Você está na página 1de 10

artigo original

Hospitais de ensino e o sistema Único de saúde


Teaching hospitals and the Brazilian Public Health System
Luiz Roberto Barradas Barata1, José Dínio Vaz Mendes2, Olímpio J. Nogueira V. Bittar2
improvement of health conditions of the Brazilian population.
Some priorities issues that involve the HE today are herein
presented: integration of these hospitals with others services of
resUmo
SUS network, adequacy of teaching practices to system
Os Hospitais de Ensino (HE) têm importância fundamental para
necessities, the development, evaluation and incorporation of
o desenvolvimento do Sistema Único de Saúde (SUS) em
technologies and proposals of organizational changes that
diversas áreas, como a de referência assistencial de alta
facilitate their performance on health system.
complexidade, polos formadores de recursos humanos,
Palavras-chave
desenvolvimento de pesquisas, técnicas e procedimen tos para
a Saúde Pública e incorporação de novas tecnologias que Hospitais de Ensino/
colaborem para a melhoria das condições de saúde da organização & administração. Hospitais de Ensino/
população brasileira. Apresentam-se algumas questões tendências.
prioritárias que envolvem os HE na atualidade: a sua
integração com os outros serviços da rede SUS, a adequação Keywords:
das práticas de ensino às necessidades do sistema, o Hospitals, teaching/
desenvolvimento, avaliação e incorporação de tecnologias e organization & administration. Hospitals, teaching/trends.
propostas de modificações organizacionais que facilitem o
desempenho de seu papel no sistema de saúde.

ABSTRACT
Teaching hospitals (HE, acronym in Portuguese) play an
important role in the development of the Brazilian Public Health
System (SUS, in Portuguese) in areas such as high complexity Conflito de interesse: nenhum declarado. Financiador ou fonte de fomento: nenhuma
declarada.
medi cal assistance, human research formation, research Data de recebimento do artigo: 22/2/2010. Data de aprovação: 29/3/2010.
development, techniques and procedures for public health, as
well as technological incorporation that contribute to the
1
Em todos esses temas, a
Secretário de Estado da Saúde de São Paulo.
contribui ção dos Hospitais de
desenvolvimento do SUS, podemos
introdUção Ensino (HEs) é condição
destacar a formação de
Ao definir a saúde como um fundamental para que se consiga
profissionais de saúde aptos a
direito social e eleger a efetivamente melhorar a saúde de
enfrentarem os proble mas de
universalidade, a in tegralidade e a todos os brasileiros.
saúde prioritários da população
equidade da atenção à saúde O desenvolvimento da
brasileira; a pesquisa, o
como princípios do Sistema Úni co assistência realizada pelos HEs,
desenvolvimen to de novas
de Saúde (SUS), o Brasil bem como de suas atividades
técnicas, procedimentos e terapias,
colocou-se, desde 1988, em didáticas e de pesquisa, por vezes
bem como a incorporação de
consonância com as tendências estruturou-se de forma isolada dos
tecnologias desenvolvidas alhures,
existentes nos países mais demais serviços assistenciais,
para atender adequadamente a
avançados, e a grande ampliação razão pela qual é muito importante
estes problemas; e, finalmente, a
na cobertura do sistema público de discutir e aper
garantia do acesso da população
saúde foi um ganho incontestável aos cuidados de alta complexidade feiçoar sua integração com a rede
dos últimos 22 anos. em saúde, imprescin díveis para SUS. Nos tópicos que se seguem,
Entre as questões que se concretizar a integralidade da estes assuntos são detalhados
colocam como desafios para a assistência. sugerindo-se
continuidade do
2
Assessor Técnico da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo.
Endereço para correspondência: Avenida Enéas Carvalho de Aguiar,188 –
CEP:05403-000. E-mail: bittar@saude.sp.gov.br / jdinio@saude.sp.gov.br

RAS
_
Vol. 12, No
46 – Jan-Mar, 2010
7
algumas propostas no sentido de A produção destes HE é signi estaduais no gerenciamento e
apri morar a participação do HE no ficativa para o SUS. Em 2008, os financiamento dos HE dos demais
SUS, em benefício à assistência HE realizaram em São Paulo 22% estados brasileiros é bem menor
médica de toda a população das internações e consumiram 38% que no Estado de São Paulo (48
usuária do sistema, sem olvidar a dos recursos financeiros do total de versus 22%).
importância destes serviços, na internações do SUS. Como Os HEs estaduais incluem as
formação de recursos humanos e principais unidades prestadoras de mais complexas unidades entre
na produção de conhecimentos, tec serviços de alta complexidade, todos os HEs, referência para o
nologia e pesquisa em saúde. observa-se que estes hospitais Estado e, em muitos casos, para
realizaram 61% das internações de todo o Brasil, como por exemplo, o
A dimensão dos HE no SUS em alta complexidade Hospital das Clínicas da Faculdade
São Paulo do Estado, representando 59% dos de Medicina da Universida
O SUS do Estado de São Paulo recursos para estes procedimentos. de de São Paulo (FMUSP), o
possui a maior rede de serviços de O mesmo é verificado nos Instituto do Coração (InCor/USP),
alta complexidade do Brasil, fato atendimen tos ambulatoriais o Hospital das Clínicas de Ribeirão
que se reflete nas características especializados, nos quais, por Preto da FMRPUSP, o Hospital das
de sua produção, que apresenta, exemplo, os HEs realizaram 56% Clínicas de Campinas da
proporcio dos procedimentos de quimio Universidade Estadual de
nalmente, mais procedimentos terapia, 50% de procedimentos de Campinas (Unicamp) e o Hospital
espe cializados do que o restante radioterapia e 59% das das Clínicas de Botucatu da
do país. Assim, observa-se que, ressonâncias Universidade Estadual Paulista
enquanto o Estado possui 22% da magnéticas do total do SUS/SP(2). “Júlio de Mesquita Filho” (Unesp).
população do Brasil, o SUS/SP Por outro lado, entre os 37 HE A necessidade de
realizou 29% das internações de localizados do Estado de São integração dos HEs na assistência
alta complexidade e 42% das Paulo, destaca-se a rede de do SUS/SP O SUS está organizado
internações de transplantes no ano hospitais do Governo do Estado de forma a prestar a assistência à
de 2009, em relação ao país como (da Administra ção Direta, saúde da popu lação por meio de
um todo. Autarquias, Fundações ou uma rede descentra lizada de
No mesmo ano, na assistência Organizações Sociais de Saúde), serviços de saúde.
ambu latorial, foram realizados no composta por 17 hospitais (46% do Esta organização leva em conta
Estado, por exemplo, 46% do total total dos HE do SUS/SP), com 6,9 que as doenças mais comuns da
de procedimen tos de alta mil leitos (48% do total). Esta rede população exigem, em grande
complexidade ambulatorial, 32% estadual representa realidade distin parte dos casos, medidas
das ressonâncias magnéticas, 36% ta dos outros estados da terapêuticas que podem ser
das tomografias computadori zadas Federação, nos quais, em geral, o desenvolvidas de forma mais eficaz
e 47% das dispensações de maior número de hospitais de e menos custosa por serviços de
medicamentos excepcionais do ensino e de leitos são do Governo atenção básica ou primária em
país(1). Federal. Se excluirmos o Estado saúde, como as Unidades Básicas
No que se refere aos HE, o Estado de São Paulo, dos 126 HE de Saúde ou as Uni dades de
de São Paulo possui 37 hospitais localizados nos demais estados, Saúde da Família, atualmente sob
certifica dos e contratualizados pelo 34% de seus leitos são federais e gestão municipal.
SUS/SP do total de 163 HE 22% são estaduais, ou seja, a Além disso, as doenças crônicas
brasileiros certificados. participação dos governos e degenerativas, que se tornam
cada vez mais importantes, são terapêutica, devem ser Paulo.
mais bem atendidas nestas encaminhados para serviços de Segundo levantamento do
unidades de saúde, pois exigem saúde mais complexos, de caráter Sistema de Avaliação dos
cuidados prolongados e orientação secundário ou terciário, que servem Hospitais de Ensino (SAHE) da
constante aos pacientes, sendo de referência especializada regional Secretaria de Estado da Saúde
adequado que tais atendimentos e estadual para a rede de atenção para o ano de 2008, enquanto o
se desenvolvam próximo ao básica de saúde municipal. conjunto dos hospitais do SUS/SP
domicílio dos pacientes. Os HE exercem seu principal realizou em média 6,3% de
Por outro lado, os atendimentos papel na oferta de procedimentos internações de alta complexidade
especializados, que necessitam de de alta complexidade e de no total de suas internações, os
orientação diagnóstica ou referência para o SUS em São HE realizaram cerca
RAS _
8 Vol. 12, No 46 – Jan-Mar, 2010

de três vezes mais, ou seja, 18% quais: utiliza-se um serviço de alta As transições demográficas, epi
de internações de alta capacidade instalada, com pessoal demiológicas e tecnológicas
complexidade. Da mesma forma, especializado e, portanto, com também contribuem para
enquanto o con junto das unidades atendimentos em média mais mudanças nos perfis das
ambulatoriais do SUS/SP custosos para procedimentos doenças, que exigem novas prá
realizaram em média 31% de simples que seriam mais bem ticas e cuidados com os pacientes
atendimentos de alta complexidade realizados em unidades básicas de como, por exemplo, para idosos,
no total dos atendimentos saúde; os pa para os que necessitam de
ambulatoriais, os HE realizaram cientes, na busca do atendimento internações prolongadas,
cerca de 51% de atendimentos de con tinuado no HE para problemas tratamentos paliativos, como no
alta complexidade em relação ao básicos de saúde, são forçados a câncer e outros semelhantes.
total. Este percentual maior de deslocamentos frequentes para Atualmente, estes casos ocupam
atividades voltadas à medicina de fora de seu município, pois os HE leitos e atendimentos dos HE,
terceiro nível tem evidentemente são habitualmente localiza dos em sem benefícios reais aos
um custo mais elevado do que municípios maiores, polos de sua pacientes e com prejuízo de
aquele de unidades de saúde mais região; finalmente, os atendimen outros atendimentos que
voltadas ao atendimento primário e tos de baixa complexidade poderiam ser realizados por estas
secundário de saúde. Assim, é realizados no HE bloqueiam as unidades. Estas condições
evidente que os HE necessitam de agendas para os procedimentos de exigem formas inovadoras de
uma forma de finan ciamento maior complexidade, provocando o acompanhamento, como o aten
diferenciada em relação aos surgimento de filas de dimento domiciliar ou a ocupação
demais hospitais do sistema. espera e demanda reprimida, que de unidades de saúde menos
Embora sejam unidades de maior pre judicam os pacientes, pois complexas do SUS, que muitas
complexidade que a média dos atrasam seu atendimento. vezes permanecem com leitos
demais serviços do SUS/SP, Além disso, para diversos ociosos.
constata-se que os HE ainda procedi mentos médicos de alta Estes são alguns dos motivos
realizam uma grande propor complexidade, como as cirurgias que tornam fundamental a
ção de atendimentos de média e cardíacas, a qualida de do regulação dos atendimentos
baixa complexidade, tanto procedimento é diretamente rela realizados pelos HE, privilegiando
internação como ambulatorial, cionada com sua prática e os atendimentos especia
casos que poderiam ser frequência, isto é, é preciso que lizados e referenciais, as cirurgias
encaminhados para outros serviços as equipes realizem um número mais complexas, entre outros,
do sistema. A realização de de procedimentos anuais para que podem ser disponibilizadas
procedimentos de baixa garantirem os melhores resulta para uma ou mais regiões do
complexidade nos HE apresen dos, como já está descrito na Estado e, em alguns casos, e
ta vários inconvenientes, entre os literatura científica de saúde. dependendo da raridade do
procedi
mento, até mesmo para o país. inconvenientes, atendimentos
Certamente, o sucesso das medi
das para estabelecer referências entre os quais: em média mais
e contrarreferências entre os HE
e os demais serviços do SUS utiliza-se um custosos para
depende do
serviço de alta procedimentos
A realização de
capacidade simples que
procedimentos
instalada, seriam mais bem
de baixa
com pessoal realizados em
complexidade
especializado e, unidades básicas
nos HE
portanto, com de saúde.
apresenta vários
RAS
_
Vol. 12, No
46 – Jan-Mar, 2010
9
desenvolvimento da atenção básica objetivam a ampliação de acesso e participação das
em saúde, do estabelecimento de a melhoria na qualidade do equipes de HE estaduais, de forma
protocolos e fluxos padronizados, atendimento à população, com a de finir fluxos e procedimentos
da existência de recursos e agiliza padronizados entre a atenção
unidades de saúde intermediárias ção na realização de básica, os AME e os HE, sempre
que possam ga procedimentos e diagnósticos mais buscando estruturar e organizar o
rantir o atendimento adequado aos complexos. Até o final de 2009, SUS/SP, beneficiando o usuário
pa cientes. Os próprios HE têm um foram implanta das 21 unidades e, final do sistema.
papel no desenvolvimento destes até o final de 2010, pretende-se a Portanto, a mudança do perfil as
modelos, no ensino e na implantação de mais 19 unidades, sistencial dos HE em São Paulo e
capacitação dos demais serviços totalizando 40 AME, com co bertura no Brasil, no sentido de ampliar e
de saúde para que possam prestar de todas as regiões do Estado. con centrar seus atendimentos nas
uma boa assistência. Das 21 AME já em funcionamento, áreas de alta complexidade, é
Entre as diversas iniciativas que sete estão sendo gerenciadas por necessária e urgente. Por outro
vêm sendo tomadas pela Secretaria Organiza ções Sociais de Saúde lado, alegações de necessidade de
de Estado da Saúde (SES/SP) para (OSS) ligadas aos HE do Estado ensinar práticas de medicina geral
organizar este fluxo regional, de São Paulo. Os atendimentos dos e atendimento básico, não
destaca AME podem desafogar os serviços justificam o adiamento das modifi
se a criação dos Ambulatórios de diagnóstico e procedimentos e cações nos atendimentos dos HE,
Médicos de Especialidade (AME). intervenções cirúrgicas de média pois é perfeitamente possível a
Os AME são novos serviços de complexidade dos ambulatórios e realização deste ensino em outras
saúde oferecidos à população que serviços de apoio dos HE, que unidades do SUS, extramuros,
constituem centros de poderão se concentrar nos como se discute no item que se
atendimentos e diagnós ticos procedimentos mais complexos segue.
especializados, de referência que exigem seus equipamen tos.
regional, disponíveis para Para tanto, a SES/SP tem realizado O ensino e a prática da
marcação de consultas pelos discussão técnica para a criação de assistência terciária dos HE no
serviços municipais de saúde, que protocolos e fluxos, com SUS/SP
É reconhecido o papel dos HE do tecnológicos, deve estimular e assistência de alta complexida de
SUS/SP na formação e capacitação valorizar sua participação no nos HE e o ensino das práticas de
de pessoal para a área pública ou atendimento e na resolução dos atenção básica em saúde, desde
privada de saúde. proble que sejam estabelecidas parcerias
Por exemplo, no Brasil, existem mas mais comuns da área da entre os HE e outros serviços de
cerca de 29,2 mil médicos saúde. Este fato tem favorecido a saúde do sistema (extramuros), de
residentes, dos quais 34% são do discussão acadêmica sobre as caráter geral (de internação ou
Estado de São Paulo (9,9 mil possíveis mudan ças curriculares ambulatoriais), que possam
médicos residentes). Deste total, para que os médicos possam se atender às necessidades aca
6,3 mil médicos residentes são de integrar adequadamente ao SUS, dêmicas sem qualquer tipo de
vagas oferecidas pelos 37 HE do tal como ocorreu em outros países prejuízo assistencial.
Estado (ou 66% do total). com sistemas universais de saúde, De fato, existem inúmeros
Neste quantitativo, vale destacar como a Inglaterra e o Canadá, que exemplos de iniciativas de
a importância da participação do valorizam o médico generalista. integração entre o en sino e a
Governo do Estado, que mantém o Entretanto, uma vez que se assistência na área da saúde.
pagamento de 4,6 mil bolsas de propõe o atendimento dos casos Dentre elas, destacam-se os
residência médi referenciados pelo HE, assim Centros de Saúde-Escola,
ca, o que representa 46% do total como a realização de unidades de atenção primária em
de médicos residentes no Estado. procedimentos de alta saúde, que recebem alu nos e
Nunca é demais destacar a impor complexidade, por vezes é residentes para formação neste
tância e o desafio que é a questão colocada a questão de como tipo de atenção, por meio de
da formação e alocação dos garantir o necessário campo para parceria entre as faculdades de
médicos e ou tros profissionais para que seus alunos possam ter a medicina e as Secretarias de
que se integrem ao SUS, formação generalista de forma Saúde, desde a década de 1970.
atendendo às necessidades de adequada. Na década de 1980, foram
saúde da população. Como já referido no item anterior, incentiva dos no país, pelo
A formação do médico, sem não existe nenhuma Ministério da Educa ção e Cultura
deixar de lado os avanços incompatibilidade entre a (MEC), e desenvolvidos
RAS _
10 Vol. 12, No 46 – Jan-Mar, 2010

em diversos estados, programas de garantir o ensino de qualidade com do Estado, observou-se o aumento
integração docente-assistencial, en as necessida des assistenciais do de gastos públicos em saúde em
volvendo as faculdades e os SUS/SP. todos os países, especialmente no
serviços de saúde pública, por conjunto de economias
vezes com abrangência de distritos Desenvolvimento, avaliação e desenvolvidas, tornando o assunto
de saúde, bem como propostas de incorporação de gradativamente mais relevante
aproximação entre o ensino e a tecnologia no SUS para os respectivos governos(4).
atenção em saúde local por meio A incorporação de novas Entre as razões para o
de internatos em saúde coletiva ou tecnologias na saúde é tema crescimento das despesas com
rurais, assim como de residências prioritário para muitos países, saúde, além da universalização
médicas em saúde comunitária. tendo em vista o encarecimento das políticas públicas do setor já
A SES/SP tem estimulado seus gradual da assistência médica, referidas acima, a maioria dos
hospitais universitários a observa autores aponta fatores como: o
estabelece rem parcerias para da há muitos anos. De fato, a partir envelhecimento da população, com
gestão de hospitais gerais e outros dos anos 1950 e 1960, na medida a consequente modificação dos
serviços (inclusive AME) que em que as políticas sociais padrões de mobi-mortalidade
podem auxiliar neste sentido. As adquiriram caráter universal e a (predomínio de doenças
experiências conseguem atender assistência médica passou a fazer crônico-degenerativas);
ao duplo objetivo de integrar e parte das atribuições financeiras fatores socioeconômicos/culturais
relativos à produção (dimensão benefícios de pequena monta (com participação da saúde nos
indus trial da assistência à saúde) e impactos desprezíveis sobre a investimentos em pesquisa
ao “con sumo” de produtos médicos saúde dos pacientes e os ampliou-se significativamente ao
por parte da população; e também indicadores de saúde em geral), longo dos anos e, em 2007, já era
aos avanços na tecnologia médica mas com custo a área com maior valor de
(novos exames, desproporcionalmente grande. O financiamento pela Fun dação de
medicamentos e SUS, cujos dispêndios crescem Amparo à Pesquisa do Estado de
procedimentos)(3-6). Há que se continuamente, como em todos os São Paulo (Fapesp) (cerca de 25%
salientar que a partir da década de demais países, deve enfrentar os do total). Os HE do SUS/SP
1990, o avanço da tecnolo gia pro blemas do desenvolvimento publicaram 7,8 mil artigos em
médica intensificou-se. Certamente, (pesquisa) e da inserção racional periódicos em 2008 e concluíram 3
a criação de novos medicamentos e das novas tecno logias e mil pesquisas, sendo que 11,6 mil
aparelhos diagnósticos traz medicamentos na assistência e, estão em andamento.
benefícios para a saúde que para tanto, precisa do auxílio dos Embora os recursos de fomento
precisam ser incor porados aos centros de excelência universitária para pesquisas da saúde tenham
sistemas públicos. Mas deve-se e científica, representados pelos crescido e a área seja a primeira
levar em conta que um gran de HE. em volume de finan ciamento,
complicador na área de saúde é o No que se refere à pesquisa e de deve-se salientar que grande parte
enorme complexo industrial senvolvimento, para a área da das pesquisas em andamento nos
existente, com empresas de saúde é importante que as hospitais de ensino do SUS/SP é
caráter multinacional, com pesquisas científicas no Brasil reali zada com os recursos
monopólios, domínios de patente, reconheçam as necessidades provenientes da assistência. Há de
grande poder no estabelecimento epidemiológicas de nossa se salientar que não existe, até o
de preços e na indução do população e desenvolvam novas momento, orçamento indivi
consumo de medicamentos e tecnologias que auxiliem o dualizado para a assistência,
procedimentos mé dicos, seja pela atendimento de seus pro blemas pesquisa e ensino. É
atuação nos meios de prioritários de saúde. Com o imprescindível que exista esta
comunicação de massa ou desenvolvimento de tecnologia orçamentação baseada em custos
diretamente junto aos médicos e própria, o Brasil poderá atender às para que se possa controlar
pacientes. Nesta situação, há o necessi dades de saúde de sua melhor essas atividades.
perigo de que os recursos públicos, população de forma mais Ainda há dificuldades para os pes
já insuficientes para o atendimento adequada, menos custosa e quisadores da área se relacionarem
universal e integral da saúde, dirigida aos problemas específicos com as agências de fomento, como
sejam utilizados para adquirir de nossa realidade, melhorando a a Fapesp, a Coordenação de
tecnologias novas de eficácia saúde e a qualidade de vida dos Aperfeiço amento de Pessoal de
duvidosa e, em certos casos, até brasileiros. Nível Superior
danosa aos pacientes. Além disso, Refletindo a importância do setor
os novos me dicamentos e saú de na área de desenvolvimento
procedimentos podem produzir científico, pode-se observar que a

RAS
_
Vol. 12, No
46 – Jan-Mar, 2010
11
(Capes), a Financiadora de Estudos recur sos obtidos acaba sendo de SUS/SP da épo ca, apurou que os
e Projetos (Finep) e o Conselho poucos institutos de pesquisa e recursos concedidos pela Fapesp
Nacional de Desenvolvimento serviços com maior tradição, como para pesquisas de saúde nestes
Científico e Tec nológico (CNPq), é o caso do Instituto Butantan e do hospitais totalizaram cerca de R$
principalmente pelos entraves Hospital das Clínicas (HCFMUSP). 48 milhões em quase cinco anos
relacionados ao entendimento das Levantamento da Secretaria de (de 2005 a abril de 2009).
regras, documentação exigida, etc. Esta do da Saúde de São Paulo, Podemos observar, ainda, que
Na verdade, grande parte dos junto aos 35 hospitais de ensino do estes recursos são concedidos
para apenas sete hospitais ao Esta Rede poderá desenvolver saúde(7).
longo dos anos (Hos pital pro jetos de pesquisa em seres Iniciativas deste tipo permitirão
Universitário da USP, o Hospital humanos em parceria com outras que o Brasil realize avaliações da
das Clínicas da FMUSP, o Hospital instituições e inclusive empresas eficácia, efetividade, eficiência e
das Clínicas de Ribeirão Preto da farmacêuticas, mas deve-se ter o segurança nos procedimentos de
USP, o InCor, o Instituto de cuidado de não executar apenas os diagnóstico, preven
Infectologia Emílio Ribas, o projetos de interesse da indústria ção e tratamento, balizando a
Hospital Dr Domingos Boldrini de farmacêutica. Os temas pes criação de diretrizes terapêuticas
Campinas e Hospital do Câncer quisados devem ser de interesse baseadas em evidências
Antonio Candido Camargo). das políticas de saúde do SUS e científicas. Estas atividades, que
Estes fatos demonstram a possibi beneficia rem a Saúde Pública. no passado eram atribuição exclu
lidade e a necessidade de É preciso evitar a situação muitas siva dos Hospitais Universitários,
ampliação gradativa dos recursos vezes observada de se fazer foram, ao longo das últimas
específicos das agências de ensaios clínicos nos HE por meio décadas, transfe ridas para
fomento para as pesquisas em de contatos entre a indústria hospitais e clínicas privadas que
saúde desenvolvidas no Estado. farmacêutica e os pesquisadores, nem sempre representam e verifi
Pode-se citar, como exemplo de sem qualquer preocu cam os reais interesses e
ini ciativa positiva no incentivo à pação com a ocorrência dos necessidades da população em
pesquisa na área de saúde, o conflitos de interesse, éticos e contar com as novas tecnologias.
desenvolvimento da Rede Nacional financeiros. A importância da Resgatar o papel dos HE como o
de Pesquisa Clínica em Hospitais avaliação de tec nologias em saúde grande centro que analisa e
de Ensino criada pelos Ministérios também foi reco nhecida pelo incorpora novas tecnologias ao
da Ciência e Tecnologia e da Ministério da Saúde, que instituiu a SUS é matéria urgente e
Saúde, que conta atualmente com Rede Brasileira de Avaliação de indispensável ao fortalecimento do
32 unidades no Brasil, das quais Tecnologias em Saúde (Rebrats), sistema.
seis são do Estado de São Paulo: que conta com o apoio a Em vários países desenvolvidos,
HC da FM de Botucatu (Unesp), Organização Pan-Americana de com sistemas universais de saúde,
HC da FM de Ribeirão Preto Saúde (Opas) e Organização há preocupação com a
(USP), HC da FMUSP, HC da Mundial de Saúde (OMS). Os metodologia que avalia e compara
Unicamp, Hospital São Paulo Hospitais de Ensino podem de as novas tecnologias, inclusive
da Universidade Federal de São senvolver projetos para medicamentos, e que envol
Paulo (Unifesp), Hospital implantação de Núcleos de ve vários quesitos, como
Universitário da USP. A proposta Avaliação de Tecnologias em segurança, eficácia, possibilidade
prevê financiamento aos HE para a Saúde (Nats). Além disso, estes e indicação do uso, uso em Saúde
realização de pesquisa clíni ca, hospitais participam de iniciativas, Pública, custos e medidas de
respeitando-se os princípios éticos como resultados, reflexos eco
e as boas práticas clínicas e a Rede Sentinela, uma rede de nômicos e éticos.
levando em conta os interesses do serviços em todo o país que Podemos citar como exemplo, no
SUS. Além disso, faz parte da objetiva notificar eventos adversos Reino Unido, o National Institute for
proposta a capaci tação de pessoal de produtos de saúde em geral Health and Clinical Excellence
da área de pesquisa clínica por (materiais, medicamentos, sa (Nice) ligado ao National Health
meio da Rede Universitária de neantes, kits para provas Service (NHS), que desenvolve os
Telemedicina (Rute). No Brasil, 132 laboratoriais e equipamentos protocolos dos procedimentos
entidades participam da Rute e 19 médico-hospitalares em uso no intervencionistas e avaliações
são do Estado de São Paulo. Brasil), colaborando com a vigi tecnológicas dos fármacos; na
Portanto, é importante que os HE lância dos mesmos e com a Espanha, a Catalan Office for
do SUS/SP integrem esta Rede e segurança e qualidade de serviços Health
busquem os necessários recursos para pacientes e profissionais de
para suas atividades de pesquisa.
RAS _
12 Vol. 12, No 46 – Jan-Mar, 2010

Technology Assessment (COHTA), economias de informação e tando o planejamento e


Agência pública ligada ao Serviço conhecimento. administração de programas e
de Saúde Catalã; no Canadá, a As estruturas administrativas (hie serviços pelos seus gerentes e
Canadian Coordinating Office for rarquia/subordinação) necessárias pelos gestores estadual e
Health Techno à aplicação destas novas municipais. A expressiva adesão
logy Assessment (CCOHTA), tecnologias não acompanharam o dos HE ao Sistema revela a
financiada por governos nos três mesmo ritmo e a maioria dos preocupação de todos com
níveis e focada na utilização de hospitais mantém as mesmas informações confiáveis e úteis para
evidências e efetividade clínica e práticas criadas na metade do a tomada de decisões(8).
econômica. século passado, tornando-se, O avanço deste sistema,
Apesar de estes países assim, incluindo a incorporação de dados
possuírem recursos financeiros importante que os HE revejam e informa ções de qualidade
muito mais eleva dos que o Brasil estas estruturas, buscando formas hospitalar como os indicadores da
para a área de saúde, permanece de aper feiçoar suas atividades. Agency for Healthcare Research
a preocupação com a avaliação Entre outros aspectos, devem ser and Quality (AHRQ) (resul tantes
tecnológica e a incorporação de discutidas questões como a baixa de Termo de Cooperação com a
novas técnicas e medicamentos no produtividade, com impacto nos Agência Nacional de Saúde Suple
sistema, pois em todos os países indica dores assistenciais, mentar – ANS) certamente terá
existe a clara noção que não existe frequentes nestes serviços (como, grande relevância na melhoria dos
‘bondade gratuita’ no setor público por exemplo, as salas cirúrgicas serviços prestados pelos HE.
e a garantia de determinado ociosas, “reserva” de leitos, entre Outro aspecto que tem sido
benefício, se não for outros); a falta de informações objeto de iniciativa da SES/SP
adequadamente avaliado, impedirá gerenciais confiáveis; falta de para com seus HE é o estímulo
o acesso da população a outros. informa ções sobre as pesquisas para que estes serviços passem a
em desenvol vimento para a ter autonomia administrativa e
Propostas de modificação direção da unidade e ór gãos de financeira em relação à Universida
organizacional nos recursos humanos e materiais; a de em que se inserem, tornando-se
hospitais de ensino deficiente capacitação de recursos autarquias e/ou fundações, sempre
Boa parte dos hospitais no Brasil, humanos das áreas de com o objetivo de melhor integrar
inclusive os HE, tiveram sua infraestrutura que dão apoio às as atividades assistenciais, de
estrutura organizacional áreas de pesquisa, ensino e ensino e de pesquisa.
estabelecida por volta da segunda assistência; a inexistência de Como tem sido dito pelo
metade do século 20. Deste planos diretores de expansão e Professor Adib Jatene, há que se
período até hoje, ocorreram moder nização; o conhecimento diferenciar os HE dos demais
avanços científicos significativos, insuficiente das políticas públicas hospitais assistenciais,
como na área da genética, de saúde e a desintegração com reconhecendo suas peculiaridades
bioengenharia (órteses e próteses, os demais recursos de saúde do e necessidades. É preciso que os
materiais descartáveis), SUS, no local em que se insere o HE pos
tecnologias variadas com impacto HE, fatos que dificultam as sam fixar os professores e os
na administração (fibra ótica), decisões administrativas melhores médicos e
informática, telemedicina (exames corriqueiras a serem tomadas pesquisadores no quadro da
analisados e re sultados acessados pelos seus gerentes. instituição, fato fundamental para
remotamente), inter e intranet, O SAHE, criado no ano de 2005 que estes serviços mantenham-se
farmacologia e administração: pela SES/SP, é uma das iniciativas como principais referências em
logística (just in time), governança que trouxe contribuição para ensino e pes
cor ampliar o conhecimento destas quisa, desenvolvimento e
porativa, sustentabilidade, unidades, facili incorporação tecnológica,
recuperando seu papel tradicional Existem experiências neste destes profissionais no serviço
neste setor da saúde. Para tanto, sentido, como a Clínica Civil, em público.
torna-se importante internalizar as atividade desde o início da Outra experiência exitosa no aper
práticas privadas, isto é, permitir Faculdade de Medicina de feiçoamento da gestão pública dos
que seus profissionais realizem Ribeirão Preto da USP, que hospitais universitários foi a criação
atendi permitia, nos mesmos espaços do da Fundação Zerbini, em 1978,
mentos privados no HE, bem como atendimento público, o pelo cirurgião Euryclides de Jesus
os hospitais atendam convênios atendimento de pacientes Zerbini e colaboradores, com a
privados, ampliando as fontes de particulares pelos professores da missão de dar apoio financeiro ao
recursos destas entidades. faculdade (em horário específico e InCor do Hospital
limitado), garantindo a permanência

RAS
_
Vol. 12, No
46 – Jan-Mar, 2010
13
das Clínicas da FMUSP. A serviços imprescindíveis para o criação de mecanismos de
Fundação teve papel fundamental desenvolvimento da saúde da po padronização de condutas e
para o desen volvimento do ensino pulação por meio da pesquisa, do terapêuticas, devem ser os
e pesquisa, tor nando o InCor, um ensino e da assistência à objetivos incorporados por todos
centro de excelência na medicina população necessitada. em benefício da saúde da
brasileira cujo padrão de qualidade Suas responsabilidades população.
é reconhecido mundialmente. O aumentam com o rápido avanço da Novas formas de financiamento
modelo tornou-se referência para tecnologia médica: são as dos HE devem ser implantadas,
grandes instituições de saúde do orientações de suas equipes permitindo
setor público e universitário. técnicas que determinam a forma que estes hospitais recebam mais
Contudo, iniciativas para de incorporação desta tecnologia recursos financeiros e, desta forma,
diferenciar a situação dos HE são, no país, com graves consequências desempenhem adequadamente
por vezes, difi cultadas pelas para o financiamento do sistema suas principais missões.
aplicações das regras gerais da públi
Administração Pública que, na co de saúde e para os perfis de Referências
tentativa de igualar situações di saúde da população. 1. DATASUS. Ministério da Saúde. Dados
pesquisados no Sistema de Informação
ferentes, acaba por impossibilitar O HE precisam atentar para seu Hospitalar (SIH) e do Sistema de Informação
que os HE realizem seu papel de importante papel na viabilização Ambulatorial (SIA/SUS). [citado 18 mai. 2010]
Disponível em: www.datasus.
“ponta” no sistema de saúde, dos princípios do SUS, em gov.br
causando sérios prejuízos para a especial de sua diretriz de 2. Mendes JDV, Bittar OJNV. Saúde Pública no
assistência médica integral da integralidade. A assistência destes Estado de São Paulo – Informações com
população. serviços deve estar integrada às Implica ções no Planejamento de Programas e
Serviços. Revista de Administração em Saúde.
Portanto, os exemplos das Fun demais unidades de saúde do 2010;Edição Especial(Suplemento)5-75.
dações de Apoio aos HE devem ser sistema e colaborar para que todos 3. Costa NR, Silva PLB, Ribeiro, JM. Inovações
levados em conta na busca de os pacientes consigam acesso ao orga nizacionais e de financiamento:Experiências
soluções para superar os impasses a partir do cenário institucional. In: Negri B,
que há de mais moderno e útil para
Giovanni GD, organizadores. Brasil radiografia da
e desafios enfrentados por estes melhorar sua saúde. saúde. 1ª ed. Campinas, SP: Unicamp/NEPP;
serviços. O aperfeiçoamento da gestão 2001. p. 291-305.

dos HE, a busca de mecanismos 4. Médici AC. Aspectos teóricos e conceituais do


finan ciamento das políticas de saúde. In: Piola
Considerações finais adminis trativos que permitam o SF, Vianna SM, organizadores. Economia da
Os HE são os recursos de saúde desempenho de suas funções, sua saúde – conceito e contribuição para a gestão
da saúde. 3ª ed. Brasília, DF: Ipea; 2002. p
mais complexos do SUS, nos quais integração assis tencial com a rede
23-68.
foram realizados grandes do SUS, a regulação de sua
5. Freeman R, Moran M. A Saúde na Europa. In:
investimentos públicos e que assistência, a maior participação Negri B, Viana ALA, organizadores. O Sistema
realizam os procedimen na avaliação e incorporação tecnoló Único de Saúde em dez anos de desafio, 1ª ed.
São Paulo: Sobravime/Cealag; 2002. p. 45-64.
tos mais custosos ao sistema. São gica ao sistema, bem como a
(Anvisa). Serviços de saúde: Rede Sentinela. Avaliação de Hospitais de Ensino (SAHE) da
6. OECD. Em Direção a Sistemas de Saúde de
[citado 18 mai. 2010] Disponível em: Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo
Alta Performance – Sumário em Português.
http://www.anvisa.gov.br/ (SES-SP) in Hospitais de Ensino no Estado de
OECD Mul tilingual Summaries. OECD, 2004.
servicosaude/hsentinela/index.htm São Paulo – SES/SP. 2007. p. 43-52.
[citado 18 mai. 2010] Disponível em:
www.oecd.org/health 8. Costa TM, Zavitoski LG, Borges Neto BA,
Magalhães A, Bittar OJNV. Sistema de
7. Agência Nacional de Vigilância Sanitária

RAS _
14 Vol. 12, No 46 – Jan-Mar, 2010

Você também pode gostar