montessoriana é o de
que a criança aprenda a ser dona de si mesma.

95
UNIDADE 2 | A ALFABETIZAÇÃO

FIGURA 31 – MARIA MONTESSORI

FONTE: Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Maria_


Montessori>. Acesso em: 8 jun. 2011.

OVIDE DECROLY (1871-1932): este teórico dedicou-se a construir


estratégias de ensino que visavam à inclusão de crianças excluídas das escolas,
aquelas consideradas anormais. Decroly, assim como Dewey, concebe um ensino
em que os interesses da criança sejam privilegiados através de ambientes em
que possam experimentar, agir e ter contato com a vida. Utensílios de cozinha,
alimentos, trajetos feitos pelas crianças, objetos de uso pessoal, meios de locomoção,
podem dar à criança a oportunidade de interagir lúdica e prazerosamente com a
leitura e a escrita. Ao professor caberia recuperar a globalidade do ensino (ELIAS,
2000), trabalhando de forma integrada e não fragmentada.

FIGURA 32 – OVIDE DECROLY

FONTE: Disponível em: <http://educarparacrescer.abril.com.br/aprendizagem/


ovide-decroly-307894.shtml>. Acesso em: 8 jun. 2011.

96
TÓPICO 2 | PERCORRENDO A HISTÓRIA DA ALFABETIZAÇÃO

Sobre a concepção de Decroly, leiamos o UNI a seguir:

E
IMPORTANT

A alfabetização ou o ensino da leitura deve partir do todo, para posteriormente


passar à decomposição. O “todo” era a palavra, proposta para ser trabalhada como centro
da aprendizagem. Decroly também utiliza a palavra, porém estabelece uma diferença: as
palavras de que faz uso são retiradas do vocabulário de cada centro de interesse. O processo
de alfabetização, para ter sucesso, deve partir do vocabulário da criança, a fim de que esta
possa opinar, sintetizar e compreender as ideias. O primeiro contato da criança com o
símbolo gráfico deve estar associado à imagem visual.

FONTE: Elias (2000, p. 80)

Apresentamos, ainda, duas proposições de Decroly referentes à leitura e


à escrita respectivamente, que consideramos relevantes, com base em Elias (2000,
p. 82-83):

● Quanto à leitura: partir do que é significativo para a criança e depois passar


às partes – palavras, sílabas e letras – é um processo natural de aquisição do
ensino; as crianças aprendem a ler antes de conhecer os nomes das letras.
Além do mais [a leitura] é mais rápida que com os outros métodos.

● Quanto à escrita: o mesmo procedimento global aplicado à leitura deve ser


utilizado na escrita. Uma possibilidade é que a criança elabore seu próprio
livro de leitura em vez de utilizar a cartilha ou um modelo. A escrita passa
a ser um processo de descoberta para a criança, como a busca do saber
científico.

UNI

Passaremos, a seguir, a conhecer mais um teórico da nossa linha do tempo:

CELESTIN FREINET (1896-1966): tentou conhecer a maneira de pensar


e de ser das crianças com as quais tinha contato. Isso para ajudá-las quando
tivessem dificuldade na aquisição de algum conhecimento. A teoria de Freinet
tinha por base não separar a educação da vida e nem isolar a escola dos fatos
sociais e políticos que a determinam. Sua pedagogia se pautava na ação. Para

97
UNIDADE 2 | A ALFABETIZAÇÃO

a aprendizagem da leitura e da escrita, propôs um método natural que partia


da experimentação e do erro. Os métodos naturais têm como ponto de partida
o interesse e a livre expressão da criança (estudaremos mais a respeito deste
método, proposto por Freinet, no próximo tópico desta unidade).

FIGURA 33 – CELESTIN FREINET

FONTE: Disponível em: <http://freinet.org.br/freinet.htm>. Acesso em:


8 jun. 2011.

Chegamos a EMILIA FERREIRO (1936- ). Você ainda se lembra da nossa


proposta anunciada no título de abertura deste item? Mencionamos uma linha
do tempo de Rousseau a Ferreiro. A seguir, para finalizar o que propusemos,
queremos pontuar alguns aspectos referentes a esta pesquisadora (Ferreiro).
Adiante, no próximo tópico, discutiremos um pouco mais a respeito.

Quando nos referimos a alguns aspectos no parágrafo anterior, remetíamo-


nos a etapas do processo de aquisição da escrita propostas por Ferreiro. Antes,
contudo, que tal conhecermos um pouco melhor esta importante pesquisadora?

Conforme algumas fontes de consulta, dentre elas uma edição especial


da revista de circulação nacional, Nova Escola (julho/2008), Emília Ferreiro é
considerada uma revolucionária da alfabetização. Isso devido a suas pesquisas
cujos resultados revelaram aspectos pertinentes à aprendizagem das crianças. Até
então, historicamente, o caminho parecia ser inverso: buscar maneiras de ensinar
algo às crianças, isso referente à leitura e à escrita. Ferreiro se deteve a observar
e estudar ‘como’ as crianças aprendem. Em outras palavras vale dizer que seus
estudos apontavam para a aprendizagem da criança por ela mesma, pelas suas
capacidades e não pela escola.

98
TÓPICO 2 | PERCORRENDO A HISTÓRIA DA ALFABETIZAÇÃO

Emília Ferreiro nasceu na Argentina, no ano de 1936. Foi aluna de Jean


Piaget (este teórico a orientou no doutorado em Genebra, na Suíça). Atualmente,
(2011) vive no México, onde coordena grupos de pesquisa e ainda leciona.

A principal obra desta autora é o livro Psicogênese da língua escrita,


publicado em parceria com outra pesquisadora: Ana Teberosky (no Brasil esta
obra foi publicada pela editora Artmed, em 1999). Neste livro, não se encontra
um método, mas sim, os processos, as etapas de aprendizagem das crianças.

E
IMPORTANT

Entendemos por processo o caminho que a criança deverá percorrer para


compreender as características, o valor e a função da escrita. (FERREIRO e TEBEROSKY,
1999, p. 17).

A partir desta obra, muitos professores e instituições repensaram suas


práticas. Ferreiro influenciou, inclusive, a elaboração dos PCN (Parâmetros
Curriculares Nacionais).

Há pouco, mencionamos que Ferreiro apresenta etapas de aprendizagem.


De forma sucinta, apresentaremos estas etapas no UNI. Neste momento, você
conhecerá o nome e a hipótese central de cada etapa (nível). Acompanhe-nos!

NOTA

Nível I e II – Pré-silábico
Hipótese central: (I) escrever é reproduzir os traços típicos da escrita, identificados pela
criança como a forma básica da escrita. (II) Para ler coisas diferentes, isto é, atribuir significados
diferentes, deve haver uma diferença objetiva nas escritas.

Nível III – Silábico


Hipótese central: tentativa de dar um valor sonoro a cada uma das letras que compõem a
escrita.

Nível IV – Silábico-alfabético
Hipótese central: coexistência de duas formas de corresponder sons e grafias: fonemas para
algumas partes das palavras e sílabas para as outras.

Nível V – Alfabético
Hipótese central: compreensão de que cada som (fonema) corresponde a uma letra e que as
letras se combinam para formar sílabas e palavras.

FONTE: Elias (2000, p. 170-174)

99
UNIDADE 2 | A ALFABETIZAÇÃO

FIGURA 34 – EMILIA FERREIRO

FONTE: Disponível em: <http://revistaescola.abril.com.br/


lingua-portuguesa/alfabetizacao-inicial/estudiosa-revolucionou-
alfabetizacao-423543.shtml>. Acesso em: 11 jun. 2011.

Após ‘fecharmos’ a nossa linha do tempo, anunciamos que esse


‘fechamento’ não é possível, isso porque sempre, a fim de fundamentarmos a nossa
prática, é importante retomarmos os conhecimentos sobre os nossos precursores.
Foi essa a tentativa a qual nos propusemos neste item estudado. Lembre-se:
o nosso caderno versa sobre as bases, os fundamentos da alfabetização e do
letramento. Compreendemos ‘fundamentos’ como alicerces, tais quais os de uma
construção, edificação. Portanto, eis a necessidade do que estudamos até aqui e
daqui por diante: fundamentar, alicerçar. Esperamos desta forma que, além de
saber mais com estes estudos e informações, a sua prática possa ser influenciada,
com qualidade.

Vamos adiante?

No próximo tópico desta unidade, estudaremos os métodos de


alfabetização. Antes, porém, de chegarmos lá, acompanhe o resumo e a
autoatividade proposta.

100
RESUMO DO TÓPICO 2
Neste tópico, vimos que:

● É importante conhecermos aspectos históricos referentes à alfabetização


porque para haver avanço em nossas práticas é necessário que entrelacemos o
passado e o presente.

● Inicialmente, o trabalho de leitura e cópia eram o segredo da alfabetização.

● As cartilhas foram elaboradas para que se pudesse ensinar leitura e escrita a


um grupo de pessoas. A finalidade destes materiais era/é orientar através de
esquemas.

● A primeira cartilha publicada no Brasil foi o ‘Manual explicativo do método de


leitura denominado escola brasileira’, de Francisco Alves da Silva Castilho, no
ano de 1859. Para este autor o ensino deveria ser por meio de palavras inteiras
e não letras ou sílabas isoladas.

● Quando pensamos historicamente na alfabetização, remetemo-nos a alguns


teóricos que marcaram suas épocas com referência a este assunto. Estes teóricos
ainda influenciam os estudos sociais sobre a alfabetização ‘revivificando
técnicas do passado’. (ELIAS, 2000). São eles: Rabelais, Montaigne, Comenius,
Locke, Rousseau, Basedow, Pestalozzi, Fröbel, Dewey, Montessori, Decroly,
Freinet e Ferreiro.

101
AUTOATIVIDADE

Observe as ilustrações a seguir. Elas foram retiradas de uma cartilha do nosso


acervo pessoal. Esta cartilha teve a sua primeira edição lançada em 1927. A
nossa é a 5ª edição (ano de 1935).

102
FONTE: Heuer (1935, p. VIII e 13)

Após observar as ilustrações, escreva (com referência a aspectos do seu


contexto de vida referentes à leitura e à escrita):

a) O que destoa da nossa época atual?

b) O que você acha que é parecido com o ensino dos dias atuais?

103
104
UNIDADE 2
TÓPICO 3

CONCEPÇÕES E MÉTODOS DE ALFABETIZAÇÃO

1 INTRODUÇÃO
Neste tópico as nossas atenções se voltam às maneiras de alfabetizar.
Estas maneiras foram construídas ao longo da história e hoje repercutem nas
turmas de alfabetização. Há uma única maneira de alfabetizar? Existe, apenas,
uma maneira correta de alfabetizar? Por que o título deste tópico apresenta a
palavra CONCEPÇÃO (trata-se de um sinônimo de método?)? A estas e a outras
perguntas tentaremos responder ao longo deste nosso estudo.

Contudo, antes de continuarmos, solicitamos que você leia e reflita sobre


o texto que segue, publicado no jornal “Folha de São Paulo”, no dia 03/04/2006.
Retomaremos alguns assuntos desta matéria ao longo deste tópico.

FONTE: Disponível em: <http://www.abrelivros/01/index.php?option=com_content&view=articl


e&id=1335:metodo-de-ensino-nao-determina-sucesso&catid=1:noticias&Itemid=2>. Acesso em:
2 jun. 2011.

105
UNIDADE 2 | A ALFABETIZAÇÃO

2 POR QUE CONCEPÇÕES DE ALFABETIZAÇÃO?


As palavras ‘concepções de alfabetização’ apresentadas no título deste
tópico e no deste item, aparecem, neste momento, como um enigma a ser
desvendado. Quem as apresentou e teceu algumas reflexões sobre foi a autora
Magda Soares, já citada anteriormente.

Segundo Soares (2008), a referência a um ‘método’ de alfabetização busca


a aquisição de uma técnica, ou seja, volta-se ao ‘como’, ao ‘de que maneira’ se
alfabetiza. Conforme veremos adiante, métodos estão voltados a conjuntos de
ações para atingir determinado objetivo.

Contudo, ela pontua que existe uma concepção de alfabetização, ou seja:

CONCEPÇÃO DE ALFABETIZAÇÃO: um meio de democratização da


cultura, como oportunidade de reflexão sobre o mundo e a posição e
lugar do homem [...] um ato de reflexão, de criação, de conscientização,
de libertação [...] algo que transforma as relações sociais em que se
alfabetiza: o alfabetizando considerado não como aluno, mas como
participante de um grupo; o alfabetizador considerado não como
professor, mas como coordenador de debates; a interação entre
coordenador e participantes, o diálogo. (SOARES, 2008, p. 119).

Se pararmos para pensar a respeito de concepções de alfabetização,


conforme lemos, podemos inferir que uma concepção trata da alfabetização com
maior profundidade, pois busca raízes epistemológicas (= ligadas a questões do
conhecimento), teóricas, históricas, que fundamentam um conjunto de ações. Já
os métodos, por estarem ligados a técnicas, podem ser alterados facilmente.

Como desfecho desta pequena discussão tecida até aqui, podemos dizer
que, pautados em uma concepção de alfabetização conforme aquela apresentada
por Soares (2008), o ‘como’ se alfabetiza perde a sua importância. Você concorda?

Retome conosco a primeira frase do artigo da Folha de São Paulo


apresentado na introdução deste tópico:

E
IMPORTANT

Não é o método de alfabetização que determina o sucesso ou o fracasso escolar.

Esta frase traduz o nosso pensamento desenvolvido anteriormente.

Partiremos, agora, ao estudo de alguns métodos de alfabetização


comumente usados em nossas instituições de ensino.

106
TÓPICO 3 | CONCEPÇÕES E MÉTODOS DE ALFABETIZAÇÃO

3 MANEIRAS DE ALFABETIZAR: OS MÉTODOS


Conforme já vimos no item anterior, os métodos estão voltados a um
conjunto de ações que se delimitam para atingir determinado objetivo. No nosso
caso, neste momento, este conjunto de ações refere-se à alfabetização. Ou seja,
como se alfabetiza?

Antes de delinearmos os métodos de alfabetização, queremos apresentar


o conceito dado a método, por Soares (2008, p. 93):

Método: conceito genérico sob o qual podem ser abrigadas tantas


alternativas quantos quadros conceituais existirem ou vierem a existir
[...] um “método” é a soma de ações baseadas em um conjunto coerente
de princípios ou de hipóteses psicológicas, linguísticas, pedagógicas,
que respondem a objetivos determinados.

De acordo com o conceito apresentado anteriormente, queremos ressaltar


que, ao longo da história dos métodos, surgiram duas vertentes fundamentais:

1 Métodos que focalizam o eixo da decifração (sintéticos).


2 Métodos que focalizam a compreensão (analíticos).

Tanto uma vertente quanto a outra possui como enfoque o ENSINO DA


ESCRITA. O que difere é:

● O ponto de partida para o ensino: - das partes para o todo;


- do todo para as partes.
● O conteúdo da alfabetização.

3.1 MÉTODOS SINTÉTICOS: DAS PARTES PARA O TODO


Iniciaremos, então, pelo estudo dos métodos sintéticos. Conforme
estudamos anteriormente, os métodos sintéticos são aqueles que partem das
partes para o todo e cujo enfoque está na decifração.

Por método sintético, conforme Maciel (2010, p. 51-52), entende-se: “o que


principia pelo estudo das letras, fonemas ou das sílabas. [...] a criança aprende
inicialmente a ler cada letra e deve, com efeito, condensar essas diferentes letras
em uma leitura única, produzindo, dessa forma, uma síntese”.

Os métodos sintéticos são três: o alfabético, o silábico e o fônico. A seguir,


a nossa pretensão é abordar sucintamente cada um deles. Acompanhe-nos e
aprenda mais!

107
UNIDADE 2 | A ALFABETIZAÇÃO

3.1.1 Método alfabético


Este método também é conhecido como método da soletração. A unidade
central de estudo é a letra. Considerado um dos métodos mais antigos dos quais
se tem conhecimento. Segundo Frade (2007, p. 22-23), para aprender por este
método, segue-se uma sequência:

- decorar oralmente as letras do alfabeto;


- reconhecer estas letras, posteriormente, em pequenas sequências e
numa sequência de todo o alfabeto, então, as letras isoladas;
- decorar todos os casos possíveis de combinações silábicas, que
eram memorizadas sem que se estabelecesse a relação entre o que era
reconhecido graficamente e o que as letras representavam, ou seja, a
fala.

Veja que interessantes algumas informações apresentadas por Maciel


(2010, p. 52) sobre o método alfabético:

Ainda que todos partam das letras do alfabeto, também existem


variações nas suas técnicas de aplicação. As famosas Cartas de ABC
trazem as combinações de todas as letras, levando os aprendizes à
exaustão não só na repetição da formação das lições, como também na
memorização cansativa destas.
As primeiras lições apresentavam o alfabeto e as combinações: ab, ac,
ad, ...ba, ca, da, fa, ga, la... etc. Outros autores já apresentavam a junção
das letras. O método é mais conhecido como método de soletração, em
que os alunos soletravam e cantarolavam:
b... a = BA; n... a – na; n... a ; na à ba-na-na

Qual seria a crítica a este método? Ao ler o quadro anterior com atenção,
encontraremos três palavras que dão indícios de resposta à pergunta lançada:
EXAUSTÃO, MEMORIZAÇÃO CANSATIVA.

Leia que interessante um pensamento de Comenius (lembra-se dele?


Conhecemos algumas de suas ideias na linha do tempo da alfabetização estudada
anteriormente) quanto ao método alfabético: “Não se ensinam nem se aprendem
as palavras senão juntamente com as coisas, da mesma maneira que se vendem,
se compram e se transportam os vinhos juntamente com a garrafa, a espada com
a bainha. (COMENIUS apud MACIEL, 2010, p. 53).

3.1.2 Método silábico


Conforme o nome já indica, a principal unidade analisada neste método é
a sílaba. De acordo com Frade (2007, p. 24), os seguidores deste método concebem
que “o acesso direto à sílaba [...] pode ajudar a concretizar mais rapidamente a
relação de segmentos da fala com segmentos da escrita”.

A sequência no desenvolvimento deste método é a escolha de sílabas que


obedeçam à ordem do ‘mais simples’ ao ‘mais complexo’.

108
TÓPICO 3 | CONCEPÇÕES E MÉTODOS DE ALFABETIZAÇÃO

Trazemos, novamente, um quadro elaborado por Maciel (2010, p. 53), o


qual nos auxilia na compreensão do método silábico:

Os defensores deste método apontam-no com vantagens sobre os


demais por ser considerado por muitos professores e gestores como
um método de fácil aplicação. Em geral, apresenta uma sequência
gradual de “famílias silábicas” e dispensa orientação para o professor.
Família BA: ba – be – bi – bo – bu.
Formação de palavras: ba-ba; be-be; be-bi; bi-bi; bo-bo.
Família do LA: la – le – li – lo – lu.
Formação de palavras: la-la; le-le; le-lo; Li-li; Lo-lo...
Formação de Palavras BA – Família ba-la: bala; bola; buile; bula; boo;
bela; bole; loba; lobo...
As desvantagens apontadas na aplicação do método silábico são o
excesso na memorização, além da escrita reduzida de palavras, muitas
vezes desprovidas de sentido para os alunos.

As críticas a este método são: a excessiva memorização e a escrita reduzida


de palavras. Muitas destas palavras são desprovidas de sentido para os alunos.
(MACIEL, 2010).

3.1.3 Método fônico


O método fônico explora o som das letras (MACIEL, 2010) e a sua
representação na escrita.

Muitos autores acreditam ser este o método essencial para a aprendizagem


do nosso sistema de escrita. Isto devido ao ensino da relação entre fala e escrita.

A sequência de ensino pode ser assim representada:

- Ensina-se a forma e o som das vogais;


- em seguida, as consoantes.

As relações estabelecidas entre vogais e consoantes tornam-se,


gradativamente, mais complexas. Frade (2007, p. 22) explica que “Cada letra
(grafema) é aprendida como um fonema (som) que, junto a outro fonema, pode
formar sílabas e palavras”.

No Brasil, há duas propostas muito conhecidas que são fundamentadas


no método fônico: o Método da Abelhinha e A Casinha Feliz.

Leia que interessantes são as reflexões sobre o método fônico apresentadas


por Carvalho (2008, p. 28):

Um aspecto discutível dos métodos é que as histórias dos manuais,


criadas com o objetivo de apresentar as relações letra-som numa determinada
sequência são muito artificiais. É preciso professores experientes, com bons

109
UNIDADE 2 | A ALFABETIZAÇÃO

recursos narrativos, para darem vida a histórias didáticas, em que os sons


ora são associados à forma das letras, ora aos nomes dos personagens, ora a
um “barulhinho” produzido por eles. Na aplicação dos métodos fônicos, a
maior dificuldade técnica é tentar articular os sons das consoantes isoladas,
pois de fato elas só ganham sons quando estão acompanhadas de uma vogal.
Existem algumas consoantes, como o /f/ e o /v/, que podem ser prolongadas
com certa facilidade, dando a impressão que se fundem com as vogais que
as acompanham. Mas não é o caso da maioria das outras que só são ouvidas
claramente quando acompanhadas das vogais.

Um cuidado que deve ser observado na aplicação dos métodos fônicos


decorre da própria natureza do Português, língua alfabética na qual uma letra
pode representar diferentes sons conforme a posição que ocupa na palavra,
assim como um som pode ser representado por mais de uma letra, segundo a
posição. Assim, não basta ensinar o som da letra em posição inicial da palavra,
mas é preciso mostrar os sons que as letras têm em posição inicial, medial (no
meio) ou final da sílaba.

de
autoativida

Retire deste trecho o que para você é mais importante e que serve de alerta
quanto ao método fônico. Para isso, utilize o espaço a seguir:
_________________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________

Como complemento, apresentamos, ainda, um trecho extraído de Frade


(2007, p. 25-26):

Os métodos sintéticos, em geral, parecem privilegiar o sentido do


ouvido na relação com os sinais gráficos e neles eram comuns os exercícios
de leitura em voz alta e o ditado: todas estas atividades guardam coerência
com um tipo de pressuposto: o da transformação da fala em sinais gráficos.
Pode-se concluir então que neste conjunto de métodos sintéticos o objeto que
se ensina explicitamente no método fônico e silábico e, por conta da dedução
do aprendiz, no método alfabético, é o sistema alfabético/ortográfico de escrita,
com sua lógica de representação, de organização e combinatórias etc.

Encontraremos lógicas e possibilidades interessantes em cada uma


das tendências, dependendo da especificidade do que se ensina, quando se

110
TÓPICO 3 | CONCEPÇÕES E MÉTODOS DE ALFABETIZAÇÃO

ensina o sistema alfabético/ortográfico de escrita: em certos casos a sílaba é


a melhor unidade para o ensino, em outros a análise do fonema pode ajudar
a estabelecer algumas distinções entre palavras quando a relação do fonema
com a fala é mais direta. Não se pode esquecer também de outra lógica, a
pedagógica, encontrada quando pesquisamos as estratégias pensadas para
provocar interesse ou motivação, para controlar o aprendizado, para utilizar
determinados materiais.

de
autoativida

Retire deste trecho alguma passagem que indica o valor dos métodos sintéticos.
Para fazer suas anotações, utilize o espaço que segue:
______________________________________________________________________________
_____________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________

A partir do próximo item, queremos nos debruçar sobre o estudo dos


métodos analíticos. Acompanhe-nos!

3.2 MÉTODOS ANALÍTICOS: DO TODO PARA AS PARTES


Recuperando o que apresentamos no item 3, relembramos que os métodos
analíticos têm como enfoque a compreensão. O conteúdo de ensino parte do todo
para as partes.

Segundo Carvalho (2008, p. 32), a fundamentação teórica destes métodos é


“a psicologia da Gestalt ou psicologia da forma: a crença segundo a qual a criança
tem uma visão sincrética (ou globalizada) da realidade, ou seja, tende a perceber
o todo, o conjunto, antes de captar os detalhes”.

Historicamente, países europeus e americanos, no final do séc. XIX e


início do séc. XX passavam por movimentos de renovação educacional. No
Brasil, segundo Maciel (2010), essas mudanças foram incorporadas. Alguns
autores como Decroly, Montessori e Dewey influenciaram a nossa educação.
Tudo isso é considerado um marco na história da alfabetização brasileira, pois, a
partir de então há uma mudança de concepção: os métodos sintéticos dão lugar
aos analíticos, sem, contudo haver uma data específica que defina a mudança.
Além disso, segundo Maciel (2010), é difícil mensurar como essa passagem se
deu. Algumas escolas mesclaram os métodos, outras aboliram completamente e
aderiram à novidade etc.

111
UNIDADE 2 | A ALFABETIZAÇÃO

3.2.1 Método global: Decroly e suas contribuições


Já ouvimos falar deste teórico (Decroly) anteriormente, não é mesmo?
Volte algumas páginas e você o encontrará. Quais foram as contribuições de
Decroly que influenciaram os processos de alfabetização?

De acordo com Carvalho (2008, p. 35), Decroly “propôs que o ensino se


desenvolvesse por centro de interesse, e não por matérias isoladas, como se fazia
nas escolas tradicionais”.

O método desenvolvido por Decroly (CARVALHO, 2008) ficou conhecido


como MÉTODO IDEOVISUAL, e consistia nas seguintes etapas:

- o aluno reconhecia a forma, o desenho total, a imagem gráfica da frase;


- aprendia a distinguir as palavras, por meio da observação de semelhanças e
diferenças entre elas; em seguida, as sílabas e depois as letras.

Este método foi adaptado ao ser inserido em algumas escolas. Isso porque
as experiências de Decroly foram feitas com crianças que sofriam de algum déficit
visual, auditivo ou outro.

3.2.2 Freinet e o método natural


Já conhecemos este teórico também, não é mesmo?

O MÉTODO NATURAL desenvolvido por Freinet não tem fases ou


etapas. Segundo Carvalho (2008, p. 37), este método pressupõe que “a criança
se familiariza com a escrita por imersão na escrita, à medida que interage com
textos, ouve histórias, desenha, faz tentativas de escrita. Ela aprende a ler lendo,
a escrever, escrevendo”.

Freinet estimulava as crianças a escreverem textos livres. Os colegas eram


os leitores e, juntos, escolhiam como seria impresso o texto num equipamento
manual. Neste método as cartilhas eram/são dispensadas. (CARVALHO, 2008).

3.2.3 Método construtivista: as pesquisas de Ferreiro e


Teberosky
O título deste item já nos fornece uma pista: através deste método de
alfabetização procura-se construir algo.

É isso mesmo?

112
TÓPICO 3 | CONCEPÇÕES E MÉTODOS DE ALFABETIZAÇÃO

Sim. Este método foi desenvolvido por Emilia Ferreiro (já apresentada
anteriormente) e Ana Teberosky. Ambas observaram como as crianças aprendem.
Podemos inferir, a partir disso, que há uma diferença de enfoque neste método: a
ênfase se volta ao ‘como se aprende’ e não ao ‘como se ensina’.

Leia como é interessante uma das explicações dadas pelas autoras e que
julgamos pertinentes para as nossas compreensões diante deste método:

No lugar de uma criança que espera passivamente o reforço externo


de uma resposta produzida pouco menos que ao acaso, aparece
uma criança que procura ativamente compreender a natureza da
linguagem que se fala à sua volta, e que, tratando de compreendê-
la, formula hipóteses, busca regularidades, coloca à prova suas
antecipações e cria sua própria gramática (que não é simples cópia
deformada do modelo adulto, mas sim criação original). No lugar de
uma criança que recebe pouco a pouco uma linguagem inteiramente
fabricada por outros, aparece uma criança que reconstrói por si mesma
a linguagem, tomando seletivamente a informação que lhe provê o
meio. (FERREIRO; TEBEROSKY, 1999, p. 24).

Conforme pudemos notar, a criança e suas hipóteses diante da leitura e da


escrita são o foco deste método. Assim podemos compreender um pouco melhor
a referência dada anteriormente de que, por este método o ‘como se aprende’ é
relevante.

O conteúdo de ensino do qual se parte é o contexto de vida da criança.


Dessa maneira parte-se daquilo que é conhecido para construir conhecimentos.

Conforme já mencionamos no item 4 do Tópico 2, Emilia Ferreiro classificou


a aprendizagem das crianças em níveis. Relembrando: níveis pré-silábicos (I e II);
nível silábico (III); nível silábico-alfabético (IV) e nível alfabético (V).

Em Bregunci (2006) encontramos que as críticas diante do método


construtivista se voltam para o cuidado com a supervalorização da faceta
psicológica (Emília Ferreiro é psicóloga). Com isso, outras facetas indispensáveis
à aquisição do nosso código escrito ficam à mercê, quais sejam: os aspectos
linguísticos, fonéticos e fonológicos.

Além disso, professores que desconhecem as pesquisas de Ferreiro


podem incorrer na prática de avaliar seus alunos denominando-os pelo nome
dos níveis. Ex.: Tenho 20 alunos. 5 pré-silábicos, 5 pré-alfabéticos e 10 silábicos.
É difícil reconhecer o limite entre os níveis, ainda mais quando se desconhece
o que o nosso sistema alfabético impõe: conhecer como funcionam e como são
articulados grafemas e fonemas.

A seguir conheceremos um pouco sobre a postura de Paulo Freire diante


da alfabetização.

113
UNIDADE 2 | A ALFABETIZAÇÃO

3.2.4 Paulo Freire: ultrapassando um método


Quando mencionamos a palavra ULTRAPASSANDO no título deste item,
a nossa intenção se volta às reflexões tecidas por Soares (2008). Esta autora afirma
em seus escritos que considerar as contribuições de Paulo Freire como sendo,
apenas um método de alfabetização é reduzir em muito o valor de seus estudos.

Paulo Freire via a escrita e a leitura com práticas de liberdade. Por isso,
desenvolveu uma maneira que garantia o acesso de muitas pessoas ao mundo da
leitura e escrita. Isso não seria possível pelos métodos convencionais, os quais, em
muito, tolhiam a participação e desconsideravam o contexto de vida.

Conforme Brandão (2005), Paulo Freire propunha uma escola diferente


para as pessoas que não puderam ter acesso a nenhuma escola em sua infância.
Deveria ser um lugar “onde as pessoas se reúnem para aprender a ser cada vez
mais elas mesmas, aprendendo a ler-escrever-e-contar e muitas outras coisas”.
(BRANDÃO, 2005, p. 84).

Dessa feita surgiram os círculos de cultura. As pessoas se reuniam em


círculos para, primeiramente, conversarem sobre as suas vidas. As conversas,
às vezes, surgiam a partir de fichas de cultura, ou seja, imagens que traduziam
contextos desencadeadores de conversa. Em meio a essas conversas surgiam
os temas geradores, os quais, por sua vez, desencadeavam palavras geradoras.
Essas palavras serviam como base para o aprendizado da leitura e da escrita.

FIGURA 35 – PAULO FREIRE

FONTE: Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Paulo_Freire>.


Acesso em: 14 jun. 2011.

114
TÓPICO 3 | CONCEPÇÕES E MÉTODOS DE ALFABETIZAÇÃO

Em Carvalho (2008, p. 44-45) encontramos algumas informações mais


específicas sobre as etapas do ‘método’ de Paulo Freire:

1 – Ao planejar um trabalho de alfabetização em determinada área, deve-se


fazer um levantamento do universo vocabular da população, selecionando
um grupo de 17 a 20 palavras de uso frequente, relevantes para a população
e que apresentam as combinações básicas dos fonemas e padrões silábicos.
São estas as palavras geradoras, que constituirão pontos de partida dos debates
entre os participantes dos círculos de cultura.

2 – Para dar início à alfabetização, o coordenador do círculo de cultura deve


apresentar algumas imagens (em slides ou cartazes) que propiciem o debate
sobre as noções de cultura e de trabalho. Estas imagens representam o produto
do trabalho dos homens sobre a matéria da natureza: suas ferramentas,
utensílios de uso diário, suas moradias. O objetivo é fazer com que os alunos
reconheçam a si próprios como criadores de cultura.

3 – Para ensinar as relações entre letras e sons, o ponto de partida é a palavra


geradora, que é decomposta em sílabas. Em seguida, apresenta-se a ficha
de descoberta, em que aparecem as famílias silábicas correspondentes. Por
exemplo: a partir da palavra favela, forma-se a ficha:
fa fe fi fo fu
va ve vi vo vu
la le li lo lu

Com as sílabas, são formadas novas palavras: fala, fava, vela, vila, lava,
leva, luva e assim por diante.

O método repousa no diálogo, como elemento de comunicação entre os


homens, ou melhor, entre consciências, para transformar o mundo. Repousa ainda
na crença de que o povo oprimido e explorado é capaz de pensar sobre a realidade
social e concluir pela necessidade de transformação. Uma das grandes contribuições
de Paulo Freire foi demonstrar as relações entre analfabetismo, política, dominação
e libertação, sendo o autor reconhecido como um dos mais importantes filósofos
da libertação, pioneiro da alfabetização e da pedagogia crítica.

de
autoativida

Sugerimos, agora, que você retire desse texto, palavras que confirmem o que
apareceu no título deste item, ou seja, a menção de que as ideias desenvolvidas por Paulo
Freire ultrapassam um método de alfabetização. Para isso, utilize o espaço a seguir:
_________________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________________

115
UNIDADE 2 | A ALFABETIZAÇÃO

Talvez você tenha percebido que ao estudarmos os métodos sintéticos,


citamos, também, críticas comumente feitas em relação aos mesmos. Já quanto
aos analíticos, isso não aconteceu, salvo uma observação feita diante dos estudos
de Emília Ferreiro e Ana Teberosky. Será que podemos deduzir, então, que os
métodos analíticos são mais corretos? Cuidado! Quanto a estes métodos, de
forma geral, existem algumas ressalvas. Veja como Bregunci (2006, p. 31) se refere
a uma delas:

quando incorporados de forma parcial e absoluta, acabam enfatizando


construções artificiais e repetitivas de palavras, frases e textos, muitas
vezes apenas a serviço da repetição e da memorização, com objetivo
de manter controle mais rígido da sequência do processo e das formas
de interação gradual da criança com a escrita.

Após este importante lembrete, podemos afirmar que NENHUM


MÉTODO GARANTE BONS RESULTADOS SEMPRE E EM QUALQUER
LUGAR. (CAGLIARI, 1999). Muito disso está relacionado à competência
do professor, à forma como este lida com as questões de leitura e escrita, os
conhecimentos que possui quanto ao nosso sistema de escrita alfabético, o
contexto no qual atua etc. Mesmo assim vale conhecer os métodos que circulam
socialmente. Isso faz parte da consistência pedagógica que buscamos!

DICAS

Para complementar seus conhecimentos sobre métodos de alfabetização


sugerimos a leitura de: Alfabetização hoje: onde estão os métodos?, de Isabel Cristina da Silva
Frade. Rev. Presença Pedagógica, v. 9 nº 50 – mar/abr 2003. Disponível em: <http://www.
presencapedagogica.com.br/capa6/artigos/50.pdf>. Acesso em: 15 jun. 2011.

A seguir, dando sequência aos nossos estudos, abordaremos a


CONSCIÊNCIA FONOLÓGICA.

4 A CONSCIÊNCIA FONOLÓGICA
Estar consciente de alguma ‘coisa’ é, de certa forma, conhecer sobre esta
‘coisa’, a ponto de se expressar sobre ela através de alguma linguagem.

No nosso caso, este ‘estar consciente de’ refere-se aos fonemas. Então, em
outras palavras, consciência fonológica significa compreender, conhecer sobre
fonemas. A linguagem utilizada para nos expressarmos, neste caso, é o alfabeto.

Será que isto é importante na/para a alfabetização?

116
TÓPICO 3 | CONCEPÇÕES E MÉTODOS DE ALFABETIZAÇÃO

Muitos estudiosos afirmam que não é apenas importante, mas sim,


fundamental.

Anteriormente apresentamos que faz parte da consciência fonológica


compreender e conhecer fonemas. O que são fonemas? Para auxiliar a nossa
compreensão, contamos com o apoio de Scliar-Cabral (2010, p. 63) que pontua
que: “fonemas são feixes de traços invariantes, de natureza abstrata, que são
reconhecidos por sua função de distinguir significados, permitindo que as pessoas
se comuniquem através da linguagem verbal”.

Quanta coisa para destrinchar, não é mesmo? Inicialmente queremos


recuperar um sentido que já aprendemos anteriormente, na Unidade 1, sobre
linguagem verbal. Você lembra? A linguagem verbal está ligada ao uso de
palavras. Por isso, referimo-nos tanto à linguagem verbal oral quanto escrita.
Adiante, então!

Quando Scliar-Cabral (2010) desenvolve seus escritos sobre fonemas,


afirma que muitas pessoas confundem conceitos, afirmando que fonemas são
sons. Na verdade, não podemos dizer que fonemas são ‘isto ou aquilo’. O que os
fonemas têm é uma função: eles distinguem significados.

Nada melhor que, neste momento, apresentarmos um exemplo para


clarificar a nossa conversa:

Observe as palavras BALA e MALA (SCLIAR-CABRAL, 2010). Se


omitirmos B e M, eles, por si só, não possuem nenhum significado. Já no contexto
__ALA, quando decidimos usar um ou outro, os significados se alteram. Certo?

Além disso, esses dois fonemas, /b/ e /m/ possuem traços constitutivos
(SCLIAR-CABRAL, 2010). Observe que traços são estes. Leia e estude com
atenção!

1 Ambos são consoantes.


2 Observe o que acontece quando você pronuncia /b/ - há um obstáculo para a
saída do ar, certo? Isso não acontece com /m/.
3 /b/ não é contínuo na sua pronúncia, é momentâneo. /m/ é contínuo.
4 /m/ ressoa nas fossas nasais e /b/ no trato bucal.
5 Em ambos as cordas vocais vibram, por isso são considerados sonoros.
6 Ambos são anteriores, porque sua pronúncia se dá na parte anterior do trato
vocal.
7 Ambos não são coronais, isso significa que a coroa da língua não encosta no
palato e nem nos alvéolos (pronuncie /d/ e perceba a diferença).

A partir destes sete pontos apresentados, esperamos que você tenha


compreendido um pouco mais sobre distinguir significados.

117
UNIDADE 2 | A ALFABETIZAÇÃO

Ainda com o auxílio de Scliar-Cabral (2010, p. 64), queremos ressaltar o


que esta considera pertinente no desenvolvimento da consciência fonológica:

* o desenvolvimento da consciência fonológica pode ajudar o


alfabetizando a vencer a dificuldade em segmentar a sílaba;
* tal desenvolvimento depende do domínio gradativo do sistema
alfabético, pois, para desenvolver a consciência fonológica, o indivíduo
necessita de uma linguagem, e essa linguagem é o alfabeto;
* não se deve confundir consciência fonológica com habilidades para
discriminar diferenças entre sons, pois o fonema é uma entidade que
tem a função de distinguir as significações básicas.

O que se pode/deve trabalhar para desenvolver a consciência


fonológica? De acordo com Adams, Foorman, Lundberg e Beeler (2006, p. 34):

● Jogos de escuta: estimulam a habilidade de prestar atenção a sons


de forma seletiva.
● Jogos com rima: para introduzir os sons das palavras às crianças.
● Consciência das palavras e frases: desenvolve a consciência das
crianças de que a fala é constituída por uma sequência de palavras.
● Consciência silábica: desenvolve a capacidade de analisar as
palavras em sílabas, separando-as e sintetizando-as.
● Introduzir fonemas iniciais e finais: as palavras contêm fonemas.
É importante observar como soam e como os percebemos quando os
pronunciamos isoladamente (foi o que fizemos no exemplo da bala e
mala apresentado anteriormente).
● Consciência fonêmica: desenvolve a capacidade de analisar as
palavras em uma sequência de fonemas isolados, separando-os e
sintetizando-os.
● Introduzindo as letras e a escrita: introduzir a relação das letras com
os sons da fala.

Partiremos a seguir para o resumo deste tópico bem como para a


autoatividade. No próximo tópico abordaremos mais alguns aspectos referentes
à alfabetização.

118
RESUMO DO TÓPICO 3
Neste tópico, vimos que:

● Concepções de alfabetização tratam com maior profundidade o processo de


alfabetização, pois buscam raízes epistemológicas (= ligadas a questões do
conhecimento), teóricas, históricas, que fundamentam um conjunto de ações.
Já os métodos de alfabetização, por estarem ligados a técnicas, podem ser
alterados facilmente.

● Métodos de alfabetização são conjuntos de ações que se delimitam para atingir


determinado objetivo. Conforme estudamos no Tópico 3, este conjunto de
ações refere-se à alfabetização.

● Alguns métodos de alfabetização focalizam o eixo da decifração (métodos


SINTÉTICOS – das partes para o todo). Outros focalizam a compreensão
(métodos ANALÍTICOS – do todo para as partes).

● São métodos sintéticos: fônico, silábico e alfabético.

● São métodos analíticos: global, natural, construtivista e as contribuições de


Paulo Freire.

● Nenhum método garante bons resultados sempre e em qualquer lugar.

● Consciência fonológica significa compreender, conhecer sobre fonemas.


Fonemas, por sua vez, não possuem significado, mas, possuem uma FUNÇÃO:
distinguir significados.

119
AUTOATIVIDADE

1 Reflita sobre o seu processo de alfabetização. Você consegue identificar por


qual método foi alfabetizado?

2 Você ainda se lembra dos materiais utilizados para a sua alfabetização?


(Cartilhas, cartazes, rodas da conversa, textos literários).

3 Volte à autoatividade do tópico anterior (Tópico 2). Observe as ilustrações


apresentadas. De acordo com o que estudamos, a qual método pertencia esta
cartilha? Explique a sua resposta.

120
UNIDADE 2
TÓPICO 4

SOBRE QUEM ALFABETIZA, QUEM É ALFABETIZADO E


‘COMO’ SE ALFABETIZA

1 INTRODUÇÃO
No último tópico desta unidade queremos construir algumas compreensões
sobre aspectos intrínsecos à alfabetização. Estes aspectos dizem respeito aos
alfabetizadores, ou seja, pessoas que se dedicam ao ensino do nosso sistema de
escrita. Outros, ainda, têm como foco os alfabetizandos, crianças, jovens, adultos
que interagem com os alfabetizadores na construção de conhecimentos. Por
último, queremos apresentar algumas ideias práticas referentes à alfabetização,
as quais não têm o intuito de receituário, apenas contribuem para as reflexões
tecidas até então e, talvez, possam ser adaptadas a algum contexto.

No próximo item queremos nos dedicar aos alfabetizadores.

2 POSTURAS DE UM(A) ALFABETIZADOR(A)


Quando nos referimos a posturas, não temos em mente uma lista
de posturas às quais um alfabetizador precisa cumprir à risca para poder ser
chamado de tal. O que pretendemos é problematizar alguns aspectos que são
(deveriam ser) inerentes a esta profissão: a de alfabetizar.

Conforme Cagliari (1999), é necessário que se saiba exatamente o que se


quer fazer e o que se entende por alfabetização. Para isso, vale lembrar: “Alfabetizar
é ensinar a ler e a escrever. Escrever é uma decorrência do conhecimento que se
tem para ler. O ponto principal do trabalho é ensinar o aluno a decifrar a escrita
e, em seguida a aplicar esse conhecimento para produzir sua própria escrita.”
(CAGLIARI, 1999, p. 104, grifos nossos).

Outro lembrete trazido pelo autor já citado anteriormente é o de que se


aprende a escrever, escrevendo e a ler, lendo. Essas atividades exigem seriedade
por parte de quem se debruça sobre elas.

Mais alguns lembretes que se deve ter em mente, enquanto alfabetizador:

● Nem sempre a criança que escreve de maneira correta sabe como funciona a
escrita.

121
UNIDADE 2 | A ALFABETIZAÇÃO

● É importante trazer para discussões em sala os conhecimentos que as crianças/


adultos já possuem sobre a escrita. Esses conhecimentos podem ser bons
caminhos para o ensino da leitura e da escrita.

de
autoativida

Sugerimos que você retome a leitura do item 2.3 do primeiro tópico desta
unidade. Lá estudamos sobre o ‘alfabetizador’. Recupere algumas compreensões pertinentes:
_________________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________

Do alfabetizador se exige algumas posturas. No que essas posturas


revertem/deveriam reverter? Explicando melhor: o que se espera de quem é
alfabetizado? Que conhecimentos necessitam ser construídos? Acompanhe o
próximo item.

3 QUEM É ALFABETIZADO PRECISA SABER O/ DO QUÊ?


À pergunta lançada no título, queremos lançar outra: quem pode ser
alfabetizado? Será que apenas crianças? Existe uma idade ‘certa’ para isso?

Este assunto é discutido por alguns teóricos. Com isso, podemos sinalizar
que existem diferenças de opinião. A que nós apresentaremos a seguir tem como
base os estudos de Cagliari (1999). Para este autor, a alfabetização no ambiente
escolar deveria ocorrer entre 5 e 7 anos. Isso devido “à capacidade e experiência
de vida de qualquer criança” (CAGLIARI, 1999, p. 106) com esta idade.

Mas, anterior à idade, deve-se levar em consideração outro aspecto: o de


querer ser alfabetizado. Para muitas pessoas não há o interesse pela alfabetização.
Esse desinteresse pode vir de fatores sociais (a luta pelo essencial para viver pode
deixar as questões de leitura e escrita à margem); fatores geográficos; fatores
pessoais (algumas pessoas ‘deram certo’ na vida e ganham muito dinheiro apenas
tocando negócios familiares, sem que para isso sentissem necessidade de serem
alfabetizadas).

Obviamente que os fatores anteriormente apresentados configuram como


exceções quando se pensa na educação escolar e na garantia de acesso ao código
escrito a todas as pessoas. Essa é a tentativa de leis e governantes que se dedicam
aos desafios lançados socialmente, compreendendo a leitura e a escrita como
garantias de cidadania.

122
TÓPICO 4 | SOBRE QUEM ALFABETIZA, QUEM É ALFABETIZADO E ‘COMO’ SE ALFABETIZA

TUROS
ESTUDOS FU

Adiante, na Unidade 3, estudaremos um pouco mais sobre este assunto ao nos


referirmos ao LETRAMENTO.

Não ter sido alfabetizado enquanto criança não significa não poder mais
ser alfabetizado. Muitos jovens e adultos retornam à escola após alguns (muitos)
anos sem frequentá-la, ou, até, sem nunca haver frequentado um ambiente
escolar. Quem os acolhe são instituições de EJA (Educação de Jovens e Adultos).
Em muitas delas os professores ainda utilizam materiais infantis para alfabetizar,
como se não pudessem construir conhecimentos a partir dos contextos de vida
destas pessoas. Esta era uma das preocupações de Paulo Freire. Lembram-se dele,
não é mesmo? Para que a alfabetização ocorra com êxito, em qualquer idade, é
necessário, portanto, que haja interesse.

Segundo Cagliari (1999), professores poderiam e deveriam dialogar mais


com seus alunos, buscando motivá-los para as questões ligadas à escrita e à
leitura, ou seja, à alfabetização. Questões do tipo:

● O que os alunos pretendem ler?


● O que pretendem escrever?
● O que pretendem fazer no começo da alfabetização?
● O que pretendem fazer depois, quando já souberem ler e escrever fluentemente?
● O que pretendem fazer depois, quando saírem da escola?

Ao observarmos estas perguntas, podemos inferir que elas acionam


contextos de vida. Levam à reflexão. Por intermédio delas vislumbramos usos
em contextos reais de leitura e escrita, para além da aprendizagem do código
alfabético. Este deveria ser o desafio assumido por todo(a) alfabetizador(a),
independentemente da idade de seus alunos.

123
UNIDADE 2 | A ALFABETIZAÇÃO

FIGURA 36 – ALFABETIZAÇÃO

FONTE: Disponível em: <http://office.microsoft.com>. Acesso em: 15 jun.


2011.

Após estas questões inerentes e pertinentes a quem é alfabetizado,


queremos retornar ao título deste item que versava sobre o que alfabetizandos
precisam saber.

Quanto a este assunto, estudaremos a seguir os cinco pontos apresentados


por Heinig (2003, p. 12-13), considerados como capacidades fundamentais para
um alfabetizando, ou, o que um alfabetizando precisa saber. São eles:

A ideia de símbolo: esta ideia é complicada. Uma pessoa que não


consegue compreender as relações simbólicas entre objetos, não conseguirá
aprender a ler. Ex. de símbolos: placas, sinais, bandeiras, dedos. Uma coisa é
ter um símbolo para representar algo. Isso é diferente de ter algo que não pode
ser simbolizado.

A discriminação das formas: distinguir as letras do nosso alfabeto


exige percepção refinada. Para quem ainda não se alfabetizou, as letras são
‘risquinhos pretos na página branca’. O alfabetizando precisa ser capaz de
entender que estes risquinhos simbolizam sons da fala.

A discriminação dos sons da fala: o alfabetizando precisa ter consciência


da percepção auditiva. Saber ouvir diferenças. Ex.: pé/fé; toca/doca; vim/vi.

Consciência da unidade palavra: a palavra é o cerne da relação simbólica


essencial contida numa mensagem linguística: a relação entre conceitos e
sequências de sons da fala. Na escrita são dois os tipos de relação simbólica:
uma relação entre a forma da unidade palavra e seu sentido e a sequência das
letras que transcrevem a palavra. As dificuldades encontradas diante destas
relações são: a depreensão = falta de separação onde existe uma fronteira
vocabular (umavez, nonavio, minhavó) e a alocação equivocada de fronteiras

124
TÓPICO 4 | SOBRE QUEM ALFABETIZA, QUEM É ALFABETIZADO E ‘COMO’ SE ALFABETIZA

vocabulares (minha miga (minha amiga), niverso (universo). Reconhecer


sentenças (representadas por letra maiúscula para indicar o início e o ponto,
o término) também é o que o alfabetizando precisa saber. Isso é processual, à
medida que avança na leitura, as sentenças passam a ser melhor reconhecidas.

A organização da página escrita: a ideia de que a ordem significativa


das letras é da esquerda para a direita na linha e que a ordem significativa
das linhas é de cima para baixo na página. Compreender isso faz com que
o movimento dos olhos seja específico ao realizar a leitura. Ler um texto é
diferente de olhar uma gravura. Isso pode ser novo para o alfabetizando.

São estes os cinco pontos que um alfabetizando precisa saber. Conhecê-los


pode auxiliar professores no preparo de suas aulas e na proposta de atividades. Aliás,
‘falando’ em propostas de atividades, que tal estudarmos um pouco a respeito?

4 IDEIAS PRÁTICAS PARA ALFABETIZAÇÃO


Esse título parece atrativo, não é mesmo? Talvez nos ocorra de que, se
tivermos uma lista de atividades prontas, tipo um ‘receituário para a alfabetização’,
então sim teremos êxito nas nossas atividades profissionais. Será mesmo que isso
é assim?

Nossa resposta é NÃO. Acreditamos que todas as atividades elaboradas


devem SEMPRE levar em consideração os SUJEITOS e os seus CONTEXTOS DE
VIDA.

Outra constatação a esse respeito, fruto de nossas leituras, observações,


práticas, pesquisas é a de que quando um trabalho, neste caso o de alfabetizar,
é feito com responsabilidade, seriedade, conhecimento, afeto, toda e qualquer
atividade organizada tende a ter êxito, visto ter sido construída com fundamentos
pertinentes a esta área.

Portanto, o que apresentaremos a seguir são atividades gerais, possíveis


de serem alteradas/adaptadas em virtude de questões contextuais.

Antes, porém, fazemos nossas as palavras de Colello (2006, p. 4, grifos


nossos):

Cabe ao professor despertar interesses, fomentar a atividade reflexiva,


apoiar o desenvolvimento, estimular o ambiente rico em experiências
ou interações e promover a ação pedagógica facilitadora para a
elaboração de novas ideias, concepções e hipóteses. Nessa perspectiva
é possível estabelecer algumas frentes de trabalho pedagógico não
exclusivas, todas elas fundamentais para a conquista da língua escrita.

125
UNIDADE 2 | A ALFABETIZAÇÃO

Note bem as partes por nós grifadas. Trata-se do que apresentamos


anteriormente: contextos considerados e práticas fundamentais para a
alfabetização. É com base nesta autora, Colello (2006, p. 5) que apresentamos a
lista de atividades a seguir:

● Atividades simbólicas: brincar de casinha, de trânsito, dramatização,


desenho, mímica, maquetes, códigos, mapas, plantas de casas, gráficos,...

● Atividades de conhecimento e de fantasia: pesquisas, vivências de fantasias,


histórias, filmes, visitas, passeios, estudos do meio, dinâmicas para trocas de
informações (é preciso ter o que escrever).

● Atividades técnicas, artísticas, matemáticas e científicas: pesar, medir,


classificar, seriar, agrupar, esquematizar, comparar, elaborar calendários,
tabelas, gráficos.

● Atividades orais: seminários, debates, teatro, contar e reproduzir histórias,


reconstituir diálogos, discutir livros, debater posições contrárias.

● Atividades de leitura: rodas de história, pseudoleitura (‘fingir’ a leitura),


leitura individual, em duplas, em grupo, coleção de revistinhas, jogral, jornal
falado, leitura em diferentes suportes (livros, jornais, embalagens, poesias
etc.).

● Atividades de produção: pseudoescrita (‘fingir’ que escreve), escrita com


escriba (feita por outra pessoa), escrever em diferentes suportes e com
diferentes objetivos, compor um livro, fazer jornal, registro de atividades,
escrita livre (individual ou coletiva).

● Atividades com palavras: escrever o nome, aquisição de outras formas de


palavras estáveis, bingo de palavras, jogo de memória, cruzadinhas, caça-
palavras, rotular.

● Atividades com textos: procurar palavras ou frases em um texto, cortar/


ordenar os parágrafos de um texto, ampliar/reduzir textos, refazer textos.

● Atividades com gêneros: listas, poemas, convites, contos, biografias,


adivinhas, relatos, questionários, escrever de diferentes pontos de vista,
escrever em outro estilo.

● Atividades com imagens: contar/escrever histórias através de desenhos ou


conjunto de figuras, ilustrar um texto, escrever um título para uma imagem,
histórias em quadrinho.

● Atividades de correção e convencionalidade: brincar com letras/números,


escritas/correções coletivas, autocorreção, dicionário, construir uma
gramática, trabalhos de ‘tradução’ de diferentes tipos de letras (caixa alta,

126
TÓPICO 4 | SOBRE QUEM ALFABETIZA, QUEM É ALFABETIZADO E ‘COMO’ SE ALFABETIZA

cursiva), atividades lúdicas para correção, dedução e sistematização de


regras, reescrita de textos.

● Atividades de consciência metalinguística: dicionário de termos regionais,


pesquisar sobre as diferentes formas de se falar, os diferentes dialetos e
formas de pronúncia ou sotaque, imitar falas.

● Atividades de análise e síntese da escrita (relação todo-partes): associar


e separar letras de uma palavra, recriar palavras, antecipar quantidade ou
variedade de letras, jogo da forca, escrever palavras com letras ou sílabas
sorteadas.

Esperamos que esta lista de atividades possa lhe ser útil em suas práticas.
Contudo, reiteramos: crie e recrie a partir das sugestões elencadas. Na próxima
unidade estudaremos sobre o letramento. Você perceberá algumas menções a
este tema na leitura complementar desta unidade.

LEITURA COMPLEMENTAR

OS CONTEÚDOS DA ALFABETIZAÇÃO E DIFERENTES


METODOLOGIAS:
VELHOS E NOVOS PRINCÍPIOS

Isabel C. A. da Silva Frade

Nas discussões e práticas contemporâneas temos novas questões relativas


ao conteúdo da alfabetização que os “métodos tradicionais” não previam. Pode-
se dizer que os conteúdos da alfabetização avançaram muito em complexidade
e também a formação de professores. Desde a educação infantil os professores
lidam com discussões e práticas que se relacionam com teorias literárias,
teorias dos gêneros textuais, teorias do discurso, teorias linguísticas, estudos
socioantropológicos e psicolinguísticos sobre a aquisição da escrita, e muitos
destes conteúdos são pertinentes a qualquer nível de ensino da língua.

No final da década de 90 também vivemos um processo de grandes


alterações paradigmáticas com a divulgação do conceito de letramento, considerado
por Magda Soares (1988:47) como “estado ou condição de quem não apenas sabe
ler e escrever, mas cultiva as práticas sociais que usam a escrita”. Esse conceito deu
visibilidade a fenômenos que são constituídos por ordenamentos mais amplos:
o cultural, o social, o histórico e permite que compreendamos as condições
socioculturais em que se dá a distribuição da cultura escrita dentro e fora da
escola. As noções de letramento permitem compreender que quando se ensina
a ler e escrever, se ensina também um modo de pensar o mundo “por escrito”.
Para participar deste universo é necessário criar um conjunto de representações
mentais sobre o funcionamento desta cultura, assim como criar uma série de

127
UNIDADE 2 | A ALFABETIZAÇÃO

atitudes, disposições e comportamentos típicos da cultura escrita. Embora ler e


escrever, decifrando e compreendendo os textos, seja um dos aspectos principais
do letramento, não é o único determinante das condições de desenvolvimento
destas disposições.

Sendo assim, não basta apenas ensinar a decifrar o sistema de escrita


estabelecendo relações entre sons e letras. Também não é suficiente que os alunos
leiam textos completos pertencentes a uma esfera escolar ou literária: é necessário
que façam uso da escrita em situações sociais e que se beneficiem da cultura escrita
como um todo, apropriando-se de novos usos que surgirem. Temos então uma
dupla questão para a escola: precisamos tratar a língua como objeto de reflexão e
como objeto cultural e isto, às vezes, implica metodologias diferentes.

Pode-se dizer então que temos diferentes metodologias: para a


aprendizagem do sistema de escrita, para a compreensão, para a fluência, para
a produção de textos escritos, para as atitudes e sociabilidades necessárias para
participação nos espaços e situações em que a escrita se faz presente na sociedade.

De outra forma, constata-se que a própria noção de metodologia se


ampliou. Não se trata de o professor alfabetizador entender de métodos clássicos
de alfabetização, mas de tomar decisões relativas a diversas ordens de fatores. A
palavra “metodologias” se refere a um conjunto amplo de decisões relacionadas
ao como fazer e implica decisões relativas a métodos, à organização da sala de aula
e de um ambiente de letramento, à definição de capacidades a serem atingidas, à
escolha de materiais, de procedimentos de ensino, de formas de avaliar, sempre
num contexto da política mais ampla de organização do ensino.

No momento atual, quais avanços tivemos na história que polarizou e/ou


aproximou métodos de ensino?

Se pensarmos um primeiro eixo, que é o da correspondência fonográfica,


tivemos o avanço na clarificação dos aspectos conceituais envolvidos no
sistema alfabético e na sua aprendizagem, com amplas repercussões para a
compreensão da lógica dos aprendizes. Saber que os aprendizes se apropriam
deste sistema mediante observações sobre seu uso dá a este aprendizado uma
dimensão antropológica que permite aos professores compreender condições de
apropriação, mas dá poucas pistas sobre o trabalho escolarizado com aspectos do
próprio sistema.

Nesse sentido, vários professores elegem unidades de análise para serem


observadas, dependendo de seus objetivos e da necessidade da turma ou de
cada aluno em especial. Assim, ora se elege a letra inicial, ora uma acentuada
observação do fonema, ora a sílaba e ora unidades lexicais menores que as
palavras como terminações ou palavras que se descobrem dentro das outras.
Mesmo escolhendo alguma unidade para sistematizar, os professores não se
prendem a palavras ou listas fixas, permitindo a entrada de qualquer palavra no
processo de alfabetização.

128
TÓPICO 4 | SOBRE QUEM ALFABETIZA, QUEM É ALFABETIZADO E ‘COMO’ SE ALFABETIZA

Entretanto, precisamos considerar que distanciar-se da língua para


analisar seus componentes internos supõe processos espontâneos para alguns,
mas não é um processo natural para muitos.

Quando não se pode fazer isto em situação de uso, busca-se a situação


de jogo ou da produção da escrita e da leitura como resolução de um problema
desafiante, feito com o professor e com os colegas, com abordagem coletiva
das estratégias utilizadas, tornando-as observáveis para que sejam utilizadas
por outros, em outros momentos. No entanto, pode-se dizer que permanecem
também procedimentos intencionais de ensino que incentivam a identificação
de diferentes unidades, a comparação, a memorização, a composição e
decomposição, mas distribuídos na ordem das necessidades de reflexão. São
assim procedimentos sistemáticos, generalizáveis a outras intervenções, mas que
nas práticas pedagógicas aparecem em qualquer ordem e dependem do contexto
a ser analisado.

Os professores também vêm utilizando estratégias presentes nos métodos


globais de ensino quando escolhem determinadas palavras ou textos incentivando
o seu reconhecimento global. Mas, diferentemente do advento dos métodos
globais, temos novos elementos para tratar a compreensão, que não se reduz ao
plano do texto e não depende apenas da decifração autônoma. Ela extrapola o
nível textual e abrange os índices paratextuais, cotextuais e as situações de uso.

Os alunos podem exercitar a compreensão e ter acesso ao significado


ouvindo leituras de outros. O conhecimento do mundo material da cultura
escrita ajuda a prever gêneros, saber como um texto chegou à sala de aula e
porque chegou, ajuda a prever finalidades. Gostar de ler é um componente do
comportamento cultural, pode interferir na compreensão e deve ser incentivado
pela presença de modelos de leitores, de espaços propícios como bibliotecas de
classe e da escola. O trabalho com a compreensão, então, antecede a decifração,
é paralelo ao seu ensino e segue depois dela. Assim, não precisamos postergar a
compreensão, mas adiantá-la em vários aspectos.

FONTE: Frade (2007, p, 31-34)

129
RESUMO DO TÓPICO 4
Neste tópico, vimos que:

● A principal tarefa de um alfabetizador é ensinar o aluno a decifrar a escrita


para que, posteriormente, possa produzir a sua própria escrita.

● Não ter sido alfabetizado enquanto criança não significa não poder mais ser
alfabetizado.

● Para que a alfabetização ocorra com êxito é necessário que haja interesse de
todos os envolvidos.

● Os alfabetizandos devem saber: a ideia de símbolos, a discriminação das


formas, a discriminação dos sons da fala, a consciência da unidade palavra e a
organização da página escrita.

● As atividades elaboradas para alfabetizar devem sempre levar em consideração


os sujeitos e os seus contextos de vida.

130
AUTOATIVIDADE

Numere os quadrinhos da história a seguir para que ela faça sentido. Em


seguida, se necessário, consulte a lista de atividades que apresentamos no item
4, do Tópico 4. Elenque algumas atividades que você pode realizar a partir de
uma história em quadrinhos, com o objetivo de contribuir para a alfabetização.

131
132
UNIDADE 3

O LETRAMENTO

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
O conteúdo desta unidade visa:

• conhecer sentidos atribuídos ao letramento;

• estudar diferenças e elos entre a alfabetização e o letramento;

• estudar sobre gêneros textuais;

• refletir sobre o ‘alfabetizar letrando’ em algumas modalidades de educação;

• estudar sobre a avaliação referente à alfabetização e ao letramento.

PLANO DE ESTUDOS
Esta unidade está dividida em quatro tópicos. Cada tópico é seguido de um
resumo e de uma autoatividade. Nesta unidade, a leitura complementar que
escolhemos aborda o assunto letramento.

TÓPICO 1 – SENTIDOS ATRIBUÍDOS AO LETRAMENTO

TÓPICO 2 – PROMOVER SITUAÇÕES DE LEITURA E ESCRITA – OS


GÊNEROS TEXTUAIS

TÓPICO 3 – ALFABETIZAR LETRANDO – CONTEXTOS DIVERSOS

TÓPICO 4 – PENSANDO SOBRE A AVALIAÇÃO

133
134
UNIDADE 3
TÓPICO 1

SENTIDOS ATRIBUÍDOS AO LETRAMENTO

1 INTRODUÇÃO
Na leitura complementar da unidade anterior (Unidade 2), dentre muitas
passagens interessantes apresentadas pela autora, escolhemos uma que ilustra
as nossas intenções de discussão e aprendizagem para o primeiro tópico desta
unidade: quando se ensina a ler e a escrever, se ensina também um modo de
pensar o mundo por escrito. O que isso tem a ver com o nosso tema, letramento?
Acompanhe-nos e descubra.

2 O QUE SIGNIFICA LETRAMENTO?


Letramento? O que é isso? Trata-se de mais um método de alfabetização?
Esta palavra sempre existiu?

Diante das perguntas lançadas anteriormente, queremos, juntos, construir


algumas respostas.

No Brasil, a palavra letramento é muito recente.

NOTA

Uma das primeiras menções à palavra letramento apareceu na obra de Mary A.


Kato “No mundo da escrita: uma perspectiva psicolinguística”, lançado em 1986.

A partir da informação anterior, percebemos que, no Brasil, a palavra


letramento tem um pouco mais de ‘duas décadas de vida’. Ou seja, aparece aqui
a resposta a uma das perguntas lançadas no início deste tópico: aqui, no nosso
país, a palavra letramento nem sempre existiu, pelo contrário, ela é recente.

135
UNIDADE 3 | O LETRAMENTO

de
autoativida

Muito provavelmente você já a ouviu, já leu sobre o assunto em livros, periódicos,


sites etc. Talvez tenha participado de cursos cujo tema abordava o letramento. Pensando
nisso, como você conceituaria letramento? Use o espaço que segue para escrever a sua
resposta:
_________________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________

Trazemos a seguir, para o seu conhecimento, o que alguns pesquisadores


brasileiros pontuaram sobre o letramento em suas obras.

NOTA

Magda Soares (2001) – letramento é a habilidade de ler e escrever.


Angela Kleiman (2002) – letramento é um conjunto de práticas sociais, de competência
individual, com implicações nas formas pelas quais os sujeitos constroem relações de
identidade e de poder.
Leda Tfouni (2002) – letramento é um processo que focaliza os aspectos sócio-históricos da
aquisição de um sistema escrito por uma sociedade.

Ao depararmos com estes conceitos, podemos inferir que na voz de duas


autoras, Kleiman e Tfouni, aparece a menção ao social presente no letramento.

Social? Como assim? Enquanto pensamos a respeito, queremos apresentar


um poema, que encontramos na obra de Soares (2003, p. 41), intitulado O QUE
É LETRAMENTO? Este poema foi, originalmente, escrito por uma estudante
norte-americana, Kate M. Chong:

Letramento não é um gancho


em que se pendura cada som enunciado,
não é treinamento repetitivo
de uma habilidade,
nem um martelo
quebrando blocos de gramática.

Letramento é diversão
é leitura à luz de vela
ou lá fora, à luz do sol.
136
TÓPICO 1 | SENTIDOS ATRIBUÍDOS AO LETRAMENTO

São notícias sobre o presidente,


o tempo, os artistas da TV
e mesmo Mônica e Cebolinha
nos jornais de domingo.

É uma receita de biscoito,


uma lista de compras, recados colados na geladeira,
um bilhete de amor.
telegramas de parabéns e cartas
de velhos amigos.

É viajar para países desconhecidos,


sem deixar sua cama,
é rir e chorar
com personagens, heróis e grandes amigos.

É um atlas do mundo,
sinais de trânsito, caças ao tesouro,
manuais, instruções, guias,
e orientações em bulas de remédios,
para que você não fique perdido.

Letramento é, sobretudo,
um mapa do coração do homem,
um mapa de quem você é,
e de tudo que você pode ser.

de
autoativida

Anteriormente, havíamos comentado sobre o aspecto social embutido nas


discussões sobre o letramento. Tomando como referência o poema apresentado, que
aspectos, no seu ponto de vista, remetem ao social? Pontue suas ideias no espaço a seguir:

________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________________

Para continuarmos com as nossas descobertas, queremos, ainda, apresentar


o que Leite e Colello (2010, p. 28) escrevem sobre o letramento: “Letramento
refere-se ao envolvimento com as práticas sociais que incluem a leitura e a escrita.
Somente o domínio do código não garante esse processo”.

137
UNIDADE 3 | O LETRAMENTO

Além desta importante colocação, os autores apresentam uma diferença


entre a alfabetização e o letramento. Esta diferença nos auxiliará na construção de
algumas respostas às perguntas que lançamos no início deste item:

NOTA

Alfabetização: apropriação da escrita como sistema convencional, alfabético e


ortográfico.
Letramento: desenvolvimento das habilidades necessárias para a inserção do indivíduo nas
práticas sociais de leitura e de escrita.
FONTE: Leite; Colello (2010, p. 28)

Veja que interessante: a alfabetização está voltada à aquisição da escrita,


ao conhecimento de aspectos pertinentes ao nosso sistema de escrita. Isto foi
assunto da unidade anterior do nosso caderno. Já o letramento refere-se ao que
fazemos com o sistema de escrita, como ‘ele’ serve, ou melhor, nos auxilia em
nossa vida do dia a dia.

Será que pensar ‘inversamente’ nos auxilia? Observemos o exemplo a


seguir:

UNI

Preciso deixar um bilhete para um colega. Mas, não sei escrever. Já observei que
quando as pessoas deixam um bilhete para alguém, escrevem alguma coisa.

Saber escrever é pertinente, cabe à alfabetização. Fazê-lo através de


um bilhete (ou outro tipo de material escrito), com o intuito de que haja uma
comunicação devido a algum motivo e destinado a alguém (eu mesmo posso ser
este alguém), é pertinente ao letramento. Quando lemos entre parênteses que ‘eu
posso ser este alguém’, referimo-nos ao uso que fazemos da escrita para anotar
lembretes, a escrita em um diário pessoal etc.

Em consonância com o que estudamos até aqui, podemos responder às


outras perguntas lançadas no primeiro parágrafo deste item: já sabemos o que é
letramento e, podemos inferir que letramento não é um método de alfabetização.
Quanto a esta última colocação, a de que o letramento não é um método de
alfabetização, queremos reforçar esta resposta com as colocações de Kleiman
(2010, p. 378-379), leia com atenção:

138
TÓPICO 1 | SENTIDOS ATRIBUÍDOS AO LETRAMENTO

Não existe “método” de letramento, como conjunto de estratégias


didáticas para o ensino inicial da leitura e da escritura. Há muitos
modos – métodos, se forem sistemáticos – de alfabetizar, e todos eles,
simples ou complicados, modernos ou antigos, penosos ou prazerosos,
fazem parte do conjunto de práticas escolares de letramentos e são
sócio-histórica e culturalmente situados. A alfabetização é uma
prática de letramento que pode envolver diferentes estratégias
(reconhecimento global da palavra, reconhecimento de sílabas, leitura
em voz alta, leitura silenciosa), diversos gêneros (cartilhas, exercícios,
imagens, notícias, relatos, contos, verbetes, famílias de palavras),
diferentes tecnologias (lápis, caneta, papel, quadro negro, giz, lousa
branca, pincel atômico, livro, tela e teclado).

Ao mesmo tempo, podemos afirmar, com base nos estudiosos que ancoram
os nossos estudos, que letramento e alfabetização, ou, alfabetização e letramento,
apesar de distintos, são indissociáveis. Em outras palavras, são aliados.

Adiante, no próximo item, estudaremos um pouco mais sobre esta aliança


entre a alfabetização e o letramento.

3 ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO: ALIADOS NAS


CONQUISTAS DE ESPAÇOS SOCIAIS
Você já deve ter percebido que, no nosso caderno, as palavras alfabetização
e letramento aparecem lado a lado. Há uma aliança entre estes conceitos. Já
discutimos um pouco sobre o assunto no item anterior.

Para refletirmos a respeito, apresentamos o que Mollica (2007, p. 16)


escreve:

Nas sociedades complexas, a escrita integra todos os momentos de


nosso cotidiano. Sob tal perspectiva, compreende-se que a escrita tem
múltiplas funções, desde as mais rotineiras até as que permitem acesso
às esferas de poder. Assim, o letramento tem que ser entendido como
práticas sociais em que se constroem identidade e poder extrapolando-
se os limites da escrita.

de
autoativida

Queremos pensar sobre alguns trechos dos escritos apresentados:


1 Fazemos parte de uma sociedade complexa. Isso fica claro quando a autora menciona “...
todos os momentos do nosso cotidiano”.
Agora, que tal pensarmos um pouco sobre o nosso cotidiano, ou melhor, pense sobre o seu
cotidiano e relacione-o com a escrita, use o espaço que segue para fazê-lo, lembrando-se
dos momentos em que faz uso da escrita. Se preferir, tente lembrar-se do ‘dia de ontem’ e
procure listar as oportunidades em que fez uso da leitura e/ou da escrita:

139
UNIDADE 3 | O LETRAMENTO

_________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________________

2 A escrita tem múltiplas funções (das mais rotineiras àquelas que permitem acesso às esferas
de poder). Como traduzir isto para a prática? Que tipo de escrita faz parte da sua rotina (mais
informal) e que tipo de escrita lhe dá acesso a instâncias de poder (mais formal)? Utilize o
espaço a seguir para escrever a sua resposta:
_________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________________

Nas observações feitas pela autora percebemos, mais uma vez, a menção
feita às práticas sociais das quais o letramento dá conta.

Enfim, retomemos a aliança entre a alfabetização e o letramento. Quando


nos referimos à escrita como canal de acesso às práticas sociais, nisto está implícito
que temos que saber a escrita da nossa sociedade. Isto é uma das tarefas da
escola. É nesta instituição, considerada a mais importante agência de letramento
(KLEIMAN, 2002), que se tem acesso ao ensino formal da escrita.

NOTA

Agências de letramento: locais nos quais circulam materiais escritos e onde se


exerce a leitura.

Leia que interessantes algumas considerações feitas por Kleiman (2005, p.


16), as quais sublinham as relações entre a alfabetização e o letramento, além da
importância da escola:

A alfabetização [...] tem características específicas, diferentes das


do letramento, mas é parte integrante dele. Como prática escolar,
ela é essencial: todos – crianças, jovens ou adultos – precisam ser
alfabetizados para poder participar, de forma autônoma, das muitas
práticas de letramento de diferentes instituições.

Será que poderíamos aprofundar melhor a especificidade da escola?

140
TÓPICO 1 | SENTIDOS ATRIBUÍDOS AO LETRAMENTO

Sim. Para isso contamos com o auxílio de Chartier, Clesse e Hébrard (1996,
p. 26), autores que pontuam o seguinte:

Uma das primeiras tarefas da escola é, pois, proporcionar uma


pedagogia da cultura escrita que considere muito concretamente
experiências infantis. As aquisições extraescolares efetuadas em casa,
no bairro ou na rua podem e devem servir de ponto de apoio para as
aprendizagens feitas em aula.

A partir do que lemos, podemos inferir que a escola serve, também, como
uma espécie de mediação na aliança que se propõe entre a alfabetização e o
letramento. Ou seja, na escola adquirimos (deveríamos adquirir) os conhecimentos
sobre o nosso sistema de escrita. A partir destes conhecimentos ‘estamos munidos’
para atuar em nosso meio social, de acordo com as necessidades que surgirem em
nossos contextos de vida.

de
autoativida

Você percebeu que grifamos também no parágrafo anterior? Será que é somente
na escola que temos acesso a conhecimentos sobre a escrita? Observe a gravura a seguir
e relacione aspectos que você considera pertinentes com as discussões que tecemos até o
momento. Relacione alfabetização, letramento, escola, escrita e contexto de vida. Utilize as
linhas que aparecem após a imagem para escrever a sua resposta:

FONTE: Marcuschi, 2008, p. 90)

______________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________________

No próximo item pretendemos dar continuidade ao nosso tema.


Acompanhe-nos.
141
UNIDADE 3 | O LETRAMENTO

4 PERSPECTIVAS DO LETRAMENTO – A DIMENSÃO INDIVIDUAL


E A DIMENSÃO SOCIAL
Dimensão individual, dimensão social, a que será que nos referimos
quando mencionamos estes aspectos no título deste item?

Já tratamos um pouco sobre o assunto anteriormente, mesmo assim,


achamos válido recuperar e reiterar alguns pontos importantes a respeito. Para
tanto, leia com atenção o que Kleiman (2005, p. 22) apresenta e que nos auxilia
em nossas reflexões: “As práticas de letramento fora da escola são essencialmente
colaborativas, em contraste com o caráter individual do processo de aquisição da
língua escrita em ambiente escolar, próprio da alfabetização”.

A fim de ilustrarmos a nossa discussão, apresentamos a imagem a seguir


juntamente com a contextualização, a fim de facilitar a sua compreensão.

FIGURA 37 – ILUSTRANDO A DISCUSSÃO

Estávamos na casa de amigos. As crianças se organizaram e


elaboraram as entradas para a ‘sessão cinema’.
FONTE: A autora

Pois bem, partamos agora para algumas reflexões:

- A criança que escreveu o ingresso/a entrada para ‘o cinema’, está sendo


alfabetizada. Já possui noções do nosso sistema de escrita. Contudo, não é do
nosso conhecimento o método pelo qual é alfabetizada, a escola em que estuda, o
porquê de optar pela escrita cursiva etc. Estes aspectos são pertinentes à dimensão
individual, ao processo de alfabetização daquela criança. Mesmo que possa
haver aproximações, já pesquisadas, entre crianças da mesma faixa etária quanto
à maneira de escrever, a escrita desta entrada de cinema foi individual. Talvez
outras crianças a tenham auxiliado no uso de determinada letra em detrimento
de outra/outras, mas o ‘grafar o papel’ foi individual.

142
TÓPICO 1 | SENTIDOS ATRIBUÍDOS AO LETRAMENTO

- Todos os membros reunidos na casa dos nossos amigos receberam este ingresso.
Houve um comunicado, foi feito um convite ao grupo: ‘haverá uma sessão de
cinema’, pelo bilhete ficamos sabendo qual seria o filme apresentado: Potter. Aqui
percebemos aspectos referentes à dimensão social do letramento.

- As crianças reunidas pertencem a um grupo social que tem acesso a filmes, ao


cinema. Estas crianças sabem que para poder assistir a um filme é necessário
apresentar o ingresso/a entrada. As entradas de cinema apresentam ‘coisas escritas’
que servem de indicativo referente ao filme a que se pretende assistir. Estes aspectos,
também, são pertinentes à dimensão social do letramento.

Você compreendeu as referências feitas às dimensões individuais e sociais do


letramento?

Pense a respeito de outro exemplo e reflita sobre as dimensões individuais


e sociais referentes ao letramento.

Ao sair da sua casa, você passa por um muro em que há uma placa onde
aparece por escrito:

CUIDADO! TINTA FRESCA!


‘Automaticamente’, seus conhecimentos individuais sobre a leitura
diante deste material escrito são acionados. Caso você não reaja diante destes
escritos, pode ser que se encoste ao muro e, com isso, suje a sua roupa com a tinta.
A tinta estampada em você poderá provocar diversas reações em seu meio social.
Talvez você se dê conta, posteriormente, do ocorrido e volte para casa, a fim de
trocar de roupa. Se isso ocorrer, você poderá chegar com atraso no seu trabalho,
o que, possivelmente, incorrerá num descontentamento por parte de seu chefe.
Assim, você (poderá sofrer) sofrerá algumas consequências de dimensão social
diante de um ‘simples’ aviso escrito no muro.

Agora, mais um exemplo. Observe a figura que segue:

143
UNIDADE 3 | O LETRAMENTO

FIGURA 38 – DESENHOS CÔMICOS

FONTE: Hoffmann (2011, p. 7)

O que esta figura simboliza para você?

- Talvez, nada (a princípio).


- Talvez você já tenha visto esta imagem e ela lhe remeta à sua infância.

Leia o que segue:

Sieh einmal, hier steht er.


Pfui der Stuwwelpeter!
Na den Händen beiden
Lieβ er sich nicht schneiden
Seine Nägel fast ein Jahr;
Kämmen lieβ er nicht sein Haar.
“Pfui”, ruft da ein jeder,
“garst’ger Struwwelpeter!”

FONTE: HOFFMANN, Heinrich. Der Struwwelpeter. Rastatt: Pabel-Moewig Verlag KG, sem ano
de publicação.

E agora, você consegue relacionar a imagem com o trecho escrito


apresentado?

Acione seus conhecimentos de leitura e escrita... Não deu certo? A língua


na qual o trecho anterior foi escrito é a alemã. Provavelmente, se você tem o
alemão como língua materna, irá compreender algo.

144
TÓPICO 1 | SENTIDOS ATRIBUÍDOS AO LETRAMENTO

Que tal contextualizarmos um pouco?

Muitas pessoas de origem europeia e que moram na região sul do nosso


país, tiveram acesso a esta imagem. Ela faz parte de uma das mais famosas obras
da literatura infantil alemã. Trata-se de uma publicação de 1845, feita pelo médico
psiquiatra Heinrich Hoffmann (1809-1894). Esta obra já foi traduzida em mais
de 40 línguas, inclusive o português. Em 2009 foram comemorados os duzentos
anos de Heinrich Hoffmann. O sucesso é tamanho que Der Struwwelpeter tem até
museu na cidade de Frankfurt. No Brasil, os mais famosos tradutores de ‘Der
Struwwelpeter’ foram Olavo Bilac e Guilherme de Almeida.

Leia o mesmo trechinho apresentado anteriormente:

Veja só quem está aqui:


É João Felpudo, aquele guri!
Nas duas mãos as garras
São as unhas, tão bizarras,
Que não corta faz um ano já
Nem apara o cabelo, aquele mafuá.
Xô, bicho cabeludo!
Seu feioso João Felpudo!

FONTE: Hoffmann (2011, p. 7).

Provavelmente agora, a imagem associada ao texto em português,


acrescida das informações trazidas sobre a obra e o autor, já façam mais sentido
para você.

Conheça, ainda, as motivações do autor para escrever esta obra de tão


longa data e tradição:

COMO SURGIU JOÃO FELPUDO

Heinrich Hoffmann

À época do natal de 1844, quando meu filho mais velho tinha três anos,
fui à cidade comprar para ele um livro ilustrado como presente de festas, como
parecia ser apropriado à pequena criatura daquela idade. Mas o que encontrei?
Narrativas longas ou ridículos desenhos reunidos, histórias moralistas que
começavam e terminavam com ameaçadoras prescrições, do tipo: “A criança
boazinha tem de ser sincera”, ou: “A criança boazinha tem de estar sempre
limpa” etc. Quando finalmente encontrei um livro de destaque, no qual estavam
desenhados um banco, uma cadeira, uma panela e tudo o que é natural ou
artificial, um verdadeiro repertório do cotidiano, e no qual em cada desenho se
podia ler claramente: a metade, um terço, ou um décimo do tamanho natural,
perdi a paciência. Quando se desenha um banco para uma criança, que deve
ficar contente com ele, então aquilo parece um banco de verdade. E a criança

145
UNIDADE 3 | O LETRAMENTO

não tem e não precisa ter ideia do tamanho real do banco. A criança ainda não
pensa em termos abstratos, e a advertência comum: “Você não deve mentir!”
teve pouco efeito comparada à história: “Fritz, Fritz, lá vem a ponte!”.

Quando então voltei para casa, tinha mesmo trazido um livro; dei-o à
minha mulher dizendo: “Aqui está o livro que o garoto deseja”. Ela pegou-o e
exclamou admirada: “Isto aqui é um bloco de anotações com folhas em branco”!
E eu: “Pois então, a partir dele faremos um livro”!

E foi assim que tudo começou. Naquele tempo, além de meu trabalho
como médico do manicômio, eu também tinha um consultório na cidade. E é
muito singular o trato do médico com crianças entre três e seis anos. Em dias
saudáveis o médico e o limpador de chaminés são utilizados até didaticamente:
“Filho, se você não ficar bonzinho, o limpador de chaminés vem pegá-lo!”, ou:
“Filho, se você não comer muito, o médico lhe dará um remédio amargo, e
talvez lhe coloque até uma ventosa!”. A consequência é que, quando em tempos
difíceis o médico é chamado e entra no quarto, o pequeno anjo doente começa
a chorar, a defender-se, a espernear. Fica impossível examiná-lo; mas o médico
não pode bancar o tranquilizador, o apaziguador por horas a fio. Usualmente
me ajudavam logo uma folhinha de papel e um lápis; uma das histórias do
livro é rapidamente inventada, desenhada com três traços e narrada da maneira
mais viva possível. O bravo opositor se acalma, as lágrimas secam, e o médico
pode cumprir o seu dever brincando.

Foi assim que surgiu a maioria dessas loucas cenas, e criei-as a partir
de reservas existentes; algumas foram inventadas depois; os desenhos foram
feitos com a mesma pena e tinta com as quais primeiro escrevi as rimas,
tudo diretamente e sem intenções beletrísticas. O bloco foi encadernado e
colocado junto aos presentes de Natal. O efeito sobre o garoto presenteado foi
o esperado; inesperado, porém, foi aquele sobre alguns amigos adultos que
viram o livrinho. Fui intimado de todos os lados a imprimi-lo e publicá-lo.
No início recusei; nem de longe havia pensado em aparecer como escritor e
ilustrador de livros infantis. Quase a contragosto fui levado a isso: um dia estava
bebericando numa agradável roda literária, com um de meus atuais editores.
E assim a modesta cria doméstica de repente apareceu para o grande público,
fazendo a sua viagem – posso dizer – ao redor do mundo; hoje, 31 anos depois,
alcançou a 100ª edição. Das traduções conheço até agora a inglesa, holandesa,
dinamarquesa, sueca, russa, francesa, italiana, espanhola e portuguesa (para o
Brasil).

Devo mencionar também o singular êxito inicial do livrinho mesmo em


Frankfurt. Nos primeiros meses de 1846, depois que João Felpudo entrou pela
primeira vez no mundo infantil no Natal passado, muitas vezes fui parado na
rua por mães agradecidas e pais encantados, os quais me cumprimentavam
com as palavras: “Caro Doutor, que alegria o senhor nos deu! Tenho em casa
um filho de três anos que até agora se desenvolvia muito lentamente, mas que

146
TÓPICO 1 | SENTIDOS ATRIBUÍDOS AO LETRAMENTO

em pouco tempo aprendeu todo o livro de cor e declama-o graciosamente.


Asseguro-lhe que o livro marcou meu filho!”. Naquele tempo ficou muito
comum encontrar gênios entre as crianças. Mais tarde as pessoas ponderaram
que a causa não estava tanto nas tendências extraordinárias dos pequenos, mas
na dicção plástica muito adequada.

Apesar disso, foram imputados grandes pecados a João felpudo,


criticando-se, muitas vezes com aspereza, que o mesmo não condizia com os
contos de fadas, que os desenhos eram grotescos demais. Falou-se: “Com seus
desenhos, o livro estraga o sentido estético da criança”. Pois bem, então que
se eduquem os bebês em galerias de arte ou em salas com antigas esculturas
de gesso! Mas deve-se também evitar que a criança não se desenhe como
pequenas figuras humanas feitas de dois círculos e quatro linhas retas, na forma
conhecida, sendo mais feliz do que quando se lhe mostra o Laocoonte (Filho de
Príamo, Laocoonte foi um personagem do ciclo épico sobre a guerra de Troia.
Sua representação escultural, em mármore, está exposta no Museu do Vaticano,
em Roma. (Nota da Tradutora)). O livro deve provocar ideias fantásticas,
espantosas, exageradas! A criança germânica, no entanto, é somente o povo
germânico, e dificilmente esses educadores locais eliminarão, da consciência
coletiva e do quarto infantil, a história de Chapeuzinho Vermelho, engolida
pelo lobo, e de Branca de Neve, envenenada pela madrasta má. Com a verdade
absoluta, com sentenças algébricas ou geométricas, porém, não se toca a alma
infantil, mas a deixa atrofiar terrivelmente. E quantas maravilhas também não
rodeiam os adultos, mesmo o mais sóbrio naturalista! Para a criança, tudo o
que vê e ouve ainda é maravilhoso, e em relação ao que ainda é inexplicável, a
quantidade do conhecido ainda não é muito grande. A razão aparecerá, e feliz
o homem que souber salvar vida afora uma parte do sentido infantil de seus
primeiros anos de alvorada.

Meus outros livros do gênero, O Rei Quebra-Nozes, No Céu e na Terra, O


Malandro Bastião, Príncipe Grunevaldo e Perolinha, surgiram na mesma intenção
e a partir da mesma intenção. Mas sempre parti da convicção: “A criança
apreende e compreende somente o que vê”.

FONTE: Hoffmann (2011, p. 30-31)

Você pode se perguntar: o que isto tem a ver com o nosso tema?
Bem, retomemos a dimensão individual envolvida no letramento, conforme
discutíamos anteriormente: A imagem apresentada, bem como as informações
e textos, provocaram em você, individualmente, alguma reação. Talvez de
estranhamento, distanciamento e desconhecimento. Talvez de identificação com
a língua estrangeira, neste caso, a alemã. Talvez, ainda, você se lembrou de algum
parente que conhece esta língua e com ele/ela tecerá comentários a respeito deste
conteúdo etc. A partir destas reações individuais, com o aporte da leitura e da
escrita, você acionou/ acionará o seu contexto social. Talvez o seu interesse seja
tamanho que realizará uma pesquisa sobre esta obra infantil e suas repercussões
no meio em que vive. Talvez passe em uma livraria para adquirir um exemplar, e,

147
UNIDADE 3 | O LETRAMENTO

posteriormente o compartilhará com seus familiares, alunos etc.


Todas estas hipóteses não seriam viáveis, possíveis, se não houvesse um
conhecimento individual (tanto de leitura quanto de escrita). Também não faria
nenhum sentido a apresentação da imagem sem a sua contextualização (neste
caso, mais um aspecto social).

Esperamos que, pela apresentação dos exemplos anteriores, você tenha


compreendido as dimensões individuais e sociais envolvidas no letramento.

A seguir, você encontrará o resumo do Tópico 1 e uma autoatividade que


permitirá reforçar o conteúdo que estudamos até aqui! Bom proveito!

148
RESUMO DO TÓPICO 1

Neste tópico, vimos que:

● Ensinar a ler e a escrever é também ensinar um modo de pensar o mundo por


escrito.

● Letramento envolve as práticas sociais que incluem a leitura e a escrita. Envolve


o desenvolvimento das habilidades necessárias para a inserção do indivíduo
nas práticas sociais de leitura e de escrita.

● A alfabetização é a apropriação da escrita como sistema convencionado,


alfabético e ortográfico.

● Letramento não é um método de alfabetização. A alfabetização é uma prática


de letramento que pode envolver diferentes estratégias.

● A alfabetização e o letramento são indissociáveis.

149
AUTOATIVIDADE

1 Acione os seus conhecimentos sobre o nosso sistema de escrita e complete o


texto a seguir com as letras que estão faltando.

FONTE: Alvarado (2002, p. 56-57)

150
Agora, reflita sobre e responda:

a) Pensando na dimensão individual que envolve o letramento, conforme


estudamos, que conhecimentos você acionou para preencher o texto?

b) E na dimensão social? Como você relacionaria o social com as escolhas que


efetuou no preenchimento das lacunas?

151
152
UNIDADE 3
TÓPICO 2

PROMOVER SITUAÇÕES DE LEITURA E ESCRITA – OS


GÊNEROS TEXTUAIS

1 INTRODUÇÃO
Quando discutimos sobre o letramento, levando em consideração que
se trata do uso social da leitura e da escrita, pensamos em materiais reais, que
circulam socialmente. Materiais reais? Sim. Pensamos no que as pessoas leem
e no que escrevem, ou, por que leem e escrevem em seus contextos de vida. Se
quisermos exemplificar, podemos citar o exemplo da leitura do cartaz (Cuidado,
tinta fresca!) mencionado anteriormente. Podemos, também, lembrar-nos de um
bilhete que escrevemos para deixar um recado a alguém. Estes são, apenas, dois
exemplos.

Ambos denotam relações sociais que se estabelecem: uma informação (ela


não teria sentido se alguém não a lesse, além disso, a informação pode provocar
alguma reação ou não na pessoa que a lê, dependendo do interesse pessoal diante
do assunto apresentado no cartaz); um recado para alguém (já está implícito que
o recado tem alguma intenção). Essa pequena discussão introdutória faz parte
do que queremos abordar neste tópico: os gêneros textuais. Acompanhe-nos e
aprenda conosco!

2 TEXTOS E GÊNEROS TEXTUAIS SÃO SINÔNIMOS?


Por que iniciar este tópico por um item em que se questionam conceitos?

Bem, para início de conversa, vale pontuarmos que o trabalho com gêneros
textuais tem sido integrado aos poucos e gradativamente nas escolas.

A fim de elucidarmos e descobrirmos fronteiras entre definições que


encontramos em livros de apoio teórico, pensamos ser muito importante
trilharmos por alguns conceitos. A partir destes conceitos, pretendemos tecer
compreensões com o intuito de que nos auxiliem, posteriormente, em nossas
práticas pedagógicas.

153
UNIDADE 3 | O LETRAMENTO

de
autoativida

Como você compreende TEXTO? Anote a sua resposta no espaço a seguir:


_________________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________________
_______________________ _____________________________________________________

Quando consultamos o dicionário (FERREIRA, 1999, p.1956), encontramos


algumas definições para texto, observe:

1 Um conjunto de palavras, de frases escritas.


2 Excerto de língua escrita ou falada, de qualquer extensão, que
constitui um todo unificado.
3 Toda e qualquer expressão, ou conjunto de expressões que a escrita
fixou.

Interessante, não é mesmo?

Contudo, queremos ir além do dicionário. Assim, deparamos com as


seguintes definições para texto:

“Texto é uma entidade concreta realizada materialmente e corporificada em


algum gênero textual. Os textos são acontecimentos discursivos”. (MARCUSCHI,
2008, p. 25).

“Texto: uma unidade comunicativa, veículo de comunicação e interação


social, não está ligada unicamente à atividade escrita, mas também às atividades
que proporcionam ao aluno o desenvolvimento da oralidade”. (GUIMARÃES;
CAMPANI-CASTILHOS; DREY, 2008, p. 8).

de
autoativida

O que chama a sua atenção nestas duas definições para texto?


_________________________________________________________________________________
_________________________ ____________________________________________________

154
TÓPICO 2 | PROMOVER SITUAÇÕES DE LEITURA E ESCRITA – OS GÊNEROS TEXTUAIS

Perceba que já temos uma resposta para a pergunta lançada no título deste
item: textos e gêneros textuais não são sinônimos.

Conforme Marcuschi (2008), o primeiro autor que utilizamos para


referenciar teoricamente o que vem a ser um texto, os textos se realizam e ‘ganham
corpo’ quando dentro de determinado gênero. Então, que tal partirmos para a
segunda descoberta a qual nos propusemos? O que é um gênero textual?

Segundo os estudiosos, o primeiro teórico a esboçar um conceito


sobre gêneros foi Mikhail Bakhtin, em sua obra Estética da Criação Verbal. Lá
encontramos que gêneros são “Tipos relativamente estáveis de enunciados”.
(BAKHTIN, 2003, p. 262).

A partir desta definição, encontramos outras que nos auxiliam a ampliar


nossas compreensões a respeito deste assunto. Observe:

“Gêneros são: famílias de textos com uma série de semelhanças”.


(MARCUSCHI, 2008, p. 30).

“Entidades comunicativas. São formas verbais de ação social relativamente


estáveis realizadas em textos situados em comunidades de práticas sociais e em
domínios discursivos específicos”. (MARCUSCHI, 2008, p. 26).

De acordo com Bortone e Martins (2008), os gêneros podem ser caracterizados


quanto à:

- intencionalidade: o que o texto deste gênero pretende?

- informatividade: que tipo de informação se deseja transmitir? A que e a quem


essas informações se destinam?

- estrutura: qual a disposição espacial deste gênero?

de
autoativida

Pense em um anúncio de classificados, aquele que encontramos em jornais.


Que intencionalidade, informatividade e estrutura você atribuiria a este gênero? Anote a sua
resposta no espaço a seguir:
_________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________________

155
UNIDADE 3 | O LETRAMENTO

Uma das grandes confusões que ocorre nas compreensões a respeito


dos gêneros é a menção de que gêneros são tipos de textos. Há diferenças entre
eles. “Tipos de texto abrangem um número finito de categorias”. (GUIMARÃES;
CAMPANI-CASTILHOS; DREY, 2008, p. 9). Os tipos de texto (MARCUSCHI,
2008) são: narrativos (envolvem sequências temporais); descritivos (envolvem
sequências de localização); expositivos (envolvem sequências analíticas ou
explicativas); argumentativos (envolvem sequências contrastivas explícitas) e
injuntivos (envolvem sequências imperativas).

Já os gêneros são inúmeros. Um determinado gênero pode conter vários


tipos de texto. Adiante apresentaremos um exemplo que ilustra isso. São gêneros:
cartas, bilhetes, receitas, bulas, artigos científicos, horóscopos, manchetes de
jornal, contos, fábulas, lista de compras, e-mail, chat, etc.

A seguir o exemplo que anunciamos anteriormente:

Na maioria das vezes, há mais de um tipo textual dentro de um texto, o


que nos leva a considerar que o texto nunca é de todo dissertativo ou narrativo,
mas que existe, sim um tipo textual que pode predominar. No entanto, mesmo
que o texto seja apresentado com um tipo textual predominante, podem
ocorrer, dentro dele, fragmentos pertencentes a outros tipos. Para exemplificar,
tomemos o gênero conto de fadas. Este gênero apresenta, predominantemente,
o tipo discursivo representado pela narração, porém, frequentemente estão
presentes, neste gênero, trechos descritivos. Vejamos o seguinte fragmento da
Branca de Neve e os Sete Anões, dos Irmãos Grimm. Embora saibamos que o
tipo narrativo predomina, podemos verificar um fragmento descritivo nessa
passagem.

“(...) passou por ali um príncipe, todo vestido de azul [...]. O príncipe não podia
acreditar que uma menina tão linda, com a pele branca como a neve, as faces coradas como o
sangue e os cabelos pretos como o ébano estivesse morta. [...] Ajudado pelos anões, levantou
a tampa do caixão, olhou com amor para o rosto de Branca de Neve e levemente beijou
aqueles lábios frios”.

FONTE: Guimarães; Campani-Castilhos; Drey (2008, p. 12).

156
TÓPICO 2 | PROMOVER SITUAÇÕES DE LEITURA E ESCRITA – OS GÊNEROS TEXTUAIS

FIGURA 39 – BRANCA DE NEVE E OS SETE ANÕES

FONTE: Disponível em: <http://office.microsoft.com>. Acesso em: 12 set. 2011.

Esperamos que o exemplo apresentado tenha lhe auxiliado na melhor


compreensão do conteúdo que estamos estudando.

de
autoativida

A propósito, você poderia identificar, com base no trecho citado sobre o conto
de Branca de Neve, pelo menos, duas passagens de descrição? Utilize o espaço que segue
para anotar a sua resposta:
_________________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________________

Antes de finalizarmos este item, gostaríamos de retomar uma passagem


da definição sobre gêneros feita por Bakhtin (2003), que apresentamos
anteriormente. Trata-se à menção de gêneros como ‘tipos relativamente estáveis
de enunciado’. Se pensarmos em uma carta: a carta possui uma estrutura (data,
destinatário, saudação, assunto a ser tratado, despedida, remetente) que é
facilmente reconhecida. Contudo, se pensarmos no uso que se faz hoje em dia da
carta, podemos afirmar que parece ter havido uma substituição, ou seja, hoje as

157
UNIDADE 3 | O LETRAMENTO

pessoas fazem uso do e-mail, que é um tipo de carta/bilhete eletrônico. Ou seja, o


que era ‘relativamente estável’, dá espaço a outro gênero. Há um tipo de mescla.

Outro exemplo: você já viu uma ‘bula poetizada’? As bulas de medicação


também contêm uma estrutura que, facilmente, reconhecemos, não é mesmo?
(Indicação, posologia etc.). O que dizer de uma bula em que se lê:

Indicação: para todos que desejam viver felizes em seus relacionamentos...


Posologia: tome duas colheres de amor ao acordar... Repita a dose quantas vezes
achar necessário durante o dia!

A bula conforme a conhecemos, passa a ter a ‘aparência’ de poema. É


neste sentido que não podemos dizer que os gêneros são de todo estáveis. Além
disso, a partir de um gênero, podem aparecer outros. Por isso, diz-se, também,
que os gêneros são infinitos. Quanto a esta característica, basta que reflitamos
temporalmente. Quantos gêneros surgiram há pouco tempo em virtude dos
avanços da tecnologia? Acesse a internet e encontre alguns destes gêneros que
gerações passadas nem sequer imaginavam que pudessem vir a existir.

Perceba no exemplo a seguir, mais uma explicação (PORTO, 2009, p. 42,


grifos nossos) que explicita a amplitude do estudo sobre gêneros, referente à
relativa estabilidade:

O enunciado “Marcos, amo você. Me ligue no meu celular” pode


constituir um bilhete (se escrito num papel e deixado sobre a mesa de
Marcos), um recado (se deixado na secretária eletrônica), um telegrama
(se enviado pelos Correios em formulário próprio), ou uma declaração
de amor (se exibido em outdoor).

No próximo item queremos aprofundar um pouco mais os nossos estudos


sobre gêneros. Antes, porém, queremos salientar: o uso dos gêneros textuais na
escola tem relação direta com as práticas de letramento, isto porque os gêneros
circulam socialmente, fazem parte do dia a dia das pessoas, dos nossos alunos,
para muito além dos muros escolares. Isto está claro para você?

E
IMPORTANT

Cada situação de comunicação social exige uma forma específica de linguagem.


Por isso, falamos e escrevemos de formas diferentes dependendo de cada situação de
interlocução. Os gêneros textuais vão se estabelecendo socialmente e, sendo assim,
precisamos estar atentos para os usos sociais da linguagem, para fazer da sala de aula um
ambiente em que circulem os mais diferentes gêneros.
FONTE: Porto (2009, p. 42)

158
TÓPICO 2 | PROMOVER SITUAÇÕES DE LEITURA E ESCRITA – OS GÊNEROS TEXTUAIS

3 DIÁLOGO ENTRE GÊNEROS TEXTUAIS


Diálogo remete à conversa, certo? Então, é esta a nossa pretensão. Promover
uma conversa entre gêneros, definindo (se e o quanto possível) questões pontuais
referentes a gêneros orais e escritos, suportes etc. Acompanhe-nos.

Já estudamos anteriormente que existem muitos gêneros textuais, certo?

Conforme Marcuschi (2008, p.176), “todos os textos se realizam em algum


gênero [...] os textos sempre se fixam em algum suporte pelo qual atingem a
sociedade”.

A palavra sobre a qual queremos nos debruçar neste momento é SUPORTE.


Volte algumas páginas e retome o exemplo apresentado no final do item anterior:
o da declaração de amor feita a Marcos... Você percebe que as frases não mudam,
contudo, o gênero muda em função do SUPORTE no qual ou, sobre o qual se
grafou, gravou, a mensagem a ser comunicada.

Marcuschi (2008) pontua que existem dois tipos de suporte: os


convencionais e os incidentais. O autor afirma que “toda superfície física pode,
em alguma circunstância, funcionar como suporte”. (MARCUSCHI, 2008, p. 177).

E
IMPORTANT

“O suporte firma ou apresenta o texto para que se torne acessível de certo modo”.
(MARCUSCHI, 2008, p.176).

Os suportes convencionais são aqueles que foram criados para fixarem


textos. Já os incidentais são aqueles que, ocasionalmente, são utilizados com este
intuito.

Alguns exemplos de suportes convencionais apresentados por Marcuschi


(2008): livro, livro didático, jornal, revista (semanal/mensal), revista científica,
rádio, televisão, telefone, quadro de avisos, outdoor, encarte, folder, luminosos,
faixas. Agora, exemplos de suportes incidentais: embalagens, para-choques e
para-lamas de caminhões, roupas, corpo humano, paredes, muros, paradas de
ônibus, estações de metrô, calçadas, fachadas, janelas de ônibus e de outros meios
de transporte, árvores, pedras.

Se voltarmos aos exemplos acima, perceberemos que o rádio e a televisão


também são considerados suportes. Ambos nos lembram de aspectos pertinentes,
também, à oralidade, você concorda?

159
UNIDADE 3 | O LETRAMENTO

Os gêneros não aparecem somente na escrita. Eles também podem


pertencer à oralidade. É complexo estabelecer limites precisos entre gêneros
orais e escritos. Um exemplo que nos ajuda a compreender melhor: em um grupo
social ágrafo (que não faz uso da grafia, da escrita), há gêneros orais (orações,
cantos medicinais feitos por líderes de tribos etc.). Se um membro de um grupo
social em que a escrita está presente visitar um grupo ágrafo e traduzir um canto
medicinal, já se terá um gênero escrito.

Os locutores de rádio e televisão, geralmente, pelo que podemos perceber,


baseiam-se em materiais escritos. As informações são lidas, estudadas, e nós,
interlocutores, recebemos estas notícias oralmente.

Então, podemos inferir que existem gêneros orais e escritos. É


difícil estabelecer fronteiras absolutas entre eles, conforme já mencionamos
anteriormente.

Há, ainda, outra noção importante: a de DOMÍNIO DISCURSIVO.


Segundo Marcuschi (2008, p. 194):

domínio discursivo é uma esfera da vida social ou institucional


(religiosa, jurídica, jornalística, pedagógica, política, industrial, militar,
familiar, lúdica etc.) na qual se dão práticas que organizam formas
de comunicação e respectivas estratégias de compreensão. [...] os
domínios discursivos produzem modelos de ação comunicativa que se
estabilizam e se transmitem de geração para geração com propósitos e
efeitos definidos e claros.

Cada domínio discursivo possui seus gêneros, tanto na escrita quanto na


oralidade. Para elucidar, apresentamos a lista a seguir, organizada por Marcuschi
(2008). Observe e relacione domínios e gêneros.

160
TÓPICO 2 | PROMOVER SITUAÇÕES DE LEITURA E ESCRITA – OS GÊNEROS TEXTUAIS

FIGURA 40 – GÊNEROS TEXTUAIS POR DOMÍNIOS DISCURSIVOS E MODALIDADES

161
UNIDADE 3 | O LETRAMENTO

162
TÓPICO 2 | PROMOVER SITUAÇÕES DE LEITURA E ESCRITA – OS GÊNEROS TEXTUAIS

FONTE: Marcuschi (2008, p. 194-196)

Para finalizarmos o estudo deste tópico, apresentaremos no item a seguir


uma proposta de trabalho com gêneros denominada SEQUÊNCIA DIDÁTICA.
Acompanhe-nos e descubra do que se trata.

4 O TRABALHO COM SEQUÊNCIAS DIDÁTICAS


Nas páginas anteriores aprendemos alguns conceitos pertinentes ao
assunto GÊNEROS.

Também comentamos que quando trabalhamos na perspectiva do


letramento, a abordagem dos gêneros na escola é pertinente por abordar ‘textos
reais’ que circulam entre os alunos e aos quais eles têm acesso.

Talvez, enquanto professor, você possa se perguntar: como posso trabalhar


gêneros na sala de aula? Como levar meus alunos a conhecer e desenvolver a
oralidade e a escrita por intermédio do estudo de gêneros?

A proposta de trabalho por sequências didáticas é uma maneira de


conhecer gêneros textuais na escola. Foi desenvolvida por dois pesquisadores
suíços, Schneuwly e Dolz (2004). Em busca de uma definição, encontramos
que se trata de: “Um conjunto de atividades escolares organizadas, de maneira
sistemática, em torno de um determinado gênero textual oral ou escrito”.
(SCHNEUWLY; DOLZ, 2004, p. 97).

Desenvolver atividades com base em sequências didáticas envolve quatro


etapas, esta é a sistematização referenciada pelos autores. É escolhido determinado
gênero. A partir desta escolha, as etapas (SCHNEUWLY; DOLZ, 2004):

● Apresentação da situação.
● Primeira produção / produção inicial.
● Módulos.
● Produção Final.

163
UNIDADE 3 | O LETRAMENTO

O esquema de uma sequência didática, conforme Schneuwly e Dolz (2004,


p. 98) pode ser assim representado:

1 Apresentação da situação: são dadas as informações necessárias para que os


alunos conheçam o projeto de comunicação que será realizado na produção
final e a aprendizagem de linguagem a que se relaciona.

2 Produção Inicial: os alunos tentam elaborar um primeiro texto do gênero


escolhido, de forma a revelar o que eles conhecem sobre ele. Para os alunos,
mostrará o que eles já conhecem sobre o gênero e, para o professor, indicará
o que ele deverá abordar nos diversos módulos ou oficinas, para auxiliar
o aluno a construir aqueles conhecimentos que ele ainda não tem sobre o
gênero.

3 Módulos: as características do gênero são trabalhadas durante algumas


aulas. Note bem que no esquema não aparece um número determinado de
módulos. Isso quer dizer que podem ser trabalhados tantos módulos quantos
se fizer necessário.

4 Produção Final: o aluno põe em prática o que construiu nos módulos para
produzir o seu texto final e, em seguida, compara este texto com a produção
inicial, percebendo progressos que teve durante o trabalho.

E
IMPORTANT

Vale lembrar que não existe um tempo determinado para desenvolver uma
sequência didática. O tempo será estipulado de acordo com as necessidades diante dos
gêneros escolhidos para o estudo. É importante incentivar a participação dos alunos no
processo, isso faz parte quando pensamos na perspectiva do letramento!

164
TÓPICO 2 | PROMOVER SITUAÇÕES DE LEITURA E ESCRITA – OS GÊNEROS TEXTUAIS

A fim de ilustrarmos uma sequência didática de ‘curta duração’,


apresentamos o trabalho que segue realizado por um grupo de professores em
um encontro de formação continuada. Obviamente, devido ao pouco tempo,
construímos esta sequência com a finalidade de termos noções básicas e concretas
sobre a proposta de trabalho com sequências didáticas.

Gênero escolhido pelo grupo: BULA

Apresentação da situação: apresentação de um teatro de fantoches; debate


posterior: finalidade da prevenção quanto à automedicação. Para que serve o
papel que vem dentro da caixa de remédios?

Primeira produção: os alunos elaborarão um texto sobre o conhecimento de


algum medicamento que eles usam ou sobre o qual tenham algum conhecimento.

Módulos: cada grupo de alunos criará um item de uma bula de medicamento


inventado pela turma: composição; indicações; contraindicações; posologia;
farmacêutico responsável; laboratório.

Produção final: elaborar uma bula com todos os itens trabalhados pelos alunos.
Apresentar o medicamento à turma. (Ainda: criar um poema em forma de
bula, elaborar algum material escrito para divulgação quanto à automedicação,
apresentar a bula elaborada pelos alunos em cartazes afixados pela escola etc.).

DICAS

Para aprofundar seus conhecimentos sobre gêneros, leia:


COSTA, Sérgio Roberto. Dicionário de Gêneros Textuais. 2. ed. Belo Horizonte: Autêntica
Editora, 2009.

165
RESUMO DO TÓPICO 2

Neste tópico, vimos que:

● Textos são entidades concretas, unidades comunicativas, veículos de


comunicação e interação social, tanto na oralidade quanto na escrita. São
unidades de sentido.

● Gêneros são tipos relativamente estáveis de enunciados. São famílias de textos


com semelhanças entre si.

● São tipos de texto: narração, descrição, exposição, argumentação, injunção.

● Os gêneros (tanto orais quanto escritos) são inúmeros. Ex.: contos, receitas,
artigos, bilhetes, cartas, anúncios, fábulas, listas etc.

● Suportes são os locais nos quais os gêneros ‘são fixados’, com o intuito de que
haja comunicação. Podem ser suportes convencionais (ex.: papel) ou incidentais
(ex.: corpo humano).

● Sequência didática é um conjunto de atividades escolares organizadas de


maneira sistemática em torno de determinado gênero. As sequências são
compostas por quatro partes: a apresentação da situação, a primeira produção,
os módulos e a produção final.

166
AUTOATIVIDADE

1 Observe os escritos a seguir. Identifique a que gênero se referem. Bom


trabalho!

167
2 Pense no seu contexto de vida. Liste alguns gêneros orais e alguns gêneros
escritos que fazem parte do seu cotidiano. Se necessário, consulte a lista que
apresentamos nas páginas anteriores, de Marcuschi (2008).

a) Gêneros orais:
____________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________

b) Gêneros escritos:
____________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________

168
UNIDADE 3
TÓPICO 3

ALFABETIZAR LETRANDO – CONTEXTOS DIVERSOS

1 INTRODUÇÃO
A nossa pretensão neste tópico se volta à reflexão sobre práticas da
alfabetização com vistas ao letramento. Por isso, visitaremos algumas áreas da
educação, as quais têm como um dos seus principais objetivos o trabalho com o
nosso sistema de escrita, ou seja, tornar a escrita conhecida e acessível, visando à
possibilidade de inserção e conquista de espaços sociais.

2 ALFABETIZAR LETRANDO NAS SÉRIES INICIAIS DO ENSINO


FUNDAMENTAL
As crianças chegam à escola com muitos conhecimentos sobre a oralidade.
O que se espera, socialmente, é que nesta instituição (escola) desenvolvam,
também, a escrita.

O que muitas vezes se esquece é de que, dependendo do contexto de vida,


a escrita já faz parte do mundo da criança antes que ela chegue à escola. Isso
devido a rótulos de produtos que circulam em sua casa, outdoors espalhados pelas
avenidas, livros e revistas que pais e/ou demais pessoas do ambiente ‘de casa’
leem, panfletagens das mais diversas com as quais têm contato etc. Já em outros
contextos, naqueles cuja escrita é praticamente inexistente, as crianças chegam à
escola com outros tipos de conhecimento que não os sobre a escrita.

Diante dessas realidades diversas, percebemos o quão importante se


tornam algumas reflexões:

- deveria haver por parte da escola uma dinâmica de trabalho que considera,
primeiramente, os contextos de vida e, a partir deles, estruturar planejamentos
sobre como proceder com a alfabetização. Isso, muitas vezes, não ocorre. Afinal,
os materiais adotados (livros didáticos e afins) já vêm prontos. Se o professor
não estiver atento a possíveis inserções de conteúdos pertinentes, de acordo
com as vivências de sua turma, o livro é ‘cumprido’ do início ao fim. Contudo,
a pergunta que fazemos é a seguinte: Tudo isso faz algum sentido?

- pode haver instituições de ensino que, pensando em supervalorizar contextos


letrados, apresentem aos seus alunos uma variedade imensa e intensa de
gêneros e suas características, contudo, não familiares ao grupo. Novamente
perguntamos: Tudo isso faz algum sentido?
169
UNIDADE 3 | O LETRAMENTO

Dessas duas curtas colocações reflexivas apresentadas anteriormente,


podemos concluir o que já é de conhecimento de quem trabalha com a alfabetização:
não se trata de uma tarefa fácil. Pelo contrário, exige-se que estejamos atentos e
flexíveis diante da ‘realidade’ que se nos apresenta no nosso dia a dia em sala
de aula. Como então proceder? Quais são os desafios que se nos apresentam no
Ensino Fundamental?

Segundo Leal, Albuquerque e Morais (2007, p. 72-73):

A escola precisa assegurar a todos os estudantes – diariamente – a


vivência de práticas reais de leitura e produção de textos diversificados.
[...] ampliar as experiências das crianças e dos adolescentes de modo
que eles possam ler e produzir diferentes textos com autonomia.
Democratizar a vivência de práticas de uso da leitura e da escrita e
ajudar o estudante a, ativamente, reconstruir essa invenção social que
é a escrita alfabética.

Com a ajuda destes autores, pretendemos tornar o assunto um pouco


mais prático. Como devemos proceder? O que fazer? Que gêneros podemos e
devemos trabalhar?

Leal, Albuquerque e Morais (2007, p. 73-74) propõem que se estimulem


situações tais como:

● A interação pela escrita que cause efeito sobre interlocutores em diferentes


esferas de participação social (escrita e leitura de textos jornalísticos); a
comunicação direta entre pessoas e/ou empresas (cartas, convites, avisos);
textos científicos que permitem a circulação de saberes gerados em diferentes
áreas de conhecimento; textos instrucionais; textos literários, os quais
estimulam o compartilhar de desejos, emoções, expressão da subjetividade.

● Construção e sistematização do conhecimento – produção de gêneros textuais


que usamos como auxílio para organização e memorização: anotações,
resumos, esquemas e outros gêneros que utilizamos para estudar temas
diversos.

● Situações voltadas para a autoavaliação e expressão “para si próprio” (diários


pessoais, poemas, etc.).

● Situações em que a escrita é utilizada para a automonitoração de suas


próprias ações (agendas, calendários, cronogramas,...).

Ainda com o apoio de Schneuwly e Dolz (2004), achamos válido ressaltar


o trabalho anual nas classes do Ensino Fundamental o trabalho com os seguintes
gêneros de acordo com os tipos de texto:

170
TÓPICO 3 | ALFABETIZAR LETRANDO – CONTEXTOS DIVERSOS

E
IMPORTANT

Textos da ordem do narrar: contos, fábulas, lendas.


Textos da ordem do relatar: notícias, diários, relatos históricos.
Textos da ordem do descrever: receitas, regras de jogo, regulamentos.
Textos da ordem do expor: notas de enciclopédia, artigos voltados para temas científicos,
seminários e conferências.
Textos da ordem do argumentar: textos de opinião, diálogos argumentativos, cartas ao leitor,
cartas de reclamação, cartas de solicitação.

Percebemos a amplitude das possibilidades de trabalho existentes. O que


oferecemos anteriormente, com a ajuda dos autores apresentados, foram apenas
dicas de gêneros e situações a serem trabalhadas em nossas salas de aula. Isso
tudo flexivelmente, é claro, além das contribuições que a sua turma apresentar.

A alfabetização nas classes de Ensino Fundamental deve remeter


constantemente os profissionais que nelas trabalham a terem em mente: o nosso
trabalho visa à escrita e à leitura com sentido? Que tipos de atividades sugerimos?
Qual a motivação por detrás das nossas práticas?

A seguir, no próximo item, queremos estudar sobre alfabetizar letrando


na educação especial.

3 ALFABETIZAR LETRANDO NA EDUCAÇÃO ESPECIAL


Quando estudamos sobre a alfabetização, percebemos que não se trata de
obviedades, muito menos de algo a ‘ser tirado de letra’, nem fácil ou elementar.
Sempre e de novo surgem dúvidas e incertezas. Há muito material publicado e,
mesmo assim, os ‘problemas’ continuam. Isso nos dá indícios da dimensão e da
profundidade do que necessitamos conhecer e buscar com constância diante do
assunto.

Quando surge um caso especial, então, as dúvidas são ampliadas.

O que é considerado ‘educação especial’?

Em uma rápida consulta à Wikipédia (Disponível em: <http://pt.wikipedia.


org>. Acesso em: 14 set. 2011), encontramos: “A Educação Especial é uma educação
organizada para atender específica e exclusivamente alunos com determinadas
necessidades especiais”.

171
UNIDADE 3 | O LETRAMENTO

A ‘grosso modo’, poderíamos dizer que a educação especial é aquela que


se ocupa do que não é regular na educação. Contudo, se refletirmos um pouco a
respeito, é difícil falar em regularidades na educação, pensando na individualidade
dos sujeitos que a constroem. Ao mesmo tempo, existem algumas aproximações
já estudadas e, também, amplamente publicadas. Dentre estas aproximações
poderíamos citar como, apenas, alguns exemplos:

- a faixa etária das crianças que frequentam determinado grupo/sala;


- algumas habilidades observáveis em um intervalo de idades. Ex.: Espera-se
que a criança escreva entre 5 e 7 anos.

Nos casos de educação especial, poderíamos, empiricamente (=de acordo


com o senso comum) dizer que: cada caso é um caso e exige uma intervenção
particular.

Pensemos nos alunos que possuem alguma dificuldade visual. Dentre


as dificuldades visuais existem alguns distúrbios como também casos extremos,
aqueles de cegueira total. Pensar a alfabetização nestes termos é pensar dinâmicas
que tornem o sistema de escrita, socialmente convencionado, acessível a estas
pessoas. Fazê-lo na perspectiva do letramento, é trazer para o mais próximo
possível da pessoa, aspectos do mundo escrito a fim de que possa fazer uso deles
em seu meio social.

UNI

Uma experiência interessante pela qual passamos foi a de, em um encontro


presencial no curso de Pedagogia de uma universidade da nossa região, conhecermos uma
moça cega que contava com o auxílio de algumas colegas para a realização das atividades
propostas. Ao mesmo tempo, ela tinha seu próprio computador, o qual continha um software
especial que permitia a tradução (áudio) do que fosse necessário. Isso pelo teclar ‘dígitos’ em
braille (a língua oficial das pessoas cegas), que a moça também dominava.

de
autoativida

Pensando a respeito do exemplo apresentado no UNI anterior, responda: Você


considera esta moça inserida em práticas de letramento?
________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________
_______________________________________________________________________

172
TÓPICO 3 | ALFABETIZAR LETRANDO – CONTEXTOS DIVERSOS

Podemos dizer que este foi um caso em que se obteve certo êxito como
resultado. Um resultado, aparentemente e em alguns aspectos, positivo.

Ao mesmo tempo, muitas pessoas (não só com dificuldades visuais, mas


com outras (motoras, de alguma síndrome, lesões etc.)), não encontram as mesmas
oportunidades e estão, socialmente, excluídas. Este assunto nos daria páginas e
páginas de discussão e, mesmo assim, não teríamos esgotado possibilidades e
hipóteses.

Contudo, a nossa pretensão se volta à importância de pensar


constantemente em CADA CONTEXTO.

A palavra CONTEXTO adquire aqui uma conotação toda especial: talvez,


tenhamos um grupo de crianças com dificuldades, dificuldades que permitem
aproximações de intervenção. Permitem, também, a elaboração de estratégias
pontuais que resultam em avanços na aquisição da escrita. Lentamente, talvez,
percebamos algum resultado positivo na autonomia de escrita e leitura de
determinados gêneros textuais, tais como a escrita de bilhetes, de listas etc. Talvez
até de gêneros mais elaborados, como um conto etc. O uso da palavra TALVEZ,
denota que, muitas vezes, assim como ocorre em situações do ensino regular,
nos deparamos com imprevisibilidades, ou seja, podemos elaborar o que para
nós parece ser O MELHOR, O MAIS ACERTADO, O “GARANTIDAMENTE”
POSITIVO e, no decorrer do processo, nos decepcionarmos.

Também e ainda referente ao CONTEXTO, é possível que deparemos com


casos de crianças, adolescentes, jovens, que possuem dificuldades pontuais, as
quais exigem intervenções também pontuais, particulares.

As reflexões que apresentamos anteriormente têm o intuito de que


assumamos, enquanto educadores, o importante papel que temos de buscar,
constantemente, estratégias para que TODOS possam ter acesso à escrita e à
leitura. Isto não é sinônimo de automatismo e, muito menos, de simplismo. Pelo
contrário!

A fim de finalizarmos este item, pretendemos apresentar alguns lembretes


que, ao nosso ver, devem acompanhar os envolvidos no processo de alfabetização
e letramento na EDUCAÇÃO ESPECIAL:

E
IMPORTANT

Parceria – Reuniões diárias – Materiais alternativos – Acesso a tecnologias –


Diálogos constantes entre profissionais e famílias – Criatividade – Interesse por e valorização
de cada caso em especial.

173
UNIDADE 3 | O LETRAMENTO

DICAS

A fim de obter alguns esclarecimentos e sanar dúvidas sobre a educação


especial, acesse: <http://revistaescola.abril.com.br/politicas-publicas/respostas-duvidas-
inclusao-deficiencia-legislacao-636445.shtml>. Acesso em: 14 set. 2011.

No próximo item pretendemos estudar aspectos da alfabetização e do


letramento na EJA (Educação de Jovens e Adultos).

4 ALFABETIZAR LETRANDO NA EJA

FIGURA 40 – APRENDER A LER E A ESCREVER

FONTE: TAS, Marcelo. “Super Caxorrão” da alfabetização. Revista Crescer, set. 2011.

de
autoativida

Qual é o trecho do escrito acima que, de acordo com o seu ponto de vista, tem
ou pode ter a ver com a Educação de Jovens e Adultos (EJA)?
_________________________________________________________________________________
_________________________ ____________________________________________________ ___

174
TÓPICO 3 | ALFABETIZAR LETRANDO – CONTEXTOS DIVERSOS

Um dos fatores que há de se ter em mente quando pensamos no alfabetizar


letrando na EJA é o de que “os jovens e os adultos possuem saberes prévios, inatos
e intuitivos, nos contextos em que estão inseridos e na cultura marcadamente
letrada, antes mesmo de ingressar no sistema escolar formal”. (MOLLICA; LEAL,
2009, introdução).

Novamente, aparece nas entrelinhas dos escritos destas autoras a


importância do CONTEXTO dos alunos/estudantes que procuram o espaço
escolar, ainda que na fase adulta de suas vidas.

Um dos grandes desafios enfrentados por esta modalidade de ensino, EJA,


é, ainda, diante dos materiais usados para a alfabetização. Muitas instituições
fazem uso do mesmo tipo de livros didáticos, cartilhas, utilizados para a
alfabetização de crianças. Em muitos casos, isso gera desinteresse por parte dos
alunos, o que faz com que alguns (muitos) evadam. Por vezes, não se trata de algo
explícito, mas consequência implícita de um processo que há muito vem sendo
questionado.

Não queremos aqui fazer nenhum tipo de denuncismo, muito menos


desvalorizar grandes projetos cujo êxito se estende a espaços sociais diversos,
dentre eles, a valorização (possibilidades de maior acessibilidade por meio da
leitura e da escrita) da pessoa dentro do seu local de trabalho etc.

A nossa pretensão se volta a refletirmos sobre a relevância do contexto


de vida daqueles que retornam aos bancos escolares depois de muitos e diversos
fatores que não permitiram que isso ocorresse anteriormente.

Trazemos à tona as ideias de Paulo Freire, renomado educador já citado


na Unidade 2 do nosso caderno. Para ele, nas palavras de Mollica e Leal (2009, p.
13) se deveria “tirar partido do arsenal de conhecimentos de que o aluno dispõe
para subsidiar o desenvolvimento do processo de alfabetização e do subsequente
percurso do letramento escolar”.

É com essa finalidade que pensamos ser relevante abordar, ainda que tão
sucintamente, algumas considerações sobre o alfabetizar letrando na EJA. Paulo
Freire ficou mundialmente conhecido por seus ideais, dentre os quais aqueles
pelos quais sublinhava que a leitura de mundo precedia a leitura de palavras.

Veja e analise um tipo de atividade apresentado por Mollica e Leal (2009,


p. 55-56), que representa possibilidades de abordagem na Educação de Jovens e
Adultos:

175
UNIDADE 3 | O LETRAMENTO

FIGURA 41 – POSSIBILIDADE DE ATIVIDADE PARA A EJA

176
TÓPICO 3 | ALFABETIZAR LETRANDO – CONTEXTOS DIVERSOS

FONTE: Mollica; Leal (2009, p.55-56)

177
UNIDADE 3 | O LETRAMENTO

de
autoativida

Agora, com base na atividade apresentada, responda: você considera este tipo
de atividade uma atividade contextualizada? Por quê?
_________________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________

Alfabetizar letrando em classes de EJA requer, assim como em qualquer


outra modalidade de ensino, preparo intenso por parte daqueles que se dedicam
a esta tarefa.

E, que cada vez mais, “olhos se encham de lágrimas” diante das descobertas
do mundo da leitura e da escrita (cf. TAS, 2011 - na abertura deste item)!

DICAS

Para dar continuidade a leituras sobre este tema, sugerimos:


MOLLICA, Maria Cecília; LEAL, Marisa. Letramento em EJA. São Paulo: Parábola Editorial, 2009.
BRANDÃO, Carlos Rodrigues. Paulo Freire, o menino que lia o mundo – Uma história de
pessoas, de letras e de palavras. São Paulo: Editora UNESP, 2005.

Ao finalizarmos este tópico gostaríamos de salientar alguns aspectos que


reiteram o seguinte:

E
IMPORTANT

Tanto a alfabetização quanto o letramento acontecem num processo de


continuidade. Sempre e novamente somos convidados (ou até forçados) a rebuscar
conhecimentos sobre o nosso sistema de escrita para sanar dúvidas ou até para recuperar
algo que não memorizamos pelo uso. Quando nos deparamos com algum tipo de gênero
textual que não faz parte do nosso dia a dia, o mesmo ocorre: temos que estudar a respeito,
analisar contextos de aplicação etc. Dessa feita, tanto professores quanto alunos, encontram-
se desafiados pela busca constante de aprimoramento, redescobertas, novos conhecimentos,
recuperação de assuntos etc. diante da indissociável dupla: alfabetização e letramento.

178
RESUMO DO TÓPICO 3

Neste tópico, estudamos:

● A escola precisa assegurar a todos os estudantes a vivência de práticas reais de


leitura e produção de textos diversificados.

● Pensar a alfabetização na educação especial é pensar dinâmicas que tornem


o sistema de escrita, socialmente convencionado, acessível aos alunos com
alguma dificuldade. Fazê-lo na perspectiva do letramento, é trazer para o mais
próximo possível da pessoa, aspectos do mundo escrito a fim de que deles
possa fazer uso em seu meio social.

● Para Paulo Freire a leitura de mundo precede a leitura de palavras.

● Jovens e adultos que retornam à escola já trazem consigo uma caminhada de


vida. Os aspectos dessa caminhada deveriam ser considerados quando se pensa
na alfabetização desta modalidade. Deve haver uma preocupação quanto à
infantilização dos materiais de apoio.

179
AUTOATIVIDADE

Procure em algumas instituições de ensino às quais você tem acesso, atividades


que considera relevantes quanto à alfabetização e ao letramento no Ensino
Fundamental, na Educação Especial e na EJA. Tome como referência o que leu
e estudou no tópico anterior. Bom trabalho!

180
UNIDADE 3
TÓPICO 4

PENSANDO SOBRE A AVALIAÇÃO

1 INTRODUÇÃO
Neste último tópico da nossa unidade, bem como do nosso Caderno de
Estudos, queremos estudar sobre a avaliação. O nosso intuito é o de que você
reflita sobre o assunto. Desde já anunciamos que as nossas discussões são
costuradas sobre um tecido contextual. Aceite o nosso convite para construir suas
compreensões. Acompanhe-nos nas páginas que seguem!

2 AVALIAÇÃO NAS CLASSES DE ALFABETIZAÇÃO


Em consonância com alguns estudiosos, afirmamos, já de início, que
avaliar é um processo complexo, no qual se enfrentam limitações. Por outro lado,
avaliar pode pontuar e auxiliar possibilidades referentes às pretensões envolvidas
em determinado processo.

NOTA

Avaliar refere-se a medir, atribuir valores, merecimentos.

Aqui, queremos conversar sobre a avaliação nas classes de alfabetização.


Como poderíamos definir a sua função?

Primeiramente gostaríamos de deixar claro a que nos referimos quando


mencionamos classes de alfabetização. Anteriormente, afirmamos que a
alfabetização é um processo contínuo. Neste viés, poderíamos considerar TODAS
as classes como sendo de alfabetização, certo? Sim. Contudo, o nosso enfoque,
neste momento, se volta às séries iniciais do Ensino Fundamental.

Temos uma pergunta a ser respondida, sobre a função de se avaliar nas


classes de alfabetização.

Sobre a função: a nossa abordagem refere-se a uma avaliação que apresenta


duas funções: uma é a de diagnosticar e a outra é a de monitorar.

181
UNIDADE 3 | O LETRAMENTO

Segundo Batista (et al. 2007, p. 9-10), quanto a diagnosticar:

a função diagnóstica tem como objetivo o conhecimento de cada criança


e do perfil de toda uma turma, no que se refere a seus desempenhos
ao longo da aprendizagem e à identificação de seus progressos, suas
dificuldades e descompassos em relação às metas esperadas.

E quanto a monitorar:

monitorar o processo de alfabetização significa acompanhar e intervir


na aprendizagem, para reorientar o ensino e resgatar o sucesso dos
alunos. [...] O monitoramento tem uma função preventiva e permite
que a ação docente se oriente por um prognóstico positivo: ele indica o
que fazer para que o aluno resgate a oportunidade de aprender, antes
que as avaliações burocráticas apareçam com uma sentença fatal de
fracasso, ou antes que se leve muito tempo para se descobrir que não
houve aprendizagem suposta ou esperada. (BATISTA et al. 2007, p.
9-10).

Que tal tornarmos estas importantes colocações um pouco mais práticas?


O que devemos avaliar?

Os autores que referenciamos anteriormente elaboraram matrizes de


referência, cuja abordagem se volta a aspectos da aquisição do sistema de escrita,
leitura e produção de textos. A seguir, apresentaremos estas matrizes. Esperamos
que possam auxiliá-lo em sua prática. Antes, contudo, leia o que consta no UNI,
trata-se dos focos sobre os quais as matrizes por nós citadas foram elaboradas:

E
IMPORTANT

O foco na alfabetização enfatiza a apropriação do sistema de escrita alfabético-


ortográfico, bem como o desenvolvimento de capacidades motoras e cognitivas pertinentes
a esse processo. O foco no letramento, como dimensão complementar e indissociável da
alfabetização, privilegia aspectos relativos à inserção e participação do indivíduo na cultura
escrita, abrangendo capacidades de uso do sistema de escrita e de seus equipamentos e
instrumentos na compreensão e na produção de textos, em diversas situações ou práticas
sociais.
FONTE: Batista et al. 2007, p. 30).

Nas próximas páginas, a apresentação das matrizes e dos tópicos que


podem auxiliar no balizamento da avaliação nas classes de alfabetização:

182
TÓPICO 4 | PENSANDO SOBRE A AVALIAÇÃO

FIGURA 42 – MATRIZ DE REFERÊNCIA DA AVALIAÇÃO DIAGNÓSTICA: AQUISIÇÃO DO SISTEMA


DE ESCRITA

183
UNIDADE 3 | O LETRAMENTO

FONTE: Batista et al. (2007, p. 32-33)

FIGURA 43 – MATRIZ DE REFERÊNCIA DA AVALIAÇÃO DIAGNÓSTICA: LEITURA

184
TÓPICO 4 | PENSANDO SOBRE A AVALIAÇÃO

FONTE: Batista et al. (2007, p. 34)

185
UNIDADE 3 | O LETRAMENTO

FIGURA 44 – MATRIZ DE REFERÊNCIA DA AVALIAÇÃO DIAGNÓSTICA: DOMÍNIO DA ESCRITA E


DA PRODUÇÃO DE TEXTOS

FONTE: Batista et al. (2007, p. 35)

186
TÓPICO 4 | PENSANDO SOBRE A AVALIAÇÃO

3 AVALIAR E MEDIR LETRAMENTO(S) – É POSSÍVEL?


“[...] todos os indivíduos necessitam de referências para se locomover,
referências que não são necessariamente aprendidas no ambiente escolar”.
(MOLLICA; LEAL; 2009, p. 15).

Parece um pouco estranho iniciar este item por uma citação como esta que
foi apresentada. Ainda mais quando no título apareceu uma referência a ‘medir’,
não é mesmo? Já, já desvendaremos a que as autoras citadas se referiram.

Discutir se é possível avaliar e medir letramento(s) é um assunto longe


de ser definido com respostas absolutas, tais como SIM ou NÃO. A referência ao
tema tem como base um estudo feito pelas pesquisadoras Mollica e Leal (2009).
Além disso, por que será que apresentamos a palavra letramento acompanhada
da possibilidade de ser grafada no plural, ou seja, LETRAMENTOS?

Estas autoras pontuam dois tipos de letramento, por isso a possibilidade


de apresentar a palavra grafada no plural:

NOTA

Letramento social: correspondente ao conhecimento de mundo que cada


pessoa possui.
Letramento escolar: correspondente às habilidades específicas em relação à apropriação dos
processos de leitura e de escrita.
FONTE: Mollica e Leal (2009)

Veja que interessante um exemplo apresentado por Rojo (2009, p. 96):

Josias, 22 anos, vestido com uma calça cáqui esfarrapada e uma


camiseta regata branca cheia de buracos, aproxima-se de meu carro
parado no sinal e pendura no espelho um saquinho de balas de hortelã
em que há grampeado um bilhete com os seguintes dizeres: “Sou pai
de família e estou desempregado. Vendo balas para sustentar meus
filhos. Compre um saquinho. Somente R$ 2,00”. Leio o bilhete e
compro as balas – práticas de letramento.

Agora, acompanhe a reflexão que Rojo (2009, p. 98) faz sobre esse exemplo:

É possível ser não escolarizado e analfabeto, mas participar, sobretudo


nas grandes cidades, de práticas de letramento, sendo, assim, letrado
de uma certa maneira. Nada exclui, por exemplo, que Josias [...]
nunca tenha frequentado a escola e seja analfabeto, tendo pedido para
alguém escrever e imprimir os bilhetes. Ainda assim, ele recorre a
práticas letradas em suas vendas, cobra e faz o troco.

187
UNIDADE 3 | O LETRAMENTO

Nestes termos, a alfabetização faria parte de um tipo de letramento, o


escolar. Já o termo letramento como um todo, conforme Rojo (2009), recobre usos
e práticas sociais de linguagem nas quais a escrita aparece de alguma maneira.
Estes usos e práticas podem ser prestigiados (valorizados) ou não. E referem-se a
diversos contextos (igreja, trabalho, família, escola, mídias etc.).

Retornando ao estudo de Mollica e Leal (2009), um dos resultados obtidos


após observar como um grupo de pessoas reagia diante de setas e cartazes em
um supermercado, foi o de que quando não havia uma exigência de letramento
escolar acentuada, os resultados eram melhores, ou seja, havia mais acertos. As
pessoas encontravam o que precisavam pelo fato de estarem acostumados’ aos
produtos, aos rótulos e embalagens. Isso não significa que conseguiam identificar
ingredientes ou outras informações, talvez, relevantes. “A ida a um supermercado
constitui ato automatizado na vida das pessoas e se refere ao letramento social
aprendido por experiência”. (MOLLICA; LEAL, 2009, p. 28).

A citação é uma suposição das autoras. Se considerada verdadeira,


poderíamos dizer que a escola não é necessária quando se trata de adquirir
alimentos e outros produtos que garantam a sobrevivência. Esta seria uma
maneira de ‘medir’ o(s) letramento(s).

O estudo foi realizado com um grupo de jovens e adultos. Destes, alguns


haviam frequentado a escola por poucos anos. Mesmo assim, essa realidade não
prevalecia sobre a realidade social, ou seja: “a experiência de mundo parece ser mais
importante na vida das pessoas, confirmando-se a suspeita de que as habilidades
de leitura e escrita e de escrita matemática aprendidas sistematicamente na escola
não são retidas como se espera”. (MOLLICA; LEAL, 2009, p. 30).

Já em outros momentos, a pesquisa revelou que, apenas os conhecimentos


de mundo não eram suficientes para que as pessoas pudessem se adequar a um
ambiente letrado.

Pois bem, ressaltamos que o que apresentamos neste item tem como base
as reflexões e hipóteses de duas pesquisadoras. Além disso, buscamos o auxílio
do Rojo (2009), como suporte teórico. Contudo, vale destacar que não chegamos a
uma conclusão. Novamente afirmamos: diante do contexto de vida das pessoas e
da maneira como estas reagem frente à leitura e à escrita, são muitas as variáveis
a serem analisadas.

Talvez, provisoriamente, com base no que estudamos, poderíamos dizer:


SIM, é possível medir o(s) letramento(s) tendo em vista ‘x’, ‘y’ e ‘z’.

Para finalizarmos este item, apresentamos algumas considerações feitas


pelas autoras:

Confirmamos que a apropriação sistemática de saberes pelo


letramento escolar é uma via crucial para a cidadania plena. A etapa
da alfabetização é o primeiro degrau da escada de um processo que

188
TÓPICO 4 | PENSANDO SOBRE A AVALIAÇÃO

perdura ao longo da vida. A formação de boa qualidade pelo maior


tempo possível é o desejável, quando aliada à aquisição espontânea de
conhecimentos e solidificada em situações reais de vida. (MOLLICA;
LEAL, 2009, p. 35).

de
autoativida

Destaque da citação anterior aquilo que, para você, soa como o mais importante.
Anote a sua resposta no espaço que segue:
_________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________________

DICAS

Para conhecer a pesquisa completa feita por Mollica e Leal (2009), sugerimos
que você leia:

MOLLICA, Maria Cecília; LEAL, Marisa. Letramento em EJA. São Paulo: Parábola Editorial, 2009.

No próximo item estudaremos sobre maneiras pelas quais a avaliação


pode se tornar uma aliada nas mais diversas práticas pedagógicas.

4 AVALIAÇÃO COMO FORMA DE (RE)PENSAR A PRÁTICA


PEDAGÓGICA
Prática pedagógica, da maneira conforme a compreendemos, denota
flexibilidade. Trata-se de algo prático, conforme o próprio nome o diz.

Neste sentido, conforme as discussões que tecemos anteriormente, cabe à


escola, aos professores, pensarem em condições reais para que as aprendizagens
aconteçam. Condições reais remetem à constância na observação daquilo que os
alunos trazem de seus contextos, suas experiências prévias e, conforme o nosso
assunto, como lidam com a escrita.

Estes detalhes devem servir de pistas para a elaboração e revisão constante


de estratégias e metodologias. Na verdade, não podemos deixar de mencionar e
sublinhar a importância da mediação dos professores diante dessa realidade. Com

189
UNIDADE 3 | O LETRAMENTO

certeza não é tarefa fácil tendo em vista tantos complicadores que, usualmente,
compõem nossas atividades.

‘Méritos’ da nossa profissão! A busca pela autoavaliação da nossa prática


deve ser uma das principais metas. Não existem (não deveriam existir, não podem
existir) margens para acomodação. Pelo contrário, pensar na avaliação, engloba
o todo do processo e neste todo, a forma de articular saberes, as estratégias
adotadas, cabem a nós. Sem desconsiderar, de maneira alguma, a necessidade
de buscarmos aprofundar nossos conhecimentos a fim de podermos articulá-los
com os conhecimentos de nossos alunos. Independentemente da faixa etária com
a qual trabalhamos, o papel que exercemos ainda pode ter positivas influências
pensando na tessitura social que almejamos. Tudo isso é avaliação! Tudo isso é
(uma tentativa de) repensar a prática.

Para finalizarmos os nossos assuntos, queremos convidar Freire (2008, p.


63-64), aceitando como ‘presente’, as suas palavras:

No exercício disciplinado de sua arte (mediado por seus instrumentos


metodológicos) é que a paixão de educador é educada.

O educador lida com a arte de educar. O instrumento de sua arte é a


Pedagogia, ciência da educação e do ensinar.

É no seu ensinar que se dá seu aprendizado de artista.

Toda pedagogia sedimenta-se num método, maneira de ordenar,


organizar com disciplina a ação pedagógica, segundo certos pressupostos
teóricos.

Toda pedagogia está engajada a uma concepção de sociedade e à


política, sempre.

No processo de educar e educador faz arte, ciência e política. Faz política,


quando alicerça seu fazer pedagógico a favor ou contra uma classe social
determinada. Faz ciência quando estrutura sua ação pedagógica, apoiado no
método de investigação científica. Faz arte, porque se defronta com o processo
de criação, porque valoriza a estética na sua prática educativa ao lidar com o
imaginário e o inusitado cotidianamente. A ação criadora envolve o estruturar,
dar forma significativa ao conhecimento. Toda ação criadora consiste em
transpor certas possibilidades latentes para o campo do possível, do real.

Desejamos alegria em sua caminhada! ... em frente, educador(a)!

A seguir você encontrará uma leitura complementar, o resumo do Tópico
4 e a autoatividade.

190
TÓPICO 4 | PENSANDO SOBRE A AVALIAÇÃO

LEITURA COMPLEMENTAR

AS ATIVIDADES ESCOLARES

Angela Kleiman

A escrita adquirida no contexto escolar enfatiza a realização de atividades


analíticas em relação à linguagem. Aliás, quando a criança começa o processo
de alfabetização, começa a atividade analítica. Para aprender a ler e a escrever o
aprendiz deve não apenas analisar a fala em palavras, mas as palavras em sílabas
e, eventualmente, as sílabas em fonemas (os sons significativos da língua). Por
exemplo, quando faz brincadeiras de encontrar rimas, a criança está analisando
a palavra em sons.

Essa atividade analítica não traz grande dificuldade a uma criança que
já conhece as funções de muitos textos que circulam na sociedade (como as do
livro de histórias, do jornal, do bilhete, da receita médica) e que já brincou de ser
leitora e escritora, fazendo de conta – ela e o adulto que interpreta seus balbucios
imitando a leitura e seus rabiscos, suas garatujas – que está lendo e escrevendo.
No entanto, essa será uma atividade extremamente penosa e sem sentido para a
criança que não conhece essas funções, que não experimentou ler nem escrever
de brincadeira. É o que acontece quando os textos não circulam no cotidiano
doméstico da criança, ou quando sua família não usa a escrita porque não sabe ler
e escrever – ou sabe, mas o faz com pouca frequência ou com grande dificuldade
ou, ainda, em situações e com funções que a escola desconhece e não legitima.

O fato de a escola separar as práticas letradas de suas instituições de


origem – literária, científica, jornalística – e dar um tratamento descontextualizado,
uniforme, a todos os textos, independentemente de onde se originaram, não
significa que as práticas na escola não sejam situadas. Elas são situadas na escola,
a mais importante agência de letramento da sociedade, que favorece as práticas
de análise de elementos como sílabas, palavras, frases... e até textos.

A escola é uma instituição de peso, por isso tem o poder de legitimar algumas
práticas em detrimento de outras. Numa turma de adolescentes, garotos e garotas
costumam enviar bilhetinhos pessoais uns aos outros. Quando se pergunta a uma jovem,
que acaba de enviar um bilhete à amiga, se ela costuma escrever, ela diz que não, porque
escrever esse tipo de bilhete não é algo realizado com o professor, mas escondido dele. Não
corresponde àquilo que a escola chama de “escrever”.

O insucesso generalizado no ensino da escrita a grupos que não provêm de


famílias letradas parece estar claramente dizendo que está na hora de substituir
ou complementar os fazeres analíticos com a participação nas práticas sociais de
outras instituições. Para dar um exemplo, em vez de ensinar/aprender que uma
receita de salada de frutas tem três partes – nome, ingredientes e modo de fazer
-, será mais eficaz fazer a salada de frutas e, depois, rememorando o que foi feito,

191
UNIDADE 3 | O LETRAMENTO

organizar saberes e atividades numa receita, de forma escrita, para lembrar-se


dela no futuro e para poder comunicá-la aos ausentes.

Uma forma de fazer isso é reproduzir as características da prática na


situação original no espaço da sala de aula: por exemplo, se a notícia do jornal
é lida e comentada no cotidiano familiar, não há por que não a ler e comentar
na aula. Se o relato do que nos aconteceu no dia faz parte das nossas práticas
cotidianas no lar, não há por que não encorajar esse relato no momento da
“rodinha” em sala de aula, a fim de transformar os acontecimentos dos relatos
em objeto de práticas letradas, quando possível ou pertinente.

Imaginemos uma atividade em que os alunos compartilham com os


colegas as rotinas e peripécias do dia, e na qual um aluno relata o seguinte:

“Acordei às 7; levantei e fui tomar o café. Cheguei no ponto adiantado, mas o


ônibus chegou 20 minutos atrasado e tão lotado que não dava pra entrar...”

Há nesse relato um episódio que poderia originar uma prática de


letramento relacionada à defesa dos direitos do cidadão e do consumidor com as
instituições como a Prefeitura e as empresas de ônibus: escrever uma carta formal
de reclamação, ou fazer um abaixo-assinado com os usuários da linha de ônibus.

As atividades necessárias para “escrever uma carta reivindicatória”


ou “fazer um abaixo-assinado” pertencem à esfera das atividades políticas e/
ou comerciais, relacionadas à defesa do consumidor. E ainda estão situadas
na escola. Diferentemente das atividades analíticas em que se escreve e se lê
para aprender a escrever e a ler, o foco na atividade em questão está na prática
letrada, em vez de estar no gênero ou texto a ser produzido. Esse foco libera
essa atividade da camisa-de-força que é a atividade analítica escolar e, ao mesmo
tempo, a mantém firmemente ancorada no âmbito das atividades que visam ao
ensino e à aprendizagem da escrita, respectivamente, objetos e objetivos escolares
por excelência.

Quando o foco está na prática de letramento, corre-se menos risco de


engajar o aluno em atividades de “faz-de-conta”. Se começarmos pelo objetivo de
“ensinar o aluno a escrever abaixo-assinados” é muito mais provável resultar um
texto que ninguém, fora da turma que o escreveu, lerá.

FONTE: Kleiman (2005, p. 37-40)

192
RESUMO DO TÓPICO 4

Neste tópico, vimos que:

● Avaliar de forma diagnóstica é coletar dados que sejam relevantes, por meio de
instrumentos que expressem o estado de aprendizagem do aluno.

● Ao mencionarmos a palavra letramento no plural, nos referimos a dois tipos: o


letramento social, correspondente ao conhecimento de mundo que cada pessoa
possui e o letramento escolar, correspondente às habilidades específicas em
relação à apropriação dos processos de leitura e de escrita.

● Tanto o conhecimento de mundo quanto o acesso às práticas escolarizadas


referentes à leitura e à escrita são importantes para o exercício da ‘cidadania
plena’.

● Repensar constantemente a prática pedagógica, buscar formação constante,


estar atento ao contexto de vida real dos alunos, observar resultados em virtude
de metas e estratégias de ensino planejadas, são aspectos que fazem parte do
todo da avaliação.

193
AUTOATIVIDADE

No Tópico 4, discutimos sobre a avaliação. Observe o exemplo de atividade a


seguir e escolha a alternativa que, a seu ver, traduz o que se pode avaliar com
referência à atividade em questão:

FONTE: Batista et al. (2007, p. 38)

Agora, assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) Reconhecer rimas, sílabas e aliterações (repetições de um fonema numa


frase ou palavra).
b) ( ) Conhecer o alfabeto e os diferentes tipos de letra.
c) ( ) Ler e compreender frases.
d) ( ) Dominar e conhecer gêneros textuais.

194
REFERÊNCIAS
ADAMS, Marilyn J. et al. Consciência fonológica em crianças pequenas. Porto
Alegre: Artmed, 2006.

ALVARADO, M. O Leiturão – Jogos para despertar leitores. São Paulo: Ática, 2002.

BAGNO, M. A Língua de Eulália – Novela Sociolinguística. 13. ed. São Paulo:


Contexto, 2004.

______. Gramática: passado, presente e futuro. Curitiba: Aymará, 2009.

______. Nada na língua é por acaso – por uma Pedagogia da Variação Linguística.
São Paulo: Parábola Editorial, 2007.

BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. Tradução: Paulo Bezerra. São Paulo:


Martins Fontes, 2003.

BATISTA, A. A. G. Alfabetização e Letramento: Questões sobre Avaliação. Brasília:


Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica, 2007. p. 4-26. Fascículo 2.

BATISTA, A. A. G et al. Avaliação diagnóstica da alfabetização. Brasília: Ministério


da Educação, Secretaria de Educação Básica, 2007.

BORTONE, M. E.; MARTINS, C. R. B. A construção da leitura e da escrita. Do 6º


ao 9º ano do Ensino Fundamental. São Paulo: Parábola Editorial, 2008.

BORTONI-RICARDO, S. M. Nós cheguemu na escola, e agora? Sociolinguística


e Educação. 2. ed. São Paulo: Parábola Editorial, 2005.

BRANDÃO, C. R. Paulo Freire, o menino que lia o mundo. Uma história de


pessoas, de letras e de palavras. São Paulo: Editora UNESP, 2005.

BREGUNCI, M. da G. de C. Organizando as classes de alfabetização. In:


CARVALHO, Maria Angélica Freire de; MENDONÇA, Rosa Helena (Orgs.).
Práticas de leitura e escrita. Brasília: Ministério da Educação, 2006.

CAGLIARI, L. C. Alfabetização & Linguística. São Paulo: Scipione, 2008.

______. Alfabetização & Linguística. São Paulo: Scipione, 2000.

______. Alfabetizando sem o bá-bé-bi-bó-bu. São Paulo: Scipione, 1999.

CARVALHO, M. Alfabetizar e letrar – um diálogo entre a teoria e a prática. 5. ed.


Petrópolis/RJ: Vozes, 2008.
195
CHARTIER, A. M.; CLESSE, C.; HÉBRARD, J. Ler e escrever – entrando no mundo
da escrita. Porto Alegre: Artes Médicas, 1996.

CHARTIER, R. A aventura do livro – do leitor ao navegador. São Paulo:Editora


UNESP, 1999.

COLELLO, S. M. G. Alfabetización – del Concepto a la Practica Pedagogica.


Disponível em: <http://www.hottopos.com/vdletras4/silvia.htm>. Acesso em: 15
jun. 2011.

ELIAS, M. D. C. De Emílio a Emília – a trajetória da alfabetização. São Paulo:


Editora Scipione, 2000.

FARACO, C. A. Escrita e alfabetização. Dificuldades ortográficas; o domínio da


linguagem escrita; variedades dialetais e alfabetização. São Paulo: Contexto, 2001.

FERREIRA, A. B. de H. Novo Aurélio Século XXI: o dicionário da Língua


Portuguesa. 3. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999.

FERREIRO, E. Reflexões sobre alfabetização. 25. ed. Cortez: São Paulo, 2010.

______; TEBEROSKY, A. Psicogênese da Língua Escrita. Porto Alegre: Artmed,


1999.

FOUCAMBERT, J. A leitura em questão. Porto Alegre: Artes Médicas, 1994.

______. Modos de ser leitor – aprendizagem e ensino da leitura no ensino


fundamental. Curitiba: Editora UFPR, 2008.

FRADE, I. C. A. da S. Métodos de alfabetização, métodos de ensino e conteúdos


da alfabetização: perspectivas históricas e desafios atuais. Educação, Santa Maria,
v. 32, n. 1, p. 21-40, mar. 2007.

FREIRE, M. Educador, educa a dor. São Paulo: Paz e Terra, 2008.

GERALDI, J. W. (Org.). O texto em sala de aula. São Paulo: Ática, 2006. p. 39-45.

GUIMARÃES, A. M. de M.; CAMPANI-CASTILHOS, D.; DREY, R. F. Gêneros de


texto no dia-a-dia do Ensino Fundamental. Campinas, SP: Mercado de Letras, 2008.

HEINIG, O. L. de O. M. Construção da leitura e da escrita. Apostila. FURB, 2003.

HEUER, R. Cartilha Moderna ou Leituras Primárias – para aprender-se a ler e


escrever – Primeiro Anno. 5. ed. São Leopoldo, RS: Casa Editora Rotermund &
Cia., 1935.
HIGOUNET, C. História concisa da escrita. 3. ed. São Paulo: Parábola Editorial,
2003.

196
HOFFMANN, Heinrich. João Felpudo ou histórias divertidas com desenhos
cômicos/ do Dr. Heinrich Hoffmann. Tradução e apresentação de Claudia
Cavalcanti. São Paulo: Iluminuras, 2011. p. 7.

KLEIMAN, A. B. Preciso “ensinar” o letramento? Não basta ensinar a ler e a


escrever? CEFIEL/MEC, 2005.

______. Os significados do letramento: uma nova perspectiva sobre a prática social


da escrita. Campinas: Mercado de Letras, 2002.

______. Trajetórias de acesso ao mundo da escrita: relevância das práticas não


escolares de letramento para o letramento escolar. Rev. Perspectiva, Florianópolis,
v.28, n. 2, p.375-400, jul/dez 2010.

LEAL, T. F.; ALBUQUERQUE, E. B. C. de; MORAIS, A. G. de. Letramento e


Alfabetização: pensando a prática pedagógica. In: BEAUCHAMP, Jeanete; PAGEL,
Sandra Denise; NASCIMENTO, Aricélia Ribeiro do. Ensino Fundamental de nove
anos – orientações para a inclusão da criança de seis anos de idade. 2. ed. Brasília:
Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica, 2007. p. 71-83.

LEITE, S. A. da S.; COLELLO, S. M. G. Alfabetização e letramento. São Paulo:


SUMMUS, 2010.

LERNER, D. Ler e escrever na escola – o real, o possível e o necessário. Porto


Alegre: Artmed, 2002.

MACIEL, F. I. P. Alfabetização e métodos ou métodos de alfabetização? Guia da


Alfabetização. São Paulo: Segmento, 2010.

MARCUSCHI, L. A. Produção textual, análise de gêneros e compreensão. São


Paulo: Parábola Editorial, 2008.

MELLO, M. C. de O. Emília Ferreiro e a Alfabetização no Brasil. UNESP: São


Paulo, 2008.

MOÇO, A. O que cada um sabe. Revista Nova Escola, São Paulo, p. 32-34, 2010.
Edição Especial – Produção de Texto.

MOLLICA, M. C. Fala, letramento e inclusão social. São Paulo: Contexto, 2007.

______; LEAL, M. Letramento em EJA. São Paulo: Parábola Editorial, 2009.


NEVES, M. H. de M. Ensino de Língua e Vivência de Linguagem. São Paulo:
Contexto, 2010.
PERINI, M. A. Gramática do Português Brasileiro. São Paulo: Parábola Editorial,
2010.
PORTO, M. Um diálogo entre os gêneros textuais. Curitiba: Aymará, 2009.

197
POSSENTI, S. Sobre o ensino de português na escola. In: GERALDI, João W. (Org.).
O texto na sala de aula. São Paulo: Ática, 2006. p. 32-38.

QUINO. Toda a Mafalda. São Paulo: Martins Fontes, 1993.

REVISTA NOVA ESCOLA. Produção de texto. Edição Especial. São Paulo: Editora
Abril, 2010.

______. Grandes Pensadores. Edição Especial São Paulo: Editora Abril, jul. 2008.

ROJO, R. Letramentos múltiplos, escola e inclusão social. São Paulo: Parábola


Editorial, 2009.

SCHNEUWLY, B.; DOLZ, J. Gêneros orais e escritos na escola. Campinas: Mercado


das Letras, 2004.

SCLIAR-CABRAL, L. Princípios do Sistema Alfabético do Português do Brasil.


São Paulo: Contexto, 2003.

______. As principais dificuldades na alfabetização. In: HEINIG, O. L. de O. M.;


FRONZA, C. de A. (Orgs.). Diálogos entre Linguística e Educação. Blumenau:
Edifurb, 2010. p. 59-74.

SERRA, J.; OLLER, C. Estratégias de leitura e compreensão do texto no ensino


fundamental e médio. In: TEBEROSKY, Ana (et al.). Compreensão de leitura – a
língua como procedimento. Porto Alegre: Artmed, 2003. p. 35-41.

SMOLKA, A. L. B. A Criança na fase inicial da escrita. 11. ed. São Paulo: Cortez,
2003.

SOARES, M. Alfabetização e letramento. 5. ed. São Paulo: Contexto, 2008.

______. Letramento: um tema em três gêneros. Belo Horizonte: Autêntica, 2003.

______. Simplificar sem falsificar. Entrevista. Guia da Alfabetização. São Paulo:


Segmento, 2010. p. 6-11.

SOLÉ, I. Estratégias de Leitura. 6. ed. Porto Alegre: ArtMed, 1998.

TAS, Marcelo. Super Caxorrão da alfabetização. Revista Crescer, set. 2011.

TEBEROSKY, A.; COLOMER, T. Aprender a ler e a escrever. Uma proposta


construtivista. Porto Alegre: Artmed, 2003.

THREEHOUSE, E. Au, au – Figuras do bebê. Blumenau: Todolivro, 2009.


TONUCCI, F. 40 anos com olhos de criança. Porto Alegre: Artmed, 2008.

198
VISCONTI, M. C.; JUNQUEIRA, Z. A. Escrita – das paredes ao computador. 7. ed.
São Paulo: Ática, 2001.

YUNES, E. (Org.) Pensar a leitura: complexidade. São Paulo: Loyola, 2002.

YUNES, E. Tecendo um leitor: uma rede de fios cruzados. Curitiba: Aymará, 2009.

ZACCUR, E.; GARCIA, R. L. (Org.). Alfabetização: reflexões sobre saberes


docentes. São Paulo: Cortez, 2008.

199
ANOTAÇÕES

____________________________________________________________
____________________________________________________________
____________________________________________________________
____________________________________________________________
____________________________________________________________
____________________________________________________________
____________________________________________________________
____________________________________________________________
____________________________________________________________
____________________________________________________________
____________________________________________________________
____________________________________________________________
____________________________________________________________
____________________________________________________________
____________________________________________________________
____________________________________________________________
____________________________________________________________
____________________________________________________________
____________________________________________________________
____________________________________________________________
____________________________________________________________
____________________________________________________________
____________________________________________________________
____________________________________________________________
____________________________________________________________
____________________________________________________________
____________________________________________________________

200

Você também pode gostar