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Produção do cuidado em saúde com foco na Clínica Ampliada: um debate necessário na formação em Odontologia

Produção do cuidado em saúde com foco na


Clínica Ampliada: um debate necessário
na formação em Odontologia
Vinícius Antério Graff*; Ramona Fernanda Ceriotti Toassi**

* Cirurgião-dentista do Serviço de Saúde Comunitária, Grupo


Hospitalar Conceição/RS
** Professora do Programa de Pós-graduação em Ensino na
Saúde da Faculdade de Medicina e da Faculdade de
Odontologia, Universidade Federal do Rio Grande do Sul

Recebido em 31/08/2017. Aprovado em 04/12/2017.

RESUMO
Este artigo discute a produção do cuidado em saúde, com foco na clínica ampliada na formação em
Odontologia. Está organizado em quatro temas principais de análise que são a produção do cuidado
em saúde; humanização na saúde e Clínica Ampliada; inovações na produção do cuidado nas práticas
em saúde bucal e Abordagem Centrada na Pessoa. Considera que a prática de cuidado em saúde
baseada em tecnologias leves-relacionais deve orientar a formação de cirurgiões-dentistas,
caracterizando uma formação pela escuta e produção de diálogo, vínculo e subjetividades, de
compartilhamento e construção de planos terapêuticos, com uma visão integral e humanizada da
atenção à saúde bucal e que incorpore no seu saber-fazer as diretrizes do Sistema Único de Saúde
(SUS). Apresenta a Abordagem Centrada na Pessoa como uma das formas de atuação no cuidado em
saúde voltado ao usuário e suas potencialidades, e não para a doença. Os currículos da graduação dos
cursos de Odontologia devem incluir bases teóricas e oportunidades de vivências e simulações
clínicas com foco nas tecnologias leves-relacionais. Tais perspectivas teóricas não devem se restringir
à graduação, mas sim, seguir como fundamentais na educação dos profissionais da saúde na formação
de pós-graduação, na formação de professores universitários e na educação permanente dos
trabalhadores do SUS.
Descritores: Educação em Odontologia. Saúde Bucal. Cuidados Integrais de Saúde.

1 INTRODUÇÃO da saúde bucal no Sistema Único de Saúde (SUS),


No Brasil, a inclusão das Equipes de Saúde tendo no conceito de cuidado seu eixo principal.
Bucal (ESB) na Estratégia Saúde da Família Foram avanços construídos a partir de um
(ESF)1 e o estabelecimento de diretrizes da processo de discussões que envolveram
Política Nacional de Saúde Bucal2, coordenadores estaduais de saúde bucal e que se
possibilitaram a reestruturação e reorganização fundamentaram nas proposições oriundas de

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deliberações das Conferências Nacionais de para a clínica odontológica que envolvam as


Saúde e da I e II Conferências Nacionais de subjetividades como uma das dimensões do
Saúde Bucal e de congressos e encontros de modo de produção do cuidado em saúde e o uso
Odontologia e de Saúde Coletiva2. das tecnologias leves-relacionais é fundamental.
Alia-se a esse contexto de mudanças na Entendendo este como um debate
saúde, a implementação pelo Conselho Nacional necessário no processo de formação em
de Educação, em 2002, de Diretrizes odontologia, o presente artigo constitui-se como
Curriculares Nacionais (DCN) para os cursos de ensaio10 e pretende discutir a produção do
graduação em Odontologia3, indicando um cuidado em saúde, com foco na clínica ampliada,
ensino mais integrado às necessidades do país e à luz dos conceitos de tecnologias leves-
aos serviços públicos de saúde. Outras estratégias relacionais do cuidado, da Política Nacional de
que impulsionaram mudanças curriculares na Humanização e da Abordagem Centrada na
graduação, reforçando a integração ensino- Pessoa. Está organizado em quatro temas
serviço, foram o Programa Nacional de principais de análise, que são a produção do
Reorientação da Formação Profissional em cuidado em saúde; humanização na saúde e
Saúde – PRÓ-SAÚDE4, o Programa de Educação clínica ampliada; inovações na produção do
pelo Trabalho para a Saúde – PET-Saúde5 e as cuidado nas práticas em saúde bucal e
residências multiprofissionais em saúde6. Abordagem Centrada na Pessoa.
Houve a qualificação, assim, tanto do
ensino, quanto das ações em saúde bucal, com 2 PRODUÇÃO DO CUIDADO EM SAÚDE
uma prática mais integral, porém, com avanços Pode-se dizer que o cuidado em saúde é
menores no que se refere à produção de uma relação que se estabelece entre pessoas, e
tecnologias de cuidado em ambiente clínico7. que busca o alívio de um sofrimento ou o alcance
Não são incomuns episódios de descontenta- de um bem-estar11. Para além do atendimento das
mento na relação entre usuários e dentistas8. Os necessidades sentidas, do uso do saber
relatos vão desde ‘ruídos’ na comunicação, como profissional e das tecnologias necessárias, o
o excessivo uso de termos técnicos, até a frieza cuidado inclui o envolvimento e o
do profissional diante de determinadas situações relacionamento entre as partes, compreendendo
de vida do usuário, com ausência de acolhimento, acolhimento com escuta do sujeito, abrindo
escuta e diálogo8. Cabe considerar que são espaço para as subjetividades do outro,
inabilidades que não se restringem aos considerando seu contexto sociocultural e
profissionais que atuam no SUS. histórias de vida12,13.
Compreender a importância da qualidade A subjetividade é pelas crenças e valores
da relação estabelecida entre usuário e de cada indivíduo, com suas experiências e
profissional para as ações de atenção à saúde, faz histórias de vida. “Pode mudar ao longo do
com que isso passe a fazer parte dos objetivos dos tempo e determina a forma com que o
próprios profissionais da saúde9. Para o alcance trabalhador analisa e intervém sobre o mundo do
de um profissional preparado para dar respostas trabalho em saúde14,15.
às necessidades de saúde da população, O modo de produção do cuidado de cada
compreendendo-a na sua subjetividade e profissional de saúde está relacionado com suas
individualidade3 e buscando a integralidade do subjetividades na execução do ato de trabalho.
cuidado, e fundamental pensar possibilidades Esse trabalho vivo, em ato, marca o momento

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exato em que o cuidado é executado. Segundo dos diversos atores que participam do processo
Merhy, em 200015, o trabalho em saúde se efetiva de cuidado. Essa tecnologia pode ser transposta
na interseção dos desejos e que se estabelece no para o processo de formação em Odontologia
encontro entre usuário e profissional, ou seja, uma vez que a boca não se encontra isolada, mas
temos o ato do profissional de saúde e a sim dentro de um corpo, que é resultado do
necessidade do usuário de restituir a autonomia biológico, do psíquico e do afetivo21. Respeitar o
em sua vida. Esse espaço ‘intercessor’ é o lugar ritmo do usuário, convocando-o, porém, ao
da relação e de produção comum entre os sujeitos, tratamento que demanda e que não se permite
onde ambos são afetados15,16. realizar; considerar a presença de questões
O cirurgião-dentista não pode ignorar o subjetivas que impedem a transformação do
estado emocional da pessoa que está recebendo o desejo do tratamento dentário em ato; e entender
cuidado e, nesse sentido, aumentar o vínculo a importância dessas questões pode promover a
afetivo é vital para o bom andamento do confiança e desencadear a ação de permitir-se ao
tratamento odontológico17. A produção de tratamento.
subjetividade é tão singular quanto possam ser as Essas são situações onde o vínculo é
suas vivências. Há necessidade de incorporar e estabelecido, na medida em que o profissional se
exercitar o uso das tecnologias de relação no mostra acessível e, a partir desse momento, há o
processo de formação em Odontologia a fim de encontro terapêutico entre usuário e trabalhador
promover não só prevenção e autocuidado, mas da saúde. Em uma consulta odontológica, está em
principalmente a autonomia dos sujeitos. questão não só o procedimento, mas a relação
Evidentemente, o trabalhador em saúde não é o que se estabelece com a pessoa. O profissional
único sujeito que cuida e tampouco que tem precisa estar atento aos sinais que não são sempre
vontades e desejos, transformando o espaço da falados, como por exemplo, o choro e o medo. A
clínica num espaço de negociação, uma vez que escuta significa, num primeiro momento, acolher
a imposição não é efetiva18. toda queixa ou relato do usuário mesmo quando
Quando centralizado exclusivamente em possa parecer não interessar diretamente para o
protocolos técnicos de assistência, o trabalho em diagnóstico e tratamento22.
saúde bucal faz com que os profissionais “Para que se realize uma clínica adequada
interajam pouco com as pessoas, desconhecendo é preciso saber, além do que o sujeito apresenta
suas histórias de vida. Há um desvio do foco da de igual, o que ele apresenta de diferente, de
ação cuidadora quando esta se torna refém de um singular, inclusive, um conjunto de sinais e
mecanicismo terapêutico, que em detrimento da sintomas que somente nele se expressam de
escuta qualificada, passa a orientar a clínica pela determinado modo. Com isso, abrem-se
doença. Como contraponto, pode-se afirmar que inúmeras possibilidades de intervenção, e é
um processo de cuidado permeável para possível propor tratamentos muito melhores com
profissional e usuário, e assim haver o encontro a participação das pessoas envolvidas” 22.
de subjetividades19. Nesse contexto, o entendimento do
Merhy20 aposta nas tecnologias leves – cuidado baseado em tecnologias leves deveria
tecnologia de relações –, para a ampliação das orientar a formação/atuação profissional. E então
possibilidades terapêuticas e no haveria a constituição de um profissional com
redirecionamento do modelo de saúde, como conhecimentos e também acolhedor, confiável,
atitudes para o envolvimento das subjetividades responsável e capaz de estabelecer uma relação

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de vínculo e aceitação, portanto, capaz do uso e formação docente também precisa acompanhar
domínio dessas tecnologias relacionais na sua tais processos de mudança. Considerar a
prática23. No campo da educação superior, torna- dimensão do cuidado em saúde baseado em
se um desafio a incorporação de condutas tecnologias leves é uma possibilidade para
profissionais ‘relacionais’ na clínica pelos profissionais formados com uma visão mais
estudantes. Como esse cuidado vem sendo integral e humanizada e que incorporem no seu
trabalhado, tendo em vista a operacionalização saber-fazer as diretrizes do SUS.
das Diretrizes Curriculares? O conceito de
tecnologia leve é conhecido pelos professores? 3 HUMANIZAÇÃO NA SAÚDE E CLÍNICA
Qual o espaço no currículo da graduação para as AMPLIADA
tecnologias ‘leves-duras’ e ‘duras’ da profissão A Política Nacional de Humanização (PNH)
26
odontológica e para aquelas voltadas para foi implementada também no ano de 2004,
dimensões do cuidado que envolvam as como a PNSB, trazendo a prerrogativa da
tecnologias leves/relacionais? valorização das dimensões subjetiva e social em
Os cursos de graduação na área da saúde, todas as práticas de atenção e gestão27 e
no Brasil, reformularam seus currículos e avançando em relação a questões éticas da
projetos pedagógicos, agregando inovações relação usuário-trabalhador e de respeito ao
curriculares e desenvolvendo experiências em usuário do SUS28.
um contexto de currículo integrado, de ações Atuando de forma transversal às demais
interdisciplinares24, entretanto, o desafio é políticas, foram definidas diretrizes gerais para
mapear e entender qual o papel das práticas de implementação da PNH, sendo que uma delas diz
ensino no desenvolvimento de tecnologias respeito ao conceito de clínica ampliada. O termo
leves/relacionais para o cuidado em saúde bucal. ‘ampliada’ foi empregado para dimensionar a
Modificar a lógica de organização do atuação clínica para além das abordagens
processo ensino-aprendizagem na Educação convencionais e protocolos de atendimento e a
Superior nos cursos da saúde pode se constituir valorização/ compreensão do sujeito no seu
um processo árduo. Mitre et al. 25 destacam que, contexto familiar, social e de mundo27,29.
por um lado, deve-se buscar a autonomia do Considera o estímulo a diferentes práticas
aluno, colocando-o no lugar de protagonismo em terapêuticas e corresponsabilidade de gestores,
relação a busca de conhecimentos no processo de trabalhadores e usuários no processo de produção
inovação curricular, cabendo ao docente o papel de saúde26. Tal perspectiva pode ser empregada
de facilitador do processo de ensino sem abrir mão dos recursos biomédicos de
aprendizagem. Estudos sobre propostas de intervenção, mas reconhecendo sua insuficiência
mudanças nos Projetos Pedagógicos, currículos para dar conta da complexidade das situações30.
inovadores e integrados no Brasil são bastante Todo profissional que realiza
encontrados, porém, pesquisas que tratem da atendimentos/cuidados de pessoas realiza clínica.
necessidade de formação docente voltada para Cada núcleo profissional realiza uma modalidade
essa lógica, não são tão comuns24. de clínica, dentre as quais a Odontologia. Clínica
Entende-se que mudanças no ensino são Ampliada é a redefinição (ampliada) do objeto,
graduais, alterações nos currículos e práticas do objetivo e dos meios de trabalho da assistência
inovadoras devem ser constantemente avaliadas individual, familiar ou a grupos. Considera que o
e modificadas conforme a necessidade. A ‘objeto de trabalho’ da assistência à saúde é uma

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pessoa, ou um grupo, ou uma família, ou um “Novas abordagens para o cuidado, na


coletivo institucional, com doença ou risco de direção do sujeito e não mais da doença, mesmo
adoecer31. que inicialmente causem estranhamento, acabam
Dessa forma, ocorre a ampliação dos por produzir alguns efeitos para uma
recursos de trabalho, deslocando o foco da desnaturalização do cotidiano dos serviços de
intervenção dos medicamentos e procedimentos saúde bucal no SUS” 36.
para a escuta e o diálogo. A Clínica Ampliada é Estudo de Barros e Botazzo7 mostra uma
caracterizada pelo olhar singular ao Outro, pela intervenção em saúde bucal realizada a partir dos
superação da fragmentação do cuidado, pressupostos de atendimento do problema bucal
responsabilização e vínculo com usuários dos mais relevante ao usuário, ‘descentramento
serviços de saúde, ampliação do grau de dentário’, constituição de caso clínico por meio
autonomia do sujeito, valorização da da anamnese e integração com a equipe da
intersetorialidade e o reconhecimento dos limites Unidade de Saúde. O atendimento era realizado
da medicina e das tecnologias utilizadas. Ainda, em mesa para consulta, e o exame clínico bucal e
utiliza a identificação de fatores de risco e o levantamento da história do usuário eram
proteção e a valorização do papel terapêutico da registrados em prontuário único, sem o uso de
escuta, da palavra e da educação em saúde22,30-34. odontograma. Os resultados apontaram para a
Assim, a clínica ampliada pode ser importância das habilidades de comunicação e
considerada uma proposta de orientação para o para um vínculo caracterizado pelo diálogo, pela
trabalho e para o ensino na área da saúde33 e na tomada de responsabilidades pelos sujeitos e pela
Odontologia tem potencial para melhorar a visão resolução das necessidades do usuário.
do cuidado integral das pessoas na clínica Botazzo et al.35 relataram, ainda, duas
odontológica, fortalecendo a formação experiências no processo de cuidado na clínica
acadêmica e o cuidado prestado à comunidade27. odontológica. A primeira é a anamnese coletiva,
atividade em grupo onde a parte inicial das
4 INOVAÇÕES NA PRODUÇÃO DO informações da ficha odontológica é preenchida
CUIDADO NAS PRÁTICAS EM SAÚDE e discutida entre os participantes, propiciando o
BUCAL vínculo usuário-profissional; o exame físico e os
A ampliação da clínica de saúde bucal registros em prontuário único eram realizados
parte do pressuposto que, historicamente, o após a atividade com o grupo. A segunda trata-se
modelo de atenção adotado manteve a saúde da consulta em saúde bucal, onde são realizados
bucal isolada em relação às práticas integrais de o acolhimento inicial, a anamnese e exame físico;
saúde. Dessa forma, justificam-se experiências solicitações de exames complementares e
de uma clínica ampliada de saúde bucal na prescrições. Essa modalidade de consulta pode
perspectiva da integralidade, com a utilização de ser realizada em salas de atendimento de uso
novas tecnologias de cuidado, baseadas comum a outros profissionais, dentro da Unidade
principalmente nas tecnologias leves. É a de Saúde, não necessitando da cadeira
possibilidade da inovação, mudanças ou novos odontológica, com o objetivo de escutar o
arranjos nos processos de trabalho, que usuário e constituir o caso clínico. Em ambas as
propiciam o aumento da eficácia, redução de experiências, a anamnese não se restringia à que
custos, danos ou desperdícios e aumento do bem- é usualmente praticada. Relacionava outros
estar dos usuários35. eventos observáveis na pessoa, tais como

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possíveis manifestações sistêmicas da doença desenvolvimento da pessoa39.


bucal ou vice-versa, e considerava os aspectos O campo de aplicação da ACP é bastante
psicossociais e de contexto de vida35,37. amplo, com repercussões nas áreas da psicologia,
medicina, enfermagem e terapia ocupacional.
5 ABORDAGEM CENTRADA NA PESSOA Sua utilização na odontologia vem sendo
Uma das formas de atuação no cuidado estudada na literatura internacional, tanto em
em saúde voltada ao usuário e suas estudos de revisão sistemática40, quanto nos que
potencialidades, e não à doença, que trata das propõem a elaboração de modelos teóricos para
relações interpessoais é a Abordagem Centrada sua aplicação41. Os resultados desses estudos
na Pessoa (ACP). Segundo a ACP, a apontaram para uma escassez de evidências em
personalidade humana tem uma tendência para o relação à utilização e sistematização da ACP na
crescimento e para a saúde, por meio de atitudes Odontologia, bem como para um modelo teórico
e recursos interventivos que permitem o resgate preliminar que agregasse às dimensões
do potencial realizador existente nos seres funcionais, dimensões relacionais, como vínculo,
humanos - a ‘Tendência Atualizante’ - e valores, empoderamento, atitude e comunicação.
reconhecido como o pilar dessa teoria38. As Entende-se, desse modo, que todo trabalho
atitudes que facilitam essa ‘Tendência que envolva relações humanas, pode adotar a
Atualizante’ são a consideração empática, a ACP como forma de lidar com o outro,
consideração positiva incondicional e a valorizando a potencialidade terapêutica da
autenticidade (ou congruência). A consideração relação.
empática implica na consideração do outro, de
seu mundo subjetivo próprio, de seu campo 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
fenomenológico. Segundo Rogers e Kinget As práticas de cuidado em saúde bucal
(1977) 39, é a capacidade de se imergir no mundo precisam avançar na perspectiva de uma clínica
subjetivo do outro e de participar da sua ampliada baseada em tecnologias leves-
experiência, na extensão em que a comunicação relacionais, caracterizada pela escuta e produção
verbal ou não-verbal o permite. É a capacidade de diálogo, vínculo e subjetividades, por meio do
de se colocar verdadeiramente no lugar do outro, compartilhamento e reconstrução do plano
de ver o mundo como ele o vê39. A consideração terapêutico. Nessa clínica, o diálogo inicial e a
positiva incondicional consiste numa postura ou identificação do motivo que trouxe a pessoa ao
atitude de consideração irrestrita, numa atitude serviço de saúde devem ser realizados antes de se
de abstenção de julgamentos, o que implica na pensar qualquer estratégia que envolva o
não oposição a qualquer elemento expresso, ‘tratamento dentário’ propriamente dito.
verbal ou não verbal, direta ou indiretamente pela Para que essas novas possibilidades de
pessoa. Já a autenticidade significa que o abordagem clínica na odontologia possam estar
indivíduo seja aquilo que realmente é, no presentes no cotidiano do cuidado, os currículos
momento da relação. Inclui qualquer forma de da graduação devem incluir bases teóricas e
ser, enquanto esta mesma seja verdadeira. É o oportunidade de vivências e simulações clínicas
oposto de apresentar uma ‘fachada’, quer ele com foco nas tecnologias leves-relacionais. O
tenha ou não conhecimento disso. A união dessas espaço dessas perspectivas teóricas na educação
condições em qualquer relacionamento dos profissionais da saúde não se restringe à
interpessoal seria necessária e suficiente para o graduação, mas seguem como fundamentais na

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formação de pós-graduação, na formação de Programa de Saúde da Família. Diário


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