Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Abstract Introdução
1 Faculdade de Ciência
The authors discuss a theoretical and conceptu- Os conceitos de apoio matricial e equipe de re-
Médicas, Universidade
Estadual de Campinas,
al management methodology based on reference ferência foram propostos por Campos 1 dentro
Campinas, Brasil. teams and matrix support. Reference team is a da linha de pesquisa voltada para a reforma das
structural organization intended to combine organizações e do trabalho em saúde. Posterior-
Correspondência
G. W. S. Campos
managerial power and interdisciplinary work. mente, essa metodologia de gestão do cuidado
Departamento de Medicina Matrix support changes the way traditional foi adotada em serviços de saúde mental 2, de
Preventiva e Social, health systems work, with specialists organically atenção básica e da área hospitalar do Sistema
Faculdade de Ciência
Médicas, Universidade linked to other teams who periodically require Único de Saúde (SUS) de Campinas, São Paulo,
Estadual de Campinas. specialized consultation. Besides care support, Brasil 3. Algum tempo depois, alguns programas
Cidade Universitária Zeferino
there is another goal: to build new knowledge do Ministério da Saúde – Humaniza-SUS 4, Saú-
Vaz, C. P. 6111, Campinas, SP
13084-971, Brasil. for each health professional through a continu- de Mental 5 e Atenção Básica/Saúde da Família 6
gastaowagner@mpc.com.br ing education process. The article analyzes the – também incorporaram essa perspectiva. Este
structural, political, cultural, theoretical, and trabalho objetiva descrever esses dois arranjos
subjective obstacles to this new model. organizacionais, indicar conceitos e teorias sobre
os quais se apóiam essa metodologia de traba-
Health Management; Methodology; Epistemol- lho, bem como identificar obstáculos epistemo-
ogy lógicos e da estrutura dos serviços que essa alter-
nativa propõe-se a enfrentar. Tal estudo servirá
de elemento de base para apoiar pesquisas que
avaliem limitações e potência dessa modalidade
organizacional.
cada um desses casos terá uma temporalidade rarquizados, o profissional de referência aciona o
distinta daquela das equipes de saúde da família, apoio matricial, de preferência por meios diretos
em geral, mais longa. Um paciente em tratamen- de comunicação personalizados, contato pes-
to de AIDS deveria permanecer adscrito a uma soal, eletrônico ou telefônico e não apenas por
equipe de referência de um centro especializado meio de encaminhamento impresso entregue ao
enquanto persistir seu problema; um outro em paciente, solicitando-se algum tipo de interven-
uma enfermaria permanecerá referido a deter- ção ao apoiador. Nessas circunstâncias, é reco-
minada equipe enquanto durar seu tratamento mendável proceder-se a uma avaliação de risco
no hospital. para se acordar uma agenda possível.
O funcionamento dialógico e integrado da O apoio matricial implica sempre a constru-
equipe de referência pressupõe tomá-la como ção de um projeto terapêutico integrado, no en-
um espaço coletivo, que discute casos clínicos, tanto essa articulação entre equipe de referência
sanitários ou de gestão, e participa da vida da e apoiadores pode desenvolver-se em três planos
organização. fundamentais:
O apoiador matricial é um especialista que a) atendimentos e intervenções conjuntas entre
tem um núcleo de conhecimento e um perfil o especialista matricial e alguns profissionais da
distinto daquele dos profissionais de referência, equipe de referência;
mas que pode agregar recursos de saber e mesmo b) em situações que exijam atenção específica
contribuir com intervenções que aumentem a ao núcleo de saber do apoiador, este pode pro-
capacidade de resolver problemas de saúde da gramar para si mesmo uma série de atendimen-
equipe primariamente responsável pelo caso. O tos ou de intervenções especializadas, manten-
apoio matricial procura construir e ativar espaço do contato com a equipe de referência, que não
para comunicação ativa e para o compartilha- se descomprometeria com o caso, ao contrário,
mento de conhecimento entre profissionais de procuraria redefinir um padrão de seguimento
referência e apoiadores. complementar e compatível ao cuidado ofereci-
O apoio matricial busca personalizar os siste- do pelo apoiador diretamente ao paciente, ou à
mas de referência e contra-referência, ao estimu- família ou à comunidade;
lar e facilitar o contato direto entre referência en- c) é possível ainda que o apoio restrinja-se à
carregada do caso e especialista de apoio. Nesse troca de conhecimento e de orientações entre
sentido, essa metodologia altera o papel das Cen- equipe e apoiador; diálogo sobre alterações na
trais de Regulação, reservando-lhe uma função avaliação do caso e mesmo reorientação de con-
na urgência, no zelo pelas normas e protocolos dutas antes adotadas, permanecendo, contudo, o
acordados e na divulgação do apoio disponível. caso sob cuidado da equipe de referência.
A decisão sobre o acesso de um caso a um apoio Essa dinâmica presta-se tanto para ordenar
especializado seria, em última instância, tomada a relação entre os níveis hierárquicos do sistema
de maneira interativa, entre profissional de refe- quanto para facilitar a comunicação e integração
rência e apoiador. O regulador à distância teria de equipes de saúde da família e especialistas,
um papel de acompanhar e avaliar a pertinência ou mesmo entre distintas especialidades e pro-
dessas decisões e de tomá-las somente em situa- fissões de saúde que trabalhem em um mesmo
ções de urgência, quando não haveria tempo pa- serviço, hospital ou centro de referência. Em
ra o estabelecimento de contato entre referência Campinas foram criados Núcleos de Saúde Co-
e apoio matricial. letiva na atenção básica, que deveriam fornecer
Há duas maneiras básicas para o estabeleci- apoio matricial em saúde pública (vigilância,
mento desse contato entre referências e apoia- promoção, projetos de intervenção comunitá-
dores. Primeiro, mediante a combinação de en- rios ou intersetoriais, avaliação e planejamento
contros periódicos e regulares – a cada semana, de programas etc.) para as equipes de saúde da
quinzena ou mais espaçados – entre equipe de re- família. Organizou-se também apoio em áreas
ferência e apoiador matricial. Nesses encontros, clínicas como, saúde mental, nutrição e reabili-
objetiva-se discutir casos ou problemas de saúde tação física 9.
selecionados pela equipe de referência e procu- O termo apoio matricial é composto por dois
ra-se elaborar projetos terapêuticos e acordar li- conceitos operadores. O segundo deles – matri-
nhas de intervenção para os vários profissionais cial – indica uma mudança radical de posição
envolvidos. Recomenda-se reservar algum tem- do especialista em relação ao profissional que
po para diálogo sobre temas clínicos, de saúde demanda seu apoio. Na teoria de sistemas de
coletiva ou de gestão do sistema. Segundo, além saúde, há o princípio da hierarquização 10, em
desses encontros, em casos imprevistos e urgen- que se prevê uma diferença de autoridade entre
tes, em que não seria recomendável aguardar a quem encaminha um caso e quem o recebe; o
reunião regular, como na lógica dos sistemas hie- nível primário dirige-se ao secundário e assim
sucessivamente, havendo ainda uma transferên- quanto incorporando demandas trazidas pelo
cia de responsabilidade quando do encaminha- outro também em função de seu conhecimento,
mento. Tratar-se-ia de relações do tipo vertical, desejo, interesses e visão de mundo.
em que a comunicação entre os níveis ocorre por Procura-se criar espaços coletivos protegidos
meio de informes escritos – no caso, a planilha que permitam a interação dessas diferenças, bus-
de referência –, apenas para transferir uma res- cando-se construir uma análise e uma interpre-
ponsabilidade e receber algum informe ao final tação sintética, bem como se acordando linhas
do procedimento – o formulário de contra-refe- de intervenção e distribuição de tarefas entre os
rência. Esse estilo de relação entre trabalhadores vários sujeitos envolvidos no processo.
foi concebido pela administração clássica, indu-
zindo sistemas burocráticos e pouco dinâmicos.
Ao criticar esse modelo de gestão do trabalho, Obstáculo estrutural
alguns teóricos sugeriram pensar-se as organi-
zações como uma matriz 11, em que a inevitável Há obstáculos na própria maneira como as or-
departamentalização, que estipula uma linha de ganizações vêm se estruturando, que conspiram
comando e de gestão vertical, induzindo uma contra esse modo interdisciplinar e dialógico de
fragmentação do processo de trabalho, pode- operar-se. Esses obstáculos precisam ser conhe-
ria ter seus efeitos atenuados se fossem criadas cidos, analisados e, quando possível, removidos
ações horizontais que atingissem vários desses ou enfraquecidos para que seja possível traba-
departamentos. Pensavam em projetos, comis- lhar-se com base em equipe interdisciplinar e
sões ou supervisores que atuassem de maneira sistemas de co-gestão.
horizontal, em vários departamentos, mas sem O apoio matricial e a equipe de referência são
autoridade gerencial sobre as pessoas que cons- metodologias de trabalho, modo para se realizar
tituem esses departamentos. a gestão da atenção em saúde, mas são, ao mes-
O termo matriz carrega vários sentidos; por mo tempo, arranjos organizacionais que buscam
um lado, em sua origem latina, significa o lugar diminuir a fragmentação imposta ao processo
onde se geram e se criam coisas; por outro, foi de trabalho decorrente da especialização cres-
utilizado para indicar um conjunto de núme- cente em quase todas as áreas de conhecimento.
ros que guardam relação entre si quer os ana- Para que a interdisciplinaridade ocorra de fato
lisemos na vertical, na horizontal ou em linhas e contribua para aumentar a eficácia das inter-
transversais 12. Pois bem, o emprego desse no- venções, é importante não somente se facilitar a
me – matricial – indica essa possibilidade, a de comunicação entre distintos especialistas e pro-
sugerir que profissionais de referência e espe- fissionais 15, como também montar um sistema
cialistas mantenham uma relação horizontal, e que produza um compartilhamento sincrônico
não apenas vertical como recomenda a tradição e diacrônico de responsabilidades pelos casos e
dos sistemas de saúde. Trata-se de uma tentativa pela ação prática e sistemática conforme cada
de atenuar a rigidez dos sistemas de saúde quan- projeto terapêutico específico. O papel de cada
do planejados de maneira muito estrita segun- instância, de cada profissional, deve ficar bem
do as diretrizes clássicas de hierarquização e re- claro. Alguém deve se responsabilizar pelo se-
gionalização 13. guimento longitudinal e pela construção de uma
O primeiro termo – apoio – sugere uma ma- lógica que procure integrar a contribuição dos
neira para operar-se essa relação horizontal me- vários serviços, departamentos e profissionais.
diante a construção de várias linhas de transver- Em geral, esse papel cabe a integrantes da equipe
salidade, ou seja, sugere uma metodologia para de referência. Com certeza, não é essa a tradição
ordenar essa relação entre referência e especia- de funcionamento dos serviços de saúde.
lista não mais com base na autoridade, mas com Em Medicina e na saúde em geral houve uma
base em procedimentos dialógicos. O termo foi crescente divisão do trabalho que dificulta a inte-
retirado do método Paidéia 14, que cria a figura gração do processo de atenção e cuidado às pes-
do apoiador institucional e sugere que tanto na soas, já que as distintas especialidades médicas
gestão do trabalho em equipe quanto na clínica, e profissões de saúde definiram objetos de inter-
na saúde pública ou nos processos pedagógicos, venção e campos de conhecimento sem grandes
a relação entre sujeitos com saberes, valores e compromissos com a abordagem integral de pro-
papéis distintos pode ocorrer de maneira dialó- cessos saúde e doença concretos 16.
gica. No caso, o apoiador procura construir de Em decorrência dessa realidade vieram se
maneira compartilhada com os outros interlocu- estruturando organizações de saúde com eleva-
tores projetos de intervenção, valendo-se tanto do grau de departamentalização. Analisando a
de ofertas originárias de seu núcleo de conhe- estrutura de duas organizações prototípicas da
cimento, de sua experiência e visão de mundo, área da saúde – o hospital e o ambulatório – ve-
rificamos que elas, em geral, dividem-se em de- dicos especialistas, o psiquiatra chefe; há outro
partamentos ordenados segundo lógica das pro- chefe de enfermagem; outro comanda os psicó-
fissões e especialidades médicas 17. Estudiosos logos, outro os fisioterapeutas, outro a assistente
da administração têm identificado várias racio- social; a disciplina, regras para visitas, a limpeza
nalidades que vêm sendo empregadas para divi- e suprimento serão comandados por um outro
dir responsabilidades em organizações contem- chefe da área administrativa; e caso haja ainda
porâneas. Há organizações com departamentos casos clínicos complicados, o médico internista
ordenados segundo produtos – tipos de bens ou terá ainda um décimo diretor diferente.
serviços produzidos –, outras de acordo com eta- Esse tipo de estrutura também contribui para
pas do processo de trabalho ou ainda com a fun- diluir a responsabilidade sanitária sob os casos
ção de cada área da empresa, outras se dividem acompanhados. Há uma dupla fragmentação,
segundo a clientela a ser atendida, há também do processo de trabalho e da unidade de gestão,
aquelas que se organizam segundo o território que dificulta a identificação clara do responsável
onde o trabalho se realiza 18. clínico, bem como torna quase impossível a in-
Pois bem, em hospitais, ambulatórios e ou- tegração comunicativa das abordagens diagnós-
tros serviços de saúde tem predominado uma ticas e terapêuticas. Esse fenômeno está sendo
lógica que leva ao extremo a fragmentação do denominado de obstáculo estrutural à prática de
cuidado. Verifica-se na área da saúde que a cons- uma clínica ampliada, bem como do trabalho in-
trução de unidades de gestão obedece antes de terdisciplinar. Valeria proceder-se maiores inves-
tudo à lógica corporativa e das profissões. Esse tigações para esclarecer o peso que esse tipo de
fato é marcante em áreas voltadas para a assis- obstáculo teria na tendência a custos crescentes,
tência ao usuário, que se organizam em depar- perda de eficácia e aumento da iatrogenia verifi-
tamentos, diretorias ou coordenações recortadas cada em serviços de saúde 21.
segundo profissão ou especialidade médica 19. Não é lógico, parece pouco racional, mas as-
Em áreas-meio, em geral, observa-se uma agre- sim vem funcionando há décadas na maioria dos
gação maior, identificando-se unidades de ges- serviços de saúde. Vem funcionando, porque a
tão recortadas segundo funções: departamento administração sanitária tem se utilizado de vários
de administração e finanças, lavanderia, nutri- instrumentos para atenuar os efeitos negativos
ção e dietética, laboratório etc. 20. No entanto, desses obstáculos estruturais. Entre os recursos
nos departamentos voltados diretamente para gerenciais que se contrapõem a essa tendência,
a atenção ao usuário, encontra-se departamen- ressalta-se o papel integrador do corpo de enfer-
to de enfermagem, de ortopedia, de psiquiatria, magem, que ainda que organizado de maneira
infectologia etc. Nesses serviços, há uma com- vertical e paralela às demais profissões – daí ad-
posição multiprofissional de pessoal, com baixo vém o conceito utilizado de “corpo” –, espalha-se
grau de coordenação, comunicação e integração por todo o hospital, compensando, com seu zelo,
entre as distintas especialidade e profissões. Até a extrema fragmentação imposta pela circulação
mesmo o desenho arquitetônico da maioria dos vertiginosa de especialistas entre usuários 22.
ambulatórios reflete essa lógica de ferro: uma Outros recursos freqüentemente adotados para
sucessão de pequenas salas para consultório atenuar esse tipo de fragmentação são normas,
ou procedimentos que, de tão desconectados, sistemas de acreditação e protocolos que pro-
bem poderiam funcionar em espaços geográfi- curam padronizar condutas e definir fluxos por
cos distintos. onde deveriam circular os pacientes 23.
Essa estrutura cria dificuldades gerenciais Essas tendências à descontinuidade e a frag-
extremas e constitui-se em um obstáculo estru- mentação dos projetos terapêuticos acentuam-
tural à adoção do método de trabalho de apoio se quando a intervenção depende de mais de um
matricial. Um mesmo espaço de trabalho, uma serviço integrante do sistema de saúde. O recurso
enfermaria hospitalar, por exemplo, com res- gerencial utilizado para conectar esses pedaços
ponsabilidade sanitária, objetivos, métodos de são os sistemas de referência e contra-referência
trabalho e funções, todos muito bem definidos; e os Centros de Regulação com seus protocolos e
quando a organização obedece a essa lógica de regulamentações. Alguns sistemas criam instân-
departamentos corporativos, não se constitui em cias de decisão – gestão de caso – distanciadas do
uma única unidade de gestão. Ao contrário, essa atendimento direto ao paciente: são os famosos
mesma enfermaria tende a ser comandada por, reguladores a distância ou gerentes de casos 24.
no mínimo, meia dúzia de gerentes que não estão Que potência teria a reestruturação das orga-
obrigados a se compor em colegiados ou a coor- nizações de saúde segundo equipes interdiscipli-
denar e integrar seus planos de trabalho. Em uma nares apoiadas por especialistas matriciais? Há
mesma enfermaria destinada à Psiquiatria, por evidências teóricas de que contribuiria bastante
exemplo, pode haver um comandante dos mé- para melhor definir os padrões de responsabili-
corrência exacerbada, modo predominante de pe, toda essa circulação de informação, obriga
funcionamento das instituições contemporâne- a todas as profissões de saúde a repensarem
as 30. Nesses casos, as pessoas tendem a cristali- o tema das relações entre eles e deles com os
zar-se em identidades reativas, que as induzem usuários. Que aspectos de uma história colhida
a desconfiar do outro e a defender-se de modo em um atendimento individual, um médico ou
paranóico da concorrência alheia. Por outro uma psicóloga ou um enfermeiro podem regis-
lado, é comum o profissional construir identi- trar no prontuário ou comunicar aos demais
dade e segurança, apegando-se à identidade de membros da equipe ou do apoio? Observação
seu núcleo de especialidade, o que dificulta a que um agente de saúde recolhe durante uma
abertura para a interação inevitável em espaços visita familiar, como e em que grau divulgá-la
interdisciplinares. a outros colegas de equipe? Cada profissional
Nesses ambientes, a descoberta de problemas teria um registro particular e outro comparti-
ou de faltas costuma ser identificada à falha ou lhado com a equipe? Como lidar com o coletivo
erro e ser utilizada para luta política ou em defesa e com a circulação de informação, sem com-
de interesses particulares 31. Não há cultura, en- prometer o direito à privacidade de cada caso
tre gestores e entre equipes, sobre métodos para ou de cada família?
programar trabalho dialógico e interativo, crian-
do instâncias de mediação, espaços protegidos
e processos de contrato em que se estabeleçam Obstáculo epistemológico
metas e critérios para avaliação do trabalho.
Os profissionais habituaram-se a valorizar A maioria das especialidades e profissões de
a autonomia profissional, julgando-a conforme saúde trabalha com um referencial sobre o pro-
o direito que teriam de deliberar sobre casos cesso saúde e doença restrito. Predominam os
de modo isolado e definitivo. O apoio matricial filiados à racionalidade biomédica, o que os
promove encontro entre distintas perspectivas, leva a pensar e a agir segundo essa perspectiva
obrigando os profissionais a comporem projetos restrita 32. Outros tendentes a valorizar o social
terapêuticos com outras racionalidades e visões na explicação desse fenômeno também geram
de mundo. Note-se que, em casos de impasse, soluções restritas a essa linha de interven-
e se o impasse se referir ao terapêutico, não há ção 33. O mesmo se pode observar entre aque-
instâncias superiores para resolver o conflito. O les adeptos de explicação subjetiva (desejo ou
gerente em saúde, em geral, tem pequena capa- cognição) que pensam linhas de trabalho res-
cidade de interferir sobre conduta específica do tritas a esses planos. O enfoque de clínica am-
especialista, cabendo aos envolvidos no conflito pliada, ou clínica do sujeito, sugere maneiras
encontrar uma saída que não prejudique o usuá- para integrar essas perspectivas em um méto-
rio nem paralise o projeto terapêutico. do de trabalho que reconheça a complexidade
O conceito de projeto terapêutico tem se e variabilidade dos fatores e dos recursos en-
mostrado útil para mediar esse tipo de relação. volvidos em cada caso específico, seja ele um
Trata-se de uma discussão prospectiva de caso, problema individual ou coletivo. Pois bem, no-
em que, depois de uma avaliação de risco e de vamente o apoio matricial é um dispositivo im-
vulnerabilidade compartilhada, são acordados portante para ampliação da clínica; ao mesmo
procedimentos a cargo de diversos membros da tempo, para se trabalhar em uma perspectiva
equipe. Ainda que seja possível uma descrição interdisciplinar, pressupõe-se algum grau de
singela desse tipo de trabalho em grupo, não é adesão a um paradigma que pense o proces-
simples, no cotidiano, estabelecer-se esse tipo so saúde, doença e intervenção de modo mais
de diálogo, com decisões e tarefas definidas de complexo e dinâmico.
modo compartilhado.
Obstáculo ético
Resumo Colaboradores
Os autores apresentam uma reconstrução teórico-con- Todos os autores participaram desde a revisão biblio-
ceitual da metodologia de gestão do trabalho em saú- gráfica e análise documental até a redação final do
de baseada em equipes de referência e apoio matricial. artigo.
Equipe de referência é um rearranjo organizacional
que procura coincidir o poder de gestão com a equipe
interdisciplinar. O apoio matricial sugere modificações
entre as relações dos níveis hierárquicos em sistemas
de saúde; nesse caso, o especialista integra-se organi-
camente a várias equipes que necessitam do seu tra-
balho especializado. Além da retaguarda assistencial,
objetiva-se produzir um espaço em que ocorra inter-
câmbio sistemático de conhecimentos entre as várias
especialidades e profissões. São apontados obstáculos
estruturais, éticos, políticos, culturais, epistemológicos
e subjetivos ao desenvolvimento desse tipo de trabalho
integrado em saúde.
Referências
1. Campos GWS. Equipes de referência e apoio espe- 11. Motta FCP. Teoria geral da administração. São Pau-
cializado matricial: uma proposta de reorganiza- lo: Editora Livraria Pioneira; 1987.
ção do trabalho em saúde. Ciênc Saúde Coletiva 12. Houaiss A, Villar MS. Dicionário da língua portu-
1999; 4:393-404. guesa. Rio de Janeiro: Editora Objetiva; 2004.
2. Prefeitura de Campinas. Saúde mental: apoio ma- 13. Campos GWS. Sobre la reforma de los modelos de
tricial ao Paidéia. Campinas: Secretaria Municipal atención: un modo mutante de hacer salud. In:
de Saúde; 2001. Eibenschutz C, organizador. Política de saúde: o
3. Prefeitura de Campinas. Paidéia – saúde da famí- público e o privado. Rio de Janeiro: Editora Fio-
lia, programa da Secretaria Municipal de Saúde. cruz; 1996. p. 293-314.
Campinas: Secretaria Municipal de Saúde; 2001. 14. Campos GWS. Um método para análise e co-gestão
4. Ministério da Saúde. Documento base para de coletivos. São Paulo: Editora Hucitec; 2000.
gestores e trabalhadores do SUS – cartilha da 15. Rivera FJU. Reflexões sobre a subjetividade na
PNH. http://www.saude.gov.br (acessado em 14/ gestão a partir do paradigma da organização que
Set/2005). aprende. Ciênc Saúde Coletiva 2001; 6:209-19.
5. Brasil. Portaria n. 1.935. Saúde mental no SUS: os 16. Camargo Jr. KR. Biomedicina, saber & ciência: uma
centros de atenção psicossocial. Diário Oficial da abordagem crítica. São Paulo: Editora Hucitec; 2003.
União 2004; 16 set. 17. Artmann E, Rivera FJU. A démarche strategique
6. Ministério da Saúde. Guia prático do Programa (gestão hospitalar estratégica): um instrumento
Saúde da Família. http://www.saude.gov.br/bvs de coordenação da prática hospitalar baseada nos
(acessado em 21/Set/2005). custos de oportunidade e na solidariedade. Ciênc
7. Campos GWS. O anti-Taylor: sobre a invenção Saúde Coletiva 2003; 8:479-99.
de um método para co-governar instituições de 18. Chiavenato I. Introdução à teoria geral da admi-
saúde produzindo liberdade e compromisso. Cad nistração. 3a Ed. São Paulo: Editora McGraw-Hill;
Saúde Pública 1998; 14:863-70. 1983.
8. Starfield B. Primary care: concept, evaluation and 19. Organização Pan-Americana da Saúde/Organiza-
policy. New York: Oxford University Press; 1992. ção Mundial da Saúde. A transformação da gestão
9. Prefeitura de Campinas. Plano de saúde da Secre- de hospitais na América Latina e Caribe. Brasília:
taria Municipal de Saúde. Campinas: Secretaria Organização Pan-Americana da Saúde/Organiza-
Municipal de Saúde; 2002. ção Mundial da Saúde; 2004.
10. Novaes HM. Ações integradas nos sistemas locais 20. Malik AM, Schiesari LMC. Qualidade na gestão lo-
de saúde – SILOS. São Paulo: Biblioteca Pioneira cal de serviços de saúde. São Paulo: Faculdade de
de Administração e Negócios; 1990. Saúde Pública, Universidade de São Paulo; 1998.
(Série Saúde & Cidadania).
21. Nogueira RP. A saúde pelo avesso. Natal: Editora 27. Starfield B. Atenção primária: equilíbrio entre ne-
Seminare; 2003. cessidades de saúde, serviços e tecnologia. Brasília:
22. Prochnow AG, Leite JL, Erdmann AL. Teoria inter- Organização das Nações Unidas para a Educação,
pretativa de Geertz e a gerência do cuidado: visu- a Ciência e a Cultura/Ministério da Saúde; 2002.
alizando a prática social do enfermeiro. Rev Lati- 28. Cortes SMV. Construindo a possibilidade da par-
noam Enfermagem 2005; 13:583-90. ticipação dos usuários: conselhos e conferências
23. Schiesari LMC. Cenário de acreditação hospitalar no Sistema Único de Saúde. Sociologias 2002;
no Brasil: evolução histórica e referências externas (7):18-48.
[Dissertação de Mestrado]. São Paulo: Faculdade 29. Campos RO. O encontro trabalhador-usuário na
de Saúde Pública, Universidade de São Paulo; atenção à saúde: uma contribuição da narrativa
1999. psicanalítica ao tema do sujeito. Ciênc Saúde Co-
24. Gurgel Jr. GD, Vieira MMF. Qualidade total e ad- letiva 2005; 10:573-83.
ministração hospitalar: explorando disjunções 30. Jameson F. Pós-modernismo: a lógica cultural do
conceituais. Ciênc Saúde Coletiva 2002; 7:325-34. capitalismo tardio. São Paulo: Editora Ática; 1996.
25. Reis COO. Desigualdade no acesso aos serviços 31. Saupe R, Certulo LR, Wendhausen AL, Benito GA.
de saúde. In: Negri B, Giovanni G, organizadores. Competências dos profissionais da saúde para o
Brasil: radiografia da saúde. Campinas: Núcleo de trabalho interdisciplinar. Interface Comun Saúde
Estudos de Política Pública, Universidade Estadual Educ 2005; 9:521-36.
de Campinas; 2001. p. 579-86. 32. Luz MT. Natural, racional, social: razão médica e
26. Vasconcelos CM. Paradoxos da mudança no racionalidade científica moderna. São Paulo: Edi-
SUS [Tese de Doutorado]. Campinas: Faculdade tora Hucitec; 2004.
de Ciências Médicas, Universidade Estadual de 33. Carvalho AI. Da saúde pública às políticas
Campinas; 2005. saudáveis – saúde e cidadania na pós-moderni-
dade. Ciênc Saúde Coletiva 1996; 1:104-21.
Recebido em 31/Out/2005
Versão final reapresentada em 28/Abr/2006
Aprovado em 20/Jun/2006