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RESUMO
Objetiva-se com este artigo discutir os limites e as possibilidades do trabalho em equipe na Estratégia de Saúde da
Família (ESF) e suas implicações para a promoção da saúde. O cenário da pesquisa constituiu-se de 10 Unidades Básicas
de Saúde (UBSs) presentes nos Distritos Sanitários (DSs) dos municípios de Belo Horizonte e Contagem. Trata-se de
estudo qualitativo, cujos dados foram coletados por meio de entrevista com roteiro semiestruturado e submetido
à análise do discurso. Os sujeitos da pesquisa foram profissionais das ESFs: 3 médicos, 7 enfermeiros, 9 auxiliares de
enfermagem e 9 agentes comunitários de saúde, totalizando 28 profissionais. Os resultados apontam que o trabalho
em equipe, em processo de conformação, tem-se apresentado como uma ferramenta significativa para a consolidação
da ESF. A despeito das dificuldades identificadas como pontos críticos, avanços consideráveis podem ser apontados no
processo de trabalho, dentre os quais a incorporação de tecnologias no planejamento e na programação das equipes,
que têm potencialidade e podem ser estruturantes para a construção de outros modelos. Concluiu-se que a promoção
da saúde é um caminho ainda em construção e deve envolver outros setores da sociedade, favorecendo o planejamento
de ações, o compartilhamento de decisões e a abordagem interdisciplinar. Nesse processo, o papel dos gestores na
definição de estratégias, com olhar intersetorial, é fundamental para a consolidação da ESF e para o entendimento da
promoção da saúde como uma função do conjunto da sociedade e das instituições.
Palavras- chaves: Programa de Saúde da Família; Promoção da Saúde; Equipe Interdisciplinar de Saúde.
ABSTRACT
This paper aims to discuss the limitations and possibilities of team work in Family Health Strategy (FHS) and its
effectiveness on health promotion. It was developed in ten Primary Family Health Units of Health Districts in the
municipalities of Belo Horizonte and Contagem. It was a qualitative study with data collected through semi structured
interviews and analyzed according to Discourse Analysis. The research subjects were 3 doctors, 7 nurses, 9 nursing
assistants and 9 community workers. The results demonstrate that team work in its forming process is an important
instrument to the Family Health Program consolidation. Despite the difficulties and the critical points identified
considerable progress has been achieved with technology implementation in team planning and programming. These
teams have good potential and could function as model to other groups. In conclusion health promotion is a work in
progress that should implicate other sectors of society in action planning and decision making and ought to favour
an interdisciplinary approach. In such process the managers’ role is fundamental to the planning of strategies in an
intersectoral perspective. Their participation is key to the consolidation of the FHSs and to the understanding of health
promotion as an activity that involves society and its institutions as a whole.
Key words: Family Health Program; Health Promotion; Patient Care Team.
RESUMEN
Este artículo discute los límites y posibilidades del trabajo en equipo en la Estrategia de Salud de la Familia (ESF) y sus
implicaciones para la promoción de la salud. El escenario del estudio estuvo constituido por diez Unidades Básicas de Salud
de los Distritos Sanitarios (DS) de las ciudades de Belo Horizonte y Contagem. Se trata de un estudio cualitativo cuyos datos
fueron recogidos a través de entrevistas con guión semiestructurado y luego sometidos al análisis del discurso. Los sujetos
del estudio fueron profesionales de los Equipos de Salud de la Familia: 3 médicos, 7 enfermeros, 9 auxiliares de enfermería y 9
agentes comunitarios de salud, totalizando 28 profesionales. Los resultados señalan que el trabajo en equipo, en proceso de
conformación, es una herramienta significativa para la consolidación de la ESF. En cuanto a los puntos críticos identificados
se pueden señalar avances considerables en el proceso de trabajo, en la incorporación de tecnologías en la planificación y
en la programación de los equipos con potencialidad que pueden ser estructurantes para la construcción de otros modelos.
Se concluyó que la promoción de la salud es un camino en construcción que debe involucrar otros sectores de la sociedad,
favoreciendo la planificación de acciones, compartir decisiones y el enfoque interdisciplinario. En este proceso el rol de los
gestores en la definición de las estrategias, con visión intersectorial, es fundamental para consolidar la ESF y entender que
la promoción de la salud es una función conjunta de toda la sociedad e instituciones.
Palabras clave: Estrategia de Salud de la Familia; Promoción de la salud; Equipo interdisciplinario de Salud.
1
Enfermeira. Pesquisadora do NUPEPE. Doutora em Enfermagem. Professora do curso de Enfermagem da UFMG.
2
Enfermeira. Doutora em Enfermagem. Coordenadora do NUPEPE. Professora Emérita da Escola de Enfermagem da Universidade Federal de Minas Gerais
(UFMG).
3
Enfermeira. Pesquisadora do NUPEPE. Mestre em Enfermagem.
Endereço para correspondência – Rua Maranhão 483/302, bairro Funcionários, Belo Horizonte-MG. Email: mrezende@enf.ufmg.br
A ESF vem se revelando como elemento potencializador Ancorado nesses conceitos, o Ministério da Saúde (MS)
e oportuno rumo à construção de uma nova ética social, define, conceitual e metodologicamente, a ESF como
alicerçada nos princípios do acesso, territorialização, uma iniciativa emblemática, o que representa, para além
acolhimento, humanização e criação de vínculo com o dos desafios, uma oportunidade para a consolidação
do SUS. Dentre os desafios que a ESF tem de enfrentar,
usuário, inscrevendo a intersetorialidade como campo
encontra-se o trabalho em equipe, que pode – e deve –
de saber e prática e possibilitando mudanças no modelo
ser considerado fundamental para uma atuação eficaz e
tecnoassistencial.
de qualidade na produção dos serviços de saúde.
Utilizando-se o conceito de construção social do pro-
A concepção de trabalho em equipe advém da
cesso saúde-doença, a ESF lança mão de estratégias
necessidade de serem estabelecidos objetivos comuns
de intervenções nas ações e políticas de promoção,
e um plano de trabalho bem definido, no qual os
prevenção, reabilitação e recuperação. Busca atuar não
componentes da equipe criem as condições necessárias
apenas no componente biológico, mas também considera
ao crescimento individual e do grupo para um cuidado
o sujeito em suas relações sociais, políticas e culturais. Essa
centrado no usuário e na comunidade onde atuam. A
concepçãoincluioambiente,omeiosocialeoestilodevida,
cooperação, a complementaridade e a responsabilidade
com a perspectiva de otimizar o acesso e a qualidade dos compartilhada na ESF apontam para a necessidade de
serviços de saúde, elegendo a família e seu espaço social uma comunicação aberta e solidária, de forma a conferir
como núcleo central de abordagem. A intervenção da ESF responsabilidades mediante a diversidade de situações
sustenta-se na concepção da necessidade de repensar as encontradas.6
ações de saúde sob a égide de outro paradigma, com vista
a superar a lógica da assistência centrada no atendimento Dessa forma, o trabalho em equipe tem o potencial de
individual e curativo para o da prevenção de agravos e, tornar-se um estímulo à organização comunitária, visto
sobretudo, o da promoção da saúde.2 que o modelo assistencial proposto é o da promoção da
saúde, que se baseia no encorajamento e no apoio às
Como um dos principais desafios colocados para a pessoas e aos grupos sociais para que estes assumam
consolidaçãodoSUS,3 aimplementaçãoeofuncionamento maior controle sobre sua saúde, mediante a participação
da ESF têm-se revelado de formas diferenciadas em sua nas transformações da realidade social e política.7
dinâmica, evolução, fortalezas e dificuldades na busca da
qualificação da atenção à saúde. Estabelecer uma nova relação com o usuário, privi-
legiando o diálogo entre os diferentes saberes, pres-
Nesse contexto, a promoção da saúde apresenta-se supõe a possibilidade de reconstrução das práticas,
como uma estratégia que norteia sua construção, capaz envolvendo usuários e profissionais para intervir na
de contribuir para a superação de problemas e desafios realidade em que estão inseridos, constituindo uma
que dificultam ou impedem avanços indispensáveis à importante ferramenta para o alcance das práticas de
consolidação do modelo tecnoassistencial. promoção à saúde no cotidiano dos serviços.
O conceito de promoção da saúde ganhou maior A estruturação do trabalho em equipes na ESF, todavia,
visibilidade no cenário mundial a partir da década de por si só, não garante uma ruptura com a dinâmica
1970, com a publicação do documento A new perspective médico-centrada. Para superar o modelo hegemônico de
on the health of canadians, conhecido como Informe cuidado em saúde, é necessário reorganizar o processo
Lalonde.4 Nesse documento, são articuladas as quatro de trabalho em saúde nos fazeres do cotidiano de cada
dimensões explicativas e determinantes da saúde – a profissional e destes em colaboração e cooperação.
biologia humana, os estilos de vida, o ambiente e os Para tanto, faz-se necessária não apenas a incorporação
serviços de saúde –, contribuindo, significativamente, de novos conhecimentos, mas também a mudança na
para o estabelecimento de novo paradigma na saúde. cultura e no compromisso com a gestão pública, de
modo a garantir uma prática pautada pelos princípios
Ao longo das décadas 1970 e 1980, as evidências sobre
da promoção da saúde.8
as dimensões explicativas e determinantes da saúde se
acumularam. Em 1986, ocorreu a Primeira Conferência Nesse contexto, situa-se este artigo, que deriva da
Internacional sobre Promoção da Saúde, realizada em pesquisa Promoção da saúde: estratégia política,
Ottawa, que se tornou um marco referencial para o assistencial, educacional e gerencial para a construção
avanço desse conceito. Nessa conferência, a promoção do modelo técnico-assisencial em saúde, desenvolvida
da saúde foi definida como um processo de capacitação pelo Núcleo de Pesquisas sobre o Ensino e a Prática de
de dar isso aqui pra eles. A gente sai, faz e depois a gente A Unidade Básica de Saúde está sobrecarregada e
vem e reúne uma hora, duas horas, mas não dá pra fazer com poucos profissionais. Algumas coisas podiam
uma educação continuada. (ASC9) ser resolvidas numa Secretaria de Assistência Social.
Algumas coisas, por exemplo, é questão de Secretaria
Ao mesmo tempo, depreende-se dos discursos que a de Obras, que poderia estar atuando em conjunto com
educação permanente, quando acontece, sinaliza para agente. (ASC4)
o uso de metodologias tradicionais, com transmissão de
conhecimentos de forma fragmentada e sem vínculo com As implicações da organização do processo de
asaçõesdepromoçãodasaúde.Apesardenomeadacomo trabalho para a promoção da saúde
uma estratégia fundamental no processo de trabalho, a
educação permanente está vinculada às reuniões em Apesar de a promoção da saúde ser referenciada
equipe para o repasse de questões administrativas e como fundamental, os depoimentos denotam que os
assistenciais, as quais não são reconhecidas como um profissionais a confundem com práticas de prevenção
espaço potencializador de promoção da saúde e de e/ou de educação para a saúde.
melhoria da qualidade do serviço: Na busca de sinergia e na tentativa de responder à
demanda excessiva, combinada com a insuficiência de
É feita uma reunião semanal, onde é repassado o recursos humanos, os profissionais das ESFs lançam
treinamento. Nós trazemos os acontecimentos da mão de diferentes estratégias na organização do seu
comunidade para ser discutido, para ser encontrada processo de trabalho. Nessas estratégias situam-se os
uma forma de resolver o problema. Entrarmos num grupos operativos, que são apontados, pela maioria dos
consenso melhor de como pode estar auxiliando no
entrevistados, como uma ferramenta de racionalização do
PSF. (BAC8)
trabalho. Entretanto, percebe-se que esses grupos adotam
Na análise dos discursos desvela-se, ainda, o incipiente metodologias tradicionais, com função prescritiva, sem
desenvolvimento de ações intersetoriais no cotidiano do enfoque em ações de promoção da saúde:
trabalho das equipes e sugere-se que a operacionalização
da promoção da saúde deve estar vinculada à capacidade Porque nesse dia de grupo diminui até a demanda de
consultas nos postos. E por quê? Porque nos grupos
de articular o processo de trabalho das equipes com
operativos o paciente vem para o grupo. No grupo
outros setores da sociedade. mesmo, a gente vai vendo o que precisa ser passado
Apesar da insuficiência de ações intersetoriais, os ao médico. Por receita vencida ou por qualquer
entrevistados reconhecem sua importância para a outra eventualidade ou necessidade, ele já vai ser
encaminhado ali no grupo. (ATC4)
construção da rede de atenção e apontam indícios para
o rompimento de fronteiras para além do setor saúde na Promoção mesmo que a gente tem são os grupos
implementação de ações de promoção da saúde: operativos, em que a gente enfoca a questão do
autocuidado e fala de outras coisas. Ainda é muito
A saúde sozinha, a instituição saúde, os profissionais da pouco. Tá engatinhando na promoção. Tá muito ainda
saúde, médicos, enfermagem, a gente não é capaz de cuidador, curativo [...]. Tá muito nessa linha ainda
fazer isso sozinho. Então, um dos pilares aí da filosofia medicamentosa. (ASC5)
do SUS, a intersetorialidade, é que ajuda a gente
muito a estar fazendo essa promoção [...]. Só a saúde Outro aspecto referido na organização do processo de
não consegue promover a saúde. A gente precisa do trabalho das equipes da ESF diz respeito à dificuldade em
social, da assistência social. A gente precisa do lazer, do articular as atividades relativas à demanda espontânea
esportivo, do cultural, para estar promovendo a saúde com as planejadas pelo serviço. Isso resulta na
do cidadão. (ASC3) inadequação da oferta do serviço às necessidades dos
usuários, como evidenciado pelos discursos a seguir:
Destaque-se que as parcerias com as demais instituições,
quando acontecem, estão focadas em intervenções
A nossa demanda é grande, muito grande. Então, a
pontuais, complementares e, muitas vezes, centradas gente fica muito no acolher o paciente que chega com
em algum problema detectado por uma instituição que a sua queixa e dar atenção pra essa queixa, resolver
demanda do serviço de saúde uma intervenção: naquele momento. Então, não tá sendo feita nenhuma
promoção nesse caso, não. O dia a dia nosso é este:
Nas escolas, a gente já fez umas palestras também, mas acolhimento, atendimento da demanda. À tarde
nada sistematizado. Foi muito a pedido das diretoras; fazemos a parte da promoção. No caso, o pré-natal,
falar mais sobre verminose, higiene. (ASC2) puericultura, algum grupo. (BSC7)
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