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edição 37 | dezembro de 2015

A importância dos auxiliares e Entenda a Prevenção Conheça o trabalho dos


técnicos nas equipes de saúde Quaternária no contexto da Terapeutas da Alegria
Atenção Básica
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As discussões em torno da campanha Novembro Azul
nos motivaram a produzir esta edição do Telessaúde
Informa problematizando os excessos de intervencionismo
presentes na prática dos profissionais da saúde e os danos
que isso pode gerar. Vimos a necessidade de falar sobre
Prevenção Quaternária e nos esforçarmos para trazer parte
da amplitude desse assunto, aproximando-o da sua prática
como profissional da Atenção Básica (AB). Nossa reportagem
principal é um convite para você se questionar e refletir
criticamente sobre a sua atuação cotidiana, percebendo que
ela pode ser guiada por uma visão menos medicalizante e
intervencionista.
Nesta edição você também se informa sobre os desafios
cotidianos do trabalho dos profissionais da área técnica e
lê uma entrevista sobre a implantação do novo modelo de
organização do SUS guiado por Redes de Atenção à Saúde.
E não perca nossa colorida reportagem fotográfica que
acompanhou o trabalho dos Terapeutas da Alegria, conhece?
Agradecemos a todas as pessoas que participaram desse
informativo e compartilharam suas experiências conosco!
Muito obrigado também pelas sugestões de pauta sempre
pertinentes. Continue colaborando conosco! Envie suas
ideias para: telessaude.sc@saude.sc.gov.br.
Boa leitura!

A personagem ”Dra.
Boneca”, do projeto
Terapeutas da Alegria,
durante visita ao
Hospital Universitário
em Florianópolis

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UM ANO A SER COMEMORADO
Em 2015, o Telessaúde ampliou sua atuação estadual e nacional

O
Telessaúde está finalizando mais um ano de muitos desafios, conquistas e de intensa atuação
na Atenção Básica (AB). Para se ter uma ideia, desde nossa implantação até novembro de 2015
já foram realizadas mais de 13700 webconferências e quase 1100 profissionais receberam
certificados de participação em nossos minicursos. Isso mostra o crescimento da oferta de educação
permanente para os profissionais de todo o Estado através da Tele-educação! E com nossa equipe
de Teleconsultoria não foi diferente: somente este ano realizamos mais de 3900 teleconsultorias
que ajudaram as equipes de saúde a tirar suas dúvidas e melhorar questões clínicas ou de processos
de trabalho. Assim, com profissionais prontificados a qualificar a AB, o Telessaúde está presente e
atuando em todos os municípios de Santa Catarina e também em outros estados!
Um dos nossos maiores destaques de 2015 certamente foi o apoio à implantação do e-SUS nos
municípios - trabalho que envolveu o esforço de todos os nossos serviços na realização de videoaulas,
teleconsultorias, SOFs e webconferências! Outra conquista foi o início da implementação de
teleconsultorias para regular o acesso às especialidades, resultado da articulação entre Secretaria de
Saúde do Estado e municípios, estudando os nós da Regulação e usando os serviços de Telessaúde
para qualificar o trabalho em rede e o retorno aos usuários do
Sistema. E as parcerias não pararam por aí: junto com o projeto
QualiSUS, promovemos o minicurso de Acolhimento e Classificação Se você quiser
de Risco; e com a Gerência de Atenção Básica (GEABS) da Secretaria receber DICAS,
Estadual de Saúde, o minicurso “Capacitação para Fortalecimento CURIOSIDADES e
da Atenção Básica: Interação com o Telessaúde”. Nossa atuação INFORMAÇÕES
também foi à nível nacional, pois neste ano participamos das
ADICIONAIS sobre
discussões do Encontro Brasileiro de Telemedicina e Telessaúde,
que trouxe o tema “Telessaúde para a universalização do acesso”;
SAÚDE, curta nossa
apresentamos seis trabalhos no 11º Congresso Brasileiro de Saúde PÁGINA facebook.
Coletiva – Abrascão 2015; além de estarmos presentes nos eventos com/TelessaudeSC
com foco no SUS e na Atenção Primária à Saúde da Gerência de e fique por dentro
Atenção Básica e da Universidade Federal de Santa Catarina. de todas as
Além dos encontros, também promovemos muitas discussões
localmente. Através do Telessaúde Informa, dialogamos com você
sobre pré-natal, atendimento a pessoas com deficiência, tabagismo,
saúde mental, agrotóxicos, ou seja, uma infinidade de assuntos, lembra? Mas ainda há muito para
falar! Cada vez mais a saúde pública precisa de profissionais críticos e atualizados, que participem do
debate sobre os desafios atuais do Sistema Único de Saúde (SUS), como a valorização do Sistema, o
fortalecimento da AB como coordenadora do cuidado, a luta constante contra a privatização do SUS.
E o que o Telessaúde tem a ver com isso? Tudo! Promovendo uma visão crítica e humanizada dos
profissionais da AB, nós buscamos valorizar e respeitar os usuários, com uma abordagem que vise
cuidar de pessoas e não de doentes. Todo o esforço da equipe do Telessaúde em melhorar e qualificar
o SUS só funciona se conseguirmos chegar aos usuários. Então cuidamos dos profissionais, pois são
vocês que chegam todos os dias até os usuários e que podem promover a mudança que precisamos.
Acreditamos que assim se construa um SUS de qualidade, que quebre preconceitos e que faça os
brasileiros acreditarem na saúde pública!

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Auxiliares e técnicos
e sua atuação dentro das equipes de saúde

A
s equipes de Saúde de Formação em Saúde (Efos), escondidos atrás do profissional
da Família são uma que faz parte da Rede de Escolas
enfermeiro”, afirma Marciane.
estratégia primordial Técnicas do Sistema Único de O reconhecimento da
para o fortalecimento da Saúde (RET-SUS) do Ministério atuação desses profissionais
Atenção Básica (AB) e, em sua da Saúde. teve um grande impulso com a
composição multiprofissional, regularização das profissões e a
é indispensável contar com Reconhecimento e formação exigência de formação técnica
o trabalho de auxiliares e Apesar da abrangência e da para o exercício das atividades.
técnicos. Esses profissionais diversidade de atuação, em As profissões de Auxiliar de
são altamente relevantes no alguns casos a contribuição Saúde Bucal (ASB) e de Técnico
processo de trabalho da equipe, em Saúde Bucal (TSB), por
pois desenvolvem as mais exemplo, foram regulamentadas
diversas ações, participando 80% dos quase a partir da lei nº 11.889, de
de atividades de assistência dezembro de 2008. “Eu observei
e realizando procedimentos 1,5 milhões de um olhar diferenciado da equipe,
regulamentados no exercício profissionais de na ótica do reconhecimento e
de sua profissão (ver página 5). valorização do trabalhador ASB
Para se ter ideia da amplitude enfermagem de todo e TSB, e o que mais notei foi o
do trabalho realizado por eles, o Brasil correspondem quanto os próprios ASB e TSB
um levantamento do Conselho se sentiram importantes”, afirma
Federal de Enfermagem, de 2010, à categoria de técnicos Kátia Brasil, cirurgiã dentista
mostrou que aproximadamente (43%) e de auxiliares docente da Escola Técnica de
80% dos quase 1,5 milhões de Saúde da Secretaria Municipal
profissionais de enfermagem de (36, 8%), segundo o de Saúde de Blumenau, que
todo o Brasil correspondem à Conselho Federal de também faz parte do RET-SUS.
categoria de técnicos (43%) e de
auxiliares (36,8%). Enfermagem. Teoria e prática
Nas unidades de saúde, as Além do reconhecimento,
áreas de enfermagem e de a regularização da formação
odontologia são as que mais desses profissionais ainda precisa também contribuiu de maneira
contam com o trabalho dos de maior reconhecimento, efetiva para aprimorar o exercício
técnicos. “Eles complementam comenta a técnica em do profissional. Para Silvana
essa equipe multiprofissional enfermagem Marciane Daíse Dalmarco, que trabalhou nove
da AB, participam das visitas Wuaden, que trabalha desde anos como auxiliar em Saúde
domiciliares, são responsáveis 2008 na Unidade Básica de Bucal e já atuou em todas as
pelas ações educativas dentro Saúde (UBS) do município de unidades de saúde do município
de programas da estratégia, Peritiba. “Somos profissionais de Rio do Sul, a formação técnica
fazem parte de todo esse capacitados a prestar assistência ajudou na mudança de hábitos
planejamento e são o elo entre à população, muitas vezes nosso relacionados ao seu cotidiano de
comunidade e equipe de saúde”, trabalho não é tão divulgado, trabalho, como o cuidado com
afirma Maristela Castro Claubeck, com isso os demais profissionais os itens de segurança e higiene.
coordenadora técnica da Escola da enfermagem ficam “Quando eu comecei a trabalhar,

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os profissionais não tinham muito não entende muito o vocabulário apenas com a formação, mas
o costume de usar o gorro ou o técnico, a linguagem, o nome também com o trabalho diário
óculos de proteção, mas hoje eu dos instrumentais e, às vezes, a em uma equipe multiprofissional,
não fico sem!”, comenta. gente acaba trabalhando com compartilhando experiências
A formação de Silvana dialogou vários materiais que nem sabe o com seus colegas. “Aprendi
com o que ela vivenciava na nome, daí damos apelidos, e com muitas coisas na prática,
prática, ajudando a superar a formação eu pude aprender da com o próprio dentista me
alguns desafios presentes em forma correta”. orientando e ensinando, e todos
sua rotina, como a dificuldade O aprendizado de Suzana, os profissionais, desde que eu
em compreender a linguagem assim como o de muitos comecei a trabalhar com saúde,
técnica. “No dia a dia você vê, mas auxiliares e técnicos, não veio me ajudaram muito”, afirma ela.

O trabalho dos auxiliares e técnicos na Estratégia de Saúde da Família

Técnico de Enfermagem Técnico em Saúde Bucal


– Assistir ao Enfermeiro: Competem ao profissional, sempre sob a supervisão do
. No planejamento, programação, orientação e supervi- cirurgião-dentista, as seguintes atividades (além das
são das atividades de assistência de Enfermagem; estabelecidas para os ASBs):
. Na prestação de cuidados diretos de Enfermagem aos – Participar do treinamento/capacitação de ASB e de ações
pacientes em estado grave; educativas de promoção da saúde ;
. Na prevenção e controle das doenças transmissíveis em – Proceder à limpeza e à anti-sepsia do
geral em programas de vigilância epidemiológica; campo operatório, antes e após atos cirúrgicos;
. Na prevenção e controle sistemático da infecção hos- – Ensinar técnicas de higiene bucal e realizar a prevenção
pitalar e de danos físicos que possam ser causados aos das doenças bucais por meio da aplicação tópica do flúor,
pacientes durante a assistência de saúde. conforme orientação do cirurgião-dentista;
– Executar atividades de assistência de Enfermagem, – Aplicar medidas de biossegurança no armazenamento,
excetuadas as privativas do Enfermeiro. manuseio e descarte de produtos e resíduos odontológicos;
– Supervisionar, sob delegação
Auxiliar de Enfermagem do cirurgião-dentista, o trabalho dos ASB;
– Preparar o paciente para consultas, exames e tratamen-
tos e reconhecer e descrever sinais e sintomas, ao nível de Auxiliar em Saúde Bucal
sua qualificação; O auxiliar trabalha sob a supervisão do cirurgião-dentista
– Executar tratamentos especificamente prescritos, ou ou do TSB, realizando as atividades de:
de rotina, como ministrar medicamentos por via oral e – Organizar e executar atividades de higiene bucal;
parenteral, fazer curativo, efetuar o controle de pacientes – Preparar o paciente para o atendimento e auxiliar e instru-
e de comunicantes em doenças transmissíveis, colher mentar os profissionais nas intervenções clínicas;
material para exames laboratoriais, prestar cuidados de – Manipular materiais de uso odontológico;
Enfermagem pré e pós-operatórios, etc; – Registrar dados e participar da análise das
– Prestar cuidados de higiene e conforto ao informaçõesrelacionadas ao controle
paciente e zelar por sua segurança; administrativo em saúde bucal;
– Participar de atividades de educação; – Executar limpeza, assepsia, desinfecção
– Executar os trabalhos de rotina vinculados à e esterilização do instrumental;
alta dos paciente; administrativo em saúde bucal;
– Participar dos procedimentos pós-morte. – Aplicar medidas de biossegurança
visando ao controle de infecção.

Quer saber mais sobre as atribuições de cada profissional?


Nós citamos apenas algumas atividades, mas você encontra todas as informa-
ções no decreto nº 94.406/87 e na Lei 7.498/86, que dispõe sobre o exercício
da Enfermagem, e na Lei nº 11.889, que regulamenta o exercício das profissões
de Técnico e Auxiliar em Saúde Bucal.

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Os desafios para implantação das
Redes de Atenção à Saúde
Em 2010, a portaria nº 4.279 do Ministério da Saúde estabeleceu as diretrizes para a organização das
Redes de Atenção à Saúde (RAS) no âmbito do SUS, uma nova estratégia na busca da garantia do
direito à atenção integral, resolutiva e de qualidade a todos os brasileiros. Segundo o Ministério, as
redes são arranjos organizativos de ações e serviços de saúde que, integradas por meio de sistemas
de apoio técnico, logístico e de gestão, buscam garantir a integralidade do cuidado. A implantação
das RASs significa repensar e promover mudanças fundamentais no nosso modelo de atenção à
saúde. Para falar sobre os desafios da organização do trabalho em rede, convidamos o professor e
pesquisador da Universidade Federal Fluminense, Túlio Batista Franco.

Em que consistem as Redes intensidade. Por outro lado, há


de Atenção à Saúde do SUS? as redes formais, protocolares,
Túlio Batista Franco - Para falar que também funcionam para
de redes vou partir de uma cena o cuidado aos usuários, mas ao
muito comum nos serviços de se instituírem no cotidiano dos
saúde: um usuário chega em serviços, estão sujeitas a novas
estado grave em uma unidade modulações, ou, modificações
de urgência e emergência, a que são próprias das condições
regulação não reais às quais
consegue dar se instalam,
resposta para “As redes se e à atividade
uma remoção dos próprios
imediata, o que
produzem em trabalhado- Túlio Batista é Doutor em Saúde
fazem os profis- ato, no exercício res. Olhando Coletiva pela Unicamp e Pós-
doutor em Ciências da Saúde
sionais? Estes o cotidiano
pedem ajuda cotidiano, na dos serviços
pela Universidade de Bolonha-
Itália. Atualmente é professor
à sua rede de conexão entre os de saúde po- associado da Universidade
contatos para demos afir- Federal Fluminense, onde é
acolher o usu- trabalhadores” mar que as Pró-Reitor de Gestão de Pessoas.
ário. Começa aí redes se pro- Também é Líder do Grupo de
Pesquisa Laboratório de Estudos
a formação de uma rede, que duzem em ato, no exercício do Trabalho e Subjetividade em
possibilita a remoção do pa- cotidiano, na conexão entre Saúde-LETRASS/CNPq-UFF.
ciente, acolhimento em outra os trabalhadores, e os fluxos Colabora com o Centro Studi e
unidade, cuidado. Isto demons- que são feitos entre eles para o Ricerche in Salute Internazionale
tra para nós que há um tipo de cuidado aos usuários. Estamos, e Interculturale - CSI na
Universidade de Bolonha-Itália
rede, não formal, constituída portanto, considerando que o e com o Doctorado en Salud
pelos próprios trabalhadores modo de funcionamento dos Colectiva do Instituto de Salud
na saúde, que funciona por co- serviços é mais importante do Colectiva de la Universidad
nexão e fluxos entre as próprias que simplesmente as estrutu- Nacional de Lanús , na Argentina.
equipes. No entanto como ras dos equipamentos, a ativi-
estas redes não constam nos dade dos trabalhadores, mais
protocolos, elas não têm visibi- fundamental do que as normas,
lidade e nem o reconhecimen- quando se trata da formação
to da gestão dos serviços. Mas das redes de cuidado à saúde.
são redes e operam com muita

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Quais os principais desafios e são harmônicas e garantem o um território de suposto poder,
entraves para a implantação cuidado ao usuário, ou, são fra- e pouco discute com os parcei-
das redes no SUS? turadas e, portanto, dificultam ros para pactuar um modo con-
T.B.F - O principal desafio é os este cuidado. junto de trabalho. Então o que
gestores e os trabalhadores o Ministério propõe é altamen-
compreenderem que as redes Quais os pontos que o senhor te relevante, mas precisa ao
podem se formar tanto segun- avalia como positivos e quais mesmo tempo integrar as áreas
do o protocolo, quanto de for- os negativos no processo de técnicas junto à Secretaria de
ma espontânea, respondendo à implementação das redes à Atenção à Saúde, constituindo
necessidade do usuário no exa- nível nacional? a integração entre as diversas
to momento em que ele surge áreas em todos os níveis de
nos serviços de saúde. Ou seja, gestão do SUS. Apenas advirto
o que define a rede é o proces- “O que define a que embora seja fundamental,
so de trabalho empregado para rede é o processo de esta integração entre os servi-
cuidar, reduzir o sofrimento, sal- ços ainda é insuficiente, pois é
var a vida, e isto se dá na relação trabalho empregado necessário organizar a conexão
direta com o usuário e entre os para cuidar, reduzir e os fluxos assistenciais em ní-
próprios trabalhadores. Ao en- vel das equipes e do processo
tender isso, é importante haver o sofrimento, salvar de trabalho dos profissionais
o reconhecimento destas redes, a vida, e isto se dá do SUS. Não vejo ponto nega-
que podem se formar entre ser- tivo propriamente dito, mas di-
viços, mas também dentro de na relação direta ficuldades em operacionalizar
uma mesma equipe. Você já re- com o usuário e as redes com esta lógica dos
parou que dentro de uma Uni- fluxos assistenciais, conexão
dade de Saúde, os trabalhado- entre os próprios entre equipes e pacto interno
res no exercício do seu trabalho de gestão. Isto porque ainda é
conversam uns com os outros o
trabalhadores” muito presente uma certa “de-
tempo todo? E são temas rela- marcação de território” que os
cionados ao próprio trabalho, T.B.F - Foi muito positivo o Mi- gestores insistem em fazer, e as
ou seja, o processo de trabalho nistério da Saúde ter proposto a redes pressupõem quebrar as
em saúde requer a constituição organização do serviço de saú- caixinhas de pretenso poder, e
de uma rede entre os próprios de em redes. Isto fortalece a in- deixar que cada serviço seja in-
trabalhadores, olhando de per- tegralidade das ações, estimula vadido pelo outro, no sentido
to, a micropolítica do trabalho. as equipes
Os atos de fala e escuta entre a conver-
os profissionais constituem um sarem en-
fluxo de informações e práti- tre si para
cas, que garante a produção do organiza-
cuidado. Enfim, podemos dizer ção do seu
que há uma rede que se forma trabalho, e
entre os trabalhadores de uma forçam um
mesma unidade, e aqueles de pacto de gestão
unidades diferentes. Eu tenho interna, isto é, para que os ges-
dito que as redes são ineren- tores discutam um funciona-
tes ao processo de trabalho em mento conjunto dos serviços.
saúde, o que fica para nossa Isto já produz uma ruptura no
análise, portanto, é a qualida- modo convencional de fazer a
de destas redes, até que ponto gestão, onde cada um delimita

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das trocas de saberes e fazeres. pende de como as redes estão nhecimento os trabalhadores
Então para formar as redes re- sendo formadas. E o ponto de na saúde podem aumentar o
almente é preciso quebrar as partida é o reconhecimento de alcance das redes, conectando
caixinhas existentes nos ser- que não há ser-
viços, desterritorializar, o que viço de saúde
significa articular menos o EU e autossuficiente, “A estruturação das Redes
substituí-lo por um NÓS. todos precisam
de todos para o Temáticas colocou na agenda do
O que muda na gestão do cuidado em saú- SUS, em todo o país, a questão do
cuidado com a organização de, assim como
a partir de Redes de Saúde aqueles que es- trabalho integrado das equipes,
e quais os benefícios dessa tão na cena de da necessidade de integração das
nova forma de organização a cuidado, podem
médio e longo prazo? ter protagonis- áreas técnicas em todas as esferas
T.B.F - Eu não diria o que muda mo na constru-
porque não é imperativo, não é ção das redes,
da gestão e a integralidade das
possível haver certeza no cená- ou seja, isto não práticas da atenção”
rio de construção do SUS. Isto é é apenas a nor-
um princípio do planejamento mativa pensada
estratégico que gosto muito, ou para sua organização. Portanto, seus serviços e os vários modos
seja, o futuro é sempre incerto, reconhecemos que para além de cuidado que já dominam, as
por isto precisamos de ferra- dos serviços de saúde, os tra- redes formadas pelos próprios
mentas de gestão para reduzir balhadores e usuários também usuários, integrando um siste-
esta incerteza, e construir um fabricam suas redes. Os traba- ma que vai muito além do que o
futuro conforme pretendemos lhadores, como eu já disse na pensado inicialmente. Pensan-
que ele se apresente. Então eu resposta acima, e os usuários do assim a rede não representa
diria o que “pode mudar”. Colo- também, quando buscam os um fim em si mesma, mas ela é
co no condicional porque de- vários serviços do SUS de for- um dispositivo, uma ferramen-
ma espontânea ta, que melhora as condições
Fique por dentro do assunto! ou modos alter- para a produção do cuidado. Os
nativos de cuida- benefícios então são enormes
do vinculadas a neste conceito de redes, por-
crenças, pessoas que flexibiliza as relações, for-
da comunidade, talece usuários e trabalhadores,
grupos, cuida- aproveita os recursos que estes
dores, etc., estão têm, principalmente de conhe-
também fazendo cimento e capacidade de se
conexão e fluxos mobilizar. Tudo isto fortalece a
e estas relações ideia de cuidado integral, o que
fazem parte da só é possível se for em rede.
sua rede de cui-
Assista a webconferência “A dado, porque de Qual a sua opinião sobre a es-
Potencialidade da Rede de Saúde”, alguma forma truturação por Redes Temáti-
com o psicólogo e consultor da Política corroboram para cas?
Nacional de Humanização (PNH), pelo seu conforto, T.B.F - A estruturação das Redes
Ministério da Saúde em Santa Catarina,
Carlos Alberto Severo Garcia Jr.
bem estar, cui- Temáticas colocou na agenda do
(disponível em https://goo.gl/Uecngg). dado. Enfim, ha- SUS em todo país a questão do
vendo esse reco- trabalho integrado das equipes,

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da necessidade de integração acompanhamento, avaliações, sistência ao parto. Isso não dis-
das áreas técnicas em todas es- aperfeiçoamentos, fazer e refa- pensa o trabalho de outros pro-
feras de gestão, e a integralida- zer as relações de trabalho, para fissionais em caso de alto risco,
de das práticas de atenção. Tra- que seja harmônica, e represen- mas demonstra que pode haver
zer este tema para o centro da te conforto e segurança ao usu- uma forte interação. Acredi-
agenda de construção do SUS já ário na busca ao atendimento to que o mesmo se repete em
foi extremamente importante. das suas necessidades. muitas regiões do país. Utilizo
A partir daí é muito trabalho e este exemplo apenas para for-
especialmente muita discussão O que você avalia como dife- talecer meus argumentos de
para que de fato ocorra a for- rencial da Rede Cegonha? que as redes podem assumir di-
mação das redes, sempre aten- T.B.F - A Rede Cegonha é fan- ferentes configurações, se for-
tos a que elas ocorram no plano tástica porque ela vem da rede mar a partir do protagonismo
do processo de trabalho, do co- materno-infantil e é uma das de todos, sem exceção, e está
que tem maior tra- na diversidade e flexibilidade a
dição de serviços sua grande potência para o cui-
“A Rede Cegonha é fantástica organizados como dado. Usar os protocolos como
programa. Se ins- referência, mas nunca como a
porque ela vem da rede titui em todo país, verdade absoluta, porque mes-
dado uma dimensão mo sendo um suporte impor-
materno-infantil e é uma das exata da diversida- tante, nunca vão retratar a reali-
que tem maior tradição de de com que pode dade tal como ela se apresenta
se organizar, e a di- no cotidiano.
serviços organizados como ferença é a riqueza Por último deixo aqui minha
programa” e a potência para o mensagem de esperança e en-
cuidado, pois se se tusiasmo com a proposta de or-
pretender fazer da ganização de serviços em rede,
tidiano das equipes. A definição m e s m a forma em todo país, o caminho do cuidado é por aí.
das sete redes prioritárias - Rede seria um fracasso retumbante.
Cegonha, Viver sem Limites, Ur- Por exemplo, a Rede Cegonha,
gência e Emergência, Câncer de se você vai para o norte do país,
Colo, Crônicas, Atenção Psicos- vai ver que em muitos lugares,
social, Atenção Domiciliar - foi a pessoa fundamental para a
Saiba mais!
muito bem pensada. Sobre a rede cegonha é a doula, cujo
prática, tudo vai depender do trabalho tem sido fundamen-
Se você quer conhecer mais
modo de organização das redes tal na assistência ao parto. Mas sobre as Redes de Atenção à

.
e da capacidade dos serviços de o trabalho da doula conta ao Saúde, dê uma olhadinha nessas
flexibilizarem a sua montagem, mesmo tempo com uma gran- dicas:
dar protagonismo aos trabalha- de interação e participação da A publicação da Organização
Pan-Americana de Saúde,
dores e usuários, não se apegar própria gestante/parturiente,
elaborado por Eugênio Vilaça

.
apenas aos protocolos, efetu- ou seja, não há um suposto sa- Mendes, intitulada “As redes de
ar um pacto interno de gestão ber técnico que se coloca hie- Atenção à Saúde”. (Clique aqui);
que quebre as caixinhas e criem rarquicamente acima do saber A publicação “Implantação
canais de comunicação direta da usuária, há uma interação das Redes de Atenção à Saúde
e Outras Estratégias da SAS,
entre serviços e as equipes dos entre eles, uma equivalência, e
elaborada pelo Ministério da
mesmos. Essas para mim são as o trabalho ocorre no ponto de Saúde em 2014. (Clique aqui)
diretrizes de formação de uma interseção entre doula e usuá-
rede, que nunca vai estar pron- ria. Há uma predominância das
ta, ela vai necessitar sempre de tecnologias relacionais na as-

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Prevenção
Quaternária
na Atenção Básica

A
campanha Novembro Azul surgiu como um passaram por rastreamento, 20 foram diagnosticados
movimento internacional realizado por diversas e receberam tratamento desnecessário e 160 tiveram
entidades, visando potencializar diferentes resultados falso-positivos, o que significa que se
estratégias de promoção da saúde do homem, tornaram suspeitos de câncer quando não o tinham e
principalmente através da conscientização sobre a realizaram procedimentos invasivos sem necessidade.
importância da prevenção e do diagnóstico precoce Ao final, a pesquisa revelou que 783 homens estavam
de doenças que atingem o público masculino. O bem no grupo sem rastreamento, enquanto no
movimento, que começou em 2003 na Austrália, é grupo oposto apenas 603 encontravam-se na mesma
encabeçado no Brasil pelo Instituto Lado a Lado pela situação.
Vida e pela Sociedade Brasileira de Urologia. O Ministério São por evidências assim que o rastreamento de
da Saúde (MS), que é a favor da abordagem integral da câncer de próstata, que só se mostra necessário em
saúde do homem, recomenda que, embora novembro casos específicos de sintomatologia ou histórico
seja um mês simbólico, as ações de promoção da saúde familiar, é contraindicado pelo MS, pelo Instituto
do público masculino devem ocorrer durante todo o Nacional do Câncer (Inca), pela Sociedade Brasileira
ano e, por isso, instituiu em 2009 a Política Nacional de Medicina de Família e Comunidade (SBMFC) e pelo
de Saúde do Homem. Porém, apesar da abrangência Departamento de Saúde Pública da Universidade
da campanha Novembro Azul, o seu foco prioritário Federal de Santa Catarina. Estudos de instituições
no rastreamento do câncer de próstata é bastante científicas respeitáveis levam essas organizações
questionado pelo MS e por profissionais e instituições a debater a validade e os riscos que campanhas
respeitáveis da área da saúde, por entenderem que as de rastreamento podem acarretar e aproveitam o
evidências científicas apontam que o rastreamento do momento de discussão para redirecionar o Novembro
câncer de próstata (através da substância Antígeno Azul para outras ações que valorizam a saúde do
Prostático Específico - PSA - e do exame de toque) mais homem. Um exemplo disso é a estratégia utilizada
prejudica do que traz benefícios aos homens. pela Prefeitura de Florianópolis, que se valeu do mês
Um exemplo disso foi um estudo realizado pelo de mobilização para focar na conscientização sobre o
centro de pesquisa Harding Center for Risk Literacy em teste da sífilis.
2013, que acompanhou dois mil homens e apresentou Mas você deve estar se perguntando o que isso tem
resultados importantes sobre o rastreamento do câncer a ver com Prevenção Quaternária (P4)? A negativa ao
de próstata. Durante onze anos de monitoramento, rastreamento do câncer de próstata é um excelente
metade dos pesquisados não realizaram qualquer exemplo de uma reflexão sobre os excessos de
tipo de exame para detecção do câncer, enquanto os intervencionismo da prática dos profissionais da
demais realizaram PSA e toque retal sistematicamente. saúde e os danos que podem gerar: justamente o
A partir dos resultados, percebeu-se que o número questionamento que fez surgir e sustenta toda a lógica
de pessoas que morreram do câncer era o mesmo da P4, que você conhecerá mais nessa reportagem.
para ambos os grupos. Além disso, dos homens que

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O
conceito de P4 foi cria- da saúde de que a biomedicina é sua prática, ela traz um olhar dife-
do pelo médico de inócua. “Eles tem um olhar mui- rente para o seu modo de atuação
família belga Marc Ja- to positivo, e não um olhar mais clínica e também para a atuação
moulle (saiba como ele pragmático, de considerar os prós dos outros profissionais”, conclui.
teve essa ideia aqui) e em 2003 foi e contras de cada intervenção”,
inserido no dicionário da Organi- afirma. Mudanças na prática
zação Mundial de Medicina Fami- Sendo um dos fundamentos A primeira percepção do mé-
liar (WONCA - World Organization da medicina o primum non noce- dico Ronaldo quando se aproxi-
of Family Doctors, sigla em inglês) re (“primeiro não prejudicar”), os mou do conceito da P4 foi que
com a definição de “ação tomada profissionais devem refletir sobre muito da sua prática podia ser
para identificar um paciente sob o conceito da P4 diante de qual- mais danosa do que benéfica,
o risco de medicalização excessi- quer opção preventiva ou curati- mesmo muitas vezes sendo res-
va, para protegê-lo de novas inva- va, a invenção de doenças, o uso paldada por recomendações de
sões médicas, e para sugerir inter- irracional de antibióticos, enfim, sociedades médicas, de protoco-
venções eticamente aceitáveis”. uma lista imensa de exemplos. los clínicos, etc. O que implica em
Para se ter uma ideia da abran- Por isso há a necessidade de os resistir a consensos e guias práti-
gência e da necessidade dessa profissionais se apropriarem e cos sem fundamento científico,
reflexão, a iatrogenia clínica (que terem uma leitura reflexiva das questionar a comercialização da
corresponde aos danos origina- melhores evidências científicas, saúde e as estratégias de incor-
dos por intervenções médicas ou se valerem de uma medicina pro- poração utilizadas pela indústria
de qualquer profissional de saúde tetora e promoverem um aten- farmacêutica para impregnar-
no indivíduo) cresceu tanto, que dimento centrado no indivíduo. -se na rotina dos profissionais e
ganhou dimensão populacional, Para o médico de família, Ronal- na formação da opinião públi-
tornando-se recentemente a ter- do Zonta, que trabalhou por oito ca, que acaba influenciando na
ceira maior causa de morte nos anos com a mesma população no condução dos atendimentos. A
Estados Unidos da América, de Centro de Saúde do Saco Grande, partir dessa reflexão, diversas si-
acordo com um estudo divulgado em Florianópolis, e hoje atua no tuações comuns no cotidiano do
no Journal of the American Medical Departamento de Atenção Pri- profissional da Atenção Primária
Association (JAMA), periódico de mária do mesmo município, a P4 à Saúde (APS) são colocadas em
maior circulação no mundo mé- é uma ferramenta e um modo de cheque por seus prejuízos signifi-
dico. A P4 surgiu como resposta exercer a medicina. “Quando você cativos: excesso de programas de
a essas situações de adoecimento se aproxima do conceito de P4 na rastreamento, muitos com fraco
iatrogênico e consiste
no último tipo de pre- Entenda o conceito de Prevenção Quaternária
venção à saúde: comba-
ter e atenuar as conse-
quências do excessivo
intervencionismo diag-
nóstico e terapêutico.
Assim, começou-se
a questionar o caráter
medicalizador e inter-
vencionista da prática
médica e a considerar as
limitações e malefícios
desta. Segundo o médi-
co de família Armando
Henrique Norman, exis-
te certa ingenuidade da
população e de alguns
profissionais da área
dezembro 2015 edição 37 telessaúde informa 11
embasamento científico ou mes-
mo sem resultados satisfatórios,
exagero na solicitação de exames
complementares e diagnósticos,
abusiva medicalização de fatores
de risco, entre outros (veja o ar-
tigo Prevenção quaternária na
atenção primária à saúde).
Pensando em dar fundamenta-
ção aos conceitos da P4 na práti-
ca, Armando Henrique Norman e
Charles Dalcanele Tesser, médico
e professor do Departamento de
Saúde Pública da UFSC, especia-
lista em medicina preventiva e
social, idealizaram um modelo de
atendimento no artigo P4 na Con-
sulta Médica no qual esse tipo de
prevenção é inserido (ver ilustra-
ção acima). De maneira resumida,
a primeira etapa do atendimento
consiste na escuta do paciente, um fator de risco. Essa distinção promoção de rastreamentos com
momento em que o profissional entre sofrimento presente e pre- fraca evidência científica. Segun-
busca entender as expectativas ocupação com o futuro é funda- do ele, que também é professor
e anseios que trazem a pessoa à mental na contextualização da P4 UFSC e atualmente faz pós-dou-
consulta e, a partir disso, realiza o na prática. Isso também se aplica torado na Universidade de Coim-
exame físico objetivo. Após isso, ao tema do Rastreamento. bra em Portugal, quase todas as
na segunda etapa, é onde entra instituições no Brasil e na maior
a P4: será construído um enten- Rastreamento parte do mundo recomendam
dimento conjunto sobre o que o Além dessa nova leitura da rastreamento de câncer de mama
paciente tem. “O exemplo sim- consulta, outros procedimen- por mamografia até hoje, apesar
ples é o paciente que entrou na tos podem ser repensados no de haver um acúmulo nos últimos
consulta, medimos sua pressão, e sentido de causar o mínimo de quatro anos de boas evidências
ao invés de falarmos que ele está intervenções no paciente, espe- que põem em dúvida esse proce-
hipertenso, o que já implica em cialmente naqueles em que há dimento, que implica em recursos
um rótulo, podemos falar que ele pouco embasamento científico e públicos. “No caso da prevenção,
está com uma variação na pres- muitos interesses, principalmente se você está com uma dúvida
são arterial, que será observada e da indústria farmacêutica, como o consistente, você está autorizado,
acompanhada, ou seja, tentarmos caso de alguns programas de ras- ou mais, você deve ter uma con-
construir em conjunto um signifi- treamento. duta conservadora de não fazer o
cado do que esse paciente está A prática do rastreamento con- procedimento. Então, analisando
vivenciando”, explica Armando. siste na realização de testes ou assim, já há motivo suficiente para
Assim, o plano terapêutico deve exames diagnósticos em popu- não se realizar mamografia, mas
levar em consideração se o sofri- lações e pessoas sadias (assinto- ninguém conversa sobre isso no
mento do paciente é presente ou máticas) visando o diagnóstico Brasil, enquanto no mundo existe
futuro, o que justifica uma postu- precoce, a identificação e contro- toda uma polêmica na literatura
ra mais intervencionista ou mais le de riscos. O médico de Família científica”, problematiza.
conservadora por parte do profis- e Comunidade Charles Dalcanele Como consequência de cam-
sional. No caso específico da pres- Tesser afirma que a mamografia é panhas de rastreamento sem
são arterial, estamos lidando com um exemplo atual e polêmico da eficácia comprovada, nas quais

12 telessaúde informa edição 37 dezembro 2015


podem ocorrer identificação específico, primeiro é preciso muitas décadas, de desvalorizar
de alterações sem relevância retomar uma discussão muito a clínica desarmada e genera-
clínica, se criam situações de importante para a P4: a diferen- lista. O que significa seguir uma
estresse e efeitos psicológicos ça entre a clínica de adoecidos e tradição de primeiro praticar as
danosos para a população atin- a prevenção, cuidados bastante intervenções, causando mui-
gida por essas ações. No caso da distintos que estão se aproxi- tos danos desnecessários, para
mamografia, adverte Armando, mando cada vez mais na prática. depois descobrir sua ineficácia.
estamos colocando mulheres “No caso do câncer de tireoide, “Infelizmente isso ainda não é
saudáveis com medo de algo você tem um exemplo típico de uma consciência disseminada
no futuro. “Dependendo dos ris- um excesso de solicitação de nos profissionais, porque nisso
cos e da experiência de vida da exames complementares, que talvez a maioria deles ainda seja
paciente, podemos solicitar a em geral é um cuidado clínico a parecida com a população: têm
mamografia. O que não deveria alguém adoecido em investiga- uma fé ingênua na ciência e na
ocorrer são programas de rastre- ção, não é um exame preventi- tecnologia”, argumenta Charles.
amento generalizado (popula- vo, pois não há
cionais), ou seja, são coisas dife- base alguma
rentes: não é negar a tecnologia, para fazer exa- ”Não é negar a tecnologia, o que
o que a P4 promove é uma cons- me da tireoide
trução coletiva, do profissional como preven-
a P4 promove é uma construção
de saúde e do paciente na busca ção ou rastrea- coletiva, do profissional de saúde
de uma alternativa eticamente mento”, explica.
responsável”, explica Armando, Essa epidemia e do paciente na busca de uma
que atualmente faz Doutorado de diagnósticos alternativa eticamente responsável”
pela Durham University, no Rei- implica em no-
no Unido, na área de Antropo- vas intervenções
logia Médica, trabalhando entre que não tem impacto na mor- Ele explica que “a anamnese
outros temas com a P4. talidade e acabam revelando resolve cerca de 60 a 70% dos
anomalias clinicamente insig- diagnósticos, mais 10% que se
Excesso de exames comple- nificantes. Segundo Charles, a resolve com o exame físico diri-
mentares e sobrediagnósticos detecção de um reservatório de gido, e só uma menor parte, de
Outra conduta comum entre doenças que não teriam conse- 15 a 20%, no máximo 30% (va-
os profissionais, já enraizada na quências clínicas na vida da pes- riando conforme o tipo de pro-
população, é solicitar exames soa, mas que quando aparecem blema), aproximadamente, vai
complementares desnecessá- reveladas por exames, desen- precisar de exame complemen-
rios, que contribuem para uma cadeiam uma cascata de práti- tar. Só que muitos médicos e a
situação de sobrediagnósticos cas diagnósticas e terapêuticas, população adoram os exames”.
(excesso de novos diagnósticos pois não há como saber quais
sem nenhum impacto na mor- terão ou não efeitos no futuro. A Medicalização
talidade). É o que ocorre em maioria das pessoas nessa situa- O excesso de diagnósticos
relação à epidemia de casos de ção acaba sendo tratada, o que tem como consequência dire-
câncer de tireoide na cidade de as tornam instantaneamente ta outro fator constantemente
Florianópolis, como relatado doentes, embora não possuam questionado pela P4, a medi-
pelo membro da Coordenação nada clinicamente relevante. calização excessiva. Um deba-
de Prevenção e Vigilância do Os fatores que contribuem te bastante atual levado pelos
Câncer no INCA, Ronaldo Cor- para a detecção dessas mínimas profissionais que trabalham
rêa Ferreira da Silva, em entre- alterações são a crescente sofis- respeitando a lógica da P4 é a
vista ao Telessaúde em abril de ticação da tecnologia utilizada transformação de fatores de ris-
2015 (veja a entrevista completa na área da saúde e a postura co e eventos fisiológicos em do-
aqui). dos profissionais ligada a uma enças, ou seja, a medicalização
Para Charles, nesse caso em infeliz tendência, que vem de das características associadas ao
dezembro 2015 edição 37 telessaúde informa 13
risco de desenvolvimento de mundo pela produção dos guias para 15.000 em 2011, refletindo
uma doença. Uma prova disso clínicos para a atenção primária a intensa transformação de sin-
é que fatores de risco, como a inglesa, decidiu indicar estatina tomas em doenças.
hipertensão arterial, agora estão (uma droga que diminui o coles-
sendo considerados, quase que terol) para as pessoas com risco Como mudar
instantaneamente, como pato- cardiovascular a partir de 10%, A solução para contrariar essa
logias. como forma de prevenção pri- tendência exagerada de medi-
O tratamento de pessoas mária. De acordo com o médi- calização, além da prática ex-
com hipertensão leve, público co, “isso significa a produção de cessiva de rastreamentos e de
que mais frequenta os centros milhões de pessoas que ficam exames complementares que
de saúde de Florianópolis de doentes de um dia para o outro, acarretam em sobrediagnósti-
acordo com dados da Coorde- por decreto, e que passam a to- cos, está na mudança da prática
nadoria do Curso de Medicina mar uma droga cujo efeito co- clínica, principalmente quando
da UFSC informados pela Se- lateral não é desprezível e cujo centrada na AB. A abordagem
cretaria Municipal de Saúde, é beneficio é quase que desprezí- focada na pessoa, a longitudina-
um bom exemplo para pensar vel”. Um artigo lançado recente- lidade e a medicina baseada em
a tradição intervencionista da mente apenas reafirma o efeito evidências são alguns caminhos
clínica que preza pela medica- insignificante do uso de estatina que conduzem os profissionais
lização. Para Charles, muitos hi- como prevenção primária, pois a repensarem criticamente suas
pertensos leves (que consistem aumenta apenas três dias de ações, independente do nível de
em aproximadamente 70% dos vida nas pessoas que a usam, atenção em que atuam.
hipertensos) não precisariam ser ou seja: quase não gera impac- Essas mudanças na prática im-
atendidos como se fossem do- to, mas cria um mercado imenso plicam diretamente na relação
entes prioritários, e sim neces- para a indústria farmacêutica. do profissional com o pacien-
sitam mais de orientações para Criar tratamentos que rotu- te e se tornam um desafio a ser
promoção da saúde. “Não quero lam as pessoas como doentes vencido através da comunica-
dizer que se deve parar de tratar de um momento para outro ção, prezando por empoderar a
os hipertensos leves, deve tratar, está diretamente relacionado população com as informações
mas não necessariamente com com a modificação do conceito confiáveis para a tomada de de-
medicação, pois poderia se in- de doença ao longo do tempo. cisão. A partir do momento que
vestir em outras formas de abor- Com os limites da intervenção o médico, por exemplo, deixa de
dagem que incluíssem interven- médica gradativamente reduzi- indicar alguma intervenção que
ções coletivas, sociais, culturais, dos, a medicalização de estados fazia parte da sua rotina, é pre-
conforme a cultura local de cada pré-doença e dos fatores de ris- ciso dialogar para construir uma
comunidade, explorando lazer, co são exemplos evidentes de nova alternativa em consenso
esporte, cultura, práticas inte- que a margem de diferenciação com o paciente, em que este
grativas e complementares, etc”, entre o que é ser doente e ser seja protagonista do seu cuida-
problematiza o médico. Isso sig- saudável está cada vez menor, do. O profissional precisa estar
nifica construir com o paciente justificando intervenções pre- seguro e seguir as melhores evi-
um sentido, uma explicação do coces que geram danos desne- dências científicas, isentas de
motivo porque ele tem pressão cessários. Como afirmou Juan interesses, para transferir essa
alta, o que possibilita outras for- Gérvas em entrevista ao site El confiança à pessoa que atende.
mas de trabalhar esse diagnóstico. Correo, “como há cada vez mais “Temos que fazer indicações in-
Charles também cita outro medicamentos para tudo, cada dividualizadas, então há uma
caso significativo de estímulo à vez é mais difícil estar saudá- maior personificação da relação
medicalização que ocorreu há vel”. O médico não estava erra- médico-paciente, na qual você
alguns meses no Reino Unido, do, pois, para se ter uma ideia, a tem que aprender a explicar as
quando o instituto NICE (Natio- Classificação Internacional das evidências da forma mais objeti-
nal Institute for Health and Care Doenças (CID) viu o seu núme- va e que faça sentido para a pes-
Excellence), órgão famoso no ro de itens passar de trezentos soa”, explica Ronaldo.

14 telessaúde informa edição 37 dezembro 2015


Dessa forma, é possível explo- pacientes. “Você não vai con- falsos dilemas para o paciente;
rar diferentes formas de cons- seguir fazer todas as mudanças um enfermeiro pode ter algo de
truir estratégias com o paciente, no primeiro encontro, é um tra- uma visão formatada pela me-
levando em consideração seu balho de formiguinha, e é esse dicina intervencionista e pela
contexto e sua bagagem socio- processo de ir e voltar que refi- cultura do medo que resulte
cultural na elaboração do seu na o entendimento da pessoa, a numa indicação errônea de exa-
plano terapêutico. O médico Ar- necessidade dela e faz com que mes; um psicólogo mal indica-
mando afirma que alguns pro- o médico se sinta mais seguro”, do pode não trazer benefícios;
fissionais culpam seus pacientes explica Armando. uma nutricionista pode influen-
por não mudarem seus estilos Um dos princípios para a lon- ciar no diagnóstico de doenças
de vida. Esse ideal de respon- gitudinalidade funcionar é a imaginárias ou, sobretudo no
sabilizar somente o paciente garantia do acesso fácil aos ser- segmento da nutrição fitness,
por essas mudanças, geralmen- viços de saúde, ou seja, a pos- promover uma série de inter-
te desconsidera os fatores so- sibilidade do paciente voltar à venções e restrições alimentares
cioeconômicos limitantes que unidade para dizer se piorou ou duvidosas, enfim, os prejuízos
afetam o estado de saúde das melhorou e, assim, mudar de es- estão presentes no trabalho de
pessoas. Por exemplo, costuma- tratégia. Isso significa monitorartodos os profissionais da saúde”,
-se culpar os pacientes por não os indivíduos, principalmente argumenta Ronaldo.
conseguirem baixar o nível de aqueles que apresentam sinto- A receita é simples: avaliar da-
colesterol ou por não pararem mas inespecíficos, não possuem nos versus benefícios. Como se
de fumar, muitas vezes refletin- necessidade de intervenção viu até aqui, entretanto, muitos
do mais uma preocupação do imediata para conter algum tipo fatores influenciam nesse cál-
médico para com a saúde futu- de sofrimento e que o emba- culo, como o uso de evidências
ra desses pacientes, do que um samento científico para adotar científicas isentas, a abordagem
cuidado atento para com as de- procedimentos é fraco. Nesses centrada na pessoa, a valoriza-
mandas reais de saúde das pes- casos, durante a chamada “de- ção da relação profissional-pa-
soas. Por isso, conclui ele, “é pre- mora assistida” ou “demora per- ciente. Significa investir no olhar
ciso respeitar as escolhas que os mitida”, estima-se que na APS generalista, resistir a abusos e
pacientes fizeram na vida, por- 40% dos pacientes que trazem modismos presentes na prática
que estas decorrem das condi- um novo problema ao médico e buscar recursos até mesmo
ções em que eles vivem, o que de família melhoram sem que em outras áreas do conheci-
não significa desistir de imple- seja estabelecido um diagnós- mento, que possam potenciali-
mentar mudanças, mas, significa tico específico. Infelizmente um zar o atendimento. “É necessário
ter sensibilidade”. complicador para essa prática é fazer um movimento de orien-
o fato de que as pessoas ficam tação da população e de refor-
Longitudinalidade pouco tempo assistidas por um ma dos profissionais, para esses
Durante esse processo de mesmo médico ou uma mesma promoverem uma clínica me-
mudança, o tempo é um grande equipe. lhor, que dá mais trabalho, mas
aliado e consiste numa das van- é muito mais efetiva, resolutiva
tagens dos médicos de Família Uma lógica para todos e mais protetora do paciente”,
e Comunidade, por terem um Apesar dos médicos serem afirma Charles. Parece novida-
trabalho con- muito citados, não se pode limi- de, acrescenta ele, mas esse é o
tínuo nas lo- tar a eles a prática iatrogênica, grande ponto da P4: “ela sempre
calidades e se pois o trabalho em saúde é re- se baseou nos valores implícitos
valerem disso alizado em equipe por diversas e discursivos da medicina, como
para construir profissões, todas com potencial o primum non nocere (“primeiro
uma relação de gerar danos. “Um fonoau- não prejudicar”), mas que pre-
de credibili- diólogo pode indicar exames cisam ser retomados e de fato
dade com os desnecessários que causam postos em prática”.

dezembro 2015 edição 37 telessaúde informa 15


É hora de sorrir!
Conheça o trabalho dos “Terapeutas da Alegria”, voluntários que
levam diversão aos pacientes do Hospital Universitário em Florianópolis
O jaleco branco ganha detalhes coloridos. No
rosto, o nariz vermelho chama a atenção. O silêncio
dos corredores do hospital é quebrado pelas
gargalhadas. Os pacientes sabem: toda segunda-
feira é dia de consulta com os Terapeutas da Alegria!
Por onde eles passam, a receita é a mesma:
felicidade. Para despertar o sorriso dos pacientes,
o tratamento é intenso: piadas, danças, imitações.
Assim, um a um, os quartos do Hospital Universitário
Polydoro Ernani de São Thiago (HU) se tornam
ambientes mais divertidos. Não se pode fugir do
clichê, o riso é realmente o melhor remédio.
Nesta reportagem fotográfica, você conhecerá
um pouco do trabalho dos Terapeutas da Alegria, um
projeto desenvolvido pelo Núcleo de Humanização,
Arte e Saúde (NuHAS), da Universidade Federal
de Santa Catarina (UFSC), que reúne voluntários
empenhados em distribuir muitos sorrisos.

16 telessaúde informa edição 37 dezembro 2015


A preparação dos voluntários, em sua maioria estudantes da
universidade, começa em uma sala do NuHAS, no Centro de
Ciências da Saúde (CCS) da UFSC. Lá, as mochilas e livros dão
lugar à maquiagem e às roupas extravagantes. No dia dessa
reportagem fotográfica, acompanhamos sete voluntários,
ou melhor, tivemos o prazer de conhecer sete divertidos
personagens: Dra. Boneca, com seus olhos reluzentes e sua
coroa de princesa; Esbornia Florentina Dejesus, com seus lindos
cabelos coloridos; Felina, dona de orelhas de gata e laço no
pescoço; Florinda, “Flô”, com sua abundante flor no cabelo e suas
bochechas rosadas; Docinho, a menina dos óculos de bolinhas
coloridas e de tranças arrepiadas; e Sidó Rémi, que vai remando
pelos corredores do hospital com seu ukulele. Sem esquecer o
futuro Dr. Kurakuka, que por enquanto é um palhaço estagiário,
pois ainda está fazendo sua formação em “besteirologia”.

dezembro 2015 edição 37 telessaúde informa 17


!
Gostou do projeto e quer
ser um terapeuta da alegria
também? As inscrições para
participar abrem todo início de
semestre. Acompanhe o site e a
fanpage do projeto e fique de olho
na data para inscrição!

Esses são alguns dos mais de cem


personagens que já passaram pelos
Terapeutas da Alegria nos últimos dez anos. O
processo de construção de cada um leva cerca
de um ano. Os jovens precisam desenvolver
habilidades corporais e linguísticas e construir
seus personagens atentando para todas as
características físicas e psicológicas. Na parte
final desse processo, os voluntários começam
a visitar o hospital e entrar em contato com
os pacientes. Quando isso acontece, uma
vez caracterizado para entrar em ação, o
voluntário dá lugar ao seu personagem
e não sai dele enquanto estiver com o
nariz vermelho. Por isso, o caminho que
percorremos até o HU foi repleto de piadas e
gargalhadas compartilhadas com as pessoas
que passavam pela rua.

18 telessaúde informa edição 37 dezembro 2015


Já no hospital, os terapeutas
recebem as boas-vindas carinhosas
dos funcionários da instituição.
Eles se dividem em duplas ou trios,
pedem autorização e conversam
com as enfermeiras sobre os
quartos a serem visitados, e
começam a diversão!
A personagem Dra. Boneca (na foto
acima) caminha sorridente pelos
corredores do hospital com seu
violão roxo, batendo de porta em
porta e arrancando sorrisos dos
pacientes em conversas que duram
cerca de dez minutos.

dezembro 2015 edição 37 telessaúde informa 19


De quarto em quarto, os Terapeutas da Alegria visitam
quase todas as pessoas hospitalizadas no HU. Crianças,
jovens, adultos e idosos, alguns participativos e
outros mais tímidos, logo todos acabam entrando na !
Como você e sua equipe
brincadeira e terminam agradecendo a visita.
praticam a humanização na sua
unidade de saúde? Não é preciso
fantasia, às vezes pequenas
mudanças nas atitudes rotineiras
contribuem para que os usuários
se sintam mais acolhidos!

20 telessaúde informa edição 37 dezembro 2015


No final das visitas, é hora de retirar o nariz de
palhaço e sair do personagem, deixando toda
a carga emocional das experiências vividas.
Assim, Dra. Boneca volta a ser Monique Rocha,
servidora da UFSC; por baixo dos cabelos
longos de Florentina, surge a fotógrafa
Clara Fernandes; Docinho sem seus óculos
coloridos é a graduanda de química Cristina
Favaretto; Felina volta a ser a mestranda em
filosofia Felini de Souza; Flô é a graduanda de
medicina Gabriela Moura da Silva; Sidó Remí
deixa o ukulele e vira César Otávio Bertoncini,
graduando em farmárica; e o estagiário e
futuro Dr. Kurakuka é mais conhecido como o
recepcionista Bruno Hissashi Moriwaki.
As fantasias são guardadas, mas os sorrisos
que eles espalharam vão continuar ecoando
pelo HU e dando um pouco de leveza à quem
passa por momentos difíceis. Afinal, para se
ter saúde, também é preciso ser feliz.

dezembro 2015 edição


outubro 2015 edição37
36 telessaúde
telessaúdeinforma
informa 2121
PERGUNTA DESTAQUE:
saiba mais sobre a reunião de matriciamento

C
omo estruturar uma
reunião de matriciamento?
O apoio matricial, ou
matriciamento, é uma estratégia
de organização do trabalho em
saúde que acontece a partir
da integração entre equipes
consideradas referências para
o cuidado de uma determinada
população com equipes ou
profissionais com outros núcleos
de conhecimento, considerados
necessários e importantes para
a qualificação do cuidado e o
aumento de sua resolubilidade
em uma determinada
realidade 1
. Essa relação pode
se dar, por exemplo, entre
profissionais responsáveis por configuração é aquela em que
uma enfermaria hospitalar e não participam da mesma “ Recomenda-se
equipes de um ambulatório reunião mais do que dois
especializado ou entre as profissionais do NASF para que as reuniões
equipes de Saúde da Família possibilitar que todos os casos de matriciamento
(eSF) e Núcleos de Apoio à e demandas para as diferentes
Saúde da Família (NASF). Nessa categorias profissionais entre profissionais
resposta, especificaremos como possam ser discutidas com que compõem
pode se estruturar uma reunião mais profundidade; em outros,
de matriciamento entre as duas prefere-se que a reunião de o NASF e as
equipes de Atenção Básica matriciamento das eSF aconteça
anteriormente citadas. com a presença de toda a equipe
eSF vinculadas
Nesse contexto, recomenda- NASF concomitantemente, de ocorram
se que as reuniões de maneira a possibilitar a maior
matriciamento entre profissionais integração interdisciplinar no mínimo
que compõem o NASF e as eSF possível nas discussões de casos mensalmente”
vinculadas ocorram no mínimo e/ou temas realizados. Além
mensalmente (ressaltando-se disso, podem ser utilizados
que a periodicidade das reuniões espaços de reuniões já existentes maior número possível de
depende da modalidade de NASF das próprias eSF apoiadas ou profissionais do NASF em cada
implantada)1. Sua estruturação serem criados novos espaços reunião)1.
pode variar de acordo com as de matriciamento, a depender Nas reuniões, pode-se
necessidades e experiências da realidade local (no caso seguir o seguinte esquema
vivenciadas em cada local. Em da criação de novos espaços, de organização: a) Discussão
alguns municípios, a melhor sugere-se a participação do de casos ou temas levantados

22 telessaúde informa edição 37 dezembro 2015


pelos profissionais das eSF ou do deve ser a de estimular a sua realização depende de
NASF a partir das necessidades troca de conhecimentos horário protegido na agenda
vivenciadas localmente; b) com os profissionais das eSF, dos profissionais envolvidos,
Diagnóstico das necessidades favorecendo a educação organização inicial das eSF
referentes aos casos ou temas permanente desses para definição de casos,
discutidos; c) Levantamento profissionais e o aumento de demandas e propostas para
de ações já realizadas pela sua capacidade de resolução na matriciamento e do próprio
eSF/NASF/outros serviços de Atenção Básica2. NASF para devolutivas de casos
saúde ou setores acompanhados
da sociedade ou cumprimento
e resultados “ As reuniões de matriciamento de ações
alcançados; d) p r e v i a m e nte
Elaboração de devem ser pautadas em uma pactuadas . 1

propostas entre relação dialógica e horizontal entre A organização


NASF e eSF; e) das reuniões de
Pactuação de ações os profissionais que compõem as m a t r i c i a m e n t o,
entre profissionais equipes envolvidas e estar baseadas por fim, deve favo-
do NASF e eSF; f ) recer sua implan-
Monitoramento em uma abordagem centrada na tação nos municí-
e avaliação das pios de maneira a
ações realizadas
pessoa e com enfoque intersubjetivo e tornar-se um im-
e repactuação de interdisciplinar” portante dispositi-
ações (momento vo para o trabalho
de devolutiva sobre as ações Além disso, para a realização integrado. Dessa forma, deve se
realizadas anteriormente e de de reuniões de matriciamento, configurar como um espaço de
realização de novas pactuações é necessário: uma sala que ocorrência periódica destinado
necessárias)1. comporte todos os integrantes à problematização, ao planeja-
As reuniões de matriciamento da eSF e profissionais do mento, à programação e à exe-
devem ser pautadas em uma NASF presentes; prontuário cução de ações colaborativas
relação dialógica e horizontal dos usuários cujos casos entre NASF e eSF1.
entre os profissionais que serão discutidos; recursos Evidências e referências
compõem as equipes envolvidas audiovisuais e outros materiais 1 - Brasil. Ministério da Saúde. Cadernos de Atenção
Básica – Núcleo de Apoio à Saúde da Família/ Volume
e estar baseadas em uma necessários para a discussão 1: ferramentas para a gestão e para o trabalho coti-
abordagem centrada na pessoa de temas; ata das reuniões ou diano. Brasília: Ministério da Saúde; 2014. Disponível
em http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/nu-
e com enfoque intersubjetivo outra forma de registro das cleo_apoio_saude_familia_cab39.pdf [acesso em 19
fevereiro 2015].
e interdisciplinar1. Para isso, pactuações realizadas; dados 2 - Brasil.  Guia prático de matriciamento em saúde
a postura do profissional concernentes às discussões mental. Chiaverini, DH org. Brasília: Ministério da Saú-
de; 2011. Disponível em https://www.nescon.medici-
que realiza o matriciamento a serem realizadas1. Ainda, na.ufmg.br/biblioteca/imagem/3231.pdf [acesso em
19 fevereiro 2015].

Profissional solicitante: Fisioterapeuta


Categoria da Evidência: D
Descritores DeCS: Atenção Primária à Saúde, Saúde
da Família
Descritores CIAP2: A62
Responsabilidade/Autor: Equipe Telessaúde SC

dezembro 2015 edição 37 telessaúde informa 23


PERGUNTA DESTAQUE:
atendimentos individuais específicos do NASF

Q
uais as recomendações número de equipes vinculadas -se o uso de mecanismos de devo-
para a realização de aten- é menor e/ou quando a rede de lutiva dos casos atendidos exclu-
dimentos individuais espe- saúde se demonstra insuficiente, a sivamente pelo NASF às equipes
cíficos pelos profissionais do Nú- possibilidade de realizar tais aten- apoiadas (através de prontuários,
cleo de Apoio à Saúde da Família? dimentos é maior2. listas de pessoas em acompanha-
Para a realização de atendimen- O acesso dos usuários aos aten- mento, discussão em reuniões de
tos individuais específicos pelos dimentos específicos dos profis- matriciamento ou outros meios)2,
profissionais do Núcleo de Apoio sionais do NASF deve ser regula- de maneira a fomentar a coorde-
à Saúde da Família (NASF) deve- do pela eSF, ou seja, o NASF não nação do cuidado pelas eSF.
-se considerar que seu processo é porta de entrada na AB/APS. A discussão e a pactuação das
de trabalho deve estar pautado Dessa forma, essas ações devem ações a serem realizadas conjun-
no apoio matricial às equipes de ocorrer preferencialmente a partir tamente com as eSF, consideradas
Saúde da Família (eSF) vincula- referência para o cuidado da po-
das1,2. Considerando que os aten- pulação na AB/APS, deve possibi-
dimentos individuais específicos “ A negociação, o litar, ainda, a ampliação de ações
desses profissionais são aqueles tendo como base a integração
realizados apenas pelo profissio-
diálogo contínuo, entre NASF e equipes apoiadas2.
nal do NASF, na lógica do apoio a postura ética e a Nessa lógica, a negociação, o di-
matricial essas ações devem ocor- álogo contínuo, a postura ética e
rer após regulação e pactuação corresponsabilização a corresponsabilização por parte
com as eSF, atrelado a um projeto por parte dos de todos os envolvidos se torna
terapêutico produzido conjunta- primordial para buscar responder
mente. envolvidos se torna às necessidades e aos problemas
Por conseguinte, para atendi- primordial” de saúde dos usuários com base
mentos individuais específicos, os no compartilhamento do cuidado
profissionais do NASF devem dis- e no fomento à integralidade da
por de momentos em sua agenda de discussões de caso, o que deve atenção2.
para realizá-los considerando-os promover uma ampliação das Evidências e referências
como parte de um conjunto de possibilidades de atuação para 1 - Brasil. Ministério da Saúde.  Diretrizes do NASF: Ca-
derno de Atenção Básica n. 27. Brasília: Ministério da
ofertas de ações que devem ser além do atendimento do NASF e, Saúde; 2009. Disponível em http://bvsms.saude.gov.
disponibilizadas e não sua úni- inclusive, a educação permanente br/bvs/publicacoes/caderno_atencao_basica_diretri-
zes_nasf.pdf [acesso em 16 setembro 2015].
ca e exclusiva forma de atuação da eSF2,3. 2 - Brasil. Ministério da Saúde. Caderno de Atenção Bá-
sica n. 39: Núcleos de Apoio à Saúde da Família – volu-
na Atenção Básica/Atenção Pri- A existência de critérios para me 1: ferramentas para a gestão e para o trabalho coti-
mária (AB/APS)2. A periodicidade acesso aos atendimentos específi- diano. Disponível em http://189.28.128.100/dab/docs/
portaldab/publicacoes/caderno_39.pdf [acesso em 16
de realização dos atendimentos cos dos profissionais do NASF é re- setembro 2015].
3 - Brasil. Ministério da Saúde. Política Nacional de Aten-
de cada categoria que compõe comendada, devendo servir como ção Básica. Ministério da Saúde: Brasília; 2012. Disponí-
o NASF pode variar, conforme a facilitador do diálogo e das pactu- vel em http://189.28.128.100/dab/docs/publicacoes/
geral/pnab.pdf [acesso em 11 outubro 2015].
necessidade local e as especifici- ações entre as eSF e profissionais
Caracterização da pergunta
dades de cada profissão, mas sua do NASF2. Importante ressaltar Categoria da Evidência: D
disposição na agenda não deve que devem ser flexíveis por se tra- Profissional solicitante: Farmacêutico
Descritores DeCS: Atenção Primária à Saúde, Saúde
prejudicar a realização de outras tar de uma lógica em que os casos da Família
Descritores ICPC2: A46, A62
ações previstas dentro do escopo podem apresentar singularidades Teleconsultor: Equipe Telessaúde SC.
de atuação desses profissionais que vão além do que foi definido
na AB/APS2. Em geral, quando o previamente2. Além disso, indica-

24 telessaúde informa edição 37 dezembro 2015


PERGUNTA DESTAQUE:
função do NASF no Programa Saúde na Escola

Q
ual o papel do NASF no ações de controle social em con- fância, alimentação e nutrição,
Programa Saúde na Esco- junto com as eSF; entre outros;
la? • Identificar e articular conjun- • 2º ciclo (10 aos 15 anos): se-
O Programa Saúde na Escola tamente com as eSF e professo- xualidade, Doenças Sexualmen-
(PSE) é uma política interseto- res uma rede de proteção social te Transmissíveis/AIDS, gravidez,
rial entre educação e saúde que com foco nos escolares; álcool e outras drogas, violência,
compreende a escola como es- • Discutir e refletir permanen- alimentação e nutrição, proble-
paço privilegiado de práticas de temente com as eSF a realidade mas de pele e outras questões
promoção de saúde e preven- social e as formas de organiza- de saúde características na ado-
ção de agravos e doenças, por ção dos territórios, desenvol- lescência.
meio de ações compartilhadas vendo estratégias de como lidar Outra possibilidade de orga-
que têm como corresponsáveis com adversidades e potenciali- nização do PSE é a composição
atores de ambos os setores1. dades; de grupos regulares de escuta
Nesse contexto, o NASF (Núcleo • Exercer as atribuições que de problemas do cotidiano es-
de Apoio à Saúde da Família) lhes são conferidas em docu- colar1. Tais grupos são formados
pode atuar com as equipes de mentos específicos que tratam por profissionais da Atenção Bá-
Saúde da Família (eSF), de ma- sobre o NASF”. sica (eSF e NASF) e da creche ou
neira integrada e apoiando-as Para a realização dessas atri- escola para debater as proble-
com base nas diretrizes do apoio buições, o NASF deve lançar máticas e definir os encaminha-
matricial, compondo ações para mão das diferentes ações que mentos conjuntamente1. Nes-
faixas etárias e necessidades em pode executar na Atenção Bási- ses espaços, os profissionais do
saúde variadas. Portanto, no PSE ca, pactuando as estratégias que NASF devem apoiar as equipes
a atuação dos profissionais do serão utilizadas em conjunto de saúde e educação a partir de
NASF deve se dar de maneira co- com as equipes apoiadas, visan- problemas ou demandas e pac-
laborativa com as eSF, dividindo do alcançar o melhor resultado tuações conjuntas, em sintonia
a responsabilidade sobre a situ- possível no cuidado oferecido com as diretrizes estabelecidas
ação de saúde de seu território2. aos escolares1. para sua atuação na AB1.
São consideradas atribuições Entre estas ações podemos
dos profissionais do NASF nesse citar: atendimentos individu- Evidências e referências
1 - Brasil. Ministério da Saúde. Núcleo de Apoio à Saúde
âmbito2: ais, grupos, visitas domiciliares, da Família Volume 1: ferramentas para a gestão e para
o trabalho cotidiano. Cadernos de Atenção Básica no
• “Apoiar os profissionais das ações de articulação interseto- 39. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2014. Disponível
eSF a exercerem a coordenação rial e discussão de casos. em http://189.28.128.100/dab/docs/portaldab/pu-
blicacoes/caderno_39.pdf [acesso em 08 novembro
do cuidado do escolar em todas Os assuntos abordados po- 2014].
2 - Brasil. Ministério da Saúde. Caderno de Atenção Bási-
as ações previstas no PSE; dem variar, podendo, por exem- ca no 24 – Saúde na Escola. Brasília: da Saúde; 2009. Dis-
• Participar da construção de plo, abarcar temas estratégicos ponível em http://dab.saude.gov.br/docs/publicacoes/
cadernos_ab/abcad24.pdf [acesso em 08 novembro
planos e abordagens terapêuti- com pais, estudantes e professo- 2014].
cas em comum com os profissio- res das escolas, nos vários ciclos Caracterização da pergunta
nais das eSF, de acordo com as do Ensino Fundamental1: Categoria da Evidência: D
Profissional solicitante: Farmacêutico
necessidades evidenciadas pela • 1º ciclo (6 aos 9 anos): saú- Descritores DeCS: Atenção Primária à Saúde, Saúde
equipe; de bucal, promoção da saúde da Família
Descritores ICPC2: A62
• Realizar com as eSF discus- fonoaudiológica, problemas de Teleconsultor: Equipe Telessaúde SC.
sões e condutas terapêuticas in- aprendizagem e desenvolvi-
tegrativas e complementares; mento, acompanhamento va-
• Estimular e acompanhar as cinal, doenças comuns da in-

dezembro 2015 edição 37 telessaúde informa 25


dezembro/2015
Feliz Natal e Ano Novo!
A equipe do Núcleo Telessaú-
de de Santa Catariana dese-
ja a todos um ótimo Natal e
um Ano Novo cheio de rea-
lizações! Aproveitamos para
reforçar nosso compromisso
com você e contamos com a
sua participação para continu-
ar melhorando nossos servi-
ços no próximo ano!

Parabéns!
Os profissionais da equipe de Saúde da
Família de Presidente Castello Branco
foram os que mais participaram dos ser-
viços do Telessaúde no último ano! A
equipe foi premiada, juntamente com os
municípios de Vargem Bonita (2º lugar) e
São Miguel da Boa Vista (3º), no dia 20/11,
em Florianópolis. A participação foi con-
tabilizada a partir do número de telecon-
sultorias realizadas de setembro de 2014
até setembro de 2015. Na próxima edição
do Telessaúde Informa, você conhecerá
como os serviços do Telessaúde ajudam
a potencializar e qualificar o trabalho da
equipe de saúde de Presidente Castello
Branco. Parabéns a esses profissionais
que se esforçam para promover um aten-
dimento com cada vez mais qualidade!

Publicação
Abrasco lança nova revista “Ensaios e Diálogos em Saúde Coletiva”
Diante dos dilemas contemporâneos brasileiros, que envolvem crise de
representatividade, concentração de riqueza, entre outros, a Associação Brasileira
de Saúde Coletiva lança uma nova revista intitulada “Ensaios e Diálogos em
Saúde Coletiva”. A proposta da publicação é estimular um engajamento reflexivo,
pois acreditam que essa seja a única saída para superarmos o momento. Um
espaço para ser ocupado por pesquisadores, por profissionais de saúde e por
todas as pessoas preocupadas com a saúde e com outras áreas, que promovam
reflexões e colaborações para repensar o papel da Saúde Coletiva no atual
contexto brasileiro. Nesta primeira edição, confira entrevistas com Guilherme
Werneck e Arthur Chioro, além de contribuições de peso, como Luis Eugenio
Souza, Tatiana Vargas, Maria Lúcia Werneck e outros grandes nomes. Leia aqui!

26 telessaúde informa edição 37 dezembro 2015


Programação
WEBs de DEZEMBRO

Quartas-feiras 15H Quintas-feiras 15H

02 03
Como ter acesso aos dados do Interface Atenção Básica e
PMAQ Vigilância Epidemiológica
no Processo de
DEZEMBRO Investigação da Dengue DEZEMBRO

09 10
PMAQ 3º Ciclo: Fase 2: Saúde e Educação: uma
Certificação e Eixo Estratégico perspectiva de integração
Transversal de Desenvolvimento a partir da AB pelos
DEZEMBRO programas PNAE e PSE DEZEMBRO

16 17
Panorama e perspectivas da A confirmar
dengue, febre de chikungunya
e febre do zika vírus em Santa
DEZEMBRO Catarina. DEZEMBRO

Expediente: Jornalista Responsável: Thaine Machado Texto, redação, diagramação e edição: Thaine
Machado Reportagem fotográfica: José Djalma da Silva Júnior e Thaine Machado Teleconsultorias:
Thaís Titon de Souza Design e iIustração: Vanessa de Luca Orientação: Josimari Telino de Lacerda,
Luana Gabriele Nilson, Luíse Lüdke Dolny e Thaís Titon de Souza Revisão: Bárbara Telino, Gabriela
Bankhardt, Josimari Telino de Lacerda, Juliana Casagrande, Luana Gabriele Nilson, Luíse Lüdke Dolny,
Thaine Machado e Thaís Titon de Souza.

dezembro 2015 edição 37 telessaúde informa 27

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