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©Hi-Story/Alamy/IPA
Copyright © 2018 by Antonio Scurati
Publicado mediante acordo com The Italian Literary Agency.
TÍTULO ORIGINAL
M: Il figlio del secolo
PREPARAÇÃO
Ilana Goldfeld
Milena Vargas
REVISÃO
João Sette Camara
Juliana Pitanga
ADAPTAÇÃO DE CAPA
Túlio Cerquize
REVISÃO DE E-BOOK
Carolina Rodrigues
Carolina Vaz
GERAÇÃO DE E-BOOK
Joana De Conti
E-ISBN
978-85-510-0608-5
Edição digital: 2019
1ª edição
Todos os direitos desta edição reservados à
Editora Intrínseca Ltda.
Rua Marquês de São Vicente, 99, 3o andar
22451-041 – Gávea
Rio de Janeiro – RJ
Tel./Fax: (21) 3206-7400
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SUMÁRIO
Folha de rosto
Créditos
Mídias sociais
1919
Fundação dos Fasci di Combattimento 1: Milão, Piazza San
Sepolcro, 23 de março de 1919
Benito Mussolini: Milão, início da primavera de 1919
Amerigo Dùmini: Florença, final de março de 1919
Filippo Tommaso Marinetti, Benito Mussolini: Milão, 15 de abril
de 1919
Gabriele D’Annunzio: Roma, 6 de maio de 1919
Benito Mussolini: Milão, meados de maio de 1919
Benito Mussolini, Cesare Rossi: Fim de junho de 1919
Benito Mussolini: 19 de julho de 1919
Nicola Bombacci: Milão, 20 de julho de 1919
Benito Mussolini: Praia de Senigália, fim de agosto de 1919
Gabriele D’Annunzio: 11 de setembro de 1919
Benito Mussolini: Veneza, 20-22 de setembro de 1919
Benito Mussolini: Fiume, 7 de outubro de 1919
Amerigo Dùmini: Florença, 10 de outubro de 1919
Benito Mussolini: Florença, 10 de outubro de 1919
Benito Mussolini: Milão, fim de outubro de 1919
Gabriele D’Annunzio: Fiume, 24 de outubro de 1919
Benito Mussolini: Milão, 11 de novembro de 1919
Nicola Bombacci: Bolonha, início de novembro de 1919
Benito Mussolini: Milão, 17 de novembro de 1919
Albino Volpi: Milão, 17 de novembro de 1919, 20h
Milão, 18 de novembro de 1919
Nicola Bombacci: Roma, 1º de dezembro de 1919
Gabriele D’Annunzio: Fiume, 18 de dezembro de 1919
Leandro Arpinati: Lodi, 18 de dezembro de 1919
Benito Mussolini: Milão, dezembro de 1919
Benito Mussolini: Milão, 1º de janeiro de 1920
1920
Gabriele D’Annunzio: Fiume, 18 de março de 1920
Margherita Sarfatti: Milão, primavera de 1920
Benito Mussolini: Milão, primavera de 1920
Leandro Arpinati: Bolonha, abril de 1920
Nicola Bombacci: Milão, 19 de abril de 1920
Milão, 24 de maio de 1920
Fiume d’Italia, 15 de junho de 1920
Benito Mussolini: Verão de 1920
Leandro Arpinati: Vale do Pó, verão de 1920
Benito Mussolini: Milão, 28 de setembro de 1920
Amerigo Dùmini: Montespertoli, 11 de outubro de 1920
Giacomo Matteotti: Fratta Polesine, 12 de outubro de 1920
Benito Mussolini: Milão, fim de outubro de 1920
Ferrara, 3 de novembro de 1920
Leandro Arpinati: Bolonha, 4 de novembro de 1920
Benito Mussolini: Milão, 15 de novembro de 1920
Leandro Arpinati: Bolonha, 23 de novembro de 1920
Benito Mussolini: Trieste, início de dezembro de 1920
Benito Mussolini: Milão, 20 de dezembro de 1920
Italo Balbo: Ferrara, 22 de dezembro de 1920
Benito Mussolini: Milão, 24 de dezembro de 1920
Gabriele D’Annunzio: Fiume, Natal de 1920
Benito Mussolini: Milão, 31 de dezembro de 1920
1921
Nicola Bombacci: Livorno, 16-17 de janeiro de 1921
Italo Balbo: Ferrara, 23 de janeiro de 1921
Margherita Sarfatti: Milão, 30 de janeiro de 1921
Giacomo Matteotti: Roma, 31 de janeiro de 1921
Benito Mussolini: Milão, final de fevereiro de 1921
Campos do Polesine: Fim de fevereiro de 1921, noite
Amerigo Dùmini: Florença, 27 de fevereiro — 1º de março de 1921
Benito Mussolini: Milão, 5 de março de 1921
Giacomo Matteotti: 10-12 de março de 1921
Leandro Arpinati: Ferrara, 18 de março de 1921
Benito Mussolini: Milão, 23-27 de março de 1921
Benito Mussolini: Bolonha-Ferrara, 3-4 de abril de 1921
Benito Mussolini: 23 abril — maio de 1921
Italo Balbo: abril-maio de 1921
Benito Mussolini: Milão, 16 de maio de 1921
Benito Mussolini: Roma, 21 de junho de 1921
Amerigo Dùmini: Sarzana, 21 de julho de 1921
Italo Balbo: Gardone, 18 de agosto de 1921
Benito Mussolini: Módena, 28 de setembro de 1921
Benito Mussolini: Livorno, 27 de outubro de 1921
Roma, 7-9 de novembro de 1921: Teatro Augusteo, Congresso
Nacional dos Fasci di Combattimento
Giacomo Matteotti: Roma, 2 de dezembro de 1921
Benito Mussolini: 28 de dezembro de 1921
1922
Benito Mussolini, Pietro Nenni: Cannes, 8 de janeiro de 1922
Amerigo Dùmini: Prato, 17 de janeiro de 1922
Giacomo Matteotti: janeiro-fevereiro de 1922
Benito Mussolini: Milão, 25 de fevereiro de 1922
Italo Balbo: Ferrara, 12-14 de maio de 1922
Benito Mussolini: Milão, 13 de maio de 1922
Leandro Arpinati: Bolonha, 28 de maio — 2 de junho de 1922
Benito Mussolini: 26 de julho de 1922
Italo Balbo: Ravena, 27-30 de julho de 1922
Amerigo Dùmini: Milão, 3 de agosto de 1922
Benito Mussolini: Milão, 13 de agosto de 1922
Giacomo Matteotti: 10 de outubro de 1922
Benito Mussolini: Milão, 16 de outubro de 1922
Nicola Bombacci: Moscou, fim de outubro de 1922
Em marcha: 24-31 de outubro de 1922
Roma, 25 de outubro de 1922: Plataforma da Estação Termini,
19h30
Gardone, 25 de outubro de 1922: Villa di Cargnacco
Milão, Foro Bonaparte, 26 de outubro de 1922: Casa Mussolini,
manhã
Milão, Via Lovanio, 26 de outubro de 1922: Sede do Il Popolo
d’Italia, tarde/noite
Milão, Via Lovanio, 27 de outubro de 1922: Sede do Il Popolo
d’Italia, 2h40
Milão, Via Lovanio, 27 de outubro de 1922: Sede do Il Popolo
d’Italia, 3h
Milão, Via Lovanio, 27 de outubro de 1922: Sede do Il Popolo
d’Italia, tarde
Perúgia, 27 de outubro de 1922: Hotel Brufani, quartel-general do
quadrunvirato, noite
Cremona, 27 de outubro de 1922: Edifício da prefeitura, noite
Roma, 27 de outubro de 1922: Hotel Londra, 22h
Milão, 27 de outubro de 1922: Camarotes do Teatro Manzoni, logo
após as 22h
Roma, 28 de outubro de 1922: Ministérios da Guerra e do Interior,
noite
Santa Marinella, Monterotondo, Tivoli: 28 de outubro de 1922,
8h30
Milão, Via Lovanio, 26 de outubro de 1922: Sede do Il Popolo
d’Italia, por volta de 8h
Perúgia, 28 de outubro de 1922: Hotel Brufani, Comando supremo
da marcha sobre Roma, mesma hora (por volta das 8h)
Milão, Via Lovanio, 28 de outubro de 1922: Sede do Il Popolo
d’Italia
Perúgia, 28 de outubro de 1922: Hotel Brufani
Tivoli, Monterotondo, Santa Marinella: 28 de outubro de 1922
Benito Mussolini: Roma, 31 de outubro de 1922
Benito Mussolini: Roma, 16 de novembro de 1922
Giacomo Matteotti: Roma, 18 de novembro de 1922
Benito Mussolini: Roma, 31 de dezembro de 1922
1923
Benito Mussolini: Roma, janeiro de 1923
Margherita Sarfatti: Janeiro de 1923
Benito Mussolini: Roma, 12 de janeiro de 1923
Margherita Sarfatti: Milão, 26 de março de 1923
Benito Mussolini: Roma, 17-23 de abril de 1923
Italo Balbo, Amerigo Dùmini: Roma, 29 de maio de 1923
Giacomo Matteotti: Siena, 2 de julho de 1923
Roma, 15 de julho de 1923: Parlamento italiano, Câmara dos
Deputados
Italo Balbo: Ferrara, 24 de agosto de 1923
Benito Mussolini: Fim de agosto de 1923
Amerigo Dùmini: Trieste, 3 de setembro de 1923
Italo Balbo: Início de outubro de 1923
Benito Mussolini: Milão, 28 de outubro de 1923
Nicola Bombacci: 30 de novembro de 1923
1924
Benito Mussolini: Roma, 28 de janeiro de 1924
Cesare Rossi: Roma, fevereiro de 1924
Amerigo Dùmini: Milão, 12 de março de 1924
Giacomo Matteotti: Roma, 1º de abril de 1924
Benito Mussolini: Milão, início de abril de 1924
Margherita Sarfatti: Veneza, 1º de abril de 1924
Roma, 24 de maio de 1924: Parlamento do Reino, plenário de
Montecitório
Roma, 30 de maio de 1924: Montecitório, Câmara dos Deputados
Roma, 7 de junho de 1924: Montecitório, Câmara dos Deputados
Amerigo Dùmini: Roma, 10 de junho de 1924
Cem horas terríveis
A qualquer custo: 16-26 de junho de 1924
O país opaco: 27 de junho — 22 de julho de 1924
Clorofórmio: 22 de julho — 7 de agosto de 1924
O cadáver: Macchia della Quartarella, 16 de agosto de 1924
Precipício: 21 de agosto — 16 de dezembro de 1924
Pântano: Roma, 21 de dezembro de 1924
La Muta: Roma, 31 de dezembro de 1924
Roma, 3 de janeiro de 1925: Parlamento do Reino, Câmara dos
Deputados, 15h
Personagens principais
Lista de artigos citados
Notas
Sobre o autor
Leia também
Fatos e personagens deste romance documental não são fruto da imaginação
do autor. Cada acontecimento, personagem, diálogo ou discurso aqui narrado
é, ao contrário, historicamente documentado e/ou fidedignamente
testemunhado por mais de uma fonte. Dito isso, também é verdade que a
história é uma invenção à qual a realidade traz consigo seus próprios
materiais. Todavia, não é nada arbitrária.
“Eu sou uma força do passado.”
Pier Paolo Pasolini
1919
Fundação dos Fasci di Combattimento 1
Milão, Piazza San Sepolcro, 23 de março de 1919
Poucas ruas separam a Via Paolo da Cannobio, onde fica a sede da redação
do Il Popolo d’Italia, o chamado “covil número 2”, da seção milanesa da
Associação dos Arditi, na Via Cerva número 23, o covil número 1. Quando,
na primavera de 1919, Benito Mussolini sai do seu escritório para jantar em
uma trattoria, aquelas são ruas fedorentas, miseráveis e perigosas.
O Bottonuto é um resquício da Milão medieval encravado na cidade do
século XX. Uma rede de becos e lojas, igrejas paleocristãs e prostíbulos,
estalagens e tabernas, repleta de ambulantes, putas e vagabundos. A origem
do nome é incerta. Talvez provenha do postigo que antigamente se abria do
lado meridional, pelo qual passavam os exércitos. Alguns dizem que a
palavra, que evoca glândulas inchadas, seja a corruptela do patronímico de
um mercenário alemão que morreu na comitiva de Frederico Barba Ruiva. De
qualquer modo, o Bottonuto é uma poça pútrida bem atrás da Piazza del
Duomo, o centro geométrico e monumental de Milão.
Para atravessá-lo, é preciso tapar o nariz. A sujeira exala das muralhas, o
Vicolo delle Quaglie está reduzido a um mictório, as pessoas estão
encharcadas com o mofo das alfurjas, se vende de tudo, os roubos e as surras
acontecem à luz do sol, os soldados fazem algazarra na entrada dos bordéis.
Todos, direta ou indiretamente, exploram a prostituição.
Mussolini janta tarde. Sai depois das 22h da toca de diretor — um cubículo
que dá para um pequeno pátio, espécie de tripa vertical ligada à sala da
redação por um mezanino gradeado — e, após acender um cigarro, dirige-se
a passos rápidos, de bom grado, para as ruas pestilentas. Os bandos de órfãos
descalços apontam para ele empolgados — “el matt”, o louco, gritam uns aos
outros —, os mendigos esticam a mão, sentados na imundície da sarjeta, os
cafetões encostados nos umbrais das portas o cumprimentam com um aceno
de cabeça respeitoso, mas sigiloso. Ele retribui a atenção de todos. Com
alguns, para e troca duas palavras, faz arranjos, marca encontros, chega a
pequenos acordos. Concede audiência à sua corte dos milagres. Passa em
revista aqueles homens fechados em uma jaula como um general em busca de
um exército.
Não foi assim, por acaso, que sempre se fizeram as revoluções: armando
todo o submundo social com revólveres e granadas? Qual é, afinal, a
diferença entre o veterano desajustado, o desmobilizado crônico que por uns
trocados vigia o jornal e o “racheté”, o marginal habitual que vive
explorando a prostituição? Todos são mão de obra especializada. É o que ele
sempre repete para Cesare Rossi — seu colaborador mais próximo, talvez o
único conselheiro de verdade —, que se escandaliza com a promiscuidade
daquela gente. “Ainda somos fracos demais para abrir mão deles”, costuma
lhe dizer para aplacar seu desdém. Fracos demais, sem dúvida: o Corriere
della Sera, jornal da arrogante burguesia liberal, dedicou à fundação dos
Fasci di Combattimento um breve relato de apenas dez linhas, o mesmo
espaço reservado à notícia do furto de 64 caixas de sabão.
Seja como for, Benito Mussolini, nessa noite do início de abril, contempla
ainda por alguns instantes sua corte dos milagres, estica o pescoço para o alto
e para a frente, cerra os maxilares, levanta o rosto em direção ao céu em
busca de ar respirável, a cabeça já quase calva. Ergue a lapela do paletó,
esmaga o cigarro sob o sapato, aperta o passo. A cidade está envolta em
trevas, e os becos da depravação arrastam-se atrás dele como um enorme
organismo minado, um gigantesco predador ferido que manca rumo ao fim.
***
Via Cerva, por sua vez, é uma antiga rua aristocrática calma e silenciosa.
As casas elegantes de dois andares, arejadas por amplos pátios arquitetônicos,
lhe dão um tom romântico. Cada passo sobre o asfalto lustroso ressoa na
noite, deslocando em pequenas ondas concêntricas a atmosfera de claustro.
Os Arditi ocuparam uma loja com fundos que pertence ao sr. Putato, pai de
um deles, bem em frente ao palácio dos Visconti di Modrone. Não foi fácil
conseguir uma casa para aqueles veteranos exaltados que incomodam os
burgueses circulando no inverno com a lapela da farda regulamentar aberta
sobre o peito nu e o punhal na cintura. Soldados formidáveis quando se
tratava de atacar as posições inimigas, preciosos em tempos de guerra, mas
detestáveis nos de paz. Agora os Arditi, quando não estão refestelados em um
bordel ou acampados em um café, aquartelam-se sem cerimônia naqueles
dois cômodos despojados, embriagando-se em plena luz do dia, fantasiando
sobre as próximas batalhas e dormindo no chão. É assim que passam o tempo
do interminável pós-guerra: mitificam o passado recente, reagem de maneira
histérica a um futuro iminente e consomem o presente fumando um cigarro
atrás do outro.
Os Arditi venceram sua guerra ou, pelo menos, é o que dizem a si mesmos.
Mitificam-se a ponto de Gianni Brambillaschi, um rapaz de 20 anos entre os
mais exaltados, chegar a escrever em L’Ardito, o órgão oficial da nova
associação: “Quem não combateu nos batalhões de assalto, mesmo que tenha
morrido na guerra, não participou da guerra.” Certamente, porém, sem eles a
linha do Piave não teria sido rompida com a contraofensiva que, em
novembro de 1918, permitiu a vitória sobre os exércitos austro-húngaros.
A feroz epopeia do arditismo iniciara-se com as chamadas “Companhias
da Morte”, divisões especiais de engenheiros responsáveis pela preparação do
terreno para o ataque da infantaria de trincheira. À noite, cortavam as grades
e deflagravam minas não detonadas. De dia, avançavam arrastando-se,
protegidos por couraças absolutamente inúteis, desmembrados pelos disparos
de bombarda. Em seguida, cada armada — infantaria, bersaglieri, alpina —
começou a formar as próprias esquadras de atacantes, escolhendo entre os
soldados mais experientes e corajosos das companhias os que seriam
capacitados em lançamento de granadas, manuseio de lança-chamas e
metralhadora. Mas foi o treinamento com punhal, arma latina por excelência,
que fez a diferença. Ali começou a lenda.
Em uma guerra que aniquilara a concepção tradicional do soldado como
agressor, na qual eram os gases abrasivos e as toneladas de aço disparadas de
locais remotos que os faziam explodir imóveis nas trincheiras, em um
massacre tecnológico decorrente da superioridade do fogo defensivo em
relação à mobilidade do soldado lançado no ataque, os Arditi trouxeram de
volta a intimidade do combate corpo a corpo, o choque causado pelo contato
físico, a convulsão do morto transmitida pela vibração da lâmina ao punho do
matador. A guerra nas trincheiras, em vez de produzir agressores, havia
formado milhões de combatentes com uma personalidade defensiva,
inspirada na identificação com as vítimas de uma inevitável catástrofe
cósmica. Naquela guerra de ovelhas prontas para o abate, eles trouxeram de
volta a confiança em si mesmos que só é obtida através da mestria em
esquartejar um homem com uma arma de corte de lâmina curta. Sob o céu
das tempestades de aço, entre a morte anônima em massa e o massacre como
produto industrial em larga escala, eles trouxeram de volta a individualidade
levada a limites extremos, o culto heroico dos guerreiros antigos e aquele
terror especial que só pode ser transmitido pelo esfaqueador que vai
pessoalmente até a toca em que a pessoa está escondida para matá-la com as
próprias mãos.
Além disso, os Arditi cultivaram todas as vantagens da esquizofrenia. As
unidades especiais não eram submetidas à disciplina do soldado de tropa, não
marchavam, não cumpriam os massacrantes turnos nas trincheiras, não
estropiavam as costas cavando túneis subterrâneos nem entalhando galerias
na rocha, mas viviam de maneira justa na retaguarda, onde, nos dias de
batalha, eram recolhidos pelos caminhões do departamento administrativo e
jogados aos pés das posições a serem conquistadas. Aqueles homens podiam,
no mesmo dia, degolar um oficial austríaco no café da manhã e jantar
bacalhau na manteiga em uma trattoria da região de Vicenza. Normalidade e
homicídio, de manhã à noite.
Benito Mussolini, após ser expulso do Partido Socialista, ao perder as
armadas do proletariado, recrutou-os logo, instintivamente. Em 10 de
novembro de 1918, no dia da comemoração da vitória, após o discurso do
deputado Agnelli no Monumento aos Cinco Dias de Milão, o diretor do Il
Popolo d’Italia instalou-se em meio aos Arditi no caminhão que desfraldava
a bandeira preta com o crânio. No Caffè Borsa, erguendo os cálices de
espumante, brindou a eles dentre os milhões de combatentes.
“Companheiros de armas! Eu os defendi quando o covarde os difamava.
Sinto algo de mim nos senhores e talvez os senhores se reconheçam em
mim.”
E aqueles combatentes destemidos, que em seus dias de glória vinham
sendo humilhados pelo Alto Comando com longas marchas sem objetivos
militares na planície vêneta entre o Piave e o Adige que tinham como
propósito utilizar guerreiros que, da noite para o dia, tinham se tornado
incômodos e inúteis, se identificaram com ele. Mussolini, odiado e odiador
profissional, sabia que o rancor deles se acumulava, que logo seriam
veteranos descontentes com tudo. Sabia que, à noite, sob as tendas, xingavam
os políticos, os Altos Comandos, os socialistas, os burgueses. No ar, havia a
“gripe espanhola” e, nas baixadas, na direção do mar, a malária. Ao serem
marginalizados, enquanto definhavam por causa das febres e a morte
despudorada se afastava na lembrança, os Arditi compartilhavam cantis de
conhaque e liam em voz alta as palavras daquele homem que, do seu
escritório em Milão, neles exaltava “a vida sem abatimentos, a morte sem
pudores”. Durante três anos, tinham sido uma aristocracia de guerreiros, uma
falange enaltecida nas capas das revistas infantis: lapela ao vento, granadas
nas mãos e faca entre os dentes. Em poucas semanas, após voltarem à vida
civil, seriam uma multidão de desajustados. Seriam 10 mil minas errantes.
***
Tudo vai mal. Não temos um tostão sequer. Às vezes, passamos fome. Pelo
que combatemos?
O homem que sai do hospital militar da Via dei Mille manca um pouco.
Seu andar capenga parece desequilibrado por causa do braço esquerdo
enfaixado, pendurado ao pescoço grosso. Veste um paletó aberto dos Arditi,
com fendas laterais concebidas para extrair mais rapidamente as bombas e
divisas pretas no colarinho. No braço esquerdo, escondido pelas ataduras, há
um escudo em que se destaca um gládio romano cuja empunhadura tem o
formato de uma cabeça de esfinge. Já o punhal real, que pende da sua cintura,
está bem à vista. Seu corpo atarracado e pesado, fora de eixo por causa das
enfermidades, ocupa toda a calçada do lado da ferrovia. Os transeuntes que
cruzam com ele na Via dei Mille desviam. Alguns chegam a atravessar a rua
para mudar de calçada.
No hospital militar, todos os veteranos dos batalhões de assalto repetem a
mesma ladainha furibunda: é uma vergonha, receberam baixa de qualquer
jeito, como uma empregada que é demitida. Primeiro os generais os
humilharam fazendo-os marchar por meses a fio com a guerra já terminada,
debaixo de chuva e no meio da lama, para impor um pouco daquela disciplina
à qual ninguém jamais ousara submetê-los quando serviam para tomar de
assalto as trincheiras inimigas; depois, os políticos os humilharam ao dar-lhes
baixa à noite, em silêncio. “Para não provocar”, foi a explicação. E quem não
devia ser provocado? Os refratários, os derrotistas, os socialistas que
desmoralizaram as tropas causando a derrota de Caporetto, aqueles como
Treves, que gritara no parlamento “sem outro inverno nas trincheiras”, os
carolas do papa que havia definido o massacre dos seus companheiros como
uma “matança inútil”. E, para contentar essa ralé, eles foram liberados assim,
na sombra, sem um cântico, sem uma flor, sem a estrada cheia de bandeiras.
Os heróis voltaram à vida civil furtivos como ladrões na casa do Senhor.
O homem se arrasta pela Via degli Artisti, em Borgo dei Pinti, rumo ao
centro de Florença. Disseram-lhe que na Confraria da Misericórdia talvez
pudessem ajudá-lo. Ali existe um serviço municipal de transporte para
inválidos. Talvez também haja algo para ele. Sim, pois, enquanto eles
arriscavam a vida pela pátria, os desertores roubavam seu trabalho, e agora o
refratário está arranjado e o combatente passa fome. Na França, os veteranos
triunfantes desfilaram sob o Arco do Triunfo de Napoleão e em todos os
países foram recebidos por uma apoteose; já eles, que destruíram um dos
maiores impérios da história, extenuando-se em uma gigantesca epopeia,
foram mandados de volta para casa às escuras e na ponta dos pés. Nenhuma
marcha em Viena, nenhuma parada, nenhuma colônia, nada de Fiume,2
nenhuma indenização, nada de nada. Tudo vai mal. Levam um dia após o
outro. Pelo que combateram?
A fachada do Duomo, com seus mármores multicoloridos, resplandece ao
sol primaveril. A imensa cúpula de Brunelleschi, a maior jamais construída
em alvenaria, parece celebrar a glória de um povo que, depois de Caporetto,
encontrou força para triunfar sobre si mesmo. Mas agora a Itália cai de novo
no abismo, nas greves, nas sabotagens dos “vermelhos” que querem submetê-
la a Moscou, como se eles também não fossem italianos, como se devessem
ter vergonha da glória. Expiar. Expiar o espírito da guerra. Foi o que gritou
no Parlamento o deputado Treves. E agora querem que a vitória seja paga por
quem já pagou com o próprio suor e com o próprio sangue, os
intervencionistas, os veteranos, os mutilados, os irmãos que aguentaram
firme durante as noites nos planaltos. O governo de Nitti dá aval à fraude.
Humilha os rapazes do Piave anistiando os desertores, quer liquidar a guerra
vitoriosa como uma empresa em falência. Chegou até a pedir aos veteranos
que deixassem a farda em casa, sempre para “não provocar”. O Avanti! faz
eco ao proclamar que os italianos são “vencidos entre os vencedores”. E tem
razão. Tudo sai dos trilhos nessa retirada sem fim. Tudo vai mal.
“Abaixo o capitalismo!” O grito provém de um grupo de pedreiros que está
calçando a praça diante da entrada lateral da igreja de Santa Maria del Fiore.
Estão com raiva dele, insultam o despudorado soldado de farda que, com um
braço na tipoia, segue mancando rumo à Confraria da Misericórdia. Acusam-
no de ter apoiado a guerra imperialista dos patrões. Gritam-lhe “assassino”,
“infame”.
A entrada da associação de caridade fica a poucos passos, os calceteiros
devem ser uma meia dúzia, o soldado está sozinho, em estado deplorável.
Mas também está lívido de raiva. Ele se alistou voluntariamente na
“Companhia da Morte” de Baseggio não para fugir do trabalho, mas porque a
aventura lhe aprazia, como na sua infância na América, o continente que deu
origem ao seu nome; participou da batalha do monte Sant’Osvaldo, em
Valsugana, na qual, em um ataque frontal das posições inimigas, todo o
batalhão foi devastado; nos dias de Vittorio Veneto, no monte Pertica — um
inexpugnável cume do Grappa, com 1.500 metros de altitude, disputado
palmo a palmo com os austríacos —, foi ferido por uma rajada de
metralhadora disparada por um avião inimigo, mas recusou a internação e
voltou à linha de frente onde, três dias mais tarde, foi ferido uma segunda vez
por estilhaços de uma cápsula de projétil que explodiu na bateria; pela
conquista de um baluarte em Valsugana, foi elogiado publicamente por
Baseggio diante do general Grazioli: deram-lhe uma medalha de prata e uma
cruz de guerra. Ele carrega a guerra nos ossos com anquilose da mão
esquerda, usou sua licença extraordinária para uma difícil viagem à Albânia,
junto ao companheiro de armas Banchelli, em uma busca inútil pelo túmulo
de seu irmão Albert, tenente do 35o batalhão do regimento dos bersaglieri,
morto em combate no ano anterior. Logo ele, esse homem que tem o nome de
um continente aventuroso, é que os covardes chamam de infame.
É insuportável. Teria sido melhor, então, ter ficado lá em cima, adubando a
terra, entre as dolinas do Grappa.
O soldado se posta no meio da praça. “Refratários!”, grita. E põe a mão no
punhal.
Logo o alcançam. Um rapaz sem camisa, baixo e atarracado, pula na sua
frente e lhe dá dois murros nos dentes. O soldado vitorioso já está no chão,
coberto de cusparadas e de chutes. Fica em silêncio, não grita, não implora,
mas seu corpo potente de homem adulto, que regrediu 25 anos em poucos
segundos até a posição fetal, proclama à basílica de Santa Maria del Fiore a
própria inequívoca, patética súplica. Ninguém a acolhe. O primeiro dos
calceteiros que o agrediu arranca as divisas de Ardito do seu paletó e as enfia
na sua boca.
Os padioleiros da Misericórdia o encontram assim, ainda encolhido, como
um feto adulto. Colocam-no sobre a maca naquela posição. Não está
gravemente ferido — apenas contusões, escoriações, alguns dentes quebrados
—, mas parece que, no mundo daquele homem, não há mais uma só razão
para recobrar a posição ereta. Volta a falar somente mais tarde, para indicar
qual era a sílaba tônica ao policial que colhe seus dados para redigir o boletim
de ocorrência.
“Dùmini”, destaca, “Amerigo Dùmini. A primeira sílaba é a tônica. À
moda toscana.”
Filippo Tommaso Marinetti, Benito Mussolini
Milão, 15 de abril de 1919
***
***
***
Estou pronto. Estamos prontos. A maior batalha começa, e eu lhe digo que
teremos nossa décima quinta vitória.
Benito Mussolini,
Il Popolo d’Italia, 20 de agosto de 1919
Gabriele D’Annunzio
11 de setembro de 1919
***
***
Na manhã de 11 de outubro, Mussolini pode finalmente deixar Florença,
expulso pela hostilidade do “seu” povo. Vai embora de carro rumo à
Romanha, à casa paterna. Quem dirige o veículo é Guido Pancani, um piloto
célebre por suas proezas de aviador durante a guerra. No banco do carona,
Gastone Galvani, seu cunhado, e atrás, junto de Mussolini, Leandro Arpinati,
de Bolonha.
O Fundador conhece Arpinati desde que ele era um garoto rebelde e
Mussolini era o líder dos socialistas na Romanha. Sentados lado a lado,
relembram os dias em que o anarquista de 18 anos ia confrontar o secretário
da Federação de Forlì. Era 1912 e, em Civitella di Romagna, o mesmo
vilarejo de Bombacci, estava sendo inaugurado um mercado coberto que
levava o nome de Andrea Costa, o patriarca do socialismo italiano
considerado traidor pelos anarquistas por ter sido o primeiro a aceitar ser
eleito para o Parlamento do rei. A multidão se aglomerava sob o palco do
prestigioso orador vindo de Forlì. Arpinati e os seus rapazes, vestidos de
preto dos pés à cabeça, esperavam encostados em um muro, prontos para
começar a briga. Mussolini os esquadrinhou com um olhar intenso e, depois,
fez o comício mais breve da sua vida.
“Sigam o exemplo de Andrea Costa”, limitara-se a dizer, “os coveiros não
contam”.
Entretanto, após descer do palco, ele e aquele bando de “coveiros” de 18
anos ficaram amigos.
Agora, enquanto relembram esses fatos, o carro acelera por Faenza. Os
operários contestadores de Florença, aqueles que dez anos antes o aclamavam
quando ele era o líder dos socialistas da Romanha, ficaram para trás. Os
viajantes param para tomar um café e então seguem viagem. O homem ao
qual lançaram moedas de cobre adormece. O piloto de guerra engrena a
marcha. A cadeia das traições desaparece no ronco do motor. O automóvel, a
toda velocidade, acaba batendo na cancela abaixada de uma passagem de
nível.
Os passageiros são lançados a vários metros de distância, como
brinquedos. Tudo poderia terminar aqui, em um instante de distração, diante
de uma passagem de nível ignorada. Pancani e o cunhado, caídos em um
fosso, gritam de dor. Arpinati sofreu uma contusão. Mas Mussolini sai ileso.
Os feridos ficam internados no hospital local, e ele segue viagem com o
velho amigo. Dirá a si mesmo que o ódio dos inimigos serviu de talismã.
Referência sua 27644. Mussolini retorna Fiume aterrissou hoje campo
Aiello, acompanhado aqui teve longa conversa comigo que prometeu sigilo.
Disse-me expressamente que se solução projetada não encontrar oposição de
D’Annunzio ele a apoiará vigorosamente no seu jornal. Quanto a intenções
de D’Annunzio sobre tal projeto Mussolini não fez declarações, mas me
pareceu estar convencido que D’Annunzio também não é irredutível sobre
única solução de anexação.
Benito Mussolini,
Il Popolo d’Italia, 6 de outubro de 1919
Benito Mussolini
Milão, fim de outubro de 1919
Benito Mussolini,
Il Popolo d’Italia, 20 de novembro de 1919
Nicola Bombacci
Roma, 1o de dezembro de 1919
Montecitório
***
Tocam o barco. É sempre assim: a cada dois dias, um drama, uma greve,
um conflito, durante meses ou anos, com mortos, feridos, mães
enlouquecidas, crianças destruídas. Mas, então, tem sempre um hotelzinho
onde um homem se consola, os finais de tarde miseráveis que voltam a
suscitar o sentimento aventureiro da vida. Um desses momentos ocorreu na
Piazza Fontana, do lado direito de quem vem do Duomo, a dois passos do
jornal. Leva até lá a menina, Ceccato, sua ex-secretária, beija-a na rua,
despudorado; ela o adverte satisfeita (“Mas, Benito, ainda é dia claro, e as
pessoas nos veem!”). A dona do hotel se tornou quase uma amiga, uma
cúmplice daqueles clientes habituais (“A senhora não teria por acaso um
refúgio para estes pobres peregrinos que vêm de longe e estão muito
cansados?”).
Com a menina, o derrotado reencontra sua exuberância. No crepúsculo de
dezembro, ri como um louco, ele que raramente ri, e se deixa levar pela
volúpia do desastre (“Não me importa, querida: só você poderá dizer ao
mundo, amanhã, o que Mussolini fazia com seu cargo de deputado!”). Tendo
com ela com a fúria de sempre, ele se exalta na teoria da própria solidão,
afirma que nunca desfrutou tanto da própria condição de rejeitado, que ama
aquela vida esculachada e soberba, que reencontrou o gosto pela luta. Chega
até a compartilhar com a garota sua análise política: o sucesso dos socialistas
os esmagará sob o peso de suas promessas. Comprometeram-se demais na
campanha eleitoral, gritaram demais “Viva Lênin!” e agora precisam se
mexer para fazer a revolução. No ciclo das metamorfoses, quem não age
morre, e eles não vão agir porque não têm nenhuma capacidade
revolucionária. Apresentaram-se no Parlamento como os novos “selvagens”,
mas são guiados por gente como Bombacci, uma fera inócua que pertence à
espécie daqueles eternos doentes que enterram os sadios. Deem-lhe somente
um pouco de tempo e, quando a maré socialista refluir, é ele quem vai
mostrar o que é um verdadeiro selvagem. E, de qualquer forma, ninguém
poderá acusá-lo de não ter encarado a fera triunfante do socialismo.
Depois, ele adormece ao lado dela no quartinho da Piazza Fontana. Ela está
no sétimo céu. Estão distantes os tempos em que ele a obrigava a abortar nas
mãos de uma parteira em um hotelzinho na Ligúria, em um lugar na costa na
baixa temporada. A garota agora está feliz. “Tenho ao meu lado o homem
mais inteligente do mundo!”, anota em seu diário.
Com Margherita Sarfatti, por sua vez, Mussolini se abandona ao desânimo.
Diante daquele corpo maduro de mulher e intelectual que o satisfaz e o
desafia, o homem sucumbe ao peso das recriminações, dos sustos, ao
espetáculo mesquinho dos abandonos, das fugas, das inércias e das covardias.
Se com Bianca o fanfarrão empolgado se exalta, com Margherita o
melancólico se confessa. Diz que se sente levado de novo ao ponto de
partida, que não se sentia tão miserável desde que, na condição de emigrante,
dormia embaixo das pontes na Suíça, cede a crises de descontentamento.
Proclama que está a ponto de mudar de ofício. É jornalista há tempo demais.
Poderia ser pedreiro — leva muito jeito! —, ou então aproveitar as aulas de
piloto de aviação ou, talvez, rodar o mundo com o seu violino. Caso não seja
bem-sucedido como cantor errante, pode ainda se tornar ator ou autor. Já tem
na cabeça um drama em três atos, A lâmpada sem luz. Recebeu propostas de
um empresário. Quinze dias em isolamento e o escreve de uma só tacada. O
cruzeiro das profissões imaginárias — sabe-se lá por quê — sempre termina
na de romancista. Também tem três títulos prontos: Vocação, a noite de Natal
na cela de uma jovem monja; Os portadores do fogo, drama passional; A luta
dos motores, sem sombra de trama amorosa. Enfim, alguém como ele sempre
encontra do que viver.
Ela, sentindo o homem em quem apostou próximo do fracasso, uma noite o
pune. É uma ocasião na qual a sra. Sarfatti recebe convidados no salão de seu
palácio no Corso Venezia. Lá estão todos, Marinetti, a poeta Ada Negri,
Umberto Notari, Guido da Verona, artistas, poetas, pintores, literatos,
jornalistas e empresários. Lá está, sobretudo, Arturo Toscanini, que anunciou
o desejo de revelar um jovem violinista de talento extraordinário, um rapaz
de apenas 19 anos, natural da Boêmia, e que foi parar em Milão por acaso. A
expectativa é grande porque o “maestro” é um notório, cruel, caprichoso
perfeccionista, capaz de expulsar de repente do Scala instrumentistas
renomados.
Naquela noite, porém, Toscanini está de ótimo humor, nem um pouco
ressentido pela derrota eleitoral. Antes de ocupar o palco, até se aproxima da
poltrona de Mussolini, à margem de todos, para garantir que ele depositará a
contribuição prometida de 30 mil liras. Aí é a vez de Vasa Prihoda, o jovem
prodígio com passado misterioso. A atuação dele é brilhante, o aplauso,
estrondoso; seu futuro está garantido. Os garçons já se preparam para servir
os licores.
Mas a dona da casa bate em uma taça de cristal com uma colherzinha de
prata. Quando todos silenciam, Margherita Sarfatti lembra que há um
segundo violinista no salão e pede que Mussolini se exiba. Todos estão a par
do relacionamento dos dois, sabem que ele é um medíocre amador e fingem
compaixão por aquela ridicularização entre amantes.
Ele murmura alguma coisa a respeito de se sentir indisposto. Ela insiste,
em pé, enquanto ele permanece sentado. A anfitriã, com a cordialidade
venenosa de quem foi ultrajada por uma visita mal-educada, pede mais uma
vez para que ele toque algo para ela.
Dois minutos depois, o mal-educado está na rua. Está sozinho. Faz frio em
Milão em dezembro. Correm boatos de que, no fim do Corso Buenos Aires,
onde a cidade se perde, há um bordel que oferece putas chinesas. Do Corso
Venezia até lá, com o passo apertado, não dá mais do que vinte minutos a pé.
Benito Mussolini se encaminha na direção do Piazzale Loreto.
Benito Mussolini
Milão, 1o de janeiro de 1920
Da Carta de Carnaro
Margherita Sarfatti
Milão, primavera de 1920
Benito Mussolini,
“Operários! Quando vocês se libertam dos seus chefes
mistificadores”,
Il Popolo d’Italia, 25 de abril de 1920
Leandro Arpinati
Bolonha, abril de 1920
Meu caro Comandante, escrevo com pouca frequência porque a luta contra
a bestialidade devastadora que se espalha me consome [...]. Estamos saindo
de duas semanas de movimentos caóticos e muito sangrentos. Movimentos
sem direção e dirigentes sem objetivo. A Itália atravessa uma tremenda crise
de avacalhamento. A palavra de ordem é: fora! Fora de Vlorë! Fora de
Trípoli! Fora da Dalmácia! É um fenômeno de desintegração espiritual e de
covardia individual.
O poder, a lei, o direito [...] será somente o nosso poder, a nossa lei, o
nosso direito contra o daqueles que são parasitas desde que o homem se
constituiu em sociedade civil [...]. Nós não queremos discutir com os nossos
inimigos; nós queremos abatê-los.
***
Benito Mussolini,
Il Popolo d’Italia, 13 de novembro de 1920
Leandro Arpinati
Bolonha, 23 de novembro de 1920
***
O Natal deveria ser abolido. Todos aqueles dias de férias, todas aquelas
horas passadas à mesa, toda aquela comida, as crianças que choramingam, as
mulheres que fofocam, os abdomes que perdem sua firmeza... Nesse ritmo,
um homem enfraquece, amolece como um bacalhau de molho. Um homem
envelhece um ano a cada dez dias passados com a família durante as
festividades natalinas. Se lhe coubesse decidir, não hesitaria em suprimi-las.
No almoço de Natal, a família Mussolini ficou à mesa por mais de três
horas. Aquelas dez pessoas devoraram uma fôrma de massa assada que
serviria para matar a fome de um regimento. Além do panetone que Benito
Mussolini comprou na confeitaria Cova, Rachele também quis se aventurar
com uma torta polvilhada “artisticamente” com açúcar de confeiteiro sobre
um disco de cartolina recortada, uma sugestão de uma revista feminina; ele
também teve de escutar a cantilena natalina da pequena Edda e a prece de
agradecimento ao Nosso Senhor Jesus Cristo recitada por seu irmão Arnaldo.
No entanto, Mussolini passou a tarde de São Silvestre de 31 de dezembro
de 1920 em paz, na casa da Ceccato, a amante jovem, na região do Duomo.
Depois que o filho bastardo nasceu no fim de outubro, Mussolini alugou para
ela um apartamentinho no número 1 da Via Pietro Verri, tendo já antecipado
seis meses de aluguel, correspondentes a 1.200 liras. A garota mora ali com a
mãe e o pequeno Glauco. Foi batizado assim, com o nome do herói homérico
que, com Sarpedão, ataca o muro erguido pelos aqueus para defender os
navios.
Glauco herdou os olhos e cabelos escuros do pai, embora tenha o campo
do nome “em branco” e a certidão de nascimento indique apenas filiação
materna: “Glauco Ceccato, pai desconhecido”. De todo modo, Bianca morre
de felicidade quando Benito vai visitá-los: tira os sapatos dele, acomoda-o na
poltrona, não pergunta nada de coisa alguma.
Esta tarde, ainda por cima, ele chegou com doces e espumante para brindar
o novo ano. Ela o lisonjeia pedindo que toque um pouco de violino para eles.
Diz que nada consegue acalmar o pequeno Glauco como o instrumento
tocado pelo pai. E Mussolini o faz de bom grado. Não é mais tempo de se
divertir entre a casa e o bordel, entre a esposa e as putas. Em 1921, vai
completar 38 anos: está começando a ficar velho demais para isso. Em
contrapartida, um pai de família sério também tem o direito — e talvez até o
dever — de não abdicar dos prazeres da vida.
E, afinal, ele merece um pouco de descanso: os últimos dias foram difíceis,
como sempre. Em 27 de dezembro, a Comissão Executiva dos Fasci di
Combattimento insistiu para divulgar um comunicado de condenação
violenta da ação militar do governo contra Fiume. A moção foi aprovada por
unanimidade, com apenas seu voto contrário. Mas, no dia seguinte, para os
leitores do jornal, ele publicou um artigo ardoroso em defesa de D’Annunzio.
Intitulou-o “O delito!”, com ponto de exclamação e tudo. Fiume, de qualquer
maneira, são águas passadas. Os italianos viraram o rosto para o outro lado
para não ver. E D’Annunzio, afinal, não podia continuar sua récita diante de
um teatro vazio.
Já o teatro dos Fasci di Combattimento agora se enche com uma
velocidade surpreendente. Pela primeira vez, Umberto Pasella não é mais
obrigado a mentir sobre os dados de afiliação. Após os fatos sangrentos de
Bolonha e Ferrara, de 1.065 carteirinhas vendidas no bimestre de
outubro/novembro, o número pulou para 10.860 vendidas em dezembro. A
esta altura, contam-se na Itália 88 seções com 20 mil afiliados. Só em
Bolonha alcançaram 2.500 afiliados, ao passo que no início de novembro
eram poucas dezenas. Além disso, categorias sindicais inteiras estão
abandonando a Câmara do Trabalho socialista. Em poucas semanas,
funcionários municipais e provinciais, empregados das repartições
aduaneiras, professores catedráticos e também guardas municipais,
professores primários, funcionários das obras de caridade, todos rasgaram a
carteirinha da Confederação Geral do Trabalho para fazer a fascista. Toda vez
que um grupo fascista queima uma bandeira vermelha na praça, centenas de
pequeno-burgueses fazem fila nas sedes dos Fasci di Combattimento. O
efeito é de uma avalanche, o fascismo se difunde com a progressão de um
contágio. É gente nova, gente desconhecida, gente com quem até um ano
antes ele não teria sequer tomado um café; uma multidão de funcionários e
lojistas que, antes da guerra, assistia indiferente à política, nem de direita nem
de esquerda, e muito menos de centro, nem vermelhos nem negros; gente que
se mexe sempre, e para todo sempre, na zona cinzenta. Mas agora não estão
mais apenas olhando. Ah, sim... os espectadores mudam.
Às vezes, como em Ferrara, basta uma colheita ruim para difundir o
pânico. Que coisa maravilhosa é o pânico, essa parteira da história! Cesare
Rossi repete o tempo todo que esse pode justamente ser o milagroso escambo
deles: ódio em troca de medo. Os novos fascistas são todos pessoas que até
ontem tremiam de medo da revolução socialista, gente que vivia de medo,
comia medo, bebia medo, deitava-se na cama com medo. Homens que
choramingavam no sono como crianças e, quando a mulher perguntava “o
que foi, querido?”, respondiam fungando: “nada, não é nada, durma.” Agora,
na bolsa de valores dos miseráveis, estão trocando o metal pesado da angústia
pela apreciada moeda do ódio mortal.
Pequeno-burgueses que odeiam: essa é a gente que formará o exército
deles. As classes médias rebaixadas por causa das especulações bélicas do
grande capital, os oficiais que não se conformam em perder um comando
para voltar à mediocridade da vida cotidiana, os burocratas de baixo escalão
que, acima de qualquer outra coisa, se sentem insultados pelos sapatos novos
da filha do camponês, os meeiros que compraram um pedacinho de terra pós-
Caporetto e agora estão dispostos a matar para mantê-lo, todas pessoas de
bem tomadas pelo pânico, consumidos pela ansiedade. Pessoas abaladas no
mais íntimo de seu âmago por um desejo irrefreável de submissão a um
homem forte e, ao mesmo tempo, de domínio sobre os indefesos. Estão
prontas para beijar os sapatos de qualquer novo patrão desde que também
lhes seja possibilitado pisar em alguém.
O pequeno Glauco dorme, o som do violino o aquietou. A Via Pietro Verri
está quase deserta, exceto por um veículo que a percorre rumo a Via
Montenapoleone. A calmaria antes da tempestade: daqui a poucas horas, nas
sacadas dos cortiços, serão acesos os fogos de bengala, a festa irromperá, um
ano novinho em folha vai começar.
O Fundador olha o próprio reflexo nos vidros das velhas janelas levemente
curvadas e não se reconhece. A difusão do movimento que ele ajudou a criar
não faz nem dois anos parece envolta na majestade de um pensamento alheio,
de uma vida estrangeira.
Mas quem, de fato, são essas pessoas? Onde estavam enfurnadas até
ontem? Não é possível que tenha sido ele a dar vida a essas multidões de
acomodados que de súbito erguem a clava. E nem mesmo a guerra. Para ser
sincero, nem mesmo a guerra pode ser o pai de todas as coisas. O vírus que se
propaga ao longo da Via Emilia contagiando milhares de funcionários dos
correios prontos para incendiar Câmaras do Trabalho deve ter sido incubado
previamente nos tempos de paz. Não pode ser diferente. Na guerra, eles não
renasceram, a guerra apenas os devolveu a si mesmos, os transformou
naquilo que já eram. O fascismo talvez não seja o hospedeiro desse vírus que
se propaga, mas o hóspede.
É preciso acelerar os eventos. Só isso. Talvez o novo ano chame você para
ser o árbitro do encontro. Nesse ritmo, a revolução não será feita pelos
comunistas, mas pelos donos de um apartamento de dois quartos com cozinha
em um condomínio da periferia.
1921
Nicola Bombacci
Livorno, 16-17 de janeiro de 1921
Giacomo Matteotti
Ferrara, 18-22 de janeiro de 1921
***
Enquanto sentimos todo o profundo pesar por Gino Mugnai, que todavia
morria com o sol na testa em meio à impetuosidade do conflito que o tornou
uma vítima inconsciente, a horripilante morte de Spartaco Lavagnini parte
nossos corações de irmãos [...]. Morreu enquanto se ocupava serenamente de
suas tarefas de secretário [...] vítima de suas ideias livremente professadas
[...]. Morreu na sua inocente atividade enquanto, fumando um cigarro,
encaminhava-se para abrir a porta aos seus algozes [...]. Fique deserta a
estação, a oficina, até que eles não estejam para sempre na paz eterna do
sepulcro.
Não fomos capazes de realizar nada. Após a guerra dos capitalistas, nós
também travamos a nossa guerra, mas a nossa é uma guerra de fracos. Hoje
temos a contrarrevolução sem ter feito a revolução.
Benito Mussolini,
Il Popolo d’Italia, 1o de março de 1921
Benito Mussolini,
Il Popolo d’Italia, 5 de março de 1921
Giacomo Matteotti
10-12 de março de 1921
***
***
***
***
Luigi Albertini,
Corriere della Sera, 24 de março de 1921
Benito Mussolini,
Il Popolo d’Italia, 25 de março de 1921
Benito Mussolini
Bolonha-Ferrara, 3-4 de abril de 1921
***
Benito Mussolini,
Il Popolo d’Italia, 3 de abril de 1921
“Aos liberais”,
La Stampa, 29 de abril de 1921
***
“Erigimos nosso sucesso sobre túmulos. Precisamos ficar atentos para que
agora nossos adversários não alcancem esse mesmo sucesso”, sussurra o
Duce do fascismo a Cesare Rossi antes de entrar na sala em que convocou o
Conselho Nacional assim que as notícias da matança de Sarzana chegaram a
Roma. É a noite entre 21 e 22 de julho, uma noite abafada. Mais do que
aterrorizado pelos laudos de óbito, Mussolini parece perturbado por aquilo
que sua superstição interpreta como o presságio funesto de outra morte,
menos certeira, porém mais terrível. “O fascismo não pode morrer”, são suas
palavras antes de enfrentar a assembleia.
Seu plano para salvar o fascismo das consequências letais da sua própria
violência é simples e delirante: fazer as pazes com os socialistas. O nome do
plano é “pacto de pacificação”. Os membros das esquadras das províncias o
boicotam desde o início de julho. No dia 12, em Milão, o Conselho Nacional
Fascista, liderado por Farinacci e Grandi, insubordinou-se a Mussolini
votando contra qualquer hipótese de pacificação. Enquanto isso, 1.500
integrantes das esquadras ocuparam militarmente Treviso, incendiando as
sedes dos populares católicos e dos republicanos.
Mas agora a situação mudou. Giolitti caiu. Foi substituído por Ivanoe
Bonomi — o socialista reformista que o próprio Mussolini conseguiu
expulsar do partido em 1912 —, e Bonomi, apesar de vir do socialismo,
conseguiu levar para o seu governo os católicos do Partido Popular. Se
Bonomi também conseguisse o apoio dos socialistas moderados, todos
formariam uma frente comum contra os fascistas e, para eles, seria o fim. É
necessário sair do isolamento. Se eles não querem se suicidar, precisam parar
de fazer “exterminismo”. Ou então Bonomi, uma vez liquidados os
socialistas maximalistas com a violência dos fascistas e tendo se aliado aos
socialistas moderados, logo lhes daria o coice do asno.
Sarzana demonstrava que a força pública já obedecia a uma nova palavra
de ordem. E também demonstrava outra coisa: se quinhentos homens podiam
ser destroçados por quinze carabineiros, isso significava que a ferocidade das
esquadras, acostumadas a atacar inimigos desarmados e desorganizados com
a cumplicidade das autoridades, desapareceria ao primeiro fogo de um
exército treinado.
“Um círculo de ódio se fecha ao redor do fascismo. É necessário rompê-lo.
As praças da Itália não devem se transformar em matadouros dominicais. O
país precisa de paz. É preciso fazer a distinção entre os nossos jovens
fanáticos por ódio antissocialista — pois o socialismo nega os valores
sagrados da pátria — e os oficiais pagadores das várias Agrárias que
objetivam apenas suprimir as ligas operárias e as conquistas sindicais. A
nação veio até nós quando nosso movimento se anunciava como o ocaso de
uma tirania; a nação nos repudiaria se assumíssemos o aspecto de uma nova
tirania.”
Os membros do Comitê Central escutam em silêncio as diretrizes de
Mussolini para realizar uma acelerada marcha a ré: interrupção de qualquer
violência individual, proibição de qualquer expedição punitiva, análise dos
antecedentes penais dos inscritos, remoção dos fascistas mais recentes dos
postos de comando, investigação sobre as responsabilidades das ações
danosas.
Diante dessas propostas, a discussão esquenta. Dura até a alvorada,
irascível, sobretudo por parte dos chefes das províncias — Farinacci,
Tamburini, Forni, Perrone Compagni, Balbo, Grandi —, decididos a se opor
a qualquer pacificação com os “vermelhos”.
Ao fim da reunião, O Duce puxa para um canto Cesare Rossi e ordena que
ele reinicie as tratativas com os socialistas.
“Não haverá cisões. Somos um exército, e não um enxame. E sou eu que
comando esse exército [...].”
Hoje, após muitas contradições, Mussolini ameaça destruir
o fascismo se o fascismo não se corrigir.
É uma utopia. O fascismo destruirá seu Duce, e esse homem
que traiu os socialistas, os intervencionistas revolucionários,
os fiumanos e os fascistas mais antigos vai se lançar com a
mesma desenvoltura na direção de outro partido ou
agrupamento, dando origem tenazmente a uma nova
agremiação contrária, oposta ao que fez até aqui.
Será que vai encontrar outros iludidos que o seguirão, ou o
bom senso do povo italiano acabará por triunfar e gritará um
basta?
A carta na manga dos rases são suas visões limitadas, uma vantagem
inalcançável quando se trata de levar a própria vida. Os velhos rancores
bairristas, as espeluncas dominicais, o brilhante para as comadres, o carro
esportivo estacionado na frente da taberna. Os chefinhos da província vivem
das estreitezas das notícias policiais, medem as eras com a fita métrica do
presente, e por isso toda a vida se torna uma notícia de jornal, se reduz a uma
doença incurável de longo curso. Ele, jornalista de raiz, sabe muito bem que
as notícias são sempre pretas ou rosa: aventuras amorosas ou acidentes de
trânsito, histórias de traição ou de facadas casuais. Tudo se polariza ao
extremo, termina em uma mulher conquistada ou em uma coluna quebrada.
Não há mais nada, o mundo contado pelo repórter é sempre só uma
“notinha”.
Veja, por exemplo, o espetáculo revoltante desses comerciantes, vendeiros,
proprietários de terras, especuladores-relâmpago, essa velha burguesia
incapaz que venderia tudo para não abrir mão dos próprios privilégios, essa
velha burguesia que se une aos fascistas, empunha bandeiras e grita com voz
nasalada “Viva o rei, viva a Itália”, a mesma voz com que gritava “Viva a
República!” nos dias da “semana vermelha”. Veja essa massa inerte, de
chumbo, opaca, esses homens sem fé e sem ideais, prontos para cometer
qualquer traição, veja-os assumir a dianteira.
Contudo, quando se trata da vida dos povos, o discurso muda. Quando
Benito Mussolini, filho do humilde ferreiro de Dovia, quer viver e contar
cada dia da sua vida como se já pertencesse à história, então o panorama se
expande para o mundo, o horizonte explode, e não se pode mais distinguir o
dançarino da dança.
Em 27 de agosto, em Florença, o Conselho Nacional dos Fasci di
Combattimento recusou sua demissão. Os rases permanecem contrários à
pacificação, mas ninguém, nem mesmo Grandi, que assume ares de filósofo,
sonhou tomar o lugar de Mussolini no cenário nacional.
Os únicos que se deram mal foram Cesarino Rossi, afastado do Comitê
Central por ter permanecido fiel a Mussolini em Milão, e Leandro Arpinati,
afastado da secretaria de Bolonha por permanecer fiel a ele na província. No
momento, não se pode fazer nada por eles, mas dá para fazer muito para
retomar as rédeas do movimento. De que vale um líder que comanda apenas a
si mesmo?
Em toda a Itália, proclamaram Mussolini insubstituível, e, assim, chegou o
momento de cobrar essa solidariedade forçada dos pequenos chefes de
província. Contudo, a retórica do retorno às origens não funciona, é
necessária uma fuga para diante. O desprezo pelos partidos políticos
tradicionais foi a estrela que norteou o movimento fascista desde o início,
mas, para governar o país, agora é necessário justamente um partido. Para
governar o ingovernável, para subjugar o caos, é preciso um partido, um
organismo político que contenha a violência das esquadras, uma doutrina
ecumênica que abrace todos os heréticos das outras doutrinas, um partido dos
antipartidos. O Partido Nacional Fascista. É isso que decidirá a vida ou a
morte do fascismo.
Mussolini propôs a transformação do movimento fascista em partido em 7
de setembro, na discussão do grupo parlamentar. A proposta foi aprovada
com alguns votos contrários, mas em seguida deverá ser aprovada pelo
Conselho Nacional e, depois, será necessário um congresso. Ali tudo será
posto em jogo, e é preciso convocá-lo depressa. Alguns rases, como Marsich
em Veneza, já proclamaram a traição do espírito original e, em Bolonha,
Dino Grandi e seus seguidores, com ou sem partido, decidiram votar contra o
pacto. Essas, porém, são desavenças. A verdadeira ameaça à ideia do partido
não vem dos nostálgicos como Marsich, mas do Exército, e não do Exército
em verde-militar do rei da Itália, mas do Exército representado pelas
esquadras em camisas negras.
Os rases fizeram de tudo para derrotar o pacto de pacificação. E
conseguiram. Em 12 de setembro, pelos 600 anos da morte de Dante e os 2
anos da aventura de Fiume, Balbo e Grandi conseguiram reunir 3 mil
membros das esquadras e fazê-los marchar em colunas, disciplinadas
militarmente, pelas estradas da Romanha até Ravena. Balbo até conseguiu,
pela primeira vez, impor a todos a camisa negra como uniforme. Nunca se
tinha visto algo do gênero, uma exibição de força assustadora: o nascimento
de um verdadeiro exército fascista. Agora o real dilema não é mais entre
movimento ou partido, o real dilema é este: constituir um partido ou criar um
exército? O nó górdio, como sempre, deve ser cortado: melhor um partido,
mas um capaz de se transmutar em exército, de transmutar imediatamente
seus afiliados em soldados prontos para lutar no terreno da violência. Um
partido conversível, um partido-milícia. Claro, algo desse gênero também
nunca foi visto, mas estes tempos são novos, incertos, o amanhã é misterioso
e imprevisível.
Enquanto isso, ele, o Duce que voltou a ser soldado raso, se prepara para
um salto no escuro. E o faz aumentando a aposta. Instituiu uma Comissão
para a Transformação, fundou uma escola de filosofia política. Palavra um
pouco exagerada, sem dúvida, mas, para domesticar os assassinos das
reportagens dominicais, é preciso arrastá-los para o ataque à história. Então,
do alto do penhasco, deve-se olhar para a grandeza moral e política —
mediterrânea e mundial — da pátria. A esta altura, trata-se de responder a
algumas perguntas filosóficas: qual é a posição do fascismo diante do
Estado? Diante do regime? Diante do capitalismo? Diante do sindicalismo,
do socialismo, do catolicismo, diante da Igreja e do seu Deus? Qual é a
posição do fascismo no cosmos?
Não se limitem a odiar o porteiro, que vocês espancaram por ser socialista,
levantem a cabeça, olhem para a história que passa, vejam a assustadora
carestia que assola a Rússia, milhões de pessoas reduzidas à fome; vejam as
agitações promovidas pelo tal Gandhi contra o domínio inglês. A
independência da Índia — profetizou em um artigo — “não é mais uma
questão de possibilidade; é uma questão de tempo”.
Após o rompimento com os rases, Benito Mussolini ressurge para as
massas fascistas em Módena em 28 de setembro, por ocasião do funeral de 8
fascistas.
Eis o que aconteceu. Dois dias antes, alguns integrantes das esquadras,
tomados pelo entusiasmo, ergueram o cassetete contra um capitão dos
guardas reais, que os ceifaram como trigo maduro.
Agora, em Piazza Sant’Agostino, repleta de militantes, centenas de
flâmulas coroam os caixões; sob um límpido céu de setembro, o Duce do
fascismo fala à história como estadista: “Para esses jovens que morreram,
para os outros que restam, a Itália não é a burguesia ou o proletariado: a Itália
não é sequer quem governa ou desgoverna a nação e quase nunca entende sua
alma; a Itália é uma raça, uma história, um orgulho, uma paixão, a Itália é
uma grandeza do passado.”
O fascismo perderá todo o seu triste prestígio e toda a sua força assim que
parar de ser violento [...]. O fascismo se esvaziará como um odre derramado e
voltará a ser o pequeno movimento minoritário que era no início de 1919,
com o acréscimo da lembrança das violências, que não lhe abrirá as portas do
futuro. Posso até estar errado, mas esta me parece ser a natureza das coisas.
***
Federico Guglielmo Florio não sabia montar, mas amava circular pelas
ruas do Centro com um chicote de cavalariço. Em Prato, todos se lembram
dele: o cigarro nos lábios, o chapéu abaixado sobre a testa e, na mão direita, a
chibata. Sentia prazer em bater no rosto dos operários dos lanifícios. O
sangue deles espirrava na vara forrada de couro. Para reeducá-los, dizia, para
reprimir a insolência do operariado produtor de lã vitorioso nas greves de
1919. Na verdade, sentia o prazer do escravocrata que açoita seus escravos. E
todos viam isso também.
Mas agora Federico Guglielmo Florio está em um caixão de mogno, levou
um tiro na barriga, à queima-roupa, de um operário que não queria ser
açoitado no rosto. Agora os sinos tocam em luto, as fábricas estão fechadas,
as bandeiras tricolores enlutadas surgem nas portas abaixadas das lojas, agora
está proclamado o luto na cidade, a Câmara do Trabalho foi incendiada, seu
secretário, ferido, a prefeitura, invadida. Agora Florio foi elevado a mártir
fascista, seu trabalho como membro das esquadras está totalmente absolvido.
O cortejo se moveu. A missa foi oficiada no Duomo pelo monsenhor
Vittori em pessoa, o bispo de Prato e Pistoia. Falou de uma trindade de luz
surgida do sangue, de veias que se esvaziam para formar a nova pia batismal,
invocou uma comunidade que liga os mortos aos vivos, as gerações passadas
às futuras, o dever amargo de ontem ao dever ainda mais amargo de amanhã.
Ao longo das ruas, dezenas de milhares de pessoas se apinham. O
movimento foi seco, enxuto como o disparo de um petardo, o toque de uma
trombeta. Legiões de fascistas assumiram a posição de alarme. No segundo
disparo, os galhardetes foram desembainhados, os fascistas fizeram a
saudação e a banda entoou o hino. No terceiro disparo, todos novamente em
posição de descanso. Depois, a marcha rumo ao cemitério.
Pela rua, a multidão, comovida, dócil, primitiva, como que suscitada pela
passagem do caixão, ajoelha-se na lama. Tudo é lentíssimo, a tristeza dilata o
tempo de maneira desmedida. Desfilam, uma após a outra, as autoridades
máximas do Partido Nacional Fascista, do secretário Michele Bianchi até
Dino Perrone Compagni, de Achille Starace a Pietro Marsich. Mussolini
mandou uma saudação, escreverá um necrológio no Il Popolo d’Italia.
Seguem-se todas as esquadras florentinas, com a “Desesperada” à frente.
Após o congresso da fundação, não se fez outra coisa além de discutir se o
partido deve ser guiado pelos líderes das províncias ou pelos líderes da
capital, pelos rases ou pelos deputados, pelos políticos ou pelos guerreiros.
As conversas inúteis de sempre. Aqui os dirigentes são todos integrantes das
esquadras, aqui não há distinção entre políticos e guerreiros, aqui os
adversários são odiados, os mortos são vingados, a tolerância é desprezada,
aqui a mentalidade é integralista, a conquista do poder é uma consequência
obrigatória, aqui a política é milícia, a vida é brutal, a morte é sagrada, aqui
só existem homens acomunados pela experiência da luta. A arte do
agrupamento humano tem seus cantos, guturais, seus mitos: a guerra, a nação,
a juventude. Durante a marcha rumo ao cemitério, a massa se ajoelha, o
tempo se dilata, a tristeza se sublima. Chegou o momento de o mito se
preparar para se tornar história.
Na chegada ao campo-santo, as formações fascistas se dispõem em um
quadrado sob os pórticos do cemitério. É quase noite. Silêncio profundo. No
centro, o caixão, nas laterais, quatro candelabros enormes. A luz funérea das
tochas transforma os vivos em uma legião de espectros. A brisa noturna desce
do céu como um sinal combinado na hora da acolhida. Cai a noite, começa a
vigília. A sentinela vigia a barreira. Esta noite e todas as noites seguintes.
Michele Bianchi lê a despedida de Mussolini: “Há nomes que têm o valor
de um símbolo. Nomes de batalha e emblemas de reunião. Esses, agarrados
pela morte, irrompem na imortalidade.”
Então, Bianchi se ajoelha diante da mãe do mártir. A mulher está pálida,
tensa, o olhar vazio parece fixar no calçamento uma mancha de sangue que
foi seu filho. À sua volta, todo o mundo está saturado de símbolos, todos os
mortos se levantam das tumbas para repovoar as casas dos vivos, tudo acabou
e ainda não começou.
Das esquadras, ergue-se um canto. É alegre, exuberante, quase descarado.
Exalta a juventude, refuta a inquietude de um mundo decadente, ultrapassado.
Todavia, é um canto duro, cheio de dor, o padre não o entende, a mãe que viu
o filho morrer parece balançar de leve a cabeça.
No fim, o hino alcança uma tonalidade estranha, uma nota profunda de
trompa que desperta os adormecidos. Depois cai novamente o silêncio, os
rostos colapsam endurecidos, concentrados, de repente envelhecidos. Os
fascistas fixam o caixão como se, de uma hora para outra, fossem ver
ressurgir um Cristo armado com um chicotinho.
“ONDE ESTÁ O CAMARADA FEDERICO GUGLIELMO FLORIO?!”
A voz do chefe da esquadra rasgou de repente a noite com um grito de
demência. Pede notícias do morto, que todos sabem que é prisioneiro do
caixão. Talvez tenha enlouquecido, talvez tenha bebido.
A mãe de Florio sobressalta, aterrorizada, reprime um soluço. O coveiro
empunha a pá como se fosse um porrete, com os nós dos dedos brancos, o
padre faz três vezes o sinal da cruz.
“PRESENTE!” Mil vozes de soldados sobreviventes saltam dos peitos em
uníssono. “Camarada Federico Florio, presente!”
O grito se apaga na noite. As flâmulas, purificadas, se inclinam. O rito
terminou. Ensinou a enterrar os mortos deixando-os insepultos.
Giacomo Matteotti
janeiro-fevereiro de 1922
Nas suas terras, Italo Balbo tem a situação sob controle. Ao longo de 1921,
atacadas pelas expedições das esquadras, 80% dos governos socialistas e
católicos do Norte da Itália foram dissolvidos, e os governadores de província
nomearam novos comissários. Em muitos casos, foram os próprios prefeitos
socialistas, aterrorizados, que renunciaram. Na província de Ferrara, as
massas rurais migraram em bloco das ligas vermelhas para os sindicatos
fascistas. Alguns dos chefes das ligas até se rebaixaram à humilhação de pisar
publicamente nas próprias bandeiras. Centenas de milhares de assalariados
rurais temporários socialistas se tornaram fascistas no intervalo de um ano.
Um milagre eucarístico de transmutação do vermelho em negro.
O ano-novo também começou da melhor maneira. Em 6 de janeiro, em
Oneglia, Balbo encontrou em segredo o general Gandolfo e Perrone
Compagni, o rás da Toscana, para iniciar a organização nacional da milícia
fascista. Em 11 de abril, durante a visita do ministro da Agricultura a Ferrara,
sem nunca perder o gosto pelo escárnio, Balbo aumentou a aposta ao afrontar
pessoalmente Cesare Mori, governador da província de Bolonha, o último,
odiadíssimo, irredutível representante do Estado que está impondo o respeito
à lei. Enquanto o ministro se cercava de banqueiros, burocratas e sacristãos,
com o seu costumeiro esgar estampado no rosto, o rás de Ferrara se
aproximou de Mori com a ameaça de que bastaria um assobio seu para
milhares de fascistas atacarem e sequestrarem o ministro. Mori teve de
prometer a libertação de Gino Baroncini, um dos chefes das esquadras
bolonhesas, preso durante uma expedição punitiva.
Em 25 de abril, Balbo está em Milão com Mussolini para ilustrar-lhe seu
projeto. A situação é a seguinte: para os guerreiros, a primavera é a estação
dos grandes ataques, mas, para os assalariados rurais temporários da região
de Ferrara, é a estação da fome. Durante o inverno, graças ao acordo que
obriga os proprietários rurais a contratar seis trabalhadores a cada trinta
hectares, os temporários arranjam trabalho, mas, entre abril e maio, ficam
ociosos. Os números são bíblicos: cinquenta mil, setenta mil desempregados
sofrendo de pelagra. No passado, o Estado remediava com 10, 15 milhões em
obras públicas. Mas, agora que os campos estão nas mãos dos fascistas, o
governo de Roma, influenciado pelos deputados socialistas, quer que os
camponeses paguem sua conversão ao fascismo passando fome. A ideia de
Balbo é explosiva: ocupar Ferrara com uma mobilização de massa que
obrigue o governo a ceder e demonstre a capacidade dos fascistas de
conseguir pão para os seus adeptos. Além disso, o plano teria a vantagem de
obter trabalho para os trabalhadores rurais temporários à custa do Estado sem
prejudicar os interesses dos proprietários rurais que financiam os Fasci di
Combattimento. Ao fim da apresentação, como sempre, Balbo solta uma
risadinha.
Mussolini o escuta em silêncio. No sorriso diabólico daquele jovem alto,
magro e forte, vê o passado e o futuro. O fascismo discípulo e herdeiro da
lição socialista: as massas não mais relegadas às margens da história, mas
convocadas ao palco da política. A atuação mesclada à violência, o teatro de
massa, a cidade do socialismo transformada em palco para a récita da
passagem do poder ao fascismo com os camponeses que interpretam a si
mesmos. É um projeto louco.
O Duce o autoriza. As condições, porém, são claras: se der certo, o mérito
é do fascismo; se for um fracasso, o problema é de Balbo.
A execução do plano começa já no dia seguinte. Balbo envia para todos os
secretários da província uma circular ultrassecreta na qual ordena que fiquem
de prontidão para a mobilização. Tudo deve dar certíssimo, as ordens são
peremptórias, detalhadas, ascéticas: proibidos os espancamentos, mesmo dos
piores inimigos, absolutamente vedado o consumo de bebidas alcoólicas,
mesmo em quantidade limitada, e suspensas também as visitas aos bordéis.
A mobilização começa à meia-noite de 11 de maio. De todas as casas mais
isoladas dos campos da região de Ferrara, arregimentados por secretários dos
Fasci di Combattimento, a pé, de bicicleta, em carroças, a bordo de barcas
puxadas por cavalos ou por homens nas margens que ladeiam os canais do Pó
de Goro e de Volano, milhares de miseráveis se põem em marcha na calada
da noite rumo à cidade.
Ferrara acorda na manhã seguinte invadida por um exército descalço:
cinquenta mil trabalhadores rurais emaciados pela fome, endurecidos por uma
crosta de poeira, mantas jogadas nas costas, nada além de pedaços de polenta
e queijo nos bornais, que saciam a sede nos hidrantes, controlados por
piquetes fascistas, desfilam enfileirados ao longo do Corso della Giovecca
sob os olhos arregalados dos burgueses.
O campo adentrou a cidade, a cidade está invadida e paralisada. Balbo
mandou cortar os cabos telefônicos, requisitou os edifícios escolares para os
aquartelamentos, ordenou o fechamento de todos os estabelecimentos
comerciais. A mobilização, considerada impossível, é um sucesso que supera
todas as previsões. Milhares de miseráveis acampam nas ruas, deitados sobre
enxergões. O castelo está cercado pelo exército da fome; o governador da
província, aterrorizado, pede uma entrevista com o líder do exército invasor.
Quando Balbo se apresenta na ponte levadiça, é acompanhado pelo grito de
milhares de bocas famintas e desdentadas.
Pálido e congestionado, com o costumeiro colete branco atravessado por
uma corrente de ouro sobre a barriguinha redonda, o governador Bladier
recebe o ultimato de Balbo: a polícia deve ser reconvocada aos quartéis, a
ordem pública será garantida pelos fascistas, os camponeses não se
desmobilizarão até que o governo garanta a concessão de obras públicas.
Passam-se 48 horas, 2 dias e 2 noites de tergiversações, tratativas,
comícios e acampamentos, o forno comunal produz 20 mil quilos de pão.
Então, na aurora de 14 de maio, chega a notícia: o ministro Riccio cedeu em
tudo, o Estado capitulou, a vitória é total. Balbo ordena a desmobilização.
Ferrara agora é sua.
De Milão, Mussolini exulta, mas fica pasmo diante da repentina mudança
de bandeira daqueles trabalhadores rurais que até ontem eram socialistas e
hoje são fascistas. Sente a grandiosidade do momento, porém, dentro de si,
uma fibra oculta de pressentimento angustiado treme diante da rapidez da
inversão da fidelidade dos povos. Efêmera ou duradoura? Aparência ou
substância? Uma onda que passa ou algo que fica?
Caro amigo, você deve ter entendido pelo manifesto federal no dia de hoje
como é indispensável a nossa demonstração de força contra o governo para
obter aquelas indispensáveis obras públicas que podem aliviar o desemprego
na Província [...]. Portanto, prepare tudo para não ser pego de surpresa pela
eventual ordem de deslocamento que posso lhe enviar de uma hora para outra
[...]. Ocorrerá em Ferrara uma manifestação que deverá ser a mais formidável
do fascismo de Ferrara, e que funcionará como termômetro da nossa potência
[...]. Ao receber a ordem, na hora indicada, você deverá estar em Ferrara com
todos os seus fascistas e com quantos operários dos Sindicatos conseguir
reunir [...]. Confiando no seu espírito de disciplina, na sua fé, comunico ainda
que nunca tive a intenção de mandar uma ordem mais peremptória do que
esta. Saudações fraternas.
Italo Balbo,
circular secreta aos Fasci di Combattimento da província, 27
de abril de 1922
“Escravidão agrária.”
A acusação é uma infâmia. O que a torna insuportável é o fato de ter sido
feita por D’Annunzio, o Vate, o poeta, o homem das grandes empreitadas e
dos grandes ideais, o guerreiro da glória pura e desinteressada. Nas últimas
semanas, D’Annunzio tem saído do silêncio ao qual se ateve até o momento
em seu dourado exílio voluntário em Gardone só para olhar do alto, com
nojo, para a cloaca fascista e marcá-la com o selo da infâmia: escravidão
agrária. Um semideus irado e calculista, sempre à espreita no alto do seu
Olimpo, sempre pronto para ordenar aos homens mesquinhos que se afainam
lá embaixo com os braços mergulhados até os cotovelos na merda e no
sangue: saiam da frente porque daqui em diante eu assumo.
O homem que parece ter colocado na boca de D’Annunzio aquela fórmula
maligna e brilhante está diante da espada de Benito Mussolini. Chama-se
Mario Missiroli, é o príncipe do jornalismo italiano, um liberal de direita, um
maçom, diretor do Il Secolo e ex-diretor do Il resto del Carlino, jornal de
Bolonha do qual foi expulso por causa do ostracismo dos integrantes das
esquadras locais.
Missiroli nunca antes empunhara uma espada; porém, quando Mussolini o
insultou publicamente, chamando-o de “soleníssimo covarde”, reagiu com
um bilhete de desafio no qual impunha condições muito duras. Em seguida,
treinou todos os dias com o famoso espadachim Giuseppe Mangiarotti e se
apresentou com absoluta pontualidade no velódromo do Corso Sempione
acompanhado por Francesco Perrotti, um afável redator-chefe do seu jornal.
São 18h de 13 de maio, e esse refinado intelectual completamente
inexperiente em duelos espera o ataque com coragem, trajando uma
magnífica camisa de seda aberta no peito. Insuportável.
Todos sabem que Missiroli tem razão. Nos campos emilianos,
abandonados a si mesmos pela destruição das ligas socialistas, os camponeses
se rendem devido à fome. Os proprietários rurais travam uma impiedosa
guerra de revanche que aniquila décadas de reformas sociais. As corporações
fascistas negociam diretamente com os patrões, abolindo, um após o outro, os
acordos rurais, ou então, quando isso não é possível, suspendendo o caráter
coletivo dos contratos. Dessa maneira, cada camponês está sozinho diante da
ferocidade vingativa do patrão. Quando ainda encontram forças para
protestar, das outras províncias, ainda mais desesperadas, chegam como
nuvens de gafanhotos fura-greves escoltados por esquadras armadas para
desfazer as paralisações.
Obrigado a engolir a predominância do fascismo das províncias, Mussolini
tentou dar uma justificativa teórica no seu jornal, fazendo uma distinção entre
agrários — grandes latifundiários conservadores — e rurais — pequenos
proprietários revolucionários. O fascismo é rural, não agrário, escreveu. Mas
de nada serviu. Diante dele, está a acusação de escravismo usando uma
magnífica camisa de seda descaradamente aberta no peito.
No entanto, o Fundador faz todo o possível para civilizar o fascismo. No
início de março, viajou para a Alemanha a fim de ampliar os próprios
horizontes. Viu com os próprios olhos os alemães usarem a máscara da
república e do pacifismo. Por baixo dela, a Alemanha também se volta outra
vez à direita. Contudo, precisou voltar para a Itália às pressas devido à
corrente opositora de Pietro Marsich, o rás dannunziano de Veneza, que de
novo questionou sua liderança acusando-o mais uma vez de traição
parlamentar dos ideais originais do movimento. Seguiu-se um duelo fratricida
com sabres contra o major Baseggio, um dos participantes da reunião em
Piazza San Sepolcro, idealizador do arditismo, fundador da mítica e
desastrosa “Companhia da Morte”, apoiador de Marsich.
Depois, em 26 de março, após ter se engalfinhado com Baseggio,
Mussolini conseguiu fazer desfilar em Milão, a capital do socialismo italiano,
em fileiras compactas, sem incidentes, vinte mil jovens fascistas com camisas
pretas. Eram tão bonitos, másculos, compostos e respeitáveis que as senhoras
em Piazza del Duomo os aplaudiam após conferir a maquiagem. Em seguida,
porém, nas províncias, as esquadras bárbaras se lançaram de novo ao ataque a
fim de arrastá-lo para a lama. A verdade é a seguinte: ele é um homem
sozinho, não tem amigos e não pode se dar o luxo de tê-los.
No Conselho Nacional de 4 de abril, Mussolini falou claramente. A aura de
simpatia que cercava o fascismo em 1921 está desvanecendo. A afirmação do
movimento nos campos acontece no momento em que a burguesia sente que
as razões para a ação das esquadras estão em declínio. Os socialistas não
metem mais medo. Os industriais milaneses oferecem uma gorjeta de
agradecimento com uma mão enquanto, com a outra, estão prestes a demitir o
servo devasso. Falam até em voltar a negociar com a Rússia soviética.
Arriscam, portanto, ficarem cercados. As surras devem terminar. A violência
defensiva é sacrossanta, mas quem entra nas casas, quem se embosca atrás de
uma sebe não é fascista. A hipótese da insurreição não pode ser excluída,
mas, neste momento, é irrealista. É necessário inserir o fascismo plenamente
na vida nacional, é necessário aceitar o decadente jogo eleitoral. Não se pode
excluir uma participação no governo: o Parlamento deve ser desprezado,
claro, mas é preciso usá-lo.
Dino Grandi o apoiou, todos votaram sua moção, mas de nada isso adianta
também. O Partido Fascista continua a encorpar sua massa de afiliados,
porém, com exceção da direita, nenhum outro partido representado no
Parlamento o quer no poder. Os socialistas os odeiam, os populares os
temem, os democratas e os liberais moderados os desprezam. Houve
encontros por debaixo dos panos com Facta. Fala-se de não mais do que três
subsecretários. As costumeiras e miseráveis migalhas. Insuportável. O
fascismo não tem amigos e não os quer.
Quando Mussolini se lança sobre Missiroli, seu rosto está lívido de raiva.
No primeiro assalto, a ponta da espada se parte. A arma é substituída. Ao
empunhar a espada reserva, o desafiado se lança novamente contra o
desafiador. Missiroli mantém a calma, defende os golpes. O atacante se arroja
com raiva, abrindo a guarda a cada assalto, com pranchadas de corte, como
se, em vez de brandir uma espada, empunhasse um sabre.
Perrotti, o pacífico redator-chefe do Il Secolo que Missiroli arrastou até lá
como padrinho, repete obsessivamente para o dr. Binda, médico do duelo: “É
preciso interromper a luta, é preciso encerrá-la!”
No terceiro assalto, Missiroli é ferido. A ferida é considerada leve. Os
duelistas são levados de volta ao terreno. Mussolini, furioso, lança-se mais
uma vez ao ataque. Perrotti agora grita abertamente: “É preciso encerrá-la, é
preciso encerrá-la, alguém vai acabar morrendo!”
No sétimo assalto, a ponta da espada de Mussolini penetra profundamente
no feixe venoso do antebraço direito do adversário. Sua inferioridade agora é
patente. O duelo é concluído. Nenhum dos dois duelistas se diz satisfeito.
Enquanto o dr. Binda remedia o braço ensanguentado de Missiroli, sempre
calmo, seu improvável padrinho, agitado por um tremor histérico, aproxima-
se delicadamente e fala aos sussurros em seu ouvido da indecifrável doença
da sua filhinha. Implora que ele vá visitá-la. Levaram-na para a praia, em
Salsomaggiore, na esperança de que o ar salubre a ajude a se recuperar. É sua
única filha, uma criaturinha deliciosa, é insuportável pensar que ela deve
sofrer, o mundo é um lugar regulado pelo mal.
Ambrogio Binda, o médico pessoal de Mussolini, aceita a súplica e, no dia
seguinte, parte para Salsomaggiore. Na semana seguinte, Francesco Perrotti,
o representante de Mario Missiroli no duelo do velódromo do Corso
Sempione, tem a intenção de tirar a própria vida.
Não posso me queixar do andamento dos negócios da minha empresa, nem
das outras, prevalentemente elétricas, nas quais tenho participação [...]. A
retomada das relações econômicas com a URSS permitirá ampliar a ação da
Itália até o estabelecimento de empresas nossas na Rússia [...]. Julgo que a
Itália fez bem em tomar a iniciativa desse tratado. Para nós, o perigo
comunista está em declínio. As forças de organização dos combatentes e as
afirmações do fascismo criaram um clima de resistência à propagação das
teorias bolcheviques.
“Você deve voltar ao seu posto” foi a ordem pessoal de Mussolini, que
escreveu de Roma em 19 de fevereiro, e ele voltou ao seu posto de líder dos
fascistas bolonheses. Rina, agora sua esposa, se desesperou.
Leandro casou-se com ela no civil em 8 de junho de 1921, pouco antes de
ser afastado. Sua índole anarquista sempre o contrapôs instintivamente ao
modelo ferrarense de submissão das massas rurais aos sindicatos por meio
das esquadras e, por esse motivo, em 20 de junho a assembleia já elegera
Gino Baroncini como secretário da federação provincial no seu lugar.
Durante o confronto com os rases a respeito do pacto de pacificação,
Arpinati, embora fosse contrário, permanecera fiel a Mussolini. Não fora à
convenção dos dissidentes e também não participara da marcha de Balbo em
Ravena. Sua corrente saiu derrotada da assembleia seguinte dos Fasci di
Combattimento de Bolonha, e ele nem sequer foi encarregado no congresso
de fundação do partido. Chegaram a caluniá-lo com a acusação de uso
arbitrário do patrimônio social. Excluído de tudo.
“Vamos dar um jeito”, prometeu Leandro à mulher, e voltou a estudar.
Renovou a matrícula na universidade e pediu transferência para a Escola
Superior de Agricultura. Rina Guidi, esposa de Arpinati, saboreou um raro
momento de felicidade plena, entrevendo no horizonte a miragem de uma
vida simples, trabalhadora, pacífica. Mas em fevereiro Benito Mussolini
chamou seu marido de volta para a linha de fogo.
Os socialistas não são mais os inimigos, e sim o Estado. Em Bolonha, o
Estado se chama Cesare Mori. Como muitas vezes acontece com os inimigos
irredutíveis, Mori, embora seja o único governador de província italiano que
está combatendo com afinco as esquadras, talvez seja o único que os
membros das esquadras escolheriam espontaneamente como líder. Maxilar
quadrado como o de Mussolini, criado no orfanato de Pavia, comissário em
Trapani nos primeiros anos do século XX, Mori combateu a máfia com
métodos inflexíveis e violentos, sobrevivendo a numerosos atentados. Voltou
à Sicília em 1915, após formar esquadrões especiais, e debelou com aqueles
mesmos métodos o banditismo, chegando a matar pessoalmente dois
malfeitores e prendendo até trezentos deles em um único dia.
Agora, enviado por Bonomi a Bolonha com plenos poderes de
coordenação regional da ordem pública, Mori não muda. Com três lances
simples, acua a organização fascista: ao impedir a circulação de furgões nos
fins de semana, conteve as expedições das esquadras; ao impor centrais de
emprego governamentais, tirou dos sindicatos fascistas o controle das massas
rurais; ao proibir a imigração de mão de obra sazonal, está destruindo a ação
dos fura-greves nas paralisações dos assalariados rurais temporários. A
polêmica feroz dos fascistas contra a incapacidade do Estado exige que
Cesare Mori, que é a encarnação da sua eficiência, seja abatido.
O caminho foi indicado por Balbo ao ocupar Ferrara. É necessário
marchar. Marchar não mais apenas para impor a própria vontade ao Estado,
mas para se contrapor abertamente a ele. A marcha é uma técnica, mas é
também uma forma. É preciso erguer a praça e jogá-la como uma pedra
contra as janelas do governador Mori.
Leandro Arpinati se dirige a Italo Balbo. Em 28 de maio, quando Michele
Bianchi, secretário nacional do partido, ordena a mobilização de todas as
esquadras de Bolonha, Balbo se prepara para descer até a cidade com os seus
homens de Ferrara. A partir do dia 29, os fascistas chegam aos milhares das
regiões de Codigoro, Portomaggiore e Copparo e se revezam em turnos de 30
horas. Os cidadãos de Bolonha assistem estupefatos ao espetáculo de
milhares de homens que pernoitam durante quatro noites sob os pórticos, em
leitos de palha comprimida.
Entretanto, a marcha, mais uma vez, dá o braço à violência. Ao longo do
caminho, os fascistas devastam, como sempre, sistematicamente, todas as
sedes socialistas, comunistas, da Câmara do Trabalho e das cooperativas
agrícolas. A novidade, porém, é que agora surram sem distinção deputados
socialistas e comissários da segurança pública. Quando Mori põe cordões de
isolamento formados por carabineiros, guardas reais e agentes à paisana em
volta do Palazzo d’Accursio, os fascistas simulam uma pressão no centro e os
forçam com uma distração no lado oposto, rompendo-os. Quando os
esquadrões a cavalo avançam, os fascistas ficam parados, agitando lenços ou
explodindo petardos. Os cavalos se assustam, empinam e derrubam os
cavaleiros. Arpinati, apesar de tolerar na própria cidade a iniciativa de Balbo
e de Grandi, guia uma esquadra no ataque ao cárcere de San Giovanni in
Monte para libertar sessenta prisioneiros fascistas.
O Estado cede. Em 29 de maio, um comitê de cidadãos da burguesia de
Bolonha envia um telegrama ao ministério do Interior pedindo a destituição
de Mori. No dia 30, mandam de Roma Giacomo Vigliani, diretor de
segurança pública, para realizar um inquérito. O senador do reino acusa Mori
de zelo excessivo. Boa parte da imprensa nacional apoia a insurreição fascista
contra ele. Os oficiais de cavalaria, chamados para incursões mais enérgicas,
não escondem a simpatia pelos rebeldes.
Sitiado há três dias no seu gabinete, o governador da província envia
continuamente telegramas a Roma para receber ordens. Suas mensagens
obtêm respostas vagas, elusivas. Enquanto isso, chegam da praça os cânticos
dos acampamentos: “Mori, Mori, você deve morrer/ com o punhal que
afiamos/ Mori, você deve morrer assassinado.”
Se alguém abrisse fogo, seria um massacre. Mas a ordem não chega. O
braço de ferro se rompe com uma zombaria. O método Balbo prevê que a
marcha deve ser guiada com “alegria juvenil”. Então, Giacomo Vigliani,
senador do reino, inspetor enviado pelo governo, informa a Roma que os
membros das esquadras se enfileiram, revezando-se, e, com perfeita
disciplina, um depois do outro, durante horas põem o pau para fora das calças
e mijam no palácio do governador da província. O círculo do ridículo se
fecha em torno do Estado italiano e de Cesare Mori, que o encarna.
Após cinco dias de ocupação em Bolonha, e garantida a transferência de
Mori, em 2 de junho Mussolini promulga a ordem de desmobilização. “Esse
exemplo”, lê-se na conclusão, “marcará uma época na história italiana.
Assumo formalmente o compromisso, caso se torne necessária uma retomada
da agitação, de liderá-la entre vocês. Contudo, então, ela terá amplitude mais
vasta e objetivos mais distantes.” Depois de Ferrara, depois de Bolonha,
começa-se a pensar em Roma. É claro como o dia que a marcha de Balbo fez
escola.
Naquelas mesmas horas, Arpinati — que, entre os candidatos que não
foram eleitos em maio de 1921, foi o que recebeu mais votos — é informado
que, pela invalidação de candidatos fascistas que não cumpriam o requisito
da idade mínima, ele irá para o Parlamento.
O deputado Arpinati faz as malas, beija Rina e também parte para Roma.
Italo Balbo, na página de 5 de junho, comentando a ocupação de Bolonha,
anota em seu diário: “Ensaio geral da revolução.”
Eles ainda não entenderam que os bandidos e a máfia são duas coisas
diferentes. Nós atingimos os primeiros, que, sem dúvida, representam o
aspecto mais visível da criminalidade siciliana, mas não o mais perigoso.
Vamos desferir um verdadeiro golpe mortal na máfia quando nos permitirem
fazer uma operação de pente-fino não apenas entre as figueiras-da-índia, mas
nos corredores das sedes dos governos provinciais, das chefaturas de polícia,
dos grandes mansões e, por que não, de alguns ministérios.
Uma brisa de reação antifascista [...] se abateu sobre o Vale do Pó. Mori,
essa espécie de vice-rei asiático, esse imundo guardinha de Nitti [...] continua
na Emília redimindo seus tristes faustos com um crescendo trágico.
Perseguições, violações de domicílio, prisões se sucedem, as liberdades
estatutárias estão abolidas.
La Stampa, Turim,
15 de agosto de 1922
O fascismo venceu sua batalha campal, derrotando plenamente e
desbaratando seus adversários [...] é intenção das autoridades, quando a
poeira baixar, proceder ao confisco das armas. Deem, a propósito, ordens
taxativas para que, sem demora alguma, armas e munições sejam colocadas
em segurança.
“Creio que, daqui a não muito tempo, vou renunciar como deputado,
porque tudo é só trabalho e cansaço inútil. Estamos contra os outros partidos;
e nosso próprio partido não faz nada do que deveria fazer. Então, qual é o
objetivo?”
O desconforto começa a tomar conta de Giacomo Matteotti na primavera
de 1922. É o que testemunham essas linhas escritas para a esposa em 20 de
maio. O mundo, o dia a dia, se manifesta sempre e ainda como uma ruína,
mas, agora, o homem parece não ter nada mais a contrapor à ruína do mundo,
nem sequer ele mesmo. Nas cartas, diante das repreensões de Velia,
desaparece o protesto, o último deus das horas desesperadas. A pergunta não
é mais “o que fazer”, mas “com que finalidade?”. O dilema das batalhas
perdidas.
Dois dias mais tarde, em 22 de maio, no dia em que completa 37 anos, para
Giacomo já parece ser hora de fazer um balanço: “Hoje completo 37 anos;
exatamente 37... Tudo está igual a antes; mas os 37 são indiscutíveis, então
sinto um grande medo do tempo que passa tão rápido; sobretudo, ou melhor,
quase que exclusivamente, de tudo aquilo que me foi tirado de você, do seu
amor, da sua pessoa. Parece que essa talvez seja a única coisa que
irremediavelmente perco.”
No início do verão, enquanto a última e decisiva ofensiva fascista é
lançada, nas cartas à esposa Matteotti recua para a conversa íntima, seu
discurso amoroso se concentra no amor conjugal como conspiração de duas
almas dentro do mundo e contra o mundo, sua vida de figura pública, homem
dedicado à luta, privatiza-se: “Sim, penso em você. Você foi meu grande,
verdadeiro e único amor. Horas inteiras de cada dia foram ocupadas por meu
pensamento em você. Por anos inteiros, todo o meu coração foi ocupado por
você.”
Uma menção à situação política, uma única menção, aflora do de profundis
em 29 de junho: “Aqui estamos desnorteados [...] ninguém, exceto o nosso
partido, sente toda a tragédia da situação atual.” O isolamento, a solidão, o
deserto, o naufrágio: a política se reduziu a isso para os socialistas italianos
no verão de 1922.
Em 1o de junho, por solicitação da Confederação Geral do Trabalho, o
grupo parlamentar socialista havia votado a pauta Zirardini, que obrigava os
deputados a buscar um acordo com o governo para o restabelecimento das
liberdades públicas e da lei. Mas os líderes maximalistas do partido
rejeitaram-na, acusando a ala reformista de conivência com a burguesia.
Enquanto isso, entre o fim de julho e o início de agosto, apenas na província
de Novara, 221 administrações de esquerda caíram. Como observara Pietro
Nenni, os líderes do proletariado comportavam-se como os doutores da Igreja
que, enquanto seu mundo desaba em ruínas, brigam sobre a letra dos textos
sacros. O proletariado, enquanto isso, era abandonado à própria sorte, sem
defesa nem ajuda.
A poeira tóxica do ódios entre as facções causou um enorme estrago
quando, em 29 de julho, Turati subiu as escadas do Quirinal para se reunir
com o rei. Todo o socialismo radical havia condenado o encontro como uma
autêntica traição. Os comunistas chegaram a zombar do “cadáver de Turati”.
No dia seguinte, a greve geral deu o golpe de misericórdia no que restava do
movimento socialista. Aqueles que não queriam pedir demissão, os
ferroviários que eram tirados de casa sob a mira de armas para voltar ao
trabalho enquanto suas casas eram queimadas, os operários que haviam feito
cem greves e, apesar de tudo, ainda respondiam ao chamado, ofereciam aos
olhos de Giacomo Matteotti um espetáculo admirável e comovente, o
espetáculo de um ato de fé sem amanhã.
No fim de agosto, derrotado, Matteotti ousa esperar pelo menos um pouco
de paz. O verão, como se sabe, acende esperanças desse tipo. Ele e Velia
escolheram Varazze, no litoral ocidental da Ligúria, pelo seu clima
excepcionalmente ameno. Protegida dos ventos da tramontana pelo monte
Beigua, ao norte, nas noites de inverno, nas tardes de verão, a cidadezinha
litorânea é refrescada pelas enérgicas brisas do mar da Ligúria. Mas Giacomo
Matteotti também é reconhecido aqui e, em 29 de agosto, é obrigado a partir,
escoltado até a estação ferroviária pelos policiais e pelos integrantes da
esquadra local dos Fasci di Combattimento.
O dilaceramento se consuma em 3 de outubro, em Roma, durante os
trabalhos do XIX Congresso do Partido Socialista Italiano, em uma outra
sessão melancólica e torturante. A única coisa a evitar é uma nova cisão.
Divididos, os revolucionários não poderão fazer a revolução, e os reformistas
não poderão colaborar com o governo. Entretanto, eles se separam, uma cisão
suicida, mas, àquela altura, inevitável: nas moções da direita e da esquerda,
veem-se dois extremos do mesmo desespero. A proposta de Giacinto Menotti
Serrati, secretário do partido, de expulsar os reformistas prevalece por um
punhado de votos. Filippo Turati e Giacomo Matteotti são expulsos do
Partido Socialista ao qual dedicaram a vida. Depois da mutilação, o
congresso delibera a adesão à Internacional Comunista e o envio de uma
nova delegação a Moscou. A discussão, acalorada, se conclui com quem deve
participar da comitiva.
Os expulsos — Turati, Matteotti, Claudio Treves, Giuseppe Saragat,
Sandro Pertini — fundam um terceiro partido da esquerda italiana, que, não
se sabe bem se pelo prazer do paradoxo ou se por inspiração do insuperável
desespero de sempre, é batizado de Partido Socialista Unitário. O jovem,
enérgico, indomável Giacomo Matteotti é eleito secretário. Agora estão livres
dos delírios “maximalistas” de uma revolução sempre anunciada e nunca
tentada. Estão livres, mas não sabem o que fazer com sua liberdade.
Giacomo Matteotti, aparentemente convencido pelo bom senso de Velia,
que há anos pede que ele recue, em 10 de outubro escreve à mulher: “Quero
defender as crianças, você e também a mim mesmo. Os sacrifícios inúteis não
adiantam, não ajudam em nada... Enquanto isso, para me afogar totalmente,
aceitei também o secretariado do partido. Mas por pouco tempo, espero.”
A conversa política que vocês travaram com o monarca, o
início da obra de colaboração com a monarquia e a burguesia,
é o fim das relações de partido que têm conosco. Nós não
colocamos em discussão sua boa-fé — que está fora de
questão —, afirmamos que vocês mesmos, com as próprias
mãos, romperam aquela unidade da qual, até ontem,
acreditavam ser tenazes e decididos apoiadores.
Palmiro Togliatti,
L’Ordine Nuovo, 30 de julho de 1922
O Estado liberal é uma máscara por trás da qual não há rosto algum [...].
Essa é a tolice do Estado liberal, que dá liberdade a todos, até àqueles que a
usam para abatê-lo. Nós não daremos essa liberdade [...]. O que nos separa da
democracia não são os artifícios eleitorais. As pessoas querem votar? Que
votem! Votemos todos até o cansaço e a imbecilidade! Ninguém quer
suprimir o sufrágio universal. Mas faremos uma política de reação e de
severidade [...]. Dividimos os italianos em três categorias: os italianos
“indiferentes” que ficarão em casa esperando; os “simpatizantes”, que
poderão circular; e finalmente os italianos “inimigos”, e esses não circularão.
O fugaz instante que os socialistas não souberam aproveitar está agora nas
mãos do fascismo; nós, homens de ação, não o deixaremos escapar e
marcharemos.
Benito Mussolini,
Piazza San Ferdinando, Nápoles,
24 de outubro de 1922
Roma, 25 de outubro de 1922
Plataforma da Estação Termini, 19h30
***
A Itália pede a seus filhos que desistam das lutas que a destroem: a Itália
pede, para a sua prosperidade e para a sua grandeza, que se interrompa, sem
delongas, uma exasperação que só produz dor e ruína.
Não é possível que esse apelo não seja atendido.
Esse espectro das eleições é mais do que suficiente para cegar os olhos dos
velhos parlamentares, que já se movimentam para invocar nossa aliança.
Com essa lisonja, faremos deles o que quisermos. Nascemos ontem, mas
somos mais inteligentes do que eles.
Bianchi: Benito...
Mussolini: Diga, Michelino.
Bianchi: Eu e meus amigos queríamos saber quais são suas ordens.
Um intervalo de silêncio. Mussolini está atônito.
Mussolini: Ordens minhas?
Bianchi: Sim. Quais são as novidades?
Mussolini: As novidades são estas: Lusignoli foi até Cavour se encontrar
com Giolitti e diz que pode arrancar dele quatro pastas importantes e quatro
subpastas.
Bianchi: Que pastas seriam?
Mussolini: Marinha, Tesouro, Agricultura, Colônias. Depois teria também
a da Guerra, que seria dada a um nosso amigo, e mais quatro subsecretarias.
Bianchi: E então?
Mussolini: Então mandou ligarem de Cavour, estará de volta esta manhã às
nove.
Bianchi: Benito...
O nome do amigo tem a inflexão de uma súplica.
Mussolini: Diga.
Bianchi: Benito, quer me ouvir? Quer ouvir minha resolução final
irrevogável?
Mussolini: Sim... sim...
Bianchi: Responda: NÃO.
Silêncio.
Mussolini: Claro... é natural, a máquina a esta altura já está montada e nada
pode pará-la.
O estenógrafo está provavelmente suando enquanto transcreve a frase que
será comunicada ao ministro do Interior, dele a Facta e, por meio do
presidente do Conselho de Ministros, ao rei.
Bianchi: É fatal como o próprio destino o que está para acontecer... Já não
é mais o caso de discutir a pasta.
Mussolini: É natural...
Bianchi: Então, estamos de acordo. Posso também comunicar isso em seu
nome?
Mussolini: Espere, primeiro... Vamos ver o que Lusignoli diz... amanhã
voltamos a nos falar.
Bianchi: Está bem.
Mussolini: Para atualizá-lo de todo o movimento, lhe passarei o relatório
que Lusignoli vai me fazer.
Bianchi: Está bem... está bem.
Mussolini: Adeus.
Bianchi: Adeus, Benito.
Milão, Via Lovanio, 27 de outubro de 1922
Sede do Il Popolo d’Italia, tarde
***
Luigi Federzoni telefona uma hora mais tarde, enquanto Facta está em
audiência com o rei, discutindo a assinatura do decreto do estado de sítio.
Federzoni — íntimo do rei, líder do movimento nacionalista de camisas-azuis
que se posicionou em defesa de Roma e, todavia, simpatizante dos fascistas
prontos a atacá-la — faz jogo duplo ou triplo. Mussolini não quer falar com
ele. Manda que Aldo Finzi atenda à chamada e Cesare Rossi fique escutando
no segundo fone. A voz que vem de Roma está carregada com a sensação de
uma catástrofe iminente.
Federzoni: Falei com o general De Bono em Perúgia, que me pediu para
fazer todo o possível, pois ele não consegue se comunicar com Milão, a fim
de que Mussolini venha para Roma o quanto antes; aqui a situação está
paralisada porque o rei não pode conversar com nenhum dos líderes fascistas.
De Vecchi está em Perúgia, dizem, mas até meia hora atrás ainda não havia
chegado. Aqui não tem ninguém e corremos o risco, diga logo a Mussolini,
de que o rei vá embora caso a situação se agrave.
Finzi: Vou relatar agora a Mussolini.
Federzoni: De Bono me pediu para comunicar a Mussolini este seu desejo
como comandante-geral: que Mussolini venha logo para Roma.
Finzi: Entendido. Mas, ouça, é necessário que as ordens de Milão para a
autoridade militar sejam um pouco diferentes. Não podemos nos afastar do
Fascio di Combattimento e começar a atirar.
De Roma, agora gritam.
Federzoni: Não vamos perder a cabeça! Para que o rei não tome decisões
que venham a agravar a situação de maneira incalculável, é imprescindível
que ele possa agir imediatamente em condições de visível liberdade, ou seja,
não deve haver pressão... enfim... exterior... Em contrapartida, ele declarou
que não quer ser responsável pelo derramamento de sangue; nesse caso, iria
embora. Toda a Itália está em estado de sítio, portanto, a autoridade militar
age também por conta própria...
“Derramamento de sangue”... “estado de sítio”... Benito Mussolini entra na
cabine telefônica.
Finzi: Mussolini chegou. Vou passar para ele.
Federzoni: Antes de mais nada, quero dizer que fui eu que tomei a
iniciativa desta conversa. Falei com De Bono, que me informou sobre os
termos da situação: há conflito; e, se essa situação continuar, aquela coisa vai
acontecer... o rei abandona o trono. Aqui falta uma pessoa que possa
representar o Fascio di Combattimento. De Vecchi não chegou a Perúgia. De
Bono pede que eu lhe informe tudo isso e que você venha imediatamente para
Roma.
Mussolini: Eu não posso ir a Roma porque a ação em Milão está em
andamento. É imperativo ouvir aquele lugar que você conhece, o comando
supremo. Eu aceitarei todas as soluções que o comando supremo decidir
adotar...
Federzoni, exasperado, acentuando o sotaque emiliano que o assimila ao
seu interlocutor, o interrompe.
Federzoni: Mas como o comando de Perúgia pode lhe informar as
condições se eles nem sequer conseguem se comunicar com Milão!?
Mussolini: Trate de me informar você, que deve se comunicar com
Perúgia. Preste atenção, porque o movimento é sério em toda a Itália.
Federzoni: Agora se trata de não destruir o ponto de apoio, ou está tudo
acabado.
Mussolini: Estabeleça contato imediatamente e diga que Mussolini acatará
o que os comandantes decidirem.
Federzoni: Trate de não sair do Il Popolo d’Italia.
Mussolini: Não saio daqui. Mas cuide para que a crise se oriente para a
direita, para a direita, para a direita...
Federzoni: Em que sentido?
Mussolini: Um governo de fascistas.
A enormidade faz se instaurar um instante de silêncio. O agente duplo se
recupera.
Federzoni: Estamos de acordo, não há dúvidas. Mas deve-se evitar uma
situação de armistício. Até amanhã à noite, eu vou me empenhar para obter o
que você deseja.
Mussolini desliga. Sai da cabine e Cesare Rossi se aproxima. Benito
Mussolini solta uma risadinha.
“Como eu já lhe disse: querem que eu vá para Roma. Manobra prevista.”
Na cidade de Milão, que continua em estado de sítio, ainda chove. No fim
da Via Lovanio, na esquina com a Via Moscova, no ponto em que os pelotões
de guardas reais bloqueiam o acesso, a água escorre pelos canos escuros das
metralhadoras.
Todo o peso da carnificina incipiente foi descarregado outra vez sobre os
ombros dos quatro figurantes que, isolados do mundo, esquadrinham o
horizonte dos eventos a partir de uma sala de hotel em Perúgia.
Perúgia, 28 de outubro de 1922
Hotel Brufani, Comando supremo da marcha sobre Roma, mesma hora (por
volta das 8h)
Há o fedor de chulé.
Ele tirou as polainas, desamarrou os sapatos, afrouxou o cinto e, em
mangas de camisa, afundou na poltrona. Com o cigarro entre os lábios, à
moda francesa, estica as pernas sobre a poltrona da frente, “do jeito
americano”, diz.
“É preciso reconhecer que as divisões dos outros nos ajudaram muito...
Ah! Todos aqueles candidatos ao governo: Bonomi, De Nicola, Orlando,
Giolitti, De Nava, Fera, Meda, Nitti... Parecia a chamada desesperada dos
chefões do parlamentarismo em agonia. E o que dizer daquele pobre coitado
do Facta, que começou uma crise ministerial logo após o nosso comício em
Nápoles!?”
Cesare Rossi, com poucos outros companheiros — porque ele insiste em
não querer amigos —, ouve-o reevocar calmo, sóbrio, desmobilizado, a
campanha vitoriosa para os presentes. Mas sabe que ele, também naquele
momento de triunfo, sobretudo naquele momento, está falando, antes de mais
nada, consigo mesmo.
“E a passividade do antifascismo?... Sim, tudo bem, depois da greve
legalista, aquele barco já estava meio afundado... Mas, enfim, até uma
grevezinha geral qualquer colocada no nosso caminho teria nos atrapalhado
muito.”
Fora da salinha preparada pela direção do Hotel Londra para o novo
presidente do Conselho de Ministros, alvoroçaram-se o dia todo, e continuam
a se alvoroçar, homens arrogantes de esquadras, novos ministros,
subsecretários, generais de serviço e de folga, mulheres e homens do demi-
monde romano, brasseurs d’affaires, todos atrás de um encorajamento, uma
promoção, um benefício, todos buscando na Via Ludovisi com o faro de aves
de rapina. Agora, porém, o clamor queixoso daquela gente não chega até o
acampamento de luxo no qual o viajante, descalço e desalinhado, lança um
olhar sobre a jornada percorrida.
“Claro, se Giolitti estivesse no governo, as coisas não teriam corrido tão
bem... Nas nossas regiões, teria havido forte resistência, mas, na verdade, não
teríamos conseguido. Quando um Estado quer, pode sempre se defender;
então, o Estado vence. A verdade é que o Estado na Itália não existia mais...”
O solilóquio em público continua — ameno, amansado pela vitória, quase
uma cantilena, uma canção de ninar —, enquanto enfim parou de chover e o
outono de Roma concede ao cansaço dos homens uma noite agradável antes
da chegada do inverno. Os vencedores agradecem ao deus do outono e
aproveitam porque sabem que o inverno vai chegar, já está chegando.
Começa a reevocação das últimas horas. Alguém empurra o carrinho das
bebidas, deslizando-o sobre o chão de mármore.
***
La Stampa,
1o de novembro de 1922
Luigi Albertini,
Corriere della Sera, 2 de novembro de 1922
Pietro Nenni,
Avanti!, 14 de novembro de 1922
Benito Mussolini
Roma, 16 de novembro de 1922
Câmara dos Deputados, 15h
***
É muito provável que esses sejam os meses mais felizes da sua vida. É o
que ele sempre repete a Rachele em seus telefonemas de Roma. Liga para ela
todos os dias, uma vez por dia, sem falta (a família é importante, embora
esteja distante, sobretudo na distância): “Rachele, o período mais feliz da
nossa vida.” Depois, põe o aparelho no gancho e se lança ao trabalho como
uma catapulta. Aos funcionários ministeriais romanos, parece um possesso,
tomado por completa euforia, estupefato e quase incrédulo diante da
realidade da sua maravilhosa ascensão. À pequena multidão que se aglomera
no hall do Grand Hotel — para onde, nesse ínterim, ele se mudou —, o Duce
do fascismo já parece envolto pelo halo de uma lenda.
A essa altura, é o que sempre acontece aonde quer que ele vá: assim que é
reconhecido, seu corpo que atravessa o espaço atrai as pessoas com a força de
um impulso sexual. Quando Mussolini tenta simplesmente percorrer a pé o
trecho entre o gabinete e o Grand Hotel, já em Piazza Colonna a multidão o
reconhece, o assedia, quer tocá-lo, adoradora, exaltada, em orgasmo por
causa desse político novo que vem da rua, da multidão, que vive do contato
direto, pessoal com ela, ostentado, exilado, obsceno, esse filho de ferreiro que
acabará com os velhos politiqueiros desconhecidos das massas, perdidos nas
sombras de suas intrigas e manobras palacianas. Aonde quer que ele vá, a
multidão o cerca, o abraça, lá fora, na praça.
Esse é o homem. O homem novo, o homem da juventude contra a
“velharia”, do renascimento após a decadência, da saúde diante da
degeneração. Aí está o árbitro do caos, o iniciador de uma era, o obstetra da
história, esse parto difícil. Comparados a ele, os politiqueiros da velha Itália,
que ainda se afligem fazendo criancices com rançosas fórmulas
parlamentares, quando dão algum pequeno sinal de vida, parecem larvas
saindo do cemitério da pré-história.
Aí está o homem forte, o homem da força, força física — não há outra —,
o homem da violência que a aplacará, o homem da ferocidade que a
amansará, o homem da luta que a fará cessar porque logo não haverá mais
duas linhas de frente, apenas uma, o homem que volta a dar segurança aos
coitados presos até ontem no fogo cruzado, o homem que fez um deserto e o
chamou de paz, aí está o domador de leões, aquele que entra na jaula
enquanto o público prende a respiração e, com um estalo do chicote, impõe
que as feras arreganhem e depois voltem a fechar a boca, cumprindo suas
ordens, obedientes, porque aqueles são os seus leões.
Esse é o homem do destino, precedido por sinais, profecias, episódios
premonitórios, o déspota genial capaz de subjugar as massas e restabelecer a
ordem, o vencedor empolgante esperado por um tempo longo demais por um
povo deprimido pelos efeitos de um drama interminável, inconcludente,
enfadonho, no qual tudo é concatenado, porém nada é fatídico.
Ele sabe, não tem como não saber; seus adversários, os últimos, repetem
sempre: o país está cansado, dilacerado, abatido, sonha com o descanso,
sonha com um sono sem sonhos, um sonho de facilidade. O país está cansado
e, por esse mesmo motivo, ele é incansável. Transferiu seus escritórios para o
Palazzo Chigi, sede do ministério do Interior, instalou-se na chamada Galleria
Deti, a escrivaninha sob uma cúpula decorada com estuques e afrescos de
cenas bíblicas, ornamentos heráldicos. Chega às 8h, sem falta, manda trazer
um lápis com a ponta quadrada, uma cestinha de frutas, e se lança ao trabalho
até a noite, até a madrugada, durante 10, 12, 18 horas por dia.
O homem do destino come e bebe pouco, precisou reduzir o consumo de
café, mas direciona todos os seus apetites em um transbordante dinamismo
saneador. Há uma enorme quantidade de trabalho atrasado, o barco está cheio
de furos, o relaxamento dos funcionários públicos é vergonhoso. Então ele
leva tudo às costas, não delega — não confia —, lê todos os jornais, até os
que não mereceriam ser lidos — quase todos —, faz chover sobre a Itália
uma tempestade de decretos — começando pela simplificação da burocracia
—, recebe todos os dias centenas de visitantes que o esperam ansiosos na
antessala, ajeitando a gravata e verificando a ponta dos sapatos como antes de
um encontro amoroso. Depois, no fim do dia, rearruma meticulosamente os
papéis, até os mais inúteis, supérfluos, coloca-os novamente na sua pasta de
couro amarelo, que o acompanha há anos, e volta para o hotel. Na manhã
seguinte, acorda ao raiar do dia, exercita-se na pista de esgrima, toma aulas
de equitação com Camillo Ridolfi, seu professor de espada, está também
aprendendo a andar a cavalo, galopa meia hora entre as alamedas de Villa
Borghese na sela de um garanhão baio chamado “Ululato”.
O único prazer que o domador de leões se permite, além do poder, são as
mulheres. Disso ele não conseguiria abrir mão. E, afinal, por que deveria? A
natureza dos dois prazeres é a mesma, sua exuberância erótica é irreprimível,
seu estranho celibato permite que ele a descarregue sem freios.
Margherita Sarfatti viaja especialmente de Milão até o Hotel Continentale,
e ele, fugindo da vigilância por uma portinha secundária que se abre para Via
Cernaia, vai se encontrar com ela. O comandante da segurança pública em
Roma e o chefe de polícia vivem noites de angústia enquanto os dois amantes
se amam, preparam juntos os discursos sobre o futuro da nação, redigem a
matéria que o homem novo prometeu à diretora do Gerarchia sobre “o
segundo momento da revolução”.
Juntos, os dois amantes escrevem que o primeiro momento, na sua beleza
violenta e convulsa, terminou, é irrevogável, irreparável, não se volta atrás.
Agora é preciso normalizar, deixar por enquanto tudo inalterado, harmonizar
o velho e o novo, proceder com um acordo após o outro, avançar lenta, mas
inexoravelmente. Que os inimigos não se iludam: o Estado fascista não os
tolera; ele os combate e os destrói. Essa é sua principal característica. E o
Estado fascista não pode ficar por muito tempo à mercê do Parlamento — um
Parlamento que deverá ser cotidianamente humilhado, desprezado
publicamente —, porque o fascismo já representa a Itália. Quem está fora do
fascismo é um inimigo ou está morto. Não passará um dia sem que uma linha
seja traçada.
Então, ao alvorecer, após ter vaticinado, ameaçado e gozado, ele pode se
permitir o último prazer, talvez o mais precioso: a solidão na cidade
conquistada.
Benito Mussolini levanta a lapela, acende um cigarro, enfia as mãos no
bolso e, sozinho, sem escolta, satisfeito, desce a Via Goito deserta.
A época dos Giolitti, dos Nitti, dos Bonomi, dos Salandra,
dos Orlando e dos deuses menores do Olimpo parlamentar
acabou. Houve, entre outubro e novembro, uma liquidação
gigantesca: de homens, de métodos, de doutrinas [...]. Não há
dúvida de que o segundo momento da nossa revolução é
dificílimo e importantíssimo. O segundo momento decide o
destino da Revolução [...] a Revolução fascista não derruba
por inteiro e de uma vez aquela delicada e complexa máquina
que é a administração de um grande Estado; procede por
graus, por pedaços [...].
Mais uma vez aquele compromisso solene, aquele protesto contra o tempo
no jogo trapaceado que nos opõe à eternidade: “Amo você, para sempre, para
sempre [...].”
Depois a mulher apaixonada prometeu ao seu homem viver dissimulada na
sombra da sua luz, implorou que ele lhe permitisse ficar ao seu lado,
silenciosa, secundária, para poder lhe dar só um pouco de tranquilidade,
alguma doçura, a certeza de um amor infinito, para poder ser nada mais do
que o porto seguro no qual, navegados todos os oceanos, o “grande navio
glorioso” repousa.
Fiel a essa promessa impossível, nos primeiros dias do ano, Margherita
esperou Benito por muito tempo no seu quarto do Hotel Continentale, mas,
quando convocada pelo desejo ou pela necessidade, também não se recusou a
subir a escada de serviço do Grand Hotel reservada aos serviçais. Pelo seu
homem, a mulher apaixonada também subiu aquelas escadas mesquinhas.
São os dias do idílio, mas também são os dias do orgulho. Ela o escreve
com todas as letras, proclama-o como proclama seu amor.
Roberto Farinacci,
“É necessário defender-se e purificar”,
Cremona Nuova, 17 de fevereiro de 1923.
Tirando três ou quatro nomes, não posso ter mais qualquer estima pela
nova direção nacional [...] fraca, mentirosa, corrupta: essa minha opinião é
compartilhada por muitos e está se difundindo.
“Eu me sinto da mesma geração destes artistas. Tomei outro rumo, mas
também sou um artista que trabalha uma certa matéria e persegue
determinados ideais [...].”
Benito Mussolini veste um terno cinza de bom corte — nenhuma camisa
preta — e, ao contrário do que costuma fazer, não fala de improviso, mas lê
seu breve discurso em uma folha batida à máquina. Escutam-no nas salas art
déco da galeria de Lino Pesaro não apenas críticos, colecionadores e artistas,
mas todas as personalidades importantes de Milão: autoridades, políticos,
industriais e jornalistas.
Fora, na rampa de lançamento sobre o calçamento da Via Manzoni, com o
bico voltado para o Ocidente, estão os “loucos anos 1920”. Sepultada a
guerra, o desenvolvimento industrial acelera, o dinheiro circula, o comércio
triunfa. E a tecnologia também domina — automóveis, rádios, fonógrafos —,
novos deuses são inventados, os próprios mitos são vividos na tela do
cinema, todos se inclinam para o progresso, a modernidade, e todos são
convidados a participar do Reino, graças ao gramofone todos escutam
música, todos dançam ao ritmo sincopado da explosiva era do jazz.
Explodem também as mulheres, impertinentes, descaradas, sufragistas,
machonas, desnudam os ombros, reinvindicam o direito ao voto. Enquanto
isso, aos milhões, as massas descobrem o tempo livre, os hobbies, os
esbanjamentos e os prazeres reservados no passado a uma dúzia de príncipes
e marqueses; compositores escrevem rapsódias inspiradas em ruídos
metálicos, nos estrondos rítmicos dos trens; no lago Michigan, amontoam-se
multidões de banhistas dominicais e, das colinas de Hollywood, Rodolfo
Valentino, um imigrante italiano nascido em Castellaneta di Taranto,
vestindo os trajes brancos de um xeque, magnetiza o mundo com seu “olhar
assassino” de míope dispensado do serviço militar. Tudo acontece sob outro
olhar, o olhar vazio de dois olhos azuis gigantescos que, do alto de um
enorme cartaz publicitário, propiciam com sua indiferença suprema o
despertar do mundo ressuscitado.
Claro, tudo isso ocorre nos Estados Unidos, além-mar, mas aqui em Milão
o século também ressoa. Na Lombardia, acaba de ser inaugurado um traçado
rodoviário destinado a dar vazão ao tráfego automobilístico entre Milão e as
zonas turísticas dos lagos de Como e Varese, e há quem diga que se trata da
primeira “autoestrada” do mundo, há quem diga que se trata da primeira
especialmente concebida para os bólides metálicos impulsionados pelos
incansáveis motores a explosão, e não para as carroças puxadas por animais
esgotados. Há até quem diga que não será o patriotismo o salvador da
Europa: os americanos a salvarão para transformá-los em um grande mercado
de consumo de massa dos novos produtos da sua indústria.
Tudo isso se dá lá fora e, aqui dentro, na galeria de arte de Lino Pesaro, a
voz de Benito Mussolini celebra o novo século, o século italiano: “Mil e
novecentos é um ano importante porque marca a entrada de grande parte do
povo italiano na vida política. Não é possível fazer uma grande nação com
um povo pequeno. Não é possível governar ignorando a arte e os artistas: a
arte é uma manifestação essencial do espírito humano. E, em um país como a
Itália, um governo que se desinteressasse da arte e dos artistas seria faltoso.”
Mussolini, como de costume, alonga as palavras sílaba após sílaba: “Fal-
to-so”. “Ar-tis-tas”. A galeria de Lino Pesaro fica assombrada. Nunca se
ouviu um chefe de Estado atribuir tanta importância à arte, não era sequer
imaginável que Benito Mussolini — o selvagem formidável que subjugou a
Itália com uma folha de jornal e um exército de integrantes de esquadras, o
novo rosto carrancudo do poder que todos cortejam — pudesse ir inaugurar
uma exposição de sete pintores que a pequena multidão de políticos e
industriais presentes mal conhece. Acima de tudo, parece inacreditável que o
“homem forte” da Itália faça isso lendo palavras de outra pessoa em uma
folha datilografada que lhe foi passada por uma mulher. É isto o que
assombra: nas salas elegantes, ressoa a voz estentórea e metálica dele, mas
quem fala é ela. Benito Mussolini é o ventríloquo de Margherita Sarfatti.
Hoje é ela quem triunfa. Ela reuniu sete artistas amigos seus — Funi,
Sironi, Bucci, Dudreville, Oppi, Malerba e Marussig — e decretou o
nascimento de uma nova corrente. Nem deu para arranjar um nome coerente.
Então, a exposição foi simplesmente intitulada “Sete pintores do Novecento”.
Contudo, para ela, está bem claro que esse vernissage deverá marcar um
novo início, um novo Renascimento, o fim do caos futurista, a arte de um
“moderno classicismo” que espelha a hierarquia e a ordem restabelecida por
Benito Mussolini no mundo. Uma arte nova para a nova era fascista. Está
bem claro para ela que a suma sacerdotisa dessa nova arte fascista se chamará
Margherita Sarfatti. Por esse motivo, encerrado o discurso do Duce,
aplaudido brevemente, é ela quem, com um gesto elegante, porém imperioso,
manda que os garçons de luvas brancas sirvam os aperitivos.
A luz brilha através de vidros esmerilhados de luminárias apoiadas em
pesadas hastes de ferro-gusa florido; no entanto, sobre a galeria de Lino
Pesaro estende-se a sombra do poder. Em 3 de novembro, após a marcha
sobre Roma, alguns dos artistas expostos esta noite assinaram um caloroso e
servil cartão de felicitações para Mussolini. Todavia, nem todos estão de
acordo. Anselmo Bucci e Leonardo Dudreville ficaram horrorizados quando
Margherita anunciou a participação do Duce do fascismo no vernissage e,
agora, enquanto na Via Manzoni o champanhe é aberto, os dois dissidentes
brindam vulgarmente com vermute no Caffè Cova, ali perto.
Entretanto, a sombra mais venenosa é outra: a do desamor. Bastaram três
meses de Benito em Roma para que Margherita se sentisse traída. As cartas
de alegre adoração do início do ano já são uma lembrança. Ela ainda lhe
escreve, continuamente, mas agora são palavras de angústia, desdém e
recriminação, palavras sem resposta, cartas para ninguém. A mulher
trabalhadora lamenta a ingratidão, reivindica cargos para si e para o marido,
Cesare, a mulher independente lamenta as cenas despóticas de ciúme do
tirano birrento, a mulher apaixonada se aflige pelas esperas em vão em
quartos desertos:
Caro amigo, estou física e moralmente abatida. Você sabe por quê. Não
aguento mais, não aguento mais, não aguento mais. Adeus! Parto, volto,
para longe, para longe, depressa. Ah, eu gostaria de já ter partido.
Adeus. Tudo deu errado, tudo, até o telefonema que devia ser o
penúltimo. Só importa essa tristeza amarga, feroz, que tenho dentro de
mim.
Dê-me a ternura porque ela é minha. Fora isso, peço apenas que não se
ocupe da minha vida exterior para diminuí-la, restringi-la, sufocá-la com uma
série de proibições absurdas, exigências, desaforos e cóleras e cenas [...] você
tem o grande destino; e a sua tarefa enorme [...] tenho minha vida e meu
trabalho modesto, mas que para mim é sagrado e querido. Peço que você o
respeite, acho que não estou pedindo muito [...].
Poderia ter sido um dia tão bonito! Sozinhos, diante da lareira, todo o amor
era nosso, e todos os amores. Mas você quis derramar em mim todos os
venenos! A violência, as injúrias, as insinuações [...]. Depois, você se
arrependeu e ficou choroso e confuso [...] suas lágrimas com as minhas, você
teve seus grandes gestos, sublimes, dos quais só você é capaz [...].
O palácio romano do conde Santucci tem duas entradas. Pela da Via del
Gesù, entra um ateu, materialista e anticlerical que poucos anos antes
desafiou Deus publicamente concedendo-lhe, a fim de provar sua existência,
dois minutos para fulminá-lo; pela outra, em Piazza della Pigna, entra o
cardeal Gasparri, um homem que serviu a Deus durante toda a vida traindo
todos os dias sua cidade celeste pela terrena. Os dois entram separados e
separados saem do Palazzo Guglielmi, silenciosos, apressados, atravessando
vestíbulos e escadarias desertas.
A conversa entre Benito Mussolini — até ontem blasfemador compulsivo,
anticlerical e defensor do amor livre — com o secretário de Estado do
Vaticano se dá sem testemunhas. Dela não participa nem mesmo o anfitrião,
o senador católico Santucci, presidente do Banco di Roma. Ninguém deve
saber e ninguém saberá o que foi dito ali, deve permanecer e permanecerá um
segredo. Sabe-se apenas que o encontro se prolonga. E que, ao sair, o
secretário de Estado da Santa Sé, chegando em Piazza della Pigna, diz-se
satisfeito pelo seu encontro com o Duce do fascismo.
As negociações secretas iniciadas há meses pelo presidente do Conselho de
Ministros com o alto escalão do Vaticano para uma reconciliação com a
Igreja são uma carta na manga no braço de ferro que o opõe ao Partido
Popular, o partido político dos católicos italianos. Ao nível secreto,
corresponde a ação manifesta do governo que assina, uma após outra,
concessões ao Vaticano dissimuladas de medidas técnicas: equiparação das
taxas escolares, retorno dos crucifixos às salas de aula, obrigatoriedade do
ensino religioso, escolha dos professores por parte das autoridades
eclesiásticas e, o mais importante, isenção do imposto extraordinário sobre o
patrimônio dos seminários. Mussolini está pronto para conceder ao papa isso
e muito mais para se livrar de dom Sturzo, o fundador do partido dos
católicos, pelo qual sente um incômodo insuperável que beira a repulsa física.
“É hora de acabar com os padres que fazem política”, repete muitas vezes
Mussolini em segredo para Cesare Rossi. E acrescenta comentários que seu
colaborador mais próximo, sempre ao seu lado — agora no delicado papel de
chefe da assessoria de imprensa da presidência do Conselho de Ministros —,
jamais poderia divulgar ao público: “Dom Sturzo, esse padre politiqueiro e
disforme que nunca celebra uma missa e anda por aí manipulando a baixa
política.”
Mussolini o odeia a ponto de, após a marcha sobre Roma, apesar de incluir
os populares no seu governo, ter se recusado a receber Sturzo, o fundador do
partido deles. Gritou para Rossi, que insistia que Mussolini concedesse a
audiência, com uma regurgitação do seu anticlericalismo juvenil: “Está
absolutamente fora de questão eu receber aquele senhor. Inseri no meu
governo alguns ministros que julgo idôneos e qualificados, mas não pretendo
me tornar uma marionete nas mãos deles. Quanto a dom Sturzo, considero-o
um homem nocivo ao funcionamento de qualquer governo. Chega dessa
eminência parda! Os padres ficam bem nas igrejas. Não devem arrastar suas
batinas nas antessalas dos ministérios!”
Mas, além do ranço pessoal entre os dois seres humanos irredutíveis, a
dissidência é política. A fundação por parte de dom Sturzo, filho da grande
aristocracia rural siciliana, de um partido de católicos também em 1919 foi o
acontecimento histórico mais importante desde os tempos da Unificação da
Itália, em conjunto com a fundação dos Fasci di Combattimento por parte de
Benito Mussolini, filho do ferreiro socialista de uma aldeia da Romanha. Até
aquele momento, o papa proibira que os católicos votassem nas eleições e
participassem da vida política. A partir de então, o partido deles — com seus
110 deputados, eleitos uniformemente em todo o país — se tornou o fiel da
balança do Parlamento. Os deputados católicos são indispensáveis à
formação de todas as coalizões governamentais, provocam e decidem as
crises. Por vontade de dom Sturzo, eles impediram, na primavera de 1922, o
retorno de Giolitti, abrindo caminho para os fascistas. Contudo, agora o padre
siciliano, após tê-los favorecido antes da marcha sobre Roma e ter apoiado
abertamente o governo deles depois da marcha, se tornou o único verdadeiro
adversário dos fascistas em sua conquista plena do poder.
Todavia, o partido dos católicos também está internamente rachado. A
direita, próxima das hierarquias vaticanas, é a favor da plena colaboração
com Mussolini e participa do seu governo com ministros e subsecretários. A
esquerda, expressão das ligas camponesas “brancas”, alvejada de forma
constante pelos membros das esquadras, é radicalmente contrária. O centro,
presidido por dom Sturzo e pelo seu jovem secretário Alcide De Gasperi, é a
favor de uma colaboração condicionada à aceitação das razões éticas dos
católicos e à sua total autonomia em relação aos fascistas.
O congresso decisivo do Partido Popular tem início em Turim em 12 de
abril. Em jogo não está apenas a unidade dos populares, mas também a
unidade dos católicos italianos. Dom Sturzo, embora não se manifeste
abertamente, prevalece. A ordem do dia votada pela maioria em 15 de abril
marca sua clara vitória: a colaboração dos populares com o governo de
Mussolini está condicionada ao respeito da autonomia deles, da integridade
do Parlamento, das liberdades constitucionais e, sobretudo, à salvaguarda de
uma lei eleitoral do tipo proporcional.
A verdadeira aposta é esta: a reforma eleitoral. Mussolini pode manter o
Parlamento sob cabresto com a ameaça da violência e da sua dissolução, mas
conta com uma bancada de apenas 36 deputados fascistas. Para que o seu
poder se torne estável e absoluto, são necessárias novas eleições e uma lei
eleitoral que lhe proporcione uma maioria sólida, um controle total sobre os
aliados indóceis e também sobre os fascistas dissidentes. Desde fevereiro,
portanto, não se fala de outra coisa: a reforma eleitoral.
O Grande Conselho do Fascismo encarregou uma comissão interna do
estudo das diversas possibilidades. Os figurões liberais do Sul e os rases
fascistas das províncias queriam um sistema com colégio uninominal para
garantir o voto de suas clientelas locais. Farinacci posicionou-se abertamente
a favor desse sistema. Mussolini, por sua vez, quer um sistema majoritário
baseado em chapas nacionais com prêmio para o partido com maioria
relativa. Giacomo Acerbo, subsecretário da presidência do Conselho de
Ministros, está estudando uma lei que atribua dois terços das cadeiras
parlamentares ao partido que superar 25% dos votos, provavelmente o
Partido Nacional Fascista. Essa lei entregaria o Parlamento e o país ao seu
Líder, Benito Mussolini. Seus efeitos morais seriam explosivos,
devastadores: toda oposição, externa ou interna, seria aniquilada; toda
reivindicação de autonomia dos aliados, sufocada. Quem quisesse ter a
esperança de voltar ao Parlamento deveria aceitar a candidatura nas chapas
nacionais fascistas e Mussolini, do seu quarto no segundo andar do Grand
Hotel de Roma, poderia nomear a seu bel-prazer os dois terços com um
simples risco de caneta, decidindo a posição dos candidatos nas chapas. Para
o Duce, a aprovação dessa lei representaria a coroação do seu sucesso
pessoal, a autêntica tomada do poder. Seria, enfim, a maravilha das
maravilhas.
No entanto, dom Sturzo quer a lei proporcional. E infelizmente seus 110
deputados podem impô-la. O congresso do partido católico, encerrado em 15
de abril em Turim, deixou tudo às claras.
Em 17 de abril, Mussolini convoca Stefano Cavazzoni, o último ministro
do Partido Popular após a morte de Tangorra, com os subsecretários
católicos. São todos da direita do partido, saíram derrotados do congresso em
Turim, vencido por dom Sturzo. O presidente do Conselho de Ministros lê
para eles uma declaração na qual agradece a “leal e diligente” colaboração e
lhes restitui “a mais completa liberdade de ação e movimento”. Em outras
palavras, o Duce os eliminou.
Cavazzoni não tem escolha a não ser pôr as pastas à disposição do chefe do
governo. Assina uma carta de renúncia em branco:
— Presidente, os elementos responsáveis do Partido Popular compreendem
toda a necessidade de colaborar com o governo.
— Cavazzoni, eu não duvido, mas preciso de um esclarecimento mais
explícito da situação de vocês.
O tom de Mussolini agora é conciliador. Em troca da ratificação de
ministros e subsecretários católicos, o Duce pede um voto a seu favor ao
grupo parlamentar popular, convocado para 20 de abril. Cavazzoni promete
colaborar.
— Muito bem. Então, depois do voto, reservo-me o direito de tomar
decisões.
A reunião termina.
Em 20 de abril, Cavazzoni cumpre a promessa. Il Popolo d’Italia anuncia
triunfante o voto do grupo parlamentar popular: “Plena e leal colaboração
com o governo fascista.”
Mas Sturzo, embora traído por seus ministros, não desiste: mantém suas
condições para o apoio ao governo. Passam-se mais três dias e Mussolini
surpreende a todos. Cesare Rossi é o primeiro a ficar pasmo quando o Duce
pede que ele comunique que, apesar de seu ato de submissão, o presidente do
Conselho de Ministros aceitou a “renúncia” de Cavazzoni e dos vice-
ministros do Partido Popular. O Parlamento começa a tremer novamente.
Diante da resistência de Sturzo, Mussolini fez sua escolha: volta ao jogo
duro, à ação da força. Foi o que ele escreveu com todas as letras no número
de março de Gerarchia: neste novo século, do qual é filho, força e consenso
são uma coisa só. A liberdade é um meio, não um fim. Como meio, deve ser
controlada. Para controlá-la, é preciso força.
Portanto, Benito Mussolini troca outra vez de máscara. O conciliador
moderado, que depois da marcha sobre Roma pregava a “normalização” aos
seus rases rebeldes, cede novamente ao belicoso cabo de honra da Milizia per
la Sicurezza nazionale. Agora chega de minuetos, volta à cena o titã que, no
intervalo de um mês, no Scala, recebido por Toscanini, deleita-se com o
aplauso unânime da plateia, dos camarotes e das galerias; o vanguardista que
inaugura na Galleria Pesaro de Milão a exposição “Novecento Italiano”, com
curadoria de Margherita Sarfatti, para revelar ao mundo a arte do novo
século; o pontífice laico que, com fortes golpes de picareta, inicia a
construção da autoestrada de Milão até os lagos; o patriota que se dirige aos
italianos da América do Norte enquanto assina a convenção para a instalação
de cabos telegráficos através do oceano entre a pátria-mãe e o novo
continente.
Diante de tudo isso, a liberdade é sem dúvida superestimada. Chega de
padres na política.
A liberdade é uma divindade nórdica, adorada pelos anglo-
saxões [...]. O Fascismo não conhece ídolos, não adora
fetiches: já passou e, se necessário, voltará tranquilamente a
passar por cima do corpo decomposto da Deusa Liberdade
[...]. A liberdade hoje não é mais a virgem casta e severa pela
qual combateram e morreram as gerações da primeira metade
do século passado. Para as juventudes intrépidas, inquietas e
ásperas que se aproximam do crepúsculo matinal da nova
história, há outras palavras que exercem um fascínio muito
maior, e elas são: ordem, hierarquia, disciplina.
***
Amerigo Dùmini ocupa o banco traseiro com dois membros das esquadras
bolonhesas de Bonaccorsi, do lado da calçada. Pegaram o Lancia K em um
dos pátios do palácio do Viminale, ainda em construção, projetado para se
tornar sede da presidência do Conselho de Ministros. Quando o professor
Misuri enfim sai do Parlamento, a altas horas, com o motor girando baixo,
seguem-no passo a passo pelas vias próximas ao Montecitório. Então
estacionam em um cone de sombra entre as luzes da Via Due Macelli.
O carro é espaçoso, mas Arconovaldo Bonaccorsi, alto, grande,
transbordante, satura o espaço do banco do carona. Passa a língua no lábio
superior, permanentemente desfigurado por uma ferida, e espia, do outro lado
da rua, a saída do mictório público de Vico dello Sdrucciolo. Inalada dali, a
primavera romana fede a mijo.
Bonaccorsi acende um cigarro. A janela está aberta, ele fuma com a mão
direita. A esquerda empunha, abandonado entre as coxas, um cassetete grosso
como o meão de uma carroça. Empunha-o com naturalidade: o bolonhês
integrante das esquadras fez isso a vida toda, desde quando, aos 20 anos,
durante o “biênio vermelho”, servia nas alas do Exército usadas para a
manutenção da ordem pública nos confrontos de rua com os socialistas.
Bandeado para o outro lado dos tumultos, fascista desde San Sepolcro, o
surrador profissional foi preso pela primeira vez já em novembro de 1919,
quando, tendo ido a Milão para as eleições com Arpinati, o “férreo
Bonaccorsi”, como adora ser chamado, atirou dentro do Teatro Gaffurio de
Lodi. Dez meses na cadeia. Desde então, nunca mais parou: dezenas de
prisões por lesões, agressões, violências políticas, dezenas de solturas,
dezenas de feridas, até aquela permanente na boca que lhe dá o aspecto de um
menino aberrante, nascido com lábio leporino, como se a violência o tivesse
marcado já no colo materno com uma má coesão do tecido cartilaginoso por
um sinal do destino.
Quando Alfredo Misuri desponta do abrigo do mictório público, Dùmini
nem tem tempo de sair do automóvel: Bonaccorsi já está na rua. Agora ele
segura o bastão com a mão direita, não o esconde, não o ostenta, brande-o
com absoluta desenvoltura, como se fosse um mero prolongamento do braço.
Misuri, que ainda remexe na braguilha das calças, não o vê chegar.
O golpe na cabeça ecoa no beco estreito. Uma só pancada e o agredido vai
ao chão. Os três membros das esquadras bolonhesas caem em cima dele.
Atacam-no com bordoadas e chutes. Misuri se protege como pode, sem força,
com os braços. Então, Bonaccorsi se inclina e, aproximando a laceração do
falso lábio leporino a um antebraço da vítima, arranca-lhe a mordidas uma
faixa de pele que ainda cheira a mijo.
Uma patrulha dos carabineiros chega às pressas. Dùmini desembainha uma
faca e a agita a esmo. Depois, resmungando que quer matar todos os inimigos
do fascismo, refugia-se em um bar das redondezas, o Caffè Cilario.
Bonaccorsi não se deixa intimidar: “Vocês não podem me prender“, grita,
“sou seu superior, sou um comandante da Milizia per la Sicurezza nazionale.”
O deputado Misuri fica caído, em meio ao próprio sangue.
No dia seguinte, 30 de maio, durante a votação a respeito do Exército
provisório, seus colegas do Parlamento, como se nada tivesse acontecido,
confirmam a confiança no governo com 238 votos a favor e 83 contra.
Giacomo Matteotti
Siena, 2 de julho de 1923
***
L’Êre Nouvelle,
Paris, julho de 1923
Arnaldo Mussolini,
Il Popolo d’Italia, 21 de agosto de 1923
Italo Balbo
Início de outubro de 1923
***
Benito Mussolini,
Il Popolo d’Italia, 15 de março de 1924
Ele dorme pouco, mal, sonos perturbados: seu pesadelo são as urnas
vazias. À medida que 6 de abril se aproxima, a inquietude cresce. Não teme
um novo despertar das oposições, nem um sobressalto das consciências: tem
medo do vazio. Seu espectro é a abstenção em massa, a surpresa assustadora
de um tranquilo domingo de abril, domingo eleitoral, domingo italiano, nos
quais as seções eleitorais permanecem desertas. Todos desapareceram, foram
para a praia, para a montanha, estão amontoados em suas cozinhas, uma
nação inteira que — nauseada por uma força arrebatadora à qual não
consegue opor nada exceto a própria crise violenta de repulsa —, em vez de
ir para as praças, levantar barricadas e votar abertamente contra, revoga em
bloco sua procuração. Uma nação fantasma. Esse é o seu espantalho.
O fundador dos Fasci di Combattimento não teme a luta, a derrota em
campo aberto, a descoberta repentina daquela hostilidade incansável que
arma a mão do inimigo. Ele tem medo do medo. Aquele medo que devora a
alma, que devora o coração de todo um povo fechado em casa depois das
19h.
Dessa maneira, o período que antecede a eleição se transforma em um
alerta contínuo. O chefe supremo do fascismo apura o ouvido e fica
escutando as notícias das províncias. A cada vez que os ecos de gritos
remotos o informam de uma violação deslavada das liberdades civis na
planície do Sarno ou de uma violência fascista gratuita na foz do rio Pó, ele
se enfurece, lança impropérios, depois transmite circulares aos governadores
de província ordenando a mais severa repressão de qualquer ilegalidade.
Entretanto, as ilegalidades proliferam como colônias de bactérias em um
fruto putrefato. Nas principais cidades das províncias, a luta eleitoral ocorre
com aceitável regularidade, mas, nos centros menores, os jornais são
fechados, as agressões aos candidatos da oposição são incontáveis, em
Novellara, em Frascati, em Veneza, em Prato e em muitos vilarejos da
Brianza agridem até os sacerdotes; em muitas regiões do Sul e do Vale do Pó,
os pequenos rases das províncias, refratários a toda e qualquer disciplina,
proclamam abertamente que não permitirão a candidatura de nenhuma chapa
exceto a fascista, expulsam das cidades os líderes socialistas, chegam a
intimar a entrega dos certificados eleitorais na sede local do Fascio di
Combattimento.
Quando chegam essas notícias, o presidente do Conselho de Ministros
reforça as ordens para aumentar a severidade da repressão. Em meados de
abril, De Bono telegrafou por impulso ao chefe de polícia de Milão
ordenando a prisão até de Albino Volpi caso este continuasse a perturbar as
vésperas das eleições. Mas depois o Duce do fascismo nunca reúne coragem
para impor a execução daquelas ordens. Não consegue se decidir: quer ser
amado por um sentimento plebiscitário, quer o consenso do povo, mas não
sabe abrir mão do fórceps com o qual sempre o pariu. E se o povo, deixado
por conta própria, não o elegesse, se o seu amor não fosse sincero?
Benito Mussolini passa a semana que precede as eleições de 6 de abril em
Milão, onde chegou ao volante de um carro esportivo. Os colaboradores mais
próximos engolem cotidianamente a pílula tóxica do seu descontentamento,
do seu nervosismo: suportam os ataques de fúria contra o sistema
parlamentar, o incômodo em relação aos chefes fascistas que não resistem à
“volúpia do mandato”, à doença eleitoral, ouvem-no despejar toda a amargura
que carrega no corpo em discursos públicos impertinentes nos quais
contempla a instituição de tribunais especiais e a prorrogação dos plenos
poderes e esbanja um pessimismo cósmico, um desprezo universal.
A desconfiança em relação ao gênero humano é o tema obsessivo do
“Prelúdio a Maquiavel”, que Mussolini escreve para o número de abril da
Gerarchia, a revista dirigida por Margherita Sarfatti. O Duce reevoca as
páginas de O príncipe que havia escutado da boca do pai quando adolescente.
Declara-se plenamente de acordo com o pessimismo antropológico de
Maquiavel. Os Estados são mantidos com as espadas, e não com as palavras.
Os indivíduos tendem a evadir o tempo todo, a desobedecer leis, a sonegar
impostos, a não ir para a guerra. O poder não emana de forma direta da
vontade do povo. Trata-se de uma ficção. O povo, por si só, não é capaz de
exercer de forma direta a soberania, pode apenas se limitar a delegá-la.
Regimes exclusivamente consensuais jamais existiram e, provavelmente,
jamais existirão. Todos os profetas armados vencem e os desarmados
sucumbem.
Os seres humanos são tristes, mais afeiçoados às coisas do que ao próprio
sangue, prontos para mudar sentimentos e paixões. Foi o que escreveu o
secretário da República florentina, o fundador da ciência política moderna, no
início do século XVI; e Benito Mussolini, presidente do Conselho de
Ministros do Reino da Itália, no início do século XX e às vésperas das
eleições, confirma: “Muito tempo se passou, mas, se me fosse dado julgar os
meus semelhantes e contemporâneos, eu não poderia de forma alguma
atenuar a opinião de Maquiavel. Talvez devesse agravá-la.”
Para fugir do seu entourage de amedrontados e cortesãos, Mussolini se
refugia logo na casa de Margherita Sarfatti, viúva havia poucas semanas.
Embora Rachele esteja hospedada com toda a família ali perto, no novo
apartamento da Via Mario Pagano, ele não volta para casa à noite.
Oficialmente dorme na sede do governo da província com a desculpa de
comandar dali a luta eleitoral, mas, na realidade, passa as noites no prédio da
amante no Corso Venezia. A tensão nervosa, o asco furioso pelos próprios
semelhantes, a melancólica visão da miséria humana despertaram no macho,
como muitas vezes acontece, o fervor erótico. Rachele, humilhada, pega as
três crianças e se refugia em Forlì, na casa da irmã Pina, por sua vez mãe de
sete filhos, acometida por tuberculose.
O marido toma conhecimento no fim do enterro de Nicola Bonservizi,
fundador do Fascio di Combattimento de Paris, companheiro dos primeiros
tempos, assassinado por um anarquista enquanto estava sentado à mesa de
um café. Seu caixão é transportado nos ombros da estação até a sede do Il
Popolo d’Italia, e dali até a sepultura. Mussolini o segue a pé ao longo de
todo o percurso, sob chuva forte. Participa com tristeza, abatido, silencioso,
das exéquias grandiosas para o velho companheiro de luta.
Encerrado o cortejo fúnebre, Cesare Rossi o informa da fuga de Rachele. A
tragédia da história se mistura à farsa conjugal em meio ao pólen do
Cemitério Monumental. Mas não há um instante sequer de descanso: mal o
caixão de Nicola Bonservizi baixa à sepultura, quatro delegados das
províncias pedem audiência para falar de irregularidades eleitorais. Ele
balança a cabeça e se vira para Rossi: “Esta é a última vez que serão
convocadas eleições. Da próxima vez, eu votarei por todos.”
Já há relatos e especulação sobre incidentes eleitorais que jornais
subversivos publicam em negrito para impressionar exterior e interior. É
absolutamente indispensável 1) tomar todas as medidas preventivas
necessárias para evitar incidentes 2) reprimi-los da maneira mais rápida 3)
assinalá-los ao ministério do Interior a fim de que se possa identificar
entidades para frustrar eventuais especulações [...]. É imprescindível impedir
ações vandalismos contra jornais oposição especialmente se como assegurado
a lista nacional sairá vitoriosa das eleições. Informar isso a Cesare Rossi e
outros.
Fica decidido que não será permitido a outras listas, qualquer que sejam
suas cores, contraporem-se à nossa, ainda que em minoria, e serão tomadas as
providências consideradas mais oportunas contra aqueles que vierem a fazer
propaganda de abstenção.
Ordem do dia votada pelos fascistas de Moggio (Udine),
1924
***
“O que Dùmini está fazendo? O que essa Tcheka faz?! É inadmissível que,
depois de um discurso como esse, aquele homem ainda possa circular!
Senhorzinho Maldito!”
O acesso de fúria do Líder após o discurso de Matteotti desencadeou ondas
de pânico no seu entourage.
Apenas os colaboradores mais próximos de Mussolini e alguns dos seus
parentes — o irmão Arnaldo, Rachele, Finzi, Cesare Rossi e poucos outros —
conhecem as explosões de cólera habituais, os ataques de ira, os instantes de
feroz criminalidade que arrebatam Benito Mussolini. A violência, de resto, é
o clima de toda uma época, a lei da atmosfera na qual se enreda o planeta
fascista.
De fato, poucos minutos após o discurso de Matteotti, entre as bancadas da
Câmara dos Deputados, após um insulto de Francesco Giunta à oposição,
desencadeia-se uma troca de socos furiosa, aplacada com dificuldade pelos
auxiliares, entre fascistas e expoentes da oposição; além disso, na saída do
plenário, vários jornalistas testemunham um Cesare Rossi, em geral
controlado, sentado atrás de uma mesa nos corredores de Montecitório, muito
exaltado, lançando ameaças (“Com adversários como Matteotti, só é possível
dar a palavra ao revólver [...] se eles soubessem o que passa pela cabeça de
Mussolini, se acalmariam logo [...] quem o conhece deveria saber que, de vez
em quando, ele precisa de sangue”); por fim, nos dias seguintes, os jornais
fascistas imprimem com toda clareza sequências de insultos triviais e
ameaças evidentes ao deputado socialista.
Apesar de tudo isso, os íntimos de Mussolini sabem que sua inimizade é
tenaz, mas sua cólera muitas vezes é efêmera: sabem também que “tornar a
vida impossível” para um opositor é, nos tempos que correm, um leitmotiv,
um refrão, uma sentença de morte e, ao mesmo tempo, uma força de
expressão. Cabe ao intérprete escolher qual dos dois significados — literal ou
metafórico — deve ser atribuído.
Entre os íntimos de Mussolini, infelizmente, também se encontra Giovanni
Marinelli, o mais desprezado dos líderes fascistas. Inepto no que se refere ao
físico em meio a um bando de violentos, envelhecido de forma precoce aos
40 anos em meio a um coro de exaltadores da juventude, incapacitado por
uma gastrite devastadora em um partido que fez do vigor uma religião,
Marinelli se agarra ao enorme poder que lhe é concedido pelo cargo de
tesoureiro, exercendo-o com meticulosidade e tacanhice vingativas. Os
próprios fascistas o odeiam, em especial os integrantes das esquadras aos
quais ele tem o prazer de mesquinhar o soldo quando partem para
desencadear a violência que ele gostaria de exercer, mas não pode. O
tesoureiro do partido não é de forma alguma um homem dócil. O estômago
regurgita acidez e espasmos, sofrimentos contínuos e complexos de
inferioridade cada vez que ele se senta à mesa, os humores envenenados
provocam contínuos extravasamentos de bile, irascibilidade, rancores.
Giovanni Marinelli, em suma, é um ulceroso que fez da úlcera sua própria
visão de mundo. Além disso, conforme o que todos dizem, é um homem
obtuso, fiel ao seu dono como o cão-guia de um cego.
Por todos esses motivos, desde a instituição da polícia secreta em janeiro,
Marinelli guarda com ciúme seu cargo de chefe da Tcheka, atribuído a ele por
Mussolini e compartilhado com Cesare Rossi. O inepto se apaixonou por
aquela missão de comando de homens de ação. E é justamente com esse tolo
e irascível servo que o patrão dá vazão à sua raiva pelo ultraje de Giacomo
Matteotti:
“O que Dùmini está fazendo? O que essa Tcheka faz?! É inadmissível que,
depois de um discurso como esse, aquele homem ainda possa circular!
Senhorzinho maldito!”
A agenda dos compromissos do presidente do Conselho de Ministros
mostra que, após uma reunião urgente do diretório fascista realizada no
Palazzo Wedekind, Benito Mussolini convocou Giovanni Marinelli para uma
conversa particular em seu gabinete em 1o de junho, embora fosse um
domingo. No dia seguinte, 2 de junho de 1924, ele o convoca de novo.
Os italianos, por muito tempo, se habituaram a ser enganados por todos
aqueles em que haviam confiado; e agora só estarão dispostos a acreditar em
quem derrame o próprio sangue por eles. Sim, para que acreditem, os
italianos devem ver sangue.
“Tudo bem, eu dou um jeito. Enquanto isso, trate de não fazer alarde.”
Arturo Benedetto Fasciolo, secretário particular, datilógrafo e estenógrafo
pessoal de Benito Mussolini no Palazzo Chigi, está em pé diante da
escrivaninha do chefe. Na bancada de mogno, entre os dois homens, um em
pé e o outro sentado, jaz uma carteira com uma crosta de sangue pisado. Com
um movimento rápido do braço, Mussolini a pega. Sempre sentado, segura-a,
abre uma gaveta da escrivaninha e a joga lá dentro. Agora sabe de tudo. São
9h e a sorte foi lançada.
Ao voltar para casa na noite anterior, Fasciolo avistou Albino Volpi na
Galleria Vittorio Emanuele, no bar Picarozzi, lugar de encontro habitual dos
noctâmbulos romanos. O ex-Ardito foi até ele, contou-lhe tudo e entregou-lhe
a carteira.
Agora, ao sair do gabinete do Duce, Fasciolo se depara com Cesare Rossi.
O Chefe ordenou discrição, mas, para o estenógrafo, abalado, é impossível
respeitar as ordens. Assim que é informado, Rossi vai atrás de Marinelli. A
conversa entre os dois é tempestuosa. Marinelli, investido pela fúria do seu
cúmplice de fato, tenta tranquilizá-lo: “Acalme-se. Era necessário. Agora
trate de não incitar o Duce com seu alarmismo.”
Rossi vai correndo para o Il Giornale d’Italia e irrompe no escritório do
diretor. Filippo Filippelli, que sempre está a par de tudo, acostumado com
tudo, que ouve até a grama crescer, ostenta a desenvoltura de um homem do
mundo: o Lancia Lambda está bem escondido na garagem de um dos seus
redatores-chefes. Só está um pouco sujo: Matteotti deve ter tido uma “crise
visceral” — acrescenta o homem do mundo com um sorrisinho. Ordenarão
que Dùmini limpe o veículo. Pouco depois, por volta da hora do almoço, os
integrantes do bando se encontram com Marinelli no Hotel Dragoni. O
tesoureiro lhes entrega 20 mil liras para a fuga e dá a instrução de que deixem
a cidade após o automóvel ter sido limpo. Antes do cair da noite, um obscuro
fio criminoso liga homens do Estado ocupados em limpar sangue e merda.
***
***
***
***
O golpe foi duro, estúpido, repentino. Mas acho que vou superar essa
tempestade: a última das infinitas tempestades causadas por aqueles que
deveriam tê-las evitado.
Luigi Albertini,
Corriere della Sera, 27 e 30 de dezembro de 1924
LA MUTA
***
***
Silêncio.
Apenas um.
Basta que apenas um fale e ele estará perdido.
Entre os líderes da oposição, sentados em suas cadeiras ou em meio à
multidão das tribunas, há homens corajosos. Por anos, o dia a dia deles foi
uma trincheira, suportaram ameaças, alguns foram surrados várias vezes.
Basta que apenas um deles se levante, que se erga solitário na acusação,
rompendo a disciplina partidária, o anel da violência, opondo força moral a
força física, respondendo ao apelo do futuro, sendo justiçado no presente para
ser vingado na posterioridade, submergido pela vida para se salvar na
história. É suficiente que apenas um se levante para envenenar tudo aquilo
que “Ele” ainda teria a dizer, anotado em poucos apontamentos lançados de
improviso em uma folha solta.
Ninguém se levanta.
Ficam em pé somente os cortesãos fascistas para aplaudir seu Duce.
Então o Duce extravasa. Se ninguém naquele plenário ousou se levantar
solitário em acusação, será ele, Benito Mussolini, a retirar a acusação contra
si mesmo.
Assim, sua voz se ergue, potente, no plenário de Montecitório,
metralhando uma sílaba após a outra. Disseram que ele teria fundado uma
Tcheka. Onde? Quando? De que maneira? Ninguém poderia dizer. Se
ninguém o culpa, ele, então, exonera-se: ele sempre afirmou ser discípulo
daquela violência que não pode ser expulsa da história, mas ele é corajoso,
inteligente, visionário, a violência dos assassinos de Matteotti é covarde,
estúpida, cega. Que não cometam a injustiça de considerá-lo tão cretino! Ele
nunca se demonstrou inferior aos acontecimentos, não teria sequer imaginado
poder ordenar o absurdo, catastrófico assassinato de Matteotti; ele não odiava
de maneira alguma aquele adversário inflexível, até o estimava, apreciava sua
teimosia, sua coragem, tão semelhante à própria indefectível coragem. Da
qual ele agora está prestes a dar uma prova.
Benito Mussolini se cala por alguns segundos como quem deve recarregar
uma arma. Planta as mãos nos quadris, estica o pescoço e volta a articular as
sílabas, martelando as frases em rápida sequência.
Durante meses, fez-se uma campanha política imunda e miserável,
difundiram-se as mentiras mais macabras, mais necrófilas, fizeram-se
inquisições até debaixo da terra. Ele permaneceu calmo, freou os violentos,
trabalhou pela paz. E como responderam seus inimigos? Elevando a aposta,
sobrecarregando-o. Encenaram a questão moral, disseram que o fascismo não
era uma paixão soberba do povo italiano, mas uma libido obscena, que o
fascismo era uma horda de bárbaros acampados na nação, um movimento de
bandidos e assaltantes. Dessa maneira, reduzindo tudo a delinquência, foi
sugerido aos italianos que nunca aceitassem nada como verdadeiro, insinuou-
se a venenosa suspeita de que o céu, a terra, o ar, as cores, os sons, os cheiros
são todos somente o logro de um demônio maligno, que o drama grandioso
da história — a luta dos povos jovens contra os decadentes, o cais
mediterrâneo do continente europeu lançado na direção do africano —
deveria ser desqualificado como um caso banal, inútil, de reportagem
policial. Em suma, pôs-se em dúvida toda a criação, atribuindo-a à fantasia de
um deus idiota que vomitaria sequências de frases insensatas do centro de um
universo desconhecido; sustentou-se que o mundo nada mais seria do que um
perpétuo erro regulado pelo mal.
Então, Ele, agora, com sua habitual coragem, vai se opor aos caluniadores
da vida, do mundo, da história:
“Pois bem, senhores, declaro aqui, perante esta assembleia e perante todo o
povo italiano, que assumo, sozinho, a responsabilidade política, moral,
histórica por tudo o que aconteceu. Se as frases mais ou menos deturpadas
são suficientes para enforcar um homem, peguem a haste e peguem a corda!
Se o fascismo foi apenas óleo de rícino e cassetete, e não uma paixão soberba
da melhor juventude italiana, a culpa é minha! Se o fascismo foi uma
organização criminosa, eu sou o chefe dessa associação criminosa!”
Mais uma vez, ninguém se levanta para deter o filho do século. O plenário
responde com um único grito, respeitoso, devoto, entusiasta:
“Todos com o senhor! Todos com o senhor, primeiro-ministro!”
Ele, então, ergue o queixo na direção do horizonte, estufa o peito, conclui.
Quando dois elementos estão em luta e são irredutíveis, a solução é a força.
Nunca houve e nunca haverá outra solução na história. Ele, homem forte,
promete que a situação será esclarecida “em toda a sua extensão” em 48
horas após seu discurso.
Aquela expressão ambígua, ampla — “em toda a sua extensão” — cai
sobre a Câmara dos Deputados como uma lápide. A sessão é encerrada sem
discussão nem voto. A assembleia, sem ter estabelecido data ou ordem do dia
da sessão seguinte, será reconvocada em domicílio.
Atenuados os clamores das ovações fascistas, o plenário, lentamente,
pouco a pouco, se esvazia. Benito Mussolini fica por muito tempo, sozinho,
sentado à sua mesa de primeiro-ministro.
Ouça-os. “Viva Mussolini! Viva Mussolini!”
Gritam o nome do Líder porque, na vida de um homem, um Líder é tudo.
Antes mesmo de irem parabenizar o Líder à mesa da presidência do Conselho
de Ministros, entoam mais uma vez a Giovinezza. Entoam essa canção porque
ainda são rapazes e, para os rapazes, são necessárias canções cantadas a
plenos pulmões.
Veja-os. Salandra e os outros dissidentes moderados ficaram por muito
tempo sentados atrás de suas mesas enquanto os fascistas, em pé,
prolongavam sua ovação. Em seguida, após a sessão ter sido declarada
encerrada, eles também, sussurrando sua patética decepção, aos poucos,
encaminharam-se para a saída. Enquanto os liberais retrocediam, nas tribunas
ainda era possível avistar Turati, interrogado pelo olhar perdido dos
socialistas, que replicava com tranquilizadores gestos de superioridade.
Como se estivesse dizendo: “Não fiquem alarmados. É o Mussolini de
sempre que tenta espantar os pássaros.”
Veja-os, ouça-os, não entendem o que está acontecendo. Nem estes nem
aqueles. Não entendem o que estou fazendo com eles.
Continuarão a combater, de um lado e de outro, sem saber que já moram
em uma casa de mortos. Os nossos, os fascistas em camisas negras com
crânios bordados em branco, moram nela desde sempre; os outros, que
cresceram por séculos em meio ao respeito da essência humana, não a
conhecem. Vagueiam tateando, tremendo, na noite da planície imensa, sem
sequer poder ir atrás do instinto da luta. Não entendem, não entendem...
gatinhos cegos enrolados em um saco.
Justifiquei-me perante a história, mas devo admitir: é comovente a
cegueira da vida em relação a si mesma.
No fim, retorna-se ao início. Ninguém queria pôr nas costas a cruz do
poder. Pego-a eu.
PERSONAGENS PRINCIPAIS
Volpi, Albino Aos 30 anos, marceneiro, várias vezes condenado por delitos
comuns e herói de guerra. Extremamente violento, foi um dos “jacarés do
Piave”, invasor especializado em atravessar à noite o rio a nado para degolar
as sentinelas inimigas. Líder dos Arditi milaneses desmobilizados.
Socialistas e comunistas
Facta, Luigi Após passar a juventude estudando, entra para a política como
vereador de Pinerolo, sua cidadezinha natal. Ali é eleito deputado em 1892 e,
mais tarde, sistematicamente reeleito durante os 30 anos seguintes. Realiza
toda a sua carreira política à sombra de Giovanni Giolitti. O rei da Itália o
nomeia presidente do Conselho de Ministros em fevereiro de 1922. Homem
dócil, nostálgico da vida de província, orgulha-se de seu enorme bigode em
forma de guidom, ao qual dedica a primeira hora de cada manhã. Deita-se
sem falta antes das 22h.
Anônimo
“Aos liberais”: “Ai liberali”
“Bexiga com bomba”: “Vescica non bomba”
“Mori, aquele cão”: “Quel cane di Mori”
“Os candidatos do Bloco”: “I candidati del Blocco”
“Realidade”: “Realtà”
“Um conflito que não existirá”: “Un conflitto che non ci sarà”
Farinacci, Roberto
“É necessário defender-se e purificar”: “È necessario difendersi e purificare”
“Segunda onda”: “Seconda ondata”
Gobetti, Piero
“Depois das eleições”: “Dopo le elezioni”
“Elogio a Farinacci”: “Elogio di Farinacci”
Mussolini, Benito
“Aos fascistas da Lombardia”: “Ai fascisti della Lombardia”
“Contra a fera que está voltando”: “Contro la bestia ritornante”
“Crocodilos!”: “Coccodrilli!”
“Força e consenso”: “Forza e consenso”
“O berço e o resto”: “La culla e il resto”
“Operários! Quando vocês se libertam dos seus chefes mistificadores”:
“Operai! Quando vi liberate dei vostri capi mistificatori”
“Para que lado vai o mundo?”: “Da che parte va il mondo?”
“Prelúdio a Maquiavel”: “Preludio al Machiavelli”
“Rumo ao futuro”: “Verso il futuro”
“Sobre a violência”: “In tema di violenza”
Salvatorelli, Luigi
“Classe e nação”: “Classe e nazione”
Togliatti, Palmiro
“O exemplo de Florença”: “L’esempio di Firenze”
NOTAS
2 Fiume é uma cidade onde atualmente é Rijeka (Croácia). Sua população era
bastante misturada, com italianos, croatas, alemães, eslovenos, entre outras
nacionalidades. Após a Primeira Guerra Mundial, o status de Fiume foi
posto em xeque. De 1919 a 1920, foi um Estado autoproclamado Regência
Italiana de Carnaro, seguido por um período como Estado Livre de Fiume.
(N. do T.)
SOBRE O AUTOR
Philippe Matsas/Opale/Leemage/Mondadori Portfolio
O papa e Mussolini
David I. Kertzer
Toda luz que não podemos ver
Anthony Doerr
Table of Contents
Folha de rosto
Créditos
Mídias sociais
Sumário
1919
Fundação dos Fasci di Combattimento 1: Milão, Piazza San
Sepolcro, 23 de março de 1919
Benito Mussolini: Milão, início da primavera de 1919
Amerigo Dùmini: Florença, final de março de 1919
Filippo Tommaso Marinetti, Benito Mussolini: Milão, 15 de abril
de 1919
Gabriele D’Annunzio: Roma, 6 de maio de 1919
Benito Mussolini: Milão, meados de maio de 1919
Benito Mussolini, Cesare Rossi: Fim de junho de 1919
Benito Mussolini: 19 de julho de 1919
Nicola Bombacci: Milão, 20 de julho de 1919
Benito Mussolini: Praia de Senigália, fim de agosto de 1919
Gabriele D’Annunzio: 11 de setembro de 1919
Benito Mussolini: Veneza, 20-22 de setembro de 1919
Benito Mussolini: Fiume, 7 de outubro de 1919
Amerigo Dùmini: Florença, 10 de outubro de 1919
Benito Mussolini: Florença, 10 de outubro de 1919
Benito Mussolini: Milão, fim de outubro de 1919
Gabriele D’Annunzio: Fiume, 24 de outubro de 1919
Benito Mussolini: Milão, 11 de novembro de 1919
Nicola Bombacci: Bolonha, início de novembro de 1919
Benito Mussolini: Milão, 17 de novembro de 1919
Albino Volpi: Milão, 17 de novembro de 1919, 20h
Milão, 18 de novembro de 1919
Nicola Bombacci: Roma, 1º de dezembro de 1919
Gabriele D’Annunzio: Fiume, 18 de dezembro de 1919
Leandro Arpinati: Lodi, 18 de dezembro de 1919
Benito Mussolini: Milão, dezembro de 1919
Benito Mussolini: Milão, 1º de janeiro de 1920
1920
Gabriele D’Annunzio: Fiume, 18 de março de 1920
Margherita Sarfatti: Milão, primavera de 1920
Benito Mussolini: Milão, primavera de 1920
Leandro Arpinati: Bolonha, abril de 1920
Nicola Bombacci: Milão, 19 de abril de 1920
Milão, 24 de maio de 1920
Fiume d’Italia, 15 de junho de 1920
Benito Mussolini: Verão de 1920
Leandro Arpinati: Vale do Pó, verão de 1920
Benito Mussolini: Milão, 28 de setembro de 1920
Amerigo Dùmini: Montespertoli, 11 de outubro de 1920
Giacomo Matteotti: Fratta Polesine, 12 de outubro de 1920
Benito Mussolini: Milão, fim de outubro de 1920
Ferrara, 3 de novembro de 1920
Leandro Arpinati: Bolonha, 4 de novembro de 1920
Benito Mussolini: Milão, 15 de novembro de 1920
Leandro Arpinati: Bolonha, 23 de novembro de 1920
Benito Mussolini: Trieste, início de dezembro de 1920
Benito Mussolini: Milão, 20 de dezembro de 1920
Italo Balbo: Ferrara, 22 de dezembro de 1920
Benito Mussolini: Milão, 24 de dezembro de 1920
Gabriele D’Annunzio: Fiume, Natal de 1920
Benito Mussolini: Milão, 31 de dezembro de 1920
1921
Nicola Bombacci: Livorno, 16-17 de janeiro de 1921
Italo Balbo: Ferrara, 23 de janeiro de 1921
Margherita Sarfatti: Milão, 30 de janeiro de 1921
Giacomo Matteotti: Roma, 31 de janeiro de 1921
Benito Mussolini: Milão, final de fevereiro de 1921
Campos do Polesine: Fim de fevereiro de 1921, noite
Amerigo Dùmini: Florença, 27 de fevereiro — 1º de março de 1921
Benito Mussolini: Milão, 5 de março de 1921
Giacomo Matteotti: 10-12 de março de 1921
Leandro Arpinati: Ferrara, 18 de março de 1921
Benito Mussolini: Milão, 23-27 de março de 1921
Benito Mussolini: Bolonha-Ferrara, 3-4 de abril de 1921
Benito Mussolini: 23 abril — maio de 1921
Italo Balbo: abril-maio de 1921
Benito Mussolini: Milão, 16 de maio de 1921
Benito Mussolini: Roma, 21 de junho de 1921
Amerigo Dùmini: Sarzana, 21 de julho de 1921
Italo Balbo: Gardone, 18 de agosto de 1921
Benito Mussolini: Módena, 28 de setembro de 1921
Benito Mussolini: Livorno, 27 de outubro de 1921
Roma, 7-9 de novembro de 1921: Teatro Augusteo, Congresso
Nacional dos Fasci di Combattimento
Giacomo Matteotti: Roma, 2 de dezembro de 1921
Benito Mussolini: 28 de dezembro de 1921
1922
Benito Mussolini, Pietro Nenni: Cannes, 8 de janeiro de 1922
Amerigo Dùmini: Prato, 17 de janeiro de 1922
Giacomo Matteotti: janeiro-fevereiro de 1922
Benito Mussolini: Milão, 25 de fevereiro de 1922
Italo Balbo: Ferrara, 12-14 de maio de 1922
Benito Mussolini: Milão, 13 de maio de 1922
Leandro Arpinati: Bolonha, 28 de maio — 2 de junho de 1922
Benito Mussolini: 26 de julho de 1922
Italo Balbo: Ravena, 27-30 de julho de 1922
Amerigo Dùmini: Milão, 3 de agosto de 1922
Benito Mussolini: Milão, 13 de agosto de 1922
Giacomo Matteotti: 10 de outubro de 1922
Benito Mussolini: Milão, 16 de outubro de 1922
Nicola Bombacci: Moscou, fim de outubro de 1922
Em marcha: 24-31 de outubro de 1922
Roma, 25 de outubro de 1922: Plataforma da Estação Termini,
19h30
Gardone, 25 de outubro de 1922: Villa di Cargnacco
Milão, Foro Bonaparte, 26 de outubro de 1922: Casa Mussolini,
manhã
Milão, Via Lovanio, 26 de outubro de 1922: Sede do Il Popolo
d’Italia, tarde/noite
Milão, Via Lovanio, 27 de outubro de 1922: Sede do Il Popolo
d’Italia, 2h40
Milão, Via Lovanio, 27 de outubro de 1922: Sede do Il Popolo
d’Italia, 3h
Milão, Via Lovanio, 27 de outubro de 1922: Sede do Il Popolo
d’Italia, tarde
Perúgia, 27 de outubro de 1922: Hotel Brufani, quartel-general do
quadrunvirato, noite
Cremona, 27 de outubro de 1922: Edifício da prefeitura, noite
Roma, 27 de outubro de 1922: Hotel Londra, 22h
Milão, 27 de outubro de 1922: Camarotes do Teatro Manzoni, logo
após as 22h
Roma, 28 de outubro de 1922: Ministérios da Guerra e do Interior,
noite
Santa Marinella, Monterotondo, Tivoli: 28 de outubro de 1922,
8h30
Milão, Via Lovanio, 26 de outubro de 1922: Sede do Il Popolo
d’Italia, por volta de 8h
Perúgia, 28 de outubro de 1922: Hotel Brufani, Comando supremo
da marcha sobre Roma, mesma hora (por volta das 8h)
Milão, Via Lovanio, 28 de outubro de 1922: Sede do Il Popolo
d’Italia
Perúgia, 28 de outubro de 1922: Hotel Brufani
Tivoli, Monterotondo, Santa Marinella: 28 de outubro de 1922
Benito Mussolini: Roma, 31 de outubro de 1922
Benito Mussolini: Roma, 16 de novembro de 1922
Giacomo Matteotti: Roma, 18 de novembro de 1922
Benito Mussolini: Roma, 31 de dezembro de 1922
1923
Benito Mussolini: Roma, janeiro de 1923
Margherita Sarfatti: Janeiro de 1923
Benito Mussolini: Roma, 12 de janeiro de 1923
Margherita Sarfatti: Milão, 26 de março de 1923
Benito Mussolini: Roma, 17-23 de abril de 1923
Italo Balbo, Amerigo Dùmini: Roma, 29 de maio de 1923
Giacomo Matteotti: Siena, 2 de julho de 1923
Roma, 15 de julho de 1923: Parlamento italiano, Câmara dos
Deputados
Italo Balbo: Ferrara, 24 de agosto de 1923
Benito Mussolini: Fim de agosto de 1923
Amerigo Dùmini: Trieste, 3 de setembro de 1923
Italo Balbo: Início de outubro de 1923
Benito Mussolini: Milão, 28 de outubro de 1923
Nicola Bombacci: 30 de novembro de 1923
1924
Benito Mussolini: Roma, 28 de janeiro de 1924
Cesare Rossi: Roma, fevereiro de 1924
Amerigo Dùmini: Milão, 12 de março de 1924
Giacomo Matteotti: Roma, 1º de abril de 1924
Benito Mussolini: Milão, início de abril de 1924
Margherita Sarfatti: Veneza, 1º de abril de 1924
Roma, 24 de maio de 1924: Parlamento do Reino, plenário de
Montecitório
Roma, 30 de maio de 1924: Montecitório, Câmara dos Deputados
Roma, 7 de junho de 1924: Montecitório, Câmara dos Deputados
Amerigo Dùmini: Roma, 10 de junho de 1924
Cem horas terríveis
A qualquer custo: 16-26 de junho de 1924
O país opaco: 27 de junho — 22 de julho de 1924
Clorofórmio: 22 de julho — 7 de agosto de 1924
O cadáver: Macchia della Quartarella, 16 de agosto de 1924
Precipício: 21 de agosto — 16 de dezembro de 1924
Pântano: Roma, 21 de dezembro de 1924
La Muta: Roma, 31 de dezembro de 1924
Roma, 3 de janeiro de 1925: Parlamento do Reino, Câmara dos
Deputados, 15h
Personagens principais
Lista de artigos citados
Notas
Sobre o autor
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