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Flavia Dameto2
Andressa Rickli3
RESUMO
Esse estudo analisa como a narrativa transmídia é utilizada na publicidade. Para isso seu conceito é
explorado, por meio da pesquisa bibliográfica, bem como suas características e surgimento.
Compreender essa estratégia proveniente do cenário de convergência midiática é fundamental no
contexto da publicidade, já que é uma forma de engajar o público e promover a marca. Diante disso,
a publicidade no contexto transmídia é delineada visando explanar seus principais usos e desafios.
A fim de contextualizar a publicidade transmídia, uma campanha da Gillette em parceria com a
Marvel é apresentada, onde produtos são vinculados a uma narrativa como modo de promoção dos
mesmos.Sabe-se que está cada vez mais difícil instigar o público e chamar sua atenção para
propaganda. O uso de transmídia na publicidade vem para desconstruir a publicidade tradicional e
oferecer ao público material que os interesse, de qualidade e com possibilidade de aprofundamento.
No entanto poucas marcas exploram essa estratégia midiática para promoção de seus produtos.
Entender a transmídia e seu papel no contexto publicitário é traçar novos rumos para a comunicação
atual.
1
Trabalho inscrito para o GT Comunicação e Consumo, do VIII Encontro de Pesquisa em Comunicação –
ENPECOM.
2
Graduada em Comunicação Social, com habilitação em Publicidade e Propaganda pela Universidade Estadual
do Centro-Oeste (UNICENTRO), flaviadameto@gmail.com
3
Doutoranda em Comunicação e Linguagens pela UTP-PR, docente da Universidade Estadual do Centro-Oeste
(UNICENTRO), andressarickli@yahoo.com.br
afeta diretamente no tipo de experiência apresentada aos consumidores, sendo elas positivas ou
negativas. Quando bem estruturadas e pensadas estrategicamente, esse tipo de campanha pode gerar
uma experiência única para a marca de modo a engajar seu público, conquistar novos consumidores
e criar fãs.
A transmídia faz uso de diversas mídias para desenrolar sua história, de modo que em cada
uma delas há algo de novo e diferenciado, é uma grande história dividida em vários pontos de modo
que se complementam.
2. TRANSMÍDIA: PORQUE NEM TUDO TEM QUE TERMINAR NUMA LUTA, TONY.
[...] uma nova estética que surgiu em resposta à convergência das mídias - uma estética que
faz novas exigências aos consumidores e depende da participação ativa de comunidades de
conhecimento. A narrativa transmídia é a arte da criação de um universo (JENKINS, 2009,
p.49).
A narrativa transmídia veio com uma proposta de acordo com os ideais do público atual,
muito mais dinâmica e instigante de modo a envolver quem a acompanha e criar um universo
ficcional que vai além de uma única mídia e expande-se por vários segmentos e meios. Diferente
dos modelos antigos de se apresentar uma história, esse tipo de narrativa admite a sociedade como
ligada em rede, altamente conectada e comunicativa, e presta atenção no seu anseio de participar e
ajudar na construção desse universo. Lembrando que nesse estudo entenderemos “narrativa” não
apenas no sentido do ato literário de construção de histórias, mas também no sentido da ação de
narrar e de difundir acontecimentos encadeados. É importante ressaltar que em muitas narrativas
transmídia a história é contada também de modo não tão evidente, em um formato mais subjetivo
no qual exploram-se mais elementos visuais com o objetivo de contar por si só a história. Tais
fatores devem ser esclarecidos de início para não gerar entendimento ambíguo no decorrer desse
estudo.
Jenkins (2009) afirma que narrativas transmídia desenrolam-se por um conjunto de mídias,
sendo essas tradicionais ou não, de modo que cada uma irá contar parte da história de acordo com
sua linguagem adequada, respeitando as características do seu meio. Ou seja, “uma história
transmídia desenrola-se através de múltiplas plataformas de mídia, com cada novo texto
contribuindo de maneira distinta e valiosa para o todo” (JENKINS, 2009, p.139). Nesse modelo,
cada meio tem sua importância e peculiaridade que são respeitados e considerados já no
planejamento transmídia, também ressalta-se que em cada meio há um conteúdo diferenciado,
tratando-se de uma abordagem diferente da adaptação. Gosciola e Versuti (2012, s.p.) facilitam esse
entendimento afirmando que
Para viver uma experiência plena num universo ficcional, os consumidores devem assumir
o papel de caçadores e coletores, perseguindo pedaços da história pelos diferentes canais,
comparando suas observações com as de outros fãs, em grupos de discussão on-line, e
colaborando para assegurar que todos os que investiram tempo e energia tenham uma
experiência de entretenimento mais rica (JENKINS, 2009, p.49).
nossas mentes não gostam de fatos ou objetos aleatórios por isso criam suas próprias
histórias para dar sentido a eventos e itens diferentes, discretos e isolados. Nós
naturalmente e frequentemente ligamos os pontos subconscientemente. E os pontos
conectados de uma maneira estimulante nós chamamos de boas histórias6 (PRATTEN,
2011, p.2).
Por isso, a necessidade de interligar diversos pontos da história em mídias diferentes, nossa
capacidade de conexão assimilará de uma forma mais fácil e será um modo de consumir conteúdo
de forma leve e prazerosa. Pratten (2011, p.3) também afirma que “nós contamos histórias em
múltiplas mídias porque uma única mídia não satisfaz nossa curiosidade ou nosso estilo de vida” 7.
Esse raciocínio sustenta a ideia da convergência das mídias e da sociedade conectada, com
tamanhos estímulos visuais e tecnológicos pelos quais somos atingidos é imprescindível o uso de
várias mídias em uma franquia, já que o público não se contenta mais com poucos recursos a serem
explorados, necessitando de uma gama de estímulos e revelações.
Visto tal complexidade quanto à conceituação e prática da transmídia, é importante
considerar que seus conceitos ainda estão sendo cunhados e suas práticas, como Jenkins (2009)
afirma, não podem ser avaliadas com certeza já que não existem ainda critérios estéticos bons a fim
de avaliar projetos midiáticos nesse estilo. “Houve muito poucas histórias transmídia para os
produtores de mídia agirem com alguma certeza sobre quais seriam os melhores usos desse novo
5
Para Montanaro (2014) franquia refere-se à criação de um conjunto de produtos de entretenimento/culturais lançados
de acordo com um tema específico ou marca, podendo incluir: filmes, quadrinhos, livros, séries, webséries, etc.
6
Tradução livre. Citação original: "Our minds do not like random facts or objects and so they create their own stories to
make sense of otherwise discrete, isolated events and items. We naturally and often subconsciously connect the dots.
And dots connected in a stimulating way we call great stories".
7
Tradução livre. Citação original: "We tell stories across multiple media because no single media satisfies our curiosity
or our lifestyle".
modo de narrativa, ou para críticos e consumidores saberem como falar, com conhecimento de
causa, sobre o que funciona ou não nessas franquias” (JENKINS, 2009, p.139).
É possível, então, observar que,apesar do termo surgir posteriormente, as práticas vêm sendo
aplicadas há muito tempo em países desenvolvidos e em grandes centros de cinema como
Hollywood. Antes da ideia da transmídia aparecer, outras práticas relacionadas ao uso de mídias já
existiam, sendo elas a monomídia, multimídia e a crossmídia, estratégias e tipos de utilização que
evoluíram conforme os avanços tecnológicos e midiáticos e proporcionaram o surgimento da
transmídia.
A monomídia trata-se de uma transmissão de informação de modo vertical, segundo Arnault
et al. (2011) as pessoas recebem o conteúdo por um único canal que também detém o poder para
criação desse conteúdo. Já na era da multimídia, os autores afirmam que as tecnologias são
exploradas com suportes digitais, de modo que tem-se mais de um meio inserido em uma única
história, sendo o conteúdo uma cópia para todas as mídias, não havendo adaptação. Em
contraponto, a crossmídia utiliza, ao mesmo tempo, diversas plataformas de mídia a fim de adaptar
e interligar os conteúdos. Finger (2012, p.124) contextualiza a crossmídia atentando que “as
adaptações cinematográficas de livros são bons exemplos, assim como, campanhas publicitárias que
utilizam a televisão, Internet, outdoor e revista em um só momento”.
Apesar de similares, os termos de multimídia, crossmídia e transmídia se diferenciam nos
detalhes e na forma como as mídias interagem com o conteúdo. É necessário deixar claro tais
diferenças, para isso tem-se a figura 1 que exemplifica como essas experiências diferem entre si.
8
Citação original: Transmedia narratives evolved out of niche entertainment products such as Japanese animated serials
in the '80s and '90s that generated film prequels, comic book sequels, and direct-to-video spin-offs. George Lucas
emulated this technique with his Star Wars "expanded universe" books, video games and animated television
adventures. In 1999, The Blair Witch Project was the first film to integrate the Internet into a kind of meta-narrative that
invited the audience to speculate about the veracity of its story (GOMEZ, 2011).Disponívelem:
http://www.starlightrunner.com/transmedia
FIGURA 1 – DIFERENÇA ENTRE AS EXPERIÊNCIAS MIDIÁTICAS
FONTE: ADAPTADO DE ESPM, ERA TRANSMÍDIA9 (2011)
Um dos grandes desafios da publicidade hoje é prender a atenção do público diante de tantos
estímulos visuais que são expostos a todo momento, nos diversos dispositivos e mídias. Fazer
propaganda nesse cenário é muito mais que deixar a criatividade solta, é elaborar conteúdo de
qualidade, instigante e suscetível a gerar assunto ao seu redor. O público quer interagir,
compartilhar e colaborar com suas próprias reflexões acerca do assunto que está no auge. No
entanto, nem sempre é fácil criar um conteúdo que contenha essas exigências.
Bodruk e Lopes (2011, p.6-7) relatam que “quanto maior o valor atribuído pelos
consumidores a um conteúdo ou informação de uma marca, maior o preço que estariam dispostos a
pagar ao comprar um produto desta”. Isso evidencia ainda mais a atenção que os publicitários
devem ter na hora de pensar no conteúdo das campanhas. O público se tornou o maior crítico das
marcas e empresas das quais consome, inclusive de suas propagandas.
O uso de narrativa para captar a atenção do público é uma das estratégias provenientes da
união entre entretenimento e publicidade; Costa (2013, s.p.) estabelece que “a publicidade tem
contado histórias para vender marcas e produtos e para envolver o consumidor”. Isso em função de
as narrativas estarem presentes no cotidiano do ser humano desde os seus primórdios e, também, em
consequência das associações que nossa mente faz ao ligar os pontos de fatos isolados criando
histórias para facilitar o seu entendimento, conforme o raciocínio de Pratten (2011).
No entanto, a utilização de narrativas transmídia na publicidade, acima de tudo no Brasil,
ainda é levada com timidez e certo receio já que não se tem um formato próprio no qual pode ser
aplicada. Transmediar a publicidade vai além de produzir conteúdos de qualidade e diferenciados,
isso adentra um território ainda pouco explorado e requer um planejamento minucioso, pois são
muitos os aspectos a serem explorados e analisados, que extrapolam as fronteiras do marketing,
para que a propaganda avance em uma direção mais aprofundada e estratégica. Contudo, há um
desafio por parte das marcas/empresas de aliar objetivos financeiros à qualidade de experiência do
consumidor, Jenkins (2009) menciona que há uma disputa interna das empresas em quantificar o
desejo e mensurar as relações da marca com consumidor em busca de retorno financeiro. Essa
realidade gera pressões que “[...] afastam as tentativas de compreender a complexidade do
comportamento do público, mesmo sendo esse conhecimento fundamental às empresas que queiram
sobreviver nas próximas décadas” (JENKINS, 2009, p.97).
Para tanto, compreender o público, seus hábitos de mídia, anseios relacionados à marca e
demais questões é fundamental para planejar uma campanha de publicidade transmídia, até porque
9
http://pt.slideshare.net/flavio_fernandez/espmtransmidiainovadores
deverão ser trabalhados concomitantemente aos objetivos do projeto e da campanha. Arnault et al.
(2011) entendem que diversas plataformas de mídia são utilizadas para unir alcance do público-alvo
com os objetivos planejados, visando lançar, posicionar ou reposicionar uma marca no mercado,
aumentar suas vendas ou atender outros objetivos de marketing. Nesse caso é necessário que “[...]
exista uma interligação entre todas as plataformas de mídia e que o público interaja em mais de um
tipo de mídia de forma sinérgica” (ARNAULT, et al.; 2011, p.268-269).
Todavia, o envolvimento do público também deve ser planejado a fim de corresponder as
suas expectativas em relação a essa abertura por conta da marca, Steel (2006) afirma que há duas
maneiras de motivar esse envolvimento no consumidor,
Esse primeiro modo refere-se ao entendimento do perfil de seu público e como lidar com ele
e suas possíveis ações relacionadas à campanha, no processo de desenvolvimento da comunicação.
A segunda forma de provocar esse envolvimento é propriamente a comunicação sendo que, para
Steel (2006), a publicidade tem melhores resultados quando não dá respostas às pessoas e sim faz
perguntas, esse modo de instigá-los leva o público a tirar suas próprias conclusões acerca da marca
e da propaganda que foi proposta. O autor contribui ainda afirmando que “a propaganda deve
simplesmente unir alguns poucos pontos para os espectadores e deixar os demais para serem unidos
por eles, permitindo assim que participem” (STEEL, 2006, p.16). Essa afirmação encaixa-se nos
conceitos relacionados à transmídia, pois o ato de deixar o consumidor ir em busca da informação
faz com que seu envolvimento com a marca seja muito mais profundo do que simplesmente
apresentar as informações de modo tradicional.
Ainda há muitas marcas que ignoram essa participação ativa por parte do público. Silva e
Pinheiro (2015) afirmam que atualmente existem poucos exemplos práticos de que a participação
do consumidor é respeitada e levada a sério a ponto de influenciar decisões por parte da marca.
Apesar desse comportamento estar mudando, seu processo é lento já que as empresas estão
aprendendo a lidar com esse público dinâmico e atuante. Os autores atentam ao fato de que
A campanha nomeada como A mais perfeita união de super poderes iniciou surpreendendo
os funcionários da marca em Boston. Como representado abaixo, na figura 3, a ação se deu de
forma ampla, começando ainda na sede da empresa em Boston, "os funcionários foram
surpreendidos com um novo painel na fachada, anunciando a Stark Industries [...]" segundo Moraes
(2015, s.p.). A campanha publicitária também envolve vídeos, cartazes, banner, ações offline e em
redes sociais.
Além de divulgar o novo filme da Marvel a parceria transmídia explora dois produtos já
existentes da Gillette: Mach3 Turbo e FusionProglide, já que os modelos dos super-barbeadores
utilizados em algumas peças são fictícios (figura 4). Para contextualizar isso, as marcas criam uma
narrativa/história por trás dos barbeadores. Segundo a Exame.com (2015), as Indústrias Stark
10
https://clubedecinemapetropolis.com/2015/04/17/corre-gillette-e-marvel-criam-barbeadores-inspirados-em-
vingadores/
11
http://grandesnomesdapropaganda.com.br/anunciantes/gillette-e-marvel-se-unem-para-promover-o-filme-os-
vingadores-a-era-de-ultron/
invadem o departamento de pesquisa da Gillette com o objetivo de criar uma nova lâmina de acordo
com as tecnologias dos Vingadores. "Ela também destaca que a empresa começou a trabalhar na
produção de quatro barbeadores que teoricamente prometem criar um novo padrão de tecnologia de
barbear"(EXAME.COM, 2015, s.p.).
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Comentários disponíveis em: http://exame.abril.com.br/marketing/noticias/gillette-e-marvel-criam-barbeadores-
inspirados-em-vingadores
estratégico e pode ser explorada de várias formas na publicidade. Além de fazer seu papel de
promoção de bens, cativa seu público e cria um imaginário em torno da marca. É muito mais que
promover, é criar valor, fortalecer relações com o consumidor.
5. REFERÊNCIAS
ARNAUT, Rodrigo Diaset al. Era transmídia. Revista Geminis.São Carlos - SP, n.2, 2011.
Disponível em: <http://www.revistageminis.ufscar.br/index.php/geminis/article/view/93> Acesso
em: 18 mar. 2014.
BLANCO, André. TransmídiaStorytelling na propaganda: uma nova estética para um novo cenário.
Revista da Graduação, vol. 4, no 2. Porto Alegre, 2011. Disponível em:
<http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/graduacao/article/view/10037/7078>. Acesso em:
28 ago. 2015.
JENKINS, Henry.; FORD, Sam; GREEN, Joshua. Cultura da conexão: criando valor e significado
por meio da mídia propagável. Tradução Patricia Arnaud. São Paulo: Aleph, 2014.
MORAES, Roberta. Gillette faz parte ação transmídia de os vingadores. Disponível em:
<https://www.mundodomarketing.com.br/ultimas-noticias/33341/gillete-faz-parte-da-acao-
transmidia-de-os-vingadores.html> Acesso em: 07 jul 2016.
PRATTEN, Robert. Getting started in Transmedia Storytelling: a practical guide for beginners.
2011. Disponível em: <http://pt.slideshare.net/ZenFilms/getting-started-in-transmedia-storytelling>
Acesso em: 10 ago. 2015.
RAMONE, Marcus. Gillette lança linha de aparelhos de barbear dos vingadores. Disponível
em: <http://www.universohq.com/noticias/gillette-lanca-linha-de-aparelhos-de-barbear-dos-
vingadores/> Acesso em: 07 jul 2016
RENÓ, Denis Porto; VERSUTI, Andrea Cristina; GONÇALVES, Elizabeth Moraes; GOSCIOLA,
Vicente. Narrativas transmídia: diversidade social, discursiva e comunicacional. Palabra Clave.
ISSN 0122-8285. Vol. 14, n.2, dec. 2011. Disponível em:
<http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=64921329002> Acesso em: 20 mar. 2014.
STEEL, Jon. A arte do planejamento: verdades, mentiras e propaganda. Tradução: Juliana Geve
Lacerda. - Rio de Janeiro: Elsevier, 2006.