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A educação em saúde na Estratégia Saúde da Família

sob a perspectiva do enfermeiro: uma revisão de literatura


Marcelle Aparecida de Barros Junqueira1, Fabiana Carla da Silva Santos2

Resumo

De acordo com as diretrizes da Política de Promoção


da Saúde, a educação em saúde é uma das estratégias
utilizadas para efetivar uma aproximação entre os serviços
de saúde e a comunidade. Este estudo objetiva descrever
a produção científica sobre educação em saúde na
Estratégia Saúde da Família, na perspectiva do enfermeiro.
Foi utilizada uma busca online, por meio da base de dados
LILACS; com os descritores: Programa Saúde da Família,
educação em saúde, enfermeiro. Os resultados mostraram
15 trabalhos, os quais atendiam aos critérios de inclusão e
delinearam quatro eixos temáticos: “Educação em Saúde
realizada a partir do modelo tradicional”; “Dificuldades do
profissional enfermeiro em atividades educativas”; “Práticas
educativas voltadas a grupos de pacientes com patologias
específicas”; “Necessidade de formação adequada do
enfermeiro para atender as novas demandas de educação
em saúde”. Percebe-se que o modelo de educação em
saúde praticado pelos enfermeiros ainda se mantêm no
modelo tradicional e hegemônico, sendo realizada somente
como transferência de conhecimentos. É necessária uma
mudança no currículo das universidades para a formação
consistente em educação em saúde, além da necessidade
da educação permanente àqueles profissionais que já atuam
na atenção primária, a fim de que se possa compartilhar e
construir conhecimentos em saúde de maneira realmente
emancipatória, efetiva e transformadora.

Palavras-chave

Educação em Saúde. Enfermeiro. Programa Saúde da


Família.

1. Doutora em Ciências pela Universidade de São Paulo, professora no curso de Enfermagem da Faculdade de
Medicina da Universidade Federal de Uberlândia. E-mail: marcellebarros@famed.ufu.br.
2. Graduada em Enfermagem pela Universidade Federal de Uberlândia. E-mail: fabi_nurse@yahoo.com.br.

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The health education in the Family Health Strategy
from the perspective of the nurse: a literature review
Marcelle Aparecida de Barros Junqueira*, Fabiana Carla da Silva Santos**

Abstract

According to the guidelines of Health Promotion, health


education is seen as one of the strategies used to get a closer
relationship between health services and the community.
This study aims to describe what the scientific literature has
revealed about health education in family health strategy: in
the nurses ‘ perspective, for this literature review, we used an
online search through the LILACS database. The keywords
used were: the Family Health Program, health education,
nurse. The results showed 15 studies which met the
inclusion criteria and outlined four thematic areas: “Health
Education, held from the traditional model”; “The nurse
difficulties in educational activities”; “Educational practices
aimed at groups of patients with specific pathologies”; “The
need of better formation courses for nurses to meet the
new demands of health education”. It is perceived that the
model of education in health practiced for the nurses still is
remained in the traditional and hegemonic model, being only
carried through as transference of knowledge. A change in
the resume of the universities for the consistent formation
in education in health is necessary, beyond the necessity
of the permanent education to those professionals who
already act in the primary attention, so that if she can share
and construct knowledge in health in really emancipatory
way, effective and transforming.

Keywords

Education in Sealth. Nurse. Program Health of the Family.

* Doctor in Sciences at the University of São Paulo, professor in the Nursing course at the Medicine Faculty at the
Federal University of Uberlândia. E-mail: marcellebarros@famed.ufu.br.
** Nursing graduated at the Federal University of Uberlândia. E-mail: fabi_nurse@yahoo.com.br.

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Introdução

A Estratégia de Saúde da Família é um representações de sociedade e de homem


projeto dinamizador do Sistema Único de que se quer formar. Por meio da educação, as
Saúde (SUS), condicionada pela evolução novas gerações adquirem os valores culturais
histórica e pela organização do sistema de saúde e reproduzem ou transformam os códigos
no Brasil. A velocidade de expansão da Saúde sociais de cada sociedade (PEREIRA, 2003).
da Família comprova a adesão de gestores A educação não é sinônimo de
estaduais e municipais aos seus princípios. transferência de conhecimento pela simples
Iniciado em 1994, apresentou um crescimento razão de que não existe um saber feito e acabado,
expressivo nos últimos anos. A consolidação suscetível de ser captado e compreendido
dessa estratégia precisa, entretanto, ser pelo educador e, em seguida, depositado nos
sustentada por um processo que permita a educando. Segundo Freire (1987), a educação,
real substituição da rede básica de serviços a partir da transmissão de informações,
tradicionais no âmbito dos municípios e pela consiste em uma educação “bancária”, pois
capacidade de produção de resultados positivos
nos indicadores de saúde e de qualidade de quanto mais se exercitem os educando no
vida da população assistida (BRASIL, 2011). arquivamento dos depósitos que lhes são
A expansão e a qualificação da atenção feitos, tanto menos desenvolverão em si a
consciência crítica de que resultaria a sua
básica, organizadas pela Estratégia Saúde inserção no mundo, como transformadores
da Família, compõem parte do conjunto dele, como sujeitos (BACKES et al, 2008).
de prioridades políticas apresentadas pelo
Ministério da Saúde e aprovadas pelo Conselho De acordo com Backes e colaboradores
Nacional de Saúde. Esta concepção supera a (2008) e Santos e Penna (2009), é possível
antiga proposição de caráter exclusivamente compreender que a educação em saúde
centrado na doença, desenvolvendo-se está intimamente relacionada com as ações
por meio de práticas gerenciais e sanitárias, cuidadoras. Isso nos remete à dupla identidade
democráticas e participativas, sob a forma de dos profissionais de saúde – a de educador e
trabalho em equipes, dirigidas às populações a de trabalhador de saúde. Essa duplicidade
de territórios delimitados, pelos quais mostra que a educação ocupa lugar central
assumem responsabilidade (BRASIL, 2011). no trabalho em saúde e, muitas vezes, é o
que o torna viável. Não é possível pensar
Saúde e Educação: intersecção entre a saúde sem, simultaneamente, pensar a
dois campos educação e as relações existentes entre ambas.
E é exatamente nessa perspectiva, que
De acordo com Freire (1987), educação o Ministério da Saúde preconiza a prática
é comunicação, é diálogo, na medida em da educação em saúde, pois essa linha de
que não é transferência de saber, mas um pensamento converge para a interssetorialidade
encontro de sujeitos interlocutores que e interdisciplinaridade e é significativamente
buscam a significação dos significados. mais rica culturalmente e mais produtiva
Educar não significa simplesmente quando o conhecimento é considerado. Além
transmitir/adquirir conhecimentos. Existe, disso, a articulação entre educação e saúde, sob
no processo educativo, um arcabouço de a ótica da relação interpessoal, do cuidado e do

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respeito, constitui-se como uma das mais ricas desenvolver a reflexão e a consciência crítica
fontes de interdisciplinaridade (FERNANDES; das pessoas sobre as causas de seus problemas
BACKES, 2010). de saúde, enfatizando o desencadeamento de
um processo baseado no diálogo, de modo
Educação em saúde que se passe a trabalhar com pessoas e não,
para as pessoas (MACHADO et al., 2007).
Ressaltando, ainda, a importância do tipo
A educação em saúde é vista, hoje, de diálogo e de comunicação que o profissional
como uma das estratégias utilizadas na atenção estabelece com a comunidade para efetivar a
primária para efetivar uma aproximação entre educação em saúde, pode ser uma oportunidade
os serviços de saúde e a comunidade, entre o para ajudar o outro a ampliar sua capacidade para
educador e o educando, em um processo de enfrentar a realidade em que vive e descobrir
ensino-aprendizagem. A educação em saúde é soluções práticas para resolver seus problemas
o processo educativo complexo e de construção e conflitos e a se ajustar ao que não pode ser
permanente, no qual acontece a troca de mudado, caminhando para a independência e
conhecimento, em geral de saúde, de costume autonomia (STEFANELLLI; CARVALHO, 2005).
e cultura, com a finalidade debater e promover Portanto o profissional que vai trabalhar
a tomada de decisão de uma população sobre as com famílias deve conhecer valores, crenças e
práticas de saúde (FERNANDES; BACKES, 2010). procedimentos. Para se relacionar com o outro,
É, ainda, uma prática de competência este profissional deve primeiro conhecer os
importante e inerente ao trabalho do enfermeiro, próprios pensamentos e sentimentos e aceitar-se
que deve ser continuamente desenvolvida como ser humano para depois interagir de forma
e avaliada, visto que a educação em saúde, efetiva (STEFANELLLI; CARVALHO, 2005).
avaliada pela ótica do processo político A educação em saúde é a estratégia
pedagógico requer o desenvolvimento de um adotada pelo SUS para a promoção da saúde na
pensar crítico e reflexivo, permitindo desvelar comunidade à qual contribui estrategicamente
a realidade e propor ações transformadoras para a identificação e planejamento das ações
que levem o indivíduo a sua autonomia e no nível primário de atenção à saúde e incentiva
emancipação enquanto sujeito histórico e a procura de soluções coletivas dos problemas,
social, capaz de propor e opinar nas decisões promovendo debates, tomadas de decisões
de saúde para cuidar de si, de sua família e e práticas de saúde com a comunidade.
da coletividade (MACHADO et al., 2007). Torna-se importante conhecer a relevância
É também um conjunto de práticas dessas práticas para os profissionais enfermeiros
que contribui para aumentar a autonomia que trabalham na Estratégia Saúde da Família.
das pessoas no seu cuidado e no debate com Visto que para realização do processo educativo
os profissionais e gestores, para alcançar em saúde é necessário que o profissional
uma atenção de saúde de acordo com as se utilize de habilidades e conceitos sobre
necessidades do local. A educação em saúde cultura, estilos de vida, política, sociedade e
potencializa o exercício da participação popular religião (MACHADO et al., 2007). É importante
e do controle social sobre as políticas e os ressaltar que a perspectiva na qual a educação
serviços de saúde, no sentido de que respondam em saúde é realizada pode ser um entrave para
às necessidades da população (BRASIL, 2009). o entendimento acerca do que o profissional irá
A educação em saúde deve ser vista ensinar ou, como afirma Boebs e colaboradores
como prática social e um processo capaz de (2007), pode ser um processo no qual se

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inclui decisões, negociações, rituais e rotinas. Método
O envolvimento do enfermeiro nas ações
que visam à educação em saúde, desenvolvidas As etapas da revisão foram preconizadas
junto à comunidade, garante uma crescente e padronizadas pelo referencial metodológico
integralidade e produção de equidade, o que de Galvão, Sawada e Trevisan (2004). Para sua
é importante para as atividades desenvolvidas operacionalização, foram seguidas as seguintes
cotidianamente nos serviços de saúde. etapas:
Muitos profissionais acreditam que
a “palestra” ainda é a metodologia que 1. Estabelecimento do problema de
melhor simboliza a educação em saúde revisão: o problema da revisão foi o conteúdo
(BOEBS et al, 2007). No entanto, sabemos da produção científica acerca da educação
que, de maneira verticalizada, com temas em saúde na Estratégia Saúde da Família na
prontos e sem interação com o indivíduo, perspectiva do enfermeiro.
não acontece educação em saúde, apenas
repasse de informações, o que é insuficiente 2. Seleção da amostra de publicações3:
para produzir mudança de comportamento. para essa revisão de literatura foi utilizada
Diante do atual contexto, percebe-se que uma busca online, por meio da base de dados
a atuação da enfermagem na atenção primária LILACS4, realizada em novembro de 2011,
é extremamente importante, porém, na prática, e utilizados os descritores: Programa Saúde
o que se percebe é que os profissionais não têm da Família, educação em saúde, enfermeiro.
dado tal relevância às atividades relacionadas
à educação em saúde na Estratégia Saúde 3. A seleção dos estudos: após a leitura
da Família. Isto acontece, com certeza, por inicial dos títulos e resumos, para avaliar a
vários fatores, no entanto o que direciona este coerência dos estudos a serem pesquisados,
trabalho vem dos seguintes questionamentos: e obedecendo-se os critérios relatados, o
O que os estudos brasileiros têm mostrado total de referências para análise se perfez em
quanto às percepções, conceitos e ações dos 15 trabalhos na íntegra.
enfermeiros sobre a educação em saúde na
Estratégia Saúde da Família? Quais são os
Resultados e Discussão
fatores que mais emergem desses estudos?
Portanto, o objetivo desse estudo foi Caracterização dos estudos
descrever a produção científica acerca da
educação em saúde na Estratégia Saúde da Na Tabela 1, foram distribuídos os 15
Família na perspectiva do enfermeiro. trabalhos de acordo com o ano, título e local de
publicação.

3. Como critérios de inclusão foram selecionados estudos que: estivessem disponibilizados na íntegra e tivessem relação
com o objetivo proposto. Como critérios de exclusão foram adotados: artigos que não estivessem em português,
inglês ou espanhol e que não fossem diretamente relacionados com o Programa Saúde da Família.
4. Foram encontradas 31 referências na base de dados LILACS e selecionadas 15 delas para análise.

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Na tabela acima, percebe-se que a A atuação tradicional da saúde
maioria dos estudos foi publicada em 2010. conduz a comunidade a uma compreensão
Destacando-se, também, um aumento do fragmentada da sua realidade familiar e
número de publicações a partir do ano de 2006. comunitária, gerando dependentes sociais.
Dessa forma, tem- se enfrentado problemas
com o desenvolvimento de um novo modelo
Análise descritiva dos estudos
assistencial (CARRIJO; PONTES; BARBOSA,
2003). O modelo hegemônico, o qual
A análise descritiva dos artigos focaliza a doença, e a intervenção curativa,
encontrados possibilitou o entendimento da fundamentada no referencial “biologicista”
educação em saúde, na Estratégia Saúde da do processo saúde-doença, preconiza a
Família, a partir da perspectiva do enfermeiro, prevenção das doenças a partir de mudanças de
por meio da convergência de quatro grandes comportamentos individuais (SILVA et al, 2006).
temas de discussão: “Educação em Saúde Segundo Oliveira e Marcon (2007),
realizada a partir do modelo tradicional”; a concepção de educação em saúde dos
“Dificuldades do profissional enfermeiro em enfermeiros ainda é tradicionalista, já que
atividades educativas”; “Prática educativa estipula que o repasse do saber acontece
voltada a grupos de pacientes com patologias verticalmente, junto a um indivíduo passivo
especificas”; “Necessidade de formação que deve modificar seu comportamento
adequada do enfermeiro para atender as de acordo com o que lhe é recomendado.
novas demandas de educação em saúde”. O grande desafio para os trabalhadores
do Programa Saúde da Família, em especial
os da enfermagem, é a necessidade de rever
Educação em Saúde realizada a partir
sua prática diante de novos paradigmas,
do modelo tradicional sendo indispensável repensar os processos
de trabalho, bem como adotar metodologias,
As principais atividades encontradas, instrumentos e conhecimentos diferentes
desenvolvidas de educação em saúde na dos atualmente instituídos (VILLAS
Estratégia Saúde da Família, foram orientações BÔAS; ARAÚJO; TIMÓTEO, 2008).
em grupos (grupos de gestante, diabéticos, Os estudos caracterizam o cuidado da
hipertensos), “as palestrinhas” e orientações saúde da família como prática tradicional
sobre higiene, hábitos saudáveis, mecanismos de abordagem individual, pois consideram
das doenças, ou seja, ainda se mantêm uma qualquer intervenção da equipe como
forma de fazer educação em saúde verticalizada, familiar e faz com que o termo família
conservando metodologias tradicionais e o perca a sua especificidade, dificultando
modelo hegemônico, no qual o profissional o alcance da integralidade e do cuidado.
de saúde ainda cumpre o papel de “detentor Em relação ao PSF, vale ressaltar que
do saber”. A população, por sua vez, é “vazia é necessário reconsiderar metas e promover
de conhecimentos”, sendo este um senso reajustes na prática acerca do trabalho com
comum entre profissionais da área, o que famílias, ponderando que os princípios e
dificulta a formação de vínculos efetivos com diretrizes do programa, por si só, são incapazes
a comunidade (ARAUJO et al., 2010); (JESUS de responder ao propósito de inversão do
et al., 2008); (CARRIJO; PONTES; BARBOSA modelo assistencial tradicional, exigindo
et al., 2003); (OLIVEIRA; MARCON, 2007). ações muito mais abrangentes do que a

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capacidade de intervenção das equipes de de recursos para desenvolver as atividades
saúde da família (OLIVEIRA; MARCON, 2007). propostas por essa estratégia, dificuldade
Estudos mostraram que o princípio da de trabalho em equipe, e, ainda, a falta de
integralidade do cuidado, que é valorizado pela conhecimento da população em relação às
Estratégia de Saúde da Família, não consegue se responsabilidades dos profissionais da equipe
efetivar nas Unidades. O trabalho das equipes de saúde, o que dificulta o desenvolvimento
se mostra inautêntico com a proposta desta das atividades na unidade de saúde e
estratégia, que preconiza ações educativas também em outros espaços na comunidade.
coletivas de saúde realizadas em equipe. Estudos como os de Cervo e Ramos
Sabe-se que, quando não são consideradas as (2006); Silva e colaboradores (2006), Araújo
complexidades do usuário e sua experiência e colaboradores (2010); Jesus e colaboradores
diante do desequilíbrio da sua saúde, há (2008) refletem uma grande insatisfação dos
dificuldades em se obter resultados positivos enfermeiros quanto ao sistema de gestão.
com a decisão terapêutica. Esse modo de cuidar Os profissionais referem que se sentem
centrado na doença, e não na pessoa humana, desassistidos para realizarem o seu trabalho
sobressai no discurso dos enfermeiros que atuam com a comunidade local, pois há uma
nessas equipes (ARAÚJO; PAZ; MOREIRA, 2010). sobrecarga de responsabilidades administrativas
O modelo tradicional e hegemônico e de coordenação, o que inviabiliza o
de se realizar a educação em saúde deve ser desenvolvimento de outras atividades,
rediscutido, ou seja, um novo modelo deve como as educativas, consideradas por eles
ser adotado, para que, assim, se valorize como importantes. Em consequência disto,
uma abordagem de educação em saúde na continuam mantendo condutas que privilegiam
qual a emancipação social ocorra inerente ao as ações curativas e o trabalho individual,
processo de melhoria da qualidade de vida, atendendo a demandas, centrando-se em
por meio da promoção da saúde individual e rotinas, e conservando um tipo de assistência
coletiva. Esta nova abordagem tem como marco centrada na doença e não no indivíduo.
inicial o indivíduo inserido em seu contexto O trabalho das equipes de saúde,
social e não a sua doença, priorizando não teoricamente, permitiria uma abordagem
multidisciplinar com vista à resolução dos
somente a compensação dos sintomas da
problemas e às necessidades de saúde
enfermidade, mas, principalmente, a promoção
apresentados pelos usuários, garantindo,
em saúde, além de outros aspectos da vida.
assim, o cuidado integral ao indivíduo, mas
isto não ocorre na visão dos enfermeiros.
Dificuldades do profissional enfermeiro
Encontrar alternativas cotidianas para
em atividades educativas que as atividades administrativas caminhem
integradas às atividades assistenciais, na
É importante ressaltar que são vários perspectiva da integralidade, da mudança na
os entraves e as barreiras que o profissional formação e da construção do gerenciamento
enfermeiro encontra para desenvolver suas do cuidado, voltado para uma prática educativa
atividades na Estratégia Saúde da Família: a transformadora, constitui um grande desafio
organização por parte dos gestores, a formação (VILLAS BÔAS; ARAÚJO; TIMÓTEO, 2008).
profissional do enfermeiro, o despreparo Um estudo realizado na cidade de Juiz de
técnico científico, a falta de investimentos Fora - MG, sobre a concepção do enfermeiro
na capacitação dos profissionais, a falta acerca da educação em saúde, revelou que

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a maioria dos entrevistados mencionou falta grupos comunitários, que são os que mais
de investimentos financeiros em material, em se aproximam da estratégia do PSF. Mesmo
recursos humanos e na estrutura física da Unidade assim, a realização dos grupos é baixa, de
de Saúde, grande demanda ao serviço e elevada acordo com o estudo. Isto porque são vários
atividade burocrática no Programa Saúde da os obstáculos encontrados para a realização
Família, como dificuldades para realizar práticas de atividades grupais: falta de domínio dessa
de educação em saúde (SILVA et al., 2006). tecnologia pelos profissionais, que se propõem
Segundo Araújo e colaboradores (2010), o a coordenar grupos; locais impróprios; pouca
trabalho fragmentado e individual não favorece participação dos membros do grupo; exigência
ao enfermeiro condições para modificar sua formal para a sua realização; a centralização
atuação, que se encontra focada na organização no coordenador; conteúdos que despertam
das ações individuais, repetindo um modelo pouco interesse; predeterminação dos temas;
biomédico que, ao invés de aproximá-lo ausência de informações técnicas sobre
dos princípios do trabalho em equipe – que operacionalização de grupos nos manuais
considera os problemas e as necessidades de do Ministério da Saúde (SILVA et al., 2006).
saúde dos usuários na coletividade – afasta-o A realização de grupos não se constitui
da população e do próprio movimento de uma tarefa fácil, diante da gama de atividades
integração entre as ações que a Unidade de que os profissionais de saúde do Programa
Saúde da Família (USF) é capaz de oferecer. Saúde da Família têm que desenvolver. Soma-
Em estudo sobre hipertensão arterial, se a isso a concepção da população e dos
realizado na cidade Pau dos Ferros-RN, revelou gestores sobre atenção à saúde, centrada
que são poucos os recursos disponibilizados na ação do médico, com predominância no
para a execução do trabalho de educação consumo de exames e de medicamentos,
em saúde nas USF, dado esse marcante para dificultando a participação dos profissionais
o grupo de entrevistados (enfermeiros), uma em atividades educativas (SILVA et al, 2006).
vez que essa situação limita a difusão das Para que a estratégia do Programa Saúde
informações sobre a saúde e o cuidado. da Família consolide-se como um novo modelo
Não se trata apenas da restrição de recursos assistencial, é necessário romper com as
financeiros para apoiar tais atividades e, sim, práticas reducionistas e fragmentadas, as quais
do apoio logístico como material educativo mantêm o enfoque na doença e no tratamento.
para distribuição nas comunidades, de dotar
as unidades saúde da família de infraestrutura
Práticas educativas voltadas a grupos de
física adequada que favoreça o acolhimento e o
trabalho coletivo de reestruturação do modelo pacientes com patologias específicas
assistencial (ARAÚJO; PAZ; MOREIRA, 2010).
O profissional enfermeiro, como mostram O estudo realizado por Silva e
os estudos, dá grande importância aos grupos colaboradores (2006) concluiu que existe
comunitários como sendo uma oportunidade uma predominância da realização de grupos,
para desenvolver educação em saúde. Contudo, conforme os recortes programáticos vigentes
um estudo realizado por Silva e colaboradores na prática da saúde pública tradicional:
(2006), em uma USF na cidade de Cuiabá- hipertensos, diabéticos, idosos e gestantes.
MT, mostra que os grupos informados pelos Situações que fogem à prática tradicional
enfermeiros podem ser classificados como da saúde pública – como a atenção aos
terapêuticos, de convivência ou focais e não adolescentes e aos portadores de sofrimento

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mental – ainda não se consolidaram como ida à USF para consultas individuais com os
espaço de atuação do enfermeiro no trabalho enfermeiros (ARAÚJO; PAZ; MOREIRA, 2010).
com grupos. Considerando essas informações, à
luz dos objetivos do Programa Saúde da Família, Necessidade de formação adequada
observa-se que, apesar do aumento de cobertura do enfermeiro para atender às novas
populacional decorrente da implantação demandas de educação em saúde
dessa estratégia, persistem obstáculos para
o alcance de alguns princípios do Sistema De acordo com Rodrigues e Santos (2010),
Único de Saúde (SUS), como a integralidade, a em uma análise dos estudos bibliográficos
participação popular, o controle social e outros. produzidos sobre o tema Educação em
A imposição de condutas centradas nos Saúde, permitiu-se concluir que o principal
recortes programáticos, como no controle entrave para o desenvolvimento do modelo
de hipertensos e diabéticos, tornou-se mais dialógico/problematizador (ao invés do modelo
evidente com a implantação do Programa tradicional/biologicista) é a falta de formação dos
Saúde da Família. Essas ações passaram a ser profissionais da equipe de enfermagem voltada
consideradas pelos profissionais como de para uma mudança de paradigma profissional
promoção da saúde. Entretanto, são realizadas para a prática da Educação em Saúde.
na perspectiva de orientações para a autonomia Em estudo realizado por Carrijo, Pontes
do cuidado, não abordando os condicionantes e Barbosa (2003) conclui-se que se deve
e/ou determinantes do processo saúde-doença. construir a prática de enfermagem dentro do
Assim, o processo encaminha-se no sentido PSF e capacitar os enfermeiros para atuarem
da manutenção de uma dada realidade, segundo essa prática. A tarefa educativa deve
sem problematizá-la (SILVA et al., 2006). buscar ensinar os enfermeiros a “aprender a
Um estudo de Costa e colaboradores aprender”. Ou seja, construir profissionais que
(2010) destacou que trabalhadores relataram a sejam capazes não só de executar técnicas de
excessiva repetição de atividades de educação trabalho, mas que sejam críticos de sua prática
sobre temas como Doenças Sexualmente e interpretem e construam as mudanças que
Transmissíveis (DST’s) e Síndrome da forem necessárias, segundo a realidade em que
Imunodeficiência Adquirida (AIDS). Além disso, vivem.
expressam a necessidade de explorar outras Ao coordenar a equipe do Programa
temáticas atreladas a acidentes domésticos do Saúde da Família, o enfermeiro tem a atribuição
cotidiano dos moradores das comunidades. de incentivar o trabalho coletivo para efetivar
As atividades individuais e coletivas, o trabalho em equipe e atingir a produtividade
desenvolvidas nas unidades, são relacionadas máxima e um nível de qualidade de serviço
à orientação para mudanças no estilo de vida, em saúde capaz de superar as expectativas dos
esclarecimentos sobre como tomar a medicação usuários. Esse profissional tem como desafio
corretamente (incluindo a transcrição da receita ser agente de mudança e transformação no
mensal), importância da incorporação de uma PSF, coordenando a equipe e fazendo dela
alimentação saudável e encaminhamentos aos instrumento de ações assertivas e resolutivas.
outros profissionais que dão apoio à Equipe de Porém, nem sempre é considerado o
Saúde da Família (ESF) local. Suas atividades conhecimento, a formação e as habilidades
não ocorrem de forma sistemática e dependem necessárias para exercer essa função. Estudos
diretamente do interesse do usuário em participar realizados no Brasil nos últimos anos discutem
das ações coletivas de educação em saúde ou essa questão, sendo que alguns são centrados no

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perfil dos enfermeiros coordenadores, mostrando que a graduação é incipiente e que a falta de
a limitação de muitos profissionais no que diz subsídios para atuar em saneamento básico
respeito à formação especifica para assumir essa é uma falha das universidades, que preparam
tarefa, além dos desafios enfrentados por esse mal os alunos, e das instituições que contratam
profissional, uma vez que se trata de um papel o profissional (CERVO; RAMOS, 2006).
ainda em construção (ROCHA et al., 2009). Os processos educativos servem como
Os princípios que regem a formação um instrumento de trabalho, de forma que
do enfermeiro devem passar por questões os enfermeiros podem ser ao mesmo tempo
contextuais, eliminando-se a dicotomia entre o aprendizes (objetos) e produtores (sujeitos)
pensar e o fazer. O mercado de trabalho tem desses processos no trabalho. É importante
exigido uma mudança na formação e no exercício ressaltar que a educação permanente visa à
profissional, fato que vem demandando, por transformação dos trabalhadores em sujeitos a
parte das faculdades, mudanças em seus partir da modificação de valores e conceitos,
currículos e em suas práticas pedagógicas. colocando-os no centro do processo de ensino/
Diante da problemática que envolve a aprendizagem. Dessa forma, por meio da ação
formação do enfermeiro, a inadequação dos e reflexão do trabalhador sobre o trabalho que
currículos gera o despreparo dos profissionais, realiza, o seu conteúdo pode ser transformado
sendo detectadas as dificuldades com relação e desdobrado em substancialidade, mediado
ao trabalho com a comunidade, trabalho pelas relações sociais cada vez mais complexas
em equipe, compreensão das diretrizes dos e articuladas por interesses diversos. É a
programas direcionadas à saúde da comunidade partir do interesse que se reproduzem e se
(CARRIJO; PONTES; BARBOSA, 2003). recriam novos conceitos a serem operados
Um estudo realizado por Carrijo, Pontes e ou materializados (COSTA et al., 2010).
Barbosa (2003), na cidade de Goiânia-GO, com Com a intenção de melhorar a atuação
enfermeiros do Programa Saúde da Família, dos profissionais que trabalham com famílias,
revelou que uma das importantes interseções o Ministério da Saúde começou a apoiar,
entre saúde e educação é a adequação financeiramente, cursos de especialização
dos “produtos” acadêmicos – graduandos, e residência em Saúde da Família, com o
conhecimento produzido e serviços prestados intuito de que os profissionais inseridos
– às necessidades sociais, situação que está nos PSF se qualifiquem, e se tornem aptos
longe da ideal. Os órgãos de formação superior para atuar junto à comunidade com uma
reafirmam a tradição de autonomia. Se, por um visão humanística, valorizando o indivíduo.
lado, essa autonomia livrou as universidades de Porém, para se produzir mudanças efetivas
imposições conjunturais, por outro, propiciou na atuação do enfermeiro e diminuir a distância
o afastamento de seu constituinte principal, entre os currículos das universidades e as reais
que é a sociedade, na qual prevalecem necessidades sociais, ainda faz-se necessário
vários problemas de resolução complexa. induzir mudanças nos currículos de graduação,
Em estudo realizado na cidade na qual a transferência do conhecimento ainda
de Guarapuava-PR, sobre a atuação do é feita de maneira fragmentada, centrada no
enfermeiro em saneamento básico, revelou que professor, com valorização de habilidades
grande parte dos entrevistados atribuiu suas técnicas e modelos de avaliação que privilegiam a
dificuldades à formação profissional, apontando memorização e a reprodução de conhecimentos.

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Considerações Finais burocráticas e administrativas), passando pelo
cumprimento de metas estabelecidas pelos
De acordo com a análise da produção órgãos gestores, até a falta de espaço adequado,
científica sobre a educação em saúde na que inviabilizam, dessa forma, a práticas
Estratégia Saúde da Família na perspectiva do relacionadas com a prevenção e a promoção
enfermeiro, foi possível observar um aumento da saúde como a educação em saúde.
da produção científica sobre este tema nos Foi ressaltada até mesmo a crença do
últimos anos, sendo mais exato a partir do usuário de que se deve procurar a unidade de
ano de 2006. Isto se deve ao fato de os saúde somente por medo de alguma doença
profissionais estarem percebendo melhor a ou sintoma. Isto se torna uma barreira para a
importância desta atividade, tendo em vista prática educativa, pois não existe um interesse,
que, para se alcançar uma prática de saúde um envolvimento do usuário com a equipe, o
transformadora e, a partir daí, se conseguir uma que torna difícil desenvolver, de forma efetiva, as
mudança de comportamento do indivíduo e da atividades propostas para a promoção da saúde.
comunidade, é preciso buscar uma educação Ainda de acordo com os estudos
em saúde diferente da praticada atualmente analisados, foi possível evidenciar que a
nas Unidades da Estratégia Saúde da Família forma de atuação do enfermeiro na Estratégia
como mostraram os estudos analisados. Saúde da Família vem mantendo, ainda, uma
A análise dos trabalhos científicos conduta biologicista, conservando o modelo
revelou que o enfermeiro ainda trabalha tradicional e hegemônico, no qual o repasse de
mantendo uma atuação tradicional, baseada informações ainda é feito de forma verticalizada
no modelo hegemônico, centrado na doença para um usuário passivo. Esta conduta é,
e não no indivíduo. Os profissionais continuam principalmente, um reflexo da formação
trabalhando de forma sistemática, não levando profissional que estes enfermeiros receberam,
em conta as crenças, a cultura e os valores do outro, pois o que se evidencia, na maioria dos estudos,
criando, assim, uma barreira entre o profissional é que os cursos de graduação ainda conservam
e o indivíduo que dificulta a integralidade do um modelo bancário de ensino, no qual se
cuidado que é o desejável na Estratégia Saúde preserva a transferência do conhecimento de
da Família de acordo com as diretrizes do SUS. forma fragmentada e verticalizada, percebendo
Mostrou, também, que, mesmo quando um descompasso entre os currículos das
os profissionais acreditam estar fazendo universidades e o atendimento de uma demanda
educação em saúde, na verdade não fazem para suprir as reais necessidades sociais.
mais do que um repasse de informação. Ou Foi possível evidenciar que ainda existe
seja, não oferece oportunidade para que o uma necessidade muito grande de o profissional
usuário seja autônomo, pois essa prática – na enfermeiro perceber a importância da prática
qual se diz o que tem que ser feito, mas não educativa nas Unidades de Saúde da Família
mostra o porquê tem que ser feito assim – só e de se aperfeiçoar os métodos como esta
cria dependentes sociais do sistema de saúde. atividade é realizada, para que esta seja uma
Um ponto importante, de acordo prática transformadora, ressaltando que o
com a amostra dos trabalhos, foi sobre as trabalho educativo não é uma tarefa fácil de
dificuldades enfrentadas pelo profissional realizar, principalmente no atual contexto social.
enfermeiro para conciliar suas atividades Principalmente, é necessário promover uma
educacionais e administrativas. Os entraves são prática educativa que vise à participação ativa dos
vários, desde o acúmulo de funções (como as usuários, direcionando as atividades de acordo

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com crenças, representações e cultura para que saúde, tanto no modelo tradicional, quanto
estes se tornem autores do processo educativo, no modelo emancipatório, sendo esta uma
criando vínculos com a equipe de saúde. abertura para possíveis transformações positivas.
Sobretudo, percebe-se uma tímida Portanto, acreditando que na área
evolução no conceito mais amplo de educação da saúde existe um permanente processo
em saúde na perspectiva dos profissionais de aprendizagem e que o profissional
enfermeiros. Nos estudos analisados, muitos comprometido irá buscar sempre estratégias
profissionais relatam não realizar esta atividade para consolidar uma prática transformadora,
de forma frequente e nem efetiva, porém no qual o usuário se tornará o ator da sua
reconhecem a importância desta prática e própria estória, poderemos, a partir de então,
sabem conceituar bem o que é educação em mudar o atual cenário da saúde no nosso país.

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