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“Então ele, delicadamente e quase a acariciando, passou-lhe a mão sobre o estômago. Emma
soltou um grito agudo. Charles recuou aterrado. Depois ela pôs-se a gemer, a princípio muito
levemente. Um grande arrepio sacudiu-lhe os ombros e começou a ficar mais pálida que o
lençol onde se lhe afundavam os dedos crispados. O pulso irregular era agora quase
imperceptível. Surgiram-lhe gotas de suor espalhadas pelo rosto azulado que, entorpecido,
parecia exalar um vapor metálico. Batia os dentes, com os olhos dilatados olhava vagamente
em torno, e só respondia a todas as perguntas abanando a cabeça, chegou a sorrir duas ou três
vezes. Pouco a pouco, os gemidos foram-se tornando mais fortes. Deixou escapar um uivo
surdo, disse que estava melhor e que dali a pouco se levantaria. Mas entrou em convulsões e
exclamou:
- Ah! É atroz, meu Deus!” (FLAUBERT, 2002, p. 375).
Laurent apertou mais fortemente e deu uma sacudidela. Camille conseguiu voltar-se e
deparou com o rosto medonho do amigo, terrivelmente convulcionado. Não compreendeu
imediatamente; mas sentiu-se invadido por um vago terror. Quis gritar e sentiu uma mão rude
apertar-lhe a garganta. Com instinto da fera que se defende, pôs-se de joelhos, agarrando-se
na borda da canoa. Durante alguns segundos, lutou nessa posição.
- Thérèse! Thérèse! – exclamou com voz abafada e sibilante.
A mulher olhava-o, com amabas as mãos presas a um dos bancos da canoa, que estalava e
dançava. Não conseguia fechar os olhos; uma contração invencível mantinha-os escancarados,
fixados no espetáculo horrível da luta. Muda e rígida, seguia a cena.
(...)
Laurent continuava a sacudir Camille, apertando-lhe com uma das mãos a garganta.
Conseguindo finalmente arrancá-lo, ergueu-o no ar como uma criança, nos braços vigorosos.
Tinha a cabeça um pouco inclinada e a sua vítima, louca de raiva e de pavor, contorcendo-se,
avançou os dentes e megulhou-os no pescoço descoberto do algoz. Este, retendo um grito de
dor, projetou bruscamente para o rio a vítima com um pedaço da sua carne entre os dentes.
Camille fendeu a água lançando um uivo. Por duas ou três vezes veio a superfície, lançando
gritos cada vez mais abafados. (ZOLA, 1979, p. 103-104).
— E tu acreditas que isso seja possível? Acreditas que suceda a um homem como eu, como tu,
numa rua de Lisboa? Encontro uma mulher, olho para ela, conheço-a, durmo com ela e, entre
todas as mulheres do mundo, essa justamente há-de ser minha irmã! É impossível... Não há
Guimarães, não há papéis, não há documentos que me convençam!
E como Ega permanecia mudo, a um canto do sofá, com os olhos no chão:
— Dize alguma coisa — gritou-lhe Carlos. Duvida também, homem, duvida comigo!... É
extraordinário! Todos vocês acreditam, como se isto fosse a coisa mais natural do mundo, e
não houvesse por essa cidade fora senão irmãos a dormir juntos!
(...)517
— Estarem duas criaturas em pleno Céu, passar um quidam, um idiota, um Guimarães, dizer
duas palavras, entregar uns papéis e quebrar para sempre duas existências!... Olha que isto é
horrível, Ega!
Ega arriscou uma consolação banal:
— Era pior se ela morresse...
— Pior porquê? — exclamou Carlos. — Se ela morresse, ou eu, acabava o motivo desta paixão,
restava a dor e a saudade, era outra coisa... Assim estamos vivos, mas mortos um para o outro,
e viva a paixão que nos unia!... Pois tu imaginas que por me virem provar que ela é minha
irmã, eu gosto menos dela do que gostava ontem, ou gosto de um modo diferente? Está claro
que não! O meu amor não se vai de uma hora para a outra acomodar a novas circunstâncias, e
transformar-se em amizade... Nunca! Nem eu quero! (QUEIRÓS, S/D, p. 517-520)