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Proposta e análise de indicadores

ARTIGO ARTICLE
para reorientação do serviço na promoção
da saúde: um estudo de caso no Centro de Saúde
Escola Germano Sinval Faria

Proposal and analysis of indicators for


the health promotion orientation service: a case
study in Germano Sinval Faria Health Center

Inês Nascimento de Carvalho Reis 1


Marcos Besserman Vianna 1

Abstract The Training Health Center belongs to Resumo O Centro de Saúde Escola pertence a
an institution which performs in different areas uma instituição de pesquisa, ensino, desenvolvi-
such as research, teaching, technology develop- mento tecnológico e prestação de serviços em saú-
ment and a service on public health. This article de pública. O artigo apresenta marcos conceituais
presents conceptual issues on health promotion, sobre promoção da saúde, um dos objetivos deste
one important step of this Health Center, and centro de saúde, e lista indicadores para serem
evaluation points to the staff and patients chek- avaliados por seus trabalhadores e usuários. Uti-
ing if this Health Center is a health promotion or lizaram-se questionários aplicados em entrevis-
not. To perform this evaluation, questionnaires in tas. Conclui que o Centro tem muitas ações de
interviews are used. There are many actions to- promoção da saúde, ainda não auto-sustentáveis,
wards the health promotion, but many of them e mostra que está caminhando para ser um cen-
are still not sustainable. The discussion and eval- tro de referência em promoção da saúde. Os indi-
uation of this comparison will point to reach the cadores propostos foram aprovados para avaliar a
Health Center goal which is to be a reference on reorientação do serviço e, ao final, sugeridos mais
health promotion. Some questions are based on dois: análise da multidisciplinaridade e do ambi-
approved indicators by the team to evaluate the ente construído.
health services “re-orientation” focusing in more Palavras-chave Promoção da saúde, Reorien-
two main ones: multi-disciplinarity and changed tação de serviço, Proposta de indicadores
environment.
Key words Health promotion, Orientation ser-
vice, Proposal of indicators

1 Centro de Saúde Escola


Germano Sinval Faria,
Escola Nacional de Saúde
Pública, Fiocruz.
Rua Leopoldo Bulhões 1.480,
Manguinhos, 21041-210,
Rio de Janeiro RJ.
inesreis@ensp.fiocruz.br
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Reis, I. N. C. & Vianna, M. B.

Apresentação agendada, marcada em intervalos de até três


horas; e através da demanda espontânea, orga-
A Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP), da nizada em triagem multidisciplinar. Compara-
Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), vinculada do com muitos postos, o atendimento é dife-
ao Ministério da Saúde do Brasil, tem um de- renciado, voltado aos grupos por ciclos de vi-
partamento denominado Centro de Saúde Es- da, favorecendo prestar orientação a toda a de-
cola Germano Sinval Faria (CSEGSF), criado manda. Pergunta-se, semanalmente, aos usuá-
em 1967. Este Centro de Saúde Escola (CSE) rios da Triagem, se preferem a organização do
tem como principais objetivos prestar assistên- atendimento por grupos de ciclos de vida ou
cia multidisciplinar, prioritariamente à sua vi- pela ordem de chegada, sendo unânime a apro-
zinhança, a população moradora no Complexo vação pelo primeiro. Isto contribui para uma
de Manguinhos, no município do Rio de Janei- relação mais saudável entre o profissional e seu
ro; realizar atividades de educação, prevenção e trabalho, um maior acolhimento à população,
promoção da saúde; desenvolver tecnologia, humanizando mais a equipe e a clientela. O en-
pesquisa e ensino na área da saúde pública. foque passa a estar centrado no indivíduo co-
A ENSP tem fortalecido, desde 1994, um mo cidadão, com direito a saúde, e no coletivo
processo de articulação entre as várias ações como uma oportunidade para educação em sa-
comunitárias voltadas para servir à população úde e estímulo à promoção da saúde e a cida-
de Manguinhos. Em 1999, foi estabelecida uma dania.
parceria entre a ENSP, a Associação Canadense Atualmente, muitos profissionais do pró-
de Saúde Pública (CPHA) e a Associação Brasi- prio CSE e de outros setores o denominam de
leira de Pós-Graduação em Saúde Coletiva Centro Promotor de Saúde. O presente artigo
(Abrasco), numa iniciativa de cooperação para definirá marcos conceituais da reorientação de
transferência de tecnologia entre Canadá e serviço para promoção da saúde relacionando
Brasil na área da promoção da saúde, resultan- alguns indicadores que serão, em seguida, ava-
do em várias experiências. Dentre elas destaca- liados por profissionais de saúde e usuários do
se a reorientação do CSE, que vem alterando CSE segundo as ações existentes.
sua forma de gestão e práticas, com enfoque na
intersetorialidade, articulando-se com a comu-
nidade e outras parcerias, para o enfrentamen- Marcos da promoção da saúde
to dos problemas locais com uma visão global. para a reorientação de serviço
Em Reis et al. (2002) verifica-se que a prin-
cipal estratégia para a reorientação dos servi- Historicamente, como apresentado por Mina-
ços do CSE está centrada, desde 2000, na exis- yo e Miranda (2002) os condicionantes do pro-
tência de um Conselho Gestor paritário entre cesso de adoecimento numa perspectiva social
instituição e usuários, dando direito a voto em já eram destacados por Engels, antigo colabo-
todas as suas deliberações. Atualmente, é com- rador de Marx, que atribuía o sofrimento dos
posto por sete usuários eleitos por participan- operários a doenças infecciosas, como a tuber-
tes de grupos assistenciais do CSE, Organiza- culose, ou ainda a outras causadas por toxinas,
ção Não-Governamental (ONG) e pelo Fórum toxinas ambientais e alcoolismo. Em 1840,
Comunitário de Manguinhos; e sete membros constatou-se, na Inglaterra, que os fatores que
institucionais, ou seja, a chefia do CSE, que é mais contribuíam para uma melhor qualidade
eleita pelos funcionários e usuários membros de vida da população eram o desenvolvimento
do Conselho Gestor, suas três Coordenações, econômico e uma melhor qualidade nutricio-
um representante eleito pelos funcionários e nal. Virchow, num inverno de 1847, foi convi-
dois representantes de instâncias municipais dado a estudar uma epidemia do tifo e reco-
do Governo. O CSE presta assistência multidis- mendou que a população vitimada necessitava,
ciplinar, individual e coletiva, inerentes à aten- entre outras intervenções médicas, de comple-
ção primária do Ministério da Saúde, contan- ta e ilimitada democracia, educação, liberdade
do com quinze consultórios, três salas para e prosperidade.
grupos e infra-estrutura de serviços comple- Em 1946, Singerist utiliza pela primeira vez
mentares, incluindo sistema de vigilância epi- o termo promoção da saúde, quando ele tenta
demiológica com visita domiciliar. O atendi- reordenar o sentido da Medicina em quatro
mento à população é oferecido através da de- funções: a promoção da saúde, a prevenção das
manda organizada, que corresponde à consulta enfermidades, a cura e a reabilitação. Mas, con-
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sidera-se o primeiro grande marco conceitual mentar os investimentos para fomentar a saú-
da promoção da saúde o Informe Lalonde. Da- de; consolidar e expandir parcerias em prol da
tado de 1974, estabeleceu quatro dimensões do saúde; aumentar a capacidade comunitária; e
processo saúde-enfermidade-cuidado, sendo dar direito de voz ao indivíduo, o empower-
uma delas a organização do sistema de atenção ment.
à saúde. Esta consiste na quantidade, qualida- A dimensão da promoção da saúde expres-
de, ordem, índole e relações entre as pessoas e sa nos últimos encontros internacionais dire-
os recursos de provisão da atenção à saúde. cionados para o redimensionamento do papel
Naquela ocasião, a Organização Mundial da da saúde pública culminaram na Rede de Me-
Saúde (OMS) realizou missões à China para gapaíses para Promoção da Saúde, de 1998. Is-
conhecer o sistema de saúde implantado a par- to favorece os países em desenvolvimento, re-
tir de 1965, na zona rural. Destacaram-se as percutindo em políticas e ações para saúde,
ações de prevenção voltadas à autoconfiança sendo um exemplo o já citado Projeto de
popular e valorização de tratamentos à base de Transferência de Tecnologia entre Brasil e Ca-
ervas medicinais (Buss, 2000). nadá. Outro exemplo é a estratégia criada pela
A Declaração de Alma-Ata, de 1978, teve Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS)
como base Saúde para Todos no Ano 2000, rea- e a OMS para estimular a reorientação do sis-
firmando a justiça social e a eqüidade como tema de saúde com vistas à promoção da saú-
pré-requisitos para a saúde. Esta foi aprofun- de, apoiando iniciativas que incorporem entor-
dada no segundo grande marco, a Carta de Ot- nos saudáveis e viabilidade de desenvolvimen-
tawa, datada de 1986, que ampliou a concepção to social, incluindo a avaliação da qualidade,
de promoção da saúde, incorporando a impor- resolutividade e humanização da atenção, ten-
tância e o impacto dos aspectos socioeconômi- do como objetivo central a contribuição para
co-político-psicocultural aos determinantes de melhoria da qualidade de vida (Malo, 2002;
saúde. Conceituou a reorientação dos serviços OPAS, 2004).
de saúde a partir de uma visão ampla que deve O Brasil tem sua legislação coerente com
ser modificada gradativamente com a partici- essa proposta, como citado em sua Constitui-
pação dos indivíduos e sociedade na criação de ção, de 1988, no artigo 196, a saúde é direito de
um novo sistema de saúde, a partir de uma de- todos e dever do Estado, garantindo mediante
finição e conquista conjunta, sempre conside- políticas sociais e econômicas que visem à redu-
rando os serviços clínicos e de urgência. Deve- ção do risco de doença e de outros agravos e ao
se, portanto, valorizar a capacitação dos profis- acesso universal e igualitário às ações de serviço
sionais para mudanças de atitudes, a interseto- para a sua promoção, proteção e recuperação. E,
rialidade, a comunicação e a pesquisa. ainda, na regulamentação infraconstitucional,
A Declaração de Adelaide, de 1988, ao re- a lei 8.080, de 1990, nos artigos 2º e 3º, diz que
forçar a importância de políticas públicas sau- as políticas sociais e econômicas protetoras da
dáveis, aponta para a necessidade de uma abor- saúde individual e coletiva são as que atuam di-
dagem integrada de reforma e desenvolvimen- retamente sobre fatores determinantes e condi-
to socioeconômico e de saúde. Identificou qua- cionantes da saúde, como: alimentação, mora-
tro áreas prioritárias: apoio à saúde, informa- dia, saneamento básico, meio ambiente, traba-
ção e participação da mulher; políticas, ações e lho, renda, educação, transporte, lazer e acesso
informações de valorização à alimentação e aos bens de serviços essenciais. O dever de Es-
nutrição adequadas; combate ao tabagismo e tado de prover as condições indispensáveis ao
alcoolismo através de fortes políticas e ações; e exercício do direito do cidadão à saúde não ex-
criação de ambientes saudáveis e auto-susten- clui o dever das pessoas, da família, das empre-
táveis. Isto é reforçado na Declaração de Suns- sas e da sociedade, destacando a questão da au-
dvall, de 1991, que responsabiliza a todos pela tonomia e da responsabilidade social. Aspectos
criação de ambientes favoráveis e promotores estes já contemplados na criação do Sistema
de saúde, frisando a educação neste contexto. A Único de Saúde (SUS).
Conferência de Jacarta, a primeira realizada em Em 2002, o I Fórum Mundial de Saúde
país em desenvolvimento, fez uma avaliação convida a todos a assumirem suas responsabili-
positiva da Carta de Ottawa, estabelecendo cin- dades na construção de sociedades justas e
co prioridades para a promoção da saúde, com eqüitativas, e com ações sustentadas (Alames et
destaque para os dois últimos itens: promover al., 2002). A 12a Conferência Nacional de Saú-
responsabilidade social para com a saúde; au- de do Brasil (2004), em 2003, aborda esta ques-
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tão e um dos caminhos está em dois de seus ei- quisadores e dos sujeitos que participam da ex-
xos temáticos intitulados a intersetorialidade periência bem como suas relações recíprocas”
das ações de saúde e a organização da atenção à (Bruyne et al., 1982).
saúde, que têm o apoio do governo. Este reco- Os autores estabeleceram alguns indicado-
nhece que o primeiro é fundamental para a ob- res para avaliar a afirmativa de que o CSE é um
tenção da promoção da saúde, e o segundo de- centro promotor de saúde, com base nos mar-
ve também incorporar tecnologias e a metodolo- cos conceituais apresentados anteriormente,
gia de educação e promoção de hábitos saudá- conforme listado a seguir. Entretanto, ressal-
veis, entre outros para garantir os novos rumos tam que este é um primeiro ensaio em um es-
da reforma sanitária brasileira. tudo de caso, reconhecendo a importância de
Parte-se da premissa que, para o sucesso do ser um debate necessário por abranger a quali-
trabalho a partir da promoção da saúde, o pro- dade de vida do cidadão, entendida como de-
fissional de saúde deve estar aberto ao diálogo, senvolvimento integral do ser humano, sendo
como definido por Paulo Freire (2000), um dos um desafio que precisa ser enfrentado pelos
norteadores das instituições de promoção da serviços de saúde, além da necessidade de in-
saúde no Canadá. Para estimular o empower- corporação da vida cotidiana nas ciências soci-
ment, o profissional de saúde deve ser um me- ais (Minayo et al., 2000; Fleck, 2000; Canesqui,
diador dos recursos existentes, através de um 1995).
atendimento humanizado, sendo a capacitação
fundamental (Vasconcelos, 1988; Stotz & Valla, Lista de indicadores utilizados
2001). Isto torna-se ainda mais importante para avaliar o Centro de Saúde Escola
quando se assume a abrangência do termo pro- Germano Sinval Faria como promotor
moção de saúde e a necessidade de definição de de saúde
indicadores de avaliação diferentes dos referen-
ciais tradicionalmente utilizados, devendo sus- • controle social
citar debates entre os profissionais envolvidos • articulação intersetorial
em mudança da qualidade de vida, com ações • preocupação com a justiça social
intersetoriais, com mobilização e participação e eqüidade
comunitária. A importância desta temática é • participação para o desenvolvimento social
amplamente apresentada em Zancan et al. e econômico saudável e auto-sustentável
(2002), pois acredita-se que este é o caminho • participação para o desenvolvimento
da promoção da saúde para o alcance do de- ambiental saudável e auto-sustentável
senvolvimento local integrado e sustentável • organização da demanda e protocolos
(DLIS). Estas questões estão latentes no CSE. A por ciclo de vida
seguir, destacam-se reflexões dos autores com • contribuição para o controle
profissionais/gestores e usuários do CSE, sobre de enfermidades transmissíveis
indicadores de reorientação do serviço para • contribuição para o controle
promoção da saúde. de enfermidades não transmissíveis
• redução ao tabagismo e outras
dependências químicas
Metodologia • contribuição para mudanças de estilo
de vida
A metodologia adotada é inspirada no que Mi- • respeito às necessidades individuais
nayo (1998) chama de ciclo de pesquisa, ou seja, e peculiaridades culturais
é um processo de trabalho que começa com a • desenvolvimento tecnológico
fase exploratória, na qual preliminarmente se • pesquisa
interroga sobre o objeto, os pressupostos, as te- • capacitação profissional para mudança
orias e metodologia pertinentes; o trabalho de de atitudes
campo que “consiste no recorte empírico da
construção teórica elaborada”; e o tratamento Para o levantamento dos dados foi elabora-
do material recolhido no campo, que produz um do um questionário semi-estruturado que ser-
confronto entre a abordagem teórica e o que a viu de base para entrevistar pelo menos um
investigação de campo traz de contribuição trabalhador de cada programa/ação de promo-
singular. A experimentação de campo também ção da saúde, profissionais que trabalham em
favorece a transformação dos “papéis dos pes- ações basicamente biomédicas, membros do
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Conselho Gestor que pertenciam e não perten- restante está há mais de quatro anos, o que po-
ciam ao quadro funcional do CSE e um profis- deria permitir um conhecimento geral do CSE
sional de uma Organização Não-Governamen- e das análises a serem feitas.
tal (ONG) que faz parceria com o CSE. Pergun- A técnica utilizada possibilitou uma apro-
tou-se à pessoa o que era promoção da saúde; a ximação entre pesquisador e entrevistado, per-
concordância ou não com o CSE ser nomeado mitiu que as respostas não fossem induzidas e
centro promotor de saúde e qual a razão da res- avaliassem também a utilidade dos indicadores
posta; e, ainda, se apresentou cada um dos in- propostos. Isto se fez necessário considerando-
dicadores listados acima para responderem se se Lévi-Strauss (1975): a ciência onde o obser-
o CSE cumpria ou não o quesito, e quais as vador é da mesma natureza que o objeto, o ob-
ações que justificavam os casos de respostas servador é uma parte de sua observação. Isto
positivas. As entrevistas foram individuais, ga- contribuiu para se concluir que será enriquece-
rantida a confidencialidade e com duração mé- dor ampliar o estudo com uma metodologia de
dia de uma hora, chegando até a três horas no pesquisa-ação que estimule a integração e par-
máximo. ticipação de todo o CSE. A pertinência da te-
Foram entrevistadas dezoito pessoas relaci- mática é notória também quando destaca a
onadas diretamente a ações do CSE, inclusive missão institucional diante do conceito de qua-
Conselho Gestor, correspondendo a 21% dos lidade de vida e de promoção da saúde e a im-
trabalhadores do CSE e 15% de seu colégio portância de um aprofundamento em sua me-
eleitoral (dezembro de 2003). Todos os grupos dição, como aponta Minayo, Hartz e Buss
de trabalho com práticas priorizadas em pro- (2000). A avaliação é um campo de conhecimen-
moção da ação foram contemplados (Desen- tos aplicados e uma ferramenta estratégica para
volvimento Local Integrado e Sustentá- o planejamento e a gestão de programas e proje-
vel/DLIS/Manguinhos, Estratégia de Saúde da tos, como concluído no relatório da I Oficina
Família/ESF, Núcleo de DST/AIDS, Núcleo de de pesquisa Avaliativa em Promoção da Saúde
Práticas Naturais em Saúde/NuPNS, Centro e Desenvolvimento Comunitário, no V Con-
Colaborador de Alimentação e Nutrição/CE- gresso Brasileiro de Epidemiologia (Hartz et
CAN, Programa de Atenção ao Idoso/PASI, al., 2002).
Núcleo de Ações e Estudos de Comunicação
em Promoção da Saúde/NAECOS, Núcleo de
Estudos de Diretos Humanos e Saúde/NEDH), Análise dos resultados
e também os Módulos de Atendimento (Crian-
ça, Mulher e Adulto) e membros do Conselho Constatou-se no conjunto das entrevistas a ne-
Gestor. É interessante ressaltar que sete profis- cessidade de um sistema de informação que
sionais têm mais de uma função, conforme permita uma socialização maior de todas as
apresentado no quadro 1. Foram entrevistados práticas dos últimos anos. Percebeu-se que a
dois usuários que são membros do Conselho maioria sabia da existência de muitas ações,
Gestor. Cinco entrevistados (27%) são mora- mas sem um conhecimento mais aprofundado,
dores de Manguinhos, sendo que quatro são como demonstraram querer, apontando que
funcionários também. Somente três entrevista- caberá um estudo sobre as razões da queixa re-
dos estão no CSE há menos de dois anos. O lativa à falta de informação. Esta queixa tam-
bém está presente nas assembléias que têm
grande participação, embora muitos assumam
que não fazem uso dos mecanismos existentes,
Quadro 1 como o comparecimento no Conselho Gestor e
Ações dos entrevistados com o Centro de Saúde Escola nos Centros de Estudos, que são reuniões aber-
Germano Sinval Faria. tas, e leitura dos painéis internos, o que fica
evidente nas análises dos indicadores, a seguir.
Relação No
Promoção da saúde 5 Definição de promoção da saúde
Assistência biomédica 3 para os entrevistados
Usuário no Conselho Gestor e parceria institucional 3
Promoção da saúde e assistência biomédica 5 Houve uma coincidência nas respostas pos-
Promoção da saúde, assistência biomédica e 2
sibilitando que fossem agrupadas em cinco, co-
Conselho Gestor
mo apresentado no quadro 2. A maioria dos
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Quadro 2
Agrupamento de definições dos entrevistados sobre promoção da saúde.
Grupo Definição No
Responsabilidade Favorecer práticas saudáveis, em um sentido amplo 6
institucional/profissional
Construir junto com o usuário/comunidade 5

Prevenir doença e educação em saúde 4

Ter mais especialidade médica 1

Responsabilidade individual Ter práticas saudáveis, viver bem, feliz 6

entrevistados correlacionou promoção da saú- Vacinação na Fiocruz (Reis et al., 2003), apon-
de a responsabilidades institucionais/profissio- tando a consciência de um conceito mais volta-
nais (78%) e o restante a iniciativas individuais. do para a saúde do que para a doença.
Alerta-se para o fato de que quatro pessoas
aparecem em mais de um agrupamento, mas Opinião sobre o CSE ser
apresentando uma lógica complementar e não um centro promotor de saúde
contraditória.
O CSE era voltado à atenção primária, lo- O reconhecimento sobre a reorientação do
go, encontrar a definição de que devemos cami- centro de saúde para a promoção da saúde é
nhar com o outro, trabalhar junto com a comu- notória, seja no resultado concordante de 22%,
nidade, através da troca de experiência, não adi- seja no caso de 61% que afirmam que “está ca-
antando só informar, é construir juntos, a partir da vez mais caminhando nesta estrada” (sic). A
dos saberes de cada um (sic), demonstra a mu- justificativa está em achar que “todos os profis-
dança dos conceitos que ocorrem historica- sionais e estagiários estão trabalhando para is-
mente a partir das práticas estabelecidas. Co- to” (sic), conhecendo as necessidades de seus
mo apresentado no quadro 2, setenta e dois por pacientes, procurando fazer um atendimento
cento dos entrevistados deram definições pró- humanizado, evitando medicalizar a clientela e
ximas às expostas no marco conceitual. Entre- trabalhando mais com a população, sendo apre-
tanto, o destaque foram as relações institucio- sentada a opinião de que funciona melhor do
nais, mas em outra pesquisa em andamento no que outras instituições.
CSE, sob nossa assessoria, 79% dos trabalhado- Foi citado que a falta de investimento insti-
res apresentaram conceitos mais próximos ao tucional e de capacitação dos recursos huma-
autocuidado, ainda que dentro dos pressupos- nos tem sido um limitador para o CSE ser mais
tos da promoção da saúde (Penna, 2004). prontamente nomeado promotor de saúde
Foi de um usuário a única definição voltada (11%). Outro fato apontado por um entrevis-
para o atendimento à doença exclusivamente – tado foi a sobrecarga de consultas e atribuições
necessidade de ter mais especialidades médicas. assumidas por profissionais comprometidos
O outro usuário, pertencente à terceira idade, com o trabalho e a população.
participa ativamente do dia-a-dia do CSE, con-
tribuindo para que dissesse: “é viver de bem Controle social
com a vida”, o que foi encontrado em 27% das
análises. Percentual similar (29%) aconteceu Todos reconheceram que o CSE tem uma
quando, sob nossa orientação, Penna (2004) en- gestão participativa, sendo que 78% das pessoas
trevistou 190 usuários do CSE. Este conceito foi citaram como exemplo o Conselho Gestor.
destacado por 46% dos visitantes entrevistados Mas, 28% acham que a participação do usuário
no evento Fiocruz pra Você, que acontece precisa melhorar. O próprio usuário aponta
anualmente durante a Campanha Nacional de que nem sempre entende o que é dito e “quan-
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do vou para reunião já está tudo decidido, a ria com uma ONG local (39%); abordagens re-
gente só faz figuração” (sic). Por outro lado, o alizadas pelas equipes da ESF (33%); promo-
mesmo usuário e um trabalhador do PASI re- ção de curso de alfabetização para jovens e
conhecem sua utilidade quando citam que está adultos em parceria com o Ministério da Edu-
sendo conseguido geriatra para o CSE por exis- cação (22%).
tir usuários do Programa no Conselho Gestor. Foram citadas em igual proporção (11% ca-
Outro exemplo de gestão participativa foi a in- da): triagem, por atender a todos sem precisar
terferência da opinião dos usuários para per- acordar de madrugada, tendo como único limi-
manência de um dentista no ESF. Apesar de a te o horário; o PASI, pela metodologia e resul-
gestão participativa ser um processo em ama- tados observados; o Conselho Gestor e o DLIS,
durecimento, acredita-se na seriedade da ges- por estimularem a envolvimento da população
tão em buscar alternativas que incluam cada nas priorizações e soluções dos problemas.
vez mais o usuário e representantes da socieda- Enumeraram-se 13 ações somente uma vez,
de nas tomadas de decisão do CSE, sendo ob- mas que podem ser divididas em dois grupos
servada a valorização pelo conjunto dos servi- expressivos, chamados de extramuros, que
dores nesta prática. Como exemplo, ainda fo- ocorrem a partir de ações externas ao CSE
ram citados os grupos que têm uma gestão par- (atendimento de ONG contra violência à mu-
ticipativa direta do usuário, como Terrapia e lher; retirada de documentação obrigatória por
Núcleo DST/AIDS e indireta como o NAECOS, lei; inclusão escolar e no mercado de trabalho;
com a pesquisa de opinião do usuário. estimulo à criação de coletivo de mulheres) e
de intramuros (divulgação sobre os atendimen-
Articulação intersetorial tos do CSE, processo de acreditação em aten-
ção básica, orientação à demanda espontânea
A intersetorialidade também foi reconheci- sem limite de horário, trabalhos sobre seguran-
da pela unanimidade dos entrevistados. Foi ça alimentar, alimento vivo, combate à depen-
notória esta nova estratégia do CSE, demons- dência química, atendimentos de serviço social
trada pelas respostas acompanhadas de vibra- e de grupos não especificados).
ção. Foram listadas várias parcerias. Metade
mencionou a aproximação entre a academia da Participação para o desenvolvimento
ENSP e o CSE, e também da própria Fiocruz social e econômico saudável
(33%). Mas, surpreendente foi a quantidade de e auto-sustentável
parcerias externas enumeradas: metade com
outras instituições governamentais e empresa- Quase a unanimidade dos entrevistados,
riais, além de ONGs (44%); e com escolas e exceto um, concorda que o CSE estimula o de-
creches locais (22%). senvolvimento social e econômico saudável e
A articulação que mais estimula o em- auto-sustentável. Foram citadas mais ações na
powerment é aquela em que a população está área social (63%), sendo reconhecido o estímu-
presente, o que está representado na participa- lo à inclusão social através de trabalhos desen-
ção de ações com Associações de Moradores e volvidos pelo ESF; PASI; alfabetização de jo-
no Fórum Local. Este é um processo que está vens e adultos; atividades culturais e esportivas
no início e ainda depende da motivação de al- no Projeto Casa Viva/DLIS, notadamente a ca-
guns poucos para que seja auto-sustentável, poeira; criação do coletivo de mulheres; além
para que independa da política, da economia, de orientações sobre saúde partilhadas com di-
que transcenda as intempéries para ser um mo- versos profissionais, inclusive durante seções
do de vida institucional. de cabeleireiro que aconteceram na sala de es-
pera do CSE. Os exemplos foram relacionados
Preocupação com a justiça social à justiça social e eqüidade também. Fortalecer
e eqüidade as mulheres e os idosos, diminuir a violência, a
discriminação pela ignorância, a ociosidade, al-
A maioria dos entrevistados (83%) acha mejando uma sociedade mais justa, aparece
que o CSE está preocupado com a justiça social nos sentimentos durante as falas. Um exemplo:
e eqüidade, citando como ações: práticas reali- “aqui há muito boa vontade, se faz muito con-
zadas pelo Núcleo de DST/AIDS, notadamente siderando que temos pouco recurso” (sic).
o Bazar da Solidariedade (44%); atendimento O destaque nas ações relacionadas ao de-
jurídico feito semanalmente no CSE em parce- senvolvimento econômico foi a Oficina Artesa-
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nal, associada ao Bazar da Solidariedade (44%), tinuidade do processo, não abrangendo uma
que promove capacitação de moradores de mudança cultural ou mesmo de aproximação
Manguinhos e geração de renda. A orientação das instâncias de decisão.
sobre o aproveitamento integral dos alimentos
e sobre a compra mais barata conforme as sa- Organização da demanda
fras foram mencionados (Cecan e NuPNS), de- e protocolos por ciclo de vida
monstrando uma sensibilidade pela “economia
indireta”. Outros exemplos foram: o forneci- Grande parte dos entrevistados (72%) acha
mento de cesta básica de alimentação, inserida que o CSE organiza sua demanda por ciclo de
no Programa Fome Zero; iniciativas individua- vida. Metade apontou a triagem como exem-
is de auxílio à obtenção de emprego; e permis- plo, já que as pessoas não são atendidas indivi-
são, pela chefia, para que moradores vendam dualmente, salvo se assim desejarem, pois são
em feiras promovidas pelo CSE e parceiros. chamadas pelo nome para comparecerem em
Ninguém avaliou a inserção do CSE no desen- uma sala onde são orientadas em grupo con-
volvimento local integral e auto-sustentável, forme a faixa etária. Outro exemplo é que os
possivelmente por ainda ser mais um conceito atendimentos agendados são direcionados por
com ações pontuais sem ter difundido práticas módulos distribuídos conforme o ciclo de vi-
cristalizadas e de impacto, por ser o DLIS um da, o que facilita a organização.
processo e não um projeto, já que todas as A mesma proporção (72%) não conseguiu,
ações da área social identificadas fazem parte todavia, citar ações que apontassem que os
do processo de DLIS. atendimentos são organizados em protocolos
por ciclo de vida. Reconhece-se que o PASI fa-
Participação para o desenvolvimento vorece o atendimento à terceira idade, mas se
ambiental saudável e auto-sustentável destaca a inexistência de atendimento direcio-
nado ao adolescente. O CSE passa por um pro-
A questão do desenvolvimento ambiental cesso de acreditação que poderá estimular este
não é amplamente percebida pela maioria dos trabalho. Ressalta-se que não há procedimen-
entrevistados, considerando não terem identi- tos de acreditação específicos à atenção primá-
ficado ações que trabalhassem com a temática ria e menos ainda voltados à promoção da saú-
(61%). Do universo de entrevistados, 28% de, sendo o CSE o primeiro nessa ótica, pelo
apontaram o Projeto Terrapia como tendo pre- que foi apontado pela equipe do Consórcio
ocupação com o meio ambiente, correspon- Brasileiro de Acreditação (CBA), que tem pres-
dendo a 71% dos que responderam sim ao tado assessoria aos serviços da Fiocruz com a
cumprimento deste indicador. Cabe esclarecer Joint Commission International.
que este Projeto pertence ao NUPNS e estimu-
la a prática de cuidado consigo, com a alimen- Contribuição para o controle
tação e com o meio ambiente a partir da pro- de enfermidades transmissíveis
dução e consumo do alimento vivo em horta
experimental. Todos os entrevistados concordam que o
Foram citados, também, trabalhos ligados à CSE contribui para o controle de enfermidades
participação comunitária no CSE (ESF e DLIS); transmissíveis sendo citadas ações das equipes
e parceria deste com a Universidade Aberta e o do Núcleo de DST/AIDS, ESF e de Tuberculo-
Laboratório Territorial, também pertencentes a se: visita domiciliar de acompanhamento ao
ENSP, que tem várias ações relacionadas à edu- paciente e familiar, grupos específicos, distri-
cação ambiental. buição de cartilhas e medicamentos e realiza-
Entretanto, a auto-sustentabilidade ainda ção de palestras. Entre os entrevistados, 33%
não é conseguida nas práticas do CSE, o que é frisaram, também, que nas consultas são feitas
confirmado por 43% dos que apontaram estas orientações sobre o assunto e no caso da DST/
ações. Reconheceu-se que é uma caminhada AIDS há diferentes estratégias na distribuição
importante e em desenvolvimento, cabendo de preservativos (participação em diversos ti-
valorizar a intersetorialidade a partir do refor- pos de campanhas, não só relacionadas ao te-
ço de políticas e ações institucionais, disponi- ma, Camelô Educativo, e grupos com ativida-
bilizando recursos para isto. des na comunidade).
Nota-se que o enfoque dado ao termo sus- Um entrevistado acrescentou a seriedade e
tentável foi aplicado no sentido estrito de con- a criatividade na busca das soluções para apoi-
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ar os portadores de HIV, mas citou a necessida- rante o atendimento; muitos usuários fuma-
de de uma intervenção ainda maior, desde o vam na sala de espera ao lado dos que não fu-
início da educação fundamental, sugerindo um mavam, apesar de se reconhecer que urge um
trabalho mais próximo ao Programa Escolas tratamento para desintoxicação de fumantes.
Promotoras de Saúde. Cabe observar que este O resultado já é o contrário quanto à redu-
Programa é uma parceria do Ministério da Sa- ção de outras dependências químicas, já que
úde com o da Educação. A ENSP tem um gru- 83% afirmam que o CSE contribui, sendo cita-
po que trabalha em escolas locais com partici- do o Nudeq (67%) e a inclusão de agente de sa-
pação do CSE, sendo pertinente o incremento úde em alcoolismo no ESF (32%). Foi experi-
nesta área. ência pioneira, além da inclusão, por um entre-
vistado, das orientações nas consultas. Entre-
Contribuição para o controle tanto, como citou um profissional, o Nudeq fa-
de enfermidades não transmissíveis zia um atendimento em regime de semi-interna-
to, o que não é comum e teve que parar... Dois
Muitos (61%) identificam que o CSE tem profissionais destacaram que o trabalho desen-
contribuído para o controle de enfermidades volvido não segue a linha da promoção da saú-
não transmissíveis, citando: orientação nas de. Interessante é que nenhum profissional,
consultas, atendimentos de grupos específicos, nem os mais radicais quanto a práticas promo-
distribuição de medicamentos e organização toras de saúde, citaram a necessidade de ações
da demanda do adulto por doenças crônicas. relacionadas à dependência química medica-
Mas, somente 33% citaram ações relacionadas mentosa.
basicamente à promoção da saúde, ou seja, ter
aumentado o número de encaminhamentos Contribuição para mudanças
aos grupos não convencionais e de parcerias de estilo de vida
com as escolas e a comunidade/ESF, além de
palestras. Foi destacado que os trabalhos assis- A quase totalidade dos entrevistados (89%)
tenciais ainda são mais voltados a medicar do destaca que o CSE contribui para mudanças de
que a orientar, tendo sido exemplificado o tér- estilo de vida de seus usuários. O PASI foi o
mino das atividades que eram realizadas na sa- mais citado (33%), sendo exemplar pela mu-
la de espera. dança que o CSE passa quando o grande núme-
ro de cidadãos da terceira idade transita anima-
Redução ao tabagismo damente nos dias de grupo. Em igual propor-
e outras dependências químicas ção (22%) mencionaram: nutrição, alimento
vivo/Terrapia, atividade corporal e Camelô
A maioria (78%) não identifica ações em Educativo/DST/AIDS. Foram contribuições pa-
que o CSE esteja contribuindo para a redução ra mudança de estilo as orientações recebidas
do tabagismo. Somente 22% mencionaram que durante as consultas; os atendimentos do Nu-
o CSE é uma Unidade Livre do Tabaco, sendo deq e jurídico; os atendimentos em grupo, tan-
que alguns citaram que ainda há trabalhadores to da assistência biomédica quanto da promo-
que fumam dentro de CSE, apesar de minoria. ção da saúde; e as ações voltadas para a alfabeti-
Somente um apontou que servidores pararam zação (17% cada). Destacaram-se, em menor
de fumar depois desta denominação. Um citou proporção (5% cada), outras ações relaciona-
que o Núcleo de Dependência Química (Nu- das à parceria com a comunidade (melhoria nas
deq) não está capacitado para este trabalho, es- condições de moradia e de rede de esgoto) e ao
tando para outras dependências, como de- atendimento (distribuição de medicamento pa-
monstrado a seguir. O fato de haver um trata- ra DST/AIDS e de cesta básica e atendimento a
mento para outros dependentes pode ter inter- tuberculosos). Interessante foi o depoimento de
ferido no resultado, já que o mesmo não ocor- um profissional sobre sua mudança pessoal,
re com o tabagismo. De qualquer maneira, isto combatendo o tabagismo, buscando uma ali-
demonstra que para os entrevistados não cau- mentação e uma postura de vida mais saudá-
sou impacto o fato de o CSE ser uma Unidade veis. As entrevistas confirmaram um sentimen-
Livre do Tabaco. Para os autores, entretanto, to que vem sendo crescente: trabalhar com o
acredita-se que já é um grande ganho não se enfoque de saúde contagia os profissionais a
fumar mais no CSE, pois antes profissionais fu- ponto de estes atingirem não só sua clientela,
mavam em ambientes fechados, até mesmo du- mas também outros colegas de trabalho.
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Respeito às necessidades individuais Acredita-se que aqui também está um re-


e peculiaridades culturais dos usuários trato das aproximações e articulações que co-
meçam a existir entre CSE e comunidade. Um
O profissional do CSE convive diariamente exemplo citado por um entrevistado e que teve
com os moradores de Manguinhos e isto con- repercussão institucional foi a colocação de
tribui para 83% identificarem inúmeras ações correntes nos setores de atendimento para faci-
de respeito ao usuário e as suas peculiaridades litar a organização das atividades de enferma-
culturais. As necessidades individuais estão ex- gem. Estas pararam de ser usadas após queixas
pressas na credibilidade de que há um diálogo não só dos usuários no Fale Conosco, mas
entre profissional e usuário (28%), citando: pro- apresentadas por profissionais e usuários no
curamos usar a linguagem do paciente e conhecer diálogo direto com a gestão.
a sua realidade. A gente conhece os pacientes pelo
nome (sic). Esta relação profissional-usuário foi Comunicação para promoção
considerada boa por 71% dos usuários entrevis- da saúde e direito dos usuários
tados em uma pesquisa de opinião interna (Reis
et al, 2003). Foram destacadas ainda algumas A quase totalidade dos entrevistados acha
ações que não têm centro de saúde que tenha e que há comunicação para promoção da saúde
são fáceis de fazer, é só ter boa vontade (sic): água e direito dos usuários. Notou-se que as ações
no bebedouro; banheiro limpo; agendamento citadas foram diferentes para cada tipo de ob-
sem fila e com espera de no máximo dois mes- jetivo. Para promoção da saúde listaram a exis-
es; encaminhamentos externos agendados por tência de cartazes e folhetos informativos
telefone; farmácia organizada por protocolo e (44%); participação em eventos populares
fornecendo medicamento para cadastrados que (27%); ações de grupos específicos, incluindo
estão em presídio; e grupos de apoio. A existên- práticas não convencionais no CSE (ESF, DST,
cia de um Fale Conosco e de atendimento jurí- NuPNS e NAECOS) – 27%; e parceria com
dico também foram reconhecidos como ações ONG para elaboração de apresentações audio-
de respeito à necessidade do indivíduo (22%). visuais (21%).
Entretanto, foi conversado sobre a diferença en- Os mecanismos de comunicação sobre o
tre respeito e cumprimento à necessidade do in- direito dos usuários foram centradas em ações
divíduo. Escutar não significa obrigatoriamente de três grupos: NAECOS (56% citam a divul-
atender às demandas, o que foi notado por 17% gação sobre as rotinas dos atendimentos e do
dos entrevistados que acharam que as necessida- que existe no CSE a pesquisa de opinião do
des não são respeitadas. usuário, a existência de crachá para os traba-
Quanto ao respeito às peculiaridades cultu- lhadores e a existência do serviço Fale Conos-
rais dos usuários, houve naturalmente um co, onde se escutam e se encaminham as obser-
agrupamento: vações dos usuários); a prestação de atendi-
• metade mencionou sobre os atendimentos mento jurídico de ONG no CSE (39%); e a
que são feitos a qualquer um igualmente, o que existência do NEDH (11%). Foi citada, tam-
chega de mendigo é igual ao que está bem vestido bém, a maneira como a organização da deman-
(sic); ainda foi citado por médicos que não se da espontânea acontece. Interessante ressaltar
quer saber a religião de ninguém e se parte dos que nenhum entrevistado correlacionou a te-
hábitos alimentares para falar de mudanças mática como importante para o aumento da
neste assunto, assim como no caso do uso de capacidade de empowerment.
preservativo;
• 40% citaram a organização de eventos con- Desenvolvimento tecnológico
tando com a participação do usuário, seja em e pesquisa
apresentações de dança, coral, capoeira e uso
da televisão no canal que escolhem, mesmo A maioria teve dificuldade em identificar
que não seja da preferência do CSE; e ações de desenvolvimento tecnológico e pes-
• 10% mencionaram a valorização da auto- quisa, inclusive alguns dos 33% que avaliaram
estima, seja através da alfabetização, seja atra- positivamente. Em relação ao desenvolvimento
vés do estímulo à produção de artesanatos, pois tecnológico, cada um citou um exemplo: tera-
opinamos sobre os produtos, mas estes são con- pias ocupacionais da dança sênior e Oficina
feccionados como querem, independente do que Artesanal; gestão participativa através do Con-
sugerimos. (sic). selho Gestor e DLIS; e melhoria de paladar de
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minerais para uso medicinal; trabalhos de di- Quanto à inclusão de indicadores, 56% su-
vulgação do NAECOS e do Cecan, o Curso de geriram alguns acréscimos: quantificação do
Especialização para Gerentes de Unidades Bá- aumento da participação de trabalhadores, da
sicas de Saúde (Gerus) e Serviço de Documen- multidisciplinaridade e da comunidade; análi-
tação e Informação em Saúde (Sedis), estes se de impacto epidemiológico das ações carac-
dois últimos voltados a instituições. terizadas como sendo de promoção da saúde.
Na área da pesquisa prevaleceram os traba- Os autores concordam com os posiciona-
lhos desenvolvidos por grupos relacionados à mentos e caberá um estudo mais aprofundado
promoção da saúde (22%), sendo citado que as e participativo para respaldar a criação de indi-
iniciativas costumam ser individuais ou de cadores que quantifiquem impactos epidemio-
profissionais que vêm de fora do CSE. Houve lógicos e não epidemiológicos, das ações consi-
igual proporção de entrevistados (11%) que ci- deradas de promoção à saúde, como sugerido.
taram posicionamentos contraditórios sobre o Há necessidade de desenvolver protocolos ba-
apoio de apresentação de trabalhos em eventos seados em evidências de ações de promoção da
científicos. Isto reflete a característica histórica saúde e um monitoramento contínuo, como
da falta de política estruturada e de ações do também definido pelo Ministério da Saúde ca-
CSE neste setor, agravada pela pouca divulga- nadense: avaliação de programa é a coleta de da-
ção dos trabalhos desenvolvidos, o que tam- dos, análise e relato sistêmicos de informação a
bém foi citado. Acredita-se que estes fatos tam- respeito de um programa no intuito de ajudar no
bém interferiram no resultado referente ao de- processo de tomada de decisões (The Health
senvolvimento tecnológico, que tem relação di- Communication Unit, 2001).
reta com a área de pesquisa.

Capacitação profissional Conclusão


para mudança de atitudes
O marco teórico apresentado sobre a promo-
Um indicador sobre as políticas de desen- ção da saúde é utilizado como estímulo para
volvimento institucional é a capacitação de permanência, aprimoramento e criação de
seus recursos humanos. Um reflexo do resulta- ações que ampliam as responsabilidades do se-
do do item anterior pode estar em 72% dos en- tor saúde. Os indicadores utilizados para avali-
trevistados não terem identificado ações sobre ar se o Centro de Saúde Escola (CSE) é um cen-
capacitação. Estas estão restritas a iniciativas tro promotor de saúde ou não foi aprovado pe-
individuais, exceto no caso dos cursos sobre bios- los profissionais do CSE e usuários do Conse-
segurança e busca de excelência no atendimen- lho Gestor entrevistados.
to, este último indicado pelo NAECOS. Foi destacado que o CSE está caminhando
As assembléias também apontam para im- para ser um centro promotor de saúde, dife-
portância de políticas e ações direcionadas ao renciando-se dos núcleos de atenção primária,
desenvolvimento profissional/pessoal, o que já mesmo os de saúde da família, que não incor-
começa a aparecer no processo eleitoral, como poram de forma tão radical nem a intersetoria-
foi citado por um entrevistado. A educação lidade nem a oferta de práticas diversas (Terra-
permanente é fundamental para qualidade e pia, Oficina Artesanal, Bazar da Solidariedade,
eficiência do desenvolvimento institucional pa- Camelô Educativo, dança sênior, coral, ativida-
ra garantir sustentabilidade do processo de re- des corporais, meditação, fitoterapia, atendi-
orientação do serviço. mento jurídico e outras).
Um reconhecimento está no fato de 67%
Avaliação dos entrevistados dos indicadores terem sido considerados exis-
sobre os indicadores tentes no CSE: controle social, justiça social e
eqüidade, desenvolvimento socioeconômico,
Foi perguntado aos entrevistados se con- organização da demanda por ciclo de vida,
cordavam com os indicadores; somente um en- controle de enfermidades transmissíveis (DST/
trevistado citou não concordar com o referente AIDS e tuberculose) e não transmissíveis (dia-
ao respeito às peculiaridades culturais, alegan- betes e hipertensão), combate à dependência
do que o Brasil é uma miscelânea de culturas e química (exceto tabagismo e não se citou a me-
todas as nossas ações estão comprometidas com dicamentosa), contribuição para mudança de
isso (sic). estilo de vida, respeito às necessidades do indi-
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víduo e a cultura, comunicação para promoção da independente da vontade e da determina-


da saúde e direitos do usuário. Há necessidade ção exclusiva de outro, o que também poderá
de maior investimento nas áreas de organiza- permitir melhor condição de saúde ao ho-
ção de protocolos por ciclo de vida, combate ao mem, podendo ir ao centro de saúde para pro-
tabagismo, desenvolvimento ambiental, tecno- mover sua saúde e não apenas quando incapa-
lógico, de pesquisa e capacitação de seus recur- citados.
sos humanos. A presente pesquisa foi um primeiro ensaio
Há ainda um grande caminho a percorrer que respaldará reflexões sobre a real dimensão
no campo da formação política, tanto de seus da reorientação do serviço estudado. Sua im-
profissionais de saúde, que têm uma participa- portância aponta para a necessidade de um
ção desarticulada no processo de reorientação aprofundamento, utilizando como estratégia a
e nos processos decisórios do CSE, como da aproximação entre o serviço, a academia e co-
população, sejam membros do Conselho Ges- munidade, o fortalecimento da intersetoriali-
tor, sejam lideranças comunitárias. dade, para ter um aprimoramento mais parti-
A promoção da saúde, poder, decidir e en- cipativo, estimulando o empowerment.
caminhar a própria vida está associada a pelo Construir um modelo de desenvolvimento
menos três dimensões do empowerment: integral, produtivo e eqüitativo, norteado pelos
• a aproximação dos processos decisórios, valores éticos básicos, fundamentado em alian-
contando com a participação efetiva nos fó- ças entre as políticas públicas, a sociedade civil
runs comunitários, conselho distrital, conselho e as organizações dos desfavorecidos, constituí-
gestor, para determinar a saúde que queremos, do de forma descentralizada, transparente,
que habitação, que ambiente; bem gerenciado e postulando a superação da
• a superação do dualismo indivíduo/coleti- pobreza e da desigualdade como prioridades
vo, através de formação de política em que as fundamentais. Este parece ser o grande desafio
ações sejam voltadas para o outro, mesmo sem que temos pela frente e pretendemos contribuir
ganhos e até com perdas individuais; no aprofundamento, na criação e no monito-
• uma nova relação homem/mulher, em que ramento de indicadores de promoção da saúde
a mulher possa ter escolhas, determinar sua vi- baseados em evidências.

Colaboradores

INC Reis trabalhou na coleta e tabulação de dados,


análise dos resultados e levantamento bibliográfico e tex-
tos; e MB Vianna na análise de resultados, levantamento
bibliográfico e textos

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Artigo apresentado em 19/3/2004


Aprovado em 12/7/2004
Versão final apresentada em 21/7/2004

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