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A importância na inserção do nutricionista

ARTIGO ARTICLE
na Estratégia Saúde da Família

The importance of the insertion of the nutritionist


on the Family Health Strategy

Laryssa Maria Mendes de Geus 1


Cíntia Sovek Maciel 1
Isabel Cristina Araújo Burda 1
Sara Jedida Daros 1
Sunáli Batistel 1
Thiciane Corina Antunes Martins 1
Vanessa Aparecida Ferreira 1
Rafael Gomes Ditterich 2

Abstract The Family Health Strategy has as its Resumo A Estratégia Saúde da Família tem como
main purpose to reorganize the practice of atten- principal propósito reorganizar a prática de aten-
tion to health in new bases and to substitute the ção à saúde em novas bases e substituir o modelo
traditional model existing in Brazil. The new tradicional até então vigente no Brasil. As novas
curriculum guidelines to graduate health profes- diretrizes curriculares para formação das profis-
sionals propose a general formation as well as eth- sões de saúde propõem a formação generalista e
ics, having as its main focus the largest approach ética, tendo como principal foco a maior aproxi-
to the local health services. However, Nutrition mação com os serviços locais de saúde. Entretan-
still does not present a regulation for an active to, a Nutrição não apresenta ainda uma regula-
participation in the Family Health Strategy. Con- mentação para a sua participação ativa dentro
sidering this fact, the Family Health Strategy is da Estratégia Saúde da Família. Levando-se em
directly linked to people’s welfare in many aspects conta a este fato, a Estratégia Saúde da Família
(social, nutritional, psychological, etc). Therefore, está diretamente ligada ao bem estar da popula-
this work intends to present the importance of ção em muitos aspectos (social, nutricional, psi-
the insertion of a nutritionist in the Family cológico, etc.); por isso, este trabalho teve como
Health Strategy for the integrality of health ac- objetivo apresentar a importância da inserção do
tions. The conclusion is that nutritionist is fully nutricionista na Estratégia Saúde da Família para
qualified to work in the Family Health Strategy, a integralidade das ações em saúde. Concluiu-se
because the absence of this professional is against que o nutricionista está plenamente capacitado
the principle of the integrality of the health ac- para atuar na Estratégia Saúde da Família, pois a
tions, as it is evident that no other health profes- sua ausência confronta-se com o princípio da in-
sional possesses education to work with food and tegralidade das ações de saúde, já que é evidente
nutrition within the communities and this pres- que nenhum outro profissional da saúde possui
1
Curso de Nutrição, Centro
de Ensino Superior dos ence would contribute to promote people’s health. formação para atuar na área de alimentação e
Campos Gerais. Av. Carlos Key words Primary health care, Family Health nutrição dentro das comunidades e que sua pre-
Cavalcanti 8000, Uvaranas.
Program, Nutritionist, Public health policy sença só viria a contribuir para a promoção da
84030-000 Ponta Grossa
PR. saúde da população.
laryssamendes@yahoo.com.br Palavras-chave Cuidados primários da saúde,
2
Faculdade de Odontologia,
Programa Saúde da Família, Nutricionista, Polí-
Centro de Ciências
Médicas, Universidade tica pública de saúde
Federal Fluminense.
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Geus LMM et al.

Introdução sociais brasileiras. A inclusão da família como


foco de atenção básica de saúde pode ser ressal-
Nas últimas décadas, o Brasil conquistou gran- tado como um dos avanços, como contribuição
des avanços no campo da saúde, principalmente do ESF para modificar o modelo biomédico de
com o processo de construção do Sistema Único cuidado em saúde. Ultrapassa o cuidado indivi-
de Saúde (SUS), o qual tem como principais pi- dualizado, focado na doença; elege-se aquele que
lares a universalidade, integralidade, descentrali- contextualiza a saúde, produzida num espaço fí-
zação e participação popular. O modelo assis- sico, social, relacional, resgatando as múltiplas
tencial vigente até então no Brasil era caracteriza- dimensões da saúde7.
do pela prática médica voltada para a aborda- Segundo Cavalieri8, a ESF surge como uma
gem biológica e hospitalar, associada a uma uti- estratégia de potencial mecanismo de promoção
lização irracional dos recursos tecnológicos, apre- e recuperação da saúde e prevenção de doenças e
sentando, na grande maioria das vezes, cobertu- adotou como referências as experiências inter-
ra e resolubilidade baixas e de alto custo1. nacionais e nacionais de extensão da cobertura à
A Estratégia Saúde da Família (ESF) surge saúde por meio de assistência às famílias no pró-
num momento de reformulação do SUS, que prio domicílio em articulação com as unidades
amplia a concepção de atenção básica, tendo sido de saúde.
criada no Brasil na década de noventa, cujas pri- No caso específico da ESF, pode-se perceber
oridades são as ações de prevenção, promoção e que sua implementação, em termos técnicos e
recuperação da saúde das pessoas, de forma in- políticos, está sendo proposta e/ou realizada com
tegral e contínua2. base na interação com a comunidade, visando
Em 1994, a ESF foi definida como um modelo construir de forma participativa práticas e estra-
de assistência à saúde que vai desenvolver ações tégias mais eficazes de enfrentamento aos pro-
de promoção e proteção à saúde do indivíduo, da blemas de saúde; ao lado disso, o investimento
família e da comunidade, através de equipes de em educação continuada da equipe de saúde e
saúde, que farão o atendimento na unidade local em informação em saúde destinada para a po-
de saúde e na comunidade, no nível de atenção pulação tem surtido efeitos positivos no que se
primária3. Além do atendimento, suas atividades refere à qualidade da prática assistencial e à ado-
incluem programação, grupos terapêuticos, visi- ção de hábitos e comportamentos mais saudá-
tas e internações domiciliares, entre outras. veis por parte da população9.
Segundo Paim4, modelo de atenção ou mo- No entanto, há quem afirme que sua capacida-
delo assistencial “[...] é uma dada forma de com- de de alteração do modelo assistencial não tem
binar técnicas e tecnologias para resolver proble- obtido o mesmo sucesso ou mesmo que a ESF não
mas e atender necessidades de saúde individuais tem garantido, de forma sistemática, o acesso de
e coletivas. É uma razão de ser, uma racionalida- sua clientela aos níveis de maior complexidade da
de, uma espécie de ‘lógica’ que orienta a ação”. saúde, nem a universalização da cobertura10. Alves
11
A ESF é, atualmente, a principal estratégia de também ressalta que o fenômeno isolado de ex-
APS no Brasil e é até mesmo vista como alavanca pansão do número de equipes de saúde da família
de uma transformação do sistema como um implementadas até então não garante a constru-
todo, o que vem permitindo uma inversão da ção de um novo modelo assistencial.
lógica, que sempre privilegiou o tratamento da Outros apontam que a expansão da ESF tem
doença nos hospitais. Ao contrário, promove a favorecido a equidade e universalidade da assis-
saúde da população por meio de ações básicas, tência – uma vez que as equipes têm sido im-
para evitar que as pessoas fiquem doentes. Con- plantadas, prioritariamente, em comunidades
figura, também, uma nova concepção de traba- antes restritas quanto ao acesso aos serviços de
lho, uma nova forma de vínculo entre os mem- saúde. Entretanto, não se pode admitir, só pelas
bros de uma equipe, diferentemente do modelo estatísticas, que a integralidade das ações deixou
biomédico tradicional, permitindo maior diver- de ser um problema na prestação da atenção.
sidade das ações e busca permanente do consen- Para tanto, faz-se necessário análises qualitati-
so. Sob essa perspectiva, o papel do profissional vas da ESF em desenvolvimento nos municípios
de saúde é aliar-se à família no cumprimento de brasileiros, particularmente quanto às práticas
sua missão, fortalecendo-a e proporcionando o de saúde e aos processos de trabalho cotidia-
apoio necessário ao desempenho de suas respon- nos11. Também se observa uma inadequação da
sabilidades, jamais tentando substituí-la5,6. formação dos profissionais da equipe e uma dis-
O surgimento da ESF reflete a tendência de sonância entre a política de saúde proposta e o
valorização da família na agenda das políticas dia a dia do profissional5.
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Levando-se em conta o fato da Estratégia peso e obesidade não só na população adulta,
Saúde da Família estar diretamente ligada ao mas também em crianças e adolescentes13. Segun-
bem- estar da população em muitos aspectos do Mondini e Monteiro14, as causas estão funda-
(social, nutricional, psicológico, etc.), este traba- mentalmente ligadas às mudanças no estilo de
lho teve como objetivo apresentar a importância vida e suas consequências para os hábitos alimen-
da inserção do nutricionista na Estratégia Saúde tares da população. Como prova, verifica-se que
da Família, tendo como ponto de discussão o a obesidade é mais frequente em regiões mais de-
princípio da integralidade do SUS. senvolvidas do país, como Sul e Sudeste.
Nas últimas décadas, os vários estudos que
verificaram o aumento na prevalência de sobrepe-
Situação nutricional do país na atualidade so e obesidade em vários países apresentaram dentre
as causas deste novo cenário nutricional fatores
O perfil da saúde da população brasileira e a tran- genéticos e ambientais, tendo a contemporânea
sição epidemiológica em curso no Brasil, fruto redução no dispêndio energético como um dos fa-
das mudanças no perfil demográfico e nutricio- tores determinantes da atual epidemia de obesida-
nal da população, vêm promovendo profundas de observada nos grandes centros urbanos15.
alterações no padrão de morbimortalidade e no Embora o estado de nutrição energético-pro-
estado nutricional em todas as faixas etárias, em téica seja o aspecto paradigmático da epidemio-
todo o espaço geográfico, nas áreas urbana e rural logia dos problemas nutricionais no país, parece
das grandes e pequenas cidades12. interessante sair de uma leitura reducionista para
A falta de equilíbrio na atenção à saúde e a uma descrição mais ampla das mudanças no iti-
distribuição heterogênea dos seus agravos per- nerário dos problemas nutricionais dos tempos
meiam todas as instâncias e todos os ciclos de atuais. Esta abordagem responde à própria ex-
vida da população brasileira (crianças, jovens, pectativa de se conhecer como estariam evoluin-
adultos, gestantes e idosos), definindo-se nessa do os problemas com a alimentação, no mo-
complexidade social o perfil nutricional e alimen- mento em que se operam mudanças cruciais no
tar diretamente vinculado ao padrão de morbi- cenário epidemiológico do país16.
mortalidade da população, indicando a ascensão Importante considerar que, em relação aos
das doenças não transmissíveis, como diabetes, diversos fatores que contribuem na determina-
obesidade, neoplasia, hipertensão arterial e hiper- ção das condições alimentares e nutricionais nas
lipidemias, as quais se mostram fortemente asso- comunidades, estes têm influência reduzida no
ciadas às condições de nutrição e ao estilo de vida tocante à definição das ações de saúde, fazendo
adotado e/ou imposto pela sociedade moderna12. com que não se concretizem na saúde, por exem-
Devendo-se destacar que nosso país convive plo, ações de promoção envolvendo a questão
com enfermidades típicas de países subdesenvol- da alimentação saudável, da atividade física, en-
vidos, cuja causa é a fome e a desnutrição, resul- tre outras. Ao não ser percebida a amplitude que
tado de uma associação de má alimentação e envolve a questão alimentar e nutricional, esta
nutrição, bem como de um inadequado estilo de não é tratada enquanto uma questão coletiva que
vida. É nesse contexto que justifica a inserção do exige uma intervenção interdisciplinar, ficando
nutricionista na equipe de atenção básica de saú- reduzida a ações de intervenção individuais17.
de da família2.
Isso faz com que se conviva com extremos,
como o declínio das formas grave e moderada A inserção do nutricionista
da desnutrição energético-protéica, com persis- na Estratégia Saúde da Família
tência da forma leve, e o despontar do problema
do sobrepeso e da obesidade nesta mesma po- Segundo Pires18, o trabalho em saúde é um traba-
pulação. Associando-se a esse quadro ainda as lho essencial para a vida humana e é parte do setor
deficiências específicas de micronutrientes com de serviços. É um trabalho da esfera da produção
altas prevalências, particularmente da vitamina não material, que se completa no ato de sua reali-
A e do ferro dietético, repercutindo em elevadas zação. Não tem como resultado um produto mate-
taxas de anemia que acometem principalmente rial, independente do processo de produção e co-
as crianças pré-escolares, especialmente aquelas mercializável no mercado. O produto é indissociá-
que vivem na Região Nordeste12. vel do processo que o produz; é a própria realização
No Brasil, a transição nutricional é caracteri- da atividade. Aponta também que hoje, em sua
zada pela redução na prevalência dos déficits nu- maioria, esse trabalho é coletivo, realizado por
tricionais e ocorrência mais expressiva de sobre- diversos profissionais de saúde e diversos outros
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Geus LMM et al.

grupos trabalhadores, que desenvolvem uma sé- vidades delegadas, mas mantêm certo espaço de
rie de atividades necessárias para a manutenção decisão e domínio de conhecimentos, típico do
da estrutura institucional. trabalho profissional18.
A ESF, para alcançar todos os seus objetivos Entretanto, a Estratégia Saúde da Família
e efetivamente ser uma estratégia de mudança do apresenta uma série de vazios e contradições en-
modelo assistencial, necessita de profissionais tre sua matriz conceitual e sua implementação
radicalmente novos, no sentido de assumirem efetiva. Uma destas contradições diz respeito ao
posturas e práticas distintas das hoje vigentes, caráter indisciplinar da proposta, visto que a
especialmente no campo de atenção básica19. imensa maioria das unidades assistenciais conta
Para que essa nova prática se concretize, faz- apenas com a chamada equipe mínima, consti-
se necessária a presença de um profissional com tuída por médico, enfermeiro, técnicos de enfer-
visão sistêmica e integral do indivíduo, família e magem e agentes comunitários de saúde23.
comunidade, um profissional capaz de atuar com Integrar ações preventivas, promocionais e
criatividade e senso crítico, mediante uma práti- assistenciais; integrar profissionais em equipes
ca humanizada, competente e resolutiva, que en- interdisciplinar e multiprofissional para uma
volve ações de promoção, de proteção específica, compreensão mais abrangente dos problemas de
assistencial e de reabilitação. Um profissional ca- saúde e intervenções mais efetivas; integrar par-
pacitado para planejar, organizar, desenvolver e tes de um organismo vivo, dilacerado e objetivi-
avaliar ações que respondam às reais necessida- zado pelo olhar reducionista da biomedicina e
des da comunidade, articulando os diversos se- reconhecer nele um sujeito, um semelhante a mim
tores envolvidos na promoção da saúde. Para mesmo, isto implica a assimilação do princípio
tanto, deve realizar uma permanente interação da integralidade em prol da reorientação do
com a comunidade, no sentido de mobilizá-la, modelo assistencial. Esta assimilação deve se pro-
estimular sua participação e envolvê-la nas ativi- cessar cotidianamente nos encontros entre pro-
dades – todas essas atribuições deverão ser de- fissionais e usuários nos serviços de saúde, lócus
senvolvidas de forma dinâmica, com avaliação de exercício de racionalidades, sejam estas de
permanente, pelo acompanhamento de indica- manutenção do modelo assistencial vigente e he-
dores de saúde da área de abrangência6. gemônico – marcadamente reducionista, biolo-
A equipe multiprofissional possibilita orga- gicista, individualista, centrado na doença e ori-
nizar o trabalho com um nível de complementa- entado para a cura – ou de construção de um
ridade e, ao mesmo tempo, de especificidade, que novo modelo assistencial – integral, humaniza-
melhor atendem os níveis distintos de demanda do e compromissado com o atendimento de ne-
por atenção da população20. Segundo Papp21, a cessidades e com a garantia do direito à saúde da
visão de vários profissionais sobre uma situação população11.
única permite uma melhor percepção da situa- Assim, pode-se questionar se a equipe míni-
ção em estudo, garantindo um resultado mais ma proposta para a ESF conseguirá em médio
próximo das aspirações da comunidade. Assim, prazo avançar na integralidade da atenção. Fo-
esses profissionais e a população acompanhada calizando particularmente a área da alimentação
criam vínculos de corresponsabilidade, o que fa- e nutrição, pode-se pressupor que se encontram
cilita a identificação e o atendimento aos proble- ausentes na equipe, hoje formada, condições
mas de saúde da comunidade22. técnicas e operacionais para inovar na atenção
No entanto, em muitos municípios que im- em direção à segurança alimentar24.
plantaram a Estratégia Saúde da Família, cada O nutricionista é um profissional de saúde
grupo profissional se organiza e presta parte da cuja formação visa à atuação no Sistema Único
assistência de saúde separado dos demais, mui- de Saúde (SUS). As diretrizes curriculares nacio-
tas vezes duplicando esforços e até tomando ati- nais do Conselho Nacional de Educação, do Mi-
tudes contraditórias. Os profissionais envolvi- nistério da Educação, para os alunos de Medici-
dos dominam os conhecimentos para o exercício na, Enfermagem e Nutrição foram estabelecidas
das atividades específicas de sua qualificação pro- por meio de um parecer conjunto para os três
fissional; no entanto, os médicos, no âmbito do cursos, que estabeleceu como seu objeto: Permi-
trabalho coletivo institucional, ao mesmo tempo tir que os currículos propostos possam construir
em que dominam o processo de trabalho em saú- perfil acadêmico e profissional com competências,
de, delegam campos de atividades a outros pro- habilidades, conteúdos, dentro de perspectivas e
fissionais de saúde, como enfermagem, nutrição, abordagens contemporâneas de formação pertinen-
fisioterapia, etc. Esses profissionais executam ati- tes e compatíveis com abordagens nacionais e in-
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ternacionais, capazes de atuar com qualidade, efi- O Conselho Federal de Nutricionistas (CFN),
ciência e resolutividade, no Sistema Único de Saú- por entender que a alimentação saudável é essen-
de, considerando o processo da Reforma Sanitária cial para a qualidade de vida da população, vem
Brasileira25. defendendo, ao longo dos anos, a inserção do
Ao descrever o perfil do formando/egresso nutricionista nas equipes da ESF. Várias estraté-
do curso de graduação em Nutrição, o referido gias estão sendo desenvolvidas para isso, já que
documento aponta que o nutricionista deve es- o nutricionista é o profissional habilitado na área
tar capacitado a atuar visando à segurança ali- de alimentação e nutrição com perfil para aten-
mentar e à atenção dietética, em todas as áreas der essa necessidade da população24.
em que a alimentação e a nutrição se apresentem Sua inclusão revela-se uma necessidade polí-
fundamentais para a promoção, manutenção e tico-social relevante. Esse profissional deve com-
recuperação da saúde e a prevenção de doenças plementar a equipe multiprofissional, com o
de indivíduos ou grupos populacionais. Por se- objetivo de orientar a população e os equipa-
gurança alimentar, entende-se a realização do mentos sociais, sensibilizando e promovendo
direito de todos ao acesso regular e permanente mudança dos hábitos alimentares. Sua inserção
a alimentos de qualidade, em quantidade sufici- apóia-se principalmente na aprovação da Políti-
ente, sem comprometer o acesso a outras neces- ca Nacional de Alimentação e Nutrição pelo Mi-
sidades essenciais, tendo como base práticas ali- nistério da Saúde, a qual delega ao setor a reali-
mentares promotoras de saúde, que respeitem a zação de ações e formulação de políticas públicas
diversidade cultural, e que sejam social, econô- voltadas à alimentação e nutrição, direcionadas
mica e ambientalmente sustentáveis. Consideran- à promoção de saúde, à prevenção e controle de
do que a formação visa à atuação no SUS, seria deficiências nutricionais e doenças crônicas não
coerente esperar que os nutricionistas estivessem transmissíveis23.
plenamente inseridos nele, o que, de fato, não A inserção desse novo componente foi am-
acontece. Os hospitais contam mais regularmen- plamente discutida e divulgada com o propósito
te com o trabalho do nutricionista, mas na rede de subsidiar as discussões dos nutricionistas e
básica de saúde, a inserção de nutricionistas ain- suas entidades nos estados e municípios. Em di-
da é incipiente26. versos municípios brasileiros, a inclusão do nu-
A ausência do nutricionista na rede básica de tricionista nas equipes da ESF é uma realidade8.
saúde não se deve a uma falha nas atribuições do Para Fontineli Júnior2, as principais ativida-
profissional descritas na legislação que regula- des desenvolvidas são a identificação dos hábitos
menta a profissão, tampouco a uma falta de ha- alimentares da população e dos grupos de risco
bilidade técnica em participar das equipes de saú- nutricional; a ampliação do Programa de Com-
de dos estados brasileiros. Trata-se de uma ques- bate às Carências Nutricionais; o monitoramen-
tão histórica, estrutural na política de saúde25. to nutricional de gestantes; a promoção de práti-
A ESF é claramente um novo campo de tra- cas alimentares saudáveis; o incentivo ao aleita-
balho para o nutricionista. Agregar esse profissi- mento materno exclusivo até os seis meses e mis-
onal à ESF é um ato claro de garantir à popula- to até os dois anos, dentre outros. O CFN está
ção serviços fundamentais para assegurar uma debatendo este tema em nível nacional, para de-
alimentação saudável e, consequentemente, pre- senvolver mecanismos técnicos e políticos capa-
venir doenças, promover e recuperar a saúde23. zes de interferir na tomada de decisão política do
Segundo Cavalieri8, a inserção do nutricionista governo e integrar o nutricionista na ESF.
na equipe da ESF é justificada pela sua formação Complementando, Cavalieri8 aponta as atri-
acadêmica, que o capacita a realizar o diagnóstico buições do nutricionista dentro da ESF, que são:
nutricional da população de maneira a propor ori- . Identificação de áreas de risco nutricional
entações dietéticas necessárias e adequadas aos na comunidade;
hábitos da unidade familiar, ao meio cultural e le- . Diagnóstico/monitoramento do estado nu-
vando em conta a disponibilidade de alimentos. tricional da família e da comunidade;
Além disto, foi observada uma elevada pre- . Diagnóstico de problemas alimentares e nu-
valência de queixas relacionadas a sobrepeso e tricionais (carências ou excessos);
obesidade entre os indivíduos atendidos pela Es- . Identificação de fatores de risco nutricional
tratégia Saúde da Família. Isso reforça a necessi- na comunidade;
dade de uma contínua discussão sobre o caráter . Identificação de grupos biologicamente mais
interdisciplinar do ESF e, portanto, sobre a in- vulneráveis do ponto de vista do estado nutri-
serção do profissional nutricionista23. cional;
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Geus LMM et al.

. Realização de palestras educativas para gru- gia, homeopatia, pediatria e psiquiatria) nos NASF
pos focais; dependerá do perfil epidemiológico do município
. Incentivo e definição de estratégias de apoio e do território, bem como da sensibilidade dos
comunitário ao aleitamento materno; gestores municipais na definição do perfil dos
. Orientações sobre higiene e conservação de profissionais que farão parte dos núcleos27.
alimentos; A Portaria no 154 inclui o nutricionista como
. Orientações dietoterápicas a nível domici- responsável pelas seguintes atividades no NASF20:
liar, quando necessário; . Coordenação das ações de diagnóstico po-
. Diagnóstico de consumo e práticas alimen- pulacional da situação alimentar e nutricional;
tares locais; . Promoção da alimentação saudável para
. Identificação de estratégias de segurança ali- todas as fases do curso da vida; estímulo à pro-
mentar disponíveis na comunidade; dução e o consumo dos alimentos saudáveis pro-
. Implantação de ações de vigilância alimen- duzidos regionalmente;
tar e nutricional. . Capacitação da ESF e participação de ações
Em relação à participação do nutricionista na vinculadas aos programas de controle e preven-
equipe de ESF, cabe o registro de que ainda são ção dos distúrbios nutricionais, como carências
muitos os caminhos para esta consolidação. No por micronutrientes, sobrepeso, obesidade, doen-
entanto, experiências de programas de residência ças crônicas não transmissíveis e desnutrição; ela-
multiprofissionais em saúde da família vêm de- boração das rotinas de atenção nutricional e aten-
monstrando que os nutricionistas estão aptos a dimento para doenças relacionadas à alimenta-
atuarem na ESF e que sua inclusão qualifica as ção e nutrição, de acordo com protocolos de aten-
ações de saúde em direção à integralidade. A não ção básica, organizando a referência e a contrar-
inclusão do nutricionista na equipe mínima da referência do atendimento e promoção da articu-
ESF impede a sociedade de desfrutar das atribui- lação intersetorial para viabilizar as ações volta-
ções dadas ao profissional e que contribuem para das para a segurança alimentar e nutricional.
a promoção da saúde da população8.
Sobre a importância da presença do nutricio-
nista na ESF, basta lembrar que o quadro nutrici- Considerações finais
onal da população brasileira está em total dese-
quilíbrio, alguns adoecendo por excesso de peso e Portanto, mostra-se fundamental a inserção do
outros ainda morrendo por desnutrição. Sem os profissional nutricionista na ESF, com vistas à
conhecimentos técnicos sobre a alimentação, promoção da saúde em todas as fases da vida,
mostra-se muito difícil - praticamente impossível abordando aspectos de alimentação saudável, a
- a reversão deste quadro, pois necessita de uma questão da segurança alimentar, da cidadania e
atuação eficiente de nutricionistas para que possa do direito humano fundamental à alimentação.
se promover a saúde por meio da alimentação. Principalmente este último pode fornecer bases
Em 2008, o Ministério da Saúde enfim reco- para a busca dos direitos por meio da exposição
nhece a importância de outros profissionais de sobre qual é o papel de cada um e como se arti-
saúde na ESF; por meio da Portaria no 154, cria cular para tanto. Além disso, é importante a dis-
os Núcleos de Apoio à Saúde da Família (NASF), cussão da importância de todos, assim como do
com o objetivo de ampliar a abrangência e o es- Estado, na garantia dos direitos à saúde, especi-
copo das ações da atenção básica, bem como sua ficamente à segurança alimentar28.
resolubilidade, apoiando a inserção da Estraté- O nutricionista está plenamente capacitado
gia Saúde da Família na rede de serviços e o pro- para atuar na Estratégia Saúde da Família, pois a
cesso de territorialização e regionalização a par- sua ausência confronta-se com o princípio da
tir da atenção básica27. integralidade das ações de saúde, já que é eviden-
Entretanto, a inserção dos profissionais de te que nenhum outro profissional da saúde pos-
saúde (assistente social, professor de educação fí- sui formação para atuar na área de alimentação
sica, farmacêutico, fisioterapeuta, fonoaudiólo- e nutrição dentro das comunidades e que sua
go, nutricionista, psicólogo, terapeuta ocupacio- presença só viria a contribuir para a promoção
nal e médico nas áreas de acupuntura, ginecolo- da saúde da população.
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Colaboradores Referências

LMM Geus trabalhou na organização e redação 1. Santos AC. A inserção do nutricionista na estraté-
do artigo. CS Maciel, ICA Burda, SJ Daros e S gia de saúde da família: o olhar de diferentes traba-
lhadores da saúde. Fam Saúde Desenvol 2005;
Batistel participaram da concepção e redação ini- 7(3):257-265.
cial do artigo. TCA Martins e VA Ferreira partici- 2. Fontineli Júnior K. Programa Saúde da Família (PSF)
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Artigo apresentado em 08/02/2008


Aprovado em 29/102008
Versão final apresentada em 30/11/2008

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