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Reflexão sobre a velhice, p.11 - p.

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REFLEXÃO SOBRE A VELHICE

Elzimar Campos Guimarães

RESUMO
A presente pesquisa propõe uma reflexão sobre a questão da velhice, tendo
como base o trabalho de conclusão do Curso de Filosofia do CESJF, apresentado
por Elzimar Campos Guimarães, que teve como orientadora Paula Fernandes
Lopes. Num primeiro momento, a autora trata de entender qual é o problema da
velhice. Em seguida, analisa as políticas desenvolvidas para a terceira idade,
tomando o caso específico de Juiz de Fora. Por último, a autora reflete sobre as
posições a serem tomadas para melhorar a situação dos idosos em nossa
sociedade.
Palavras-chave: A questão da velhice. Políticas públicas para a terceira idade.
Juiz de Fora. Simone de Beauvoir.

ABSTRACT
This paper intends to be a discussion about aging. It grounds on the bachelor's
work in Philosophy by CESJF from the principal author, Elzimar Campos
Guimarães, orientated by Paula Fernandes Lopes. First she tries to understand
what the problem with aging is. Then she analyses the politics for aging in
general and in Juiz de Fora. Finally she ponders about the politics, whose are
necessaries for an improvement from aging in our society.
Keywords: Aging. Politics for aging. Juiz de Fora. Simone de Beauvoir.

INTRODUÇÃO

Por onde iniciar uma análise que questione, conduza e que consiga
quebrar o vergonhoso silêncio que envolve este tema: as condições de vida
dos idosos em nossa sociedade?
Sabemos que, em princípio, todos os indivíduos têm e mantêm,
durante toda a sua vida, os mesmos direitos e os mesmos deveres civis e
políticos; todavia, a realidade enfrentada pelo idoso em nossa sociedade é
bem diferente da que nos é apresentada pelos estatutos propostos por
economistas e legisladores. Não há um cuidado em criar meios de se fazer 11
valerem seus direitos, ou que garantam, não só amparo, mas a possibilidade de
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Elzimar Campos Guimarães

ser útil e produtivo.


O ser humano, ao longo de toda sua existência, deveria investir num
saber vivo, um saber que, em cada período de sua vida, se renovasse como
conhecimento adquirido no processo de viver; o ser humano deveria poder
enxergar com bastante nitidez o futuro que o espera e, dessa maneira, não
ignorar o passar dos anos, o desgaste e a decadência física inevitáveis; deveria
criar para si a concepção do envelhecer como sendo mais uma etapa a ser
vivida por ele e seus semelhantes; perceber que, ao envelhecer, torna-se
pleno, traz consigo histórias, e, em suas lembranças, marcas de toda uma
trajetória vivida, contendo suas angústias e paixões; por fim, o ser humano
deveria trabalhar, tendo em vista objetivos e projetos que dêem segmento à
sua vida.
Infelizmente isso não acontece. Ainda não nos livramos da noção de
caracterizar o envelhecer como uma condição torpe, inspirada no sentimento
de penúria, um declínio – um tempo que nos conduz ao fim – a morte. Não
aprendemos a ver a velhice como um processo natural.
Defendo aqui a velhice não como um mal, mas como resultado de
transformações que se operam continuamente, mesmo mal as percebendo.
Embora culturalmente a palavra velha carregue consigo um sentido pejorativo,
como sendo um refugo, o feio, a velhice é apenas o que acontece às pessoas
quando ficam velhas, quando vivem o suficiente para envelhecer, conscientes
de que; se atingiram o termo de uma trajetória, tendo percorrido todo um
percurso, chegando a um extremo onde várias etapas foram vencidas;
alcançou-se o amadurecimento. É essencial perceber que não se evita por
meios de artifícios ou mesmo ditos depreciativos, os aspectos da condição
humana que nos desagradam, simplesmente por não sermos capazes de
assumir em sua totalidade que – nascemos – crescemos – amadurecemos.

[...] paremos de trapacear; o sentido de nossa vida está em questão


no futuro que nos espera; não sabemos quem somos, se ignorarmos
quem seremos: aquele velho, aquela velha, reconheçamos-nos
neles. (BEAUVOIR, 1970, p. 12).

O problema com a velhice não é a velhice em si, mas a maneira como


o idoso e os outros se colocam perante ela: o idoso se entende e é entendido
num lugar onde seus projetos ou já foram realizados ou foram abandonados –
nada o solicita. Não conseguimos compreender a velhice em sua totalidade,
12 pois ainda nos falta reconhecer o valor de toda uma existência, preocupando-
nos com o que se realizou e com o que ainda se tem pela frente. A velhice não
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é um passo para a morte, mas mais uma etapa da existência humana que deve
ser encarada de forma constante.1 Infelizmente, como já disse Proust: “... de
todas as realidades, [a velhice] é, talvez, aquela de que conservamos por mais
tempo, ao longo da vida, uma noção puramente abstrata” (apud BEAUVOIR,
1970, p. 11).
Concordo com Simone de Beauvoir que, em seu livro A velhice, diz
que estamos distantes de alcançar uma sociedade que crie condições
culturais, onde jovens adquiram meios de captar, de saber ouvir e de descobrir
com clareza e inteligência as condições em que são criadas as políticas da
velhice. Mais que isso: estamos longe de uma sociedade que entenda a velhice
não como um passo para a morte, e sim, como mais uma etapa da vida. O
tratamento que dispensamos à velhice “denuncia o fracasso de toda a nossa
civilização” (BEAUVOIR, 1970, p. 664).

A QUESTÃO DA VELHICE

O problema com o tratamento que dispensamos à velhice vem de


longa data. Durante muitos séculos, não existiram em nossa sociedade,
pesquisas médicas empenhadas em entender o processo de envelhecimento.
É somente a partir do século XX, com o surgimento da Gerontologia, que
pudemos perceber uma maior sistematização dos estudos e pesquisas que
buscam entender esse processo. Segundo pudemos constatar no dicionário, a
Gerontologia estuda os fenômenos fisiológicos, psicológicos e sociais
relacionados ao envelhecimento do ser humano.2 Até então, existiam
numerosas obras dedicadas à juventude e encarar a velhice e dela se ocupar
era considerado um tabu ou mesmo uma questão desagradável.
Ainda que o aparecimento da Gerontologia tenha melhorado o nosso
tratamento da questão, ela não foi suficiente para mudar o nosso
posicionamento perante a velhice. Como Simone de Beauvoir nos mostra,
com bastante nitidez, muitos dos métodos utilizados nos estudos dos
gerontologistas tratam o sujeito a partir do ponto de vista externo. Trata-se a
velhice como algo que acontece aos outros, resultando daí soluções abstratas e
bem diferentes da realidade prática e viva.
O que queremos dizer, quando dizemos ser a velhice algo que

1
Se a velhice fosse sinônimo de morte, não ocorreriam mortes na infância, na adolescência ou mesmo na
fase adulta.
2
DICIONÁRIO AURÉLIO eletrônico: século XXI. Rio de Janeiro: Nova Fronteira/Lexicon Informática, 13
1999. CD-rom, versão 3.0

Juiz de Fora, 2007


Elzimar Campos Guimarães

acontece aos outros? Grandes são as mudanças externas ocorrendo no nosso


corpo físico – e essa metamorfose não é, na maioria das vezes, bem aceita ou
percebida. Assusta o estar diante do espelho e não se reconhecer na imagem
refletida. A pele torna-se enrugada e o cabelo grisalho, a visão não é mais tão
apurada como antes, os dentes já não são capazes de esboçar um sorriso que
outrora brilhava e uma postura que, anteriormente, exibia-se ereta e firme;
agora se apresenta de maneira frágil, curvada sobre os próprios ombros, como
se carregasse o peso das tristezas vividas. Não queremos reconhecer, nessa
imagem, nós mesmos, e temos dificuldade em reconhecer em nós essa espécie
de degradação. Antes de percebermos nossas rugas, percebemos as do
vizinho.
Envelhecer, ao que parece, é uma das mais difíceis etapas da vida de
um ser humano porque ainda não somos capazes de ver além das alterações
físicas. Não reconhecemos, por trás dessa aparência, muitas vezes assustadora,
as experiências vividas, resultando em crescimento e realizações pessoais
profundos, que aí deixaram suas marcas. Vivemos em uma cultura em que os
jovens e adultos procuram ignorar a realidade do envelhecimento gradual de
cada um. Com o progresso moderno, diminuímos o valor do envelhecer, não
consideramos o idoso como detentor de extensos e sólidos conhecimentos,
talentos e experiências que podem auxiliar as gerações futuras.
O que fazemos, na verdade, é um trabalho constante de
“sufocamento”. Ao invés de valorizarmos a experiência, advinda com a idade,
a “maturidade”; reduzimos e sufocamos a memória e os projetos dos idosos,
roubamos-lhes a confiança, as possibilidades de caminho e de sentido.
“Recusamos-nos a nos reconhecer no velho que seremos”. (BEAUVOIR, 1970,
p. 10). Não queremos pensar que todo esse processo acontecerá também
conosco, se tivermos a sorte (ou será azar?) de vivermos tanto. Esse
sufocamento encontra-se refletido na dificuldade que temos de nos
reconhecermos velhos. Quantas vezes não ouvimos uma pessoa de mais idade
dizer que o importante é a idade do espírito? Quantas vezes essas mesmas
pessoas nos dizem que têm um corpo de sessenta, mas uma mente de vinte? O
que fundamenta essa nossa recusa de nos reconhecermos como idosos?
Acredito que o problema não é a idade em si, mas as limitações que a
maioria de nós relaciona com o processo de envelhecimento. Quando alguém
nos diz ter uma mente de vinte, num corpo de sessenta, quer nos dizer, em
verdade, que a sua idade não implica em uma limitação de suas possibilidades
sociais. Essa pessoa nos pede para não lhe roubarmos o direito de participar
ativamente da vida em sociedade.
Mudar esse quadro significa deixar de entender a velhice como um
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fim e passar a entendê-la com um estágio do desenvolvimento humano. Isto é,

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ao invés de pensarmos no idoso como um ser humano acabado e


“descartado”, deveríamos associar sua imagem à potencialidade humana de
conquistar e traçar projetos. Não se trata de ignorar as limitações físicas e, em
alguns casos, intelectuais, próprias da velhice, mas de respeitar a experiência
de vida desses indivíduos e aproveitar-se dela. Só despertando em nós esse
cuidado e essa atenção, é que poderemos oferecer a cada um a possibilidade
de viver com disposição e ânimo para conquistar novos horizontes, fugir das
sensações de tristeza e inutilidade tão comuns na velhice e, por fim, propiciar a
possibilidade de dizer com orgulho que, naquele corpinho de sessenta, tem
uma mente de sessenta, com muita coisa para ensinar e mais ainda para
aprender.
Essa mudança de perspectiva se faz necessária visto que o
envelhecimento populacional é uma realidade estatística. Em todo o mundo,
há um crescimento da população idosa, que pode ser melhor observado nas
nações maduras demograficamente. Ignorar essa questão é ignorar também as
transformações nas relações sociais inerentes a essa mudança. O
envelhecimento da população faz nascer novas e constantes questões sócio-
econômicas.
A primeira dessas é talvez o papel econômico representado pelos
idosos nas famílias de baixa renda. O aumento da população idosa e a falta de
oportunidade de trabalho fazem com que haja uma mudança na estrutura
familiar. A aposentadoria desse idoso é a única fonte de renda da família que,
nem por isso, passa a percebê-lo como um membro ativo na sociedade.
A segunda é o esgotamento do sistema previdenciário. O aumento da
população idosa faz com que haja uma diminuição de contribuintes,
aumentando o índice do uso da previdência por parte da população. O
sistema tende para um colapso e muitas mudanças vêm sendo propostas nos
últimos anos, como o aumento do tempo de contribuição.3
Uma terceira questão é ainda a desvalorização da força produtiva. Em
nossa sociedade, na maioria das vezes, as pessoas são transformadas em um
conjunto de transações econômicas dentro de um mercado de trabalho. A
partir do momento em que um indivíduo se torna improdutivo dentro desse
mercado, onde se espera sempre mão-de-obra ativa e forte, “as portas se
fecham”. Simplesmente passamos a encarar o idoso como um ser que nada
mais pode fazer pelo crescimento da sociedade, seus interesses não são

3
Embora não pretenda me alongar aqui nesse tema, acredito que o aumento do tempo de contribuição
seja a solução mais acertada para esse problema. Talvez devêssemos analisar as soluções apresentadas
por outras sociedades a fim de encontrarmos uma solução que se aplique mais diretamente a nossa 15
realidade.

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pertinentes e sua vida se resume em esperar a morte. Ao agirmos e ao


pensarmos desse modo, condenamo-lo a uma situação social marginalizada e
de total desrespeito. Fazemos pesar sobre seus ombros o colapso de nossa
sociedade e, mesmo que ainda tenha viva em si uma força para querer
produzir, não lhe permitimos continuar a participar ativamente da sociedade.4
A aposentadoria aparece nesse contexto como uma faca de dois
gumes. Por um lado, alguns a encaram como uma recompensa merecida; por
outro lado, ela é entendida, muitas vezes, como um passo definitivo para a
exclusão social. Independente de como se entenda a aposentadoria, fato é
que, na maioria das vezes, os aposentados são excluídos da vida social. Não
poucos sofrem de depressão e sentem falta do trabalho que antes lhes parecia
penoso. Nada lhes é oferecido em substituição às atividades de outrora. Além
disso, surge um outro desafio: ser aceito dentro de sua própria família; muitos
aposentados e seus familiares encontram dificuldade em lidar com a nova
situação. Os aposentados passam, em muitos casos, a ser tratados e
considerados como incapazes de criar e de produzir qualquer ação; não são
mais solicitados para a resolução de um problema e seus comentários são,
geralmente, entendidos como ultrapassados. Passa assim, a existir o não poder
fazer e atuar em muitas coisas que antes eram gratificantes e estimulantes.
O não poder mais estar ativo profissionalmente dentro da sociedade,
o não mais poder render e competir com os mais jovens, dá a cada um que
envelhece a verdadeira dimensão do vazio que o cerca, pois não foram e ainda
não fomos educados para esse novo procurar e encontrar em diversas
ocupações uma condição original e planejada que dê sentido para a vida e que
consiga dar a cada um o sentimento do ser valorizado e respeitado.

É por isso que todos os remédios que se propõem para aliviar a


depressão dos velhos são tão irrisórios: nenhum deles poderia
reparar a sistemática destruição de que os homens foram vítimas
durante toda a sua existência [...] mesmo que se construa para eles
residências decentes, não se poderá inventar-lhes a cultura, os
interesses, as responsabilidades que dariam sentido à sua vida. Não
digo que seja inteiramente inútil melhorar, no presente, sua
condição; mas isso não traz nenhuma solução ao verdadeiro
problema da última idade: como deveria ser uma sociedade, para
que, em sua velhice, um homem permanecesse um homem?
(BEAUVOIR, 1970, p. 663).

4
16 Mesmo o seu voto passamos a considerar desnecessário: a partir dos setenta anos, uma pessoa não tem
mais a obrigação de participar das eleições em nosso país e responsabilizar-se pelos rumos dele.

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Acredito, pois, que, ainda jovens, devemos nos preparar, planejando


uma maneira para tornar amena e benéfica tal situação, sentida apenas
quando envelhecemos, quando passamos a estar sós, mesmo dentro de nossa
própria casa, cercados de nossos familiares e amigos. A inclusão social dos
idosos é um problema que deveria interessar não somente aos mesmos, mas
também a todos nós visto que, assim, poderia melhorar, e muito, as relações
em nossa sociedade. O problema da velhice não está nela mesma, mas na
maneira como a encaramos.

AS POLÍTICAS DE APOIO AO ENVELHECIMENTO

Acredito que o problema da velhice é uma questão cultural. Se isso for


correto, a questão será como as políticas voltadas para os idosos podem mudar
essa imagem que fazemos da velhice.
Apesar de todas as dificuldades, o ser humano ganhou uma nova
qualidade de vida, um dos fatores é, por exemplo, hoje resistir a enfermidades
que antes provocavam a morte em idade precoce. Aqui e ali são propostas
mudanças que visam a oferecer ao idoso a oportunidade de participar de
atividades sócio-culturais integradas a programas de grupos ou comunidades
em todos os níveis. Além disso, crescem as discussões sobre os direitos dos
idosos: aposentadoria digna; ser bem atendido nos serviços públicos; ter preço
especial na compra de ingressos para teatro, cinema, museus e locais de ensino
e diversão; passagem gratuita em transportes coletivos; ambulatórios
geriátricos; centros de convivência; escolas/universidades com atividades para
a terceira idade; segurança nos parques e jardins para seus momentos de lazer.
Atualmente, nas grandes cidades, são oferecidos serviços particulares
ou filantrópicos direcionados aos idosos ligados ou não ao poder público ou a
empresas e entidades particulares. Esses serviços entendem que ocupar-se
deve ser a condição primeira para permanecer saudável, tanto física quanto
mentalmente. Transformar os hábitos, redescobrir os encantos de cada dia a
ser vivido, traz a chance de não se tornar vítima do enfado e da apatia.
Muitas são também as propostas de assistência médico-social.
Entidades particulares e independentes criam espaços onde são desenvolvidos
trabalhos e atividades ocupacionais, como artesanato, pintura, escultura,
cerâmica e outros trabalhos manuais, assim como comemorações, reuniões de
confraternização e palestras que visam a despertar a atenção para a prevenção
de doenças, através de uma boa alimentação, exercícios físicos e hábitos
saudáveis. Procuram, com esse trabalho, dar condições para amenizar as
17
conseqüências angustiantes que assaltam o idoso. Utilizam para esses locais

Juiz de Fora, 2007


Elzimar Campos Guimarães

nomes como Centro de Convivências, Universidade ou Escola da 3ª Idade,


Comissão para o bem-estar das Pessoas Idosas e acreditam que, com essas
mudanças, consegue-se eliminar a representação e o aspecto simbolizado no
5
conceito criado por nós da palavra asilo.
Surge então a seguinte questão: até que ponto os programas voltados
para a promoção da inclusão dos idosos em nossa sociedade atendem ao
problema da solidão, tão acentuado na terceira idade? Ou ainda, em que se
baseiam as pessoas ou instituições envolvidas na elaboração desses projetos e
como levam em consideração as habilidades adquiridas por esses idosos ao
longo da vida? Chama a atenção a participação passiva dos idosos; não há uma
preocupação em aproveitar a experiência dos mesmos, por exemplo;
6
permitindo-lhes, ministrarem cursos.
Um verdadeiro projeto de inclusão social deveria, além de pensar
numa ocupação exclusivamente recreativa, apostar na força produtiva da
velhice, aproveitando-se da experiência que esses idosos conquistaram ao
longo de suas vidas, mantendo-os, na velhice, cidadãos responsáveis e úteis à
sociedade como um todo. O problema com os atuais projetos para a velhice
reside no fato de eles atuarem de fora para dentro, desrespeitando o ser
humano do ponto de vista de sua capacidade.

7
A QUESTÃO DA VELHICE EM JUIZ DE FORA

Em Juiz de Fora, segundo pesquisa apresentada na I Conferência


Municipal dos Direitos da Pessoa Idosa, realizada nos dias 6 e 7 de março de
2006, a terceira idade representa mais de 10% de nossa população. São mais
de 50 mil habitantes acima de 60 anos de idade.
As respostas às questões por mim apresentadas demonstram que, em
Juiz de Fora, ponto de referência para meus estudos, já existem atitudes
fundamentadas com responsabilidade, visando à integração entre a

5
Se olharmos no Aurélio, encontramos três definições para a palavra asilo: 1 – casa de assistência social
onde são recolhidas para sustento ou também para educação pessoas pobres e desamparadas, como
mendigos, crianças abandonadas, órfãos, velhos etc.; 2 – lugar onde ficam isentos da execução das leis os
que a ele se recolhem; 3 – por extensão: guarida, abrigo, proteção. Todas as três definições refletem bem
o modo como encaramos o idoso em nossa sociedade. DICIONÁRIO AURÉLIO eletrônico: século XXI.
Rio de Janeiro: Nova Fronteira/Lexicon Informática, 1999. CD-rom, versão 3.0.
6
Na Alemanha, há aulas de ginásticas para a terceira idade oferecidas por pessoas da terceira idade.
Acredito que sejam importantes projetos desse tipo para que haja uma valorização real das
potencialidades das pessoas idosas.
18 7
Os pontos apresentados aqui são resultados da pesquisa desenvolvida por mim no primeiro semestre de
2006. Uma descrição mais detalhada pode ser encontrada na minha monografia (GUIMARÃES, 2006).

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sociedade, o poder público e os idosos. A disposição em se criarem novas


relações no trabalho desenvolvido com os idosos fez com que o município se
tornasse um ponto de referência dentro do Estado de Minas Gerais, sendo ele
o representante mineiro na I Conferência Nacional dos Direitos da Pessoa
Idosa.8
Criou-se, em Juiz de Fora, o Conselho Municipal do Idoso (CMI) que
tem por objetivos buscar a efetivação dos direitos das pessoas idosas quanto à
sua proteção e defesa, dar uma maior atenção para a sua saúde e procurar
financiamentos necessários para o desenvolvimento de atividades culturais,
educacionais, de esporte e lazer.
O CMI tem, como uma de suas funções, intermediar o trabalho entre
todas as instituições, associações e projetos existentes: ouvir e acompanhar
cada um desses projetos de modo a dispor condições para a realização das
mudanças exigidas pela Diretoria Colegiada da Agência de Vigilância
Sanitária, a partir da Resolução Nº 283, de 26 de setembro de 2005. Com essas
mudanças, espera-se garantir à população idosa os direitos assegurados pela
legislação em vigor: a prevenção e a redução dos riscos à saúde e a definição
de critérios mínimos para o funcionamento e a prestação de serviços públicos
e privados das Instituições de Longa Permanência dos Idosos.
Atualmente, o CMI vem incentivando projetos que visam a promover
a autonomia e a independência da pessoa idosa, garantindo a sua integração e
o seu convívio na sociedade, a partir da discussão da questão do
envelhecimento no cotidiano da família e da sociedade. Além disso, pude
perceber, nesses projetos, um maior cuidado e uma preocupação em se
criarem meios para os idosos serem protegidos tanto da violência física quanto
da psicológica.
Encontramos, também, iniciativas voltadas para uma maior
valorização do idoso e um aumento de sua auto-estima, a partir de cuidados
com o próprio corpo e saúde, seja através de tratamentos preventivos, seja
através de exercícios físicos.
Outro problema que passa a ser encarado com mais rigidez por esses
programas é o aumento da demência senil. Acredita-se que a desintegração da
família e o rompimento de fortes laços afetivos podem ser, entre outros
motivos, responsáveis pelo agravamento dessa doença. Dado isso, aposta-se
que a reintegração do idoso na família assim como a criação de outros laços
afetivos possam diminuir a incidência da doença. Na vida comunitária e nos

8
CONFERÊNCIA NACIONAL DOS DIREITOS DA PESSOA IDOSA, I. Brasília: Secretaria Executiva –
Conselho Nacional dos Direitos do Idoso, 2006.
19

Juiz de Fora, 2007


Elzimar Campos Guimarães

centros de convivência dos idosos, busca-se uma reintegração do idoso à


sociedade, dando-lhe meios de romper com a inércia e o pessimismo em
relação a sua situação.
Ao desenvolver esse trabalho de pesquisa, observei que ainda
vivemos em um sistema social em que o mais importante é produzir, não
havendo, seja por parte dos empresários, seja por parte da população em
geral, um maior interesse em investir e em acreditar nos programas criados e
propostos pelas instituições e associações municipais de apoio comunitário,
visto esses projetos não trazerem um retorno financeiro imediato.
Infelizmente, um longo caminho deverá ser percorrido até que
empresários e comunidade em geral consigam enxergar os benefícios do
cuidado com a terceira idade. Penso que os idosos apenas necessitam do
respeito, de serem reconhecidos apenas como seres humanos. Querem
demonstrar que ainda possuem capacidade de ser úteis e produtivos. Esperam
assumir um lugar mais digno em sua comunidade. Só esperam de cada um de
nós um cuidado e um olhar mais generoso para essa idéia; ainda persistente,
de velhice como sinônimo de improdutividade, de pessoas fracas,
amarguradas e aborrecidas, que só atrapalham; ser finalmente abolida.

CONCLUSÃO

Se cada um refletisse sobre como se dá sua existência no mundo;


perceberia, com responsabilidade, os efeitos causados por suas ações. Pela
omissão, deixamos de nos envolver com as coisas do mundo num silêncio
premeditado de quem parece não dar nenhuma importância à vida. Somos
incapazes de nos emocionar e de experimentar sentimentos de amor.
Vivemos sem a capacidade de determinar a razão da própria
existência e é na velhice que se percebe, de maneira ampla e aberta, os
reflexos dessa negligência. O ser humano, ao refletir sobre as razões de sua
existência no mundo, experimenta e toma consciência de seu total abandono.
Assim sendo, vê-se instalado nesse estar só, nesse vazio que o atormenta de
maneira tão dolorosa.
O homem existe a partir de suas realizações, elas lhe dão sentido à
vida, mantendo-o vivo. Nas pequenas comunidades, a solidão é menos
evidente, pois o relacionamento entre as pessoas ainda resiste ao desgaste das
relações humanas e o convívio confere maior valor a cada componente. O
problema torna-se mais grave nos grandes centros urbanos. Observam-se
inúmeras iniciativas para enfrentar a situação da solidão vivenciada pelos
20
idosos, mas ainda não tratada de maneira satisfatória.

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Ainda que, nos grandes centros, as pessoas se encontrem sempre


rodeadas de gente, a questão da solidão, principalmente do idoso, permanece
presente. Mesmo com as facilidades oferecidas pelos mais diversos aparatos
de comunicação, pelo grande avanço tecnológico, o homem se vê isolado,
excluído da família, do grupo de amigos, da comunidade. Torna-se urgente
que criarmos relações humanas sadias e dignas.
A partir de um outro ângulo, o idoso, hoje, sente-se envolvido num
movimento tão acelerado da história que o faz sentir-se desvalorizado. Parece,
a ele, estar sendo destruído o que se construiu ontem. Já não lhe é mais
possível sentir-se aceito e valorizado como detentor de sabedoria e
experiência a serem transmitidas às futuras gerações.

Muito longe de oferecer ao indivíduo um recurso contra seu


destino biológico, assegurando-lhe um futuro póstumo, a
sociedade de hoje o rechaça, ainda vivo, para um passado
ultrapassado. [...] Outrora, imaginava-se que em cada um, ao longo
dos anos, acumulava um tesouro: a experiência. (BEAUVOIR,
1970, p. 468).

Hoje em dia, acredita-se que a experiência de ontem é incapaz de


oferecer alguma utilidade.
Acredito que a verdadeira questão da velhice, a solidão ou o vazio
existencial, não é só deixada de lado, mas reforçada pelas políticas para os
idosos. Defendo a posição de que a solidão, que está presente em todos os
homens enquanto elemento da condição humana, acaba tendo mais força,
dada a falta de perspectiva na velhice.
O desespero do homem contemporâneo apresenta várias facetas de
sofrimento, mas, seguramente, as rápidas transformações, a perda de
tradições, a mudança de valores que em outras épocas eram tidos como
referência, causam um vazio ainda maior no idoso.
O ser humano ativo na sociedade se organiza para realizações, tarefas
e responsabilidades. O ser humano excluído do convívio social não tem
alternativa a não ser se confrontar com o seu vazio existencial.
É preciso refletir sobre como se dá a existência no mundo, para
perceber com responsabilidade os efeitos causados pelas ações de cada
indivíduo. Vive-se sem a capacidade de determinar a razão da própria
existência e os reflexos dessa negligência são percebidos de maneira mais
ampla na velhice. 21
Em meio à crise cultural que abala o mundo contemporâneo, é

Juiz de Fora, 2007


Elzimar Campos Guimarães

preciso traçar novos e concretos caminhos para a humanidade. Como diz


Simone de Beauvoir

se a cultura não fosse um saber inerte; [...] se fosse prática e viva; se


através dela o indivíduo se realizasse e se renovasse ao longo dos
anos, em todas as idades ele seria um cidadão ativo e útil; [...] na
sociedade ideal que acabo de evocar, pode-se imaginar que a
velhice, por assim dizer, não existiria; [...] um indivíduo morreria
sem ter passado por uma degradação; a última idade seria
realmente conforme a definição que dela dão certos ideólogos
burgueses: um momento da existência diferente da juventude e da
maturidade, mas possuindo o seu próprio equilíbrio e deixando
aberto ao indivíduo um grande leque de possibilidades.
(BEAUVOIR, 1970, p. 351).

Essa é a sociedade que desejo para os meus filhos.

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