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TRANSMÍDIA E A ERA DE ULTRON DA PUBLICIDADE1

Flavia Dameto2
Andressa Rickli3

RESUMO

Esse estudo analisa como a narrativa transmídia é utilizada na publicidade. Para isso seu conceito é
explorado, por meio da pesquisa bibliográfica, bem como suas características e surgimento.
Compreender essa estratégia proveniente do cenário de convergência midiática é fundamental no
contexto da publicidade, já que é uma forma de engajar o público e promover a marca. Diante disso,
a publicidade no contexto transmídia é delineada visando explanar seus principais usos e desafios.
A fim de contextualizar a publicidade transmídia, uma campanha da Gillette em parceria com a
Marvel é apresentada, onde produtos são vinculados a uma narrativa como modo de promoção dos
mesmos.Sabe-se que está cada vez mais difícil instigar o público e chamar sua atenção para
propaganda. O uso de transmídia na publicidade vem para desconstruir a publicidade tradicional e
oferecer ao público material que os interesse, de qualidade e com possibilidade de aprofundamento.
No entanto poucas marcas exploram essa estratégia midiática para promoção de seus produtos.
Entender a transmídia e seu papel no contexto publicitário é traçar novos rumos para a comunicação
atual.

Palavras-chave:Transmídia; Publicidade; Cultura da convergência; Buzz Marketing.

1. INTRODUÇÃO: O PÚBLICO COMO JUSTICEIRO.

A publicidade contemporânea se reinventa a cada momento. Rompe padrões, quebra


estereótipos, reconfigura as formas de se posicionar diante dos mais variados públicos e, sobretudo,
se estabelece de forma menos sorrateira como há 20, 15 anos, por exemplo. Se antes fazia sentido
colocar o dedo em riste e perguntar ao seu interlocutor “quer pagar quanto?”, hoje o que se busca é
relacionamento com os seus públicos e, então, velhas métricas deixam de ser interessantes. Resta,
então, a tais estratégias a necessária e imprescindível reconfiguração.
Nesse cenário, as narrativas publicitárias se dão de forma cada vez mais diversificada e,
neste ponto, a transmídia oferece um suporte relevante para as empresas/marcas/organizações, uma
vez que possui uma capacidade de contar histórias inseridas no universo da marca e do consumidor,
nas mais variadas plataformas, oferecendo um alcance muito maior e estabelecendo uma relação
interessante de continuidade, mesmo com a utilização de diversas linguagens.
Campanhas transmídia requerem planejamento e uma boa estruturação, já que vão além do
usual e oferecem experiências distintas ao seu público. O modo como isso é produzido e pensado

1
Trabalho inscrito para o GT Comunicação e Consumo, do VIII Encontro de Pesquisa em Comunicação –
ENPECOM.
2
Graduada em Comunicação Social, com habilitação em Publicidade e Propaganda pela Universidade Estadual
do Centro-Oeste (UNICENTRO), flaviadameto@gmail.com
3
Doutoranda em Comunicação e Linguagens pela UTP-PR, docente da Universidade Estadual do Centro-Oeste
(UNICENTRO), andressarickli@yahoo.com.br
afeta diretamente no tipo de experiência apresentada aos consumidores, sendo elas positivas ou
negativas. Quando bem estruturadas e pensadas estrategicamente, esse tipo de campanha pode gerar
uma experiência única para a marca de modo a engajar seu público, conquistar novos consumidores
e criar fãs.
A transmídia faz uso de diversas mídias para desenrolar sua história, de modo que em cada
uma delas há algo de novo e diferenciado, é uma grande história dividida em vários pontos de modo
que se complementam.

2. TRANSMÍDIA: PORQUE NEM TUDO TEM QUE TERMINAR NUMA LUTA, TONY.

Primeiramente, a transmídia é o resultado das diversas alterações que ocorreram na


sociedade. A mudança dos padrões de participação dos consumidores, a existência de novos meios
de comunicação, a sociedade ligada em rede e diversos outros fatores contribuíram para que esse
novo formato multiplataforma fosse pensado. Em síntese, a transmídia trata-se de um reflexo da
convergência das mídias e da hiper conexão em que vivemos, também refere-se a

[...] uma nova estética que surgiu em resposta à convergência das mídias - uma estética que
faz novas exigências aos consumidores e depende da participação ativa de comunidades de
conhecimento. A narrativa transmídia é a arte da criação de um universo (JENKINS, 2009,
p.49).

A narrativa transmídia veio com uma proposta de acordo com os ideais do público atual,
muito mais dinâmica e instigante de modo a envolver quem a acompanha e criar um universo
ficcional que vai além de uma única mídia e expande-se por vários segmentos e meios. Diferente
dos modelos antigos de se apresentar uma história, esse tipo de narrativa admite a sociedade como
ligada em rede, altamente conectada e comunicativa, e presta atenção no seu anseio de participar e
ajudar na construção desse universo. Lembrando que nesse estudo entenderemos “narrativa” não
apenas no sentido do ato literário de construção de histórias, mas também no sentido da ação de
narrar e de difundir acontecimentos encadeados. É importante ressaltar que em muitas narrativas
transmídia a história é contada também de modo não tão evidente, em um formato mais subjetivo
no qual exploram-se mais elementos visuais com o objetivo de contar por si só a história. Tais
fatores devem ser esclarecidos de início para não gerar entendimento ambíguo no decorrer desse
estudo.
Jenkins (2009) afirma que narrativas transmídia desenrolam-se por um conjunto de mídias,
sendo essas tradicionais ou não, de modo que cada uma irá contar parte da história de acordo com
sua linguagem adequada, respeitando as características do seu meio. Ou seja, “uma história
transmídia desenrola-se através de múltiplas plataformas de mídia, com cada novo texto
contribuindo de maneira distinta e valiosa para o todo” (JENKINS, 2009, p.139). Nesse modelo,
cada meio tem sua importância e peculiaridade que são respeitados e considerados já no
planejamento transmídia, também ressalta-se que em cada meio há um conteúdo diferenciado,
tratando-se de uma abordagem diferente da adaptação. Gosciola e Versuti (2012, s.p.) facilitam esse
entendimento afirmando que

A narrativa transmídia é basicamente uma grande história. O que a diferencia de outras


grandes histórias é que ela é dividida em partes. A mais importante delas é a história
principal, que não conta tudo porque é complementada por histórias adicionais. Outra
característica que a torna mais singular ainda é que cada uma dessas histórias é veiculada
por um meio de comunicação diferente, definido por ser aquele que melhor consiga
expressá-las (GOSCIOLA; VERSUTI; 2012, s.p.).
Ainda nessa perspectiva, Renó, Versuti e Gonçalves (2011) tratam a narrativa transmídia
como uma ampliação e enriquecimento da experiência relativa ao entretenimento, a qual projeta um
universo ficcional a ser explorado de modo a trazer experiências únicas para os consumidores,
repensando a interação consumidor e produto. Até porque, como Jenkins (2009) afirma, os
consumidores atuais são migratórios, conectados socialmente, barulhentos e públicos, de modo que
se não se sentirem instigados e não tiverem abertura a uma participação ativa dentro do universo da
marca vão procurar outras marcas que proporcionem isso. Antes considerados apenas como
consumidores de conteúdo, hoje sentem necessidade de contribuir, produzir e disseminar a
informação, tal qual é facilitada pela convergência dos meios. Domingos (20084apud ARNAULT,
et al.; 2011, p.268) contribui com esse pensamento, afirmando que a transmídia proporciona uma
experiência rica pois “[...] é capaz de transformar o público-alvo tanto em mediador (emissor) como
em midiatário (receptor) e, assim, desconstruir as estruturas das narrativas clássicas, com noções
estruturais consagradas há séculos”. Isso mostra como a transmídia colabora modificando um todo
ao seu redor, essa mudança na construção de narrativas nos traz a um universo onde a interação
entre usuários e midiatários, com papeis diferentes, é essencial.
Na narrativa transmídia alguns cuidados devem ser tomados em relação ao conteúdo, já que
o mesmo deve ser único, diferenciado em cada mídia e instigar a busca de informações pelo
consumidor. Jenkins (2009) leva em consideração tais cuidados, sustentando que é necessário
oferecer níveis diferentes de revelação do conteúdo a fim de renovar o interesse e fidelidade do
público, para isso é fundamental criar conteúdo suficiente e criativo para alimentar diversas mídias,
gerar uma clientela múltipla e ter a possibilidade de expansão da franquia midiática. O autor ainda
salienta que “a redundância acaba com o interesse do fã e provoca o fracasso da franquia”
(JENKINS, 2009, p.139). Em relação a essas revelações de conteúdo há os elementos primários e
secundários das franquias segundo Blanco (2011), de modo que o autor entende que os pontos de
acesso adicionais da história devem ser revelados nos elementos secundários (games, animes,
quadrinhos, aplicativos, entre outros), e a história principal revelada nos elementos primários
(filmes e livros) fazendo com que o consumidor possa acompanhar a história em diferentes níveis.
A percepção de ambos os autores indica que há mídias principais que serão precursoras na
divulgação da história e outras secundárias que vão sustentar a franquia e transmidiatizá-la. Esse
processo cria níveis de revelação da história que instiga os consumidores que já são fãs consumirem
outras mídias e leva a história a outros que ainda não a conhecem, sendo que

As histórias transmídia usam segmentos adicionais para desenvolver seus mundos de


ficção, para construir histórias de bastidores ou para explorar pontos de vista alternativos,
tudo a serviço da melhoria da narrativa principal, a 'nave mãe', e, por fim, da intensificação
do engajamento público (JENKINS; FORD; GREEN; 2014, p.177-178).

A profundidade e envolvimento na narrativa transmídia depende do público como um todo


ao colaborar com essa construção e de cada consumidor isolado, já que existe a possibilidade de
explorar mídias diferentes, em ordem distinta, sem necessitar de uma frequência. Essa liberdade na
escolha do acompanhamento da história não compromete a compressão de cada parte da história.
Por mais que não seja o entendimento da história toda, é possível compreendê-la já que cada mídia
conta uma história à parte envolvendo elementos da história principal, de modo que cada uma possa
ser explorada isoladamente. O grau do envolvimento na história como um todo depende da
4
DOMINGOS, Adenil Alfeu. Storytelling: Fenômeno da Era da Liquidez. Signum:Estudos da Linguagem, Vol 11,
N° 1 (2008). Disponível em
<http://www.uel.br/revistas/uel/index.php/signum/article/viewDownloadInterstitial/3085/2618>. Acesso em 10
Agosto 2011.
curiosidade e busca por informações por parte dos consumidores, Jenkins (2009) acredita que um
envolvimento aprofundado torna-se opcional para o público e não uma obrigatoriedade, já que o
acompanhamento como um todo não é a única forma de se aproveitar a franquia5. O autor ainda
afirma isso ao salientar que

Para viver uma experiência plena num universo ficcional, os consumidores devem assumir
o papel de caçadores e coletores, perseguindo pedaços da história pelos diferentes canais,
comparando suas observações com as de outros fãs, em grupos de discussão on-line, e
colaborando para assegurar que todos os que investiram tempo e energia tenham uma
experiência de entretenimento mais rica (JENKINS, 2009, p.49).

Explorar partes da narrativa em diferentes mídias amplia a capacidade da mesma difundir-


se, não apenas no sentido de espalhar-se, mas também na maneira em que pode ampliar sua história
e abrir novas possibilidades de seu rumo narrativo. Outro ponto positivo é a diversificação da
maneira como se é contada, já que cada mídia tem sua especificidade e até mesmo público
diferenciado. Isso contribui para que nichos diferentes de consumidores possam ter contato com a
história e até mesmo passar a consumi-la. Jenkins (2009) declara que franquias transmídia
consideradas de alto nível trabalham para atrair clientela diferenciada de modo a diversificar o tom
de conteúdo de acordo com o meio ao qual será apresentado, além de que “[...] se houver material
suficiente para sustentar as diferentes clientelas - e se cada obra oferecer experiências novas -, é
possível contar com um mercado de intersecção que irá expandir o potencial de toda a franquia”
(JENKINS, 2009, p.138-139).
O ato de disseminar histórias e narrá-las está na natureza do ser humano, até porque

nossas mentes não gostam de fatos ou objetos aleatórios por isso criam suas próprias
histórias para dar sentido a eventos e itens diferentes, discretos e isolados. Nós
naturalmente e frequentemente ligamos os pontos subconscientemente. E os pontos
conectados de uma maneira estimulante nós chamamos de boas histórias6 (PRATTEN,
2011, p.2).

Por isso, a necessidade de interligar diversos pontos da história em mídias diferentes, nossa
capacidade de conexão assimilará de uma forma mais fácil e será um modo de consumir conteúdo
de forma leve e prazerosa. Pratten (2011, p.3) também afirma que “nós contamos histórias em
múltiplas mídias porque uma única mídia não satisfaz nossa curiosidade ou nosso estilo de vida” 7.
Esse raciocínio sustenta a ideia da convergência das mídias e da sociedade conectada, com
tamanhos estímulos visuais e tecnológicos pelos quais somos atingidos é imprescindível o uso de
várias mídias em uma franquia, já que o público não se contenta mais com poucos recursos a serem
explorados, necessitando de uma gama de estímulos e revelações.
Visto tal complexidade quanto à conceituação e prática da transmídia, é importante
considerar que seus conceitos ainda estão sendo cunhados e suas práticas, como Jenkins (2009)
afirma, não podem ser avaliadas com certeza já que não existem ainda critérios estéticos bons a fim
de avaliar projetos midiáticos nesse estilo. “Houve muito poucas histórias transmídia para os
produtores de mídia agirem com alguma certeza sobre quais seriam os melhores usos desse novo

5
Para Montanaro (2014) franquia refere-se à criação de um conjunto de produtos de entretenimento/culturais lançados
de acordo com um tema específico ou marca, podendo incluir: filmes, quadrinhos, livros, séries, webséries, etc.
6
Tradução livre. Citação original: "Our minds do not like random facts or objects and so they create their own stories to
make sense of otherwise discrete, isolated events and items. We naturally and often subconsciously connect the dots.
And dots connected in a stimulating way we call great stories".
7
Tradução livre. Citação original: "We tell stories across multiple media because no single media satisfies our curiosity
or our lifestyle".
modo de narrativa, ou para críticos e consumidores saberem como falar, com conhecimento de
causa, sobre o que funciona ou não nessas franquias” (JENKINS, 2009, p.139).

2.1 TRANSMÍDIA E O SURGIMENTO DE UMA NOVA ARMADURA PARA A


PUBLICIDADE.

O termo transmídia passou a ser conhecido publicamente a partir de Jenkins mencioná-lo em


seu livro “A Cultura da Convergência” em 2006. No entanto, a prática relacionada à transmídia já
fora anteriormente realizada e divulgada pelo pensador americano Jeff Gomez desde 1990, segundo
Arnault et al. (2011). Tal pensador e produtor de mídia afirma que

Narrativas transmídias evoluíram a partir de produtos de nichos do entretenimento, como


séries animadas japonesas dos anos 80 e 90, que geraram prequels de filmes, sequências de
quadrinhos e spin-offs de filmes lançados diretos em vídeo. George Lucas emulou esta
técnica com seus livros do "Universo Expandido" de Star Wars, jogos de vídeo game e
séries animadas. Em 1999, o projeto A Bruxa de Blair foi o primeiro filme a integrar a
Internet em uma espécie de meta-narrativa que convidou o público a especular sobre a
veracidade de sua história (GOMEZ, 2011, s.p.) Tradução Livre. 8

É possível, então, observar que,apesar do termo surgir posteriormente, as práticas vêm sendo
aplicadas há muito tempo em países desenvolvidos e em grandes centros de cinema como
Hollywood. Antes da ideia da transmídia aparecer, outras práticas relacionadas ao uso de mídias já
existiam, sendo elas a monomídia, multimídia e a crossmídia, estratégias e tipos de utilização que
evoluíram conforme os avanços tecnológicos e midiáticos e proporcionaram o surgimento da
transmídia.
A monomídia trata-se de uma transmissão de informação de modo vertical, segundo Arnault
et al. (2011) as pessoas recebem o conteúdo por um único canal que também detém o poder para
criação desse conteúdo. Já na era da multimídia, os autores afirmam que as tecnologias são
exploradas com suportes digitais, de modo que tem-se mais de um meio inserido em uma única
história, sendo o conteúdo uma cópia para todas as mídias, não havendo adaptação. Em
contraponto, a crossmídia utiliza, ao mesmo tempo, diversas plataformas de mídia a fim de adaptar
e interligar os conteúdos. Finger (2012, p.124) contextualiza a crossmídia atentando que “as
adaptações cinematográficas de livros são bons exemplos, assim como, campanhas publicitárias que
utilizam a televisão, Internet, outdoor e revista em um só momento”.
Apesar de similares, os termos de multimídia, crossmídia e transmídia se diferenciam nos
detalhes e na forma como as mídias interagem com o conteúdo. É necessário deixar claro tais
diferenças, para isso tem-se a figura 1 que exemplifica como essas experiências diferem entre si.

8
Citação original: Transmedia narratives evolved out of niche entertainment products such as Japanese animated serials
in the '80s and '90s that generated film prequels, comic book sequels, and direct-to-video spin-offs. George Lucas
emulated this technique with his Star Wars "expanded universe" books, video games and animated television
adventures. In 1999, The Blair Witch Project was the first film to integrate the Internet into a kind of meta-narrative that
invited the audience to speculate about the veracity of its story (GOMEZ, 2011).Disponívelem:
http://www.starlightrunner.com/transmedia
FIGURA 1 – DIFERENÇA ENTRE AS EXPERIÊNCIAS MIDIÁTICAS
FONTE: ADAPTADO DE ESPM, ERA TRANSMÍDIA9 (2011)

2.2 TRANSMÍDIA NA PUBLICIDADE: ÀS VEZES É PRECISO APRENDER A CORRER


ANTES DE COMEÇAR A ANDAR.

Um dos grandes desafios da publicidade hoje é prender a atenção do público diante de tantos
estímulos visuais que são expostos a todo momento, nos diversos dispositivos e mídias. Fazer
propaganda nesse cenário é muito mais que deixar a criatividade solta, é elaborar conteúdo de
qualidade, instigante e suscetível a gerar assunto ao seu redor. O público quer interagir,
compartilhar e colaborar com suas próprias reflexões acerca do assunto que está no auge. No
entanto, nem sempre é fácil criar um conteúdo que contenha essas exigências.
Bodruk e Lopes (2011, p.6-7) relatam que “quanto maior o valor atribuído pelos
consumidores a um conteúdo ou informação de uma marca, maior o preço que estariam dispostos a
pagar ao comprar um produto desta”. Isso evidencia ainda mais a atenção que os publicitários
devem ter na hora de pensar no conteúdo das campanhas. O público se tornou o maior crítico das
marcas e empresas das quais consome, inclusive de suas propagandas.
O uso de narrativa para captar a atenção do público é uma das estratégias provenientes da
união entre entretenimento e publicidade; Costa (2013, s.p.) estabelece que “a publicidade tem
contado histórias para vender marcas e produtos e para envolver o consumidor”. Isso em função de
as narrativas estarem presentes no cotidiano do ser humano desde os seus primórdios e, também, em
consequência das associações que nossa mente faz ao ligar os pontos de fatos isolados criando
histórias para facilitar o seu entendimento, conforme o raciocínio de Pratten (2011).
No entanto, a utilização de narrativas transmídia na publicidade, acima de tudo no Brasil,
ainda é levada com timidez e certo receio já que não se tem um formato próprio no qual pode ser
aplicada. Transmediar a publicidade vai além de produzir conteúdos de qualidade e diferenciados,
isso adentra um território ainda pouco explorado e requer um planejamento minucioso, pois são
muitos os aspectos a serem explorados e analisados, que extrapolam as fronteiras do marketing,
para que a propaganda avance em uma direção mais aprofundada e estratégica. Contudo, há um
desafio por parte das marcas/empresas de aliar objetivos financeiros à qualidade de experiência do
consumidor, Jenkins (2009) menciona que há uma disputa interna das empresas em quantificar o
desejo e mensurar as relações da marca com consumidor em busca de retorno financeiro. Essa
realidade gera pressões que “[...] afastam as tentativas de compreender a complexidade do
comportamento do público, mesmo sendo esse conhecimento fundamental às empresas que queiram
sobreviver nas próximas décadas” (JENKINS, 2009, p.97).
Para tanto, compreender o público, seus hábitos de mídia, anseios relacionados à marca e
demais questões é fundamental para planejar uma campanha de publicidade transmídia, até porque

9
http://pt.slideshare.net/flavio_fernandez/espmtransmidiainovadores
deverão ser trabalhados concomitantemente aos objetivos do projeto e da campanha. Arnault et al.
(2011) entendem que diversas plataformas de mídia são utilizadas para unir alcance do público-alvo
com os objetivos planejados, visando lançar, posicionar ou reposicionar uma marca no mercado,
aumentar suas vendas ou atender outros objetivos de marketing. Nesse caso é necessário que “[...]
exista uma interligação entre todas as plataformas de mídia e que o público interaja em mais de um
tipo de mídia de forma sinérgica” (ARNAULT, et al.; 2011, p.268-269).
Todavia, o envolvimento do público também deve ser planejado a fim de corresponder as
suas expectativas em relação a essa abertura por conta da marca, Steel (2006) afirma que há duas
maneiras de motivar esse envolvimento no consumidor,

[...] primeiro é preciso envolvê-lo nos processos de desenvolvimento da comunicação. O


que sentem, seus hábitos, motivações, inseguranças, valores e desejos devem ser
explorados para que se entenda como o produto se encaixa em suas vidas e como eles
podem responder a diferentes mensagens publicitárias (STEEL, 2006, p.15).

Esse primeiro modo refere-se ao entendimento do perfil de seu público e como lidar com ele
e suas possíveis ações relacionadas à campanha, no processo de desenvolvimento da comunicação.
A segunda forma de provocar esse envolvimento é propriamente a comunicação sendo que, para
Steel (2006), a publicidade tem melhores resultados quando não dá respostas às pessoas e sim faz
perguntas, esse modo de instigá-los leva o público a tirar suas próprias conclusões acerca da marca
e da propaganda que foi proposta. O autor contribui ainda afirmando que “a propaganda deve
simplesmente unir alguns poucos pontos para os espectadores e deixar os demais para serem unidos
por eles, permitindo assim que participem” (STEEL, 2006, p.16). Essa afirmação encaixa-se nos
conceitos relacionados à transmídia, pois o ato de deixar o consumidor ir em busca da informação
faz com que seu envolvimento com a marca seja muito mais profundo do que simplesmente
apresentar as informações de modo tradicional.
Ainda há muitas marcas que ignoram essa participação ativa por parte do público. Silva e
Pinheiro (2015) afirmam que atualmente existem poucos exemplos práticos de que a participação
do consumidor é respeitada e levada a sério a ponto de influenciar decisões por parte da marca.
Apesar desse comportamento estar mudando, seu processo é lento já que as empresas estão
aprendendo a lidar com esse público dinâmico e atuante. Os autores atentam ao fato de que

[...] é preciso que os profissionais da publicidade de hoje, bem como os empresários da


área, visando o sucesso de suas marcas/serviços/conteúdos, superem a ideia da
comunicação unidirecional, que é aquela que segue um modelo de produção e veiculação
“um - todos”, no qual se acha que a audiência/os consumidores são iguais e passivos, e
passem a enxergar de maneira melhor a realidade de que, com o aparecimento das novas
tecnologias que permitem a criação, produção, disseminação e compartilhamento de
conteúdos, o público/consumidor está cada vez mais participativo, segmentado e seletivo
no que se refere ao consumo de um modo geral (SILVA; PINHEIRO, 2015, p.3).

A publicidade transmídia não é algo que se planeja em curto prazo de tempo e,


consequentemente, seus resultados tendem a vir a longo prazo, pois é o envolvimento do público
que medirá, em termos de participação e de buzz marketing, os resultados desse tipo de estratégia.

3. PUBLICIDADE TRANSMÍDIA: NÓS TEMOS O HULK!

Como dito anteriormente ainda há poucas marcas de produtos utilizando a estratégia


transmídia na publicidade. É muito comum se ver transmídia pra divulgações de filmes, séries,
games, mas para produtos é mais raro. Criar uma história envolvendo um produto e que gere
repertório para outras histórias, contribuições, e desdobramentos em outras mídias é bastante
desafiador. Até porque, esse tipo de estratégia requer tempo e alto investimento.
No entanto, as marcas que conseguem se adaptar a esse novo cenário midiático acabam por
conseguir parcerias fortes, engajar os fãs da marca, além de conseguir conteúdo orgânico da mídia
que aborda essa nova forma de atuar no mercado publicitário. Uma marca que tem realizado
publicidade transmídia por meio de parcerias com outras marcas é a Gillette, marca famosa por seus
barbeadores. Em 2015, a marca mostra novamente seu potencial de inserir seu produto nos mais
variados contextos. Nesse caso, foi incorporar os super-heróis do filme Vingadores: A Era de
Ultron em alguns dos seus produtos (de forma fictícia) como mostra a figura 2.

FIGURA 2 – PEÇAS DA CAMPANHA A MAIS PERFEITA UNIÃO DE SUPER PODERES


FONTE: CLUBE DE CINEMA PETRÓPOLIS10 (2015)

A campanha nomeada como A mais perfeita união de super poderes iniciou surpreendendo
os funcionários da marca em Boston. Como representado abaixo, na figura 3, a ação se deu de
forma ampla, começando ainda na sede da empresa em Boston, "os funcionários foram
surpreendidos com um novo painel na fachada, anunciando a Stark Industries [...]" segundo Moraes
(2015, s.p.). A campanha publicitária também envolve vídeos, cartazes, banner, ações offline e em
redes sociais.

FIGURA 3 – AÇÃO NA SEDE DA GILLETTE EM BOSTON


FONTE: GRANDES NOMES DA PROPAGANDA11 (2015)

Além de divulgar o novo filme da Marvel a parceria transmídia explora dois produtos já
existentes da Gillette: Mach3 Turbo e FusionProglide, já que os modelos dos super-barbeadores
utilizados em algumas peças são fictícios (figura 4). Para contextualizar isso, as marcas criam uma
narrativa/história por trás dos barbeadores. Segundo a Exame.com (2015), as Indústrias Stark

10
https://clubedecinemapetropolis.com/2015/04/17/corre-gillette-e-marvel-criam-barbeadores-inspirados-em-
vingadores/
11
http://grandesnomesdapropaganda.com.br/anunciantes/gillette-e-marvel-se-unem-para-promover-o-filme-os-
vingadores-a-era-de-ultron/
invadem o departamento de pesquisa da Gillette com o objetivo de criar uma nova lâmina de acordo
com as tecnologias dos Vingadores. "Ela também destaca que a empresa começou a trabalhar na
produção de quatro barbeadores que teoricamente prometem criar um novo padrão de tecnologia de
barbear"(EXAME.COM, 2015, s.p.).

FIGURA 4 – PEÇA DA CAMPANHA "A MAIS PERFEITA UNIÃO DE SUPER PODERES'


FONTE: CLUBE DE CINEMA PETRÓPOLIS10 (2015)

Extrapolar os limites da marca, em relação ao produto, mostra aos clientes a capacidade da


marca de inovação, abertura para tecnologias e temáticas diferente. Nesse caso, envolveu até
mesmo os funcionários nesse universo ficcional da Marvel. Embora envolva um universo já
existente - dos Vingadores - a marca mostra sua versatilidade de facilidade de se adaptar a novos
conceitos e que também tem os mesmos interesses que seu público, nesse caso de acompanhar o
novo filme da saga. No vídeo disponível no Youtube, são explorados vários elementos de cada um
dos personagens, criando a analogia com os produtos da linha. A própria linguagem mostra uma
interessante inserção das lâminas fictícias no contexto da narrativa cinematográfica que lhe dá
suporte. Em alguns momentos é como se o espectador estivesse diante de uma cena de Homem de
Ferro, por exemplo, para criar a analogia com o produto, como se verifica nos frames abaixo. Além
disso, para oferecer algo ao público, Ramone (2015) afirma que para fazer o lançamento das
lâminas fictícias a Marvel criou uma HQ exclusiva dos Vingadores, onde os fãs podem ler
gratuitamente online. Oferecer isso ao público é uma forma de instigar a cultura participativa e
fortalecer a importância do produto nesse contexto Marvel.

FIGURA 5 – FRAME DO VÍDEO FIGURA 6 – FRAME DO VÍDEO


FONTE: YOUTUBE (2015) FONTE: (2015)
FIGURA 7 – FRAME DO VÍDEO FIGURA 8 – FRAME DO VÍDEO
FONTE: YOUTUBE (2015) FONTE: YOUTUBE (2015)

4. CONCLUSÃO – A DIFERENÇA ENTRE SALVAR O MUNDO E DESTRUÍ-LO.

A convergência das mídias possibilitou às marcas trabalharem estratégias de uma maneira


muito mais presente na vida do público, possibilitando-o a consumir muito mais conteúdo e de
acordo com sua vontade de emergir no universo da marca e/ou história. Os consumidores atuais não
estão apenas conectados em rede, estão participando, produzindo, avaliando e observando. Antes
passivos, hoje são ativos na busca por conteúdo de qualidade e que os instigue, procurando formas
de participar e mostrar sua opinião em mídias que ofereçam essa abertura. Essas mudanças nos
hábitos de consumo de conteúdo e na sociedade como um todo, ocasionadas pela convergência das
mídias e da hiperconexão, geraram o que se pode chamar de cultura da convergência e da conexão.
Cultura essa que possibilitou às marcas adotarem estratégias diferenciadas de comunicação e
marketing, como é o caso da narrativa transmídia.
Trazer para a publicidade a estratégia transmídia é traçar novos parâmetros de envolvimento
com a marca e de promoção de produtos, de forma bem alinhada com os públicos. É muito mais do
que vender, é modificar o cenário de comunicação de marcas vigente, é acompanhar o ritmo e
interesses do público. Assusta o fato de poucas marcas utilizarem esse tipo de estratégia. Poucas
marcas cruzam essa fronteira, seja por falta de recursos e investimentos, seja por desconhecimento
da mesma. Diante disso nota-se a importância da produção de conteúdo sobre esse tema e
discussões acerca disso.
Com esse estudo percebeu-se, até mesmo na hora de escolher uma marca que promova seus
anúncios pela narrativa transmídia, que é um universo pouco explorado para promoção de produtos.
Criar uma narrativa transmídia para a publicidade de um produto é muito mais que vendê-lo, é criar
um imaginário e explorá-lo juntamente a sua marca. A Gillette, mostra em sua parceria com a
Marvel, que captar os hábitos de consumo de seu público pode ir além das pesquisas formais, pode
abrir brecha para parcerias e diálogos mais informais com seu consumidor. Ao trazer uma
campanha assim, a Gillette descontrói uma imagem de marca inatingível e convida seu consumidor
a adentrar nesse universo, mesmo que informalmente. Em alguns dos vários links em que o vídeo é
compartilhado no Youtube, por exemplo, é possível verificar o grau de envolvimento do público
com a estratégia da marca observando comentários do tipo: cala a boca e pega meu dinheiro, quero
todos, onde vende, duvido sair, mas se vender eu compro todos, e um dos comentários, que mostra
o quanto a união das marcas é representativa para o consumidor, em que o internauta escreve que se
vender mesmo ele compraria os quatro modelos e mandaria emoldurar 12.
Tem-se, portanto, um cenário comunicacional em que o papel da transmídia é cada vez mais

12
Comentários disponíveis em: http://exame.abril.com.br/marketing/noticias/gillette-e-marvel-criam-barbeadores-
inspirados-em-vingadores
estratégico e pode ser explorada de várias formas na publicidade. Além de fazer seu papel de
promoção de bens, cativa seu público e cria um imaginário em torno da marca. É muito mais que
promover, é criar valor, fortalecer relações com o consumidor.

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