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https://doi.org/10.54257/2965-0585.v3.i2.

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Artigo de Revisão

Entraves e benefícios na elaboração de uma sistematização da


assistência de enfermagem, sob a percepção dos enfermeiros

Barriers and benefits in developing a nursing care systematization,


as perceived by nurses

Kilvia Kelly Gomes de Vasconcelos

Mestra pela Universidade Estadual do Ceará e Enfermeira do Hospital e Maternidade José Martiniano e Alencar – Fortaleza - Ceará

Artigo submetido em: 12/01/2023


Artigo aceito em: 18/04/2023
Conflitos de interesse: Não há.

RESUMO
O processo de enfermagem faz parte da Sistematização da Assistência de Enfermagem, é uma ferramenta de
gestão de cuidados, que se organiza de modo sistemático e norteia a tomada de decisão diagnóstica, resulta-
dos e intervenção dos pacientes. Este estudo objetivou identificar os obstáculos na elaboração de uma Siste-
matização da Assistência de Enfermagem, sob a percepção dos enfermeiros. Trata-se de revisão integrativa de
literatura que efetuou a síntese do conhecimento e o agrupamento por similaridades em categorias temáticas.
Os resultados apontaram as categorias: implantação/implementação da Sistematização da Assistência de En-
fermagem: Dificuldades Associados à Prática da SAE e, Benefícios/Fatores Determinantes para a Implantação/
Implementação da Sistematização da Assistência de Enfermagem. Esta foi entendida como atividade que pos-
sibilita o conhecimento teórico do enfermeiro, que o torna capaz de compreender e aplicar corretamente os
conceitos das teorias da enfermagem, e fundamentar suas avaliações, decisões e intervenções. Portanto, se faz
necessário o aprofundamento de estudos e de compartilhamento de experiências sobre as etapas que consti-
tuem esse processo de sistematização nas diversas instituições hospitalares brasileiras.
Palavras-chave: processos de enfermagem; planejamento de assistência ao paciente; cuidados de enfermagem.

ABSTRACT
The nursing process is part of the Systematization of Nursing Care, it is a care management tool, which is orga-
nized in a systematic way and guides the diagnostic decision making, results and intervention of the patients.
This study aimed to identify obstacles in the elaboration of a Systematization of Nursing Care, under the per-
ception of nurses. It is an integrative literature review that carried out the synthesis of knowledge and grouping
by similarities in thematic categories. The results indicated the categories: implementation / implementation
of the Nursing Assistance Systematization: Difficulties Associated with the SAE Practice and, Determining Be-
nefits / Factors for the Implementation / Implementation of the Nursing Assistance Systematization. This was
understood as an activity that enables the theoretical knowledge of nurses, which enables them to understand
and apply correctly the concepts of nursing theories, and to base their evaluations, decisions and interventions.
Therefore, it is necessary to deepen studies and share experiences about the stages that constitute this process
of systematization in the various Brazilian hospitals.
Keywords: nursing process; patient care planning; human resources.

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Entraves e benefícios na elaboração de uma sistematização da assistência de enfermagem, sob a percepção
dos enfermeiros

INTRODUÇÃO instituição, e que esse processo gera diversidade


de experiências, baseadas nas singularidades e
A enfermagem estuda a prática assistencial demandas específicas de cada local. Desse modo,
embasada no conhecimento científico desde os re- a identificação e saneamento das lacunas que difi-
motos tempos de Florence Nightingale. O processo cultam a adequada operacionalização da SAE pela
de enfermagem (PE) é considerado um dos marcos equipe de enfermagem contribui para a avaliação e
do desenvolvimento científico e um instrumento evolução diária do paciente.
utilizado para as ações de cuidado e auxílio aos en- A implantação da SAE, além de se valorizar a
fermeiros, na percepção de problemas de saúde, profissão de enfermagem, pode-se barganhar sub-
planejamento e implementação das ações e, poste- sídios para as reivindicações como aumento de pes-
riormente, avaliação dos resultados.¹ soal e qualificação do processo de trabalho.⁴
No Brasil o estudo do PE foi introduzido pela Embora o foco principal seja o cuidado da en-
enfermeira Wanda Horta, e das suas reflexões se fermagem contínuo e documentado na instituição,
originou a teoria de Necessidades Humanas Bá- é relevante, também, a intenção da melhoria da
sicas. O modelo do PE proposto por Horta é com- assistência de enfermagem em todo o Brasil, ao se
posto por seis etapas: Histórico de Enfermagem, avaliar que o modelo de organização dos serviços
Diagnóstico de Enfermagem, Plano Assistencial, de enfermagem é item fundamental para a com-
Prescrição de Enfermagem, Evolução de Enferma- preensão da multidimensionalidade do cuidado aos
gem e Prognóstico.² pacientes no atendimento de suas necessidades.¹
Como instrumento metodológico que orienta o O enfermeiro, ao efetuar o cuidado necessita
cuidado profissional documentado, o PE faz parte da aliar bases sólidas de conhecimento a um saber es-
Sistematização da Assistência de Enfermagem (SAE). pecífico da profissão e, demonstrar responsabilida-
Portanto, a SAE potencializa-se pelo conhecimento de profissional e conhecimentos éticos para, assim,
teórico do enfermeiro das etapas do PE bem como do ter sua prática reconhecida como autônoma.⁶
seu comprometimento com a assistência a ser pres- A pergunta norteadora desta pesquisa foi:
tada; de maneira integral, contínua e documentada, Quais as principais dificuldades na elaboração e
o que possibilita melhorias contínuas na qualidade prescrição de uma SAE que atenda especificamen-
dessa assistência.³ A SAE organiza o trabalho profis- te as demandas de pacientes de clínicas médicas e
sional, englobando o referencial metodológico (PE), cirúrgicas? O objetivo principal do estudo consistiu
a equipe e os instrumentos utilizados pela mesma, e em: identificar os principais entraves, do ponto de
tornando possível a operacionalização desse PE.⁴ vista dos enfermeiros, para a elaboração de uma
A Resolução do Conselho Federal de Enfer- SAE eficiente e prática, que atenda as demandas da
magem (COFEN) no358/2009, estabelece que toda instituição em questão.
instituição de saúde que presta cuidado profissio- A SAE, como metodologia organizacional do
nal de enfermagem deve utilizar a SAE, permitindo cuidado, é capaz de oferecer cuidado integral, ain-
implementar na prática assistencial seus conheci- da que deficiente na prática laboral. Além disso,
mentos técnico-científicos e de humanização.⁵ possibilita processos interativos e resolutivos, pela
A SAE, atualmente constitui-se objeto de pre- capacidade de integrar diferentes elementos que
ocupação de enfermeiros e instituições, de ensino, compõem o todo.⁴
de pesquisa ou assistência. Cresce o interesse e o
envolvimento em implementar a SAE nas diversas MÉTODO
instituições de saúde, mas as constantes modifica-
ções requeridas na sua execução evidenciam avan- Trata-se de pesquisa uma revisão integrativa.
ços e retrocessos, simultaneamente.¹ Os critérios de inclusão utilizados na busca e seleção
O interesse pela revisão integrativa sobre a dos estudos foram: pesquisas que contemplavam a
temática SAE surgiu pelo fato de que a sistemati- temática da sistematização da assistência de enfer-
zação da assistência deve ser implantada em toda magem; que foram disponibilizados integralmente

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on-line, sem restrições de acessibilidade; publica- conclusões gerais a respeito de uma área particu-
dos em idioma português e/ou inglês, no período lar.¹ No quadro abaixo exibimos as bases de dados
de 2011 a 2018; indexados nas Bases de dados de utilizadas, bem como as equações de busca por
enfermagem (BDENF), Pubmed (National Library of artigos relacionados ao tema abordado:
Medicine) e Scientific Electronic Library Online (SciE-
LO). Os critérios de exclusão foram artigos duplica- Quadro 2 - Bases utilizadas pala pesquisa
dos, publicações classificadas como editorial, cartas, Equação de busca: Assistência AND sistematização AND
nursing AND nursing process Processo
teses, manuais e protocolos, bem como artigos que de enfermagem AND sistematização
não estavam de acordo com a temática. AND assistência
Para obtenção da amostra da revisão integra- Base de Dados: BDEnf PUBmed Scielo
tiva foram cruzados descritores e palavras nas três Artigos encontrados: 21 41 14
bases de dados supracitados. Para sumarização das Artigos selecionados: 7 0 7
publicações, utilizou-se um instrumento no qual fo- Fonte: Elaborado pela autora.
ram extraídos dados, com o intuito de criar um ban-
co de dados que auxiliasse a atingir o objetivo deste Na Pubmed, não foram encontrados docu-
estudo, obtendo-se os resultados explicitados na mentos com as estratégias de busca utilizadas para
sessão abaixo. as outras duas bases, sobre os aspectos ligados ao
Para elaboração da pergunta norteadora, foi conhecimento, considerando as variáveis: resulta-
utilizada a estratégia PICO, uma abreviação para: Pa- dos e conclusões, sendo necessário ajustar o mé-
ciente, Intervenção, Comparação e Outcomes (des- todo de pesquisa.
fecho). Desta estratégia, localizamos os descritores Após essa etapa, seguindo os seis passos da
de saúde, encontrados no Decs, que embasaram a revisão integrativa, foram definidas informações a
pesquisa dos artigos da revisão integrativa. Os des- serem extraídas dos estudos acima selecionados:
critores, também são utilizados para refinar, expan- título, autor principal, ano/base de dados, objeti-
dir e enriquecer a pesquisa, contribuindo para a bus- vos e metodologia. O revisor tem como objetivo
ca de resultados mais apurados.⁷ nessa etapa, organizar e sumarizar as informações
Podemos visualizar a referida estratégia no de maneira concisa, formando um banco de dados
quadro abaixo: de fácil acesso e manejo.¹
Os artigos selecionados também passaram por
Quadro 1 - Estrutura PICO uma avaliação de qualidade metodológica, utilizan-
P I C O do instrumentos de avaliação propostos por Joanna
Enfermeiros Entraves para Uma SAE Briggs Institute.⁹ Para esse processo foi utilizada a
da assistência sistemati- eficiente e
zação da pratica para
classificação por nível de evidência (NE), conforme
assistência as demandas validade e confiabilidade. Utilizamos um instrumen-
da instituição to baseado na Rating System for the Hierarchy of
DESCRITORES “Enfermeiros” “sistematiza- Sistematiza- Evidence for Intervention/ Treatment Question, que
DA AND ção da assis- ção da assis-
classificaram os estudos nos seguintes níveis:
SAÚDE “nurses” tência” OR tência AND
“systema- “processo
tization of de enferma- NE 1 - revisões sistemáticas ou metanálises de
assistance” gem” OR ensaios clínicos randomizados relevantes:
“assistência” “nursing NE 2- um ou mais ensaios clínicos randomizados;
OR “care” process”
NE 3- ensaios clínicos controlados sem randomização;
Fonte: Elaborado pela autora NE 4 - casos – controle e estudos de coorte;
NE 5 - revisões sistemáticas de estudos descriti-
Além de apontar lacunas do conhecimento vos e estudos qualitativos;
que precisam ser preenchidas com a realização de NE 6 - evidência de um único estudo descritivo
novos estudos, a revisão integrativa permite a sín- ou qualitativo;
tese de múltiplos estudos publicados e possibilita NE 7 - relatório de opiniões de especialistas.

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dos enfermeiros

A síntese de dados foi feita com os textos que aplicabilidade em um desafio.⁴ A estabilidade e a re-
obtiverem nota satisfatória na avaliação de qualida- gularidade existentes no fazer em Enfermagem sofrem
de metodológica. Foi realizada uma análise textual uma grande desestabilização e agitação com a SAE. A
qualitativa. A síntese dos resultados de pesquisas zona de conforto precisa ser deixada para sofrer gran-
relevantes e reconhecidas facilitam a incorporação des transformações e formar, assim uma nova organiza-
de evidências, resultando numa transferência ágil ção para o ser e fazer em Enfermagem.
de conhecimento novo para a prática.¹ Atividades como: excesso de trabalho do en-
fermeiro, falta de tempo e conhecimento, referen-
RESULTADOS cial teórico inadequado, falta de computadores e
consequente não informatização do histórico de
A releitura dos resultados e das considera- enfermagem, não cumprimento das prescrições de
ções finais dos artigos selecionados, permitiram enfermagem e nem utilização de taxonomia diag-
definir duas categorias para a implantação/imple- nóstica, etapas incompletas do PE.⁸
mentação da Sistematização da Assistência de En- Apesar de os sujeitos considerarem que a
fermagem: Dificuldades Associados à Prática da SAE SAE tem relação com a gerência do cuidado, não
e Benefícios/Fatores Determinantes para a Implan- se pode afirmar que ela esteja sendo usada. Embo-
tação/Implementação da SAE. ra existam dificuldades na implementação da SAE
É notório para que os esforços dos enfermei- como um instrumento para o processo de trabalho,
ros para desenvolver uma prática profissional au- a integração entre o cuidar e o administrar ficara
tônoma, consciente das necessidades de mudan- mais evidenciado se as atividades assistenciais se
ças do seu agir profissional.⁶ Entre essas, cita-se articularem as gerenciais.10
a necessidade de aprofundamento e utilização do A falta de informatização das etapas do proces-
conhecimento científico em busca de ações mais so de enfermagem, e/ou a falta de manuscritos para
amplas, tendo em vista que o cuidado não exige fazê-la se quando necessário também foram apon-
apenas técnicas e procedimentos junto ao paciente. tadas como fator complicador na execução da SAE.8
A identificação da percepção e utilização das Esta situação indica a necessidade de efetivar me-
etapas do processo de enfermagem, pelos enfer- lhorias no sistema operacional, bem como no treina-
meiros, no cotidiano do cuidar e as dificuldades e fa- mento dos enfermeiros sobre sua operacionalização
cilidades encontradas para sua implementação são e desenvolvimento dos sistemas hospitalares.
fundamentais para propor soluções com o propósi- Foi observado na prática que, mesmo os en-
to de aprimorar esta metodologia de trabalho, visto fermeiros sendo experientes em sistematização, aca-
que a intenção é sempre aumentar a qualidade da bam por não adotá-la como ferramenta de trabalho,
assistência, beneficiando o paciente internado, ele- em razão dos inúmeros problemas corriqueiros da
vando o desempenho profissional neste processo.⁸ rotina diária de muitas instituições como: alta de-
Os enfermeiros percebem a SAE como um manda de clientes, falta de recursos humanos treina-
método de abordagem sistemático e dinâmico, que dos e de recursos materiais adequados para realiza-
além de ser capaz de identificar problemas poten- ção de procedimentos, ausência de um instrumento
ciais ou reais, fornece subsídios para um plano de adequado, sobrecarga de trabalho, entre outros.11
cuidados personalizado, voltado para as necessida- Foi relatado, ainda sobre as dificuldades, que
des individuais de cada paciente, partindo das fases os resultados são semelhantes a outros estudos: re-
do processo de enfermagem.⁹ cursos humanos insuficientes, sobrecarga de traba-
lho, produção de uma SAE ilusória que não viabiliza
1. Dificuldades Associados à Prática da SAE o exercício profissional, falta de envolvimento e/ou
Alguns empecilhos na implementação da SAE conhecimento da equipe.8
são resultantes de sentimentos de desconforto e inse- Durante a troca de experiências, pesquisas
gurança advindos pelo processo de desconstrução e re- apontaram a dificuldade de tomada de decisão como
construção causados pela mesma, transformando sua nó crítico para todos os participantes.12 Apesar de

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dos enfermeiros

que a identificação de problemas situacionais serem enfermeiros).⁷ Além disso, ressaltaram a falta de
uma habilidade que o enfermeiro desenvolve com capacitação específica, principalmente para a reali-
mais facilidade, decidir sobre as ações necessárias zação do exame físico. Uma parte dos enfermeiros
para resolver essas situações exige um amplo conhe- também relata a falta de domínio para a realização
cimento técnico-científico, além de vivência profissio- do diagnóstico de enfermagem.
nal. A SAE, nesse contexto, surgiu como possibilidade A impotência de operacionalizar a SAE, me-
de minimizar essa limitação, tendo em vista que pos- diante os sinalizadores que contribuem com a sua
sibilita uma organização das atividades cotidianas e desvalorização como: déficit de recursos humanos,
favorece a identificação de ações resolutivas durante sobrecarga de trabalho, desvalorização da SAE por
o processo de tomada de decisão. profissionais de nível médio e impressos inadequa-
Foi relatado ainda que no entanto, é neces- dos para o registro, além de sentimento de des-
sária a aprimorar a utilização da SAE efetivamente valorização, faz com que auxiliares e técnicos de
na gestão do cuidado, pois alguns instrumentos que enfermagem acreditem que é possível cuidar sem
servem de alicerces à SAE para a tomada de decisão, o planejamento.13 A coerência da sistematização
como: os de classificação do grau de assistência, de se rompe quando o enfermeiro deixa de realizar a
dimensionamento de pessoal, gestão de materiais, SAE. Faz-se necessário o sentido para o processo
ainda não estão presentes.⁸ de trabalho; caso ele não exista, cada trabalhador
A consciência da dificuldade no processo de não reconhecerá a importância do mesmo.
tomada de decisão pautado na SAE, levantou o Ainda sobre a efetivação do processo de to-
questionamento sobre a valorização do enfermei- mada de decisão e os fatores que interferem nega-
ro pela equipe multiprofissional, pois, as dificulda- tivamente sobre a mesma temos: as dificuldades
des na compreensão e utilização de alguns dos seus atribuídas à inexperiência profissional ou, especifi-
instrumentos de trabalho contribui negativamente camente, à assistência de enfermagem nos cuida-
para sua imagem profissional e valorização pelos de- dos críticos.12 Esses constituem obstáculos para a
mais profissionais da equipe.12 utilização da SAE, ou a articulação do conhecimen-
É notório que o profissional que conhece o to necessário para o cuidado de enfermagem e seu
processo de enfermagem e compreende a impor- relacionamento com a equipe multiprofissional.
tância da aplicação da SAE, demonstra interesse à Referiram-se a um movimento entre técni-
sua aplicação diária, porém, as condições laborativas cos/auxiliares que retrocede a funcionalidade da
atuais, bem como a administração dos serviços, não assistência de enfermagem, com acreditação so-
contribuem para que a mesma se torne realidade.11 mente na prescrição médica, resultando numa não
Com o tempo, os enfermeiros vão apresentan- validação da SAE também como uma forma de en-
do um sentimento de frustração com a falta de apoio frentamento do enfermeiro, consequente a sobre-
institucional no processo de trabalho e consequen- carga de trabalho induzida pelo déficit de recursos
te falta de visibilidade da equipe de enfermagem, humanos na Instituição.13
cujo determinante principal é o déficit de recursos
humanos na área.13 O sentimento de impotência e 2. Benefícios/Fatores Determinantes
sofrimento psíquico de não conseguir realizar umas no processo de Implantação da SAE
sistematização em sua plenitude, associado ao senti-
mento de culpa gerado pela própria instituição, con- A análise dos artigos trouxe bastante clareza
duz a crença de estar produzindo uma SAE ilusória. não somente sobre as dificuldades relatadas pelos
Foram apontadas as justificativas presentes profissionais, mas os benefícios ao serviço hospi-
em grande parte dos estudos como: à escassez de talar e ao de enfermagem mais especificamente.
recursos humanos, à alta rotatividade de profissio- Os enfermeiros são uníssonos quanto às vantagens
nais de enfermagem, ao excesso de atividades ad- tanto para o cliente que recebe o cuidado sistema-
ministrativas do enfermeiro, à resistência da equi- tizado quanto para a equipe que obtém resultados
pe de saúde (como um todo, incluindo os próprios claros da qualidade da assistência prestada.

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dos enfermeiros

Conseguiram sumarizar os benefícios sob di- de competências generalistas, fato determinante


versos olhares: para o paciente a qualidade da assis- para a deficiência de algumas fases do processo de
tência prestada pela equipe de enfermagem que pos- enfermagem e que torna necessária a busca por co-
sui autonomia, tendo em vista que a participação do nhecimentos específicos para ás áreas de atuação,
mesmo no seu cuidado individualizado é uma prer- tão logo se inicia a vida profissional.12
rogativa da SAE; para a profissão, aplicar seus conhe- Com a utilização da SAE, se asseguram além
cimentos e conquistar o reconhecimento pela quali- de benefícios diretos ao cliente, como maior qua-
dade do cuidado; para a instituição, na quantificação lidade no atendimento, mas também os benefícios
dos serviços de assistência, controle de custos e faci- voltados à instituição, como diminuição de gastos
litar a auditoria, além de promover o alcance das me- e o tempo desperdiçado por desorganização.⁹ Con-
tas de qualidade.14 Permite ainda a implementação tinuidade da assistência, maior reconhecimento da
de ações, avaliação de resultados e modificação nas profissão e consequente satisfação profissional, são
intervenções, favorecendo a obtenção dos resultados benefícios conquistados pelos profissionais.
esperados. Além de todos esses, temos a importân- Foi ressaltado como fator determinante a filo-
cia da Formação e Educação Permanente que apon- sofia da Instituição e seus conselhos gestores esta-
ta para a importância do conhecimento teórico e do rem alinhados nos objetivo de operacionalizar uma
Processo de Enfermagem como fator facilitador da política de educação permanente, para que a SAE,
implantação e implementação da SAE. enquanto instrumento metodológico possa atingir
Para o enfermeiro exercitar o cuidado, para os benefícios a que se propõe.13 Assim, em proces-
que sua prática seja reconhecida como autônoma, so reflexivo e contínuo há a possibilidade de que os
necessita desenvolvê-lo com bases sólidas de co- gestores, juntamente com a equipe médica e de en-
nhecimento, aliado a um saber específico da profis- fermagem e demais profissionais da saúde apreen-
são.6 Responsabilidade profissional, conhecimen- dessem o real conceito da SAE e sua correlação com
tos éticos e capacidade de ação em conformidade o processo de cuidar.
com a Lei do Exercício Profissional de Enfermagem, Foram recomendadas estratégias, como pon-
são imprescindíveis. to de partida, que possibilitam feedback às gerên-
A corresponsabilidade, junto aos enfermeiros, cias dos serviços de enfermagem, a saber: organi-
da gerência, das chefias, supervisão e da própria zação de grupos de estudos sobre a SAE e das fases
instituição foram apontados, em diversos artigos, processos de enfermagem como um todo, articulan-
como fator determinante à implantação da SAE, do cientificamente seus saberes com a gerência do
nesse processo.14 A estrutura e a cultura organiza- cuidado; realização de oficinas com as equipes para
cional são fatores influenciadores da aplicabilidade elaborar um projeto de modificação do impresso da
da mesma. Desse modo, o papel da gerência de en- SAE utilizado se e quando necessário, avaliando o
fermagem e o seu real interesse ficam evidenciados perfil da clientela assistida; construir e avaliar em
para se dar viabilidade ao processo, exercendo lide- conjunto, com a participação de todos o impresso,
rança e estimulando sua realização. visando à elaboração de um instrumento que fun-
Para o hospital, se a SAE for implantada roti- cione e atenda às necessidades também da equipe;
neiramente, trará um ganho enorme para a enfer- instituir esse impresso e fazer o acompanhamento
magem.³ A unificação da linguagem da equipe e a da implementação, sem perder de vista o processo;
autonomia do enfermeiro serão consequências da e, por fim, elaborar e implementar um projeto de
organização do trabalho e da assistência sistemati- treinamento e capacitação em metodologia da as-
zada do paciente, promovidos pela SAE. sistência e execução da SAE.10
Na medida em que o diálogo foi se desenvol- Cada instituição hospitalar apresenta caracte-
vendo, observaram que os enfermeiros refletiram rísticas específicas no que diz respeito às facilidades e
sobre a responsabilidade individual no processo de desafios para a operacionalização da SAE, e essas de-
construção do conhecimento, ressaltando que, du- vem ser analisadas pelos enfermeiros, a fim de que o
rante a formação acadêmica, há o desenvolvimento instrumento de sistematização da assistência atenda

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dos enfermeiros

as necessidades reais da clientela assistida e estabele- concretizar o crescimento de toda a equipe, res-
ça metas possíveis de serem alcançadas pela equipe.13 saltando a importância da colaboração dos mes-
Executar a SAE requer dos profissionais de en- mos em cada ação do cuidado.10
fermagem um “redescobrimento”, um novo olhar no
seu papel junto ao paciente.14 Realização de ações CONCLUSÃO
com compromisso ético, moral e com responsabili-
dade, independente dos desafios impostos pelo co- A implantação da sistematização da assistên-
tidiano na atuação profissional, contribui para uma cia, desde a elaboração do seu instrumento até a
prática autônoma. Não se permitir atingir pela vulne- validação e implementação do mesmo, na rotina
rabilidade que a burocracia diária da rotina propor- dos enfermeiros, passa por percalços de adapta-
ciona, tornando a realização de suas atividades sem ção a nova rotina, a todos os membros da equipe
estimulo e motivação, e muitas vezes, mecanizada. de enfermagem e esse fato é bastante destacado
Apontados como vantagens sobre a imple- nos estudos. Em contrapartida, a importância e a
mentação da SAE: aperfeiçoamento e qualificação relevância para a profissão, em instituições que
da assistência de enfermagem; contribuir para a já incorporaram a SAE nas atividades assistenciais
evolução científica; promover o reconhecimento e perpassa as dificuldades relatadas.
autonomia da profissão; oferecer subsídios para o Em 100% dos estudos, analisados em pes-
planejamento da assistência e do cuidado individua- quisas anteriories, constataram uma consonância
lizado; continuidade e melhores registros documen- a respeito da sistematização da assistência de en-
tais na prestação de serviço; maior proximidade do fermagem constituir-se em um instrumento pri-
enfermeiro com o paciente; aumentar a autoestima mordial no trabalho do enfermeiro, que aumentar
profissional; dar maior visibilidade às falhas como a visualização da prática e viabilizar a valorização
também aos resultados positivos e avanços alcança- da enfermagem e do seu fazer, simultaneamente.17
dos com o projeto.⁹ A urgência em investir em mais estudos
Com relação a sistematização do cuidado ao acerca da temática visando cada vez mais o co-
paciente no perioperatório, mostraram que a essa nhecimento das instituições de saúde brasileiras,
implementação permite ao enfermeiro interagir no o aperfeiçoamento dos processos assistenciais, re-
processo como um todo e planejar o cuidado de sultando em maior qualidade da assistência e con-
acordo com as necessidades específicas de cada pa- sequentemente o bem-estar físico, mental e social
ciente/procedimento cirúrgico, visando à qualidade da coletividade.11
do cuidado prestado, focado em um processo cientí- Nesse sentido, fazendo uma articulação dos
fico, baseado em todas as práticas adotadas. resultados, foram notados desafios ainda são pre-
A autonomia do enfermeiro na prática da Siste- ponderantes no cotidiano do enfermeiro frente à
matização da Assistência de Enfermagem provém da operacionalização da SAE.12 Implementá-la de ma-
reunião de atitudes e decisões baseadas em conhe- neira correta, mediante escassez de enfermeiros,
cimento técnico e científico, no seu agir de forma li- falta de tempo e de capacitação dos profissionais, a
vre, com responsabilidade profissional, nas relações falta até mesmo de um ambiente para a passagem
interpessoais e institucionais estabelecidas e na con- dos plantões, bem como os registros de enfermagem
quista do valor da sociedade em seu trabalho.14 incompletos, são dificuldades a serem superadas.
Outro fator determinante refere-se ao co- Foi destacado que nada adianta utilizar a SAE
nhecimento e adesão do técnico de enfermagem, como mais uma rotina burocrática e automática,
na prática da SAE. Faz-se também necessário que mas sim adequá-la de acordo com a realidade de
os enfermeiros revisem periodicamente as anota- cada instituição, sendo preciso verificar o dimen-
ções feitas, sobre aspectos relevantes para favo- sionamento adequado da equipe, proporcional ao
recer a qualidade da assistência, com o propósito número e necessidade de assistência de leitos do
de orientar, esclarecer e reforçar o conhecimento hospital, contemplando à resistência por parte de
dos técnicos e auxiliares, especialmente visando alguns enfermeiros, quebrando o tabu de que esse

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dos enfermeiros

instrumento veio para somar e avigorar a autono- (re)organização?.Revista de Enfermagem UFPE


mia do profissional.16 on line [Internet]. 2017 Out 10; [Citado em 2023
Em presença dos relatos dos enfermeiros, afir- Mar 30]; 11(10): 3821-3829.Disponível em: ht-
mou-se que para se obter autonomia profissional tps://periodicos.ufpe.br/revistas/revistaenfer-
são primordiais: conhecimentos técnico-científicos, magem/article/view/25235
de atividades legais e desenvolvimento de uma prá- 5. Conselho Federal de Enfermagem. Resolução nº
tica humanizada.⁹ A elevação da autoestima propor- 358, de 15 de outubro de 2009.Dispõe sobre sis-
cionada pela utilização da SAE, expressa a confiança tematização da assistência de enfermagem (SAE)
no próprio potencial, a consciência no próprio valor nas instituições de saúde brasileiras. Brasília: CCO-
e a capacidade de enfrentar os desafios do cotidiano DEN, 2009. Disponível em: <http://www.cofen.
da profissão, em busca do sucesso profissional. gov.br/resoluo-cofen-3582009_4384.html>.
Estudos concluíram que a tomada de consci- Acesso em: 16 jun. 2019.
ência do grupo de que o desenvolvimento da SAE 6. Fentanes LRC, et al. Autonomia profissional do en-
compreende o início e o fim de todas as atividades fermeiro: revisão integrativa. Paraná, 2011.Cogita-
assistenciais realizadas pelos enfermeiros, com cada re Enferm., v. 16, n. 3, p. 530-535.
etapa representando momentos distintos, porém 7. Oliveira KF, Hemiko Iwamoto H, Oliveira JF, Almei-
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realizado com qualidade, auxiliando no processo de articulo.oa?id=388239967019
tomada de decisão com base científica. Portanto, se 8. Benedet AS, et al. Processo de Enfermagem: ins-
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