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ABL
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SIMOES
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APRESENTAÇÃO

O lastro de borulade e fragilidade huma-


nas que vejo quase sempre no convívio de Fer-
nando Py me leva a pensar sôbre quão rica de
imprevistos é cada personal~iade. Pois na dêle
há presente de contínuo essa sêde amarga de

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poesia ~ que o faz interessar-se de forma
obsessiva por êsse capital aspecto de nossa con-
dição, informando-se, estudando, situando-se,
praticando. E o convívio revela mais: revela-
nos alguém inteirament·e a par dos experimen-
tos verbais de vanguarda, capaz de jogar com
êles, mas que a êles se furta sistemàticamente.
Revela mais ainda: a busca de uma visão poé-
tica anterior à experiência verbal, de tal modo
que seus poemas não se fazem com palavras,
estas são apenas vetares daquela visão. Visão
que deliberadamente p'l"ocura ser clara a si
mesma, tanto quanto uma visão poética pode
ser clara, se não é apenas um jôgo 'de lan-
tejoulas - pois a clareza da poesia, num mu~
do em que nada é dissociado ou vàlidamente
dissociável, quase nunca é da clareza das coi-
sas consensuadas. Na ambigüidade intrínseca
do poético, 'Fernando Py enxertta - como coisa
m uito sua - afirmações inambíguas, que che-
gam a saber a ingenuidades, se mal apreen-
didas, ingenuidades que são o resíduo de uma

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infância que êle tenta ver morta e negar a si
mesmo e que persiste com teimosa fôrça de
sonhar e de desejar, para si e para todos. Poeta
'Solitário, poeta solidário - que melhor fusão?
Dizer ide sua linguagem drummondiana, afi-
nal de contas, é pouco dizer, nesta hora da
poesia brasileira em que vudo, afinal, conflui
em Drumrrwnd, mesmo quando deliberada, fe-
roz, vindicativamente antidrummondiano -
pedra no caminho que é o mais belo rept'O de
quo1:81mie, de modernidade e de ascensão que
se possa oferecer à nossa poesia de hoje e, já
agora, de sempre.
Com todo o carinho que merece seu pri-

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meiro livro de versos - a Aurora de vidro
(com poemas de 1959 a 1962) - , em que tanta
promessa se permeava de tantos rrwmentos (i)
maduros, o fato é que Fernando Py dá um
salto de notável q?.UJiidd:d,e com êsí'e seu A
construção e a crise (poemas de 1963 a 1968).
Para uma crítica à cata de confirmações
de seus aprióris, não lhe escapará a oportuni-
dade de comprovar que neste livro, aqui e ali,
há insuficiências "técnicas" que uma cega po-
da reduziria, oferecendo-se-lhe ademais o en-
sejo de mostrar como certa unidade de não-
sei-quê poderia ser obtida. Com isso cert'amen_
te essa mesma crítica deixaria de ver, por seu
a priori, o fato básico de que ao poeta é que\
é dado fazer poesia, a ela -crítica- caben-
do-lhe se tanto partir dessa matéria-prima
assim criada para situar-se no universo do seu
problema cognitivo.
Pois estamos, com efeit'O, ante uma aven-
tura poética que por muitos títulos é de sin-

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gular importância: em primeiro lugar, perva.-
de êste livro td:UJ uma seriedade de visão, em
face da busca da expressão do poético, que
exige, no mínimo, que o leitor rerpense muitos
dos seus hábitos mentoais; em segundo lugar,
ela se nos apresenta com uma diversidade de
formas e temas em que, sob um aparente las-
tro de simplicidade, às vêzes brotam tão fun-
'das vivências e tão dolorosa e exatamente con-
cretizadas, que a simplicidade primeira se nos
mostra, logo em segu~ia, muito sabedoria e
det1erminação. Em terceiro lugar, nos poemas
mesmos em que mais fundo o sofrer-viver con-
temporâneo é mais apreendido, mais económi-

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ca e mais contundente é a exp'T'essão.
São, assim, muitos os méritos que se afir-
mam na poesia de Fernando Py- e a mim,
pessoalmente, sempre tão pr.ecris'cddo tde poe-
sia, sua evolução me comov'e. Se no plano mi-
cropsíquico - aquêle dos velhos temas líricos
de sempre do amor e da morte - a poesia
de Fernando Py renova não raro com percep-
ções novas a singularidade unipessoal ou, se
tanto, bipessoal dêsses temas, no plano macro-
psíquico êle se faz porta-voz de um nojo-an-
gústia e de um mêdo-coragem que são muito-
de nossa modernidade, nossos, brasileiros, pre-
sentes, ante o mundo em (de)composição que
vivemos nesta triste e tão exemplar hora. Si-
tuar-se, como o faz êle, afirmativamente, com
a humildade com que o faz, é um dos pólos
da massa poética percebida pelo seu afetü:is-
mo e expresso tão consensuàvelmente.
A matmração crescente, em penetração da
vida e da expressão, em Fernando Py está asse-

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,gurada. Como também um lugar ao sol da
poesia entre nós. Afago, assim, a esperança
d.e que aqui muitos virão a e11--eontrar uma VC'Z
-e uma palavra legenda e audienda - que che-
_gam, por exemplo, aos acentos das séries
""Essência e existência" e "Morte íntima" .

.ANTÔNIO HOUAISS

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