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Desafios da Coordenação do Cuidado na Atenção Primária

à Saúde

Raphaela Silva Tavares Lacerda, Mestre em Saúde da Família – ProfSaúde/UFF,


Instituto de Saúde Coletiva, Niterói, RJ, Brasil

Patty Fidelis de Almeida, professora e pesquisadora do Instituto de Saúde


Coletiva/UFF, Niterói, RJ, Brasil.

Pessoas que vivem com agravos crônicos


em saúde necessitam de cuidados integrais
e integrados, em diferentes níveis
assistenciais. Por meio da coordenação do
cuidado, busca-se assegurar que o trânsito
entre os pontos de atenção seja mais
seguro e confiável. O artigo Coordenação
do cuidado: uma análise a partir da
experiência de médicos da Atenção
Primária à Saúde investiga como e se estes
profissionais conhecem e utilizam
instrumentos capazes de tornar o cuidado
em saúde menos fragmentado

.
A percepção de que as trajetórias assistenciais são percorridas de forma solitária e
desconectada gera angústia e sofrimento para usuários e suas famílias. Além disso,
cuidados descontínuos produzem ações em saúde inseguras, desnecessárias, duplicadas
e conflitantes. Envolver e sensibilizar os médicos, tanto das equipes de Saúde da Família
quanto os que atuam nos serviços de atenção especializada e hospitalar, exige iniciativas
múltiplas – que envolvem desde processos formativos até medidas implementadas pela
gestão – focadas no incentivo à comunicação profissional e trabalho colaborativo em equipe.

O artigo, gerado a partir de uma dissertação de mestrado do ProfSaúde/UFF, faz


parte de um estudo mais amplo denominado “Coordenação e continuidade dos cuidados
entre APS e Atenção Especializada no município de Niterói”, financiado pelo Programa de
Desenvolvimento de Projetos Aplicados (PDPA), uma parceria entre a Prefeitura Municipal
de Niterói-RJ e a Universidade Federal Fluminense (UFF). Os dados, coletados pelas
autoras e equipe de pesquisa do projeto, envolveram a aplicação do questionário
COORDENA-BR®, instrumento adaptado, traduzido para o português e validado, utilizado
em diversos estudos nacionais e internacionais.
Participaram do estudo transversal 51 médicos que atuavam nas equipes de Saúde
da Família, entre 2021 e 2022. A escolha se justificou por serem estes os profissionais mais
diretamente envolvidos nas ações de coordenação e com maior relação com os demais
especialistas da rede de saúde, uma vez que as referências são realizadas principalmente
pelos médicos da Atenção Primária de Saúde (APS). Além das questões fechadas, o
instrumento, aplicado presencialmente, apresentava campos abertos para que os
profissionais pudessem expressar os desafios e sugestões para melhoria da coordenação
do cuidado.

A coordenação do cuidado – junto com o acesso (porta de entrada), integralidade,


longitudinalidade, centralidade na família, territórios e cultura – compõe o modelo ideal de
uma APS forte, “coração” do SUS. Embora o enfoque desse estudo tenha sido os médicos,
propõem-se uma reflexão na qual a coordenação é uma função estratégica para as equipes
e profissionais de saúde comprometidos com o trabalho em redes.

Imagem: Moodle UNASUS.

Os resultados indicam que os médicos reconhecem a importância da coordenação


da informação clínica, embora a mesma não aconteça. Na percepção dos profissionais da
APS, os médicos dos serviços especializados parecem não reconhecer a importância do
cuidado longitudinal, e a práxis na APS é vista com desconfiança. A incompleta
informatização das unidades de saúde provoca perda ou atraso nos resultados dos exames,
resultando em novas solicitações. Como parte do mesmo problema, a referência é
conduzida pelo usuário, assim como o resumo de alta hospitalar e a contrarreferência. Em
um município urbano, com longa trajetória de APS, cabe refletir sobre as barreiras que se
colocam à completa informatização dos serviços de saúde.
A manutenção da comunicação deficitária entre profissionais de saúde colabora para
desfechos negativos no processo assistencial. Vários dispositivos que podem estimular a
comunicação mútua e melhorar o relacionamento entre os profissionais fazem parte das
“tecnologias leves” e poderiam ser estimulados pela gestão. Entre os quais, se destacam:
sessões clínicas compartilhadas, matriciamento, elaboração conjunta do Projeto
Terapêutico Singular, realização de consultas compartilhadas entre NASF e equipes APS,
grupos de trabalho entre APS, atenção especializada e gestão, que, complementarmente,
podem ser operadas por tecnologias digitais.

Ainda que a comunicação seja um aspecto crítico da formação dos profissionais, argumenta-
se que esta é uma habilidade essencial do cuidar em saúde e que há espaços para
melhorias impulsionadas pelas gestões municipais junto aos trabalhadores da saúde. A
implementação de processos participativos que incentivem a coordenação é lenta e gradual
e exige apoio institucional, investimentos e consideração das especificidades locais para a
consolidação das mudanças.

A sobrecarga assistencial também é uma barreira às ações de coordenação na APS e na


atenção especializada, carecendo de ações gerenciais e incentivos institucionais para que
possam ser desenvolvidas. O uso de tecnologias de informação e comunicação,
intensificado a partir da pandemia de COVID-19, mostra a premente necessidade de
desenvolvimento de soluções tecnológicas. Os aplicativos gerenciados e monitorados pelos
profissionais de saúde permitem acompanhar grupos de pacientes em um tempo
significativamente menor em comparação com o telefone móvel. Nesse sentido, parece
urgente investir para que os profissionais tenham dispositivos móveis institucionais com
planos de dados como parte de seu instrumental de trabalho.

As sugestões apresentadas para a melhoria da articulação entre os níveis ratificam


o reconhecimento da necessidade de colaboração profissional. Todavia, também
expressam a insuficiência de condições tecnológicas e organizacionais relacionadas aos
valores e representações da APS no sistema de saúde. Essa precariedade se expressa,
entre outros fatores, na indisponibilidade de tecnologias de informação (prontuários
informatizados) e de comunicação básicas e conhecidas (como, por exemplo, a
contrarreferência), bem como na insuficiência de políticas (inclusive educacionais) e
recursos compatíveis com a centralidade que a APS deveria ocupar no SUS. De toda forma,
há reconhecimento da relevância do contato interprofissional como facilitador da
coordenação, sendo este um campo que necessita de recursos e valorização por parte das
gestões da saúde.

Por fim, agradecemos ao periódico Interface – Comunicação, Saúde, Educação pela


oportunidade de disseminação dos resultados do estudo e incentivamos a realização de
investigações sobre o tema que incorporem outros profissionais da Rede de Atenção à
Saúde, como aqueles que atuam nos serviços especializados e hospitalares, gestores e
usuários.

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