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ARTIGO ARTICLE 1229

Interação e conflito entre categorias profissionais


em organizações hospitalares públicas

Interaction and conflict among professional


categories in public hospitals

Luís Otávio Farias 1

Jeni Vaitsman 1

1 Departamento de Ciências Abstract The article discusses some data from a study on the opinions and perceptions of the
Sociais, Escola Nacional
labor situation and environment among health professionals and administrative workers at the
de Saúde Pública, Fundação
Oswaldo Cruz. Research Center of the Evandro Chagas Hospital (CPqHEC/FIOCRUZ) in Rio de Janeiro. Certain
Rua Leopoldo Bulhões 1480, patterns of conflict observed in the study express the distribution of power and prestige which is
Rio de Janeiro, RJ
typical of hospitals. Many of the meanings people ascribe to their experiences within the organi-
21041-210, Brasil.
farias@ensp.fiocruz.br zation are mediated by social representations originating in the broader social context to which
vaitsman@ensp.fiocruz.br the organization belongs.
Key words Health Manpower; Health Facilities; Organizations; Health Personnel

Resumo Com base em pesquisa realizada no Centro de Pesquisas Hospital Evandro Chagas
(CPqHEC/FIOCRUZ), que investigou as opiniões e percepções dos funcionários sobre o ambiente
e as condições de trabalho, são analisados os conflitos presentes na interação entre as diversas
categorias profissionais. Observou-se que alguns padrões de conflito expressam a distribuição de
poder e prestígio que é típica das organizações hospitalares. Nota-se ainda que a interpretação
que os funcionários fazem acerca das suas experiências no interior da organização é mediada
por representações sociais mais abrangentes, engendradas pelo contexto social mais amplo no
qual a organização se insere.
Palavras-chave Recursos Humanos em Saúde; Instituições de Saúde; Organizações; Pessoal de
Saúde

Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 18(5):1229-1241, set-out, 2002


1230 FARIAS, L. O. & VAITSMAN, J.

Introdução A análise dos dados busca compreender a


relação entre certas particularidades dos diver-
Este artigo discute uma parcela dos dados pro- sos grupos que integram a organização e as di-
duzidos pelo projeto Gestão de Qualidade e ferentes visões que se atualizam no cotidiano
Cultura em Organizações Públicas de Saúde, organizacional. Com base em testes estatísti-
desenvolvido no Centro de Pesquisas Hospital cos, foi possível verificar a relação entre a posi-
Evandro Chagas (CPqHEC), Fundação Oswal- ção dos indivíduos na estrutura organizacional
do Cruz (FIOCRUZ). A pesquisa procurou iden- e suas opiniões e percepções acerca dos pro-
tificar as percepções e opiniões dos membros cessos e relações trabalho.
da organização acerca do ambiente e das rela- O conjunto das informações produzidas
ções de trabalho no CPqHEC. atende a um duplo objetivo: por um lado cons-
Os dados apresentados privilegiam ques- titui um instrumento para subsidiar o planeja-
tões relacionadas ao campo da gestão dos re- mento e a tomada de decisões pelos gestores
cursos humanos, focalizando-se questões rela- da organização e, por outro, forma uma base
tivas ao treinamento e desenvolvimento e, prin- empírica que agrega dados para a reflexão so-
cipalmente, à interação muitas vezes conflituosa bre organizações públicas de saúde no Brasil.
entre os diferentes grupos funcionais no interior Embora os dados se limitem à pesquisa reali-
da organização. Essas tensões ou conflitos refle- zada no CPqHEC, há razões teóricas para su-
tem, em alguma medida, a dissonância parcial por que os resultados evidenciam algumas ca-
entre os objetivos organizacionais e os interesses racterísticas presentes nas organizações hospi-
dos grupos e indivíduos que dela fazem parte. talares de um modo geral.
Como amplamente discutido na literatura
sociológica, nas sociedades contemporâneas,
toda organização baseia-se numa estrutura, Metodologia
mais ou menos complexa, de divisão e especia-
lização do trabalho. Trata-se de um requisito Para situar minimamente o leitor em relação à
funcional, sem o qual uma organização com- organização segundo a qual o estudo foi reali-
plexa não conseguiria alcançar seus objetivos. zado, segue-se uma sucinta descrição de algu-
A divisão do trabalho implica a articulação en- mas das suas características principais.
tre indivíduos e grupos, a fim de atender aos O CPqHEC é um hospital de referência es-
objetivos da organização. Embora funcional- tadual em doenças infecciosas e suas ativida-
mente esses grupos devam responder às neces- des envolvem de forma integrada três campos
sidades operativas da organização, eles tendem distintos de atuação: pesquisa, assistência e
a desenvolver interesses específicos, os quais ensino. Apesar de seu importante trabalho na
podem dificultar em grau variado a realização área assistencial, é o campo da pesquisa, em
dos objetivos organizacionais. Não apenas a particular o desenvolvimento de pesquisas clí-
forma de desempenho dos papéis sofre essa in- nicas, que caracteriza o foco central das ativi-
fluência, como os próprios papéis que os sujei- dades organizacionais. As atividades de ensino
tos desempenham internamente também são abrangem a oferta de cursos de pós-graduação
produzidos externamente, como ocorre com os lato sensu nas modalidades de especialização,
grupos profissionais típicos, que possuem uma aperfeiçoamento e atualização, assim como o
identidade própria e habitus profissionais curso de Residência Médica em Doenças Infec-
(conjunto de disposições internalizadas que ciosas. Contudo, são os programas de pesquisa
constituem um substrato para a ação social), que constituem o núcleo das atividades do hos-
formados anteriormente à sua entrada na or- pital, e é a partir deles que se organizam as ati-
ganização, os quais atualizam-se em seu inte- vidades de assistência e ensino. O hospital pos-
rior (Bourdieu, 1992). sui também uma forte estrutura laboratorial,
Procurou-se destacar nesse artigo algumas igualmente envolvida com os três campos de
questões que evidenciam dilemas estruturais atuação mencionados. Quanto à organização da
na dinâmica de interação dos grupos nas orga- demanda, é importante destacar que o atendi-
nizações de saúde, mais especificamente nas mento realizado no CPqHEC é necessariamen-
de tipo hospitalar. Focalizam-se aspectos que te referenciado por outros serviços ou indivi-
tendem a revelar parte do substrato sociológi- dualmente por profissionais de saúde. O hos-
co no qual se funda a cultura dessas organiza- pital conta com aproximadamente 230 funcio-
ções, dando visibilidade a uma série de tensões nários, oferece atendimento ambulatorial diá-
que devem ser consideradas na implementa- rio em dois turnos, hospital-dia com capacida-
ção de inovações orientadas para a melhoria de para 16 pacientes e tem em funcionamento
da qualidade nos serviços de saúde. 25 leitos para internação.

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INTERAÇÃO E CONFLITO ENTRE PROFISSIONAIS E ORGANIZAÇÕES HOSPITALARES 1231

O universo da pesquisa foi constituído pelo parte dos funcionários. Deve-se ressaltar que,
total de servidores, bolsistas, terceirizados e dado o anonimato dos questionários, a classifi-
prestadores autônomos, das áreas-fim e meio, cação dos respondentes nas categorias profis-
com exceção dos funcionários terceirizados sionais e tipos de vínculo (Tabela 1) baseia-se
das áreas de limpeza e vigilância. Foram apli- estritamente no que foi declarado pelos mes-
cados 200 questionários, alcançando-se uma mos, contudo não foram detectadas distorções
adesão de 88% do universo considerado, o que observáveis em relação às informações admi-
constitui uma proporção bastante elevada, nistrativas oficiais.
considerando-se o caráter voluntário da parti-
cipação. Os respondentes foram classificados
em cinco categorias profissionais: (a) médicos Os resultados da pesquisa
e pesquisadores; (b) outros profissionais de saú-
de de nível superior; (c) outros profissionais de De uma forma geral os resultados da pesquisa
nível superior; (d) técnicos e auxiliares de saú- apontam para uma avaliação bastante positiva
de; (e) outros técnicos e auxiliares. Quanto ao da organização por parte de seus funcionários,
vínculo de trabalho, foram classificados em três como demonstram as respostas obtidas para as
tipos: (a) servidores públicos; (b) bolsistas; (c) três perguntas mencionadas na Figura 1. Obser-
outros (terceirizados e prestadores autônomos). va-se um alto grau de aprovação em relação à
Detectou-se menor grau de adesão por parte administração e ao funcionamento do CPqHEC
do grupo médicos e pesquisadores, mas, ainda e, igualmente, uma situação muito positiva
assim, 75% dos indivíduos desse grupo respon- quanto à satisfação dos funcionários em traba-
deram ao questionário. lhar na organização.
Com base nas características específicas do Entretanto, a despeito da ótima avaliação
CPqHEC anteriormente descritas, decidiu-se, para os quesitos mais genéricos e abrangentes,
para fins de análise, agregar os médicos e pes- é possível vislumbrar a existência de proble-
quisadores na mesma categoria profissional. Is- mas pontuais para questões mais específicas.
so porque os médicos, independente de esta- O intuito dessa análise é destacar estas últimas
rem enquadrados no cargo de pesquisador, questões – especialmente aquelas que, de algu-
exercem esta função, na medida em que se en- ma forma, ligam-se ao campo da gestão de RH
contram todos engajados em projetos de pes- (Recursos Humanos) – com o objetivo de apro-
quisa. A centralidade das atividades de pesqui- fundar a compreensão de determinados pro-
sa no interior da organização justifica também blemas que afetam o cotidiano organizacional.
a inclusão dos pesquisadores não-médicos (bió- Embora os dados se limitem à pesquisa reali-
logos, farmacêuticos etc.) nesse mesmo grupo. zada no CPqHEC, os resultados provavelmente
Estes últimos são quantitativamente minoritá- sinalizam algumas características que tendem
rios, correspondendo a aproximadamente um a se fazer presentes nas organizações hospita-
quinto dos indivíduos do grupo.
Na maior parte do questionário, utilizaram-
se escalas ordinais com quatro opções de res-
posta, duas das quais remetem a uma avalia- Tabela 1
ção positiva e as outras duas, a uma avaliação
negativa, evitando-se assim a tendência a que Distribuição de funcionários do Centro de Pesquisas do Hospital Evandro Chagas,
o respondente optasse por respostas “neutras”. segundo a categoria profissional e o tipo de vínculo.
Na codificação do banco de dados, foram atri-
buídos valores numéricos a essas escalas, sem Categoria profissional Tipo de vínculo
o que seria impossível realizar os testes de cor- Servidor Bolsista Outros Total
público
relação. Às escalas, que constituem as opções
de resposta nas tabelas apresentadas, foram Médicos e pesquisadores 31 6 – 37
atribuídos os valores 4, 3, 2, e 1, seguindo a or- Outros profissionais 17 10 4 31
dem das colunas da esquerda para a direita. de saúde de nível superior
Os formulários eram anônimos, como for- Outros profissionais 11 5 5 21
ma de garantir a livre expressão de opiniões de nível superior

pelos respondentes, sem o risco de eventuais Técnicos e auxiliares 51 19 12 82


de saúde
constrangimentos ante a administração ou os
Outros técnicos e auxiliares 14 5 10 29
companheiros de trabalho e, pelas mesmas ra-
Total 124 45 31 200
zões, não houve identificação dos setores. Essa
estratégia também contribuiu para que fosse Fonte: Pesquisa Gestão de Qualidade e Cultura em Organizações Públicas
alcançado o elevado percentual de adesão por de Saúde. Escola Nacional Saúde Pública, Fundação Oswaldo Cruz, 2000.

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Figura 1

Opiniões gerais dos funcionários sobre o Hospital Evandro Chagas.

Em sua opinião, o CPqHEC...

É bem administrado? Funciona bem? É um lugar onde você se sente satisfeito em trabalhar?

Sim 89,0% Sim 89,4% Sim 89,5%

Não 11,0% Não 10,6% Não 10,5%

lares de um modo geral e, particularmente, nas procurou-se apreender a percepção dos fun-
de natureza estatal. cionários do CPqHEC sobre as oportunidades
de treinamento que lhes são oferecidas. A ta-
Desenvolvimento de recursos humanos bela a seguir apresenta as respostas a uma per-
gunta referente à freqüência com que são ofere-
A discussão sobre o aumento da eficiência e cidos cursos de capacitação aos funcionários.
qualidade dos serviços públicos de saúde apon- Observa-se que 51,3% dos funcionários
ta para uma variedade de ações técnicas e polí- afirmam que a oferta de cursos de capacitação
ticas orientadas à instauração de um modelo e treinamento é algo que ocorre raramente ou
de gestão pós-burocrática, tanto no âmbito dos nunca. Quando as respostas são analisadas le-
sistemas, quanto nas organizações. Foge aos vando-se em consideração o tipo de vínculo
objetivos deste artigo elencar o conjunto de dos funcionários, nota-se que, entre aqueles
propostas formuladas nessa direção. Todavia, vinculados ao CPqHEC como prestadores au-
deve-se destacar que, de forma direta ou tan- tônomos ou trabalhadores terceirizados (tipo
gencial, a preocupação com os problemas rela- de vínculo “outros”), esse percentual chega a
tivos à gestão de RH está presente, se não em 69%, ao passo que, entre os servidores públi-
todas, na maior parte dessas propostas. cos, o percentual é significativamente menor,
Sob a ótica das propostas que vêm se aglu- 47,1%. Embora esses números reflitam a per-
tinando em torno da idéia de gestão de quali- cepção dos funcionários e não a mensuração
dade, o aprimoramento dos processos de pro- objetiva das oportunidades oferecidas, eles
dução exige um esforço permanente de qualifi- apontam para um problema concreto vivido
cação da força de trabalho. Segundo essas pro- pelas organizações.
postas, o constante aprimoramento da compe- As formas “flexíveis” de contratação da for-
tência técnica e o desenvolvimento de habili- ça de trabalho têm como conseqüência o esta-
dades individuais voltadas para o trabalho em belecimento de vínculos mais fluidos entre o
grupo e a satisfação do cliente interno e exter- trabalhador e a organização. Acentua-se o ca-
no colocam-se como requisitos fundamentais ráter transitório da relação de trabalho, o que,
para o perfil de RH (Nogueira, 1994). Nesse especialmente nas organizações públicas, con-
sentido, tornou-se comum hoje a concepção trasta com o caráter estável que distingue o
de que as organizações devem preparar-se pa- vínculo de servidor que continua a vigorar pa-
ra integrar seus trabalhadores a essa nova rea- ra a outra parte dos trabalhadores. O convívio
lidade, alçando conseqüentemente as ativida- dessas diferentes formas de contrato gera ten-
des de desenvolvimento de RH ao escopo das sões, latentes ou manifestas, produzindo, não
suas necessidades funcionais. raro, uma hierarquia entre os “estáveis” e os
Levando-se ainda em consideração que tais “contratados”.
oportunidades cumprem também um papel A diversificação das regras e dos mecanis-
motivacional, na medida em que constituem mos de pressão e controle vis-a-vis aos diferen-
incentivos não econômicos aos trabalhadores, tes trabalhadores e a conseqüente percepção

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INTERAÇÃO E CONFLITO ENTRE PROFISSIONAIS E ORGANIZAÇÕES HOSPITALARES 1233

das desigualdades que se produzem são fato- nais – detentores de um saber especializado –
res inibidores à produção de um ambiente or- na execução dos objetivos da organização. Por
ganizacional que enfatize a cooperação, inte- essa razão, ocupam o ápice da pirâmide de es-
gração e participação, elementos valorizados tratificação interna, constituindo uma fonte
pelas mais atuais concepções de gestão. A “pre- de autoridade que se sobrepõe à autoridade
carização” ou “flexibilização” dos vínculos de administrativa. No CPqHEC, vale lembrar, esse
trabalho colocam, ainda, problemas derivados grupo corresponde não apenas aos médicos,
do cálculo custo/benefício envolvido no inves- mas engloba também os pesquisadores não
timento em capacitação dos profissionais cuja médicos.
permanência na organização é incerta ou ma- Além do grupo de especialistas, podem-se
nifestamente transitória. identificar outros grupos e subgrupos da orga-
Em outra pergunta, pediu-se que o respon- nização segundo seu pertencimento ou não à
dente avaliasse as oportunidades de treina- área de saúde, o que, por sua vez, determina
mento e desenvolvimento oferecidas por seu sua inserção nas atividades fim ou meio. Outro
setor que tivessem como objetivo a melhoria fator de segmentação a ser tomado em consi-
de seu desempenho profissional. No entanto, deração é o nível de escolaridade, o que levou
no enunciado da pergunta não foi mencionada a considerarem-se os profissionais de nível su-
a palavra “curso”, para que, assim, pudesse ser perior separadamente dos demais profissio-
considerada toda e qualquer estratégia de trei- nais, tanto na área-fim, quanto na área-meio.
namento e qualificação da mão-de-obra posta Diferentemente da segmentação produzida
em prática pela organização. pelos diferentes tipos de vínculo, a que é deri-
Quando se deixou vaga a forma de concre- vada das categorias profissionais ou grupos
tização das oportunidades de treinamento e funcionais tende a ser similar no conjunto das
desenvolvimento, observou-se uma considerá- organizações hospitalares, onde se observa uma
vel melhoria na percepção dos funcionários, estrutura de grupos semelhante àquela encon-
caindo para 32,7% a proporção daqueles que trada no CPqHEC.
consideraram insuficientes ou inexistentes tais O pertencimento a uma categoria profissio-
oportunidades. Contudo, manteve-se uma di- nal constitui fator relevante na compreensão
ferença significativa entre as opiniões manifes- das respostas dos funcionários. Quanto à ava-
tadas pelos três grupos definidos pelo tipo de liação das oportunidades de treinamento e de-
vínculo. Isoladamente, esses grupos apresenta- senvolvimento em seu setor de trabalho, a he-
ram os seguintes percentuais de respostas ne- terogeneidade das respostas de diferentes ca-
gativas (oportunidades insuficientes/inexis- tegorias profissionais pode ser explicada con-
tentes) à pergunta: (a) servidor público, 25,6%; jugando-se dois fatores principais: (a) a posi-
(b) bolsistas, 40,9%; c) outros vínculos, 48,4%. ção do grupo no interior da organização; (b) as
Vale lembrar que, juntos, os dois últimos gru- características associadas às profissões e ocu-
pos reúnem aproximadamente dois quintos da pações.
força de trabalho no CPqHEC, e que o grande A pergunta relativa às oportunidades de
volume de trabalhadores com vínculo precário treinamento (Tabela 4) obtém as melhores ava-
nesse hospital reflete o quadro geral dos víncu- liações no grupo dos Médicos e Pesquisadores,
los trabalhistas vigentes na FIOCRUZ. Segundo alcançando entre estes 75,7% de respostas “-
um relatório de avaliação da instituição, em ideal” ou “suficiente”, ao passo que nos grupos
1999 apenas 44% dos trabalhadores da FIOCRUZ Outros Profissionais de Saúde de Nível Superior
eram servidores sob o regime jurídico único e Outros Profissionais de Nível Superior alcan-
(RJU) (Hamilton & Brito, 1999). çam respectivamente 51,6% e 30%. Os médicos
Além de lidar com os problemas derivados e pesquisadores constituem, como já foi men-
da diversificação dos tipos de vínculo traba- cionado, o grupo central, o núcleo em torno do
lhista – fato cada vez mais comum nas organi- qual orbitam as demais categorias e, em última
zações públicas –, a gestão dos recursos huma- instância, aquele que por excelência institui a
nos precisa paralelamente equacionar questões identidade dessas organizações de especialis-
relativas às demandas, necessidades e expecta- tas. Do ponto de vista dos objetivos organiza-
tivas das diversas categorias profissionais e/ou cionais, é evidente que a alocação dos recur-
grupos funcionais que integram a organização. sos, entendidos em sentido amplo, tenda a
As organizações hospitalares enquadram- priorizar o investimento nessa categoria. Toda-
se entre aquelas classificadas como organiza- via, isso produz um certo grau de conflito com
ções de profissionais (Dussault, 1992) ou de outras categorias profissionais que não têm
especialistas (Etzione, 1976). Sua característi- seus interesses e expectativas contemplados na
ca central é o papel exercido pelos profissio- mesma medida.

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Tabela 2 Os demais profissionais de saúde de nível


superior, se, por um lado, beneficiam-se por
Freqüência com que são oferecidos cursos de captação e treinamento também pertencerem à área-fim, por outro,
no setor de trabalho. não escapam dos efeitos derivados da hierar-
quia de poder e prestígio das profissões de saú-
(n = 193) Opções de resposta de. Sua percepção em relação às oportunida-
Tipo de Vínculo Sempre Muitas vezes Raramente Nunca des oferecidas pela organização encontra-se
(%) (%) (%) (%)
num ponto intermediário entre as manifesta-
Servidor público 21,5 31,4 40,5 6,6 das pelos médicos e pesquisadores e aquelas
Bolsista 20,9 27,9 37,2 14,0 expressadas pelos profissionais de nível supe-
Outros vínculos 17,2 13,8 27,6 41,4 rior pertencentes à área-meio. Este terceiro
Total 20,7 28,0 37,8 13,5 grupo é o que apresenta as percepções mais
negativas quando avalia os quesitos relativos
Fonte: Pesquisa Gestão de Qualidade e Cultura em Organizações Públicas
de Saúde. Escola Nacional de Saúde Pública, Fundação Oswaldo Cruz, 2000.
ao desenvolvimento de recursos humanos.
Nota: p-valor = 0,000 No que se refere aos Técnicos e Auxiliares,
as respostas “ideal” ou “suficiente” atingem
52,6% para os da área-fim e 69,3% para os da
área-meio. Embora seja possível, ou mesmo
necessário, que uma organização, em um dado
Tabela 3 momento, priorize o investimento nesses gru-
pos como forma de homogeneizar os padrões
Em seu setor de trabalho, as oportunidades de treinamento de eficiência e qualidade, não é usual que, ao
e desenvolvimento para melhorar o desempenho profissional são? longo do tempo, eles continuem a desfrutar de
prioridade no manejo dos recursos, o que se
(n = 196) Opções de resposta tornaria contraproducente para a organização.
Tipo de vínculo Ideal Suficiente Insuficiente Não houve No CPqHEC não havia, na ocasião da pesquisa,
(%) (%) (%) (%)
tampouco em passado recente, nenhuma orien-
Servidor público 40,5 33,9 20,7 5,0 tação que focalizasse prioritariamente a quali-
Bolsista 40,9 18,2 36,4 4,5 ficação dos técnicos e auxiliares; logo, a análise
Outros vínculos 38,7 12,9 25,8 22,6 dos dados não pode ser feita por essa perspec-
Total 40,3 27,0 25,0 7,7 tiva de interpretação. A existência dessa pro-
porção de percepções positivas nos grupos
Fonte: Pesquisa Gestão de Qualidade e Cultura em Organizações Públicas
de Saúde. Escola Nacional de Saúde Pública, Fundação Oswaldo Cruz, 2000.
funcionais hierarquicamente inferiores não
Nota: p-valor = 0,003 pode, assim, ser explicada por eventos particu-
lares da organização estudada.
O fato de os técnicos e auxiliares da área-
meio estarem consideravelmente mais satisfei-
tos com as oportunidades que lhes são ofereci-
Tabela 4 das do que os Outros Profissionais de Saúde de
Nível Superior (área-fim) e Outros Profissionais
Oportunidades no setor para treinamento e desenvolvimento de Nível Superior (área-meio) pode ser com-
que favoreçam o desempenho de novas funções. preendido por meio da perspectiva de carreira
que informa os diferentes grupos. A idéia de
(n = 191) Opções de resposta carreira profissional como um elemento de au-
Categoria profissional Ideal Suficiente Insuficiente Não houve todesenvolvimento, não apenas econômico,
(%) (%) (%) (%)
mas também social, tende a integrar mais for-
Médicos e pesquisadores 51,4 24,3 18,9 5,4 temente o ethos das profissões que requerem
Outros profissionais 25,8 25,8 48,4 – maior grau de instrução/qualificação. Traba-
de saúde nível superior lhar em uma empresa ou instituição de prestí-
Outros profissionais 20,0 10,0 45,0 25,0 gio, ocupar um cargo tido como de maior res-
de nível superior ponsabilidade e aprimorar-se para ocupar pro-
Técnico/auxiliar de saúde 22,1 32,5 31,2 14,3 gressivamente posições mais importantes são
Outros técnicos/auxiliares 23,1 46,2 15,4 15,4 pontos que fazem parte das aspirações e proje-
Total 28,3 29,3 30,9 11,5 tos desses profissionais. Além do ganho econô-
Fonte: Pesquisa Gestão de Qualidade e Cultura em Organizações Públicas mico, há a valorização dos aspectos simbólicos
de Saúde. Escola Nacional de Saúde Pública, Fundação Oswaldo Cruz, 2000. que projetam os indivíduos para cima na hie-
Nota: p-valor = 0,002
rarquia de status, seja em seu círculo profissio-
nal, seja no espaço mais amplo das suas rela-

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INTERAÇÃO E CONFLITO ENTRE PROFISSIONAIS E ORGANIZAÇÕES HOSPITALARES 1235

ções sociais. Como mostram outros estudos so- Produzir tal ambiente e assegurar um certo
bre camadas médias urbanas, a noção de pro- grau de satisfação entre os trabalhadores é
jeto direciona as estratégias de realização pes- uma operação que se realiza mediante varia-
soal – que se torna também ascensão social – das ações, mais ou menos difusas, porém arti-
de muitos indivíduos desse segmento ( Vaits- culadas. A orientação de sentido e a coordena-
man, 1994; Velho, 1999). ção dessas ações situam-se, certamente, na di-
Por essa mesma abordagem pode-se com- mensão da gestão de RH, ainda que a operacio-
preender a relativa acomodação dos grupos in- nalização das mesmas extrapole os limites des-
feriores, comparativamente aos profissionais tes departamentos.
de nível superior que não são “médicos e pes- No setor público, a autonomia das organi-
quisadores”, alvo das prioridades organizacio- zações na gestão de RH é parcialmente limita-
nais. A restrição relativa de oportunidades para da, pois grande partes das normas de contrata-
estes, comparativamente ao grupo priorizado, ção e demissão originam-se externamente e
entra em conflito com suas aspirações e expec- impõem-se de forma rígida e indiferenciada. O
tativas. Para os profissionais de nível superior mesmo problema afeta a definição dos planos
que não pertencem à área de saúde, a situação de carreira e das políticas de benefícios e in-
é ainda mais crítica, pois, embora sejam igual- centivos. Dussault (1992) chama a atenção pa-
mente afetados pelas aspirações derivadas da ra o fato de que as organizações públicas têm
noção de carreira, ocupam uma posição ainda seu quadro de funcionamento regulado exter-
mais periférica na organização. Dado o caráter namente e que objetivos contrários aos seus
específico das organizações de saúde, é coeren- podem ser impostos pelas autoridades exter-
te que o investimento no treinamento e desen- nas. “Em outras palavras, as organizações de
volvimento desses profissionais seja, em cir- serviços públicos são mais vulneráveis à interfe-
cunstâncias normais, menos priorizado que o rência política, no sentido geral do termo” (Dus-
investimento nos profissionais de saúde. Isso sault, 1992:13).
significa que, mesmo que sejam tomadas me- No Brasil, o processo de reforma do Estado
didas que focalizem excepcionalmente esse iniciado na década de 90 tem tentado promo-
grupo, o conflito entre seus objetivos e os da ver maior flexibilidade na administração públi-
organização se manterá latente, pois suas pos- ca mediante a implementação de um modelo
sibilidades de desenvolvimento são estrutural- gerencial em substituição ao tradicional mode-
mente limitadas pela natureza das organiza- lo burocrático. O ideário da reforma abre a
ções de saúde. perspectiva de maior autonomia gerencial pa-
Por outro lado, do ponto de vista da pro- ra as organizações públicas, que passariam a
posta de uma administração pública gerencial ser controladas por seus resultados, em vez do
e de uma gestão voltada para a qualidade, os rígido controle sobre os processos. Costa et al.
trabalhadores das áreas-meio desempenham (2000), em um estudo sobre mudanças organi-
um papel igualmente crucial na organização, zacionais em hospitais públicos das regiões
já que são eles que operam a engrenagem do metropolitanas do Rio de Janeiro e São Paulo,
sistema, viabilizando o fluxo de vários tipos de afirmam que “no setor saúde assiste-se a uma
processos. Seu modo de trabalhar pode fazer reforma silenciosa e não explícita” (Costa et al.,
andar ou emperrar a máquina. Nesse sentido, 2000:439), por meio de um conjunto heterogê-
tem-se destacado a necessidade de maior aten- neo de ações e estratégias e um alto grau de ex-
ção para com esses grupos de trabalhadores. perimentalismo. Identificam a gestão de recur-
Entretanto, o maior investimento e o fortaleci- sos humanos como um dos campos que vêm
mento da área-meio induzem o acirramento da sendo alvo de inovações organizacionais orien-
tensão na sua relação com os especialistas, si- tadas para a busca de maior autonomia e res-
tuados na área-fim. saltam a flexibilização contratual e os incenti-
A gestão orientada para a qualidade enfati- vos ao desempenho como estratégias coloca-
za a necessidade de se produzir um ambiente das em prática pelos hospitais pesquisados. Is-
de cooperação e participação, no qual os tra- so, de certo modo, aponta para a construção de
balhadores envolvam-se na consecução dos um consenso acerca da necessidade de novas
objetivos organizacionais, desfrutem de maior formas de gestão dos recursos humanos como
autonomia no âmbito de suas funções e, enfim, um dos meios para se alcançar maior eficiên-
conjuguem realização pessoal e trabalho. Se- cia e qualidade nos serviços públicos de saúde.
gundo essa visão, a satisfação do trabalhador No entanto, como aponta a própria pesqui-
provoca efeitos positivos sobre a qualidade e sa mencionada, as ações praticadas nesse cam-
produtividade do trabalho, devendo, portanto, po têm se direcionado para a flexibilização dos
constituir interesse da própria organização. vínculos trabalhistas, de forma a imprimir

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maior plasticidade à gestão de RH. Livrando-se por base a hierarquia e o controle, entre os Ou-
das normas do RJU, essas organizações bus- tros Profissionais de Saúde de Nível Superior e
cam diminuir e racionalizar os gastos e, tam- os Técnicos e Auxiliares de Saúde esse percen-
bém, viabilizar políticas de incremento salarial tual alcança, respectivamente, 65,3% e 81,9%.
seletivo. Essas duas categorias profissionais, mais que
Pensar a gestão de RH em um sentido que as da área-meio, encontram-se sob forte tutela
contemple a produção de um ambiente orga- dos médicos, os quais desfrutam da posição
nizacional orientado para a satisfação dos fun- dominante na hierarquia das profissões/ocu-
cionários vai além da implementação de uma pações em saúde.
política seletiva de incentivos monetários. As Como já amplamente discutido pela Socio-
condições e situações que geram nos funcioná- logia das Profissões (Freidson, 1998), a autono-
rios sensações de injustiça, opressão ou insa- mia dos médicos baseia-se no monopólio legí-
tisfação não se restringem aos aspectos de or- timo de um tipo de conhecimento específico
dem econômica/salarial. Embora a remunera- que caracteriza seu campo de trabalho. Em ra-
ção seja um fator importante, do ponto de vis- zão disso, nenhum outro grupo da organização
ta teórico, é insuficiente, e em muitas situações pode legitimamente exercer controle ou inge-
até mesmo inadequado, para se compreende- rência sobre sua atuação profissional. Mesmo
rem alguns dos problemas que afetam a moti- entre os pares, a possibilidade de controle ou
vação dos trabalhadores interferência é bastante limitada, uma vez que
a autonomia na condução dos casos é resguar-
Conflito entre categorias profissionais dada pelos preceitos éticos, corporativos e cul-
turais, próprios da profissão. É compreensível,
As organizações hospitalares constituem espa- então, que os médicos – e, igualmente, os pes-
ços sociais heterogêneos nos quais interagem quisadores – percebam menos que outros gru-
diferentes grupos e papéis. Possuem uma dinâ- pos da organização a ação das hierarquias e
mica interna que, no cotidiano, atualiza identi- controles no ambiente de trabalho.
dades, hierarquias, conflitos e alianças. Embo- Em relação aos Outros Profissionais de Saú-
ra o grupo formado pelos médicos materialize de de Nível Superior – enfermeiros, majoritaria-
a própria identidade da organização, do ponto mente, mas também nutricionistas, psicólo-
de vista quantitativo representa uma parcela gos, assistentes sociais etc –, nota-se a dificul-
relativamente pequena dos trabalhadores (no dade de afirmação de um campo de autonomia
CPqHEC, os médicos e pesquisadores somam no interior das organizações de saúde, o que
cerca de 20% dos funcionários). Esse grupo aponta para as tensões inerentes à prática do
principal interage com os outros grupos que atendimento multiprofissional como uma das
dão suporte à realização de suas atividades. A estratégias da atenção à saúde. A inexistência
relação dos médicos e pesquisadores com os de relações mais igualitárias entre esses profis-
outros grupos é suscetível às tensões de legiti- sionais e os médicos no que se refere à autono-
mação, na medida em que o exercício de seu mia e à distribuição do poder constitui a regra
poder e autoridade causa ingerência ou pres- para as organizações hospitalares.
são sobre o trabalho das demais categorias, “in- Os Técnicos e Auxiliares de Saúde formam o
vadindo” áreas de competência que essas últi- grupo sobre o qual a sobreposição das diferen-
mas consideram de sua responsabilidade. Os tes fontes de poder e autoridade, e das hierar-
conflitos e as tensões são inerentes às organi- quias que elas estabelecem, fazem-se sentir
zações e, em última instância, alimentam-se com maior força. Correspondem às funções su-
das tentativas para conservar ou alterar a dis- bordinadas da estrutura organizacional e, não
tribuição do poder. possuindo a autonomia característica das pro-
Em uma das perguntas do questionário, foi fissões, encontram-se mais sujeitos à ação da
pedido que se opinasse sobre a freqüência com autoridade administrativa. Por outro lado, tra-
que as relações profissionais no CPqHEC têm tando-se de ocupações com menor grau de
por base a hierarquia e o controle. As respostas qualificação, mas diretamente vinculadas ao
a essa pergunta, apresentadas na Tabela 5, espaço no qual a relação entre saber e poder é
apontam para o grau de autonomia dos médi- explícita, é sobre esses funcionários que mais
cos e pesquisadores no interior da organização recai a permanente pressão e controle que
e, simultaneamente, dá indicações do poder emana da hierarquia fundada na legitimidade
que exercem sobre as demais categorias. En- do saber médico, ou seja, na autoridade profis-
quanto nesse grupo 41,9% dos respondentes sional destes últimos.
afirmaram que no CPqHEC as relações entre As assimetrias de poder nas relações que se
profissionais, “sempre” ou “muitas vezes”, têm estabelecem entre grupos e indivíduos no inte-

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INTERAÇÃO E CONFLITO ENTRE PROFISSIONAIS E ORGANIZAÇÕES HOSPITALARES 1237

rior das organizações podem desfrutar de maior Tabela 5


ou menor legitimidade e, da mesma forma, as-
sentar-se sobre regras formais ou preceitos in- Freqüência com que as relações entre os profissionais
formais. Vale ressaltar que tanto as regras for- têm por base a hierarquia e o controle.
mais quanto os preceitos informais podem ser
reconhecidos como legítimos ou ilegítimos, (n = 163) Opções de resposta
não sendo o estatuto de formalidade uma ga- Categoria profissional Sempre Muitas vezes Raramente Nunca
(%) (%) (%) (%)
rantia para a aceitação consentida da norma;
tampouco, o da informalidade é um impedi- Médicos e pesquisadores 3,2 38,7 51,6 6,5
mento à aceitação de determinadas práticas. A Outros profissionais 17,2 48,3 31,0 3,4
legitimidade das assimetrias de poder é um de saúde nível superior
ponto crucial para que não seja deflagrado um Outros profissionais 21,1 47,4 26,3 5,3
clima de conflito e/ou injustiça. A idéia de pri- de nível superior

vilégio emerge no momento em que regras ou Técnico/auxiliar de saúde 31,1 50,8 14,8 3,3

práticas instituídas beneficiam grupos ou indi- Outros técnicos/auxiliares 21,7 39,1 26,1 13,0

víduos específicos, sem o consentimento e acei- Total 20,9 46,0 27,6 5,5

tação dos demais integrantes da organização. Fonte: Pesquisa Gestão de Qualidade e Cultura em Organizações Públicas
O que caracteriza o privilégio não é a existên- de Saúde. Escola Nacional de Saúde Pública, Fundação Oswaldo Cruz, 2000.
Notas: p-valor = 0,014.
cia de uma situação marcada pela desigualda- Para a execução do teste, as colunas “raramente” e “nunca” foram agregadas para
de de condições ou oportunidades, mas sim a que o número de células com freqüência esperada < 5 não ultrapassasse 20%.
ausência de atributos que confiram legitimida- Considerando o peso de cada categoria, a ausência de respostas foi
proporcionalmente maior nos grupos Técnicos e Auxiliares de Saúde (21
de a essa dada situação de desigualdade, ou se- missing) e Outros Técnicos e Auxiliares (6 missing).
ja, a percepção de privilégio está ligada à per-
cepção de poder ilegítimo e sentimento de in-
justiça.
Pelos dados levantados, há indicações de
que os controles e hierarquias que regulam as Tabela 6
relações entre profissionais no CPqHEC gozam
de legitimidade para a maior parte dos gru- Freqüência com que os privilégios de algumas categorias
pos/segmentos da organização. Embora 66,9% atrapalham o trabalho em equipe.
dos trabalhadores pesquisados tenham afirma-
do que, sempre ou muitas vezes, as relações en- (n = 169) Opções de resposta
tre profissionais têm por base a hierarquia e o Categoria profissional Sempre Muitas vezes Raramente Nunca
(%) (%) (%) (%)
controle, e 59,7% tenham declarado que os pri-
vilégios de algumas categorias sempre ou mui- Médicos e pesquisadores 18,8 18,8 53,1 9,4
tas vezes atrapalham o trabalho em equipe (Ta- Outros profissionais 25,0 42,9 21,4 10,7
bela 6), a correlação estatística (r) entre ambas de saúde nível superior
as questões é bastante fraca, apenas 0,201 (P- Outros profissionais 20,0 55,0 10,0 15,0
valor = 0,014), ainda que apresente significân- de nível superior

cia estatística. Quando a correlação entre am- Técnico/auxiliar de saúde 29,0 32,3 21,0 17,7

bas as questões é calculada tomando por base Outros técnicos/auxiliares 40,7 22,2 22,2 14,8

as diferentes categorias profissionais, observa- Total 27,2 32,5 26,0 14,2

se que, de fato, ela só existe para o grupo Ou- Fonte: Pesquisa Gestão de Qualidade e Cultura em Organizações Públicas
tros Técnicos e Auxiliares, no qual alcança o va- de Saúde. Escola Nacional de Saúde Pública, Fundação Oswaldo Cruz, 2000.
Notas: p-valor = 0,026.
lor r = 0,457 (P-valor = 0,029), sendo a correla- Considerando o peso de cada categoria, a ausência de respostas foi
ção observada para o conjunto apenas um re- proporcionalmente maior nos grupos Técnicos e Auxiliares de Saúde (20
flexo desse grupo particular. Vale destacar tam- missing) e Médicos e Pesquisadores (5 missing).

bém a inexistência de correlação estatística en-


tre a Tabela 5 (hierarquia) e a Tabela 7 (igualda-
de das regras).
Isso significa que, no conjunto dos funcio- pretada como uma indicação de que nesse gru-
nários – excetuando-se os técnicos e auxiliares po específico as hierarquias em questão encon-
da área-meio –, a percepção de que alguns tram maior dificuldade para se legitimarem.
membros da organização desfrutam de privilé- Os técnicos e auxiliares da área-meio inte-
gios não implica a deslegitimação das hierar- gram os escalões inferiores da organização e
quias internas que estruturam a organização. encontram-se em posições mais subordinadas
No entanto, a existência da correlação r = 0,457 à estrutura hierárquica fundada na autoridade
observada no grupo excetuado deve ser inter- administrativa. Por outro lado, por estarem na

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1238 FARIAS, L. O. & VAITSMAN, J.

Tabela 7 dos os funcionários, independentemente da


categoria profissional (Tabela 7).
Freqüência com que as regras são iguais para todos, A percepção que os funcionários apresen-
independente da categoria profissional. tam sobre a igualdade das regras para os dife-
rentes grupos no interior da organização (Ta-
(n = 168) Opções de resposta bela 7) revela, através da correlação r = -0,469
Categoria Profissional Sempre Muitas vezes Raramente Nunca (P-valor 0,000) que mantém com a Tabela 6
(%) (%) (%) (%)
(privilégios), que tais desigualdades, em algu-
Área-fim ma medida, carecem de legitimidade, especial-
Médicos e pesquisadores 9,4 31,3 46,9 12,5 mente para os indivíduos dos grupos Outros
Outros profissionais 10,7 28,6 39,3 21,4 Técnicos e Auxiliares (r = 0,668; p-valor = 0,001)
de saúde nível superior e Outros Profissionais de Saúde de Nível Supe-
Técnico/auxiliar de saúde 21,5 27,7 35,4 15,4 rior (r = 0,680; p-valor = 0,000).
Nota-se ainda que, na tabela anterior, há
Área-meio entre os trabalhadores da área-meio uma ten-
Outros profissionais 14,3 19,0 42,9 23,8 dência a apresentarem percepções mais nega-
de nível superior
tivas sobre as relações que se estabelecem no
Outros técnicos/auxiliares 9,1 18,2 13,6 59,1
cotidiano organizacional, o que reforça a hipó-
Total 14,9 26,2 36,3 22,6
tese de que a posição periférica no interior da
organização e a conseqüente dificuldade de
Fonte: Pesquisa Gestão de Qualidade e Cultura em Organização, vinculação identitária com o campo do traba-
Escola Nacional de Saúde Pública, Fundação Oswaldo Cruz, 2000.
Notas: p-valor = 0,004. lho em saúde produz conflitos – latentes ou
Para a execução do teste, as colunas “sempre” e “muitas vezes” foram agregadas manifestos – entre estes profissionais e os da
para que o número de células com freqüência esperada < 5 não ultrapassasse
20%. Considerando o peso de cada categoria, a ausência de respostas foi área-fim. Esses conflitos podem expressar-se
proporcionalmente maior nos grupos Outros Técnicos e Auxiliares (7 missing) de diversas maneiras, inclusive sob a forma de
e Técnicos e Auxiliares de Saúde (17 missing).
não legitimação de regras ou práticas instituí-
das que, supostamente, distribuem desigual-
mente benefícios, “privilegiando” os trabalha-
área-meio são menos expostos à socialização dores da área-fim, particularmente o grupo dos
que tende a legitimar o poder e autoridade fun- especialistas, que detêm a posição de maior in-
dados na hierarquia de profissões/ocupações fluência e prestígio no interior da organização.
de saúde, tal como ocorre com os técnicos e Vale lembrar que as tensões derivadas da estru-
auxiliares da área-fim. A associação entre hie- tura de grupos da organização contrapõem os
rarquias e privilégios, observada nas percep- médicos e pesquisadores não exclusivamente
ções desse grupo, pode ser compreendida con- aos trabalhadores da área-meio, como também
siderando-se a hipótese de que sua posição du- aos demais trabalhadores da área-fim. Tal co-
plamente periférica na organização, quanto ao mo na sociedade, observa-se que, no espaço da
grau de escolarização e, principalmente, quan- organização, a estrutura das relações de poder
to à área de atuação, dificulta a constituição de tem efeito estruturante na produção de valo-
uma identidade referida ao trabalho em saúde res, percepções e práticas dos sujeitos a ela
propriamente dito e, conseqüentemente, a acei- submetidos.
tação das formas pelas quais as desigualdades Em maior ou menor grau, o conflito sempre
e assimetrias de poder se fazem presentes nas está presente no interior das organizações, se-
relações entre trabalhadores nas organizações jam elas de qualquer tipo. Como coloca Malik
de saúde, especialmente nas hospitalares. (1998), a inexistência de conflito é incompatí-
Todavia, como já foi anteriormente men- vel com o conceito de organização. Na caracte-
cionado, a percepção de que existem privilé- rização do conflito estariam, como condições
gios, isto é, benefícios ilegítimos para alguns antecedentes, a existência de grupos diferen-
grupos ou indivíduos, é, de um modo geral, ciados, a interdependência de tarefas e o com-
bastante difundida entre os funcionários do partilhamento de recursos. No entanto, algu-
CPqHEC. Esses privilégios podem, em tese, ex- mas especificidades caracterizam esse fenô-
pressar-se através de tolerância e permissivi- meno nas organizações de saúde, especial-
dade para com determinadas práticas que se mente nas de tipo hospitalar.
desviam da obediência às normas, ou mesmo A integração dos técnicos e auxiliares da
pela ausência de legitimidade para alguma área-meio parece ser um problema particular-
norma instituída. Em uma das perguntas, pe- mente acentuado, uma vez que as avaliações
diu-se a opinião acerca da freqüência com que, negativas desse grupo tendem a ser recorren-
na opinião deles, as regras são iguais para to- tes nas perguntas que objetivam capturar as-

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INTERAÇÃO E CONFLITO ENTRE PROFISSIONAIS E ORGANIZAÇÕES HOSPITALARES 1239

pectos relativos ao clima organizacional. Quan- Tabela 8


do se perguntou se no CPqHEC os funcioná-
rios, independentemente do cargo que ocu- Os funcionários são tratados com respeito, independente do cargo que ocupam.
pam, são tratados com respeito, 50% dos técni-
cos e auxiliares da área-meio assinalaram as (n = 191) Opções de resposta
opções raramente ou nunca, ao passo que, pa- Categoria profissional Sempre Muitas vezes Raramente Nunca
(%) (%) (%) (%)
ra o conjunto formado pelas demais categorias
profissionais, esse percentual alcança apenas Médicos e pesquisadores 29,4 61,8 8,8 –
13,3% (Tabela 8). Outros profissionais
As representações que os funcionários têm de saúde nível superior 30,0 63,3 6,7 –
sobre o reconhecimento – ou a falta dele – do Outros profissionais
seu esforço e dedicação ao trabalho por parte de nível superior 33,3 52,4 9,5 4,8

da organização (Tabela 9) deixam transparecer Técnicos/auxiliar de saúde 37,5 45,0 16,3 1,3

a oposição entre os especialistas (médicos e Outros técnicos/auxiliares 26,9 23,1 46,2 3,8

pesquisadores) e os demais grupos que orbi- Total 33,0 48,7 16,8 1,6

tam ao seu redor, viabilizando, direta ou indi- Fonte: Pesquisa Gestão de Qualidade e Cultura em Organizações Públicas
retamente, a execução das suas atividades, por de Saúde. Escola Nacional de Saúde Pública, Fundação Oswaldo Cruz, 2000.
Notas: p-valor = 0,001.
meio das quais se concretizam os objetivos or- Para a execução do teste as colunas “raramente” e “nunca” foram agregadas para
ganizacionais. Nos grupos subordinados, uma que o número de células com freqüência esperada < 5 não ultrapassasse 20%.
parcela expressiva dos trabalhadores considera
que sua dedicação não é devidamente reco-
nhecida pela organização. Enquanto 81,3% dos
Médicos e Pesquisadores declararam que quem
é comprometido com o trabalho é reconhecido Tabela 9
sempre ou muitas vezes, apenas 42,3% dos téc-
nicos e auxiliares da área-meio afirmaram o Com que freqüência aquele que é comprometido com o trabalho é reconhecido.
mesmo. Este último grupo novamente apresen-
tou as percepções mais negativas, embora ele (n = 180) Opções de resposta
aqui seja acompanhado pelos demais grupos Categoria profissional Sempre Muitas vezes Raramente Nunca
(%) (%) (%) (%)
na contraposição aos médicos e pesquisadores.
Observe-se também a correlação r 0,635 (p-va- Médicos e pesquisadores 18,8 62,5 15,6 3,1
lor = 0,000) entre a Tabela 9 (reconhecimento) Outros profissionais 13,3 46,7 40,0
e a Tabela 10 (avaliação). de saúde nível superior
Contudo, o sentimento de não reconheci- Outros profissionais 10,5 52,6 36,8
mento, compartilhado por boa parte dos mem- de nível superior

bros dos grupos periféricos, deve ser com- Técnico/auxiliar de saúde 27,4 34,2 27,4 11,0

preendido, também, a partir da análise de ele- Outros técnicos/auxiliares 19,2 23,1 50,0 7,7

mentos externos à organização. A detecção Total 20,6 41,7 31,7 6,1

desse mesmo sentimento em funcionários de Fonte: Pesquisa Gestão de Qualidade e Cultura em Organizações Públicas
outras organizações públicas, da área de saúde de Saúde. Escola Nacional de Saúde Pública, Fundação Oswaldo Cruz, 2000.
Notas: p-valor = 0,036.
ou não, tem levado a se buscar nos elementos Para a execução do teste, as colunas “raramente” e “nunca” foram agregadas para
constitutivos da sociedade brasileira a com- que o número de células com freqüência esperada < 5 não ultrapassasse 20%.
preensão da recorrência desse fato. Considerando o peso de cada grupo, as não-respostas (missing) distribuíram-se
de forma mais ou menos uniforme entre as diferentes categorias profissionais.
Como discutido por Barbosa (1999), valen-
do-se de pesquisa realizada com funcionários
públicos, e por Vaitsman (2001), com base em
dados de pesquisa com profissionais de saúde crença de que as regras do jogo sejam as mes-
de um hospital municipal do Rio de Janeiro, mas para todos, o que provavelmente tem im-
apesar de prevalecer a opinião de que o mérito plicações negativas do ponto de vista da for-
e o desempenho devam ser os principais parâ- mação de um ethos de envolvimento e com-
metros para avaliação dos servidores, os fun- prometimento com a coisa pública.
cionários de organizações públicas tendem a O paradoxo entre as características relacio-
acreditar que, na prática, os que possuem al- nais e hierárquicas (DaMatta, 2000) constituti-
gum tipo de “apadrinhamento”, ou bom rela- vas da cultura brasileira e a incorporação dos
cionamento com as chefias, acabam sendo valores de mérito e igualdade, fundadores dos
mais bem sucedidos. Ainda que aspirações e princípios gerenciais modernos, é uma fonte
atitudes universalistas sejam bem abrangentes geradora de contradições permanentes no fun-
entre os servidores, a isso não corresponde a cionamento das organizações públicas brasi-

Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 18(5):1229-1241, set-out, 2002


1240 FARIAS, L. O. & VAITSMAN, J.

Tabela 10 Considerações finais

Com que freqüência o desempenho dos funcionários é avaliado adequadamente. A despeito do esforço de generalização efetua-
do nesse artigo, deve-se lembrar que as organi-
(n = 158) Opções de resposta zações, ainda que sejam do mesmo tipo – nes-
Categoria profissional Sempre Muitas vezes Raramente Nunca se caso, hospitalares –, possuem especificidades
(%) (%) (%) (%)
que as diferem umas das outras. O CPqHEC,
Médicos e pesquisadores 3,3 43,3 36,7 16,7 por exemplo, é um hospital reconhecido por
Outros profissionais 8,3 25,0 58,3 8,3 sua excelência, o qual, em inúmeros aspectos,
de saúde nível superior não pode ser igualado a outros hospitais públi-
Outros profissionais 5,9 29,4 35,3 29,4 cos brasileiros. O artigo procurou explorar
de nível superior pontos que tendem a ser comuns às organiza-
Técnico/auxiliar de saúde 24,2 30,3 31,8 13,6 ções hospitalares, especialmente do setor pú-
Outros técnicos/auxiliares 14,3 14,3 52,4 19,0 blico, tendo clareza de que os problemas dis-
Total 14,6 29,7 39,9 15,8 cutidos possuem diferentes graus de intensi-
Fonte: Pesquisa Gestão de Qualidade e Cultura em Organizações Públicas dade em cada organização específica.
de Saúde. Escola Nacional de Saúde Pública, Fundação Oswaldo Cruz, 2000. As propostas de reforma das estruturas do
Notas: p-valor = 0,058.
Para a execução do teste, as colunas “sempre” e “muitas vezes” foram agregadas,
Estado, incorporadas à agenda política brasi-
mas ainda assim o número de células com freqüência esperada < 5 atingiu 26,7%. leira a partir do início da década de 90, têm ins-
Considerando o peso de cada categoria, a distribuição de não-respostas foi pirado diversas investigações sobre a adminis-
maior no grupo Outros Técnicos e Auxiliares (8 missing); os demais grupos tiveram
uma distribuição bastante similar entre si. tração pública brasileira e o funcionamento de
suas organizações. A necessidade de mudan-
ças orientadas para o alcance de maior eficiên-
cia e qualidade, assim como de maior accoun-
leiras. Estaríamos aqui lidando com represen- tability, implica a compreensão do ambiente
tações sociais próprias da cultura brasileira, o interno e externo no qual as organizações efe-
que poderia ser visto como uma “variável ex- tivamente operam, ou seja, das representações,
terna” à organização afetando as opiniões e valores e práticas instituídas na organização
percepções que seus membros manifestam específica e na sociedade em que se insere.
acerca de determinadas condições e situações As organizações de saúde são espaços so-
internas. Variável externa que, no entanto, não ciais por natureza conflituosos, nos quais a so-
deixa de informar as práticas no interior da or- lidariedade e a coesão apresentam as mesmas
ganização, ainda que de forma atualizada às fragilidades encontradas em outros ambientes
suas condições de funcionamento e padrões de de interação social. Diferentes grupos e indiví-
interação. Desse modo, tanto a tendência a duos possuem expectativas e objetivos distin-
opiniões negativas quanto a própria correlação tos, e as estratégias mobilizadas para alcançá-
r = 0,580 (p-valor = 0,000), observada para as los produzem, não raro, situações de conflito e
questões avaliação adequada ( Tabela 10) e contraditórias. Reconhecer a implausibilidade
igualdade das regras (Tabela 7), sofrem em al- da eliminação dos conflitos não significa que
guma medida o impacto da “variável” cultura. se deva abrir mão de administrá-los, principal-
Para além da especificidade de cada organiza- mente quando seus efeitos podem vir a se re-
ção, deve-se considerar que elas não consti- fletir na queda da eficiência e da qualidade dos
tuem universos sociais fechados; antes, são es- serviços oferecidos aos usuários.
paços onde se atualizam a cultura e as relações Nas organizações hospitalares, a heteroge-
sociais que compõem o contexto histórico-so- neidade das categorias profissionais, aliada à
cial mais amplo do qual fazem parte ( Vaits- distribuição de poder típica das organizações
man, 2000). A combinação de elementos exter- de especialistas, torna mais complexos os es-
nos e internos na conformação das percepções forços de coordenação. Observou-se que al-
organizacionais pode ser notada ainda através guns padrões de conflito são inerentes às orga-
da correlação entre as Tabelas 7 e 10, que apre- nizações hospitalares, uma vez que expressam
senta valores mais elevados para os grupos da a distribuição de poder e prestígio que lhes é tí-
área-meio: r = 0,720 (p-valor = 0,001) para Ou- pica. A dicotomia entre o grupo central – médi-
tros Profissionais de Nível Superior e r = 0,698 cos e pesquisadores –, no qual se funda a iden-
(p-valor = 0,001) para Outros Técnicos e Auxi- tidade da organização, e o conjunto de grupos
liares. periféricos, que dão suporte e viabilizam a rea-
lização das suas atividades, constitui a caracte-
rística fundamental por meio da qual se pode
compreender a estrutura que organiza os pa-

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INTERAÇÃO E CONFLITO ENTRE PROFISSIONAIS E ORGANIZAÇÕES HOSPITALARES 1241

drões de conflito. Essa oposição é englobante grupo a produção de percepções negativas


em relação a outras oposições possíveis, tais quanto às relações e ao ambiente de trabalho.
como médicos e pesquisadores versus outros As questões analisadas com base nos dados
profissionais de saúde de nível superior; área- obtidos mostram não apenas as opiniões e per-
fim versus área-meio; profissionais de nível su- cepções sobre as relações e interações no inte-
perior versus técnicos e auxiliares. Aos grupos rior da organização, mas refletem, ainda que
são conferidas diferentes posições de status de em grau indeterminado, um conjunto de “re-
acordo com a proximidade que mantêm em re- presentações sociais”, ou seja, de significados
lação ao grupo principal. Os fatores de aproxi- socialmente construídos e compartilhados. Tais
mação são a qualificação em profissões/ocu- representações certamente possuem uma an-
pações que integram a área de saúde e a esco- coragem nas relações e interações empirica-
laridade de nível superior. A categoria formada mente percebidas, mas as ultrapassam, na me-
pelos técnicos e auxiliares da área-meio pres- dida em que também são uma expressão de
cinde de ambos os atributos, daí o seu “despres- processos sócio-históricos mais amplos que se
tígio relativo” que, por sua vez, engendra nesse atualizam em diferentes esferas de interação.

Agradecimentos

Os autores agradecem a participação dos funcionários


do Centro de Pesquisa Hospital Evandro Chagas na
realização da pesquisa e, em especial, o apoio incon-
dicional dado por sua Diretora, Dra. Keyla Marzochi.

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