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© Idéias & Letras, 2004
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Vendas@redemptor.com.br SP: Idéias e Letras; São Paulo: Centro Universitário
http//www.redemptor.com.br São Camilo, 2004.
ISBN 85-98239-05-4 (impresso)
ISBN 978-85-7698-081-0 (e-book)
1. Bioética 2. Dignidade humana 3. Reprodução humana
–Aspectos morais e éticos
4. Vida – Origem 5. Vida humana – Ciclos I. Título.
04-0773 CDD-179.7
Apresentação
A bioética tem uma historia de pouco mais de trinta anos desde seu surgimento em 1971, nos EUA. Esta nova área do
conhecimento humano vem sendo saudada no âmbito científico como num grande lance de esperança para a humanidade neste
início de século XXI. É o clamor da sabedoria humana, que vai além do mero contexto das discussões éticas das múltiplas
profissões no âmbito das ciências da vida e da saúde humana, buscando a promoção e proteção da vida, desde o âmbito pessoal,
perpassando pelo nível societário, e chegando até o cósmico-ecológico.
Em terras brasileiras já despontam inúmeras iniciativas consistentes que estão levando à frente a discussão bioética. Temos a
Sociedade Brasileira de Bioética (SBB), com suas várias regionais, que já promoveu quatro congressos nacionais e está em vias
de realizar o 5- no Recife em maio de 2004. A SBB, juntamente com a Associação Internacional de Bioética, realizou em 2002
(Brasília-DF), o VI Congresso Mundial de Bioética, o maior de todos até hoje, que aprofundou uma questão central da agenda
bioética dos países do mundo pobre: Bioética – poder e injustiça. Além disso, constatamos que inúmeras Universidades e
Instituições de Ensino Superior estão introduzindo no currículo de formação dos futuros profissionais, notadamente no âmbito da
saúde, a disciplina de bioética. Começamos a ter em nosso país uma produção acadêmica de bioética, em teses de mestrado,
doutorado, livros e revistas, que não fica atrás de muitos países ditos desenvolvidos.
É neste contexto de intensa busca de reflexão e discussão que chega às nossas mãos a oportuna obra Bioética e início da vida:
alguns desafios, de Christian de Paul de Barchifontaine. Trata-se de uma obra de cunho didático-pedagógico, sem a pretensão de
esgotar as questões, mas que para além da informação científica, segura e atual, instiga a reflexão e discussão ética. Mais do que
respostas prontas vamos nos encontrar diante de perguntas que nos obrigarão a sair do conforto de nossas certezas e nos lançarão
o desafio de dialogarmos, sermos humildes, respeitosos e tolerantes frente ao diferente e sobretudo que aprendamos a viver
solidariamente. Esses três conceitos-chave que definem a perspectiva do autor – diálogo, tolerância e solidariedade – são mais do
que nunca necessários neste início de novo século em que, frente a um crescente pluralismo cultural, surpreendentemente voltamos
a ter de enfrentar novos fundamentalismos e terrorismos que achávamos que já eram coisas de um passado distante. Esta
perspectiva me faz lembrar o que diz de si próprio Norberto Bobbio, considerado um dos maiores pensadores do século XX:
“Aprendi a respeitar as ideias alheias, a deter-me diante do segredo de cada consciência, a compreender antes de discutir, a
discutir antes de condenar”. Uma verdadeira síntese de sabedoria!
Esta obra, Bioética e início da vida: alguns desafios, pela sua concepção estrutural, será de grande valia para o ensino da bioética
na universidade. Nos dois primeiros capítulos, apresenta uma fundamentação sobre o que entender sobre dignidade humana,
evolução histórica e abrangência temática da bioética, que são imprescindíveis para a reflexão, não somente das questões éticas
do nascer, mas também do viver e morrer. Nos capítulos seguintes o autor nos convida a mergulhar em questões complexas e
polêmicas do início da vida humana, que exigem nosso enfrentamento: questão do crescimento populacional (Cap. III); a reprodução
assistida (Cap. IV), o genoma humano (Cap. V) e a clonagem (Cap. VI). Uma série de documentos importantes de organizações e
organismos internacionais, relacionados às questões debatidas, constitui o bloco de anexos que merecem atenção e leitura.
O autor, Christian de Paul de Barchifontaine, belga de nascimento, brasileiro de coração, camiliano, atualmente é reitor do Centro
Universitário São Camilo, em São Paulo. Tem formação acadêmica na área de enfermagem e mestrado na área de gestão em
saúde. É docente de bioética desde 1984 nos cursos de pós-graduação em Administração Hospitalar e da Saúde da Universidade
São Camilo. É coautor da primeira obra didática de bioética, publicada em terras brasileiras (1991), Problemas atuais de bioética,
já na 6a. Edição (Ed. Loyola).
Parabenizo meu caro amigo, por mais esta iniciativa intelectual e faço votos de que esta obra seja um sucesso.
Sumário
Introdução
Capítulo 1
Dignidade humana: uma reflexão ética
Preâmbulo
Reflexão filosófica
Reflexão biológica
Perspectivas
Capítulo 2
Bioética: contextualização, origem, conceituação e abrangência
Bioética: contextualização, origem, conceituação e abrangência
Introduçao
A pessoa humana
A nossa realidade
• Uma filosofia: existencialismo
• Uma cultura: da modernidade à pós-modernidade
• Uma ideologia: neoliberalismo
• Um sistema: capitalismo
Conclusão
Capítulo 3
Políticas demográficas
Introdução
Políticas populacionais
Contracepção e anticoncepção
• Alguns pontos norteadores de nossa reflexão
• O mito da crise populacional
• Explosão demográfica – Retrato do Brasil
• Aspectos legais da contracepção
• Aconselhamento genético
Aborto
• Aborto: conceituações
• Aspecto legal no Brasil
• Quando começa a pessoa humana?
Conclusão
Capítulo 4
Técnicas de reprodução assistida
Introdução
Técnicas de reprodução assistida
Indicação
Alguns riscos
Alguns questionamentos
Legislação
• Código de ética médica
• Normas éticas para utilização das técnicas de reprodução assistida
• A lei de biotecnologia 8974 de 1995
• A resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde/MS
Reflexões bioéticas
• Infertilidade
• Ponto de vista social
• Reprodução assistida e amor conjugal
• Embriões congelados
• Redução de embriões
• Consciência dos direitos das mulheres
• Clínica de infertilidade
• Perspectiva cristã católica
Conclusão
Capítulo 5
Genoma humano
Introdução
As revoluções da biologia
Uma breve histórico da genética
Célula
Glossário para entender o genoma
Nós temos o livro. Agora precisamos aprender a lê-lo
As promessas da descoberta
Medicina preditiva
Biopoder
• Genoma humano e engenharia genética
• Ética que cerca o Projeto Genoma Humano (PGH)
Reflexões bioéticas
• Benefícios da engenharia genética
• Patenteamento do genoma
• Privacidade
• Discriminação
• Determinação genética e liberdade humana
• Eugenismo
• Previdência social
• Clonagem
• Terapia gênica
• Alerta
• O Projeto Genoma Humano e a realidade brasileira (fome).
• A Declaração Universal do Genoma Humano e dos Direitos Humanos (1997)
Conclusão
Capítulo 6
Clonagem humana
Introdução
Ética e tecno-ciência
Do que falamos?
Células-tronco
O que é um embrião
Clonagem de seres humanos
Reflexões bioéticas
• Discernimento ético
• Biotecnologia
• Clonagem de seres humanos
• Realidade brasileira
Conclusão
Para refletir
• O fim da era dos contratos?
• No último estágio, um ser vivo artificial
• Sem provas, empresa anuncia clone humano
• Clonagem é ineficaz, diz “pai” de Dolly
Anexos
Declaração Universal dos Direitos Humanos - 1948
Reprodução Assistida – 1992
Lei n° - 8.974 de 05/01/1995 – Biossegurança
Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde/MS
Declaração Universal do Genoma Humano e dos Direitos Humanos – 1997
Declaração sobre a Produção e Uso Científico e Terapêutico das Células Estaminais Embrionárias Humanas –
2000
Declaração Ibero-Latino-Americana sobre Direito, Bioética e Genoma Humano – 2001
Organismos Geneticamente Modificados (OGMS): Manifestação do Conselho Federal de Biologia – 2002
Bibliografia
Introdução
Os grandes problemas da humanidade de hoje, mesmo sem rejeitar a grande contribuição que a ciência e a tecnologia trazem para
superar as condições de miséria e de deficiências dos diferentes gêneros, só serão resolvidos com a reconstrução da comunhão
humana em todos os níveis.
Através da solidariedade, entendida como a determinação firme e perseverante de empenhar-se para o bem comum, isto é, para o
bem de todos e de cada um, todos devem ser verdadeiramente responsáveis por todos: a primazia da pessoa sobre o econômico.
Eis a grande vocação da bioética!
Que valor atribuímos à vida? De que modo podemos proteger e tornar melhor esse bem? Como melhorar a nossa convivência
humana? Se bioética significa fundamentalmente amor à vida, tenho certeza de que nossas vozes podem convergir para
estimulantes respostas a fim de melhorar a vida do nosso povo, bem como o nosso convívio, passando pelo respeito à dignidade da
vida das pessoas.
Entendemos a bioética como ética da vida, da saúde e do meio ambiente, tendo como finalidade o resgate da dignidade da
pessoa humana e da qualidade de vida frente aos progressos tecno-científicos e frente às políticas sociais e econômicas. Através
de um diálogo transdiciplinar, transprofissional e transcultural, baseados na tolerância e na solidariedade pretendemos, com este
livro, responder a alguns desafios bioéticos do início da vida.
Antes de tudo, é necessária uma reflexão ética sobre a dignidade humana, já que esta é o centro de todo o estudo da bioética.
Apoiado no documento de trabalho do Conselho Nacional de Ética para as ciências da vida do Portugal (1999), situamo-nos
filosófica e biologicamente quando falamos de dignidade humana (Capítulo I).
A seguir, nos estenderemos sobre o que é bioética, ética da vida (Capítulo II), entendendo que a reflexão deve passar pela análise
da realidade na qual vivemos, pelos conceitos de globalização, saúde e cidadania, chegando ao conceito de moral, ética e bioética
(o advento da bioética muito contribuiu para estabelecer a distinção entre moral e ética).
Inicialmente, acenamos que moral diz respeito a valores consagrados pelos usos e costumes de uma determinada sociedade.
Valores morais são, pois, valores eleitos pela sociedade e que cada membro a ela pertencente recebe – digamos passivamente –
e os respeita.
Ética é um juízo de valores, é um processo ativo que vem de “dentro de cada um de nós para fora”, ao contrário de valores morais
que vêm de “fora para dentro” de cada um. A ética exige um juízo, um julgamento, em suma, uma opção diante dos dilemas. Nesse
processo de reflexão crítica, cada um de nós vai pôr em jogo seu patrimônio genético, sua racionalidade, suas emoções e, também,
seus valores morais.
Bioética é ética. Não se pode dela esperar uma padronização de valores – ela exige uma reflexão sobre os mesmos e, como dito,
implica opção. Ora, opção implica liberdade. Não há bioética sem liberdade; liberdade para se fazer uma opção, por mais
“angustiante” que esta possa ser. O exercício da bioética exige pois liberdade e opção. E esse exercício deve ser realizado sem
coação, sem coerção e sem preconceito. A bioética exige também humildade para se respeitar o diferente e a grandeza para
reformulação, quando se reconhece o equívoco em uma opção. Condição sine qua non exigida pela bioética, enquanto tal, diz
respeito à visão pluralista e interdisciplinar dos dilemas éticos nas ciências da vida, da saúde e do meio ambiente. Ninguém é dono
da verdade.
Vamos analisar a trajetória da bioética: evolução histórica, origem, conceituações, fundamentos filosóficos. Assim, chegaremos à
identificação de dois polos essenciais no estudo da bioética: a bioética cotidiana, sendo voltada para assegurar condições dignas
de vida, para a exigência de humanizar a medicina, articulando fenômenos complexos como a evolução científica da medicina, a
socialização da assistência sanitária, a crescente medicalização da vida, inclusive a alocação de recursos para a saúde; e bioética
de fronteira sendo aquela que trata das novas tecnologias biomédicas aplicadas sobretudo à fase nascente e à fase terminal da
vida. E para finalizar o capítulo II, colocamos um panorama da abrangência da bioética, mostrando que ela perpassa toda a nossa
vida: do nascimento à morte.
No Capítulo III enfocaremos alguns assuntos da bioética ligados ao início da vida: bioética cotidiana – as políticas demográficas,
ressaltando os direitos reprodutivos e a saúde reprodutiva, a contracepção e a anticoncepção, seus aspectos legais e sociais; bem
como o aborto, suas conceituações e a questão ética delicada do início da pessoa humana. Na bioética de fronteira, analisaremos
as técnicas de reprodução assistida: técnicas, indicação, questionamentos, comentários e reflexões bioéticas (Capítulo IV), o
genoma humano, sua complexidade, o futuro da medicina preditiva e a questão do biopoder (Capítulo V), e a clonagem humana: a
tecno-ciência, clonagem reprodutiva e terapêutica, a questão das células-tronco e o embrião (Capítulo VI).
Anexo, apresentamos alguns documentos importantes relacionados aos assuntos estudados.
Bioética e início da vida: alguns desafios, não se trata de uma obra de moral religiosa ou confessional, mas de informação e
reflexão geral e global. Nasce num contexto pluralista e procura trabalhar as questões numa perspectiva dialogal, portanto multi, inter
e transdisciplinar, uma das características marcantes da bioética. A intenção é criar nas pessoas um senso crítico e despertar nelas
a capacidade de decidir, responsável e livremente diante das situações polêmicas, difíceis e conflituosas que as ciências da vida e
da saúde hoje nos apresentam.
Na linha da bioética, que a tolerância e a solidariedade sejam os nossos óculos na leitura deste livro, procurando sobretudo ajudar
as pessoas a serem mais felizes.
Capítulo 1
Reflexão filosófica
O conceito de dignidade humana tem fundamentos na filosofia do mundo ocidental. Embora a história nos informe que nem sempre
a dignidade humana foi respeitada, ou mesmo objeto de normas éticas e/ou legais de proteção, o certo é que a filosofia ocidental já
se preocupava com esta questão. Infelizmente, foi necessário um conflito mundial para uma tomada de consciência que levou à
proclamação da Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 1948. E, tal como se demonstra pela Convenção dos Direitos
Humanos e da Biomedicina, assinada em 1997, foi necessário quase meio século para que os países signatários da Convenção
dos Diretos Humanos chegassem à fase da aplicação da Convenção à medicina.
A História, desde a Antiguidade oriental até a Idade Contemporânea, demonstra que nem sempre houve reconhecimento do
primado do ser humano. Desde a escravatura, reinante nas civilizações orientais, clássicas e europeias, até as perseguições da
Inquisição, a discriminação social foi notória e pacificamente aceite pelos filósofos coevos. Já Aristóteles (384–322 a.C.) e Santo
Agostinho (354–430) haviam debruçado sobre a distinção entre coisas, animais e seres humanos. Deve-se a Immanuel Kant
(1724–1804), por suas críticas e análises sobre as possibilidades do conhecimento, nomeadamente a partir das questões: O que
posso conhecer? O que posso fazer? E o que posso esperar? Na Crítica da Razão Pura, na Crítica da Razão Prática e na
Fundamentação da Metafísica dos Costumes, uma das contribuições mais decisivas para o conceito de dignidade humana.
Como o próprio Kant reconheceu: As respostas às questões colocadas dependiam do nosso conhecimento da natureza do próprio
ser humano. O que posso conhecer, fazer ou esperar, depende, em última análise, da minha própria condição humana.
“Age de tal modo que trates a humanidade, tanto na tua pessoa como na do outro, sempre e ao mesmo tempo, como um fim e
nunca simplesmente como um meio” (Kant).
Devemos ainda pensar em dois conceitos: em Kant é principalmente o conceito de respeito que é sublinhado e em Hegel o
conceito de reconhecimento, mais básico do que o de respeito. Para ser humano é preciso ser reconhecido enquanto tal e não
somente reconhecido como organismo biológico. Por exemplo, se a criança não é reconhecida como aquilo para que tem
capacidade (autonomia, liberdade) mas que ainda não realiza, não é considerada como um ser digno. É na relação com o outro que
se é reconhecido como ser humano. A dignidade é, neste sentido, o efeito deste reconhecimento e a sua fundamentação, e, neste
reconhecimento recíproco, o ser humano torna-se capaz de liberdade. Aprendemos com Hegel que todo o processo da cultura é um
processo no qual procuramos chegar a níveis cada vez mais profundos de reconhecimento da igualdade. Assim, enquanto o outro
não for totalmente livre, eu não sou livre. Em resumo, a dignidade do ser humano repousa sobre o seu ser real, enquanto esta
realidade é capacidade daquilo que ele pode ser, e não apenas sobre o que ele faz efetivamente desta capacidade.
Depois da capacidade de autonomia, de autenticidade e de liberdade mediante o reconhecimento do outro, há um outro momento
da fundamentação da dignidade: o ser humano é capaz de se elevar acima das circunstâncias imediatas do seu ambiente para
colocar questões sobre o sentido do real. Temos, porém, de reconhecer que nós, como indivíduos, em referência às questões
acima enunciadas (o que posso conhecer, o que posso fazer, o que posso esperar), somos condicionados não só pela nossa
biologia, como também pelo contexto sociocultural em que nos inserimos.
Assim, o termo dignidade humana é o reconhecimento de um valor. É um princípio moral baseado na finalidade do ser humano e
não na sua utilização como um meio. Isso quer dizer que a dignidade humana estaria baseada na própria natureza da espécie
humana a qual inclui, normalmente, manifestações de racionalidade, de liberdade e de finalidade em si, que fazem do ser humano
um ente em permanente desenvolvimento na procura da realização de si próprio. Esse projeto de autorrealização exige, da parte de
outros, reconhecimento, respeito, liberdade de ação e não instrumentalização da pessoa. Essa autorrealização pessoal, que seria o
objeto e a razão da dignidade, só é possível através da solidariedade ontológica com todos os membros da nossa espécie. Tudo o
que somos é devido a outros que se debruçaram sobre nós e nos transmitiram uma língua, uma cultura, uma série de tradições e
princípios. Uma vez que fomos constituídos por essa solidariedade ontológica da raça humana e estamos inevitavelmente
mergulhados nela, realizamo-nos a nós próprios através da relação e ajuda ao outro. Não respeitaríamos a dignidade dos outros se
não a respeitássemos no outro.
Na ética moderna, a dignidade humana exprime-se em um “nós-humanidade” que não é a soma dos “eus” individuais. Segundo
Levinas, “nós” não é o plural de “eu”. O ponto de partida para a expressão dessa dignidade situa-se na totalidade dos seres
humanos e por isso foi possível afirmar-se que enquanto um ser humano não for livre nenhum ser humano será livre.
A socialização não é, porém, uma diluição do “eu” no conjunto da comunidade humana. Como vemos todos os dias, todo ser
humano aspira a repetir o “seu paraíso perdido”, que foi a fusão total com a mãe. Daí a procura, por vezes desenfreada, de uma
relação dual. Ora, o indivíduo acede à condição de ser único quando torna possível essa passagem da fusão com a mãe à
autonomia. É a aprendizagem do “eu/tu” que Martin Buber, tao eloquentemente, descreveu e na qual alicerçou as condições
indispensáveis para a alteridade efetiva. Quanto maior for o número de pessoas com quem estabelecemos a relação “tu/eu”, maior
é a nossa participação na noosfera e mais forte é a nossa dignidade humana.
Foi esta noção de uma camada de humanos que envolve toda a Terra que Teilhard de Chardin chamou a noosfera. Ela é
interdependente da biosfera e da atmosfera. A evidência desta afirmação encontra-se no nosso cotidiano (vivemos das espécies
biológicas e respiramos porque imersos na atmosfera). Mas também a encontramos em certas manifestações religiosas que têm
marcado profundamente algumas civilizações. Assim, por exemplo, no Budismo não há separação entre o humano e toda a
realidade natural que o rodeia. No nosso tempo, esta interdependência é sentida pela ação nefasta do humano sobre a biosfera e
sobre a atmosfera. Daí poder inferir-se que contribuir para a integridade e diversidade das espécies biológicas e para o equilíbrio
da atmosfera é, também, contribuir para a defesa da dignidade humana.
Reflexão biológica
A dignidade humana só é uma característica de cada ser humano à medida que é a característica de toda a humanidade.
A dignidade está na totalidade do humano e cada ser emerge com a sua própria dignidade dessa totalidade do humano. Daí a
importância fundamental do processo de individualização de cada ser. A capacidade de exprimir uma representação simbólica de
tudo o que vê, conhece ou faz, foi-se estruturando ao longo de várias etapas que trouxeram a humanidade até à etapa biogenética
atual.
O conceito de dignidade humana poderá estar também na diferença de dignidade e de respeito existente entre o ser humano e o
animal. Essa diferença não se fundamenta na afetividade, uma vez que o ser humano também a partilha com grande parte dos
animais e, possivelmente, basear-se-á na qualidade específica que ele possui de simbolizar, capaz de representar e projetar no
exterior os conteúdos de sua consciência e usá-los na criação da cultura humana. Parece existir, sim, uma diferença radical em nível
de manifestação do inconsciente no consciente do ser humano. Onde é que o inconsciente se enraíza biologicamente? Ou é um
construto cultural e, portanto, exclusivo do ser humano? A capacidade para a simbolização tem ou não um fundamento biológico?
Tem ou não uma explicação neurobiológica?
Pelo aspecto biológico ligado à teoria da evolução não se encontram suportes que fundamentam um estatuto especial para o ser
humano. Nesse sentido, torna-se difícil definir o conceito de Dignidade Humana quando, objetivamente, refere-se a um determinado
ser humano. Quando tem início o ser humano? No momento da fecundação do óvulo? Durante a gestação, quando se manifestam
as primeiras ondas elétricas no encéfalo do feto ou os primeiros batimentos cardíacos? No momento do nascimento completo?
Quando o indivíduo adquire consciência de si mesmo?
E quando termina a dignidade do ser humano: quando é verificado o óbito? Quando entra em estado vegetativo persistente?
Ou o ser humano deve ser sempre respeitado na sua dignidade, independentemente da respectiva condição biológica?
Será possível aceitar sem dignidade humana a pessoa que padece de grave perturbação mental ou deficiência física profunda? E
os mais capazes, os mais inteligentes e mais cultos serão biologicamente mais dignos? Poderá existir uma dignidade biológica?
Pode-se ser biologicamente indigno ou, pelo contrário, não há qualquer indignidade na forma como existimos? Pode-se ser mais ou
menos biologicamente digno? Existe um determinismo biológico para a dignidade ou indignidade? Pensamos que não. Todo e
qualquer ser humano é portador à nascença da sua própria dignidade só pelo fato de ser pessoa.
A dignidade humana é pois um valor que se baseia nas capacidades originais da pessoa e supera a estrutura biológica do ser
humano. Mesmo assim, pode perguntar-se de novo se há uma fundamentação biológica para a dignidade humana. A resposta a
esta pergunta depende da posição que se tome com respeito às relações existentes entre a pessoa e o seu corpo.
Numa posição dualista extrema de corpo e espírito (cartesiana ou outra, hoje ultrapassadas) evidentemente que não haveria
qualquer forma de fundamentação corpórea da dignidade humana. Mas na tese contemporânea da profunda e densa unidade do
ser humano, a questão existe.
Por um lado, a análise biológica do ser humano, mesmo em nível molecular, não encontra nada que justifique uma dignidade
especificamente superior à de outros animais. Não há justificação biológica da dignidade humana. É certo que o substrato biológico
é, sem dúvida, uma condição indispensável para a existência da pessoa e, portanto, da sua dignidade: se os seus mecanismos
bioquímicos colapsam, a pessoa extingue-se, e com ela a sua dignidade. Mas não são esses mecanismos bioquímicos
(basicamente idênticos aos dos animais) que justificam, especificam ou medem a dignidade humana. E, por isso, talvez se possa
dizer que a qualidade biológica de uma vida humana não altera a sua dignidade. O demente, o doente terminal, que está
inconsciente ou em estado vegetativo persistente, têm a mesma dignidade que eu.
Mas, por outro lado, o ser humano parece ser o único animal em que a realidade biológica foi inteiramente assumida e
redimensionada pela integração em uma outra ordem, que é simbólica e cultural. Nesse sentido, o corpo puramente biológico é uma
abstração. O corpo real não é só biológico ou mecânico: é um corpo-assumido ou corpo-vivido ou corpo pessoal. Esse corpo
constitui a mediação obrigatória da pessoa em todas as suas relações para dentro e para fora de si mesma. Se pensa, se reflete,
se decide, se comunica com os outros ou se capta deles nova informação, é sempre e obrigatoriamente através do corpo e do seu
mecanismo biológico. Neste sentido, todo o biológico humano é assumido pela pessoa e, nessa medida, toda a violência contra o
corpo biológico pode denominar-se como violência contra a pessoa, e toda a instrumentalização do corpo biológico significa
instrumentalização da pessoa.
A dignidade humana é sentida e expressa através do corpo humano como suporte biológico da existência. Nem a pessoa é seu
corpo, nem tampouco é proprietária do seu corpo. A pessoa é um sistema psicossomático que toda a vida humana nos torna cada
vez mais presente.
Como se disse, a diferença fundamental entre o ser humano e os animais não radica na afetividade mas sim na sua capacidade de
pensar simbolicamente, de representar e projetar no exterior os conteúdos da sua consciência e usá-los na criação da cultura
humana. Ou seja, na esfera do cognitivo. A consciência de si mesmo como pessoa e dos outros também como pessoas,
consequência dessa capacidade simbolizadora do ser humano, será condição sine qua non para a reflexão ética. Por isso, a
natureza biológica do corpo humano não é mais do que o substrato, suporte ou mediação da pessoa, que está subjacente em toda
a reflexão sobre a dignidade humana.
Existe, pois, uma dimensão ética na existência humana, isto é, a pessoa existe enquanto pessoa somente quando é reconhecida
por outras pessoas. Há uma ética para a pessoa que vive no seu corpo. O corpo não é portador da dimensão ética, mas é a pessoa
no seu corpo que é portadora desta dimensão. Para o corpo isolado, não há ética.
Portanto, a sociabilidade do ser humano funda-o em dignidade. A pessoa humana advém na comunidade humana; o isolamento
torna-a igual aos animais. O processo de individualização, garantia da dignidade humana, tem etapas de socialização até atingir a
maturidade. É a comunidade humana que confere a cada ser a capacidade de linguagem, de dar um nome a cada coisa e de
estruturar, assim, a sua agilidade e amplitude de representação simbólica.
Estamos, assim, em face de uma situação em que os mecanismos biológicos estão implicados em todas as atividades da pessoa
como condição básica inespecífica, mas não constituem a sua justificação causal e determinante. E à pergunta sobre se há uma
fundamentação biológica da dignidade humana, teríamos de responder sim e não. Sim, à medida que os mecanismos biológicos
constituem o suporte indispensável do campo de ação de todas as atividades pensantes, volitivas e relacionais da pessoa. Não, à
medida que as capacidades de autorrealização na linha de um projeto pessoal, as quais constituem a verdadeira fundamentação da
dignidade humana, não são, de modo algum, determinadas especificamente por mecanismos biológicos conhecidos.
Perspectivas
A partir do exposto, percebemos que o conceito de dignidade humana é importante para salvaguardar o valor maior que é a
pessoa. Deste modo, os comportamentos que mais indignificam a própria pessoa são os que indignificam os outros, sobretudo os
mais débeis e vulneráveis. Nomeadamente as crianças, os idosos, os doentes, os excluídos por todas as razões, desde a falta de
amor até o poder econômico.
Como já foi acenado na introdução deste livro, os grandes problemas da humanidade de hoje – mesmo sem rejeitar a grande
contribuição da ciência e da tecnologia para superar as condições de miséria e de deficiências dos diferentes gêneros – só podem
ser resolvidos com a reconstrução da comunhão humana em todos os níveis, através da solidariedade que deve ser entendida
como a determinação firme e perseverante de se empenhar para o bem comum, isto é, para o bem de todos e de cada um, para
que todos sejam verdadeiramente responsáveis por todos.
A tolerância designa o fato de se abster de intervir nas ações ou opiniões de outras pessoas mesmo quando essas opiniões ou
ações nos parecem desagradáveis ou moralmente repreensíveis. Assim, a tarefa cotidiana do cultivo da tolerância inclui uma atitude
proativa de procura do ponto ideal de encontro com o outro nos momentos de discordância e enfrentamentos. A tolerância é uma
conquista no caminho em direção à solidariedade, que é o laço recíproco que une pessoas como corresponsáveis pelo bem umas
das outras.
Neste sentido, são necessários lugares de escuta do sofrimento, da dor, da alegria, da ternura, nos quais o humano se revela de
muitas maneiras. Assim, como o eu supõe a vinda à palavra, também são esses lugares de escuta que podem permitir de novo o
pleno acesso à palavra. É neste contexto que a escola, entre outras instituições formadoras da dignidade humana e de um
aprendizado para a vivência da tolerância e da solidariedade, deveria ser tanto transmissora de conhecimento quanto lugar de
escuta que, ao reenviar o eco da palavra titubeada, possa ajudá-la a surgir inédita.
1. Fonte: Documento de Trabalho do Conselho Nacional de Ética para as ciências da Vida do Portugal: Lisboa, 05 de janeiro de 1999.
2. Cfr Anexo 1.
Capítulo 2
Introdução
Hoje, através dos meios de comunicação social, jornais, revistas, televisão, internet, ouvimos falar de bioética. É bom lembrar que o
estopim que contribuiu para o desenvolvimento da bioética, sem usar ainda o termo, nos anos de 1960, foram reportagens de
jornalistas a respeito de experiências em seres humanos, com crianças, prisioneiros e doentes mentais.
Pode-se conceituar bioética como um mecanismo de coordenação e instrumento de reflexão para orientar o saber biomédico e
tecnológico, em função de uma proteção cada vez mais responsável da vida humana. A bioética, por ser um ramo da ciência que
procura estar a serviço da vida, engloba em suas reflexões os aspectos sociais, políticos, psicológicos, legais e espirituais. É uma
reflexão sobre o resgate da dignidade da pessoa humana frente aos progressos técnico-científicos na área da saúde, frente à vida.
Com sua possibilidade de redesenhar o ser humano, com o seu poder de destruir ou construir, esses progressos podem alterar a
identidade da pessoa humana. O homem está se tornando o senhor da vida e de sua própria vida, como bem ilustra a expressão:
“em lugar de consultar os astros, consultam-se agora os genes”.
Para entender melhor o que é a bioética vamos refletir sobre quem é o sujeito da nossa reflexão bem como do seu ambiente, o que
é moral, ética e a sua evolução. A seguir, esclareceremos qual o histórico, a origem, a conceituação bem como a fundamentação
filosófica e os paradigmas da bioética. Mostraremos o conteúdo e os desafios da bioética, bem como três desafios concretos para
a América Latina, e terminaremos com uma fala de Potter sobre bioética global.
A pessoa humana
A abordagem de uma conceituação de pessoa humana é complexa. Mas, antes, é necessário fazer uma distinção, já que muitos
escritos confundem vida humana, ser humano e pessoa humana. “Vida humana – ser humano é membro da espécie homo sapiens:
o fato de o indivíduo pertencer ou não a uma determinada espécie é algo que pode ser determinado cientificamente mediante um
exame da natureza dos cromossomos das células dos organismos vivos. Nesse sentido, não há dúvida de que, desde os primeiros
momentos de sua existência, um embrião concebido de esperma e óvulo humanos é um ser humano, uma vida humana” (Singer,
1994:97–98). “Vida humana indica vida dos organismos pertencentes à espécie homo sapiens, quer dizer somente a vida do corpo
prescindindo da alma. A ciência nos diz somente que no momento da concepção se forma um ser humano (um corpo), mas não
pode nos dizer nada sobre a pessoa composta de alma e corpo” (Mori, 1997:43–67).
O direito brasileiro reserva a expressão pessoa física para regulamentar o imposto de renda. A preferência brasileira vai para a
expressão pessoa natural: trata-se de “um atributo jurídico reconhecido aos seres humanos individualmente ou aos indivíduos em
grupos, como entes morais, exprimindo a aptidão para adquirir direitos e contrair obrigações” (Viana, 1988:3). Hoje em dia, esta
personalidade está sendo estendida aos seres humanos desprovidos de consciência ou de vontade capazes de se
autorresponsabilizar.
Segundo o Código Civil, Artigo 4, a personalidade do ser humano, no Brasil, começa com o nascimento com vida. Contudo, desde
o direito romano, os direitos do nascituro eram salvaguardados por uma ficção que não pretendia ontologia alguma no seu
interesse. Esta ficção jurídica só vale se o nascituro consegue, depois, nascer com vida; se não, este ser nunca foi pessoa para o
direito. Assim, o direito brasileiro segue o romano: o nascituro não tem a personalidade jurídica, mas será considerado como a
tendo, se nascer com vida. “O nascituro não é ainda uma pessoa, não é um ser dotado de personalidade jurídica. Os direitos que se
lhe reconhecem, permanecem em estado potencial. Se o feto não vem a termo, ou se não nasce vivo, a relação de direito não
chega a se formar, nenhum direito se transmite por intermédio do natimorto e sua frustração opera como se ele nunca tivesse sido
concebido, o que bem prova a sua inexistência ao mundo jurídico, a não ser que tenha nascido. A personalidade do nascituro é
geralmente chamada, então, fictícia” (Viana, 1988:11).
Atualmente, não há consenso sobre o que é pessoa humana. A partir de quando podemos falar de pessoa humana? “Não é possível
querer resolver a pendência do debate filosófico sobre a pessoa humana. A lei não pode responder à pergunta sobre quando se
impõe a realidade da pessoa humana. Debates seculares nunca resolveram essa interrogação. Nem os médicos nem os teólogos
conseguiram trazer argumentos determinantes, nem Santo Agostinho, nem Santo Tomás de Aquino. A noção de ‘pessoa humana’
remete a convicções filosóficas e metafísicas” (Mattei, 1994:90).
E lembremo-nos sempre de que o sujeito da nossa atenção é a pessoa humana, ser físico, psíquico, social e espiritual. Para
entender melhor, usarei a palavra saúde no sentido ideal para qualificar as quatro dimensões do ser humano:
• Saúde física: é a ausência de mutilações, de lesões, de dor, de cansaço, de fome, de sede. É o desenvolvimento normal do
indivíduo, é o equilíbrio entre os componentes orgânicos.
• Saúde psíquica: implica orientação no tempo e no espaço, ausência de alienação, capacidade de equilibrar-se nas diversas
situações de vida, autorrealização, abertura para o outro e para si mesmo, liberdade de pensamento, de expressão e de criação.
• Saúde social: é o ajustamento do indivíduo no grupo social (entende-se por ajustamento a capacidade que a pessoa tem de se
situar, de se relacionar com as outras). A saúde social implica habitação adequada, equilíbrio dos fatores econômicos (trabalho e
salário condizentes), lazer, educação (que permita, pela observação e análise, o questionamento da realidade), amizade, simpatia,
relacionamento.
• Saúde espiritual: se revela na maneira de encarar a vida: toda pessoa tem uma finalidade na vida, sede de um absoluto (ou
transcendente). Para os cristãos, Deus; para os muçulmanos, Alá; para os ateus, o homem. Esse absoluto é fundamental para a
superação das dificuldades, de um sofrimento ou de uma doença.
Essas quatro dimensões formam um conjunto no qual o relacionamento humano é a chave principal. Como veremos a seguir,
vivemos numa sociedade que dificulta todo relacionamento profundo. Ora, o relacionamento humano é imprescindível para se
entender o que é ética.
A nossa realidade
Didaticamente, e de uma maneira objetiva, podemos dizer que a nossa sociedade é movida por quatro forças:
Um sistema: capitalismo
Toda ideologia se concretiza através de um sistema. Do sistema capitalista, destacamos algumas características:
a) A produtividade, o lucro. “Quem produz é gente, quem não produz não é (mais) gente”; descuido da parte psíquica,
social e espiritual das pessoas; primazia do econômico sobre o social.
b) A concorrência, que é considerada a chave do desenvolvimento pelo neoliberalismo, seria a nova palavra para
substituir a palavra ética. Para concorrer, é preciso ter chances iguais.
c) A concentração de bens, terra, poder, informação, saber, comunicação. Quem tem dinheiro, tem poder; quem tem
poder, faz a verdade e impõe essa verdade.
d) A dependência resultante da dívida externa, da política salarial ligada aos acordos com o Fundo Monetário
Internacional (FMI), responsável em grande parte pelo arrocho salarial, desemprego e recessão.
e) Autoritarismo: a tradição do país é autoritária e elitista. O povo sempre ficou à margem do processo político, decidido
normalmente por “caciques” e “coronéis”.
f) A injustiça: a própria Justiça, que deveria ser o reduto intacto do exercício ético do Direito, em determinados casos é
desvirtuada, lenta e elitizada, protelando o processamento de causas, especialmente criminais. A cumplicidade e a
impunidade favorecem os corruptos e estimulam, no campo e na cidade, o sacrifício de vítimas inocentes.
g) A intolerância: o capitalismo não tolera a diferença. A marcha do desenvolvimento só conseguiu produzir
desigualdades, que são negadas ou justificadas pelas teses sobre a competição e a eficiência. A lei do mercado
recompensa os melhores; portanto, os não-beneficiados devem isso a sua pouca qualidade. Absolvido o sistema, são
culpabilizados os indivíduos.
Saúde
Por que o povo não tem saúde?
Numa sociedade que tem como valores a produção, o lucro, a concorrência desleal, a concentração e a dependência, não há lugar
para uma prática social fraterna e solidária; só existe a exploração como forma de acumulação. Essa sociedade oferece pouca
possibilidade e oportunidade de escolha para decidir onde viver, que alimento comer, onde trabalhar, que notícias ver e ouvir, que
tratamento escolher etc. Todo esse contexto favorece uma injustiça social alarmante, tendo como consequência a deterioração da
saúde, principalmente em relação aos pobres que são duas vezes desgraçados, porque além de morrer das doenças dos pobres
(fome, desnutrição, verminose, diarreia...), morrem também das doenças dos ricos (cardiovasculares, stress, câncer...). Para
entender melhor, podemos reunir em quatro grupos as causas que fazem com que o povo brasileiro esteja sem saúde:
• Causas ligadas às condições naturais de vida e suas variações como o clima, a água, a qualidade da terra. Quando se fala de
qualidade de vida, o primeiro requisito enunciado é a proteção do meio ambiente. Como uma das características da ideologia
vigente é a propriedade privada, assistimos à apropriação dos bens públicos (onda de privatizações), inclusive ambientais. A
origem primeira de tudo o que é bem é o próprio ato de Deus que criou a terra e o homem, e ao homem deu a terra para que a
domine com seu trabalho e goze dos seus frutos. Deus deu a terra a toda a humanidade, para que ela sustente todos os seus
membros sem excluir nem privilegiar ninguém.
• Causas ligadas aos determinantes estruturais (sociopolíticos e econômicos) da produção de bens materiais (a comida, a
mercadoria, o dinheiro). A selvageria do sistema reside no grau da exploração da força do trabalho. Os baixíssimos salários pagos
aos trabalhadores exigem, para garantia de sobrevivência, o prolongamento da jornada de trabalho e a aceitação de condições de
trabalho perigosas e insalubres, bem como a entrada precoce das crianças em atividades produtivas. O resultado da
superexploração da força de trabalho conduziu ao quadro de salário extremamente crítico: trata-se da mais perversa combinação de
doenças da miséria (desnutrição, infecções) com as chamadas doenças do desenvolvimento (acidentes de trabalho, de trânsito,
doenças ocupacionais, violência, intoxicações), atingindo especialmente as camadas oprimidas da sociedade. Hoje, precisamos
acrescentar a recessão que provoca mais desemprego e uma classe social chamada “massa sobrante”. O mais interessante é que
a própria sociedade culpa os indivíduos por estarem nessas situações.
• Causas ligadas a condições sociais de vida (moradia, higiene, vestuário e, principalmente, alimentação). A VIII Conferência
Nacional de Saúde (1986) definiu a saúde como resultante das condições de alimentação, habitação, educação, renda, meio
ambiente, trabalho, transporte, lazer, liberdade, acesso e posse da terra e acesso aos serviços de saúde. É, antes de tudo, o
resultado das formas de organização social da produção, as quais podem gerar grandes desigualdades nos níveis de vida.
As duas primeiras causas impedem a grande maioria da população de ter saúde e inviabilizam o cumprimento dessa definição.
Além dessas três causas já acenadas, a quarta complica ainda mais a situação.
• Causas ligadas a outras condições de vida diretamente associadas aos recursos e serviços de cura (atendimento médico e
acesso a medicamentos). A medicalização da vida efetiva-se cada vez mais no hospital, do parto aos últimos instantes na UTI, sem
refletir bastante sobre as causas e implicações desse fenômeno que desestruturou o relacionamento tradicional do doente no seu
meio familiar. Para quem puder entrar num hospital, o progresso e desenvolvimento científico e tecnológico investigam de maneira
cada vez mais sofisticada, obrigando as pessoas a permanecerem no hospital e fazendo do seu corpo uma máquina. Muitos
hospitais transformaram-se em oficinas mecânicas e os profissionais da saúde em mecânicos especializados ou não. O sistema de
saúde em nosso país reforça a tese de que ele não é organizado com a preocupação de ajudar o povo, mas aqueles que vivem às
custas do sistema: indústrias de equipamento, hospitais particulares, empresas farmacêuticas e de seguro médico, médicos
empresários... A preocupação é o lucro. Nessas condições, não é difícil imaginar a dificuldade da maioria da população em ter
acesso aos serviços médico-hospitalares (direito consagrado na Constituição, artigo 196) e comprar remédios. Todos conhecem o
drama das filas, sem contar as pessoas que morrem sem a mínima assistência.
Para Leonardo Boff, “a palavra ética que vem do grego ethos, designa a morada humana. A ética, como morada humana, não é
algo pronto e construído de uma só vez. O ser humano está sempre tornando habitável a casa que construiu para si. Ética significa,
portanto, tudo aquilo que ajuda a tornar melhor o ambiente para que seja uma moradia saudável. Na ética, há o permanente e o
mutável. O permanente é a necessidade do ser humano de ter uma moradia; o mutável é o estilo com que cada grupo constrói sua
moradia. Quando o permanente e o mutável se casam surge uma ética verdadeiramente humana” (Boff, 1997:90).
Como articular ética e moral? Ética deve ser entendida como reflexão, sistematização da moral: princípios fundamentais de conduta
moral. Moral é vida, vivência dos valores éticos, vida do dia-a-dia. A moral representa um conjunto de atos repetidos, tradicionais,
consagrados. A moral determina um repertório de comportamentos, costumes, para preservar um sistema, uma organização. A
ética corporifica um conjunto de atitudes que vão além desses atos. A ética lida com comportamentos e atitudes que visam o bem
comum: convívio, acolhida do diferente, cuidado. O ato é sempre concreto e fechado em si. A atitude é sempre aberta à vida com
suas incontáveis possibilidades. Cabe à ética garantir a moradia humana, sob diferentes estilos, para que seja efetivamente
habitável. Assim, “ética é um dos mecanismos de regulação das relações sociais das pessoas, que visa garantir a coesão social e
harmonizar interesses individuais e coletivos” (Fortes, 1998:25).
Histórico da bioética
Foi a verdadeira revolução biológica, desencadeada pela descoberta do Ácido Desoxirribonucleico – DNA (fonte da vida) por Crick
e Watson, em 1953, nos Estados Unidos, que criou as condições para o vertiginoso movimento de inovação tecnológica que se lhe
seguiu e que foi coroado por grandes sucessos em áreas diversas como: transplantes, reprodução, genética, ressuscitação, entre
outras. Há também outros elementos que fazem parte da história:
b) Estudo no hospital estatal de Willowbrook (Nova York) Instituição para deficientes mentais. Os participantes da
pesquisa eram crianças que foram deliberadamente infectadas com o vírus da hepatite A (1950–1970), com a finalidade
de encontrar uma vacina. Para observar a história natural da doença, investigadores infectavam deliberadamente parte
das crianças recém-ingressadas que eram encaminhadas para uma “unidade de hepatite”. Quando questionados, os
investigadores justificaram-se alegando que as crianças iriam se infectar de qualquer forma durante sua estadia na
instituição, assim não estavam causando prejuízos maiores do que a que estavam expostas.
Transplantes:
Em 1967 aconteceu um transplante de coração realizado pelo Dr. Christian Barnard. Frente a perguntas como: “o doador do órgão
estava verdadeiramente morto?” “O coração foi retirado com respeito aos desejos da pessoa ainda em vida?” ...criou-se o Comitê
da Escola Médica de Harvard para elaborar uma definição de morte cerebral com a participação de teólogos e filósofos.
Envolvimento de teólogos:
Enquanto os teólogos católicos discutiam questões como eutanásia e aborto, dois teólogos protestantes, Joseph Fletcher (1954) e
Paulo Ramsey (1970), enfatizavam a liberdade do paciente bem como as dimensões morais do relacionamento médico-paciente.
Origem da bioética
Bioética – ética da vida – é um neologismo, primeiramente forjado por Van Rensselaer Potter, biólogo e oncologista da
Universidade de Wisconsin, Madison, na obra Bioethics (Potter:1971), publicada em janeiro de 1971. O objetivo desta disciplina,
dizia ele, seria de ajudar a humanidade em direção a uma participação racional, mas cautelosa, no processo da evolução biológica
e cultural, como uma nova disciplina que combina conhecimento biológico com o conhecimento dos sistemas de valores humanos.
Potter escolheu “bio” para representar o conhecimento biológico, a ciência dos sistemas viventes, e “ética” para representar o
conhecimento dos sistemas de valores humanos. Para Potter, o objetivo último desta disciplina seria não somente enriquecer as
vidas individuais, mas prolongar a sobrevivência da espécie humana numa forma aceitável de sociedade.
Seis meses mais tarde, em 1º de julho do mesmo ano, André Hellegers, obstetra, fisiologista fetal e demógrafo, introduziu o mesmo
termo num sentido mais restrito, aplicando-o à ética médica e pesquisa biomédica. É este significado que acabou se consagrando
nos meios acadêmicos e na opinião pública.
Importa, desde já, destacar que o efetivo ponto de partida da bioética é a consideração da pessoa humana e das condições éticas
para uma vida humana. A perspectiva originária da bioética é fundamentalmente humanista.
Definições de bioética
Enfocando essa perspectiva, nos deparamos com várias conceituações da bioética.
“Bioética é um neologismo derivado das palavras gregas bios (vida) e ethike (ética); pode-se defini-la como sendo o estudo
sistemático das dimensões morais – incluindo visão, decisão, conduta e normas morais – das ciências da vida e do cuidado da
saúde, utilizando uma variedade de metodologias éticas num contexto interdisciplinar” (Reich, 1995: Int.).
Outra definição que complementa a conceituação de Reich, “bioética significa ética aplicada à vida (solucionadora de problemas) e
se apresenta como a procura de um comportamento responsável por parte daquelas pessoas que devem decidir tipos de
tratamentos, pesquisas ou posturas com relação à humanidade” (Garrafa, 1995:166).
As dimensões éticas examinadas na bioética estão constantemente evoluindo, mas tendem a enfocar várias questões maiores:
Qual é a visão moral da pessoa ou da sociedade? Que tipo de pessoa humana devemos ser, ou que tipo de sociedade devemos
construir? O que deve ser feito em situações específicas? Como viver harmoniosamente? Neste sentido, completaria a
conceituação de bioética com outro enfoque: “a bioética, inicialmente um movimento social que lutava pela ética nas ciências
biológicas e áreas correlatas, hoje é também uma disciplina norteadora de teorias para o biodireito e para a legislação, com a
finalidade de assegurar mais humanismo nas ações do cotidiano das práticas médicas e nas experimentações científicas que
utilizam seres humanos. Essa dupla face, disciplina e movimento social, movimento bioético —, confere à bioética a peculiaridade
de ser ao mesmo tempo reflexão sobre as implicações sociais, econômicas, políticas e éticas dos novos saberes biológicos e ação
que objetiva estabelecer um novo contrato social entre a sociedade, cientistas, profissionais da saúde e governo, sobre as questões
do presente e as perspectivas de futuro” (Oliveira, 1997:47–48).
Exercício da cidadania: lembrando a distinção que o bioeticista italiano Giovani Berlinguer faz entre bioética de fronteira – sendo
aquela que trata das novas tecnologias biomédicas aplicadas sobretudo à fase nascente e à fase terminal da vida e bioética
cotidiana, sendo voltada para a exigência de humanizar a medicina, articulando fenômenos complexos, como a evolução científica
da medicina, a socialização da assistência sanitária, a crescente medicalização da vida, inclusive a alocação de recursos para a
saúde. A bioética cotidiana nos faz entrar no concreto do exercício da cidadania. A cidadania é compreendida como o exercício da
plenitude dos direitos, como garantia da existência física e cultural e reconhecimento como ator social. A realização pessoal e
comunitária de cada pessoa é sempre considerada um valor acima do Estado e do Mercado. A inversão desta lógica implica
encontrar um mercado ou um estado com caráter autoritário, coercitivo e absoluto. Assim, precisamos de instâncias representativas
que defendam direitos e deveres na tomada de decisões frente à alocação e gestão de recursos em saúde.
Conselhos (Municipal, Estadual e Nacional) de Saúde: É conquista das mobilizações sociais e democráticas dos anos 1980,
que se consolidaram na Constituição Federal de 1988 e nas Leis 8.080/90 e 8.142/90. Ao integrar os Conselhos de Saúde na
estrutura legal do Poder Executivo, esta conquista acrescenta uma trincheira decisiva para o controle social, que é um enclave do
controle social dentro do Estado: os Conselhos Municipais, Estaduais e Nacional de Saúde. Estes órgãos do Poder Executivo
possuem uma composição e papel de características inusitadas e diferenciadas: sua composição é tão heterogênea e plural quanto
a própria sociedade – é constituída por conselheiros: metade é das entidades representantes dos usuários, e na outra metade, além
do governo, entidades representantes dos prestadores de serviços e dos profissionais da saúde. O grande objetivo: assegurar a
construção de um modelo assistencial baseado nos direitos de cidadania de toda a população, intersetorial, em defesa da vida e
da saúde, e com acesso universal e equitativo a todos os níveis da atenção integral à saúde, da coletividade, dos grupos
populacionais expostos a riscos específicos e de cada indivíduo. Tudo isso efetivado por um modelo de gestão descentralizado e
participativo. Sem a clareza do que significa este objetivo e o consequente compromisso, o controle social através dos Conselhos
de Saúde fica exposto a pressões estreitas de tendências e grupos, da sociedade e do Governo, desviando-se da totalidade da
sociedade e da cidadania.
Comissões de bioética: As comissões de bioética, no nosso caso, são formadas por diversos profissionais ligados à
comunidade. Basicamente são enfatizadas três funções: educativa, consultiva e normativa. Trata-se da educação nos grandes
temas da bioética, da análise e discussão de casos e problemas éticos, e da elaboração de normas éticas, bem como da
implementação das já existentes. Os componentes dessas comissões poderiam ser profissionais da saúde, representantes dos
vários segmentos da sociedade e gestores (municipais, estaduais e nacionais) escolhidos a partir dos conselhos de saúde para
firmar o compromisso desses com as decisões tomadas para promover e garantir a saúde da população, como por exemplo o
funcionamento a contento do Sistema Único de Saúde (SUS).
Comissões de Bioética nas Instituições de Saúde: as comissões de bioética são formadas por diversos profissionais ligados
ao hospital ou à comunidade, tais como o diretor administrativo, o diretor clínico, a diretora de enfermagem, um representante da
psicologia, do serviço social, da nutrição, um jurista, um representante de culto. Basicamente, são enfatizadas as três funções:
educativa, consultiva e normativa. Trata-se da educação do hospital e da comunidade nos grandes temas da bioética, da análise e
discussão dos casos clínicos para esclarecer seus problemas éticos, e da elaboração de normas éticas, bem como da
implementação das já existentes.
Função educativa: os componentes da comissão devem passar por uma etapa de autoformação prévia. A tarefa educativa no
hospital consta de conferências, jornadas, cursos, seminários etc. Por último, a comissão de bioética projeta-se na comunidade
atingindo os pacientes, familiares, centros comunitários, para estudar e refletir sobre os temas mais importantes da bioética. Entre
as questões que dizem respeito ao início da vida, temos: contracepção, esterilização, exame pré-natal, aborto, concepção
medicamente assistida (inseminação artificial, fecundação “in vitro“), doação de sêmen, óvulo, embrião, mãe de aluguel...
Entre as questões relacionadas com o fim da vida, temos: a morte e o morrer, paciente terminal, eutanásia, distanásia, suicídio,
transplantes... Enfim, as questões que se situam numa área intermediária: códigos de ética das diversas profissões,
experimentação em seres humanos, direito à saúde, pena de morte, fome...
Função consultiva: a comissão começa com uma revisão retrospectiva dos casos já resolvidos para adquirir habilidade em
identificar os problemas, cursos de ação e justificação ética das alternativas. Logo decide que casos receberá para consulta: todos
os serviços, ou da terapia intensiva ou serviço de pesquisa... Nos distintos casos, a comissão deve estabelecer se suas conclusões
serão em forma de exposição de vantagens e desvantagens das alternativas, sugestões de ação ou recomendações.
Função normativa: a comissão, em primeiro lugar, deve fazer com que sejam respeitadas no hospital as normas éticas de
aceitação mundial no campo da saúde: Declaração da Associação Médica Mundial, Declaração Universal dos Direitos Humanos e
outros documentos de grande relevância. Em seguida, se dedicará à elaboração de normas éticas de procedimento. A Comissão
define o tema que será objeto de normatização ética, recompila informações já existentes, consulta os profissionais do hospital ou
da instituição de saúde sobre a factibilidade das normas, avalia a linguagem dessas normas e revisa legalmente o texto para
aprovação.
Comitê Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP)3: em toda instituição de saúde, bem como universidades e faculdades que
realizam pesquisas com seres humanos e animais, é preciso ter um Comitê de Ética em Pesquisa, segundo definição da
Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde/Ministério da Saúde.
O comitê de ética em pesquisa tem por finalidade analisar a cientificidade e eticidade da pesquisa, defender os interesses do
sujeito da pesquisa e os interesses do pesquisador. A ênfase é dada ao consentimento livre e informado, à análise dos riscos
versus benefícios e à não-maleficência da pesquisa.
Comissão Nacional de Bioética (A ser criada): ligada à Presidência da República, constituída de membros das comissões de
bioética, representativos de todos os segmentos da sociedade, capazes de discutir os assuntos bioéticos.
a) Nascer
1) Vida humana
Conceito de natureza e pessoa
Quando começa? (teorias)
Sacralidade x Qualidade
Sacralidade: vitalismo, vida biológica como absoluto.
Qualidade: alguém escolhe qualidade antes que quantidade.
A vida biológica é fundamental, mas não é um absoluto. Absoluto é o amor.
Qualidade e sacralidade da vida não são opostas; elas tornam-se tais em argumentações simplistas. O crucial é que as decisões
sejam ponderadas nos princípios de justiça e razão.
Natureza: Sim. Ser Humano: Não – Como não ter os filhos que não se quer?
Sexualidade x Reprodução (separação)
Contracepção – métodos contraceptivos: camisinha, pílula, esterilização: vasectomia, ligadura das trompas
Exames pré-natais (ultrassom, amniocentese, amostra do vílio corial)
Abortamento
Natureza: Não. Ser Humano: Sim — Como ter os filhos que a natureza recusa?
Concepção medicamente assistida
Inseminação artificial
Doação de sêmen, óvulo, ovo ou embrião
Bancos de esperma (paternidade pós-morte)
Úteros (mães, barrigas) de aluguel
Embrião – direitos
c) Morrer
a) Aspectos Histórico-Culturais
Alguns temas importantes sobre o fim da vida:
Novo conceito de morte encefálica (1968).
Transplantes (coração, rim, fígado, pulmão etc.).
Doação de órgãos.
Paciente Terminal (cuidados paliativos, direitos, saber a verdade?).
Eutanásia – suicídio assistido, distanásia (obstinação terapêutica).
Dignidade no adeus à vida.
Conclusão
Relembramos que o advento da bioética muito contribuiu para estabelecer a distinção entre moral e ética.
MORAL diz respeito a valores consagrados pelos usos e costumes de uma determinada sociedade. Valores morais são, pois,
valores eleitos pela sociedade e que cada membro a ela pertencente recebe (digamos passivamente) e os respeita.
ÉTICA é um juízo de valores, é um processo ativo que vem de “dentro de cada um de nós para fora”, ao contrário de valores morais
que vêm de “fora para dentro” de cada um. A ética exige um juízo, um julgamento, em suma, uma opção diante dos dilemas. Nesse
processo de reflexão crítica, cada um de nós vai pôr em jogo seu patrimônio genético, sua racionalidade, suas emoções e, também,
os valores morais.
BIOÉTICA é ética. Não se pode dela esperar uma padronização de valores – ela exige uma reflexão sobre os mesmos e, como dito,
implica opção. Ora, opção implica liberdade. Não há bioética sem liberdade; liberdade para se fazer uma opção, por mais
“angustiante” que possa ser. O exercício da bioética exige, pois, liberdade e opção. E esse exercício deve ser realizado sem
coação, sem coerção e sem preconceito. A bioética exige também humildade para se respeitar o diferente, e a grandeza para
reformulação, quando se reconhece o equívoco em uma opção. Condição sine qua non exigida pela bioética, enquanto tal, diz
respeito à visão pluralista e interdisciplinar dos dilemas éticos nas ciências da vida, da saúde e do meio ambiente. Ninguém é dono
da verdade.
Hoje, a bioética pode ser definida como um instrumental de reflexão e ação, a partir de três princípios: autonomia, beneficência e
justiça. Busca estabelecer um novo contrato social entre sociedade, cientistas, profissionais da saúde e governos. Além de ser uma
disciplina na área da saúde é também um crescente e plural movimento social preocupado com a biossegurança e o exercício da
cidadania, diante do desenvolvimento das biociências. Procura resgatar a dignidade da pessoa humana e a qualidade de vida.
3. Cfr Anexo 4: Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde/MS.
4. Principais trechos do script do vídeo em que Van Rensselaer Potter fala de sua intuição pioneira a respeito da bioética, que foi apresentado
especialmente para o IV Congresso Mundial de Bioética (Tóquio – 1998).
Capítulo 3
Políticas demográficas
Introdução
Numa abordagem sobre o tema “bioética e políticas demográficas”, faz-se necessário, antes de tudo, falar dos direitos reprodutivos.
Como sabemos, saúde e direitos reprodutivos não são ainda direitos. E também sabemos que uma grande parcela da população
desconhece seus direitos reprodutivos. Mas como falar de bioética, ética da vida, se 70% da população não vive, mas sobrevive? A
conceituação de direitos reprodutivos é uma reivindicação dos movimentos de mulheres que está se impondo internacionalmente, e
que envolve a ética e a política de saúde.
Os direitos reprodutivos consistem no direito básico de todos os casais e indivíduos (homem e mulher) de decidir livre e
responsavelmente sobre o número, o espaçamento e o momento de ter filhos e de ter informações e acesso aos meios
contraceptivos, e no direito de obter um melhor padrão de saúde sexual e reprodutiva. É o direito de ter relações sexuais
prazerosas. Isso inclui o direito de todos de tomar decisões em relação à reprodução, livres de discriminação, coerção e violência,
termos esses expressos em documentos internacionais sobre direitos humanos.
Assim, com a descoberta pela ciência, a partir da década de 60, dos métodos contraceptivos, pode-se ter a liberdade sexual e o
controle reprodutivo. Separou-se um processo que nunca aconteceu anteriormente na história: de um lado a sexualidade, de outro a
reprodução. Começa a ganhar expressão a ideologia de que a reprodução deve ser conduzida racionalmente.
É nesta realidade que surgem com força questões éticas relacionadas aos direitos reprodutivos e às implicações da participação
de governos na questão da política populacional: planejamento familiar, contracepção e aborto.
Antes de uma reflexão mais pontual, vamos tentar visualizar a problemática das políticas demográficas.
Políticas populacionais
Desde a Antiguidade até o fim da Idade Média o crescimento demográfico foi de 0,1%. Estima-se que havia, no tempo do
nascimento de Cristo, 250 milhões de pessoas no mundo. Em 1492, quando Colombo descobriu a América Latina, a população
girava em torno de 400 milhões. De 1960 a 1970, a humanidade alcançou o pico máximo de crescimento global: 2,69%. A
população do mundo duplica a cada 33 anos.
Estudos a respeito da demografia são recentes. Datam do século XVIII. A obrigatoriedade do censo demográfico periódico
começou nos Estados Unidos em 1790 e, em seguida, na Inglaterra e na França, em 1901. A humanidade atingiu a casa do
primeiro bilhão em 1850 e em 1930, o segundo bilhão. Foram necessários milhares de anos para se chegar ao primeiro bilhão, e
somente 80 anos para o segundo. Tivemos três Conferências Mundiais sobre População e Desenvolvimento: Bucareste (1974),
México (1984) e Cairo (1994). A Conferência de Bucareste foi extremamente pessimista e falou-se em bomba demográfica, mais
perigosa que a bomba de hidrogênio. Na conferência do México, constatou-se que, de um lado, existem países com crescimento
populacional preocupante (Terceiro Mundo) e, de outro, países com déficit populacional (por exemplo, Alemanha e França).
Na Conferência do Cairo houve certo consenso internacional quanto aos seguintes pontos:
Existe um direito humano sobre planejamento da natalidade. Isso é reconhecido também pela maioria dos representantes dos
países do Sul e é um avanço em relação à primeira Conferência de Bucareste.
Aborto e esterilização forçada não podem constituir meios de planejamento da natalidade.
É urgente superar a pobreza estrutural no mundo, e sobretudo uma mudança no comportamento de consumo das pessoas
ricas do Norte.
A posição da mulher deve ser melhorada em todos os aspectos, mas, sobretudo, no sentido de melhor formação básica.
São urgentes a criação de planos especiais de ação que possibilitem em âmbito universal o planejamento da natalidade.
É importante enfocar a saúde reprodutiva: segundo as palavras do Plano de Ação do Cairo, isso significa o direito à
informação e acesso a métodos seguros, baratos e inofensivos para a regulação da fertilidade, bem como o direito a
serviços adequados de saúde que proporcionem à mulher uma gravidez e um parto seguros e ajudem os pais a ter um filho
saudável. Disso faz parte também a educação sexual dos jovens, a conscientização dos homens e mulheres sobre seus
problemas de saúde, a descoberta e o tratamento de doenças venéreas, os cuidados matemos antes e depois do parto, a
vacinação de bebês e crianças pequenas.
Contracepção – anticoncepção
Alguns pontos norteadores de nossa reflexão
• Thomas Robert Malthus (1766-1834), economista e demógrafo inglês, descreveu uma teoria de contenção demográfica conhecida
como malthusianismo, que sobrevive ainda hoje com o nome de neomalthusianismo. A tese é a seguinte: é impossível alcançar o
bem-estar geral sem contenção demográfica, pois o crescimento demográfico é sempre maior que a produção de bens: a produção
de bens cresce em proporção aritmética; a população, em proporção geométrica.
• Os fatos, até hoje, desmentiram os neomalthusianistas. Contra todas as suas previsões, a humanidade, apesar de todo o seu
crescimento populacional, nunca dispôs de tantos bens materiais, inclusive alimentos, quanto hoje. Há centenas de milhões de
pessoas que passam fome e sofrem de muitas outras carências básicas, é verdade, mas a humanidade, como um todo, teria
condições de resolver satisfatoriamente o problema.
• Não podemos desconsiderar um dado essencial da tese neomalthusianista: o planeta Terra, único habitat do ser humano, é
limitado em seu espaço e seus recursos. Bem ou mal, a humanidade conseguiu extrair da mãe terra o necessário para alimentar e
melhorar o padrão de vida de sua massa crescente.
• Hoje, há um fato e uma previsão a considerar:
a) o fato: o crescimento populacional vem caindo lenta e sistematicamente, não por força do controle da humanidade,
mas por determinação sua, com meios que descobriu e adotou para a implementação de um programa populacional;
b) a previsão: por volta do ano 2100, a humanidade passará a ter um crescimento populacional zero, isto é, nascimentos
e mortes se equivalerão. Se a previsão for correta, a humanidade terá condições de se administrar e os bens
disponíveis com muito mais segurança do que hoje, pois o crescimento populacional implica em demanda sempre
crescente. É claro que isso não é tudo, mas não deixa de ser um dado fundamental.
• É essencial ter presente uma condição posta pelos defensores da natalidade: os recursos naturais e as capacidades técnicas do
homem permitem encarar o futuro com confiança desde que se saiba partilhar de forma equitativa. Está aqui um nó da questão: os
países ricos, com apenas 20% da população mundial, consomem 80% do que se produz.
• O crescimento populacional não está associado ao crescimento da fecundidade, que vem caindo sistematicamente em todo o
mundo. O crescimento populacional decorre de dois fatores: queda da mortalidade infantil, fruto de melhores condições de vida e
cuidados médicos, sobretudo elementares como as vacinas e antibióticos, e o aumento da média de vida, fruto não só da
contenção da mortalidade infantil, mas de melhores condições de vida e cuidados médicos, só que nesta segunda ponta devem ser
mais sofisticados e dispendiosos. Podemos, pois, afirmar que o crescimento populacional é resultado direto do progresso.
• Os países do Primeiro Mundo tem crescimento zero, mas há estabilização econômica por causa da taxa de substituição pela
migração.
Aconselhamento genético
Aconselhamento genético é um conjunto de procedimentos que visa informar, orientar uma pessoa e/ou a família sobre questões
relativas ao surgimento e/ou risco de ocorrência de doenças genéticas. O aconselhamento genético pode ser: prospectivo (o que a
pessoa ou sua descendência poderá ter) e retrospectivo (o que a ancestralidade ou familiares de alguém tem ou teve). Durante o
processo de aconselhamento genético tenta-se: descobrir o que é (diagnóstico); descobrir qual a causa (etiologia); compreender a
evolução da doença; se tem cura ou não; e definição de um tratamento curativo ou paliativo (prognóstico); avaliar o risco de
repetição ou aparecimento em outros membros da família atual e/ou da prole futura.
O “mercado” de aconselhamento genético criado pelos programas populacionais (testagem genética de uma população) pode
acarretar inúmeras questões de ordem ética, jurídica e social, dependendo da forma como a informação será utilizada. Um exemplo:
a quem se destina a informação e a orientação no aconselhamento genético? À pessoa portadora da doença ou a quem legalmente
é responsável? Mãe e pai? Família biológica? A sociedade – mas quem na sociedade necessitaria dessa informação e quando?
Serviços de saúde? O governo? Quem tem o direito de saber da intimidade genética de alguém? E por quê? E em quais
situações?
Os dilemas éticos no aconselhamento genético são inúmeros. Diante do desencadeamento de tantos conflitos, os serviços de
aconselhamento devem possibilitar à pessoa e à família a mais profunda compreensão da doença, o prognóstico e as opções de
acompanhamento médico e de terapêuticas disponíveis e as que melhor se adequem ao caso e que garantam a melhor qualidade e
dignidade possível de vida; transmitir com absoluta transparência, facilidade de entendimento os riscos de transmissão e do
reaparecimento; ensinar a melhor forma de lidar com a doença; fornecer orientação não terrorista quanto às questões de
procriação; explicar por que a pessoa está realizando um teste genético, explicar-lhe que nada a obriga a submeter-se ao teste e
que só será realizado após o seu livre consentimento (consentimento informado).
Aborto
Aborto: conceituações
Etimologicamente, aborto, do latim abortus, significa privação de nascimento porque vem de ab, que quer dizer privação, e ortus,
nascimento. No corpo do ensaio, usarei a palavra aborto como sinônimo de abortamento: “alguns autores preferem o termo
abortamento para designar a interrupção dolosa da gravidez, antes do sexto mês, com o argumento de que aborto seria o produto
desta intervenção, e porque a palavra abortamento guardaria maior significação técnica. Entretanto, o termo, na forma contraída, é o
mais comumente utilizado, seja popularmente, seja na linguagem erudita e ambos possuem o mesmo sentido. Ademais, aborto,
pela sua sinonímia revela, por si só, o caráter de abortar” (Parreira, 1993:47-64).
Uma conceituação clássica do aborto, representando um consenso para a maioria das correntes filosóficas, médicas e religiosas
seria “a expulsão ou extração de toda ou qualquer parte da placenta ou das membranas, sem um feto identificável, ou de um recém-
nascido vivo ou morto, que pese menos de quinhentos gramas. Na ausência do conhecimento do peso, uma estimativa da duração
da gestação de menos de vinte semanas completas, contando desde o primeiro dia do último período menstrual normal, pode ser
utilizada” (Abel, 1980:99). Ou do ponto de vista médico, “aborto é a interrupção da gravidez até a 20a ou 22a semana, ou quando o
feto mede até 16,5 cm. Este conceito foi formulado baseado na viabilidade fetal extrauterina e é mundialmente aceito pela literatura
médica” (Rosas, 1996:15). “O estágio de viabilidade extrauterina foi definido arbitrariamente por diferentes organismos nacionais e
internacionais, e está sujeito a modificações em função do aperfeiçoamento da medicina neonatal e da melhora da taxa de
sobrevivência dos bebês de baixo peso” (Hottois, Parizeau, 1993:31).
“Na visão estritamente médica, obstétrica de aborto, a palavra é reservada para a interrupção de gestação até 24 semanas de
gravidez, ou seja, até a ocasião em que o feto passa a se tornar capaz de vida, independentemente do útero materno; daí em diante
o fato passaria a se chamar parto prematuro. Não há diferença substancial, salvo a exigência que a lei faz de que, para se
denominar algo como aborto, é indispensável que tenha ocorrido a morte do nascituro, a vida do qual é o valor a ser juridicamente
preservado (Almeida, 1998).
Distingue-se aborto espontâneo, aquele que acontece por causas naturais. Segundo uma pesquisa realizada na França10, 75% das
concepções terminam em aborto: 60% antes de reparar o atraso da menstruação e 15% quando a gravidez é conhecida; em dois
terços dos abortos espontâneos precoces (antes da sétima semana de amenorreia), o aborto é uma espécie de eliminação dos
produtos da concepção apresentando uma anomalia cromossômica.
O aborto provocado ou induzido é aquele que acontece pela intervenção especial do homem. As causas ou motivos costumam
chamar-se de indicações (Anjos, 1976:19-20; Barchifontaine, 1993:19): indicação médica ou terapêutica, quando o aborto é
provocado para salvaguardar a vida ou a saúde da mãe; indicação eugênica, quando o aborto é provocado para se livrar de um
nascituro com taras, anomalias, defeitos ou doença fetal previstos, eventualmente já constatados em exame pré-natal; indicação
socioeconômica, quando o aborto é provocado por falta de condições para criar uma família, moradia sem espaço, insegurança de
emprego, baixo salário, doenças na família, responsabilidade com os idosos, sensibilidade à defesa da qualidade de vida acima de
sua quantidade numérica, falta de proteção à mãe solteira e aos filhos excepcionais; indicação psicossocial, quando o aborto é
provocado por medo da discriminação da mãe solteira, complicação de filho sem pai, desonra da família, incapacidade de tomar
conta do filho, medo da gravidez e de seus riscos, falta de vontade de ter filhos ou este filho, para não perder seu emprego, seu
sustento ou forma física, gravidez indesejada causada pelo fracasso dos meios anticoncepcionais, as exigências da educação dos
filhos; indicação ética, quando o aborto é provocado por motivos chamados morais, como a gravidez resultante de estupro
(violência carnal), incesto, adultério, relação fora do matrimônio; indicação cultural, quando o aborto é provocado pela mudança do
papel da mulher e da família na sociedade, sociedade de consumo e sua propaganda pelos bens materiais, culturais e conforto
físico; indicação política, quando o aborto é provocado por causa da política de salários, de seguridade social, do serviço de
maternidade que reprimem a taxa de natalidade, medo de uma explosão demográfica e de superpopulação, mentalidade antivida.
Do ponto de vista médico, encontramos também outra terminologia e tipos de aborto (Diniz, Almeida, 1998:126-7): interrupção
eugênica da gestação (IEG), interrupção em função de valores racistas, sexistas e étnicos; interrupção terapêutica da gestação
(ITG), interrupção em nome da saúde da mulher; interrupção seletiva da gestação (ISG), interrupção em função de patologias
incompatíveis com a vida extrauterina; interrupção voluntária da gestação (IVG), interrupção em nome da autonomia reprodutiva da
mulher ou do casal, gravidez indesejada por estupro ou relação consensual: há limites gestacionais à prática.
Do ponto de vista legal, “aborto é a interrupção da gravidez com intuito de morte do concepto, não fazendo alusão à idade
gestacional” (Rosas, 1996:15). Mas a grande maioria das legislações mundiais apontam 12 semanas: “o melhor estudo sobre o
assunto é o realizado por Rahman, que vem fazendo um acompanhamento da legislação mundial desde 1985, ocasião da
publicação do primeiro relatório comparativo, sendo que o último levantamento foi publicado em junho de 1998, com dados relativos
até janeiro do mesmo ano” (Diniz, Almeida, 1998:129).
No sentido moral, “aborto é a interrupção de uma gravidez em um modo fatal para o nascituro. Em sede moral, exige-se que a
interrupção da gravidez seja um ato humano e, portanto, de qualquer forma voluntária” (Anjos, 1976:29-30). Fatal é o elemento que
distingue o aborto da aceleração do parto, na qual a interrupção do processo normal da gravidez permite ainda a vida do nascituro.
“O aborto moral baseia-se na realidade do aborto médico, mas acrescenta a peculiaridade da instância ética: o peso da valoração
da vida. Assim, aborto moral é o comportamento abortivo negativo enquanto intervém a responsabilidade numa ação que traz um
contravalor neste âmbito da gestação” (Vidal, 1981:217).
No âmbito da bioética, “o aborto espontâneo refere-se à interrupção espontânea da gravidez antes da viabilidade (em torno de 25
ou 26 semanas de gestação). As interrupções de uma gravidez após essa época são chamadas de partos precoces, ou no caso de
parto de um feto que já morreu, partos de natimortos. A terminologia comumente utilizada no caso de um aborto induzido é diferente.
Nesse caso, a viabilidade não é um ponto chave. Qualquer interrupção de gravidez por meio de técnicas médicas ou cirúrgicas
denomina-se aborto, independente do estágio” (Reich, 1995:1).
“O aborto precoce é aquele realizado no primeiro trimestre ou até 12 semanas de gestação, depois é chamado de aborto tardio.
Nos Estados Unidos os índices de complicações gerais dos abortos legais realizados no primeiro trimestre são menores do que 0,5
mortes por 100.000 abortos realizados. As complicações médicas associadas ao aborto induzido têm uma relação direta com o
tempo de gestação e com o tipo de procedimento utilizado para interrompê-la. A maior parte dos abortos (mais de 90%) nos
Estados Unidos é realizada dentro das primeiras 12 semanas de gestação, período em que essa prática é mais segura.
Complicações mais graves podem ocorrer quando o aborto é realizado após esse período” (Reich, 1995:2). A respeito do aborto
precoce, há um consenso geral de que “embora o feto possa exibir reflexos primitivos antes da vigésima semana de gestação, não
há evidência que o cérebro e o sistema neurológico estejam suficientemente desenvolvidos, nem sequer na vigésima quarta
semana, para que o feto sinta dor; as técnicas de aborto do segundo trimestre que poderiam parecer mais humanas ou apresentar
mais respeito pelo feto, em geral implicam em maior risco para a mulher; os médicos comprometidos nos procedimentos abortivos
têm a intenção de oferecer os procedimentos mais seguros para a mulher e consideram que o benefício para a mulher substitui a
meta de minimizar o dano ao feto” (Reich, 1995:5).
Conclusão
A respeito da anticoncepção ou planejamento familiar, é importante observar que o conhecimento científico do mecanismo
reprodutor do ser humano é relativamente recente. Da década de 20 à década de 30, dois médicos, Ogino e Knaus, descobriram o
período fértil e infértil da mulher (tabelinha). Somente na década de 60 temos a descoberta dos métodos químicos, notadamente a
pílula, por Pincus e Rook. Antes dessas descobertas, para evitar filhos de forma segura, só tínhamos a abstinência sexual ou a
castração. A grande mudança que se operou foi de, no campo da esterilização, manter os órgãos reprodutores intactos (vasectomia
ou ligação tubária), sem o risco de reproduzir. Com a anticoncepção, pode-se ter a liberdade sexual e o controle reprodutivo.
Separou-se um processo que nunca aconteceu anteriormente na história. De um lado a sexualidade, de outro a reprodução.
Começa a ganhar expressão a perspectiva cultural de que a reprodução deve ser conduzida racionalmente. É na perspectiva dessa
realidade que surgem com força questões éticas relacionadas a controle da natalidade, direitos reprodutivos, paternidade
responsável e as implicações da participação de governos na questão da política populacional.
Na realidade em que vivemos, em condições socioeconômicas ruins, com uma taxa elevada de analfabetismo, falta de educação
sexual adequada, torna-se difícil para a maioria da população usar os métodos naturais (tabelinha, Billings). Por isso, consideramos
como “mal menor”, ou melhor dizendo, “bem maior”, o uso dos métodos artificiais para chegar a um planejamento familiar e à
paternidade responsável, a partir de uma informação honesta sobre todos os meios de anticoncepção para que o casal possa
escolher livre e conscientemente, junto com o médico, a melhor maneira de planejar sua família. É melhor usar um método artificial
do que abortar.
Numa reflexão sobre o aborto, é bom lembrar que “a tolerância é um conceito essencial para o exercício da democracia, designa o
fato de se abster de intervir nas ações ou opiniões de outras pessoas, mesmo quando essas opiniões ou ações nos parecem
desagradáveis, ou moralmente repreensíveis. Portanto, tolerar é em primeiro lugar estar de acordo sobre o fato de que as
diferenças vão permanecer, sobre a persistência de desacordos fundamentais, permitindo a justaposição harmoniosa de grupos
que não tenham a mesma visão do mundo. O fiador dessa harmonia é o Estado republicano, universalista, baseado na existência
da obediência política da pessoa pública e na liberdade interna de cada um no foro privado” (Ardaillon, 1998:4-5). Quanto à
tolerância diante da diversidade moral: “a diversidade não é atraente e pode ofender porque possuir crenças particulares contra
outras pessoas, é o mesmo que atrair o julgamento. Uma visão canônica de conteúdo pretensamente universal tem dentes. Assim,
tanto o judaísmo ortodoxo como o catolicismo condenam o aborto por conveniência, assim como a eutanásia. Essas religiões
consideram tais atividades erradas não apenas por seus fiéis, mas para todas as pessoas” (Engelhardt, 1998:44).
“O aborto é uma das questões paradigmáticas da bioética porque nele reside a essência trágica dos dilemas morais que, por sua
vez, são nó conflitivo da bioética. Para certos dilemas morais não existem soluções imediatas. Os dilemas-limite, os Teyku (noção
talmúdica que significa problema não solucionado no raciocínio moral, indica os limites da razão para a resolução de dilemas
morais), dos quais, talvez, o aborto componha um de seus melhores exemplos, são situações que desafiam os estranhos (inimigos)
morais à coexistência pacífica” (Engelhardt, 1998-167).
“A bioética substitui a proibição pela liberdade incorporando a ética da responsabilidade. Neste sentido, a bioética passa a ser
entendida como a resultante moral do conjunto de decisões e medidas técnico-científicas, políticas e sanitárias, individuais ou
coletivas, públicas ou privadas – que proporcionam aumento de cidadania e diminuição da exclusão social” (Garrafa, 1999).
Assim, em relação à bioética, o problema é integrar na justa medida e para cada caso concreto, uma ética da tolerância, uma ética
da responsabilidade e uma ética de solidariedade, “sendo a tolerância uma conquista no caminho em direção à solidariedade, o
laço que une pessoas como corresponsáveis pelo bem umas das outras” (Zoboli, 1999:20-21).
5. Observatório de Imprensa – Matérias – 26/02/2003. http://observatorio.ig.br/artigos.
6. Folha de São Paulo, C7, 07 de março de 2003.
Capítulo 4
Indicação
A indicação é a infertilidade que atinge 20% da população: a percentagem é igual para ambos os sexos. Mas cuidado: a causa
mais comum de infertilidade masculina é a varicocele, uma dilatação anormal das veias na área genital, que atinge
aproximadamente 15% da população masculina, chegando a 30% entre os homens inférteis. Depois da cirurgia da varicocele, a
taxa de gravidez fica em 40% mais alta que os 25% de bebê de proveta. Outro exemplo é a reversão de vasectomia, cuja taxa de
gravidez sobe para 70% depois da cirurgia. Por isso o diagnóstico é importante, já que é possível tratar as causas sem precisar da
fertilização assistida. Assim, se opta pela reprodução assistida nos casos mais complicados: contagem baixa de espermatozoides,
no homem; obstrução das duas trompas e problemas graves de ovulação, na mulher.
O sucesso de gravidez com as técnicas de reprodução assistida diminui conforme a idade aumenta. Em mulheres de até 30 anos, a
taxa fica em torno de 45%; aos 35 anos diminui para 35%; de 35 a 40 anos, a chance é de 25 a 30%; e acima de 40 anos, de 18 a
20%.
Antes de optar pela reprodução assistida, o casal precisa ser bem analisado, pois deve ser a última opção.
Alguns riscos
Segundo Corrêa12, todas aquelas etapas da FIV comportam riscos, como os efeitos indesejáveis de doses elevadas de hormônios,
o desconforto ligado ao monitoramento laboratorial de todo o processo, as repetidas intervenções médico-cirúrgicas etc. A
transferência de vários embriões é responsável pelos principais efeitos iatrogênicos para a saúde de mulheres e bebês, ligados às
gestações múltiplas (baixo peso ao nascer, problemas respiratórios de recém-nascidos e outros danos associados às gestações
de mais de um feto). Esse procedimento “padrão” na medicina reprodutiva acabou por ser caracterizado como uma má prática
médica, passando a ser mais fortemente criticado. Apesar do surgimento da crítica, mesmo no campo médico, e de propostas para
limitar o número de embriões gerados e transferidos na FIV, nem todas as equipes seguem, efetivamente, essa tendência.
As possibilidades e propostas de intervenção sobre o embrião são mais do que uma interface entre clínica e pesquisa na área de
reprodução. É muito importante deixar assinalado que a pesquisa com embriões depende do “tratamento” proposto através da FIV.
Assim, esses desdobramentos “mais tecnológicos” não podem ser desvinculados da discussão das implicações de ordem social,
ética, psicológica e mesmo legal ligadas à medicalização do desejo de filhos.
Segundo Oliveira13, as novas técnicas de reprodução conceptivas propiciam a materialização de desejos sexistas, racistas,
eugênicos e potencializam a exploração de classe, basta que se possa pagar por eles. O recorte de classe é o sustentáculo de tais
desejos, cujas decorrências são: a exploração de classe (mulheres/casais ricos custeiam o “tratamento” das pobres e assim se
livram de parte da super-hormonização e obtêm óvulos); o tráfico e a comercialização de embriões, sêmen, óvulos (há vários sites
que comercializam óvulos); a industrialização e a venda de óvulos obtidos do tecido ovárico de mulheres ainda vivas, de cadáveres
de mulheres e de fetos abortados. À medida que as tecnologias conceptivas se expandem, sua concepção industrial também
cresce: os óvulos tornam-se matéria-prima e são tirados do ovário de uma mulher para serem implantados no útero de outra. Essas
mulheres serão consideradas procriadoras, como animais de procriação, vendidas como tais.
Alguns questionamentos
Algumas questões precisam ser resolvidas do ponto de vista legal quanto à possibilidade de se realizar a fecundação
extracorpórea:
• Quanto à experimentação com embriões ou fetos humanos, é preciso decidir se são pessoas humanas ou simples produtos da
concepção, visto que sua conceituação implica também em princípios éticos.
• A experimentação e preservação de gametas humanos devem ser submetidas a determinados critérios como: ocorrida a
fecundação, por quanto tempo podem-se realizar pesquisas em embriões humanos? Deve-se permitir o congelamento de
embriões, óvulos ou esperma por um longo período? Se um embrião permanece congelado, por muitos anos, o que acontece com o
conceito de geração?
• Deve o embrião ou feto possuir um estatuto jurídico ou ele se apoia no direito da mãe? Por se tratar de duas pessoas jurídicas
(embrião e mãe), existe o perigo de intervenções médicas e do Estado no período da gravidez em detrimento da mãe? Se a mãe
não quiser se submeter a uma intervenção terapêutica, gerando um conflito entre o seu direito e o direito do feto, a quem os
tribunais protegem?
• Qual o estatuto do embrião (congelado) fora do útero? A quem eles pertencem? Se somente os pais têm direitos sobre eles, o que
fazer em caso de morte do casal? Qual será doravante sua relação social? No caso de divórcio, podem ser objeto de uma divisão?
Qual o direito da clínica de dá-los a um terceiro? Possuem direitos de herança? No caso de morte do pai, a mãe pode implantá-los?
Possuem os mesmos direitos que outros irmãos nascidos quando o pai estava vivo? É crime vender embrião? Que itens podem
constar num contrato de doação de embriões? Quais são as garantias de que a clínica não utilizará os embriões sem conhecimento
dos pais? Quem controlará bancos de gametas e embriões?
• Podem pré-embriões legalmente humanos serem submetidos à perda planejada? Na redução embrionária, eliminam-se alguns
embriões. O que diferencia esta destruição dos embriões de um aborto?
• Há necessidade de se estabelecer critérios para recrutamento e seleção de doadores de sêmen/embriões? Como garantir que a
possibilidade de escolha do sexo (no caso de embrião), ou de semelhança com o genótipo dos pais não estabeleça critérios
discriminatórios e racistas?
• Deve-se limitar o número de doações para cada doador(a)?
• O doador(a) deve, por escrito, abandonar todos os direitos e deveres de descendência? A autorização de dois doadores de
gametas é necessária para reimplantar o embrião num terceiro?
• A pessoa gerada por reprodução medicamente assistida pode ter o direito de conhecer seus pais genéticos?
• Qual o conceito de paternidade e maternidade quanto à família?
• Quanto a critérios socioeconômicos: como avaliar um casal quanto à normalidade psíquica? Casais homossexuais ou indivíduos
solteiros poderiam se candidatar? É necessário definir o estado conjugal das pessoas e as condições socioeconômicas?
• Uma pessoa concebida com sêmen heterólogo é legítima ou ilegítima?
Legislação
Código de Ética Medica
“É vedado ao médico:
Art. 67 – Desrespeitar o direito do paciente de decidir livremente sobre os métodos contraceptivos ou conceptivos, devendo o
médico sempre esclarecer sobre a indicação, a segurança, a reversibilidade e o risco de cada método.
Art. 68 – Praticar fecundação artificial sem que os participantes estejam de inteiro acordo e devidamente esclarecidos sobre o
procedimento.
Art. 122 — Participar de qualquer tipo de experiência no ser humano com fins bélicos, políticos, raciais ou eugênicos.
Art. 127 – Realizar pesquisa médica em ser humano sem submeter o protocolo à aprovação e acompanhamento de comissão
isenta de qualquer dependência em relação ao pesquisador.”
Normas Éticas para utilização das Técnicas de Reprodução Assistida
(Resolução nº 1.358/92 do Conselho Federal de Medicina)14
Partindo da consideração da legitimidade do anseio de se superar a infertilidade, a Resolução reafirma princípios bioéticos como a
inviolabilidade e a não comercialização do corpo humano, exige a gratuidade do dom e que a prática da doação de material
reprodutivo seja anônima, devendo ser ainda respeitado o segredo médico. Indica a necessidade de observação do chamado
“consentimento informado” para participação de mulheres em programas de FIY Estabelece regras para diminuir a possibilidade de
incesto inadvertido, através de um controle do número de receptores por doação e um limite em termos espaciais. Delimita em 14
dias o tempo máximo admissível para desenvolvimento de um embrião fora do corpo feminino. Nesses pontos, a resolução segue
linhas gerais estabelecidas por um documento que se tornou histórico na bioética da reprodução assistida que é o Warnock Report
(1984). Em outros pontos, entretanto, afasta-se da linha de recomendações ali encontradas. Assim, como no Brasil o abortamento é
crime, não se admite a destruição de embriões supranumerários, nem a redução embrionária no caso de gravidez múltipla. Todo
embrião resultante da reprodução assistida tem de vir a ser em algum momento gestado pela própria pessoa ou por doação,
mesmo que após seu congelamento. Diferencia-se mais ainda quando admite a “doação temporária do útero”, e também quando
inclui pessoas solteiras como clientes potenciais.
Reflexões bioéticas
Infertilidade
A prevenção da infertilidade é, sem dúvida, preferível às tentativas de sua superação. Entre os fatores ambientais causadores da
infertilidade estão a poluição, o fumo, o estresse, os contraceptivos, a prática de abortos clandestinos, as doenças sexualmente
transmissíveis e os problemas emocionais. A título de exemplo, no Brasil, há uma situação de infertilidade decorrente do uso
distorcido da esterilização feminina: mulheres esterilizadas, com ou sem prévio consentimento, e desejosas de uma nova gravidez,
têm composto cerca de 15% a 25% da clientela de alguns ambulatórios de infertilidade.
Urge desenvolver programas de prevenção, de educação para a saúde e para a sexualidade, bem como serviços de
aconselhamento da população. As opções sociais, como adoção, iniciativas assistenciais, atitude de assumir voluntariamente a
condição de infértil, poderão constituir para muitos casais a melhor forma de superar a ausência de filhos. Interessa que, com
serviços bem organizados de aconselhamento, os casais inférteis sejam conhecedores e conscientes das possibilidades destas
opções, às quais deve ser dado o relevo que merecem.
Embriões congelados
Embriões congelados deixados em clínicas de reprodução por casais que não querem mais ter filhos deflagram debate ético e
religioso.
Depois de 20 anos de uso das técnicas de inseminação artificial no Brasil, o bebê de proveta faz tanto sucesso que provoca um
efeito inesperado: a explosão populacional nos laboratórios de reprodução assistida. As melhores clínicas acumulam milhares de
embriões congelados. Os embriões são o excedente de tratamentos de fertilização artificial e estão estocados em geladeiras de
nitrogênio líquido à espera de uma decisão dos pais sobre nova inseminação. O problema é que a maioria não pretende ter mais
filhos, mas também rejeita doar os embriões para outros casais. Resultado: os médicos são obrigados a manter as geladeiras
ligadas porque a destruição dos embriões é proibida pelo Conselho Federal de Medicina.
Na técnica do FIVET (fecundação in vitro e transferência do embrião), a mesma necessita da constituição de embriões excedentes.
Existe, em nível mundial, uma irredutível controvérsia sobre a liceidade do destino dos embriões excedentes, baseada na
diversidade de opiniões acerca do estatuto do embrião: tem ele, ou não, a mesma dignidade da pessoa humana plenamente
desenvolvida? Merece, ou não, a mesma proteção e respeito? Face a essa controvérsia, há apenas a solução de garantir que todos
os embriões excedentes sejam, mais tarde, transferidos para a mulher.
A polêmica sobre a destruição dos embriões congelados vai além da discussão sobre ética médica. Médicos e especialistas em
bioética dividem o debate com padres e rabinos. A Igreja Católica e a Congregação Israelita Paulista querem que o embrião seja
tratado como um ser humano e defendem a norma do Conselho Federal de Medicina: jogar fora embriões congelados é
assassinato, eles são seres humanos plenos. A Igreja Católica também desaprova o uso de técnicas de inseminação artificial:
essas técnicas criam o problema dos embriões congelados; o melhor é evitar que eles sejam produzidos.
A favor da destruição dos embriões: o médico que não descarta embriões que sobram é um aprendiz de feiticeiro, pois faz o feitiço
e depois não sabe desfazer. Embrião congelado não é vida; a vida comega no momento que ele está no útero, não antes disso.
O problema surge quando o casal se separa e não consegue chegar a um acordo. Ou em casos em que o pai morre e o sêmen fica.
Redução de embriões
No Brasil, onde o aborto é proibido, a redução de embriões é ilegal, como diz explicitamente a resolução do CFM. Essa resolução é
de uma enorme prudência e defesa da saúde e da vida da mulher. Ela limita em até quatro embriões para a implantação para cada
ciclo de reprodução assistida. Atualmente, a gravidez múltipla é considerada, pelos profissionais mais conscientes da área, como
uma má prática da FIV, visto que já é possível evitar o implante múltiplo de embriões e viabilizar a gravidez que resulte em bebês.
No Brasil, considerando-se a resolução do CFM e a ilegalidade do aborto, a redução de embriões é ilegal, mas prática corrente. No
dia em que legalizarmos o aborto, a redução de embriões será automaticamente legalizada.
Clínicas de infertilidade
Há pouco ou nenhum controle das clínicas de infertilidade apesar da resolução do Conselho Federal de Medicina.
Capítulo 5
Genoma humano
Introdução
Uma auscultação prospectiva inquietante se apresenta a respeito do legado que estamos deixando para as gerações vindouras.
Começa-se a falar em justiça transgeracional! Como será o mundo no fim do século XXI? Que desafios enfrentaremos? Que
condições de vida e saúde? Estas são apenas algumas das interrogações emergentes.
Olhando retrospectivamente o século XX, vemos que foi marcado por três grandes projetos: O primeiro foi o Projeto Manhattan, que
descobriu e utilizou a energia nuclear, bem como produziu a bomba atômica que destruiu Hiroshima e Nagasaki (1945), pondo fim à
2ª Guerra Mundial. Foi descoberto o “coração” da matéria, o átomo, e dele se extraiu a energia.
O segundo grande projeto foi o Projeto Apollo , que jogou o ser humano no coração do cosmos. A data-símbolo ficou sendo o
primeiro passo do homem na Lua (1969). O ser humano começou a navegar interplanetariamente. Descobrimo-nos como um
grãozinho de areia na imensidão do universo. Buscou-se e buscamos vida em outros planetas!
O terceiro e mais recente é o Projeto Genoma Humano, que começou no início de 1990, e o dia 26 de junho de 2000 ficou
marcado como o dia do mapeamento ou sequenciamento do código genético humano. Isso leva o ser humano ao mais profundo de
si mesmo em termos de conhecimento de sua herança biológica, numa verdadeira caça aos genes.
É sobre este último megaprojeto que gostaríamos de tecer alguns comentários. Ele tem suas raízes na chamada “descoberta do
século XX”, o DNA (Ácido Desoxirribonucleico) descoberto por Watson e Crick, em 1953, inaugurando a terceira revolução
biológica. Tudo indica que o fio condutor da economia do século XXI será a engenharia genética, tendo como locomotiva o Projeto
Genoma Humano.
A engenharia genética consta de um conjunto de técnicas que permite identificar, isolar e multiplicar genes dos mais diversos
organismos.
Ela faz parte do nosso dia-a-dia e os seus avanços interferem em nossas vidas. Seja para discutir a questão de soberania de
alguns países – os direitos de patentear genes que teoricamente pertencem a toda a humanidade, o progresso do diagnóstico e
das terapias de doenças, a interferência no genoma humano; a possibilidade de clonar até mesmo seres humanos, a ética de todas
essas condutas, o direito à propriedade intelectual sobre conhecimentos alcançados; a produção de seres exóticos, de espécies
animais e vegetais melhoradas, de medicamentos, vacinas, alimentos – o certo é que já não podemos ignorá-la. Daí a necessidade
de estarmos familiarizados com a sua terminologia para que possamos entender o que dizem os noticiários e ter sobre esse
assunto a postura crítica que se espera do cidadão participante que está no século XXI.
Para além da medicina preventiva e curativa, falamos de medicina preditiva: começamos a tratar de predisposições para
determinadas doenças e, consequentemente, chegamos à intervenção antes da manifestação dos sintomas. O incrível é que
podemos prever doenças genéticas, mas não curá-las. Saberemos que ficaremos doentes sem sê-lo de fato. Você já imaginou uma
questão ética e psicológica mais dramática?
As revoluções da biologia
Através da história, podemos identificar três revoluções da biologia.
1a Revolução: Teoria celular, elaborada nos anos de 1838 e 1839. A célula foi descoberta em 1665 pelo físico inglês Robert
Hooke (1635-1703). Quase dois séculos depois, o botânico alemão Mattias-Jakob Schleiden (1804-1881) e o zoólogo prussiano
Theodore Schwann (1810-1882) elaboraram a Teoria Celular, respectivamente em 1838 e 1839, que diz: todos os seres vivos são
constituídos por células. A célula é uma unidade morfológica e funcional dos seres vivos e elas se agrupam para formar os tecidos,
estes se reúnem para formar os órgãos.
2a Revolução: Teoria da Evolução de Darwin/Wallace, elaborada em 1858. A Teoria da Evolução é uma das maiores revoluções
intelectuais de todos os tempos. Reuniu evidências de que os seres vivos evoluem e, no aspecto cultural, separou definitivamente a
ciência da religião. O evolucionismo é uma ideia antiga. Muitos filósofos, desde os gregos e naturalistas, formularam teorias
tentando explicá-lo, todavia uma teoria científica comprovada em fatos só foi elaborada em 1858, isoladamente, pelos naturalistas
ingleses Charles Robert Darwin (1809-1882) e Alfred Russel Wallace (1823-1913), que reuniram dados de que os seres vivos
sofrem modificações e já nascem com as “variações” que possibilitam sobreviver em um determinado meio. A descendência com
estas variações é a evolução.
3a Revolução: Descoberta da estrutura da molécula de DNA – Ácido Desoxirribonucleico (a dupla hélice), em 1953, pelo biólogo
norte-americano James Dewey Watson, pelos físicos ingleses Francis Harry Compton Crick e Maurice Huge Frederick Wilkins e
pela cristalógrafa inglesa Rosalind Franklin (1920-1958). Watson e Crick conseguiram, através das fotografias obtidas por Rosalind
– que trabalhava no Laboratório dirigido por Maurice Wilkins, King’s College, Londres, Inglaterra – propor o modelo da estrutura do
DNA, uma hélice dupla, que “guarda” e transmite o código de produção de proteínas (código genético). A engenharia genética –
ramo da biologia molecular que utiliza biotecnologias específicas para a recombinação genéticas – é uma decorrência direta da
descoberta da dupla hélice, portanto é considerada parte da 3a Revolução da Biologia.
Célula
O mundo vivo, microrganismos, plantas, animais e o ser humano são constituídos de células.
O núcleo da célula contém os cromossomos: 23 pares no ser humano.
Os cromossomos são constituídos do DNA (Ácido DesoxirriboNucleico), molécula que guarda todas as informações codificadas na
forma de genes. O DNA é compactado dentro do núcleo celular em 23 pares de cromossomos.
O DNA é constituído de quatro bases ou “letras”: adenina (A), citosina (C), guanina (G), timina (T). O genoma humano é formado por
3,5 bilhões de pares de bases. Sequências de milhares de letras formam “palavras”: os genes (mais ou menos 50 mil).
Estima-se que as células produzem um milhão de proteínas diferentes. São elas que fazem funcionar nosso corpo.
O fato de conhecermos o código de um gene não significa que sabemos qual proteína ele produz e como ela interage com outras
substâncias para fazer o corpo funcionar. Apenas uma ínfima parte do genoma (três por cento) é formada por genes, sequências de
DNA que sintetizam proteínas. O restante é uma sopa de letrinhas que se acredita não fazer sentido. O próprio gene é inócuo,
exceto por sua capacidade de produzir e liberar proteínas. Um simples gene pode conter o código de uma dezena de diferentes
proteínas e ser responsável por muitas funções. Para realizar suas tarefas, essas substâncias podem variar em quantidade, operar
em diferentes combinações ou passar por modificações. Estima-se que em nosso organismo sejam codificadas um milhão de
proteínas. O que é preciso fazer agora é ligar essas substâncias aos genes que as produzem, localizá-los corretamente no genoma
e descobrir como é o processo de codificação. É isso que permitirá corrigir os casos de mau funcionamento genético e evitar que
as doenças apareçam.
As promessas da descoberta
A conquista científica do mapeamento genético deve demorar até 50 anos para ser totalmente compreendida. Até lá, os cientistas
ainda precisam identificar cerca de 90% de genes, separar pedaços inúteis do DNA e encontrar maneiras eficientes de controlar as
mutações que ocorrem dentro das células. Vejamos os próximos passos:
Hoje, alguns tipos de câncer e doenças hereditárias já podem ser diagnosticados com testes genéticos. Vários genes foram
identificados com base em dados do Projeto Genoma Humano. No entanto, esses testes beneficiam poucas pessoas.
De 6 meses a 1 ano: Os cientistas esperam separar os genes do lixo genético, que estima em cerca de 97% do DNA. Esse é um
passo decisivo para localizar com exatidão e entender o funcionamento de cada gene.
Em 5 anos: Estima-se que o genoma esteja realmente pronto, com a identificação de 100% dos genes. Leis de alguns países,
como os Estados Unidos, protegerão os cidadãos de discriminação genética. Serão criados bancos de dados genéticos; com eles,
será possível saber se determinado paciente sofrerá ou não efeitos colaterais ao tomar um medicamento.
Em 10 anos: Testes genéticos estarão disponíveis para o diagnóstico antecipado e preciso de mais de 25 doenças, como o
câncer, diabetes e enfarte. A terapia genética, hoje ainda restrita e ineficaz, começará a ter seus primeiros sucessos nas doenças
cardíacas, hemofilia e alguns tumores. O diagnóstico precoce e a consequente mudança de hábitos de vida permitirão diminuir o
risco de surgimento de doenças genéticas.
Em 20 anos: Já estarão disponíveis os diagnósticos e tratamentos genéticos para doenças mentais. Os geneticistas aprenderão
como realizar a terapia genética em genes específicos de embriões sem afetar o restante do DNA do futuro bebê. Os médicos
poderão receitar remédios personalizados depois de consultar o DNA do paciente.
Em 30 anos: Doenças hereditárias serão eliminadas com a correção de genes defeituosos. Os cientistas conhecerão os
mecanismos genéticos envolvidos no processo de envelhecimento. A análise completa do genoma de uma pessoa será um exame
comum e custará menos de U$1.000,00. Os testes laboratoriais, como os de sangue, serão substituídos por análises
computadorizadas de células, mesmo nas doenças mais comuns.
Em 50 anos: A terapia genética estará disponível para a maioria das doenças. Com os avanços da genética, a expectativa média
de vida das pessoas poderá chegar aos 90 anos.
Medicina preditiva
A sequência completa do genoma humano – a lista, em ordem, de todas as bases químicas contendo as informações necessárias
para formar um ser humano – é uma conquista científica de primeira grandeza. Erros nessas instruções biológicas causam a
maioria das doenças humanas ou contribuem para elas. O conhecimento da raiz biológica dos seres humanos e de outras espécies
irá transformar a medicina, permitir o desenvolvimento de novos remédios, expandir o número de doenças tratáveis e facilitar os
diagnósticos.
O nosso código genético é agora um livro aberto à leitura de todos os interessados. Isso cria uma expectativa de que as doenças
com causas ligadas a problemas em nossos genes – catalogados em mais de 11.000 – estão com os dias contados. Infelizmente,
não é bem assim. Deu-se um passo gigantesco no campo do conhecimento da biologia molecular humana. Os resultados práticos
disso, porém, ainda estão a décadas de distância. A ciência não sabe sequer ler direito as informações que acabam de ser
decifradas.
Com o Projeto Genoma Humano entramos na era da medicina preditiva. O que é medicina preditiva e quais as repercussões do
projeto genoma humano? Do ponto de vista da bioética, a medicina preditiva é a medicina preventiva genética e cria a
possibilidade de prevenir doenças passíveis de prevenção, sem discriminações; ampliar propostas de tratamentos e curas; e
garantir a dignidade humana, considerando-se os contextos socioculturais. A medicina preditiva ainda é um campo repleto de
incógnitas, inclusive técnicas e científicas, algumas incomensuráveis, o que a torna alvo de esperanças, desconfianças e medo. A
medicina preditiva é um caminho a se construir, visando responder aos anseios do que deve ser: a possibilidade de aumentar a
qualidade de vida e minorar o sofrimento sempre, e de curar quando possível.
Biopoder
O conhecimento confere poder e o poder cresce por si mesmo, ou melhor, em aliança ambívoca com a riqueza: um promove o outro
e ambos progridem. O latifundiário do Brasil Colônia detinha o biopoder primitivo, emanado do saber tecnológico – manejo das
culturas, do gado, dos escravos. Oswaldo Cruz, eliminando a febre amarela e a varíola no Rio de Janeiro e elevando o instituto que
fundou ao primeiro lugar no mundo em medicina tropical, foi o brasileiro de maior biopoder de nossa história. Nos tempos atuais, o
biopoder é exercido principalmente pelas multinacionais que fabricam medicamentos e aparelhos para diagnóstico e cirurgia, bem
como pelas empresas que produzem linhagens novas de animais, plantas e micróbios. Nas universidades e institutos de pesquisa,
cada vez mais o biopoder produz conhecimento, que reverte em mais biopoder.
Aceitando-se uma sociedade democrática capitalista, o biopoder pode ser benéfico, como o de Oswaldo Cruz. Mas é preciso
combater suas distorções, como fez a campanha de abolição da escravatura contra o biopoder do latifundiário. Como a genética
moderna continuará abrindo novos campos para o biopoder, é urgente intensificar as discussões sobre seus aspectos éticos.
Igualmente importante é inibir a proliferação do pseudobiopoder, pelo desmascaramento e controle da atividade de charlatões,
ingênuos ou de má-fé (Frota – Pessoa, 1997; 5 – 253 – 261). As aplicações da engenharia genética estão revolucionando a
agronomia. Criou-se dúvidas sobre a legitimidade de certas patentes. A própria privacidade das pessoas parece ameaçada pelo
biopoder da genética molecular, capaz de, no nível de DNA, esquadrinhar nossa Constituição. Existe um exagerado temor em
relação aos tratamentos de doenças hereditárias por transferência de genes: genoterapia de células somáticas e até germinativas.
Portanto, emerge uma crescente preocupação sobre como serão utilizados, nessa área, os aportes gerados pelos saberes
oriundos do Projeto Genoma Humano, sobretudo via seus resultados mais imediatos – os “Kits de diagnósticos genéticos” – o que
traz à tona as imensas preocupações de ordem moral e ética na área da medicina fetal, da genética e da clonagem, sob a égide da
engenharia genética e o biopoder decorrente da manipulação da vida. Os tópicos citados levantam preocupações sobre as quais
precisamos refletir, opinar e decidir (Oliveira; 1997:177).
Reflexões bioéticas
Além de apontar caminhos para a cura de doenças e outras revelações extraordinárias, o Projeto Genoma Humano traz, nas
mesmas proporções, dilemas éticos, como a necessidade de futuras legislações, e ainda dúvidas de natureza econômica, sobre os
interesses que movem as pesquisas: é necessário estar atento ao perigo do uso indevido das informações genéticas. Estes
avanços devem ser usados para proteger e beneficiar os seres humanos e não para estigmatizá-los. As descobertas científicas não
são, e nunca serão, éticas ou antiéticas. Será antiética a sua utilização de forma atentatória aos valores que cultivamos, como o
respeito à vida, à individualidade, à diversidade; valores como a compreensão e a solidariedade.
Conhecimento é poder. Portanto, tem muita gente apavorada com o que irá ocorrer agora com o sequenciamento do genoma
humano. De fato, entre as ondas de bioliberalismo (tudo o que se sabe fazer deve ser feito) e de biofundamentalismo (a
intocabilidade/ sacralidade da vida, “salta aos olhos” que, sendo a bioética o consenso possível temporário e mutável entre
diferentes setores da sociedade, envolve questões de poder, pois consenso sempre tem a ver com a força política dos grupos
protagonistas. Em qualquer consenso, quern “pode” mais, embora sempre “leve tudo”, leva mais, sempre. Isto é, a bioética não é
apolítica.
Patenteamento do genoma
É apropriado estabelecer-se direitos de propriedade sobre regiões do DNA, que constituem a base da vida?
Patenteia-se uma invenção. Um gene não é uma invenção, é uma descoberta de algo que a natureza levou milhões de anos para
desenvolver.
No final do Congresso Mundial de Bioética celebrado em Guijón (Espanha), de 20 a 24 de junho de 2000, o Comitê Científico da
Sociedade Internacional de Bioética (SIBI) insistiu que “a ciência e a tecnologia devem tomar em consideração o interesse geral.
De tal forma, consciente dos progressos rápidos da biologia e da medicina, a imperiosa necessidade de assegurar o respeito dos
direitos humanos e o perigo que os desvios destes progressos poderiam significar, assim como é papel da bioética clarear a
opinião pública sobre as consequências de todo tipo de avanços científicos e técnicos, por meio de observações e
recomendações”, declarou que “as biociências e suas tecnologias devem servir ao bem-estar da humanidade, ao desenvolvimento
de todos os países, à paz mundial e à proteção e conservação da natureza. Isso implica que os países desenvolvidos devem
partilhar os benefícios das biociências e de suas tecnologias com os habitantes das zonas menos favorecidas do planeta e servir ao
bem-estar de cada ser humano” e que “uma tarefa importante da bioética, que constitui uma atividade pluridisciplinar, é harmonizar
o uso das ciências biomédicas e suas tecnologias com os direitos humanos, em relação aos valores e princípios éticos
proclamados nas Declarações Universais dos Direitos Humanos das Nações Unidas de 10 de dezembro de 1948, e da UNESCO,
sobre o genoma humano e os direitos humanos, do 11 de novembro de 1997”. É nesse marco que se inscreve sua oitava
recomendação: “O genoma humano é patrimônio da humanidade, e como tal não é patenteável”, reiterando o critério da
comunidade científica internacional na matéria, como por exemplo, a Declaração Íbero-Latino-americana sobre ética e genética
(Declaração de Manzanillo de 1996, revisada em Buenos Aires, em 1998).
Há anos, bioeticistas vêm proclamando que o carro-chefe da luta pelos direitos humanos no século XXI seria o lema: “nossos genes
nos pertencem”. Pressentia-se que o desenvolvimento das biociências poderia ter como decorrência a apropriação privada do
patrimônio genético humano, alegando benefícios aparentemente humanitários, como fabricação de remédios para doenças raras e
incuráveis. As tentativas de acesso à intimidade genética das pessoas, contra a vontade, ou desconhecimento, e de tornar o DNA
humano uma mercadoria, são várias. Também são inúmeras as denúncias de instituições e pesquisadores que em nome do
“progresso científico” desconsideram os mais elementares direitos das pessoas pesquisadas como, por exemplo, o direito de
saber, de compreender, de dar ou não o consentimento e o de decidir, explicitamente, qual o destino que deseja para seus genes
ou produtos deles derivados. Assim, a comercialização de informações genéticas humanas não encontra respaldo ético, pois se em
uma sociedade democrática cada pessoa não é dona de seus genes e não tem o direito de decidir sobre a sua intimidade
genética, o que lhe resta de seu? O que concede a um governo ou parlamento o direito de comercializar as informações genéticas
de alguém (Islândia, por exemplo)? E o conjunto da população? Como a pessoa ou a população poderá se defender de tamanha
arbitrariedade?
Mais grave ainda foi a pirataria genética praticada por cientistas inescrupulosos do primeiro Mundo em relação a certos grupos
indígenas da América do Sul. Para ter acesso a troncos genéticos mais puros, foi retirado sangue desses indígenas para estudos,
fazendo-se promessas enganosas e deixando-os sem informação sobre o uso posterior dos dados coletados.
Em 1998, a ONU oficializou sua posição a respeito desse tema. Para a entidade, em seu estado natural o genoma não deve dar
margem a ganhos financeiros por se tratar de um patrimônio da humanidade. Muitos empresários, porém, reivindicam o direito de
patentear determinadas sequências de genes que possam dar origem a produtos farmacêuticos. A questão está ainda sendo
discutida.
É bom lembrar que há recomendações de âmbito regional (Conselho da Europa, Comissão Europeia) sobre biossegurança e
comércio que, em comum, proíbem em humanos a clonagem, a manipulação genética de células germinais e a venda do patrimônio
genético. Os países membros da ONU, em tese, possuem uma orientação que veda o comércio de genes humanos, a Declaração
Universal do Genoma Humano e dos Direitos Humanos (UNESCO, 1997), mas a ONU não pode impor juridicamente tal declaração
aos países membros, o que indica que na área de genética não serão elaboradas leis/ normas universais.
Privacidade
Quem terá direito de acesso às informações genéticas de cada indivíduo? Apenas ele próprio, o cônjuge, familiares, pais adotivos,
empregadores, seguradoras de saúde, instituições de ensino ou militares, a polícia? É uma das perguntas ainda sem resposta.
Segundo a posição do Comitê Internacional de bioética da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a
Cultura (UNESCO), a pessoa tem o direito de guardar apenas para si, se desejar, as informações sobre sua herança genética, mas
garantir esse direito será um famoso desafio.
A divisão brasileira da Polícia Criminal Internacional (INTERPOL) cria um banco de dados de DNA para localizar crianças
desaparecidas em parceria com a USP (Universidade de São Paulo) e a UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro). Também
coleta material genético de pais que tiveram seus filhos desaparecidos. É também uma arma para a polícia para evitar tráfico,
sequestros e roubo de crianças. O teste do pezinho passa a ser feito em todas as crianças recém-nascidas no país. Assim, nas
próximas décadas, o governo terá a informação genética de toda a população!
Como basta uma gotinha de sangue para acessar o genoma, as leis têm que garantir a privacidade genética do indivíduo.
Carteira genética. A carteira de identidade poderá incluir um código de barra que expresse o genoma do portador. A pessoa será
como cristal, totalmente transparente, ao menos no seu aspecto biológico-genético. A carteira genética poderá ser colocada a
serviço de uma prática de contratação de empregos que estigmatiza pessoas portadoras de herança genética anômala. O fator
genético poderá tornar-se um elemento de estratificação e discriminação social ao lado do fator racial, étnico, sexual e
socioeconômico. Também os convênios privados de saúde e de aposentadoria e as apólices de seguro de vida poderão usar os
testes. Essas instituições querem diferenciar as quotas de pagamento de acordo com o baixo ou alto risco de contrair determinadas
doenças de tratamento longo e custoso.
Discriminação
Discriminação baseada na quebra de sigilo acima considerado. A divulgação de predisposições genéticas a determinadas
doenças pode provocar a discriminação de um indivíduo. A partir da leitura do mapa genético do indivíduo emergem vários
questionamentos: em que momento ele deve ser informado? Como garantir o sigilo de tal informação, de forma que, preservando
sua intimidade, ele não seja prejudicado pessoal e profissionalmente no decorrer de sua vida? Emprego, convênio de saúde,
seguro de vida… uma empresa poderá deixar de contratar um funcionário se souber, via genoma, que ele tem uma tendência a ser
depressivo ou alcoólatra? Seu plano de saúde poderá excluir problemas cardíacos porque você tem um gene que o predispõe a
altas taxas de colesterol?
E mais: se houver um gene capaz de determinar a predisposição a comportamentos agressivos, um governo poderá manipulá-lo
para intensificar essa tendência e criar um exército extremamente violento ou poderá minorá-lo para ter uma massa de operários
dóceis, ou determinar que este ou aquele feto seja abortado porque existe a probabilidade de vir a ser um assassino em potencial.
Eugenismo
Um risco que assombra estudiosos é a possibilidade de retorno do eugenismo, doutrina em voga no período que antecedeu a 2ª
Guerra Mundial, pela qual se busca o aperfeiçoamento genético da raça humana. Laboratórios “planejariam” seres humanos
determinando tipo de pele, olhos, cabelos… Além disso, fetos que antecipadamente fossem identificados como portadores de
genes de doenças graves, para as quais ainda não houvesse sido descoberta a cura, correriam o risco de sofrer aborto. teme-se o
recrudescimento do preconceito e da intolerância contra certos tipos étnicos e portadores de deficiências física e mental.
Previdência Social
Segundo previsões de cientistas, dentro de 40 anos, a expectativa de vida dos seres humanos será de 90 anos e não 70 como
agora, graças ao gene da longevidade. Se muita gente optar pelo gene da longevidade, os sistemas previdenciários vão ter de se
adaptar a uma nova situação. Quern vai pagar a conta?
Clonagem
Com o advento da ovelha Dolly, gestada a partir de uma célula de uma outra ovelha, a comunidade científica começou a discutir a
possibilidade de clonagem de seres humanos. Clonar significa a reprodução do idêntico. Há dois tipos de clonagem: clonagem
reprodutiva e clonagem terapêutica. Segundo parecer da ONU, a clonagem para a produção de tecidos humanos deve ser fruto de
pesquisa, porque pode ajudar a salvar vidas. Mas a clonagem de indivíduos – reprodutiva – é condenada pela entidade. Voltaremos
ao assunto no próximo capítulo.
Terapia gênica
Nova era da medicina. Dois tipos:
A célula com gene disfuncional é retirada do corpo e tratada em laboratório. Nesse procedimento o gene com mutação é substituído
por um gene normal e a célula é novamente colocada no corpo.
Vírus podem ser usados como vetores que carregam genes normais para dentro do corpo. Uma vez no organismo, esses vírus
utilizam o DNA da célula que tem o gene defeituoso para duplicar o próprio DNA (com gene normal) criando, assim, uma célula
normal.
As terapias genéticas prometem revolucionar a medicina com a prevenção e até mesmo a “correção” dos “erros genéticos”
detectados nos códigos dos pacientes. Tais terapias poderão ser aplicadas tanto em nível somático (afetando somente o indivíduo
tratado) como em nível germinativo (operando nas células sexuais e embrionárias), habilitando assim a transmissão do novo traço
para toda a descendência do organismo alterado. Por outro lado, a engenharia genética oferece um catálogo de “tecnologias da
alma”, surgidas de um campo de saber que hoje recebe atenção permanente das mídias: a genética comportamental. Esta
disciplina se propõe a identificar as supostas relações entre um determinado gene e certo traço da subjetividade (inteligência,
ansiedade, preguiça, ambição, pessimismo etc.) utilizando a estatística como método básico para estabelecer as
correspondências. Seu objetivo final coincide com o da genética médica: diagnosticar, prevenir e eventualmente “ajustar”
determinados “erros” inscritos nos códigos genéticos dos indivíduos. Assim, alterando a informação contida no DNA seria possível
transformar um criminoso – potencial ou real – em um “homem honesto”, por exemplo.
O desafio está lançado: se a propensão à violência é controlada pelos genes, por que não intervir para corrigi-la? E se ela é
transmitida geneticamente, por que não praticar logo uma terapia em nível germinativo, em vez de limitar-se à extirpação somática
no indivíduo, para assim eliminar o “gene violento” de toda a descendência do sujeito e livrar-se para sempre desse grave problema
social?
Além das trocas e alterações na informação genética, que apontam para a modelagem dos corpos e das subjetividades, a tecno-
ciência contemporânea também facilita a inserção subcutânea de elementos não-orgânicos, hibridizando os corpos com materiais
inertes. Trata-se de um processo denominado endocolonização: a conquista do interior do corpo por parte da tecno-ciência mais
recente, da aparelhagem videoscópica utilizada para diagnóstico e tratamento de diversas doenças até as experiências mais
inovadoras de cirurgias sem cortes por meio da inserção de dispositivos nanotecnológicos. Cada vez mais introjetados,
transparentes e diluídos em trocas íntimas e fluidas, os agentes artificiais se misturam com os orgânicos, dissolvendo as fronteiras e
tornando obsoleta a antiga diferenciação, visto que ambos compartilham a mesma lógica da informação digital. Assim, hoje são
criados materiais inéditos, híbridos de ambos os mundos, representados pelos microchips com componentes orgânicos e pelos
implantes biônicos. Estes últimos se apresentam como capazes de devolver a visão aos cegos e a possibilidade de andar aos
paraplégicos, graças à implantação cirúrgica de microprocessadores nos cérebros e outros dispositivos teleinformáticos ligados
aos nervos, aos músculos ou a órgãos específicos. Soluções semelhantes estão sendo testadas para tratar de doenças como a
epilepsia e os males de Parkinson e Alzheimer; e, inclusive, de distúrbios nervosos como a obsessão compulsiva, a síndrome do
pânico e a depressão.
Deverá ser limitada a tecido somático, que desaparece com a morte do indivíduo, ou deverá ser estendida ao tecido germinativo
alterando, portanto, a constituição genética das próximas gerações?
A terapia gênica ainda levará tempo para ultrapassar as paredes dos laboratórios. As principais barreiras são as dificuldades em
colocar os genes normais no tecido ou órgão afetado pela enfermidade e fazê-los funcionar de forma adequada.
Alerta
Cientistas lembram que fatores ambientais e culturais têm influência tão forte na vida e no comportamento quanto à herança
genética. Os genes e a genética estão envolvidos em quase tudo. Estão claramente envolvidos no fato de eu estar careca ou de eu
ser ruivo, o que são coisas triviais; mas também, provavelmente, contribuem para eu ter ou não hipertensão, para ter ou não a
doença de Alzheimer. Os genes provavelmente definem minhas habilidades atléticas, minha inteligência e daí para frente; eles estão
por trás do que faço.
Também há a questão do ambiente: algumas coisas são mais influenciadas pelo meio ambiente, outras mais pelos genes.
Inteligência, por exemplo, não sabemos se se deve mais aos genes ou ao ambiente. Os estudos que comparam gêmeos são
perfeitos como exemplo: você tem dois indivíduos com o mesmo código genético, e se eles crescem em ambientes diferentes,
apesar de terem muitas similaridades, se tornarão indivíduos diferentes.
Conclusão
O anúncio do rascunho (mapeamento) genético humano lança a mais profunda pergunta ético-filosófica: quem é a pessoa humana?
Seremos somente o nosso código genético? Poderemos “fabricar” o ser humano nos laboratórios? Poderemos dar-nos “a vida
eterna” pela conservação e o rejuvenescimento de nossas células? O que é ser pessoa? Quem somos nós?
Estamos diante de questões bioéticas de grande vulto. É necessário e importante lutar por uma legislação que fiscalize os feitos e
efeitos da engenharia genética, pois, esta e outras biotecnologias são saberes que encerram um poder incomensurável, além do
que muitos destes conhecimentos são sigilosos. As biotecnologias produzem “coisas” de grande utilidade para a humanidade, mas
também podem criar instrumentos de discriminação, como o “certificado de predisposição para doenças”; as testagens genéticas
compulsórias (diagnóstico genético populacional) e a “a carteira de identidade genética”. Também podem fabricar armas
bioengenheiradas letais.
Provavelmente, cada pessoa terá respostas diferentes às perguntas acima enumeradas. Em uma sociedade democrática é
indispensável que os valores individuais sejam plenamente assegurados, sem o cerceamento de qualquer tipo de liberdade, a não
ser que ela prejudique a liberdade de outra pessoa.
Estas questões estão sendo agora cuidadosamente consideradas por comissões de ética que existem em qualquer instituição de
ensino ou pesquisa, criadas em nosso país por legislação que também estabeleceu órgãos nacionais de controle, como a
Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep) e a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio).
Obviamente que não se trata pura e simplesmente de temer os perigos, mas de perceber também os benefícios e novas
esperanças que surgem. Sem dúvida, os conhecimentos podem ser utilizados para a prevenção e cura de doenças incuráveis que
hoje infernizam os seres humanos. Mas é bom lembrar que nem tudo o que cientificamente é possível, logo, ipso facto, seria
eticamente admissível. Surge, com urgência e necessidade, a bioética ou ética da vida.
Não há razão, portanto, para a histeria de certos grupos anticiência de desenvolvimento de “elites genéticas”. O conhecimento
científico, em si, não é bom nem mau. O que existem são aplicações éticas ou não-éticas deste conhecimento. Cabe à sociedade
em geral, e a cada um de nós em particular, manter-se vigilante para que esse conhecimento seja aplicado visando ao máximo de
felicidade para o maior número de pessoas.
Para aprofundar ainda mais a nossa reflexão, aconselho a leitura da Declaração sobre a produção e uso científico e terapêutico
estaminais embrionárias humanas19, Documento da Pontifícia Academia para a vida (Academia do Vaticano que estuda os
problemas éticos relacionados com a vida na perspectiva cristã católica) - 2000; da Declaração Íbero-Latino-americana sobre
direito, bioética e genoma humano20 (2001), recomendando a difusão, o estudo, o intercâmbio sobre os aspectos sociais, éticos e
jurídicos relacionados com a genética humana, a partir da Declaração Universal sobre o Genoma Humano e os Direitos Humanos e
da Manifestação do Conselho Federal de Biologia21 sobre os organismos geneticamente modificados (OMGs) 2002,
recomendando a promoção da defesa da soberania dos povos e das nações sobre seu patrimônio genético e o uso de uma
linguagem acessível na discussão dos aspectos éticos no uso da biotecnologia.
17. PETERS, Ted. Genética, teologia e ética. In: PETERS, Ted e BENNETT, Gaymon (Orgs.). Construindo pontes entre a Ciência e a religião.
Tradução Luís Carlos Borges; supervisão científica Eduardo R. Cruz. São Paulo: Edições Loyola e Editora UNESP, 2003, p. 117-134.
18. Cfr. Anexo 5 a íntegra da Declaração.
19. Cfr. Anexo 6.
20. Cfr. Anexo 7.
21. Cfr. Anexo 8.
Capítulo 6
Clonagem humana
Introdução
A finitude física é uma certeza intragável e impossível de se compartilhar. Os filósofos dizem que a cada um pertence a sua própria
morte, não a dos outros. Adiar ao máximo esse encontro foi o maior desafio da ciência. Se pouco a pouco o homem dominou a
natureza, por que não alcançaria a imortalidade e se faria à imagem e semelhança de Deus? Os alquimistas, que na Idade Média
perseguiram o elixir da longevidade, ficariam excitados se pudessem ver o cenário que inaugura o século XXI. Ao mesmo tempo
fascinante e amedrontador.
Tudo indica que o fio condutor da economia neste século será a biotecnologia, tendo como locomotiva o Projeto Genoma Humano e
a clonagem. É um aprofundamento “no mundo do infinitamente pequeno e no mundo do infinitamente complexo” (Teilhard de
Chardin). Entreabre-se um cenário fantástico em que realidade e ficção científica se dão as mãos. A possibilidade de “um admirável
mundo novo” (Aldous Huxley), ou de um “Frankenstein” (Mary Shelley) nos inquietam…
Estamos entrando definitivamente num mundo novo. O desenvolvimento rápido da ciência e da técnica, na área da biologia,
genética e medicina, traz muitas novidades associadas a esperanças e temores, com enormes desafios éticos para a humanidade.
Está em jogo nada mais nada menos que o bem maior, que é a própria vida humana!
Alguns fatos científicos são a ponta do iceberg de uma revolução subterrânea silenciosa em curso cuja relevância e possíveis
consequências só muito recentemente começamos a perceber. A clonagem da ovelha Dolly na Escócia (Instituto Rosling pelo Dr.
Wilmut) no início de 1997, espantou o mundo científico e a humanidade em geral. O anúncio recente da decifração do código
genético humano (26/6/2000) nos introduziu definitivamente na era da genômica. “Estamos aprendendo a decifrar a linguagem
com que Deus descreveu a vida”, disse o Presidente Clinton, no dia do anúncio.
Ética e tecno-ciência
Em nenhum outro momento da história humana a ciência e a técnica colocaram tantos desafios para o ser humano quanto hoje.
Fala-se que a medicina mudou mais nos últimos cinquenta anos que nos 50 séculos precedentes. Aumentou espantosamente a
responsabilidade do ser humano em relação ao seu próprio futuro, uma vez que o que antes era atribuído ao acaso, à natureza, ao
destino, à vontade de Deus, passa doravante a ter a interferência direta da ação humana.
Basicamente, existem quatro atitudes fundamentais quando entramos na discussão ética e tecno-ciência em relação à natureza
humana.
1. A ciência tem o direito de fazer tudo o que é possível! Nessa visão, o único limite é aquele imposto pela capacidade técnica e
imaginação humana. O direito de conhecer é uma liberdade humana básica, e qualquer cerceamento é visto como uma violação
dos direitos do pesquisador. Caso se tenha a capacidade de fazer algo, assume-se que se tem o direito de fazê-lo.
2. A ciência não tem o direito de intervir no processo da vida pois este é sagrado! Popularmente é dito que “os cientistas não
deveriam querer ser Deus”. Deus é o dono da vida, a Ele a vida pertence, é considerada intangível como dom sagrado. Submissão
e obediência cega aos processos biológicos é o que se espera do ser humano. É obvio que esta atitude radicalizada não favorece
tipo de progresso científico algum, que acaba sempre visto como usurpador dos “direitos de Deus”.
3. A ciência não tem o direito de mudar as qualidades humanas mais características! Essa abordagem insiste que há um limite
para a intervenção científica e que este limite é a natureza da pessoa humana como ela é atualmente entendida e valorizada.
Levantam-se questões de ordem política em que a ciência é produzida. O que aconteceria se este conhecimento para mudar a
natureza humana caísse nas mãos de um “Hitler”, por exemplo, ou então a possibilidade de se clonar pessoas.
4 . A ciência tem o direito de incentivar o aperfeiçoamento de características humanas de valor e eliminar aquelas que são
prejudiciais. Esta perspectiva exige discussão ética que leve em conta os valores culturais, sociais e religiosos entre outros. A
motivação básica é atingir certo controle sobre os processos que afetam o desenvolvimento da vida humana. O objetivo é continuar
a melhorar a qualidade de vida, diminuir o sofrimento e erradicar doenças que infernizam a humanidade.
Precisamos estar conscientes dessas visões, para avaliar criticamente quando a utilização do conhecimento científico beneficia ou
não a humanidade. Não se trata de pura e simplesmente satanizar a ciência de forma ingênua. Ética e ciência precisam andar
juntas e se iluminar mutuamente, no objetivo maior de preservar e aperfeiçoar a vida e a dignidade do ser humano.
Do que falamos?
Faz parte da nossa natureza tentar entender como as coisas funcionam e querer melhorá-las. Estamos dando continuidade a algo
que começou há muito tempo, nos primórdios da História humana. Individualmente, todos os dias tomamos decisões que, de
alguma forma, afetam outras pessoas e o mundo em que vivemos. A tendência é que no futuro a clonagem se torne um
procedimento cada vez mais seguro e viável, cujos resultados poderão ser usados em benefício da humanidade. O objetivo é
conhecer o mecanismo essencial da vida. O código genético é responsável por todas as características físicas de uma pessoa e
também por boa parte do seu comportamento. Ao entender como esse mecanismo funciona, talvez possamos melhorá-lo ou corrigir
alguns de seus defeitos.
Uma das dificuldades da reflexão sobre a clonagem provem do fato que o mesmo termo, evocando sempre uma “reprodução do
idêntico”, designa operações diversas, cujas modalidades e finalidades são diferentes. E mais, a clonagem pode se reportar a
entidades biológicas diferentes. Do ponto de vista ético ou jurídico, não é o mesmo clonar um gene humano para fazer produzir por
bactérias insulina para tratar diabéticos, clonar células da pele para obter tecidos e assim tratar grandes queimados e clonar um
embrião, uma criança ou um adulto humanos; em outras palavras, devemos fazer a diferença entre clonagem reprodutiva e
clonagem terapêutica.
Clonagem de seres humanos significa criação de seres humanos adultos copiados de outros. É uma forma de reprodução
assexuada. Isso representaria uma verdadeira reviravolta da condição humana: o modo sexuado de procriação faz com que todo
ser humano, até agora, deva sua existência a duas pessoas, de sexos diferentes, tão indispensáveis uma como a outra. Assim, o
modo sexuado de geração mostra que a vida humana é o fruto de uma relação entre duas pessoas, um homem e uma mulher. A
clonagem de seres humanos permitiria a emancipação da reprodução humana de toda forma de relação. Admiti-la socialmente
transformaria radicalmente a sociedade, as representações a respeito da procriação e da relação entre os sexos.
Vejamos: um dos encantos da clonagem da ovelha Dolly é que a célula somática (não sexual) extraída da glândula mamária que lhe
deu origem se transformou em célula reprodutora – portanto, Dolly não tem pai. Isso abre caminho para estonteantes batalhas éticas
e judiciais.
Assim, a clonagem tem duas finalidades diferentes: a mais polêmica é a clonagem reprodutiva, cujo objetivo é formar um novo ser
humano geneticamente idêntico a outro. A motivação, nesse caso, seria ajudar casais inférteis ou que perderam um filho e
gostariam de ter outro igual. A técnica consiste em fertilizar um óvulo sem núcleo com o material genético de uma célula da pessoa
que deseja ser clonada. A outra categoria é a clonagem terapêutica, na qual embriões são clonados para obter células-tronco.
Pesquisadores acreditam que essas células indiferenciadas – com potencial para se transformar em qualquer um dos cerca de 220
tipos de célula do corpo – podem ser cultivadas para uso em transplantes e no tratamento de doenças degenerativas. Como seriam
obtidas a partir de um embrião clonado do próprio paciente, não haveria risco de rejeição. O processo é igual ao da clonagem
reprodutiva, mas em vez do embrião ser implantado no útero para formar um feto, ele é cultivado em pratinhos de laboratório por no
máximo sete dias e, depois, destruído para a retirada das células.
Células-tronco
As células-tronco são a base da clonagem humana. São células ainda não especializadas, que chamamos de pluripotentes, e
podem se diferenciar em vários tecidos. Ou seja, tornam-se células de coração, de fígado ou de pele, por exemplo. Quando o óvulo
se junta ao espermatozoide e forma o embrião, há apenas uma célula que começa a se dividir e, no início, todas são iguais. Estas
células vão se dividindo até que recebem uma ordem, não sabemos como, para se especializarem. Algumas se transformam em
célula de fígado; outras, de ossos. Isto ocorre por volta do 14° dia da fecundação.
O lado positivo da clonagem embrionária é abrir novas perspectivas de sobrevivência e de cura de doenças. Os seres vivos são
concebidos a partir da multiplicação de uma única célula-ovo, contendo em seu DNA toda a informação hereditária. Antes de
começar a se dividir e a se diversificar para formar os tecidos do corpo, as células do embrião, batizadas de células-tronco, são
indiferenciadas. Podem funcionar como curinga de órgãos doentes, ajudando a substituir seus tecidos degenerados.
A técnica que gerou a ovelha Dolly é a mesma utilizada para a reprodução de seres humanos e para a clonagem com fins
terapêuticos:
1. Esvazia-se o óvulo da doadora, sugando seu núcleo com uma agulha.
2. Por meio de choques elétricos, funde-se ao óvulo uma célula contendo material genético da pessoa a ser clonada.
3. O óvulo com os novos genes é colocado num meio que estimula sua multiplicação e a formação do embrião. Para cura: cultivado
em laboratório, o embrião dá origem a células-tronco. Antes de se diferenciarem para formar o corpo humano, elas são induzidas a
se transformar em tecidos específicos e, depois, injetadas para substituir células doentes dos órgãos: neurônios, células do
coração, células hepáticas. Para reprodução: o embrião é introduzido no útero da mãe de aluguel para que as células se
multipliquem, se diferenciem e deem origem ao clone humano.
O grande problema é que essas células são derivadas de embriões excedentes de processos de fertilização in vitro. Tais embriões,
normalmente descartados com consentimento do casal, são destruídos para extrair as células-tronco embrionárias. Para algumas
pessoas, isso significa destruir uma vida, o que seria inaceitável. Essa é uma questão delicada, que envolve aspectos morais,
culturais e religiosos. Vale lembrar que estamos falando de um embrião de cinco dias, basicamente um conglomerado amorfo de
células, que se fosse gerado no ventre de uma mulher teria somente 20% de chance de se transformar em um bebê. Uma coisa se
pode garantir: aquele embrião excedente trará muito mais benefícios na forma de células-tronco embrionárias do que em uma lata
de lixo.
Outro argumento contra o uso de células-troco embrionárias é o medo de que seja criado um comércio de embriões. Seguindo essa
argumentação, não deveriam ser permitidas transfusões de sangue nem doações de órgãos, pois isso também poderia degenerar
em comércio. A proibição cega invariavelmente leva ao atraso da ciência e da melhoria da qualidade de vida. Precisamos, sim, de
legislação e vigilância, para introduzir o desenvolvimento das células-tronco embrionárias no Brasil sem ferir direitos nem deveres.
Pesquisas mais recentes descobriram a existência de células-tronco adultas que também são pluripotentes, isto é, podem gerar
células de outros órgãos e tecidos. Descobriu-se células-tronco de medula óssea, tecido fetal e cordão umbilical. Esta é uma boa
notícia, pois são eliminadas não só as questões ético-religiosas envolvidas na utilização das células-tronco embrionárias, mas
também os problemas de rejeição imunológica, já que células-tronco do próprio paciente adulto podem ser utilizadas para regenerar
seus tecidos ou órgãos lesados. Prevê-se o desaparecimento das filas para transplantes e, em vez de transplantes de órgãos,
serão feitos transplantes de células retiradas do próprio paciente. Não há dúvida de que a terapia com células-tronco adultas será a
medicina do future O que preocupa os pesquisadores é que a ameaça de clonagem de seres humanos freie as pesquisas de
clonagem terapêutica.
O que é um embrião?22
Essa definição é importante para a discussão sobre células-tronco – aquelas que seriam indicadas para a produção de órgãos
usados para transplantes.
De forma teórica, para que possamos produzir um determinado órgão, devemos partir de células muito jovens denominadas
pluripotenciais. Como o nome indica, essas células possuem a capacidade de se transformar em vários tipos de tecidos presentes
no organismo. Em tese, uma única célula dessa linhagem, sofrendo um estímulo adequado, poderia originar um fígado ou um rim, ou
quem sabe um coração. Então seria muito compensador e gratificante para as pessoas que precisam de um novo fígado, rim ou
coração, que pudéssemos fabricar um desses órgãos. Ele sairia da “linha de produção” novinho em folha e pronto para substituir o
órgão velho ou danificado.
Essas células-tronco podem ser obtidas a partir de várias fontes. As mais divulgadas na atualidade são: a partir da medula óssea,
do sangue do cordão umbilical e da própria estrutura do pré-embrião em desenvolvimento. No entanto, apesar de já ser possível
obter a célula-tronco e dos vários estudos em andamento, a maneira pela qual fazemos essas células se transformarem em um
determinado tipo de tecido ainda não foi determinada. Portanto, temos os “ingredientes”, mas ainda não sabemos a “receita do
bolo”.
Os estudos mais recentes demonstram, por exemplo, que já é possível produzir células sanguíneas a partir das células-tronco da
medula óssea e do sangue do cordão umbilical. Porém, não há nada comprovado em humanos sobre como essas células podem
originar outros órgãos e quais os estímulos mais adequados de diferenciação devem ser aplicados.
Do ponto de vista ético retirar células-tronco da medula óssea ou do cordão umbilical é um ato aceitável, pois nenhum
comprometimento sério é causado ao doador das mesmas. Questões éticas, morais e mesmo científicas surgem quando tentamos
trabalhar com células-tronco que seriam retiradas da estrutura que corresponde aos primeiros 14 dias de desenvolvimento humano,
após a concepção. Será que estaríamos retirando essas células de um embrião? Ou de um feto? Ou de um pré-embrião?
Estaríamos comprometendo o desenvolvimento de um novo ser? A sociedade deveria diferenciar uma estrutura com potencial para
se desenvolver de uma outra da qual esse potencial já foi colocado em ação? É nesse ponto que a definição precisa de vários
estágios de desenvolvimento. É necessário que a comunidade científica esclareça a sociedade e seus membros dos períodos do
desenvolvimento humano para que a discussão sobre as consequências de se retirar células-tronco dessa estrutura, no período
inicial de desenvolvimento, fique clara e não cause problemas de consciência, éticos ou morais, nem aos cientistas nem à
sociedade como um todo.
Reflexões bioéticas
Discernimento ético
O discernimento ético deve ser feito tomando consciência da ambivalência de todo progresso humano. Esta situação de
ambivalência é expressa hoje pela categoria da sociedade do risco. Vivemos num momento histórico em que é preciso tomar
decisões de caráter técnico: para isso é preciso avaliar o risco e, em consequência, ponderar as opções de acordo com as
vantagens e os inconvenientes24.
Diante da situação de risco não há outra atitude ética senão a da responsabilidade. Foi o filósofo alemão, H. Jonas, que sublinhou
de modo especial o princípio de responsabilidade para a ética do presente, sobretudo tratando-se das opções a fazer diante dos
avanços científico-tecnológicos25. Na responsabilidade, não podemos esquecer as gerações subsequentes: é preciso servir-se da
criação e realizar os progressos levando em conta que as gerações posteriores também hão de desfrutar dos bens que nós
utilizamos.
As duas referências anteriores – medida do risco e apelo à responsabilidade – levam a um terceiro critério de conteúdo axiológico.
Os riscos e a responsabilidade devem ser medidos a partir do valor do autêntico processo de humanização. É o critério da
humanização que dá sentido e orientação às decisões a tomar no campo do progresso científico-tecnológico. Por humanização
entende-se a realização “do homem todo e de todos os homens”, isto é, buscar o bem integral de todas as pessoas por igual.
Biotecnologia
A biotecnologia, na ordem do dia, é o divisor de águas entre a atual era da informação digital para a “nova era” da informação
genética digital (biodigital), que por meio de recombinações, de engenharia genética, indubitavelmente controlará todos os
processos relativos à agricultura e à pecuária (e, portanto, à subsistência da espécie humana), ao meio ambiente – e às suas
consequentes zonas de influência sobre o homem —, e à saúde, nascimento, vida e morte do próprio homem (por intermédio das
diversas aplicações do “Projeto Genoma Humano”, da manipulação genética, das técnicas de procriação humana artificial etc.).
O ponto crucial, que constitui o vértice de todas as variáveis implicadas nas pesquisas biotecnológicas, reside no fato de que os
limites a serem estabelecidos para essas investigações não irão advir do grau de evolução em que se encontra o conhecimento
científico (visto que não há limites para a ciência), mas dos valores éticos (bioéticos) aceitos pela sociedade internacional. É nesse
contexto que se abre o espaço para a fundamental intervenção reguladora do Direito.
Realidade brasileira
As leis e penalidades conseguirão conter as pesquisas quando não só interesses mas também convicções teóricas somam em
favor da clonagem (pelo menos em fase anterior à implantação)? Isto sugere que o momento atual seja de diálogo e retomada de
referenciais éticos fundamentais para se estabelecerem diretrizes e normas, bem além das leis e penalidades. Nos mais diversos
ambientes em que se reflete a bioética hoje, cresce a convicção de que as leis e penalidades são insuficientes para gerarem uma
resposta ética aos novos tempos com seus novos desafios.
“A ética do laboratório terá de ser decidida em conjunto com a ética da sociedade”, diz o geneticista Carlos Alberto do Vale, da
Universidade de São Paulo, e acrescenta: “Desconfio das proibições categóricas assim como desconfio das permissões
categóricas”.
“A sociedade é que deve pregar o regulamento na porta do laboratório”, sugere o biólogo americano Steve Grebe. Parodiando o
político francês Georges Clemenceau (1841-1929), Grebe adverte: “Assim como se diz que a guerra é assunto grave demais para
ser decidido pelos generais, a ciência é perigosa demais para ser decidida apenas pelos cientistas”.
No Brasil, a explosão do tema foi enfrentada pela da Comissão Nacional Técnica de Biossegurança, do Ministério de Ciência e
Tecnologia, que julgou estar este assunto suficientemente legislado na chamada “Lei de Biossegurança” (Lei n. 8974, Decreto n.
1752/95)26. Ali se contemplam aspectos de tecnologia aplicada à genética e reprodução humanas e se condenam como crime a
manipulação genética de células germinais humanas; a intervenção em material genético humano in vivo, a não ser em casos de
terapia genética; a produção, armazenamento e/ou manipulação de embriões humanos. Para infratores estão previstas multas e
penas de três meses a vinte anos de prisão. Mas logo entram os comentários levantando dúvidas de interpretação: a proibição de
manipular “células germinais humanas” compreenderia realmente a clonagem efetuada a partir de células somáticas adultas?
Para dialogar, há uma iniciativa brasileira formulada pelo Conselho Nacional de Saúde, do Ministério da Saúde, que resultou na
Resolução 196/9627 sobre a Ética em pesquisa envolvendo seres humanos. Esta resolução propicia ao Brasil uma Comissão
Nacional de Ética em Pesquisa, bem como incentiva a instauração de Comitês de Ética em Pesquisa nas diversas instituições
que desenvolvem as pesquisas, instituindo uma verdadeira rede de “comunidades de ética na base”.
Em nível internacional, temos a Declaração Universal do Genoma Humano e dos Direitos Humanos da Unesco (1997)28 que é um
verdadeiro hino à dignidade humana. Este documento, no fundo, complementa a Declaração Universal dos Direitos Humanos
(1948)29. A Declaração Universal do Genoma Humano e dos Direitos Humanos da Unesco objetiva assegurar o desenvolvimento da
genética humana, na perspectiva de respeito da dignidade e direitos humanos do indivíduo e ser benéfica para a humanidade como
um todo. O progresso da pesquisa em genética humana, que traz uma grande esperança para a saúde e bem-estar da humanidade,
pode também ser usado com objetivos danosos, contrários à dignidade humana, aos direitos humanos ou respeito pela integridade
da raça humana. A Declaração lembra três princípios vitais, que são fundamentais na proteção da humanidade em relação às
implicações da biologia e da genética: dignidade humana, liberdade de pesquisa e solidariedade humana.
Conclusão
O respeito pela dignidade individual, liberdade e direitos humanos é um imperativo ético, a partir do qual nascem princípios vitais de
proteção do indivíduo afirmado na Declaração: a rejeição de toda discriminação em base a características genéticas: a exigência
do consentimento livre e proteção da confidencialidade dos dados genéticos associados com o indivíduo.
Ciência e ética não precisam e não devem ser consideradas como antagônicas, pelo contrário, necessitam-se e se iluminam
reciprocamente. É esta a perspectiva que garante o respeito pela dignidade humana e por mais qualidade de vida. Precisamos
zelar por vigilância ética no âmbito técnico-científico, que é uma instância de discernimento relacionada com o bom ou mau uso que
se fizer dos novos conhecimentos científicos. Necessitamos além do conhecimento científico, sabedoria ética, a fim de proteger o
ser humano, este universo singular que traz em seus genes a história da humanidade.
Não seria simplesmente tragicômico a humanidade ter o domínio do mais íntimo da matéria (átomo), do Universo (cosmos) e de si
própria (gene) e se perder num projeto de morte, sem se entender e organizar num projeto global de mais qualidade de vida e
felicidade, utilizando-se dos conhecimentos e instrumentos da tecno-ciência à sua disposição?
A clonagem como forma de reprodução é um procedimento caracterizado pelo desconhecido, comprovadamente perigoso, que não
deve ser realizado em seres humanos. Porém, não sigamos o modelo americano que transformou a clonagem no inimigo público
número um; vamos investir no lado bom da clonagem, na clonagem terapêutica. Esta sim fará do nosso mundo, um admirável mundo
novo.
Lembremo-nos de que a ciência deve servir às pessoas e as pessoas não devem ser postas a serviço da ciência.
Para refletir
Selecionamos a seguir alguns textos paradigmáticos e polêmicos para discussão e reflexão.
Anexos
1. Declaração Universal dos Direitos Humanos – 1948
Considerando que o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e dos seus direitos iguais e
inalienáveis constitui o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo.
Considerando que o desconhecimento e o desprezo dos direitos do homem conduziram a atos de barbárie que revoltam a
consciência da humanidade e que o advento de um mundo em que os seres humanos sejam livres de falar e de crer, libertos do
terror e da miséria, foi proclamado como a mais alta inspiração do homem.
Considerando que é essencial à proteção dos direitos humanos através de um regime de direito, para que o homem não seja
compelido, em supremo recurso, à revolta contra a tirania e a opressão.
Considerando que é essencial encorajar o desenvolvimento de relações amistosas entre as nações.
Considerando que, na Carta, os povos das Nações Unidas proclamam, de novo, a sua fé nos direitos fundamentais do homem, na
dignidade e no valor da pessoa humana, na igualdade de direitos dos homens e das mulheres e se declaram resolvidos a favorecer
o progresso social e a instaurar melhores condições de vida dentro de uma liberdade mais ampla.
Considerando que os Estados membros se comprometeram a promover, em cooperação com a Organização das Nações Unidas,
o respeito universal e efetivo dos direitos humanos e das liberdades fundamentais.
Considerando que uma concepção comum destes direitos e liberdades é da mais alta importância para dar plena satisfação a tal
compromisso.
A Assembleia Geral
Proclama a presente Declaração Universal dos Direitos do Homem como ideal comum a atingir por todos os povos e todas as
nações, a fim de que todos os indivíduos e todos os órgãos da sociedade tendo-a constantemente no espírito, se esforcem, pelo
ensino e pela educação, por desenvolver o respeito desses direitos e liberdades e por promover, por medidas progressivas de
ordem nacional e internacional, o seu reconhecimento e a sua aplicação universais e efetivos tanto entre as populações dos
próprios Estados membros como entre as dos territórios colocados sob a sua jurisdição.
Artigo I – Todos os homens nascem livre e iguais em dignidade.
São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade.
Artigo II – Todo homem tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabelecidos nesta Declaração, sem distinção de
raça, cor, sexo, língua ou religião.
Artigo III – Todo homem tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal.
Artigo IV – Ninguém será mantido em escravidão ou servidão.
Artigo V – Ninguém será submetido à tortura ou castigo cruel desumano ou degradante.
Artigo VI – Todo homem tem direito de ser, em todos os lugares, reconhecido como pessoa humana perante a lei.
Artigo VII – Todos são iguais perante a lei e tem direito, sem qualquer distinção, a igual proteção da lei.
Artigo VIII – Todo homem tem direito a receber, dos tribunais nacionais competentes, remédio efetivo para os atos que violem os
direitos fundamentais reconhecidos pela constituição ou pela lei.
Artigo IX – Ninguém será arbitrariamente preso, detido ou exilado.
Artigo X – Todo homem tem direito a uma justa e pública audiência por parte de um tribunal independente e imparcial, para decidir
seus direitos e deveres ou do fundamento de qualquer acusação criminal contra ele.
Artigo XI – Todo homem acusado de ato delituoso tem o direito de ser presumido inocente até que sua culpabilidade tenha sido
provada de acordo com a lei.
Artigo XII – Ninguém será sujeito à interferência na sua vida privada, na sua família, no seu lar ou na correspondência, nem a
ataques a sua honra e reputação.
Artigo XIII – Todo homem tem direito à liberdade de locomoção e residência, dentro das fronteiras de cada Estado.
Artigo XIV – Todo homem, vítima de perseguição, tem o direito de procurar e gozar asilo em outros países.
Artigo XV – Todo homem tem direito a uma nacionalidade.
Artigo XVI – Os homens e as mulheres de maior idade, sem qualquer restrição de raça, nacionalidade ou religião, têm o direito de
contrair matrimônio e fundar uma família.
Artigo XVII – Todo homem tem direito à prioridade.
Artigo XVIII – Todo homem tem direito à liberdade de pensamento, consciência e religião.
Artigo XIX – Todo homem tem direito à liberdade de opinião e expressão.
Artigo XX – Todo homem tem direito à liberdade de reunião e associação pacíficas.
Artigo XXI – Todo homem tem direito de tomar parte no governo do próprio país e de ter acesso ao livre desenvolvimento de sua
personalidade.
Artigo XXII – Todo homem, como membro da sociedade, tem direito à segurança social e à realização, pelo esforço nacional, pela
cooperação internacional e de acordo com a organização e recursos de cada Estado, dos direitos econômicos, sociais e culturais
indispensáveis a sua dignidade e ao livre desenvolvimento de sua personalidade.
Artigo XXIII – Todo homem tem direito ao trabalho, à livre escolha do emprego, a condições justas e favoráveis de trabalho e à
proteção contra o desemprego.
Artigo XXIV – Todo homem tem direito a repouso e lazer, inclusive à limitação razoável das horas de trabalho e a férias
remuneradas periódicas.
Artigo XXV – Todo homem tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família saúde e bem-estar.
Artigo XXVI – Todo homem tem direito à instrução. A instrução será gratuita, pelo menos nos graus elementares e fundamentais.
Artigo XXVII – Todo homem tem direito a participar livremente da vida cultural da comunidade, de fruir das artes e de participar do
progresso científico e de seus benefícios.
Artigo XXVIII – Todo homem tem direito a uma ordem social e internacional em que os direitos e liberdades estabelecidos na
presente Declaração possam ser plenamente realizados.
Artigo XXIX – Todo homem tem deveres para com a comunidade, na qual é possível o livre e pleno desenvolvimento de sua
personalidade. No exercício de seus direitos e liberdades, todo homem está sujeito apenas às limitações determinadas pela lei,
exclusivamente com o fim de assegurar o devido reconhecimento e respeito dos direitos e liberdades de outrem e de satisfazer às
justas exigências da moral, da ordem pública e do bem-estar de uma sociedade democrática.
Artigo XXX – Nenhuma disposição da presente Declaração pode ser interpretada como o reconhecimento a qualquer Estado,
grupo ou pessoa do direito de exercer qualquer atividade ou praticar qualquer ato destinado à destruição de quaisquer direitos e
liberdades aqui estabelecidos.
Regulamenta os incisos II e V do parágrafo 1º do art. 225 da Constituição Federal, estabelece normas para o uso das técnicas de
engenharia genética e liberação no meio ambiente de organismos geneticamente modificados, autoriza o Poder Executivo a criar,
no âmbito da Presidência da República, a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança, e dá outras providências.
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA
Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:
Art. 1º — Esta Lei estabelece normas de segurança e mecanismos de fiscalização no uso das técnicas de engenharia genética na
construção, cultivo, manipulação, transporte, comercialização, consumo, liberação e descarte de organismo geneticamente
modificado (OGM), visando proteger a vida e a saúde do homem, dos animais e das plantas, bem como o meio ambiente.
Art. 2º — As atividades e projetos, inclusive os de ensino, pesquisa científica, desenvolvimento tecnológico e de produção industrial
que envolvam OGM no território brasileiro, ficam restritos ao âmbito de entidades de direito público ou privado, que serão tidas
como responsáveis pela obediência aos preceitos desta Lei e de sua regulamentação, bem como pelos eventuais efeitos ou
consequências advindas de seu descumprimento.
§ 1º — Para os fins desta Lei consideram-se atividades e projetos no âmbito de entidades como sendo aqueles conduzidos em
instalações próprias ou os desenvolvidos alhures sob a sua responsabilidade técnica ou científica.
§ 2º — As atividades e projetos de que trata este artigo são vedados a pessoas físicas enquanto agentes autônomos
independentes, mesmo que mantenham vínculo empregatício ou qualquer outro com pessoas jurídicas.
§ 3º — As organizações públicas e privadas, nacionais, estrangeiras ou internacionais, financiadoras ou patrocinadoras de
atividades ou de projetos referidos neste artigo, deverão certificar-se da idoneidade técnico-científica e da plena adesão dos entes
financiados, patrocinados, conveniados ou contratados às normas e mecanismos de salvaguarda previstos nesta Lei, para o que
deverão exigir a apresentação do Certificado de Qualidade em Biossegurança de que trata o art. 6º, inciso XIX, sob pena de se
tornarem corresponsáveis pelos eventuais efeitos advindos de seu descumprimento.
Art. 3º — Para os efeitos desta Lei, define-se:
I – organismo – toda entidade biológica capaz de reproduzir e/ou de transferir material genético, incluindo vírus, príons e outras
classes que venham a ser conhecidas;
II – ácido desoxirribonucleico (ADN), ácido ribonucleico (ARN) – material genético que contém informações determinantes dos
caracteres hereditários transmissíveis à descendência;
III – moléculas de ADN/ARN recombinante – aquelas manipuladas fora das células vivas, mediante a modificação de segmentos de
ADN/ARN natural ou sintético que possam multiplicar-se em uma célula viva, ou ainda, as moléculas de ADN/ARN resultantes dessa
multiplicação. Consideram-se, ainda, os segmentos de ADN/ARN sintéticos equivalentes aos de ADN/ARN natural;
IV – organismo geneticamente modificado (OGM) – organismo cujo material genético (ADN/ARN) tenha sido modificado por
qualquer técnica de engenharia genética;
V – engenharia genética – atividade de manipulação de moléculas ADN/ARN recombinante.
Parágrafo único. Não são considerados como OGM aqueles resultantes de técnicas que impliquem a introdução direta, num
organismo, de material hereditário, desde que não envolvam a utilização de moléculas de ADN/ARN recombinante ou OGM, tais
como: fecundação in vitro, conjugação, transdução, transformação, indução poliploide e qualquer outro processo natural;
Art. 4º — Esta Lei não se aplica quando a modificação genética for obtida através das seguintes técnicas, desde que não
impliquem a utilização de OGM como receptor ou doador:
I – mutagênese;
II – formação e utilização de células somáticas de hibridoma animal;
III – fusão celular, inclusive a de protoplasma, de células vegetais, que possa ser produzida mediante métodos tradicionais de
cultivo;
IV – autoclonagem de organismos não-patogênicos que se processe de maneira natural.
Art. 5º – (VETADO)
Art. 6º – (VETADO)
Art. 7º Caberá, dentre outras atribuições, aos órgãos de fiscalização do Ministério da Saúde, do Ministério da Agricultura, do
Abastecimento e da Reforma Agrária e do Ministério do Meio Ambiente e da Amazônia Legal, dentro do campo de suas
competências, observado o parecer técnico conclusivo da CTNBio e os mecanismos estabelecidos na regulamentação desta Lei:
I – (VETADO)
II – a fiscalização e a monitorização de todas as atividades e projetos relacionados a OGM do Grupo II;
III – a emissão do registro de produtos contendo OGM ou derivados de OGM a serem comercializados para uso humano, animal ou
em plantas, ou para a liberação no meio ambiente;
IV – a expedição de autorização para o funcionamento de laboratório, instituição ou empresa que desenvolverá atividades
relacionadas a OGM;
V – a emissão de autorização para a entrada no País de qualquer produto contendo OGM ou derivado de OGM;
VI – manter cadastro de todas as Instituições e profissionais que realizem atividades e projetos relacionados a OGM no território
nacional;
VII – encaminhar à CTNBio, para emissão de parecer técnico, todos os processos relativos a projetos e atividades que envolvam
OGM;
VIII – encaminhar para publicação no Diário Oficial da União resultado dos processos que lhe forem submetidos a julgamento, bem
como a conclusão do parecer técnico;
IX – aplicar as penalidades de que trata esta Lei nos artigos 11 e 12. Art. 8º – É vedado, nas atividades relacionadas a OGM:
I – qualquer manipulação genética de organismos vivos ou o manejo in vitro de ADN/ARN natural ou recombinante, realizados em
desacordo com as normas previstas nesta Lei:
II – a manipulação genética de células germinais humanas;
III – a intervenção em material genético humano in vivo, exceto para o tratamento de defeitos genéticos, respeitando-se princípios
éticos tais como o princípio de autonomia e o princípio de beneficência, de acordo com o art. 6é, inciso I V, e com a aprovação
prévia da CTNBio;
IV – a produção, armazenamento ou manipulação de embriões humanos destinados a servir como material biológico disponível;
V – a intervenção in vivo em material genético de animais, excetuados os casos em que tais intervenções se constituam em
avanços significativos na pesquisa científica e no desenvolvimento tecnológico, respeitando-se princípios éticos, tais como o
princípio da responsabilidade e o princípio da prudência, e com aprovação prévia da CTNBio;
VI – a liberação ou o descarte no meio ambiente de OGM em desacordo com as normas estabelecidas pela CTNBio e constantes
na regulamentação desta Lei.
§ 1º – Os produtos contendo OGM, destinados à comercialização ou industrialização, provenientes de outros países, só poderão ser
introduzidos no Brasil após o parecer prévio conclusivo da CTNBio e a autorização do órgão de fiscalização competente, levando-
se em consideração pareceres técnicos de outros países, quando disponíveis.
§ 2º – Os produtos contendo OGM, pertencentes ao Grupo é conforme definido no Anexo I desta Lei, só poderão ser introduzidos no
Brasil após o parecer prévio conclusivo da CTNBio e a autorização do órgão de fiscalização competente.
§ 3º – (VETADO)
Art. 9º – Toda entidade que utilizar técnicas e métodos de engenharia genética deverá criar uma Comissão Interna de
Biossegurança (CIBio), além de indicar um técnico principal responsável por cada projeto específico.
Art. 10º – Compete à Comissão Interna de Biossegurança (CIBio) no âmbito de sua Instituição:
I – manter informados os trabalhadores, de qualquer pessoa e a coletividade, quando suscetíveis de serem afetados pela atividade,
sobre todas as questões relacionadas com a saúde e a segurança, bem como sobre os procedimentos em caso de acidentes;
II – estabelecer programas preventivos e de inspeção para garantir o funcionamento das instalações sob sua responsabilidade,
dentro dos padrões e normas de biossegurança, definidos pela CTNBio na regulamentação desta Lei;
III – encaminhar à CTNBio os documentos cuja relação será estabelecida na regulamentação desta Lei, visando a sua análise e a
autorização do órgão competente quando for o caso;
IV – manter registro do acompanhamento individual de cada atividade ou projeto em desenvolvimento envolvendo OGM;
V – notificar à CTNBio, às autoridades de Saúde Pública e às entidades de trabalhadores, o resultado de avaliações de risco a que
estão submetidas as pessoas expostas, bem como qualquer acidente ou incidente que possa provocar a disseminação de agente
biológico;
VI – investigar a ocorrência de acidentes e as enfermidades possivelmente relacionados a OGM, notificando suas conclusões e
providências à CTNBio.
Art. 11º – Constitui infração, para os efeitos desta Lei, toda ação ou omissão que importe na inobservância de preceitos nela
estabelecidos, com exceção dos parágrafos 1º e 2º e dos incisos de é a VI do art. 8é, ou na desobediência às determinações de
caráter normativo dos órgãos ou das autoridades administrativas competentes.
Art. 12º – Fica a CTNBio autorizada a definir valores de multas a partir de 16.110,80 UFIR, a serem aplicadas pelos órgãos de
fiscalização referidos no art. 7é, proporcionalmente ao dano direto ou indireto, nas seguintes infrações:
I – não obedecer às normas e aos padrões de biossegurança vigentes;
II – implementar projeto sem providenciar o prévio cadastramento da entidade dedicada à pesquisa e manipulação de OGM, e de
seu responsável técnico, bem como da CTNBio;
III – liberar no meio ambiente qualquer OGM sem aguardar sua prévia aprovação, mediante publicação no Diário Oficial da União;
IV – operar os laboratórios que manipulam OGM sem observar as normas de biossegurança estabelecidas na regulamentação
desta Lei;
V – não investigar, ou fazê-lo de forma incompleta, os acidentes ocorridos no curso de pesquisas e projetos na área de engenharia
genética, ou não enviar relatório respectivo à autoridade competente no prazo máximo de 5 (cinco) dias a contar da data de
transcorrido o evento;
VI – implementar projeto sem manter registro de seu acompanhamento individual;
VII – deixar de notificar, ou fazê-lo de forma não imediata, à CTNBio, e às autoridades da Saúde Pública, sobre acidente que possa
provocar a disseminação de OGM;
VIII – não adotar os meios necessários à plena informação da CTNBio, das autoridades da Saúde Pública, da coletividade, e dos
demais empregados da instituição ou empresa, sobre os riscos a que estão submetidos, bem como os procedimentos a serem
tomados, no caso de acidentes;
IX – qualquer manipulação genética de organismo vivo ou manejo in vitro de ADN/ARN natural ou recombinante, realizados em
desacordo com as normas previstas nesta Lei e na sua regulamentação.
§ 1º – No caso de reincidência, a multa será aplicada em dobro.
§ 2º – No caso de infração continuada, caracterizada pela permanência da ação ou omissão inicialmente punida, será a respectiva
penalidade aplicada diariamente até cessar sua causa, sem prejuízo da autoridade competente, podendo paralisar a atividade
imediatamente e/ou interditar o laboratório ou a instituição ou empresa responsável.
Art. 13º – Constituem crimes:
I – a manipulação genética de células germinais humanas;
II – a intervenção em material genético humano in vivo, exceto para o tratamento de defeitos genéticos, respeitando-se princípios
éticos tais como o princípio de autonomia e o princípio de beneficência, e com a aprovação prévia da CTNBio;
Pena – detenção de três meses a um ano.
§ 1º – Se resultar em:
a) incapacidade para as ocupações habituais por mais de 30 dias;
b) perigo de vida;
c) debilidade permanente de membro, sentido ou função;
d) aceleração de parto;
Pena – reclusão de um a cinco anos.
§ 2º – Se resultar em:
a) incapacidade permanente para o trabalho;
b) enfermidade incurável;
c) perda ou inutilização de membro, sentido ou função;
d) deformidade permanente;
e) aborto;
Pena – reclusão de dois a oito anos.
§ 3º – Se resultar em morte;
Pena – reclusão de seis a vinte anos.
III – a produção, armazenamento ou manipulação de embriões humanos destinados a servirem como material biológico disponível;
Pena – reclusão de seis a 20 anos.
IV – a intervenção in vivo em material genético de animais, excetuados os casos em que tais intervenções se constituam em
avanços significativos na pesquisa científica e no desenvolvimento tecnológico, respeitando-se princípios éticos, tais como o
princípio da responsabilidade e o princípio da prudência, e com aprovação prévia da CTNBio;
Pena – reclusão de três meses a um ano.
V – a liberação ou o descarte no meio ambiente de OGM em desacordo com as normas estabelecidas pela CTNBio e constantes
na regulamentação desta Lei.
Pena – reclusão de um a três anos.
§ 1º – Se resultar em:
a) lesões corporais leves;
b) perigo de vida;
c) debilidade permanente de membro, sentido ou função;
d) aceleração de parto;
e) dano à propriedade alheia;
f) dano ao meio ambiente;
Pena – reclusão de dois a cinco anos.
§ 2º – Se resultar em:
a) incapacidade permanente para o trabalho;
b) enfermidade incurável;
c) perda ou inutilização de membro, sentido ou função;
d) deformidade permanente;
e) aborto;
f) inutilização da propriedade alheia;
g) dano grave ao meio ambiente; Pena – reclusão de dois a oito anos;
§ 3º – Se resultar em morte;
Pena – reclusão de seis a 20 anos.
§ 4º – Se a liberação, o descarte no meio ambiente ou a introdução no meio de OGM for culposo:
Pena – reclusão de um a dois anos.
§ 5º — Se a liberação, o descarte no meio ambiente ou a introdução no País de OGM for culposa, a pena será aumentada de um
terço se o crime resultar de inobservância de regra técnica de profissão.
§ 6º – O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal por
danos causados ao homem, aos animais, às plantas e ao meio ambiente, em face do descumprimento desta Lei.
Art. 14º – Sem obstar a aplicação das penas previstas nesta Lei, é o autor obrigado, independentemente da existência de culpa, a
indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade.
Disposições Gerais e Transitórias
Art. 15º – Esta Lei será regulamentada no prazo de 90 (noventa) dias a contar da data de sua publicação.
Art. 16º – As entidades que estiverem desenvolvendo atividades reguladas por esta Lei na data de sua publicação, deverão
adequar-se às suas disposições no prazo de 120 dias, contados da publicação do decreto que a regulamentar, bem como
apresentar relatório circunstanciado dos produtos existentes, pesquisas ou projetos em andamento envolvendo OGM.
Parágrafo único. Verificada a existência de riscos graves para a saúde do homem ou dos animais, para as plantas ou para o meio
ambiente, a CTNBio determinará a paralisação imediata da atividade.
Art. 17º – Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
Art. 18º – Revogam-se as disposições em contrário.
Brasília, 5 de janeiro de 1995; 174º da Independência e 107º da República
FERNANDO HENRIQUE CARDOSO
Nelson Jobim
José Eduardo de Andrade Vieira
Paulo Renato Souza
Adib Jatene
José Israel Vargas
Gustavo Krause
Anexo I
Para efeitos desta Lei, os organismos geneticamente modificados classificam-se da seguinte maneira:
Grupo I: compreendem os organismos que preenchem os seguintes critérios:
A. Organismo receptor ou parental
– não-patogênico;
– isento de agentes adventícios;
– com amplo histórico documentado de utilização segura, ou a incorporação de barreiras biológicas que, sem interferir no
crescimento ótimo em reator ou fermentador, permita uma sobrevivência e multiplicação limitadas, sem efeitos negativos para o
meio ambiente.
B. Vetor/inserto
– deve ser adequadamente caracterizado e desprovido de sequências nocivas conhecidas;
– deve ser de tamanho limitado, no que for possível, às sequências genéticas necessárias para realizar a função projetada;
– não deve incrementar a estabilidade do organismo modificado no meio ambiente;
– deve ser escassamente mobilizável;
– não deve transmitir nenhum marcador de resistência a organismos que, de acordo com os conhecimentos disponíveis, não o
adquira de forma natural.
C. Organismos geneticamente modificados: – não-patogênicos;
– que ofereçam a mesma segurança que o organismo receptor ou parental no reator ou fermentador, mas com sobrevivência e/ou
multiplicação limitadas, sem efeitos negativos para o meio ambiente.
D. Outros organismos geneticamente modificados que poderiam se incluir no Grupo I, desde que reúnam as condições estipuladas
no item C anterior:
– micro-organismos construídos inteiramente a partir de um único receptor procariótico (incluindo plasmídeos e vírus endógenos) ou
de um único receptor eucariótico (incluindo seus cloroplastos, mitocôndrias e plasmídeos, mas excluindo os vírus) e organismos
compostos inteiramente por sequências genéticas de diferentes espécies que troquem tais sequências mediante processos
fisiológicos conhecidos.
Grupo II: todos aqueles não incluídos no Grupo I.
O plenário do Conselho Nacional de Saúde em sua Quinquagésima Nona Reunião Ordinária, realizada nos dias 09 e 10 de outubro
de 1996, no uso de suas Competências regimentais e atribuições conferidas pela Lei nº 8080 de 19 de setembro de 1990, e pela
Lei nº 8.142, de 28 de dezembro de 1990, resolve:
Aprovar as seguintes diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisa envolvendo seres humanos:
I. Preâmbulo
A presente Resolução fundamenta-se nos principais documentos internacionais que emanaram declarações e diretrizes sobre
pesquisas que envolvem seres humanos: O Código de Nuremberg (1947), a Declaração dos Direitos do Homem (1948), a
Declaração de Helsinque (1964 e suas versões posteriores de 1975, 1983 e 1989), o Acordo Internacional sobre Direitos Civis e
Políticos, ONU, 1966, Aprovado pelo Congresso Nacional Brasileiro em 1992), as Propostas de Diretrizes Éticas internacionais
para pesquisas Biomédicas Envolvendo Seres Humanos (CIOMS/OMS 1982 e 1983) e as Diretrizes internacionais para Revisão
Ética de Estudos Epidemiológicos (CIOMS, 1991). Cumpre as disposições da Constituição da República Federativa do Brasil de
1988 e da legislação brasileira correlata: Código de Direitos do Consumidor, Código Civil e Código Penal, Estatuto da Criança e
do Adolescente, Lei Orgânica da Saúde 8080, de 19/09/90 (dispõe sobre as condições de atenção à saúde, à organização e o
funcionamento dos serviços correspondentes), Lei 8.142, de 28/12/90 (participação da comunidade na gestão do Sistema Único de
Saúde), Decreto 99.438 de 07/08/90 (organização e atribuições do conselho Nacional de Saúde).
Decreto 98.830, de 15/01/90 (coleta por estrangeiros de dados e materiais científicos no Brasil), Lei 8.489, de 18/11/92, e Decreto
879, de 22/07/93 (dispõem sobre retirada de tecidos, órgãos e outras partes do corpo humano com fins humanitários e científicos),
Lei 8.501, de 30/11/92 (utilização de cadáver), Lei 8.974, de 05/01/95 (uso das técnicas de engenharia genética e liberação do
meio ambiente de organismos geneticamente modificados), Lei 9.279, de 14/05/96 (regula direitos e obrigações relativas à
propriedade industrial) e outras.
Essa Resolução incorpora, sob a ótica do indivíduo e das coletividades, os quatro referenciais básicos da bioética: autonomia, não
maleficência, beneficência e justiça, entre outros, e visa assegurar os direitos e deveres que dizem respeito à comunidade científica,
aos sujeitos da pesquisa e ao Estado.
O caráter contextual das considerações aqui desenvolvidas implica em revisões periódicas desta Resolução, conforme
necessidades nas áreas tecno-científica e ética.
Ressalta-se, ainda, que cada área temática de investigação e cada modalidade de pesquisa, além de respeitar os princípios
emanados deste texto, deve cumprir as exigências setoriais e regulamentações específicas.
V. Riscos e benefícios
Considera-se que toda pesquisa envolvendo seres humanos envolve risco. O dano eventual poderá ser imediato ou tardio,
comprometendo o indivíduo ou a coletividade.
VI. Não obstante, os riscos potenciais, as pesquisas envolvendo seres humanos serão admissíveis quando:
a) oferecerem elevada possibilidade de gerar conhecimento para entender, prevenir ou aliviar um problema que afete o bem-estar
dos sujeitos da pesquisa e de outros indivíduos;
b) o risco se justifique pela importância do benefício esperado;
c) o benefício seja maior, ou no mínimo igual, a outras alternativas já estabelecidas para a prevenção, o diagnóstico e o tratamento.
V2. As pesquisas sem benefício direto ao indivíduo devem prever condições de serem bem suportadas pelos sujeitos da pesquisa,
considerando sua situação física, psicológica, social e educacional.
V3. O pesquisador responsável é obrigado a suspender a pesquisa imediatamente ao perceber algum risco ou dano à saúde do
sujeito participante da pesquisa, consequente à mesma, não previsto no termo de consentimento. Do mesmo modo, tão logo
constatada a superioridade de um método em estudo sobre outro, o projeto deverá ser suspenso, oferecendo-se a todos os sujeitos
os benefícios do melhor regime.
V.4. O Comitê de Ética em Pesquisa da Instituição deverá ser informado de todos os efeitos adversos ou fatos relevantes que
alterem o curso normal do estudo.
V.5. O pesquisador, o patrocinador e a instituição devem assumir a responsabilidade de dar assistência integral às complicações e
danos decorrentes dos riscos previstos.
V.6. Os sujeitos da pesquisa que vierem a sofrer qualquer tipo de dano previsto ou não no termo de consentimento e resultante de
sua participação, além do direito à assistência integral, têm direito à indenização.
V.7. Jamais poderá ser exigido do sujeito da pesquisa, sob qualquer argumento, renúncia ao direito de indenização por dano. O
formulário do consentimento livre e esclarecido não deve conter nenhuma ressalva que afaste essa responsabilidade ou que
implique ao sujeito da pesquisa abrir mão de seus direitos legais, incluindo o direito de procurar obter indenização por danos
eventuais.
IX. Operacionalização
IX.1. Todo e qualquer projeto de pesquisa envolvendo seres humanos deverá obedecer às recomendações desta Resolução e dos
documentos endossados em seu preâmbulo. A responsabilidade do pesquisador é indelegável, indeclinável e compreende os
aspectos éticos e legais.
IX.2. Ao pesquisador cabe:
a) apresentar o protocolo, devidamente instruído ao CEP, aguardando o pronunciamento deste, antes de iniciar a pesquisa;
b) desenvolver o projeto conforme delineado;
c) elaborar e apresentar os relatórios parciais e final;
d) apresentar dados solicitados pelo CEP, a qualquer momento;
e) manter em arquivo, sob sua guarda, por 5 anos, os dados da pesquisa, contendo fichas individuais e todos os demais
documentos recomendados pelo CEP;
f) encaminhar os resultados para publicação, com os devidos créditos aos pesquisadores associados e ao pessoal técnico
participante do projeto;
g) justificar, perante o CEP, interrupção do projeto ou a não publicação dos resultados.
IX.3. O Comitê de Ética em Pesquisa Institucional deverá estar registrado junto à CONEP/MS.
IX.4. Uma vez aprovado o projeto, o CVEP passa a ser corresponsável no que se refere aos aspectos éticos da pesquisa.
IX.5. Consideram-se autorizados para execução, os projetos aprovados pelo CEP, exceto os que se enquadrarem nas áreas
temáticas especiais, os quais, após aprovação pelo CEP institucional deverão ser enviados à CONEP/MS, que dará o devido
encaminhamento.
IX.6. Pesquisas com novos medicamentos, vacinas, testes diagnósticos, equipamentos e dispositivos para saúde deverão ser
encaminhados do CEP à CONEP/MS e desta, após parecer, à Secretaria de Vigilância Sanitária.
IX.7. As agências de fomento a pesquisas e o corpo editorial das revistas científicas deverão exigir documentação comprobatória
de aprovação do projeto pelo CEO e/ou CONEP, quando for o caso.
IX.8. Os CEP institucionais deverão encaminhar trimestralmente à CONEP/MS a relação dos projetos de pesquisa analisados,
aprovados e concluídos, bem como dos projetos em andamento e, imediatamente, aqueles suspensos.
X. Disposições transitórias
X.l. O Grupo Executivo de Trabalho – GET, constituído através da Resolução CNS 170/95, assumirá as atribuições da CONEP até
sua constituição, responsabilizando-se por:
a) tomar as medidas necessárias ao processo de criação da CONEP/MS;
b) estabelecer normas para registro dos CEP institucionais.
X.2. O GET terá 180 dias para finalizar as suas tarefas
X.3. Os CEP das instituições devem proceder, no prazo de 90 (noventa) dias, ao levantamento e análise, se for caso, dos projetos
de pesquisa em seres humanos já em andamento, devendo encaminhar à CONEP/MS. A relação dos mesmos.
X.4. Fica revogada a Resolução 01/88.
O Comitê de Especialistas Governamentais, convocado em julho de 1997 para a conclusão de um projeto de declaração sobre o
genoma humano, examinou o esboço preliminar revisto redigido pelo Comitê Internacional de Bioética. Ao término de suas
deliberações, em 25 de julho de 1997, o Comitê de Especialistas Governamentais, no qual mais de 80 Estados estiveram
representados, adotou por consenso o Projeto de uma Declaração Universal do Genoma Humano e dos Direitos Humanos, que foi
apresentado para adoção na 29a sessão da Conferência Geral da Unesco (de 21 de outubro a 12 de novembro de 1997).
Implementação da Declaração
Artigo 22º
Os Estados devem envidar todos os esforços para promover os princípios expostos nesta Declaração e devem promover sua
implementação por meio de todas as medidas apropriadas.
Artigo 23º
Os Estados devem tomar as medidas apropriadas para promover, por meio da educação, da formação e da disseminação da
informação, o respeito pelos princípios acima mencionados e para fomentar seu reconhecimento e sua aplicação efetiva. Os
Estados também devem incentivar os intercâmbios e as redes entre comitês éticos independentes, à medida que forem criados,
com vistas a fomentar uma cooperação integral entre eles.
Artigo 24º
O Comitê Internacional de Bioética da Unesco deve contribuir para a disseminação dos princípios expostos nesta Declaração e
para fomentar o estudo detalhado das questões levantadas por suas aplicações e pela evolução das tecnologias em questão. Deve
organizar consultas apropriadas com as partes envolvidas, tais como os grupos vulneráveis. Deve fazer recomendações, de acordo
com os procedimentos estatutários da Unesco, dirigidas à Conferência Geral, e emitir conselhos relativos à implementação desta
Declaração, relativos especialmente à identificação de práticas que possam ser contrárias à dignidade humana, tais como
intervenções nas células germinativas.
Artigo 25º
Nada do que está contido nesta Declaração pode ser interpretado como uma possível justificativa para que qualquer Estado, grupo
ou pessoa se engaje em qualquer atividade ou realize qualquer ato contrário aos direitos humanos e às liberdades fundamentais,
incluindo, “inter alia”, os princípios expostos nesta Declaração.
Aspectos científicos
Uma definição, vulgarmente aceita, de “célula estaminal” – embora alguns aspectos requeiram maior aprofundamento – é esta: uma
célula que tem duas características:
1. a propriedade de uma autoconservação ilimitada, ou seja, o poder de reproduzir-se durante muito tempo sem se diferenciar;
2. a capacidade de produzir células progenitoras de transição, com uma limitada capacidade proliferadora, das quais deriva
uma variedade de linhas de células altamente diferenciadas (nervosas, musculares, hemáticas etc.).
Há cerca de trinta anos estas células tem constituído um amplo campo de pesquisa, quer em tecidos adultos1, quer em tecidos
embrionários, quer ainda na cultura in vitro de células estaminais embrionárias de cobaias2. Mas a atenção pública concentrou-se
recentemente nelas por causa de um novo objetivo alcançado: a produção de células estaminais embrionárias humanas.
3. a separação do embrioblasto ou massa celular interna (ICM)— o que implica a destruição do embrião;
4. a cultura dessas células sobre uma camada nutriente de fibroblastos embrionários de ratos irradiados e num ambiente
apropriado, onde se multipliquem e combinem até formar colônias;
5. a repetida subcultura dessas colônias, que leva à formação de linhas celulares capazes de se multiplicarem indefinidamente,
conservando as características de células estaminais (ES) durante meses e anos.
Todavia, essas ES constituem apenas o ponto de partida para a preparação das linhas de células diferenciadas, ou seja, de
células com características próprias dos distintos tecidos (musculares, nervosos, epiteliais, hemáticos, germinais etc.). Os métodos
para obtê-las ainda estão em fase de estudo4; mas a inoculação das ES humanas em cobaias (ratos) ou a sua cultura in vitro em
circunstâncias controladas até à sua combinação demonstrou que elas são capazes de dar origem a células diferenciadas que
derivariam, numa evolução normal, dos três estratos embrionários: endoderma (epitélio intestinal), mesoderma (cartilagem, osso,
músculo liso e estriado) e exoderma (epitélio neural, epitélio escamoso)5.
Esses resultados abalaram não só o mundo científico e biotecnológico – particularmente médico e farmacológico –, mas também o
mundo comercial e dos meios de comunicação: grandes eram as esperanças de que as aplicações daí derivadas haveriam de abrir
sendas novas e mais seguras para a terapia de graves doenças – sendas há muitos anos procuradas6. Mas, sobretudo, foi abalado
o mundo político7. De modo particular nos Estados Unidos – onde o Congresso já há anos é contrário a sustentar com fundos
federais pesquisas em que sejam destruídos embriões humanos — fizeram-se sentir, além de outras, as fortes pressões do NIH
(National Institutes of Health), para obter fundos pelo menos para utilizar as células estaminais produzidas por grupos privados, e as
recomendações feitas pelo NBAC (National Bioethics Advisory Committee) – instituído pelo Governo Federal para o estudo do
problema –, para que sejam atribuídos fundos públicos não apenas para pesquisa sobre células estaminais embrionárias, mas
também para a sua produção; mais ainda, insiste-se para que seja rescindida de vez a proibição legal vigente relativa ao uso de
fundos federais para a pesquisa sobre embriões humanos.
Registram-se pressões na mesma direção também na Inglaterra, no Japão, na Austrália.
A clonagem terapêutica
Tornava-se claro que o uso terapêutico das ES, como tais, possuía riscos notáveis, sendo ele, como se constatou em experiências
com ratos, causador de tumores. Assim, seria preciso preparar linhas especializadas de células diferenciadas conforme a
necessidade; e o tempo requerido para obtê-las não era breve. Mas, ainda que fosse possível consegui-lo, seria muito difícil ter a
certeza da absoluta ausência de células estaminais durante a inoculação ou a implantação terapêutica, com os respectivos riscos;
além disso, ter-se-ia de recorrer a ulteriores tratamentos para superar a incompatibilidade imunológica. Por esses motivos, foram
propostas três vias de “clonagem terapêutica”8, capazes de preparar células estaminais embrionárias humanas pluripotenciadas
com uma informação genética bem definida, para se obter depois a desejada diferenciação.
1. A substituição do núcleo de um oócito pelo núcleo de uma célula adulta de um determinado sujeito, seguindo-se a evolução
do embrião até a fase de blastócito e a utilização da massa interna celular (ICM) para obter as ES e, a partir destas, as
desejadas células diferenciadas.
2. A transferência do núcleo de uma célula de um determinado sujeito para um oócito de animal . Caso fosse bem-sucedida, a
operação deveria permitir – supõe-se – o desenvolvimento de um embrião humano, que seria utilizado como no caso anterior.
3. A reprogramação do núcleo da célula de um determinado sujeito pela fusão do citoplasma da ES com o carioplasma de
uma célula somática. Obtendo-se assim um “cybrid”. É uma possibilidade ainda em estudo. De qualquer forma, também esta
via parece exigir a preparação prévia da ES a partir de embriões humanos.
Na fase atual, a pesquisa científica está mais inclinada para a primeira via, mas é óbvio, como veremos, que as três soluções
apontadas são inaceitáveis do ponto de vista moral.
Problemas éticos
Em vista da índole do documento, formulam-se brevemente os problemas éticos essenciais que essas novas tecnologias implicam,
indicando a resposta que resulta de uma atenta consideração do sujeito humano desde o momento de sua concepção –
consideração que está na base da posição afirmada e proposta pelo Magistério da Igreja.
O primeiro problema ético, que é fundamental, pode ser formulado assim: “É moralmente lícito produzir e/ou utilizar embriões
humanos vivos para a preparação de ES?
“A resposta é negativa”, pelas seguintes razões:
1. Partindo de uma completa análise biológica, o embrião humano vivo é, a partir da fusão dos gametas, um sujeito humano
com uma identidade bem definida, que começa, a partir daquele instante, o seu próprio desenvolvimento coordenado,
contínuo e gradual, de forma que, em nenhuma etapa posterior, se pode considerar como um simples aglomerado de
células14.
2. Conseqüentemente, como “indivíduo humano”, tem direito à sua própria vida: e por isso, toda a intervenção que não seja em
benefício do próprio embrião constitui um ato que viola este direito. A teologia moral sempre ensinou que, no caso do “ jus
certum tertii”, o sistema do probabilismo não é aplicável15.
3. Assim, a ablação da massa celular interna (ICM) do blastócito, que lesiona grave e irremediavelmente o embrião humano,
interrompendo sua evolução, é um ato gravemente imoral e portanto, gravemente ilícito.
4. 4. Nenhum fim considerado bom, como seja o uso das células estaminais obtidas a partir deles para a preparação de outras
células diferenciadas para procedimentos terapêuticos há muito esperados, pode justificar tal intervenção. Um fim bom não
torna boa uma ação que, em si mesma, é má.
5. Para um católico, tal posição está confirmada pelo Magistério explícito da Igreja que, na encíclica Evangelium vitae –
referindo-se à Instrução Donum vitae da Congregação para a Doutrina da Fé —, afirma: “A Igreja sempre ensinou – e ensina
– que tem de ser garantido ao fruto da geração humana desde o primeiro instante de sua existência, o respeito incondicional
que é moralmente devido ao ser humano em sua totalidade e unidade corporal e espiritual: ‘O ser humano deve ser respeitado
e tratado como uma pessoa desde a sua concepção e, por isso, desde esse mesmo momento devem lhe ser reconhecidos os
direitos da pessoa, entre os quais, e primeiro de todos, o direito inviolável de cada ser humano inocente à vida’” (n.60)16
O segundo problema ético pode ser formulado assim: “É moralmente lícito efetuar a chamada ‘clonagem terapêutica’ por meio
da produção de embriões humanos clonados e sua posterior destruição para a produção de ES”?
“A resposta é negativa”, pela seguinte razão:
Todo o tipo de clonagem terapêutica que implique a produção de embriões humanos e sua posterior destruição com o fim de obter
células estaminais é ilícita; cai-se no mesmo problema ético anteriormente exposto, que não pode ter senão uma resposta negativa.
O terceiro problema ético pode-se formular assim: “É moralmente lícito utilizar as ES e as células diferenciadas delas obtidas
que sejam eventualmente fornecidas por outros pesquisadores ou encontradas à venda”?
“A resposta é negativa”, porque:
Para além de compartilhar, formalmente ou não, a intenção moralmente ilícita do agente principal, no caso em exame dá-se a
cooperação material próxima na produção e manipulação de embriões humanos por parte do produtor ou fornecedor.
Em conclusão, resultam evidentes a seriedade e a gravidade do problema ético levantado pela vontade de estender ao campo de
pesquisa humana a produção e/ou o uso de embriões humanos, mesmo por motivos humanitários.
A possibilidade, já comprovada, de utilização de células estaminais adultas para conseguir os mesmo objetivos pretendidos com
as células estaminais embrionárias – apesar de se exigirem ainda muitos passos, em ambas as áreas aliás, até se obter resultados
claros e definitivos — indica-a como a via mais razoável e mais humana a percorrer para um progresso correto e válido neste novo
campo que se abre à pesquisa e a promissoras aplicações terapêuticas. Essas representam, sem dúvida, uma grande esperança
para um número considerável de pessoas doentes.
Prof. Juan de Dios Vial Correa – Presidente Exmo. e Revmo. Mons. Elio Sgreccia. – Vice-Presidente
Vaticano, 25 agosto, de 2000.
(Texto original de “L’Osservatore Romano”, sexta-feira, 25 agosto 2000, p. 6.)
RESOLVEMOS:
1. Manter o contato e o intercâmbio de informação entre os especialistas da região, fomentar o estudo, o desenvolvimento de
projetos de pesquisa e a difusão da informação sobre os aspectos sociais, éticos e jurídicos relacionados com a genética humana,
assim como promover a criação de redes de informática sobre estes temas.
2. Remeter aos governos de nossos países a presente Declaração, incitando-os a adotar as medidas necessárias, em especial
legislativas para desenvolver e aplicar os princípios contidos nesta Declaração e na Declaração Universal sobre o Genoma Humano
e os Direitos Humanos.
O Conselho Federal de Biologia (CFBio está acompanhando os novos avanços que vêm ocorrendo na biotecnologia e pretende,
com o presente documento, propor uma orientação no exercício profissional, introduzindo uma variável que seja compatível com as
atividades de cada Biólogo e respeite as diferentes formas de vida e suas interações com o meio ambiente.
Diante desse quadro de grandes inovações, o CFBio houve por bem criar um grupo para a elaboração do presente documento,
composto pelos colegas. Professora Doutora Mayana Zatz, coordenadora do Centro de Estudos do Genoma Humano do Instituto de
Biociências da Universidade de São Paulo, Professora Doutora Luiza Chomenko, da FEPAM do Estado do Rio Grande do Sul e
conselheira do Conselho Regional de Biologia da 3a Região – CRBio-3. Professor Doutor Celso Luiz Marino, do Instituto de
Biociências da Universidade Estadual “Júlio de Mesquita Filho”— UNESP, Campus de Botucatu no Estado de São Paulo, e
conselheiro do Conselho Regional de Biologia da la Região – CRBio-1, e com a inestimável colaboração da Professora Doutora
Lygia Pereira do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo. Cabe registrar que os três membros do grupo do Estado
de São Paulo são partícipes dos Projetos de Genoma da FAPESP.
Historicamente, sabe-se que os grandes avanços da ciência movidos pelo instinto dos pesquisadores que sempre tiveram a
liberdade de desenvolver suas pesquisas sem se preocupar para onde ela os levaria. Nas últimas décadas, os resultados gerados
nas bancadas dos laboratórios foram rapidamente integrados na atual forma de vida da sociedade. Por sua vez, a evolução do
modelo de desenvolvimento mundial promove o aumento da atividade biotecnológica por meio dos avanços obtidos na técnica do
DNA recombinante e nos métodos de transformação genética de células de plantas e animais que tornaram possível a transferência
de genes de várias classes de organismos, ultrapassando os limites impostos pela incompatibilidade sexual. Essas técnicas são
ferramentas que podem ser analisadas a partir de muitas perspectivas, e possuem o potencial de aportar benefícios e riscos, iguais
a outras tecnologias. No entanto, outorgam também à humanidade um novo poder sem precedentes, pois permitem manipular de
forma seletiva o germo plasma, e assim desenvolver organismos geneticamente modificados, mas ao mesmo tempo trazem um
dilema ético e moral para a sociedade. Dessa conjuntura, começa-se a vislumbrar a possibilidade de ações sobre a vida e a avaliar
os riscos nos campos ético e sociológico. Verifica-se que há uma questão importante que se relaciona com o fato de serem as
atividades dos cientistas protegidas pelas barreiras de seus laboratórios; barreiras, por vezes, intransponíveis, pois a ciência pode
exercer esse totalitarismo e não buscar a percepção da sociedade. Pelo fato de as pesquisas nem sempre serem submetidas a
comitês de ética ou ao rígido cumprimento dos princípios definidos por esta, pode-se pressupor que as noções de segurança
dependam de cada pesquisador. A sociedade encontra-se cada dia mais preocupada com aspectos relacionados às atividades
científicas e a seus efeitos. Essa participação iniciou-se logo após a Segunda Guerra Mundial, quando a tecnologia nuclear e as
pesquisas da definição da molécula do DNA causaram impactos. Por um lado, isso fez com que as populações humanas
procurassem estar mais informadas, obter conhecimentos para Ter condições de exercer e exigir seus direitos. Por outro lado,
aumentaram as preocupações com o perigo de ser desenvolvidos organismos mutantes ou novos agentes químicos que possam,
além do impacto no meio ambiente, colocar em risco o futuro da espécie humana neste planeta. Portanto, é fundamental que a
sociedade seja informada de maneira compreensível e, sobretudo, neutra sobre as atividades científicas, a fim de permitir-lhe
decisões e tomadas de posição equilibradas e concretas, nunca emocionais.
Em todo o mundo, e no Brasil não poderia ser diferente, é motivo de grande polêmica o emprego dos organismos geneticamente
modificados (OMGs), considerados por alguns pesquisadores como uma tecnologia avançada, capaz de produzir grandes
progressos em questões relacionadas com mais saúde, mais e melhores alimentos, entre outros aspectos. Outros, contrariamente,
temem que possa haver riscos ao meio ambiente ou à saúde do homem e, ainda criar dependência econômica cada vez maior dos
países “pobres” em relação àqueles mais desenvolvidos, detentores da maioria das tecnologias e patentes.
Por um lado a ciência avança e disponibiliza uma grande quantidade de informações para os pesquisadores diariamente, por outro
lado, a gestão da vida continua demonstrando claramente que os sistemas vivos são complexos, diversos e mantidos por estruturas
de auto-organização que lhes permitem interagir com o meio ambiente, sendo esta a base da manutenção da vida. No momento em
que se introduzem mecanismos externos de regulação nos sistemas vitais, deve-se atentar para o fato de que as alterações podem
vir a promover modificações na dinâmica vital, operacional e evolutiva dos organismos envolvidos, levando inclusive a discussões
sobre sua valoração e as formas de utilizá-los.
O CFBio vem procurando avaliar cuidadosamente a polêmica existente, bem como a divulgação de resultados, adotando uma
postura de muita cautela e cuidado, principalmente considerando-se que em grande parte os pesquisadores envolvidos são
biólogos. Além disso, a adoção de uma posição definitiva ainda não foi possível, pois não se tem suficientes garantias da ausência
de riscos à saúde, ao meio ambiente, à agricultura, aos aspectos socioeconômicos e culturais. Também se entende que urge
ampliar as discussões sobre a liberação ampla de produção, uso, consumo de OGMs, relacionando estes com os aspectos éticos
envolvidos, pois tem-se a noção de que apenas a exigência de identificação ou rotulagem de OGMs não propicia garantias de
qualidade e segurança.
Faz-se necessário que sejam estabelecidos normas e comportamentos aceitáveis e éticos, os quais englobem as várias tendências
e respeitem a pluralidade de opiniões. Entretanto destaca-se como indispensável que a base legal e o regulamento legislativo que
dispõem sobre o desenvolvimento científico e tecnológico da nação sejam cuidadosamente elaborados, baseando-se
principalmente em aspectos de responsabilidade, justiça e ética.
Recomendações
Considerando que o processo de desenvolvimento internacional vigente exige a implantação contínua de estratégias que promovam
a melhoria de condições de vida das populações envolvidas, por meio da redução das desigualdades sociais e regionais e da
proteção ao ambiente;
Considerando que a natureza contem valores fundamentais específicos, sendo que a vida e sua proteção devem estar acima dos
acordos comerciais internacionais.
Considerando as diretrizes sócio-econômicas contempladas nas disposições sobre a Defesa do consumidor, os Direitos Sociais,
os Princípios Gerais da Atividade Econômica, a Função Social da Propriedade e a Saúde pela Constituição Federal, além da
Política Nacional do Meio Ambiente, da Política Nacional de Saúde e do Código de Defesa do Consumidor;
Considerando os Princípios da Democrata, do direito de receber e ter acesso à informação e da publicidade previstos na
Constituição Federal, na Política Nacional do Meio Ambiente e no Código de Defesa do Consumidor;
Considerando o Princípio da Precaução referendado em inúmeros acordos/convenções internacionais e legislações vigentes no
País;
Considerando que o emprego da biotecnologia pode permitir que venham a ser desenvolvidos de forma controlada organismos
vivos com características e funções conhecidas e que poderão, potencialmente, trazer uma melhora de qualidade de vida humana;
Considerando que a engenharia genética difere fundamentalmente de outras ferramentas e processos biotecnológicos, conforme
referido na Lei n° 8.974/95, e que a liberação ambiental de OGMs não tem precedentes na natureza e por isso desconhece os
possíveis impactos ambientais causados.
O CFBio recomenda aos biólogos do Brasil:
• A promoção da defesa da soberania dos povos e da nação sobre seu patrimônio genético, por meio da criação de estratégias
sustentáveis que propiciem condições adequadas de preservação da biodiversidade e da vida das populações humanas
envolvidas nestes processos.
• Que a discussão dos aspectos éticos no uso da biotecnologia deve ser conduzida no piano da informação científica à sociedade,
em uma linguagem acessível, do argumento, e não através da consciência privada, sendo abominável falar em foro íntimo quando o
assunto em questão é por exemplo a ética (sem esse cuidado, corre-se o risco de agir de forma que ocorra uma defesa corporativa
contra os interesses de toda a sociedade).
• Que se mantenham permanentemente atentos aos avanços científicos relacionados a “Biotecnologia e uso de OGMs” e aos
benefícios de sua utilização, como as melhorias nas condições de saúde e o desenvolvimento das populações humanas, sem,
contudo, perder de vista as consequências econômicas, culturais e sociais, além de considerar os eventuais riscos ambientais, à
saúde, e outros, destacando-se a obediência constante aos preceitos básicos do Código de Ética profissional.
Observação: As definições utilizadas neste documento são as constantes no Art. 3º da Lei Federal 8974 de 05.01.1975 (Lei de
Biossegurança).
2. Cfr. Anexo 1.
3. Cfr. Anexo 4: Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde/MS.
4. Principais trechos do script do vídeo em que Van Rensselaer Potter fala de sua intuição pioneira a respeito da bioética, que foi apresentado
especialmente para o IV Congresso Mundial de Bioética (Tóquio – 1998).
5. Observatório de Imprensa – Matérias – 26 de fevereiro de 2003. http:// observatorio.ig.br/artigos.
6. Folha de São Paulo, 7 de março de 2003, p. C7.
7. Estado de São Paulo, A8, 27 de dezembro de 2002.
8. Cfr. Anexo 2.
9. Cfr. Anexo 3.
10. Cfr. Anexo 4.
11. PETERS, Ted. Genética, teologia e ética. In: PETERS, Ted e BENNETT, Gaymon (Orgs.). Construindo pontes entre a ciência e a religião.
Tradução Luís Carlos Borges; supervisão científica Eduardo R. Cruz. São Paulo: Edições Loyola e Editora UNESP, 2003, pp. 117-134.
12. Cfr. Anexo 6.
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