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DOI: 10.1590/1413-81232015215.

19302015 1625

Apoio Matricial no SUS Campinas: análise da consolidação

temas livres free themes


de uma prática interprofissional na rede de saúde

Matrix Support in the SUS of Campinas: how an inter-professional


practice has developed and consolidated in the health network

Cristiane Pereira de Castro 1


Mônica Martins de Oliveira 1
Gastão Wagner de Sousa Campos 1

Abstract This study aims to characterize the Resumo Este estudo teve por objetivo caracteri-
teams and the inter-professional work process of zar as equipes e o processo de trabalho interprofis-
Matrix Support developed and practiced in pri- sional do Apoio Matricial desenvolvido na Aten-
mary healthcare provided by the Brazilian Uni- ção Básica do SUS de Campinas (SP). Para isso,
fied Health System (SUS) in Campinas, São Pau- foi realizado estudo exploratório descritivo, com
lo State, Brazil. This is an exploratory descriptive aplicação de questionário a 232 profissionais que
study involving a questionnaire that was applied realizam Apoio Matricial à Atenção Básica. Para
to 232 professionals who practice Matrix Support a análise, os dados foram agrupados em quatro
for primary healthcare. For analysis, the data categorias: Identificação dos profissionais; Vin-
were grouped into four categories: Identification culação de trabalho ao SUS Campinas; Organi-
of the professional; Work links to the Campinas zação do trabalho do apoiador matricial; Práxis
SUS; Organization of the Matrix Support work; do apoio. O estudo apontou que a metodologia
and the Support practice. The study indicates that do Apoio para o trabalho interprofissional logrou
the methodology of support for inter-professional importante grau de consolidação no município,
work has achieved an important degree of consol- apesar do restrito investimento. A reduzida car-
idation in the municipality, in spite of the restrict- ga horária dedicada ao Apoio e o elevado número
ed investment. The reduced working time dedi- de equipes apoiadas para cada equipe de Apoio
cated to support, and the large number of teams Matricial foram identificados como as principais
supported by each Matrix Support team were fragilidades no processo de trabalho. Por sua vez,
identified as the principal points of fragility in the emergiram como pontos fortes a multiplicidade de
work process. In turn, strong points that emerged ferramentas utilizadas, a possibilidade de cons-
were the multiplicity of tools used, the possibility trução compartilhada das diretrizes de trabalho
of shared construction of work guidelines, and the e a flexibilidade na composição das equipes de
flexibility in the composition of the support teams. Apoio. Tanto as fragilidades quanto as potenciali-
1
Departamento de Saúde Both the fragilities and the potentialities found dades encontradas podem oferecer subsídios para
Coletiva, Faculdade can offer inputs for reflection and full creation of a reflexão e a concretização do Apoio Matricial em
de Ciências Médicas,
Universidade Estadual Matrix Support in other contexts. outras realidades.
de Campinas. Cidade Key words Health policies, Health planning Palavras-chave Políticas de saúde, Planejamento
Universitária Zeferino Vaz, and administration, Matrix Support, Primary e administração em saúde, Apoio matricial, Aten-
Barão Geraldo. 13083-
970 Campinas SP Brasil. Healthcare ção Primária a Saúde
crispcastro@gmail.com
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Castro CP et al.

Introdução Transmissíveis e AIDS; 02 Hospitais municipais;


04 Serviços de Atendimento Domiciliar; 06 Cen-
Nas últimas décadas, o Apoio Matricial vem sen- tros de Convivência e 07 unidades de atendimen-
do definido como uma estratégia de cogestão to para casos de urgência9,10.
para o trabalho interprofissional e em rede, valo- Além de Campinas, observou-se, também no
rizando-se, nessa definição, a concepção amplia- decorrer da década de noventa, a implantação do
da do processo saúde/doença, a interdisciplinari- Apoio Matricial em outros municípios (Belo Ho-
dade, o diálogo e a interação entre profissionais rizonte/MG, Quixadá/CE, Sobral/CE, Recife/PE,
que trabalham em equipes ou em redes e siste- Aracaju/SE, Rio de Janeiro/RJ).
mas de saúde1-4. A partir de 2003 ocorreu a incorporação
Essa estratégia de cogestão para a organiza- dessa perspectiva por alguns programas do Mi-
ção do trabalho interprofissional foi formulada nistério da Saúde, tais como Humaniza-SUS11,12,
no início da década de 1990 e passou a ser imple- Saúde Mental13 e Atenção Básica13. Apesar disso, é
mentada por iniciativa dos profissionais da rede somente com a criação do NASF14 que o Ministé-
SUS Campinas (SP), iniciando na área da Saúde rio da Saúde possibilita o financiamento que es-
Mental e Atenção Básica5, expandindo-se, poste- timula a utilização da metodologia de Apoio Ma-
riormente, para outras áreas de saber especializa- tricial na atenção primária à saúde. Atualmente,
do como a Reabilitação Física, a Traumatologia, a o NASF é regulamentado pela Portaria n° 2.488,
Dermatologia, entre outras. Tal iniciativa contou de 21 de outubro de 2011 e existem 3.057 NASFs
com apoio teórico do Departamento de Medici- implantados em diversos municípios do país15.
na Preventiva e Social da Faculdade de Ciências A experiência de Campinas (SP) é considera-
Médicas da Universidade Estadual de Campinas. da precursora da estratégia de Apoio Matricial.
Entre 2001 e 2004 essa estratégia foi adotada Assim, este artigo tem como intuito compartilhar
como política da Secretaria Municipal de Saúde com a comunidade científica, profissionais da
e incentivada pela oferta de cursos de formação saúde e gestores, a análise da experiência singular
em Análise Institucional, Manejo de Grupos e do município, visando contribuir com reflexões
outras temáticas ligadas ao Apoio Matricial para sobre os desafios do trabalho interprofissional e
os profissionais e gestores envolvidos com essa das práticas ligadas à atenção primária à saúde.
prática6,7. Considerando o contexto histórico desta
A despeito do bom andamento de tais ações experiência, o presente artigo tem como ques-
ao longo de mais de uma década, foi possível ob- tão central compreender como o Apoio Matri-
servar que a partir de 2005 até o momento de re- cial tem se mantido incorporado na prática dos
alização desta pesquisa, várias foram as medidas profissionais, mesmo não sendo uma diretriz da
que prejudicaram o desenvolvimento do referido gestão municipal ao longo dos últimos dez anos.
método: a gestão municipal deixou de adotar a Com base nessa finalidade, investigou-se o Apoio
estratégia de Apoio Matricial como diretriz de Matricial desenvolvido no SUS de Campinas (SP)
governo; reduziu os investimentos na Atenção a partir de duas perspectivas: I) identificação dos
Básica e nas capacitações dos profissionais; e profissionais e das organizações que utilizam a
instaurou-se o agravamento da precarização das estratégia do Apoio Matricial no seu cotidiano; e
condições de trabalho8. Contudo, percebe-se que II) análise do processo de trabalho desenvolvido
o Apoio Matricial manteve-se incorporado ao junto às equipes de referência apoiadas.
discurso e às práticas de diversos profissionais da
atenção básica e especializada.
Atualmente, o município de Campinas (SP) Método
conta com uma rede assistencial própria com-
posta por 63 Unidades Básicas de Saúde; 05 Nú- Trata-se de um estudo exploratório descritivo,
cleos de Vigilâncias em Saúde; 18 unidades de realizado por meio de um questionário aplicado
referência com atendimento especializado, sendo a todos os profissionais que realizam Apoio Ma-
03 Policlínicas que concentram ambulatórios de tricial à Atenção Básica de Campinas, visando le-
aproximadamente 30 especialidades médicas, 11 vantar características relativas à composição das
Centros de Atenção Psicossocial da área de Saú- equipes e à organização do processo de trabalho
de Mental, 01 Ambulatório do CEASA e demais interprofissional.
unidades dedicadas à Reabilitação Física, Vivên- Importante ressaltar que o fato da estratégia
cia Infantil, Saúde do Trabalhador, Saúde do Ido- de Apoio Matricial não se configurar em uma
so, Saúde do Adolescente, Doenças Sexualmente diretriz da gestão, não possibilita a existência de
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registros oficiais sobre os profissionais e as equi- no momento da aplicação, optou-se pela presen-
pes que a utilizam. Em função disso, o projeto de ça dos pesquisadores envolvidos no estudo, a fim
pesquisa foi apresentado aos gestores dos Distri- de esclarecer possíveis dúvidas dos respondentes.
tos de Saúde e aos coordenadores de serviços de O momento de preenchimento foi pactuado com
saúde. Durante o contato, gestores e coordena- os profissionais, dentro de sua disponibilidade,
dores foram solicitados a nos informar serviços via contato telefônico ou digital. Os questioná-
e profissionais que, supostamente, poderiam ser rios foram aplicados no período de abril de 2013
incluídos no estudo como Apoiadores Matriciais. a novembro de 2014.
A partir desta identificação, organizou-se Ressalta-se que para este artigo foram ana-
uma lista de todos os profissionais que realizavam lisadas somente as questões fechadas. Assim, a
Apoio Matricial como atividade regular. Para a análise dos dados obtidos iniciou-se com a tabu-
constituição de nossa população a ser investigada lação das respostas, seguida da análise descritiva
utilizou-se a metodologia de “bola de neve”16, em dos resultados, realizada a partir do estudo das
que os profissionais identificados foram indican- frequências absolutas e relativas das respostas de-
do outros colegas que também realizavam Apoio compostas em categorias. Foi utilizado o progra-
Matricial. Todos os indicados foram contatados, ma Microsoft Excel, pacote Office 2000. Os dados
sendo solicitados a confirmar ou não a condição reunidos foram sumarizados em tabelas e origi-
de utilizarem Apoio Matricial de forma regular. naram gráficos com as distribuições.
Ocorrendo autodeclaração, eram convidados a Após essa primeira análise, os dados foram
participar do estudo. agrupados em quatro categorias de análise.
Foram selecionados como população a ser in- Categoria 01 – Identificação dos profissionais
vestigada todos os profissionais que declararam a partir das seguintes variáveis: sexo, idade, cate-
utilizar de forma rotineira a estratégia de Apoio goria profissional, local de trabalho, área de atua-
Matricial e foram excluídos do estudo os que, ção dos profissionais de apoio;
apesar de indicados pelos gestores, declararam Categoria 02 – Vinculação de trabalho ao
não desenvolver nenhuma ação de Apoio Matri- SUS Campinas, composta pelas seguintes variá-
cial e/ou se recusaram a participar da pesquisa. veis: instituição empregadora, vínculos de traba-
A partir desse processo de identificação, lho, processo seletivo para ingresso e contratação
emergiu como universo de pesquisa o total de dos profissionais;
277 profissionais que desenvolvem Apoio Ma- Categoria 03 – Organização do trabalho do
tricial, distribuídos em 81 serviços dos 100 que apoiador matricial, mediante as seguintes infor-
compõem a rede assistencial de Campinas/SP. mações: ingresso nas atividades de apoio, quan-
Destes, 232 responderam o questionário, o que tidade de horas semanais dedicadas às ativida-
corresponde a 84% dos profisssionais que reali- des de apoio, composição das equipes de Apoio
zam Apoio Matricial no SUS de Campinas. Matricial e quantidade de equipes de referência
O questionário utilizado neste estudo foi apoiadas;
composto por três tipos de questões: abertas, fe- Categoria 04 – Práxis do apoio, com inclusão
chadas e mistas. Tal material foi elaborado pela das seguintes informações: formas de acionar o
equipe de pesquisadores, a qual ocupou-se em Apoio Matricial e critérios para discussão de caso
agrupar as questões de acordo com os seguin- com apoiador, ferramentas que são utilizadas nas
tes temas: Identificação Geral, Formação, Cargo ações de Apoio Matricial, avaliação das ações de
Atual e Apoio Matricial. A adequação do ques- Apoio Matricial e supervisão.
tionário foi avaliada em um pré-teste, no qual o
instrumento foi aplicado a cinco profissionais do
Apoio Matricial de Campinas (os cinco primei- Aspectos éticos
ros indicados pelos gestores distritais). Após essa
fase, a composição do questionário foi readequa- O projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comi-
da observando-se os seguintes aspectos: a lingua- tê de Ética da Faculdade de Ciências Médicas da
gem; a objetividade e a clareza das questões; e a Universidade Estadual de Campinas. Todos os
capacidade das perguntas para atender aos obje- participantes do grupo pesquisado assinaram o
tivos propostos pela pesquisa. Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, au-
A forma de aplicação utilizada para tais ques- torizando a utilização do material produzido na
tionários foi a de autopreenchimento. Para tanto, pesquisa, resguardado o sigilo.
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Castro CP et al.

Resultados e Discussão
61
51 (26%)
Os resultados apresentados abaixo foram organi- 50
(21%) (22%)
zados segundo dois eixos temáticos e com as qua- 34
tro categorias de análise definidas na metodolo- 27 (15%)
gia: I) caracterização dos profissionais que atuam (12%)
com Apoio Matricial, contendo as categorias de
9
identificação dos profissionais e vinculação de (15%)
trabalho ao SUS Campinas; e II) prática de Apoio
Matricial, a qual inclui as seguintes categorias: 20-25 26-30 31-35 36-40 41-50 51 anos
organização do trabalho do apoiador matricial e anos anos anos anos anos ou mais
práxis do apoio.
Figura 1. Distribuição da população de estudo (n =
Eixo I: Caracterização dos profissionais 232) por faixas etárias, Campinas, 2013 e 2014.
que atuam com Apoio Matricial

Categoria 01: Identificação dos profissionais.

Idade e sexo
Do total de 197 profissionais que respondeu história de constituição da rede assistencial do
ao questionário, (85%) são do sexo feminino, in- SUS no município de Campinas, o qual, desde
dicando que, no SUS Campinas, o trabalho em 1989, criou equipes de saúde mental na atenção
saúde e, neste caso, o de Apoio Matricial é função primária objetivando reforçar a sua capacidade
predominantemente feminina. de cuidado dos problemas menos graves e cons-
No que se refere à faixa etária da população truir um novo modelo de cuidado nessa área5,17.
em estudo, observa-se que a maioria, que cor- Assim, as reflexões sobre o modelo de trabalho
responde a 101 profissionais (43%), está con- das equipes de saúde mental inseridas na aten-
centrada na faixa etária entre 26 e 35 anos, mas ção primária contribuíram para a formulação do
há também a presença importante de 95 pro- Apoio Matricial. Posteriormente, os profissionais
fissionais (41%) com mais de 41 anos. Trata-se envolvidos nos serviços especializados em saúde
então de um grupo de profissionais em que não mental (CAPS) mantiveram o histórico de con-
há predomínio de uma faixa etária. Este dado tato e de discussão de casos com as unidades de
indica que vem ocorrendo transmissão entre as Atenção Básica5, ajudando a fortalecer a proposta
“gerações” de trabalhadores que ingressaram no do Apoio Matricial.
SUS em diferentes décadas. Tais resultados apon- A existência da categoria médica entre as
tam que profissionais jovens e mais experientes mais frequentes no desenvolvimento de ações de
estão trabalhando juntos, o que poderá explicar Apoio Matricial é uma surpresa, ainda que repre-
a transmissão de conhecimentos e da expertise sente uma parcela bastante pequena em relação
para o Apoio Matricial, mesmo não tendo havido ao total desses profissionais no município. Esse
cursos de formação nos últimos dez anos. Parte dado sugere uma aproximação dessa categoria
da capacidade de sustentação do Apoio Matricial com uma proposta de trabalho democrática e
pode estar relacionada à provável propagação da interativa, diferente do trabalho médico tradicio-
cultura institucional por meio da convivência de nal. Por outro lado, mostra também que apesar
diferentes “gerações” de profissionais. A distri- dos esforços iniciais, entre 2000 e 2004, de im-
buição detalhada está descrita na Figura 1. plantação da política de saúde no município, em
que os médicos da rede básica e rede especializa-
Categoria Profissional da deveriam assumir função de apoiadores, essa
No que se refere à categoria profissional dos atividade ainda ocorre de maneira pouco siste-
trabalhadores que desenvolvem ações de Apoio mática e frequente, se comparada à categoria dos
Matricial, observa-se três grupos mais frequen- psicólogos.
tes: 75 psicólogos (32%), 41 terapeutas ocupacio- Estudos desenvolvidos apontam que exis-
nais (18%) e 35 médicos de diferentes especiali- te grande dificuldade de envolver o profissional
dades (15%). médico nas discussões sobre Apoio Matricial por
A predominância dos psicólogos e dos tera- dois motivos: sobrecarga de trabalho e dificulda-
peutas ocupacionais mostra-se coerente com a de de cancelar a agenda, pois o modelo assisten-
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cial vigente ainda é predominantemente médico Tabela 1. Local de trabalho dos profissionais que atuam com
centrado, no qual são priorizadas as consultas in- apoio matricial, Campinas, 2013 e 2014.
dividuais em detrimento de outras atividades18,19.
Local de trabalho N° Percentual
Local de trabalho e Área de atuação profissionais %
das ações de Apoio Matricial Centro de Atenção Psicossocial 63 27
Sobre o local de trabalho a partir do qual são (CAPS) adulto
desenvolvidas ações de Apoio Matricial, descrito CAPS infantil 17 07
na Tabela 1, percebe-se uma variedade de servi- CAPS e Centro de Saúde (CS) 02 01
ços de saúde, indicando que, apesar da história Centro de Convivência 08 03
do Apoio em Campinas ter se iniciado por meio Centro de Referência em 12 05
de profissionais da saúde mental na Atenção Bá- Reabilitação
Centro de Especialidades 04 02
sica, essa estratégia para o trabalho, com o passar
Odontológicas
do tempo, foi se expandindo, demonstrando que Atenção Básica 81 35
é possível utilizá-la em várias áreas de saber es- Centro de Testagem (DST-AIDS) 04 02
pecializado. Laboratório Municipal 04 02
Observa-se que quanto maior o leque de es- NASF 06 03
pecialidades dialogando com as Equipes de Re- Policlínicas 11 04
ferência na Atenção Básica por meio do Apoio Projeto Gestão da Clínica* 02 01
Matricial, mais variada tem sido a troca de sabe- Serviço de Assistência Domiciliar 11 05
res, ampliando a possibilidade de essas equipes Hospital 07 03
oferecerem um cuidado pautado nas premissas Total 232 100
da Clínica Ampliada e da integralidade20. Nes- *
O termo “Gestão da Clínica” refere-se a uma modalidade de Apoio
se sentido, é importante a constatação de que a Matricial desenvolvido em Campinas, a partir do Projeto de Gestão da
metodologia do Apoio tenha sido incorporada Clínica, em que profissionais generalistas e/ou especialistas oferecem
retaguarda à Atenção Básica nos temas de organização da prática.
por outros serviços, além dos de saúde mental.
Entretanto, também traz para as equipes de Aten-
ção Básica o desafio de coordenar as ações e as
agendas de modo a contemplar essas diferentes
interlocuções.
Ainda no que diz respeito aos serviços a par-
tir dos quais se desenvolve o Apoio, interessa A predominância de serviços relacionados à
destacar que a maior parte dos profissionais que área da Saúde Mental (CAPS e Centros de Convi-
realiza Apoio Matricial não o efetiva a partir de vência) também fica evidente, ao considerar que
NASF. Isto se deve ao fato de que a gestão do SUS 156 profissionais (67%) que desenvolvem Apoio
de Campinas optou por não apostar na imple- Matricial pertencem a essas atividades.
mentação de uma rede de NASF. Esta decisão foi O predomínio do Apoio Matricial nos ser-
influenciada pela resistência dos próprios profis- viços de Saúde Mental, reafirma a trajetória
sionais ao novo modelo de NASF, uma vez que histórica de implementação desta estratégia no
já realizavam apoio matricial organizando-se em município e reflete também o protagonismo di-
grupos “temáticos”, de saúde mental, reabilitação ferenciado, identificado por outros estudos, dos
física, nutrição, entre outros. Vale ressaltar que profissionais dessa área na construção de novas
essas formas diversificadas de experiências de políticas e modelos de cuidado, inclusive, tam-
Apoio Matricial estão pautadas no protagonismo bém na utilização do Apoio Matricial enquan-
dos profissionais, no incentivo efetivo da gestão to metodologia para potencializar a articulação
municipal entre os anos de 2001 e 200421 e na da rede de saúde mental com a atenção bási-
proximidade com pesquisadores da Universidade ca3,18,19,22-24.
responsáveis pela formulação e divulgação dessa
metodologia de trabalho. Assim, quando o NASF Categoria 02 - Vinculação de trabalho
foi criado, em 2008 pelo Ministério da Saúde14, já ao SUS Campinas.
havia diversas equipes, a partir de distintos servi-
ços, que realizavam Apoio Matricial às equipes da Instituição empregadora
atenção primária, o que parece explicar a resis- O protagonismo do serviço Cândido Ferrei-
tência difusa à implementação do novo dispositi- ra (instituição filantrópica, que desde 1989 tem
vo recomendado pelo Ministério da Saúde. instituído um convenio de cogestão com a Secre-
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Castro CP et al.

taria Municipal de Saúde de Campinas) na Saúde de Apoio Matricial elegeram o SUS como local
Mental e, por extensão, no Apoio Matricial do prioritário para desenvolver seu trabalho. Alguns
município fica demonstrado quando se analisa a dos fatores que podem justificar essa escolha são:
frequência de apoiadores por instituição empre- remuneração compatível, presença de um plano
gadora. Constatou-se que 95 profissionais (41%) efetivo de cargos e carreiras e rede assistencial ro-
são contratados pelo Serviço de Saúde Cândido busta, contando com serviços em todos os níveis
Ferreira, ficando logo atrás da própria munici- de atenção, no sistema público.
palidade, que é a contratante de 128 (55%). Os Mesmo não sendo a maioria, percebe-se a
restantes (4%) são contratados pela Associação presença de um número significativo de profis-
Paulista para o Desenvolvimento da Medicina sionais que optam por manter um duplo vínculo.
que se configura em uma Organização Social de Os motivos dessa escolha são complexos e per-
Saúde, responsável pela gestão, desde junho de passam diversas questões econômicas, culturais e
2008, pelo Complexo Hospitalar Prefeito Edival- pessoais, que merecem ser investigadas por ou-
do Orsi. tras metodologias de estudo.
Apesar do caráter de cogestão firmado ini-
cialmente entre a Prefeitura de Campinas e o Processo seletivo e contratação
Cândido Ferreira numa tentativa de construção dos profissionais
compartilhada, de metas e diretrizes para o tra- Uma importante forma de se identificar o
balho, a presença desse complexo hospitalar, en- projeto político e a aposta de um município no
quanto maior empregador dos profissionais que Apoio Matricial se dá mediante a análise do pro-
desenvolvem o Apoio coincide com a diminuição cesso seletivo para ingresso e também o contrato
da administração direta do Estado em serviços de de trabalho proposto aos profissionais. Em Cam-
saúde, tal como ocorre na cidade de São Paulo25. pinas, foi possível constatar que não há processos
de seleção específicos para o Apoio Matricial e
Vínculos de trabalho que este tema não costuma ser requisitado nos
A questão do duplo vínculo também foi in- processos seletivos.
vestigada. Com isso, foi possível constatar que, Foi apontado por 193 profissionais (83%)
embora não seja a maioria, 100 profissionais que o processo seletivo incluía questões sobre
(43%) exercem outra atividade profissional fora saúde pública/saúde coletiva, mas apenas 74 de-
da rede municipal pública de saúde. les (32%) afirmaram que o processo incluía espe-
Dentre os profissionais que apresentam du- cificamente questões sobre Apoio Matricial.
plo vínculo de trabalho, 71 deles atuam em servi- A ausência do tema referente ao Apoio Ma-
ços privados, majoritariamente em consultórios tricial manteve-se durante o momento da apre-
particulares, mas também em hospitais privados. sentação do contrato de trabalho, visto que 117
Além desses, 19 profissionais atuam em hospitais profissionais (51%) não foram informados que o
públicos e outros 10 tanto em instituições públi- cargo incluía tais ações, o que sugere que somen-
cas quanto privadas. te após estarem alocados em seus locais de tra-
Segundo Heimann et al.26, existe tensão entre balho e desenvolvendo suas atividades é que esse
o projeto da Reforma Sanitária e o de parcerias tema surgiu. Esse descompasso pode trazer uma
público-privadas que se (re)inaugurou na década série de prejuízos, tais como: não adesão a esta
de 1990. Em virtude desta nova forma de gestão metodologia de trabalho; resistência dos profis-
no SUS, a relação que se desenha entre o público sionais em reorganizar sua agenda para utilizar
e o privado conforma um modelo de atenção à as ferramentas de matriciamento; conflitos entre
saúde dotado de um aspecto fragmentado, seg- profissionais e gestores locais, entre outros.
mentado, desigual e orientado pela lógica da pro- Também se mostra incoerente o fato de que
dutividade de procedimentos. Esta realidade foi no processo de contratação não foi exigida ex-
encontrada na organização do Apoio Matricial, periência prévia com Apoio Matricial ou Saúde
o que apontou para a necessidade de considerar Coletiva. Na presente pesquisa, 178 profissionais
o setor privado e sua relação com o SUS nesta (77%) mencionaram que não houve tal exigên-
investigação. cia. Com vistas a tais aspectos, considera-se de
Desta forma, pode-se compreender que a extrema importância incluir a experiência prévia
questão do duplo vínculo se configura em um dos com essa metodologia de trabalho em processos
efeitos da influência da relação público-privado de contratação para o Apoio, visto que a forma-
no cotidiano do SUS. Em Campinas, observou- ção acadêmica das profissões de saúde é pouco
se que os profissionais que desenvolvem ações articulada aos princípios do SUS, sendo muitas
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vezes insuficiente para os profissionais atuarem sobre a realização de Apoio Matricial e que a
como apoiadores22,24,27. maioria só contabilizou como hora dedicada ao
Apoio as reuniões de equipe e as ações educativas
Eixo II: Prática de Apoio Matricial junto às equipes apoiadas. Isso deixaria de fora
outras ações compartilhadas, como atendimen-
Categoria 03 - Organização do trabalho tos individuais, visitas domiciliares e realização
do Apoiador Matricial de grupos, que, segundo Chiaverini28, deveriam
constar como atividades ligadas ao Apoio. Por-
Ingresso nas atividades de apoio e tanto, entende-se que, neste formato, o potencial
quantidade de horas semanais dedicadas de plasticidade e resolutividade do Apoio ficaria
às atividades de apoio prejudicado e correria o risco de se tornar uma
De acordo com 153 profissionais (66%), a ação burocrática.
principal forma de ingresso nas atividades de É importante investigar mais profundamente
Apoio Matricial ocorre por meio de alguma for- essa informação, porque ela traz uma questão-
ma de acordo realizado dentro da própria equipe chave envolvendo o Apoio Matricial: o risco desta
onde trabalham e não de um processo efetuado metodologia para o trabalho em saúde se resumir
pelos gestores, a priori. Isso pode significar que a apenas a atividades realizadas junto às equipes
organização do trabalho segundo a metodologia apoiadas, excluindo-se o contato direto com os
de Apoio decorre da penetração desta estratégia usuários. Mesmo garantindo que o Apoio Matri-
de trabalho entre os profissionais e também da cial não se caracteriza como “porta de entrada”, a
tradição no SUS de Campinas de se procurar to- exclusão do usuário do processo de Apoio Matri-
mar decisões em espaços de cogestão. Segundo cial contradiz a recomendação proposta pelo Mi-
Bonfim et al.23, processos de cogestão são aponta- nistério da Saúde de que ações desenvolvidas pelo
dos como facilitadores da implantação adequada NASF têm dois principais públicos-alvo: as equi-
do Apoio Matricial. Isto pode explicar o porquê, pes de referência apoiadas e os usuários do SUS29.
mesmo com a indisposição da gestão central em
adotar o Apoio como diretriz oficial, os profissio- Composição das equipes de Apoio
nais que trabalham no município ainda conse- Matricial e quantidade de equipes
guem manter uma prática dialógica voltada para de referência apoiadas
democratização das relações interprofissionais. Sobre a composição quantitativa das equipes
No que se refere à análise das horas dedicadas de Apoio Matricial, fica evidente a sua natureza
ao Apoio Matricial e suas atividades em relação diversificada, sendo que 145 profissionais (62%)
ao total para que se foi contratado, observou-se relataram que atuam em equipes de composição
um dado preocupante: os regimes de trabalho reduzida (sozinho, 2 ou 3 profissionais). Essa
distribuem-se entre 12 e 36 horas semanais, sen- composição, com poucos profissionais em cada
do que a maioria realiza 36 horas semanais (108 equipe, corresponde ao modo de organização do
profissionais) ou 30 (86 profissionais). Apesar matriciamento em Saúde Mental, que é a área
disso, 118 (51%) profissionais dedicam ao Apoio prevalente de Apoio no Município. Em contra-
somente um período de até 4 horas/semana e partida, esta estratégia de organização com equi-
46 (20%) de 05 a 10 horas por semana para ao pe menores e por áreas de atuação diferencia-se
Apoio, o que corresponde a menos de um terço da recomendação do Ministério da Saúde para os
(10%) da carga horária total. NASF29.
Uma das hipóteses para explicar esse fato é Segundo Oliveira30 uma das condições orga-
que, como o Apoio Matricial não constitui uma nizacionais que ampliam muito as possibilidades
das diretrizes prioritárias para a organização do de sucesso e impacto do Apoio Matricial é a or-
processo de trabalho em Campinas, os profissio- ganização dos serviços que receberam apoio de
nais que desejam trabalhar com essa metodologia forma bem definida, definição clara da respon-
necessitam conciliar suas atividades ambulato- sabilidade territorial e populacional das equipes
riais dentro das especialidades com as de Apoio à de apoiadores, bem como dos serviços que con-
Atenção Básica. Consequentemente, pode haver a tarão com o mesmo. No município de Campi-
eventual interrupção das atividades de Apoio Ma- nas, a quantidade de equipes da atenção primá-
tricial, já que estas não estão garantidas enquanto ria apoiadas por cada profissional não segue um
atribuições contínuas na rotina dos profissionais. padrão único (Figura 2) e demonstra uma orga-
Outra hipótese seria a de que este dado in- nização heterogênea na adscrição dos serviços/
dicaria uma concepção restrita dos profissionais equipes que serão apoiadas.
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Castro CP et al.

1-3 109

4-8 50

9-18 9

1 distrito 30

mais de 1 distrito 12

indefinido 16

não respondeu 6

Figura 2. Quantidade de equipes de referência apoiadas segundo os profissionais investigados, Campinas, 2013 e
2014.

A maioria dos profissionais (69%) referiu aos casos imprevistos e urgentes que não podem
que apoia menos de nove equipes de referência o esperar a reunião regular2.
que está alinhado com o discurso oficial do Mi- No município de Campinas, as principais
nistério da Saúde em sua recomendação sobre a formas de acionar o apoio, em linhas gerais, se-
atuação do NASF29. guem os passos descritos acima, uma vez que 79
Entretanto, 30 profissionais (13%) afirma- profissionais (34%) referiram que a agenda do
ram apoiar toda a rede de um Distrito de Saú- apoio é construída mediante pacto entre Equipe
de (sendo que cada distrito tem no mínimo 10 e de Apoio Matricial e Equipe de Referência apoia-
no máximo 30 unidades de atenção primária) e da e ainda inclui a possibilidade de solicitação
12 profissionais (5%) relataram oferecer apoio a de apoio eventual pelas equipes apoiadas. Ob-
mais de um. Esses dados merecem atenção, pois, serva-se também que a construção da agenda é
segundo Hirdes31, há princípios profissionais influenciada por diversas instâncias, envolvendo
como a interdisciplinaridade, o vínculo, a inte- equipe de referência apoiada, equipe de Apoio e
gralidade do cuidado, a resolutividade, a acessibi- também, conforme mencionado por alguns res-
lidade e a longitudinalidade que dão sustentabili- pondentes, a participação da gestão local neste
dade às práticas de Apoio Matricial, e apoiar uma pacto, em diferentes arranjos conforme descritos
quantidade excessiva de equipes pode prejudicar na Tabela 2.
a instituição desses princípios e sua implantação Além das formas de acionar o Apoio Matri-
efetiva. cial, é igualmente importante considerar a defi-
nição de diretrizes de risco e de acesso aos espe-
Categoria 4: Práxis do apoio cialistas apoiadores3.
Contudo, verificou-se que apenas 129 profis-
Formas de acionar o Apoio Matricial sionais (56%) indicaram a existência de critérios
e critérios para discussão de caso para seleção dos casos que demandam discussão
com apoiador com Apoio Matricial. Destes profissionais que
reconheceram a existência de critérios, 90 refe-
Uma questão essencial para compreender a riram que a construção deles ocorre de forma
prática de Apoio Matricial refere-se às formas compartilhada, entre a equipe de Apoio e a equi-
pactuadas para acionar o suporte dos especialis- pe de referência; 32 disseram que a construção
tas apoiadores. Recomendam-se duas maneiras envolveu a equipe de Apoio Matricial e a gestão
para o estabelecimento de contato entre refe- local; 44 afirmaram que foram construídos pela
rências e apoiadores: a primeira seria mediante equipe de referência de forma independente; 10
combinação de encontros periódicos e regulares profissionais acreditam que foram construídos
em que se discutiriam casos clínicos selecionados pelos apoiadores somente; 12 alegam que foi a
pela equipe de saúde; e a segunda seria o suporte gestão que construiu independentemente os cri-
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Ciência & Saúde Coletiva, 21(5):1625-1636, 2016


térios; e apenas 6 não souberam dizer como os Ferramentas que são utilizadas
critérios foram construídos. nas ações de Apoio Matricial
A inexistência de critérios para seleção dos Na Figura 3, é possível visualizar as princi-
casos de Apoio Matricial indica que os proble- pais ferramentas utilizadas pelos profissionais do
mas e os casos a serem apoiados são definidos Apoio Matricial.
no momento da discussão dos mesmos por meio A figura indica que os profissionais de Apoio
de contratos gerados entre os próprios profis- Matricial laçam mão de diversas ferramentas
sionais. Contudo, este padrão de indefinição do para o desenvolvimento de suas atividades, con-
papel de Apoio, combinado com grande número templando quase a totalidade dos instrumentos
profissionais que o oferecem a demasiadas equi- recomendados pelas diretrizes do NASF32, Hu-
pes, prejudicando a territorialização e o vínculo, manizaSus - Equipe de referência e Apoio Matri-
e ainda ao reduzido número de carga horária cial10 e guia prático de matriciamento em saúde
semanal dedicada, confirmam a importância da mental28, excetuando-se apenas pela construção
gestão na construção de critérios para balizar as do genograma e do ecomapa que não apareceram
ações desenvolvidas pela rede de apoiadores. nas respostas. Importante lembrar que quanto

Tabela 2. Principais formas de acionar o apoio segundo os profissionais, Campinas, 2013 e 2014.
Formas de acionar N° Percentual
o apoio profissionais %
Agenda definida exclusivamente pelos gestores 08 03
Agenda pactuada entre Apoio Matricial e Equipes de Referência 47 20
Solicitação eventual de Apoio pela Equipe de Referência 44 19
Agenda definida pelo gestor e solicitação de apoio eventual pela Equipe de Referência 15 06
Agenda pactuada entre Apoio Matricial e Equipes de Referência e solicitação eventual 79 34
de Apoio
Definida pela gestão e pactuada entre Apoio Matricial e Equipes de Referência 07 03
Todas as anteriores 26 11
Outros 02 01
Não respondeu 04 02
Total 232 100

Discussão de caso 215

Construção de PTS 172

Intervenções conjuntas 183

Assistência direta 148

Atividades de formação para E.R. 113

Tele Apoio 112

Projetos intersetoriais 107

Outros 12

Não respondeu 5

Figura 3. Distribuição dos respondentes (n = 232) sobre as ferramentas utilizadas no Apoio Matricial em
Campinas, 2013 e 2014.
1634
Castro CP et al.

maior a diversidade de ofertas dos Apoiadores, espaço de supervisão, que permite a participação
mais resolutivas tendem a ser as ações junto à de analistas externos, é possível refletir sobre a
Atenção Básica, ajudando a diminuir as resistên- prática, as angústias, as tensões e os demais temas
cias das Equipes de Referência em relação a este emergentes no cotidiano2.
tipo de metodologia2.
Entretanto, é curioso notar que a assistência
direta aos usuários foi marcada como ferramenta Considerações Finais
de apoio, mas não foi considerada enquanto tal
no momento da computação dos profissionais O presente artigo, conforme explicitado, apresen-
sobre as horas que dedicam ao Apoio, o que re- tou como questão central a manutenção do Apo-
força a necessidade de investigações de caráter io Matricial em Campinas, município pioneiro
qualitativo sobre esta questão. A partir do instru- na utilização desta metodologia de trabalho.
mento quantitativo utilizado foi possível iden- Nesse sentido, mais do que avaliar as práticas de
tificar a frequência e a regularidade com que os Apoio, teve como objetivo caracterizar o modo
profissionais utilizam as várias ferramentas. Se- como elas têm sido desenvolvidas atualmente.
ria, entretanto, recomendável investigar de que Mediante esse empenho, foi possível com-
modo essas ferramentas são utilizadas: se man- preender que o Apoio Matricial ocorre de modo
têm o caráter dialógico e a lógica da correspon- bastante heterogêneo no município, mas que,
sabilização propostas pelo Apoio Matricial ou se após vinte anos de sua implantação em Campi-
ainda são efetuadas de modo fragmentado e me- nas, logrou importante grau de consolidação.
ramente burocrático19. A sobrevivência do Apoio Matricial, a des-
peito da gestão municipal não o ter adotado
Avaliação das ações de Apoio Matricial como diretriz de governo para a organização do
e supervisão trabalho em saúde, seja sob a forma de equipes
temáticas ou sob a modalidade NASF, durante os
Por fim, para compreender a possibilidade de últimos dez anos, merece destaque.
manutenção da cultura de realização do Apoio Permanecer cultivando o Apoio Matricial en-
Matricial, é importante verificar a existência de quanto elemento da cultura institucional, apesar
avaliação das ações desenvolvidas e também de dessas dificuldades políticas, ressalta o caráter de
espaços regulares de supervisão clínico-institu- protagonismo dos profissionais tanto no inicio
cional desses profissionais, que serviriam como da implementação desta estratégia quanto no
dispositivos de divulgação dos pressupostos ine- momento do estudo, quando 232 profissionais,
rentes à referida metodologia de trabalho. que compuseram nosso universo de pesquisa, se
Todavia, segundo a afirmação de 157 pro- autodeclararam como apoiadores. Tal afirmação
fissionais (68%), não existe nenhuma avaliação identifica uma aposta, quase unilateral, dos mes-
formal ou informal das atividades de Apoio Ma- mos, no Apoio Matricial, e confirma a existência
tricial desenvolvidas em Campinas. Também se de uma determinada convicção de que esta me-
identificou que 179 profissionais (77%) não re- todologia contribui para potencializar a integra-
cebem supervisão ou outro tipo de apoio para lidade do cuidado e a resolutividade da Atenção
suporte e fortalecimento de suas ações. Básica, e também do SUS.
Esta ausência precisa ser superada, de modo a Observou-se que Campinas diferencia-se
possibilitar a análise sobre o Apoio Matricial e a dos demais municípios e da proposta ministerial
realimentação de sua potencialidade de transfor- NASF13 pela variedade de categorias profissionais
mar as práticas hegemônicas3. e de locais de trabalho a partir dos quais se realiza
Arona33 ressalta a importância de criação de Apoio Matricial. Embora esta diversidade aponte
formas de avaliação das atividades de maneira para uma progressiva inclusão de outras especia-
participativa, com base na cogestão, para se avan- lidades, expandido as possibilidades de utilização
çar na consolidação do Apoio Matricial. do Apoio para outros contextos, a pesquisa reve-
Além disso, tais espaços poderiam se confi- lou que se mantém a concentração dessas ativi-
gurar enquanto arranjos potentes para garantir a dades na área da Saúde Mental, a qual historica-
formação de apoiadores. Pois, formação não sig- mente, no Município, foi a pioneira na realização
nifica apontar modelos políticos e/ou pedagógi- do que se poderia chamar de protótipo.
cos ideais, abstratos e dissociados do processo de A partir da experiência relatada neste artigo,
trabalho, mas suscitar reflexões sobre o cotidiano torna-se possível listar alguns pontos que podem
de trabalho junto às equipes e aos usuários. No auxiliar na implementação e consolidação da
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Ciência & Saúde Coletiva, 21(5):1625-1636, 2016


prática do Apoio em outros municípios. Podem A identificação dessas fragilidades aponta para
ser considerados como pontos fortes para a cons- a necessidade de se analisar não apenas o contex-
trução das ações de matriciamento: flexibilidade to de implantação do Apoio, mas também de sua
para composição de equipes de Apoio que extra- constante reformulação. Sua plasticidade torna-
polem o formato do NASF e possam ser organi- se fundamental para que o Apoio possa efetivar a
zadas como equipes temáticas compatíveis com superação desses desafios, sem comprometer sua
as necessidades do território; garantia de carga essência e sem deixar de atender às singularidades
horária para o desenvolvimento de ações conti- das demandas das Equipes de Referência para o
nuas de Apoio Matricial; possibilidade de cons- aumento da resolutividade da Atenção Básica.
trução compartilhada das diretrizes de trabalho; Por fim, este estudo demonstrou a necessida-
utilização de múltiplas ferramentas no contato de de novas investigações, de caráter qualitativo,
com as equipes apoiadas e usuários; garantir a envolvendo a percepção dos profissionais sobre
existência de espaços de reflexão sobre a prática e as atividades de assistência direta aos usuários
de avaliação das ações desenvolvidas. com corresponsabilização pelos casos e pelo
No entanto, o estudo aponta como pontos território e também estudos que possibilitem
frágeis e que parecem ir na contramão do desen- pensar em processos de avaliação que envolvam
volvimento do Apoio e merecem atenção para gestores, profissionais e usuários. A construção
que não venham impedir a continuidade da uti- deste tipo de conhecimento tende a fortalecer a
lização da metodologia: a reduzida carga horária implementação e a consolidação do Apoio Ma-
dedicada e o elevado número de equipes apoia- tricial, não apenas em Campinas, mas em todo o
das para cada equipe de Apoio. território nacional.

Colaboradores Referências

CP Castro e MM Oliveira trabalharam na con- 1. Campos GWS. Equipes de referência e apoio especiali-
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1636
Castro CP et al.

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do 2015 ago 15]. Disponível em: http://www.campinas. Aprovado em 30/11/2015
sp.gov.br Versão final apresentada em 02/12/2015

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