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1.

Hiperconsumismo: o consumo exacerbado das massas

[Falar do surgimento da sociedade de consumo]

“A civilização consumista distingue-se pelo lugar central ocupado pelas aspirações de bem-estar
e pela busca de uma vida melhor para si mesmo e os seus” FP. P.16.

[Da sociedade de consumo à sociedade de hiperconsumo]

“A sociedade de hiperconsumo coincide com um estado da economia marcado pela centralidade


do consumidor” Felicidade Paradoxal (FP). P. 13.

“A nova era do capitalismo se constrói estruturalmente em torno de dois atores preponderantes: o


acionista de um lado, o consumidor do outro. O rei bolsista e o cliente rei: essa nova configuração
de poderes está no princípio da mutação da economia globalizada. Em relação ao primeiro polo, a
hora é a da busca sistemática de unia criação do valor muito elevada para os detentores do capital.
No que se refere ao segundo, o imperativo é mercantilizar todas as experiências cm todo lugar, a
toda hora e em qualquer idade, diversificar a oferta adaptando-se às expectativas dos
compradores, reduzir os ciclos de vida dos produtos pela rapidez das inovações, segmentar os
mercados, favorecer o crédito ao consumo, fidelizar o cliente por práticas comerciais
diferenciadas.” FP. 13.

A nova ordem da economia centra-se em dois pilares: a lógica financeira e a economia do


comprador. A isto corresponde uma nova revolução de comportamento e do imaginário de
consumo: “Um Homo consumericus de terceiro tipo vem à luz, uma espécie de turboconsumidor
desajustado, instável e flexível, amplamente liberto das antigas culturas de classe, imprevisível
em seus gostos e em suas compras. De um consumidor sujeito ás coerções sociais da posição,
passou-se a um hiperconsumidor à espreita de experiências emocionais e de maior bem-estar, de
qualidade de vida e de saúde, de marcas e de autenticidade, de imediatismo e de comunicação. O
consumo intimizado tomou o lugar do consumo honorífico, em um sistema em que o comprador
é cada vez mais informado e infiel, reflexivo e “estético”. Pouco a pouco, desvanecem-se os
antigos limites de tempo e de espaço que emolduravam o universo do consumo: eis-nos em um
cosmo consumista continuo, dessincronizado e hiperindividualista, no qual mais nenhuma
categoria de idade escapa às estratégias de segmentação do marketing, mas no qual cada um pode
construir à la carte seu emprego do tempo, remodelar sua aparência, moldar suas maneiras de
viver. A hora é do consumo-mundo em que não apenas as culturas antagonistas foram
eliminadas, mas em que o ethos consumista tende a reorganizar o conjunto das condutas,
inclusive aquelas que não dependem da troca mercantil. Pouco a pouco, o espírito de consumo
conseguiu infiltrar-se até na relação com a família e a religião, com a política e o sindicalismo,
com a cultura e o tempo disponível. Tudo se passa como se, daí em diante, o consumo
funcionasse como um império sem tempo morto cujos contornos são infinitos” FP. P. 14.

“O hiperconsumidor não está mais apenas ávido de bem-estar material, ele aparece como um
solicitante exponencial! de conforto psíquico, de harmonia interior e de desabrochamento
subjetivo, demonstrados pelo florescimento das técnicas derivadas do desenvolvimento pessoal
bem como pelo sucesso das sabedorias orientais, das novas espiritualidades, dos guias da
felicidade e da sabedoria. O materialismo da primeira sociedade de consumo passou da moda:
assistimos à expansão do mercado da alma e de sua transformação, do equilíbrio e da auto-
estima, enquanto proliferam as farmácias da felicidade. Numa época em que o sofrimento é
desprovido de todo sentido, em que os grandes referenciais tradicionais e históricos estão
esgotados, a questão da felicidade interior “volta à tona", tomando-se um segmento comercial,
um objeto de marketing que o hiperconsumidor quer poder ter em mãos, sem esforço,
imediatamente e por todos os meios. A crença moderna segundo a qual a abundância é a condição
necessária e suficiente da felicidade do homem deixou de ser evidente: resta saber se a
reabilitação da sabedoria não recompõe por sua vez uma ilusão de outro gênero.” FP. P. 15.

“A sociedade de hiperconsumo funciona como uma sociedade de desorganização psicológica que


é acompanhada por numerosos processos de “recuperação" ou de redinamização subjetiva. Mais
do que nunca, acelera-se a sucessão dos altos e baixos da vida: movimentos de vaivém que
justificam tanto o pessimismo quanto um certo otimismo. Sem dúvida, há mais esperança a ser
depositada nessa aceleração dos dados da existência que nas promessas dos novos gurus da
sabedoria”. FP. P. 18.

“As razões para ter esperança não estão caducas: apesar da inflação das necessidades
mercantilizadas, o indivíduo continua a viver para outra coisa que não os bens materiais
passageiros. Os ideais de amor. de verdade» de justiça, de altruísmo não faliram: nenhum
niilismo completo» nenhum ‘'último homem* se desenha no horizonte dos tempos
hipermodernos” [18-19]

“Se o novo regime mercantil não deve ser posto no pelourinho, tampouco deve ser incensado.
Contemporâneo de um comprador conscientizado e "profissionalizado* ele é igualmente produtor
de um "mal infinito* de comportamentos desenfreados e excessivos, de uma infinidade de
desordens subjetivas e de fracassos educativos. t)c um lado, a sociedade de hiperconsumo exalta
os referenciais do maior bem-estar, da harmonia e do equilíbrio; do outro» eta se apresenta como
um sistema hipertrófico e incontrolado, uma ordem bulímica que leva ao extremo e ao caos e que
vê coabitar a opulência com a amplificação das desigualdades e do subconsumo. As mazelas são
duplas: dizem respeito tanto à ordem subjetiva das existências quanto ao ideal de justiça social.”
[19]

2. Decepção Crono-Reflexiva: uma nova visão consequencial do hiperconsumo

“A imensa maioria se diz feliz, contudo a tristeza e o estresse, as depressões e as ansiedades


formam um rio que engrossa de maneira inquietante. Majoritariamcnte, declaramo-nos felizes
pensando que os outros não o são” FP. P. 16.

“Somos cada vez mais bem cuidados, o que não impede que os indivíduos se tornem uma espécie
de hipocondríacos crônicos. Os corpos são livres, a miséria sexual é persistente. As solicitações
hedonísticas são onipresentes: as inquietudes, as decepções, as inseguranças sociais e pessoais
aumentam. Aspectos que fazem da sociedade de hiperconsumo a civilização da felicidade
paradoxal” FP. P. 17.

3. Ética Reguladora

“Enganamo-nos ao considerar os gostos pela facilidade e a frivolidade, pela evasão e o jogo como
necessidades “inferiores": eles são consubstanciais ao desejo humano. É neles, entre outros, que
se enxerta a espiral do hiperconsumo. Os excessos prejudiciais da atividade consumidora não
bastam para depreciar em seu conjunto um fenômeno que tem laços íntimos com a busca do
agradável e do divertimento. Com bom senso, Aristóteles já o assinalava: o homem feliz tem
necessidade de gozar, sem dificuldade, de diferentes bens exteriores” FP. P. 18.

“É assim que a era da felicidade paradoxal exige soluções, elas próprias paradoxais. Precisamos
claramente de menos consumo, entendido como imaginário proliferativo da satisfação, como
desperdício da energia e como excrescência sem regra das condutas individuais. A hora é da
regulação c da moderação, do reforço das motivações menos dependentes dos bens mercantis.
Impõem-se mudanças, a fim de assegurar não apenas um desenvolvimento econômico durável»
mas também existências menos desestabilizadas, menos magnetizadas pelas satisfações
consumistas. Mas precisamos também, sob certos aspectos, de mais consuma, isso, para fazer
recuar a pobreza, mas também para ajudar os idosos e cuidar sempre melhor das populações,
utilizar melhor o tempo e os serviços, abrir-se para o mundo, provar experiências novas. Não há
salvação sem progresso do consumo, ainda que ele fosse redefinido por novos critérios; não há
esperança de uma vida melhor se não rediscutirmos o imaginário da satisfação completa e [19]

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