Você está na página 1de 3

O Princípio da Educação Clássica

(a ser publicado na revista do I Congresso Regional de Educação Católica)

Pe rgunte a S ão Tom ás de Aquino o que e le pe nsa


dos se us flashcards.

Em artigos e palestras anteriores, demonstrei a existência de uma


tradição clássica  na pedagogia do Ocidente, a qual, desde tempos
remotos, desenvolveu-se, através das eras, segundo um mesmo espírito,
até alcançar a admirável forma em que a vemos nas escolas medievais
do século XII. Beneficiar-se dessa tradição é possível, mas não fácil; as
exigências técnicas e disciplinares são enormes, e as espirituais talvez
sejam ainda mais difíceis de atender — porque exigem o abandono quase
completo da mentalidade em que fomos criados e (com o perdão do
termo) educados.

Infelizmente, os meios de comunicação de massas e o crescimento


da  atividade publicitária têm produzido, já há algumas décadas, uma
atitude superficial e verbalista que atinge também as classes intelectuais,
e mesmo em suas camadas ditas conservadoras ou tradicionalistas. Daí
vem surgindo  uma  porção de livros e escolas que oferecem “educação
clássica” em seus títulos, sem que, no entanto, seus responsáveis sintam
qualquer obrigação de compreender o que de fato se fazia nesse modelo
de educação, quais as exigências para fazê-lo e se eles mesmos, aliás,
estão em condições de oferecer aos outros algo que talvez não
possuam, já que sequer entendem ou sabem dizer o que é. Falarei disso
mais detalhadamente em outras oportunidades.

Já observei a tremenda importância do contato pessoal e amoroso entre


professor e aluno, hoje impossibilitado pela rigidez da burocracia escolar,
e  a necessidade da  sabedoria como modelo incorporado na pessoa do
professor. O mestre não pode ver-se como um técnico ou “especialista”,
mas como sábio: deve procurar absorver em sua pessoa o
sentido  profundo — e profundamente pessoal —  da disciplina que
transmite. Isto é dificílimo de explicar, mas fácil de ver: basta comparar a
experiência de aprender com um intelectual formado e independente com
a de assistir às aulas de um diplomadinho qualquer. A burocracia e a
máquina escolar substituem muito mal a verdade manifesta numa alma
sincera e vocacionada. Infelizmente, a cultura moderna nos programou
para sequer conceber a diferença, e não é fácil abandonar a mentalidade
maquinal e corporativa.

Do ponto de vista técnico, os requisitos da educação clássica são mais


fáceis de definir, mas nem por isso mais fáceis de aceitar. É útil, para
entender  esses requisitos, pensar no que se entendia por “arte liberal”:
enquanto as artes mecânicas garantem a produção de bens materiais, a
técnica liberal serve para “libertar” a inteligência da escravidão da
ignorância. Ora, esta libertação supõe como que uma ascese da mente:
não o mero acúmulo de informação, e muito menos algum adestramento
comportamental, mas uma verdadeira bateria de exercícios capaz de
purificar as faculdades mentais degradadas pela Queda. Este modo de
pensar é totalmente incompatível com a estrutura da escola moderna.

Para começo de conversa, a estrutura fragmentária e dispersa das


modernas “matérias” é inconcebível no modelo clássico, que vê a
sabedoria como unidade a ser apreendida por graus. Parece absurdo, sem
dúvida, a quem nasceu no século XX, propor uma escola sem dez
professores diferentes, que possuem cinqüenta minutos diários, cada um,
para lecionar suas respectivas “matérias”, enquanto os alunos tentam
desesperadamente compreender qual é a relação entre elas. Sabemos
que nunca chegarão a consegui-lo, porque a relação não existe: metade —
ou mais — do que aprenderam será abandonado pela ciência no próximo
século. É papel higiênico mental. Mas que podemos fazer? Não foi
sempre assim?

Não. Até meados do século XVIII, não se acreditava que a mente


humana  fosse apenas um depósito de informações enciclopédicas. O
modelo clássico crê no desenvolvimento da inteligência individual por um
processo sempre válido e praticamente imutável, o qual começa na
assimilação consciente da forma da linguagem, por meio da alta literatura
e da gramática. Para cumprir corretamente o programa, é preciso dedicar
muitas horas todos os dias a uma disciplina rigorosa  que passa pela
memorização, recitação e interpretação (em pelo menos cinco graus de
dificuldade) dos maiores poetas da nossa cultura — expliquei tudo em
detalhes no curso A Formação Literária da Criança. Quem tente fazer a
mesma coisa descobrirá que não lhe resta tempo algum para as
baboseiras da escola moderna; e, se restar, fique seguro de que  está
fazendo alguma coisa errado.

Não é que os alunos no modelo clássico “não aprendessem” história, ou


geografia, ou ciências, conforme o conhecimento sedimentado em suas
respectivas épocas; é que ninguém pensara em listar essas informações
de modo sistemático e geral, sem contextualizá-las numa narrativa
literária que as justificasse do ponto de vista humano. Estuda-se a
geografia do Mediterrâneo para entender o que Virgílio escreveu sobre as
viagens de Enéias, e não porque haja alguma coisa de intrinsecamente
bom em saber nomes de mares e rios, de povos que talvez já tenham
desaparecido e de outros que em breve desaparecerão. Virgílio — isto
sabemos com segurança — não desaparecerá tão cedo. Mas o mais
importante nesse estudo é tomar posse das estruturas profundas da
linguagem e das intuições poéticas virgilianas, que são absorvidas pela
inteligência, não como informações soltas, mas como forma, passando a
integrar verdadeiramente o organismo espiritual do homem: isto exige
tempo, muito esforço, e sofrimento. Não é possível harmonizar a tradição
clássica com técnicas construtivistas, flashcards, aprendizado de línguas
pelo “método natural” e semelhantes delírios típicos da superficialidade
e da inércia mental contemporânea.

Não estou especialmente interessado em persuadir militantes de outras


causas, que porventura acreditem que essa tradição está “defasada”, ou
que precisa de ajustes; de minha parte, lamento pelas crianças que
caírem em suas mãos, mas não tenho sobre elas qualquer poder ou
responsabilidade. Sinto, não obstante, o dever de acusar  o abuso
constante e desavergonhado de expressões como “educação clássica”.
Essas palavras têm significado, e ninguém tem o direito de vilipendiá-las
para sustentar idéias  pessoais, orgulho próprio ou influxo monetário.
Quem não quiser assumir o peso da tradição clássica, não o faça; mas
tenha a honestidade de confessar que seu coração e sua mente
continuam perfeitamente modernos.

←O que é Educação Clássica Um livro para ler — e entender →

0 comentário sobre “O Princípio da Educação Clássica”

Myziáira Domingues Monteiro da Silva Vasconcelos disse:


agosto 26, 2019 às 1:24 am

Fiz o curso de Analfabetismo Funcional e Graus de Letramento e pude perceber que as


minhas inquietações como aluna e como mãe educadora estavam corretas. Não há outro
caminho a não ser o do esforço. Quero que meus filhos sejam santos e sei que o restante virá
por acréscimo. Eu estava bem infectada por essa mentalidade de que a educação tinha que
ser sempre prazerosa e lúdica para a criança e com isso me desesperava. Agora percebi na
prática o quanto o esforço nos estudos fala de Deus e auxilia no processo de conversão do
aluno (e da família inteira). Virtudes como a Paciência, a Perseverança, a Humildade são
todas trabalhadas e adquiridas nesse processo da verdadeira Pedagogia Clássica. Obrigada
pela contribuição, Professor Rafael Falcón. Deus lhe recompense.

Acesse para responder

Você também pode gostar