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Como é feito o primeiro contato entre o psicólogo e os pacientes que

querem fazer esta cirurgia para emagrecer?

O primeiro encontro é em forma de entrevista psicológica. Seu formato é


diretivo para que haja a coleta de informações importantes que ajudarão a
delinear possíveis reações que a pessoa possa ter à cirurgia de “redução
do estômago”. Os candidatos a esse procedimento comparecem ao
encontro de modo esperançoso quanto à operação, mas um tanto
temerosos de que o psicólogo os vá proibir de realizar o procedimento.
Estão apressados, como se portassem um mal que os fosse engolir e do
qual querem se livrar com urgência. Nesse estado emocional, não querem
questionar sua doença ou pensar sobre suas origens. Assumem qualquer
compromisso e fazem promessas de aderência a regras que até eles
mesmos supõem que vão cumprir: mentem, omitem, dissimulam, ouvem
seletivamente e se enganam sobre o que são ou não capazes de fazer.
Questões sobre as mudanças emocionais após a cirurgia bariátrica em
não penetram em seus ouvidos, e mais tarde garantem ter a certeza de
que não foram orientadas sobre o que poderia lhes ocorrer afetivamente.
A ansiedade os proíbe de ouvir. O foco é a liberação do convênio ou o
emagrecimento em si.

Como o psicólogo irá saber se as informações do paciente são


verdadeiras?

Os bons serviços multidisciplinares têm uma rotina de trabalho que


fornece experiência com base firme na teoria: estudo, participação em
congressos, discussão de casos clínicos. O trabalho interdisciplinar
(cirurgião, endocrinologista, psicólogo, nutricionista, fisioterapeuta,
psiquiatra, enfermeiro) dá condições para que as armadilhas que o próprio
paciente constrói para si sejam desmanchadas. A comunicação entre os
membros da equipe faz parte da proteção ao paciente, sempre
respeitando sigilo às suas particularidades.
Este boicote armado pelo paciente faz parte do impulso em busca da
resolução mágica dos problemas. As contradições em que os próprios
pacientes se deixam cair são interessantes.

Exs: Uma Senhora diz que está perdendo peso, mas que não sabe por
que está sendo tão demorado esse seu processo, enquanto o de sua
colega tem sido mais acelerado. Num detalhe de sua camisa, porém, um
“amendoim japonês” jaz pendurado. E ali nos conta um pouco de como
tem sido sua alimentação.

Uma paciente vem se pesar e embora fale do quanto mudou seus hábitos
alimentares após a cirurgia, sua roupa cheira a fritura.

Quando me questionam se poderão comer tudo o que querem costumo


alertar aos meus entrevistados: “se dividirmos uma lasanha em 12
pedaços e comermos um pedaço a cada hora e meia, ao final do dia,
teremos comido uma lasanha inteira ao final do dia.”

Além disso, qualquer ser humano num período festivo, como Natal ou
Páscoa, tende a ganhar peso. Um ou dois Kg não significam que a cirurgia
foi um fracasso, pois uma escapadela não é uma recaída.
Como é vista a obesidade e qual a relação que ela tem com a depressão?

A obesidade é uma doença, mas no plano emocional é comum que esteja


vinculada a depressões não diagnosticadas, ou a processos ansiosos.
Ganho de peso e sonolência excessiva, comportamento compulsivo de
comer pode ou não estar presente, longas jornadas de múltiplas dietas e
frustrações, dificuldade de tolerar essas frustrações, temperamento
explosivo e irritadiço, isolamento social com baixa autoestima. Existem
comportamentos que são consequência e não causa da obesidade. Eles
se misturam formando um círculo de retroalimentação.
Assim é a Tendência ao choro ou instabilidade emocional, o perfil caseiro
e introvertido, o desinteresse por atividades, o apego aos familiares e o
perfil dependente.
Pessoas submetidas à operação tendem a enxergar a solidão, a
depressão ou a angústia após o emagrecimento como eventos novos em
suas vidas. Mas na avaliação prévia pacientes já relatam insatisfação
consigo próprios e sintomas que apontam para depressão ou ansiedade
( na maioria).
O histórico familiar é importante para a avaliação do paciente, tanto do
ponto de vista comportamental quanto genético, tendências à
dependência alcoólica na família; descrição de comportamento compulsivo
e Transtorno Obsessivo-Compulsivo, Esquizofrenia e Transtorno Bipolar
do Humor.

Por que o humor deprimido ou a irritabilidade ficam mais evidentes depois


da cirurgia, ou melhor, por que as pessoas próximas aos indivíduos que
emagrecem dizem que eles mudam após uma restrição alimentar?

Ao se reduzir a quantidade de alimento ingerido por uma pessoa, reduz-se


também a quantidade de nutrientes que seu cérebro recebe. A nutrição do
Sistema Nervoso depende da condição alimentar do indivíduo em sua
qualidade e quantidade. A cirurgia obriga uma quebra repentina na
quantidade de alimento que a pessoa obesa ingere: primeiro vem a
despedida da comida com jantares e desejos realizados; depois vem o
jejum para o pré operatório ; segue-se a dieta líquida; a pastosa e a
branda. Quantidades muito menores do que aquele organismo estava
acostumado a receber caracterizam restrição. Ao longo de alguns meses
o “comer em parcelas” será o novo método alimentar, o que contradiz em
muito o modelo de funcionamento da maioria das pessoas obesas. Elas
funcionam mais à vista do que em suaves prestações. Tendo como
referencial seu registro genético, ou seja, o jeito que nasceram e foram
estruturadas, essa experiência não teria como não afetar.
Se tivéssemos uma máquina que funcionasse com X de combustível e
diminuíssemos o seu tanque ao seu terço, mas não mexêssemos em sua
necessidade de gás para funcionar, teríamos que suprir de algum modo
essa necessidade. É mais ou menos isso que ocorre com nossos
operados. Também estamos mexendo nos mecanismos de prazer e
satisfação, além de atuarmos sobre a compensação às frustrações diárias,
o tal comer emocional.

No fundo o que se quer é um milagre que resolva a obesidade, a


compulsão, e dê um jeito na estética!

Importante esta consideração! Mas em tudo trabalhamos com custo e


benefício. No caso da cirurgia bariátrica, ela não é um procedimento
estético. O ganho estético da cirurgia bariátrica é um brinde que vem junto
com o kit saúde bariátrico contra a obesidade mórbida. Destina-se àquela
obesidade que causa doenças, limita e pode levar à morte. Então o
cirurgião pelo seu compromisso com a Medicina, melhora a qualidade de
vida e luta por ela. A depressão e a raiva caso tenham piora após a
“cirurgia do estômago” têm recursos terapêuticos, desde que a pessoa
operada se disponha a tratar. São passíveis de serem quimicamente
atenuadas e entram em remissão em 70% dos casos, desde que
orientações psiquiátricas sejam seguidas e a psicoterapia levada a séio. A
maioria das pessoas que vem fazer a cirurgia bariátrica já passou por
muitas dietas e tomou muitos remédios para emagrecer. Estes remédios,
as chamadas “fórmulas”, são verdadeiros venenos para o Sistema
Nervoso, mas mesmo assim são tomados sem o menor pudor, mesmo
que deixem seus usuários elétricos, explosivos, ou compulsivos a gastar
e limpar. Os antidepressivos e os estabilizadores do humor que têm como
objetivo corrigir os circuitos do Sistema Nervoso que não estão funcionais
encontram enorme resistência de toda a sociedade.

Na avaliação desses indivíduos candidatos a cirurgia para a redução do


estômago, qual o diagnóstico mais encontrado e o que isso significa?

O diagnóstico mais comum entre os obesos é a depressão, seguida da


ansiedade. No pacote da depressão vamos encontrar perfis impulsivos
que preenchem critérios para Bipolar, em geral do tipo II, uma combinação
entre depressão e hipomania e que pode se alternar espantosamente
com as variáveis nutricionais e hormonais depois da operação.
Sintomas de tristeza, perda de energia e motivação precisam ser
investigados para não serem confudidos. A anemia, a deficiência de B12 e
vitamina D3 são comuns em pacientes que se submetem a restrições
alimentares drásticas.
A depressão envolve choro fácil, perda de prazer nas coisas que antes
eram prazerosas, irritabilidade, insatisfação ou falta de reação ( um tanto
faz! com tudo), sono diminuído ou exagerado. Na hipomania o controle
dos impulsos fica diminuído, incluindo-se aí o controle do impulso de
comer, a irritabilidade, a raiva e o comportamento explosivo. O indivíduo
fica mais acelerado inclusive na fala, no seu ritmo alimentar, na
respiração, na troca de assuntos.

Isso quer dizer que mesmo depois de operada a pessoa pode continuar
com desejo de comer muito e com aquela ganância louca por comida?

O desejo voraz de comer, que chamamos de impulso alimentar, apetite,


ou desejo de comer pode continuar, mas tende a desaparecer por um
período. A cirurgia mexe com hormônios gástricos e a saciedade colocada
pelo volume diminuído do estômago tende a limitar a necessidade de
comer. Pode haver um descompasso e predispor a vomitos frequentes.
A mastigação e a reaprendizagem do comer são extremamente
importantes.
A vida deve ser muito mais que um no de manequim.
Nosso cérebro é uma máquina esperta e o estômago diminuído o engana
parcialmente, com bons resultados, mas para salvar a vida.

Basta o tratamento individual do paciente operado, ou seria melhor investir


num trabalho familiar ?

A família é uma grande aliada nesse trabalho de percepção do estado


emocional dos operados, principalmente no que se refere à irritabilidade e
à depressão. Raramente a pessoa admite que está irritada ou se isolando
socialmente e tende a dar justificativas externas, projetando no mundo as
causas de seus estados emocionais. Nos estágios mais desmotivados da
depressão o indivíduo tem de ser levado pela mão. Isto é sintoma da
doença depressiva, não é frescura ou método para chamar a atenção
como se costuma pensar socialmente. O estado agressivo e desmotivado
pode e é comumente conjugado e isso dificulta a busca do tratamento. O
indivíduo não deve ser culpado de seu estado emocional, mas informado
gradativamente de que há recursos de resolução. Poderá ter uma vida
melhor além de fazer mais felizes àqueles que o rodeiam.

Cada vez mais os pacientes buscam nutricionistas, médicos e


associações devido a resistências e preconceitos com os profissionais da
área da psicologia e da psiquiatria. Qual a sua opinião?

A busca ainda é a de um amigo conselheiro. É mais fácil falar da vida


pessoal com a manicure que buscar o profissional da área psicológica.
O psicólogo não oferece uma figura de identificação nem um manual já
concluído com receitas de cura.Procurá-lo é admitir que algo não vai bem
no plano das condutas e das emoções. Esse profissional propõe reflexão
e crescimento, conhecimento de si mesmo e confronta o indivíduo com a
necessidade de mudanças. Requer tratamentos complementares e é visto
como portador do “raio X da mente humana”. Seu trabalho nem sempre é
suave. É bem mais agradável receber um afago e um “eu acho que ...; ou
dar uma gargalhada com alguém que já fez a mesma peraltice que
confrontar o erro consigo próprio.

E então, a cirurgia tem ou não efeito sobre a obesidade?

Sim, ela é o melhor recurso oferecido pela medicina na atualidade para a


resolução da obesidade mórbida. Mas o que se verifica psicologicamente
é que, a medida que a obesidade mórbida vai se resolvendo, outras
questões querem também solução. Em alguns vemos até ressuscitar o
desejo estético e a busca pelo corpo sexuado que antes estava
acobertado pela gordura. Mediante isso, o que se pode concluir é que
sempre que o tratamento for efetuado em dupla via; cirurgia e tratamento
dos transtornos afetivos de base, o sucesso contra a obesidade terá uma
maior probabilidade de sucesso. Estaremos orientando o indivíduo no
sentido da busca de sua integridade, e no mínimo ele terá o direito de
acesso a esse conhecimento.
Em muitos critérios diagnósticos para transtornos afetivos existe um item
Que trata do aumento do apetite. Isso ocorre pelo incremento da ingestão
de alimentos ricos em carboidratos e pelo aumento da sonolência e perda
da motivação. Assim é na Depressão, na Distimia, no Transtorno do
Comer Compulsivo, no Distúrbio Afetivo Sazonal (depressão do Inverno),
no Distúrbio Disfórico Pré-menstrual, etc. Em nossa entrevista inicial
tentamos trazer esse dado a tona e discuti-lo com o candidato à cirurgia.
Para o bem do próprio indivíduo entrevistado, porém, seria de extrema
importância que não omitisse ou mentisse, pois seu futuro emocional
depende das informações que ele fornece nesse primeiro encontro.

Simone Marchesini
CRP:08/04760
Set. 2002

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