Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Gadamer 23. Dessa forma, as categorias analíti- e quatro grupos focais, que produziram pro-
cas destacadas emergiram na intersecção entre cessos de formação e intervenção, de acordo
os movimentos de narratividade, a partir dos com a Tabela 2, no Recanto das Emas, e duas
acontecimentos do plano interventivo. Portanto, entrevistas individuais.
a cartografia das práticas de apoio se constituiu Com esse arranjo, a intervenção não poderia
nesse mapeamento dos movimentos de mudan- ser olhada de forma isolada, com foco em um
ça dos e nos sujeitos participantes, disparados serviço, uma regional ou uma reunião, portanto,
pelos processos de apoio e expressos pelas cate- ficou configurada, no desenho, entre os diversos
gorias analíticas validadas coletivamente 17. espaços coletivos intercessores 5,24, uma influên-
Em abril de 2013, iniciou-se a conformação cia mútua, compondo o desenho cartográfico 17
do desenho de intervenção do apoio com a cons- (Figura 1).
trução de oito espaços coletivos (Tabela 1). Durante o mês de fevereiro de 2014, foram
No período de abril de 2013 a dezembro realizadas entrevistas com gestores da Sub-
de 2014, foram realizadas 77 rodas de apoio secretaria de Atenção Primária em Saúde e da
Tabela 1
Pesquisadores da UnB,
da Fiocruz e alunos da
Graduação e Pós-graduação
da UnB
Apoiadores FEPECS
Apoiadores da Subsecretaria
de Atenção Primária em
Saúde
Apoiadores do Recanto das
Emas
Apoiadores da Gama
Profissionais da Clínica da
Família 1 do Recando das
Emas
Coordenadores de
Programas do Recanto das
Emas
FEPECS: Fundação de Ensino e Pesquisa em Ciências da Saúde; Fiocruz: Fundação Oswaldo Cruz; UnB: Universidade de Brasília.
* Grupo criado a partir do Colegiado Gestor de Recanto das Emas;
** Grupo criado a partir do grupo de cogestão;
*** Grupo criado a partir do grupo de apoio à Gerência de Políticas e Programas.
Tabela 2
Grupo de pesquisa 13 -
Supervisão Subsecretaria de Atenção Primária em Saúde 5 -
Grupão Gama e Recanto das Emas 18 -
Colegiado Gestor de Recanto das Emas 15 2
Grupo de cogestão 4 -
Grupo de apoio à Gerência de Políticas e Programas 3 -
Colegiado de cogestão da Clínica da Família 1 do Recanto das Emas 3 -
Colegiado de Coordenadores de Programas do Recanto das Emas 16 2
Figura 1
Coordenação Geral de Saúde do Recanto das do apoio para o seu alcance, assim como os pro-
Emas, com o objetivo de identificar as prioridades cessos de apoio instituídos. As segundas rodadas
da gestão para a Atenção Primária e suas percep- foram realizadas três meses depois e foram divi-
ções sobre a contribuição do apoio para o alcance didas em dois momentos: o primeiro para apre-
dessas prioridades. sentação da construção da narrativa para o gru-
Nos meses de maio e agosto de 2014 (Cole- po corrigi-la, discuti-la e validá-la, e o segundo
giado Gestor do Recanto das Emas) e de junho para a atualização da narrativa e a rediscussão
e setembro de 2014 (Colegiado dos Coordena- de alguns temas destacados pelo coletivo para o
dores de Programas), respectivamente, foram processo de análise e intervenção do apoio.
realizados dois ciclos de grupos focais narrati- Esses encontros, grupos focais e entrevistas
vos. Nesses ciclos, as primeiras rodadas tiveram individuais, foram realizados mediante consen-
como objetivos analisar as prioridades da gestão timento livre e esclarecido dos sujeitos e regis-
regional para a Atenção Primária e a contribuição trados em áudio e transcritos posteriormente.
Durante a realização dos grupos focais, obser- promover a mudança do modelo de Atenção Pri-
vadores captaram e registraram informações mária tradicional para a ESF, de forma que os
não-verbais expressas pelos participantes. Os profissionais não entendam como sendo um mo-
pesquisadores elaboraram diários de campo que vimento verticalizado e imposto, e sim horizon-
buscaram fazer rupturas e religações, encadean- talizado e participativo” (narrativa Colegiado
do acontecimentos, histórias e linhas argumen- Gestor do Recanto das Emas).
tativas em um trabalho de interpretação em suas Foram percebidas dificuldades no processo
dimensões de análise e de construção 25,26,27. As de gestão e a necessidade de entendimento sobre
narrativas foram construídas reunindo-se infor- como os atores se percebem nesse processo, e,
mações das transcrições, das anotações dos ob- para isso, foi sugerido que cada gestor constru-
servadores e do diário de campo, construindo-se ísse um diário de campo, durante uma semana,
enredos próprios dos sujeitos de interesse. A lei- para registro de suas atividades, com o objetivo
tura e a validação das narrativas fizeram emergir de identificar se o seu trabalho era condizente ou
as categorias de análise e o desfecho interpretati- não com o estabelecido para a sua função. Com
vo dos achados de pesquisa. isso, foi possível identificar que os gestores não
Diante do encerramento das atividades de tinham momentos para refletirem sobre o seu
pesquisa, foi realizada uma roda final de avalia- processo de trabalho, e isso vinha prejudicando
ção, em novembro de 2014, com a participação o planejamento de suas atividades.
de todos os grupos de interesse para comparti- A segunda atividade realizada pelo Colegiado
lhamento da análise das experiências vivencia- Gestor do Recanto das Emas foi a construção de
das e dos materiais de pesquisa produzidos. Esse um organograma “relacional”, identificando as
espaço proporcionou entendimento e explicita- relações institucionais, pessoais e fluxos inventa-
ção coletiva dos acúmulos produzidos durante dos para gestão cotidiana, contrapondo o enges-
o processo e dos resultados para os sujeitos e samento de um organograma verticalizado e que
instituições envolvidas, em especial do papel da distancia as funções de gestor e trabalhador. A
universidade pública no desenvolvimento insti- partir disso, o grupo propôs a realização de uma
tucional do SUS do Distrito Federal. oficina para identificação de problemas (relacio-
Esta pesquisa foi aprovada pelos Comitês nados na Figura 2) e respectivos eixos de inter-
de Ética em Pesquisa da Faculdade de Saúde da venção: a criação de espaços compartilhados de
UnB (parecer no 191.003) e da Fundação de Ensi- gestão e cogestão nas unidades básicas de saúde;
no e Pesquisa em Ciências da Saúde – FEPECS/ e a reorganização das atribuições e competên-
SES-DF (parecer no 453.476). cias dos coordenadores de programas, vincula-
dos à Gerência de Políticas e Programas, sobre os
quais o apoio atuaria visando a uma mudança do
Resultados e discussão modelo de gestão.
A partir dos dois eixos de intervenção, fo-
Na primeira roda de apoio, em abril de 2013, ram criados dois subgrupos de apoio, com en-
identificou-se a existência de um colegiado ges- contros mensais, para promover a intervenção:
tor que se reunia mensalmente. Essas reuniões Grupo de Cogestão e Grupo de Apoio à Gerên-
seriam o espaço de intervenção do apoio, deno- cia de Políticas e Programas. A permanência
minado Colegiado Gestor do Recanto das Emas, do Colegiado Gestor do Recanto das Emas foi
a partir da construção de relações de compro- mantida, também com rodas de apoio mensais,
missos firmados entre as instituições e os sujeitos como um espaço de formação e supervisão pa-
participantes do projeto. ra os apoiadores compartilharem e analisarem
“Nós estamos tentando construir uma ges- seus processos de trabalho desenvolvidos nos
tão mais participativa. Temos um colegiado ges- dois subgrupos, ao mesmo tempo em que eram
tor, mas não temos um método que nos ajude a provocados a refletirem sobre o exercício do
fazer com que esse espaço seja de cogestão, que apoio institucional.
nos ajude a mudar os nossos processos de traba-
lho. Não conseguimos implantar os colegiados
nas unidades de saúde e hoje não conseguimos Espaços de intervenção do apoio:
exercer o papel de gerentes. Os profissionais apre- Grupo de Cogestão
sentam resistência para a implementação das
ações e as veem com uma tarefa adicional e não Em julho de 2013, o Grupo de Cogestão realizou
compreendem que as ações propostas visam à a sua primeira roda de apoio para a constru-
melhoraria da atenção à saúde. Com a propos- ção da matriz de intervenção do apoio. Nessa
ta do apoio, temos como expectativa aprender ocasião, algumas propostas foram discutidas:
uma nova forma de gerenciar que nos ajude a apoiar individualmente cada equipe; formar
Figura 2
a organização dos processos de trabalho das equi- Espaços de intervenção do apoio: Grupo
pes. Nesse sentido, nossa proposta é ter mais pesso- de Apoio à Gerência de Políticas
as discutindo as atividades diárias com as equipes e Programas
contribuindo, de forma mais direta, para a me-
lhoria da assistência e da gestão. Nós entendemos O Grupo de Apoio à Gerência de Políticas e Pro-
que, com o avançar dessas discussões, as equipes gramas realizou dois encontros, em julho e agos-
vão sentir a necessidade de pactuar suas ações e to de 2013, para planejar a primeira roda de apoio
conversar sobre elas em um espaço de cogestão, com os coordenadores de programas. De agos-
pois essa organização é fundamental” (narrativa to de 2013 a fevereiro de 2014, foram realizadas
Colegiado Gestor do Recanto das Emas). cinco rodas de apoio com os coordenadores de
Nesse processo coletivo de construção, inter- programas, com o propósito de se repensar os
venção e avaliação das ofertas e das demandas processos de trabalho.
dos coletivos, foi feita uma avaliação de que era Em agosto de 2013, foi realizada a primeira
preciso rever a estratégia de priorização da Clíni- roda de apoio com o objetivo de conhecer e en-
ca da Família 1. tender como os coordenadores de programas se
“A estratégia da priorização da Clínica da Fa- organizavam no Recanto das Emas.
mília 1 para implantação do colegiado de coges- “Não sabemos o que a Gerência de Políticas
tão não foi boa porque nem todos os gerentes con- e Programas espera do nosso trabalho por não
seguiram realizar a implementação do colegiado existir objetivos concretos, temos dúvidas de co-
nas demais unidades básicas de saúde, e o grupo mo conduzir as ações. Trabalhamos com temas
de apoio à gestão focou as discussões na Clínica específicos e não conseguimos atender as 23 ESF
da Família 1, gerando um vazio de discussões com na carga horária disponível e, com isso, íamos
relação aos processos de trabalho das outras uni- para as equipes quando era possível e falávamos
dades de saúde. Um de nós traz a proposta de di- de coisas consideradas irrelevantes para elas, mas
vidir os apoiadores em duplas para participarem que eram necessárias para prestar conta para as
e ajudarem na implementação dos colegiados nas nossas chefias” (narrativa do Grupo de Coorde-
outras unidades de saúde” (narrativa Colegiado nadores de Programas).
Gestor do Recanto das Emas). Nesse encontro, a Gerência de Políticas e
As mudanças nas práticas de gestão acon- Programas não foi reconhecida como unidade
teceram mesmo sem a institucionalização gestora de referência e não havia um espaço de
dos colegiados. encontro para compartilhamento de atividades
“Concordamos que houve mudanças no pro- e agendas.
cesso de trabalho em função do apoio e, para um “Precisamos construir espaços de conversas
de nós, é visível a mudança do modelo de gestão, para integrarmos nosso trabalho, para comparti-
pois hoje a nossa gestão é participativa, todos são lharmos nossas agendas, para não ficar cada dia
responsabilizados e temos espaços coletivos deli- uma pessoa diferente na unidade atrapalhando o
berativos. O gestor tem a responsabilidade neste profissional no seu atendimento. Porque se outro
processo, mas o apoio foi o precursor da mudança coordenador já vai à unidade e eu preciso apenas
do modo de conduzir a gestão. Na opinião de al- buscar tal dado, por que ele não pode fazer isso
guns, ocorreram mudanças com relação à postu- para mim?” (narrativa do Grupo de Coordenado-
ra que era autoritária e verticalizada perante as res de programas).
equipes de saúde, e hoje buscamos compartilhar Na segunda roda de apoio, realizada em ou-
as responsabilidades com todos os profissionais, tubro de 2013, o Grupo de Apoio à Gerência de
ampliamos nossos espaços de discussões e pedi- Políticas e Programas preparou uma dinâmica
mos aos profissionais que tragam as sugestões que pudesse problematizar e promover reflexões
para os problemas apontados” (narrativa Cole- sobre a integralidade do cuidado, e, diante dessas
giado Gestor do Recanto das Emas). reflexões, os temas apoio institucional e apoio
As mudanças da gestão e das práticas profis- matricial foram inseridos na discussão.
sionais modificaram também os sujeitos e os pa- “Precisamos sair das ‛caixinhas’ e trabalhar-
drões dominantes da subjetividade, e, para esses mos integrados porque não temos como continuar
movimentos construídos, foi possível perceber trabalhando com uma temática específica se as
que as mudanças possibilitaram a coprodução outras temáticas são transversais para a produção
de autonomia, ampliação da capacidade de aná- do cuidado, mas também é papel do coordenador,
lise e de cogestão das pessoas 6. em alguns momentos, discutir algumas especifici-
dades para que possam ajudar as ESF” (narrativa
do grupo coordenadores de programas).
Na roda de apoio de fevereiro de 2014, após
sete meses de encontros do Colegiado dos
Colaboradores Agradecimentos
J. R. Cardoso participou da concepção, projeto, análise Aos gestores e trabalhadores da Subsecretaria de Aten-
e interpretação dos dados, redação do artigo, revisão ção Primária à Saúde, Distrito Federal e da Regional de
crítica relevante do conteúdo intelectual e foi respon- Saúde do Recanto das Emas, Distrito Federal, pela cons-
sável por todos os aspectos do trabalho na garantia da trução deste trabalho e do SUS. Aos pesquisadores da
exatidão e da integridade de qualquer parte da obra. Fundação Oswaldo Cruz e aos alunos de graduação da
G. N. Oliveira e P. G. Furlan participaram da concep- UnB pelo apoio ao longo de toda a pesquisa. A Eder Luiz
ção, projeto, redação do artigo, revisão crítica relevan- Menezes de Faria pelas contribuições com a edição, a
te do conteúdo intelectual e aprovação da versão a revisão e a diagramação deste trabalho.
ser publicada.