Você está na página 1de 217

1

SRI RAMAKRISHNA, O GRANDE MESTRE


VOLUME I I

Por
Swami Saradananda (Um discípulo direto de Sri Ramakrishna)
Original em Bengali

Traduzido para o inglês por Swami Jagadananda

Traduzido do inglês por Leda Marina Bevilacqua Leal

2003

"Translated from Sri Ramakrishna, The Great Master, as translated into English by Swami
Jagadananda and published by the President, Sri Ramakrishna Math, Madras, Copyright 1952."

É com grande satisfação que apresentamos aos leitores a tradução para o português da edição
de 1983 do "Sri Ramakrishna, the Great Master", traduzido do bengali para o inglês, por Swami
Jagadananda. Desejamos expressar nossa imensa gratidão ao Presidente do Sri Ramakrishna Math,
Chennal, por sua autorização formal para a tradução dessa obra magnífica que retrata a vida do
grande Ser que foi Sri Ramakrishna.

Leda

Todos os direitos reservados

Primeira edição em português

SRI RAMAKRISHNA, O GRANDE MESTRE

Parte III

COMO INSTRUTOR ESPIRITUAL ( I )

PREFÁCIO

1. COMO INSTRUTOR ESPIRITUAL

Esta é a terceira Parte do Sri Ramakrishna, o Grande Mestre. Os


acontecimentos da vida do Mestre desde a época em que completou suas Sadhanas até
o momento em que se tornou conhecido pelo público, foram relatados aqui em seu
conteúdo mais importante. Não só os expusemos mas também discutimos, o quanto
possível, os estados que impeliram e o propósito que guiaram seus atos, pois a
personalidade humana é uma combinação de corpo e espírito e por conseguinte, a
história de uma vida humana será imperfeita se for somente um estudo dos
acontecimentos de sua vida exterior, excluindo os significados e os objetivos que a
guiaram. Ao escrever uma biografia ou uma história, o Ocidente materialista apenas
registra eventos, ao passo que o hindu espiritualista emprega sua mente somente na
cuidadosa descrição das funções mentais. Estamos convencidos de que uma verdadeira
biografia ou história deveria ser a combinação de ambos e que os atos do corpo denso
deveriam ser relatados com o objetivo de esclarecer o estado mental.

2
Além disso em diversos lugares discutimos à luz das escrituras, a vida
extraordinária de Sri Ramakrishna. Fomos levados a estudar o funcionamento ímpar de
sua mente, suas experiências e atividades em comparação com as das grandes almas como
Krishna, Buda, Sankara e Chaitanya na Índia, e de Jesus e outras de outros países.
Repetidamente o Mestre dizia-nos, numa linguagem clara: "aquele que no passado tornou-
se Rama e Krishna está (mostrando seu corpo) agora neste envoltório", e que "as
experiências espirituais deste (referindo-se a si mesmo) ultrapassaram àquelas descritas
nos Vedas e na Vedanta". De fato, discutindo de forma imparcial tanto quanto possível a
vida de Sri Ramakrishna, estabelecido em Bhavamukha, fomos compelidos a confessar
que jamais foi vista uma vida tão extraordinária na história espiritual do mundo.
Assim também, levando em conta a verdade "Tantos credos, tantos caminhos,"
proclamada por ele depois de realmente seguir os credos postulados pelas Encarnações
do passado, somos inevitavelmente conduzidos a aceitá-lo como a soma de todas as
Encarnações do passado. Quanto mais estudamos a sagrada vida sem precedente de Sri
Ramakrishna, mais ficamos convencidos de que ele é o produto das idéias espirituais
universais e eternas dos Vedas - a totalidade de sua essência.
Quando Swami Vivekananda pregou as idéias de Sri Ramakrishna e o público
quis conhecer sua vida, muitos publicaram-se escritos sobre ele, mas nenhum salientou
com clareza a relação oculta que existia entre aquela vida ímpar e a religião védica.
Portanto, do estudo desses livros, tem-se a impressão de que Sri Ramakrishna foi um
homem que cortou a tradição da eterna religião hindu e que deixou atrás de si uma
doutrina sectária de sua criação. Além disso, muitas daquelas histórias contêm erros
sobre a vida do Mestre e falta-lhes mostrar a real importância dos acontecimentos de
sua vida e sua relação com o passado histórico e as tendências futuras. Para satisfazer
aquela demanda do público e corrigir noções errôneas e seguindo os passos de Swami
Vivekananda, tentamos nesse livro uma descrição daquela vida sem precedente como ela
se nos apresentou com vistas a descrever aquele estado exaltado da mente do Mestre
(Bhava), cuja realização, mesmo em pequeno grau, fez Swami Vivekananda e outros,
inclusive nós mesmos, a dedicar nossas vidas aos Pés de Lotus do Mestre. Se mesmo
uma pequena parte do nobre ideal de vida do Mestre, incompreensível para o homem
comum, tiver sido retratada corretamente neste livro, será devido à sua grandeza; e que
qualquer defeito encontrado será devido à nossa falta de entendimento correto e poder
de descrição. Apresentaremos ao leitor uma exposição da primeira e da última parte da
vida do Mestre1. (1 Ao escrever essa biografia o autor começou em primeiro lugar com a parte III. Sucessivamente
escreveu as partes IV, II, I e V). Colocaremos, em primeiro lugar, os versos e o artigo de Swami
Vivekananda que discutiu a relação oculta da eterna religião védica com a vida de Sri
Ramakrishna estabelecido em Bhavamukha.
Autor

PREFÁCIO

2. A RELIGIÃO HINDU E SRI RAMAKRISHNA

Aquele uno nascido como Rama de incomparável grandeza em todos os três


mundos; que foi a própria vida da filha de Janaka; que apesar de, ele mesmo estar
além do mundo, Ó, não desistiu de fazer bem a ele; cuja corrente de amor sempre
fluiu sem parar até para um Chandala e cujo corpo de supremo conhecimento estava
envolvido por devoção na forma de Sita; o Uno nascido também como Krishna, que
cantou a canção (Gita) doce e tranquila, mas profunda, como o rugido de um leão,
suprimindo o grande tumulto levantado no campo de batalha e destruindo a inata e
profunda escuridão de ignorância - essa sempre notável Personalidade Divina, nasceu
agora como Ramakrishna1.( 1 O texto acima é a tradução de duas estanzas em sânscrito compostas por Swami
Vivekananda - Vide - Obras Completas VI pp. 181.)

3
A palavra Sastra significa o sem começo e sem fim "Veda". Somente esse Veda é
capaz de ensinar religião.
Os Puranas e outros livros são conhecidos como Smriti. São autoridade somente
enquanto seguirem o Veda.
A "Verdade" é de dois tipos: (1) aquela que é perceptível pelos cinco sentidos
dos seres humanos e por conseguinte, pode ser deduzida, e (2) aquela que é percebida
pelos poderes sutis que advém da Yoga.
O conhecimento adquirido pelo primeiro caminho é chamado ciência e aquele
pelo segundo método é o Veda.
O conhecimento infinito sem começo e sem fim, chamado "Veda" é eternamente
existente. O Próprio Criador está criando, conservando e destruindo o mundo com a sua
ajuda.
A pessoa em quem aquele poder de intuição se manifesta é chamada Rishi e o
conhecimento infinito que ele adquire com aquele poder é chamado "Veda".
Atingir o estado de Rishi ou de vidência, que consiste no conhecimento imediato
do "Veda" é a verdadeira realização da religião. Enquanto a vida do aspirante não se abrir a
ele, a religião será uma "mera palavra sem significado" e não se pode mesmo dizer que
já tenha posto o pé na soleira da religião.
A autoridade do Veda confirma-se independente de tempo, lugar ou pessoa, isto
é, sua autoridade não está confinada a um tempo, país ou pessoa determinados.
Somente o Veda determina a Religião Universal. Apesar de um pouco desse
conhecimento infinito ser encontrado nos Itihasas, Puranas etc. de nosso país e nos
livros religiosos de países estrangeiros, contudo esse conjunto de palavras compiladas em
quatro livros chamados Vedas e bem conhecidos pelos arianos, é digno de ocupar o mais
elevado lugar em todos os aspectos - de ser adorado pelo mundo inteiro e de ser a prova
final da verdade de todas as escrituras indígenas ou alienígenas.
No que diz respeito ao conjunto de palavras chamado Veda, descoberto pelos
arianos, deve-se entender que somente a parte que não é Arthaveda (elogio) ou
Aitihya (tradição) ou empiricamente conhecida ou cognoscível, é o Veda. Este conjunto
de palavras está dividido em duas partes, a saber, a que diz respeito ao conhecimento e
a outra relativa à ação. Como os rituais do Veda e seus resultados descritos na parte
"ação" existem o tempo todo no campo de Maya, estão sujeitos à transformação
segundo a lei de mudança no que concerne a tempo, lugar, pessoa, circunstâncias etc.
Sim, mudaram e continuarão a mudar. Como as maneiras e os costumes sociais
dependem dessa parte de "ação", também sofrem e sofrerão mudança. Assim também
os costumes e as maneiras sociais também foram e serão aceitos de tempos em
tempos, desde que não sejam contrários às escrituras e à conduta dos sábios. Uma das
principais causas da queda dos arianos foi a sujeição a costumes e maneiras populares
contrários ao Veda, à conduta dos sábios e às escrituras segundo o Veda.
A parte do Veda do "conhecimento", conhecida como Vedanta, ajudada pela
ação desinteressada, concentração da mente, devoção e autoconhecimeito está levando
eternamente os homens através do oceano de Maya, até a outra margem de liberação.
Como não é absolutamente influenciada pelo tempo, lugar e ação somente ela é o
instrutor da religião universal - uma religião destinada a todos os povos, todos os
países e todos os tempos.
É sobre a base da parte "ação" do Veda que livros sobre o sistema social como
os de Manu e outros ensinaram, complementando outros assuntos, aquelas ações que
conduzem ao bem-estar social, variando ao longo do tempo, do lugar e da ação; enquanto
livros como os Puranas tiraram as verdades ocultas da Vedanta e explicaram-nas em detalhe
nas descrições das façanhas e qualidades das Encarnações e outras manifestações de um
ou outro dos numerosos aspectos do Divino.
Ao longo do tempo, porém, os descendentes dos arianos desviaram-se da
conduta reta e do desapego, adotaram os costumes populares prevalecentes, ficando
assim com um intelecto fraco. Não conseguiram mais entender a importância nem

4
mesmo dos Puranas, que lhes pareciam contraditórios entre si em seus ensinamentos
sobre os diferentes aspectos divinos e na pregação das verdades sutis da Vedanta em
formas densas e concretas em detalhe para cérebros fracos. Daí separarem-se em
numerosas divisões da religião eterna, que é um agregado de inúmeros estados religiosos
e acendendo o fogo do ódio sectário e da inveja, esforçaram-se em atirar uns e outros
naquele logo. Quando assim tornaram Bharata, a terra da religião, em quase um inferno,
Bhagavan Sri Ramakrishna encarnou-se a f i m de mostrar o que era a verdadeira
religião dos arianos e onde estava a unidade entre as inúmeras seitas e denominações da
religião hindu dispersadas num vasto espaço de tempo e lugar - a religião que havia se
tornado uma fonte de desilusão narra os habitantes do país e objeto de desprezo para as
de outros países devido à sua aparente divisão em inúmeras seitas em guerra contínua
lutando com costumes contraditórios. Isto ele fez mantendo-se acima do olhar de todos,
como um exemplo vivo daquela religião eterna ao concentrar em si mesmo sua
universalidade perdida pela passagem do tempo.
O Divino cuja personificação é o Veda não propiciou educação literária a esta
Encarnação, para mostrar como o Sastra, eternamente existente - com a ajuda do qual
Isvara surge, mantém e dissolve o universo - revela-se no coração de um Rishi do qual
todos os Samskaras foram apagados, de maneira que, quando a verdade dos Sastras é
assim provada, a religião seria novamente descoberta e promulgada.
São bem conhecidos livros como os Smritis, que o Divino encarna-Se
repetidamente para a proteção do Veda, a verdadeira religião e do Brahmana, o instrutor
da religião.
Assim como um rio caindo de um precipício ganha velocidade e uma onda
elevando-se após a queda, cresce mais alta, assim após cada queda, como a história já
demonstrou, a sociedade ariana abandona sua morbidez e emerge mais gloriosa e
vigorosa sob a orientação compassiva do Divino.
Elevando-se após cada queda, a nossa sociedade passa a revelar mais a eterna
perfeição escondida no interior e o Divino, o eterno controlador de todos os seres, do
mesmo modo manifesta Sua verdadeira natureza em sucessivas encarnações.
Repetidamente essa terra de Bharata desfaleceu e repetidamente o Divino
manifestou-Se e a despertou novamente.
No passado, porém, nenhuma noite de lua nova de tristeza cobriu esta terra
sagrada com uma obscuridade tão densa como no presente. Aquela noite se foi, estando
agora no final da última fase, mas a última queda do país foi, por assim dizer, ao fundo
do oceano, enquanto que em comparação, todas as quedas anteriores foram somente as
marcas das patas de uma vaca.
Em comparação, pois, com o esplendor deste despertar atual da sociedade ariana,
os despertares anteriores parecerão com pouco brilho, como estrelas diante do fulgor do sol.
Comparando com o grande vigor deste novo despertar, ocorrências similares do passado
parecerão brinquedo de criança.
Devido à falta de pessoas capazes de impedir a calamidade, os fragmentos dos
vários aspectos da religião eterna ficaram espalhados em todas as direções na presente
queda, sob a forma de pequenas seitas. Foram parcialmente preservados em alguns
lugares e totalmente perdidos em outros.
O compassivo Senhor manifestou-Se com mais intensidade nesta idade
moderna, na forma acima mencionada de Encarnação da época, como jamais havia
feito, jogando como fez ao passar em toda a gama dos estados espirituais e experiências
e usando o melhor de todas as artes e ciências.
Em consequência deste fato, durante esse renascimento, os descendentes de
Manu, revigorados por esta nova força, não somente serão capazes de juntos unir a
fragmentada e dispersada massa de conhecimento espiritual, mas também de
descobrir novamente os ramos perdidos das artes e ciências e enriquecer suas vidas com
a realização daqueles ideais e idéias através de um entendimento adequado.
Daí ser pregada a harmonia de todas as nobres idéias e ideais na aurora desta

5
grande época. Este infinito e eterno grande ideal que permaneceu contido e oculto na antiga
escritura e religião da Índia está sendo proclamado em alta voz na sociedade.
Esta nova crença da época é a fonte abundante de todas as bênçãos para o
mundo, especialmente para a Índia (Bharata) e Sri Bhagavan Ramakrishna, fundador
dessa nova religião, é a manifestação reformada dos antigos santos fundadores das
religiões do passado. Tem fé nela, Ó homem, e apreende-a!
Ó homem, uma pessoa morta jamais retorna; a noite que passou não volta
mais; uma emoção, por mais apaixonada que seja, jamais toma a mesma forma
novamente; da mesma maneira um Jiva não toma o mesmo corpo duas vezes. Portanto
nós o chamamos para vir da adoração do passado para a do presente palpável; do inútil
gasto de energia com lamentações pelo que já passou para o grande empreendimento do
presente vivo; da perda de energia com a recuperação de caminhos perdidos para
amplas estradas vizinhas recém construídas. Sábio, aceite a idéia!
Imagina e sente o estado amplamente desenvolvido do poder, o simples som
de abertura que está reverberando em todos os cantos até o próprio céu; abandona
toda dúvida vã, fraqueza, inveja e malícia, próprias de uma raça escrava e colabora no
trabalho de mover para frente a roda desta grande época. Somos servos do Senhor, Seus
filhos, Seus companheiros, ajudando-O em Seu jogo. Tem essa crença implantada em
teu coração e eleva-te ao campo da ação.
Vivekananda

CAPÍTULO I

SRI RAMAKRISHNA EM BHAVAMUKHA

(ASSUNTOS; 1. O profundo significado das palavras do Mestre. 2. Semelhança das palavras de todas
as Encarnações de Deus. 3. Exemplo: Girish e sua "procuração". 4. O estado mental de Girish. 5. O estado
mental de Girish depois de dar a "procuração". 6. Doação da procuração, um grilhão de amor. 7. Como Girish
foi instruído daquele momento em diante. 8. Girish compreendendo o profundo significado de dar procuração.
9. As Encarnações e a procuração. 10. Exemplos. 11. A visão do Mestre a esse respeito. 12. O Mestre curando
leucoderma. 13. A dificuldade em dar procuração. 14. O estado mental requerido. 15. Cuidado com a decepção da
mente. 16. Outro ponto de vista. 17. A história do Brahmin que matou uma vaca. 18. O profundo significado das
palavras do Mestre. 19. A compreensão chegará no momento oportuno. 20. A necessidade de apegar-se à
Sadhana. 21. Abandone a devoção tíbia. 22. Alterações no corpo com a mudança dos estados. 23. O poder do
Mestre de conhecer todos os estados em todas as pessoas. 24. Primeiro exemplo. 25. Segundo exemplo. 26.
Terceiro exemplo. 27. Quarto exemplo. 28. O poder mental do Mestre de conhecer todos os estados mentais das
mulheres. 29. Sua causa. 30. Porque as mulheres sentiam-se livres em sua presença. 31. Primeiro exemplo.
32. Segundo exemplo. 33. O Mestre doava graça de forma idêntica às mulheres. 34. O Mestre imitava os gestos
das mulheres. 35. Os estados de homem e mulher coexistiam no Mestre. 36. Vivendo em Bhavamukha, causa
de seu entendimento universal.)

Os estados mentais originados de Sattva, de Rajas e de Tamas realmente


procedem de Mim, mas Eu não estou neles; eles é que estão em Mim. Iludido por esses três
estados, modificações das Gunas, este mundo inteiro ignora-Me, Eu que estou além deles e
sou imutável.
Gita VII, 12 & 13

1. Agora muitos vieram a saber que no fim da intensa austeridade praticada de


forma contínua durante doze anos, o Mestre foi exortado pela Mãe do Universo a
"permanecer em Bhavamukha", a que ele obedeceu. Mas é muito difícil compreender e
explicar o que é permanecer em Bhavamukha e quão profundo é seu significado. Há vinte
e oito anos Swami Vivekananda certa vez disse a um amigo (Harmohan Mitra), "Prateleiras
de livros filosóficos podem ser escritos a respeito de cada frase pronunciada pelo Mestre." O
amigo ficou surpreso e disse: "É assim? Nós, contudo, não vemos um significado tão
profundo em suas palavras. Por favor, pode me explicar um de seus pronunciamentos?"
Swami: "Se tivesse cabeça teria compreendido! Tome qualquer um dos ditos do

6
Mestre e provarei minha afirmação."
Amigo: "Está bem, por favor explique a história do deus-elefante e do deus-mahut
contada pelo Mestre para ilustrar seu ensinamento em ver Deus em todos os seres."
O Swami imediatamente reportou-se à controvérsia sobre as doutrinas do livre
arbítrio e da predestinação, ou do esforço pessoal e da vontade de Deus, que tanto os
eruditos do Oriente como do Ocidente não conseguem chegar a um acordo, e continuou a
explicar durante três dias a seu amigo, numa linguagem simples, que aquela história do
Mestre era uma solução maravilhosa para esta controvérsia.
2. Ao refletir fica-se admirado em encontrar essa profundidade na conduta diária do
Mestre e em seus ensinamentos, o que vemos em todas as Encarnações de Deus. Temos
que estudar suas vidas para ficarmos convencidos dessa verdade. Deixando de lado os
exemplos de uma ou duas grandes almas (como Sankaracharya que teve de restabelecer a
religião pondo por terra todos os argumentos maldosos de seus oponentes, encontramos
nas vidas de outras grandes almas que disseram e explicaram as verdades que deviam
ensinar numa linguagem simples e por parábolas curtas e comparações singelas e
alegorias que tocam o coração. Mantiveram-se a uma distância segura da linguagem
bombástica e grandiloqüente ou da retórica elaborada. Mas suas palavras singelas e símiles
evidentes têm tanto significado e poder em si mesmas, por permitirem às pessoas comuns
elevarem-se a ideais sublimes, que mesmo agora não somos capazes de compreender
completamente seus significados ou encontrar um limite para seu poder, embora há
milhares de anos temos tentado fazê-lo. Quanto mais os estudamos encontramos
significados mais profundos; e quanto mais meditamos neles, mais a mente renuncia ao
campo transitório e inóspito do mundo e ascende a regiões cada vez mais elevadas. E
quanto mais longe uma pessoa prossegue em direção à "realização do objetivo supremo",
"existência em Brahman", à "liberação" ou "visão de Deus" como aquele estado vem sendo
chamado pelas grandes almas, mais uma pessoa compreende no fundo do coração o
significado profundo daquelas palavras simples.
3. Esta é a lei. Não encontramos qualquer exceção à ação dessa lei nas palavras e
na conduta do Mestre. Ó, que profundidade de conteúdo as palavras do Mestre revelam e
quão pouco dela parecem possuir ao serem ouvidas pela primeira vez! É suficiente dar
aqui somente um exemplo. Depois de encontrar-se com o Mestre algumas vezes, um dia
Girish entregou-se completamente a ele e disse: "O que devo fazer de agora em diante?"
O Mestre: "Continue, faça o que vem fazendo. Por ora conserva ambos, este
(Deus) e aquele (o mundo). Quando um lado (isto é, o mundo) cair, tudo que for ordenado
para acontecer, acontecerá. Mas continue a se lembrar e a pensar n'Ele cada manhã e cada
noite." Assim falando, olhou para Girish como esperando uma resposta.
Girish ficou triste e pensou: "A natureza de meu trabalho é de tal ordem que não
tenho tempo nem para satisfazer minhas necessidades físicas como comer, beber, dormir etc.
Estou certo que vou esquecer de me lembrar de Deus e de pensar n'Ele de manhã e à noite.
Que calamidade será se não obedecer às palavras de Sri Guru! Certamente vai cair algum
mal sobre mim por causa disso. Então como posso aceitar? Certamente é errado não honrar
uma promessa a qualquer pessoa neste mundo, quanto mais a promessa a alguém que se
vai aceitar como seu guia espiritual."
4. Girish hesitava até em expressar seus pensamentos. Continuou a pensar que
certamente o Mestre não lhe havia pedido uma tarefa muito difícil. Tivesse ele dito isso a
outra pessoa, ela teria imediatamente concordado. Mas o que Girish podia fazer? Como ele
conhecia corretamente seu estado mental, que era cheio de tendências para o exterior,
pensou que estava, por assim dizer, além de seu poder praticar diariamente, mesmo aqueles
poucos deveres religiosos. Assim também, olhando para sua própria natureza viu que se
sentia sufocado até em pensar que tinha de se submeter a qualquer obrigação que o
prendesse para sempre a um voto ou a uma regra. Sentia que sua mente não teria paz
enquanto aquele voto ou regra não fosse quebrado. Isto ocorrera durante toda sua vida.
Não tinha dificuldade em voluntariamente fazer qualquer coisa boa ou má, mas sua mente
rebelava-se em pensar que estava preso a essa ou aquela coisa. Compreendendo sua

7
condição muito fraca e desesperançada, ficou aflito e em silêncio. Não podia dizer que iria
fazê-lo, nem que não podia. Como poderia não ter vergonha de dizer que não podia fazer
algo tão fácil? E mesmo se o dissesse, o que o Mestre e as outras pessoas iriam pensar?
Talvez não compreendessem sua condição desesperançada e pensariam, embora não
o dissessem, que tudo era um mero fingimento.
Vendo que Girish continuava em silêncio, o Mestre olhou para ele e, conhecendo
seus pensamentos, disse: "Muito bem, se você não puder fazer isto, lembre-se d'Ele uma
vez antes de comer e outra antes de ir para cama."
Girish continuou em silêncio. Perguntou a si próprio se poderia fazer até isso. Em
certos dias comia às 10 horas antes do meio dia e em outros, às 5 da tarde e ocorria a
mesma irregularidade com suas refeições da noite. Havia dias em que embora estivesse
comendo, não ficava completamente consciente do que fazia, devido aos problemas e às
preocupações com os casos pendentes nos tribunais - por exemplo, com a falta de
informação se a importância enviada por ele ao advogado chegara a tempo e caso contrário,
que desastroso seria se este não fosse ao tribunal por falta de pagamento. Se, contudo,
esses dias se repetissem - o que não era impossível - ele certamente se esqueceria de se
lembrar e de pensar em Deus naquelas ocasiões. Meu Deus! O Mestre pedia-lhe para fazer
uma coisa tão fácil e entretanto, ele não sabia se poderia fazê-lo. Girish estava numa triste
situação e permaneceu imóvel e mudo; então desabou, por assim dizer, uma tempestade
de ansiedade, medo e desespero em seu coração. O Mestre novamente olhou para Girish e
disse: sorrindo: "Você parece dizer: 'Não posso fazer nem mesmo isso.' Muito bem, então
dê-me sua procuração." 1 (1 Isto é, transfira sua responsabilidade. Quando uma pessoa transfere o poder de gerenciamento de seus
negócios mundanos para outra pessoa, esta passa a tratar, a transacionar todos os assuntos, concessões, recibos, correspondência e a assinar todos os
documentos em nome do titular).
O Mestre estava em estado de divina semi-consciência.
5. Era isso o que Girish queria. Sua mente agora tranqüilizou-se e cresceu em seu
coração uma onda de amor e de confiança no Mestre e em sua graça infinita. Ficou aliviado
porque o grilhão da obrigação, que era um terror para ele, havia sido rompido para sempre.
Bastava agora ter a fé firme de que o que fizesse, o Mestre o salvaria de um modo ou de
outro, por seu poder divino.
6. Dar procuração ao Mestre significou então para Girish somente que ele não
tinha de desistir de nada por meio de seus esforços pessoais ou preocupar-se com práticas
espirituais, e que o Mestre removeria o último vestígio de mundanismo de sua mente por meio
de seus poderes.
Mas ele não compreendeu que voluntariamente havia posto ao redor de seu pescoço
um laço de amor cem vezes mais forte do que o grilhão de obrigação que ele considerava
insuportável. Faltou-lhe mergulhar fundo no significado daquilo com o que havia se
comprometido. Não compreendeu o que realmente significava, i. é, que em qualquer
circunstância - favorável ou adversa, conduzindo à fama ou à desonra, à felicidade ou à dor
agonizante - nada mais tinha a dizer ou a fazer, senão suportar tudo sem qualquer queixa.
Todos os outros pensamentos desapareceram de sua mente e sentia a graça infinita de Sri
Ramakrishna, em verdade, um novo ego enraizado em Sri Ramakrishna havia nascido e
estava se desenvolvendo em si mesmo com rapidez. Um espírito de desafio divino ao
mundo lhe veio e pensou que o que quer que o mundo pudesse pensar dele, até desprezá-lo,
era-lhe sem substância; porque o Mestre indubitavelmente era dele sob todas as
circunstâncias e em todas as ocasiões. Como poderia saber que o sentimento constante
desse novo egoísmo é considerado nas escrituras devocionais, como os Bhaktisutras de
Narada, como uma espécie de prática espiritual e uma bênção que vem aos homens de boa
sorte? Girish, contudo, estava agora livre de ansiedade e ao comer ou fazer qualquer outra
atividade, tinha somente um pensamento, isto é, que Sri Ramakrishna havia tomado para
si toda responsabilidade - um pensamento de alívio, um bálsamo para sua mente, que
através de uma impressão que se aprofundava, ganhava gradualmente controle sobre todo
seu ser, fazendo-o involuntariamente meditar no Mestre, trazendo assim uma revolução em
sua pessoa, em todos os pensamentos e ações. Estava feliz embora não compreendesse,
porque, ele pensava, não era um fato que ele (Sri Ramakrishna) amava-o e era mais do que

8
seu íntimo?
7. O Mestre sempre ensinou que não se deveria interferir na "atitude mental de
ninguém" e assim costumava agir em seu relacionamento diário com os devotos.
Conhecendo bem o estado espiritual de Girish, doravante começou a dar instruções de acordo
com aquele estado. Um dia quando Girish disse na presença do Mestre: "Vou fazer isso", a
respeito de um assunto banal, o Mestre subitamente protestou dizendo: "Olhe! Por que você
diz: 'eu o farei'? Suponhamos que você não possa. E aí? Você deve dizer: "Vou fazer se
Deus assim quizer'. De sua parte Girish sentiu: "Está muito certo. Entreguei completamente
a Deus todas a minha responsabilidade e Ele aceitou-as. Só posso fazer uma coisa se Ele
achar que é conveniente e bom para mim e permite-me fazê-la. Como posso fazê-la por
minha própria conta?" Ao compreender isto, gradualmente abandonou as palavras e idéias
como "eu farei isto", “eu irei", etc.
8. Passaram-se os dias e por fim o Mestre morreu. Girish sofreu várias desgraças,
por exemplo, a morte da esposa, filho e outros; mas sua mente sempre dizia: "Ele (Sri
Ramakrishna) está permitindo que essas coisas aconteçam somente porque são boas para
você (ele mesmo). Você transferiu-lhe sua responsabilidade e ele aceitou-a; mas ele não lhe
deu qualquer certeza a respeito do caminho em que o levará. Sabendo que este caminho é
fácil para você ele o está conduzindo ao longo dele. Você não pode dizer "não" ou resmungar
contra. Eram então palavras vazias as que você disse ao dar-lhe a procuração ou a transferir
sua responsabilidade para ele?" Assim, à medida que os dias passavam, o significado oculto
de "dar procuração" tornava-se cada vez mais claro para Girish. Será que esse significado foi
por fim completamente compreendido? Perguntado a respeito, Girish respondeu: "Mesmo
agora, muita coisa falta para ser compreendida. Será que eu sabia que havia tanta coisa
oculta em dar uma simples procuração? Agora penso que chega um momento em que há
um fim para as práticas espirituais como Japa, austeridade e outras práticas devocionais,
mas não há fim para o trabalho de uma pessoa que deu 'procuração' "Porque ele
começou a entender que tinha que observar em cada passo e em cada respiração, se
em todos os seus pensamentos e atos estava dependendo d'Ele e de Seu poder ou desse
malvado "eu".
9. Muitos pensamentos passam em nossa mente ligados a essa doutrina da
aceitação de procuração. Vemos na história do mundo que somente as grandes almas
como Jesus, Chaitanya e outros puderam dar esse tipo de garantia a algumas pessoas.
Instrutores comuns não têm poder para tal. Podem no máximo ensinar os Mantras e
práticas particulares com ajuda dos quais eles próprios fizeram progresso espiritual; ou
podem atrair as pessoas para a pureza, ao viverem eles mesmos vidas puras. Mas
quando paralisado por vários grilhões mundanos, o homem é tomado por uma completa
desesperança e quando lhe é pedido para fazer até uma coisa banal, ele confessa sua
incapacidade e pede ajuda em completo desespero, está além do poder dos instrutores
comuns ajudá-lo. Está além do poder de qualquer pessoa dizer ao outro que tomaria
sobre si mesmo todas as responsabilidades pelas suas ações más e que ela mesmo
experimentaria os resultados para o bem dela. É quando há um grande declínio de
espiritualidade no coração do homem que o Senhor, por Sua graça, encarna-Se e sofre
as consequências das más ações do homem para o bem dele e salva-o da prisão daquele
grilhão. Embora Ele assim aja, Ele não o absolve completamente mas obriga-o a
algum pequeno esforço a fim de que aprenda. O Mestre costumava dizer a esse respeito:
"O homem põe fim às experiências de dez vidas em uma pela graça d'Elas
(Encarnações)."
10. Isto é verdadeiro tanto para um indivíduo quanto para uma nação. É isso
que foi chamado no Gita (XI, 8): "atingir o olho divino", por Arjuna com o objetivo de
ter a visão da forma universal de Brahman; nos Puranas: "ser abençoado com a graça
de Deus, o Senhor"; nas escrituras Vaishnavas Bengali: "a salvação de Jagai e Madhai
ou o esmagamento daquele que não acreditava neles"; e nas escrituras cristãs, "a
redenção" de Jesus por ter tomado para si os sofrimentos dos outros. Jamais
poderíamos ter compreendido que há uma verdade em tudo isso, se não tivéssemos tido

9
uma indicação a esse respeito na vida de Sri Ramakrishna.
11. Quando o Mestre veio morar em Shyampukur, Calcutá, para tratamento, teve
um dia a visão de que seu corpo sutil saíra do denso e caminhava para cima e para
baixo. Olhando essa visão o Mestre disse: "Vi que ela tinha chagas nas costas. Estava
pensando porque estavam ali quando a Mãe mostrou que era devido às pessoas que
vinham e tocavam meu corpo depois de terem cometido todos os tipos de pecados -
porque, por compaixão por seus sofrimentos, eu havia tomado sobre mim os resultados
de seus atos maus, por essa razão (mostrando sua garganta)2 (2 O Mestre estava sofrendo de câncer da garganta
quando essa conversa teve lugar) está aqui. Por que então tanto sofrimento, embora esse corpo jamais
tenha feito algo de errado? Estávamos aturdidos e pensamos: "É verdade então que se
pode assumir as conseqüências dos atos de uma outra pessoa e liberá-la de trabalhar
para seu progresso espiritual?" Ouvindo as palavras do Mestre, muitos pensaram, por
amor a ele: "Ah, por que tocamos no Mestre depois de fazer tantas ações más como
mentir, enganar etc.? Ele está sofrendo tanto, suportando tanta dor por nossa causa.
Nunca mais vamos tocar em seu divino corpo".
12. Lembramo-nos do que o Mestre havia dito a esse respeito em outra
ocasião. Certa vez um homem sofrendo de leucoderma veio e pediu insistentemente ao
Mestre que se apenas passasse a mão, ele ficaria bom de sua doença. O Mestre apiedou-se
dele e disse: "Bem, nada sei, mas como você quer, vou passar minha mão. Ficará curado
se a Mãe quiser." Dizendo isso, passou a mão. Durante todo aquele dia o Mestre sentiu
tanta dor na mão que ficou inquieto e disse à Mãe do Universo: "Nunca mais vou fazer
algo assim novamente, Mãe." O Mestre mais tarde costumava dizer: "Ele ficou curado de
sua doença mas o sofrimento foi experimentado aqui (mostrando o corpo)." Esses
acontecimentos da vida do Mestre mostram-nos claramente que, nesta época, escrituras
como os Vedas, a Bíblia, os Puranas, o Corão, os tratados sobre rituais, as fórmulas
sagradas etc. podem ser facilmente compreendidas, se estudadas à luz da vida de Sri
Ramakrishna. O Mestre também nos dizia: "Meus filhos, a moeda em uso na época dos
Nawabs não é moeda corrente na dos Badshas."
13. Olhando de maneira superficial pode parecer que dar "procuração" é uma coisa
muito fácil, como se o poder estivesse pronto para ser passado para um outro. O homem
é escravo de suas inclinações; procura tirar vantagens mesmo praticando religião. Quer as
duas coisas, os prazeres do mundo e a felicidade de Deus. Considera os divertimentos
mundanos tão doces que sem eles sente que a vida não tem objetivo e que não vale a
pena viver. É por essa razão que fica fora de si de alegria quando vem a saber que pode
ser dada "procuração" no mundo espiritual. Pensa: "Bem, grande! Deixe-me desfrutar
dos prazeres do mundo a meu contento, seja cometendo roubo, trapaça, extorsão etc. E que
Chaitanya, Jesus ou Ramakrishna consigam que eu possa ser feliz no outro mundo. Digo
'outro mundo', porque algum dia tenho que morrer." Não consegue ver que se trata
somente de uma ilusão criada por sua mente esperta, que é somente fechar os olhos às
terríveis figuras de suas próprias ações más que o conduzem rapidamente à destruição;
e que algum dia será forçado a abrir os olhos e ver diante de si um oceano sem praia.
Compreenderá então que ninguém aceita a "procuração" dada por um embusteiro. Ah
homem! Quantas são as maneiras pelas quais você está se enganando, pensando que fez
uma troca esplêndida! E salve Mahamaya! Que grande ilusão Tu criaste na mente
humana! O que Ramprasad diz em sua canção a Ti, é perfeitamente verdadeiro:

"Salve, Ó Mãe Dakshina Kalif!


Tu produziste ilusão no mundo,
Mas fizeste a varinha de condão de Teus dois pés
Que destrói a ilusão, caírem no destino de Shiva,
Tu és a filha desse mágico,
Tu mantiveste o Pai (do universo) sob o disfarce da loucura
E assumindo os três gunas,
Tu Te transformaste em Purusha e Prakriti

10
Portanto apreendi, Ó Prasad!3 (3 Autor da canção)
Que tu enlouqueceste, como tu esperas obter
Aqueles pés, que não podiam ser obtidos
Pelo próprio destruidor de Trípura."

14. A procuração não pode ser dada pelo simples desejo mas somente quando,
como resultado de esforço e perseverança, a mente atinge um estado adequado. É
somente então que o Senhor aceita-a. É quando, correndo atrás de várias coisas do mundo
para ser feliz, o homem realmente sente que o que alcançou é a sombra sem realidade; é
quando, fazendo práticas espirituais, Japa e austeridade, ele sente no fundo do coração, que
jamais poderá conseguir um preço para alcançar o Senhor infinito; é quando empregando
sem poupar esforços todos os meios e métodos com a esperança e fé de mover
montanhas, pela total força da perseverança, ele compreende que não tem poder nem para
mover uma palha - é somente então que ele começa a chorar com uma voz queixosa: "Ó Tu,
protetor, quem quer que sejas e onde quer que Tu estejas, salva-me!" então, o Senhor
aceita sua procuração.
15. Ao contrário, quando a mente assume uma atitude perversa e diz: "Não
sinto alegria quando faço exercícios espirituais ou chamo pelo Senhor, mas sinto-me
feliz somente quando dou rédeas livres às minhas fantasias e imaginações, então sigo-as"
e quando se faz uma objeção a essa atitude, vem com a pronta resposta: "Ora, não dei
minha procuração a Deus? O que vou fazer se Ele está me fazendo agir assim? Por que Ele
não muda meu estado mental?" então deve-se saber que dar "procuração" dessa maneira é
enganar-se a si próprio e aos outros, aqui e depois.
16. Compreenderemos melhor este assunto se o discutirmos de outro ponto de
vista. Bem, suponhamos que você tenha dado a procuração e não necessita chamar por
Deus ou seguir uma prática espiritual. Se a procuração foi dada de forma adequada, poderá
confiar em Sua compaixão, no seu coração. Então sentirá que tendo caído nesse mar sem
praia do mundo e tendo nele lutado desesperadamente por muito tempo, Ele agora o salvou
por Sua graça. Imagine quanta gratidão, quanto amor e quanta devoção você despejará
n'Ele ao sentir-se assim. Será necessário pedir que você pense n'Ele sempre ou se lembre
de Seu nome? Cheio de gratidão amorosa por Ele, será que seu coração naturalmente não
agirá assim? Mesmo um ser ruim como uma serpente é grata a uma pessoa que lhe dá
abrigo, é chamada familiarmente "cobra de estimação" e não faz mal a ninguém da família. É
seu coração tão mesquinho que não se encha de amor e gratidão por Aquele que tomou para
Si próprio a sua responsabilidade, tanto neste mundo como no próximo? Assim, se você
achar que depois de dar a 'procuração', não sente alegria ao chamar por Deus, tenha
como certo que não lhe deu a 'procuração' de forma correta, nem Ele tomou para Si a sua
responsabilidade. Não se engane mais pensando que deu a 'procuração' e não atribua a
mácula de suas más ações ao imaculado Senhor, eternamente livre de qualquer mal. Agir
assim é mais venenoso e danoso para você. Lembre-se da história do Mestre sobre um
Brahmana que matou uma vaca:
17. Um Brahmana conseguiu, com muito esforço e grandes cuidados, construir um
lindo jardim. Plantou diversas árvores frutíferas e de flores sentindo-se muito feliz ao ver
seu crescimento exuberante. Um dia, vendo o portão aberto, uma vaca entrou no jardim e
começou a comer as plantas. O Brahmana saíra a negócios. Ao voltar viu que a vaca
ainda estava comendo as plantas. Violentamente correu para a vaca e deu-lhe um tal golpe
com a bengala numa parte vital do seu corpo, que ela morreu no local. O Brahmana foi
tomado de medo e pensou: "Meu Deus! Eu, um Brahmana, matei uma vaca - o que é o
maior dos pecados." O Brahmana havia lido um pouco de Vedanta e lembrou-se que cada
órgão dos sentidos humano tem seu poder de funcionamento pelo poder de uma divindade
particular. Por exemplo, o olho tira sua visão do deus-sol (Aditya); o ouvido sua audição,
do deus-vento (Vayu); a mão, seus movimentos, de Indra e assim por diante. O Brahmana
lembrou-se daquelas palavras e pensou: "Não fui eu quem matou a vaca. A mão moveu-
se pelo poder de Indra; portanto, foi Indra quem matou a vaca." O Brahmana sentiu-se

11
então aliviado.
18. Agora, o pecado de matar a vaca (Go-hatya) entrou no corpo do Brahmana,
mas ele mentalmente desviou-o com o pensamento: "Vá embora, não há lugar para você
aqui. Indra matou-a; vá a ele." Então o pecado foi atrás de Indra. Indra disse-lhe:
"Espere um pouco, por favor; deixe-me falar uma ou duas palavras com o Brahmana e
voltar. Pegue-me depois Se quiser." Assim dizendo, Indra tomou uma forma humana,
entrou no jardim do Brahmana e viu-o perto, cuidando das plantas e árvores. Indra
começou a elogiar a beleza do jardim no ouvido do Brahmana e lentamente dirigiu-se a ele e
falou: "Que belo jardim é este! Com que bom gosto as plantas e árvores foram plantadas,
cada uma em seu lugar!" Assim falando aproximou-se do Brahmana e disse: "Senhor, pode
dizer de quem é este jardim? Quem plantou tão lindamente as flores e as plantas? Ouvindo-
o elogiar o jardim, o Brahmana ficou fora de si de alegria e disse: "Senhor, este jardim é
meu; fui eu quem plantou todas elas. Venha, deixe-me mostrar-lhe tudo." Enquanto levava
Indra, conversando sobre muitas coisas relacionadas com o jardim, elogiando-se o tempo
todo, chegou inadvertidamente ao local onde estava a vaca morta. Surpreso, por assim
dizer, Indra perguntou: "Quem matou a vaca?" O Brahmana que estivera o tempo todo
falando de tudo no jardim, dizendo: "Fiz isto", "Fiz aquilo", estava agora perdido e não sabia o
que dizer. Ficou em silêncio. Indra então assumiu sua forma e disse: "Ah, que hipócrita,
você fez tudo o que é bom no jardim; somente o assassinato da vaca recai sobre mim! Não
é? Aqui está o seu pecado por matar a vaca. Tome-o. “Assim falando, Indra desapareceu e o
pecado veio e tomou posse do corpo do Brahmana.
19. Já dissemos bastante sobre a procuração. Vamos continuar com o assunto4 (4 Mencionado
nos parágrafos 1 e 2 desse capítulo) principal. Pergunte a qualquer devoto do Mestre que sem hesitar, declarará
que, com o decorrer do tempo, ele encontra pela graça do Mestre, significados cada vez mais
profundos em suas palavras. Ficamos admirados de encontrar maravilhosos significados em
muitas palavras e ações do Mestre, que na época as aceitávamos devido ao encanto de sua
personalidade. Por exemplo, considere-se o dito favorito do Mestre: "Ah, meus filhos, vocês
serão bem sucedidos no momento exato, compreenderão na hora certa. Pode-se colher uma
fruta imediatamente após ser semeada? Primeiro ela torna-se um broto, em seguida uma
planta pequena e então, ela cresce e produz flores e por fim, frutas. É exatamente assim mas
deve-se perseverar e não desistir da luta. Ouçam o que diz a canção." Assim falando, o Mestre
cantava com sua voz melodiosa:

"Ó irmão, persiste com alegria


Gradualmente será bem sucedido.
O que estava errado será acertado
Anka foi salvo. Banka foi salvo.
E o açougueiro Sujan foi salvo.
Ensinando o papagaio, a prostituta foi salva.
Assim foi salva Mira Bai.
Tendo a riqueza e o tesouro do mundo,
O comerciante continua a conduzir o boi,
Quando a má sorte cai sobre ele;
Nem um vestígio (de todos eles) permanecerá.
Tenha essa devoção em mente;
Abandone a hipocrisia e a astúcia.
O rei da linha dos Raghus será facilmente alcançado.
Pela virtude de serviço, adoração e submissão."

20. Então dizia: "Serviço, adoração e entrega (humildade) - tudo será alcançado, se
uma pessoa tiver fé e apegar-se a essas coisas. É certa Sua visão direta mas se ela
abandoná-las, todo progresso pára. Um homem tinha emprego e, com grande dificuldade,
economizou pouco a pouco algum dinheiro. Certo dia ao contar, viu que possuía mil rupias.
Imediatamente ficou fora de si de alegria pensando: "Por que continuar a trabalhar? Tenho

12
uma economia de mil rupias. Do que mais preciso?" Assim falando, abandonou o emprego.
Homem fraco, com uma pequena ambição! Estava envaidecido devido àquela pequena
quantia e olhava de cima para os outros. Mas quantos dias serão necessários para gastar mil
rupias? Terminaram em pouco tempo. Experimentou maus dias e teve de implorar emprego
nos escritórios. Não se deve agir assim, tem-se que esperar pacientemente à Sua porta. Se
uma pessoa estiver preparada para agir assim, somente então será bem sucedida."
21. Novamente enquanto cantava: "Gradualmente serão bem sucedidos", o Mestre
subitamente disse: "Ah, por que gradualmente? Não se deve ser tíbio na devoção. Deve-se
ter uma fé abrasadora no coração e sentir a necessidade: 'a realização deve vir agora
mesmo; devo vê-Lo neste mesmo momento.' Pode a devoção pela metade ajudar alguém a
realizá-Lo?"
22. Sempre que olhávamos o Mestre, sentíamos que ele era verdadeiramente a
personificação dos estados espirituais. Sentíamos que víamos sua forma porque os estados
espirituais tinham, por assim dizer, se consolidado naquela sua forma. Falamos
eloquentemente das mudanças físicas que ocorrem simultaneamente com as mudanças
mentais, mas encontramos somente um pouco de tais fenômenos. Mas nem em sonhos
poderíamos imaginar que uma explosão de estados mentais poderiam ocasionar tanta
mudança no corpo, como no caso do Mestre. No Nirvikalpa Samadni a consciência do 'eu'
do Mestre desaparecia totalmente e com ela, o pulso, o batimento cardíaco, etc., que
paravam ao mesmo tempo. Mahendralal Sarkar e outros médicos examinaram-no com
ajuda de instrumentos e não encontraram qualquer sinal de funcionamento de seu coração.5 (5
Esse exame aconteceu em nossa presença, quando o Mestre estava na casa de Shyampukur (em Calcutá) para tratamento de sua garganta). Não
satisfeito com isso, outro médico seu amigo foi além e tocou o globo ocular do Mestre e
encontrou-o insensível ao toque, como o de um morto. Ao praticar "Sakhi-bhava", o Mestre
meditava continuamente em si mesmo como atendente de Sri Krishna e tornou-se tão
identificado com aquela idéia que o comportamento feminino, a maneira de uma mulher
levantar-se, andar, sentar-se, falar etc., manifestaram-se naturalmente em seu corpo, de
forma que em diversas ocasiões Mathuranath e outros amigos tomaram-no por uma
convidada.6 (6 Foi na casa de Mathur que o Mestre praticou Sakhi-bhava). Ouvimos tantas coisas do Mestre e
nós mesmos vimos tantos fenômenos semelhantes, que sentimos que a moderna psicologia e
fisiologia, até então consideradas conclusivas, têm que ser reformuladas. Será que as
pessoas acreditarão nesses acontecimentos se lhes forem contados?
23. Mas a coisa mais impressionante que vimos nele foi o poder de vagar em todos
os campos das idéias - um poder de compreender todas as idéias, grandes ou pequenas,
de todas as pessoas, de um menino ou de um adulto, de um monge ou de um chefe de
família, de um devoto ou de um Vedantista, de um homem ou de uma mulher; seu poder de
apreender os pensamentos e os sentimentos interiores de cada aspirante espiritual, de
conhecer o quanto ele avançou no terreno da espiritualidade, qual o caminho adotado,
quais as necessidades correntes para levá-lo além de seu limite de progresso; e o mais
importante, seu maravilhoso poder de prescrever a direção necessária e adequada. Ao
pensarmos profundamente nessas coisas, parece-nos que o Mestre havia experimentado
anteriormente em sua vida, todas as idéias do passado, presente e futuro sem exceção; que
havia armazenado em sua memória toda a detalhada história de cada um dos estados,
desde o momento de seu aparecimento até o do desaparecimento; e que devido a esse
fato sempre que alguém vinha como humilde inquiridor, totalmente envolvido em situações
extremamente difíceis, como apego mundano, problemas mundanos ou persistência de
uma idéia ou emoção contrária à busca da renúncia ou de outros valores espirituais, o
Mestre invariavelmente lhe dava a direção adequada e, encorajando-o, contava-lhe suas
próprias experiências sob condições semelhantes. Dizia: “Meu filho, tais e tais
acontecimentos vieram a ocorrer e eu então adotei tais e tais medidas." É desnecessário
dizer que uma grande esperança enchia o coração do devoto quando o Mestre assim falava e
com muita fé e esperança, avançava no caminho determinado pelo Mestre. Isto não era
tudo; ele sentia quão grande era o amor do Mestre por ele, quando lhe confiava os
segredos do seu coração. Se dermos um ou dois exemplos esclareceremos melhor este

13
ponto.
24. Um filho de Manimohan Mallick de Sinduriapati, com futuro promissor, morreu.
Mal terminaram as cerimônias de cremação, Manimohan foi ao Mestre. Saudando-o, foi
sentar-se, com o coração partido, no canto do aposento. Viu muitos devotos fazendo
perguntas, buscadores da verdade, homens e mulheres, e o Mestre conversando com eles
sobre diversos assuntos. Estava sentado havia pouco tempo quando os olhos do Mestre
caíram sobre ele. Com um aceno de cabeça, perguntou-lhe: "Bem, por que está tão triste
hoje?" Com a voz embargada, Manimohan respondeu: "Fulano (dizendo o nome do filho)
morreu hoje." Vendo sua aparência perturbada e ouvindo sua voz embargada, todos no
aposento ficaram estupefatos e mudos. Todos sentiram que qualquer palavra de consolo
não poderia aliviar a profunda dor e violenta agonia de seu coração. Contudo começaram a
consolá-lo com palavras como: "Assim é a vida, todos devem morrer um dia. O que
aconteceu não pode ser desfeito nem que mil vezes se derramem lágrimas. Portanto
abandone a tristeza e tenha paciência." Desde o início da criação estamos consolando
homens e mulheres tomados pela dor, com essas palavras. Mas, meu Deus, quão poucos
corações são os que assim foram consolados! E como o podem ser? Somente quando três
coisas, a saber, nossas mentes, nossas palavras e nossos atos estejam inspirados pelo
mesmo sentimento, então nossas palavras podem tocar os corações dos outros e levantar
ondas de sentimentos semelhantes. Mas faltam-nos completamente tais qualificações.
Dizemos: "O mundo é transitório", mas todos nossos pensamentos e atos são contrários a
essa idéia. Embora aconselhemos os outros a considerarem este mundo transitório como
um sonho, sempre o olhamos no fundo de nossos corações como eterno e tudo fazemos
para viver aqui para sempre. Como nossas palavras poderão ter o poder de convencer?
Embora todos dissessem frases comuns de consolo sobre Manimohan, o Mestre
permaneceu todo o tempo apenas ouvindo, sem nada falar. Quando viram seu estado
indiferente, alguns ficaram surpresos e imaginaram quão duro, quão desprovido de
compaixão era seu coração.
Enquanto ouvia as palavras do velho senhor, o Mestre gradualmente entrou em
êxtase - num estado semi-consciente. Subitamente, com a postura e a energia de um
lutador, tocou o braço esquerdo abaixo do ombro com a palma da mão direita, ficou de pé e
começou a cantar com um vigor sem precedente:

Ó homem, prepara-te para a batalha,


Ali, vê a Morte entrando em Tua casa, em formação de batalha;
Portanto, dirige o carro da grande virtude,
Arreia nela os dois cavalos da devoção e da prática espiritual,
Estende o arco do conhecimento,
E lança a flecha infalível do amor de Deus.
Ouve, há outro plano de boa estratégia;
E todos os inimigos poderão ser mortos sem um carro ou um condutor.
Se Dasarathi7 tomar o campo às margens do Bhagirathi.

(7 O compositor. Segundo o costume ortodoxo daquela época, os compositores mencionavam seu nome na última stanza, talvez para mostrar que
os sentimentos das canções eram dirigidos a si mesmos).

O tom da canção, expressando grande vigor e o gesto apropriado unidos ao espírito


de renúncia heróica e à força decisiva dos olhos do Mestre, produziram nos corações de
todos uma corrente de maravilhosa esperança e de energia. O coração de cada um elevou-
se da tristeza e da ilusão e encheu-se de uma felicidade divina espetacular além dos
sentidos e do mundo. Manimohan sentiu-a em seu coração, esqueceu-se da tristeza
agonizante e ficou calmo, grave e em perfeita paz.
A canção terminou; mas suas poucas palavras, cantadas como acima descritas,
geraram ondas de espiritualidade que encheram o aposento durante um longo período e
foram sensivelmente sentidas por todos, como uma presença. Todos estavam tranquilos,
perdidos completamente naquele estado espiritual que parecia declarar: "Somente Deus é

14
nosso; temos que oferecer nosso coração e nossa vida a Ele. Que Ele derrame Sua
compaixão e revele-Se a nós!" Quando um pouco mais tarde, o êxtase chegou ao fim, o
Mestre sentou-se ao lado de Manimohan e disse: "Ah! Que outra dor abrasadora há no
mundo que possa ser comparada à dor da morte de um filho? Um filho nasce deste
envoltório (corpo), não é? Portanto sua relação com o corpo persiste enquanto ele viver."
Assim falando o Mestre começou a descrever de maneira tão tocante, a morte de Akshay
como exemplo, que parecia estar visualizando a morte de seu sobrinho. Disse: "Akshay
morreu. Na hora nada senti. Estava de pé observando como alguém morre. Vi que havia,
por assim dizer, uma bainha e a espada estava sendo tirada. A espada não tinha sido
afetada em nada. Permanecia como antes e a bainha jazia ali. Fiquei muito feliz ao ver
isto. Ri e cantei, e lancei. Cremaram o corpo e regressaram. No dia seguinte, estava ali,
de pé (apontando para a varanda do quarto que dava para o leste, perto do pátio do
templo de Kali) sabem o que senti? Senti como se meu coração estivesse sendo torcido
como uma toalha. Meu coração estava sentindo assim por Akshay. Pensei: 'Mãe, este
(seu próprio corpo) não pode conservar nem mesmo a roupa que usa; que apego este (ele
mesmo) pode ter por um sobrinho! Como sinto amargamente sua morte! Se isso acontece
até aqui (com ele mesmo), que dor cruciante deve ser para os chefes de família! É isso
que Tu estás mostrando, não é?"
'Mas sabem?" continuou o Mestre, um pouco mais tarde, "Aqueles que se refugiam
n'Ele não afundam por uma dor insuportável. Reconquistam o equilíbrio depois de alguns
golpes. Pessoas de pouca capacidade, como pequenos navios, perdem completamente o
controle, o equilíbrio e caem. Já repararam o que ocorre com os pequenos barcos de pesca
quando os navios passam pelo Ganga? Parece que estão perdidos. Alguns afundam. Os
grandes vapores carregando toneladas de carga, reconquistam o equilíbrio após pequena
agitação, mas uma sacudidela ou duas devem ser sentidas por todos.
Depois de uma pequena pausa de forte tristeza, o Mestre acrescentou: "Quão
poucos são os dias em que duram esses relacionamentos (filhos, pais etc.)! Almejando a
felicidade, o homem entra no mundo; casa-se, gera um filho; o filho cresce; casa o filho;
assim ficam felizes por alguns dias. Então um fica doente, outro morre, um outro se
desencaminha e o homem fica fora de si, cheio de preocupações e ansiedades. Quanto
maior a frustração, mais altos os queixumes! Já notaram como o combustível úmido queima no
forno do doceiro? No início queima bem, mas com a continuação, o líquido começa a escorrer
através de sua parte de trás e assume a forma de espuma com bolhas que estouram e
produzem vários tipos de assobios. É assim." Assim estava ele consolando
Manimohan, falando-lhe sobre uma variedade de assuntos como "a transitoriedade e o
vazio do mundo", "tomar refúgio no Senhor, a única fonte de felicidade" e assim por
diante. Manimohan sentiu-se consolado e disse: "Foi por isso que corri para o senhor.
Eu sabia que não havia mais ninguém que poderia amenizar o fogo da minha dor."
Estávamos maravilhados com o extraordinário comportamento do Mestre e
pensamos: "É este que há pouco tempo havíamos considerado de coração duro e
indiferente? Aquele que é realmente grande não é como a maioria comum das
pessoas, mesmo com respeito a assuntos banais. Sua grandeza é notada em cada ato,
grande ou pequeno. É esta a mesma pessoa, cujo coração parou de bater há pouco
tempo atrás enquanto experimentava êxtase ou a proximidade de Deus? É a mesma
pessoa que, por simpatia com o estado de Manimohan, comporta-se como um homem
comum? Ele poderia simplesmente ter rejeitado as palavras do velho senhor, dizendo:
"É tudo ilusão, um assunto banal", não é que não podia tê-lo feito. Tivesse ele mostrado
sua grandeza dessa maneira, nós teríamos sentido que ele é um grande instrutor
espiritual ou qualquer outra coisa, mas que certamente não é desse mundo, teríamos
sentido que ele não tinha o dom de penetrar nos sentimentos dos mortais comuns e
teríamos dito: "Imaginamos como ele poderia permanecer indiferente ao jogo de
Maya, tivesse caído ao menos uma vez na condição desesperadora na qual nós, seres
humanos, fracos, caímos devido a nosso apego a esposas e filhos!"
25. Logo depois, talvez, um jovem chegue abatido e pergunte: "Senhor, como

15
pode uma pessoa libertar-se da luxúria? Paixões e emoções doentias às vezes
perturbam a mente e tornam-me inquieto e fora de mim."
O Mestre: "Ah, a luxúria não desaparece enquanto Deus não for realizado.
Enquanto o corpo existir um pouco dela continua mesmo depois da realização; mas não
mais pode levantar a cabeça. Vocês pensam que já me libertei totalmente dela? Certa
vez pensei que a havia conquistado. Quando estava sentado no Panchavati veio uma total
onda de luxúria que parecia estar além de meu controle. Comecei a chorar, esfregando o
rosto no chão e disse à Mãe: 'Cometi um grande erro, Mãe. Nunca mais vou abrigar a
idéia de que conquistei a luxúria.' Só então ela desapareceu. Vocês estão agora
passando pela maré alta da juventude. É por isso que não podem pará-la. Será que
quando a maré alta chega ela toma cuidado com a murada? A onda sobe, derruba a
murada e precipita-se para rente. O nível da água fica tão alto como o bambu nos
arrozais, mas dizem que um pecado mental não é pecado no Kaliyuga. Assim também,
mesmo se um sentimento indesejável aparecer uma ou duas vezes na mente, por que se
preocupam? É natural do corpo, às vezes vem, às vezes vai; não dêem maior atenção
a ele do que àquele com as funções do corpo, como os chamados da natureza. Será
que as pessoas preocupam-se com essas funções? De maneira semelhante esses
sentimentos são insignificantes, indignos de qualquer atenção e não pensem mais
neles. Além disso, orem a Deus, do fundo do coração, repitam constantemente o nome
de Hari e meditem n'Ele. Não prestem atenção se esses sentimentos vêm ou se vão.
Lentamente ficarão sob controle." O Mestre havia se tornado, por assim dizer, um jovem
falando a outro jovem.
26. Nesse sentido lembramo-nos de Swami Yogananda, que entre poucos,
havia conquistado a luxúria. Um dia ele falou ao Mestre sobre essa questão, em
Dakshineswar. Era bem jovem, com aproximadamente quatorze ou quinze anos de
idade e vinha visitando o Mestre havia pouco tempo. Um Hathayogi, chamado Narayan,
estava vivendo numa cabana perto do Panchavati e atraía a curiosidade de algumas
pessoas ao mostrar-lhes as artes do Neti-Dhauti!8 (8 Engolir vagarosamente um pedaço de pano úmido medindo 10 ou 15
cúbitos de comprimento com uma polegada de largura e puxá-lo, trazendo-o para fora, é chamado Neti. Beber 1 litro a 1 litro e meio de água e vomitá-la - é
o que se conhece por Dhauti. Sugar água pelo anus e ejetá-la novamente é também chamado Dhauti. Os Hathayogis forçam para fora todo o humor
fleumático e outras coisas que existem dentro do corpo humano. Dizem que assim previnem doenças e tornam o corpo firme).
Yogen disse que
era uma dessas pessoas. Vendo essas demonstrações pensou que a luxúria não poderia
desaparecer e Deus não poderia ser realizado a menos que elas fossem praticadas. Ao
puxar aquele assunto tinh a a esperança de que o Mestre o instruiria sobre alguma
postura, o aconselharia a tomar Haritaki ou qualquer outra droga ou ensinaria qualquer
processo de controle da força vital. "Respondendo à minha pergunta", continuou Yogen,
"o Mestre disse: 'Continue repetindo o nome de Hari e ela desaparecerá, nada mais será
necessário.' A resposta não me satisfez. Disse a mim mesmo: 'Veja, ele não conhece
qualquer processo e é por isso que me indicou uma coisa banal. Será que a luxúria
desaparece repetindo-se o nome de Hari? Muitas pessoas fazem assim; por que ela não
desaparece neles?' Outro dia vim ao templo de Kali e em vez de ir diretamente ao
Mestre, fiquei perto do Hathayogi no Panchavati, ouvindo atentamente sua conversa,
quando vi o Mestre chegando ali subitamente. Mal ele me viu, chamou-me, tomou-me
pela mão até seu quarto e disse: 'Por que foi lá? Não faça isso, sua mente vai se voltar
somente para o corpo, se aprender esses processos de Hathayoga. Não ansiará por Deus.'
Pensei: "Ele está falando assim para mim porque em caso contrário, eu deixaria de visitá-
lo.' Sempre tive minha inteligência em alto conceito. Como dava rédeas soltas ao intelecto!
Não me ocorreu que minhas visitas pouco lhe interessavam. Ah, que mente patife e
desconfiada eu tinha! Mas não havia limite à graça do Mestre. Apesar de estar alimentando
esses pensamentos, foi-me dado refúgio9. (9 Ele era discípulo do Mestre e havia renunciado ao mundo) . Então veio o
pensamento: 'Por que não faço o que ele me disse: para ver o que acontece?' Assim
pensando, tomei o nome de Hari com a mente concentrada e de fato comecei a experi-
mentar diretamente o resultado aconselhado pelo Mestre."
27. Muitos são os exemplos que podem ser citados sobre a habilidade do Mestre em
compreender a condição mental e a necessidade de todos. Já apresentamos Mani Mallick

16
de Sinduriapati. Uma devota, sua parente, visitava o Mestre frequentemente. Um dia
ela chegou e disse-lhe com grande humildade, que ao se sentar para meditar em Deus,
pensamentos mundanos, palavras de uma pessoa, o rosto de outra etc., vinham-lhe à
mente e ela não podia alcançar tranquilidade. O Mestre imediatamente compreendeu seu
estado. Sabia que ela amava alguém cujas palavras e rosto vinham-lhe à mente.
Perguntou-lhe carinhosamente: 'Bem, que rosto vem à sua mente? A quem você ama?' Ela
respondeu que amava o jovem sobrinho que criava. O Mestre disse: 'Bem, o que você fizer
para ele - alimentar, vestir etc. - faça com a idéia de que ele é Gopala; tenha a atitude de
que Deus reside nele na forma de Gopala e que é a Ele que você está alimentando, vestindo e
servindo. Por que deverá pensar que está fazendo tudo isso por um ser humano?"
Disseram-nos que em pouco tempo, ela fez um grande progresso espiritual, chegando
mesmo a atingir Bhavasamadhi.
28. É compreensível que o Mestre pudesse entender e conhecer os estados mentais
dos homens porque tinha corpo de homem, mas a nossa surpresa é imensa quando pensamos
como Mestre podia conhecer corretamente todos os estados das mulheres, a quem Deus
dotou de uma capacidade especial de ternura, afeto pelas crianças etc. "O Mestre", dizem
suas devotas, "não nos dava impressão de ser homem. Parecia uma de nós. Por isso que
não sentíamos a menor vergonha ou hesitação em sua presença, como usualmente
sentíamos na presença dos homens e mesmo se isso ocorresse em raras ocasiões
esquecíamos imediatamente e expressávamo-lhe nossos sentimentos sem vacilar."
29. O Mestre havia se concentrado durante muito tempo em Krishna com a
afirmação: "Sou amiga de Krishna, uma atendente do Senhor" e tornou-se perfeito nessa
atitude. Será por causa disso que sempre que desejava podia esquecer completamente o
sentimento de que era homem e assumir forma feminina? Patanjali diz nos Aforismos da
Yoga: "Se a idéia de fazer mal aos outros desaparecer completamente de sua mente,
ninguém no mundo, nem mesmo tigres e cobras lhe farão mal, isso para não falar das
pessoas. A idéia de fazer mal não passará por suas cabeças ao verem você." Isto deve ser
entendido como igualmente verdadeiro para todos os outros sentimentos da mente, como
luxúria, raiva etc. Muitos exemplos desse fato são encontrados nos Puranas, mas daremos
um, que consideramos suficiente. O puro jovem Suka, livre de Maya, sempre mergulhado
na consciência de Deus e tendo renunciado ao mundo, caminhava enquanto Vyasa, seu velho
pai, cego de amor por ele, corria atrás gritando: "Onde você vai meu filho, onde você vai?" Pelo
caminho passaram pelas donzelas que iam banhar-se no lago tendo deixado as roupas na
murada. Elas não sentiram vergonha ou escrúpulo ao verem Suka e continuaram o banho
como antes, mas logo que o velho Vyasa chegou, todas rapidamente cobriram o corpo. Vyasa
pensou: "Ah, é realmente muito estranho! Meu jovem filho passou antes de mim, mas elas
nem se abalaram, mas ficaram muito envergonhadas ao me verem, um velho!" Indagadas
sobre a razão daquele estranho comportamento, as moças responderam: "Suka é tão puro
que o único pensamento que tem sempre em mente é: 'Sou o Ser do universo.' Não é
absolutamente consciente se tem corpo masculino ou feminino. Por isso a vergonha não
passou por nossas mentes ao vê-lo, mas o senhor é idoso, já se familiarizou com os gestos,
posturas e olhares das mulheres e sabe descrever sua graça e beleza. O senhor, ao
contrário de Suka, não considera homens e mulheres como o Ser e nem será jamais capaz
de fazê-lo. Por essa razão a idéia de homem surgiu em nossas mentes ao ver o senhor e
simultaneamente, surgiu a vergonha."
30. Esta idéia vem à nossa mente com relação ao Mestre. Seu Autoconhecimento e
sua visão do Ser em todas as pessoas, tanto homens como mulheres, mantiveram as
mentes de todos perto de si em tal estado elevado de relacionamento espiritual que
idéias como: "Sou homem", "Esta é mulher" etc., normalmente não cruzavam suas
mentes enquanto estavam com ele. É por isso que, como os homens, as mulheres não
sentiam vergonha em sua presença. Isso não é tudo. Essa visão que tinham do Ser, na
companhia do Mestre, tornou-se tão enraizada naquela época, que a seu pedido fariam
facilmente sem qualquer hesitação, atos que normalmente hesitariam em fazer e que jamais
fariam a pedido de qualquer outra pessoa. A pedido do Mestre aquelas moças 10 ( 1 0 0 leitor deve

17
de famílias respeitáveis, que jamais iam a
recordar-se que naqueles dias as mulheres não eram vistas em público)
qualquer lugar se não fosse de carruagem ou de palanquim, começaram a ir a pé pela
estrada principal, à luz do dia até as margens do Ganga, tomar barcos e ir até o templo de
Dakshineswar. O que era mais, iam talvez a pedido do Mestre, ao mercado da vizinhança,
fazer compras para ele e voltavam ao entardecer a pé para Calcutá. Um exemplo ou dois
elucidarão a questão.
31. Foi pelo final do ano de 1884. A Santa Mãe estava na casa do pai em
Jayrambati. Balaram Basu foi a Vrindavan com o pai. Com eles, Rakhal (Swami
Brahmananda), Gopal (Swami Advaitananda) e muitos outros devotos, homens e
mulheres. Uma senhora pertencente a uma família respeitável de Baghbazar que havia
ouvido falar do Mestre, desejava conhecê-lo. Falou com uma amiga que visitava o
Mestre frequentemente. Combinaram e na tarde do dia segu i n te as duas foram a
Dakshineswar. Viram a porta do quarto do Mestre fechada. Olharam pelas frestas da
parede norte do quarto e viram o Mestre descansando. Por isso foram ao Nahabat onde
a Santa Mãe vivia e as esperava. O Mestre levantou-se um pouco mais tarde e abrindo a
porta norte, viu que elas estavam sentadas na varanda do primeiro andar do Nahabat.
Chamou-as: "Alo! Venham aqui." Quando as devotas chegaram e sentaram-se, o Mestre
desceu da cama e sentou-se perto da devota que ele conhecia. Com isso ela sentiu-se
envergonhada e ia afastar-se um pouco quando o Mestre disse: "Por que vergonha? A
realização de Deus não é possível enquanto os três, a saber: Vergonha, Aversão e
Medo existirem. (Fazendo um movimento com a mão) Sou o mesmo que vocês. Mas
(mostrando os pelos de seu queixo) você sente-se envergonhada por causa deles, não é?"
Assim falando, começou imediatamente a falar de Deus e deu-lhes várias instruções.
As devotas também esqueceram a distinção entre homem e mulher. Fizeram perguntas e
ouviram as respostas, sem qualquer hesitação. Ao se despedirem após uma longa conversa,
o Mestre disse: "Venham uma vez por semana, pois, no começo as visitas devem ser mais
freqüentes." Também, achando que eram pobres, embora pertencentes a famílias
respeitáveis e pensando que nem sempre poderiam alugar uma carruagem, o Mestre
acrescentou: "Três ou quatro de vocês deveriam juntar-se e tomar um barco para virem;
andem até Baranagore e dividam as despesas da carruagem ao voltar para casa." Não é
necessário dizer que elas assim o fizeram.
32. Outra devota disse-nos um dia: "Há um Sar (creme doce) muito bom na loja do
Bhola, o famoso doceiro. Como sabíamos que o Mestre gostava de Sar, compramos uma porção
grande. Cinco de nós alugaram um barco e chegaram a Dakshineswar sem avisar, mas fomos
informadas que o Mestre havia ido a Calcutá. Estávamos sem saber o que fazer. Ramlal
estava presente e, ao ser perguntado em que lugar de Calcutá o Mestre havia ido,
respondeu que ele estava na casa do "professor"11 (11 - Mahendranath Gupta, o grande devoto do Mestre, a quem o
público tem uma dívida pela publicação do Sri Ramakrishna Kathamrita, traduzido para o inglês como "The Gospel of Sri Ramakrishna" (O Evangelho de Sri
em Kambuliatola. Ao ouvir isso a mãe de A. Disse:
Ramakrishna) e publicado por Sri Ramakrishna Math, Mylapore, Madras)
'Conheço aquela casa; é perto da de meu pai, querem ir? Vamos. Por que vamos esperar
aqui?" Todas concordaram. Entregamos os doces para Ramlal e saímos dizendo: 'Por favor dê ao
Mestre quando ele voltar.' Tínhamos cancelado o barco e por isso fomos a pé. Mal havíamos
andado uma pequena distância até Alambazar, quando vimos uma carruagem voltando vazia
de Calcutá. Nós a alugamos e chegamos a Shyampukur. Havia um problema nos
esperando. A mãe de A. não conseguiu encontrar a casa. Depois de levar-nos de um lugar
para outro, parou a carruagem diante da casa de seu pai e chamou um empregado, que veio
conosco e mostrou-nos a casa. Conseguimos chegar à casa do professor. Como posso
censurar a mãe de A.? Era três ou quatro anos mais jovem do que nós - estava com vinte e
seis ou vinte e sete anos. Uma simples nora, jamais havia andado pelas ruas. Além do mais a
casa estava numa alameda, como poderia reconhecê-la?
"Chegamos com muita dificuldade. Não conhecíamos a família do professor.
Entrando, vimos o Mestre sentado no pequeno divã de madeira numa sala pequena. Não
havia ninguém a seu lado. Logo que nos viu, riu e disse afetuosamente: 'Ah, como
conseguiram chegar até aqui? Nós o cumprimentamos e contamos toda a história. Ficou

18
muito feliz, pediu-nos que sentássemos e começou a falar de vários assuntos. Todos
diziam que ele não permitia que as mulheres o tocassem ou mesmo se aproximassem dele.
Rimos ao ouvir isso e pensamos: 'Ó! Não estamos ainda mortas.' Quem poderá saber como
ele era? Tinha a mesma atitude com homens e mulheres, mas é verdade que se as mulheres
ficassem muito tempo perto dele, dizia: 'Por favor, vão agora, prestem reverência às
divindades principais dos templos.' Nós o vimos também dizer a mesma coisa aos homens.
O que quer que seja, estávamos sentadas conversando com ele. Duas de nós, que eram
mais velhas, estavam sentadas perto da porta e as outras três num canto do aposento,
quando Pra-nakrishna Mukhopadhyaya, a quem o Mestre chamava "o Brahmana
gordo', chegou inesperadamente. Deveríamos ter saído? Não, estava fora de cogitação. Para
onde iríamos? Havia uma janela perto da porta. As duas mais velhas sentaram-se ali e as
outras três, juntas, no chão embaixo do divã onde o Mestre estava sentado. Cada uma de
nós estava com o corpo inchado das mordidas dos mosquitos. O que podíamos fazer? Não
havia qualquer possibilidade de nos mexer. Ficamos imóveis. 'O Brahmana gordo'
conversou durante uma hora com o Mestre e saiu. Saímos então, rindo, de onde estávamos.
"O Mestre foi levado ao aposento interior para uma refeição ligeira. Nós o
acompanhamos e por fim, o Mestre entrou na carruagem para voltar a Dakshineswar. Eram
aproximadamente nove horas da noite quando voltamos para casa a pé.
33. "No dia seguinte fomos novamente a Dakshineswar. Assim que chegamos o
Mestre aproximou-se e disse: 'Ah! Comi quase todos os seus doces; só sobraram alguns.
Não fiquei doente nem nada parecido; somente o estômago ficou um pouco pesado'.
Fiquei surpresa ao ouvir isso. Nada era bom para seu estômago delicado e imaginem, ele
havia comido quase todo o Sar! Soube que ele comera em estado de semiconsciência
divina. Disseram-me que o Mestre havia comido na casa do professor e voltado a
Dakshineswar às 10 horas da noite. Logo depois que chegou entrou em êxtase e disse a
Ramlal: 'Estou com muita fome, dê-me qualquer coisa que houver no quarto.' Ramlal trouxe
o Sar e colocou-o diante do Mestre que comeu quase tudo. Lembramo-nos do que
havíamos ouvido da Santa Mãe e da irmã Lakshmi, que ele às vezes comia quantidades
anormais de alimento quando estava êxtase e que as digeria. Ah! Tão absorvente era a graça
que nos dava! Não pode ser expressa em palavras o que aquela compaixão era. Que
atração! Mesmo nós não sabemos ou compreendemos porque costumávamos ir a ele ou fazer
todas aquelas coisas. Agora não podemos ir a pé a qualquer lugar, à casa de pessoas
desconhecidas sem avisar, ver um homem santo ou ouvir assuntos espirituais. Essa
ousadia foi embora com ele cujo poder fazia-nos agir assim. Não sabemos porque con-
tinuamos a viver até hoje depois que o perdemos."
Há muitos exemplos semelhantes. As mulheres que jamais saíram de casa, passaram
a fazer compras no mercado e também, a mendigar de porta em porta a fim de que seu
orgulho e egoísmo desaparecessem. O Mestre levou-as à feira religiosa de Panihati e depois,
as trouxe de volta. Fizeram tudo isso e ainda mais, sem hesitarem e com alegria. É um
assunto muito importante quando pensamos profundamente nele. Cada uma via o seu
ideal perfeito ou o seu próprio estado espiritual no Mestre, a personificação dos diferentes
estados divinos. Os homens inclinavam suas cabeças à sua perfeita masculinidade e as
mulheres, encontrando nele a mais completa manifestação de todos os estados nobres
femininos, consideravam-no o mais querido entre os queridos e ao se relacionarem com ele
abandonavam qualquer sentimento de vergonha e hesitação.
34. De vez em quando o Mestre imitava os gestos e as posturas das mulheres,
para nosso divertimento. Ficávamos surpreendidos ao ver que a mímica era tão perfeita.
Certa ocasião uma devota disse-nos a esse respeito: "Um dia o Mestre mostrou-nos os
gestos que as mulheres fazem ao verem um homem puxar o véu, tirar os cabelos da
orelha, puxar a roupa para tapar o peito, falar palavras desnecessárias e sem sentido. Vimos
e começamos a rir, mas sentimos vergonha e dor, pensando que o Mestre estava desta
maneira depreciando as mulheres. Pensamos: 'Ora, serão todas as mulheres assim?' Afinal
éramos mulheres; naturalmente que haveríamos de ficar magoadas se alguém
ridicularizasse as mulheres. Ah! O Mestre imediatamente compreendeu e disse

19
afetuosamente: 'Bem, não me refiro a vocês. Não têm uma natureza demoníaca. São
somente as mulheres dessa natureza que se comportam desta maneira'."
35. Os devotos do Mestre haviam visto a coexistência dos estados masculino e
feminino nele. Um dia, Girish teve uma experiência dessa natureza e tomou a liberdade de
perguntar ao Mestre: "O senhor é homem ou mulher?" O Mestre riu e respondeu: "Não
sei." Quem agora pode dizer em que sentido o Mestre fez esse comentário, se no sentido de
um homem de auto-conhecimento que, identificando-se com o Atman, afirma que não é
nem masculino nem feminino, ou no sentido que encontrava em si a união harmônica de
ambos?
36. Estabelecido em Bhavamukha, o Mestre tornou-se a personificação de todos
os estados e, portanto, podia conhecer com exatidão os estados mentais de todos, homens e
mulheres e aparecer ante cada um segundo seu sexo. Ele mesmo confessou isso a alguns de
nós. Uma devota altamente dedicada12 (12 Mãe de Swami Premananda) contou-nos que um dia o Mestre lhe
disse: "Conheço a natureza de um homem com um simples olhar; sei quem é bom e quem
é mau; quem é de natureza nobre ou não; quem é homem de conhecimento e quem é
homem de devoção; quem irá realizar Deus ou não. Conheço todas essas coisas, mas não
falo nelas pois as pessoas se sentiriam magoadas." Como ele permanecia todo o tempo em
Bhavamukha, o universo sempre, a cada momento, parecia-lhe formado somente de idéias.
Sentia como se todas as coisas - homens e mulheres, vacas e cavalos, madeira e terra -
estavam elevando-se e misturando-se como agregados diferentes de idéias na Mente
Universal e através desse envoltório de idéias, o éter indivisível de Existência-Consciência
estava se manifestando em vários graus, aqui menos, ali mais, enquanto que em outros
lugares os véus pareciam ser tão densos que sua manifestação parecia ser inexistente.
Assim também o filho imaculado da venturosa Mãe do Universo que ele era, o Mestre
encontrou-se no ponto de mergulhar n'Ela para o bem, realizando em Samadhi o estado sem
corpo de absoluta Felicidade depois de oferecer o que lhe pertencia - corpo, mente, funções
mentais e tudo mais - a Seus pés de Lotus; mas atingindo aquele ponto, veio a saber que
a Mãe Divina tinha outros propósitos. Em obediência à Sua ordem, cobriu com força sua
mente, que ficou totalmente mergulhada no indescritível estado destituído de dualidade
e não-dualidade, com o véu de Vidya-Maya, a força direcionada para Deus e empenhada em
cumprir Suas ordens. A Mãe Universal, personificação do poder infinito, ficou satisfeita com
ele e, embora Ela o tivesse preso a um corpo, sempre manteve sua mente num alto nível,
num elevado estado de Unidade, do qual todas as idéias, elevando-se à infinita Mente
Universal, eram sempre sentidas como suas. A identificação era tão íntima e natural que
quem o visse sentia que a Mãe era o Filho e o Filho a Mãe - ambos eram Consciência: "A
morada é Consciência, o nome é Consciência e o Senhor é Consciência!"

CAPÍTULO II

ALGUMAS PALAVRAS A RESPEITO DE BHAVA, SAMADHI E DARSANA

(OS ESTADOS ESPIRITUAIS, MEDITAÇÕES PROFUNDAS E VISÕES


ESPIRITUAIS)

(ASSUNTOS: 1. Samadhi não é uma enfermidade do cérebro. 2. É somente pelo Samadhi que se
alcança espiritualidade e paz eterna. 3. As visões e o progresso espiritual. 4. Os sinais verdadeiros de
espiritualidade. 5. Adhikarika Purushas, Isvarakotis e Jivakotis. 6. Diferença de grau na consciência não-dual. 7.
Savikalpa Samadhi e aprofundamento dos estados espirituais. 8. As inevitáveis mudanças do corpo com os
estados espirituais cambiantes. 9. Como determinar os êxtases mais e menos elevados. 10. Somente as
Encarnações experimentam em sua totalidade, todos os estados espirituais. 11. A Brahmani opõe-se ao fato do
Mestre discutir sobre Vedanta. 12. A determinação do Mestre de permanecer sempre no plano Nirvikalpa. 13. A
mente inigualável do Mestre. 14. A devoção do Mestre à veracidade. 15. Primeiro exemplo. 16. Segundo
exemplo. 17. Terceiro exemplo. 18. Mãe universal não lhe permite dar um passo em falso. 19. O obstáculo em seu
caminho para o Nirvikalpa Samadhi. 20. Seis meses em Samadhi. 21. O Capitão a respeito do Samadhi do Mestre.
22. 0 próprio Mestre a esse respeito. 23. Pontos de vistas sobre as mudanças no corpo produzidas por idéias. 24.
Kundalini, a Força Enroscada. 25. A relação entre o corpo e a mente. 26. A necessidade de manter companhia

20
santa. 27. A mudança no corpo devido à concentração da mente. 28. A harmonia de Bhakti e Yoga. 29. A Força
Enroscada e seus estados. 30. O progresso da Força Enroscada despertada. 31. A experiência do Mestre sobre esse
assunto. 32. Suas tentativas de descrever a experiência do Nirvikalpa Samadhi. 33. Os cinco movimentos da
Força Enroscada a caminho do Samadhi. 34. Os sete planos da Vedanta. 35. O poder retentivo do Mestre. 36.
Sua explicação do estado não-dual numa linguagem simples. 37. Swami Turiyananda. 38. A assertiva Vedantista
'Brahman é real, o universo é irreal'. 34. A realização de Deus não é possível sem Sua graça. 40. A resposta
do Mestre ao Pandit Sasadhar a respeito da cura de sua própria doença. 41. O mesmo pedido feito
pelos discípulos. 42. A profundidade do estado não-dual de consciência do Mestre. 43. O Mestre suportou
testes de todo o tipo. 44. A correspondência entre as experiências interiores do Mestre e os fatos
exteriores. 45. Variações de seu relacionamento com diferentes tipos de devotos. 46. As duas classes de
devotos . 47. O conhecimento do Mestre da natureza interior de cada devoto. 48. Como ele conduzia os
devotos para o caminho da espiritualidade. 49. Os devotos e as visões divinas. 50. Um devoto obtendo a visão
de Vaikuntha. 51. Instrução aos devotos de Deus com formas. 52. Limpe a mente antes da meditação. 53.
Qual a doutrina é a mais elevada; a de Deus com forma ou a de Deus sem forma. 54. Harmonia entre as duas
doutrinas. 55. Swami Vivekananda e a fé cega. 56. As instruções sobre meditação. 57. O Mestre aconselhando
os devotos a meditarem em sua própria forma. 58. Necessidade de relacionamento com Deus. 59.
Exercendo pressão amorosa sobre Ele. 60. O exemplo de uma mulher pervertida. 61. Resolução para a
realização. 62. Os desejos d e v em ser abandonados um a um. 63. A perseverança como uma pesca. 64. O
Senhor rápido para ouvir. 65. A atenção do Mestre para os detalhes apesar dos estados espirituais. 66.
Primeiro exemplo. 67. Segundo exemplo. 68. Terceiro; instrução à Santa Mãe. 69. A última palavra sobre o
assunto. 70. O Mestre é um verdadeiro rei no campo das idéias. 71. O comentário de Swami Vivekananda a
esse respeito.)

Ouçam novamente a Minha palavra suprema, a mais profunda. Vocês Me são


caros; portanto, vou dizer-lhes o que é bom para vocês.
Gita, XVIII.64

Antes do Mestre ser conhecido, as pessoas de Calcutá tanto as intelectuais como as


iletradas, ignoravam completamente os conceitos de Bhava, Samadhi ou as extraordinárias
visões e experiências no campo espiritual. As massas não educadas tinham uma concepção
fantástica a esse respeito, nascida do medo e de um sentido de mistério, enquanto que os
intelectuais, levados pelas correntes ideológicas modernas apresentadas pelo sistema de
educação destituída de fundo religioso, considerava esse tipo de visão, êxtase etc.,
como impossíveis ou como um desarranjo do cérebro. As mudanças no corpo devidas ao
êxtase, pertencentes ao campo da espiritualidade, a seus olhos pareciam um
desfalecimento ou uma doença desconhecida. Embora as condições tenham mudado até
um certo ponto, ainda atualmente poucas pessoas são capazes de compreender
realmente o significado interior de Bhava e Samadhi. Assim também é necessário se
conhecer bem a natureza do Samadhi para compreender, mesmo que um pouco, o estado
de Bhavamukha, onde Sri Ramakrishna constantemente morava. Tentaremos explicar
ao leitor, um pouco a respeito deles.
1. O que as pessoas em geral não experimentam, chamamos de "estado anormal",
mas as experiências sutis do mundo espiritual jamais podem ser compreendidas pela
mente humana comum. Essas experiências necessitam de instrução, treinamento,
prática constante etc. As extraordinárias visões e experiências enchem o aspirante
espiritual de pureza e gradualmente tornam-no capaz de alcançar a paz eterna, ao
dotá-lo diariamente de novo vigor e idéias. É então justo chamar essas visões,
experiências, etc., anormais? Todas as pessoas têm de admitir o fato de que as
anormalidades, sem exceção, tornam o homem fraco e ocasionam deterioração de seu
intelecto e outras faculdades. Como o efeito das visões e experiências espirituais é
exatamente o oposto da deterioração, deve-se admitir também que causa é o oposto e
portanto, não podem ser consideradas doenças ou desarranjo do cérebro.
2. É por meio dessas visões etc. que as experiências espirituais especiais
sempre foram alcançadas, mas o homem não está pronto para realizar a paz eterna,
enquanto não tiver atingido o estado Nirvikalpa, com a cessação de todas as
modificações e o estado não-dual de consciência tenha se tornado natural nele. Como
exemplo, Sri Ramakrishna costumava dizer: "Quando um espinho entra no corpo, deve
ser retirado com a ajuda de outro espinho e em seguida, jogam-se ambos fora." Esquecendo-

21
se do Senhor, o homem entrou nesta anormalidade, o mundo. As anormalidades das
visões, gostos etc. são gradualmente amenizadas por aquelas visões e experiências que,
por f im , conduzem o homem ao conhecimento da Não-dualidade. Então ele sente-se
abençoado tomando conhecimento da veracidade da afirmação do Rishi (Tai. Up. 2. 7):
"Verdadeiramente Ele é a própria Felicidade." Este é o processo. Todas as doutrinas, visões
etc. do mundo espiritual, sem exceção, ajudam o homem a se dirigir para aquele objetivo.
Swami Vivekananda muitas vezes disse que aquelas visões, experiências etc., indicavam
o quanto o aspirante havia avançado em direção ao objetivo; ele as chamou: "marcos
no caminho do progresso". Que o leitor, entretanto, não pense que quando há pouca
intensidade de um estado espiritual particular ou quando se experimenta a visão das formas
de uma ou mais divindades através da meditação, a realização espiritual atingiu o ápice.
Nesse caso cairá num grande erro. Incorrendo nesse erro no mundo religioso, os
aspirantes perdem seu objetivo; ficam mergulhados numa simples idéia ou estado e
enchem-se de ódio e animosidade contra os outros. Se um homem cometer esse erro ao
cultivar devoção a Deus, torna-se "fanático" e "intolerante", defeito que nasce da mente
"mesquinha e estreita" e se torna um grande espinho no caminho da devoção.
3. Também, considerando as visões como o objetivo da religião, muitos concluem
erroneamente que qualquer pessoa que não tenha tido tais experiências não é
espiritualizada. Espiritualidade e comércio de milagres parecem ser a mesma coisa para
elas. Esse tipo de concentração para a aquisição de milagres não torna o homem
espiritualizado; ao contrário, torna-o cada vez mais fraco em todos os aspectos. O que não
conduz à firmeza e à força de caráter, que não permite ao homem tomar posição
firme na rocha da pureza e da veracidade, com indiferença pelo mundo inteiro, ou que
o envolve cada vez mais nos diversos em desejos, ao invés de libertá-lo deles, está fora do
campo da espiritualidade. Se as extraordinárias visões não produziram esses resultados em
sua vida e apesar disso, as está tendo, saiba que ainda está fora do campo da espiritualidade
e que aquelas visões são ocasionadas por um cérebro doente e não têm importância. Se, ao
contrário, em lugar de maravilhosas visões e experiências, está adquirindo força,
tenha certeza de que está no caminho seguro e que ainda terá visões e experiências no
momento adequado.
4. Vendo que alguns devotos de Sri Ramakrishna estavam experimentando êxtase
enquanto ele, embora viesse visitando o Mestre há muito tempo, não havia tido tal
experiência, um amigo nosso1 (1 - Gopalchandra Ghosh) ficou muito perturbado e indo até o Mestre com
lágrimas nos olhos, revelou-lhe a tristeza de seu coração. Ao ouvi-lo, Sri Ramakrishna
consolou-o e disse: "Não seja tolo, meu filho. Você pensa que tudo foi atingido quando isto
foi alcançado? Será isto algo grande? Saiba que a fé verdadeira e a renúncia são bem
maiores. Ora, Narender2 (Swami Vivekananda) (2 O Mestre costumava pronunciar assim) habitualmente não
as tem, mas veja como é grande sua renúncia! - quão grandes são sua fé, força e firmeza!"
5. Quando o poder de viver em união com o Senhor ocorre num aspirante pela
eliminação dos desejos, ajudado por firmeza, fé inabalável e devoção integral, aparece
neles às vezes, devido às impressões passadas, desejos puros como "Farei bem às
pessoas, trabalharei para a felicidade de muitos." Sob a influência desses desejos não
podem permanecer totalmente no estado não-dual. Descem novamente um pouco daquele
elevado plano de consciência para o campo do "eu" e "meu", porém, aquele "eu" deles
v ive em constante e ininterrupta consciência de uma relação com Deus, como "sou seu
servo, seu filho ou parte d'Ele" . Aquele "eu" não pode mais entregar-se dia e noite à
"mulher e ouro". Sabendo que Deus é a quintessência de tudo, aquele "eu" não mais corre
para desfrutar os objetos, como vista, gosto etc. Interessa-se por eles somente na medida
em que conduzem à realização de seu objetivo e nada mais. Os que já estiveram na
escravidão do mundo, mas que agora atingiram a perfeição através da Sadhana e vivem o
resto de suas vidas numa relação amorosa com o Senhor, são conhecidos como "liberados
em vida". São os dotados, desde o nascimento, da consciência de uma relação especial com
Deus, que jamais mergulharam na escravidão como homens comuns. São chamados nas
escrituras: "Adhikarika-Purushas", "Isvarakotis", "sempre livres" e assim por diante.

22
Assim também há Sadhakas que depois de alcançarem o estado não-dual de
consciência, jamais descem desse estado, nem para o bem da humanidade; são chamados
"Jivakotis". Ouvimos do Mestre que a maioria dos liberados pertencem a esta categoria.
6. Mesmo na primeira categoria, a saber, os Isvarakotis, que descem do estado não-
dual de "Samadhi" para fazer bem à humanidade, há uma diferença em grau no que diz
respeito à sua experiência da unidade com a Causa do universo. Alguns deles simplesmente
viram o mar de Consciência à distância, outros chegaram próximo e tocaram-no e alguns
beberam somente algumas gotas. Sri Ramakrishna disse como ilustração: "Narada, o vidente
celestial viu o mar à distância e regressou; Sukadeva tocou-o somente três vezes e Siva,
o instrutor espiritual do mundo, tomou três goles e caiu inconsciente do mundo exterior.
Tornar-se uno com a consciência não-dual mesmo por pouco tempo é Nirvikalpa Samadhi."
7. Assim como há diferenças nas experiências do estado não-dual, há diferenças
nas experiências dos estados devocionais como Santa, Dasya, Sakhya, Vatsalya etc., -
todos pertencentes às camadas inferiores de consciência, conduzindo os aspirantes
finalmente, ao estado não-dual. Alguns ficam abençoados ao experimentar integralmente
qualquer um desses estados, enquanto outros têm somente um vislumbre. A
experiência total de qualquer um desses estados devocionais é chamada nas escrituras de
Yoga, Savikalpa Samadhi.
8. Mudanças maravilhosas no corpo, visões espirituais etc. vêm aos aspirantes em
todos os estados de consciência, no estado mais elevado não-dual, bem como nos
inferiores de Savikalpa. Assim também essas visões e transformações são diferentes em
diferentes indivíduos; essas mudanças são vistas em algumas pessoas somente depois de
experiências superficiais enquanto que ocorrem poucas mudanças em outras pessoas
mesmo quando têm experiências profundas. Ilustrando, Sri Ramakrishna costumava
dizer: "Se um casal de elefantes entra num lago pequeno, a água sofre uma agitação violenta
e transborda, mas a água de um lago grande permanece parada como sempre, mesmo se
muitos entraram." Nem é fato que simples mudanças no corpo, visões etc. sejam sinais
inevitáveis do êxtase.
9. Se, contudo, a profundidade de experiências espirituais deva ser medida, isso
deve ser feito, como dito anteriormente, observando-se a firmeza, renúncia, força de caráter,
diminuição dos desejos por prazeres, etc. É somente por meio desse marco e não por
qualquer outro, que a quantidade de impureza no êxtase pode ser determinada. Uma
coisa, portanto, está bem clara, isto é, o desenvolvimento completo de um ou outro
estado de Santa, Dasya, Sakhya, Vatsalya e Madhura só pode ser visto nas pessoas que
compreenderam que sua natureza é pura, despertada e livre por ter abandonado todos os
tipos de desejos e não, naquelas em busca de luxúria e ouro. Aquele que está cego pelos
desejos sente atração somente pelos desejos; como pode uma pessoa assim ter
sentimentos para Deus que são experimentados apenas pelas mentes livres do mais leve
traço de desejo?
10. Tentamos explicar a natureza do êxtase como ouvimos do Mestre. É necessário
acrescentar aqui algumas palavras a esse respeito, a fim de que o leitor possa
compreender com clareza. Quando falamos sobre as diferenças entre os aspirantes no que diz
respeito à sua capacidade de experimentar os estados de Santa, Dasya etc., e o de Não-
dualidade, não devemos deduzir que até as Encarnações de Deus permanecem
confinadas dentro de qualquer limite a fim de experimentar aqueles estados. Podem à
vontade manifestar completamente em si quaisquer desses estados devocionais. Também
podem, ao adotarem o estado não-dual, prosseguir na experiência de unidade com Deus a
um grau que não está no poder de quaisquer mortais - Jivanmuktas, os sempre livres
ou Isvarakotis. Tendo uma vez prosseguido muito na experiência de sua unidade com a
Própria Felicidade, os mortais comuns não podem descer novamente ao plano do "eu" e do
"meu", separando-se daquela Felicidade. Isso é possível somente no caso das
Encarnações de Deus e, é por terem relatado as maravilhosas experiências d'Ela que
escrituras como os Vedas e a Bíblia surgiram. É então, estranho que as experiências
espirituais das Encarnações devam ir além daquelas relatadas nos Vedas e em outras

23
escrituras? Sri Ramakrishna costumava dizer a fim de corroborar esse ponto: "O estado
deste lugar (querendo dizer suas próprias experiências) foi muito além do que foi escrito
nos Vedas e na Vedanta." É por isso que Sri Ramakrishna estava acima deles que pôde
regressar ao campo do "eu" e do "meu" "para o bem de muitos" e "para ensinar às pessoas",
mesmo depois de ter permanecido continuamente no estado não-dual de consciência
durante seis meses. É uma história linda e vamos falar algumas palavras sobre ela.
11. No terceiro dia de sua iniciação em Sannyasa por Tota Puri, o Mestre alcançou a
realização suprema do Nirvikalpa Samadhi ou união completa com Deus, falada na
Vedanta. Por esta época o Mestre havia terminado as disciplinas tântricas e a erudita Bhairavi
Brahmani - o Mestre chamava-a Bamni - que havia conseguido os artigos necessários
para essas Sadhanas e ensinado seu uso, estava morando em Dakshineswar.
Ouvimos do Mestre que a Bhairavi proibiu-o de se relacionar com Tota Puri e disse: "Meu
filho, não se misture muito com ele. Essas pessoas não têm devoção. Seu amor por Deus
desaparecerá." Mas o Mestre não fez caso de seu conselho e costumava ficar absorvido
dia e noite em discussões sobre a Vedanta e sua realização.
12. Tota Puri ficou em Dakshineswar durante onze meses e depois partiu. O Mestre
resolveu permanecer na experiência ininterrupta da unidade com Deus ou estado de Não-
dualidade, ao invés de permanecer no campo do "eu" e "meu". Sua decisão foi
imediatamente posta em prática. Esse episódio de sua vida é sem dúvida, uma história
maravilhosa. O Mestre não estava totalmente consciente de que tinha um corpo. Mesmo
idéias necessárias para manter o corpo, como as de comer, dormir, responder aos
chamados da natureza etc., não cruzavam sua mente, isso para não falar de desejos como
"falar com os outros." Nem idéias como "eu" e "meu" e "vocês" e "seus" têm existência
nesse estado. A idéia de "dois" ou de "um" também não existe ali, como a de "um"
pode ser experimentada somente quando há a memória de "dois". Naquele estado todas
as funções mentais sem qualquer exceção são totalmente aquietadas. Prevalece uma perfeita
calma. Há somente "algo indescritível da natureza da Consciência e Felicidade eternas,
incomparável, transcendendo todas as limitações, eternamente livre, sem nome, sem
limite como o éter, sem partes, destituído de quaisquer idéias, uma imensidão infinita, um
estado além de todos os estados do qual um homem de auto-conhecimento tem consciência
em seu coração durante a concentração profunda da mente chamada Samadhi3." (3 Viveka-
Chudamani, 408-9). Felicidade, somente Felicidade! Não tem direção, espaço, objeto, forma,
nome. Ali reside somente o Ser sem corpo, a natureza ímpar de Si mesmo, indescritível e
venturoso; reside como estado além de todos os estados e idéias que existem somente
dentro dos campos mental e intelectual - um estado além de todos os estados, ao qual as
escrituras se referem como um jogo do Ser com o Ser. O Mestre sentia sempre esse estado
indescritível, sem interrupção.
13. O Mestre dizia que nenhum objeto ou relacionamento mundano constituíram
obstáculo no caminho que conduzia à sua experiência do Samadhi Nirvikalpa, segundo a
Vedanta porque ele realmente renunciara aos Pés da Mãe, todos os tipos de desejos de
sua mente. Ao oferecer tudo à Mãe, ele havia dito: "Mãe, eis aqui Teu conhecimento e eis
aqui Tua ignorância; eis aqui Teu bem e eis aqui Teu mal; eis aqui Teu pecado e eis aqui
Tua virtude; eis aqui Tua fama e eis aqui Tua calúnia. Concede-me pura devoção a Teus Pés
de Lotus e revela-Te a mim." Assim ele renunciou a todos os tipos de desejos de prazer por
puro amor a Ela, para obter a visão direta de Seus sagrados pés. Será que alguma vez
sonhamos em agir assim, mesmo que fosse por pouco tempo? Deixamos de lado ter um
amor só por puro amor. Mesmo se praticarmos resignação ao Senhor dizendo: "Eis aqui,
Ó Senhor, todos os meus pertences! São verdadeiramente Teus" - mesmo quando sentimos
a necessidade deles para o futuro, destituímos o Senhor de suas posses e calculamos
nosso lucro e perda com essa pretensa renúncia. Quando fazemos qualquer coisa,
pensamos no que as pessoas dirão. Ficamos agitados por várias razões e inquietos, corremos
atrás de muitas coisas, pensando no futuro, alternamos entre o abismo da dor e as alturas
do prazer; temos esse egoísmo profundamente enraizado em nós, fazendo-nos sentir que
mesmo se não pudermos movimentar o mundo inteiro para realização de nossos objetivos

24
egoístas, pelo menos poderemos dar um empurrão para aquele fim. O Mestre, contudo, não
tinha a mente enganadora como a nossa. Assim ao fazer à Mãe Divina um total oferecimento
de todas as coisas, ao dizer: "Eis aqui, Ó Mãe, tudo o que me deste!" ele não mais podia
lançar qualquer olhar de cobiça no que quer que fosse. Jamais arrependeu-se dizendo:
"Meu Deus! Dei minha palavra; o que posso fazer agora? Teria sido melhor não ter dado." Por
isso o Mestre jamais pôde reclamar algo como "meu", se antes o houvesse oferecido à
Mãe.
14. Gostaríamos de dizer outra coisa a esse respeito. O Mestre não podia dizer à
Mãe Divina: "Eis aqui Tua veracidade e eis aqui Tua mentira, Ó Mãe!" embora oferecesse a Ela
tudo o que pertencia à sua mente e corpo, mérito e demérito, vício e virtude, bem e mal,
fama e calúnia e coisas parecidas. Certa vez o próprio Mestre disse-nos a razão disso: "Se eu
abandonar a veracidade dessa maneira," falou o Mestre, "como posso considerar como
verdadeiro o fato de ter oferecido tudo à Mãe do Universo?" e ah! Que devoção enorme à
veracidade observamos no Mestre, que havia entregue tudo à Mãe! Se ele dissesse que
iria a um lugar, ali estava sem falta, à hora marcada. Se algum dia dissesse que aceitava
uma coisa de uma determinada pessoa, não poderia aceitá-la de outra. Se acontecesse de
dizer que não comeria uma determinada coisa ou que faria algo não poderia dali em diante
comer ou fazer aquilo. "Aquele que tem devoção à veracidade," dizia o Mestre, "realiza o Deus
da verdade. A Mãe impede que suas palavras não sejam verdadeiras." Ah, quantas ilustrações
a esse respeito vimos na vida do Mestre! Vamos mencionar algumas aqui.
15. Um dia foi combinado em Dakshineswar que a grande devota, “Mãe de Gopala”
cozinharia arroz para o Mestre. Tudo estava pronto; o Mestre sentou-se para comer. Achou
que o arroz estava duro, mal cozido. Ficou aborrecido e disse: "Posso comer esse arroz? Nunca
mais vou comer arroz de suas mãos." Quando essas palavras saíram da boca do Mestre,
todos pensaram que o Mestre estava somente prevenindo a “Mãe de Gopala” para que
fosse mais cuidadosa, no futuro; era impossível imaginar que ele não mais comesse arroz
de suas mãos, visto que tinha tanto amor e respeito por ela. Talvez ele a perdoasse mais
tarde e então o assunto estaria encerrado, mas aconteceu o contrário, pois pouco tempo
depois o Mestre adoeceu da garganta. A doença gradualmente ficou tão aguda que não pôde
mais comer arroz. Assim as circunstâncias conspiraram para fazer com que o
comentário casual se tornasse verdadeiro.
16. Um dia, em êxtase, o Mestre disse: em Dakshineswar: "Não comerei mais nada
de agora em diante a não ser pudim." A Santa Mãe estava justamente trazendo-lhe comida
naquele momento. Ouvindo isso e sabedora de que qualquer palavra que saísse da boca do
Mestre era verdadeira, ficou nervosa e disse: "Ora, vou cozinhar para você arroz e sopa.
Por que pudim?" "Não, pudim", foram as palavras pronunciadas por ele naquele estado
espiritual. Logo depois ficou doente da garganta e a qualquer outro alimento que
geralmente é comido com arroz não pôde ser tomado por ele; passou a viver de pudim,
leite, cevada e alimentos semelhantes.
17. O Mestre explicou que o bem conhecido Sambhuchandra Mallick de
Calcutá, que era generoso e abastado, foi o segundo dos quatros 'supridores de suas
necessidades'. Possuía uma chácara perto do templo de Kali da Rani Rasmani onde
costumava passar muito tempo com o Mestre, discutindo assuntos espirituais. Na chácara
havia um dispensário para atendimen to à pobreza. Como Sri Ramakrishna tinha
problemas de estômago, Sambhu ao saber desse fato, aconselhou-o a tomar uma pequena
dose de ópio diariamente e pediu-lhe que o tomasse antes de voltar para o templo da
Rani. O Mestre concordou mas depois, os dois distraídos com a conversa, esqueceram.
18. O Mestre despediu-se de Sambhu e foi para a estrada, quando lembrou-se que
havia concordado em tomar o ópio. Voltou mas Sambhu havia ido para o interior da casa
e ao invés de chamá-lo, o Mestre pediu o ópio ao administrador e depois de conseguir um
pouco, voltou ao templo da Rani. Mal havia chegado à estrada, sentiu uma espécie de
tonteira, não podendo ver a estrada. Suas pernas foram levadas, por assim dizer, para o
bueiro, ao lado da estrada. Disse para si mesmo: "O que é isto? Não é de jeito algum a
estrada." Por outro lado não podia encontrar a causa daquele estado. Como último

25
recurso, pensou que poderia ter havido um engano quanto à direção tomada e, voltando à
casa de Sambhu, viu que a estrada que conduzia àquele caminho estava claramente
visível. Pensou um pouco e voltou até o portão de Sambhu e verificando que a estrada
estava bem perto, novamente, prosseguiu até o templo da Rasmani. Mal havia andado
alguns passos e viu-se novamente com o mesmo problema - não podia ver a estrada. Suas
pernas conduziam-no para a direção oposta. Quando isto aconteceu algumas vezes lembrou-se
que Sambhu lhe havia pedido para receber o ópio dele; mas ao invés disso ele o havia
tomado do administrador e isso também, sem o consentimento de Sambhu. Foi por isso
que a Mãe estava impedindo-o de ir. O administrador não devia tê-lo dado sem a ordem de
Sambhu e ele, também, deveria tê-lo aceitado do próprio Sambhu, como havia prometido.
Por conseguinte dois pecados, roubo e mentira, haviam sido cometidos por ele. Por esta
razão a Mãe estava impedindo-o de voltar. Assim pensando, voltou ao dispensário de
Sambhu e viu que o administrador também havia ido embora. Portanto, atirou o pacote
de ópio pela janela e disse em voz alta: "Alô, eis aqui o seu ópio." Assim falando, partiu para
o templo da Rasmani. Naquele momento parou de cambalear e a estrada ficou visível,
chegando ao templo sem dificuldade. "Eu não tomei", disse o Mestre, "completamente
refúgio na Mãe? Foi por essa razão que Ela segurou-me pela mão. Impediu que eu desse um
passo em falso." Ouvimos muitos desses exemplos na v i d a do Mestre. Ah, que coisa
maravilhosa! Podemos nós mesmos, na nossa louca imaginação, conceber tal devoção à
veracidade e uma tal dependência em Deus? É sobre esse t i p o de dependência em
Deus que o Mestre nos falava repetidamente na seguinte parábola: "Naquele lugar do país
(Kamarpukur)", ele dizia: "há regos estreitos nos campos. As pessoas vão de um vilarejo a
outro ao longo desses regos. É comum ver um pai caminhando, carregando no colo o filho
mais novo, pois do contrário, ele escorregaria, enquanto o mais velho anda a seu lado
segurando sua mão. Enquanto caminham, as crianças vêem uma pipa branca e batem palmas
de alegria. Enquanto a criança no colo do pai sabe que ele o está segurando, não tem medo e
bate palmas alegremente, a outra, que está segurando a mão do pai, esquece tudo sobre
o rego e bate palmas de espanto, esquecendo-se de segurar a mão do pai, logo cai no
chão e chora. Assim também aquele cuja mão a Mãe segura, não tem medo, enquanto que
aquele que segura a mão da Mãe tem medo porque, no momento em que a largar, cai.
19. Assim nenhuma espécie de desejos ou impressões mundanos interpuseram-
se como obstáculos para o Mestre, em direção ao Nirvikalpa Samadhi, devido à intensidade
de seu amor a Deus, nem sentiu qualquer força reprimindo-o ou qualquer atração por
pessoa ou coisa do mundo. A única coisa que permaneceu como obstáculo foi a forma da
Mãe Divina, "linda, a mais linda entre as mais lindas", a única que o Mestre há tanto tempo
vinha adorando com devoção, sabendo ser Ela a Essência de todas as essências e a Causa de
todas as causas. "Logo", dizia o Mestre, "que eu me concentrava num ponto, a forma da
Mãe aparecia diante de mim. Não tinha coragem de deixar aquela forma para trás e ir
além. Assim acontecia sempre que procurava tornar a mente sem objeto, retirando todo
seu conteúdo. Por fim, depois de muito pensar, reuni muita força mental, considerei o
conhecimento uma espada e com ela cortei mentalmente aquela forma em duas. Então
nada restou na mente e rapidamente precipitei-me para o completo estado Nirvikalpa."
Essas palavras nos pareciam sem significado, porque jamais havíamos tornado qualquer
forma da Mãe universal nossa íntima - jamais havíamos estabelecido qualquer relação de
amor com Ela, jamais aprendido a amar alguém com todo nosso coração. Intenso amor
de todo o coração somente havíamos tido por nosso ego e por esta massa de carne que
chamamos corpo. É por esta razão que cultivávamos em nossa mente tanto medo pela
morte ou por qualquer mudança radical. Mas o Mestre certamente não tinha nada disso.
Sabia no fundo do seu coração que os Pés de Lotus da Mãe Divina era a única coisa essencial
no mundo e dedicava seu tempo, dia e noite, à meditação nesses pés e ao serviço de Sua
forma divina. Por conseguinte o que mais poderia sustentar sua mente no mundo quando ele
de algum modo houvesse removido dela a forma da Mãe? A mente tornou-se
completamente sem objeto e destituída de todas as modificações, alcançando o
estado Nirvikalpa. Leitor, tente pelo menos uma vez compreender essa estupenda

26
façanha, mesmo que não possa entendê-la em sua totalidade! Sentirá quão intensamente
o Mestre fez da Mãe Divina sua íntima e com que sofreguidão amou-A.
20. 0 Mestre esteve ininterruptamente no estado Nirvikalpa durante seis meses.
"Estive", dizia o Mestre, "durante seis meses no estado do qual mortais comuns jamais
retornam, pois o corpo, que nesse estado vive somente vinte e um dias quando então,
como folha seca, cai de uma árvore. Não havia qualquer consciência do tempo, do nascer do
dia ou da chegada da noite. Assim como as moscas entram nas narinas e na boca de um
morto, da mesma maneira entravam na minha; não tinha consciência desse fato. O cabelo
tornou-se emaranhado pelo acúmulo de poeira. As funções fisiológicas eram efetuadas de
forma inconsciente. Foi um milagre que a vida do corpo tenha sido mantida. Deveria ter
sucumbido imediatamente. Mas chegou um homem santo para salvá-lo. Tinha uma
pequena vara como uma régua. Reconheceu meu estado logo que me viu e veio a saber
que muito do trabalho da Mãe tinha ainda que ser feito através desse corpo e quanto bem
seria feilo a muitos, se ele pudesse ser salvo. Por conseguinte, trazia comida e batendo no
corpo repetidamente, tentava trazê-lo de volta à consciência. Quando via aparecer sinais
de consciência, colocava comida na boca. Assim em certos dias um pouco de comida ia
para o estômago, mas em outros, não. Desta maneira passaram-se seis meses. Foi ouvida
então a ordem da Mãe: 'Permaneça em Bhavamukha! Para a iluminação espiritual dos
homens, permaneça em Bhavamukha!' Isso foi seguido pela doença, disenteria com
sangue, com uma pressão cruciante nos intestinos. Foi depois de sofrer continuamente
durante seis meses que a mente gradualmente desceu à consciência normal. Antes,
costumava ficar mergulhado o tempo todo no estado Nirvikalpa."
21. Na verdade fomos informados por aqueles que tiveram a boa sorte de conhecer
o Mestre, dez ou doze anos antes de sua morte, que mesmo eles raramente ouviam-no falar,
porque costumava permanecer continuamente em êxtase durante vinte e quatro horas.
Viswanath Upadhyaya, funcionário do governo do Nepal, contou-nos que o viu absorvido
em êxtase continuamente durante três dias e três noites. Além disso dizia que em tais
ocasiões, quando o Samadhi continuava por muito tempo, ghee da vaca deveria ser espalhada
em intervalos, pelo corpo do Mestre, do pescoço até o final da coluna vertebral e do joelho
até a sola dos pés, no sentido para baixo. Quando isso era feito a consciência tendia para
o campo do "eu" e "meu", descendo dos altos planos do Samadhi.
22. Em muitas ocasiões o Mestre disse-nos: "A tendência natural de minha mente
é em direção ao plano Nirvikalpa. Uma vez em Samadhi, não é atraída para descer, tem
que ser trazida para baixo, para seu próprio bem. Essa força não é em si mesma suficiente
para me trazer para baixo; por isso agarro-me a alguns desejos insignificantes do plano
inferior como: 'Vou fumar', 'Vou beber água', 'Vou tomar isso', 'Verei fulano de tal', 'Vou
conversar', etc. Esses desejos também têm que ser repetidos à mente, continuamente.
Somente então a mente gradualmente desce ao estado de consciência do corpo, mas ao
descer, é levada para cima. Tem que ser trazida para baixo por meio desses desejos." Que
fenômeno maravilhoso! Quando nos contaram isso, ficamos perplexos e pensamos: "Se o
significado de seu dito: 'Prenda o conhecimento da Não-dualidade no canto de sua roupa e
então, faça o que quiser,' é isso, ah, que esperança temos de realizá-lo em nossas vidas!"
Sabemos que o único caminho que temos é o de nos refugiar nele e esperar por sua graça,
mas quando tentamos agir assim, nos vemos logo com dificuldades. A mente maldosa às
vezes pensava: "Por que o Mestre não me amaria mais do que aos outros? Por que não
me ama tanto quanto a Narendra? Em que sou inferior a ele?" e assim por diante. O que
falamos é suficiente para mostrar a estrutura mental do Mestre. Vamos agora prosseguir
como tema principal. (III. 2.8).
23. Vamos a seguir abordar certos aspectos da consciência espiritual dos planos mais
elevados e da natureza do Samadhi, fruto do que compreendemos dos ensinamentos do
Mestre e depois, passar a explicar o estado de Bhavamukha. Já dissemos que algumas
mudanças no corpo naturalmente acompanham as idéias elevadas ou inferiores que surgem
da mente. Isso não requer qualquer explicação; é fato da experiência diária. Pode-se
facilmente compreender ao se observar as idéias experimentadas diariamente; por

27
exemplo, há uma mudança quando sobrevem a raiva e outra, quando o amor é sentido.
Assim também quando há uma preponderância de pensamentos bons ou maus na mente de
uma pessoa, ocorrem tantas modificações em seu corpo que se pode conhecer sua
natureza logo que as vemos. Olhando para um homem, dizemos: "Veja como parece
zangado, ou luxurioso ou honesto". Essas expressões diárias são provas claras de nosso
reconhecimento. Assim muitos de nós devem ter observado como a aparência e os gestos de
uma pessoa de natureza pervertida tornam-se gentis e livres se passar continuamente,
digamos, um período de seis meses, por uma razão ou outra, a alimentar pensamentos santos
e levar uma vida de bondade. Os fisiologistas ocidentais também dizem: "Qualquer que seja a
natureza de uma idéia que vem à sua mente, deixará para sempre uma marca em seu
cérebro. Seu caráter é constituído mais ou menos pelo agregado desses dois tipos de
impressões, boas ou más e você passará a ter um bom ou mau caráter, de acordo."
24. Mas os Yogis e Rishis do Oriente, sobretudo da Índia, dizem: "Esses dois tipos de
idéias não terminam simplesmente ao imprimirem dois tipos de marcas no cérebro, mas
transformam-se em poderes sutis de impulso e moram eternamente no plex o sacro,
chamado centro básico (Muladhara), situado na extremidade inferior da vértebra, de
onde elas impelem uma pessoa a fazer o bem ou o mal novamente no futuro. É esse
centro, o repositório desses poderes de impulsão acumulados em vidas passadas. São
chamadas 'impressões' ou 'impressões passadas' e é somente pela realização direta do
Senhor ou pelo Nirvikalpa Samadhi que elas podem ser destruídas. Caso contrário, no
momento de trocar o corpo por outro, o Jiva leva consigo esse monte de impressões assim
'como o vento que carrega o cheiro de seu receptáculo4 (4 Gita, XV. 8).
25. Essa relação íntima, como falado anteriormente, entre o corpo e a mente
continua a existir até que se alcance o conhecimento da Não-dualidade ou o que se
pode chamar realização direta de Deus. O corpo reage sobre a mente e a mente sobre o
corpo. Assim também como há uma relação entre o corpo e a mente do indivíduo, existe a
relação entre o corpo e a mente de toda a humanidade - o agregado dos corpos individuais e
as mentes. Meu corpo e mente reagem às ações de seu corpo e mente e vice versa. Assim o
mundo externo ou denso e o interno ou sutil permanecem eternamente relacionados e
continuamente agem e reagem um sobre o outro. Nota-se que uma pessoa fica triste
quando os outros estão t r i s t e s e também, um estado devocional vem a ela
desapercebido quando estiver na companhia de devotos. Isso ocorre em todos os lugares.
26. Segue-se, portanto, que assim como a doença física e a saúde, as idéias ou
modificações mentais são também, infecciosas. Dirigem-se para a pessoa receptiva e é
por isso que as escrituras louvam tanto a companhia de pessoas santas a fim de infundir
amor a Deus nas mentes humanas. O Mestre também costumava dizer aos visitantes novos:
"Frequentem esse lugar; no começo deve-se vir aqui com mais frequência."
27. Da mesma maneira os estados espirituais que surgem do intenso amor a
Deus causam mudanças físicas extraordinárias. Por exemplo, quando esse tipo de amor
cresce na mente, o aspirante pára de sentir atração pelos objetos dos sentidos como visão,
paladar etc., reduz a comida e o sono, desenvolve gosto para certos alimentos e desgosto
por outros e sente o desejo de evitar como veneno, as relações que o afastam do
Senhor. O Mestre costumava dizer a esse respeito: "Eu não suportava a atmosfera de
pessoas mundanas e em companhia de meus parentes sentia como se meu alento fosse
parar e a alma deixar o corpo." Dizia também: "O Maha-vayu (fluxo de energia nervosa
devido à profunda concentração espiritual) no corpo do homem que chama por Deus
sinceramente, só pode precipitar-se para sua cabeça."
28. Está, portanto, claro que cada uma das mudanças mentais ou impressões
produzidas pelo amor a Deus, têm a correspondente manifestação no corpo. As
escrituras Vaishnavas, levando em consideração essas mudanças mentais, chamaram essas
atitudes espirituais (Bhavas) e dividiram-nas em cinco, a saber: Santa, Dasya, Sakhya,
Vatsalya e Madhura, enquanto as escrituras da Yoga, trabalhando com as mudanças do corpo
causadas por aquelas idéias ou atitudes espirituais, descreveram-nas em termos do poder
enrolado (Kundalini) e dos sete centros (Chakras) na espinha dorsal e no cérebro.

28
29. Até certo ponto já familiarizamos o leitor com o que é chamado poder enrolado
(Kundalini). Os grandes videntes que escreveram tratados sobre Yoga, deram esse nome
àquele grande poder de impulsão gerado pelas modificações mentais sentidas pela pessoa
em suas vidas passadas e presente e que se expressa pela sua contra-parte física (na base
da coluna espinhal). O Yogi diz que ele permanece quase completamente adormecido ou não
manifestado naqueles que estão apegados. Daí ser chamado enrolado. É nesse estado
adormecido do poder enrolado de impulsão que as modificações mentais como memória,
imaginação etc., tornam-se possíveis. Se por algum meio ou outro for totalmente
despertado ou manifestado, conduz o homem à realização do conhecimento infinito e por
ele, à visão direta de Deus. Se for perguntado como memória, imaginação etc. podem surgir
do poder enrolado, a resposta é: embora adormecido, tem uma espécie de despertar
momentâneo através das vibrações nervosas comunicadas ao cérebro pelas portas dos
órgãos dos sentidos por objetos externos como visão e paladar, assim como a mão de
um homem adormecido mordido por um mosquito automaticamente bate ou esfrega a
parte mordida5. (5 O fato é: quase todo o poder permanece adormecido, deixando uma parte infinitesimal ativa suficiente para desenvolver o
trabalho normal do corpo e do cérebro. Mas quando partes dele levantam-se através da Yoga, seguem-se visões e experiências maravilhosas que no final,
levam ao estado de consciência não-dual).
30. O Yogi diz que o Ser Supremo ou o Senhor, o indivisível Existência-Conhecimento-
Bem-Aventurança, mora em Sua própria natureza de Consciência Pura no espaço ou
éter, existindo na abertura6 (6 Ait.Upa. II. 12) na coroa da cabeça. O poder enrolado tem
grande atração por Ele, ou melhor, o Senhor está continuamente atraindo-o. Como não
está despertado, o poder enrolado não sente a atração. No momento em que estiver
despertado sentirá atração pelo Senhor e se aproximará d'Ele. O caminho que conduz o
poder enrolado ao Senhor também existe no corpo de cada um de nós. Partindo do cérebro
esse caminho vem através da espinha até o centro mais baixo (Meru Chakra), chamado
básico ou Muladhara, situado na extremidade inferior da coluna vertebral. Esse
caminho foi chamado nas escrituras de Yoga Sushumna-vartma (canal espinhal)7 (7 - Katha Up.
VI. 18). Os fisiologistas ocidentais descreveram-no como Canal Centralis, mas até agora não
descobriram sua função ou utilidade. É por esse caminho que, separado inicialmente do
Ser Supremo, o poder enrolado foi do cérebro até o centro básico e aí permaneceu
adormecido. É por esse caminho também, que o poder chega por fim ao cérebro,
atravessando um após outro, os seis centros, situados um acima do outro, dentro da
espinha8 (8 Os tratados de Yoga mencionam seis centros, um acima do outro, assim: Muladhara, na parte inferior do Canal Centralis; Svadhishthana, na
raiz do órgão procriador; Manipura, no umbigo, Anahata no coração; Visuddha, na garganta e Ajna, entre as sobrancelhas. Deve-se entender que esses centros
estão situados no Canal Central da coluna espinhal e que o coração, a garganta etc. significam os lugares opostos a eles no Canal) .
À medida que o
poder enrolado passa de um centro para o outro, o aspirante começa a ter novas
experiências e assim que alcança o cérebro, realiza a mais elevada experiência que o
despertar espiritual pode dar, em outras palavras, alcança a consciência da Não-
dualidade, a unidade do "eu" com o Ser Supremo. É então que o aspirante tem a
experiência última de sua atitude devocional particular e torna-se uno com a grande Idéia da
qual todas as idéias estão se elevando nas mentes humanas a cada momento - a Idéia
além de todas as idéias.
31. Ah, como eram simples as palavras com as quais o Mestre explicava-nos
esses intrincados fatos da Yoga! "Vejam", dizia: "algo vai subindo dos pés até a
cabeça. A consciência permanece enquanto esse poder não atinge a cabeça, mas assim
que alcança a cabeça, toda a consciência desaparece completamente. Não há mais visão
ou audição, muito menos fala. Quem pode falar? A própria idéia de 'eu' e 'tu' desaparece.
Enquanto sobe, sinto o desejo de contar-lhes tudo - quantas experiências tenho, qual a
sua natureza etc. Até que chegue a esse lugar (mostrando o coração) ou no máximo
este lugar (mostrando a garganta) falar é possível e eu falo, mas no momento que se eleva
acima daqui (mostrando a garganta) é como alguém apertasse com força a boca e perco a
consciência total. Não posso controlar. Suponhamos que eu tente descrever que tipo de
visões experimento quando ele vai além deste lugar (mostrando a garganta). Logo que
começo a pensar nelas com o objetivo de falar, a mente logo eleva-se e é impossível falar."
32. Ah! Quantas vezes o Mestre fez tentativas infrutíferas para controlar-se a fim

29
de revelar a natureza das visões e experiências que tinham quando sua mente atingia o
centro acima da garganta! "Um dia", disse um de nossos amigos, "o Mestre falou
enfaticamente, "Vou contar-lhes tudo hoje e não manterei nada em segredo." Descreveu com
clareza os centros e as experiências correspondentes até o coração e a garganta e apontando
para o lugar entre as sobrancelhas, disse: 'O Ser Supremo é diretamente conhecido e a
pessoa experimenta Samadhi quando a mente sobe até aqui. Permanece então, somente
um véu fino e transparente, separando o Ser Supremo do eu individual. O Sadhaka então,
experimenta',... ao dizer isso, no momento em que começava a descrever em detalhes a
realização do Ser Supremo, entrava em Samadhi. Quando o Samadhi chegava ao fim,
novamente tentava descrevê-lo; mas de novo entrava em Samadhi. Finalmente, depois de
sucessivas tentativas disse-nos com lágrimas: 'Meu Deus! Realmente tenho desejo de
contar-lhes tudo sem ocultar nada, mas apesar de todos os meus esforços, a Mãe não me
permite falar; Ela aperta minha boca'. Ficamos surpresos e pensamos: 'Ah, que estranho!
Vemos que ele está tentando tanto nos contar e também compreendemos que está aflito
porque é incapaz de expressar-se. Essa Mulher, a Mãe, certamente é muito travessa. Ah! Por
que Ela aperta sua boca quando ele está a ponto de falar de coisas santas, coisas sobre á
realização de Deus?" Será que compreendíamos que a mente, intelecto e similares, com a
ajuda dos quais falar se torna possível, não tem um alcance muito grande? E também,
será que compreendíamos que a completa realização do Ser Supremo não é possível se a
pessoa não for além? Será que compreendíamos que o Mestre estava tentando tornar o
impossível, possível por seu amor por nós?
33. O Mestre costumava descrever em detalhes a natureza das experiências que teve
quando o poder enrolado elevou-se através do Canal Centralis. "Vejam", dizia: "aquilo que
sobe até a cabeça produzindo uma sensação de formigamento nem sempre o faz da mesma
maneira. Há cinco tipos de movimento como descrito nas escrituras:
I. Movimento igual ao das formigas: - Começa uma sensação de elevação nos
pés, como se formigas, carregando o alimento na boca, subissem em fila. Essa sensação
sobe lentamente até atingir a cabeça, quando ocorre o Samadhi.
II. Movimento como o dos sapos: Assim como os sapos saltam duas ou três vezes
descansam e novamente, pulam duas ou três vezes e então descansam, prosseguindo
assim, uma sensação é sentida como se fosse movimento semelhante, dos pés em direção
à cabeça e quando atinge a cabeça ocorre o Samadhi.
III. Movimento como o das serpentes: uma serpente permanece imóvel enrolada
ou estirada, mas no momento em que vê uma presa ou se assusta, move-se em ziguezague
para a presa ou para o esconderijo. Sensação parecida é sentida subindo diretamente
para a cabeça. Quando aí chega entra-se em Samadhi.
IV. Movimento como o dos pássaros: um pássaro quando vai pousar, vem voando,
às vezes um pouco alto, outras, um pouco baixo e pára em qualquer lugar até chegar a seu
destino. Uma sensação com movimentos semelhantes é sentida dirigindo-se para a
cabeça, culminando em Samadhi.
V. E o movimento como o dos macacos: assim como um macaco quando pula de
uma árvore para outra, salta de galho em galho e subitamente alcança seu destino em dois
ou três pulos, assim uma sensação é sentida dirigindo-se para a cabeça em dois ou três
movimentos, seguindo-se o Samadhi."
34. A respeito das visões que ocorrem em cada centro enquanto o poder
enroscado sobe pela passagem do Sushumna, o Mestre costumava dizer: "A Vedanta fala de
sete planos. As experiências nesses planos diferem-se entre si. A mente normalmente
move-se para cima e para baixo nos três planos inferiores. Seu funcionamento está fixo no
ânus, no órgão procriador e no umbigo — para comer, vestir, procriar, etc. Se, contudo,
transcender esses três planos e alcançar o coração, tem-se a visão da Luz, embora a mente
às vezes, eleve-se até o coração e desça novamente para os três planos inferiores. Se a
mente subir até a garganta a pessoa não pode falar de assuntos mundanos. Fala
somente de Deus. Naqueles dias sentia-me como atingido na cabeça por um pedaço de
pau quando alguém falava de assuntos mundanos. Eu costumava correr para o Panchavati

30
onde não tinha que ouvir esses assuntos. Sentia-me amedrontado e escondia-me quando
via pessoas mundanas. Os parentes pareciam inimigos que puxavam-me para
profundos fossos onde, se eu caísse uma vez, não seria capaz de levantar-me
novamente. Ficava sufocado, tendo a impressão de que estava à morte. Só conseguia
paz quando fugia deles. A mente pode descer novamente até o ânus, ao órgão procriador
e ao umbigo, apesar de ter atingido a garganta; deve-se, então, estar alerta. Se,
contudo, a mente de uma pessoa atingir o espaço entre as sobrancelhas, não tem mais
que temer uma queda. Alcança o conhecimento direto do Ser Supremo e permanece
continuamente em Samadhi. Há somente uma tela, transparente como vidro, separando esse
centro do lótus de mil pétalas9 (9 Em cada um desses centros há um "lótus" diferente um do outro pelo número de pétalas, cor etc)
no cérebro, no Sahasrara. O Ser Supremo está tão perto como se a pessoa estivesse
fundida n'Ele, identificada com Ele. A identificação, contudo, tem ainda que ser feita. Se
a mente descer, vai ao máximo até a garganta ou o coração. Não pode descer mais. Os
Jivakotis jamais descem desse plano. Depois da experiência do Samadhi contínuo por vinte
e um dias, a tela é perfurada e a união do "eu" com Ele torna-se completa. Estar
completamente fundido no Ser Supremo no Sahasrara é o que se chama alcançar o sétimo
plano.
35. Ao ouvir o Mestre falar dos Vedas, da Vedanta e da Yoga, alguns de nós, contudo, às
vezes perguntávamos a ele: "Embora o senhor jamais tenha estudado, nem mesmo lido ou
escrito, como sabe de tudo isso?" ímpar como era, o Mestre não se aborrecia com essa
estranha pergunta. Sorria um pouco e dizia: "Ah, é verdade que não estudei, mas ouvi muito a
esse respeito. Lembro-me de tudo. Ouvi de bons e confiáveis eruditos sobre Vedanta, os
Darsanas e os Puranas. Depois de ouvi-los e tomar conhecimento do que continham, fiz uma
grinalda de todos eles (os livros) na minha mente e ofereci aos Pés de Lótus da Mãe, dizendo:
'Eis aqui todas as Tuas escrituras, Puranas e similares. Por favor, dá-me pura devoção."
36. Ele dizia a respeito do estado não-dual ou o estado além de todos os
estados: "Esta é a última palavra. Sabem como? Suponhamos que haja um velho
empregado. Seu patrão está satisfeito com ele devido às suas boas qualidades, acredita em
suas palavras e consulta-o sobre todos os assuntos. Um dia, como sinal de apreço, o
patrão segura sua mão e o faz sentar-se no seu (do patrão) próprio lugar. O
empregado, envergonhado hesita. Ainda assim o patrão puxa-o e mandando-o
sentar-se e diz: 'Sente-se. Você e eu somos um só.' É assim."
37. Um amigo nosso (Hari, ou melhor, Swami Turiyananda) certa vez estava dando
muita atenção ao estudo da Vedanta. O Mestre amava-o muito devido à sua continência
desde a infância, devoção, firmeza e outras virtudes. Como ele se aplicava ao estudo
da Vedanta, meditação, exercícios devocionais e semelhantes, não foi ou não pôde visitar o
Mestre como o usual, durante algum tempo. Esse fato não passou desapercebido. Um dia
o Mestre viu um rapaz, que costumava visitá-lo com nosso amigo, chegar sozinho em
Dakshineswar e perguntou-lhe: "Bem, o que é isso que você vem sozinho; ele não veio?"
O rapaz respondeu: "Senhor, ele agora está se dedicando intensamente ao estudo da
Vedanta. Passa noite e dia em estudo, discussão e argumentação. Talvez pense que o
tempo será desperdiçado se vier." O Mestre ouviu e não falou nada.
38. A pessoa de quem estamos falando veio a Dakshineswar alguns dias mais tarde.
Logo que o viu, o Mestre disse: "Bem, ouvi que você agora está se dedicando à discussão da
Vedanta. É muito bom, mas ela não ensina nada mais do que isso - Brahman é real, o
mundo é irreal? Há algo mais?" O amigo, "Sim, senhor, o que mais pode haver?" Depois o
amigo disse que o Mestre abriu seus olhos para o conteúdo da Vedanta naquelas poucas
palavras. Ouvindo-as, ficou surpreso e pensou: "Realmente é verdade que tudo o que
se refere à Vedanta é entendido quando se está convencido do fundo do coração da
verdade dessas poucas palavras."
O Mestre: "Ouvir, pensar e meditar. Primeiro ouvir - primeiro você ouve que
Brahman é real, o universo irreal. Depois pensar - pela razão e discriminação você tem a
idéia profunda e corretamente impressa em sua mente. Em seguida, meditar - você aplica a
mente em Brahman, a entidade Real, ao renunciar o universo, a entidade irreal. O que

31
adianta ouvir e compreender, mas não abandonar o irreal? É como o conhecimento das
pessoas mundanas. Não se pode atingir a Realidade por meio desse conhecimento. É
necessário convicção, a renúncia é imperativa. É somente assim que se pode ser bem
sucedido. Caso contrário, você pode repetir: 'Não há espinho, nem picada, mas no
momento em que toca o espinho, sente a picada e grita de dor. Simplesmente diz: 'Não há
universo, ele é irreal; somente Brahman existe', e assim por diante, mas logo que os
objetos do mundo - visão, paladar etc. vierem, você os tomará como reais e ficará
envolvido. Chegou um homem santo ao Panchavati. Costumava falar sem parar sobre
Vedanta. Um dia soube que tinha uma ligação ilícita com uma mulher. Fui lá, para fazer as
necessidades, quando o vi sentado. Disse-lhe: 'Você fala tanto a respeito da Vedanta, mas o
que é essa história que dizem a seu respeito?' Respondeu: 'O que importa? Posso lhe dizer que
não há mal nisso. Quando é um fato que o mundo é irreal no passado, presente e futuro,
será que somente o meu ato é real? É, também é irreal.' Fiquei aborrecido quando ouvi
isso e disse: 'Fora com o seu conhecimento de Vedanta! É esse o conhecimento que as
pessoas mundanas têm da Vedanta, mas não é Conhecimento."
Aí a conversa acabou. O Mestre disse-lhe tudo isso quando caminhava com ele no
Panchavati. Nosso amigo v i n h a trabalhando com medo que a Vedanta pudesse não
ser compreendida e a liberação fosse um grito distante, até que livros difíceis como os
Upanishads, Panchadasi e similares fossem estudados e um entendimento claro dos
sistemas filosóficos como Samkhya, Nyaya etc., fosse alcançado. Da conversa do Mestre
naquele dia, veio a compreender que o único objetivo de todas as discussões
vendantistas era ter aquela certeza em seu coração. Pode-se ler prateleiras de livros sobre
filosofia e lógica, mas sem firme convicção: "Somente Brahman é real, o mundo é irreal",
não haverá qualquer diferença seja os tenha estudado ou não. Deu adeus ao Mestre e
regressou a Calcutá, decidido que dali por diante aplicaria mais à espiritualidade do
que ao estudo dos li vr o s . Determinado a conhecer Deus diretamente através das práticas
espirituais agora aplicou-se de todo o coração a elas.
Sempre que o Mestre ia à casa de alguém em Calcutá, a notícia de sua chegada
logo se espalhava entre os devotos de seu círculo íntimo. Ninguém em particular se
responsabilizava por essa notícia entre eles, mas os corações dos devotos estavam
extremamente ansiosos para vê-lo. Assim se preocupações com negócios os impediam de
visitá-lo em Dakshineswar, muitas vezes visitavam-no na casa de outra pessoa que tinha
muita alegria de falar sobre ele. Se algum entre eles de algum modo viesse a saber da
chegada do Mestre, as notícias automaticamente passavam de boca em boca e
espalhavam-se entre eles. É muito difícil explicar ao leitor como, pela graça do Mestre, os
devotos estavam ligados entre si pelo elo indescritível do amor. Muitos dos devotos do Mestre
moravam nos bairros de Baghbazar, Simla e Ahiritola. Por esta razão o Mestre vinha na
maioria das vezes em um outro desses três lugares. Deles, Baghbazar era onde vinha com
mais frequência.
Pouco tempo depois do acontecimento acima, o Mestre um dia veio à casa de
Balaram Basu em Baghbazar. Muitos dos devotos desse bairro vieram a saber e ali se
reuniram. Nosso amigo vivia nas imediações. O Mestre fez perguntas a respeito dele e um
amigo foi buscá-lo em sua casa. Logo que o amigo entrou na espaçosa sala de visitas no
primeiro andar da casa de Balaram Basu, viu o Mestre cercado pelos devotos e saudando-o,
sentou-se perto dele. O Mestre fez perguntas sobre sua saúde e bem-estar e continuou
com a conversa anterior. De uma ou duas palavras o amigo compreendeu a intenção do
discurso. O Mestre enfatizava que nada, quer fosse conhecimento, devoção ou experiência
espiritual direta, poderia ser alcançado sem a graça de Deus. Ao ouvir isso o amigo ficou
perplexo pelo fato do Mestre ter apresentado o assunto a fim de remover a concepção
errônea de sua mente e que a palestra inteira era dirigida somente para ele.
39. Ouviu o Mestre dizer: "Bem, é assunto f á c il compreender que a luxúria e
o ouro sejam realmente irreais e ter a firme convicção de que o universo é eternamente
não-existente? Será possível sem a Sua compaixão? Somente é possível se a Sua graça
nos convencer. Pode uma pessoa ter essa certeza por seu próprio esforço? Ah, quão

32
pequeno é seu poder e quão pequeno é o esforço que ela pode desenvolver com esse
poder!" Assim falando sobre a graça de Deus, o Mestre entrou em êxtase. Depois de
algum tempo entrou em divina semiconsciência e disse: "O homem não pode ter uma
idéia clara de uma coisa e já quer outra." Naquele estado o Mestre começou a cantar:

"Por que estão tão orgulhosos, Ó Kusa, Ó Lava?


Poderiam ter me capturado, se eu não
Tivesse permitido ser capturado ? "

Enquanto cantava, torrentes de lágrimas escorriam dos olhos do Mestre e parte do


pano que cobria o tapete ficou molhado. Apanhado no sentimento patético transmitido
pelo ensinamento, o amigo também não pôde controlar-se e derramou lágrimas
profusas. Passou um tempo até que ambos voltaram ao estado normal. O amigo diz:
"Aquele ensinamento ficou para sempre gravado na minha mente. Daquele dia em diante
soube que nada pode ser alcançado sem a graça de Deus."
40. Não podemos deixar de mencionar aqui um outro fato a respeito da
profundidade do conhecimento não-dual do Mestre. Quando a doença do Mestre
sofreu uma crise em Kasipur, Sri Sasadhar Tarkachudamani soube e veio vê-lo com
outras pessoas. "Senhor", disse o Pandit ao Mestre ao longo da conversa, "lemos nas
escrituras que pessoas como o senhor podem, se quiserem, curar totalmente as
doenças do corpo. As doenças ficam completamente curadas se um forte desejo for
criado na mente para que a pessoa seja curada e a mente seja direcionada uma vez
para a parte doente durante algum tempo. Por que o senhor não tenta isso uma vez?"
O Mestre disse: "Ah, como pode o senhor, um Pandit, falar assim? Posso eu sentir
inclinação para retirar minha mente de Existência-Conhecimento-Bem-Aventurança a
quem eu a ofereci e colocá-la nessa gaiola dilapidada de ossos e carne?"
41. O Pandit ficou em silêncio. Swami Vivekananda e outros devotos,
contudo, não ficaram passivos. Logo que o Pandit saiu, pediram persistentemente ao
Mestre para fazer o que o Pandit lhe havia sugerido. "O senhor deve", disseram, "curar
a doença; para nosso bem, deve curá-la."
Mestre: "Ah, por acaso quero sofrer de uma doença? Gostaria de ficar bom,
mas será que vou? Ficar curado ou não, depende da Mãe."
Swami Vivekananda: "Por favor, então peça à Mãe para curá-lo. Certamente
Ela atenderá seu pedido."
Mestre: "Você fala assim, mas esse pedido não sai de minha boca."
Swamiji: "Não, senhor, isso não basta, O senhor tem que pedir à Mãe. Para
nosso bem, deve fazê-lo."
Mestre: "Tudo bem, verei se posso pedir a Ela."
Depois de algumas horas o Swami foi até o Mestre e perguntou-lhe: "O
senhor Lhe pediu? O que a Mãe disse?"
Mestre: "Eu disse à Mãe, 'Não posso comer nada por causa disso (mostrando a
ferida de sua garganta). Faça alguma coisa para que eu possa comer um pouco.' Mas a
Mãe disse: 'Por que? Você está comendo através de todas essas bocas (mostrando
vocês todos).' Com vergonha nada pude falar."
42. Ah, que maravilhosa era sua ausência de consciência do corpo! Que
extraordinário era o conhecimento não-dual no qual ele estava estabelecido! Durante seis
meses consecutivos esteve de dieta diária de somente mais ou menos quatrocentas
gramas de uma bebida à base de cevada. Logo que ouviu a Mãe do universo dizer-lhe:
"Você está comendo por meio de muitas bocas," o Mestre ficou em silêncio e abaixou
a cabeça envergonhado, pensando: "Que ato mau cometi! Chamei este corpo limitado
de 'Eu'." Se ao menos pudéssemos apreciar um pouco desse estado exaltado do Mestre!
43. Ó, que sorte tivemos em encontrar um Mestre tão maravilhoso! Que
harmonia formidável de todos os caminhos religiosos - o do conhecimento, da devoção,
da concentração e da ação, antigos e modernos - vimos nele! Os Rishis, autores dos

33
Upanishads, dizem que uma pessoa que tem o verdadeiro conhecimento de Brahman
conhece tudo e todos seus pensamentos e desejos realizam-se - torna-se um Satya-
Sankalpa (aquele que tem a força da verdade). Todos os objetos e poderes do mundo
exterior obedecem a seus desejos implicitamente e sofrem mudanças
correspondentes. Há alguma coisa a se admirar se seu próprio corpo e mente também
fizessem o mesmo? Não está no poder de uma pessoa comum testar a verdade desses
fatos, mas podemos dizer com confiança que, embora fôssemos homens de poderes
pequenos, a maneira pela qual costumávamos testar o Mestre não deixou qualquer campo
para que nós não dessemos às suas realizações. O Mestre aceitava os testes com sorriso
e costumava dizer-nos, como se estivesse sendo ridicularizado: "Ah, a falta de fé mesmo
agora! Tenham fé, fé firme. O próprio Uno que apareceu como Rama e Krishna está
agora nesta envoltura (mostrando o próprio corpo), mas dessa vez sua chegada foi
incógnita, como a supervisão do próprio reino por um rei disfarçado! Assim que começa
a publicidade ou murmuração, ele se muda daquele lugar."
44. Muitos acontecimentos da vida do Mestre abrem nossos olhos para a verdade
das idéias acima mencionadas dos Upanishads. Todas as idéias que se levantam na
mente do homem são verdadeiramente conhecidas somente por ele mesmo, quer
dizer, somente ele pode d e te r m in a r sua frequência, intensidade, alcance etc. As
outras pessoas podem somente deduzir através dos sinais exteriores. A natureza
subjetiva dessas idéias está no interior da experiência direta de todos. Como as idéias
das pessoas comuns, aquelas dos homens que experimentam o Samadhi são também
simples modificações da mente ou manifestações de poderes mentais; levantam-se na
mente e fundem-se nela. É impossível ver ou mostrar suas partes opostas no mundo
exterior. O contrário, contudo, é o caso de muitas das idéias do Mestre. Tome-se, por
exemplo, seu desejo de colocar uma cerca em volta do Panchavati, ao ver que as
plantas que havia plantado, tinham sido destruídas pelo gado. Pouco tempo depois
houve uma maré alta no Ganga e tudo o que era necessário para fazer a cerca -
algumas estacas, filtro de coco e até mesmo um machado chegaram flutuando e
encalharam justamente perto dali e ele pôde fazer a cerca com a ajuda do jardineiro do
templo de Kali, chamado Bhartabhari. Considere-se um outro exemplo: sua afirmação no
curso de uma discussão com Mathuranath, genro da Rani, que "tudo pode acontecer
pela vontade de Deus e que uma planta que dá flor vermelha, também, pode dar flor
branca" e que este recusou-se a aceitar. No dia seguinte o Mestre viu duas flores, uma
vermelha e outra branca, nos dois brotos do mesmo galho de um pé de hibisco, no
jardim. Quebrou o galho com as duas flores e deu-o a Mathuranath. Tomemos outro
exemplo: a chegada ao templo de Kali em Dakshireswar de uma pessoa perfeita em
cada uma das crenças do Tantrismo, Vedanta, Vaishnavismo, Islamismo etc., e a
iniciação do Mestre em cada uma dessas crenças, sempre que um forte desejo de
praticar qualquer daquelas crenças surgia em sua mente. Ou então outro exemplo. O
Mestre ansiava encontrar seu círculo interno de devotos do qual há tempos atrás havia
tido a visão e por quem chamava com anelo muito intenso. Chegaram um após o outro e
ele os reconheceu e recebeu. Muitos desses exemplos podem ser citados. Num exame
minucioso do assunto, esses fatos tornam claro que muitas idéias do Mestre não
acabaram como as das pessoas, em simples modificações mentais, mas produziram
mudanças correspondentes nos acontecimentos do mundo exterior pela influência de
um poder inescrutável. Esses foram os fatos - que o leitor pondere sobre eles de forma
crítica e tire suas próprias conclusões.
45. Já dissemos que o Mestre costumava permanecer em Bhavamukha (III.
1.36) o tempo todo, exceto durante o Nirvikalpa Samadhi. É por isso que vemos que
costumava ter diferentes relações espirituais de amor com diferentes devotos - um
determinado relacionamento com um devoto particular - e sempre mantinha essa
relação intacta. Agora todos conhecem o relacionamento filial que teve durante toda a
vida, com todas as mulheres, considerando-as manifestações dos aspectos da Mãe do
universo de doar felicidade e alimento. Mas o fato de que ele manteve relacionamentos

34
especiais com os devotos é, talvez, de modo geral ainda desconhecido. Por conseguinte
não é sem propósito dizer algo a esse respeito. O Mestre dividia os devotos em duas
grandes categorias - uma nascida de um aspecto de Siva e a outra, de Vishnu. Dizia que
os devotos desses dois grupos diferenciavam-se por sua natureza, comportamento e
preferência por disciplina espiritual que lhes eram mais adequadas. Podia claramente
compreender a diferença, mas nós não sabemos explicá-la.
46. Os caracteres de Siva e Vishnu são, por assim dizer, dois moldes ou
modelos, e a estrutura mental de um devoto é fundido em um desses dois moldes. O
Mestre experimentou todos os tipos de relacionamentos espirituais de amor, a saber,
Santa, Dasya, Sahya, Vatsalya etc., com aqueles devotos - tendo relações particulares
com determinadas pessoas. Por exemplo, costumava dizer de Narendranath: "Narendra é,
por assim dizer, minha contraparte - o Princípio que mora dentro deste (mostrando-se) é
feminino e o que está dentro dele (mostrando Narendranath) é masculino." Considerava
Swami Brahmananda seu filho. O Mestre tinha relações particulares assim com cada um de
seus devotos íntimos, tanto leigos como monásticos. Não é necessário dizer que tinha uma
relação de tranquilidade (Santa) com os devotos comuns, porque estava convencido de que
todos eram formas do Próprio Narayana.
47. Conhecendo a natureza interior de cada um dos devotos, o Mestre pôde
estabelecer um relacionamento espiritual com eles. Costumava dizer: "Vejo claramente
tudo o que está na mente de um homem como os objetos dentro de uma caixa de vidro."
Uma pessoa não pode agir de forma contrária à sua natureza; portanto, não estava no
poder de qualquer dos devotos agir contrariamente àquela relação espiritual de amor na
qual o Mestre o colocava. Se, contudo, um deles, imitando o outro, agisse de forma
contrária, o Mestre ficava muito aborrecido e mostrava-lhe o erro. Como exemplo,
citaremos o caso de um devoto. O Mestre dizia que Girish era um Bhairava10 (10 - Os Bhairavas
são uma espécie de terríveis semideuses, dados a bebidas fortes e a comer carne, sendo conhecidos por seus poderes extraordinários. São dedicados seguidores de Siva).
Um dia, durante o êxtase no templo de Kali, viu que Girish era um Bhairava. Sorrindo,
ignorou as impropriedades e a linguagem grosseira de Girish porque viu que havia um
sentimento terno extraordinário e completa dependência escondidos sob a rudeza de sua
linguagem. Certo dia um outro devoto bem-amado do Mestre imitou a linguagem grosseira de
Girish, ao dirigir-se a ele, com o que o Mestre ficou muito aborrecido e mais tarde
mostrou-lhe seu erro.
48. Estabelecido em Bhavamukha, o Mestre conhecia bem o estado espiritual natural
de cada homem ou mulher e de acordo com aquele estado, tinha um relacionamento de amor
com ele ou ela. Vamos apresentar ao leitor alguns dos numerosos métodos que o Mestre
adotava para conduzir cada devoto à realização de Deus, segundo seu estado espiritual.
Temos que recordar ao leitor a primeira visão que o Mestre teve da Mãe Divina, no templo
de Kali depois que ameaçara se matar devido à agonia da separação e a da experiência da
consciência não-dual que se seguiu à visão. Foi depois dessa experiência que o Mestre
praticou os estados devocionais de Salchya, Vatsalya e Madhura e atingiu ao estágio mais
elevado deles. Muito tempo depois, quando os devotos do círculo interno vieram a ele,
desejou que os devotos também experimentassem êxtase e orou à Mãe. Imediatamente
alguns deles tiveram essas experiências. Naquele estado de espiritualidade a consciência do
mundo exterior deles, incluindo seus próprios corpos expandiu-se a tal ponto e uma
corrente interna de um determinado estado espiritual, por exemplo, o pensamento de
uma forma de Deus, tornou-se tão manifestada, que viram aquela forma vir,
permanecer diante deles, sorrir, falar e agir, como se estivesse realmente viva.
Experimentavam aquele estado ao ouvirem canções devocionais.
49. O Mestre possuía um outro tipo de devotos que não tinham experiência
semelhante ao ouvir música devocional, mas viam formas de deuses durante a meditação.
No começo experimentavam visões de simples formas, mas ao se aprofundarem na
meditação, viam seus movimentos e ouviam suas vozes. Outros também, no começo tinham
vários tipos de visões que, contudo, desapareciam quando a meditação se aprofundava.
É um fato surpreendente, porém, que imediatamente após ouvir sobre as visões e

35
experiências de cada um, Sri Ramakrishna sabia a que classe cada um deles pertencia, suas
necessidades atuais, visões e experiências futuras.
50. Como exemplo vamos mencionar aqui um devoto. Instruído por Sri
Ramakrishna, um de nossos amigos (Swami Ab h e d an an d a) começou a praticar
meditação e outros exercícios espirituais e, no começo, teve uma experiência clara de seu
Ideal Escolhido em várias formas por ocasião da meditação. Costumava ir ao Mestre,
em Dakshineswar, em i n t e r v a l o s c u r t o s de tempo e informá-lo sobre suas
experiências. Ao ouvi-las o Mestre dizia: "Muito bem," "Pratique desse jeito" e assim por
diante. Mais tarde esse amigo viu na hora da meditação que todas as formas de deuses e
deusas fundiam-se no corpo de uma única forma. Ao tomar conhecimento, o Mestre disse:
"Ótimo, você teve a visão de Vaikuntha. Não terá mais visões." Nosso amigo dizia: "Na
verdade foi exatamente o que aconteceu. Não mais pude ver qualquer forma durante a
meditação. Idéias mais elevadas como a de penetração de tudo pelo Senhor, surgiam
em minha mente e tomavam conta dela. Fiquei com muita vontade de ter visões das
formas e fiz tudo para tê-las novamente. Mas foi em vão; nenhuma forma pôde mais
ser vista."
51. "Na hora da meditação," dizia o Mestre aos devotos que acreditavam em
Deus com forma, "imaginem que prenderam a mente com um fio de seda nos pés da
forma de Deus que escolheram, de maneira que ela não possa fugir. Por que digo 'fio de
seda'? Porque aqueles pés de lótus são certamente muito macios e delicados. Ficarão
feridos se outro tipo de fio for usado." Às vezes dizia: "Deve uma pessoa pensar em seu
Ideal Escolhido somente na hora da meditação e esquecê-Lo nas outras horas? Deve
manter uma parte de sua mente sempre presa a Ele. Certamente observaram que um
lampião usado na cerimônia de sacrifício tem que ser aceso por ocasião da adoração a
Durga. Essa luz deve ser mantida sempre queimando, perto da Divindade, não sendo
permitido ser retirada. Se for, não é bom augúrio para o chefe de família. Mesmo assim,
depois que o Ideal Escolhido for trazido e assentado no lótus do coração, o lampião de
meditação deve permanecer sempre queimando. Quando uma pessoa está
empenhada nos deveres mundanos, deve prestar atenção, de vez em quando, para ver
se aquele lampião está queimando no interior ou não."
52. Às vezes dizia: "Ah! Naqueles dias antes de começar a meditar no Ideal
Escolhido, imaginava que estava lavando completamente o interior da mente. Vejam,
existe vários tipos de sujeira e poeira (maus pensamentos e desejos) na mente. Eu
imaginava que os estava eliminando fazendo o Ideal Escolhido sentar-se ali. Façam o
mesmo."
53. Uma vez o Mestre falou-nos sobre a meditação nos dois aspectos do
Senhor, um com formas e o outro sem formas. Dizia: "Alguns atingem o aspecto sem
forma através daquele com formas; outros alcançam aquele com formas através do sem
forma." Na casa do grande devoto Girish, um amigo nosso, Devendra Nath Basu, um dia
perguntou-lhe: "Senhor, qual é a mais elevada - a concepção de Deus com formas ou
aquela sem formas?" "Há", respondeu o Mestre, "duas concepções do aspecto sem
forma, a 'madura' e a 'imatura'. A concepção 'madura' do aspecto sem forma de Deus
é realmente muito elevada; deve-se atingi-la por meio do aspecto com formas.
Quanto à concepção 'imatura' do aspecto sem forma, é tudo escuridão no momento em
que a pessoa fecha os olhos, como no caso dos Brahmos"11 (11 Que ninguém pense que o Mestre condenava o
moderno Brahmo Samaj ou os modernos conhecedores de Brahman. Mencionamos esse fato por consideração à verdade. Repetidamente ouvimo-lo pronunciar as
palavras "Saudações aos modernos conhecedores de Brahman" quando saudava os devotos pertencentes a todas as denominações, no final do canto do nome de
Deus. Todos sabem que foi o grande devoto Kesav, o conhecido líder do Brahmo Samaj, quem primeiro apresentou o Mestre ao público de Calcutá; e Vivekananda e
outros devotos monásticos do Mestre admitiram abertamente que estavam para sempre em dívida com o Brahmo Samaj).
54. Devido à educação ocidental, havia também, um outro círculo de devotos do
Mestre, que faziam a Sadhana, segundo a concepção "imatura" do aspecto sem forma de
Deus. Ele os proibiu de imitarem os missionários cristãos que condenavam a meditação
no aspecto de Deus com formas, que odiavam os devotos que se desenvolviam na
Sadhana com ajuda de imagens e outros símbolos do Senhor, chamando-os de
"idólatras", "crentes cegos" e assim por diante. Dizia: "Ah! É verdade que Ele tem

36
formas mas é igualmente verdadeiro que Ele é sem formas. Quem sabe o que mais Ele
é, além disso?" Sabem como é Deus com forma? É como o gelo formado da água. Ao
congelar-se a água vira gelo; o gelo é água tanto em seu interior como em seu exterior.
O gelo nada mais é do que água. Mas vejam, a água não tem forma. Não tem qualquer
forma particular, mas o gelo tem. De maneira semelhante a indivisível Existência-
Conhecimento-Bem-Aventurança condensa-se, por assim dizer, por meio da devoção
de uma pessoa e adquire várias formas como o gelo." Essa analogia do Mestre
esclareceu as d ú v i d a s de muitas pessoas, convencendo-as de que esses dois
aspectos aparentemente contraditórios coexistem no Ser Supremo.
55. Vamos mencionar aqui um outro acontecimento. Swami Vivekananda era
o máximo no círculo dos devotos do Mestre que seguiam a doutrina "imatura" do
aspecto sem forma da Divindade. O Mestre colocava-o acima não somente desse tipo de
devotos mas de todos os devotos. Influenciado pela educação ocidental e pelo Brahmo
Samaj, o Swami às vezes fazia comentários nada caridosos sobre os devotos. Esse
estado era particularmente notado nele em momentos de argumentação. Mas o Mestre,
às vezes, divertia-se ao provocar uma discussão veemente entre ele e alguns devotos de
Deus com formas. Durante essas discussões muitas vezes acontecia que ninguém podia
manter seu ponto de vista e alguns sentiam-se feridos quando eram silenciados por seu
intelecto agudo. O Mestre também descrevia com alegria aquele fato a muitas pessoas
em diversas ocasiões e dizia: "No outro dia Naren 'reduziu a pedaços' os argumentos de
fulano com a maior facilidade. Ah, que intelecto arguto!" e assim por diante. Mas um dia o
Swami foi silenciado, durante uma discussão com Girish, que seguia a doutrina de Deus
com formas. Naquela ocasião tivemos a impressão de que, a fim de tornar a fé de Girish
mais firme e perfeita, o Mestre ficou de seu lado. Noutra ocasião, contudo, no decorrer
da conversa com o Mestre, Swami Vivekananda referiu-se à fé dos devotos de Deus com
formas como 'fé cega'. O Mestre disse em resposta: "Bem, pode me explicar o que você
quer dizer com 'fé cega'? Toda fé é certamente cega, mas será que a fé tem olhos? Fale
ou de 'fé' ou de 'conhecimento'. Mas não, você falará da fé de uma pessoa como cega e a
de outra, como tendo olhos; como é isso?" Mais tarde o Swami disse: "Realmente, fiquei
em dificuldade tentando explicar ao Mestre naquele dia, o significado de 'fé cega'. Não
pude encontrar um significado para a expressão. Desde então desisti de empregar
aquela expressão, porque me convenci da verdade da contestação do Mestre."
56. O Mestre costumava considerar os seguidores da doutrina "imatura" de Deus
sem formas e os devotos de Deus com formas como estando no mesmo nível. Dizia-
lhes, também, que tipo de meditação seria útil. "Olhem," dizia ele, "naqueles dias eu
costumava imaginar o Senhor como um oceano enchendo todo o universo e eu como
um peixe, mergulhando, boiando, nadando num vasto mar de Existência-Conhecimento-Bem-
Aventurança. Também, às vezes eu me considerava um jarro imerso na água daquela
indivisível Existência-Conhecimento-Bem-Aventurança, que me penetrava
completamente."
57. Novamente dizia: 'Olhem! Pensem 'neste' (mostrando-se) enquanto
sentado para meditação. Por que falo assim? Porque você tem fé 'aqui'. Pensando 'neste'
você se recordará do Senhor. Assim corno uma pessoa ao ver uma manada de vacas,
recorda-se do boiadeiro; ao ver o filho lembra-se do pai; ao ver um advogado recorda-se
do tribunal, da mesma maneira o pensamento 'deste' o ajudará a direcionar a
mente para Deus. Compreende? A mente dispersa-se aqui e ali, em todos os lugares.
Pensando 'nisso', será reunida num mesmo lugar e a meditação correta se seguirá,
quando será dirigida para Deus."
58. Além disso dizia: "Agarrem-se firmes a alguma forma de Deus ou a algum
estado, que for do agrado de vocês; somente então haverá firmeza. Ele é realizável apenas
por meio de uma atitude espiritual (Bhava). Como pode Ele ser realizado por alguém que
não a tem?" Os estados espirituais são necessários. Deve-se cultivar um estado
espiritual particular e então, chamá-Lo. 'Como é a atitude de uma pessoa, assim será seu
ganho; é a fé que está na raiz. É por meio de Bhava que o amor brota.' As atitudes

37
espirituais são imperativas. Assim é a fé; é necessário manter-se firme, somente então a
pessoa será bem sucedida.
"Sabem o que significa uma atitude espiritual (Bhava)! É estabelecer com Deus um
relacionamento e mantê-lo o tempo todo - ao comer, beber, sentar-se e dormir.
59. "Por exemplo: 'Sou Seu servo,' 'Sou Seu filho,' 'Sou parte d'Ele - isto é o que
é chamado 'eu maduro', o 'eu do conhecimento'. E 'Eu sou Brahmin', 'Eu sou um
Kayastha', 'Eu sou o filho de fulano', 'Eu sou pai de sicrano' tudo isto constitui o 'eu' da
ignorância espiritual. Devem ser abandonados, devem ser renunciados. Trazem
escravidão ao fortalecer o egoísmo e o orgulho. É necessária a lembrança constante.
Uma parte da mente deve ser mantida sempre dirigida para Ele. Somente então o sucesso
chega. Uma pessoa deve torná-Lo íntimo, agarrando-se firme a um determinado
relacionamento de amor; só assim essa pressão de amor pode ser exercida sobre Ele.
Vejam, quando a intimidade começa ou está para começar, dirigimo-nos à pessoa como
'senhor'; à medida que se aprofunda, dá lugar a 'você'; quando atinge seu ápice,
'você' também soa vazio; então 'tu' e 'teu' são imprescindíveis. Ele tem que se tornar
mais do que íntimo. Aí o sucesso chega.
60. Tomem por exemplo uma mulher que foi abandonada. No começo ao ter um
amante; quanto segredo, medo e timidez há! À medida que o amor se intensifica,
nenhum desses sentimentos permanece. Ela mantém-se fora do seio da família,
chegando ao extremo de segurar a mão dele na presença de todos. Se esse homem
hesita em tomar conta dela e deseja abandoná-la, coloca um pedaço de pano em volta
do pescoço dele e empurrando-o diz: "Olhe aqui! Abandonei o lar, ficando desamparada
por sua causa e agora você está tentando me abandonar! Você tem que me
sustentar!" De maneira semelhante quem a tudo renunciou por Deus e tornou-O seu
faz pressão de amor e diz: 'Renunciei a tudo por Ti. Deves revelar-Te a mim'!"
61. Quando sentia que o amor a Deus havia diminuído em alguém, costumava
perguntar: "Por que diz: 'Vou realizá-Lo na próxima encarnação e não nesta?' Não se
deve ter esse tipo de devoção sem entusiasmo. 'Vou realizá-Lo por Sua graça nessa
mesma vida, neste momento.' Essa força, essa fé devem ser mantidas. Pode alguém ser
bem sucedido de outra forma? Nesta parte do país, quando os criadores vão comprar
bois, colocam a mão para sentirem suas caudas. Alguns não ficam aborrecidos, quando
as pessoas põem a mão na raiz de suas caudas, relaxam o corpo e deitam-se no chão.
Os criadores sabem que esses bois não são bons. Os que saltam e reagem ao sentir a
mão em suas caudas, são os promissores. O homem escolhe esses. Devoção sem
entusiasmo não é boa.
62. "Tenha força, tenha fé e declare: 'Certamente vou realizá-Lo, não há
qualquer dúvida a esse respeito. Vou realizá-Lo agora mesmo.' É então e somente então
que a realização chega." "Desista", continuava, "de todos os desejos mundanos,
um por um. Se ao invés de abandoná-los está aumentando o seu número, como
espera ser bem sucedido?"
63. Quando os devotos, concebendo Deus com ou sem forma, eram tomados
pelo pântano do desânimo durante a meditação, exercícios devocionais, oração e
similares, sem qualquer resposta, o Mestre encorajava-os assim: "Em primeiro lugar deve
ser jogada uma isca no lago, se uma pessoa quiser pescar. Você talvez esteja há muito
tempo com a vara na mão, sem qualquer sinal de peixe e pensa que não há nenhum no
lago. Outro dia sente que há um peixe grande mexendo-se e acredita imediatamente
que há peixe no lago. O anzol talvez se mova e pensa que realmente um peixe se
aproximou. Depois de alguns dias, pode ser que a bóia afunde e então, você puxa o
anzol, mas verifica somente que o peixe comeu a isca e fugiu. Novamente coloca a
isca no anzol e segurando a vara de pescar, senta-se com muita atenção. Por fim um dia,
quando um peixe pega a isca, puxa a vara e apanha -o.
64. Às vezes dizia: "Ah! Ele tem um ouvido aguçado; ouve tudo. Ouviu tudo o que
Lhe disse em sua oração. Sem dúvida algum dia Ele Se revelará. Ele Se revelará pelo
menos na hora da morte." Dizia a alguns: "Se não podem determinar se Ele é com ou

38
sem forma, orem a Ele dizendo: 'Não sei, Ó Senhor, se Tu és com ou sem forma; por
favor revela-Te a mim por Tua graça, qualquer que seja a Tua natureza'." Dizia a outros:
"Ó! Verdadeiramente Deus pode ser visto. Assim como vocês e eu estamos sentados e
conversando, assim pode-se ver e conversar com Ele. Digo que pode, que realmente
pode. Tenho isso como verdade, pura verdade."
65. Se uma pessoa permanece em atitude contemplativa, quer dizer, em Bhava
durante as vinte e quatro horas, esse estado aumenta tanto que nenhuma outra
atividade mundana pode ser feita por ela. Não pode dedicar a mente às pequenas coisas
do mundo. Vemos em todos os lugares exemplos entre as pessoas que se dedicam à
ciência, política etc., isto para não falar daquelas dedicadas à espiritualidade.
Normalmente essas pessoas são incapazes de atender à higiene de seus corpos ou a outros
pequenos assuntos como guardar os objetos de uso diário em seus lugares próprios.
Na vida do Mestre, entretanto, vemos que ele era meticuloso mesmo nos assuntos
insignificantes, apesar de seu estado contemplativo. Somente quando estava destituído
de toda consciência exterior, como em Samadhi, não tinha em mente o mundo
exterior, mas quando estava em seu estado normal, era cuidadoso com tudo. Isso é um
fato surpreendente.
66. Um dia o Mestre dirigia-se à casa de Balaram Babu, vindo de
Dakshineswar, e com ele estavam Ramlal e Yogananda. Iam todos de carruagem.
Quando a carruagem estava na altura do portão, o Mestre perguntou a Yogananda:
"Bem, você trouxe a roupa e a toalha?" Era de manhã. Yogen respondeu: "Não, senhor;
eu trouxe a toalha mas me esqueci da roupa. Eles (Balaram e os outros) ficarão felizes
em dar-lhe uma roupa nova." O Mestre disse: "O que você está dizendo? Dirão: 'O
que! Um amigo pobre e coitado chegou!' Vão ficar aborrecidos e numa posição difícil. Pare
a carruagem, vá e traga-a."
O Mestre continuou: "Há o 'suficiente' e não, falta, quando um homem bom e
feliz, chega como hóspede, mas há constrangimento quando a pessoa é infeliz e má.
Ela chegará exatamente no dia em que faltam as coisas essenciais na casa e o dono da
casa tem muito trabalho para atendê-lo."
67. Um certo Pratap Hazra costumava passar longos períodos em
Dakshineswar, quando o Mestre ainda vivia. Todos nós costumávamos chamá-lo
Hazra Mahasay12 (12 Um epíteto honorífico que se adiciona aos sobrenomes de cavalheiros). Acompanhava, também, o
Mestre quando ia visitar os devotos em Calcutá. Numa dessas ocasiões, quando
regressava de Calcutá juntamente com o Mestre, esqueceu-se de trazer a toalha. Em
Dakshineswar o Mestre veio a saber e disse-lhe: "Em nome de Deus perco a consciência
até da roupa que uso, mas jamais esqueci de trazer minha pequena sacola ou toalha de
Calcutá. E você, que faz somente um pouco de japa, é tão esquecido!"
68. O Mestre ensinava à Santa Mãe: "Ao entrar numa carruagem ou num
barco, vá e entre em primeiro lugar e quando sair, desça em último e examine se
nada ficou para trás." O Mestre dedicava grande atenção até aos pequenos detalhes.
69. Assim, embora permanecendo incessantemente em Bhavamukha, o
Mestre era cuidadoso com todas as coisas importantes. Guardava invariavelmente
cada coisa em seu lugar próprio, tinha cuidado com os objetos de uso diário como
roupas, saquinho de especiarias etc., que lhe pertenciam, perguntando se qualquer
coisa havia sido esquecida ou deixada para trás ao ir ou voltar de um lugar. Pensava,
também, como o ambiente dos devotos poderia ser favorável à prática espiritual.
Fazia-lhes perguntas sobre sua vida mundana e problemas espirituais.
70. O Mestre parecia-nos a personificação do "agregado de todos os tipos de
idéias". Um tão grande rei no "mundo das idéias" jamais foi visto antes.
Constantemente estabelecido em Bhavamukha, o Mestre manifestava em si o mais
elevado grau de todos os estados espirituais, do Nirvikalpa não-dual ao Savikalpa,
familiarizava os devotos de todas as classes com os detalhes de seus caminhos e
objetivos particulares, trazendo assim a eles, luz na escuridão da ignorância,
esperança no desespero e paz nas provações e tribulações mundanas. Faltam-nos

39
palavras para exprimir que céu de esperança ele foi para todos nós, que poder
transmitia ao nosso espírito.
71. "Não é uma coisa muito difícil," disse Swa4mi Vivekananda, "ter sob
controle os poderes materiais e alardear um milagre; mas não encontro milagre mais
maravilhoso do que o modo como esse 'Brahmin louco' (Sri Ramakrishna), com um
simples toque, manipulava as mentes como torrões de argila, partindo, moldando,
tornando a moldá-las e enchendo-as com idéias novas."

CAPÍTULO III

SRI RAMAKRISHNA COMO INSTRUTOR ESPIRITUAL

ASSUNTOS; 1. A humildade do Mestre e o estado de instrutor espiritual; sua conciliação. 2. Era o servo de
todos porque via Deus em todos. 3. A reação dos devotos à manifestação do seu poder de Instrutor. 4. A natureza
sem limite de seus estados. 5. Apreender o significado de Bhavamukha é necessário para compreender como o
Mestre poderia ser tanto um Bhakta como um Jnani. 6. Savikalpa Samadhi, Nirvikalpa Samadhi e sono profundo. 7. Os
resultados do genuíno Samadhi. 8. O Nirvikalpa Samadhi do Mestre durante seis meses. 9. Como seu corpo
sobreviveu ao longo período. 10. Um Yogi alimentou-o à força. 11. A ordem da Mãe: "Permaneça em Bhavamukha".
12. Brahman, o Saguna-Nirguna, o Eu Universal, Iswara e a Mãe Divina. 13. A universalidade do Eu é o chamado
Bhavamukha (a fonte de todas as idéias). 14. A experiência do Mestre no estado Nirvikalpa e no Savikalpa ou
estado Bhavamukha. 15. 'Permaneça em Bhavamukha' - seu significado. 16. Dualismo, não-dualismo
qualificado e não-dualismo de acordo com o progresso espiritual. 17. Hanuman sobre esse assunto. 18. A
necessidade de se aceitar ambos os aspectos de Brahman, o Absoluto (Nitya) e relativo (Lila). 19. Umas poucas
ilustrações dadas pelo Mestre. 20. É explicada a experiência de Bhavamukha. 21. Vidya Maya e a experiência de "Eu
sou o servo, devoto, filho ou parte de Deus. 22. O Mestre dotado do 'Eu maduro' universal; as implicações disso
na atitude de Instrutor. 23. Seu poder de despertar a espiritualidade; o acontecimento de 1° de janeiro de 1886
como exemplo. 24. As experiências dos devotos ao toque do Mestre. 25. Atitude imprevisível de doar graça. 26. A
atitude de instrutor manifesta-se com o desaparecimento do 'eu imaturo'. 27. A atitude de instrutor, uma
manifestação da Mãe Divina. 28. Porque devoção a Deus e ao Guru é a mesma coisa. 29. História da devoção de
Vibhishana ao Guru. 30. Estimulando a devoção pela associação de idéias: o exemplo de Chaitanya. 31. A devoção de
Arjuna ao instrutor espiritual. 32. Lugar da devoção ao Guru de uma pessoa à luz desse conceito geral de Guru; O
exemplo de Hanuman. 33. O poder de instrutor espiritual adormecido em todos os homens. 34. As palavras do
Mestre: 'No final a mente torna-se o instrutor espiritual.' 35. O Guru é comparado a uma amiga. 36. O Guru
fundindo-se no Ideal Escolhido.)

Alguns consideram-n'O um estranho,


Outros falam d'Ele como um estranho,
Outros ouvem sobre Ele como estranho;
Apesar de ouvir (ver e falar), ninguém
Conhece-O em Sua integridade.
Gita II.29

1. Aqueles que estiveram com o Mestre somente algumas vezes e tiveram com ele
um relacionamento superficial, muitas vezes se admiram de seu jogo divino como instrutor
espiritual. Acham que é mentira. Também, quando vêem que muitas pessoas sérias dizem a
mesma coisa, pensam: "Essas pessoas formaram um grupo e elaboraram um plano para
elevar Ramakrishna ao estado de Divindade. Vão acrescentar mais uma às trezentas e trinta
e três milhões de divindades já existentes! Por que? As Divindades existentes não são
suficientes? Por que não escolhem uma ou mais entre elas? Por que aumentar o número
com outra'? Ah, que estranho! Esses seguidores não compreendem que quando for
descoberta a falsidade, as pessoas perderão o respeito por essa alma pura. Não o viram?
Quão humilde ele era, quão meigo, quão paciente, quão destituído de egoísmo - o
menor entre os menores! Dizem também, que ele não podia admitir ser chamado de
instrutor espiritual, pai ou patriarca. Dizia: 'Deus é o único instrutor espiritual, pai e
patriarca. Sou o menor entre os menores, um servo dos servos, igual ao cabelo de seu
corpo - um pequeno cabelo, de forma alguma grande.' Assim falando, tomou a poeira de
seus pés e colocou-a na cabeça! Já se viu uma atitude mais humilde? Justamente essa é a
pessoa que estão transformando num Instrutor espiritual e Deus - o que ele não foi!"

40
2. Para que estas controvérsias não perdurem por um tempo indefinido, falaremos
sobre a atitude do Mestre como instrutor espiritual, como vimos e ouvimos. Porque, a
convicção de que cada ser desde o mais elevado até o mais baixo é o Próprio Deus,
estava tão firmemente estabelecido nele, que a atitude de um servo, não somente dos
homens, mas de todos os seres vivos, era normal para ele. É verdade que, em seu
estado normal de consciência, ele se considerava o menor dos menores, o mais humilde
dos humildes e tomava a poeira dos pés de todos; e que nesse momento não
suportava ser considerado um instrutor espiritual, um pai, um patriarca. Não podemos,
contudo, negar a veracidade dos feitos extraordinários do Mestre quando tomado pela
atitude de instrutor. Sob a influência do Poder divino nele manifestado, tornava-se Seu
instrumento e por um simples toque elevava qualquer um ao Samadhi, à meditação
profunda ou à intoxicação1 (1 Era fato que ele tinha um sentimento transbordante como o de embriaguez produzido pelo fumo excessivo de
cânhamo. Víamos que cambaleava um pouco. No caso do Mestre era tanto, que requer uma explicação. Sob o efeito do sentimento transbordante daquela
intoxicação, cambaleava tanto que tinha que se amparar em um de nós, para andar. As pessoas pensavam que havia tomado uma dose excessiva de tóxicos)
de felicidade divina jamais experimentada antes.
3. Ao vermos que, devido a um Poder misterioso, ele podia remover as impurezas
da mente de uma pessoa, fazendo-a imediatamente sentir que tinha uma não sonhada
concentração mental, pureza e felicidade, levando-a a um sentimento de
preenchimento de vida e a uma atitude de absoluta subordinação a seus pés - só então
podíamos admitir que o Mestre não era o menor dos menores, mas um estranho Poder
divino que Se manifestava através dele num jogo (Lila), fazendo-o comportar-se
daquela maneira. Sentíamos que o Mestre, como revelador da morada suprema do
Senhor, era realmente o instrutor espiritual, o salvador dos homens que, cegos pela
"escuridão da ignorância, queimados pelos três tipos de miséria"2 (2 A saber, a miséria que pertence ao
corpo, aquela causada por outros animais e aquela devida aos poderes da natureza, isto é, raio, enchente, tempestade terremoto etc), e sofrendo da
doença do mundanismo, haviam sido reduzidos à total desesperança. Tendo em vista o
estado divino do Mestre, os devotos usam as expressões, "instrutor espiritual",
"misericordioso", "Senhor" e assim por diante. Nessa época realmente vimos no
Bhagavan Sri Ramakrishna a verdadeira humildade de um devoto e a maravilhosa atitude
divina do instrutor espiritual que embora pudessem parecer contraditórias, coexistiam
numa mesma pessoa. E porque nós as vimos, estamos agora tentando apresentar ao
leitor o pouco que compreendemos.
4. Hesitamos explicar, mesmo tratando-se do pouco que compreendemos. Não
necessitamos dizer que está além do poder de ambos, o escritor e o leitor, explicar e
compreender isto perfeitamente, porque não havia limite para as atitudes do Mestre,
estabelecido em Bhavarnukha. O Mestre costumava dizer: "Não há limite para o Senhor."
Também é nossa experiência pessoal que não havia limite para as atitudes desse ser
extraordinário.
5. Logo que as pessoas ouvem que o Mestre costumava permanecer
incessantemente em Bhavarnukha, geralmente tiram a conclusão errada de que ele não
era um homem de conhecimento vedantista e que sempre viveu no meio de ondas
emocionais de dor e de prazer que se levantavam da separação ou da união com o
Senhor. Mas poderemos compreender corretamente somente se soubermos o que é
estar em Bhavamukha e sob quais condições isto é possível. Por conseguinte, mais uma
vez discutiremos brevemente o estado de Bhavamukha, de um ponto de vista diferente
(II.1.1-7). O leitor se recordará que o Mestre atingiu o Nirvikalpa Samadhi num dia
(II.1.21) e permaneceu direto naquele estado durante três dias e três noites.
Pergunta: O que é Nirvikalpa Samadhi?
Resposta: É trazer a mente ao estado em que fique completamente livre de
todas as mentações.
Pergunta: O que são mentações?
Resposta: São todas as modificações mentais tais como percepção dos objetos
do mundo exterior, consistindo de visão, paladar etc.; os sentimentos de dor, prazer
etc.; as faculdades como cogitação, imaginação, dedução etc. e os desejos como: 'Farei

41
isso", "Vou compreender aquilo", "Vou desfrutar aquilo". "Vou renunciar a isso" e assim
por diante.
Pergunta: Do que elas dependem para existir?
Resposta: Da consciência do "eu". Se a consciência do "eu" desvanecer ou for
detida por algum tempo, não haverá modificação na mente; nem pode assaltar a mente
nesse período.
Pergunta: É um fato que também no desmaio e no sono profundo o
conhecimento do "eu" desaparece. Será o Nirvikalpa Samadhi algo assim?
Resposta: Não, no sono profundo a consciência do "eu" continua interiormente,
mas o instrumento chamado cérebro, com o auxílio do qual a mente manifesta
consciência, torna-se inativa e deixa de funcionar por algum tempo, isto é, todas as
modificações continuam a existir no fundo da mente. O Mestre deu o exemplo dos
"pombos, arrulhando, com os papos inchados depois de comerem milho e pensa-se que
seus papos estão vazios, mas se apalpá-los, sentirá o milho."
7. Pergunta: Como posso saber se a consciência do "eu" permanece assim
durante o desmaio ou no sono profundo?
Resposta: Observando o resultado. Por exemplo, nessas ocasiões o batimento
cardíaco, o pulso, a circulação do sangue etc., não param. Todas essas atividades
físicas também ocorrem em torno da consciência do eu. Além disso, embora os
sintomas do desmaio ou do sono profundo sejam semelhantes àqueles do Samadhi,
quando um homem retorna ao estado de vigília, seu conhecimento e felicidade
continuam como antes; quer dizer, não há qualquer aumento ou diminuição. Por
exemplo, a luxúria do sensual mantém-se como antes; o mesmo ocorre com a raiva do
enfurecido, a ganância do avarento etc. Mas quando se atinge o estado Nirvikalpa,
essas modificações não mais podem levantar as cabeças; conhecimento e felicidade
infinita enchem a mente e dúvidas, como se houvesse outro mundo ou se Deus existe
ou não desaparecem para sempre devido à realização direta de Deus, a Causa do
universo.
Pergunta: Sim, compreendo. Acreditamos que a consciência do "eu" tivesse
desaparecido totalmente por algum tempo, enquanto o Mestre estava em Nirvikalpa
Samadhi, mas e depois?
Resposta: Bem, quando a consciência do "eu" desapareceu daquela maneira, ele
teve durante algum tempo a visão direta da Mãe Divina, a Causa do Universo. Não
satisfeito com essa visão durante três dias, procurou tê-la permanentemente.
8. Qual foi o estado mental do Mestre como resultado daquela experiência e
quais foram os sinais manifestados em seu corpo, mostrando aquele estado?
Resposta: Às vezes estar fundido na consciência do Eu, apareceram
externamente os sintomas de morte no corpo e a visão sem obstrução da Mãe
internamente. Também, às vezes, com o reaparecimento de uma pequena consciência
do "eu", leves sintomas de vida voltavam e a visão da Mãe Divina continuava, embora
um pouco obstruída por causa da intervenção do anteparo da mente, que era pura,
transparente e santa, devido à preponderância de Sattva. Assim, às vezes havia o
desaparecimento da consciência do "eu", a cessação total das modificações mentais e
a completa visão direta da Mãe Divina; também, às vezes, havia o ressurgimento de um
pouco da consciência do "eu", acompanhado por leves modificações mentais que
obstruíam um pouco a visão da Mãe. Isto ocorria frequentemente.
Pergunta: Por quanto tempo continuou a experiência?
Resposta: Por seis meses consecutivos.
Pergunta: Seis meses! Como pôde permanecer vivo? Um corpo humano não
pode durar sern comida durante seis meses. Além disso, você também diz que, embora
a consciência do "eu" do Mestre voltasse de vez em quando, jamais manifestou-se em
seu corpo, de forma a lhe permitir atividades como comer.
Pergunta: É verdade que seu corpo não teria aguentado. Ele não tinha a
menor vontade de prolongar a vida do corpo. Seu corpo sobreviveu porque a Mãe do

42
universo desejava manifestar Seus maravilhosos poderes através dele para o bem de
muitos.
10. Pergunta: Pode ser; mas a Mãe tomou uma forma e veio alimentar o
Mestre à forca nesses seis meses?
Resposta: Sim, foi algo parecido, porque nessa ocasião chegou um homem
santo, que ninguém sabe de onde veio. Claramente compreendeu que o estado do
Mestre, semelhante a de um morto, era resultado da prática de Yoga e de seu
sentimento de unidade com o Senhor. O homem santo permaneceu durante aqueles seis
meses, no templo de Kali e procurou trazer o Mestre a uma pequena consciência do
corpo, mesmo tendo que bater nele. Quando ele via que uma pequena consciência
estava voltando, enfiava um punhado ou dois de comida na boca do Mestre. Não sabemos
porque esse homem sentia esse forte e incomum interesse em manter vivo uma pessoa
totalmente desconhecida que estava aparentemente morta e inerte. Incidentes como
esses têm que ser explicados somente como ocasionados pela vontade Divina. Por
conseguinte o que mais temos a dizer a não ser que um tal acontecimento impossível
tornou-se possível pela vontade direta e poder da Mãe Divina a fim de que o corpo do
Mestre pudesse ser conservado vivo!
11. Pergunta: Sim, compreendo; e depois?
Resposta: Então a Mãe do universo - que não é outra senão o Senhor ou
Consciência Cósmica manifestada como universo, penetrando através de todos os seres,
sensíveis e insensíveis e aparecendo sob diversos nomes e formas - ordenou ao Mestre,
"Permaneça em Bhavamukha!"
12. Pergunta: O que significa isso?
Resposta: Vamos explicar agora, mas para compreender o que é Bhavamukha, é
necessário entender o estado mental do Mestre naquela época, tanto quanto é possível
fazer com a ajuda de nossa faculdade imaginativa. Dissemos que nessa ocasião, sua
consciência do "eu" às vezes desaparecia totalmente e às vezes reaparecia um pouco.
Mesmo quando essa pequena consciência do "eu" voltava, o universo não se lhe
apresentava como se apresenta a nós. O mundo lhe parecia uma "enorme mente" na qual
inúmeras ondas de idéias se elevavam, subindo e descendo, e fundiam-se. Seu próprio
corpo, mente e consciência do "eu", para não falar das dos outros, pareciam somente
ser uma onda naquela imensa mente. Naquele estado o Mestre teve a experiência direta
e a visão da natureza real daquela consciência universal e poder como o "Uno sem
Segundo" - como um Ser Uno vivo e totalmente desperto, como a fonte de toda vontade
e ação, como a Mãe de graça infinita. É o mesmo Ser que os eruditos materialistas do
Ocidente, olhando através de seus intelectos anuviados e instrumentos científicos,
consideram inerte e insensível, embora admitindo sua unidade. O Mestre viu mais, que
o "Uno sem segundo" está dividido em seus dois aspectos: de Saguna (com atributos) e
Nirguna (sem atributos). É isso que é chamado Svagatabheda (diferença em identidade)
nas escrituras - idéia de que um imenso "Eu" penetra tudo desde Brahma até o menor
ser criado. Viu que um número infinito de ondas de idéias elevavam-se naquela mente
cósmica; que o limitado "eu" dos homens percebia essas ondas de idéias em parte e
confundia-as com o mundo exterior de objetos, falando e lidando com elas de acordo. Viu
também que os limitados "eus" tinham seu ser n'Ele e executavam suas tarefas com a
força desse Eu ilimitado e devido à sua inabilidade em apreender e compreender o Eu
ilimitado, os limitados consideram-se possuidores de livre arbítrio e poder de ação. É essa
cegueira espiritual que é chamada nas escrituras, Avidya ou ignorância.
13. Essa consciência universal do "eu" que existe entre os aspectos Saguna e
Nirguna é chamada Bhavamukha; porque, idéias infinitas devem sua manifestação a essa
consciência do "eu" que tudo penetra. Esse Eu universal é o Eu de Isvara (Deus) ou
Mãe Divina. Em sua tentativa de descrever a essência desse imenso Eu, os instrutores
Vaishnavas de Bengala chamaram-n'O de divino Sri Krishna, a personificação da
Consciência Pura que é da natureza, da "diferença inconcebível na não-diferença"
(Achintya-bhedabheda).

43
14. Quando a consciência do "eu" do Mestre desaparecia totalmente, ele
permanecia em unidade com o 'não-qualificado ser da Mãe Divina' além dos limites
desse Eu que tudo penetra. Com o desaparecimento desse "eu" individual desaparecia
também o último vestígio das ondas infinitas de idéias que emergem daquele 'imenso Eu',
que chamamos universo. Assim também, quando um pouco da consciência do Eu
manifestava-se nele, via tanto o imenso Eu Saguna e todas as idéias n'Ele contidas,
unidas com (ou em não separação do) o aspecto Nirguna da Mãe Divina. Em outras
palavras, assim como ele atingia o estado Nirguna, a existência da diferença - na
identidade daquele "Uno sem segundo" desaparecia da consciência do Mestre.
Quando ele estava consciente daquela imensidão Saguna, sentia que o que é Brahman é
na verdade, Sakti e o que é chamado Nirguna, é verdadeiramente Saguna-Prakriti
(Poder em manifestação) é realmente o que é Purusha (Consciência Pura). "A serpente
imóvel está agora se movendo"; isto é, o que é Nirguna em Sua natureza é Saguna em Seu
jogo. Depois que ele teve a completa visão direta da natureza da Mãe Divina nos aspectos
combinados de Nirguna e Saguna, o Mestre recebeu o comando: "Permaneça em
Bhavamukha", quer dizer: "Não permaneça no Nirguna, pela fusão com a consciência
do Eu, mas leva sua vida e faz bem às pessoas, ficando em constante, completo e
imediato conhecimento do fato de que você não é outro senão aquele 'Eu ilimitado', do
qual todos as espécies de idéias do universo surgem e que seus desejos e ações são
d'Ele.
15. Assim, ter a experiência direta e a convicção ou sentimento em tudo, todo o
tempo e em todos os estados, que sou o 'imenso Eu'- o que é chamado de 'Eu maduro' -
é o significado da expressão 'permanecer em Bhavamukha'. Quando alguém alcança
esse estado de Bhavamukha, todas as idéias como "Sou filho de fulano", "Sou o pai de
sicrano", "Sou um Brahmana", "Sou um Sudra" e assim por diante, são completamente
lavadas da mente e nenhum sinal delas é deixado e uma pessoa sempre sente que é
aquele 'imenso Eu', penetrando o vasto universo inconcebível. O Mestre sempre nos
ensinava: "Meu filhos, todos os 'eus', como 'Sou o filho de fulano', 'Sou o pai de
sicrano', 'Sou um Brahmana', 'Sou um Sudra", 'Sou um Pandit', 'Sou rico' etc., são
os 'eus imaturos'; trazem-nos somente escravidão. Abandonem-nos e pensem: 'Sou
Seu devoto', 'Sou Seu filho', ou 'Sou uma parte d'Ele'. Tenham essa atitude firme
na mentes." Ou dizia: "Amarrem o conhecimento não-dual (Advaita-jnana) na bainha
de sua roupa e façam o que lhes aprouver." (III.2.5).
16. O leitor talvez dirá: "Não era o Mestre um verdadeiro seguidor da doutrina
do não-dualismo? Não aceitava a completa implicação da doutrina não-dual,
postulada por Sankaracharya, na qual a própria existência do universo foi negada?
Por que dizem que o Mestre sustenta uma diferença na Própria Mãe Divina
(Svagatabheda) e viu Sua existência nos dois aspectos diferentes de Nirguna bem
como no de Saguna?" Não, não é bem assim. O Mestre aceitava todas as três
doutrinas: do não-dualismo (Advaita), dualismo não-qualificado (Visishtadvaita) e
dualismo (Dvaita). Contudo, costumava dizer: 'Essas três doutrinas são aceitas pela
mente de acordo com o estágio de seu progresso. Num determinado estágio da
mente o dualismo é aceito; as duas outras são considerados incorretas. Num estágio
mais elevado de progresso espiritual a doutrina do não-dualismo qualificado é olhada
como verdadeira; uma pessoa sente que a Realidade, que em Si mesma é eternamente
destituída de atributos existe, num jogo, como possuidora de atributos. A pessoa sente
que não somente o dualismo é incorreto como também o não-dualismo. , O homem
quando atinge o limite supremo do progresso espiritual com a ajuda da Sadhana,
experimenta a natureza Nirguna da Mãe Divina e permanece uno com Ela. Todas as
idéias, corno eu e Tu, sujeito e objeto, escravidão e liberação, vício e virtude, mérito e
demérito, são fundidas no Uno."
7. Relacionado com esse assunto, o Mestre mencionava a experiência de
Hanuman, que foi um brilhante exemplo da atitude Dasya de devoção. Dizia: "Certa
vez Ramachandra perguntou a Hanuman, seu servo: 'Qual é a sua atitude em relação

44
a Mim? Como Me considera, pensa em Mim e Me adora? 'Quando, Ó Rama', retrucou
Hanuman, 'sou consciente do corpo, em outras palavras, quando sinto que sou este
corpo visível, estou convencido de que Tu és o Senhor e eu sou Teu servo, Tu és o Uno
que deve ser servido e eu a pessoa que serve, Tu és o Uno a ser adorado e eu sou o
adorador. Quando estou consciente de mim mesmo como o eu individual, uno com a
mente, intelecto e alma, estou certo que Tu és o Todo e eu, uma parte. Quando,
também, permaneço em Samadhi, na atitude de que sou o puro Ser destituído de todos
os atributos qualificativos, tenho a convicção de que na verdade sou o que Tu és, que Tu
e eu somos Um só, não havendo qualquer diferença."
18. O Mestre dizia: "Aquele que realizou o estado não-dual torna-se silencioso!
Não-dualismo não é assunto para ser descrito. Assim que alguém tenta dizer algo, o
dualismo torna-se inevitável. Enquanto houver pensamento, imaginação ele. há
também, dualismo na mente; o conhecimento não-dual ainda não foi alcançado. É
somente a realidade de Brahman, em outras palavras, somente o aspecto Nirguna da Mãe
Divina, que não entrou em contato com a boca e por conseguinte, não maculado'." Isto
significa que Ele ainda não foi expresso pela fala humana, porque esta Verdade está
além da mente humana e intelecto; como pode ser falado ou explicado por palavras? É
por isso que o Mestre disse a respeito da Verdade não-dual: "Meus filhos, essa é a
Verdade suprema a ser realizada." O Mestre, portanto, costumava dizer: "Enquanto as
idéias de 'eu', 'Tu' e as funções do corpo como falar, andar etc., permanecem, deve-se
aceitar na prática, ambos os aspectos, Nirguna e Saguna, ou como são chamados de
outra maneira, Nitya (Absoluto) ou Lila (Relativo). Vocês são, para efeito prático, não-
dualistas qualificados, embora falem de não-dualismo." Muitos foram os exemplos que o
Mestre deu para ilustrar esse ponto.
19. Dizia: "Tomem, por exemplo, as ordens natural e inversa da escala musical.
Vocês elevam o tom da voz na ordem natural de 'dó', 'ré', 'mi', 'fá', 'sol', 'lá', 'si', 'dó'
(sa, ri, ga, ma, pa, dha, ni, sa) e descem na ordem inversa de 'dó, si, lá, sol, fá, mi,
ré, dó.' Assim realizem o conhecimento da Não-dualidade em Samadhi; desçam e
permaneçam na consciência do 'eu'.
"Assim também, peguem uma fruta de Vilva e tentem determinar qual das
três, casca, sementes ou polpa é a fruta. Primeiro rejeitem a casca, como não sendo a
substância; façam o mesmo com as sementes, e então ao isolar a polpa, digam que
ela é a verdadeira fruta Vilva. Chega-se à conclusão de que tanto a casca, como as
sementes, pertencem à mesma substância de que a polpa é feita - são a casca, as
sementes e a polpa que, juntas, constituem a fruta Vilva. De maneira semelhante,
depois de conhecer diretamente o Absoluto, chega-se à conclusão de que o Absoluto
está jogando como Relativo.
"Ao remover as envolturas do tronco da bananeira, atingem a resina que
consideram a essência. Compreendem que a resina pertence às envolturas e que as
envolturas pertencem à resina - ambas constituem o tronco.
"Assim como, quando alguém remove, uma a uma, as camadas de uma cebola
nada sobra, a fim de determinar o Ser, vai-se eliminando o corpo, a mente, o
intelecto etc.. Verifica-se que nenhum desses é o Ser e que nada há separado, chamado
Eu, mas tudo é Ele, nada, a não ser Ele - é como dizer: 'É o meu Ganga' e colocar
uma cerca em volta de uma parte do Ganga."
20. Agora voltemos novamente a nosso assunto principal. É desnecessário dizer
que, quando o Mestre estava tendo o conhecimento completo de seu 'Eu
u n i ve r sa l' , em Bhavamukha, morava no campo de Vidya Maya (Maya que conduz a
Deus), uns poucos degraus abaixo do Ser sem atributos da Mãe Divina e estava vendo a
manifestação dos 'múltiplos' procedentes do 'Uno'. Mas mesmo ao experimentar os
'múltiplos', o conhecimento daquele Uno era tão claro, que o Mestre tinha como certo
que era ele quem fazia, pensava e falava, sempre que alguém no mundo estava
fazendo, pensando ou falando. Até um pequeno vislumbre desse estado é maravilhoso.
O Mestre disse que, quando certo dia um homem estava andando num gramado, ele

45
sentiu-se ferido no peito, como se um homem estivesse andando em cima dele. De fato
o sangue em seu peito coagulou, formando hematomas e ele começou a contorcer-se de
dor.
21. O estado: "Sou o servo da Mãe Divina", "Sou Seu devoto", "Sou Seu filho"
ou "Sou uma parte d'Ela", estava sempre na mente do Mestre, quando descia ao
campo de Maya e ainda mais baixo no domínio de Avidya Maya (Maya afastando-se de
Deus) ou o da luxúria, raiva, apego mundano. Pela prática constante, sua mente
jamais desceu a esse estado, ou, colocando de outra maneira, a Mãe Divina impediu
sua descida a esse campo. O Mestre costumava dizer: "A Mãe impede que uma pessoa
que tomou refúgio n'Ela, dê um passo em falso."
22. Vemos, portanto, que depois de alcançar o Nirvikalpa Samadhi, o 'eu'
limitado ou imaturo desapareceu completamente e que esse pequeno 'eu' que
permaneceu, uniu-se por toda a eternidade com o imenso ou maduro Eu. Aquele 'eu' às
vezes costumava sentir que era uma parte ou um membro do Eu universal, e
novamente aproximando-se cada vez mais daquele Eu que tudo penetra, costumava
fundir-se n'Ele. Foi por meio desse processo que veio a conhecer as idéias de todas as
mentes. Porque é esse imenso Eu a fonte da qual surgem todas as idéias de todas as
mentes do mundo. O Mestre era capaz de conhecer e compreender todas as idéias de
todas as mentes no universo, somente porque podia permanecer identificado com o Eu que
tudo penetra. Naquele elevado estado, a atitude do Mestre: "Sou uma parte do Senhor"
também gradualmente desapareceu e o Eu universal ou o que pode ser chamado "Eu
da Mãe Divina" manifestou-Se através dele como instrutor espiritual, possuindo o
poder de doar graça e infringir castigo. O Mestre, por conseguinte, não pareceu ser "o
mais humilde dos humildes"; ao contrário, todas suas ações, como movimentar-se,
comportar-se com os outros etc., assumiram uma forma diferente. Ele, como a mística
árvore que realiza todos os desejos, perguntava ao devoto o que desejava. Vimos o
Mestre em Dakshineswar assumir diariamente aquela atitude a fim de doar sua graça
a devotos especiais. Novamente vimo-lo naquela atitude no dia 1° de janeiro de 1886.
Naquele dia estava naquela atitude e pelo toque, transmitiu espiritualidade ou despertou o
poder espiritual adormecido nos devotos presentes. É uma história maravilhosa.
23. Era o dia 1° de janeiro de 1886, já havia se passado mais de duas
semanas, desde que os devotos haviam trazido o Mestre, de acordo com o conselho do
Dr. Mahendralal Sarkar, para uma chácara em Kasipur ao norte de Calcutá, pertencente a
Gopal Babu, genro da Rani Katyayani. O médico dissera que o ar naqueles bairros era
mais puro do que o da própria Calcutá e havia uma possibilidade de que a enfermidade
da garganta do Mestre curasse ou melhorasse, se pudesse viver num lugar onde
respirasse um ar absolutamente puro. Alguns dias depois o Dr. Rajendralal Datta veio vê-
lo e administrou-lhe Lycopodium 200. Depois disso parece que houve uma pequena
melhora em seu estado. Desde que chegara, porém, o Mestre jamais havia descido do
primeiro andar da casa, para o térreo, ou dado uma volta no jardim. Sentiu-se melhor
naquele dia e à tarde desejou dar um passeio. Os devotos, portanto, ficaram muito
felizes.
Swami Vivekananda estava nessa época sentindo um intenso desapego e havia
abandonado qualquer desejo de prosperidade mundana. Vivia na companhia do Mestre e
a fim de realizar o Senhor, praticava vários exercícios espirituais, segundo suas
instruções. Costumava acender uma fogueira sagrada ao pé de uma árvore e passar
noites em meditação, Japa, leituras e outros exercícios devocionais. Outros devotos, como
o Gopal mais jovem, Kali e outros trouxeram os artigos necessários para ajudá-lo na
Sadhana e eles mesmos também, praticavam segundo a capacidade de cada um. Os
devotos leigos não podiam permanecer com o Mestre por causa de suas obrigações
mundanas, mas sempre que tinham uma oportunidade, vinham ao Mestre, organizavam
tudo relacionado com comida e outras necessidades e estavam sempre ocupados com seu
serviço, às vezes, aí permaneciam um dia ou mais. Como era Ano Novo, os escritórios
estavam fechados e muitos devotos puderam vir à chácara.

46
Eram três horas da tarde. Vestindo uma roupa com bordas vermelhas, uma
camisa, um xale grosso também com bordas vermelhas, um boné cobrindo as orelhas e
um par de sandálias, o Mestre desceu lentamente do primeiro andar com Swami
Adbhutananda e entrou no vestíbulo. Observou tudo atentamente e saindo pela porta
oeste, começou a caminhar pelo jardim. Alguns devotos leigos viram-no indo dar uma
volta e seguiram-no com grande alegria. Os jovens devotos, como Narendra, dormiam
no pequeno aposento adjacente ao vestíbulo, cansados pela vigília da noite anterior.
Quando viu que os discípulos leigos estavam saindo com o Mestre, Adbhutananda
considerou sua presença desnecessária. Voltou quando chegou na do pequeno lago,
diante do vestíbulo. Levou consigo um outro jovem devoto e ambos foram varrer e
limpar o aposento do Mestre no andar de cima e pôr a cama e roupas ao sol.
De todos os devotos leigos, era Girish quem sentia a maior dedicação a Deus.
Certa vez o Mestre exaltou sua maravilhosa fé e disse aos outros devotos: ''Girish tem
mais de cem por cento de fé. As pessoas daqui em diante se surpreenderão ao ver seu
progresso espiritual." Devido à grande onda de fé e devoção, Girish sempre considerou
o Mestre o Próprio Senhor, encarnado por Sua graça, para liberar as almas da escravidão
do mundo. Apesar da proibição do Mestre, expressou publicamente sua opinião. Girish
também encontrava-se presente no jardim naquele dia e estava sentado, conversando,
debaixo de uma mangueira com Ram e outros devotos leigos.
Cercado pelos devotos, o Mestre lentamente prosseguia pelo largo caminho, em
direção ao portão e chegou até a metade, perto da mangueira onde viu Ram e Girish
sentados à sua sombra. Dirigiu-se a Girish e disse: "Girish, o que você viu (em mim),
que o faz dizer publicamente tantas coisas, glorificando-me diante de todos?"
Embora Girish tenha sido tão abruptamente questionado, sua fé permaneceu
inabalável. Rapidamente e com veneração transbordante, levantou-se, ajoelhou-se aos
pés do Mestre e de mãos postas, disse com a voz embargada: "O que mais posso dizer
sobre Aquele, mesmo uma fração de cuja glória Vyasa e Valmiki não conseguiram
explicar em seus épicos e Puranas!"
Ouvindo as palavras de Girish, carregadas de uma fé tão maravilhosa, o Mestre
ficou todo arrepiado. Sua mente elevou-se a um plano elevado e entrou em Samadhi.
Vendo o rosto do Mestre iluminado com um halo divino, Girish gritou com grande
alegria: "Salve Ramakrishna! Salve Ramakrishna!" e tomou a poeira de seus pés
repetidamente.
Nesse meio tempo, em estado de semi-consciência divina, o Mestre olhou para
todos os presentes e disse sorrindo: "O que mais vou dizer a vocês? Que todos sejam
espiritualmente despertados!" Quando os devotos ouviram aquelas palavras de bênção
e proteção do medo, gritaram de alegria, exclamando: "Salve Ramakrishna!". Alguns
saudaram-no, outros jogaram flores, outros também vieram e tocaram seus pés. Mal
o primeiro devoto havia tocado seus pés e levantara-se, o Mestre, naquele estado de
semi-consciência divina, tocou o peito do devoto e passando a mão para cima, disse:
"Desperte". Logo que o segundo devoto chegou, saudou-o e levantou-se; ele fez a
mesma coisa, o mesmo com o terceiro, quarto e assim por diante. Dessa maneira tocou,
um após o outro, todos os que assim se aproximaram dele. Com esse toque
maravilhoso levantou-se um estado espetacular na mente de cada um. Alguns
começaram a rir, outros a chorar, alguns a meditar e outros também chamavam os
outros para que eles também pudessem ser abençoados, recebendo a graça do
Mestre - mar da misericórdia incondicional - e compartilhar daquela felicidade
transbordante. O barulho e os gritos eram tão altos, que alguns devotos, que
posteriormente tornaram-se monges, acordaram e outros abandonaram o trabalho que
estavam fazendo. Vieram correndo e viram que todos os devotos cercavam o Mestre no
passeio do jardim, comportando-se como insanos. Imediatamente compreenderam que o
Mestre naquele momento estava no mesmo estado divino abençoado, sob a influência do
qual havia abençoado seus devotos especiais em Dakshineswar. Representava agora a
mesma peça divina, doando graças para um círculo maior de pessoas que haviam se

47
reunido a seus pés. Mal esses devotos, monges em formação, chegaram, o estado do
Mestre mudou e voltou à sua condição normal.
24. Soube-se que os devotos abençoados pelo Mestre tiveram experiências e visões
maravilhosas. Um sentiu felicidade e um tipo de intoxicação semelhante àquela produzida
pelo cânhamo; outro um poder indescritível ascendendo dentro do corpo, acompanhado
de felicidade. Outros tiveram visões no momento que fecharam os olhos - um, de luz,
outro da forma brilhante de Deus no qual vinha meditando, mas que ainda não pudera
ver - todas experiências até então não vistas, ouvidas ou sentidas! Ficou, contudo, claro,
que embora cada um tivesse tido uma experiência ou uma visão diferente, o sentimento
de uma felicidade divina extraordinária foi comum a todos. Mais do que isso, cada um
sentiu que a mudança mental extraordinária ou experiência havia sido ocasionada pela
transmissão de um poder sobre-humano, pelo Mestre. Houve somente dois devotos
presentes que o Mestre não tocou, dizendo: "Agora não". Apenas esses dois sentiram-se
infelizes e rejeitados naquele dia.3 (3 Alguns dias depois o Mestre também tocou os dois daquela maneira).
25. Outro fato que deve ser salientado disso, é que não era certo que aquele
Poder divino Se manifestava misericordiosamente através do Mestre e abençoava
qualquer um. Não se sabe se o próprio Mestre poderia tê-lo sabido ou compreendido em
seu estado normal de consciência.
26. É importante, entretanto, salientar que o Mestre podia se tornar um grande
instrumento do Eu Universal ou Mãe Divina na manifestação de poder, somente porque podia
abandonar completamente o ‘eu’ imaturo ou limitado. Essa manifestação maravilhosa, através
dele, do aspecto da Mãe Divina, como instrutor espiritual tornou-se possível porque ele
abandonou completamente aquele 'eu' imaturo e tornou-se o mais liimillde entre os
humildes. A história das religiões do mundo é uma eterna testemunha do fato de que foi
somente pela fusão da consciência do 'eu' limitado dessa maneira que a atitude ou o poder
de instrutor espiritual tornou-se manifestado nas vidas de todas as Encarnações do
mundo.
21. Desde tempos imemoriais ouvimos que uma pessoa não pode realizar a
espiritualidade ou Deus se considera o instrutor espiritual um simples ser humano.
Repetimos constantemente com ou sem fé o hino: "O instrutor espiritual é Brahman, o
instrutor espiritual é Vishnu, o instrutor espiritual é o divino Maheswara" com referência
ao instrutor que nos inicia nos Mantras. Muitos que estão sob a influência de um
sistema estrangeiro de educação e abandonaram sua própria cultura nacional e
educação baseadas na religião, consideram um grande pecado empregar tais termos com
referência a um determinado ser humano, deixam-se levar por uma controvérsia
ruidosa. Isso porque quem sabia que, embora tenha se manifestado através das
personalidades de alguns seres humanos, a atitude de instrutor espiritual não era algo
enraizado dentro do campo da consciência humana? Quem sabia que, mesmo Ela Se
manifestasse como água, ar, comida e outros materiais para manter os corpos de todos
os seres, era a Mãe Divina que Se revelava na atitude do instrutor através do corpo e da
mente do Mestre, tornado puro, despertado e livre do limitado ego, com o intuito de
remover as três espécies de miséria que assolam o homem - para libertá-lo da
escravidão na qual as cadeias apertadas de Maya vinham-no prendendo? E quem sabia
que uma pessoa se torna o instrumento para a manifestação daquela atitude ou poder
na proporção direta de sua capacidade de abandonar o egoísmo do 'eu' imaturo?
Geralmente poucos, uma ou duas gotas, por assim dizer, desse poder divino manifesta-se
na mente das pessoas 'liberadas em vida' (Jivanmuktas). A manifestação é tão
pequena que escapa ao nosso entendimento. Quando, porém, por excesso de boa sorte,
testemunha-se a Lila maravilhosa daquele poder divino em Krishna, Buda, Chaitanya,
Shankara, Jesus e outras encarnações do passado e em Sri Ramakrishna na era atual,
sente-se no fundo do coração que tal manifestação de poder não pertence a qualquer
homem mortal, mas somente a Deus. Somente então as impurezas e a ilusão caem dos
olhos daqueles que sofrem dessa doença do mundo e que, conseqüentemente, vão em
busca de valores falsos. Gritam, num arrobo de alegria: "Ó Mestre, Tu não és homem -

48
tu és Ele!" Portanto vemos que é a Mãe que Se manifesta como poder divino exaltado
e remove todas as espécies de impurezas da mente humana devidas à ignorância
espiritual. Isto é o que se chama atitude ou poder do instrutor espiritual (Gurubhava ou
Guru-sakti). É esse poder divino (Sakti) ao qual as escrituras se referem como instrutor
espiritual, e é para esse poder que o homem deve prestar reverência e adoração do fundo
do coração, com fé inabalável.
28. A mente humana familiarizada somente com o mundo denso e aprendendo a
primeira lição em devoção e reverência, naturalmente não pode amar um poder
intangível sem corpo. Por essa razão as escrituras aconselham-nos a considerar a pessoa
que nos inicia nessa vida divina como Guru e a dedicar devoção à sua personalidade,
vendo o verdadeiro Guru d i v i n o nele e através dele. Por conseguinte, àqueles que dizem
que têm reverência e adoração pelo poder manifestado como instrutor espiritual mas
não podem, somente por esse motivo, inclinar sua cabeça em reverência e devoção ao
corpo através do qual aquele poder se manifesta - àqueles que fazem uma distinção
entre o poder e o meio de manifestação -, advertimos que não devem se decepcionar ao
discriminarem entre o poder invisível e seu meio visível de manifestação e revenciar o
invisível em detrimento de sua manifestação visível. A diferença é tão tênue e indistinta
como aquela entre o fogo e seu poder de queimar, e quanto à adoração ao invisível e
desconhecido, o mínimo que se disser é o melhor. Como pode um ser adorado e o outro
rejeitado? Um homem que ama ou admira alguém sente apego especial mesmo pela coisa
mais insignificante pertencente a seu bem-amado. Considera até uma flôr tocada por ela ou
uma peça de roupa vestida ou uma pequena coisa usada por ele, como sagradas. O próprio
chão em que pisa, é considerado muito querido e precioso. Será necessário explicar que ele
terá uma reverência natural pelo corpo através do qual Ele aceita sua adoração e lhe
concede graça? Aqueles que discordam não compreendem totalmente o que significa
um instrutor espiritual, pois quem tem devoção verdadeira ao Poder também tem
devoção ao corpo, receptáculo daquele Poder.
29. O Mestre costumava ilustrar esse ponto, citando o exemplo de
Vibhishana. Dizia: "Certa vez, muito depois de Sri kamachandra falecer, um barco
afundou e um homem foi levado pelas ondas até a praia de Lanka. Vibhishana é
imortal e vinha governando Lanka há três ciclos de tempo, desde a morte de Ravana. As
notícias chegaram até ele. As bocas de vários dos Rakshanas, que estavam em assembléia,
começaram a encher-se d'água com as notícias da chegada de um charmoso corpo
humano. Mas esse pensamento ocasionou um extraordinário estado em Vibhishana, o rei.
Começou a dizer repetidamente, com lágrimas nos olhos e voz embargada de devoção: 'Ó
que boa sorte! Ó que boa sorte!' Os Rakshanas não podiam compreender seu sentimento
e ficaram confusos. Vibhishana então explicou: 'Não é uma rara boa sorte que depois de
tanto tempo eu possa hoje ver um corpo humano como aquele com o qual meu
Ramachandra colocou Seus pés em Lanka e me abençoou? Parece-me que o Próprio
Ramachandra está chegando.' Assim falando, o rei chegou à praia com todos os
ministros, cortesãos e outros nobres e levou o homem ao palácio, com grande amor e
reverência. O rei o fez sentar-se no trono e com a família, começou a servi-lo e adorá-lo
como se fosse um servo amado. Manteve-o em Lanka por algum tempo, presenteou-o
com jóias e outras riquezas, despediu-se e enviou-o para casa escoltado por servos."
30. Ao finalizar a história, o Mestre comentou: "Isto ocorre quando há devoção
verdadeira. A pessoa recorda-se de Deus por associação mesmo com uma coisa banal e
torna-se pleno de amor e devoção. Não é sabido que Sri Chaitanya entrou em êxtase
dizendo: 'Ah, tambores são feitos desta terra!' Um dia, enquanto passava por um
determinado lugar, disseram-lhe que as pessoas daquele lugar viviam da fabricação e
venda de tambores para serem tocados na hora do canto do nome do Senhor. Logo que
soube exclamou: 'Ah, tambores são feitos desta terra!' e assim falando entrou
imediatamente em êxtase e perdeu a consciência normal. Houve uma associação de idéias:
tambores são feitos dessa terra, os tambores são tocados por ocasião do canto do nome de
Hari, Hari é a vida da vida em tudo, o mais belo entre os mais belos. Todos esses

49
pensamentos logo passaram por sua cabeça e concentrou-se completamente em Hari. Um
homem que tem tal devoção a seu Guru só pode recordar -se dele por associação, não
somente quando vê seus parentes, mas também quando vê uma pessoa da terra natal de
seu Guru e por respeito ao Guru, saúda o aldeão, toma a poeira de seus pés e serve-o de
todas as maneiras. Quando alcança esse estudo, a pessoa não vê qualquer defeito no
instrutor espiritual. Daí a veracidade do provérbio: 'Meu instrutor espiritual é Nityananda
(isto é, o Senhor que é da natureza da felicidade eterna) mesmo que frequente uma
taverna', aplica-se a ele; por outro lado o ser humano só pode ter qualidades boas e más.
Como tudo parece amarelo aos olhos de quem está com icterícia, assim, devido à
transbordante devoção ao Senhor, a pessoa vê Deus e não o homem, no Guru. Sua devo-
ção mostra-lhe que é Deus quem Se tornou o universo inteiro. É Ele que Se tornou o
instrutor espiritual, pai, mãe, homem, gado - tudo, sensível ou insensível.
31. Um dia em Dakshineswar, um arrogante mas sincero jovem devoto
(Vaikunthanath Sanyal) discordava do que o Mestre lhe falava. Discutia sem parar, o que o
Mestre o recriminou brandamente, dizendo: "Que tipo de homem é você? Repito várias
vezes e ainda assim você não aceita!" O coração do jovem foi tocado e ele disse: "Quando
o senhor fala, eu naturalmente aceito o que disse. Foi somente para argumentar que falei
assim." Ouvindo isso, o Mestre sorrindo, disse com uma expressão de alegria no rosto: "Sabe
como é a devoção ao instrutor espiritual? Aquele que a possui certamente percebe
imediatamente o que o instrutor espiritual quer dizer. Arjuna tinha essa devoção. Certo dia
quando dirigia o carro com Arjuna, Krishna olhou para o céu e disse: 'Veja, amigo, como é
lindo o bando de pombos voando ali!' Arjuna viu e imediatamente disse: 'Sim, amigo, que
lindos pombos!' Logo Sri Krishna olhou repetidamente e disse: 'Que estranho, amigo, não
são pombos.' Arjuna olhou e disse: 'É verdade, amigo, não são pombos.' Agora tente
compreender a situação; a veracidade de Arjuna era inquestionável. Não queria bajular
Krishna dizendo aquilo, mas tinha uma devoção tão grande e fé em suas palavras que via
realmente o que quer que Krishna lhe descrevesse, real ou imaginário."
32. Se, como as escrituras enfatizam, o poder do instrutor espiritual remove a
escravidão da ignorância é um poder especial do Próprio Deus da maneira acima mencionada,
então, devemos simultaneamente considerar verdadeiro que o instrutor espiritual é um e
não muitos. Embora os receptáculos desse poder ou corpos através dos quais se manifesta
sejam diferentes, seu instrutor espiritual e o meu são somente o Uno e esse Uno não é outro
senão aquele Poder. Um exemplo disso é mencionado na história do Mahabharata de
Ekalavya, que aceitou como instrutor uma estátua de argila de Dronacharya e
adorando com devoção, conquistou eficiência na arte de usar o arco e flecha. Leva muito
tempo e Sadhana para que um homem aceite-o de todo o coração; e uma vez aceito como
tal não lhe resta outra alternativa senão a de adorar o instrutor espiritual no corpo através do
qual aquele Poder divino concedeu-lhe a graça. O Mestre costumava dar-nos, como
exemplo, o que disse Hanuman, um brilhante exemplo de devoção firme. O Mestre dizia:
"Certa vez durante a batalha de Lanka, Ramachandra e Lakshmana foram amarrados com
uma corda de serpentes, pelo grande herói Meghanada. Lembraram-se, então de Garuda,
o eterno inimigo das cobras e invocaram-no. Logo que as serpentes viram Garuda, fugiram
apavoradas em todas as direções. Satisfeito com seu devoto Garuda, Ramachandra
apareceu diante dele na forma de Vishnu, que era o eterno objeto de adoração de Garuda,
explicou-lhe que Vishnu havia Se encarnado na forma de Rama. Hanuman, porém, não
gostou de ver Ramachandra assumir a forma de Vishnu e o único pensamento que teve
foi o de como ele poderia voltar à forma de Ramachandra. Não levou muito tempo para
Ramachandra conhecer o sentimento de Hanuman. Imediatamente depois de dizer adeus a
Garuda, retomou a forma de Rama e perguntou a Hanuman: 'Por que você ficou
perturbado, meu filho, em ver-me na forma de Vishnu? Você possui o grande conhecimento
e naturalmente sabe que quem é Rama é também Vishnu?' Humildemente Hanuman
respondeu: 'É verdade que o mesmo Ser supremo assumiu ambas as formas e portanto,
não há diferença entre o consorte de Sri (i.é, Vishnu) e a de Janaki (i.é Rama); mas minha
mente está sempre ansiosa para somente ver a consorte de Janaki de olhos em forma de

50
lótus; Ele é tudo em todos. Foi através dessa forma que vi a manifestação do Senhor e
alcancei o objetivo de minha vida'."
33. Assim é evidente que o poder do instrutor espiritual é um poder da Mãe universal
e em todos os homens esse poder tanto está adormecido como despeitado. É por isso que
um aspirante, altamente dedicado ao instrutor espiritual, atinge por fim um estado espiritual
quando aquele poder, manifestando-se através do próprio aspirante, continua explicando-lhe
as ocultas e complexas verdades da espiritualidade. O aspirante não mais tem necessidade de
pedir a qualquer agente exterior que lhe retire qualquer dúvida. O Senhor disse a Arjuna no
Gita (ii.52): "Quando seu intelecto estiver livre da ilusão devida à ignorância, não terá mais
necessidade de receber ensinamentos das escrituras, tais como 'isso deve ser ouvido',
'aquilo está nas escrituras' e assim por diante. Irá além de indo e será capaz de compreender
tudo por si mesmo." Esse é um estado que o aspirante alcança.
34. O Mestre dizia sobre esse estado: "É a mente que por fim se torna o instrutor
espiritual. 'Um instrutor humano sopra um Mantra no ouvido; o Instrutor divino imprime-o na
alma." Mas há um abismo de diferença entre a mente de então e a de agora. A mente, por
assumir a natureza de puro Satwa, foi purificada e tornou-se um canal de manifestação do
mais elevado poder de Deus. Mas antes, em estado de ignorância, queria desfrutar os prazeres,
a luxúria, raiva, etc., e afasta-se de Deus.
35. O Mestre costumava dizer: "O i nstr utor espiritual é, por assim dizer, uma
amiga. Até que Radha se una a Krishna não há fim para suas mensagens de amor. Assim,
enquanto o Sadhaka não se unir ao Ideal Escolhido, o trabalho do instrutor espiritual não
termina.” É assim que o glorioso instrutor espiritual pega a mão do discípulo, ansioso de
conhecer a verdade, eleva-o a regiões cada vez mais altas, trazendo-o por fim ante seu Ideal
Escolhido e diz: “Rapaz, aqui está!” e desaparece."
36. Ao ouvir, um devoto pensou: "Um dia a separação com o instrutor é
inevitável," e cheio de dor perguntou: "Senhor, para onde ele vai ?" O Mestre: "O instrutor
funde-se com o Ideal. Os três: o instrutor, Krishna (Ideal) e o Vaishnava (devoto) são o
Uno e o Uno é os três."

CAPÍTULO IV

A PRIMEIRA MANIFESTAÇÃO DA ATITUDE DE INSTRUTOR


ESPIRITUAL

(ASSUNTOS; 1. 'Frutos primeiro, em seguida flores' é a lei de todas as Encarnações. 2. A primeira


manifestação da atitude de Guru no Mestre. 3. Acontecimento semelhante na vida de Jesus. 4. A peregrinação
judaica naqueles dias. 5. Jesus explicando as escrituras no templo de Jeová. 6. Refutação do ponto de vista de
Max Müller. 7. Porque o Mestre se casou: discussão sobre os diversos pontos de vista a respeito da questão. 8.
O casamento hindu e seu ideal. 9. Conhecimento através da experiência e da discriminação. 10. O Mestre fala a
respeito de como vencer a ânsia por prazeres. 11. A não observância de continência e a degradação moral. 12.
O Mestre casou-se para o restabelecimento dos ideais a ele ligados. 13. Os comentários da Santa Mãe a esse
respeito. 14. O mestre casou-se para ensinar as pessoas. 15. A necessidade de se seguir o ideal do Mestre. 16.
Poucas objeções ao ideal do Mestre respondidas. 17. O casamento do Mestre e sua atitude de instrutor.)

Ignorante de Minha natureza suprema como Senhor de todos os seres, pessoas


tolas não Me dão importância porque estou num corpo humano.
Gita, IX.11

Encontramos a atitude de instrutor espiritual manifestado no Mestre desde sua


infância, embora sua completa manifestação tenha ocorrido somente em sua juventude,
depois de ter atingido o Nirvikalpa Samadhi. Que ninguém pense que se trata de um
exagero o que acabamos de dizer acima, com a intenção de enaltecer a grandeza do
Mestre. Se alguém estudar de maneira crítica a vida do Mestre, sem qualquer preconceito,
jamais pensará assim. Qualquer pessoa que estude com mentalidade crítica, os
acontecimentos dessa vida extraordinária, verá que é o seu próprio poder de julgamento

51
que está confuso, desnorteado e entorpecido. No início nós mesmos duvidamos. Muitos
de nós testaram e examinaram o Mestre de um modo crítico mais intenso do que já
aconteceu a muitos de nossa época atual. É difícil dizer quantas vezes a maioria de nós,
duvidando do Mestre, fomos testá-lo e fomos derrotados e envergonhados. A esse respeito
já demos ao leitor, uma pequena indicação no segundo capítulo e mais tarde daremos
mais. O leitor estará então em posição de julgar por si mesmo.
1. O Mestre costumava citar em relação às vidas dos eternamente livres Isvarakotis o
dito: "Frutos primeiro, em seguida flores, como no caso de algumas trepadeiras." O significado
desse dito é que no caso dos Isvarakotis, quaisquer que sejam as práticas que levam a
cabo para alcançar perfeição nos assuntos espirituais, são somente com o intuito de
mostrar às pessoas que terão que fazer práticas semelhantes a fim de alcançarem resultados
iguais. Do estudo crítico das vidas dessas pessoas, destaca-se um fato: desde a infância
sempre se comportaram de uma maneira que somente é possível àqueles que já estão em
plena posse da iluminação espiritual porém, mais tarde, esforçam-se duramente para sua
aquisição, ao longo da sua vida. Já que isso ocorre no caso dos Isvarakotis, é desnessário dizer que
se aplica também, às Encarnações. A manifestação desse conhecimento é visto neles ao longo de
toda a vida - esse é o veredicto das escrituras. Também foi visto que há uma grande
semelhança na maneira de agir das Encarnações, ao longo do tempo. Encontramos, por exemplo, o
poder de transmitir espiritualidade a muitas pessoas, pelo toque, na vida de cada uma delas -
Jesus, Sri Chaitanya e Sri Ramakrishna. Além disso encontramos muitas semelhançasem suas
vidas. Algumas podem ser listadas como se segue: alguns homens particularmente santos foram
informados de uma maneira sobrenatural da chegada dessas Encarnações. A atitude de
instrutor espiritual estava manifestada neles desde sua infância. Sabiam desde a meninice
que haviam descido à terra por compaixão, como Encarnações a fim de mostrar os caminhos
especiais às pessoas em geral. Há, também, muitos outros fatos, por isso não é preciso ficar
surpreso ao saber que a atitude de instrutor espiritual manifestou-se na vida do Mestre desde a
infância. As Encarnações constituem uma classe em si mesmas. É errado pensar que, pelo
fato desses acontecimentos não acontecerem na vida dos homens comuns, também não
ocorrem nas vidas das Encarnações.
2. Encontramos um exemplo muito claro da manifestação de instrutor espiritual na
vida do Mestre em Kamarpukur. Já havia sido investido com o cordão sagrado e devia ter
nove ou dez anos de idade. Os conhecidos eruditos daquela parte do país foram
convidados, por ocasião da cerimônia de Sraddha, à casa dos Lahas, proprietários do
vilarejo. Como é costume em tais reuniões de eruditos, iniciou-se uma calorosa controvérsia
entre eles. Como não se chegasse a qualquer solução sobre um determinado ponto das
escrituras, o menino Gadadhar disse a um erudito seu conhecido: "Não pode o ponto em
questão ser decidido dessa maneira?" Muitos meninos do vilarejo haviam ido à reunião por
curiosidade e não podiam compreender o significado da ruidosa controvérsia com
gesticulação dos eruditos. Alguns desses meninos estavam considerando tudo uma
brincadeira e perdiam-se numa gostosa gargalhada. Uns imitavam os gestos dos eruditos,
enquanto outros permaneciam totalmente indiferentes a tudo e continuavam brincar. Por
esta razão esse erudito ficou admirado ao ver como esse menino maravilhoso havia ouvido
com paciência o que eles haviam dito, havia compreendido tudo e refletido sobre o assunto
chegando a uma conclusão correta. Contou então aos outros a conclusão de Gadadhar. Vendo
que essa era a única solução possível sobre o ponto em questão, explicaram-no aos outros.
Todos então admitiram unanimemente que se tratava da única solução racional referente
à questão em discussão e procuraram a pessoa cujo intelecto agudo havia chegado àquela
solução maravilhosa. Quando vieram a saber que havia sido o menino Gadadhar que havia
resolvido o problema, alguns ficaram estupefatos, pensando que o menino estava possuído
por poderes divinos, permaneceram olhando-o fixamente, enquanto outros, tomados de
alegria, pegaram-no no colo e abençoaram-no.
3. Vamos nos aprofundar no assunto um pouco mais. Há uma passagem na Bíblia
(Lucas:2.43-48) exatamente semelhante a essa, na vida de Jesus, uma Encarnação do
Senhor e fundador da religião cristã. Estava ele com doze anos. Seu pai José, pobre e

52
temente a Deus, e sua mãe Maria, naquele ano iniciaram uma viagem a pé, com Jesus e
na companhia de outros peregrinos, desde sua terra natal, Nazaré, na província da
Galiléia, até o templo de Jerusalém. Era lugar de peregrinação dos judeus, semelhante
aos centros hindus de peregrinação. Ali o dedicado aspirante sentia-se abençoado por
experimentar a manifestação de Jeová na arca de ouro e adorava a Divindade
queimando incenso no altar diante d' Ele, oferecendo folhas e flores, frutas e raízes e
sacrificando animais e pássaros como carneiros e pombos. O sacrifício de pombos e outros
pássaros nos lugares de peregrinação hindus como Kamakhya e Vindhyavasini, está em voga
ainda hoje em dia. Quando terminaram a adoração, o oferecimento e o sacrifício José e
Maria com seus companheiros deram início à viagem de retorno.
4. Naquela época a condição dos peregrinos que vinham dos diversos lugares
visitar Jerusalém, era até certo ponto, semelhante à enfrentada pelos peregrinos que iam a
pé a Puri e outros pontos de peregrinação, antes do aparecimento da estrada-de-ferro.
Havia a mesma expressão de fé simples em Deus e dependência n'Ele, a mesma
aglomeração de pessoas durante a viagem, organizada em grupos para se protegerem dos
ladrões e assaltantes; os mesmos caminhos poeirentos, longos e estreitos, embelezados
aqui e ali pela presença de poços, pequenos lagos e árvores; a mesma presença de
sacerdotes, companheiros e guias dos peregrinos; os mesmos hotéis, estalagens e centros
de hospedagem caritativos provendo comida e abrigo à noite, as mesmas pequenas lojas
vendendo provisões e outros artigos necessários e os mesmos enxames de mosquitos que
prestavam um serviço aos peregrinos por não deixá-los dormir, o que permitia que não se
esquecessem das preocupações religiosas.
5. No meio da viagem os pais de Jesus viram que ele havia desaparecido. Pensaram
que talvez estivesse atrás, no grupo do s m e n i n o s peregrinos, mas depois de terem
caminhado uma longa distância, ficaram preocupados e ao procurá-lo em todos os lugares,
viram que ele não estava com eles e ansiosos, voltaram a Jerusalém. Procuraram em vários
lugares mas não obtiveram qualquer informação. Por fim entraram no templo e
encontraram o menino Jesus sentado e discutindo as escrituras entre os Sadhakas bem
versados, encantando a todos com suas explicações lúcidas e inspiradas, a respeito dos
complicados pontos em questão que confundiam até os eruditos.
6. O grande erudito Max Müller duvidou em sua Vida e Ditos de Ramakrishna,
da veracidade do incidente na vida do Mestre, que expusemos anteriormente, pela
grande semelhança com o incidente correspondente na vida de Jesus há pouco
mencionado. Ele nem poupou o comentário maldoso de que os discípulos de Srí
Ramakrishna, que conheciam inglês, introduziram a história da infância de Jesus na
vida do Mestre para aumentar a grandeza desse último. Apesar do grande conhecimento
e inteligência do sábio, não concordamos com ele. Não queremos alongar ainda mais o
assunto, afirmando que soubemos daquele acontecimento da infância do Mestre por
muitas pessoas antigas da sua cidade natal de Kamarpukur e também, mais tarde, em
diversas ocasiões, do próprio Mestre.
7. Ao estudar a vida do Mestre, perguntamos: Por que ele se casou? Por que
uma pessoa que jamais teve inclinação a qualquer relacionamento carnal com a esposa,
casou-se? Naturalmente é difícil encontrar a razão mas temos que considerar os seguintes
pontos:
(a) O argumento de que seus parentes o casaram contra sua vontade, ao
atingir a juventude quando quase havia enlouquecido devido ao seu constante
pensamento em Deus, não é verdadeiro. Desde a infância ninguém conseguiu que ele
fizesse algo contra sua vontade, por mais trivial que fosse. Assim sempre que queria
fazer qualquer coisa, conseguia de uma maneira ou outra. Tome por exemplo, o fato de
ter para sua Bhisksha-mata uma mulher da classe dos ferreiros, chamada Dhani, por
ocasião de sua investidura com o cordão sagrado. As regras e regulamentos sociais não
são tão flexíveis nos vilarejos como em Calcutá onde ninguém podia agir a seu bel
prazer. Os pais do Mestre eram muito ortodoxos e havia, também, costume na família
delegar o dever da Bhiksha-mata a uma senhora Brahmana. Assim todos os membros mais

53
velhos da família do menino Gadadhar eram contra ele receber Bhiksha de uma mulher
da classe dos ferreiros. Apesar de tudo isso a oposição se quebrou face à insistência de
Gadadhar e Dhani recebeu a Bhiksha-mata. Foi um acontecimento que causou muita
surpresa. O mesmo com todos os outros assuntos. A vontade e as palavras do Mestre
sempre prevaleceram contra a vontade e os desejos dos outros. Por que dizer com
referência a um acontecimento tão importante de sua vida, ele simplesmente recuou,
pela pressão da família?
(b) Pode-se também afirmar: "Por que temos de dizer que o Mestre desde a
infância desejava renunciar a tudo pelo amor de Deus? O Mestre, no começo de sua vida,
teve desejo de se casar e de desfrutar os prazeres do mundo, como as pessoas em
geral, mas logo que alcançou a maturidade, ocorreu-lhe uma súbita mudança e uma
violenta tempestade de desapego do mundo e apego a Deus assolaram seu coração,
derrubando todos os antigos planos e desejos. O casamento do Mestre ocorreu antes
daquela tempestade começar a devastar."
(c) Dizemos que embora esta explicação seja plausível, há algumas objeções
irrefutáveis contra essa atitude. Primeiro o Mestre casou-se com vinte e quatro anos e a
tempestade de renúncia estava então devastando furiosamente o coração. Assim é
improvável que uma pessoa como ele, que durante toda a vida jamais quis dar o menor
trabalho a qualquer pessoa, desse continuidade de forma impensada a um ato que ele
sabia muito bem seria a causa de sofrimento durante toda a vida, para uma senhora.
Em segundo lugar quanto mais pensamos mais compreendemos que nenhum ato na vida
do Mestre era sem objetivo. Em terceiro lugar, casou-se por sua própria vontade; porque
dissera a see sobrinho Hriday e a todos os membros da família, quando estavam à
procura de uma noiva, que já estava divinamentemente determinado e que se casaria
com a filha de Ramachandra Mukhopadhyaya do vilarejo de Jayrambati. O leitor ou ficará
surpreso ao ouvir isso, ou não acreditará e dir á : "Imaginem! Falar de tais coisas
inacreditáveis. Podem essas coisas serem aceitas no século XX?" Respondemos: "Quer
acreditem ou não, foi um ato real! Há muitos que ainda estão vivos que podem
testemunhar. Por que não investigam?" Quando, durante a busca por um noiva, seus
parentes não encontraram uma, o próprio Mestre disse: "Vão e procurem tal e qual
moça em tal e qual vilarejo. Ela foi 'marcada com uma palha1 (1 Há um costume entre os agricultores dos
vilarejos bengali, de colocar uma marca, uma palha, nos legumes, como pepinos, aqueles que consideram os melhores de seu quintal, para oferecê-los ao
Senhor. Isto é feito para impedir que um agricultor ou outra qualquer outra pessoa da família, pegue inadvertidamente e venda-os. O Mestre aplicou a mesma
expressão aqui, querendo dizer que havia sido divinamente ordenado que ele se casasse com a filha de tal e qual pessoa e que a menina tinha sido, por assim
para esse propósito." Por conseguinte o Mestre sabia que se
dizer, reservada pela Providência para ser sua noiva)
casaria. O que foi mais, também conhecia o lugar do casamento e a pessoa com quem se
casaria. Não fez objeção quanto a isso. Foi durante seu Bhavasamadhi que veio a
tomar conhecimento desse fato. Portanto qual o significado do casamento para o Mestre?
(d) Algum leitor, bem versado nas escrituras, talvez fique aborrecido e diga: "Que
bobagem! Vocês estão fazendo tempestade em copo d'água. Primeiro consultem algumas
escrituras e outros livros e em seguida, relatem os acontecimentos das vidas de grandes e
piedosas almas. As escrituras dizem que as ações acumuladas nas vidas passadas que
ainda não frutificaram (Sanchita) e as executadas depois de se atingir o conhecimento de
Brahman (Agami) são todas destruídas ao se ter a visão de Deus ou o perfeito Conhecimento
de Brahmari. Mas os resultados das ações praticadas em nascimentos anteriores que já estão
frutificando (Prarabdha) têm que ser experimentadas nessa vida mesmo se o conhecimento
de Brahman for alcançado. Suponhamos que haja algumas flechas numa aljava nos
ombros de um caçador. Ele atirou a flecha num pássaro, na árvore, e pegou outra para
atirar. Naquele exato momento uma súbita onda de compaixão surge em seu coração e ele
decide não mais ferir qualquer ser vivo. Joga fora a flecha que está em sua mão e também,
as da aljava. Mas pode deter a que já foi atirada no pássaro? As flechas nas costas são,
por assim dizer, as ações acumuladas (Sanchita) nas vidas passadas; a flecha na mão
representa as ações futuras (Agami) que deverão ser praticadas nesta vida. Essas ações
são destruídas com a aquisição do Conhecimento, mas as ações do Prarabdha, contudo,
estando em processo de frutificação são como as flechas que já foram disparadas e seus

54
resultados têm que ser colhidos. Assim até grandes almas como Sri Ramakrishna tiveram
de experimentar os resultados das ações do Prarabdha, enquanto durou sua presente
encarnação. A experiência desses resultados é inevitável: sabem e compreendem quais os
acontecimentos que ocorrerão ao longo de suas vidas, segundo seu Prarabdha, Portanto
não foi nada de extraordinário para Sri Ramakrishra, saber com quem se casaria e onde seria
realizado o casamento."
(e) Em resposta à objeção acima dizemos que certamente não somos tão letrados
nas escrituras, porém, até onde sabemos, podemos dizer que um homem de reto
conhecimento não tem que experimentar nem mesmo os resultados de seu Prarabdha,
porque dedicou a Deus para sempre, a mente que experimenta dor e prazer. Onde então
está a possibilidade de sua mente experimentar dor e prazer? Mas se disserem que as
ações do Prarabdha são experimentadas neste corpo, como isto é possível? Se ele, por sua
própria vontade manteve um pouco da consciência do 'eu' por alguma razão ou outra, como
por exemplo fazer bem aos outros, somente então é que será novamente consciente da
mente e do corpo e experimentará os resultados do seu Prarabdha. Por conseguinte, os
homens de reto conhecimento podem experimentar ou abster-se de experimentar, à
vontade, os resultados daquelas ações; tal o poder que alcançam. Por isto são chamados
"conquistadores do mundo", "conquistadores da morte", "conhecedores de tudo" etc.
(f) Assim também, se acreditamos na experiência do próprio Sri Ramakrishna, ele
não pode ser classificado entre os homens comuns de conhecimento absoluto, porque ouvimo-
lo dizer epetidamente: “Aquele que foi Rama e Krishna é agora Ramakrishna”; isto é, aquele
que encarnou-Se como Rama e como Krishna, no passado, está presente na forma de Sri
Ramakrishna e está manifestando um maravilhoso jogo divino. Se alguém acredita nisso, deve
também admitir que ele é uma Encarnação de Deus, eternamente puro, eternamente desperto
e eternamente livre. E, ao admitir tal, não se pode dizer que ele esteja sob o controle do
Prarabdha. Por isso devemos interpretar de maneira diferente o casamento do Mestre.
(g) O Mestre falou-nos muitas vezes sobre o casamento, brincando a esse respeito de
maneira muito encantadora. Certo dia, em Dakshineswar, sentou-se para comer; Balaram Basu
e alguns devotos sentaram-se para conversar com ele. Naquele dia a Santa Mãe havia
partido para Kamarpukur para uma estada de alguns meses a fim de assistir ao casamento
do sobrinho do Mestre, Ramlal.
O Mestre (a Balaram): "Bem, diga-me, o que significa casamento para uma pessoa
como eu? Qual o lugar de uma esposa na vida daquele que nem sabe se esta ou não
vestido?" Balaram sorriu e manteve-se em silêncio.
O Mestre: "Ó! Entendo (pegando um pouco de legume de seu prato e mostrando-
o a Balaram); foi por isso que houve casamento; caso contrário, quem cozinharia para
mim deste jeito! (Balaram e os outros devotos riram). Realmente quem teria se
importado com o que comi? Foram embora hoje, - (os devotos não compreenderam
quem tinha ido embora) - a tia de Ramlal, compreendem? Ramlal vai casar-se; por isso
todos foram para Kamarpukur. Levantei-me e considerei tudo com indiferença. Realmente
era como se alguém tivesse saído, mas depois senti uma certa preocupação sobre o fato de
quem irá cozinhar para mim. Não vêem? Nem todo alimento faz bem ao meu estômago e às
vezes fico inconsciente na hora de comer. Ela (Santa Mãe) sabe o que me convém; faz essa
ou aquela iguaria; daí a preocupação que tive sobre de quem iria fazê-lo."
(h) Abordando o assunto de seu casamento, um dia em Dakshineswar o Mestre
disse: "Sabem a razão pela qual uma pessoa tem que se casar? Há dez tipos de cerimônias
que santificam o corpo de um Brahmana e o casamento é uma delas. Somente quando se
executou todas elas pode tornar-se um instrutor religioso." Costumava também dizer,
"Aquele que se torna um homem de conhecimento perfeito (Paramahamsa) já experimentou
todos os estados, desde aqueles de lixeiros e varredores até os de reis e imperadores. Caso
contrário como poderia surgir o verdadeiro desapego? A mente ansiaria por experimentar o
que não havia conhecido e ficaria desassossegada; compreendem? Uma 'peça' tem que
andar em todos os quadrados antes de alcançar sua 'casa'. Não observa isso no jogo de
dados? É parecido com isso."

55
8. Embora o Mestre tenha dito qual fora a razão para o casamento de um
instrutor comum de religião, vamos agora dar o motivo do casamento do Mestre, como
entendemos. A cada passo as escrituras nos ensinam que o propósito do casamento não é o
prazer. O objetivo do casamento hindu deve ser o de observar o preceito de manter a
criação de Deus, gerando filhos virtuosos e por conseguinte, fazer bem à sociedade.
Repetidamente as escrituras falam dessa posição. Quer isso dizer que o hindu não deva
ter interesse em seu casamento? Será que as escrituras ensinam essas coisas absurdas?
Não, não ensinam. Os autores das escrituras tinham uma percepção perfeita da natureza
humana. Sabiam que a média dos homens, fracos como são, só se preocupa com o seu
próprio interesse e não faria nada a não ser que isso lhe desse vantagem. Assim quando
promulgaram a lei acima sobre o casamento, levaram em consideração integralmente esse
aspecto do caráter humano. Sabiam que a única maneira de ajudar o homem centrado em
si mesmo é a de unir seu interesse a alguns ideais e razões elevados, senão ficaria
emaranhado na escravidão de mortes e nascimentos e sofreria dores infindáveis.
9. O homem corre atrás dos prazeres sensórios de vista, gosto, etc., considerando-
os muito agradáveis e atrativos, somente porque se esqueceu de sua própria natureza, que é
eternamente livre. Mas ah! Quão poucos são inteligentes o suficiente para compreender que
todos os prazeres estão ligados para sempre com a dor e quem quer desfrutar o prazer
terá que simultaneamente estar preparado para também sofrer dor! Swami Vivekananda
dizia: "O prazer vem às pessoas como uma coroa de espinhos em sua cabeça." As pessoas
que estão desfrutando prazer não têm tempo para pensar que têm essa coroa de espinhos na
cabeça e que devem estar prontos para dar acolhida à dor se considerarem o prazer como
seu. Por isso as escrituras lembram-lhe esse fato e dizem: "Filhos, por que consideram o
prazer a meta de suas vidas? Se o prazer é aceito, a dor também deve ser bem-vinda. Por
que não encontrar o preenchimento de sua vida num valor mais elevado e considerar as
experiências mais agradáveis e dolorosas da vida como seus instrutores? Esse valor mais
elevado é o único digno de ser libertado tanto do prazer como da dor, por toda a eternidade."
O objetivo dos autores das escrituras é evidentemente introduzir a discriminação entre o
bem e omal, o permanente e o transitório, nos prazeres do casamento. Através da roda
inevitável de experiências prazerosas e dolorosas, procura-se conduzir o homem a um
completo desapego pelos aparentes, momentâneos prazeres do mundo, de maneira que
daqui para frente fique tomado pelo verdadeiro amor de Deus e vá em frente ansiando
para ser abençoado com Sua visão, considerando-O a essência de todas as essências.
10. Não há dúvida de que a mente abandonará o que desfruta com discriminação
- quer dizer, com a correta discriminação, sobre as vantagens e desvantagens. É por
isso que o Mestre dizia: "Filhos! A discriminação entre o real e o irreal é necessária.
Deve-se sempre ter discriminação e dizer à sua mente: "Você, mente, está ansiosa para
desfrutar muitas coisa - comer isso, vestir aquilo e assim por diante, mas raciocine e veja
que os cinco elementos dos quais batatas, arroz, legumes, etc., são também os
componentes de Sandesh, Rasagolla e outros doces deliciosos. Assim também seus
corpos e os de todos os homens e também, dos animais como vacas, cabras ou
carneiros são formados de ossos, carne, sangue e tutano derivados dos mesmos cinco
elementos dos quais o corpo de uma bela mulher também é feito. Por que anseiam e
morrem por ele? De nenhum modo ele o conduzirá à realização de Deus, Existência-
Conhecimento-Bem-Aventurança.' Se, contudo, a mente ainda não pôde desistir delas,
devem ser desfrutados uma ou duas vezes com discriminação para, finalmente, serem
renunciadas. Tomem o seguinte exemplo: a mente persiste em comer Rasagolla e, em
nenhuma hipótese, obedece ao controle das restrições; - todos os esforços de
discriminação foram em vão. Peguem então algumas Rasagollas, ponham na boca e
digam à mente, enquanto as mastigam, 'Mente, isto é o que é chamado Rasagolla; é
também uma combinação dos cinco elementos dos quais batatas e Patols são feitos. Isto
também, quando comido, será convertido em sangue, carne, fezes e urina dentro do
corpo; é doce enquanto estiver na boca; vocês não sentirão qualquer gosto quando
descer pela garganta; assim também, se comerem muito, ficarão doentes. E vocês ainda

56
correm tão intensamente atrás de tal coisa! Que vergonha! Agora que comeram, n ã o
querem mais repetir' (Olhando para os devotos que estavam prontos para renunciar ao
mundo) - é com relação a pequenos assuntos que a renúncia é possível, depois de
desfrutar com discriminação; mas com respeito aos grandes, não é possível. Fica-se
enredado logo que se cede a seu desfrutar. É por isso que esses desejos devem ser
removidos da mente ao se ficar consciente de seus defeitos através da discriminação."
11. Quão poucas são as pessoas agora que mantém essa idéia elevada em suas
mentes, embora as escrituras refiram-se a ela em termos elogiosos! Quão poucos são
aqueles e também a sociedade que se tornam abençoados com a observância de
continência na vida de casados segundo sua capacidade! Quão poucas esposas ficam ao
lado dos maridos, estimulando-os a esse elevado voto tão benéfico ao mundo em toda sua
extensão, isto sem mencionar sua relevância para a realização de Deus! Quão poucos os
maridos, também, que aceitam que a meta da vida seja a renúncia e a ensinam às
suas esposas! Ó Índia, apenas pense e veja em que ser sem força moral você se
encontra ao se converter à doutrina do materialismo ocidental, que encara os prazeres
mundanos como o objetivo final de tudo da vida e que entrou em sua própria
essência. Terá sido sem razão que Sri Ramakrishna disse aos devotos que renunciam, ao
lhes mostrar os defeitos da moderna vida de casado: "Ah! Se é errado fazer o desfrutar
dos objetos mundanos o summum bonum da vida, então vocês pensam simplesmente
que jogar algumas flores2 (2 A cerimônia de casamento requer o uso de flores entre outras coisas) por
ocasião do casamento torna-os puros e livres de todas as censuras?" Certamente não
sabemos se ceder aos prazeres sensuais no casamento já foi tão grande quanto o é
agora, na Índia. Atualmente quase nos esquecemos de que, além de satisfação dos
sentidos, há um muito sagrado e elevado objetivo no casamento e é por isso que
estamos reduzidos a um estado pior do que o dos animais. Foi somente para destruir a
natureza animal dos homens e mulheres da Índia moderna que o Mestre casou-se. Como
todos os outros atos de sua vida, o casamento foi também, para o bem de todos.
12. "O que for feito aqui (referindo-se a si próprio)", dizia o Mestre, "é feito para
o bem de todos. Ah! Se fiz todas as dezesseis partes3 (tudo), (3 A metáfora vem das dezesseis annas que
constituem uma rupia, moeda indiana) vocês podem fazer uma. Assim também, se urino de pé , (4 Isto é
4

considerado vergonhoso entre os indianos) vocês velhacos, o fazem andando em volta." É por esta razão que
o Mestre tomou sobre os ombros, os deveres e responsabilidades da vida de casado e pôs
em prática aquele ideal muito elevado diante dos olhos de todos, ao cumprí-los em toda sua
extensão. Se o Mestre não tivesse se casado, os discípulos teriam dito: "Porque não se
casou pode falar dessa maneira tão lisonjeira sobre continência. É porque jamais possuiu
esposa e viveu com ela, lhe é possível fazer longos sermões." Foi somente para impedir tais
afirmações sem sentido que o Mestre não somente se casou, mas manteve a esposa no
período de sua juventude a seu lado, em Dakshineswar. Depois que o estado de loucura
divina tornou-se normal nele após a visão sagrada da Mãe Divina, viveu com a esposa,
sentindo nela a manifestação da Mãe Divina, adorou-a como Mahavidya, a divina Shodasi e
depois ofereceu-se a ela como se fosse o Divino. Viveu com ela continuamente por oito
meses, partilhando o mesmo leito. Ele mesmo, às vezes, ia a Kamarpukur e a Jayrambati
visitar o sogro, onde passava um mês ou dois, ensinando a esposa a ter paz de espírito e
felicidade.
13. Recordando-se dos acontecimentos da época em que o Mestre vivia em
Dakshineswar, a Santa Mãe ainda agora diz às devotas: "Não podem ser expressos em
palavras os maravilhosos estados que ele experimentava então. Naquele estado de semi-
consciência divina, que estranhas e maravilhosas palavras dizia e com que fluência! Às vezes
ria, às vezes chorava e às vezes ficava totalmente imóvel em êxtase. Era assim que passava
as noites. Que presença maravilhosa e que êxtase! Todo meu corpo tremia ao ver tudo
aquilo e ansiava para que a noite logo terminasse. Nessa época eu nada entendia de êxtase.
Uma noite quando vi que seu êxtase não acabava, fiquei amedrontada, chorei e procurei
Hriday. Ele veio e repetiu o nome do Senhor em seu ouvido que depois de muito tempo,
voltou ao seu estado normal. Quando tomou conhecimento de meu sofrimento, ansiedade e

57
medo, ele mesmo me ensinou como, em cada determinado êxtase, nomes especiais e
Mantras de Deus deveriam ser repetidos em seu ouvido. Depois disso não me senti tão
amedrontada; ele voltava à consciência normal quando aqueles nomes e Mantras eram
pronunciados em seu ouvido. Passou-se um longo tempo, quando um dia, pediu-me para ir
dormir separadamente no hall de música, porque viera a saber que eu não dormia à noite,
ficava parada observando para ver quando e que tipo de êxtase ele poderia estar
experimentando." A Santa Mãe diz que o Mestre ensinou-lhe todos os assuntos domésticos,
como acender o pavio de um lampião, compreender a natureza de cada membro da casa.
como comportar-se com cada um deles e como agir quando fosse à casa de alguém.
Ensinou-lhe, também, exercícios espirituais, recitação dos nomes e glórias de Deus,
meditação. Samadhi e até mesmo o conhecimento de Brahman. Ó homens que constróem
famílias! Quantos de vocês ensinam suas esposas dessa maneira? Quantos de vocês podem
ter devoção às esposas, respeito e amor por elas durante toda a vida; mesmo se por uma
razão ou outra o relacionamento físico termine pouco tempo depois?
14. Nós, portanto, dizemos que foi somente por vocês que a maravilhosa encarnação
casou-se, viveu uma vida sem relacionamento físico sequer por um dia com sua esposa,
mas ao mesmo tempo manteve uma doce e amorosa atitude com ela ao longo de sua
vida. Ele fez tudo isso para que vocês aprendessem que não é para ceder aos prazeres
sensuais que a instuição do casamento surgiu, mas que ela traz em si um elevado objetivo
moral: que ambos, marido e esposa possam manter seu objetivo fixo nesse alto ideal e sejam
abençoados por observarem continência (Brahmacharya) segundo sua capacidade na vida de
casados e que possam vir a ser uma bênção para a sociedade moderna - uma sociedade que
se tornou destituída de vigor, destituída de graça e destituída de poder – ao produzir uma
heróica e virtuosa prole dotada de inteligência e memória maravilhosas. Nas épocas passadas
não houve necessidade de demonstrar esse ideal, uma vez que ele era razoalmente aceito
pelas pessoas. Hoje, porém, não é assim. Ao contrário de qualquer dos grandes instrutores
espirituais do passado - Rama, Krishna, Buda, Jesus, Sankara, Chaitanya e outros -
Ramakrishna tornou-se o exemplo nesse assunto para o bem de vocês, de mim e de todos.
Assim um sagrado modelo (ideal) de vida de casado, não visto nem ouvido no passado, foi
moldado pela primeira vez no mundo como resultado de longa austeridade de toda a vida e
Sadhana do Mestre. Como o Mestre costumava dizer: "Joguem suas vidas nesse 'molde
ideal' e façam com que elas tomem sua forma."
15. "Mas", dizem os chefes de família, sim, vemos sua dificuldade. Nós, por
conseguinte, respondemos, citando o que Vivekananda disse referindo-se às práticas
espirituais em geral: "Vocês pensam que cada um de vocês pode tornar-se um
Ramakrishna Paramahamsa? Não é assim; porque 'nem muita quantidade de óleo
queimará nem Radha dançará 5 (5 Uma dançarina com aquele nome impôs que só dançaria se o pátio fosse iluminado com uma grande
quantidade de óleo. Isto significa uma coisa além das possibilidades). Somente um Ramakrishna Paramahamsa nasceu
neste mundo; 'somente um leão vive numa floresta'." Ó construtores de famílias!
Igualmente lhes respondemos: 'Mas -': o Mestre sabia muito bem que está além de suas
forças observarem absoluta continência (Brahmacharya) vivendo com a esposa, como ele.
Sabia disso, contudo, deu-lhes esse exemplo porque vocês poderiam ser encorajados a
fazer pelo menos 'um dezesseis avos'. Tenham, porém, como certo que vocês não seguirão
aquele elevado ideal se não considerarem as mulheres como representantes diretos da Mãe
do universo oferecendo-Lhe, segundo sua capacidade, amor desinteressado; se, ao
contrário, considerarem as mulheres, que são as mães do mundo, com olhos sensuais,
como suas escravas dependentes e objetos de prazer para vocês - então saibam que sua
destruição está próxima e pode acontecer a qualquer instante. Lembrem-se do que houve
com a raça dos Yadus quando não seguiram os conselhos de Krishna como também, da
triste sina dos judeus que rejeitaram as instruções de Jesus. Tratar as Encarnações das
diversas épocas com indiferença foi a causa da destruição das nações, em todos os tempos.
16. Depois de responder a uma pergunta mais, vamos concluir falando a respeito da
manifestação sem precedente do estado de instrutor espiritual através da vida de casado
do Mestre e em seguida, discutir outros assuntos. Escravos, como os homens em geral são

58
dos objetos dos sentidos e dos inúmeros apegos a pessoas e coisas que os cercam,
provavelmente contestam o exemplo de vida de casado do Mestre. Tendo escolhido a
condição de casado, teria sido melhor se tivesse tido pelo menos um filho, para então
desistir de qualquer tipo de relacionamento físico com sua esposa. Se ele assim tivesse
agido, talvez provasse que todos os homens sem exceção têm por dever manter a obra de
criação de Deus e ao mesmo tempo, a autoridade das escrituras não teria sido violada pois as
escrituras dizern que um chefe de família deve ter ao menos um filho, se quiser pagar o
débito com os antepassados. Respondemos:
Primeiro, será a criação somente o pouco que é percebido pelos nossos sentidos e
mente? É da lei da criação que deve haver diversidade nela. A criação poderá ser
destruída em pouco tempo, se desse momento em diante começarmos a pensar e agir de
maneira semelhante em todos os assuntos. Nós então lhes perguntamos: "Conhecem
todas as leis que governam a criação? Será realmente verdade que é visando perpetuar a
criação de Deus que vocês hoje zombam do ideal de continência? Sejam sinceros e não
tentem enganar-se e nem aos outros. Ou como o Mestre dizia: "Não cometam perjúrio no
santuário do sentimento." Bem, suponhamos que você está obedecendo à lei de preservação
da criação. Que direito tem de pedir que os outros façam o mesmo? Não é também uma lei
legítima da vida que vem dentro da esfera da vida criativa, que as energias não devem ser
desperdiçadas em pequenas indulgências contra-producentes! Não é um fato que somente
podem essas energias ser ajudadas a se manifestarem como elevados poderes da mente?
Quem teria manifestado os elevados poderes espirituais se, como vocês, cada homem
tivesse gasto suas energias em buscas inferiores? Teria sido impossível o desenvolvimento
espiritual.
17. Segundo, temos costume de tirar das escrituras, passagens que nos agradam. A
prescrição sobre prole também é m e n c i o n a d a , porque as escrituras falam para
pessoas preparadas. Yadahareva virajet tadahareva pravaget6 (6 Jabala Upanishad) quer dizer:
"Quando o amor a Deus aumenta e produz desapego do mundo, deve-se renunciar a ele."
Por conseguinte, quem teria mantido a autoridade desse dito das escrituras, se o
Mestre tivesse agido de acordo com sua opinião? O mesmo se aplica ao pagamento da
dívida com os antepassados. As escrituras dizem que um verdadeiro Sannyasin libera, em
virtude de seus méritos espirituais, sete gerações de sua família. Portanto não temos
qualquer razão para nos preocuparmos porque o débito do Mestre para com seus
antepassados não tivesse sido pago. Foi para nos ensinar esta verdade que o Mestre se
casou. Podemos conhecer um pouco do ideal elevado e sagrado que nos legou, do fato
que a Santa Mãe adorou-o durante toda a vida como a Mãe do universo. Vê-se
geralmente que um homem não pode esconder suas fraquezas da sua esposa, embora
possa fazê-lo das outras pessoas. A esse respeito o Mestre costumava nos dizer: "Todos
os homens importantes - Babus, juizes, magistrados etc., por mais alto que falem - são
todos, por assim dizer, vermes, escravos de suas esposas. Quando ordens, embora
injustificáveis, vêm dos 'apartamentos internos', não têm qualquer poder para
desobedecê-las." Por conseguinte, se a esposa de uma pessoa lhe oferece devoção sincera
e amorosa durante toda a vida, como se fosse o Próprio Deus, é claro que não há
qualquer mal no ideal que ele prega. É isso que não podemos dizer de forma tão taxativa
em relação a outra pessoa que não seja o Mestre. Aqui não é lugar de se descrever a
história da maravilhosa Lua de amor com sua esposa, embora haja muito a se falar sobre
isso. Falamos deste assunto somente para ilustrar a atitude do Mestre como instrutor
espiritual."

CAPÍTULO V

O ESTADO DE INSTRUTOR ESPIRITUAL NA JUVENTUDE

(ASSUNTOS: 1. A feitura de um instrutor espiritual. 2. A ilimitada consciência do "eu" e o


instrutor espiritual. 3. Sua manifestação natural no Mestre. 4. Estado de instrutor por ocasião de sua

59
Sadhana. 5. A estranha natureza do Mestre. 6. A dificuldade dos ricos e dos letrados em reconhecê-lo.
7. A atração de Mathur e a opinião de outras pessoas sobre ele. 8. O Mestre castiga a Rani no estado de
instrutor. 9. Resultado. 10. Acontecimentos semelhantes nas vidas de Chaitanya, Jesus e Sri Krishna.
11. A boa sorte da Rani Rasmani. 12. Características da mente unida a Deus. 13. Porque o
comportamento desses instrutores religiosos é enigmático.)

Encoberto por minha Maya, constituída pelos três Gunas, não Me manifesto a
qualquer um (exceto a alguns devotos). O mundo em ilusão não Me conhece, o Não-
Nascido e Imutável.
Gita, VII. 25

1. A manifestação do estado de instrutor espiritual na vida do Mestre começou no


dia em que se propôs fazer a sagrada adoração diária da Mãe Divina, em Dakshineswar.
Foi o início de suas Sadhanas. Estava em estado de 'loucura divina' devido ao amor de
Deus. Aquele que é instrutor espiritual o é sempre; porque um líder o é desde a
infância. Não que as pessoas formem um comitê, consultem-se mutuamente ou
dêem-lhe a posição de instrutor espiritual ou líder. Assim que surge, as pessoas enchem-
se de respeito e curvam-se ante sua pessoa e imediatamente começam a aprender com ele e
a obedecer às suas ordens. Essa é a lei. Swami Vivekananda dizia: "Um líder já nasce,
jamais é feito." Portanto, atos que pedem punição irrevogável de uma sociedade
enraivecida, quando cometidos por pessoas comuns, fazem a mesma sociedade seguí-
los apaixonadamente quando praticados pelos instrutores. O Bhagavan Sri Krishna diz no
Gita (III.21): "As pessoas seguem o que ele (um instrutor) determinar como modelo."
Embora pareça estranho, é um fato e assim continuará sendo. "Deixem que a adoração
de Indra," disse Sri Krishra, "termine a partir de hoje e a do Monte Govardhan comece," e as
pessoas começaram a assim agir. "De hoje em diante", disse Buda, que cesse o sacrifício de
animais" e imediatamente a sociedade rejeitou o preceito Yajnarthe pasavah srishtah -"os
animais foram criados para serem mortos". Jesus deu permissão a seus discípulos para
comer no dia do Sabbath. Isso tornou-se regra. Maomé casou-se com muitas esposas e
mesmo assim as pessoas o respeitavam e seguiam, como a um herói religioso e instrutor
abnegado. Em todas as coisas, grandes ou pequenas, qualquer que seja o caso - o que
dizem ou fazem, torna-se modelo de conduta moral.
2. Já explicamos (III.3.11.15) a razão. O limitado ser, o "eu" dos instrutores
mundanos está completamente destruído e seu lugar é ocupado pelo "Eu" universal,
origem de todos os pensamentos e seres. É a natureza desse "Eu", buscar o bem de
todos. Assim como as abelhas conhecem a época em que florescem as flores e desejosas de
tirar néctar, juntam-se ansiosamente em torno delas, embora as flores não as convidem,
assim também, logo que o universal "Eu" se manifesta em alguém, as aflitas pessoas do
mundo tomam conhecimento e de uma maneira ou outra correm para ela sem ser
convidadas, buscando paz e felicidade. Só com muita dificuldade e depois de muita
austeridade é que uma gota ou duas, por assim dizer, da manifestação desse "Eu"
ilimitado toma lugar no homem comum, enquanto que nas vidas dos instrutores do
mundo há manifestação dela desde o começo de suas vidas. Na juventude há maior grau
de manifestação do que na infância e por fim, sua ampla manifestação será encontrada
em seus maravilhosos atos e feitos de seus anos maduros, vendo que homens com
respeito e admiração, os consideram unos com Deus. Porque a manifestação daquele
estado além dos sentidos torna-se para eles tão natural quanto os atos diários prosaicos,
como respirar, comer, beber e andar. Portanto o que pode um homem comum fazer
senão adorá-los? Incapaz de penetrar na natureza divina devido ao egoísmo, o que pode o
homem, pobre e perplexo como é, fazer outra coisa senão considerá-los o Próprio Deus e
com confiança e devoção, refugiar-se neles?
3. Ao estudar a vida do Mestre, encontramos nele, também, a manifestação
gradual desse estado diário quando era um Sadhaka, em sua juventude. Ao final de suas
práticas espirituais austeras durante doze anos, tornou-se plenamente manifestado e
natural nele. Nessa época o intelecto comum ficava perplexo sem conhecer em que

60
consciência do "eu" o Mestre estava em determinado momento - se em seu eu usual ou no
estado de instrutor espiritual manifestado nele através da identificação com o "Eu" universal.
Mas quando esse estado atingiu completa manifestação é outra história, que será contada
no devido tempo. Agora, é necessário falar aqui ao leitor como ele se comportava em
diversas ocasiões, em sua juventude, por ocasião de sua Sadhana, quando ficava fora de si,
naquele estado divino.
4. Vemos a primeira manifestação do estado de instrutor espiritual nele como um
jovem, em seu relacionamento com os fundadores do templo de Kali em Dakshineswar,
Rani Rasmani e seu genro Mathuranath. Nenhum de nós teve a boa sorte de conhecê-los,
mas do que ouvimos do próprio Mestre, à primeira vista, ambos se sentiram atraídos pelo
Mestre e essa atração gradualmente assumiu uma proporção incomum. Talvez venha nos
parecer que se trata de um conto de fadas em lugar de um acontecimento real, ao se dizer
que pessoas do status deles, pudessem amar tanto um homem comum e devotar-lhe
tanta confiança e devoção, porque olhando de maneira superficial, o Mestre era um
sacerdote comum, insignificante, e eles eram pessoas importantes da sociedade, grandes
em riqueza, cultura e inteligência, embora inferiores em casta.
5. Ora, desde a infância, o Mestre era dotado de uma estranha natureza. Riqueza,
respeito, cultura, inteligência, grandes títulos e apelações no final do nome - em resumo
todas as condições que geralmente tornam uma pessoa grande na estima das outras - não
tinham qualquer importância a seus olhos. Costumava dizer: "Quando uma pessoa sobe no
Monumento1 (1 Monumneto de Ochterloney no maidan de Calcutá), os edifícios de três ou quatro andares, as
altas árvores e a grama que cresce no chão - tudo parece igual." Achamos também que,
desde a infância, a mente do Mestre morava a maior parte do tempo naquele plano
elevado, que a seu ver, do alto da elevação espiritual da Verdade e do amor de Deus, as
diferenças em riqueza, status, cultura etc. - devido as quais nos enchemos de orgulho
e sentimos que "a vasta terra parece ser somente um pires" - tudo isso empalidece em
total insignificância e até deixava de ser notado. Vimos, também, que antes do Mestre
fazer qualquer coisa, sempre discriminava e chegava a uma conclusão definitiva depois
de um pensamento profundo, como uma coisa deveria ser feita, aonde o relacio-
namento com uma determinada pessoa o levaria no final e onde levou outras
pessoas sob condições semelhantes. Por mais falsas que fossem as aparências, jamais
poderiam enganá-lo por um espetáculo brilhante e desviá-lo do seu curso certo. O leitor
pode argumentar: "Mas esse tipo de intelecto discriminativo mostrará os defeitos de
todas as coisas e paralisará todo o desejo de atividade e tornarão impossíveis todos os
empreendimentos." É exatamente isso. Se o intelecto não tiver sido purificado antes,
ficado livre de desejos e não tiver sido dirigido para o elevado ideal da realização de
Deus, a atitude de extrema prudência e cálculo sem dúvida tornará o homem sem
objetivo e inativo e às vezes teimoso e mesmo indiferente. Se, ao contrário, o
intelecto alcançou o desejado grau de purificação em cuidado e aspiração, pode fazer
essa investigação e avaliação de defeitos sem prejudicar sua ação enérgica e rápido
progresso ao longo do caminho da realização de Deus. Portanto Sri Krishna no Gita
(XIII.9) pedia somente homens com essa fé e devoção para olhar os males do
nascimento, morte, decrepitude e doença, alcançando assim, desapego. Observemos
quão desenvolvida estava no Mestre, a faculdade de ver o vazio das coisas mundanas,
desde sua infância. Quando mandado para a escola, logo compreendeu o vazio da
chamada educação. Não sentiu qualquer atração por títulos como Tarkalankara ou
Vidyavagisa. Assim que descobriu que esses grandes Tarkavagisas e Nyayachanchus se
corrompiam na porta dos ricos, ostentando seu conhecimento com longas citações de
Nyaya e Vedanta para acumular "arroz e plantano" - quer dizer, simplesmente para
viver. Mesmo casado, não ficou absolutamente atraído pelos prazeres e divertimentos
mundanos, pelo contrário, descobriu os males de se comprometer com a vida mundana,
caracterizada pela busca de valores efêmeros e ignóbeis e de riqueza para satisfazer os
sempre crescentes desejos. A experiência de como o dinheiro poderia dar todas as coisas
desejáveis da vida não o motivaram a se dedicar, de corpo e alma a adquirí-lo mas,

61
pelo contrário, tornaram-no consciente de sua limitação - a saber, sua total inutilidade
para alcançar a realização de Deus apesar de assegurar arroz, vegetais, roupa, tijolos,
terra, madeira e outros objetos de uso diário. Também não se sentia atraído por nome
e fama, nem ser um homem caridoso ou filantropo2 (2 No II.21.13 ficará evidente que o autor não está desencorajando
o trabalho desinteressado que conduz à liberação) visto que percebera que, apesar do longo esforço de toda
sua vida para estabelecer umas escolas gratuitas ou centros médicos, no final, ao
chegar a morte, o filantropo deixa o mundo com a mesma falta e o mesmo sofrimento
que havia no começo de seu trabalho beneficente. Em todos os sentidos, seu espírito
penetrava no âmago das coisas.
6. Por conseguinte era muito difícil para homens comuns, especialmente para os
orgulhosos de sua erudição e riqueza, reconhecerem e compreenderem o Mestre com
sua natureza peculiar, porque essas pessoas não estão acostumadas a ouvir explicações
simples e diretas às questões, sobretudo daqueles que os cercam, bajuladores, que
desejam somente agradá-los. Não é de admirar que essas pessoas, tomassem-no como
vulgar, louco ou orgulhoso. É de se admirar que ao contrário dessa atitude, a Rani
Rasmani e Mathur, que estavam entre as pessoas ricas e importantes da época, o
considerassem com amor e reverência, apesar de suas singularidades. Parece-nos que
foi somente pela graça de Deus que não somente mantiveram uma atitude de amor por
ele, mas se entregaram inteiramente a seus sagrados pés, aceitando suas
excentricidades como manifestações de seu estado divino, como instrutor espiritual.
Caso contrário não teria sido fácil para a Rani Rasmani e Mathur Babu desistirem do
egoísmo e orgulho da riqueza e adquirir amor ao Mestre à primeira vista, manter e
desenvolvê-lo até o fim num grau surpreendente, apesar de seu comportamento estranho e
hábitos conservadores. Por exemplo, ele ficou sem comer no dia da consagração do templo
de Kali em Dakshineswar e mais tarde, quando teve que permanecer no templo, preferiu
cozinhar sua própria comida às margens do rio, com as provisões da dispensa do templo, a
comer o alimento oferecido à Divindade e por Ela santificado - isso porque o alimento cozido
pertencia a uma pessoa de casta inferior e iria, ele pensava, maculá-lo embora seu próprio
irmão houvesse feito o culto, oferecido o alimento e distribuído como Prasada. O amor de
Mathur e a admiração pelo Mestre levou-o a procurar uma oportunidade para nomeá-lo
sacerdote da Mãe Kali, mas o excêntrico Mestre evitava conversar com o mundano Mathur
que, entretanto, fez repetidas tentativas. Não é de se estranhar que sob tais circunstâncias, o
amor e admiração de Mathur e da Rani aumentassem?
7. O Mestre por essa época havia se casado. Estava no auge da juventude. Havia
voltado a Dakshineswar, depois de seu casamento e se encarregado do culto de Kali, a Mãe
Divina. Mal havia começado a fazê-lo, a loucura divina assaltou-o novamente (II.7). Em sua
agonia de não ter ainda realizado Deus, rolava no chão desassossegado e esfregava o rosto
sem piedade contra ele, chorando amargamente o tempo todo, "Mãe! Mãe!" Grupos de
pessoas juntavam-se à sua volta e em simpatia, diziam: "Ah! O pobre homem deve estar
com uma terrível cólica. Nada mais pode tornar uma pessoa tão desassossegada."
Às vezes ficava imóvel na hora do culto, colocando todas as flores na cabeça e
também, às vezes, como um louco, continuava cantando durante muito tempo os hinos
compostos pelos Sadhakas. Outras vezes, contudo, quando estava um pouco em seu estado
normal, comportava-se como devia, mas ao meditar na Mãe Divina, esses êxtases se
manifestavam não uma ou duas vezes, mas com freqüência, não de forma calma, mas com
tal intensidade transbordante, que perdia a consciência exterior e não ouvia nem respondia a
ninguém. Mesmo nessas ocasiões as pessoas sentiam a estranha beleza de sua natureza
divina; porque se lhe pedissem para cantar uma canção ou duas, logo era tomado pelo
espírito da canção, perdendo-se nela.
Agora, não só os funcionários menos categorizados, mas também o tesoureiro, o
chefe dos funcionários do templo, relataram os atos impróprios e informais do Mestre, para a
Rani Rasmani e Mathur Babu. Disseram: "O Bhattacharya Júnior3 (3 O irmão mais velho do Mestre era chamado de
Bhattacharya Sênior. O Mestre, por conseguinte, era conhecido como Bhattacharya Júnior) está estragando tudo. O culto e o
oferecimento de comida não estão sendo feitos de forma correta. Pode a Mãe aceitar qual-

62
quer coisa que é feita de forma incorreta?" Queixaram-se, mas isso não teve os resultados
esperados, porque Mathur Babu, que costumava de vez em quando chegar repentinamente
ao templo, sem avisar a ninguém, reparou sem ser visto, o comportamento devocional
anelante do Mestre, suas impertinências afetuosas e infantis com a Mãe Divina durante a
adoração e seu profuso derramamento de lágrimas pela alegria da devoção. Em seguida
ordenou aos funcionários do templo: "Não devem se opor ao Bhattacharya Júnior, nem
censurar nada que faça. Primeiro devem me informar e depois, agir como eu ordenar."
A Rani Rasmani também, sempre que de vez em quando vinha ao templo, ficava
encantada com a decoração de flores para a Mãe e com as canções sobre Seu nome e Sua
glória entoadas pelo Mestre com sua voz divinamente doce. Nesses momentos costumava
chamar o Bhattacharya Júnior e pedir-lhe que cantasse algumas canções. O Mestre também
esquecia-se completamente de que estava cantando para alguém e tomado pela emoção
das canções, continuava cantando como se o estivesse para a Mãe Divina. Deste modo
passavam-se os dias. Assim como na grande casa do mundo, na pequena casa do templo
todos estavam também ocupados com seus afazeres, quebrando a enfadonha monotonia de
suas vidas com assuntos ferinos como falar mal dos outros, trazendo histórias e inventando
novas durante o curto lazer, quando esqueciam suas preocupações com os problemas
mundanos. Por conseguinte quem estava aí para notar quais as mudanças que estavam
ocorrendo na mente do Bhattacharya Júnior devido a seu amor a Deus? "É um louco. De
algum jeito caiu no agrado dos Babus (proprietários) e é por isso que conserva o emprego.
Mas por quanto tempo poderá fazê-lo? Com certeza vai fazer algo errado e algum dia será
despedido. Será constante o temperamento dessa gente importante? Leva-se pouco tempo
para agradá-los e também para aborrecê-los." Essa era uma conversa que às vezes rolava
entre os funcionários. Por essa época o sobrinho do Mestre, Hriday, veio ficar com ele.
8. Um dia a Rani veio ao templo. Todos os funcionários estavam muito atarefados.
Mesmo os ociosos estavam naquele dia atendendo a seus deveres. Depois de tomar banho
no Ganga, a Rani foi ao templo de Kali. O culto e a decoração da divina Kali haviam
terminado. A Rani saudou a Mãe e sentou-se perto da sagrada imagem dentro do templo
para fazer a prática espiritual diária. Viu o Bhattacharya Júnior e pediu-lhe para cantar "O
Nome da Mãe." O Mestre também sentou-se perto da Rani e tomado de emoções
devocionais, começou a entoar as canções de Ramprasad, Kamalakanta e outros místicos.
Ela ouvia essas canções enquanto fazia adoração e Japa. Assim continuou por algum
tempo, quando o Mestre subitamente ficou aborrecido, parou de cantar e asperamente
exclamou, num tom rude: "Só aquele pensamento! Aquele pensamento até aqui!" Assim
falando, imediatamente bateu na doce pessoa da Rani com a palma da mão. O Mestre
estava no estado de um pai, zangado, que castiga o filho, quando vê algo de errado em
seu comportamento. Quem poderia compreender isso?
9. Todos os funcionários do templo e as ajudantes da Rani deram um grito. O
porteiro correu rapidamente para agarrar o Mestre. Curiosos para saber o motivo do
barulho dentro do templo, os funcionários foram para fora. Os que ocasionaram o tumulto,
entretanto - o Mestre e a Rani - estavam ambos calmos e tranquilos, sem prestar atenção
ao barulho e aos funcionários que corriam daqui para lá. O Mestre estava calmo, quieto e
serenamente equilibrado no Ser, com um sorriso encantador nos lábios. Quanto à Rani,
descobrindo através da auto-análise que naquele momento havia pensado no resultado de
um determinado caso pendente no tribunal em vez de meditar na Mãe universal, a princípio
ficou embaraçada, mas em seguida, arrependida e séria. Também imaginando como o
Mestre poderia ter conhecido seu pensamento, a Rani sentiu-se um pouco surpresa. Trazida
subitamente de volta a seus sentidos devido ao barulho feito pelos funcionários,
compreendeu que poderia ser infringido um grande mal ao inocente Mestre, da parte de
pessoas de mentalidade estreita. Ela, portanto, ordenou-lhes seriamente: "O Bhattacharya
não deve ser censurado. Não vejam falta nele". Mais tarde Mathur Babu ouviu toda a
história da Rani e aprovou sua ordem. Alguns funcionários ficaram bastante decepcionados;
mas o que poderiam fazer? Pensaram: "O que temos a ver com os assuntos dos grandes!" e
acalmaram-se. Ao examinar este acontecimento, talvez o leitor pense: "Que estranha

63
atitude é essa de um instrutor espiritual. Que manifestação esquisita, que termina em
agressão às pessoas!"
10. Respondemos: "Leiam a história religiosa do mundo e verão esses
acontecimentos relatados nas vidas dos grandes Instrutores religiosos. Lembrem-se
daquele na vida de Sri Chaitanya, em que ele traz Kasi de volta a seus sentidos e aquele
em que transmite devoção ao Acharya Advaita, espancando-os. Pensem e verão que tais
incidentes não faltaram também na vida de Jesus. Cercados por seus discípulos, Jesus veio
visitar o templo de Jeová em Jerusalém para fazer adoração, sacrifícios, etc. A mente judia
sente a mesma devoção pura e maravilhosa ao visitar o templo em Jerusalém, como os
h in d u s ao visitarem os lugares sagrados de Varanasi, Vrindavan e outros centros de
peregrinação. Além disso a mente de Jesus estava então em Bhavamukha4 (4 III.311-15 e III.1.34-35).
Completamente tomado de amor por Deus, teve a visão direta da Divindade assim que viu o
templo, ao longe. Muitas pessoas estavam fora do templo, no portão ou no pátio, vários
ocupados com negócios mundanos tais como ganhar dinheiro, enganar os outros, etc, sem
levar em conta se os peregrinos tinham ou não a visão da Divindade. Os sacerdotes
estavam preocupados somente em tirar um pouco de dinheiro para si e os negociante e outros
pensavam como poderiam ganhar um pouco mais do que o normal, vendendo-lhes animais,
flores e outros utensílios do culto. Quem pensava que estava na presença de Deus no templo?
Ao entrar no templo, porém, nada dessas coisas atraiu a atenção de Jesus, tomado pelas
emoções espirituais. Dirigindo-se direto para o templo e tendo tido a visão de Deus, ficou
tomado de alegria ao ver que Ele estava dentro de si como a Vida de sua vida, o Ser de seu
ser. Começou a sentir que o templo e todas as pessoas e coisas eram seus, porque ali
havia sido abençoado com a visão da fonte e consolo de sua vida. Contudo, voltando ao seu
estado normal de consciência, sua mente procurou a manifestação daquele estado interior
nas pessoas e coisas exteriores, mas viu que tudo era o oposto - que ninguém estava
empenhado no serviço de Deus, consolo de sua vida. Muito pelo contrário, estavam en-
tregues ao desfrutar de luxúria e ouro. Seu coração encheu-se de desespero e tristeza.
Pensou: "O que é isso? Por que não fazem o que gostam, no mundo exterior? Por que
atendem a todos esses negócios mundanos aqui, onde há uma manifestação especial de
Deus? Ao invés de pensar n'Ele enquanto estão aqui e tirar da mente as preocupações
mundanas, por que trazem a mundanismo para aqui também?" Assim pensando foi
tomado por uma raiva divina e assumiu uma expressão terrível. Com um bastão na mão,
pôs os negociantes e outros para fora do templo, à força. Ao obter um despertar momentâneo
por suas palavras, eles também saíram sem oferecer qualquer resistência, pensando que
realmente haviam cometido um ato reprovável. Os homens, que estavam saturados de
mundanismo e não poderiam ser despertados por palavras, foram despertados ao serem
açoitados para fora do templo e saíram. Nem estavam com raiva nem ousaram revidar.
Muitos acontecimentos dessa natureza são encontrados também, na vida de Sri
Krishna. Muitas das pessoas perversas que vieram opor-se a ele com más intenções, foram
elevadas a alturas espirituais ao serem punidos por Ele. Começaram a entoar-lhe hinos de
louvor, como se ele fosse o Próprio Senhor. Também pessoas extremamente presas à
terra que foram feri-lo, ficaram perplexos e estupefatos com suas palavras e sorriso. Para o
momento bastam esses incidentes dos Puranas.
11. O incidente do Mestre castigando a Rani Rasmani, descrito acima, é um
brilhante exemplo da maneira como ele, sob impulso do poder divino manifestado como
instrutor espiritual, costumava perder sua individualidade, ensinar e comportar-se com
os outros. Se nos aprofundarmos para encontrar as fortes implicações do acontecimento,
veremos que têm muito significado. Que abismo de diferença há entre as duas pessoas
nele envolvidas — de um lado um insignificante sacerdote do templo que recebia um
salário bem pequeno e de outro, Rasmani, a Rani cuja riqueza, sabedoria, fortaleza,
coragem e força de caráter assombravam a nata dos cidadãos de Calcutá naquela
época. Uma pessoa é levada a crer que aquele pobre Brahmana teria dificuldade de
aproximar-se dela, ou se de alguma maneira pudesse fazê-lo, procuraria agradá-la pela
adulação e outros métodos e se consideraria abençoado se isso acontecesse. Mas o que

64
realmente aconteceu foi o contrário. O pobre Brahmana não apenas protestou contra a
má ação dela, mas castigou-a publicamente! Olhando do ponto de vista do Mestre, o
incidente parece surpreender e da Rani também é de se admirar que raiva, egoísmo e
idéia de castigo não lhe passassem pela mente a despeito do aparente comportamento
repreensível do Mestre. Mas como vimos, quando os homens comuns encontram-se face
a face com uma grande alma que está no estado de instrutor devido à sua identificação
com o universal "Eu", são automaticamente impelidos a se inclinarem ante ela. Ainda
mais no caso de pessoas de natureza Sátivica como a Rani, que era uma verdadeira
devota. Pela virtude da graça que lhes é conferida pelo Instrutor, são capazes de
compreender automaticamente que as palavras e atos deste último são para seu próprio
bem espiritual e assim, não hesitam em agir de acordo com sua orientação. Também,
como o Mestre costumava dizer: "Um homem não pode se tornar grande em nada, nem
pode usufruir fama, poder, posição etc. se não tiver uma parte de Deus em si." Foi
somente porque a Rani, de natureza totalmente sátivica, possuía alguns traços div i n o s
em si que pôde mostrar a calm a requerida e receptividade para aguentar e absorver
aquela expressão um tanto estranha e aparentemente ofensiva da graça Divina que lhe
foi dada através do Mestre. "A Rani Rasmani," disse o Mestre, "era uma das oito Nayikas
(deusas ajudantes) da Mãe Divina. Havia descido à terra para difundir a adoração da
Mãe Divina. 'Sri Rasmani Dasi anelando pela realização dos pés de Kali' - foram as
palavras gravadas em seu selo. A devoção firme à Mãe Divina manifestava-se em cada
ação da Rani."
12. Há outra coisa que deve também ser mencionada. Está relatado nas escrituras
que uma mente completamente fundida em Deus manifesta vários estados. Isso foi
lindamente descrito por Sri Sankara em seu livro Viveka-chudamani (v.540): "As pessoas
que tiveram atingido o objetivo de sua vida com a realização do Ser, andam pelo mundo
com estranhas roupas - alguns vestidos com roupas comuns, outros com cascas de
árvores, ainda outros com pontas de compasso como roupas (isto é completamente nus),
alguns como loucos, alguns como rapazes livres do mais leve traço de luxuria e ganância e
ainda outros como almas do outro mundo."
13. As pessoas comuns os consideram estranhos e anormais somente porque eles
estão equilibrados no "Eu" universal, ao contrário dos homens práticos. É por virtude
apenas desse fato que essas pessoas extraordinárias tornam-se canais da manifestação
do Poder Divino como instrutores espirituais que removem nos homens a escuridão da
ignorância. Porque, como já dissemos, é somente quando a eliminação do pequeno "eu"
centrado em si mesmo ocorrer, que o imenso "Eu", que tudo penetra, do Poder Divino
como Instrutor poderá se manifestar. Enquanto parecerem homens comuns, esses
iluminados que têm o papel de instrutor - os Rishis — têm que assumir (ou manifestar),
com objetivo de ensinar, todas as qualidade desejadas, como boa conduta, firmeza,
auto-controle, inteligência, benevolência, conhecimento das escrituras e similares - em
resumo, dedicar-se a tudo que é moral, espiritualmente elevado e evitar tudo o que é
degradante a esse respeito. Usamos a palavra assumir (ou manifestar), porque seu estado
natural é o do absoluto e não-dual Brahman, no qual não há lugar para dualidades e para
valores opostos como bem e mal, moral ou imoral, piedoso e ímpios - todos pertencentes
apenas ao mundo relativo de Maya. Sob tais circunstâncias, a manifestação dos valores
relativos do mundo neles só pode ser considerada como uma assimilação, com o intuito de
ensinar. Quanto a essas pretensas características humanas, ocorrem mesmo com
instrutores comuns iluminados, quanto mais com os instrutores do mundo a quem
chamamos Encarnações porque basicamente são unos com a Divindade. É certamente a
presença dessa qualificação humana neles que torna difícil aos homens comuns
compreenderem e avaliarem sua natureza. É especialmente esse o caso do Bhagavan5 Sri
Ramakrishna, (5 A pessoa em quem todas as seis qualidades auspiciosas - nobreza, dharma, fama, esplendor, conhecimento e desapego - são
manifestadas em sua mais completa extensão, é chamada Bhagavan) a encarnação da época moderna, porque a
grandeza, poder, esplendor etc., relatadas nas escrituras como manifestadas nas
Encarnações de Deus, estavam nele ocultas de tal forma que ninguém podia pressentir,

65
vendo-o somente umas poucas vezes. Somente os que lhe eram intimamente próximos,
como autênticos buscadores da verdade e haviam recebido sua graça poderiam
compreendê-lo. Consideremos: Qual é nele a qualidade para a qual vocês poderiam sentir-
se atraídos? Conhecimento? - ele era, diga-se, praticamente iletrado. Mas vocês sabem que
os Vedas, a Vedanta e todas as outras escrituras haviam sido lidas para ele e ele dominou-
as devido à sua prodigiosa memória? Vai ser avaliado por seu intelecto? Que conselho
vocês podem procurar receber de uma pessoa de cujos lábios sempre se ouvem palavras
como "Não sou nada, não sei nada, minha Mãe é quem sabe - uma pessoa que, ao ser
procurada para orientar, dizia: "Pergunte à Mãe, Ela lhe dirá?" Podem conservar a fé
firme e agir segundo suas palavras? Vocês as considerarão um lugar comum e pensarão:
"Ah, que conselho ele nos deu! Sabemos desde que lemos os primeiros livros como
Kathamala e Bodhadaya6 (6 Eram os dois livros de textos para crianças em bengali) que Deus conhece tudo, é todo
poderoso, sem forma e da natureza da pura consciência; que Ele pode, se quiser, dar-
nos o conhecimento e compreensão de tudo. Mas será que agimos de acordo com esse
ensinamento?" Farão uma avaliação a seu respeito pela riqueza, nome e fama? Ah, o
Mestre os tinha bastante! Mas também ele aconselhou a vocês desde o início, a renúncia.
Assim foi com tudo a seu redor. A única maneira de avaliá-lo era ver sua pureza, seu amor
a Deus e boa vontade. Se são atraídos para essas coisas, é bom, se não, está além de
seu alcance aquilatá-lo e compreendê-lo. Podemos, portanto, dizer que, para a Rani
Rasmani, foi uma felicidade que, ao invés de rejeitar, por egoísmo e orgulho, a graça
que lhe foi concedida - devido a maneira cruel - tenha compreendido e aproveitado a
atitude do Mestre, entesourando-a na câmara do coração.

CAPÍTULO VI

O ESTADO DE INSTRUTOR ESPIRITUAL E MATHURANATH


(ASSUNTOS: 1. Leva muito tempo até que uma flor grande desabroche. 2. O estranho
relacionamento do Mestre com Mathur. 3. Ambos amigos e inimigos somente ajudam a Encarnação. 4. O
jogo do Divino nas vidas de todos. 5. Embora um devoto, Mathur não era tolo. 6. Sua atração pelo Mestre. 7.
Efeito do poder infeccioso de devoção nele. 8. Alteração na lei da Natureza: o incidente com o hibisco. 9.
Solicitude de Mathur com a saúde do Mestre. 10. Incidente no recital do Mahima-stotra. 11. Aceleração
do progresso espiritual na companhia do Mestre. 12. A visão de Mathur de Siva e Sakti no Mestre. 13.
Resultado da visão. 14. A grande boa sorte de Mathur. 15. As experiências espirituais do Mestre; o teste de
Mathur confirma sua fé. 16. A inveja do sacerdote Haldar. 17. O incidente com os xales de Varanasi. 18. O
desapego do Mestre. 19. A conduta má do sacerdote Haldar. 20. O relacionamento do Mestre com a família de
Mathur. 21. Estados contraditórios no Mestre. 22. A convenção dos pandits em Dakshineswar sobre a
imagem quebrada. 23. A decisão do Mestre.)

Agora vou expor-lhe, Ó melhor dos Kurus, Minhas principais manifestações de poder
desconhecidas pelos homens; os detalhes (desse Meu aspecto) são, contudo, infinitos.
Gita, X - 19

1. Já dissemos que a manifestação gradual do estado de instrutor espiritual na


vida do Mestre teve lugar em sua maior parte diante dos olhos da Rani Rasmani e Mathur.
"Uma flor grande", disse o Mestre, "leva muito tempo para desabrochar. O tronco das
árvores leva muito tempo para crescer." Levou muito tempo e disciplina para que o estado
sem precedente de instrutor espiritual também se manifestasse na vida do Mestre.
Foram necessários doze anos de contínu a e austera disciplina. Aqui não é lugar para se
descrever aquelas Sadhanas. Estamos aqui especialmente interessados no estado do
Mestre como instrutor espiritual, - a flor que desabrochou em toda sua beleza e glória sob
os raios do sol da Consciência universal. Mas outros assuntos, naturalmente, virão a
propósito, uma vez que vamos descrever do começo ao fim a manifestação daquele
estado. Também virá inevitavelmente a descrição daqueles devotos ligados ao
desabrochar desse estado do Mestre.
2. O relacionamento de Mathur com o Mestre foi muito estranho. Mathur era rico

66
e magnânimo; embora fosse um homem do mundo, era um devoto; embora fosse um
homem de discriminação que conhecia a diferença entre o permanente e o transitório,
gostava das coisas do mundo; embora propenso à raiva e à rudeza, tinha paciência e forte
determinação. Mathur não se adaptou ao conhecimento e tipo de vida que os ingleses
trouxeram para o país. Era dado a discussões, mas aberto a se retificar. Embora fosse um
devoto crente a Deus, não era homem de aceitar qualquer coisa sem apelar para a razão,
mesmo que se tratasse de seu instrutor espiritual. Embora de natureza generosa, não era
homem de ser enganado como um tolo nos negócios mundanos; pelo contrário, a astúcia de
um político habilidoso e a falta de escrúpulos dos proprietários para aumentarem suas
posses, eram às vezes encontradas nele. Realmente Mathur Babu, o mais jovem dos seus
genros, era o braço direito da Rani Rasmani, que não possuía descendência masculina
para gerenciar seus negócios mundanos, embora tivesse outros genros vivos. Foi somente
pela combinação dos talentos de ambos, que o nome da Rani Rasmani ficou tão conhecido
na época.
3. O leitor talvez dirá: "Por que essa 'canção de Siva enquanto estiver debulhando
o arroz?'1 (1 - Provérbio corrente em Bengala significando a introdução de algo irrelevante para o assunto em questão). Por que trazer
Mathur se estamos falando do Mestre?" Em resposta pode-se dizer que foi Mathur quem
teve um pequeno vislumbre da futura glória que iria se manifestar e veio para protegê-lo e
assistí-lo em seu desenvolvimento nos dias em que o estado do Mestre como instrutor
espiritual estava apenas rompendo-se do casulo, mas ainda não havia saído. Sob um
sagrado impulso muito puro, a Rani Rasmani construíra um lugar adequado onde esse
caráter ímpar poderia desabrochar livremente e sob um impulso nobre semelhante, Mathur
ajudou seu desenvolvimento posterior, ao suprir tudo o que era necessário. Naturalmente é
somente agora, depois de um lapso de tempo de muitos anos, que podemos compreender
tudo. Embora ambos tivessem tido um pequeno pressentimento de vez em quando, não
parece que nenhum dos dois tivesse tido uma idéia exata da razão pela qual o estavam
ajudando. Este fato aparece no estudo das vidas das grandes almas de todos os tempos. Há
um Poder desconhecido operando de maneira jamais vista, e misteriosa, na vida e através
da vida desses grandes seres - retirando todas as obstruções, protegendo-os, atraindo
outros para a esfera de sua influência e fazendo-os oferecerem-lhes sua lealdade. As
pessoas assim envolvidas em suas vidas, amigos ou aparentemente inimigos, muitas vezes
não têm a menor suspeita de que sejam apenas instrumentos, um meio empregado por
esse grande Poder desconhecido para trazer à tona o poder latente desses grandes seres,
livrarem seus caminhos de obstruções e promoverem o trabalho que têm que fazer. Esses
acontecimentos e seu significado são tão discretos e não reconhecidos na época, que as
pessoas ficam admiradas muito tempo depois que tomam conhecimento. Vejam o
resultado de Kaikevi ter mandado Sri Ramachandra para a floresta; vejam o resultado final
dos esforços de Kamsa para manter Vasudeva e Devaki na prisão; vejam o que aconteceu
com a construção de um palácio de felicidade pelo rei Suddhodhana para que Sidharta não
fosse tomado pelo desapego; vejam o resultado do esforço do cruel Kapalika Bauddha para
matar o Acharya Sankara através de encantamentos; vejam o resultado das ações dos
inimigos contra Sri Chaitanya com a ajuda dos membros do governo porque ele pregava a
religião do amor; e vejam o resultado de terem matado o supremamente glorioso Jesus
sob a falsa acusação de ter cometido um crime. Em todos esses casos os resultados foram o
oposto do que se esperava, como na história2 do "Rama interpretou ao contrário." (2 Esse provérbio
corrente no nordeste da Índia tem sua origem na seguinte história: havia um santo Vairagi que vinha viajando de um centro de peregrinação para outro, havia
multo tempo. Carregava muitos artigos necessários, como panela para cozinhar e jarro d'água. Um dia o santo pensou que não precisaria mais carregar os
utensílios se tivesse um cavalo. Assim que lhe veio à cabeça esse pensamento, começou a procurar alguém que lhe desse, por caridade, um cavalo e começou a
gritar: "Ó Rama, por favor, dá-me um cavalo". Aconteceu que o exército do rei passou por ali. No caminho uma égua deu à luz. "Caramba!" pensou o condutor
da égua, "o exército vai embora logo; a égua pode andar, mas como posso levar a cria recém-nascida?" Depois de refletir, assim que saiu à procura de um
homem para carregar o potro, encontrou o santo gritando: "Ó Rama, por favor, dá-me um cavalo." Achando-o forte, o oficial, sem qualquer consideração,
forçou-o a levar o filhote. A essa mudança nos acontecimentos, o santo ficou perplexo e começou a repetir continuamente: "Rama interpretou ao contrário. Ao
Contudo os poderosos e inteligentes
invés do cavalo carregar-me e a minha carga, sou eu quem está levando sua cria!").
adversários e aficionados sempre pensaram "caso contrário" e agiram segundo seus
motivos e assim o farão no futuro -aplicando sua política sutil e sabedoria mundana. Mas
como relatado no Bhagavata e outros livros, uma pessoa que age como inimigo deve

67
continuar ignorante das ações e objetivos daquele Poder divino, enquanto os outros podem
ter um pequeno conhecimento desse Poder se O seguirem com fé e devoção. Com ajuda
daquele conhecimento alcançam liberação e paz e gradualmente tornarem-se livres de
desejos. A conduta de Mathur para com o Mestre foi assim.
4. Não que o jogo do Poder divino seja visto somente na vida das grandes almas,
como as Encarnações. A verdade é que na vida das Encarnações o jogo da força divina é
mais visivelmente percebida, causando-nos admiração. Suas indicações são vistas até em
nosso quotidiano e nos negócios do mundo prático. Um estudo cuidadoso sobre a vida de
diversas pessoas nos mostrará de forma convincente que o homem é somente um joguete
nas mãos daquela força divina. Há necessariamente uma semelhança entre as vidas das
Encarnações e as dos homens comuns, visto que as primeiras são consideradas modelos
para que os últimos moldem suas vidas. Daí a grande importância dessas Encarnações nas
vidas dos homem comuns. Não viram que certas almas, como Rama, Krishna, Chaitanya e
outras, revigoraram as vidas das pessoas da Índia, vasto ponto de encontro das culturas
de diversos povos? Assim também vejam quão rapidamente o ideal de vida de Sri
Ramakrishna, Encarnação desta época, o único molde formado pela combinação dos ideais
de todas as grandes almas do passado, está disseminando sua influência num curto espaço
de tempo marcando as vidas dos homens e mulheres deste país e do estrangeiro. Quão
longe essa influência vai expandir-se ao longo de tempo, ó leitor, imagine, se puder. Nós,
entretanto, somos incapazes de imaginar e exprimir.
5. Outro ponto no caráter de Mathur necessita, contudo, de uma explicação. Dizia-se
que ele tinha mais de cem por cento de amor e reverência pelo Mestre. Nossas mentes,
anuviadas pelas dúvidas, reagem à menor indicação: "Esse Mathur deve ter sido um tolo,
pois como pode um homem ter tal amor e reverência por outro? Se estivéssemos em sua
posição teríamos desafiado este Ramakrishna, a cada passo, para que ele provasse seu
valor e caráter em lugar de depositar nossa confiança e afeição nele dessa maneira." Ah!
Como se fosse uma falta amar e reverenciar outra pessoa! Ao ouvirmos o Mestre falar de
Mathur, vemos que Mathur não era tão simplório, nem tolo, como se supõe. Não era de
jeito algum menos inteligente ou crítico do que nós. Ele também duvidou daqueles
estranhos e incompreensíveis aspectos do caráter e ações do Mestre e no começo não lhe
poupou testes a cada momento. Mas que importância tem isso? Como poderia o elefante
do ceticismo de Mathur opor-se à força da potente e furiosa corrente do poderoso Mandakini
(Ganga), do estado espiritual do Mestre, sem precedente e jamais ouvido antes com
conhecimento de seu estrondo e amor divino? O animal estremeceu, foi esmagado e
derrotado, virou-se e foi conduzido para um destino desconhecido. Assim também o
ceticismo de Mathur tornou-se ineficaz. Completamente derrotado, Mathur teve de tomar
refúgio, de todo o coração, nos seus sagrados pés. Sendo assim fica claro que, ao tratar
deste assunto, estamos somente descrevendo o estado do Mestre como instrutor espiritual,
embora aparentemente estejamos falando de Mathur.
6. Mathur foi atraído para o Mestre à primeira vista devido à sua franqueza de
criança, sua natureza doce e boa aparência. No primeiro estágio da Sadhana, o estado de
loucura divina continuou no Mestre que, às vezes, perdia o controle de si mesmo. Enquanto
adorava a Mãe universal, ficava fora de si de alegria com a visão dela em seu coração. Em
consequência varias vezes ofereceu todos os artigos do culto a si mesmo devido ao seu
sentido de identificação com a Mãe Divina, que percebia dentro de si. Devido à força da
grande corrente do amor a Deus, ultrapassou os limites da devoção ritualista e
consequentemente passou a ser objeto de censura e crítica dos funcionários do templo.
Porque, embora motivado pela mais elevada expressão de devoção, estava fazendo as
coisas de uma maneira contrária às prescrições das escrituras e isto era algo não somente
sem significado como até repreensível aos olhos das pessoas. Mas Mathur, embora um
homem do mundo, reagiu de forma diferente a essas críticas devido à sua aguda
inteligência e senso de justiça. "Nada deve ser feito contra ele", disse a si mesmo, "até
que tenha visto com meus próprios olhos; porque o vi tão puro e franco no meu primeiro
encontro com ele." É por isso que Mathur chegou tão secretamente ao templo de Kali,

68
observou todas as suas ações minuciosamente e, como resultado, concluiu: "O jovem
Gadadhar é a personificação viva do amor divino e retidão; todo o seu estranho
comportamento é devido a um excesso de devoção e fé." Assim o inteligente homem do
mundo que era Mathur teve de corrigir e persuadir o Mestre assim: "É bom fazer as coisas
de acordo com seu estado se é que vai durar. É bom ter fé e devoção, mas deve-se ficar
completamente tomado? Por isso você está sendo alvo de críticas pelas pessoas. Além disso
há chance de perder o juízo e ficar maluco, se comportar-se como quiser, sem dar atenção
ao que as pessoas dizem." Embora tentasse persuadir o Mestre dessa maneira, o sentimento
de devoção que permanecia adormecido dentro de Mathur despertou pelo poder da santa
companhia que desfrutava e por isso às vezes ele subitamente se lembrava: "Em
Ramprasad e outros Sadhakas do passado, foi relatado esse tipo de comportamento à
beira da loucura. Eles se comportavam assim devido à intensidade de sua devoção. Será
esse também o caso de Gadadhar?" Portanto em vez de colocar quaisquer obstáculos no
caminho do Mestre, Mathur decidiu continuar observando como tudo caminhava para dar o
passo correto no momento certo. Tal comportamento da parte de uma pessoa do status
de Mathur e de sua experiência mundana com um empregado insignificante, indicam grande
paciência e respeitosa consideração.
7. A devoção tem influência contagiosa. Diariamente vemos que, como os estados
físicos, os estados mentais são contagiosos. Não é mais necessário reportar-se às
experiências dos videntes védicos - porque a ciência moderna já provou tudo - que todo o
universo, tanto o denso como o sutil, é constituído das modificações de somente uma
substância e é governado pelas mesmas leis. É de se admirar que a modificação chamada
‘devoção’, quando despertada numa pessoa, despertará um estado semelhante que se
encontra adormecido numa outra? É por isso que as escrituras declararam com tanta
firmeza que a companhia de homens espiritualizados é de grande ajuda para o despertar
da espiritualidade. Deduz-se que devido à sua boa sorte, tenha sido esse, também, o
caso de Mathur. Diariamente, quanto mais observava os atos e comportamento do Mestre,
mais a devoção despertava, sem que ele se desse conta. Vemos sinais claros desse fato
em suas ações. Mas é certo que a mente de Mathur, como a das pessoas mundanas,
oscilou entre a dúvida e a devoção, durante muito tempo, antes que a fé no Mestre
ficasse firmemente estabelecida em seu coração. Assim, enquanto no começo Mathur via o
estado mental incomum do Mestre como devoção excessiva, mais tarde mudou de idéia e
começou a duvidar se ele não estava realmente fora de si. Essa dúvida apenas estimulou
sua amorosa bondade pelo Mestre. Pensou em arranjar um bom médico para tratar da
saúde de seu corpo e mente.
8. Mathur tinha um bom conhecimento de inglês. Tinha também adquirido aquela
atitude peculiar de presunção e independência que a educação ocidental geralmente
produzia no temperamento e pensamento das pessoas. Daí dissuadir o Mestre de ir tão
longe no seu exuberante amor a Deus, que ele considerava ser a causa de seu desarranjo
mental. Exemplo disso foi o diálogo entre o Mestre e Mathur se Deus teria que obedecer às
Suas próprias leis no que diz respeito aos fenômenos naturais. O Mestre disse: "Mathur era
de opinião que Dons tinha que obedecer às Suas leis. Ele próprio não tinha o poder de
revogar as leis que havia feito. Eu disse: "O que você quer dizer? Aquele que decreta uma
lei pode revogá-la, se Ele assim o desejar, ou mudá-la por uma outra." De modo algum ele
aceitou tal coisa. Disse: 'Uma planta que dá flores vermelhas produz invariavelmente flores
vermelhas e jamais, brancas; porque essa é Sua lei, Bem, deixe que Ele, se puder,
produza uma flor branca numa planta que só dá vermelha.' Eu disse: 'Ele pode, se
quiser fazer tudo, até isso.' Mas ele não aceitou a afirmação. No dia seguinte, quando
eu ia responder ao chamado da natureza, em direção a um grupo de tamarindeiros,
vi que, em dois ramos do mesmo galho de um pé de hibiscos, havia duas flores, uma
vermelha e outra, exuberantemente branca, sem qualquer mancha vermelha. Logo que
as vi, quebrei o galho com as duas flores, trouxe-as e coloquei diante de Mathur
dizendo: 'Ei-las aqui!' Mathur então disse: 'Sim pai, estou derrotado'." Mathur às vezes
pensava que se tratava de um desarranjo mental que se manifestava como um excesso

69
de sentimentos devocionais e tentou através de razões e argumentos, tirá-lo daquele
estado.
9. Assim Mathur, que tinha mente mundana, passou um longo tempo com ele,
refletindo e discutindo sobre seu estado, em parte por curiosidade, em parte por
bondade, porque erradamente o considerava doente. Ao mesmo tempo, porém, tinha a
impressão que tudo o que via no Mestre era ocasionado pelo seu amor verdadeiro a
Deus. Diariamente chegavam ao seu conhecimento, exemplos do estranho
comportamento do Mestre sob a influência desse arrebatamento de amor divino, -
exemplos que aumentavam sua ansiedade e perplexidade com respeito à sua saúde e
estado mental. Por exemplo, um dia o Mestre teve uma visão da Mãe Divina dentro de
si e sentando-se no lugar de adoração, ofereceu todos os artigos do culto a si mesmo;
na véspera havia feito o Arati da Mãe universal continuamente durante três longas
horas, tornando os funcionários do templo desassossegados e agitados; na ante-
véspera havia rolado no chão, esfregando o rosto contra a terra porque ainda não
havia realizado Deus e chorou tão amargamente que as pessoas reuniram-se à sua
volta. Ah, quantos incidentes de sua vida, ouvimos do Mestre!
10. Um dia o Mestre entrou num dos templos de Siva3 (3 Há doze templos de Siva em frente ao pátio
do templo de Kali em Dakshineswar) e começou a recitar o hino sobre a glória de Siva chamado
Mahimna-stotra. No curso da recitação ficou fora de si em estado extático, ao cantar
o seguinte verso: "Ó Senhor, se a montanha azul for a tinta, o oceano o tinteiro, o
maior galho do céu, a pena; a terra, o papel; e se, pegando tudo, a própria deusa
do Conhecimento tivesse que escrever para a eternidade - ainda assim, o limite de
Tuas qualidades não pode ser atingido."
Recitando o verso acima, o Mestre perdeu-se na intensa experiência da glória
de Siva, esqueceu o hino, a letra do hino, a ordem dos versos e tudo o mais e começou
a gritar alto, falando repetidamente: "Ó grande Deus, como posso expressar Tua
glória!" Lágrimas escorriam profusamente de seus olhos, pela face, peito e roupas até
o chão, molhando-o todo. Os servos e funcionários do templo vieram correndo de todos
os lados, atraídos pelo seu estranho comportamento e pelo barulho de seu choro e
exclamações à meia voz como a de um louco. Quando o viram naquele estado, alguns
ficaram surpreendidos e esperaram para ver o que aconteceria em seguida, dizendo:
"O! É tudo a loucura do Bhattacharya Júnior!" Um disse: "Parecia ser outra coisa. Acho
que hoje está demais !" "Não vai ele," disse outro, "montar nos ombros de Siva? O que
você diz? É melhor puxá-lo para fora com a mão." Comentários assim continuaram. É
desnecessário dizer que também houve muita zombaria.
O Mestre, contudo, não tinha consciência total do mundo exterior. Mergulhado
no sentimento da glória de Siva, sua mente elevara-se bem alto, além do mundo
exterior, onde as maculadas idéias e palavras do mundo jamais alcançam. Então como
podiam as palavras desses funcionários do templo, expressando desprezo ou zombaria,
alcançar seus ouvidos?
Naquele dia Mathur Babu estava no templo de Kali. Ouv i n d o o rebuliço
relacionado com o comportamento do Mhallacharya, veio imediatamente ao local. Os
funcionários respeitosamente apressaram-se em abrir caminho para ele. Mathur Babu
veio e viu o Mestre naquele estado e à sua vista, ficou encantado. Quando um dos
funcionários sugeriu que o Mestre deveria ser retirado à força do templo de Siva, onde
estava sentado, Mathur enfureceu-se e exclamou: "Deixem-no só! Aquele que interferir
com o Bhattacharya fará isso com risco de sua própria cabeça!" Os funcionários, portanto,
amedrontados, não ousaram dizer ou fazer nada. Pouco tempo depois o Mestre
recobrou a consciência do mundo exterior e vendo Mathur Babu de pé, com os
funcionários do templo, ficou assustado como um menino e perguntou-lhe: "Fiz algo
errado quando estava fora de mim?" Mathur saudou-o e disse: "Não, Pai, o senhor
estava recitando um hino; fiquei aqui senão poderia ser perturbado."
11. Lembrando-se de seu estado na época de sua Sadhana, o Mestre disse-nos
um dia: "Aqueles que costumavam vir aqui naquela época tiveram a consciência divina

70
despertada na companhia deste 'aqui' (i.é, ele mesmo). Dois jovens costumavam vir
de Baranagar. Eram de origem humilde, talvez Kaivarta ou Tamli. Possuíam uma
natureza boa. Tinham grande amor e reverência por 'aqui' e costumavam vir
frequentemente. Um dia eu estava sentado com eles no Panchavati, quando um deles
foi tomado por um certo estado. Vi que seu peito ficou vermelho e os olhos
profundamente vermelhos; torrentes de lágrimas escorriam; não podia nem falar, nem
ficar de pé; estava exatamente como uma pessoa que bebeu duas garrafas de vinho.
Aquele estado não passava. Fiquei com medo e disse à Mãe: "O que fez com ele, Mãe? As
pessoas dirão que fiz alguma coisa, levando-o àquele estado. Ele tem pai e outros
parentes, tem que voltar para casa agora.' Passei minha mão em seu peito enquanto
assim falava com a Mãe. Ele ficou calmo e foi para casa logo depois."
12. Ouvimos da sagrada boca do Mestre que certa vez, Mathur também,
apanhado no fervor espiritual 'infeccioso' que emanava de sua companhia, entrou num
estado maravilhoso e sua reverência e devoção aumentaram mil vezes. Interiorizado e
esquecido do ambiente que o cercava devido à absorção no estado espiritual, o Mestre
andava de lá para cá na varanda que se estendia de leste para oeste, até o noroeste de
seu quarto. Mathur estava sentado, sozinho, num dos aposentos da casa separada que
ficava entre o templo e o Panchavati e que ainda hoje é chamada "mansão dos Babus".
O lugar onde o Mestre caminhava dava para ver Mathur sentado. Portanto, Mathur,
enquanto pensava sobre o futuro de seus negócios mundanos, ocasionalmente
observava e pensava no Mestre que estava vendo andando de lá para cá em estado
introspectivo. O Mestre não estava consciente do fato de Mathur estar sentado,
observando-o daquele jeito de vez em quando. E o que teria importado mesmo se
estivesse consciente? A disparidade entre as condições domésticas, sociais e outras
entre os dois era tão grande, que não havia razão para que um se preocupasse com o
outro, pelo contrário, seria razoável que o Mestre se sentisse tímido e se retirasse, se
soubesse da presença de Mathur, o que não fez devido à sua falta de atenção nos
acontecimentos exteriores, devido a seu estado divino. Como poderia o Mestre, que era
um comum, insignificante e pobre sacerdote do templo a quem as pessoas consideravam
tolo e louco por não reverenciar as formalidades ritualistas e que, portanto, era motivo
de zombaria por todos, não sentir-se intimidado na presença de Mathur que era um
rico, respeitável, erudito e inteligente Babu (cavalheiro) e que poderia ser considerado o
dono do templo e de toda a propriedade da Rani? A razão pela qual o Mestre não foi
expulso do templo foi porque ele via o Mestre com bons olhos. Mas o acontecimento
que ocorreu então, veio a ser algo inconcebível e incompreensível O próprio Mathur
chegou subitamente, correu alvoroçado para o Mestre, inclinou-se ante ele, tocou suas
mãos e seus pés e começou a chorar.
O Mestre dizia: "Eu lhe perguntei, 'O que você está fazendo? Você é um Babu,
genro da Rani. O que as pessoas pensarão se o virem assim? Por favor, acalme-se e
levante-se.' Mas quem deu ouvidos a isso? Quando se acalmou, contou tudo sem
qualquer reserva. Havia tido uma estranha visão: Disse: 'Pai, quando o senhor vinha
nesta direção, eu o vi claramente como minha Mãe instalada no templo e imediatamente
o senhor virou-se para a direção oposta e eu o vi como o Próprio Mahadeva. No início
pensei que se tratasse de uma ilusão de ótica. Esfreguei bem os olhos, mas vi a mesma
coisa. Isso acontecia quantas vezes eu olhava.' Repetidamente disse isso chorando. Eu
disse: 'Ora, na verdade não sei nada sobre isso!' Mas quem poderia ouvir! Eu tinha medo
que alguém viesse a saber e contasse à Rani. O que ela pensaria? Talvez pensasse que
eu tivesse jogado uma magia nele. Ficou calmo quando o consolei de diversos modos.
Não foi à toa que Mathur fez muito por mim e me amava tanto? A Mãe concedeu-lhe
diversas visões e experiências sobre 'aqui'. De fato estava escrito no horóscopo de
Mathur que seu Ideal Escolhido, a Mãe Divina, lhe seria muito compassiva, que tomaria
um corpo, e o protegeria para onde ele fosse."
13. Dali para frente a fé de Mathur tornou-se muito firme, porque foi a primeira
vez que teve uma indicação que o Mestre certamente não era um homem comum. Mathur

71
veio agora compreender que ele, por quem se sentira atraído desde o primeiro momento e
cujas atitudes mentais pôde várias vezes detectar e compreender embora outros o
condenassem - não era outro senão a Própria Mãe Divina do universo que, por
compaixão, estava morando no corpo do Mestre. Foi desta época em diante que ele passou
a acreditar que o Uno presente na imagem de pedra do templo, talvez tenha assumido um
corpo e estava acompanhando-o onde quer que ele fosse, como estava escrito em seu
horóscopo. Desde então o relacionamento de Mathur com o Mestre tornou-se
especialmente íntimo.
14. Realmente uma sorte muito boa sorriu para Mathur. As escrituras dizem que
não somente as pessoas comuns, mas também aquelas liberadas em vida experimentam as
ações de ambos os tipos, boas e más, enquanto o corpo dura. Os homens comuns
experimentam também os resultados de suas boas e más ações. Agora, quem
experimenta, os resultados das boas e mas ações feitas pelos liberados? Porque os
liberados não podem ser quem experimenta, porque seu ego foi queimado pelo
conhecimento e, sem ego não é possível desfrutar os prazeres e sofrimentos resultantes da
ação. Quem experimenta então? Os resultados das ações são inevitáveis, mesmo os
liberados só podem cometer ações boas ou más, até que seus corpos caiam como uma
folha seca. As escrituras dizem que os não liberadas que servem e amam os liberados
desfrutam os resultados das boas ações destes últimos e os que os odeiam sofrem os
resultados das ações feitas através de seus corpos.4 (4 De maneira semelhante está escrito na edição no Satyayani:
"Seus filhos vêm por herança; amigos, o resultado das boas ações e inimigos, das más." Da mesma maneira lê-se na edição dos Kaushitakins: "Ele (o
homem de conhecimento quando morto) livra-se dos resultados das boas e más ações por essa razão (força de seu conhecimento); seus caros Jnatis, ou
parentes, desfrutam os resultados das boas ações e os que os odeiam, das más ações. (Shankara, Aforismos da Vedanta,III,26)).
Quem pode dizer quão grande é o resultado do afetuoso e devotado serviço a
uma Encarnação de Deus, levando-se em conta que grandes resultados são obtidos
através do serviço de pessoas liberadas comuns?
15. À medida que os dias passavam a visão de Mathur sobre o estado
espiritual do Mestre tornou-se mais clara e sua devoção mais firme. No meio tempo
muitos acontecimentos tiveram lugar: aparecimento de uma extremamente dolorosa
sensação de queimação no corpo do Mestre devido à separação de Deus e seu
tratamento; a chegada da Bhairavi Brahmani a Dakshineswar e o reconhecimento de que
o Mestre era uma Encarnação de Deus, pela evidência das escrituras vaishnavas, na
reunião de Pandits convidados por Mathur; chegada de Tota Puri, o grande vedantista e a
iniciação do Mestre em Sannyasa; chegada e permanência da velha rnãe do Mestre
em Dakshineswar e assim por diante. Desde o dia daquela estranha visão que
mencionamos acima, Mathur passou a ficar intimamente próximo de quase todos os
acontecimentos diários da vida do Mestre. Mathur arranjou para que o Mestre se tratasse
com Gangaprasad Sen, o famoso médico de Calcutá e com o Dr. Mahendralal Sarkar. O
Mestre sentiu um forte desejo afetuoso de adornar a Mãe com pulseiras nos tornozelos e
outros ornamentos semelhantes aos usados pelas senhoras de Uttar Pradesh e Mathur
mandou fazê-los imediatamente. Assim também, por ocasião da prática da atitude de
amiga da Mãe Divina prescrita pelos livros vaishnavas, ele teve vontade de usar roupa e
jóias como usam as mulheres e Mathur mandou trazer imediatamente um conjunto de
diamantes, um Sari de Varanasi, um xale e outros artigos. Quando soube que o Mestre
desejava assistir ao Festival de Panihati, Mathur imediatamente organizou tudo para
essa visita. Não foi somente isso: ele próprio disfarçou-se e junto com um guarda-
costas foi proteger o Mestre da grande multidão. Assim como, de um lado, soubemos do
maravilhoso serviço de Mathur, assim, do outro, ouvimos também do Mestre que ele
enviou-lhe prostitutas para que levantassem na mente do Mestre um sentimento impuro;
que ele propôs doar por escrito toda a propriedade do templo para o Mestre que, em
estado de raiva divina, esteve a ponto de bater-lhe, dizendo: 'Você quer me transformar
num homem do mundo?'; e que Mathur certa vez foi salvo por ele de ser severamente
punido pela corte sob acusação de homicídio durante um levante em sua propriedade.
Para escapar daquele perigo, confessou tudo ao Mestre e tomou refúgio nele. Desses
fatos vimos que a devoção ao Mestre foi tomando raízes na mente de Mathur. E como

72
poderia ser diferente? Como o maravilhoso caráter do Mestre, incompreensível para os
seres humanos e mesmo raro entre os deuses, suportou todos os testes de Mathur e
parecia mais brilhante à medida que os dias se passavam, assim, de forma
correspondente, seu amor desinteressado cativou completamente o coração de Mathur
Babu. Mathur viu que ele não podia ser desviado do caminho da renúncia nem por uma
polegada pela oferta de uma propriedade que valia lakhs de rupias; que não podia
mudar sua mente com a sedução de mulheres bonitas; que ele não podia ser
desencaminhado ou tornar-se egoísta com qualquer oferecimento de respeito ou
reverência (porque não há respeito maior que uma pessoa pode oferecer a outra do
que adorá-la como Deus) e que ele não queria nada do mundo para si mesmo.
Mathur também sabia que o Mestre não o desprezava apesar de conhecer todas as
fraquezas de seu caráter, mas que o amava muitíssimo e o salvara repetidamente de
perigos e estava sempre pensando em seu bem-estar, em todos os aspectos. Mathur
fez a si mesmo a pergunta: "O que isso quer dizer?" Sentiu então que embora fosse
humano no corpo, o Mestre era uma pessoa de 'uma terra onde não há noite', que
sua renúncia era maravilhosa, seu auto-controle, devoção e atos eram maravilhosos
e, acima de tudo, seu amor e graça para com alguém fraco e vão mortal como ele
também eram maravilhosos.
Ao mesmo tempo Mathur sentiu no fundo do seu coração a doçura daquele
caráter ímpar. O Mestre continuava sendo um menino, apesar da manifestação sem
precedente de poder divino nele. Não havia o menor egoísmo nele! Que estranho! Como
um menino de cinco anos não escondia nem o menor dos pensamentos que surgia em
sua mente. Sempre o mesmo estado interior e exterior. O que houvesse na mente era
manifestado em palavras e atos, com toda a sinceridade. Jamais disse algo que
pudesse prejudicar alguém, mesmo se tivesse de sofrer alguma dor no corpo. É
possível encontrar essa doçura num homem?
16. A inveja partiu o coração de Haldar, o sacerdote de Kalighat de Mathur,
quando via a firme devoção do último para com o Mestre. Pensou que esse homem (o
Mestre) teria posto magia no Babu, por meio de encantamentos. "Ah," pensou, "será que
esse miserável vai estragar minha longa tentativa de ter o Babu sob meu controle? De
novo ele está fingindo o estado de simples criança! Se ele fosse tão simples, ele me
diria como é o encantamento para 'pôr um homem sob magia'. Gastei todas as
minhas magias nesse Babu e ele ja estava quase sucumbindo às minhas influências,
mas agora este intruso colocou-se entre nós."
Com o aumento de devoção e reverência, Mathur começou a desejar fortemente
ter constantemente a companhia do Mestre e servi-lo cada vez mais. Com convites
insistentes, várias vezes trouxe-o para sua casa de Janbazar, em Calcutá, desfrutando
de sua companhia de vez em quando. A tarde levava-o para passear no Jardim Éden e
outros lugares de interesse, em Calcutá. Pensava: "Será que qualquer prato, copo etc., é
digno do Pai comer e beber?" Assim pensando, mandou fazer um conjunto de talheres
e copos em ouro e prata para comer e beber. Vestiu-o com roupas boas e dizia: "É o
senhor, Pai, o dono de tudo isso (sua propriedade e outros bens). Sou somente o
administrador. Veja como o senhor come e bebe nesses pratos de ouro e copos de prata,
deixando-os para trás sem nem ao menos olhar para eles e sou eu que os limpo e
coloco num lugar seguro, para que o senhor os use novamente. Assim também, tenho o
dever de tomar conta deles e ver que não sejam quebrados ou roubados."
17. Ouvimos do Mestre o triste destino de um par de xales de Varanasi que
naquela época, Mathur comprou por mil rupias. Para quem, senão ao Mestre, ele faria
presente deles? Assim pensando, Mathur cobriu a sagrada pessoa do Mestre e foi tomado
de grande alegria. O par de xales era, realmente, de muito valor e mesmo naquela
época, o preço já era tão elevado que, atualmente, talvez não haja um semelhante para
se comprar. Vestido com o xale, o Mestre, em primeiro lugar, ficou muito feliz, como um
menino. Olhava para ele repetidamente, chamando os outros, mostrando-lhes e falando
que Mathur os havia comprado para ele a um preço elevado. Mas em seguida o Mestre

73
ficou como um menino, em outro estado. Pensou: "O que há neles? Só contém uma
quantidade de 'pelo de animal'. É, também, uma modificação dos cinco elementos dos
quais todas as coisas são feitas. Quanto a proteger do frio - colchas e cobertores são
igualmente bons. Como as outras coisas, não servem para a realização de Deus. Pelo
contrário, quando uma pessoa o veste, considera-se superior aos outros e a mente
desvia-se de Deus, visto que aumenta o orgulho e o egoísmo. Ah, quantos defeitos!"
Assim pensando, jogou o xale no chão, dizendo: "Não ajuda na realização de
Existência-Conhecimento-Bem-Aventurança. Cuspo neles." Realmente começou a
cuspir e esfregou-o no chão. Estava prestes a pôr fogo, quando alguém chegou e tirou-
o de suas mãos. Ao saber do destino do xale, Mathur Babu não ficou aborrecido e
disse: "O Pai fez muito bem."
18. Fica bem claro dos acontecimentos acima, em que plano elevado a mente do
Mestre morava sempre, apesar do grande esforço que Mathur fazia para mantê-lo entre
confortos e prazeres. Mas onde quer que ela morava, estava sempre mergulhada em
êxtase, sua mente só via a Luz - a Luz que não tem sombra, que não está sujeita a
aumentar nem diminuir e diante da qual "o brilho do sol, da lua, das estrelas e o clarão
do relâmpago, para não mencionarmos o fogo, são não somente sombrios mas até
escuros".5 (5 Katha Upanishad 2.2.15 e Mundaka Upanishad 2.2.10). Enquanto outros enxergavam e viviam na
escuridão sua mente morava no campo da Luz. Esse outro campo de escuridão - o
mundo cheio de maldade, ódio e desonestidade e permanente morada da luxúria e raiva -
ora, era somente um lugar ao qual ele havia vindo em visita fugaz, por compaixão.
Assim, embora estivesse vivendo em Janbazar, na casa de Mathur Babu, cercado de todo
o luxo e prazeres mundanos, o Mestre era o mesmo Mestre, desapegado, destituído de
egoísmo e além de si, noite e dia, em seu estado divino.
19. Um dia, antes do cair da tarde, o Mestre estava deitado, em estado semi-
consciente, na casa de Janbazar, de Mathur Babu. Não havia ninguém por perto. O êxtase
do Mestre estava chegando ao fim gradativamente e tinha pequena consciência do
mundo exterior, quando Haldar, o sacerdote de Kalighat, de Mathur, mencionado
anteriormente, chegou. Viu o Mestre naquele estado, julgou ser a oportunidade que vinha
procurando. Aproximou-se, olhou em volta e disse repetidamente, enquanto empurrava
sua sagrada pessoa:
"Ó homem! Diga-me como você conseguiu dominar Babu? Por que você
mantém a máscara, fingindo ignorância? Como o cativou? Fale." Embora fizesse as
perguntas, repetidamente, o Mestre não disse nem pôde dizer nada porque não podia
falar. Haldar então ficou zangado, deu-lhe ponta-pés com violência, dizendo: "Dane-se,
miserável! Você quer esconder seu segredo de mim!" e saiu. Destituído de egoísmo, o
Mestre não fez qualquer menção do incidente, já que sabia que Mathur Babu certamente
ficaria bastante zangado e infringiria severo castigo ao sacerdote, se viesse a saber.
Pouco tempo depois, o sacerdote incorreu na raiva de Mathur por cometer outro erro e
foi demitido. Um dia, mais tarde, no decorrer de uma conversa, aconteceu do Mestre
mencionar aquele incidente a Mathur. Ao ouvir, Mathur disse com raiva e angústia: "Se
tivesse sabido antes, Pai, aquele rapaz teria a cabeça cortada!"
20. Mathur e a esposa receberam, no fundo do seu coração, a graça infinita que
emanava do Mestre como instrutor divino e por conseguinte, tomaram refúgio como
sua Própria Divindade. Uma prova convincente dessa atitude foi o fato que eles jamais
esconderam do Mestre qualquer coisa a respeito de si mesmos. Ambos sabiam e diziam:
"O Pai não é um homem (mas o Próprio Deus)! Para que esconder qualquer coisa dele?
Ele conhece tudo, o mais secreto do coração de cada pessoa." Essas não eram simples
palavras vazias; agiam de acordo. Quantas não foram as ocasiões em que fizeram
tudo - comer, beber, andar etc., junto com o Pai! Que importância tinha se o Pai
visitasse livremente os aposentos internos de sua casa? E que importava, também, se
não o fizesse? Por que, em diversas ocasiões, tiveram prova de que ele conhecia
qualquer pensamento que passava pela cabeça de qualquer um. O Pai poderia muito bem
ser considerado tão bom quanto uma parede ou qualquer outra coisa insensível no que

74
diz respeito ao grande mal, o sentimento de impureza mental que surge ao se misturarem
livremente homens e mulheres. É um fato que nenhuma das senhoras nos aposentos
internos sentiu qualquer vergonha ou timidez, como sentiam diante de outros homens? Elas
não sentiam que ele era apenas uma delas ou um menino de cinco anos? Ficamos muito
surpresos ao ouvir muitas histórias dos próprios lábios do Mestre a respeito da maravilhosa
relação de amor que existia com a família de Mathur, incluindo os membros dos cômodos
internos, e o Mestre, que havia totalmente se convertido em pensamento e sentimento
numa companheira da Mãe Divina pela meditação constante e prolongada. Às vezes, ele
dizia: saía vestido como mulher, na companhia das senhoras da família, com um Chamara na
mão, para o aposento externo onde a Mãe Durga estava sendo adorada e abanava a Sua
sagrada imagem. Às vezes, também, quando o marido de uma jovem da família chegava,
ele a enfeitava com uma linda roupa e jóias. Devido a seu estado de instrutor espiritual,
essas senhoras estavam convencidas da natureza divina do Mestre e reverenciavam-no.
Elas estavam familiarizadas com seu imaculado amor desinteressado por elas e nele
despejavam o amor de seu coração, andavam e se comportavam com ele com uma
liberdade dificilmente imaginável.
21. Como é difícil julgar! Aqui, de um lado, encontramos o Mestre como amiga, no
meio das senhoras dos cômodos internos (família) de Mathur, comportando-se com elas
com amor e intimidade destituídos de qualquer traço de sexualidade! Em seguida, por outro
lado, encontramos o mesmo Mestre, na companhia de eruditos e homens comuns,
comportando-se com eles com uma inteligência incomparável e percepção interior divina!
Como podia esse misterioso Mestre ter uma personalidade multiforme e uma harmonia
de estados conflitantes!
22. Naquela época era costume no templo de Dakshineswar trazer as duas imagens de
Radha e Govinda do aposento adjacente e colocá-las no trono do aposento principal do templo
e trazê-las de volta àquele aposento para descanso, ao terminar a adoração do meio-dia,
oferecimento de comida etc. Eram novamente trazidas após as quatro da tarde e levadas de
volta à noite depois do Arati, no crepúsculo, e do oferecimento de comida. Um dia o chão de
mármore do templo estava escorregadio por causa de água que caíra e o sacerdote que
estava levando a imagem de Govinda escorregou e uma perna da imagem quebrou-se.
Houve um grande tumulto; o próprio sacerdote feriu-se e também tremia de medo. As
notícias chegaram até os proprietários que ficaram em face de um problema insolúvel. A
adoração não podia ser feita com uma imagem de perna quebrada. O que fazer agora? A
Rani Rasmani e Mathur convidaram todos os eruditos da cidade para decidirem qual o
procedimento a ser adotado. Foram consideradas as opiniões dos eruditos que não puderam
comparecer porque tinham outros negócios. À ocasião era muito importante e também muito
dispendiosa, porque os Pandits convidados deveriam ser presenteados segundo seu status.,
Os Pandits abriram seus livros, puseram rapé no nariz como se fossem estimular a
inteligência e deram seu veredicto: "Que a imagem seja jogada no Ganga e uma nova
instalada em seu lugar." Ordenaram que um escultor fizesse uma nova imagem.
23. No fechamento da reunião, Mathur Babu disse à Rani: "Mas o Pai ainda não foi
consultado sobre o assunto; o que ele pensa deve ser conhecido." Assim falando, pediu ao
Pai para dar sua opinião. "Se", disse o Mestre em estado extático, "qualquer um dos genros
da Rani quebrasse a perna numa queda, seria ele abandonado e uma outra pessoa
ficaria em seu lugar, ou seriam tomadas medidas para seu tratamento? Que esse mesmo
procedimento seja seguido aqui também; que as partes quebradas da perna da imagem
sejam juntadas e a adoração continue. Por que a imagem deve ser jogada fora?" Todos
ficaram surpresos com a decisão. Ah, ninguém teve cabeça para um raciocínio tão
simples! Se deve admitir-se que a imagem está viva devido à manifestação divina de
Govinda, essa manifestação deve certamente depender do amor profundo e devoção no
coração do devoto e Sua graça ou compaixão por ele. Assim, por que aquela manifestação
não é possível também numa imagem quebrada, se houver amor, reverência e devoção
no coração? O mérito ou demérito da imagem quebrada não pode de jeito algum afetar
aquela manifestação. Além disso, pode a reverência pela imagem, na qual a adoração do

75
Senhor vem sendo feita e à qual o amor de seu coração vem sendo oferecido há tanto tempo,
desaparecer do coração de um verdadeiro devoto com a quebra de um determinado
membro daquela imagem? Os instrutores vaishnavas também ensinam que o devoto
deve servir o Senhor da mesma maneira que ele mesmo gostaria de ser servido. Acham
que o Senhor ama o que uma pessoa ama e indicam-nos fazer aquele serviço. A
prescrição de se desfazer da imagem não é adequada também desse ponto de vista.
Portanto, a proibição de adoração da Divindade numa imagem quebrada, que é
encontrada nos Smritis, é para o iniciante destituído de amor por Deus e apenas
começou a trilhar o caminho da devoção. Alguns dos orgulhosos eruditos, contudo,
rejeitaram a decisão do Mestre, outros expressaram abertamente seus pontos de vista,
senão seus presentes de boas-vindas seriam reduzidos e outros que haviam adquirido
um pouco de conhecimento verdadeiro e devoção, através de estudo, elogiaram bastante
a solução oferecida pelo Mestre quando tomaram conhecimento dela. O Mestre juntou a
perna quebrada e a adoração continuou como antes. Quando o escultor fez e trouxe uma
imagem nova, ela foi colocada num canto do templo de Govinda, mas jamais instalada.
Depois da morte da Rani e de Mathur Babu, seus descendentes, de vez em quando,
organizavam tudo para a instalação da nova imagem, mas eram obrigados a desistir, por
algum problema. A nova imagem de Govinda até hoje ainda não foi instalada.6 (6 Mais tarde a
nova imagem foi instalada).

CAPÍTULO VII

A GRAÇA CONCEDIDA A MATHUR NO ESTADO DE INSTRUTOR


ESPIRITUAL

(ASSUNTOS: 1. O Durga Puja de Mathur na companhia do Mestre. 2. A beleza pessoal do Mestre. 3.


Multidões reunidas em Kamarpukur para ver a beleza de sua pessoa. 4. 0 desdém do Mestre pela beleza física. 5.
Jagadamba Dasi e o êxtase do Mestre. 6. A maneira do Mestre descer do Samadhi. 7. O Mestre abanando a Deusa
Durga como amiga. 8. A confusão de Mathur. 9. Vijaya, o último dia da celebração. 10. Mathur esquecendo desse
fato. 11. O protesto de Mathur contra a imersão. 12. A resposta de Mathur à persuasão. 13. O Mestre convence
Mathur. 14. O estranho poder do toque e da palavra do Mestre. 15. Mathur recupera sua consciência normal. 16. A fé
de Mathur era firme por causa das provas. 17. O desejo de Mathur de ter êxtase. 18. Seu pedido ao Mestre para
obter êxtase. 19. O Mestre dissuadindo-o. 20. O êxtase de Mathur e seu pedido ao Mestre. 21. A renúncia é
essencial para manter Bhavasamadhi. 22. O exemplo do jovem. 23. O poder do Mestre de reconhecer o trabalho de
emoção espiritual. 24. Sua opinião sobre a condição do jovem. 25. Sua franqueza com Mathur. 26. Sua preocupação
com o bem-estar de Mathur. 27. Um exemplo: o Mestre pedindo a porção do Prasada da Mãe. 28. O Bhavasamadhi
do Mestre em ocasiões especiais. 29. O pensamento de Swami Yogananda sobre o pedido de Prasada do Mestre.
30. O Mestre fala sobre a razão pela qual ele pedira Prasada. 31. O maravilhoso relacionamento do Mestre e
Mathur. 32. Mathur consolando o Mestre. 33. O Mestre falou a Mathur sobre a chegada de seu círculo interno de
devotos. 34. A natureza infantil do Mestre; colhendo o verde Susni. 35. Mathur refugiando-se no Mestre em tempos
de perigo. 36. O gasto incansável de dinheiro de Mathur para o bem-estar do Mestre. 37. Outras ilustrações. 38.
Mathur servindo os pobres em Vaidyanath. 39. A relação do Mestre com Mathur determinado pela Providência.)

Sou o Ser que mora nos corações de todas as criaturas; sou o começo, o meio e
o fim dos seres.
Gita X,20

1. Houve grande alegria por ocasião da adoração de Mãe Durga na casa de


Mathur em Janbazar. Ano após ano, a mesma felicidade indescritível era compartilhada
por todos - velhos e jovens, senhoras e senhores - mas este ano houve algo especial na
adoração da Mãe Divina do universo. A ocasião foi agraciada com a sagrada presença
do Mestre, o que aumentou a felicidade mil vezes. Não havia limite para a alegria.
Assim como uma criança fora de si de contentamento e livre de medo, importuna a mãe
com perguntas, sem causa aparente ri, dança e fala alto diante dela, assim fez o Pai, a
única criança da Mãe Divina, sob influência do estado divino, experimentando sem parar,
a manifestação direta da Mãe na imagem. A imagem parecia viva, sorridente e feita de
luz. Assim a manifestação da Mãe naquela imagem e no corpo e mente do Mestre

76
combinaram-se para encher a atmosfera do salão de adoração de uma indescritível e
indefinida Presença Divina, sentida mesmo pelas mentes mais entorpecidas. Esta
Presença parecia ter iluminado não somente o ambiente, mas os corações de todos, cada
lugar e canto da casa e emprestando uma beleza sem par por toda parte.
Não podia deixar de ser assim porque a devoção rajásica do rico Mathur não
permitiu faltar nada para o culto. Havia grandes quantidades de flores, frutas, raízes e
doces; enfeites da imagem com roupas e jóias valiosas; ornamentação das paredes,
portas e chãos da casa, com folhas, flores, bandeirinhas e tiras de pano; instrumentos
musicais como flautas e outros — tudo isso foi providenciado com cuidado meticuloso e
exaustivo. Além disso a presença do Divino Mestre na casa, por assim dizer penetrou
nesses artigos, enchendo-os com a sublimidade do espírito. A beleza da roupa ocre dos
monges, o conjunto de cedros sempre verdes dos Himalaias cobertos de neve; a doce
inocência que emanava da sucção no seio de uma bela mãe e o brilho único produzido
por pensamentos e sentimentos puros numa linda face - o encanto de tudo isso havia
se combinado, por assim dizer, para produzir uma maravilhosa atmosfera na casa de
Mathur Babu. Será necessário dizer que tudo isso indicava a aurora de uma era de boa
sorte para Mathur? Será necessário dizer que o dono da casa e sua esposa, apesar de
ocupados na organização do culto e da festa eram permanentemente inundados de
felicidade indescritível e que sentiam no fundo de seus corações a graça e a beleza da
sagrada atmosfera?
2. As cerimônias terminaram. Os adoradores cheios de paz, ofereceram flores aos
pés do Pai e da Mãe Divina.
Era o crepúsculo. O Arati da Mãe do universo ia começar. O Pai estava no
aposento interno e havia esquecido completamente seu corpo masculino sob a influência
de um enlouquecido estado espiritual. Seu único pensamento era que ele, através dos
tempos, havia sido uma companheira da Mãe Divina. A Mãe divina era sua vida, sua
mente, seu tudo em tudo; era somente para o serviço da Mãe que ele havia tomado um
corpo e estava vivendo. O rosto do Mestre brilhava de emoção espiritual e amor pela
Mãe e os lábios estavam embelezados por um sorriso ímpar; sua aparência, seus
movimentos de mãos e pés e seus gestos assemelhavam-se a de uma mulher. O
Mestre estava vestido com uma linda roupa de seda dada por Mathur Babu e que vestira
como se fora um sari. Quem poderia dizer que era do sexo masculino? A beleza e a pele
do Mestre naquela época, eram tão encantadoras que trasbordavam, por assim
dizer, em todo seu redor. A pele tomava uma coloração brilhante quando havia uma
emoção espiritual, como se a luz saísse de seu corpo. As pessoas não podiam desviar
os olhos quando, maravilhados, viam aquela beleza. Ouvimos da Santa Mãe que a cor
de seu corpo e do amuleto de ouro (simbolizando o Ideal Escolhido) que ele usava,
misturavam-se, por assim dizer, numa só cor. Ouvimos também do próprio Mestre:
"Ah! Havia então tanta beleza que as pessoas costumavam olhar-me fixamente; o peito
e as faces estavam sempre vermelhos, como se uma luz emanasse do corpo. Como as
pessoas costumavam olhar, mantinha sempre o corpo coberto com um agasalho grosso e
importunava a Mãe Divina, dizendo: 'Eis aqui sua beleza externa, Mãe, por favor leva-a
de volta e dê-me beleza interior'. Costumava passar a mão pelo corpo, batendo
repetidamente e dizendo: “Entre, entre'. Como resultado, o exterior tornou-se pálido
como podem ver."
3. Lembramo-nos de um outro acontecimento na vida do Mestre relacionado com
sua beleza. Nessa época o Mestre costumava ir todos os anos, durante a estação
chuvosa, a Kamarpukur e aí passar três ou quatro meses para então, voltar a Calcutá. Às
vezes ia à casa do sobrinho Hriday, no vilarejo de Sihar. A estrada que conduz a Sihar
passa por Jayrambati, vilarejo de seu sogro. As pessoas do vilarejo fizeram-lhe insistentes
pedidos para que ele permanecesse ali por alguns dias, com o que concordou. Hriday,
que lhe era altamente dedicado, costumava sempre servi-lo de todas as maneiras
possíveis.
Durante sua estada em Kamarpukur costumava haver, continuamente, multidões

77
de pessoas de manhã à noite para vê-lo e ouvir algumas palavras de seus lábios. As
mulheres da vizinhança terminavam de varrer e limpar suas casas, de manhã cedo e
vinham com os jarros nos quadris para levar água para casa depois do banho. Colocando
os jarros nas margens do lago de Haldar, perto da casa do Mestre, vinham à casa dos
Chatujyes1 (1 A casa do Mestre era assim chamada por causa de seu sobrenome, Chattopadhyaya ou Chattarya ou na linguagem coloquial, Chatterji
ou Chatujye) e aí sentavam-se. Passavam uma hora ou mais conversando com o Mestre e com as
senhoras da casa e em seguida, iam banhar-se. Isso acontecia todos os dias. Se tivessem
feito doces ou quaisquer outras guloseimas na noite anterior em suas casas, antes de
comê-los, guardavam alguns para o Mestre. Gostando de brincar, às vezes ele lhes
dizia: quando as via chegar antes do nascer do dia: "As Gopis encontravam Sri
Krishna em Vrindavan, várias vezes, de diversa maneiras; disseram-nos que havia o
'encontro no pasto', no momento de ir às margens do Jamuna buscar água, o 'encontro
ao pôr do sol' quando o Senhor voltava com suas vacas depois de pastarem; então à noite
o 'encontro da dança' e assim por diante. Posso perguntar se é o 'encontro na hora do
banho'? Ao ouvir isso as mulheres morriam de rir. Os homens do vilarejo vinham ao Mestre
depois que as mulheres voltavam para casa para cozinhar e fazer outras tarefas diárias.
Sentavam-se e conversavam com ele à vontade durante o tempo que queriam. As
mulheres voltavam de novo à tarde e alguns homens vinham à noite. Homens e mulheres
de lugares distantes vinham muitas vezes à tarde e voltavam antes do pôr do sol.
Costumava haver uma multidão de pessoas como aquela que há no Festival do Carro
(Ratha) e no festival do 'balanço' (Dol).
4. Certa vez enquanto o Mestre estava em Kamarpukur, organizaram uma visita a
Sihar, partindo de Kamarpukur. Como o Mestre estava, constantemente em êxtase, seu
corpo tornou-se tão macio quanto o de um menino ou de uma mulher. Não podia viajar
nem uma pequena distância se não fosse de palanquim ou de carruagem. Por isso foi-
lhe trazido um palanquim para ir a Sihar, via Jayrambati. Hriday aprontou-se para
acompanhá-lo. Numa roupa vermelha de seda com o amuleto de ouro, simbolizando
seu Ideal Escolhido, no braço, chegou mastigando betel depois do almoço para entrar
no palanquim; viu ali uma grande multidão na estrada perto do palanquim. Homens e
mulheres estavam em volta. Surpreso, perguntou a Hriday: "Por que essa multidão tão
grande, Hriday?" Hriday: "Por que? O senhor vai sair hoje; eles (mostrando a multidão)
não terão oportunidade de vê-lo durante algum tempo; por isso vieram vê-lo."
O Mestre: "Mas eles me vêem todos os dias; há alguma coisa nova para ser
vista hoje?"
Hriday: "O senhor fica muito bonito quando se veste de vermelho, mastigando
betel, o que faz seus lábios brilharem com uma coloração vermelha. É por esta razão
que o querem ver. Que outra razão pode ser?"
A mente do Mestre encheu-se de um sentimento sem precedente. Pensou: "Ora,
estão todos se ocupando somente da beleza externa e não querem ver Aquele que mora
no interior!" Ele sentia uma repugnância sincera pela beleza física. Isto aumentou mil
vezes o incidente. Disse: "O que? Homens aglomerando-se para ver um homem! Cancele
todos os programas. Não vou a lugar algum, porque as pessoas vão se reunir dessa
maneira, sempre que eu for." Imediatamente foi para o aposento interno da casa, tirou
a roupa e sentou-se, preocupado e aflito. Cheio de humildade, o Mestre não foi para
Jayrambati e Sihar naquele dia. Hriday e todas as pessoas da casa pediram-lhe
insistentemente, mas os esforços foram em vão. Apenas imagine, Ó leitor, que idéia
mesquinha e depreciativa esse ser divino tinha de seu próprio corpo! E pense como nós
-quão loucos estamos atrás da beleza! Quanto polimento e massagem! Que ostentação de
cosméticos - espelhos, pentes, navalhas, escovas, esponjas para empoar, sabão,
essências e pomadas! Também à imitação do Ocidente, como nos entregamos à ilusão
de que "essa gaiola de ossos e carne" é nosso próprio ser que luta desordenado para
mergulharmos de cabeça em completa ruína através dela! Ser asseado e limpo a fim de
ter uma mente pura e santa de um lado e essa preocupação excessiva com a aparência
física de outro - pode você, Ó leitor considerar as duas como a mesma coisa! Vamos,

78
contudo, resumir o assunto.
5. O Arati da Mãe Divina estava prestes a começar, mas o êxtase do Mestre não
terminava! Srimati Jagadamba pensou que poderia de uma maneira ou outra, fazer o
Mestre retornar à consciência normal e ir assistir o Arati com as outras senhoras da casa;
mas ela ficou sem saber o que fazer, quando viu que o êxtase do Mestre não terminava.
Achou que não seria bom deixá-lo sozinho ali e ir assistir ao Arati. Pensou: "O que vou
fazer? Assim que o Arati começar, qualquer um que eu deixe aqui para tomar conta
dele, vai correr para o salão o mais rápido que suas pernas lhe permitirem. O Pai não
pode tomar conta de si mesmo quando está sob a ação de emoções espirituais. Certa
vez, quando estava fora de sua consciência normal, caiu em cima de carvão
incandescente. Foi somente após muito tratamento e cuidado que suas feridas se
curaram. Se eu o deixar sozinho pode acontecer um desastre semelhante, nesta feliz
ocasião. O que farei agora? O que meu marido vai pensar?" Estava assim pensando
quando teve uma idéia. Tirando rapidamente todas as jóias preciosas que usava e
colocando-as nele, começou a sussurrar repetidamente em seu ouvido: "Vamos, Pai. O
Arati da Mãe já vai começar. Não quer abanar a Mãe com o Chamara?"
6. Observou-se que por mais profunda que fosse a absorção do Mestre no estado
espiritual, por mais distante que seu pensamento estivesse, sua mente estava sempre
aberta às palavras ou pensamentos que o levaram à concentração interior e que,
pronunciando-as algumas vezes em seu ouvido, era o suficiente para trazê-lo de volta à
consciência normal. Esse é o comportamento de uma mente concentrada, como exposto
de forma abreviada, mas completa, nas escrituras de Yoga de Patanjali e outros. O leitor,
versado nas escrituras, não levará muito tempo para compreender o comportamento da
mente do Mestre. Aqueles que alcançaram, como resultado de muitas ações virtuosas,
uma pequena concentração mental, compreendera.
7. As palavras de Jagadamba Dasi entraram nos ouvidos do Mestre.
Imediatamente após retornar à consciência normal, acompanhou-a, em parte
consciente e transbordante de alegria. Mal haviam chegado ao salão, o Arati começou.
Cercado pelas senhoras, o Mestre começou a abanar a imagem com o Chamara. As
senhoras ficaram de um lado do salão e os homens, incluindo Mathur Babu, do outro,
para assistirem ao Arati da Mãe Divina. Logo que os olhos de Mathur caíram nas
senhoras, viu que uma senhora nova estava junto de sua esposa, abanando a Mãe com
um Chamara e irradiando uma beleza maravilhosa de sua pessoa, roupa e jóias.
Apesar olhá-la repetidamente, não pôde reconhecê-la. Por fim pensou que se tratasse
de uma amiga de Jagadamba, esposa de algum homem rico.
O Arati acabou. As senhoras saudaram a Mãe Divina, voltaram para os
aposentos internos e ficaram ocupadas com seus afazeres. Em estado
semiconsciente, o Mestre foi para o aposento da esposa de Mathur Babu e
gradualmente retornou à consciência normal. Tirou a roupa e as jóias, saiu e sentou-se
ao lado dos homens, abordando assuntos religiosos, encantando a todos com
explicações lúcidas e ilustrações apropriadas.
8. Um pouco mais tarde, Mathur Babu foi ao quarto e perguntou à sua esposa,
ao longo da conversa, quem era aquela senhora que estava a seu lado abanando a Mãe
com o Chamara, na hora do Arati. A esposa de Mathur Babu sorriu e disse: "Não sabe
quem é ela? O Pai, em êxtase, estava abanando a Mãe Divina assim; é bem possível,
pois ninguém pode saber se o Pai é um homem quando põe roupa e jóias de mulher."
Assim falando, contou a Mathur Babu tudo do começo até o fim. Ele ficou muito
surpreso e disse: "É por isso que digo: 'Quem pode reconhecer o Pai mesmo nos
assuntos banais se ele não permitir que seja reconhecido?' Não vê! Não pude
reconhecê-lo hoje, embora esteja com ele as vinte e quatro horas."
9. O sétimo, oitavo e nono dias da quinzena foram passados em grande alegria.
Era a manhã do décimo dia (Vijaya Dasami). O sacerdote estava terminando
rapidamente a adoração do dia; o espelho tinha que ser imerso2 (2 Um jarro cheio de água é posto diante da
imagem e um espelho é colocado de maneira a refletir a imagem. É então imerso na água. Isto é o que se chama "imersão do espelho" da Mãe) na hora

79
prescrita pelo almanaque. A própria imagem deveria ser imersa na água depois do pôr
do sol. Desceu, por assim dizer, uma sombra de tristeza, nas pessoas da casa de Mathur
Babu e havia um sentimento de indescritível e indefinido medo pela separação inevitável
e imediata de uma pessoa muito querida. Uma penumbra dessa tristeza está sempre ligada
mesmo à mais pura felicidade desse mundo! É talvez devido a essa lei que a dor pela
separação de Deus é sentida de vez em quando, mesmo na vida dos maiores amantes
de Deus. Até os corações dos fortes derretem-se em lágrimas quando vamos emergir a
imagem no dia de Vijaya. O caso da esposa de Mathur é digno de menção. Desde a
manhã vinha limpando as lágrimas de seus olhos com a roupa, enquanto fazia suas
tarefas
10. No aposento externo, porém, Mathur não tinha a menor idéia do momento
que se aproximava. Seu coração estava transbordante de alegria como antes. Tendo
trazido a Mãe do universo para sua casa e desfrutado da companhia abençoada e graça
do Pai, Mathur experimentava completa paz dentro de si, esquecendo-se do mundo
exterior. Quem estava interessado no que aconteceria no mundo? E qual a utilidade?
Seus dias sem dúvida passariam dessa maneira na companhia da Mãe divina e do Pai.
Nesse momento o sacerdote avisou que a "cerimônia de imersão" da Mãe ia ter que
começar. Queria saber se Babu ia ao salão reverenciar a Mãe Divina antes da
cerimônia.
11. No primeiro momento Mathur nem compreendeu o que lhe foi dito. Soube,
depois de perguntar que era o décimo dia de Vijaya. Quando tomou conhecimento ficou
atordoado como se houvesse recebido um forte golpe na cabeça. Tomado de pesar e
dor, começou a pensar: "A Mãe deve ser imersa hoje! Por que? Pela graça do Pai e da
Mãe Divina não preciso de nada. Ao contrário de antes, minha mente também foi tomada
de felicidade pela sagrada presença da Mãe em minha casa. Por que então fico triste
com a imersão da Mãe? Não, não posso quebrar esta 'feira de felicidade'. Ó! A imersão
da Mãe! Sinto-me sufocado só em pensar." Mathur, mergulhado nesses pensamentos,
chorou.
Nesse ínterim, o tempo estava passando. O sacerdote, de vez em quando,
mandava um recado: "Babu, venha logo. A imersão da Mãe tem que ocorrer." Mathur
ficou muito aborrecido e enviou uma mensagem: "Jamais permitirei que alguém faça a
imersão da Mãe. A adoração continuará como está sendo feita agora. Se alguém fizer a
imersão da Mãe sem meu consentimento, um desastre doloroso irá ocorrer. Pode até
haver derramamento de sangue e assassinato!" Assim falando Mathur permaneceu firme.
Vendo o amo naquele estranho estado, o servo, amedrontado, saiu e indo ao salão contou
tudo ao sacerdote. Todos ficaram com a respiração parada!
12. Todos consultaram-se entre si e mandaram pessoas da casa, que Mathur
respeitava, para convencê-lo a concordar com a imersão. Foram, mas não
conseguiram nada. O Babu disse: "Por que? Vou fazer a adoração diária da Mãe. Como
tenho autorização para isso por Sua graça, por que devo dizer adeus a Ela?" O que
podiam fazer sob tais circunstâncias? Eles também voltaram e todos concordaram que
Mathur estava desequilibrado. À parte esta conclusão, qual a solução? Todos em casa
sabiam quão impetuoso Mathur era. Sabiam que, quando estava zangado, dava adeus
a seu raciocínio e entendimento. Quem iria incorrer em seu desagrado, ordenando a
cerimônia de imersão da Divindade sem sua aprovação? Ninguém ousou fazê-lo.
Notícias aumentadas chegaram até a dona da casa. Tomada de apreensão e medo,
pediu ao Mestre que conversasse com Mathur, tentando persuadi-lo. Quem senão o
Pai estava ali para salvá-los do perigo? Quem sabe se o cérebro do Babu, não estava
realmente desequilibrado?
13. O Mestre chegou e viu Mathur absorvido em seus pensamentos, andando de
um lado para o outro, com o rosto sombrio e os olhos vermelhos. Logo que viu o Mestre,
Mathur veio até ele e disse: "Deixem que digam o que quiserem, Pai, não posso dizer
adeus à Mãe do universo. Disse-lhes que faria Sua adoração diária. Como posso fazê-lo
sem a Mãe?"

80
Passando a mão no peito de Mathur, o Mestre disse: "Ó, é esse o seu medo?
Quem lhe disse que ficará sem a Mãe? Além disso para onde Ela irá, mesmo que haja a
cerimônia de imersão? Pode a mãe afastar-se do filho? Sentada no salão Ela aceitou
sua adoração, esses três dias. Estará mais junto de você agora, sentada em seu coração,
Daqui para frente aceitará sua adoração."
14. É difícil explicar que poder maravilhoso essas palavras e o toque do Mestre
tiveram! Em diversas ocasiões acontecia que um visitante, durante uma discussão calorosa
com o Mestre e não aceitando seu ponto de vista, no momento em que o Mestre o
tocava, imediatamente sua mente parava de argumentar e aceitava sem reserva, o
ponto de vista do Mestre. O Mestre disse a alguns de nós: "Sabem porque toco as
pessoas dessa maneira quando falo? Faço assim para que a obstinação perca sua
força e elas possam realizar a verdade correta e cuidadosamente." Vimos e ouvimos
muitos exemplos de como, pelo simples toque, ele costumava diminuir, e às vezes até
mesmo destruir para sempre a força que se apresentava como obstáculos no caminho da
realização da verdade. Tocando, aquelas forças destruidoras são levadas para o centro
de si mesmas. Vimos que muitas palavras, que não tinham qualquer impacto emocional
na mente do ouvinte, faziam grande impressão nele, mudando até o curso de sua vida,
quando eram pronunciadas pelo Mestre. Mais tarde falaremos com o leitor sobre esses
incidentes. Voltemos à história de Mathur Babu.
15. Pelo toque e palavras do Mestre, Mathur gradualmente voltou à consciência
normal. Não sabemos se isso ocorreu devido a algum tipo de visão produzida pela
vontade e toque do Mestre. Cremos que isso foi provável. Parece-nos que sua ansiedade
desapareceu porque passou a experimentar a alegria produzida pela presença da Mãe
Divina, iluminando a escura caverna do seu coração, com um brilho antes
desconhecido. Quando um verdadeiro instrutor espiritual chama a atenção do discípulo
para um ideal mais elevado, os estados espirituais e planos pertencentes aos níveis
inferiores desaparecem de sua consciência.
16. Não há dúvida que a devoção e confiança de Mathur no Mestre também
foram o resultado de diversos testes a que ele submeteu o Mestre, embora isso nos
pareça estranho. Ele testou o Mestre de todas as maneiras, oferecendo-lhe riqueza, belas
mulheres, ascendência completa sobre ele mesmo e sobre sua casa, bem como gastando
dinheiro com seus parentes, como Hriday e outros. Viu, entretanto, que ele, ao contrário
dos outros, estava acima das tentações. Viu também, que diante dos olhos perspicazes
do Mestre, o disfarce do amor e devoção insinceras não podiam esconder sua
verdadeira natureza por muito tempo. Ao contrário, se mesmo depois de terem
cometido atos reprováveis como homicídio e outros atos horríveis, uma pessoa se
refugiasse, com o coração sincero e aberto, ele perdoaria todas essas ações infames e
cordialmente aceitava-o, concedendo-lhe o poder de gradualmente reconhecer e
compreender os ideais mais elevados. Descobriu com surpresa, que o que era impossível
tornara-se possível para ele agora, em virtude de um poder maravilhoso e desconhecido,
que não era outro senão o Mestre.
17. Mantendo a companhia do Mestre e observando sua experiência de
felicidade ilimitada, Mathur, embora um homem do mundo, certa vez desejou conhecer
diretamente o que era essa experiência. Tinha a firme convicção de que o Pai poderia
fazer todas as pessoas tê-la, à sua simples vontade. Não era ele todas as Divindades -
Siva, Kali, Krishna, Rama? Onde estava então a dificuldade para conceder as visões
divinas? Por que seria estranho que ele pudesse revelar a alguém, por sua graça, o que
era na verdade sua própria forma? Essa convicção era de causar grande admiração.
Todos aqueles que se uniram a ele intimamente, gradualmente tiveram a certeza de que
o Mestre poderia, por sua vontade, tornar o impossível, possível - por um simples
desejo poderia fazer qualquer um compreender as Verdades no campo espiritual. Pela
virtude de seu próprio poder espiritual e a força de um caráter puro, um instrutor
comum encontra dificuldade em levar à realização mesmo uma pessoa - o que dizer de
um ser capaz de assim fazer com os corações de muitos? É dado somente a uma

81
Encarnação fazer tal coisa. De fato é uma das provas especiais para que uma pessoa
seja considerada uma Encarnação. Sabendo que muitos tentarão enganar as pessoas
deste mundo de falsidade e fraude em seu nome, as Encarnações proclamaram:
"Quando eu for além do alcance dos olhos mortais, muitos hipócritas aparecerão diante de
vocês e dirão: 'Sou uma Encarnação de Deus. Sou o refúgio e salvador dos fracos
mortais'. Tomem cuidado com eles." 3 (3 Mateus, XXIV-11.23- 2 6 ) .
18. Assim que Mathur sentiu aquele desejo, foi ao Mestre e disse
inoportunamente: "Pai, o senhor deve fazer algo para que eu tenha êxtase."
Acreditamos que o Mestre lhe disse o que costumava dizer a todos em ocasiões
semelhantes: "Ó, certamente isto acontecerá no momento certo. A semente desponta
como árvore assim que é semeada e dá frutos para serem comidos imediatamente? Por
que? Você está certo. Tem mantido um bom equilíbrio entre Deus e o mundo. Se tiver
essas coisas (êxtase e similares) sua mente abandonará o mundo. Quem então tomará
conta de sua propriedade e outros bens? Certamente serão roubados e desfrutados por
todos. O que você fará então?"
19. Mas quem dava ouvidos a essas palavras? Mathur era a própria insistência;
o Pai tinha que fazê-lo experimentar êxtase. Ao ver que o argumento não produziu
qualquer resultado, elevou o assunto a um alto nível. "Ah," disse: "os devotos querem
vê-Lo? Querem somente ter o privilégio de servi-Lo. As experiências diretas produzem
medo com o conhecimento dos poderes de Deus e em consequência, o amor é extinto.
Krishna foi para Mathura e as Gopis foram tomadas pelas dores da separação. Enviou
Uddhava para consolá-las. Uddhava era homem de conhecimento vedantista. Não
apreciava a atitude das pessoas de Vrindavan, quer dizer, derramar lágrimas, alimentar
e vestir Krishna e coisas assim. Desprezava o amor puro das Gopis como inferior e
dentro da Maya. Uddhava devia mudar seus pontos de vista e aprender por
experiência, que havia uma outra razão para ele ter sido enviado. Uddhava chegou e
começou a consolar as Gopis: 'Por que se comportam dessa maneira e chamam Krishna
repetidamente? Não sabem que Ele é o Senhor que tudo penetra? Não é fato que Ele
esteja em Mathura e não, em Vrindavan. Em vez de entregarem-se à tristeza e
desespero, pelo menos uma vez fechem os olhos e vejam que o Uno que tem pele
azul escuro como uma nuvem recém-formada, usando grinalda de flores silvestres e
tocando flauta, está sempre dentro de seus corações.' 'Uddhava', disseram as Gopis, ao
ouvirem isso, 'você é amigo de Krishna e homem de conhecimento. Mesmo assim fala
dessa maneira! Somos pessoas dadas à meditação ou pessoas de conhecimento? Ou nós
O tivemos porque praticamos Japa, austeridade etc., como os Rishis e Munis? Na
verdade O adornamos e embelezamos, alimentamos e vestimos. Devemos agora fazer
isso em meditação? Será que podemos fazê-lo? Será que temos a mente que nos permita
meditar e fazer Japa? Foi um longo tempo devotado aos pés de lótus de Krishna. Ou
tivemos alguma coisa que chamemos de 'nosso', mesmo um ser, ao qual podemos
atribuir a 'consciência do eu' necessária para nos permitir fazer Japa?' Uddhava ficou
surpreso ao ouvir tudo isto. Compreendeu então a profundidade e a natureza do amor
das Gopis por Krishna, saudou-as como suas instrutoras espirituais e retornou.
Considerem, verdadeiros devotos querem vê-Lo? Sentem a mais elevada felicidade
somente com Seu serviço. Além disso não querem nada, visões e coisas parecidas.
São uma obstrução na relação espiritual de amor com Ele."
Quando Mathur não pôde ser dissuadido, mesmo com esta argumentação, o
Mestre disse: "Nada sei, meu amigo. Contudo, vou falar com a Mãe e Ela fará o que
quiser."
20. Mathur alguns dias depois experimentou o êxtase. O Mestre disse-nos: "Ele
mandou-me chamar. Quando cheguei, vi que era, por assim dizer, outro homem. Os
olhos estavam vermelhos e lágrimas escorriam. Falando de Deus, torrentes de lágrimas
saíam de seus olhos. O coração tremia com uma rápida palpitação. Quando me viu,
segurou meus pés e disse: Desculpe-me, Pai. Admito minha derrota. Estou neste estado
há três dias. Não posso pensar nos negócios da propriedade por mais que me esforce;

82
em consequência está tudo saindo errado. Por favor tire-me do êxtase em que o senhor
me colocou. Não o quero.' 'Por que', eu disse: 'não foi você quem rezou pelo êxtase?'
Ele então disse: 'Sim, eu o fiz e também há felicidade; mas para que serve? Tudo aqui
está em ruínas. Este êxtase é somente seu, Pai, convém somente ao senhor. Não
queremos todas essas coisas. Por favor, tome-o de volta.' Então ri e disse: 'Eu lhe disse
antes.' 'Sim, Pai,' ele disse: 'mas podia eu compreender tão claramente que algo como
um espírito me possuiria e que eu deveria dar qualquer passo segundo seu capricho durante
as vinte e quatro horas e que não podia fazer nada mesmo se tivesse cabeça para fazê-lo?'
Passei então minha mão em seu peito.
21. Não é tão simples ter-se Bhavasamadhi. Quantas são as pessoas que podem
suportar seu poder? Quantas podem retê-lo? É impossível enquanto houver o menor desejo
mundano. É por isso que as escrituras ordenam que o peregrino no caminho da realização de
Deus esteja livre de desejos mesmo no início. "E pelo desapego e renúncia que alguns
alcançam imortalidade", este é o ensinamento dos Upanishads.4 (4 Kaivalya Upanishad-1.2; Mahanarayana
Upanishad-12.14). O Samadhi do plano inferior pode ter uma abundância momentânea de emoções,
mas não pode ser mantida num homem em que há uma profusão de desejos de riqueza,
nome, fama e similares. O Acharya Sankara diz (no Vivekachudamani, 79): "O crocodilo do
desejo agarra pelo nariz aqueles que atravessam o mar do mundo sem tomar o antídoto do
desapego, faz com que ele volte e forçosamente afunda-o nas impenetráveis águas daquele
mar."
22. A seguir vamos dar um dos muitos exemplos dessa verdade, que
observamos quando estávamos com o Mestre. Estava ele em Kasipur. Certo dia os devotos
vaishnavas chegaram com um jovem que estava com a mente abstraída. Nunca o havíamos
visto antes. A razão de sua vinda é que desejavam mostrar o jovem ao Mestre e conhecer
sua opinião a respeito do estranho estado espiritual que subitamente havia tomado conta
do jovem. Foi mandada uma mensagem para o Mestre, que viu o jovem. O rosto e o peito
eram vermelhos e com muita humildade tomava a poeira dos pés de todos. Ao repetir os
nomes de Deus tinha frequentes tremores e arrepios e os olhos estavam avermelhados e
um pouco inchados devido ao fluxo incessante de lágrimas. A pele era azul escuro, não era
nem gordo nem magro e tinha um tufo de cabelo na cabeça. O rosto e membros eram bem
feitos. Usava roupa branca, um tanto suja, sem bordas. Não tinha agasalho, nem sapatos
nos pés. Parecia indiferente à limpeza e conservação do corpo. Contaram-nos sobre o
estado muito nervoso a que chegara subitamente enquanto cantava as loas de Hari.
Desde então não vinha se alimentando nem dormindo; chorava dia e noite, rolando no chão
em ânsia de realizar o Senhor. Estava nesse estado há alguns dias.
23. Não vimos em ninguém a não ser no Mestre, o poder de perceber e
diagnosticar as mudanças físicas produzidas numa pessoa pelas emoções espirituais. O
instrutor espiritual foi descrito no Guru-gita e outros livros, como o "médico da doença do
mundo". Não havíamos compreendido o significado dessas palavras antes de conhecermos
o Mestre. Não sabíamos que o Guru era realmente o médico das doenças mentais e que
poderia diagnosticar, à primeira vista, as modificações da mente humana devido às
emoções espirituais. E mais, é pela leitura dos sinais externos que o Guru os considera
favoráveis, prescreve os métodos pelos quais o aspirante pode escalar as alturas da
espiritualidade. Se os acha desfavoráveis, apresenta meios que gradualmente os
removem, sem causar dano ao aspirante. Somente porque vimos o Mestre agir assim todos
os dias é que temos uma firme convicção neste assunto. Quando vimos Swami
Vivekananda atingir o Nirvikalpa Samadhi pela primeira vez, vimos o Mestre
imediatamente prescrever: "Não coma nada das mãos de outra pessoa por alguns dias;
cozinhe sua própria comida. Nesse estado uma pessoa pode no máximo comer das mãos
da mãe; esse estado fica destruído se tomar comida das mãos de outra pessoa. Não há
perigo depois dele se tornar natural." Quando viu a mãe de Gopala sofrer fisicamente,
devido ao aumento do 'humor de vento' em seu corpo, disse: "Esse humor de vento nada
mais é do que o 'humor de Hari'; com o que você vai se ocupar se ele for embora? Deve
continuar. Quando sentir uma dor insuportável, coma qualquer coisa." Quando via que a

83
mente de um devoto não podia mergulhar em Deus por não esquecer-se do corpo, devido
a um hábito forte de observar purificação exterior e apego, particularmente prescrevia:
"Chame Deus fazendo uma marca na testa com argila apanhada no lugar onde as pessoas
respondem ao chamado da natureza." Vendo que se uma agitação sem controle do corpo
durante o Sankirtan era prejudicial ao progresso de uma pessoa, ele o repreendia e dizia:
"Ah, seu patife, você veio exibir suas emoções espirituais para mim! Emoções espirituais
sempre produzem estas agitações? A pessoa funde-se completamente e fica imóvel. Por
que essa agitação? Fique calmo e tranquilo. (Aos outros): Sabem que tipo de emoções
espirituais são essas? Parecem um Chhatak (cerca de duas onças) de leite fervendo
num caldeirão no fogo. A pessoa pensa que se trata de uma grande quantidade, um
caldeirão cheio. Despeja e não encontra uma só gota; o pouco que ali se encontra está
grudado nas paredes do caldeirão." Percebendo a inclinação mental de uma outra
pessoa, ele disse: "Divirta-se como lhe aprouver, seu patife, mas não considere tudo
isso obrigações religiosas."
24. No momento em que o Mestre viu o rapaz acima mencionado, disse: "Ah! Acho
que se trata do começo do Madhura-bhava5 (5 - A literatura vaishnava chamou esta atitude extática de amor espiritual "o
Madhura bhava", que foi visto em Radharani em seu estágio completamente desenvolvido com todas as dezenove modificações, classificadas em oito grupos
chamados "oito modificações Sattvikas"- i.é. riso, choro, lágrimas, tremor, arrepio, transpiração, desmaio etc. O ápice do Madhura bhava é conhecido com
Mahabhava ou "grande estado extático". É nesse estágio que todas as dezenove modificações físicas acima mencionadas, são totalmente manifestadas - todas
devido ao excessivo amor a Deus. Diz-se que mortais comuns, mesmo ao atingirem a perfeição, não podem alcançar aquela altura vertiginosa - é possível
somente para as Encarnações divinas).
Este estado, contudo, não vai durar; ele não pode retê-lo. É
muito difícil reter esse estado. Assim que uma mulher for tocada licenciosamente, essa
atitude espiritual desaparecerá." Os devotos, porém, ficaram um pouco aliviados
quando tomaram conhecimento das palavras do Mestre de que o cérebro do jovem não
estava desequilibrado e retiraram-se. Pouco tempo depois chegaram as notícias de que o
prognóstico do Mestre se realizara; o jovem havia sido vítima de calamidade fatal. Havia
alcançado um plano muito elevado devido à exaltação do Sankirtan, mas meu Deus!
Desceu a um plano tão baixo como as alturas a que havia se elevado. Isto porque
faltava-lhe capacidade de sustentar a reação daquela atitude que havia obtido por
acaso, sem a prévia preparação necessária. Swami Vivekananda, portanto, sempre
incentivou devoção com discriminação e ensinou as pessoas a praticarem esse tipo de
devoção, pois, caso contrário cairiam vítimas de perigos desse tipo.
25. Assim como não havia nada que Mathur escondesse do Pai, assim também o
Pai tinha, em relação a Mathur exceto quando estava em êxtase, a atitude de um filho
para com sua mãe ou de um amigo para com outro amigo. Falava de tudo com Mathur,
trocava idéias com ele, aceitava seus conselhos e solicitava seu cuidado carinhoso. Já
falamos que as escrituras dizem que quando uma pessoa atinge o mais elevado estágio do
conhecimento supremo, parece-se no melhor dos casos com uma criança ou no pior
dos casos com louco, aos olhos das pessoas comuns. Sankara, o instrutor adorado pelo
mundo, dizia claramente em seus escritos que essa pessoa jamais perde o equilíbrio,
quer esteja desfrutando de riqueza digna de um rei ou vivendo simplesmente de
esmolas, vestido com uma simples Kaupina - quer esteja mergulhado na felicidade ou
num estado de miséria segundo o critério mundano. Sempre morando na felicidade do
Ser, está absolutamente contente somente no Ser. Diz Sankara:
"Uma pessoa liberada vagueia pelo mundo às vezes como um ignorante, às
vezes como erudito e outras vezes com a opulência de um rei. Às vezes parece um
louco e às vezes parece estar calmo, quieto e inteligente. Outras vezes também parece
viver como uma jibóia sem mesmo pedir auxílio para suas necessidades diárias, como
comida. As vezes é muito respeitado, em alguns lugares é insultado e também, em
outros é completamente desconhecido. Permanece tomado de felicidade suprema,
firme sob quaisquer circunstâncias." Quando esse é o caso até com pessoas liberadas
comuns, não é de se admirar que as supremamente gloriosas Encarnações de Deus
permaneçam firmes sob todas as circunstâncias e comportem-se como crianças. Esse
comportamento do Mestre com Mathur não é, portanto, de todo surpreendente. A sorte
de Mathur de ser tão intimamente unido ao Mestre durante tanto tempo foi realmente

84
muito grande.
26. Ah, como era doce o relacionamento entre Mathur e o Mestre! No período da
Sadhana e mesmo depois, se o Mestre necessitasse de algo, imediatamente pedia a
Mathur. Sobre as visões e estados espirituais que experimentava por ocasião do êxtase ou
em outros momentos, costumava perguntar a Mathur: "Por favor diga-me por que isso
está me acontecendo? Por favor diga-me o que você pensa disso." O Mestre ficava de
olho nos negócios de Mathur, de forma que seu dinheiro fosse convenientemente utilizado
- de maneira que o dinheiro destinado ao serviço da Divindade pudesse ser gasto para
aquele propósito e para que convidados, pobres, santos e outros fossem mantidos e ele
adquirisse mérito pelo bem que fizesse. Sempre ouvimos falar desse comportamento do
Mestre mesmo quando estávamos morando com ele, muito tempo depois que a virtuosa
Rani Rasmani e Mathur haviam morrido. Vamos dar aqui um exemplo:
27. Desde o tempo de Mathur, foi estabelecido que diariamente, depois do
oferecimento da comida e outros serviços no templos de Kali e de Radha-Govinda terem
terminado, uma grande travessa de arroz e outros alimentos e um prato de frutas,
doces e outras iguarias deveriam ser enviados ao quarto do Mestre para que ele e outras
pessoas pudessem compartilhar da comida consagrada. Além disso, uma parte das
oferendas especiais à Mãe Kali e à Radha Govinda nas ocasiões festivas, deveriam ser
enviadas ao Mestre.
Era a estação das chuvas - dia do culto de Phalaharini. Todos os anos era
costume comemorar a ocasião com menos festividade, no templo. Costumava haver um
culto especial à Kalika, Mãe do universo, quando eram oferecidas a Ela, diversos tipos de
frutas e raízes. Nessa ocasião também a mesma celebração estava sendo levada a
cabo. Flautas e outros instrumentos musicais estavam sendo tocados no Nahabat.
Naquele dia Swami Yogananda e outros devotos estavam com o Mestre.
28. Certas características de divindades especiais costumavam manifestar-se no
corpo e na mente do Mestre em determinadas cerimônias. Nos festivais vaishnavas as
características de Vishnu e nos dias Sakta, as de Sakti manifestavam-se nele. Por
exemplo, por ocasião da adoração de Sri Durga, especialmente no momento do "culto da
junção"6, (6 Sandhi Pooja feito na confluência dos dias Ashtami e Navami no culto Navaratri) ou durante o culto da Mãe Kali, o
Mestre costumava sentir-se identificado com a Mãe do universo. Permanecia imóvel e
às vezes suas mãos adquiriam gestos como os de Kali, oferecendo graças em uma delas
e proteção contra todos os medos na outra. De forma semelhante nas ocasiões de
cerimônias como Janmashtami, os oito sinais Vaishnavas Sattvika como tremor, arrepio
etc., podiam ser vistos nele e ele ficava totalmente absorvido nos pensamentos de
Radha e Krishna, naqueles dias. Também aqueles estados espirituais costumavam vir-lhe
sem qualquer esforço. Em diversas ocasiões, se estivesse conversando com os devotos
sobre vários assuntos, sem lembrar-se de que era o dia auspicioso para uma
manifestação do Divino, observava-se que por algum estranho poder, sua mente subi-
tamente abandonava a conversa e ficava absolutamente absorta no aspecto particular
do Divino. Em Shyampukur, Calcutá, vimos muitos desses exemplos. Certa vez,
absorvido na conversa com diversos homens, incluindo o Dr. Mahendralal Sarkar, o
Mestre subitamente entrou em êxtase na hora da "junção da adoração" de Sri Durga.
Vendo seu rosto luminoso brilhando, com um sorriso esplendoroso, quem diria que ele
tivesse qualquer doença ou mesmo que fosse a mesma pessoa de face pálida,
mostrando a dor da doença, visto há um momento atrás?
Houve uma manifestação semelhante no corpo e mente do Mestre naquele dia -
dia da adoração de Pralaharini. Às vezes, tomado de felicidade, como um menino de
cinco anos dançava e cantava o nome da Mãe. Todos estavam encantados, olhando a
beleza sem precedente de seu rosto. Além disso estavam experimentando em seus
corações, várias emoções maravilhosas em virtude da companhia do homem-deus. A
noite estava quase chegando ao fim quando a adoração da Mãe terminou. Ninguém pôde
descansar. Era o alvorecer.
Na manhã seguinte, mais ou menos às oito ou nove horas, o Mestre viu que a

85
parte das oferendas especiais do dia, que deveriam ter-lhe sido entregues, como
usualmente, ainda não haviam chegado. Chamou o sobrinho Ramlal, sacerdote do
lemplo de Kali e perguntou-lhe a razão; mas ele não soube explicar-lhe: "Todos os
artigos oferecidos", disse: "foram como sempre, enviados ao chefe dos funcionários do
templo. Estão sendo distribuídos e cada um recebe a sua parte, como sempre; mas não
sei dizer porque não chegou aqui até agora." O Mestre estava não somente inquieto
como aborrecido, com isso. Perguntou a diversas pessoas, uma após outra: "Por que o
Prasada ainda não chegou?" e continuou falando sobre o assunto. Esperou mais um
pouco, mas ao ver que não havia chegado até então, pôs os chinelos e pessoalmente foi
ao funcionário chefe. Perguntou-lhe: "O que houve, que o Prasada destinado àquele
aposento (mostrando o seu quarto) ainda não chegou como é usual? Houve algum
engano? Não está certo que uma coisa combinada há tanto tempo tenha saído errada
por um engano." O funcionário pareceu diminuir-se e disse: "Ainda não chegou lá? É
muito mau. Vou mandá-lo agora."
29. Swami Yogananda era então um menino. Naturalmente um pouco orgulhoso,
porque havia nascido na antiga e respeitável família de Savarna Chaudhuris. O
funcionário chefe, outros funcionários, sacerdotes e pessoas do templo não contavam
com sua estima. Havia, porém, se entregado completamente aos sagrados pés do Mestre,
devido à sua graça desinteressada e amor. Como sua casa era ao lado do templo da
Rasmani, era bom para ele visitar o Mestre diariamente. E como podia ele abster-se de
visitá-lo? Pois a estranha atração do Mestre o levava à força, por assim dizer, na hora
certa, todos os dias. Embora respeitoso com o Mestre, não mostrava qualquer
familiaridade com os funcionários do templo. Assim, vendo o Mestre tão ansioso sobre a
parte das oferendas do templo, ele, ao invés de perguntar a respeito, começou a falar
sem pensar: "Que importa se não chegam? Ah! Quão importantes são essas oferendas!
Essas coisas nunca são tão boas para seu estômago! O senhor jamais as come. Assim há
algum problema se não chegam?" Mas aparentemente mesmo sem ouvir suas objeções,
o Mestre correu para perguntar ao chefe dos funcionários qual a razão. Yogin então
pensou: "Que estranho! Por que está hoje tão ansioso com essas frutas, raízes e doces
sem importância? Por que hoje está com esse estado de espírito? Jamais o vi tão
agitado, sob quaisquer circunstâncias." Quando, depois de muita reflexão, não
encontrou qualquer razão, chegou por fim à conclusão: "Ó, agora vejo; é a tradição de
família que importa, seja ele o Próprio Senhor ou qualquer outra personalidade. Nasceu
de uma família de sacerdotes acostumados, geração após geração a 'armazenar arroz e
plantano' Não vai aquela tradição de família prendê-lo ao menos um pouco? De que
maneira poderia explicar? Jamais ficou inquieto, nem com assuntos importantes: mas
agora está tão desassossegado com algo insignificante. Por que está tão ansioso com
aquelas oferendas de comida que não pôde comer? Só pode ser pelo hábito herdado de
seus ancestrais."
30. Pensando assim, Yogin (ou como veio a ser conhecido mais tarde, Swami
Yogananda) finalmente chegou àquela conclusão e ficou esperando no quarto. O Mestre
chegou e disse-lhe: "Você sabe porque agi assim? A Rasmani deixou em testamento
muitas propriedades para que os homens santos e devotos tivessem Prasada depois
que a comida tiver sido oferecida à Divindade. As oferendas que são enviadas para cá
são invariavelmente comidas pelos devotos ou aspirantes espirituais que visitam este
lugar. Isso satisfaz o propósito da doação da Rasmani. Mas sabe como eles (sacerdotes
do templo) usam essas coisas? Vendem o arroz. Alguns mantém prostitutas; pegam essas
frutas etc., para alimentá-las. Luto tanto para que pelo menos um pouco das intenções
da Rasmani sejam atendidas." Swami Yogananda ficou surpreso ao ouvir e pensou: "Ah!
Pobre de mim! Este é o significado oculto até desse ato do Mestre!"
31. Ah, que relacionamento doce o Mestre estabeleceu com Mathur! Em virtude
da graça dada pelo Mestre, o amor de Mathur foi tão intensificado que o Pai tornou-se
sua própria vida. Além disso foi seu comportamento, semelhante ao de um menino,
que atraiu Mathur com grande intensidade. Há alguém que não seja atraído para um

86
menino inocente dos caminhos do mundo? Há alguém que, estando a seu lado, não fica
observando seus movimentos, para protegê-lo contra qualquer dano na agitação de sua
brincadeira? Também não havia o menor fingimento no comportamento infantil do
Mestre. Quando estava naquele estado, parecia um menino em todos os sentidos,
verdadeiramente incapaz de proteger-se. É, portanto, natural que tenha surgido no
poderoso, vigoroso e inteligente Mathur uma estranha inclinação para protegê-lo, sob
todas as circunstâncias. Por conseguinte, assim como de um lado ele dependia do poder
divino do Mestre, também do outro lado estava sempre pronto a proteger o Pai, que ele
sabia ser um menino inexperiente. Quando Mathur percebeu que havia uma estranha
justa-posição no Pai da natureza que tudo sabe do instrutor espiritual e da natureza que
pouco sabe de um menino, talvez tenha chegado a algumas conclusões como a que
deveria proteger o Pai nos assuntos mundanos, incluindo sua segurança pessoal,
enquanto o Pai o protegeria em todos os assuntos pertencentes ao campo sutil do
espírito que estão além da visão e poder humanos. Vemos, portanto, claramente que o
amor de Mathur pelo Mestre assumiu uma natureza incompreensível, que consistiu em
fazer coexistir a estranha e misteriosa personalidade do Pai, campo de um complexo
agregado contraditório de atributos como natureza divina e humana, que tudo e pouco
conhecia. Embora o Pai, estabelecido em Bhavamukha e tendo as mãos na postura7 (7
Porque ele se sentia então identificado com a forma de Kali da Mãe Divina) simbólica de conceder graças e proteção do
medo, fosse o Ideal escolhido de Mathur, este contudo, às vezes, tinha que se abster da
atitude de adoração reverente para com ele e consolar o augusto Pai que aparecia como
personificação viva da simplicidade e dependência durante seus estados infantis.
32. O amor de Mathur por ele permitiu-lhe dar explicações plausíveis a todas
as perguntas e dúvidas do Pai. Um dia o Pai saiu subitamente enquanto conversava
com Mathur e regressou com uma expressão triste. Perguntou então a Mathur: "Pode
me dizer que doença é essa? Vi um verme sair de meu corpo pela urina. Ninguém,
estou certo, tem esses vermes dentro do corpo. O que foi que me aconteceu?" O
mesmo Pai, que talvez há poucos momentos atrás, encantava todo mundo com
explicações maravilhosas sobre verdades espirituais ocultas, estava agora diante dele
como um menino ansioso sem razão, dependendo completamente da inteligência e
palavras de confiança de Mathur. Mal Mathur ouviu isto, disse: "É muito bom, Pai, que
isso tenha acontecido. Todos tem um verme que gera luxúria em seu corpo. Esse e o
verme da luxúria que produz muitos maus pensamentos e o faz cometer más ações. O
verme da luxúria deixou seu corpo pela graça da Mãe. Por que está tão inquieto com
isso?" Assim que o Pai ouviu isso ficou consolado e disse: "Ah! Você tem razão; que
sorte eu ter falado com você!" Assim falando ficou alegre como um menino.
33. "Você vê," ele falou um dia, no curso de uma conversa com Mathur: "A Mãe
mostrou e convenceu-me de que há muitos devotos meus que devem constituir um
círculo interno. Virão, ouvirão e conhecerão Deus por meio 'daqui' e terão conhecimento
direto d'Ele, realizando-O e serão abençoados com amor divino e conhecimento. A Mãe
brincará de diversas maneiras com esta 'caixa' (quer dizer, seu corpo) e fará bem a
muitos. É por esta razão que Ela não quebrou a 'caixa' mas conservou-a. O que você
acha? Tudo isso são alucinações do cérebro ou percepções reais e verdadeiras? Por
favor, diga-me."
"Por que devem ser alucinações, Pai?" disse Mathur, "Quando a Mãe até hoje
não lhe mostrou nada decepcionante, por que somente esta deve estar errada? Esta
também provará ser verdadeira. Mas por que sua chegada está demorando?
Certamente chegarão logo; ficaremos juntos e seremos felizes."
O Pai imediatamente convenceu-se de que o que a Mãe Divina dissera era
verdadeiro. Disse então: "Não sei quando chegarão, mas a Mãe assim disse. Ela
mostrou-me que o que tem que acontecer por Sua vontade, acontece."
34. A Rani Rasmani não teve filho, mas quatro filhas. Mathur Babu casara-se
com a terceira e com a morte dela, com a mais jovem. A inteligente Rani fixou e marcou
durante sua vida, a parte da propriedade para cada um de seus genros, caso contrário se

87
levantaria uma disputa entre eles. Um dia depois que a propriedade fora assim
dividida a esposa de Mathur Babu, ou como ela era conhecida na família, a "terceira
dona", foi banhar-se num pequeno lago na parte da propriedade da outra irmã, viu uma
exuberante e verde Susni, pegou algumas e foi embora. Somente o Mestre a viu fazer
isso. Logo que a viu ficou extremamente preocupado. "A 'terceira dona'", pensou o
Mestre, "tirou algo de propriedade de outra pessoa, sem pedir. É imoral. Ela não pensou
que se trata de um roubo tirar algo da propriedade de outra pessoa sem seu
conhecimento. E, também, por que ela haveria de cobiçar a propriedade de outra pessoa?"
Estava assim pensando, quando encontrou a filha da Rani, proprietária do pequeno lago. O
Mestre imediatamente contou-lhe todo o incidente. Ela não pôde controlar a risada ao
ouvi-lo e ver a feição séria em que ele estava, como se a 'terceira dona' tivesse agido
muito mal. Bem humorada ela disse: "Ah, a 'terceira dona' agiu de forma muito errada,
Pai!" Nesse momento a 'terceira dona' chegou. Ela também disse: de maneira jocosa,
quando soube a razão pela qual a irmã estava rindo: "Pai, é próprio que o senhor
esteja me expondo dessa maneira? Roubei as plantas e secretamente as levei
embora, senão ela me veria! O senhor me envergonhou!" Assim falando, ambas irmãs
caíram numa estrondosa gargalhada. O Mestre então disse: "Não entendo o jeito de
vocês, mas já que a propriedade foi dividida não é bom tirar nada sem o
conhecimento do dono. É por isso que disse tudo a ela a fim de que ela possa conhecer
e colocar o assunto como quiser." As filhas da Rani ainda continuaram a rir ao ouvirem
suas palavras, pensando quão franco e ingênuo o Pai era.
35. De um lado o Pai tinha uma tal natureza infantil que o tornava dependente
de Mathur. Por outro lado, havia ocasiões em que a posição era a oposta e Mathur
tornava-se o suplicante que necessitava da proteção do Mestre Havia às vezes brigas
entre Mathur e outros proprietários de terras que conduziam a lutas entre os seus
empregados. Certa vez houve um assassinato ordenado por Mathur, que ficou ameaçado
de levar um processo criminal. Por conseguinte veio implorando ao Mestre: "Pai, salve-
me!" O Pai primeiro ficou muito zangado e repreendeu Mathur. "Seu patife!" ele disse:
"você cria problema todos os dias, vem e diz: 'Salve-me!' O que posso fazer? Vá e
sofra as consequências. O que eu sei?" Devido à insistência de Mathur disse: assentindo
a seu pedido: "Bem, o que tem que acontecer pela vontade da Mãe, acontecerá." De fato
o perigo passou.
36. Há muitos exemplos que revelam esses dois aspectos da personalidade do
Mestre. Tendo tido aquelas experiências, Mathur estava firmemente convencido de que
fora pela graça do Pai, que possuía muitas facetas em sua personalidade, que ele
possuía tudo o que tinha, a saber, riqueza, respeito, poder e tudo o mais. Não é
surpresa, portanto, a honra real que Mathur prestava ao Mestre como Encarnação de
Deus e a incansável devoção e fé firme que lhe dedicava. A extensão da devoção dos
homens mundanos pode ser medida pela quantia de dinheiro que estão dispostos a
gastar com os objetos de sua devoção. Este é especialmente o caso de uma pessoa
como Mathur que, como a maioria dos homens inteligentes do mundo, era um tanto
avaro em gastar dinheiro. Portanto era devido à intensidade da fé de Mathur no Mestre
e na sua devoção, que gastava dinheiro indistintamente com ele. Um dia Mathur
vestiu-o com uma linda roupa e o fez assistir a um espetáculo de Yatra, colocando diante
dele cem rupias ou mais em montes de dez rupias cada para que ele presenteasse aos
cantores e atores. O Pai ouvia o Yatra enquanto experimentava profundas emoções
espirituais ou ficava encantado com alguma canção cativante ou fala de um ator,
imediatamente empurrava tudo para a pessoa, presenteando-o com aquele dinheiro.
Mathur não ficava de jeito algum aborrecido com isso. Expressava sua alegria dizendo:
"Uma recompensa servindo à elevada mente do Pai." Novamente colocava montes de
moedas em filas semelhantes diante dele. Quanto tempo poderia o dinheiro ficar com
o Pai, que se estabelecera em Bhavamukha e sempre estivera absolutamente livre de
cobiça, devido à sua convicção de que 'dinheiro é terra, terra é dinheiro'? Fora de si
devido à transbordante embriaguez das emoções divinas, ele mais uma vez daria

88
imediatamente toda a importância. Depois, não encontrando dinheiro perto dele, tirou
o xale e a roupa cara que Mathur o vestira e deu-os de presente, permanecendo
imóvel em Samadhi, tendo apenas a consciência div in a como vestimenta! Mathur,
tomado de felicidade, pensou que seu dinheiro havia sido dado para bom uso e começou
a abaná-lo.
37. Muitos são os exemplos da liberalidade de Mathur para agradar o Mestre.
Levou-o consigo quando fez peregrinação a Kasi, Vrindavan e outros lugares sagrados.
Em Kasi obedeceu às suas palavras e como uma árvore que satisfaz todos os desejos,
deu presentes liberalmente; deu a cada um quaisquer artigos que pediam. Pediu também
ao Mestre que dissesse o que necessitava, mas este último não pôde encontrar nada de
que precisasse. Disse: "Dê-me um jarro de água (Kamandalu)." Os olhos de Mathur
ficaram rasos d'água quando viu seu desapego.
38. O coração do Mestre foi tomado de compaixão ao ver a pobreza e miséria das
pessoas do vilarejo quando passavam em uma vila perto de Vaidyanath por ocasião de
sua peregrinação a Kasi, Vrindavan e outros lugares sagrados com Mathur. "Você é," disse
a Mathur, "apenas o administrador da propriedade da Mãe. Dê a essas pessoas óleo
suficiente para resfriarem a cabeça e a cada um uma peça de roupa e alimente-os pelo
menos uma vez." Primeiro Mathur ficou um pouco vacilante e disse: "Pai, a peregrinação
necessitará de muito dinheiro e os pobres são em grande número. Posso depois ficar
sem dinheiro se começo a fazer tudo isso. O que o senhor me aconselha a fazer sob tais
circunstâncias?" O Mestre, contudo, não ficou satisfeito com essa resposta. Havia uma
incessante torrente de lágrimas escorrendo de seus olhos ao ver a miséria dos aldeões e
seu coração encheu-se de uma compaixão sem precedente. "Seu patife, não vou para sua
Kasi. Ficarei aqui com eles; não possuem nada que possam chamar de seu; não vou
deixá-los para trás e ir." Assim falando, tornou-se obstinado como um menino e sentou-
se no meio dos pobres. Vendo uma tal compaixão no Mestre, Mathur mandou vir pilhas
de roupas de Calcutá e fez o que o Pai lhe pedira. Além de pessoalmente estar alegre
em ver os aldeões felizes, o Pai também deu-lhes adeus e partiu com Mathur em sua
viagem para Kasi. Dizem que o Mestre outra vez, indo com Mathur a um vilarejo de sua
propriedade perto de Ranaghat, apiedou-se ao ver a condição miserável dos aldeões e
fez Mathur agir novamente da mesma maneira.
39. Identificado com a Divindade Suprema como instrutor espiritual, o Mestre
prendeu Mathur a si mesmo para sempre num doce relacionamento. Esse
relacionamento sem precedente com Mathuranath foi o resultado maduro da oração do
Mestre à Mãe Divina certa vez durante sua Sadhana sob a influência de um estado
estranho súbito: "Mãe, não me torne um seco Sadhu; mantém-me apreciando sua
Felicidade criativa." Como resultado dessa oração, a Mãe Divina mostrou-lhe quatro
pessoas (que supririam suas necessidades) que vieram com ele ao mundo para manter
seu corpo, provendo-lhe as necessidades da vida, sendo Mathuranath a primeira e a
mais importante delas. Poderia esse relacionamento ter-se mantido ímpar durante tanto
tempo se não tivesse sido determinado pela Providência? Meu Deus! Ó mundo, quantos
relacionamentos puros e doces você não viu até agora! E Meu Deus! Ó desejo de prazer,
com que cadeia adamantina você prendeu o homem! Embora tenhamos visto e
estabelecido um relacionamento com o maravilhoso Mestre - um ser tão puro, iluminado
e livre, um exemplo do amor desinteressado - nossas mentes ainda agora jogam um
anelante, demorado olhar para os objetos inferiores. Um dia um amigo, enquanto ouvia
atentamente e com assombro a história de Mathuranath, do próprio Mestre, perguntou-
lhe, com grande admiração por Mathur por sua boa sorte sem precedente: "Senhor, o
que aconteceu com ele, após a morte? Certamente não terá que nascer novamente!" O
Mestre respondeu: "Ele deve ter um novo nascimento como rei em algum lugar, porque
ainda tinha desejo de prazer." Assim falando, mudou de assunto.

CAPÍTULO VIII

89
O RELACIONAMENTO DO MESTRE, COMO INSTRUTOR ESPIRITUAL COM
SEUS PRÓPRIOS INSTRUTORES

(ASSUNTOS: 1. As Encarnações nascem instrutores espirituais. 2. O Mestre iniciado por diversos instrutores.
3. A Bhairavi Brahmani. 4. A assistência da Brahmani ao Mestre por ocasião da Sadhana. 5. As escrituras vaishnavas
sobre as experiências da Brahmani. 6. A suspeita de Mathur. 7. Os antecedentes da Brahmani. 8. A Brahmani, uma
aspirante de primeira ordem. 9. A visão ióguica da Brahmani. 10. A história de Chandra. 11. Os poderes miraculosos
conduzem a uma queda espiritual. 12. O destino de Chandra. 13. A história de Girija. 14. O poder miraculoso de Girija.
15. Os poderes de Chandra e Girija. 16. Os poderes miraculosos são obstáculos. 17. Eles aumentam o egoísmo: a
parábola do elefante. 18. A ignorância da Brahmani da consciência não-dual. 19. A "atitude animal", "a atitude herói" e
"a atitude divina" dos Tantras. 20. A Brahmani ainda não qualificada para a "atitude divina" de adoração. 21. A prova
disso. 22. O reconhecimento da Brahmani de sua limitação. 23. A história e Tota Puri. 24. Os contatos do Mestre com o
santo Puri. 25. 0 destemor e a liberdade dos conhecedores de Brahman. 26. 0 elevado estado de Tota Puri. 27. O
destemor de Tota Puri. 28. O instrutor de Tota Puri. 29. Tota Puri a respeito de sua Ordem. 30. Antecedentes de Tota
Puri. 31. A mente de Tota Puri. 32. A ignorância de Tota Puri do caminho da devoção. 33. Prova disso. 34. O incidente
que conduziu Tota a abandonar a raiva. 35. A realização de Deus só é possível se Maya abrir o caminho. 36. Um
exemplo disso. 37. Tota ignorante da Divina Mãe. 38. A doença de Tota Puri. 39. Tota desconsidera a indicação de sua
mente. 40. Seu desejo de partir e o agravamento de sua doença. 41. Tentativa de Tota de afogar-se e a visão da Mãe. 42.
Tota desistindo da determinação de morrer. 43. Sua compreensão de que Brahman e Seu Poder são uno. 44. Tota aceitou
a Mãe Divina e partiu. 45. O conhecimento de Tota de alquimia. 46. Conclusão.)

Moro em todos os corações. De Mim emanam a memória e o conhecimento e também, a


perda deles. Somente eu é quem é demonstrado por todos os Vedas. Sou o fundador das
instituições que tratam da Vedanta e sou o conhecedor dos Vedas.
Gita XV.15

1. Já dissemos (III.5-1) que aqueles que nascem para serem instrutores


espirituais, desde a infância apresentam sinais de sua capacidade para esse fim. No caso
das grandes almas, conhecidas como Encarnações, nem necessitamos mencionarmos
este fato. Nascidas como são, para estabelecer certas doutrinas entre os homens, são
vistas desde a infância como personificações dessas doutrinas. Sem dúvida, o lento
crescimento de seu corpo e mente, bem como a influência da época e das circunstâncias
favoráveis, parecem ajudar o desenvolvimento de seu pensamento e de sua capacidade
especial, mas elas jamais são a causa das verdades que proclamam ou a capacidade de
se exprimirem como instrutores. Essa capacidade já nasce com eles. Esta análise é
para registrar exatamente o desenvolvimento do poder espiritual do Mestre como
instrutor espiritual. Uma pessoa fica surpresa ao descobrir a manifestação desse poder
na infância, juventude, ocasião da Sadhana e outros períodos de sua vida, porém, não
pode determinar como aquele poder surgiu em sua vida. Não desejamos aumentar o
tamanho deste livro mencionando aqui os acontecimentos de sua vida, contudo, será
bom relatar o que falta ser contado a respeito da juventude do Mestre e do período de
sua Sadhana, período em que podem ser vistas manifestações dos poderes espirituais
como instrutor em suas relações com os outros, inclusive com Mathur Babu.
2. O Mestre várias vezes tentou explicar-nos, ao remontar à história do
renunciante Avadhuta falado no Bhagavata, que embora deva haver somente um
instrutor para iniciar uma pessoa no Mantra do Ideal Escolhido, pode haver mais de um
subsidiário; em outras palavras, outra pessoa que ensina assuntos religiosos em geral.
Está escrito no Bhagavata que, tendo recebido ensinamentos sobre assuntos
espirituais de vinte e quatro instrutores subsidiários, um após o outro, o Avadhuta foi
bem sucedido. Na vida do Mestre, também, houve vários instrutores para pô-lo em
contato com modos particulares de prática espiritual para realizar a Verdade, segundo
determinadas tradições espirituais. Nós, entretanto, ouvimo-lo mencionar somente os
nomes de três desses instrutores - a Bhairavi Brahmani, o "Desnudo" Tota Puri e o
muçulmano Govinda. Raramente o Mestre mencionava os nomes de outros instrutores,
embora tenha aprendido com eles os métodos das práticas espirituais segundo outras
denominações hindus. A única coisa que dizia era que aprendera com outros instrutores
as práticas espirituais segundo suas seitas, e alcançou perfeição em cada disciplina no

90
espaço de três dias. Absteve-se de dizer seus nomes. E difíci, porém, dizer se ele se
esquecera de seus nomes ou não valia a pena mencioná-los. Está claro que teve
contato com eles por um período curto. É por isso que não merecem menção especial.
3. De todos os instrutores, a Bhairavi Brahmani permaneceu com ele por
mais tempo, embora seja difícil dizer por quanto tempo, porque, antes de
tomarmos refúgio aos sagrados pés do Mestre, ela já havia deixado Dakshineswar. O
Mestre mais tarde encontrou-a em Kasi onde praticava austeridade.
4 . Ouvimos do Mestre que a Bhairavi Brahmani viveu muito tempo no
templo de Dakshineswar e outros lugares como Devamandal-ghat às margens do
Ganga, na vizinhança. Ela fez o Mestre praticar, uma atrás da outra, as disciplinas
relatadas nos sessenta e quatro Tantras principais. Era também bem versada nas
escrituras vaishnavas e ajudou o Mestre na época em que ele praticou Sakhibhava e
outras atitudes devocionais. Respeitada por todos, viveu em Dakshineswar por
doze anos, além do período da Sadhana do Mestre quando sua ajuda era necessária.
Foi com o Mestre e Hriday naquela ocasião, a Kamarpukur onde viveu com os parentes
do Mestre. Desde essa época a Santa Mãe respeitava-a como sogra e chamava-a
"mãe".
5. A Brahmani seguiu a Sadhana segundo os vaishnavas e experimentou um
pouco da felicidade decorrente das atitudes amorosas em relação a Deus como a Sakhya
e Vatsalya. Tomada da atitude Vatsalya para com o Mestre, com manteiga na mão e
com as roupas tímidas pelas lágrimas, costumava gritar: "Gopala", "Gopala", quando
estava em Devamadal-ghat em Ariadaha; ao mesmo tempo, o Mestre em Dakshineswar
sentia súbito anelo de ver a Brahmani. Contaram-nos que ele cobria a distância de duas
milhas numa carreira, ia a ela como uma criança correndo para a mãe, sentava-se junto
dela e comia manteiga. Além disso, usando roupa de seda de Varanasi e jóias que ela
conseguira em algum lugar, levando diversos tipos de comidas na mão e cantando, às
vezes costumava ir com as senhoras da vizinhança ao Mestre, em Dakshineswar,
alimentá-lo e depois regressava. O Mestre dizia que ela, com os cabelos despenteados,
agitada pelas emoções espirituais, era considerada a própria Yasoda, rainha de Nanda,
entristecida pela separação de Gopala.
6. A Brahmani possuía beleza e talento fora do comum. Ouvimos do Mestre
que Mathur Babu tinha certas dúvidas sobre seu caráter e ficou receoso ao ver sua
graça e beleza e ao ouvir que viajava por todos os lugares, sozinha, sem qualquer
companhia. Diz-se que um dia, ele chegou ao cúmulo de falar alto, escarnecendo:
"Onde está seu Bhairava, Ó Bhairavi?"1 (1 “Bhairava” é do gênero masculino, enquanto 'Bhairavi' é feminino; a insinuação era
de que ela poderia ter um amante) A Bhairavi estava saindo do templo de Kali depois de adorar a
Divindade. Embora questionada subitamente, não se sentiu embaraçada ou zangada,
mas calmamente olhou para Mathur e apontando para o Grande Deus que jazia como
um corpo morto sob os pés da imagem da Mãe e mostrou-O a Mathur. O desconfiado e
mundano Mathur também não era homem de desistir facilmente. Disse: "Mas este
Bhairava não se move!" "Por que seria uma Bhairavi," retorquiu a Brahmani numa voz
calma e séria: "se eu não puder fazer o imóvel mover-se?" Envergonhado e perplexo,
Mathur ficou mudo com o estado sério e a resposta da Brahmani. Mais tarde abandonou
aquela suspeita, à medida que se familiarizava, dia após dia, com suas nobres e boas
qualidades.
7. Soubemos do Mestre que a Brahmani havia nascido em Bengala Oriental e
todos que a viam imaginavam que sem dúvida, ela devia ter pertencido a uma família
muito respeitável. Realmente ela o era. Mas nunca soubemos do Mestre que casa ela
havia iluminado como filha e em que vilarejo nascera; nem soubemos se deu brilho a
qualquer casa como esposa, ou a razão pela qual sentia desapego pelo mundo e andava
de lugar em lugar como uma Sannyasini, em sua idade madura. Nenhum de nós soube
ao menos onde ela adquiriu tanta erudição, nem onde e quando fizera tanto progresso na
Sadhana.
8. Não precisamos dizer que a Brahmani era muito adiantada na Sadhana. Isto é

91
provado pelo fato de que fora escolhida pela Providência para ser a instrutora espiritual do
Mestre. Ouvimos do próprio Mestre que mesmo antes de vir a ele, ela pôde conhecer, pelo
poder da Yoga, que durante sua vida teria de ajudar três homens em sua Sadhana, sendo um
deles o próprio Mestre e mais dois, e assim que os viu, em lugares diferentes, em épocas
diferentes, os reconheceu e ajudou. É uma prova convincente de que era uma aspirante da
mais elevada ordem.
9. Ela falou com o Mestre de Chandra e Girija, os dois outros mencionados
acima, no primeiro encontro com ele: "Meu filho", disse: "já encontrei ambos e hoje
encontro você a quem venho procurando há muito tempo. Depois vou apresentá-los a
você." Realmente a Brahmani trouxe-os mais tarde a Dakshineswar e apresentou-os a ele.
O Mestre disse-nos que ambos eram aspirantes de elevada ordem, mas que apesar de
terem avançado muito na Sadhana, seu desejo de realizar Deus não foi satisfeito.
Alcançaram alguns poderes de fazer milagres mas por isso, perderam seu caminho, nos
bosques do ocultismo.
10. O Mestre disse-nos que Chandra era de natureza contemplativa e amante
de Deus. Alcançou sucesso fazendo milagre com uma Gutika ou bola pequena. Com essa
bola, santificada com um Mantra para sua pessoa, podia desaparecer da vista dos olhos
comuns e facilmente entrar e sair sem ser visto mesmo de lugares cuidadosamente
protegidos e de difícil acesso. Mas a fraca mente humana torna-se egoísta se obtiver esses
poderes miraculosos antes da realização de Deus. É desnecessário dizer que o aumento do
egoísmo enreda o homem na rede dos desejos, impede que ele vá em frente na direção de
altos ideais e por fim torna-se a causa de sua queda. Ah, quantas e variadas foram as
maneiras pelas quais o Mestre nos explicou isso: "É o aumento do egoísmo que conduz ao
aumento do pecado, e seu declínio conduz à aquisição da virtude. O aumento do egoísmo
está acompanhado do declínio das virtudes e a destruição do egoísmo resulta na realização
de Deus. Egoísmo é pecado e altruísmo, virtude. Quando o "eu" morre, todos os problemas
terminam." "Ah!", ele continuava, "somente o egoísmo, que é chamado nas escrituras, 'o
laço que prende o Espírito à matéria'. Espírito ou Consciência significa o Ser que é da
natureza do Puro Conhecimento e matéria significa o corpo, os sentidos e similares. O
egoísmo ligou os dois e criou na mente humana a ilusão: 'Sou um Jiva possuído de corpo,
sentidos, etc.' Ninguém pode fazer qualquer progresso se não cortar esse laço em
pedaços. Deve ser abandonado. A Mãe também mostrou-me que poderes miraculosos
devem ser afastados como fezes. Não se deve dar atenção a eles. Às vezes vêm
espontaneamente àquele que se aplica às práticas espirituais, mas aquele que dá importân-
cia a eles pára e não vai em frente na direção de Deus."
11. Para Swami Vivekananda, a meditação era, por assim dizer, sua vida. Mantinha
a mente meditando em Deus o tempo até quando estava comendo, deitado, sentado e
outros atos físicos necessários. O Mestre costumava dizer que ele 'atingira perfeição na
meditação'. Um dia, enquanto meditava, subitamente vieram-lhe clarividência e
audiência, i.é, o poder de ver e ouvir à distância. Assim que se sentava para meditar e a
meditação se aprofundava um pouco, sua mente elevava-se a um plano onde podia ver as
pessoas e ouvir suas conversas. Assim que teve tais experiências desejou ver se a visão
era verdadeira ou não. Imediatamente deixou a meditação, foi àqueles lugares e viu que
tudo o que vira era verdadeiro. Ao contar ao Mestre, alguns dias depois, este último disse-
lhe: "Tudo isso são obstáculos à realização de Deus. Não medite por uns dias."
12. O egoísmo cresceu em Chandra quando teve sucesso no Mantra. O Mestre
contou-nos que o apego à luxúria e ao ouro gradualmente desenvolveu-se. Enamorou-se
da filha de um homem rico e começou a frequentar sua casa por meio daquele poder
miraculoso. Assim, com o aumento do egoísmo, Chandra perdeu o poder e veio a sofrer
muitas humilhações.
13. O Mestre falou-nos também, do estranho poder de Girija. Disse que um dia
foi com ele até a casa de Sambhu Mallick nas proximidades do templo de Kali. Sambhu
Mallick amava muito o Mestre e considerava-se abençoado se pudesse ser-lhe útil. Arrendou
um terreno perto do templo de Kali por duzentos e cinquenta rupias e construiu um cômodo

92
para a Santa Mãe morar. Ela morava naquele cômodo, tomava banho no Ganga e ia
depois visitar o Mestre. Certa vez teve um sério ataque de disenteria com sangue.
Sambhu Mallick tomou todas as providências para seu tratamento e dieta. Sua esposa
também era uma devota que adorava o Mestre e a Santa Mãe como Deus encarnado.
Levava-a para sua casa nas "auspiciosas"2 (2 Toda terça-feira é considerada auspiciosa para a adoração da Mãe Divina. Daí todas
as terças-feiras serem qualificadas de "auspiciosas") terças-feiras e adorava-a como Mãe Divina do universo.
Além disso, Sambhu Babu providenciava tudo o que era necessário para o Mestre, como
comida e carruagem para ir e vir de Calcutá. Naturalmente depois da morte de Mathur
Babu ele teve o privilégio de servir o Mestre dessa maneira. O Mestre descrevia-o como
o segundo "supridor das provisões" e naquela época costumava ir com frequência à sua
casa para passear, passar algumas horas em conversas religiosas e então, regressar.
14. Uma vez foi com Girija à chácara de Sambhu Babu e passou longo tempo
conversando com ele. "Os devotos," disse o Mestre, "são como fumantes de cânhamo, em
certos aspectos. Um fumante de cânhamo primeiro dá uma tragada na tigela, passa-a para
outro fumante e depois exala a fumaça lentamente. Não desfruta a intoxicação antes de
passar a tigela a outro. De maneira similar, quando os devotos estão juntos, um deles,
absorto no estado divino, fala de Deus e tomado de felicidade, fica em silêncio; dá a outro
devoto a oportunidade de falar d'Ele e desfruta a felicidade como ouvinte." Girija e o
Mestre vieram juntos à casa de Sambhu Babu e nenhum dos dois notou o tempo passar.
Gradualmente veio o anoitecer e o primeiro quarto da noite passou imperceptivelmente,
quando o Mestre compreendeu que deveriam voltar. Acenando boa noite a Sambhu,
chegou à estrada com Girija, prosseguindo em direção ao templo de Kali. Era, contudo,
noite fechada. Incapaz de ver qualquer coisa na estrada, escorregava a cada passo,
errando de direção. Estava escuro e não ocorrera ao Mestre, que estava absorvido na
conversa, pedir uma lanterna a Sambhu. O que ia fazer agora? Segurou a mão de Girija e
de uma maneira qualquer começou a sentir o caminho. Contudo, estava experimentando
muita dificuldade. Vendo-o naquele estado, Girija disse: "Espere um pouco, irmão; vou
dar-lhe luz." Assim falando, virou-se e iluminou a estrada com um grande facho de luz
brilhante que saía de suas costas. O Mestre disse: "Toda a estrada até o portão do templo
de Kali ficou claramente vista com aquela luz brilhante e tive luz todo o caminho até
chegar."
15. O Mestre sorriu e acrescentou: "Mas os poderes não permaneceram por
muito tempo com eles. Desapareceram quando Chandra e Girija viveram algum tempo nesta
(minha) companhia." Quando lhe perguntamos qual a razão, o Mestre disse: "A Mãe tirou
os poderes deles para dentro deste (seu próprio corpo) para o bem deles. Quando isso
aconteceu, abandonaram essas coisas vãs e suas mentes dirigiram-se para Deus."
16. Assim falando, continuou: "O que há com esses poderes? Enredada por eles
a mente afasta-se da Existência-Conhecimento-Bem-Aventurança. Ouçam uma história:
Um homem tinha dois filhos. O mais velho foi tomado, na juventude, por desapego.
Abandonou a casa do pai como monge, enquanto o mais novo recebeu educação e
tornou-se erudito e virtuoso. Casou-se e dedicou-se a cumprir as obrigações de chefe
de família. Ora, há uma tradição entre os monges que, se quiserem, podem ir à terra
natal uma vez, depois de transcorridos doze anos. O referido monge também veio
visitar a terra natal. Vendo a terra, a plantação, a riqueza e outras posses do irmão mais
novo, chegou ao portão e chamou-o pelo nome. Ouvindo o chamado, o irmão mais
novo saiu e viu o irmão mais velho. Como o estava encontrando depois de muito tempo, o
irmão mais novo ficou fora de si de alegria. Saudando, levou-o para dentro e sentando-
se a seu lado, começou a servi-lo de diversas maneiras Os dois irmãos conversaram
sobre diversos assuntos depois de comerem. O irmão mais novo então perguntou ao mais
velho: 'Irmão, você abandonou todos os prazeres mundanos e vem andando como
monge há muito tempo. Por favor, diga-me, o que você ganhou com isso.' Ao ouvir o
irmão mais velho disse: 'Quer ver? Venha comigo.' Assim falando foi com o irmão mais
novo às margens de um rio da vizinhança e disse: 'Veja', e imediatamente sumiu
andando pelas águas do rio até a outra margem e chamou-o: 'Viu isso?' O irmão mais

93
novo pagou meio penny para o dono do bote, atravessou o rio e foi até o irmão e disse:
'O que eu vi?' O irmão mais velho disse: 'O que? Não viu que atravessei o rio a pé?' O
mais jovem riu e disse: 'Irmão, também não viu que atravessei o rio pagando meio
penny? Mas é tudo isso que ganhou com tanto sofrimento durante doze anos? Conseguiu
apenas o que eu fiz por somente meio penny!' O irmão mais velho foi despertado pelas
palavras do mais novo e passou a se dedicar à realização de Deus."
17. Assim, através de histórias, o Mestre explicou-nos de diversas maneiras, que
a aquisição de pequenos poderes, em comparação com o mundo espiritual, era
insignificante e quase sem propósito e que deveria ser evitada por todos os meios. Não
podemos deixar de narrar aqui outra história semelhante do Mestre: "Um Yogi alcançou
o poder de fazer acontecer o que dissesse. Tudo o que falasse a uma pessoa, ocorria
imediatamente. Mesmo que dissesse a alguém: 'Morra', imediatamente morria: se
dissesse de novo: 'Viva', logo ressuscitava. Um dia, durante uma viagem, o Yogi encontrou
um devoto muito santo. O Yogi viu que ele repetia constantemente o nome de Deus e
meditava n'Ele. Disseram-lhe que o devoto vinha há muitos anos praticando austeridade.
Vendo e ouvindo todas essas coisas, o Yogi egoísta foi ao santo e disse: 'Bem, o senhor
vem realmente repetindo o nome de Deus há muito tempo, diga-me, ganhou alguma
coisa com isso?' O santo respondeu humildemente: 'O que espero obter? Não tenho
outro desejo que não seja o de realizá-Lo; e ninguém pode realizá-Lo sem Sua graça. É
por isso que estou aqui chamando por Ele, para que Ele possa algum dia ter compaixão
por mim, tomando conhecimento que sou tão humilde e inferior.' O Yogi retrucou: 'Se o
senhor não ganhou nada, qual o valor desse esforço inútil? Dirija seu esforço no sentido de
obter alguma coisa!' Assim aconselhado, o devoto permaneceu em silêncio, mas um pouco
mais tarde, perguntou ao Yogi: 'Bem, senhor, posso saber o que o senhor mesmo
conseguiu?' O Yogi disse: 'Bem, quer saber? Veja.' Assim falando, disse a um elefante
amarrado a uma árvore, perto: 'Elefante, morra.' Imediatamente o elefante caiu morto. O
Yogi disse orgulhosamente: 'Viu? Agora veja também.' Com isso disse ao elefante morto:
'Elefante, viva.' E o elefante voltou à vida imediatamente, sacudiu a poeira do corpo e
ficou como antes. O Yogi disse com orgulho: 'Bem, viu agora?' O devoto ficou em silêncio
por muito tempo e falou: 'Bem, o que mais observei além de ver um elefante morrer e
voltar à vida novamente! Mas por favor diga-me o que o senhor ganhou com isso? Tornou-
se liberado dos repetidos nascimentos e mortes ao alcançar esse poder? Libertou-se da
velhice e da doença? Realizou a Própria Indivisível Existência-Conhecimento-Bem-
Aventurança?' O Yogi permaneceu mudo e foi assim despertado."
Embora Chandra3 e Girija (3 Swami Vivekananda partiu pela segunda vez para a Inglaterra em junho de 1899. Pouco
tempo depois, um dia, um homem veio ao mosteiro de Belur, apresentou-se como Chandra e ali permaneceu aproximadamente um mês. Swami
Brahmananda costumava Mear no mosteiro, nessa época. Vimos que essa pessoa teve muitas entrevistas particulares com ele. Contaram-nos que
repetidamente perguntava ao Swami: "O senhor está consciente de algo aqui?" Queria saber se o Swami sentia a presença viva do Mestre. Chandra
costumava dizer que o que o Mestre havia dito a seu respeito havia se concretizado. A única coisa que ainda não acontecera era a promessa do Mestre de
aparecer diante dele por ocasião de sua morte. Tinha o hábito de ir diariamente ao santuário do mosteiro e fazer Japa e meditação com grande devoção durante
muito tempo. Torrentes de lágrimas escorriam de seus olhos naquela época. Quando alguém lhe perguntava alguma cuisa sobre o Mestre, costumava dizer, com
grande alegria o que conhecia dele. Dava a a impressão de ser um homem de natureza calma. Vendo que ele sempre se sentava quieto num lugar com os
olhos fechados, um dia uma pessoa perguntou-lhe, ironicamente, "O senhor toma ópio?" "Que ofensa eu lhe fiz," disse humildemente, "para que o senhor
fale assim comigo?"
Quando, pela primeira vez, foi ao templo e fez saudações, dirigiu-se à sagrada imagem do Mestre como "irmão mais velho," e tomado de
afeição ardente e amor intenso, derramou profusas lágrimas. À primeira vista parecia ser um homem comum, não apresentando quaisquer insígnias de
religião como roupa ocre ou marcas de pasta de sândalo na testa. Usava roupa barata com a parte de cima, guarda-chuva e uma bolsa de lona na mão. Tinha
outra roupa, uma toalha e talvez um copo para beber água, na bolsa. Dizia que diversas vezes viajou de um lugar de peregrinação para outro daquela maneira.
Swami Brahmananda pediu-lhe, muito cortês e respeitosamente, para viver no mosteiro por toda a vida. Ele também concordou e disse: "Vou voltar e morar
aqui depois de resolver os problemas da propriedade." Mas jamais voltou ao mosteiro. A pessoa da qual se falou no texto talvez fosse o mesmo homem)
tivessem avançado no caminho da realização de Deus com a ajuda da Brahmani,
estavam longe de serem perfeitos. Com a companhia do Mestre, seu poder de fazer tais
milagres, enraizado no egoísmo foi destruído, sendo absorvido nele. Assim tiveram um
despertar e progrediram com redobrada energia no caminho que conduz à visão de
Deus.
18. Tivemos uma prova convincente de que a Brahmani, embora tenha
avançado muito na direção da Sadhana, não teve a realização completa do Indivisível
Existência-Conhecimento-Bem-Aventurança Absolutos. Foi só depois que o Mestre

94
atingiu perfeição nas disciplinas prescritas nos Tantras, com a ajuda da Brahmani, que
Tota Puri, que havia realizado, o último plano mencionado na Vedanta, o estado
Nirvikalpa de consciência veio pela primeira vez, no decorrer de suas viagens, ao templo
de Kali em Dakshineswar. Mal Tota Puri viu o Mestre, reconheceu-o como uma das
pessoas mais preparadas para trilhar o caminho da Vedanta e ensinou-o a Sadhana que
conduz ao Nirvikalpa Samadhi, iniciando-o em Sannyasa. A Brahmani empenhou-se muito
para que ele desistisse de ir em frente naquele caminho. "Meu filho," ela disse: "não o
visite muitas vezes; não se misture muito com ele. Esse caminho é seco e austero. Todo
seu ardente e intenso amor por Deus desaparecerá se você misturar-se com ele." Fica
evidente desse fato que embora a erudita Brahmani fosse uma pessoa extraordinária no
que diz respeito à devoção ao Senhor, jamais soube nem sonhou que o estado não
qualificado de Consciência, falado na Vedanta, descrito e considerado por ela como um
seco e austero caminho, era o primeiro passo para a realização da verdadeira e
suprema devoção. Não sabia que somente aquelas pessoas puras, despertas e
absolutamente desperta no Ser poderiam ter uma afeição desinteressada e ardente e um
intenso amor por Deus e que "os dois, devoção pura e conhecimento puro, são um e o
mesmo", como o Mestre costumava dizer. Nossa conclusão é que a Brahmani não havia
compreendido isso e porque ela não pôde compreendê-lo, o Mestre escondeu dela, bem
como de sua mãe, o fato de que ele praticara Nirvikalpa Samadhi, raspara a cabeça,
pusera roupa ocre e tomara iniciação do Swami Tota Puri nos mistérios de Sannyasa.
Disseram-nos que a mãe do Mestre vivia no primeiro andar do hall de música, ao norte
do templo de Dakshineswar. Fechando-se num quarto, o Mestre manteve-se fora de sua
vista e a dos outros, nos três dias em que praticou a Vedanta. Somente Puri ia vê-lo. É
claro que o Mestre não deu ouvidos às palavras da Brahmani.
19. Do que soubemos do Mestre, parece que a Brahmani era perfeita na
'atitude de herói' do culto dos Tantras. São indicadas nos Tantras três atitudes de
prática para a realização de Deus, a saber, a de 'animal', a de 'herói' e a de 'divino'. Os
aspirantes em que os sentimentos de animal, como sexo, raiva etc., prevalecem, são
aspirantes da atitude animal de adoração. São exortados a se manterem longe de todos
os objetos de tentação, a observarem de forma especial a pureza e a conduta externa e a
se empenharem na repetição do nome da Mãe, Purascharana e similares. O amor por
Deus prevalece sobre os sentimentos animais como sexo, raiva etc., nos aspirantes que
seguem a atitude de herói. As atrações de sexo e ouro e objetos da vista, gosto etc.,
intensificam o amor a Deus neles. Devem, portanto, dedicar a mente integralmente à
Mãe Divina, vivendo no meio da tentação de sexo, ouro e outros, mas mantendo-se
imperturbáveis à sua ação e reação. Só eles podem tornar-se aspirantes da atitude
divina de adoração em quem o sexo, raiva etc., foram para sempre lavados pela forte
corrente do amor da Mãe Divina e a prática das nobres virtudes4 de perdão, (4 Ashtavakra Samhita)
retidão de aconduta, bondade, contentamento, veracidade etc., tornaram-se naturais
neles como inalar e exalar o ar. Estas são, em resumo, as definições grosseiras das três
atitudes de adoração. Os melhores, os medíocres e os inferiores aspirantes, mencionados
na Vedanta são respectivamente os que seguem as atitudes divina, heróica e animal des-
critas nos Tantras.
20. Embora fosse a mais importante entre os aspirantes seguidores da atitude
heróica, a Brahmani não havia desenvolvido as qualificações para seguir a atitude divina. Ao
ver o exemplo vivo do Mestre e receber assistência dele, surgiu na Brahmani um forte desejo
de alcançar as qualificações para seguir a atitude divina. Via no Mestre as características
ímpares de uma pessoa estabelecida naquela atitude. Assim que ele ouvia a palavra Siddhi
(cânhamo) ou Karana5 (5 A palavra karana significa; (1) vinho, (2) causa, isto é, a causa do universo; a palavra Siddhi significa; (1)
cânhamo, (2) perfeição, i.é, a unidade com Deus. Daí, pela lei de associação de idéias, o Mestre costumava recordar-se dos segundos significados das
palavras pronunciadas e entrar em Samadhi).,
para não falar de ambas, tornava-se intoxicado com o
sentimento de unidade com Deus, a cansa do universo. Logo que via uma mulher, casta
ou não, era fortemente atraído para os aspectos doadores de felicidade e alimento da
Mãe do universo, evocando na mente a atitude de filho da Divina Mãe. Ao tocar ouro e

95
outros metais, suas mãos e outros membros contraíam-se, mesmo durante o sono pro-
fundo. Na companhia de uma pessoa como o Mestre - um fogo abrasador do amor divino -
quem na terra não poderia ter aquele fogo aceso em seu próprio coração? Quem não
desenvolveria aversão por valores efêmeros como riqueza e poder? Quem não perceberia
que Deus é nosso eterno parente, uma pessoa 'mais do que íntima'? É por isso que a
Brahmani virou uma nova página em sua vida, dedicando o resto dela a praticar intensa
austeridade.
21. Também ouvimos do Mestre que a Brahmani sentia ciúmes se ele se
juntasse muito com outra pessoa ou demonstrasse grande respeito a qualquer outro
aspirante ou devoto de Deus. Sua atitude a esse respeito era semelhante a de uma avó
que fica triste ao ver que a criança que criara, dedica mais tarde sua atenção, a outro
membro da família. Mas não era próprio de um aspirante tão elevado com a Brahmani,
ter tal sentimento no coração. Ela havia tido oportunidade de observar o Mestre dia e
noite durante muito tempo com relação a todos os seus atos e deve ter sabido dessa
longa e íntima experiência com ele que o amor, respeito etc., do Mestre não eram
momentâneos e fugazes como os dos outros. Deveria ter sabido que o amor e o
respeito que lhe depositava eram para sempre e neles não havia fluxo e refluxo. Mas
Meu Deus, Ó amor mundano! Ó mente de uma mulher! Você deseja prender o objeto de
seu amor para sempre e fazê-lo seu. Não gosta de dar-lhe a menor liberdade. Pensa
que logo que o objeto de seu amor obtiver um pouco de liberdade, não será mais seu e
irá amar outra pessoa. Não compreende que se trata de fraqueza de sua mente que a
faz pensar assim. Não compreende que o amor que não permite liberdade ao objeto de
amor e não pode ou não aprende a esquecer-se de si mesmo e sentir-se feliz com o
que o objeto de amor quer, logo se evapora. Assim, se tiver repousado todo o
sentimento de seu coração em alguém, tenha como certo que o objeto de seu amor
permanecerá seu somente e que o puro amor, livre do mais leve traço de egoísmo
trará no final, para o objeto de seu amor e para você mesmo a visão direta de Deus e
liberdade de todos os grilhões.
22. É de se admirar que embora fosse uma aspirante de elevada ordem,
amando Deus intensamente, a Brahmani não compreendeu este assunto simples ou foi
incapaz de assimilá-lo se tivesse compreendido. Tendo sido afortunadamente colocada na
posição de instrutor espiritual de Sri Ramakrishna, ela foi desenvolvendo lentamente em
sua mente idéias como: 'Sou superior a todos; eles devem obedecer-me sempre; caso
contrário vão se dar mal.' Contaram-nos que nem mesmo gostava que o Mestre ensinasse
a Santa Mãe, o que ele costumava fazer de vez em quando. Contaram-nos também que a
Santa Mãe costumava ficar vacilante e com medo dela e fechava-se em si mesma quando
em face dessas atitudes da Brahmani. Por fim, pela graça do Mestre, a Brahmani veio a
compreender sua fraqueza mental. Compreendeu que, se devido as circunstâncias ela se
afastasse dele, poderia conquistar sua crescente fraqueza e que, embora a atração dela
pelo Mestre fosse o elo de uma corrente de ouro, contudo deveria quebrá-lo e ir em
frente no caminho escolhido. Compreendemos muito bem que essa foi a razão pela qual
a Brahmani por fim deixou Dakshineswar e a sagrada companhia do Mestre; sabendo
que 'um Sadhu itinerante e a água corrente jamais ficam poluídos'6, (6 Este é um dito corrente entre os
homens santos que renunciaram ao mundo. O significado deste dito é que a mente de um homem santo que vagueia incessantemente, não tem apego a qualquer coisa ou
passou seu tempo viajando sozinha de um lugar de peregrinação a outro, praticando
pessoa)
austeridade. É desnecessário dizer que foi somente devido ao estado de instrutor
espiritual do Mestre que a Brahmani teve esse despertar.
23. Em seguida tomemos o exemplo de Tota Puri, o grande Sannyasi que
ensinou Advaita Vedanta ao Mestre. Tota Puri era uma figura alta e musculosa. Era
capaz de manter a mente serena e destituída de qualquer função, em Nirvikalpa
Samadhi, como resultado de ter praticado abstração mental e meditação durante
quarenta anos em solidão, como um asceta que a tudo renunciou. Passava muito
tempo diariamente em meditação e Samadhi. O Mestre referia-se a ele como o
"Desnudo", porque costumava ficar nu como um menino. Ou o Mestre assim fazia, muito

96
provavelmente porque uma pessoa jamais deve falar o nome de seu instrutor espiritual
ou chamá-lo pelo nome. O Mestre disse que o "Desnudo" jamais vivera numa casa e
adorava o fogo, pois pertencia à denominação dos Nagas. Os homens santos da
denominação Naga consideravam o fogo muito sagrado, razão pela qual apanhavam
madeira e mantinham uma fogueira acesa perto deles, durante toda a vida. Essa
fogueira é chamada Dhuni. Os homens santos Naga oferecem Arati à Dhuni todas as
manhãs e tardes e também, toda comida conseguida como Bhiksha ao fogo sob a
forma da Dhuni e depois, comiam esta comida oferecida. Por isso, em Dakshineswar,
o "Desnudo" tinha um assento no Panchavati, onde morava, e mantinha uma Dhuni aceso
perto dele. Sua Dhuni queimava igualmente na chuva ou no sol. Era junto da Dhuni que
o "Desnudo" comia e repousava. Também, quando esquecendo as preocupações e
ansiedades, e todo o mundo exterior estava no auge da noite nos braços do sono
reparador como uma criança no colo de sua mãe, o "Desnudo" levantava-se e tornava a
Dhuni mais brilhante. Sentava-se numa postura firme como o Monte Sumeru e fundia a
mente em Samadhi, quieto como a chama imóvel de um lampião num lugar sem vento.
Durante o dia Sri Tota também meditava a maior parte do tempo; mas fazia-o de
maneira que as pessoas não percebiam. É por isso que era visto estendido
completamente como um cadáver, com o corpo coberto da cabeça aos pés por um xale.
As pessoas pensavam que estava dormindo.
24. O "Desnudo" guardava consigo um jarro de água e uma tesoura grande.
Tinha uma pele onde se sentava de pernas cruzadas, conservando sempre o corpo
coberto por um xale grosso. Todos os dias polia o jarro d'água e a tesoura, mantendo-os
brilhantes. Vendo-o praticar meditação diariamente, o Mestre um dia perguntou-lhe:
"Você realizou Brahman e tornou-se perfeito; por que pratica meditação todos os dias?" A
isso olhou para o Mestre calmamente e apontando com o dedo o jarro d'água, disse: "Vê
como ele está brilhante? Mas o que acontecerá se eu não o polir diariamente? Não vai
perder o brilho? Saiba que a mente é a mesma coisa. A mente também acumula sujeira se
não for polida diariamente com a prática da meditação." Como possuía uma percepção
interior aguda, o Mestre aceitou a opinião do instrutor "Desnudo" mas inquiriu: "O que
acontecerá se o jarro d'água for de ouro? Certamente não ficará sujo mesmo se não for
polido diariamente." Tota sorriu e concordou, dizendo: "Ó sim, é verdade realmente!" O
Mestre lembrou-se a vida inteira das palavras do "Desnudo" com respeito à necessidade da
prática da meditação diária e nos citou em diversas ocasiões. É nossa impressão que as
palavras do Mestre, i.é, "um jarro d'água de ouro jamais fica manchado", ficaram também
impressos para sempre na mente de Tota. Ele estava convencido de que a mente do Mestre
era certamente tão brilhante como um jarro de ouro. Desde o começo uma espécie de
intercâmbio de idéias teve lugar entre instrutor e discípulo.
25. Está dito nas escrituras vedantistas que um homem torna-se completamente
livre do medo imediatamente após a aquisição do conhecimento de Brahman e que esta
é a única maneira de ficar-se livre do medo. É verdade. Como pode uma pessoa que
soube que ela mesma é o Ser, o Própr io Indivisível Existência-Conhecimento-Bem-
Aventurança, sempre puro, sempre desperto, que tudo penetra e livre de velhice e
morte - como ela pode ter medo de alguma coisa ou pessoa? De quem e como ela pode
ter medo, quando na verdade ela sempre vê e sente no fundo do seu coração que à
exceção do Uno, não há uma segunda coisa ou pessoa neste mundo? Sente que é o
Própria Indivisível Existência-Conhecimento-Bem-Aventurança o tempo todo sob
quaisquer circunstâncias, quer comendo ou bebendo, sentado ou deitado, dormindo ou
caminhando. Sente sempre sua existência eterna que tudo penetra em todos os
lugares e em cada ser. Sente que não come ou bebe, caminha ou repousa, sonha ou
dorme. Está sempre desperto. Não tem falta ou abundância de nada, indolência ou
atividade, pesar ou alegria, nascimento ou morte, passado ou futuro - de fato não
tem qualquer coisa que um homem vê, ouve, pensa ou imagina com a ajuda dos
cinco sentidos, mente ou intelecto. É essa experiência que as escrituras descreveram
como o último estágio no progresso do processo discriminativo de 'Isto não', 'Isto não',

97
além do qual está aquele Ser infinito? intuído diretamente no Samadhi. Ter esse
conhecimento do Ser, sempre e a qualquer momento da vida, é o que é conhecido como
estar estabelecido no estado de identificação com a absoluta Consciência pura; e
quando uma pessoa está assim estabelecida, surge a experiência de libertação de
qualquer grilhão. O Mestre costumava dizer: "Quando um Jiva realiza esse estado de ser
completamente uno com aquela Consciência, seu corpo permanece vivo por somente
vinte e um dias, quando então cai como folha seca, em outras palavras, é destruído. E
como ele jamais terá essa consciência do 'eu', não mais retorna a esse mundo.
Também em contraste com esse, há os Jivas, descritos como 'liberados em vida', que
continuam a ter em intervalos de curtos períodos, a realização direta do Ser - a
realização de ser uno com a Consciência pura - até que afinal culmina com seu
completo e final estabelecimento no Ser. Os 'sempre-livres', Iswarakotis, contudo,
nascidos como são neste mundo apenas para fazer bem aos outros ao estabelecer
algum aspecto particular da Verdade, têm essa experiência de serem unos com a
Consciência pura durante curtos intervalos desde a infância. Por fim, ao completarem
o trabalho para o qual vieram, fundem-se completa e finalmente naquela absoluta
Consciência. Também, aquelas pessoas de poderes espirituais extraordinários, que o
mundo até hoje não conseguiu determinar se são seres humanos de poderes
excepcionais ou o Próprio Deus Encarnado que veio à terra para o bem da humanidade
- aquelas pessoas, as Encarnações de Deus, podem, desde sua infância atingir à
vontade o estado perfeito de conhecimento, aí permanecer enquanto quiserem e a seu
gosto descer à consciência do mundo - campo de encontro de nascimento e velhice,
de alegria e tristeza - para ajudar os Jivas apanhados no ciclo de nascimentos e
mortes."
26. O reverenciado Tota Puri atingiu o estado de ser 'liberado em vida'
mencionado acima, como resultado de práticas espirituais austeras durante quarenta
anos e foi por isso que nenhuma ação sua como comer, descansar, dormir, andar a
esmo etc., foi igual ao curso normal dos seres humanos. Como o eternamente livre
vento sem qualquer entrave, costumava andar a esmo livremente de lugar em lugar.
Também, como o vento, era intocado pelo bem ou mal do mundo e como o próprio
vento, não podia permanecer confinado em qualquer lugar; porque ouvimos do Mestre,
que Tota não ficava mais de três dias num lugar. Devido à maravilhosa atração do
Mestre, Tota, contudo, viveu onze meses contínuos em Dakshineswar. Ah, que encanto
o Mestre tinha!
27. O Mestre disse-nos muitas coisas sobre o destemor de Tota. Entre elas
havia um estranho acontecimento sobre um espírito. Certa vez altas horas da noite,
Tota fez a Dhuni tornar-se bem brilhante e estava preparado para meditar. Tudo na
vizinhança estava calmo, não se ouvia o mais leve barulho. Nenhum ruído chegava a
seus ouvidos, exceto o barulho dos grilos e às vezes o piado profundo das corujas que
viviam nos buracos dos pináculos dos templos. Também não havia qualquer movimento
de vento. Os galhos das árvores do Panchavati subitamente tremeram e uma forma
humana, alta, desceu da árvore até o chão, olhando fixamente para Tota, chegou com
passos lentos até a Dhuni e aí sentou-se. Surpreso ao ver tal personagem, nu como
ele, Tota perguntou-lhe quem era. A pessoa respondeu: "Sou um Bhairava (semi-
deus). Moro no topo da árvore com o intuito de proteger este lugar sagrado." Tota não
ficou com medo e disse: "Muito bem, você e eu somos o mesmo ser, você é uma
manifestação de Brahman e eu também. Venha, sente-se e medite." A pessoa riu e
desapareceu, por assim dizer, no ar. O 'Desnudo' não ficou perturbado com o
acontecimento; dedicando a mente à meditação. Na manhã seguinte Tota relatou o
incidente ao Mestre. O Mestre respondeu: "Sim, é verdade, ele vive aqui. Eu também o
encontrei em diversas ocasiões. Algumas vezes predisse alguns acontecimentos futuros.
Certa vez a Companhia (Governo da Índia) tentou adquirir toda a parte do Panchavati
para construir um depósito de pólvora. Sabedor da proposta, fiquei muito preocupado
porque iria perder a oportunidade de sentar e chamar a Mãe nesse lugar, longe do

98
barulho e tumulto do mundo. Mathur instituiu um caso contra a Companhia em favor da
Rani Rasmani, para impedir a aquisição daquele pedaço de terra. Nessa época, um dia vi
o Bhairava sentado na árvore. Disse-me, com um sinal, que a Companhia não ia ter a
possibilidade de adquirir a terra e perderia a causa. Isto realmente ocorreu."
28. Nada ouvimos do Mestre a respeito do exato lugar de nascimento de Tota no
noroeste do país. O Mestre também não achou necessário perguntar. Geralmente,
quando perguntados sobre detalhes de sua vida anterior à vida monástica - seus
nomes, lugares de nascimento etc., - os monges não os mencionam. Dizem: "Fazer
essas perguntas aos monges e os monges as responderem é proibido pelas
escrituras." Esta foi a razão, talvez, porque o Mestre jamais perguntou isso ao
'Desnudo'. Mas enquanto viajavam na parte noroeste da Índia, depois da morte do
Mestre, os discípulos Sannyasins do mosteiro de Belur indagaram sobre velhos
Paramahamsas e souberam que o referido Puri havia nascido em algum lugar ou perto
do Punjab. O mosteiro de seu instrutor espiritual ficava em Ludhiana, perto de
Kurukshetra. Seu instrutor era também um famoso Yogi e um mosteiro havia sido
estabelecido ali. Não se sabe ao certo se aquele mosteiro foi fundado por ele ou por
qualquer um de seus predecessores. Os monges antigos disseram aos discípulos do
Mestre que o instrutor de Tota Puri era o Mohanta, chefe do mosteiro e que ali
costumava haver uma feira anual, onde as pessoas dos vilarejos vizinhos reuniam-se
em sua honra. Como costumava fumar tabaco, os aldeões ainda agora trazem fumo,
durante a feira, e o presenteiam à sua 'comunidade'. Tota Puri foi nomeado chefe
daquele Math após a morte de seu instrutor.
29. Segundo palavras do próprio Tota Puri, parece que foi-lhe ensinada a
Vedanta desde a infância por seu instrutor, chefe da comunidade dos monges. Viveu
com ele durante muito tempo, estudando as escrituras e praticando Sadhanas. Contou
ao Mestre que viviam em sua comunidade setecentos monges que diariamente
praticavam, segundo as ordens do instrutor, meditação e outros exercícios espirituais
para realizar durante a vida as verdades ocultas da Vedanta. Tota Puri deu ao Mestre
alguma informação a respeito do estranho método de ensinar meditação e outros
exercícios espirituais naquela comunidade. O Mestre, diversas vezes, falou-nos a
respeito, para nosso estudo. Dizia: "O 'Desnudo' costumava dizer que havia
setecentos aspirantes espirituais em sua comunidade. Para os que estavam começando
a aprender meditação pedia-se-lhes que o fizessem sentados em almofadas, porque
poderiam sentir dor nas pernas se tivessem que se sentar e meditar em lugares duros e
suas mentes não acostumadas poderiam pensar em seus corpos em vez de Deus.
Depois, quanto mais profunda se tornasse a meditação, mais duros eram os
assentos. Por fim tinham que se sentar numa pele ou no chão para meditar. Tinham
também que observar regras estritas com tudo que dizia respeito à vida quotidiana.
Quanto à roupa, os discípulos também eram exortados a gradualmente a permanecer
nus. Como o homem está preso por oito grilhões, como vergonha, ódio, medo,
egoísmo relativos ao nascimento, linhagem, posição social e assim por diante, eram
ensinados a abandoná-los um por um. Depois, quando desenvolviam profunda
concentração da mente, deviam sair e viajar de um lugar de peregrinação a outro, no
início com outros monges, mais tarde sozinhos e em seguida, regressarem. Os
'monges desnudos' tinham essas regras." Sri Puri contou ao Mestre como era a prática
de eleger o Presidente (Mohanta). O Mestre disse-nos um dia, durante o curso de
uma conversa: "Somente aquele entre os monges desnudos que houvesse alcançado
o verdadeiro estado de Paramahamsa, era eleito por todos para o cargo de Mohanta
da comunidade, quando o lugar estivesse vago. Caso contrário, como poderia a pessoa
eleita permanecer fiel a seus votos ao administrar tanto dinheiro, respeito e poder?
Certamente teria a mente alterada. Por isso colocavam no lugar de Mohanta uma
pessoa que não tivesse atração por ouro. Ela teria que tomar conta de grandes
quantias de dinheiro e outras propriedades valiosas. Somente tal pessoa poderia ser
considerada confiável para despender corretamente aquela riqueza no serviço de

99
Deus e de homens santos."
30. Dessas palavras fica bem claro que Tota Puri, desde a infância foi
educado sob o cuidado afetuoso de seu instrutor como se estivesse num lugar
celestial, longe dos apegos mundanos, desilusão, ciúme, ódio etc. Nas regiões do
noroeste deste país há o costume dos casais sem filhos prometerem fazer
Sannyasin um de seus filhos se um nascesse e assim, oferecê-lo ao serviço de
Deus. Sempre cumprem o prometido. Teria sido o reverenciado Puri oferecido a seu
instrutor dessa maneira? Deduzimos que sim, porque ele jamais mencionou
qualquer coisa sobre seus pais, irmãos, irmãs e outras pessoas durante a vida
antes de ingressar na visa monástica.
31. Como resultado de impressões decorrentes de atos virtuosos feitos no
passado, a mente do santo é dotada de uma fé simples e sincera. Acharya Sankara
escreveu logo no começo de seu Viveka-chudamani (1.2) que a aquisição de três
coisas, a saber, nascimento humano, anseio pela realização de Deus e refúgio num
instrutor conhecedor de Brahman, é muito rara no mundo. Não é possível consegui-
las sem a graça do Senhor. Não somente o santificado Puri afortunadamente
conseguiu essas três oportunidades juntas, como pôde dar-lhes um uso apropriado
e alcançar liberação, a meta última da vida humana. Sua mente assimilou as
instruções do instrutor que ele costumava pôr em prática, exatamente como
ensinadas. Parece que não sofreu a decepção e a hipocrisia da mente. Há um dito
entre os vaishnavas. "Os três, a saber, o instrutor espiritual, o Ideal Escolhido e o
devoto podem realmente ser bons com o homem, mas se ele não tiver bondade
'consigo', é levado a um estado de completa ruína." Aqui 'consigo' significa a própria
mente. Se a mente não for bondosa o homem está arruinado. Não cremos que o
santo Puri tivesse que sofrer nas mãos de uma mente 'patife'. Sua mente simples
repousava na confiança em Deus e ia em frente lentamente ao longo do caminho
indicado pelo instrutor. Enquanto avançava, jamais lançou um olhar de cobiça,
sugerido por qualquer desejo não satisfeito, para os pecados e tentações do
mundo. Por isso o santo ficou convencido de que o esforço individual,
perseverança, auto-confiança e fé em si mesmo eram tudo. Ah! O santo não sabia
que quando a mente se torna teimosa ou insubmissa, o esforço é levado como
feixe de palha pela forte corrente de água. Não sabia que no lugar daquela auto-
confiança e fé em si mesmo, viria uma terrível falta de confiança em seu próprio
poder, fazendo da pessoa alguém mais frágil do que um verme. Tendo sido as
circunstâncias de sua vida naturalmente favoráveis ao desenvolvimento espiritual,
jamais pôde acreditar que foi pela graça de Deus somente que essa vantagem
tinha sido possível e que sem ela, todos os esforços somente produzem resultados
contrários, envolvendo-o na escravidão mais complicada. Por que não pensava
assim? Durante toda a vida foi capaz de fazer qualquer coisa que empreendesse.
Todas as vezes foi capaz de pôr em prática, em sua própria vida, tudo o que
considerava bom para o homem. Por conseguinte, é duvidoso que o santo
pudesse sequer imaginar que alguém estivesse no estado em que seu "intelecto
compreende mas o coração não permite." Jamais teve oportunidade de
experimentar uma situação conflitante, na qual o coração sentia incessantemente
as picadas de centenas de escorpiões, por assim dizer, por não ter conseguido
fazer com que as "palavras (e ações) correspondessem a seu pensamento". Nem
jamais experimentou os sofrimentos que se levantavam, de mil tendências que
espreitavam na mente impelindo-o a seus caprichos viciosos, ou de cada um de
seus sentidos em revolta contra a consciência ou entendimento mais elevado,
levando a pessoa a um estado terrível de desânimo. Ou mesmo que soubesse que
havia diferença entre 'aprender ouvindo, aprender vendo ou aprender por uma
verdadeira experiência amarga'. Havia, portanto, um mundo de diferença entre a
imagem mental de sofrimento que o santo poderia ter na mente e o que um
homem sinta na angústia do sofrimento real. Por isso o santo Puri ignorava a

100
influência da Avidya Maya sem começo, o poder de Brahman, que era difícil de ser
ultrapassado. Por esta razão era capaz somente de sentir uma dura aversão pelas
falhas do homem ao invés de demonstrar simpatia por sua atuação desesperada na
vida. Corrigiu-se a esse respeito somente depois de ter tido contato com o Mestre em
seu divino estado de instrutor. E em sua companhia a experiência convenceu-o do
poder dominador de Maya sobre os homens, bem como da identidade de Brahman e
Sakti (Poder de Brahman). Tendo aprendido a lição, inclinou a cabeça ante a Mãe Divina
e deu adeus a Dakshineswar. Vamos agora descrever estes acontecimentos.
32. Austero homem de renúncia, observando continência desde a infância, Tota
realmente tinha a impressão, como já havia sido observado pela Brahmani, de que o
caminho de devoção a Deus era uma fantasia. Não havia compreendido que o amor e
devoção poderiam ensinar às pessoas a gradualmente renunciar a tudo, incluindo sua
própria felicidade, para o bem do seu Bem-Amado, levando-as em termos finais à
realização de Deus; que no último desenvolvimento de sua devoção, um verdadeiro
devoto e Sadhaka adquiria a capacidade de alcançar o conhecimento da perfeita não-
dualidade; e que Japa, glorificação das qualidades elevadas do Senhor e orações, canto
de Seu nome e prática de outras coisas auxiliares da Sadhana devocional não eram,
por conseguinte, para ser ridicularizados. Por isso o santo às vezes ridicularizava os atos
devocionais feitos sob influência de grande fervor espiritual. O leitor, contudo, não deve
concluir disso que o reverenciado Puri fosse um ateu ou que não tivesse amor a Deus.
Possuidor do controle dos sentidos internos e externos e de outras virtudes auxiliares à
sua Sadhana, o santo tinha uma natureza calma e sua devoção a Deus pertencia à
atitude Santa ou calma. Somente podia compreender nos outros este tipo de devoção a
Deus. Mas jamais entrou na cabeça de Sri Puri que uma pessoa pudesse alcançar o Ser
Supremo diretamente e com igual rapidez, amando Aquele que fez o universo, através
da forma pessoal de amor como seu próprio mestre, amigo, filho ou marido. Os apelos
exigentes do devoto a Deus sob influência da atitude de amor, o sentimento de
separação, seu grande anseio, sua elevação e egoísmo, tudo centrado em Deus, bem
como a expressão física disso, rindo, chorando etc., sob a influência de sentimentos
divinos irrestritos - tudo isso Sri Puri só podia considerar como conversas
incoerentes ou fantasias de pessoas desequilibradas. Nem jamais imaginou que um
aspirante dessa natureza pudesse obter rapidamente o resultado desejado com a
ajuda desses sentimentos inspirados pelo amor. Por conseguinte, costumava ocorrer em
diversas ocasiões, um afetuoso conflito de pontos de vista entre o Mestre e Tota Puri
com relação à devoção à Mãe do universo, o Poder de Brahman e o resultante
sentimentalismo irrestrito.
33. Era costume do Mestre desde a infância, bater palmas de manhã e à tarde
durante um curto período e às vezes dançar devido à influência de estados
devocionais enquanto cantava, em voz alta, as grandes virtudes do Senhor, tais como:
"Chame Hari, chame Hari. Hari é o Instrutor, o Instrutor é Hari. Ah! Govinda, minha
força vital, minha vida! A mente é Krishna, a força vital é Krishna, o conhecimento é
Krishna, a meditação é Krishna, a consciência é Krishna, o intelecto é Krishna. Tu és o
universo, o universo és Tu. Sou a máquina, Tu és o operador." Costumava fazer assim
diariamente mesmo depois de ter atingido o Nirvikalpa Samadhi e o conhecimento da
Não-dualidade. Uma tarde, sentando-se perto de Sri Puri, ficou conversando com ele
até o crepúsculo. Vendo o entardecer, o Mestre parou de falar e começou a cantar,
batendo palmas, os nomes e virtudes do Senhor. Vendo-o agir assim, Tota Puri ficou
surpreso, admirado de como podia alguém, cujo preparo excepcional pela disciplina
vedantista o conduzira ao Nirvikalpa Samadhi em tão pouco tempo, praticava
disciplinas Bhakti, que ele considerava ser para homens do mais raso nível de
desenvolvimento espiritual. Sarcasticamente comentou: "Está batendo palmas para
moldar Chapatis?" Estava ridicularizando esse tipo de disciplina Bhakti ao fazer alusão
à maneira como os Chapatis são feitos, sem o uso do rolo e tábua, por pessoas do
noroeste da Índia, que moldam a massa com a pressão das mãos produzindo um som

101
semelhante às palmas. Em resposta o Mestre riu e disse: "Que tolice! Estou tomando o
nome de Deus e você diz que estou moldando Chapatis!" A essa resposta direta e
simples do Mestre, sem tom de ofensa, Sri Puri também riu, compreendendo que o ato
do Mestre poderia ter um significado, embora não tenha entendido. Era melhor não
criticar o que não podia compreender.
34. Noutra ocasião o Mestre estava sentado, depois do entardecer, perto da
Dhuni de Sri Puri. No decorrer da conversa sobre Deus, as mentes do Mestre e do santo
elevaram-se a um plano muito alto e mergulharam no conhecimento não-dual. Como as
chamas na Dhuni ardiam, parecia como se estivessem vibrando com o sentido de seu
ser uno com o deles e enviando para o alto suas numerosas línguas como um sorriso
feliz, sinal de estar apreciando esse fato! Naquele momento um empregado do jardim
quis fumar e preparando tabaco em sua tigela, chegou para apanhar um pouco de
carvão incandescente, colocando em sua tigela um pedaço da madeira que queimava
na Dhuni. Mergulhado na conversa com o Mestre e desfrutando a felicidade do
Brahman não-dual, o santo não percebeu a chegada e a retirada do carvão
incandescente da Dhuni. Subitamente percebeu e extremamente aborrecido e zangado,
começou a xingar e ameaçadoramente agitou-lhe um par de tesouras. Como já
dissemos, os homens Nagas adoram e mostram grande respeito ao Elemento Fogo na
forma do Dhuni.
Rompendo em gargalhada, num estado semiconsciente, o Mestre exclamou a
respeito do comportamento de Tota Puri: "Ah, infâmia! Ah, esquecimento!" Repetiu isso
diversas vezes, riu e rolou no chão. Tota ficou surpreso com a atitude do Mestre e
disse: "Por que está fazendo isso? Não vê como aquele homem estava errado?" O Mestre
riu e disse: "Sim, é verdade; mas vejo ao mesmo tempo a profundidade de seu
conhecimento de Brahman! Há pouco você estava dizendo: 'Não há nada exceto
Brahman e todas as coisas e pessoas no universo são simplesmente Suas
manifestações.' Mas esqueceu tudo em seguida, disposto a bater num homem! É por
esta razão que ri, pensando na onipotência de Maya." Ouvindo isso, Tota ficou sério e
em silêncio por algum tempo, dizendo então: "Você tem razão. Sob a influência da
raiva realmente esqueci-me de tudo! A raiva é certamente muito reprovável. Vou
abandoná-la agora mesmo." A partir daquele dia o santo nunca mais foi visto com
raiva.
35. O Mestre costumava dizer: 'Apanhado na rede dos cinco elementos,
Brahman chora.' Você pode fechar os olhos e tentar enganar-se de que não há
espinho ou picada, mas logo que sua mão toca o espinho, grita de dor. De maneira
semelhante você pode fazer o máximo para persuadir a mente que não há nascimento
ou morte, vício ou virtude, dor ou prazer, fome ou sede - que você é o imutável Ser, o
Próprio Existência-Conhecimento-Bem-Aventurança. Mas logo que seu corpo cai
doente esquece-se de tudo a respeito do Ser imutável e se mente for atraída pela força
da luxúria para com os objetos de prazer e pela ganância de ouro, você será forçado
a fazer o mal, incapaz de resistir às tentações que está confrontando. Desilusão,
angústia, dor e coisas semelhantes surgem e o molestam muito, fazendo-o esquecer
toda sua discriminação e conclusões cuidadosamente trabalhadas. Por conseguinte,
tenha por certo, meu filho, que ninguém pode ter Auto-conhecimento e libertar-se da
miséria do mundo enquanto a graça de Deus não descer sobre ele e Maya abrir a
porta para a liberação, afastando-Se. Não leu no Chandi,7 (7 1.56): 'Quando Ela se torna
misericordiosa, confere a graça da liberação às pessoas'? Nada é impossível se a
Mãe concede Sua graça, afastando-Se do caminho.
36. "Rama, Sita e Lakshmana atravessavam uma floresta. O caminho era
estreito - nem mesmo dois podiam ir ao lado um do outro. Rama ia na frente com o
arco na mão. Sita o seguia e Lakshmana vinha atrás dela com o arco e flechas.
Lakshamana tinha tanto amor e devoção por Rama que ansiava o tempo todo em
ver sua forma, com a pele azul como nuvem recém formada. Mas como Sita estava
entre eles, não podia ver Rama enquanto andavam e por isso ficou ansioso para vê-

102
lo. A inteligente Sita compreendeu e simpatizando-se com Lakshmana em sua tristeza,
afastou-se um pouco para um lado e lhe disse: 'Olá - veja!' Foi então que Lakshmana
viu para alegria de seu coração a forma de Rama, seu Ideal Escolhido. De maneira
similar, Maya, representada por Sita, fica entre o Jiva e Isvara. Tenha como certo que
o Jiva que é representado por Lakshmana não pode ver Deus até que, sentindo
simpatia por ele, Ela se afaste. No momento em que Ela conceder Sua graça o Jiva é
abençoado com a visão de Narayana, representado por Rama no exemplo e aliviado de
todos os problemas e tribulações do mundo. Caso contrário, por mais que discrimine e
chegue a conclusões lógicas, tudo será inútil. Diz-se que um grão de um determinado
cereal digere cem grãos de arroz, mas que quando há um problema no estômago
mesmo cem grãos desse cereal não podem digerir um simples grão de arroz. Esta é
uma boa analogia."
37. Swami Tota Puri era um recipiente da graça da Mãe do universo desde seu
nascimento. Possuía desde a infância, boas impressões, uma mente sincera, a
companhia de um grande Yogi e um corpo firme e forte. Maya, o poder do Senhor, não
lhe mostrou sua terrível e devoradora forma, horrível como a sombra da morte; nem o
arrastou à armadilha de Suas formas sedutoras de ignorância espiritual. Portanto foi-
lhe uma tarefa fácil ir em frente com a ajuda de seu esforço individual e
perseverança, atingir o N ir vi ka lp a Samadhi, realizar Deus e adquirir Auto-
conhecimento. Como podia ele compreender que a Própria Mãe Divina havia removido
todos os obstáculos e impedimentos com Suas próprias mãos do caminho de seu
progresso e Ela Própria afastara-Se dele? Depois de muito tempo, a Mãe ficou
contente em explicar este fato ao Swami Puri. Agora ele teve a oportunidade de
detectar aquele engano de sua mente.
38. O reverenciado Puri tinha o físico robusto como o das pessoas das regiões
do noroeste da Índia. Jamais soubera o que era doença, indigestão e uma centena de
outros tipos de indisposições do corpo. Digeria tudo o que comia. Jamais deixava de
entrar em sono profundo, onde quer que estivesse. Felicidade e paz mental, vindas do
conhecimento e realização direta de Deus fluíam de sua mente em torrentes
incessantes por centenas de canais. Atraído pelo amor e respeito do Mestre, ficou
com ele por alguns meses; mas a água de Bengala, o ar quente e cheio de umidade
afetaram sua saúde e seu corpo firme caiu presa fácil da doença. Teve um sério
ataque de disenteria, com sangue. Contorcendo-se de dor nos intestinos dia e noite, a
mente, embora calma e tranquila e habituada ao Samadhi, afastou-se da morada em
Brahman e desceu à consciência do corpo. "Brahman foi apanhado na rede dos cinco
elementos"; o que fazer agora, a não ser esperar pela graça da Mãe Divina, reguladora
de tudo!
39. Algum tempo antes de ficar doente, sua atenta mente estabelecida em
Brahman o fez saber que embora o corpo não estivesse bem, não seria razoável que ali
permanecesse por mais tempo. Mas deveria ir embora por amor de seu corpo,
deixando para trás a maravilhosa companhia do Mestre? O corpo era uma "gaiola feita
de ossos e carne", cheia de sangue e outros fluidos sujos e cheio de diversas espécies
de germes e vermes. Apropria existência havia sido considerada no Vedanta Sastra
como uma desilusão. Considerando, tal corpo "meu", deveria ele ir embora
apressadamente, abandonando a companhia daquele homem divino, fonte de
felicidade infinita? E qual o benefício de ir para outro lugar? Não seria possível que as
doenças do corpo e outros tipos de problema ocorressem em qualquer outro lugar? E
que medo tinha, mesmo se doenças e outros problemas lhe viessem? O corpo
adoeceria e ficaria enfraquecido ou no máximo destruído. Mas o que era isso para ele?
Ele tinha, sem a menor sombra de dúvida, visto e sentido claramente que era o Ser
desapegado e imutável e que jamais havia tido qualquer relação com o corpo; de que
então teria medo? Esses e outros pensamentos semelhantes impediram o reverenciado
Puri de ficar apreensivo.
40. Gradualmente, à medida que a dor aumentava um pouco, o forte Swami

103
Puri sentiu desejo de deixar o lugar. Foi de vez em quando despedir-se do Mestre,
mas absorvido nas conversas sobre assuntos divinos, esqueceu-se completamente de
fazê-lo. Quando acontecia de lembrar de se despedir do Mestre, alguém em seu
interior, ele sentia, detinha sua boca por algum tempo. Como hesitasse em falar, o
Swami pensou que seria melhor falar no dia seguinte e não naquele. Depois de tomar
aquela decisão e de ter tido uma conversa sobre Vedanta com o Mestre, o Swami Tota
voltou a seu assento no Panchavati. O tempo passou. O corpo do Swami ficou mais
fraco e a doença mais aguda. Vendo que o corpo do Swami estava a cada dia tornando-
se mais enfraquecido, o Mestre nesse meio tempo, tomou providências para que ele
tivesse uma dieta especial e remédios. Mas apesar de tudo, a doença piorava. O
Mestre começou a tomar conta dele e a servi-lo da melhor maneira que podia. Pediu a
Mathur para providenciar remédio e dieta. Até então era somente no corpo que o
Swami sentia muita dor. Tinha perfeita paz de espírito. Podia esquecer todas as dores
físicas mergulhando à vontade em Samadhi; porque mantinha completo controle de
sua mente.
41. Era noite. A dor nos intestinos havia aumentado muito. A dor não permitia que
o Swami se deitasse tranquilo. Tentou deitar-se mas não pôde e levantou-se
imediatamente. Não havia alívio. Pensou: "Deixe-me mergulhar a mente em meditação e
deixar que qualquer coisa aconteça ao corpo." Mas mal havia levado a mente a
repousar, retirando-a do corpo, quando ela voltou-se para a dor dos intestinos.
Tentou repetidamente, mas sem sucesso. Com dificuldade a mente atingia o plano de
Samadhi, onde o corpo é esquecido, mas se desvia devido à dor. Fracassou todas as
vezes que tentou. O Swami ficou terrivelmente aborrecido com o corpo. Pensou: "Até a
minha mente não está sob meu controle hoje devido ao problema desta 'gaiola de ossos
e carne.' Fora com este aborrecimento do corpo! Sem dúvida já soube que não sou o
corpo; porque então ficar neste corpo carcomido e sofrer dor? Qual a utilidade de
preservá-lo por mais tempo? Vou pôr fim a todo sofrimento ao imergi-lo no Ganga
nesta noite." Assim pensando e fixando a mente cuidadosamente no pensamento de
Brahman, o 'Desnudo' lentamente desceu até a água e lentamente entrou. Mas na
verdade estava o profundo Bhagirathi seco aquela noite? Ou era somente a projeção
exterior de sua imagem mental? Quem poderia dizer? Tota já havia quase chegado à
outra margem, mas não conseguiu profundidade suficiente para afogar-se. Quando,
gradualmente as árvores e casas da outra margem começaram a ficar visíveis como
sombras na escuridão profunda da noite, Tota surpreendeu-se e pensou: "Que estranha
Maya Divina é esta? Hoje não há água suficiente no rio nem para me afogar! Que
estranho jogo desconhecido de Deus é esse?" Imediatamente alguém, por assim dizer,
dentro dele, tirou o véu de seu intelecto. A mente de Tota deslumbrou-se com uma luz
brilhante e viu, "Mãe, Mãe, Mãe, Mãe, a origem do universo! Mãe, o Poder
inimaginável! Mãe na terra e Mãe na água! O corpo é a Mãe e a mente é a Mãe; a
doença é a Mãe e a saúde é a Mãe; conhecimento é a Mãe e ignorância é a Mãe; a vida
é a Mãe e a morte é a Mãe; tudo que vejo, ouço, penso ou imagino é a Mãe. Ela faz
'não' de 'sim' e 'sim' de 'não'! Enquanto uma pessoa estiver no corpo não tem o
poder de libertar-se de Sua influência, não, nem mesmo de morrer, enquanto Ela quiser!
É que é a Mãe que está também além do corpo, mente e intelecto - a Mãe, a suprema
'Quarta' destituída de todos os atributos! Aquele Uno que Tota há tanto tempo vinha
realizando como Brahman, oferecendo amor e devoção, é verdadeiramente a Mãe! Sivae
Sakti são o Uno, sempre existente na forma de Hara-Gauri! - Brahman e Brahma-
Sakti são um e o mesmo!"
42. Abrindo seu caminho através da água, da mesma maneira que tinha ido,
Tota começou a regressar à praia. Seu coração estava agora cheio de devoção. Sentia
que todos os bairros estavam reverberando com gritos de Mãe! Mãe! Altas horas da
noite havia realizado a Mãe do universo na Sua forma que tudo penetra, além do
alcance dos sentidos e do intelecto. Havia se oferecido completamente como oblação a
Seus pés. Embora houvesse dor em seu corpo, não mais a sentia. Seu coração estava

104
além de si mesmo com uma felicidade sem precedente surgindo da lembrança do
Samadhi. O Swami veio lentamente até a Dhuni no Panchavati, sentou-se e passou a
noite inteira em meditação, repetindo o nome da Mãe Divina.
43. Logo que amanheceu, o Mestre veio perguntar-lhe sobre sua saúde e
encontrou uma pessoa totalmente diferente. Seu rosto br ilha va de felicidade, os
lábios embelezados com um sorriso e o corpo livre de qualquer doença. Tota pediu ao
Mestre, com um sinal, que ele se sentasse junto dele e descreveu vagarosamente
todos os acontecimentos da noite. "Foi a doença", disse ele, "que agiu como minha
amiga. Tive a visão da Mãe do universo na noite passada e estou livre da doença por Sua
graça. Ah, como fui ignorante tanto tempo! Bem, por favor convença sua Mãe agora a
permitir que eu deixe esse lugar. Estou convencido de que foi Ela quem me prendeu
aqui por uma razão ou outra para ensinar-me esta Verdade. Não pode ser de outra
maneira porque há muito tempo venho pensando em ir embora daqui e fui diversas vezes
a você para despedir-me. Mas alguém, por assim dizer, mudou minha mente para outros
assuntos e impediu-me cada vez de falar com você sobre isto." O Mestre disse sorrindo:
"Bem, você não aceitou a Mãe antes e discutia comigo dizendo que a Sakti era irreal!
Mas você viu-A e uma experiência direta agora foi o melhor dos argumentos. Ela já
convenceu-me do fato que, assim como o fogo e seu poder de queimar não são
diferentes, assim, Brahman e o poder de Brahman não são diferentes, mas um e o
mesmo."
44. Quando ouviram os sons matutinos vindos do Nahabat, ambas as grandes
almas, ligadas entre si pelo relacionamento de instrutor e discípulo, como Siva e
Rama, levantaram-se, foram ao templo da Mãe Divina e prostraram-se ante Sua
sagrada imagem. Ambos sentiram no fundo de seus corações que a Mãe estava
satisfeita e havia graciosamente dado permissão a Tota para deixar o lugar. Alguns dias
mais tarde despediu-se do Mestre, deixou o templo de Kali em Dakshineswar e foi em
direção oeste. Essa foi sua primeira e última visita àquele templo. Nunca mais voltou.
45. Uma palavra mais e teremos dito tudo o que ouvimos do próprio Mestre a
respeito de Tota Puri. Puri acreditava em alquimia. Não somente acreditava, mas disse
ao Mestre que, em virtude daquele conhecimento, diversas vezes havia transformado
cobre e outros metais comuns em ouro. Tota costumava dizer que os antigos
Paramahamsas de sua comunidade conheciam a arte e que ele herdara o conhecimento
que viera deles de forma linear. Disse ainda: "É totalmente proibido satisfazer
interesses egoístas e desfrutar luxúria com a ajuda dessa arte. Há uma maldição dos
instrutores para tal uso. Viviam, contudo, na comunidade muitos homens santos e o
chefe tinha às vezes que ir com eles de um lugar de peregrinação a outro. Nessa época
tomavam medidas para conseguir comida e outras necessidades da vida. Os instrutores
permitiam que fizéssemos uso desse conhecimento se tivéssemos necessidade de
dinheiro." 8 (8 Mais informações sobre Tota Puri e seu mosteiro foram dadas na edição de novembro de 1977 da Prabuddha Bharata por Swami
Akolananda. Os seguintes fatos são resultados de sua busca (1962) ali publicados: O Math de Tota Puri não está situado em Ludhiana perto de Krurkshetra, mas no
vilarejo de Ladhana no distrito de Kamal, cerca de 56 milhas de Ambala. É chamado Baba Rajpuri Math segundo seu fundador. Embora tenha sido uma instituição
próspera, está agora dilapidado e em condição de pobreza extrema. Há somente três monges que comem somente uma refeição por dia por falta de dinheiro.
Situado num lugar solitário, o terreno tem um grande número de Samadhis de monges mortos. Há cinco templos, um para manter o Dhuni e os outros em
memória dos Samadhis de alguns Gurus importantes. Um desses é o Samadhi de Tota Puri. O atual chefe é um homem muito idoso, chamado Badri Puri. Não pôde
ser determinado o nome exato do Guru de Tota Puri, embora a linha (Guru-com-discípulo seja assim dada, na ordem descendente: Marhi Bhagavan Puri, Jagmohan
Puri, Janged Puri, Hardwar Puri, Mansa Puri, Saraswati Puri, Raj Puri, Siddha Puri, Bhandar Puri, Dalel Puri, Aan Puri, Chaitanya Puri, Kazari Puri, Gopal Puri, Kedar
Puri, Badri Puri e Shyan Puri. Além disso nada mais pôde ser conhecido a respeito do sagrado Ashrama onde uma vez Srimat Tota Puri viveu. - Editor).
46. Foi assim que a Bhairavi Brahmani e o conhecedor de Brahman Tota Puri
foram abençoados, alcançando a perfeição em seus caminhos com a ajuda do Mestre.
Disso deduzimos que os outros instrutores secundários do Mestre foram também
ajudados na sua evolução espiritual .

105
SRI RAMAKRISHNA O GRANDE MESTRE

PARTE IV

COMO INSTRUTOR ESPIRITUAL ( II )

PREFÁCIO

Esta é a Quarta Parte do Sri Ramakrishna, o Grande Mestre que forma a segunda
metade da seção "Como Instrutor Espiritual". Ao ler a metade da vida de Sri Ramakrishna, o
leitor talvez queira saber porque não adotamos um método cronológico, uma que falamos
em primeiro lugar do estado de perfeição atingido pelo Mestre, antes dos acontecimentos
de sua vida, desde o nascimento até a época de sua Sadhana.
Primeiro, não fizemos qualquer plano ao escrever a vida desse ser extraordinário.
Não acreditávamos que fosse possível para insignificantes criaturas como nós, escrever
corretamente a história de uma vida como a sua. Foi por força das circunstâncias que viemos a
escrever e contar aos leitores da Udbodhan,1 (1 Uma revista bengali mensal foi publicada pela Ramakrishna Mission da 1, Udbodhan
Lane, Baghbazar, Calcutá, no qual o livro inteiro apareceu em forma de seriado antes que fosse publicado em forma de livro) alguns eventos da vida
de Sri Ramakrishna. Não imaginamos que poderíamos avançar tanto. Por isso, os últimos
acontecimentos viessem a ser escritos antes dos primeiros.
Segundo, muitas pessoas antes de nós, tentaram relatar os maravilhosos
acontecimentos da vida de Sri Ramakrishna e a história de suas Sadhanas. Embora esses
relatos pareçam conter erros, quase todos os eventos da vida do Mestre como um todo,
foram publicados por seu intermédio. Ao invés de contar os mesmos fatos de novo como
uma crônica, pensamos que seria melhor tratar o assunto de tal maneira que explicasse ao
leitor o significado das idéias e ideais divinos personificados por sua vida, o que não havia
sido feito por ninguém até então. Também, se uma pessoa não compreender o que
significa estar estabelecido em 'Bhavamukha' ou no 'estado de Guru', não poderá entender
seu caráter maravilhoso, suas ações fora do comum e suas idéias e ideais ímpares. Daí
explicarmos estes pontos no início.
Alguém, contudo, pode fazer a seguinte objeção: "Mas, ao começar a explicar, em
diversos lugares de seu livro, as diferentes idéias e ações do Mestre, você certamente deve
ter projetado seus próprios pensamentos descrevendo-os aos leitores da maneira como os
compreendeu. Consequentemente sua própria inteligência e discriminação tornaram-se o
modelo do incompreensível caráter e idéias dele. Você não o sub-estimou ao admitir
indiretamente que a inteligência e discriminação podem compreender o incompreensível
Mestre? Não teria sido melhor se, ao invés de fazê-lo, tivesse parado e simplesmente
relatado os fatos de forma precisa? Nesse caso, o relato não teria diminuído o Mestre na
estima de ninguém e as pessoas entenderiam à sua maneira o significado das idéias e
ideais dele."
Esta é uma afirmação plausível, mas que não tem qualquer significado especial;
porque o homem vem usando e sempre usará a ajuda dos sentidos, mente e intelecto para
entender e perceber todos os assuntos; não tem outra alternativa. Mas isso não significa
que sua mente, intelecto etc., são maiores do que o objeto que tentam entender. Embora o
homem saiba que o tempo, espaço, Universo, Ser, Deus e outras entidades sem limites
estão além de seu intelecto, está sempre tentando compreendê-los com auxílio dessas
faculdades. Não consideramos esse esforço para compreender essas abstrações como
ilegítimo, porque ele alargará sua mente e intelecto e será assim, de grande benefício.
Portanto, se estudarmos dessa maneira as idéias e ações extraordinárias desses
grandes seres, somos beneficiados porque elas não estão de jeito algum limitadas ou
tolhidas. Segundo o grau de pureza e poder de penetração de suas mentes e intelectos

106
produzido pela Sadhana, as pessoas podem compreender e explicar mais ou menos as
idéias e ações divinas daquelas grandes almas. Uma pessoa com uma Sadhana espiritual
maior poderá compreender o caráter de Sri Ramakrishna mais profundamente do que nós.
Não há, portanto, nada de errado se nos dedicarmos a compreender aquele caráter divino.
Será suficiente que não cometemos um erro, i.é, pensar que penetramos toda a
profundidade do caráter do Mestre.
Autor

CAPÍTULO I

VAISHNAVACHARAN E GAURI

(ASSUNTOS: 1. Ignorância sobre o estado de instrutor do Mestre no início de sua vida. 2. As abelhas vêm
por si sós quando as flores desabrocham. 3. Todos são igualmente cegos sobre assuntos espirituais. 4. Como o Mestre
pregava religião. 5. O estado do Mestre quando encontrou a Brahmani. 6. A compreensão dos outros sobre o estado
exaltado do Mestre. 7. Reunião de Pandits a pedido da Brahmani. 8. Vaishnavacharan e Gauri de Indes convidados. 9.
A fama de Vaishnavacharan. 10. A Brahmam curando a sensação de queimadura do Mestre. 11. A Brahmani curando
sua fome anormal. 12. Fome ióguica: nossa experiência no Mestre. 13. O primeiro exemplo. 14. Segundo exemplo. 15.
Terceiro exemplo. 16. Quarto exemplo. 17. Emoções e mudanças espirituais no Mestre. 18. Chegada de
Vaishnavacharan em Dakshineswar. 19. Discussão sobre a condição do Mestre. 20. Conclusão de Vaishnavacharan. 21.
O Mestre a respeito das seitas Kartabhaja e aliadas. 22. Religião para os homens cheios de desejos mundanos. 23. A
origem dos Tantras. 24. A história do "estado heróico". 25. As duas camadas em cada Tantra, alto e baixo. 26.
Vaishnavacharan e a nova maneira de adoração. 27. Origem dos Karthabajas etc. 28. O Sadhya e as Sadhanas segundo
Kartabhaja. 29. Vaishnavacharan testando o Mestre. 30. Vaishnavacharan reconhecendo o Mestre como uma
Encarnação. 131. O miraculoso poder do Pandit Gauri. 32. Gauri adorou a esposa como a Devi. 33. O estranho
processo de Gauri de oferecer oblações. 34. Reunião em Dakshineswar incluindo Vaishnavacharan e Gauri. 35. A
convicçao de Gauri sobre o Mestre. 36. A renúncia de Gauri. 37. O Mestre citando Vaishnavacharan e Gauri. 38.
Gauri a respeito de Kali e Krishna. 39. Vaishnavacharan a respeito de considerar o objeto de amor de uma (pessoa
como uma forma do Senhor. 40. Os Upanishads sobre esse assunto. 41. A Encarnação e os Sastras.)

Aqueles que possuem uma fé inabalável e estão livres de maldade, que constantemente
praticam Meus ensinamentos, estão também livres de toda ação (i.é, a idéia de ser seu
agente).
Gita III.31

1. Em Calcutá achava-se que o Mestre transmitiu espiritualidade ou aprofundou-a


em Kesav Chandra Sen e outros hindus de mentalidade moderna com educação
universitária e imbuídos de idéias e ideais ocidentais. Ignora-se, contudo, que muito
antes dessas pessoas conhecerem o Mestre em Dakshineswar, pessoas santas
importantes, Sadhakas e Pandits bem versados nos Sastras, vieram ao Mestre, de
todas as partes de Bengala e do norte da Índia, e que tendo tido sua vida espiritual
vivificada pelo poder do Mestre como instrutor espiritual e pelo ideal espiritual
apresentado em sua vida, foram embora a fim de transmitir aquele novo poder a
outras em muitos lugares.
2. O Mestre costumava dizer: "Assim que as flores desabrocham, as abelhas
vêm por si mesmas. Não necessitam ser convidadas. Quando o amor e devoção a Deus
se manifestarem em vocês, todos os que tiverem sacrificado suas vidas à procura de
Deus, para atingir a Verdade, virão a vocês sob a influência dessa inexplicável lei
espiritual." A opinião do Mestre era de que uma pessoa deveria em primeiro lugar
realizar Deus e ter Sua visão e graça. Assim para ter o poder de trabalhar para o bem
da humanidade, deve-se ter Seu comando antes de pregar a religião ou de trabalhar
para o bem de muitos. Caso contrário, como o Mestre dizia: "Quem aceitará suas
palavras? Por que as pessoas deveriam aceitar o que vocês lhes pedem para fazer?"
3. Todos nós, na verdade, enquanto não realizarmos Deus, estamos
navegando no mesmo barco. Cheios de orgulho e erudição, podemos nos considerar
superiores aos outros, vivendo o tempo todo nesse mundo ilusório com sua roda de
nascimento, decrepitude e morte. Por mais que tenhamos progredido no conhecimento

107
de algumas das leis da natureza e tecnologia, continuamos no campo da inescrutável
Maya da Mãe Divina, e persistirá nossa condição miserável, que advém da submissão
aos sentidos, avareza, ganância e medo da morte. Vivemos na mesma escuridão de
ignorância com relação aos problemas eternos como: "Quem sou eu? Por que estou
aqui? Para onde vou? Qual é o objetivo desse meu jogo - um jogo no qual tento
conhecer a Verdade com a ajuda daqueles cinco sentidos, mente e intelecto, que me
enganam a cada passo e conduzem-me à ruína? Será possível encontrar um caminho
para a liberação de suas garras?" Todos necessitam de conhecimento verdadeiro e
estão prontos para recebê-lo. Mas quem vai dá-lo? Se, houver alguém que possa
realmente dar alguma coisa, deixe-o dar o máximo que puder. Mas mil vezes iludido, o
homem não compreende isso - que ele mesmo deve realizar o que prega. Por outro
lado, movido pelo desejo de nome e fama e por várias outras razões egoístas, apressa-
se em dar, ou finge dar, aquilo que ele mesmo não possui e como no caso de um cego
conduzindo um outro cego, ambos o instrutor e o instruído arruinam-se!
4. 0 Mestre, portanto, trilhou um caminho diametralmente oposto àquele das
pessoas do mundo. Morou a vida inteira num mesmo lugar, calmo, tranquilo e livre de
qualquer ansiedade, praticando ao máximo, renúncia, desapego, auto-controle e
outras virtudes, convertendo-se integralmente num instrumento apto nas mãos da
Mãe Divina. Tendo realizado a verdade total, proclamou o caminho de trabalho, para o
verdadeiro benefício do mundo. Tendo atingido a Realidade abriu seu conhecimento e as
pessoas sedentas de conhecimento começaram a fluir sem serem convidadas, vindas
não se sabia de onde. Purificados pelo seu divino olhar e toque, consideraram-se
abençoadas e ao espalharem suas novas idéias para onde quer que fossem e tornaram-
se uma fonte de bênção para um sem número de outras pessoas. Porque, onde quer
que estejamos, naturalmente expressamos as idéias que possuímos. O Mestre dizia na
maneira simples de um aldeão: "Uma pessoa arrota o que comeu. Coma pepino, seus
arrotos cheirarão pepino; coma rabanete e cheirarão a rabanete."
5.0 encontro com a Bhairavi Brahmani foi um importante acontecimento na vida
do Mestre. Dessa época em diante, enquanto que de um lado ele fez rápido progresso
na prática das disciplinas espirituais, do outro ocorria simultaneamente o desabrochar
do 'aspecto de instrutor' de sua personalidade. Isso, contudo, não quer dizer que ele
não tivesse o 'estado de instrutor' desde o início de sua vida. Nos capítulos anteriores
mostrou-se que esse estado manifestou-se em todos os períodos de sua vida, mesmo
na infância e que até os instrutores que o iniciaram nas várias disciplinas, foram
corrigidos e sua espiritualidade aumentada em contato com seu poder de instrutor
espiritual.
6. Antes da Brahmani chegar, sua intensa ansiedade e amor a Deus eram
considerados insanidade e doença física e ele foi colocado sob tratamento de eminentes
médicos. Um médico de Bengala ocidental, ele mesmo um Sadhaka, viu-o na casa de
Gangaprasad Sen, onde havia ido para consulta. Embora tenha dito que os sintomas
físicos eram mudanças extraordinárias produzidas pela prática da Yoga, ninguém levou a
sério sua afirmação. Todos, incluindo Mathur, estavam certos de que se tratava de sinais de
insanidade, combinados com amor a Deus. A erudita Brahmani, bem versada nas
escrituras devocionais, foi a primeira a demonstrar que todos esses sintomas eram
somente mudanças extraordinárias no corpo, correspondentes aos estados mentais
provocados por um amor fora do comum a Deus, tão raro que mesmo os deuses
cobiçam tê-lo. Ela, contudo, não se deteve em apenas expressar sua opinião. Citou um
capítulo e verso das escrituras devocionais mostrando que essas mudanças físicas eram
devidas a estados mentais além dos sentidos e que apareceram de vez em quando nos
instrutores e Yogis do passado - em Sri Radha, a suprema senhora de Vraja e
personificação do amor divino e em Sri Krishna Chaitanya. Provou suas afirmações ao
mostrar a semelhança dos sinais relatados nas escrituras com aqueles manifestados no
corpo do Mestre. Quando ela assim fez, o Mestre naturalmente ficou alegre como um
menino, fortalecido pela certeza da mãe, enquanto as pessoas do templo de Kali, incluindo

108
Mathur, ficaram muito admiradas. Sua admiração não conheceu limites quando a
Brahmani disse a Mathur: "Por favor traga Pandits bem versados nos Sastras; estou
pronta para convencê-los da veracidade de minhas palavras."
7. Mas estar admirado não significa estar convencido. Quem ia acreditar nas
palavras e erudição de uma mulher desconhecida que vivia de esmolas? Por conseguinte,
as palavras da Bhairavi Brahmani teriam ido para o mesmo caminho daquelas do médico de
Bengala ocidental, não causando nenhuma impressão em Mathur e outros, se o Mestre
não tivesse feito um pedido ansioso para que se fizesse um estudo de seu estado. O infantil
Mestre dizia inoportunamente a Mathur: "Devem ser trazidos bons eruditos e o que a
Brahmani diz deve ser verificado." O rico Mathur pensou: "Qual é o mal em se fazer
assim? Tanto dinheiro está sendo gasto em médicos e remédios para o Bhattacharya
Júnior. Quando os eruditos chegarem e refutarem as palavras da Brahmani ao citar a
autoridade das escrituras, o que certamente farão, pelo menos uma coisa boa acontecerá,
i.é, acreditando nas palavras dos eruditos, a alma sincera do Bhattacharya Júnior
finalmente se convencerá de que contraiu uma doença. Em consequência, poderá fazer
um esforço para controlar a mente. Uma pessoa enlouquece quando, ao invés de fazer
um esforço para manter seus pensamentos e sentimentos sob controle, dá rédea livre a eles
e permite que corram à vontade, pensando: 'O que faço e compreendo está certo e o
que os outros compreendem e me pedem para fazer está errado.' Ésta é exatamente a
maneira que torna uma pessoa insana. Não há dúvida que seu desarranjo mental e também
sua doença física se agravarão se, ao contrário de convidar os eruditos, permitir que o
Bhattacharya creia livremente nas palavras da Brahmani." Assim pensando, em parte por
curiosidade, em parte por amor ao Mestre, concordou em convocar uma reunião de Pandits,
a pedido do Mestre.
8. Vaishnavacharan naquela época gozava de grande reputação na comunidade de
Pandits de Calcutá. Também seu nome e fama espalhara-se entre as pessoas em geral,
porque costumava ler e explicar de uma maneira linda o Bhagavata ao público em diversos
lugares. Assim foi como o Mestre, Mathur e a Brahmani vieram a tomar conhecimento
dele. Mathur, portanto, decidiu convidá-lo. Havia um outro Pandit famoso por seu poder
fora do comum e rara erudição - Gauri de Indes. Mathur resolveu convidá-lo, também. Foi
desta maneira que Vaishnavacharan e Gauri vieram a Dakshineswar. De vez em quando o
Mestre nos falava muitas coisas sobre eles.
9. Vaishnavacharan não era somente um erudito, mas também conhecido do público
como um dedicado aspirante espiritual. Seu amor a Deus e seu profundo conhecimento
da filosofia das escrituras - especialmente aquelas que tratam da devoção - fizeram-no,
podemos dizer, um líder de toda a comunidade vaishnava. Aquela comunidade sempre lhe
enviava convites para as funções públicas de importância religiosa e honravam-no com o
primeiro lugar entre os convidados, nessas ocasiões. Quando tinham qualquer dúvida sobre
um assunto religioso, sempre o consultavam e acatavam suas decisões. Também, muitos
aspirantes aproximavam-se dele para receber direção nos caminhos corretos da Sadhana e
seguiam seu conselho fielmente. Não é de se admirar que Mathur tenha resolvido trazer
Vaishnavacharan para determinar se o estado do Mestre era devido à excessiva devoção
ou a alguma doença física.
10. Nesse meio tempo, a Brahmani deu uma prova importante sobre a verdade de
sua opinião sobre o estado do Mestre, que lhe trouxe alegria e surpresa, para os outros.
Já há algum tempo antes da chegada da Brahmani, o Mestre vinha sofrendo terrivelmente
de uma intensa sensação de queimação por todo o corpo. Fez vários tratamentos, mas sem
resultado. O Mestre contou-nos que a dor, começando ao nascer do sol, ia aumentando à
medida que o dia passava, até que se tornava insuportável ao meio-dia, quando tinha que
ficar com o corpo imerso na água do Ganga durante duas ou três horas, com uma toalha
úmida na cabeça. Tinha que sair da água mesmo contra sua vontade, senão ficaria
doente por causa do frio. Abrigava-se num quarto da mansão do proprietário, fechava
todas as portas e janelas e rolava no chão de mármore, com uma roupa úmida.
Mal a Brahmani soube disso, surpreendentemente descobriu uma explicação para a

109
doença. Disse que não se tratava de doença mas de um fenômeno espiritual, resultante de
intenso amor a Deus. Continuou dizendo que tais contra-partes físicas das mudanças
mentais que surgem devidas ao extremo anelo pela realização de Deus, foram diversas vezes
observadas nas vidas de Sri Radharani e Sri Chaitanya. O remédio para a cura dessa
assim chamada "doença" era também fora do comum, i.é, enfeitar o paciente com
grinaldas de flores de perfume suave e esfregar o corpo com pasta de sândalo.
Não é necessário dizer que ninguém, nem mesmo Mathur, deixou de rir com o
'diagnóstico da doença', isso para não falar do tratamento sugerido. Disseram com
seus botões: "Quão presunçosa é ela para dizer que não se trata de uma doença,
quando ele não pôde melhorar nem tomando tantos remédios nem usando diversos
óleos como Madhyamanarayana, Vishnu e outros semelhantes!" Mas ninguém pôs objeção
ao simples, inócuo e de fácil aquisição tratamento prescrito pela Brahmani. Estavam
certos de que o próprio paciente o abandonaria um dia ou dois, achando-o ineficaz. O
corpo do Mestre foi adornado com pasta de sândalo e grinaldas de flores, segundo a
prescrição da Brahmani; e, para espanto de todos, a sensação de queimação no corpo do
Mestre, desapareceu dentro de três dias. Mas será que mentes cépticas poderiam
aceitar a verdade com tanta facilidade? Pessoas com essa mentalidade tinham suas
próprias explicações para essa cura. Deve ter sido uma coincidência acidental, como na
bem conhecida analogia da Kakataliya, "o corvo e o fruto da palmeira1." (1 A referência é para a
história de um corvo que sentou-se numa palmeira e ao mesmo tempo, uma fruta caiu acidentalmente) . A última dose de óleo Vishnu
dado ao Bhattacharya para usar era absolutamente genuíno; isto ficou claro das palavras do
médico. Esse óleo teria produzido um bom resultado e a dor teria sido totalmente
curada pelo seu uso em um ou dois dias sem a ajuda da Brahmani. Foi uma simples
coincidência. O uso desse óleo deveria ter continuado, independente do que a Brahmani
pudesse dizer ou prescrever.
11. Pouco tempo depois o Mestre foi acometido por aquilo que as pessoas
consideraram outra "doença". Isso também, o próprio Mestre disse-nos: foi curado em três
dias ao seguir a simples prescrição da Brahmani. O Mestre disse: "Comecei a sentir uma
fome fora do comum naquela época. Não me satisfazia por mais que comesse.
Imediatamente após ter ingerido o suficiente, sentia fome novamente como se não
tivesse comido nada. Sentia fome, quer comesse ou não. Dia e noite a fome persistia sem
parar. Pensei: 'Pode ser uma nova doença?' falei com a Brahmani. Ela disse: 'Não tenha
medo, meu filho. Esses estados estão descrito nas escrituras, ocorrem de vez em
quando, nos viajantes do caminho da realização de Deus. Vou curá-lo." Assim falando,
pediu a Mathur para providenciar um aposento abastecido de todo tipo de comida, desde
arroz empapado e arroz tostado até Luchi, Sandesh, Rasgolla e outras coisas. Então ela
me disse: 'Meu filho, fique nesse quarto dia e noite e coma o que quiser, quando quiser.'
Fiquei naquele aposento, andando de um lado para o outro olhando as comidas e tocando
nelas, ora de um prato, ora de outro. Os três dias passaram-se assim, quando a fome
fora do comum abandonou-me e senti-me aliviado."
12. Ouvimos, que antes que a mente de um Sadhaka se una a Deus e mesmo
depois dessa união, alguns experimentam essa fome anormal. Ficamos admirados quando
tais estados surgiram no Mestre nos últimos tempos, embora com algumas diferenças.
Não experimentou a mesma fome contínua como nos primeiros tempos. Nós o vimos em
Bhava, tomar quatro vezes ou mais quantidade de comida que normalmente tomava e
digeri-la sem qualquer dificuldade, apesar de seu fraco estômago.
13. Narramos no começo do livro, com referência ao relacionamento amistoso do
Mestre com as devotas, como algumas senhoras de Baghbazar foram a Dakshineswar
visitar o Mestre com um grande pedaço de Sar (creme) comprado na loja do doceiro
Bhola e que não encontrando o Mestre, deixaram o Sar no seu quarto e foram com grande
dificuldade à casa de Mahendranath Gupta, o instrutor, onde o encontraram; como
Pranakrishna Mukhopadhyaya, a quem o Mestre costumava chamar o "gordo Brahmana",
chegou subitamente e como as senhoras esconderam-se debaixo da cama onde o Mestre
se sentara e assim por diante. Narramos também como o Mestre voltou para

110
Dakshineswar tarde da noite depois de ter comido em Calcutá e como sentiu fome mais
uma vez naquela noite e comeu quase todo o Sar trazido pelas senhoras. Falaremos aqui
um pouco mais sobre esses exemplos. Dizemos "um pouco" porque esses acontecimentos
tinham lugar quase diariamente na vida do Mestre. É, portanto, impossível relatar todos
eles.
Os antigos dizem que até a malária aparecer, dizimando populações, muitas
partes de Bengala, como os distritos de Howrah e Burdwan, com suas vastas extensões,
pomares e verdes campos de arroz tinham um clima que, para a saúde, não ficava atrás
daquele do noroeste da Índia. Dizem que naqueles dias as pessoas costumavam ir a
Burdwan e outros lugares para uma mudança de clima. Kamarpukur, que está situado
aproximadamente a vinte e cinco milhas de Burdwan, naquela época também poderia
vangloriar-se de ter um clima bom para a saúde. Assim, num certo período de sua vida, o
Mestre costumava ir lá de vez em quando para recuperar a saúde. A prolongada prática de
grande austeridade durante doze anos, sem dar qualquer atenção ao corpo, seguida pela
contínua absorção em Samadhi, teve um efeito adverso mesmo num corpo robusto como o
seu. Tornou-se incapaz de qualquer trabalho físico e por diversas vezes caiu doente. Foi
por esta razão que quando sua Sadhana terminou, o Mestre costumava ir anualmente
a Kamarpukur para uma mudança, ou para outros lugares vizinhos, isso todos os anos,
durante o Chaturmasya2. (2 Os quatro meses chuvosos de julho a outubro, quando os Sannyasins deixam de ir de um lugar a outro numa
data fixa para estudo e meditação). Seu sobrinho e fiel atendente, Hriday, ia com ele. Mathur Babu não
somente pagava as despesas dessas viagens, mas providenciava provisões e outros
artigos necessários, caso contrário o Mestre teria falta dessas coisas naquele vilarejo
pequeno. Quando a mãe envia pela primeira vez sua filha para da casa do sogro, manda até
mesmo coisas insignificantes como palitos e pavios de lampiões. Exatamente assim agiu
Mathur Babu e sua esposa, Jagadamba Dasi, que por diversas vezes enviaram todo o
necessário para estabelecer um novo lar para o Mestre, quando fosse a Kamarpukur. Porque
sabiam que a casa do Mestre no vilarejo era igual a de Siva. Os membros daquela família
jamais tiveram a menor idéia de prover qualquer coisa para o futuro, isso desde o tempo
dos ancestrais. A prática daquela família era permanecer firme no caminho da retidão, vi-
vendo do que estava disponível. Mantinham a casa com o arroz produzido anualmente
pelo meio acre de terra de Raghuvir. A piedosa família tinha apenas o armazém do
vilarejo para abastecer-se. Somente quando conseguiam um pouco de dinheiro com
presentes etc., artigos de uso diário como sal, óleo, vegetais, etc., para consumo de um
dia. Nos outros dias viviam de arroz e vegetais silvestres que cresciam em quantidade nas
margens dos pequenos lagos. O tempo todo e para todos os assuntos, refugiavam-se
totalmente na presença viva de Raghuvir, sua divindade familiar. Como conhecia bem a
condição da família, Mathur Babu tinha um forte desejo de comprar algumas Bighas de
terras para cultivo de arroz e fazer uma doação em nome de Sri Raghuvir.
Foi também por essa razão que mandou todos os artigos necessários, com o
Mestre.
14. O Mestre, como dissemos anteriormente, costumava ir todos os anos a
Kamarpukur durante o Chaturmasya. Um ano, quando a malária apareceu naqueles
lugares e estava devastando com efeito fatal a população, foi a seu vilarejo e sofreu
bastante com a febre. Resolveu não mais ir à sua terra natal naquela época, o que
ocorreu oito ou dez anos antes de morrer. Mas é antecipar os acontecimentos. Estamos
preocupados com uma visita a Kamarpukur muitos anos antes. Havia sempre uma
multidão de vizinhos, homens e mulheres que vinham vê-lo e ouvir suas conversas
religiosas. Ali fluía incessantemente uma corrente de felicidade. Com ele no centro,
todas as senhoras da casa empenhavam-se em servi-lo e àqueles que vinham vê-lo.
Ninguém sabia como os dias se passavam em grande alegria, um após outro. A mãe
de Ramlal, dona da casa, com Lakshmi, sua filha e com a Santa Mãe, estavam na
casa.
Eram cerca de três horas depois da caída da tarde. Os vizinhos, homens e
mulheres, haviam se retirado e ido para casa. O Mestre há alguns dias sofria de

111
indigestão e tomava apenas sagu e uma bebida à base de cevada, à noite. Naquela
noite também havia tomado leite e cevada e ido para cama. As senhoras da casa foram
as últimas a tomarem a refeição e iam retirar-se, depois de terem terminado as
obrigações do dia.
O Mestre subitamente abriu a porta do quarto, saiu cambaleando, em
Bhavasamadhi e disse à mãe de Ramlal e às outras: "Vejo que vão para cama. Por que
vão fazer assim sem me dar qualquer coisa para comer?" Surpresa, a mãe de Ramlal
exclamou: "Ah, o que é isso! O senhor comeu há pouco!" O Mestre respondeu:
"Quando? Cheguei de Dakshineswar há pouco. Quando você me deu de comer?"
Todas as senhoras ficaram admiradas e olharam uma para a outra.
Compreenderam que ele estava falando assim em Bhavasamadhi. Mas o que podiam
fazer? Não havia qualquer comida na casa aquela hora. O que fazer? A mãe de Ramlal
disse: de maneira hesitante: "Agora na casa não há nada para comer a não ser arroz
tostado. O senhor quer arroz tostado? Por que não o come? Não vai fazer mal a seu
estômago." Assim falando, trouxe um pouco num prato e colocou-o diante do Mestre.
Ele olhou-o e virando-se disse: zangado como um menino: "Não vou comer um simples
arroz tostado." Ela tentou persuadi-lo dizendo: "O senhor está sofrendo de problemas
no estômago; nada mais será bom para o senhor. Além disso todas as lojas estão
fechadas a essa hora da noite e é impossível comprar sagu ou cevada. Coma essa
pequena quantidade essa noite; vou cozinhar para o senhor, sopa e arroz assim que o
sol nascer de manhã." Mas ele não deu ouvidos. Como um menino inoportuno, o
Mestre repetiu: "Não vou comer isso."
Não tendo outra alternativa, Ramlal foi à loja. Chamou o dono da loja
repetidamente, tirando-o da cama. Comprou duas libras de doces e trouxe-os para
casa. Juntamente com o arroz tostado, quantidade um pouco mais do que o suficiente
para um homem normal, foram colocados num prato. Agora o Mestre sentou-se
alegremente para comer e acabou com tudo. Todos da casa ficaram alarmados e
pensaram: "Ah, uma pessoa sofrendo de problemas de estômago, que vive de sagu e
cevada há quinze dias tomou tanta comida altas horas da noite! É certo que algo sério
vai acontecer amanhã." Mas estranho dizer, o Mestre parecia muito bem na manhã
seguinte. Não sentiu qualquer mal-estar por causa da comida da noite anterior.
15. Noutra ocasião, quando o Mestre estava vivendo em Kamarpukur, foi a
Jayrambati, vilarejo natal de seu sogro. O Mestre tomou a refeição e foi para cama, mas
pouco tempo depois levantou-se e disse: "Estou com muita fome." As senhoras da
casa ficaram muito nervosas. O que poderiam lhe dar? Não havia nada na casa,
porque naquele dia fora realizada uma cerimônia com muitos convidados e não sobrara
nada, exceto um pouco de arroz cozido embebido na água fria. Quando a Santa Mãe
explicou a situação de forma vacilante ao Mestre, ele pediu-lhe que trouxesse o
arroz. Ela, contudo, informou-lhe que não havia curry para tomar com ele. O Mestre
disse: "Por que você não procura? Não cozinhou peixe com pimenta e açafrão hoje?
Por que não vê se não sobrou um pouco daquele peixe?" A Santa Mãe olhou dentro da
panela e viu um pedaço pequeno de peixe maurala com um pouco de pirão. Trouxe-o
para o Mestre que ficou feliz ao vê-lo. Altas horas da noite sentou-se para comer o
arroz cozido mergulhado na água. Comeu uma quantidade pesando cinco libras, com
o peixe e sentiu-se satisfeito.
16. A mesma coisa acontecia ocasionalmente quando estava em Dakshineswar.
Uma noite, quase à meia noite, o Mestre levantou-se, chamou Ramlal e disse: "Estou
com muita fome." O que fazer? Geralmente costumava haver alguns doces e outras
coisas para comer em estoque: mas dessa vez não havia nada no aposento. Por fim
Ramlal foi ao Nahabat e informou a Santa Mãe e as devotas sobre o assunto.
Levantaram-se rapidamente, fizeram uma fogueira com palha e lenha e prepararam
cerca de duas libras de Halwa (pudim) e enviaram-no ao Mestre numa caneca de pedra
cheia até a borda. Uma das devotas levou-a. Ela simplesmente entrou no quarto,
fracamente iluminado por um lampião num canto, onde Ramlal estava sentado. Ficou

112
admirada ao ver o Mestre andando de um lado para o outro na calada da noite, calmo
e silencioso no estado espiritual que o dominava. Viu diante de si a grave e sublime
face do Mestre iluminado de emoção espiritual - aquela figura intoxicada de Deus,
com o olhar voltado firmemente para dentro, os grandes olhos onde o universo todo se
funde e que emerge do Samadhi à vontade, aquele grave andar majestoso, aquela mente
totalmente introvertida e aquele andar de lá para cá em felicidade sobrenatural. Pareceu-
lhe que o Mestre havia se tornado maior tanto em altura como no corpo, como se não
fosse um mortal desta terra, mas algum deus do céu vindo disfarçado de ser humano
para esta esfera terrestre tão cheia de miséria, doença e morte. Parecia como se
escondesse na escuridão da noite, majestosamente andando de um lado para o outro
no quarto. Pareceu-lhe que ele estava por compaixão, profundamente absorto em
ponderar sobre os caminhos e meios pelos quais poderia mudar esse mundo de morte e
sofrimento, um verdadeiro campo de cremação, num céu próprio para os deuses
viverem. Uma coisa lhe pareceu certa: não podia ser o mesmo Mestre que ela havia
conhecido. Os pelos de seu corpo estavam em pé e sentiu um medo indescritível ao
aproximar-se dele.
Ramlal já havia colocado um assento para o Mestre. Amedrontada e vacilante, a
devota aproximou-se e colocou a caneca com Halwa defronte do assento. O Mestre
sentou-se para comer e gradualmente comeu tudo sob influência daquela intoxicação
espiritual. Será que o Mestre compreendeu os pensamentos daquela devota? Quem
pode dizer? Mas quando a viu olhando para ele, amedrontada, perguntou-lhe: "Diga-
me quem está comendo? Sou eu ou outra pessoa?" A devota respondeu: "Parece-me
como se outra pessoa estivesse no senhor e que é ela quem está comendo." A isso o
Mestre respondeu: "Você está certa." Assim falando, sorriu.
17. Podemos dar muitos desses exemplos. As poderosas ondas de emoções
espirituais produziam essas grandes mudanças no corpo do Mestre que nessas
ocasiões parecia ser uma pessoa diferente e seu comportamento - movimentos do
corpo, comer, beber etc., assumia uma natureza diferente, por assim dizer.
Contudo, devido àquele comportamento fora do normal, não se observava qualquer
distúrbio em seu corpo no final daqueles estados espirituais. Trata-se de um fato
teoricamente aceito que a mente interior faz e desfaz nosso corpo denso, moldando-
o de novo, mas não se sabe como isto se efetua. Muitos são cépticos a esse respeito,
mas esses incidentes, embora bem comuns na vida do Mestre, são, contudo, provas
desse fato.
18. Alguns dizem que foi através da Bhairavi Brahmani que Mathur Babu
conheceu Vaishnavacharan. Mathur, então, mandou-lhe um convite para vir a
Dakshineswar para constatar se havia algum sinal de doença física nos estados
espirituais do Mestre. De qualquer maneira, Vaishnavacharan veio a
Dakshineswar pouco depois. Imaginamos que um pequeno encontro de eruditos
teve lugar naquela ocasião porque alguns devotos e Pandits devem ter
acompanhado Vaishnavacharan, como sempre. A erudita Brahmani e o grupo de
Mathur Babu também se encontravam presente. Quanto ao assunto em pauta,
decidiram que seria o estado espiritual do Mestre.
19. A discussão começou. A Brahmani descreveu o estado do Mestre que ela
havia observado com seus próprios olhos e ouvido das pessoas e, comparando o
presente estado do Mestre com o que estava relatado nas escrituras como experiências
dos antigos instrutores do caminho devocional, ela era de opinião que o estado dele era o
mesmo que aquele dos outros. Dirigindo-se a Vaishvacharan ela lhe disse: "Se o senhor
tiver uma opinião diferente a esse respeito, por favor explique-me a razão." Assim como
uma mãe apresenta o orgulho de uma heroína para proteger o filho, a Brahmani, como
que fortalecida por algum poder divino, adiantou-se para apoiar o caso do Mestre. Qual
foi a reação do Mestre, causa da reunião de todas aquelas importantes personalidades?
Podemos visualizar a cena. Muito despreocupado, sorrindo e desfrutando da felicidade do
Ser, devia estar sentado no meio daquelas pessoas que levavam avante a discussão, às

113
vezes pondo na boca algumas sementes de anis ou de cubebas tiradas de uma bolsinha
e ouvindo a conversa como se fosse sobre outra pessoa, outras vezes tocando em
Vaishnavacharan para chamar sua atenção para o que ele tinha contado sobre sua própria
condição, dizendo: "Olhe aqui, às vezes acontece assim."
20. Alguns são de opinião de que com ajuda da percepção interior sutil nascida de
sua Sadhana, Vaishnavacharan soube desde o momento em que o viu, que o Mestre era
uma grande alma. Isso à parte, o próprio Mestre contou-nos que ele ouvia e aprovava de
coração tudo o que a Brahmani dizia a respeito do estado do Mestre. Não somente isso,
Vaishnavacharan comentou com espanto que todos os dezenove estados espirituais - a
coexistência dos quais foi chamada pelas escrituras devocionais de "Mahabhava", o
grande estado, apenas observado nas vidas de Sri Radha, personificação dos estados
espirituais e na de Sri Chaitanya - foram vistos no Mestre. Se Mahabhava se
manifestasse um pouco no Jiva, devido a uma boa sorte não precedente, somente
poderia experimentar dois ou três estados. Nenhum Jiva no passado pôde aguentar o
impacto de todas elas e nenhum Jiva no futuro será capaz de agir assim, segundo as
escrituras. Mathur e os outros presentes ficaram estupefatos ao ouvirem as palavras de
Vaishnavacharan e o Mestre disse a Mathur alegre e admirado: "Ah, o que ele diz! Afinal
estou contente de que não se trata de uma doença."
21. O ponto de vista acima de Vaishnavacharan a respeito do Mestre não foi
simplesmente verbal; porque ele sempre teve o Mestre em alta consideração e
dedicou-lhe verdadeira devoção. Dali em diante veio com frequência a Dakshineswar
para desfrutar a felicidade da divina companhia do Mestre e procurou sua opinião sobre
sua própria Sadhana. Às vezes levava-o aos devotos de sua seita para que eles também
pudessem ser abençoados. Misturando-se com eles e conhecendo suas vidas e Sadhanas
secretas, o Mestre como Deus, pintura da pureza imaculada, teve oportunidade de
compreender que, se uma pessoa pratica como Sadhana, ações censuráveis e
condenáveis aos olhos ordinários, alimentando em seu coração a convicção certa e
sincera de que estão agindo assim para a realização do Senhor, ao invés de
experimentarem queda por esse motivo, gradualmente tornam-se preparadas para
renúncia e auto-controle, vão em frente no caminho da religião e alcançam devoção a
Deus. Mas, quando pela primeira vez ouviu a respeito dessas práticas e viu algumas
com seus próprios olhos, surgiram em sua mente, muitas vezes o próprio Mestre nos
contou, idéias como essas: "Essas pessoas falam alto; mas por que, ao mesmo tempo,
dedicam-se a essas práticas baixas?" Também o Mestre disse-nos que, por fim,
mudou de opinião porque viu que entre eles, os que eram sinceros e tinham fé em
Deus, faziam progresso espiritual. A fim de remover nosso ódio para com os seguidores
daqueles caminhos, o Mestre expressou-nos sua convicção sobre eles assim: "Ah, por que
vocês cedem ao ódio? Saibam que aquele é também um caminho, porém sujo. Assim
como há diversas portas - porta principal, porta dos fundos e uma para o varredor entrar
na casa e limpar a sujeira - assim também saibam que há diversas entradas para a
mansão de Deus e que aquela é também uma, embora suja. Através de qualquer
que seja a porta que as pessoas entrem na casa, atingem o objetivo certo. No entanto,
devem vocês agir como elas ou se misturarem com elas? Não, não devem, mas também
não devem ter ódio por elas."
22. Será que a mente humana, tão cheia de desejos mundanos, escolhe o caminho
da renúncia? Será que ela se importa em ser absolutamente pura e sincera em sua busca
por Deus? Geralmente deseja prender-se a alguma impureza na pureza; mesmo quando
renuncia à luxúria e ao ouro, fica satisfeita com qualquer coisa que cheira a eles. Os livros
sobre o método de fazer adoração ordena que se deve adorar a Mãe Divina com absoluta
pureza mental, mas logo em seguida prescreve o canto de canções terríveis e sensuais
para Sua satisfação. Não é algo com o qual se deva ficar admirado ou que se deva condenar.
Apenas mostra como é poderosa a cadeia de luxúria e ouro à qual a mente humana está
amarrada por Mahamaya, a senhora de um sem número de sistemas mundanos. Fica claro
também que é impossível para um Jiva atingir liberação se Ela não remover este grilhão por

114
Sua graça. É evidente que o caminho ao longo do qual Ela ajuda uma determinada pessoa a
ir em direção à liberação, está além do entendimento humano. Ao fazemos um estudo
minucioso e comparativo das direções e tendências de nossas mentes, de um lado e o misté-
rio ímpar da vida do Mestre de outro, compreendemos como ele transcende a humanidade e
representa um tipo raramente visto e como ele andava neste nosso mundo por sua vontade,
por jogo ou compaixão por nós - permanecia sempre um imperador no campo do
conhecimento, aos olhos das pessoas de conhecimento, mas o mais humilde e inferior, aos
olhos superficiais dos homens ignorantes.
23. No Karma Kanda, a porção da "ação" dos Vedas, que contém descrições dos
sacrifícios, oblações etc., executados na Era Védica, Bhoga ou o gozo dos objetos dos sentidos
como vista, gosto etc., pela adoração aos Deuses, veio a ser reconhecido como o objetivo
da vida humana. Quando a mente humana até certo ponto, tornou-se livre até certo ponto
dos desejos, pela observância daqueles ritos védicos, a adoração a Deus com devoção
pura, como recomendado pelos Upanishads, foi adotada pelos aspirantes para atingir o
objetivo da vida. Mas na Era Budista prevaleceram uma visão e uma maneira de vida
totalmente diferentes. Sem levar em consideração o estágio espiritual das pessoas, foi
prescrito um sistema de disciplina espiritual, adequado para ascetas livres de todos os
desejos mundanos e morando nas florestas, mas não para os que pudessem estar
queimando de desejo pelo prazer mundano. A máquina do estado também ajudou a
tentativa dos monges budistas. A religião védica de sacrifícios permitia um desfrutar
controlado dos sentidos para os homens que não estavam totalmente preparados para
renúncia total, para que pudessem gradualmente ser conduzidos àquela maneira de vida
com seu desenvolvimento espiritual. Quando os rituais védicos, que eram a forma exterior
desse enfoque, foram destruídos pelas pregações dos monges budistas, reapareceram sob
as formas das secretas Sadhanas Tântricas, praticadas na calada da noite, em lugares
solitários e perigosos, como crematórios. Vendo que os sacrifícios védicos tornavam-se
ineficientes e antiquados, o grande Yogi Maheswara, dizem os Tantras, deu-lhes nova vida
neles revelando-os em formas diferentes como os Tantras. Há realmente uma grande
verdade escondida nessa tradição; porque percebe-se claramente tanto nos Tantras como
nas porções dos Vedas que tratam de sacrifícios, a união de Bhoga ou prazeres mundanos,
com Yoga ou contemplação espiritual. Mas enquanto nos Vedas, os Karmas inculcados por
eles nunca são combinados com o conhecimento não-dual dos Upanhishads, cada rito ou
cerimônia tântrica está intimamente associada àquele conhecimento. Por exemplo, quando
uma pessoa se senta para adorar uma determinada Divindade, em primeiro lugar deve pen-
sar que levanta a Kundalini, o poder enroscado, até o lótus de mil pétalas na cabeça e pensar
em sua existência num estado não-dual com Brahman. Então deve pensar que se tornou
separada d'Ele e deve novamente assumir a natureza de um Jiva e que a luz de Brahman
torna-se condensada, por assim dizer, e manifesta-se na forma da Divindade a ser adorada. A
pessoa tira a Divindade de dentro de seu coração e começa a adorá-La. Ah, que método
excelente é essa tentativa na meditação! Tornar-se uno com Deus no amor e então, adorá-
Lo! Talvez somente um adorador avançado entre mil poderá fazer corretamente esta
meditação. Mas todos podem pelo menos fazer uma tentativa que é, em si mesma, de
imenso benefício, porque fazendo-a continuamente, certamente avançarão gradualmente.
Assim ao combinar a idéia de não-dualidade com todos os rituais, os Tantras lembram
constantemente ao aspirante o objetivo supremo da vida espiritual. Aqui está a inovação
das disciplinas tântricas em relação aos rituais védicos e é esta razão porque elas desfrutam
de grande influência entre os hindus em geral.
24. Outra inovação dos Tantras é a Maternidade de Mahamaya, a Causa do
universo que, como resultado gera uma atitude mental pura e sagrada com relação a
qualquer forma feminina. Examinem os Vedas e Puranas e não encontrarão essa idéia tão
uniforme e comoventemente expressa como nos Tantras. Os fundamentos do culto ao corpo
feminino são, contudo, encontrados na porção Samhita dos Vedas. Prescrevem
especialmente que ele deve ser considerado puro e que na ocasião do casamento, os deuses
devem ser adorados por Mantras como, "Conceda, Ó Uno (Uma) possuindo o branco crescente

115
da lua" etc., para que a noiva conceba uma linda criança, cheia de vitalidade. Que ninguém
pense que a adoração dos corpos masculinos e femininos eram exclusividade da Índia,
desde os tempos védicos. A História provou que essa adoração em sua forma densa existiu
primeiramente entre os sumérios, babilônios e outros povos cognatos. Assim como, de um
lado, o Tantra da Índia unia em cada uma de suas cerimônias o espírito das partes de "ação"
e "conhecimento" dos Vedas, assim, de outro lado, vendo que o progresso espiritual de
certas pessoas de tendências particulares aumentava com a adoração da forma feminina,
reverteu em sua maior extensão a uma forma densa de adoração combinando-a com o
elevado ideal espiritual dos Vedas. O Tantra fez assim, daquela adoração parte de si mesmo.
O Virachara Tântrico, modo heróico de adoração, parece ter-se originado dessa maneira.
Os instrutores Kaula que produziram os Tantras, compreenderam com acerto que os
homens, sempre ávidos de desfrutar os prazeres, não poderiam renunciar totalmente às
visões, gostos densos etc., mas se fosse possível gerar naquelas pessoas uma reverência
verdadeira pelos objetos de prazer, poderiam ao longo do tempo, desenvolver, pela força
daquela reverência, qualidades espirituais como auto-controle etc., embora se dedicassem
durante um certo tempo aos prazeres - talvez a alguns excessos, em casos raros. Por isso
pregavam: que os corpos das mulheres são verdadeiros lugares sagrados de peregrinação.
Uma pessoa deve deixar de considerar as mulheres como seres humanos e sempre olhá-
las como a Própria Devi. Sabendo que se trata de uma manifestação especial da Mãe do
universo, deve-se sempre ter devoção e reverência por qualquer figura feminina. Deveria
beber um pouco da água em que ela mergulhou o dedo do pé. Não deveria condenar nem
bater numa mulher, mesmo sem querer.
Assim lemos algumas passagens como essas, na literatura tântrica: "No seu (corpo
de uma mulher), Ó grande Senhora, há todos os lugares de peregrinação." (Cap. 14,
Purascharanollasa Tantra). "O homem que considera a mulher um ser humano, Ó Tu da
mais linda face, não pode alcançar perfeição, mesmo que repita Mantras, podendo ter o
resultado contrário" (Cap. 2, Uttara Tantra). "O homem que beber com devoção um pouco da
água em que uma mulher mergulhou o dedo do pé ou coma os restos da comida de seu
prato, com certeza terá sucesso ininterrupto" (Nigama-kalpadruma). "As mulheres são
deusas, sagradas e ornamentos da sociedade. Não se deve jamais odiá-las, condená-las ou
bater nelas" (Cap. 5, Mundamala Tantra).
25. Mas para que tudo isso? Houve um tempo em que os Sadhakas tântricos
abandonaram o ideal de realizar o conhecimento de Deus e aplicaram suas mentes em
adquirir poderes miraculosos. Foi nesse período que várias espécies de Sadhanas
estranhas e a adoração de espíritos, duendes etc., entraram no Tantra e
transformaram-no na sua presente forma. Foi por isso que duas grandes correntes, a
boa e a má, a elevada e a baixa, a pura e a impura são distintamente encontradas em
cada Tantra. Sadhanas da camada inferior são encontradas na adoração da mais
elevada. Cada qual escolhe nos Tantras o tipo de Sadhana que mais satisfaz à sua
natureza.
26. Houve uma outra mudança na Sadhana tântrica, com Sri Chaitanya. Pensando
que a disseminação do dualismo nas massas seria benéfico, ele e seus sucessores imediatos
propagaram os Mantras tântricos e somente adoração exterior deixando as práticas
tântricas que conduzem à atitude de não-dualidade. Introduziram também um novo
método na adoração acima. Ensinaram que a Divindade, objeto da adoração, deveria ser
servida por uma pessoa da mesma maneira que ela mesma gostaria de ser servida. As
divindades tântricas são consideradas purificadoras, pelo simples olhar das frutas, raízes e
outros alimentos a elas oferecidas pelos adoradores. A crença geral é que esses artigos
oferecidos, quando tomados pelos aspirantes, aumentam suas inclinações espirituais ao
invés de suas tendências animais de luxúria, raiva, etc. De acordo com o método
recentemente estabelecido pelos instrutores vaishnavas, a crença de que as Divindades
tomavam as partes sutis daquelas oferendas e às vezes mesmo as partes densas,
dependendo do ardor devocional e anelo do devoto, ganhou aceitação. Muitas outras
mudanças foram também introduzidas pelos instrutores vaishnavas na maneira de adoração.

116
A principal entre elas foi a importância que deram ao modo de adoração chamado
"Pasvachara"3 (3 Pasvachara = Pasu + Achara. Pasu geralmente significa um animal, mas no Tantra significa Jiva; daí Pasvachara não é uma coisa
censurável. Simplesmente compreende os ritos e cerimônias daqueles que ainda se consideram Jivas e ainda não alcançaram a unidade com Siva, que é
Pasupati, o Senhor dos Jivas. Enquanto um homem se considera um Jiva, deve estar de olho na limpeza, pureza de comida, etc. Da í em Pasvachara é dado um
que favoreceu limpeza externa. Pregaram às pessoas em geral que se os
grande ênfase a essas coisas)
Jivas permanecessem absolutamente limpos em pensamento, palavra e ato e soubessem
que o próprio nome era Brahman, obteriam a beatífica visão pela constante repetição
do nome de Deus, como proclamado no preceito: "O sucesso é obtido através de Japa, Japa
e somente Japa!"
27. Mas os esforços desses primitivos instrutores foram em vão. Pouco tempo
depois, a mente humana, cheia de desejos, introduziu idéias impuras no puro processo
prescrito por eles. O homem descartou as idéias sutis e ficou somente com os objetos
densos. Ao invés de cultivar a atração amorosa que uma mulher tem por seu amante e
dirigí-la para Deus, foi ao cúmulo dele mesmo ter uma amante. Assim introduziu Bhoga,
prazer mundano, no puro processo de Yoga ou união com Deus e trouxe-a ao nível de sua
inclinação natural. E o que mais ele pode fazer? Porque é incapaz de viver uma vida pura.
Somente pode assimilar a combinação de Yoga e Bhoga. Quer realizar a espiritualidade mas
ao mesmo tempo anseia pelos prazeres da vista, gosto etc. Foi por isso que surgiram na
comunidade Vaishanava adoração e Sadhana secreta, segundo as doutrinas dos Karta-
bhajas, Auls, Bauls, Darvesas, Sains e assim por diante. Portanto, na raiz de todas elas vê-
se a corrente dos antigos Karmas védicos, aquela combinação de Yoga e Bhoga. A par delas é
também vista uma tendência para combinar cada ação com o conhecimento não-dual.
28. O leitor facilmente entenderá as reflexões precedentes se expormos as idéias do
Kartabhaja e outras comunidades, no que diz respeito a assuntos como Deus, liberação,
auto-controle, renúncia e amor. O Mestre falou-nos muito, diversas vezes sobre estas
comunidades. Seus ensinamentos, numa linguagem simples, são relatados em versos. O
leitor compreenderá, quando os ouvir, o quanto esses versos ajudam as pessoas comuns a
compreenderem as idéias que trazem esses termos. Nessas comunidades chamam Deus
"Aleklata". A palavra "Alek" é derivada da palavra sânscrita "Alakshya", o desconhecido e
incognoscível. O Alek penetra na mente de um homem puro, em outras palavras, Ele
manifesta-Se através dele como Karta, o instrutor espiritual. A esse instrutor é concedido o
título de Sahaj, o homem cujas tendências naturais conduzem a Deus. A comunidade é
chamada Kartabhaja ou adoradores de um instrutor espiritual, porque é somente ele um ser
humano verdadeiramente inspirado pelo estado de instrutor espiritual, considerado por eles
como objeto de adoração. Sobre a natureza verdadeira do Aleklata e Sua influência num
coração puro, dizem: "Ele vem e vai imperceptivelmente; ninguém pode ver Alek." Também:
"Aquele que O conheceu é objeto de adoração nos três mundos."
O sinal de um homem Sahaj é que ele permanece sempre "intacto", em outras
palavras, não se altera com a luxúria, mesmo se estiver sempre em companhia de
mulheres. Falam a respeito dele: "Vive com mulheres mas jamais cede à satisfação sexual."
Se um aspirante não viver desapegado do mundo de luxúria e ouro não pode avançar
espiritualmente. Portanto ensinam-no: "Seja um cozinheiro e espalhe o curry, mas não
joque na panela. Faça uma rã dançar na boca de uma serpente mas não deixe que a
serpente a engula. Banhe-se no mar de ambrósia, mas não deixe os cabelos se molharem."
Assim como nos Tantras, os Sadhakas são divididos em tres classes: o "animal",
o "herói" e o "divino"; assim também há classes superior e inferior de Sadhakas entre
os Kartabhajas. Falam de quatro classes, os Auls, Bauls, Darveses e Sains e dizem que não há
outra mais elevada do que a Sain. O Mestre dizia: "Todos adoram o aspecto sem forma de
Deus." Muitas vezes costumava também, cantar para nós algumas canções daquela
comunidade. Vejam, por exemplo, a canção:

"Mergulha, Ó mente, mergulha no mar da Beleza.


Tu compreenderás o tesouro, a gema de amor,
Quando fizeres a busca no mais profundo de teu coração,

117
Procura, procura repetidamente
e realizarás Vrindavan no coração.
O lampião do conhecimento queimará constante,
brilhantemente iluminando teu coração.
Quem é aquele, que conduz tão facilmente o barco para terra?
Kuvir diz: 'Ouçam atentamente; meditem nos sagrados pés do Guru'."

Assim, adorar o Guru e permanecer engajado em exercícios devocionais eram as


Sadhanas principais. Embora não desaprovassem a adoração das imagens e formas das
divindades, geralmente as adoravam. O culto ao Guru na Índia é bem antigo; parece que
vem desde a época dos Upanishads. Por exemplo lemos no Tattiriya Upanishad (1-11-2):
"Deixa que o Acharya seja teu Deus." Parece que o culto das divindades não estava em
voga naquela época. Fica-se admirado de ver quantas formas de adoração ao Guru
surgiram na Índia ao longo do tempo.
Além disso, os aspirantes tinham que fazer muitos exercícios religiosos para
renunciar a consciência da diferença como "o limpo e o sujo", "o bom e o mau." O Mestre
dizia: "Os aspirantes recebiam instruções a respeito desses exercícios vindos de Guru
para discípulo." De vez em quando mencionava alguns.
29. Muitas vezes ouviu-se o Mestre dizer: "Os Vedas e os Puranas devem ser
ouvidos; mas as disciplinas prescritas pelos Tantras devem ser realmente feitas e praticadas."
Também observa-se que em quase toda a Índia, os seguidores dos Smritis praticam
uma ou mais disciplinas tântricas. Grandes eruditos da Nyaya e da Vedanta são, como foi
observado, tântricos na prática. Eruditos das comunidades Vaishnavas, bem versados nas
escrituras devocionais como o Bhagavata, seguem Sadhanas secretas de comunidades
como o Kartabhajas. O Pandit Vaishvacharan foi um deles. Era intimamente ligado a uma
congregação secreta em Kachhibagan, algumas milhas ao norte de Calcutá. Muitos homens e
mulheres dessa comunidade aí viviam e estavam empenhavam-se na Sadhana sob suas
instruções. Vaishnavacharan levou o Mestre em algumas ocasiões. Notando que o Mestre
permanecia sempre intocado pela luxúria e vendo que devido ao amor de Deus, entrava
em êxtase, o que jamais haviam visto, contaram-nos que algumas mulheres daquele lugar
tentaram testá-lo para saberem se ele havia completamente conquistado suas paixões.
Como resultado, prestaram-lhe respeito devido àquele que era "intacto" e naturalmente
preparado para Deus. O ingênuo Mestre havia ido com Vaishnavacharan, sem nada suspeitar.
Não sabia que iriam testá-lo daquela maneira. Seja como for, nunca mais voltou.
30. Vaishnavacharan estava muito impressionado com a força de caráter do
Mestre e também com sua pureza e êxtase. Consequentemente sua devoção e
reverência por ele aumentavam tanto diariamente que por fim não hesitou em admitir
na presença de todos, que o Mestre era uma Encarnação de Deus.
31. Pouco tempo depois de Vaishnavacharan começar a visitar o Mestre, o Pandit
Gauri das Indes também passou a vir a Dakshineswar. Era um eminente Sadhaka
Tântrico. Em sua primeira visita a Dakshineswar, ocorreu um acontecimento interessante,
que soubemos através do Mestre. Disse que Gauri tinha um poder miraculoso que adquirira
por sua austeridade. Sempre que era convidado para uma controvérsia sobre as escrituras,
entrava na casa ou vestíbulo, com recitações em alta voz de algum verso como um hino à
Devi: "Sem esperança como estou, a quem pedirei refúgio exceto a Ti, Ó mãe de
Lambodara (Ganesha com uma barriga protuberante)!" precedido de gritos assustadores
de certas sílabas como "Ha! ré! ré!" incitando a um estado de desafio e heroísmo. O Mestre
dizia: "Os corações de todos ficavam aterrorizados ao ouvirem aquelas sílabas que
expressavam o estado heróico juntamente com a parte daquela stanza do hino à Devi que
Acharya Sankara pronunciava com uma voz profunda e sonora como o estrondo de uma
tempestade. Foram alcançados dois resultados. Primeiro, devido àquele barulho, o poder de
Gauri tornou-se completamente despertado e segundo, ele arrebatava a força de seus
adversários ao assustá-los e encantá-los com aquele barulho. Emitindo alto aquele som e
batendo o braço esquerdo no direito como os lutadores, Gauri entrou na reunião e sentou-

118
se com as pernas cruzadas e os joelhos juntos na frente e os pés atrás, à moda dos
cortesãos dos imperadores de Delhi e deu início ao debate." O Mestre disse que era
impossível qualquer um derrotá-lo.
O Mestre não tinha qualquer conhecimento prévio daquele poder de Gauri, mas logo
que ele entrou no templo de Kali, em Dakshineswar e pronunciou em voz alta as sílabas
"Ha, ré, ré, ré!" o Mestre sentiu-se tomado por algum poder vindo de seu interior que dizia
aquelas sílabas mais alto do que Gauri. Em seguida Gauri repetiu as sílabas com uma voz
mais alta do que o Mestre. Nervoso com isso, o Mestre pronunciou: "Ha, ré, ré, ré!" ainda
mais alto que ele. O Mestre costumava dizer, sorrindo, que se criou um terrível estrondo,
como o barulho feito durante as invasões de assaltante, devido à emissão daquelas sílabas,
por ambos. Com paus, cacetes etc., os porteiros do templo de Kali correram rapidamente
para o lugar de onde o barulho vinha. Todos estavam fora de si de medo. O barulho dessa
luta vocal durou até que Gauri não pôde mais levantar a voz. Ele foi assim silenciado. Num
estado mais ou menos abatido, entrou no templo de Kali, rindo alto para disfarçar sua
derrota. O Mestre dizia: "A Mãe Divina mais tarde revelou-me o grande segredo da vida de
Gauri - o modo como ele desarmava seu oponente de todos os poderes e ele mesmo
tornava-se invencível - Foi também revelado que não mais teria aquele poder. A Mãe
atraiu aquele poder para 'aqui' (no Mestre) para seu bem." Observou-se também que Gauri
ficava cada dia mais encantado com o ideal do Mestre passando a obedecê-lo completamente.
32. O Pandit Gauri era, como já dissemos, um Sadhaka Tântrico. Por ocasião do
culto anual de Durga, o Mestre contou-nos que Gauri organizou tudo para o culto, vestiu a
esposa com roupa e jóias, sentou-a num assento de madeira decorado de Alimpana e,
durante três dias, adorou-a como a Própria Mãe Divina. Os Tantras ensinam que todas as
figuras femininas são formas da Mãe do universo e que há nelas uma grande manifestação
do poder da Mãe Divina de 'sustentar e agradar' os Jivas. O homem deveria, portanto,
adorar todas as formas femininas com absoluta pureza. Esquecendo que a Própria Mãe
Divina permanece velada nas figuras femininas e olhando os corpos femininos com um
sentimento de luxúria, como se fossem somente objetos de prazer, as pessoas insultam a
Própria Mãe do universo e consequentemente encontram ruína sem fim. No Chandi (II.6) os
deuses recitam o hino à Devi:

Vidya samastastava Devi bhedah


Striyah samastah sakala jagatsu
Tvayaikaya puritamambayaitat,
Ka te stutih stavya paraparoktih

"Ó Devi, Tu és da natureza de pura Consciência. Tu também estás manifestada


como todas as ciências, elevadas e inferiores, das quais formas infindáveis de conhecimento
surgem. Tu existes como todas as figuras femininas do mundo, Tu somente penetras todo o
universo e estás presente em todos os lugares. Tu és incomparável e além das palavras.
Quem foi e será capaz de descrever Tuas inúmeras nobres qualidades ao recitar os hinos a
Ti?"
Muitos de nós lêem este hino diariamente na Índia; mas, meu Deus! quão poucos
entre nós consideram a figura feminina como a Própria Devi, prestam o devido respeito seja
por alguns momentos e assim, sentem alegria pura em seus corações e sentem-se
abençoados. Quão poucos são os que não insultam a Mãe do universo, centenas de vezes
diariamente! Ó Índia! Tu estás nesta presente condição miserável somente porque insultas
as formas femininas em Tua atitude bestial e esqueces de servir o Jiva como Siva. Somente
a Mãe do universo sabe quando Ela terá compaixão por Ti e removerá essa sua atitude
inferior.
33. Tomamos conhecimento através do próprio Mestre sobre outro poder
maravilhoso do Pandit Gauri. Os eminentes Sadhakas Tântricos geralmente fazem o Homa
no final do culto diário à Mãe Universal. Em várias ocasiões Gauri também o fez talvez
diariamente. Mas a maneira que ele adotou paras seu Homa era muito estranha. Não o fazia

119
como os outros. Geralmente as pessoas fazem um altar no chão com tijolos e areia, põem
pedaços de madeira, acendem o fogo e oferecem oblações. Mas Gauri estendia seu próprio
braço esquerdo sem qualquer apoio e colocava nele um Maund (cerca de 82 libras) de
madeira e ao mesmo tempo acendia e oferecia oblações com a mão direita. E não é pouco
tempo que leva o Homa. Assim parece-nos ser quase impossível para uma pessoas sustentar
o grande peso de uma Maund de madeira no braço esticado no ar e com devoção oferecer
oblações durante tanto tempo, mantendo a mente calma e suportando o calor do fogo no
braço durante o tempo todo. É por isso que à primeira vista não pudemos acreditar neste
fato, mesmo que o tenhamos ouvido do próprio Mestre. O Mestre compreendeu nossa
dificuldade e disse: "Ah! Eu o vi fazer, com meus próprios olhos. Esse era um de seus
miraculosos poderes."
34. Mathur Babu também convidou outros aspirantes eruditos como
Vaishnavacharan e convocou uma reunião alguns dias depois que Gauri chegou a
Dakshineswar. O motivo da reunião era um debate à luz das escrituras entre o recém
chegado Pandit Gauri e os outros eruditos a fim de determinar, como antes, a condição
espiritual do Mestre. Reuniram-se pela manhã no salão de música defronte ao templo da
Mãe Kali. Vendo que Vaishnavacharan estava atrasado em sua vinda de Calcutá, o Mestre
começou a reunião com Gauri. Antes de entrar na reunião, foi ao templo da Divina Mãe
Kali, saudou-A com devoção e adorou Seus pés. Logo que saiu do templo, cambaleando em
Bhavasamadhi, viu Vaishnavacharan cair a seus pés e saudá-lo. Mal o Mestre, inspirado por
emoções espirituais e amor a Deus, viu-o, entrou em Samadhi e sentou-se nos ombros de
Vaishnavacharan que se sentiu abençoado e ficou fora de si de alegria. Recitou um hino ao
Mestre em sânscrito, composto, de improviso, por ele mesmo. Vendo aquela forma
graciosa e brilhante do Mestre em Samadhi e ouvindo aquele recital cheio de graça do
hino por Vaishvacharan com o coração cheio de alegria, Mathur e os outros presentes
permaneceram em pé, imóveis, com os olhos fixos e corações cheios de emoção. Logo
depois, o Samadhi do Mestre chegou ao fim, quando lentamente, todos foram até o lugar
da reunião onde se sentaram.
Agora começou a reunião, mas Gauri, o primeiro de todos, disse subitamente: "Como
ele (o Mestre) conferiu tanta graça ao outro Pandit, não entrarei em discussão com ele hoje.
Mesmo que o faça, estou certo de que serei derrotado; porque hoje ele está armado com a
graça divina. Além disso penso que é uma pessoa que detém o mesmo ponto de vista que
eu. Um debate é, portanto, inútil neste caso." A reunião chegou ao fim depois de uma
pequena exposição sobre outros assuntos referentes às escrituras.
35. Deve-se salientar que Gauri se absteve do debate controvertido não devido à
erudição de Vaishnavacharan, mas à conversão que sofrera. Vendo o modo de vida do
Mestre e sua venerável personalidade, ele, com a ajuda da sua aguda percepção
interior, nascida de sua austeridade, sentiu no fundo do coração, mesmo durante o curto
período de sua estada ali, que o Mestre não era um homem comum mas uma grande alma.
Porque algum tempo depois o Mestre disse-lhe: com vistas a testar sua mente: "Olhe,
Vaishnavacharan, chama 'este' (ele mesmo) uma Encarnação de Deus; pode fazê-lo? Por
favor diga-me o que você pensa disso." Gauri respondeu seriamente: "Vaishnavacharan o
chama somente de uma Encarnação? Devo considerar sua estimativa muito baixa.
Minha convicção, é que o senhor é Ele parte de quem as Encarnações descem ao mundo
a cada época para fazer bem à humanidade e com cujo poder executam seu trabalho." O
Mestre disse: com um sorriso: "Ah, você vai mesmo além dele! Diga-me, porque pensa
assim? Gauri disse: "Falo assim segundo a evidência das escrituras e de minha própria
experiência. Se alguém tiver um ponto de vista contrário e me contestar, estou pronto para
provar minha convicção." Logo o Mestre disse: como um menino: "Você diz tantas coisas.
Quem sabe o que isto é? Eu, de minha parte, não sei nada de nada." Gauri respondeu:
"Está bem correto. As escrituras também dizem: 'Tu também não Te conheces.' Portanto,
por favor diga como os outros podem conhecê-lo. Se você tiver compaixão por alguém e
permitir que ele conheça a verdade, então somente ele pode conhecê-lo."
36. O Mestre sorriu ao ouvir as palavras do Pandit que expressavam sua forte fé.

120
A atração de Gauri pelo Mestre cresceu com o passar dos dias. Na companhia do divino
Mestre, o conhecimento das escrituras do Pandit e os méritos de sua Sadhana estavam
frutificando e manifestaram-se como um intenso desapego do mundo. Diariamente
diminuía seu gosto por erudição, honra, poderes miraculosos etc., e sua mente retirava-
se para os pés de lótus de Deus. Gauri agora já não tinha mais aquele orgulho de erudição,
aquele amor por argumentação, aquela arrogância - haviam todos desaparecido.
Compreendeu agora que havia gasto seu tempo precioso durante tanto tempo em vão, sem
se esforçar para realizar os pés de lótus do Senhor divino. O tempo não deveria mais ser gas-
to daquela maneira. Tomou a firme resolução de que renunciaria a si mesmo e dependendo
inteiramente de Deus com o coração cheio de devoção, gastaria os poucos dias que restam
de sua vida chamando ardentemente por Ele, para que pudesse ter Sua graça e visão.
Gauri assim passou dia após dia e mês após mês na abençoada companhia do
Mestre e na meditação de Deus. Como o Pandit estava há muito tempo longe de casa, os
membros de sua família - esposa, filhos e outros - começaram repetidamente a escrever
cartas para que ele voltasse. Porque eles tiveram informação das pessoas com quem ele
havia se misturado intimamente com um certo 'homem louco' em Dakshineswar e que
sua mente estava consequentemente se tornando indiferente aos assuntos mundanos.
Ora, o pensamento que eles pudessem vir a Dakshineswar e jogá-lo na vida mundana
novamente cresceu na mente do Pandit. Isto ficava evidente da tendência das cartas
recebidas deles. Depois de muitos pensamentos angustiantes Gauri descobriu uma saída.
Sabendo que o momento auspicioso chegara, inclinou-se profundamente ante os pés
sagrados do Mestre e despediu-se com lágrimas nos olhos. O Mestre disse: "O que é isso,
Gauri? Por que você quer ir embora tão subitamente? Para onde vai?" Gauri respondeu,
com as mãos postas: "Abençoe-me para que eu tenha meu desejo satisfeito. Não voltarei
antes de ter realizado Deus." Desde então, apesar de muitas buscas nunca mais se ouviu
falar do Pandit.
37. O Mestre contou-nos, diversas vezes, vários incidentes das vidas de
Vaishnavacharan e Gauri. Também, às vezes, enquanto discutia conosco certos assuntos,
dizia-nos qual a opinião que esses eruditos Pandits tinham a respeito. Um dia, enquanto
dava instruções a um aspirante devoto, o Mestre, disse-lhe: "Quando uma pessoa vê
realmente seu Ideal Escolhido num homem, realiza o Senhor. Vaishnavacharan
costumava dizer: "Quando uma pessoa tem fé na Lila de Deus como homem, adquire perfeito
conhecimento."
38. Notando num dos devotos a idéia de discriminação entre Kali e Krishna, o
Mestre uma vez disse-lhe: "Que idéia ruim! Saiba que é seu Ideal Escolhido que Se manifesta
como Kali, Krishna, Gauri e todos os outros. Mas eu lhe peço, por esse motivo, abandonar
seu Ideal Escolhido e adorar Gauri? Não, de jeito algum mas abandone essa atitude de
exclusivismo. Agarre firmemente a convicção de que é seu Ideal Escolhido que Se tornou
Krishna, Gauri e outras manifestações Divinas. Não vê que a nora de uma família vai
para a casa do sogro, serve e respeita todos - sogro, sogra, irmãs de seu marido, seus
irmãos mais novos e mais velhos e outras pessoas - de acordo com o seu relacionamento
com eles; mas ela divide a cama e pensamentos somente com seu marido. Sabe que é
através do marido que todas as outras pessoas da casa são suas. Assim é somente
através do Ideal Escolhido que você está ligado às outras formas Suas e deve ter devoção
e reverência para com todas elas. Saiba disso e abandone o fanatismo. Gauri dizia:
'Quando Kali e Gauranga forem conhecidos como sendo o mesmo, saberei que o ver-
dadeiro conhecimento chegou'."
39. Também, observando que a mente de um determinado devoto não poderia se
acalmar devido a grande apego a uma pessoa da família, o Mestre aconselhava-o a
servir e ninar aquele objeto de sua afeição como uma forma do Senhor. Já dissemos ao
leitor (Ch. III.1.27) como havia aconselhado uma devota, que era muito apegada a um
jovem sobrinho, a servir e amar aquela criança como o Menino Krishna e como resultado
daquela prática, ela alcançou Bhavasamadhi em pouco tempo. Enquanto ensinava que uma
pessoa deve ter reverência e devoção para com o objeto de seu amor como Deus, o Mestre

121
às vezes costumava citar Vaishnavacharan sobre esse assunto e dizer: "Vaishnavacharan
costumava dizer que se uma pessoa pudesse considerar o objeto de seu amor como o
Ideal Escolhido, sua mente em breve iria na direção ao Senhor." Assim falando, explicou
mais adiante: "Ele costumava aconselhar às mulheres de sua comunidade para assim agir.
Nesse caso não era censurável porque elas tinham a atitude mental de uma amante.
Queriam atribuir-se a mesma atração por Deus que uma mulher sente por seu amante."
O Mestre, contudo, disse que não era uma coisa a ser ensinada ao público em geral,
porque, disse: "Aumentaria o adultério." Mas ele não desaprovava que uma pessoa
servisse e amasse o marido, filho ou qualquer outro parente, como uma forma de Deus. Ele,
nós sabemos, deu esse conselho a muitos devotos que tomaram refúgio a seus pés.
40. Refletindo um pouco, veremos que não se trata de um romance ou doutrina
em desacordo com as escrituras. O grande Rishi do Upanishad ensina, durante uma
conversa entre Yajnavalkya e Maitreyi: "O marido torna-se caro à esposa somente porque
Deus está no marido. A mente do marido é atraída para a esposa somente porque Ele
está na esposa" (Brh.Up.2-5). Rishis da Índia, através dos quais os Upanishads
chegaram até nós, vêm-nos ensinando há muito tempo a considerar todos os objetos
e pessoas do mundo, como preciosos, atrativos e caros, como partes do Senhor que é
da natureza do Amor e Felicidade e amá-los desse ponto de vista. Quando Narada e
outros instrutores de Bhakti ensinaram os Jivas a dirigir para Deus os inimigos do
homem, as paixões de luxúria, raiva etc. pedindo-lhes para recorrer à atitude
devocional de amigo, mãe ou amante em direção a Deus, estão apenas seguindo os
passos dos mais antigos Rishis, os autores dos Upanishads. A opinião do Mestre,
portanto, sobre este assunto é do ponto de vista das escrituras.
41. Sabe-se que as grandes Encarnações de Deus trazem para o mundo
religioso o evangelho de um novo caminho, bem em concordância com a autoridade
das antigas escrituras e de jeito algum contrário às suas doutrinas. Isso pode ser bem
compreendido através do estudo da vida de qualquer uma das Encarnações de Deus. O
tempo todo tem sido nosso esforço neste livro explicar ao leitor esse fato na vida de
Sri Ramakrishna, o profeta da era moderna. Encontramos, a cada mudança em sua
vida, a mesma atitude de reverência com relação às escrituras. Mas se não
conseguimos que o leitor saiba que é devido aos defeitos de nosso intelecto limitado e
não, a qualquer falha do Mestre, cuja descoberta da nova grande verdade espiritual:
"Tantas fés, tantos caminhos", encantou o mundo. Não somente o não-dualismo
vedantista mas mesmo todas aquelas doutrinas como o Kartabhaja, a que chamamos vil
e à qual viramos nosso nariz imitando os ocidentais espertos e de mente mundana, que
usam um modelo para julgar os costumes e instituições de outros países e
ladinamente põem de lado e adotam um outro modelo conveniente para si mesmos -
tudo isso foi harmonizado pelo Mestre, o homem-Deus, numa posição respeitável
como caminhos genuínos para a realização do Senhor e prescrito para as pessoas
segundo suas inclinações particulares e capacidade. Movidos por nossa intolerância
daquilo que considerávamos práticas degradadas, muitos de nós perguntamos ao
Mestre, em diversas ocasiões: "Senhor, como é possível que um aspirante de classe
elevada, como a Brahmani praticasse Sadhana com os cinco “Ms”?"; "Não é errado
que um devoto do elevado calibre como o erudito Vaishnavacharan não tenha se
controlado e tomado uma amante como auxiliar de sua Sadhana?" A resposta invariável
do Mestre costumava ser: "Ó não; eles não incorreram em qualquer falta! Acreditavam
de todo o coração que era o seu caminho para a realização de Deus. Não se deve
condenar qualquer método praticado por alguém que acredita fielmente, no fundo de seu
coração que o permitirá realizar Deus. Não de deve interferir com a atiyude espiritual
de ninguém, porque qualquer atitude, compreendida e sinceramente seguida como
Sadhana, levará o aspirante a Deus, que é o centro para qual todas as atitudes
convergem. Apeguem-se à sua própria atitude e continuem chamando por Deus. Jamais
condenem a atitude de quem quer que seja, nem tentem tornar a atitude de outro, a
sua." Assim falando, o Mestre cantava.

122
"Permanece, Ó mente, em ti mesma, não vás para lugar de mais ninguém.
Se buscares em teu coração, conseguirás sem qualquer esforço o que quiser.
Aquela pedra filosofal, supremo tesouro, pode dar-Te tudo o que pedires!
Quantas são as gemas que jazem espalhadas na porta dos fundos daquele Ser
Supremo!
Não fiques,- Ó mente, inquieta para fazer viagens aos lugares dolorosos de
peregrinação.
Por que tu alegremente não te banhas e te refrescas na confluência dos três
rios4 no centro básico5?
O que tu contemplas, Ó Kamalakanta6 Tudo é magia irreal no mundo. Tu não
reconheces o mágico que mora neste corpo."

(4 Três rios: Ida, Pingala e Sushumna).


(5 Centro Básico: Chakra Muladhara).
(6 Compositor da canção).

CAPÍTULO II

O ESTADO DE INSTRUTOR ESPIRITUAL E VÁRIAS COMUNIDADES DE


HOMENS SANTOS

(ASSUNTOS: 1. Como o Mestre encontrou-se com homens santos. 2. Vivendo os hábitos dos homens
santos. 3. Uma história a esse respeito. 4. Porque os Sadhus vinham a Dakshineswar. 5. Sadhus de diferentes deno-
minações vieram em épocas diferentes. 6. As discussões vedantistas dos Paramahamsas. 7. Um Sadhu imerso na
própria Felicidade. 8. Um Sadhu inebriado com o Conhecimento divino. 9. A água do Ganga e a do ralo, o mesmo para
um conhecedor de Brahman. 10. O Sadhu Ramawat. 11. A história de Ramlala. 12. Nossas reações ao episódio de
Ramlala. 13. Admiramos a ciência moderna porque ela ajuda a aumentar os prazeres. 14. As pregações Kapalika e a
impossibilidade de coexistência de Yoga-bhoga. 15. O medo das pessoas mundanas da doutrina de renúncia. 16.
Como Ramlala ficou com o Mestre. 17. O Mestre e a experiência do amor desinteressado. 18. A fé de um Sadhu no
nome de Rama. 19. Canções da comunidade Ramawat. 20. O Mestre supre as necessidades do Sadhu e Rajkumar.
21. A reação espiritual do Mestre mesmo em sugestões não espirituais. 22. Exemplos disso. 23. Os Sadhus ajudando o
Mestre. 24. A chegada dos Sadhus coincidiu com as Sadhanas do Mestre. 25. Variação do poder espiritual nas
Encarnações. 26. Comparação do poder espiritual no Mestre com outras Encarnações. 27. Porque os Sadhus e
Sadhakas de todas as denominações vieram ao Mestre. Não vieram para o despertar espiritual do Mestre. 29. O
Samadhi do Mestre não é uma doença: conversa com Sivanah. 30. O comportamento do Mestre igual ao de um louco:
por que? 31. 0 Mestre iniciando Sadhakas: exemplo de Sri Narayana Sastri. 32. Antecedentes de Sri Sastri. 33. Seu
encontro com o Mestre. 34. Resolução de Sastriji. 35. Satriji sentiu desapego. 36. Sastriji e Michael Madhusudan.
37. O Mestre e Michael. 38. Sastriji escrevendo sua própria opinião na parede. 39. Sastriji iniciado em Sannyasa. 40.
As visitas do Mestre aos monges e aspirantes. 41. A filosofia Nyaya em Bengala. 42. Padmalochan, o erudito
vedantista. 43. 0 gênio de Padmalochan. 44. Siva ou Vishnu - quem é o maior? 45. O amor por Deus do Pandit. 46.
O Pandit vindo a Calcutá. 47. O Pandit encontrando-se como Mestre. 48. Porque a devoção ao Mestre do Pandit
aumentava. 49. O conhecimento do Mestre do miraculoso poder do Pandit. 50. A morte do Pandit em Kasi. 51. O
Mestre a respeito de Dayananda. 52. Pandit Jaynarayam. 53. Krishna Kishore, o devoto.)

Sou a origem de tudo, tudo evolve de Mim. Assim sabendo, o sábio adora-Me com
profunda atenção à Verdade suprema.
Gita, X.8

Por compaixão a eles, Eu, morando numa determinada modificação de sua


mente, destruo a escuridão da ilusão produzida pela ignorância, por meio do lampião
luminoso de Conhecimento.
Gita, X.II

1. Uma vez o Mestre disse-nos: "A Jovem Bengala1, (1 O Mestre conhecia menos de doze palavras e frases
inglesas que falava de vez em quando, de forma irônica. "A Jovem Bengala" era uma dessas frases) como vocês, começou a frequentar
aqui, depois que Kesav Sen passou a visitar este lugar. Mas sabem quantos Sadhus,

123
Sannyasins renunciantes e Vairagis costumavam vir antes? Depois da construção das ferrovia,
não vêm tanto hoje em dia, mas antes, todos os homens santos costumavam chegar pela
estrada ao longo do Ganga para se banharem na confluência do Ganga com o mar (Ganga-
sagar), em seu caminho para reverenciar Sri Jagannath em Puri. Todos eles,
invariavelmente, vinham e descansavam uns dias no templo da Rasmani. Alguns ficavam
mais tempo. Sabem por que? Os Sadhus não permanecem no lugar onde Bhiksha2 (comida
dada aos Sannyasins) (2 Sannyasins esmolam comida de porta em porta enquanto viajam, mas deles é Adainya Bhiksha, i.é. pedir sem ser
humilhado pelas pessoas. Com o nome de Deus nos lábios Narayana Hari, espera-se que fiquem um tempo razoável na porta e então, sem a menor dor ou
e lugares discretos para atender às funções fisiológicas não sejam facilmente
alegria, vão embora)
encontrados. Vivem somente de Bhiksha. É por isso que se fixam onde ela estiver
facilmente disponível.
2. "Também, durante as viagens quando ficam cansados, descansam um dia ou
dois, apesar da dificuldade de conseguir Bhiksha; mas jamais ficam onde houver escassez de
água ou dificuldade de se encontrar lugares discretos. Os Sadhus não fazem esses atos
naturais onde as pessoas fazem ou onde podem ser vistos; vão a lugares escondidos.
3. "Uma pessoa saiu à procura de santos de renúncia verdadeira. Disseram-lhe:
'Saiba que se trata de um homem de renúncia verdadeira se o vir fazer as "funções
naturais" longe das casas.' Recordando-se disso, a pessoa saiu à procura de um Sadhu
num lugar bastante afastado das localidades habitadas. Um dia viu um Sadhu ir mais longe
do que os outros com aquele intuito e por isso, seguiu-o à distância. Ora, a filha do rei
daquele lugar soube que uma moça poderia ter um filho bom se pudesse casar-se com um
verdadeiro Yogi, porque as escrituras dizem que os Sadhus nascem dos Yogis. A filha do rei
veio à procura de um noivo no lugar onde os Sadhus estavam. Escolheu aquele Sadhu, voltou
para casa e falou com o pai que queria casar-se com ele. O rei amava afetuosamente sua
filha e como a moça insistisse, foi até o homem santo e tentou persuadi-lo a casar-se com
ele, dizendo que metade de seu reino iria com ela. Mas o Sadhu ficou firme e não foi
convencido. Deixou o lugar à noite sem que ninguém notasse. A pessoa que o estava
perseguindo e observava seus movimentos e hábitos de vida, viu sua maravilhosa renúncia e
compreendeu que havia encontrado um homem santo, realmente um conhecedor de
Brahman. Tomou refúgio nele e o Sadhu teve pena, instruindo-o. Por sua graça alcançou
devoção a Deus e teve a meta de sua vida alcançada.
4. "Era muito bom conseguir Bhiksha no templo da Rasmani onde não havia
falta de água pela graça da Mãe Ganga. Também havia bons lugares solitários. Naqueles
dias os Sadhus costumavam permanecer ali. Corria de boca em boca as facilidades
existentes e o templo da Rasmani tornou-se entre os Sadhus que andavam naquelas
regiões, conhecido como um bom lugar de repouso em seu caminho para Gangasagar e
Puri."
5. "Em determinadas épocas," dizia o Mestre, "alguns Sadhus aí se reuniam em
grande número. Uma vez, Sannyasins, verdadeiros Paramahamsas - não um bando de
vadios caminhando para conseguir pão - começaram a afluir. Grande número deles eram
encontradas no quarto (do Mestre) dia e noite. Dias e noites discutiam tópicos da Vedanta,
como a natureza de Brahman e Maya, sobre: 'Ser, Revelando-Se, Amando' (asti, bhati,
priyam) etc.
6. Quando o Mestre empregou as palavras: "asti, bhati, priyam", explicou-as
imediatamente: "Sabem o que significam? É a verdadeira natureza de Brahman, assim
explicada na Vedanta: Aquele que é 'Ser', em outras palavras, que realmente existe,
está 'revelando-Se', i.é, manifestando-Se. Ora, a manifestação participa da natureza do
Conhecimento. A coisa da qual temos conhecimento manifestou-se em nós e aquela da
qual não temos qualquer conhecimento, é não-manifestada para nós. Não é assim? Por
isso a Vedanta sempre diz que se estivermos conscientes da existência de qualquer
coisa, tornamo-nos simultaneamente conscientes disso, como revelado ou manifestado
para nós; isto é, tornamo-nos conscientes de sua natureza como conhecimento. E logo
estamos conscientes disso como algo experimentado como 'querido', que é, 'felicidade'
morando nele e atraindo-nos para ele. Assim, sempre que tivermos a consciência da

124
Existência, temos a do Conhecimento e da Felicidade. Portanto, o que é Existência é
Conhecimento e Felicidade e o que é Felicidade é Existência e Conhecimento. A própria
natureza da substância Brahman, da qual o universo e todas as coisas e pessoas se
originaram, é Existência-Conhecimento-Bem-Aventurança. Existe, manifesta-Se e é
amado. Então quando uma pessoa adquire o conhecimento correto, sente, como diz o
Uttara Gita, que o Supremo Ser existe no lugar, pessoa ou coisa a quem a mente está
ligada: "Yatra yatra mano yati, tatra tatra param padam. " A mente do homem, está dito
nos Vedas, também corre para os objetos da vista, gosto e outros sentidos, porque Suas
partes estão neles.
"Continuavam discussões calorosas sobre esses assuntos. Eu estava sofrendo de
disenteria e com frequência evacuava. Hridu colocou uma caçarola de barro num canto do
quarto. Sofria uma aguda disenteria e ao mesmo tempo ouvia suas discussões sobre o
conhecimento vedantista. A Mãe inspirava-me com soluções simples, a respeito dos
problemas difíceis sobre os quais eles não conseguiam chegar a uma conclusão. Dava-lhes
aquelas soluções e suas dúvidas eram removidas imediatamente.
7. "Uma vez chegou um Sadhu. Havia um lindo brilho em seu rosto. Costumava
apenas sentar-se e sorrir. Saía de seu quarto uma vez pela manhã e outra à tarde, para
observar tudo em volta - as árvores, as plantas, o céu, o Ganga etc. - e, fora de si de
alegria, dançava com os braços levantados. Às vezes rolava no chão, rindo e dizendo:
'Ótimo! Que maravilhosa é Maya! Que ilusão foi criada!' Isto é, que linda Maya Deus criou!
Essa era sua adoração. Realizara a Felicidade.
8. "Certa vez chegou outro Sadhu. Estava inebriado do Conhecimento Divino.
Parecia um fantasma. Estava nu, coberto de poeira em todo o corpo e na cabeça, unhas
compridas e cabelos longos. A parte superior do corpo estava coberta por uma manta de
andrajos que parecia ter sido apanhada do crematório. De pé, diante do templo de Kali e
olhando para a imagem, recitava um hino de tal maneira, que fazia o templo todo tremer,
por assim dizer, e a Mãe olhava satisfeita, sorrindo. Foi para o lugar onde os pobres sentam-
se e recebem comida, mas vendo seu aspecto de fantasma, nem eles permitiram que ele se
sentasse junto deles e expulsaram-no. Eu então o vi partilhando com os cachorros os restos
dos pratos de folha que haviam sido atirados num canto sujo. Colocou um braço no dorso
de um cachorro e ele e o cachorro comeram na mesma folha. O cachorro não latiu nem
tentou fugir, embora um estranho tivesse posto o braço em torno de seu pescoço. Fiquei
com medo de vê-lo porque poderia entrar naquele estado e teria de viver e vaguear como
ele.
9. "Disse a Hridu: 'Sua loucura não é uma loucura comum; é a loucura da Suprema
Consciência de Deus.' Quando lhe disse isso Hridu, correu para vê-lo e encontrou-o saindo do
templo. Seguiu-o por uma longa distância e disse: 'Santo, por favor dê-me algumas instruções
de como posso realizar Deus.' A princípio o Sadhu não respondeu, mas quando Hridu
continuou seguindo-o, disse: mostrando a água na vala da estrada: 'Você realizará Deus quando
a água daqui e toda a do Ganga parecerem a mesma, igualmente puras.' Não disse nada
mais. Hridu tentou saber algo mais e disse: 'Senhor, por favor torne-me seu discípulo e leve-me
com o senhor.' Ele nada respondeu. Tendo ido longe, olhou para trás e viu que Hridu ainda o
seguia. Parecendo zangado, pegou um pedaço de tijolo e ameaçou jogar. Hridu imediatamente
fugiu. Mal ele fugiu, o Sadhu jogou o pedaço de tijolo, deixou a estrada e fugiu. Não mais foi
visto. Esses Sadhus andam disfarçados, senão as pessoas os aborreceriam. Aquele Sadhu
estava no estado de verdadeiro Paramahamsa. Os Sastras dizem que vivem no mundo como
meninos, fantasmas ou loucos. Os Paramahamsas permitem que um grupo de meninos fiquem
a seu redor e brincam com eles, para aprender a ser como eles. Procuram ser desapegados de
tudo como os meninos. Não vêem como um menino se sente feliz quando a mãe o veste com
roupa nova? Se lhe disser: 'Você me dá essa roupa?' imediatamente responderá: 'Não, não
dou; mamãe me deu.' Assim falando talvez segure-a com toda a força e com olhos medrosos,
senão você a tomará dele, como se todo seu coração estivesse naquela peça de roupa. Mas
depois, vendo um brinquedo que vale meio centavo em sua mão, talvez diga: 'Dê-me aquilo,
vou dar-lhe a roupa.' Um pouco mais tarde, talvez deixe o brinquedo de lado e apanhe uma

125
flor. Está tão pouco apegado ao brinquedo quanto à roupa. Esse é o caso dos conhecedores de
Brahman.
10. "Algum tempo se passou desta maneira. As visitas de Paramahamsas
gradualmente tornaram-se cada vez mais escassas. Em seu lugar os 'Babas',3 (3 Sadhus Ramayat são
conhecidos como Babajis ou 'Pais' em toda a Índia) Ramayat, homens de renúncia ardente, devotos e
desapegados, começaram a aparecer, em grande número. Ah, que devoção e fé tinham e
quão firme era seu serviço a Deus! Foi de um deles que Ramlala4 veio a mim. (4 O Menino Sri
Ramachandra. As pessoas no noroeste da Índia chamam afetuosamente os meninos e meninas de 'laias' e 'lalis'. É por isso que a imagem do Menino Ramachandra,
feita de uma liga de oito metais, era chamada Ramlala pelo 'Pai'. Na linguagem bengali também as palavras 'dulal e dulali' são empregadas com o mesmo
Trata-se de uma longa história.
sentido. (O prefixo 'du' significa 'traquinas')).
11. "Aquele Baba vinha servindo a imagem há muito tempo. Carregava-a para onde
quer que fosse. Cozinhava o que conseguia por Bhiksha e oferecia a comida cozida a ela.
Isso não era tudo; realmente via o que Ramlala comia ou queria comer, se queria passear
ou insistia para a satisfazer uma fantasia e assim por diante. Na companhia da imagem ficava
fora de si de felicidade e permanecia sempre 'inebriado'. Também vi Ramlala fazendo tudo
isso. Permaneci as vinte e quatro horas do dia com o Baba observando Ramlala.
"Com o passar dos dias, o amor de Ramlala por mim aumentava. Enquanto eu
permanecia com o Baba, Ramlala sentia-se feliz - brincava e divertia-se; mas assim que eu
saía para o quarto, imediatamente seguia-me até lá. Não ficava com o Sadhu, embora eu
o proibisse de vir. A princípio pensei que se tratasse de imaginação minha. Como podia
ser diferente? Podia Ramlala (na imagem) amar-me mais do que ao Baba que o vinha
amando e servindo-o afetuosamente todos aqueles anos? Impossível! Mas que importância
tinham todos esses pensamentos? Eu realmente vi - assim como estou vendo vocês
diante de mim - que Ramlala acompanhava-me dançando, ora na minha frente, ora atrás.
Às vezes importunava-me para pô-lo no colo. Também, quando o tomava no colo, ele de
jeito algum permanecia aí. Descia para correr, de lá para cá, apanhava flores em lugares
espinhosos ou ia ao Ganga nadar e espadanar água. Disse-lhe diversas vezes: 'Meu filho,
não faça isso, ficará com bolhas na sola do pé se correr no sol. Não fique na água tanto
tempo, vai pegar um resfriado e ter febre.' Mas ele não ouvia por mais que o proibisse.
Despreocupado, continuava com as travessuras, como se eu estivesse falando com outra
pessoa. Às vezes sorria e olhava para mim, lindo como as pétalas do lótus, ou continuava
com suas traquinices, como vingança. Fazia beiço e caretas para mim. Então eu realmente
ficava zangado e brigava com ele: 'Seu patife, espere, vou bater-lhe hoje.' Assim
falando, tirava-o do sol ou da água, enganando, dando isso ou aquilo e depois pedia-lhe
que brincasse dentro do quarto. Também, achando impossível parar com suas
travessuras, às vezes dava-lhe uma palmada ou duas. Tendo apanhado, fazia beiço,
soluçava e olhava para m im com lágrimas nos olhos. Eu me sentia terrivelmente
penalizado vendo-o chorando. Então tomava-o carinhosamente em meu colo e cedia.
Realmente vi e fiz tudo isso.
"Um dia eu ia banhar-me, quando ele inventou uma história para ir comigo. O que eu
podia fazer? Levei-o comigo. Ele não saia da água. Fez-se de surdo para todos os meus
pedidos”. Por fim fiquei zangado, afundei-o na água e disse-lhe: 'Fique agora na água o
quanto quiser' e realmente vi que arquejava e se debatia debaixo d'água. Assustado ao ver
seu sofrimento, exclamei para mim mesmo cheio de remorsos: 'O que eu fiz?' Tirei-o da
água e o pus no meu colo.
"Não posso descrever a agonia que senti em outra ocasião e o quanto chorei.
Naquele dia Ramlala estava obstinadamente pedindo algo para comer e dei-lhe um pouco de
arroz empapado, não muito bem descascado, para acalmá-lo. Vi então que sua suave e
delicada língua ficou machucada pela casca enquanto comia. Ó Deus! Que dor senti então!
Peguei-o no colo, chorei em voz alta e segurando seu queixo, solucei as palavras: 'Ó que
imprudente e estúpido fui! Ter colocado essa comida detestável na boca onde a mãe
Kausalya costumava encher de amor, com guloseimas delicadas como manteiga, leite
grosso e creme!' "Enquanto falava essas palavras, a antiga dor voltou novamente. Ficou
inquieto em nossa presença e chorou tão amargamente que não pudemos conter nossas
lágrimas de simpatia, embora não pudéssemos compreender nem um pouco o seu

126
relacionamento de amor com Ramlala.
12. Aturdidos de ouvir aquelas palavras sobre Ramlala, nós, pobres jivas presos
na prisão de Maya, olhávamos para a imagem, com medo, cogitando, cheios de
esperança, se nós também, poderíamos vê-lo vivo e movendo-se. Mas, Ah! não vimos nada
a não ser o frio metal. E como poderia ser diferente? Não tínhamos aquela atração
amorosa por Ramlala. A afeição por Ramachandra ainda não era tão intensa que pudesse
produzir em nós os olhos do amor como no caso do Mestre, permitindo-nos ver Ramlala
vivo dentro de nós e no exterior. Vemos uma pequena imagem e pensamos: "O que o
Mestre disse pode ter acontecido ou poderá acontecer?" É assim conosco com relação a
tudo que diz respeito ao campo espiritual e ficamos satisfeitos com nossa carga de
descrença. Não vê, o Rishi, o conhecedor de Brahman, dizer: "Sorvam Khalvidam
Brahma, neha nanasti kinchana5 quer dizer: (5 Chandogya Upanishad 3.14.1.; Brihadaranyaka Upanishad 4.4.19) não há
nada no mundo a não ser a Realidade de Brahman, Existência-Conhecimento-Bem-
Aventurança." Não há existência real para qualquer pessoa ou coisa que vemos. A essa
afirmação, nós, homens ignorantes, somos tentados a responder: "Nós também pensa-
mos que isso pudesse ter sido assim. Mas ao examinarmos verdadeiramente o mundo,
não encontramos nele o menor traço da Realidade de Brahman, o Uno sem segundo. O
que vemos são somente substâncias materiais - madeira e terra, casa e portas, homem e
vaca e outras coisas de várias cores, formatos e tamanhos. Ou no máximo o que vemos
são as belezas e sublimidade presenteadas pela Natureza - o verde à distância, azul
escuro, montanhas recobertas de neve tentando arrogantemente tocar o azul, enfeitando
o céu com seus picos e os rios descendo das escarpas e vales dessas orgulhosas
montanhas como se para ensiná-las com seu exemplo o que estavam proclamando por
meio da crítica através de seu som murmurante - 'Ó vós montanhas! Tanta arrogância não
é bom!' Ou vemos a expansão infinita dos mares tempestuosos subindo nos rochedos e
arremessando-se para engolir tudo, mas voltando, incapazes de irem além das praias apesar
do contínuo ataque de suas ondas. Aí chegamos ao limite de nossa compreensão e
pensamos: "Ah, o Rishi deve ter dito que viu tudo como Brahman sob a influência de fortes
tóxicos!" A isso o Rishi pode ter respondido: "Não, filhos, pratiquem auto-controle e
pureza e tornem a mente direcionada para um ponto só e tranquila, então compreen-
derão e realizarão o que disse - então realmente verão que o mundo é uma manifestação
de seus próprios pensamentos e que vêem diversidade no exterior porque ela está em
sua mente." A isso nossa reação será: "Reverenciado senhor, onde encontramos tempo para
tais práticas - nós que estamos inquietos sob a tirania dos sentidos e urgência de ganhar
nossa vida?" Ou talvez diríamos ainda: "A lista de obrigações que o senhor prescreve para
nos qualificarmos para a visão direta da Realidade que o senhor chama Brahman, não pode
ser seguida na prática em alguns dias ou meses ou mesmo anos. É mesmo duvidoso que
uma pessoa possa fazê-lo durante toda a vida. Suponhamos que apliquemos nossas
mentes em conformidade com o que o senhor diz, mas falhamos em alcançar aquela
Realidade ou Brahman e achamos por fim que atingir a felicidade infinita é somente uma
fantasmagoria! Perdemos então tanto o aqui como o depois. Ficamos privados do desfrutar
dos prazeres mundanos - embora transitórios - bem como de sua felicidade infinita. O que
nos acontecerá então? Não, senhor, não podemos estar com o senhor. Se o senhor sentiu
o gosto daquela Felicidade infinita, bem e bom, continue desfrutando-o para o bem de
seus discípulos; permita-nos somente gozar em paz o pequeno prazer que pode ser
obtido dos objetos da vista, gosto e outros sentidos. Por favor, não se dedique a
argumentos razoáveis e conversa para estragar o nosso pequeno prazer."
13. O cientista agora vem e diz-nos: "Posso mostrar com ajuda de instrumentos
que há uma substância que tudo penetra, um poder consciente que existe uniformemente
em todas as coisas - tijolos, árvores e plantas, homens e gado - e manifesta-se de várias
maneiras. Vemos também, que a vibração da vida pode ser observada em todos os
objetos." A isso respondemos: "Bravo cientista! Seu alcance intelectual é amplo, realmente!
Mas qual a utilidade de ter apenas esse conhecimento? Os Rishis, autores de nossas
escrituras, também, disseram mais ou menos a mesma experiência, há muito tempo atrás.6

127
(6 "Antahsanijna bhavantyete sukhsduhkha-samanvitah"- mesmo coisas insensíveis como árvores e pedras têm consciência interior. A experiência de felicidade e
O senhor, admitimos, demonstrou-o agora. Mas pode dizer o que isto
miséria encontra-se nele também).
acrescentará a nossos prazeres? Somente então apreciaremos sua sabedoria." O cientista
provavelmente responderá como se segue: "Não acrescentará? Certamente que sim.
Vejam como é bom para vocês receberem notícias de várias partes do globo através da
descoberta da eletricidade. Como é bom ganhar dinheiro, base de todos os seus prazeres,
através do intercâmbio e comércio feitos por intermédio de navios, estradas-de-ferro,
moinhos, fábricas e máquinas, todos movidos pelo poder do vapor. E como é bom para
vocês destruírem seus inimigos, que estão no caminho de seu desfrutar dos prazeres, com
a invenção de revólveres e canhões, através do entendimento das leis ocultas dos
explosivos. Esse poder que tudo penetra com o qual ficaram familiarizados hoje em dia pela
ciência, também não pode ter melhores usos no futuro." Não satisfeitos com a resposta
gostaríamos de acrescentar: "Bem, você está certo de uma certa maneira. Mas invente logo
que puder, algo que nos dê o que queremos na vida - o ápice de prazeres. Pode a aplicação
de seu recém descoberto poder ajudar-nos a ter cada vez mais as emoções dos prazeres?
Somente sua descoberta será bem-vinda e sua inteligência apreciada. Somente então
aceitaremos que o senhor não está falando sob a influência de tóxicos como os autores dos
Vedas e Puranas." O cientista ouve compreende nossos pensamentos e diz: "Que assim
seja."
14. A falta de aceitação no passado e no presente da mensagem espiritual dos
Rishis, instrutores da parte do Conhecimento dos Vedas, surge do fato de que as pessoas
não dizem: "que assim seja" ao clamor do homem pelos prazeres mundanos. Naqueles
dias tiveram de viver em florestas, longe do alvoroço do mundo e contentarem-se com
a companhia de algumas pessoas avessas aos prazeres mundanos. Não é verdade que
enquanto pregavam a mensagem espiritual, não tenha havido uma tentativa na Índia
para adotar a atitude dessa filosofia "que assim seja" e subordinar a espiritualidade a
valores mundanos. Lembre-se da última parte da Era Budista quando os Kapalikas
tântricos espalhavam os ritos mágicos para matar, enlouquecer, encantar, subjugar e
coisas semelhantes. Havia um grande exagero para aliviar e curar doenças do corpo e
mentais por meio de cerimônias propiciatórias e exorcizando os maus espíritos, como
fantasmas e duendes. Naqueles dias ninguém podia ser reconhecido como um instrutor
religioso a não ser que pudesse demonstrar alguns poderes sobre-humanos miraculosos,
alcançados por austeridade e pudesse mostrar a seus seguidores que tinha a chave para
seu sucesso, prazeres e todas as satisfações mundanas. Assim durante algum tempo
foi pregado e aceito que a verdade espiritual consistia de um corpo de doutrinas
esotéricas que contribuíam para os prazeres mundanos. Mas como podiam luz e
escuridão coexistirem? Consequentemente os Kapalikas em pouco tempo esqueceram-
se da Yoga, desceram para o plano de Bhoga ou prazer e secretamente pregavam em
nome da religião, que é realmente o meio para liberar o homem da escravidão, uma
filosofia de prazer, que prende uma pessoa firmemente ao mundo da matéria. As
pessoas verdadeiramente religiosas do país então compreenderam uma vez mais que as
duas, Yoga e Bhoga, eram contraditórias uma à outra e que não podiam de modo algum
coexistirem. Quando a desilusão chegou, os verdadeiros aspirantes espirituais uma vez
mais voltaram-se para o caminho do conhecimento pregado pelos videntes e procuraram
realizar aquele conhecimento na vida prática.
15. Como poderíamos concordar com os pontos de vistas das pessoas de
mentalidade mundana e aceitar sua filosofia de 'assim seja'. Estamos narrando a história
do Grande Mestre - um ser que não era desse mundo e em cuja mente a idéia de
renúncia estava tão enraizada que, o toque de um metal mesmo em sono profundo, fazia
a respiração parar com o choque de uma dor aguda e produzia contração e
insensibilidade da mão. Era aquele em que brilhava a imagem da Própria Mãe Divina no
momento em que os olhos caíam numa figura feminina - uma percepção que
nenhuma tentação7 (7 II.8.31, III.6.15, IV.1.29) poderia alterar. Foi aquele que ficou terrivelmente
aborrecido com a proposta de Mathur Babu de presenteá-lo com uma propriedade

128
valendo milhares de rupias, ameaçando atacar Mathur com uma pequena vara. Foi
aquele que teve esta mesma reação, mesmo depois de longo tempo, quando
Laxminarain Marwari veio com uma proposta semelhante para presenteá-lo com uma
considerável quantia de dinheiro e que ele descreveu de modo vívido dizendo: "Senti
como se minha cabeça estivesse sendo serrada com a proposta de Laximinarain
Marwari!" Foi uma pessoa em cuja mente qualquer objeto de prazer, vindo pelos
sentidos da vista, paladar, tato e outros jamais exercia atração ou ocasionava apegos,
rompendo sua experiência perpétua da felicidade do êxtase! Ó homem! sempre ávido
como está de desfrutar os prazeres do mundo, há muito tempo sabíamos que
receberíamos muitas críticas quando decidimos lhe contar a história desse Mestre
extraordinário. Isto não é tudo. Sabíamos também que difamariam esse caráter divino, se
algum entre seus filhos ou netos, amigos ou parentes se sentisse realmente atraído por
nossas palavras a respeito daquele maravilhoso caráter e renunciasse ao mundo e seus
prazeres mundanos. Mas quando entramos neste empreendimento, não pudemos desistir
ou esconder a verdade mesmo parcialmente, para sossegar vocês. Temos de dizer o que
consideramos verdade. Não pode haver paz de outra maneira. Deixe-nos, contar, até
onde sabemos, a história desse extraordinário homem-Deus. Aceite o máximo dessa
história como puder e 'omita a cabeça e a cauda.' Ou se quiser, pode jogar o livro fora,
pensando que algumas histórias da Carochinha foram nele narradas por um fumante de
cânhamo e corra para sugar o mel das flores dos objetos mundanos. Depois, passando
através do terrível redemoinho do mundo, se descobrir, com boa sorte, que seus
companheiros mundanos certamente considerarão o oposto e chamarão má sorte -
que 'o mel dos objetos dos sentidos e a flor da luxúria' parecem objetos velhos e
insípidos, se voltará para a história da vida desse ser extraordinário, vendo seu valor e
encontrando alívio em sua vida e ensinamentos.
16. Descrevendo aquele maravilhoso comportamento de Ramlala, o Mestre dizia:
"Em certos dias o santo Baba cozinhava e oferecia comida a Ramlala mas não o
encontrava. Profundamente magoado corria para aqui (quarto do Mestre) e achava-o
brincando. Com um sentimento de amor ferido, brigava com ele, dizendo: 'Tive tanto
trabalho para cozinhar para você, procurei-o aqui e ali, mas sem a menor consideração,
você está aqui. Ah! esse sempre foi seu jeito. Não tem bondade ou afeição. Deixou para
trás seu pai e foi para a floresta. Embora seu pobre pai tenha morrido chorando por
você, jamais voltou para se mostrar a ele.' Com essas e outras palavras semelhantes,
costumava levar Ramlnla para casa e dá-lhe de comer. O tempo passava dessa maneira.
O Sadhu ficou aqui durante muito tempo, porque Ka mlula não queria deixar este lugar
(i.é, eu). Baba também, não podia ir embora, deixando Ramlala a quem amava há tanto
tempo. Ora, aconteceu que um dia, Baba veio a mim em lágrimas e disse: 'Ramlala
mostrou-se a mim da maneira que eu queria para ter sua visão, realizando assim, as
aspirações de minha vida. Além disso, ele disse que não iria embora daqui porque não
quer deixar o senhor e ir para outro lugar. Minha mente está livre de tristeza e dor
porque sei que Ramlala vive feliz com o senhor, brincando e divertindo-se o dia todo.
Sinto-me fora de mim de contentamento ao ver isso. Estou em tal estado que me sinto
feliz com sua felicidade, portanto, posso deixá-lo com o senhor e ir-me. Sabendo que
está feliz, estou também.' Assim falando deu-me Ramlala e partiu. Desde então Ramlala
está aqui."
17. Disso compreendemos que o homem santo experimentou a mais elevada
forma de amor, livre do menor traço de egoísmo em virtude da companhia divina do
Mestre e deve ter-se convencido pelo poder daquela afeição, de que não havia perigo
deles separar-se do objeto de seu amor. Deve ter compreendido que seu Ideal Escolhido,
a personificação do amor puro, sempre estaria com ele e que poderia vê-Lo sempre que
quisesse. Não há dúvida que foi com essa certeza intuitiva, que o Baba deixou para
trás Ramlala, que lhe era mais caro do que a própria vida.
18. O Mestre disse: "Noutra ocasião chegou um Sadhu que tinha a mais
absoluta fé no nome de Deus. Também pertencia à denominação Ramayat. Não tinha

129
nada consigo exceto um jarro e um livro. O livro era-lhe muito querido. Costumava
adorá-lo diariamente com flores e um dia eu o persuadi a emprestar-me. Quando abri,
vi que a única coisa escrita, com tinta vermelha em grandes letras, era: 'Aum Ramah'.
Ele disse: "Qual a utilidade de se ler um grande número de livros? Porque foi somente
de um Senhor que os Vedas e os Puranas surgiram; Ele e Seu nome são inseparáveis.
Portanto, o que está contido nos quatro Vedas, dezoito Puranas e todas as outras
escrituras está em qualquer um de Seus nomes." É por isso que Seu nome é meu único
amigo.' Tal era a fé do Sadhu no nome de Deus!"
19. O Mestre falou-nos de muitos Sadhus importantes e cantava para nós, de vez
em quando, as canções devocionais que aprendera com eles, como por exemplo:

"Tu não reconheceste, Ó mente, meu Rama. O que então tu reconheceste? E o que
aprendeste?
Aquele que prova a felicidade que vem de tomar o nome de Rama, é um Sadhu.
Mas quem é ele, que prova o prazer dos objetos mundanos?
Um verdadeiro filho é aquele que liberta a família da garra de maya. Mas para o
que valem outros filhos?

ou

"Adora Ramachandra, o consorte de Sita, o senhor e rei dos Raghus, o protetor


de Ayodhya! Não há um segundo objeto de adoração.
Seu sorriso e palavras, Seu andar e sua atitude travessa, Seu rosto e longos
olhos. Seu nariz e sua testa linda com sobrancelhas franzidas à maneira
infantil uma marca de açafrão e pasta de sândalo, com aparência do sol da
manhã.
Seus brincos deslumbrantes, Seu colar de pérolas brilhando como estrelas em Seu
largo peito, como o Ganga saindo, cortando o pico de uma montanha verde com
flores.
Esse herói da dinastia dos Raghus está ali caminhando com Seus amigos às margens
do Sarayu.Tulsidas está fora de si de alegria, olhando e festejando Sua beleza
e anseia pela poeira daqueles pés de lótus."

ou

"Realmente vive no mundo quem adora Rama. Realmente vive no mundo quem O
adora."

ou

“Ninguém a não ser Rama, pode salvar-me."

Esquecemos os outros versos dessas canções.


Às vezes recitava-nos aqueles que aprendera com os Sadhus. Costumava
dizer: "Os Sadhus sempre ensinam que uma pessoa deve proteger-se contra os perigos
de cometer um roubo, de estar na companhia de mulheres e de mentir." Assim falando,
pedia-nos para ouvir o que diziam os versos de Tulsidas: Tulsidas diz que com certeza
Deus será realizado pela veracidade, obediência e ausência de inveja. Tulsidas será um
mentiroso se Deus não for realizado através da veracidade, obediência e atitude
maternal em relação às mulheres.' "Sabem o que é obediência? É humildade. Quando
ela chega, o egoísmo é destruído e Deus é realizado. Está também na canção de Kabir
Das: 'Serviço, adoração e humildade farão com que se realize facilmente o Senhor dos
Raghus. Seja firme, alegre, Ó irmão.' "
20. Noutra ocasião o Mestre disse: "Certa vez achei que deveria aos aspirantes

130
de todas as comunidades, os artigos de sua Sadhana. A idéia era de que se eles
pudessem ter tudo o que era necessário, ficariam livres de preocupações e praticariam
Sadhana para a realização de Deus. Consultei Mathur sobre isso. Ele disse: 'Onde está
a dificuldade, Pai? Vou arranjar tudo agora mesmo. O senhor poderá dar o que quiser a
qualquer um.' Além dos já existentes suprimentos de arroz cru, verduras, farinha, etc.,
para cada Sadhu segundo seu gosto, que havia no armazém do templo, Mathur comprou
jarros, Kamandalus, cobertores, assentos e até tóxicos como cânhamo e folhas de
cânhamo para aqueles que gostavam e também, vinho, etc. para os adoradores
tântricos. Muitos aspirantes tântricos costumavam vir nessa época e mantinham
Chakras, os círculos santos da adoração da comunidade. Eu costumava suprí-los com
gengibre descascado e cebola e também arroz empapado e vegetais, necessários para
suas Sadhanas, e observava-os, enquanto adoravam a Mãe Divina. Também, em muitas
ocasiões puseram-me no círculo e colocaram-me à cabeça. Pediram-me para tomar vinho
consagrado mas deixaram de fazer esses pedidos quando souberam que eu sentia
intoxicação de Deus à menção de vinho e, portanto, não podia toma-lo. Segundo seu
código de comportamento religioso, aquele que se sentasse com eles tinha que tomar
vinho consagrado. Eu costumava pôr, em deferência à sua prática, uma marca com
vinho em minha testa ou cheirá-lo, ou no máximo espargir uma gota com meu dedo, na
minha boca e então, despejá-lo nos copos deles. Assim que bebiam, alguns dirigiam o
pensamento para a Deusa, começavam a passar as contas do rosário ou meditar n'Ela,
enquanto outros, longe de chamarem a Mãe Divina, avidamente bebiam muita
quantidade e por fim, ficavam bêbados. Um dia comportaram-se de maneira tão
imprópria, que deixei para sempre de dar-lhes vinho e outros artigos. Mas eu sempre
via Rajkumar8 (8 Ele costumava viver de vez em quando em Kalighat e era conhecido pelo nome de Achalananda. Deixou para trás alguns grandes
discípulos. Seu corpo foi enterrado por seus discípulos com grande pompa, num vilarejo perto de Kalighat) sentado fazendo Japa,
abstraído de todos os outros pensamentos assim que tomava vinho consagrado. Mas
mais tarde despertou nele desejo de nome e fama. Isso era natural porque, como
tinha esposa e filhos, necessitava ganhar dinheiro. De qualquer maneira costumava
tomar vinho para ajudar sua Sadhana. Jamais eu o vi tomando em demasia ou
comportando-se de maneira imprópria.
21. Pensávamos muito sobre esse problema do Mestre não poder tomar vinho.
Em muitas ocasiões realmente vimos que ao serem mencionadas as palavras como
"cânhamo", "vinho", etc., era tomado de embriaguez divina e até entrava em
Samadhi. Muitas vezes vimos o Mestre entrar em Samadhi pronunciando o nome
daquela parte do corpo feminino, palavra essa que fazia surgir idéias de sensualidade
em nossas mentes, apesar de pretendermos ser dotados de cultura elevada. Há outros
que, embora conscientes de sua própria fraqueza, contudo fingem ser refinados e
superiores e tentam esconder suas imperfeições chamando tal situação obscena e
fogem dela. No que diz respeito ao Mestre, assim que desceu do plano de Samadhi e
retomou um pouco da consciência normal, nós o ouvimos dizer a esse respeito: "Mãe, Tu
realmente assumiste as formas das cinquentas letras.9 (9 Cinquenta é o número das letras do alfabeto sânscrito).
Aquelas letras Suas constituem, também, palavras obscenas e indecentes. O ka e o kha10
(10 Ka e Kha são as duas primeiras letras da série das consoantes no alfabeto sânscrito) de Teu Veda e Vedanta e aquelas das
palavras obscenas e indecentes, certamente não são diferentes. As palavras obscenas e
indecentes bem como os Vedas e a Vedanta são realmente Tu Mesma." Assim falando,
entrou em Samadhi outra vez. Ó! quem poderá compreender, quanto menos explicar, que
indescritível Luz extraordinária, além da compreensão de nossas pequenas mentes e
intelectos, havia nos olhos daquele extraordinário homem-deus iluminando todas as coisas,
boas e más, do mundo! Quem pode ter aqueles olhos para a visão dos campos que lhe
estavam abertos! Fique atento, Ó leitor, aceite as suas palavras suas cuidadosamente em
seu coração, com medo e reverência devidos a elas e pense quão profunda e
incompreensível era a pureza mental do Mestre! Ramprasad, a quem a graça da Mãe
Universal foi conferida, cantou: "Não bebo vinho mas néctar, chorando, 'Salve Kali' que
torna minha mente intoxicada de Deus. Bebedores de vinho consideram-me intoxicado de

131
vinho ..." Antes de conhecermos o Mestre, não podíamos conceber que sem tomar tóxicos,
um homem somente pela virtude da felicidade divina pudesse estar em tal estado de
embriaguez. Lembramo-nos muito bem como, num determinado período de nossa vida,
consideramos o autor de um livro, supersticioso e tolo quando descreveu que Sri Chaitanya
perdeu a consciência normal ao ouvir o nome de Deus. Naquela época os jovens da cidade
sentiam descrença e dúvida com respeito a tudo que era espiritual. Foi naquela ocasião que
encontramos o Mestre. Não somente o encontramos, mas o observamos o tempo todo, dia
e noite, com os olhos cépticos. Vimos sua dança desenfreada e constante perda de
consciência na felicidade do Kirtan, sua profunda sensibilidade ao contato com objetos
metálicos, incluindo moedas, mesmo quando não estava consciente deles e sua
embriaguez ao serem mencionados tóxicos, devido à sua associação com a embriaguez
da felicidade divina. E o que falar dos nomes de Deus e Suas Encarnações, quando a
simples menção de palavras que provocavam a paixão animal mais baixa nos homens
comuns, pela associação com sexualidade podiam apenas levá-lo ao êxtase divino além dos
sentidos, trazendo diante de sua mente o ventre da venturosa Mãe do universo, do qual os
mundos são criados a cada momento! Leitor! Há algo mais a acrescentar - qualidade ou
virtude mais maravilhosa ou deslumbrante para ser citada - que justifique que nós o
adoremos no fundo do coração como uma Encarnação Divina?
22. Muitas vezes o Mestre veio com seus discípulos a Simla em Calcutá, onde a
casa de seu grande devoto Ramachandra Dutta estava situada, conferindo a bênção de
sua companhia para ele e outros devotos aí reunidos. Um dia depois de uma dessas
visitas, o Mestre estava voltando a Dakshineswar, quando ocorreu um fato interessante. A
casa de Ram Babu estava situada na alameda Madhu Roy. As carruagens não podiam
chegar até a calçada da casa. Tinha-se de deixá-la na estrada principal, um pouco para
leste ou oeste da casa e andar até ela. Uma carruagem estava esperando na estrada
principal para levar o Mestre a Dakshineswar. O Mestre foi naquela direção e os devotos
seguiram-no. Mas o Mestre cambaleava tanto, devido à felicidade divina, que não podia
andar alguns passos sem ser ajudado pelos outros. Dois devotos, nos dois lados,
seguraram suas mãos e ajudaram-no a andar lentamente. Havia algumas pessoas na curva
da alameda. Como podiam entender o estado do Mestre? Falaram entre si: "O como o
homem está completamente bêbado!" Embora as palavras tenham sido pronunciadas em
voz baixa, pudemos ouvi-las. Sorrindo, dissemos para nós mesmos: "Realmente
completamente bêbado!"
Certa vez durante o dia, o Mestre foi ao templo de Kali adorar a Mãe do universo,
e pediu à Santa Mãe para preparar alguns rolos de betel e também, fazer sua cama e
varrer o quarto durante sua ausência. Ela havia rapidamente feito todas essas tarefas
quando o Mestre voltou do templo, como se estivesse completamente embriagado. Os olhos
estavam vermelhos, as passadas irregulares e as palavras incompreensíveis e mal
articuladas. Entrou no quarto, cambaleando até a Santa Mãe, que fazia o trabalho
atentamente e não percebeu o estado do Mestre. Ele, como um bêbado, empurrou-a e
disse: "Ah, eu bebi vinho?" Ela olhou para trás e ficou admirada de ver o Mestre naquele
estado. Disse: "Não, não; por que o senhor beberia vinho?" "Por que estou cambaleando?"
disse o Mestre, "Por que não posso falar? Estou bêbado?" A Santa Mãe consolou-o,
dizendo: "Não, não; certamente com o vinho. O senhor bebeu o néctar do amor da Mãe
Kali." Concordando, o Mestre disse: "Você está certa!"
Desde que os devotos de Calcutá vieram ao Mestre e tiveram sua graça, o Mestre ia
uma ou duas vezes por semana à casa de um ou outro devoto. Se alguém não pudesse
chegar na hora marcada ou não soubesse de sua visita, o Mestre ia pessoalmente vê-lo.
Também, às vezes ficava desassossegado e ia a Calcutá ver algum devoto, se ele não
tivesse ido a Dakshineswar no dia marcado. Via-se que essas visitas auspiciosas eram
para o bem dos devotos. Ele não tinha o menor interesse nisso. Beni Saha tinha algumas
carruagens de aluguel em Baranagar. Como o Mestre ia frequentemente a Calcutá, foi
combinado com ele que seria enviada uma carruagem a Dakshineswar a pedido do Mestre.
O cocheiro não deveria fazer qualquer objeção por mais tarde que a carruagem voltasse de

132
Calcutá. Naturalmente receberia um dinheiro extra sobre a taxa fixada, pelo tempo extra.
Esse aluguel da carruagem era pago por Mathur Babu, Mani Sen de Panihati, Sambhu
Mallick e Jayagopal Sen de Sinduriapati, Calcutá, mas o devoto em cuja casa ele ia num
determinado dia, pagava o aluguel da carruagem daquele dia, se pudesse fazê-lo.
Um dia o Mestre foi à casa de Jadu Mallick em Calcutá para ver a mãe deste último
que tinha grande devoção por ele, uma vez que não tinha notícias sobre a família há muito
tempo. O Mestre terminara sua refeição e a carruagem chegado, quando nosso amigo A.,
chegou de barco de Calcutá para fazer-lhe uma visita. Assim que o Mestre viu A., perguntou-
lhe sobre sua saúde e disse: "É muito bom que tenha vindo. Hoje vou à casa de Jadu Mallick.
A caminho vou descer na sua casa e ver G.. Ele não tem podido vir aqui por causa de muito
trabalho. Venha, vamos juntos." A., recém apresentado ao Mestre, concordou. Ele o havia
visto em algumas ocasiões, portanto, não sabia que o Mestre podia entrar em êxtase em
qualquer lugar a qualquer momento, mesmo à vista de coisas e pessoas consideradas
desprezíveis e detestáveis ou mesmo indignas de serem tocadas ou olhadas.
O Mestre entrou na carruagem. O devoto, Latu, agora conhecido como Swami
Adbhutananda, levou consigo a bolsa do Mestre, toalha e outros artigos necessários e
seguiu-o na carruagem. Nosso amigo A. também entrou. O Mestre sentou-se num lado da
carruagem e Latu e A. do outro. A carruagem partiu, gradualmente saiu de Baranagar e
passou pelo lago Mati. Nada de anormal aconteceu durante a viagem. No caminho o Mestre
via isso ou aquilo e perguntava a Latu ou A. sobre as coisas vistas como um menino, ou
puxava um assunto ou outro e continuava feliz em seu estado normal.
Havia uma loja ao sul do lago Mati, e mais para o sul uma loja de vinho, um
dispensário, alguns estábulos e algumas casas de azulejos formando um armazém para arroz.
A larga estrada para o bem conhecido templo de Sri Sarvamangala e Chitreswari ficava
ao sul desse lugar e passava pela margem do Ganga. Tinha-se que ficar à esquerda para ir
a Calcutá.
Alguns bêbados estavam sentados em um dos bares, tomando vinho e fazendo
tumulto. Alguns deles cantavam alegremente enquanto outros dançavam e gesticulavam. O
dono da loja, tendo encarregado o empregado de vender-lhe vinho, estava distraído na porta
da loja. Havia uma grande marca de vermelhão em sua testa. Agora a carruagem do Mestre
estava passando defronte a loja. O porteiro pareceu reconhecer o Mestre porque, quando
o viu, levantou as mãos, saudando-o.
O barulho atraiu a atenção do Mestre para a loja e viu os bêbados divertindo-se
ruidosamente em sua alegria embriagada. Vendo as pessoas alegres, depois de
beberem vinho (Karana), a memória da natureza venturosa da Causa universal surgiu em
sua mente por associação. Não foi somente a memória, mas a experiência direta seguiu-
se. Estava completamente tomado de inebriação e suas palavras eram incompreensíveis. Isso
não foi tudo. Subitamente saindo parcialmente da carruagem, pôs um pé no estribo, onde
permaneceu. Como um bêbado, exprimiu alegria à vista da cena. Gesticulando, gritou
alto: "Muito bom, ótimo divertimento, bravo, bravo!"
A. disse: "Não sabíamos que o Mestre ficaria subitamente naquele estado. Vinha
conversando como uma pessoa normal, mas mal viu aqueles bêbados, entrou naquele
estado. Rapidamente estiquei os braços para puxá-lo para dentro da carruagem e fazê-lo
sentar-se, quando Latu interferiu e disse: 'Não é necessário fazer nada; ele se controlará e
não cairá.'
Portanto fiquei quieto, mas meu coração começou a bater violentamente por algum
tempo. Pensei: 'Que erro foi para mim vir na carruagem com esse louco do Mestre! Não vou
fazer isso de novo.' A carruagem deixou o bar para trás e o Mestre permaneceu quieto.
Vendo o templo de Sri Sarvamangala disse: 'Aí está Sarvamangala. É uma divindade
despertada. Saúdem-n'A.' Assim falando, ele mesmo saudou a Devi, enquanto que nós
também o fizemos, imitando-o. Olhei para o Mestre e vi-o num estado bem normal, sorrindo
gentilmente, mas o palpitar de meu coração não parou por muito tempo, pensando que ele
pudesse ter caído ou mesmo estar morto.
"Quando depois, a carruagem chegou e parou defronte da casa, ele me disse:

133
'G. está em casa? Por favor vá ver!' Fui e voltei dizendo: 'Não'. Ele então disse: 'Bem! Não
posso ver G; Pensei em pedir que pagasse o aluguel extra da carruagem. Mas agora
estou com você, pode dar uma rupia? Jadu Mallick, você sabe, é um homem avarento; não
vai pagar mais do que o preço fixo de duas rupias e quatro annas, mas quem sabe quão
tarde da noite será quando eu voltar da reunião com os devotos. Também, o cocheiro
repetidamente pede-nos para que nos apressemos e aborrece-se quando fica muito tarde.
Portanto, ficou combinado com Beni que o cocheiro não criaria problema se fossem
pagos três rupias e quatro annas e não haveria qualquer dificuldade para o aluguel de
hoje se pagar uma rupia. É por isso que lhe falo assim.' Ouvindo tudo, dei uma rupia a
Latu e saudei o Mestre, quando ele foi ver Jadu Mallick."
Esses estados 'bêbados' ocorriam diariamente com o Mestre, mas somente pudemos
relatar alguns.
23. Assim em muitas ocasiões o Mestre narrou, não somente para nós, como
também para outras pessoas, as histórias de diversos monges e aspirantes que vieram ao
templo de Kali em Dakshineswar. Há muitas pessoas, ainda hoje vivas, que podem
testemunhar. Estávamos então, estudando no Colégio São Xavier, que ficava fechado dois
dias na semana, terças e domingos. Como havia uma multidão de devotos com o Mestre nos
sábados e domingos, costumávamos ir também nas terças, o que nos dava a oportunidade
de ouvir sobre sua vida, de seus próprios lábios. De todos esses acontecimentos, claramente
compreendemos que, além da Bhairavi Brahmani, Swami Tota Puri, o muçulmano Govinda e
o monge que veio de maneira providencial a Dakshineswar (cf.III.3.10) para salvar o
corpo do Mestre, forçando-o a alimentar-se durante sua absorção no mais elevado plano
Nirvikalpa, continuamente durante seis meses, muitos outros monges e aspirantes espirituais
visitaram o Mestre em Dakshineswar antes que nós, discípulos educados à moda inglesa,
fôssemos a ele e que esses aspirantes tenham recebido uma nova iluminação e direção
em sua vida espiritual do seu contato com a personalidade divina do Grande Mestre.
Tendo assim alcançado o preenchimento de sua própria vida espiritual, tiveram a
oportunidade de mostrar aos verdadeiros aspirantes de sua seita, sedentos de
espiritualidade, como realizar Deus em seus próprios caminhos. Cada um deles veio
somente para aprender e tendo aperfeiçoado seu conhecimento, voltaram para sua terra.
Embora a Bhairavi Brahmani, Tota Puri e alguns outros tivessem sido muito afortunados em
vir a ajudar o Mestre em sua vida espiritual, também foram abençoados ao realizar, pelo
poder da graça Divina conferida a eles através do Mestre, as verdades espirituais ocultas
que não puderam experimentar em suas próprias vidas, apesar de suas Sadhanas de vida
inteira.
24. Quando se estuda a ordem de chegada desses Sadhus e Badhakas ao Mestre,
em Dakshineswar, compreende-se uma outra verdade. Tentamos neste capítulo narrar ao
leitor esses acontecimentos com as próprias palavras do Mestre o quanto "possível e na
própria ordem e sequência, exatamente como ouvimos dele. Ouvimos do Mestre que,
sempre que se empenhava na disciplina e adoração dos aspectos particulares de Deus e os
realizava, os verdadeiros aspirantes daquelas comunidades, dedicados àqueles aspectos de
Deus, começavam a vir, em grupos, durante algum tempo e ele passava dias e noites na
companhia delas, discutindo os aspectos particulares da Divindade e a filosofia que
representavam. Assim que alcançou perfeição na adoração do Mantra de Rama, os monges
da denominação Ramayat começaram a chegar em grande número. Logo que ficou
estabelecido em cada uma das atitudes devocionais de Santa, Dasya etc., relatadas nos
livros vaishnavas de Bengala, os devotos que praticavam aquelas atitudes começaram a
afluir. Os eminentes aspirantes tântricos dessa parte do país também começaram a vir a ele,
logo que completou a disciplina prescrita nos sessenta e quatro Tantras, com a ajuda da
Bhairavi Brahmani. Mal aperfeiçoou e alcançou a realização de Brahman, segundo o não-
dualismo, numerosos Sadhakas Paramahamsas chegaram.
25. É óbvio que há um significado oculto no fato de que os aspirantes de
denominações diferentes vieram para ter a companhia divina do Mestre. Com a chegada
auspiciosa da Encarnação da época, isto sempre ocorreu no mundo no passado e assim

134
acontecerá no futuro. Segundo uma misteriosa lei do mundo espiritual, essas Encarnações
nascem em cada época para deter o declínio da religião e reacender a quase extinta luz
da espiritualidade, mas quando estudamos suas vidas, vemos que há uma diferença na
manifestação do poder delas e fica claro que algumas vieram para remover as
necessidades de uma determinada parte do país ou algumas comunidades, enquanto
outras vieram para remover a falta de espiritualidade no mundo inteiro. Todas são vistas
promulgando suas próprias doutrinas e o conhecimento descoberto por elas, mas mantêm
intacta a autenticidade dos ensinamentos espirituais dos sábios que as precederam,
instrutores e Encarnações, ao invés de destruí-los, porque, por meio de seus poderes
ióguicos, vêem uma ordem de sucessão e uma relação entre as doutrinas espirituais
precedentes. A história do mundo espiritual e a relação entre as antigas doutrinas
sempre se mantém ocultas de nossa visão, cega pelo apego aos objetos mundanos, mas
esses seres divinos vêem as doutrinas religiosas precedentes como unidas entre si "como
um colar de pérolas," acrescentando a ele a nova gema obtida por suas experiências.
26. Vamos compreender com o estudo da história de algumas religiões estrangeiras.
Tomem, por exemplo, Jesus que promulgou as verdades experimentadas por ele e
manteve intactas as doutrinas religiosas pregadas pelos instrutores judeus. Também,
Maomé veio alguns séculos mais tarde, pregou sua própria doutrina sem destruir aquelas
promulgadas por Jesus. Assim a pregação de uma nova doutrina não invalida as anteriores
em voga. Jesus não suplantou os antigos instrutores judeus, nem Maomé suplantou Jesus. As
antigas religiões estão a par com as novas em sua eficácia de conferir realização dos
respectivos aspectos de Deus que revelam. Essa é a lei em todos os lugares no mundo
espiritual. A mesma lei aplica-se também às doutrinas religiosas da Índia. Pode-se realizar
qualquer um dos aspectos de Deus pregados pelos Rishis védicos, grandes Acharyas ou
autores dos Tantras e Puranas, se seguirem com fé e zelo as disciplinas particulares que
formularam com esse objetivo. O Mestre empenhou-se nas disciplinas segundo as
doutrinas de todas essas denominações, uma após a outra, realizou essa grande verdade e
passou-as para nós.
27. "Quando as flores desabrocham, as abelhas chegam." O Mestre disse-nos mais
de uma vez que esta era também, a lei no mundo espiritual. Está de acordo com esta lei o
fato de que, assim que uma Encarnação de Deus torna-Se iluminada ou realiza a verdade
do mundo espiritual, aqueles que estão sedentos de religião são atraídos para ela a fim de
conhecer e aprender. A razão pela qual os aspirantes de todas as seitas vieram ao Mestre,
grupo após grupo, e não simplesmente aqueles de uma só, é que, tendo percorrido os
caminhos de todas elas e tendo realizado todos os aspectos de Deus, ele podia dar
informação específica sobre cada uma. Mas todos esses aspirantes não alcançaram
perfeição na prática de suas próprias doutrinas nem podiam reconhecer o Mestre como a
"Encarnação da Época". Somente os melhores entre eles puderam fazê-lo, mas cada um fez
progresso ao longo do próprio caminho pela virtude da divina companhia do Mestre e ficou
perfeitamente convencido de que realizaria Deus no tempo certo se persistisse ao longo de seu
caminho. Não é necessário acrescentar que o declínio na religião surge pela perda da fé em
seu próprio caminho conduzindo, gradualmente à estagnação espiritual de toda a
comunidade.
28. Hoje em dia há uma voz corrente de que o Mestre aprendeu os métodos de
Sadhana com esses monges, empenhou-se com severa austeridade e por isso ficou louco
durante um certo tempo, que seu cérebro ficou comprometido e que ocorreu-lhe uma
doença física permanente de perder a consciência normal, sob a influência de emoções
excessivas. Meu Deus! Somos um bando de tolos eruditos! Os Rishis da Índia mostraram
através de suas vidas e explicaram-nos através dos Vedas e Puranas, que a consciência
normal desaparecia à medida que uma pessoa elevava-se para o plano de Samadhi,
através da completa concentração da mente. Deixaram atrás de nós a completa explicação
disso nas escrituras relacionadas com o Samadhi, uma ciência desconhecida por pessoas
de mente exteriorizada. Todas as grandes almas, que vêm sendo consideradas Encarnações de
Deus e recebendo a reverência dos corações humanos em todos os países,

135
experimentaram essa perda da consciência exterior. Elas também nos explicaram
repetidamente que não se trata realmente de perda de consciência, mas do aumento dela ao
mais elevado grau e que marca o ápice do progresso espiritual. Mas, apesar de tudo isso, se
ainda falamos, ouvimos e acreditamos nessas palavras vazias, Deus nos acuda! Ó leitor, se
acreditar neles, pode ouvir ou aceitar essas criticas sem significado, mas somente tenha como
certo que está seguindo o exemplo dos homens cegos que se permitem ser conduzidos por
um cego! Possam você e os outros de ponto de vista semelhante prosperar! Mas por favor
permita-nos a liberdade de sentarmo-nos aos pés desse maravilhoso homem intoxicado de
Deus. É também melhor que tente uma vez mais compreender sinceramente a questão
antes de decidir qual o caminho. Veja que seu julgamento não seja afetado pela feição
descrita pelo antigo autor do Kathopanishad no seguinte verso: "Assim como um cego
guiado por outro cego, pode sofrer um acidente, assim as pessoas versadas nas escrituras e
que se julgam inteligentes mas, sem discriminação, vivem em ignorância e passam por
várias transmigrações."
29. Não é novidade que o Bhavasamadhi do Mestre fosse considerado uma doença.
Muitas pessoas educadas no Ocidente assim disseram, mesmo enquanto o Mestre estava
vivo, mas o tempo desmentiu estes pontos de vista, assim como as conversas "insanas" e
predições daquele homem divinamente inebriado tiveram larga aceitação e cada vez mais
revelaram seu significado. Seus ensinamentos ímpares são ansiosamente procurados e
aceitos pelas pessoas de todo o mundo, provando assim que eram sem fundamento as
críticas que viam somente doença em seu Bhavasamadhi. Suas críticas tiveram mesma sorte
que um punhado de poeira jogada na lua e tendo descoberto que tais afirmações estavam
erradas, as pessoas acabaram por descobrir a veracidade das experiências e ensinamentos
do Mestre, com completa satisfação. Isso é o que esta acontecendo hoje também e o que
ocorrerá no futuro; porque a verdade não pode ser mantida coberta com o fogo por uma peça
de roupa. Portanto não nos é necessário falar mais sobre esse assunto. Vamos somente
citar uma palavra ou duas do próprio Mestre a esse respeito.
Nosso reverenciado amigo Sri Sivanath Sastri, que era um dos pregadores do
General Brahmo Samaj, disse a alguns de nós durante a vida do Mestre, que o Bhavasamadhi
do Mestre era uma doença, ou histeria ou ataque de epilepsia, produzida por um desarranjo
nervoso e que sua falta de consciência nessas ocasiões não era diferente daquela das
pessoas que sofrem dessas doenças. Essa observação gradualmente chegou aos ouvidos
do Mestre. Há muito tempo Sivanath vinha visitando o Mestre com frequência, apesar de
seus pontos de vista a respeito de seus êxtases. Um dia quando Sivanath veio a
Dakshineswar, o Mestre levantou esse assunto e disse-lhe: Olhe aqui, Sivanath, é
verdade que você chama meus estados uma doença - fala com as pessoas que fico
inconsciente por ocasião do Samadhi? Ah, que boa lógica! Estão sempre certos, sóbrios e
despertos, embora dirijam as mentes noite e dia para coisas insensíveis como tijolo,
madeira, terra, dinheiro, etc., e eu, que penso noite e dia n'Ele cuja consciência faz o
mundo inteiro consciente, sou inconsciente! De onde você tirou seu intelecto?" Sivanath
permaneceu em silêncio.
30. O Mestre usava as palavras "loucura Divina", "loucura do conhecimento",
etc., para nós, diariamente e frequentemente dizia para todos, que uma tempestade
poderosa do amor divino varrera sua vida durante doze anos. Costumava dizer: "Ah! Assim
como quando a poeira é levantada pela tempestade, todas as coisas se parecem, e árvores
como mangueiras, jaqueiras etc., não podem ser vistas, muito menos diferenciarem-se
uma da outra, assim também veio a mim um estado que não me permitia distinguir o bom do
mau, elogio da censura, limpeza da sujeira e tive um pensamento, somente um, i.é, como
realizá-Lo. Pensei nisso o tempo todo. Diziam: 'Ele ficou louco'."
31. Alguns daqueles aspirantes eruditos que vieram ao Mestre naqueles primeiros
tempos, guiados somente por sua devoção excessiva, foram iniciados por ele, alguns na
prática de Mantras e outros até em Sannyasa. O Pandit Narayana Sastri foi um deles. O
próprio Mestre contou-nos que o Pandit vivia com seus instrutores como os Brahmacharins
ortodoxos dos tempos antigos e estudou vários Sastras, continuamente, durante vinte e

136
cinco anos. Sempre teve um forte desejo de ter conhecimento e domínio de todos os
seis Darsanas e morou com diferentes instrutores em Kasi e outros lugares na parte
noroeste do país obtendo completo domínio sobre cinco deles. Embora também tivesse
estudado Nyaya, o sexto deles, sob a orientação de eminentes expoentes de Navadwip e
Bengala, não pôde dizer que teve completo domínio sobre todos os Darsanas. Veio, portanto,
a esta parte do país cerca de oito anos antes de visitar o Mestre em Dakshineswar. Durante
sete anos viveu em Navadwip para completar seus estudos da filosofia Nyaya e tendo
assim feito, ficou pronto para regressar à sua casa. Talvez tenha tido dúvidas se poderia
visitar essas partes do país novamente. Veio a Calcutá e entre os lugares que visitou,
estava Dakshineswar, onde teve o privilégio de conhecer o Mestre.
32. Narayan Sastri era conhecido no país, como um grande erudito, mesmo antes de
vir a Bengala para estudar Nyaya. Ouvindo a reputação de Sri Sastri, o Marajá de Jaipur,
soubemos pelo próprio Mestre, certa vez desejou nomeá-lo Pandit de sua corte e
respeitosamente convidou-o com a promessa de um alto salário, mas a sede de
conhecimento de Sri Sastri ainda não tinha sido saciada, porque sua ansiedade de obter
domínio completo sobre as seis escolas ortodoxas da filosofia indiana ainda permanecia
insatisfeita. Assim teve de rejeitar o cordial convite. Sri Sastri era de algum lugar em ou
perto de Rajputana.
33. Narayan Sastri não era como os eruditos comuns. O desapego pelo mundo foi
gradualmente crescendo em seu coração ao longo do tempo, com o conhecimento das
escrituras. Compreendeu claramente que ninguém poderia ter verdadeiro domínio da
Vedanta e outras escrituras com um simples estudo, sem a prática. Portanto, mesmo antes
de terminar seus estudos, de vez em quando surgia a idéia: "Temo que não estou adquirindo
o conhecimento correto dessa maneira. Devo praticar Sadhana durante algum tempo e tentar
realizar o que as escrituras dizem," mas não quis empenhar-se em Sadhana novamente
dedicou-se aos estudos, senão perderia ambos, ao desistir de um assunto meio acabado,
que vinha tentando dominar. Agora que havia adquirido o total conhecimento dos seis
sistemas filosóficos, aquele seu desejo há tanto acalentado havia sido satisfeito. Queria voltar
para casa. Já havia decidido que faria o que considerasse mais adequado em sua volta para
casa. Nesse momento auspicioso de sua vida encontrou o Mestre e logo que o viu, sentiu-se
atraído para ele de uma maneira misteriosa.
Já dissemos que no templo de Kali em Dakshineswar havia uma boa estrutura para
alimentar e alojar convidados, Faquires, Sadhus, Sannyasins, Pandits e assim por diante.
Não é de se admirar que ele tenha sido respeitosamente recebido e lhe tenha sido permitido
morar ali o quanto tempo quisesse, porque, além de ser um Brahmana Brahmacharin,
pertencente a uma parte longínqua do país, era também um erudito. Era um lindo lugar que
provia comida e outras necessidades e propiciava a companhia de um homem-Deus! Sri
Sastri decidiu passar algum tempo antes de ir-se. E o que mais poderia fazer? Quanto mais
intimamente se unia ao Mestre, mais um certo sentimento de amor por ele, combinado com o
desejo de sondar a profundidade de sua sabedoria, crescia em seu coração e dominava-o. O
Mestre também estava feliz em ter o bom, puro Sastri como seu companheiro e passar muito
tempo conversando sobre Deus com ele.
34. Sastri havia lido a respeito dos sete planos da Vedanta. Sabia, pelo estudo das
escrituras que, no momento em que a mente ascende a planos de consciência cada vez
mais elevados, ocorrem experiências e visões maravilhosas, que culminam no Nirvikalpa
Samadhi, estado em que o homem funde-se na experiência imediata da realidade de Brahman,
Existência-Conhecimento-Bem-Aventurança indivisíveis e que a ilusão do mundo, alimentada
durante muitas épocas sem começo, desaparecia completamente. Viu que o Mestre tinha o
conhecimento imediato do que Sastriji havia simplesmente lido nos livros e decorado.
Constatou que pronunciava palavras como Samadhi, conhecimento imediato, etc.,
enquanto o Mestre realmente havia experimentado esses estados dia e noite. Sastri
pensou: "Ah, que maravilha! Onde mais teria eu tal pessoa para ensinar-me e explicar os
significados ocultos dos Sastras? Esta oportunidade não pode ser perdida. Os meios do
conhecimento imediato de Brahman devem ser aprendidos com ele a todo custo. A vida

137
realmente é incerta. Quem sabe quando este corpo chegará ao fim? Vou morrer antes de
alcançar o conhecimento correto? Isso não pode ocorrer. Pelo menos um esforço sincero
para realizar Deus deve ser feito. Fora com o pensamento de casa e tudo o mais pelo
momento!"
35. À medida que os dias passavam, o desapego e a ansiedade para conhecer a
Verdade cresciam cada vez mais em Sastriji como resultado da divina companhia do
Mestre. Desejos como: "Surpreenderei a todos com a minha erudição", "Vou tornar-me um
Mahamahopadhyaya, 11 (11 Um título que significa “o maior entre os grandes eruditos”) e adquirir nome, fama, posição,
etc., mais do que os outros", pareciam ser objetivos desprezíveis da vida que deviam ser
afastados e evitados por todos os meios e gradualmente desapareceram completamente de
sua mente. Sastriji vivia com o Mestre como discípulo, numa atitude de humildade, ouvia
atentamente palavras semelhantes ao néctar e começou a pensar: "Não vou dirigir minha
mente para nada que não seja Deus. Não se sabe quando o corpo encontrará seu fim. Agora,
enquanto houver tempo, devem ser feitos esforços para realizar Deus." Refletiu no Mestre:
"Ah, quão livre de ansiedade ele vive, sabendo o que uma pessoa deve saber e compreender
na vida! A própria morte foi conquistada por ele. Não mais pôde colocar diante dele a
sombra horrível da 'noite de destruição'. Bem, o autor dos Upanishads12 (12 Mundaka Upanishad III.i.I.) diz
que os desejos dessas grandes almas realizam-se e se uma pessoa puder verdadeiramente
alcançar sua graça, o desejo dessa pessoa de experimentar o mundo repetidamente
desaparece e ela alcança o conhecimento de Brahman. Por que então não devo orar por Sua
graça? Por que não devo tomar refúgio nele?" Sastriji continuou refletindo e morou com o
Mestre em Dakshineswar, mas não pôde fazer qualquer pedido nesse sentido logo porque
ele poderia considerá-lo despreparado, recusando-se a tomá-lo sob sua proteção. O tempo
passava.
36. Veremos como o desapego do mundo estava se tornando intenso na mente de
Sastriji, dia após dia. Michael Madhusudan Datta, o importante e grande poeta de Bengala,
que também era um conhecido advogado na época, estava então, tratando um caso em favor
da Rani Rasmani. Um dia teve de ir ao templo de Kali em Dakshineswar com um parente da
Rani para saber exatamente tudo a respeito do caso. Depois da consulta, veio a saber, que
o Mestre estava no templo e quiz vê-lo. Quando foi enviado um recado ao Mestre, este em
primeiro lugar enviou Sastriji para falar com Madhusudan e foi um pouco mais tarde.
Enquanto conversavam, Narayan Satri perguntou a Madhusudan porque havia
abandonado a religião de seus ancestrais e aceitado o cristianismo. Michael respondeu que
pressões financeiras haviam-no levado a assim agir. Não podemos dizer se foi porque
relutava em contar sua história a um estranho que o fez responder à questão daquela
maneira. Deu impressão ao Mestre e às pessoas presentes, que realmente estava falando
de sua própria história e não, por brincadeira ou sarcasmo para esconder a verdade a
respeito de si mesmo. Seja o que for, Sastriji ficou muito aborrecido ao ouvir a resposta.
Disse: "O que é isso! Abandonar sua própria religião por questão de sobrevivência neste
mundo efêmero! Que motivo mesquinho! Uma pessoa vai morrer algum dia, deveria ter
preferido morrer à mudar de religião." Pensou: "Contudo as pessoas consideram-no um
grande homem e gostam de ler seus livros!" Um grande desdém sobreveio à mente de
Sastriji que desistiu de falar com ele.
37. Madhusudan disse que desejava receber instrução religiosa do Mestre. O
Mestre disse-nos: "Minha boca estava sendo apertada, por assim dizer, por alguém que
não me permitia falar nada." Hriday e outras pessoas disseram que aquele estado do
Mestre deixou-o um pouco mais tarde e comoveu Madhusudan ao cantar com sua voz doce
algumas canções de Ramprasad, Kamalakanta e outros importantes Sadhakas e
ensinou-o, assim, que devoção a Deus era a coisa essencial no mundo.
38. Mesmo depois de Michael ter-se despedido, Sastriji discutiu e denunciou o
jogo de Michael de traidor e escreveu com um pedaço de carvão em letras grandes na
parede da varanda, a leste da porta que conduzia ao quarto do Mestre, que abandonar a
própria religião sob da necessidade financeira é um ato muito mesquinho. A opinião de
Sastriji a esse respeito, escrita na parede com grandes caracteres bengalis, atraiu

138
nossa atenção e curiosidade. Um dia perguntamos e acabamos por saber de tudo. Como
Sastriji vivera nesta parte do país durante muito tempo, havia aprendido bengali muito
bem.
39. Agora chegamos ao último acontecimento conhecido da vida de Sastriji. Um dia
encontrou o Mestre sozinho e aproveitou a oportunidade dizer-lhe que do fundo de seu
coração de ser iniciado em Sannyasa e apresentou tenazmente seu desejo ao Mestre. O
Mestre concordou devido à sua ansiedade e iniciou-o, num dia auspicioso. Depois disso
Sastriji deixou o templo de Kali. Informou ao Mestre o desejo ardente de permanecer em
Vaisishtashrama e praticar Sadhana dura para a realização de Brahman, até que fossem
coroados de sucesso seus esforços. Desmanchando-se em lágrimas, pediu a bênção do
Mestre, adorou seus pés e deixou Dakshineswar para sempre. Nada se conhece sobre
Narayan Sastri depois disso, exceto que, segundo alguns, passou seus dias em
Vasishthasrama praticando severa austeridade até que a saúde falhou e a morte se abateu
sobre ele.
40. O Mestre desejou conhecer os monges, aspirantes e devotos de todas as
comunidades, sempre que sabia que estavam na vizinhança. Quando sentia esse desejo,
costumava ir vê-los sozinho, sem ser convidado e passava algum tempo com eles
conversando sobre Deus. Durante essas visitas não se preocupava com a opinião alheia
como, por exemplo: "As pessoas pensarão bem ou mal sobre isto?", "Ficarão esses
Sadhakas desconhecidos satisfeitos ou não com minha visita?" ou "Serei devidamente
respeitado?" - Ia de uma maneira ou outra a esses aspirantes e não ficava satisfeito
enquanto não formasse uma opinião correta a respeito de suas atitudes espirituais, seu
progresso em direção à meta e outros assuntos relevantes. O Mestre também se
comportava dessa maneira sempre que ouvia falar de eruditos versados nas escrituras,
que eram também aspirantes espirituais. Fez visitas ao Pandit Padmalochan, Dayananda
Saraswati e muitos outros e contara-nos de vez em quando histórias sobre suas vidas.
Vejamos em primeiro lugar Padmalochan.
41. Antes da chegada do Mestre, o estudo da Vedanta não estava disseminado em
Bengala. Embora Acharya Sankara houvesse derrotado os Tantrikas de sua província, em
polêmicas teológicas há muitos séculos atrás, ele mal pôde estabelecer sua própria
doutrina entre o povo em geral, consequentemente os Tantrikas aceitaram os mais
elevados princípios da Vedanta não-dualista e introduziram alguns em seus próprios conceitos
de meditação, mas continuaram a prescrever as mesmas formas de adoração e cerimônias
que prevaleciam, apesar da influência da filosofia não-dualista em seus ensinamentos. Os
Pandits de Bengala dedicavam-se intensamente ao estudo da filosofia Nyaya e criaram a
Navya-nyaya ou neo-lógica, que ocasionou uma revolução muito grande na lógica e
epistemologia. Foi devido ao fato das pessoas de Bengala teriam sido derrotadas e
humilhadas na argumentação, por Sankara, que a lógica, o inevitável instrumento do debate
filosófico, prevaleceu entre eles? Quem pode dizer? Muitas vezes o mundo testemunhou
como pessoas derrotadas num determinado campo por uma determinada nação, passaram a
nutrir outro desejo e fizeram esforço para ultrapassar a todos naquele campo.
42. Embora o estudo da Vedanta fosse pequeno em Bengala, berço dos Tantras e de
Nyaya, houve algumas pessoas atraídas para o estudo da Vedanta. O Pandit Padmalochan foi
um exemplo. Depois de tornar-se eficiente em Nyaya, o Pandit desejou estudar a Vedanta.
Foi a Kasi e estudou aquela filosofia com bons instrutores durante muito tempo, tornando-
se, portanto em poucos anos, um famoso vedantista. De volta para casa, foi convidado pelo
Marajá de Burdwan para assumir o posto de pandit da corte. Como o maravilhoso gênio do
Pandit continuava desabrochando, chegou ao cargo de pandit principal da corte e sua fama
espalhou-se por toda Bengala.
43. É importante mencionar um comentário do Pandit, que mostra seu gênio
maravilhoso. Partindo da idéia de que opiniões estreitas sobre assuntos espirituais
eram devidas à mesquinhez da natureza, o Mestre às vezes costumava citar-nos, os
comentários do Pandit Padmalochan a esse respeito. Costumava lembrar-se de tudo o
que ouvira dos que tinham doutrinas liberais que ele mesmo sustentava e citá-las no

139
decorrer da conversa, mas como era muito meticuloso em relação à verdade,
costumava mencionar os nomes das pessoas de quem as ouvira.
44. Certa vez o Mestre disse que houve uma grande controvérsia entre os
eruditos da corte do Marajá de Burdwan sobre quem era maior, Siva ou Vishnu.
Padmalochan não estava presente. Os eruditos fizeram muito barulho com a discussão,
alguns apoiando um e alguns, o outro, de acordo com o conhecimento que tinham do
estudo das escrituras ou talvez devido à sua preferência. Assim deu início a uma disputa
entre os dois lados, os Saivas e os Vaishnavas. Não se chegava a qualquer solução para
o problema. Portanto o principal pandit da corte foi convocado para decidir a questão.
Pandit Padmalochan chegou à reunião e quando soube da questão disse: "Nenhum de
meus antepassados até a décima quarta geração viu Shiva ou Vishnu. Como posso eu,
portanto, dizer quem é superior e quem é inferior? Mas se querem saber o que as
escrituras dizem, está postulado que as escrituras Saiva consideram Siva superior e as
Vaishnavas, Vishnu. Portanto o Ideal Escolhido de cada um é superior às outras
divindades." Com esse comentário o Pandit apresentou provas que indicavam a grandeza
de cada um e concluiu que ambos eram igualmente grandes. Essa conclusão do Pandit
terminou com a briga e todos lhe agradeceram. Temos uma prova definitiva de seu
gênio nessa sincera, franca e modesta compreensão das escrituras, que foi a causa de
seu grande nome e fama.
45. A fama do Pandit não repousava meramente em sua reputação de ter
penetrado profundamente nas palavras das escrituras. Familiarizado com a maneira
como sua vida refletia as nobres qualidades de liberalidade, desapego, boa conduta,
prática de austeridade, devoção firme ao Ideal Escolhido, etc., as pessoas concluíram que
ele era um grande Sadhaka, fora do comum e amante de Deus. A coexistência da
verdadeira erudição e profunda devoção a Deus é certamente rara no mundo. As
pessoas são geralmente atraídas para aqueles em que há essa combinação. Não é de
se admirar, portanto, que quando o Mestre ouviu falar dele, desejou conhecer aquele
idoso e nobre Pandit que há muito tempo vinha adornando a corte de Burdwan.
46. Sempre que tinha um desejo, o Mestre, como um menino, tornava-se
ansioso para satisfazê-lo imediatamente. A mente do Mestre revela esse traço, talvez
porque o tenha cultivado desde a infância. "A vida é efêmera, por conseguinte, faça
rapidamente o que quer que tenha que ser feito" - máxima que traduziu para a vida
com uma sinceridade máxima. Também se pensar um pouco ficará claro que é um traço
que naturalmente surgirá numa mente treinada na firmeza e concentração na busca de
seus ideais. De qualquer maneira, vendo o Mestre ansioso, Mathuranath estava pensando
em enviá-lo a Burdwan quando chegaram notícias que, como estava doente há muito
tempo, o Pandit Padmalochan havia sido levado para uma chácara perto de Ariyadaha,
às margens do Ganga, para uma mudança de clima e que, devido ao ar puro do lugar,
havia melhorado um pouco. Pediram a Hriday para confirmar as notícias.
Voltou e confirmou-as. O Pandit também havia ouvido falar do Mestre e estava
ansioso para conhecê-lo. Demonstrou grande respeito a Hriday, por saber que se tratava
de um parente do Mestre. Foi então marcado um dia. O Mestre partiu para ver o Pandit e
Hriday acompanhou-o.
47. Hriday disse que o Mestre e Padmalochan ficaram contentes de se conhecerem,
quando se encontraram pela primeira vez. O Mestre teve a oportunidade de ver que ele
era um Sadhaka, de natureza liberal, amigável e bem versado nos Sastras. O Pandit
também ficou convencido de que o Mestre era uma grande alma e que se encontrava
num extraordinário estado de evolução espiritual. Não pôde conter-se, derramando
lágrimas ao ouvir o nome da Mãe Divina, cantado pelo Mestre com sua voz doce. O
Pandit ficou mudo de espanto ao ver o Mestre perder repetidamente a consciência
normal em êxtase e ouvir a experiência que ele tivera naquele estado. O Pandit, bem
versado como era nas escrituras, deve ter tentado comparar os estados espirituais do
Mestre com os relatados nas escrituras. Mas é também certo que, ao assim fazer, teve
dificuldade naquele dia de chegar a uma certa conclusão, porque, não encontrando as

140
experiências supremas do Mestre relatadas nos Sastras, não pôde determinar qual das
duas era a verdadeira - se aquelas dos Sastras ou as do Mestre. Portanto, a mente
discriminativa do Pandit, sempre acostumada a chegar a conclusões corretas em todos os
assuntos espirituais com a ajuda do conhecimento das escrituras e seu agudo intelecto,
experimentou uma espécie de inquietude mesclada de alegria, como um ponto escuro na
luz.
48. Devido ao amor e à atração que surgiram no primeiro encontro, o Mestre e
o Pandit encontraram-se mais algumas vezes. Consequentemente, a opinião do
Pandit sobre o estado espiritual do Mestre tornou-se cada vez mais profunda.
Ouvimos do Mestre que havia uma razão especial para aquela convicção.
Pandit Padmalochan vinha praticando durante muito tempo a disciplina prescrita
pelos Tantras a par de seu estudo e ensino da filosofia Vedanta. Tivera também alguma
realização como resultado de suas práticas. O Mestre disse que a Mãe revelou-lhe o
segredo do poder do Pandit, alcançado por certas práticas espirituais. Veio a saber que foi
somente porque a Devi, o Ideal Escolhido do Pandit, ficara satisfeita com sua Sadhana e
concedeu-lhe uma graça devida a qual ele se tornou invencível em inúmeras reuniões
de eruditos e pôde manter segura a sua superioridade. Padmalochan tinha sempre
consigo uma toalha e um jarro d'água com um bico, cheia d'água. Era hábito seu levá-los
na mão, andar alguns passos aqui e ali, voltar e lavar a boca e aspergir a cabeça com
aquela água antes de resolver qualquer problema. Ninguém jamais teve a curiosidade
de perguntar a razão deste seu hábito estranho, nem pensou que houvesse qualquer
objetivo oculto. O Pandit jamais revelou a ninguém nem à esposa, que costumava agir
assim de acordo com a ordem de seu Ideal Escolhido e que, quando assim o fazia, sua
inteligência, seu conhecimento das escrituras e a graça divina tornavam-no invencível
para os outros. A Devi inspirava-o de seu interior. Desde aquela época seguia aquele
conselho invariavelmente e experimentava seu resultado sem o conhecimento dos
outros.
49. O Mestre dizia que ele pôde conhecer tudo pela graça da Mãe Divina. Um
dia, tendo oportunidade, escondeu a toalha e o jarro d'água do Pandit. Padmalochan não
pôde solucionar o problema em pauta sem aqueles objetos e apressou-se a procurá-los.
Depois, ao saber que o Mestre os havia escondido, sua admiração não teve limites;
quando, também, compreendeu que o Mestre viera conhecer tudo a respeito de seu
segredo e havia feito as coisas com sabedoria, o Pandit só pôde recitar hinos em
louvor ao Mestre como seu próprio Ideal Escolhido. O Pandit passou a considerá-lo uma
Encarnação de Deus a partir daí e dedicou-se a ele. O Mestre dizia: "Embora
Padmalochan fosse um erudito tão grande, tinha muita fé e devoção por 'aqui' (eu).
Dizia: 'Quando eu ficar bom vou convocar uma reunião de todos os eruditos e dizer-lhes
que o senhor é uma Encarnação de Deus. Verei quem refuta minha palavra.' Mathur,
certa vez, ia por outra razão, convocar uma reunião em Dakshineswar de um grande
número de eruditos. Padmalochan que não era avarento e seguia o costume de um
ortodoxo e virtuoso Brahmana, jamais aceitaria presente de um homem de casta
inferior. Pensando que ele pudesse não vir à reunião, Mathur pediu-me para falar com
ele para que comparecesse. A pedido de Mathur, perguntei ao Pandit afetuosamente: 'O
senhor não vai a Dakshineswar?' Respondeu: 'Posso ir com o senhor até à casa de um
varredor e aí comer. Por que não à casa dos outros?'"
50. Mas o Pandit não estava destinado a ir à reunião de Mathur Babu. Antes
dela ser convocada, a doença piorou. Despediu-se do Mestre, com lágrimas nos olhos e
foi para Kasi. Diz-se que morreu pouco tempo depois.
Quando muito tempo depois alguns devotos do Mestre, em Calcutá, que
haviam tomado refúgio em seus sagrados pés, devido ao excesso de sua devoção,
começaram a considerá-lo publicamente uma Encarnação de Deus, ao tomar
conhecimento, o Mestre proibiu-os de assim falar. Apesar de tudo, não desistiram.
Aborrecido, falou-nos: "Um é médico e o outro, gerente de um teatro. Vêm aqui de vez
em quando e chamam-me uma Encarnação! Pensam que assim fazendo, estão me

141
enaltecendo, mas que compreendem o que significa uma Encarnação? Muito tempo antes de
chegarem aqui e de me chamarem uma Encarnação muitas pessoas como Padmalochan, que
passaram toda a vida no estudo desses assuntos - alguns deles bem versados nos seis
sistemas filosóficos e outros, em três - vieram aqui e chamaram-me Encarnação. Ser
chamado Encarnação aborrece-me. O que me acrescentarão chamando-me assim?"
Além de Padmalochan, o Mestre conheceu outros famosos eruditos. Falava-nos, no
curso da conversa, das qualidades nobres que via neles. É importante narrar brevemente
as histórias de alguns desses homens notáveis.
51. Uma vez Swami Dayananda Saraswati, fundador do Arya Samaj, veio a
Bengala e morou por algum tempo na chácara de um senhor, no vilarejo de Sinthi, em
Baranagar, ao norte de Calcutá. Embora fosse muito conhecido por sua erudição, ainda não
havia começado a pregar sua própria doutrina, nem fundado a organização. Ouvindo falar
dele, um dia o Mestre foi visitá-lo. No decorrer da conversa com Dayananda, o Mestre disse-
nos em outra ocasião: "Fui vê-lo na chácara de Sinthi; vi que havia adquirido um pouco de
poder. O peito estava sempre vermelho. Estava no estado de Vaikhari, falando das
escrituras noite e dia; aplicando a gramática e distorcendo o significado de diversas
palavras. Era egoísta, 'Faço algo, pregarei uma doutrina'."
52.0 Mestre falou a respeito do Pandit Jayanarayan, "Embora um grande erudito,
não tinha orgulho. Soube antecipadamente da época de sua morte e dizia que iria a Kasi
para morrer lá. E assim fez."
53. O Mestre muitas vezes falava da grande devoção que Krishnakishore
Bhattacharya de Ariyadaha tinha a Sri Ramachandra. Costumava visitá-lo em sua casa. A
dedicada esposa de Krishnakishore também tinha grande devoção ao Mestre. A fé e
devoção de Krishnakishore eram de uma natureza extraordinária. O Mestre costumava dizer
que além do Mantra 'Rama', Krishnakishore tinha grande devoção pela sua forma reversa
'Mara', porque está dito nos Puranas que o Mantra de Rama foi dado assim por Narada a
Valmiki, que era então um notório assaltante de estradas. E como resultado do
pronunciamento repetido com devoção, o extraordinário jogo divino de Sri Ramachandra
manifestou-se na mente de Valmiki, tornando-o poeta e autor do Ramayana.
Krishnakishore encontrou muita miséria e dor na vida. Dois de seus filhos adultos
morreram. O Mestre dizia que a tristeza pela morte deles foi tão grande que, embora fosse
um grande devoto, não se controlou e foi tomado pela dor.
Além dos Sadhakas mencionados acima, o Mestre conheceu o Maharshi
Devendranath Tagore, o Pandit Iswarchandra Vidyasagar e outros. Falava-nos às vezes
sobre a devoção do Maharshi e do zelo de Iswarchandra pela Yoga da ação.

CAPÍTULO III

PEREGRINAÇÃO DO MESTRE COMO GURU E O ENCONTRO COM HOMENS


SANTOS

(ASSUNTOS: 1. O caráter ímpar da vida do Mestre. 2. O objetivo da doutrina liberal do Mestre. 3. A


prova disso. 4. A disseminação das idéias do Mestre. 5. Expansão de suas idéias entre os Sadhus devido a seus
contatos iniciais. 6. Experiências variadas aumentam sua capacidade de ensinar. 7. A peregrinação ajudou-o a
compreender a condição das pessoas. 8. O significado da peregrinação das pessoas divinas. 9. "Reflita sobre o
fim" depois de visitar templos e lugares sagrados. 10. Atitude devocional e lugares sagrados. 11. O conselho do
Mestre a um devoto com a intenção de fazer uma peregrinação a Bodhgaya. 12. "Aquele que o tem aqui
enaltecido o tem lá também". 13. A fé simples do Mestre e as peregrinações. 14. "Seja um devoto, não um tolo".
15. Falta de santidade nos lugares sagrados. 16. A visão do Mestre da "Kasi de ouro". 17. Porque Kasi é
considerada feita de ouro. 18. A reação do Mestre à Sagrada Kasi. 19. A visão do Mestre em Manikarnika. 20. O
Mestre encontrou-se com Trailanga Swami. 21. Seu Bhavasamadhi em Sri Vrindavan. 22. Seu intenso amor por
Vraja. 23. Gangamata de Nidhuvan. 24. O serviço do Mestre à sua mãe. 25. A recusa do Mestre de ir à Gaya;
por que? 26. A lei de efeito fundindo-se na causa. 27. A lei do Karma é insuficiente para explicar a vida de
uma Encarnação: por que? 28. Sankhya e a doutrina da Encarnação. 29. Vedanta e a Encarnação. 30. Seu corpo e
mente sem par. 31. O Mestre visitou Navadwip. 32. Os pontos de vista do Mestre a respeito do estado de
Encarnação de Chaitanya. 33. A visita do Mestre a Kalna. 34. O asceta Bhagavan Das. 35. Os movimentos
religiosos durante a Sadhana do Mestre. 36. O Mestre no Harisabha em Kalutola. 37. A leitura do Bhagavata lá.

142
38. O Mestre ocupando o "assento de Sri Chaitanya". 39. Comoção por isso. 40. A insatisfação de Bhagavan
Das com esse fato. 41. O Mestre vai a Bhagavan Das. 42. Hriday como mensageiro. 43. Bhagavan Das
repreendendo um Sadhu. 44. O egoísmo de Bhagavan Das de ensinar as pessoas. 45. O Mestre critica seu
egoísmo. 46. Bhagavan Das submete-se ao Mestre. 47. A cordial conversa entre eles.)

Saibam que todos os que são grandes, prósperos e poderosos, originam-se de


Meu poder.
Gita, X.41

Não é possível relatar tudo sobre o jogo divino do Mestre como instrutor espiritual,
estabelecido em Bhavamukha, com tantas pessoas, em tantos lugares e de tantas maneiras.
Já falamos um pouco a respeito. Foi também, com a mesma atitude de instrutor que ele saiu
peregrinação.

1. Pelo que vimos, nenhum ato do Mestre era sem propósito ou inútil. Se
estudarmos mesmo as ações mais corriqueiras da vida quotidiana, para não falar das
situações especiais, vemos que têm um profundo significado. Também, na época moderna,
não vimos sequer uma única vida no mundo espiritual, tão plena de ocorrências fora do
comum. De modo geral, o homem não pode alcançar a experiência completa de qualquer
um dos inúmeros aspectos de Deus, apesar das Sadhanas de uma vida inteira, isto para
não falar de realizá-Lo em Seus vários aspectos, como ensinado em diferentes cultos e
religiões e atingir proficiência para ensinar os fiéis deles todos, em seus respectivos
caminhos. Mas o Mestre sobressai, inigualável, no campo espiritual. Como regra, todos os
grandes instrutores espirituais do passado praticaram somente uma atitude espiritual,
alcançaram a realização e pregaram-na como o único caminho conduzindo à visão de
Deus. Não tiveram a oportunidade de saber que Deus podia ser realizado por outros
caminhos também. Ou eles próprios podem ter mais ou menos realizado aquela verdade,
mas não a declararam publicamente, pensando que tal ensinamento pudesse enfraquecer
a firme fé e devoção das pessoas para com seus ideais e com isso impedir ou prejudicar
sua realização espiritual. Mas, qualquer que tenha sido a razão, a história testemunha
o fato de que pregaram como Gurus, doutrinas religiosas tacanhas, que se tornaram ao
longo do tempo, uma permanente fonte de inveja, ódio e até derramamento de sangue, em
diversas ocasiões.
Isso não foi tudo. Os estreitos ideais sectários fizeram surgir várias doutrinas
opostas umas às outras tornando o caminho para a realização de Deus tão intricado, que
pareceu impossível ao intelecto humano remover essa dificuldade e ter a visão de Deus, da
Verdade. Também, vendo a época propícia, o materialismo ocidental, que considerava a vida
humana e seus prazeres como o fim de tudo, entrou na Índia com uma força irresistível
através da educação. Corrompeu as mentes dos meninos e jovens rapazes de idade
impressionável e inundou o país com idéias estrangeiras nocivas e ideais de ateísmo e
mundanismo. Quem poderia dizer quão extensas aquelas condições malignas teriam sidas,
se a religião não tivesse sido restabelecida com o advento desse extraordinário Mestre, bri-
lhante exemplo de pureza, renúncia e amor a Deus?
2. Ele mesmo praticou todas as religiões e mostrou que nenhum dos diferentes
aspectos de Deus que foram realizados nos tempos antigos por grandes almas, videntes,
instrutores e Encarnações nascidos na Índia e em outros lugares - e que nenhum dos
métodos para conhecê-Lo pregados por eles, era falso. O aspirante, dotado de fé verdadeira,
pode ser abençoado com a realização de Deus, mesmo hoje em dia, se trilhar os caminhos
mostrados por eles. Demonstrou que, embora existisse um muro semelhante a uma
montanha, dividindo Hindus e Muçulmanos devido aos mutuamente contraditórios modos,
costumes sociais etc., as crenças religiosas de ambos eram verdadeiras; que embora
adorando o mesmo Deus de diferentes maneiras e trilhando caminhos diferentes, ambos
poderiam, ao longo do tempo, serem unos no amor, esquecendo as disputas de tanto
tempo. Ao Ocidente, empenhado na louca busca de poder e prazer mundanos, advertiu que
só pode haver paz através da renúncia o que é obtido somente pela fé na mensagem

143
espiritual dos videntes e das Encarnações do Oriente e Ocidente, incluindo Jesus Cristo.
Quanto mais prosseguimos com o estudo da vida desse maravilhoso Mestre, mais veremos
que ele não pertence a nenhum país em particular, comunidade, nação ou religião. Todas
as pessoas do mundo um dia tomarão refúgio em sua doutrina liberal, porque elas não
podem permitir privar-se de paz. Estabelecido em Bhavamukha, o Mestre penetrará em
todas as seitas e grupos sob a forma dessas idéias liberais e partindo as limitações
produzidas por todos os tipos de estreiteza, as colocará num novo molde e as prenderá
com a corda da unidade jamais conhecida antes.
3. O que acabamos de falar é provado pelo fato de que os aspirantes de todas as
mutuamente contraditórias e briguentas denominações religiosas da Índia que vieram ao
Mestre, viram nele os perfeitos ideais de suas próprias atitudes crenças e ficaram
convencidos de que ele era um viajante em seu próprio caminho. O ministério do Mestre,
como instrutor espiritual do mundo, começou na Índia, trazendo harmonia entre as
comunidades religiosas, e não se limitará aos limites da Índia ou mesmo da Ásia, mas se
espalhará também no Ocidente e devido ao seu sereno e tranquilo impacto combaterá as
forças da irreligiosidade e ódio que aí prevalecem, pavimentando desta maneira o caminho
para o estabelecimento de uma era de paz em todo o mundo. Não repararam quão
rapidamente esse trabalho vem sendo feito desde a morte do Mestre? Não notaram como as
idéias do Mestre entraram na América e Europa, através do Swami Vivekananda, para
quem seu Guru era tão querido quanto sua própria vida e como, nesse curto período,
produziram uma revolução no pensamento do mundo? Ao longo do tempo, esse corpo de
idéias espalhará sua influência sobre todos os povos, todas as religiões e todas as
sociedades e ocasionará uma maravilhosa revolução. Quem terá poder de resistir a seu
progresso? Quem pode opor-se à influência das idéias que brilham com uma força de pureza
e austeridade sem precedente? Os instrumentos, com os quais estão sendo espalhadas no
momento, podem talvez ser quebrados. Muitos talvez não sejam capazes de desapegar-se
e compreender sua fonte, mas é certo que todos os povos do mundo, a fim de se
sentirem abençoados, se atirarão nesse molde e alimentarão cuidadosamente em seus
corações as idéias que emanam do Mestre, iluminando os caminhos de reconciliação entre as
conflitantes religiões e seitas.
4. Não se deve, portanto, considerar como uma simples fábula o que narramos a
respeito dos aspirantes das diferentes seitas religiosas da Índia que vinham ao Mestre e eram
abençoados com a realização da verdadeira espiritualidade. Primeiro deve-se procurar
compreender a elevação espiritual do estado de Bhavamukha no qual o Mestre estava
estabelecido e de onde veio todas as idéias divinas que se manifestavam através de sua
mente. Em seguida mergulhe profundamente nos incidentes aqui narrados e compreenderá
a sequência dos acontecimentos - como um novo movimento de idéias, tendo o Mestre no
centro, estava se desenvolvendo, primeiro espalhando sua influência no campo ortodoxo,
depois nas camadas de orientação moderna e em seguida no mundo como um todo,
como uma revolução na maneira de pensar dos homens.
5. A disseminação das idéias do Mestre teve lugar primeiro entre os aspirantes de
várias seitas religiosas que representavam a antiga tradição hindu. Como isso ocorreu já
foi descrito em parte. Sempre que o Mestre praticava qualquer doutrina e atingia
perfeição nela, os seguidores dessa doutrina vinham a ele em grande número, viam
nele seu ideal perfeito e obtinham dele, antes de partirem, a ajuda que necessitavam
para seu desenvolvimento espiritual. Além disso, a pedido de Mathur Babu e de sua
esposa Jagadamba Dasi, o Mestre saiu em peregrinação até Vrindavan. Não há falta de
monges e devotos em lugares de peregrinação como Kasi e Vrindavan e sua visita a
esses lugares, portanto, propiciou a todos a oportunidade de entrarem em contato com
ele. Isto não é uma suposição nossa. Ouvimos do próprio Mestre que eminentes
Sadhakas daqueles lugares sagrados encontraram-no e foram abençoados com seu poder
de Guru. É necessário, por conseguinte, relatar um pouco do que ele disse.
6. O Mestre disse: "Uma peça tem que se mover em todos os quadrados antes
de atingir a 'casa'. Quando uma pessoa experimentou todos os estados, desde

144
varredor até o de imperador e realmente ficou convencido de sua inutilidade, pode ficar
no estado de autêntico Paramahamsa, um verdadeiro conhecedor de Brahman. Essa é
a lei para aqueles que procuram o mais alto conhecimento para sua própria salvação."
Mas para aqueles que devem se tornar instrutores, costumava dizer: "Uma pessoa pode
cometer suicídio com um cortador de unhas; mas necessita de um escudo e de uma
espada para matar outra pessoa (conquistar um inimigo)." Se uma pessoa tem de se
tornar um verdadeiro instrutor espiritual, deve passar por todos os tipos de experiências
e tornar-se dotado de mais poder do que a maioria dos buscadores espirituais. O
Mestre dizia-nos repetidamente: "É somente pelo grau de poder que uma Encarnação
de Deus, de um lado, e um homem perfeito ou Jiva, de outro, se diferem." Não vêem
que, na política, gênios como Bismarck e Gladstone têm que ter um olho no passado e
outro nos acontecimentos presentes na vida social e política de seus países e
desenvolver uma visão futura mais poderosa do que aquela das pessoas comuns? É por
isso que vêem cinquenta anos na frente de seu tempo e estimam os efeitos benéficos
e nocivos das idéias e dos movimentos correntes que podem ocorrer no futuro. Então
lançam forças contrárias para combater essas idéias e movimentos prejudiciais que
possivelmente trariam miséria a seus países ao longo do tempo. A mesma lei ocorre no
mundo espiritual. As Encarnações, os verdadeiros instrutores, devem originar novos
movimentos depois de um estudo cuidadoso das idéias e ensinamentos dos videntes
do passado; qual a transformação que esses ensinamentos pregados por aqueles
videntes no decorrer dos séculos; quais os efeitos, bons ou maus, eles tiveram nas
vidas das pessoas; a que ponto se degeneraram; quais as perversões que as novas
idéias que vão ser pregadas vão provavelmente empreender no curso dos séculos, se
elas provavelmente serão mais prejudiciais do que as idéias e práticas que vão substituir
- essas são as linhas nas quais seu estudo e avaliação da situação devem basear-se.
Porque, se não puderem captar corretamente essas coisas, como poderão entender a
condição presente das pessoas? E se não conseguirem diagnosticar corretamente a
doença, como poderão receitar o remédio? Portanto, além de conseguir o poder de
receitar o remédio por intensa austeridade e práticas similares, os instrutores
espirituais tiveram de suportar uma variedade grande de condições no mundo e ganhar
mais experiência do que os outros. Não vêem quantas condições de vida diferentes o
Mestre teve de experimentar? Nascido numa humilde choupana, sofreu intensa pobreza
na infância; aceitou a nomeação para sacerdote no templo de Kali; passou pela
condição humilde de servir uma outra pessoa durante a juventude; suportou o
tratamento não simpático dos parentes, o ridículo e o desprezo dos estranhos por sua
absorção em Deus e o infortúnio de ser chamado de louco, nos primeiros dias de sua
Sadhana. Lado a lado com essa triste situação também experimentou honras dignas de
um rei, de um homem de grande riqueza e posição como Mathur Babu e também, a
adoração dos aspirantes e devotos de várias seitas que o aceitaram como uma
Encarnação de Deus. Através dessas experiências de natureza conflitante suportou o
teste de permanecer perfeitamente imperturbável sob todas as condições. Assim como, de
um lado, seu integral amor divino o fez empenhar-se intensamente em práticas austeras
e abriu sua sutil visão ióguica, assim, de outro lado, sua familiaridade com todas as
condições mundanas permitiram-no a captar fácil e corretamente as atitudes e
pensamentos de diversos tipos de pessoas na sociedade. Isto dotou-o de uma habilidade
prática para lidar com elas e evocou nele uma simpatia para com todos, no bem e no
mal. Porque, foi com todos esses estados internos e externos que diariamente o poder do
Mestre como instrutor, desabrochava e manifestava-se.
7. Resultados semelhantes também se produziram na vida do Mestre com suas
peregrinações. Era necessário para o Mestre, o instrutor espiritual da época, estar
familiarizado com a condição espiritual da maioria das pessoas do país. A necessidade foi,
sem dúvida, encontrada com a peregrinação que empreendeu com Mathur. Aquele mesmo
olho de sabedoria que o capacitava ver através do véu de Maya, tornou-o hábil em captar
os pensamentos e atitudes das pessoas por algumas palavras casuais, ou compreender o

145
estado de um país ou sociedade, pela observação de alguns acontecimentos relacionados
com eles. Deve-se, contudo, compreender que isso aplica-se somente ao poder de
entendimento do Mestre no estado normal de consciência porque, quando elevava-se a altos
planos de consciência, não necessitava desses meios comuns de conhecimento, como
observação e comparação de dados. Estava, então, dotado da visão ióguica com a qual
podia diretamente ver o âmago das coisas, seja individual ou social, e determinar os
meios para corrigir as imperfeições. Vimos o Mestre, o homem-Deus, procurar as
verdades a respeito de todas as coisas com a ajuda tanto do olho exterior como da
extraordinária visão ióguica. Por conseguinte estaríamos dando somente uma pintura parcial de
seu caráter divino, se não apresentássemos ambos aspectos - o humano e o divino.
8. Olhando do ponto de vista das escrituras, há uma outra razão porque o Mestre
saiu em peregrinação. As escrituras dizem que sábios santos, perfeitos em amor e
conhecimento, devem visitar centros de peregrinação somente para intensificar a sagrada
atmosfera e santidade desses lugares. Ao chegarem com os corações ansiosos para terem a
visão especial de Deus, deixam atrás de si tanto novas manifestações dos aspectos
especiais de Deus ou enaltecem e iluminam as manifestações prévias já existentes ali.
Assim, quando as pessoas vêm, facilmente experimentam, um pouco daqueles aspectos
de Deus. Quando o efeito sublime da presença de pessoas santas comuns nos centros de
peregrinação é tão benéfica, imaginem quão mais poderosa é a influência das
Encarnações de Deus, como o Mestre? O Mestre explicou-nos em diversas ocasiões, numa
linguagem simples, o que foi dito anteriormente a respeito dos lugares sagrados. Dizia:
"Trenham como certo, meus filhos, que há uma manifestação de Deus onde as pessoas
praticaram durante muito tempo, austeridade, Japa, meditação, abstração firme da mente e
culto, a fim de terem Sua visão. Seus pensamentos de Deus solidificaram-se, por assim
dizer, devido à sua devoção; é por isso que pensamentos santos e visões são aí facilmente
alcançados. Um sem número de Sadhus, devotos e almas perfeitas vieram, de tempos em
tempos, a esses lugares sagrados a fim de realizarem Deus, abandonaram os desejos e
chamaram-n'O com todo o coração. Portanto, há uma manifestação especial de Deus
nesses lugares, embora Ele esteja presente em todos os lugares. É como a disponibilidade de
água nas piscinas, lagos, embora ela possa ser encontrada em outros lugares também, se
forem cavado."
9. O Mestre também, ensinou-nos a "ruminar" depois de termos visitado os
lugares dotados de manifestação especial de Deus. Dizia: "Assim como as vacas comem o
suficiente, ficam satisfeitas, vão descansar e fazem a digestão, assim, depois que uma
pessoa visitou templos e centros de peregrinação, deve sentar-se num lugar isolado,
'ruminar', e ficar absorvido naqueles pensamentos sagrados que tiveram nos lugares
santificados. Uma pessoa não deve dirigir a mente para visão, paladar e objetos mundanos
imediatamente após tê-los visitado, porque, nesse caso, a impressão divina acumulada não
produzirá resultados permanentes na mente."
Uma ocasião alguns de nós acompanharam o Mestre a Kalighat para adorar a
Mãe do Universo. Não precisamos dizer que a especial manifestação da Pithasthana1, (1 A
história é a seguinte: A Mãe, em Sua Encarnação como Sati, abandonou Seu corpo na Yoga, por não suportar ouvir palavras grosseiras contra Seu divino consorte
Siva, que assim continuou viajando com o corpo morto pendendo de Seu ombro esquerdo, esquecido de tudo. Vishnu, a fim de aliviar Siva dessa condição
precária, cortou em pedaços, por detrás d'Ele, o corpo morto de Sati, que caiu em diferentes partes da Índia. Esses lugares, assim especialmente santificados
combinada com a manifestação viva
por um ou outro pedaço de Seu corpo, são conhecidos e reverenciados como Pitharsthanas)
da Mãe Universal na mente e no corpo do Mestre, ajudaram a produzir uma alegria
extraordinária no coração dos devotos. Na volta, um de nós teve de ir à vila do sogro
para atender a um chamado e ali passar a noite. No dia seguinte, quando veio ao
Mestre, este perguntou-lhe onde havia passado a noite anterior. Ouvindo que passou a
noite na casa do sogro, o Mestre disse: "Ah, o que é isso? Você viu a Mãe e voltou; que
diferença grande entre 'ruminar' a visão e pensamentos d'Ela, que você devia ter feito,
e ao invés de passar a noite como as pessoas mundanas, na casa do sogro! Uma
pessoa deve 'ruminar', em outras palavras, continuar a alimentar os pensamentos que
surgem na mente nos templos e lugares sagrados de peregrinação. Como podem esses
pensamentos divinos permanecer na mente de outra maneira?"

146
10. Também, o Mestre disse-nos em diversas ocasiões que uma pessoa não tem
muito benefício visitando lugares de peregrinação e outros sagrados, a não ser que
alimente com devoção, pensamentos santos em sua mente. Enquanto ele estava vivo,
muitos de nós, em ocasiões diferentes, manifestamos o desejo de sair em peregrinação,
quando então nos dizia afetuosamente: "Aquele que o tem aqui (i.é, no coração) o tem
lá; aquele que não o tem aqui, não o tem lá. 2 (2 As Encarnações de Deus muitas vezes ensinam as pessoas da mesma
maneira. Uma vez Jesus disse a seus discípulos: "Àquele que tem mais (fé e devoção) mais lhe será dado e daquele que tem pouco, aquele pouco lhe será
Dizia mais: "As 'atitudes' devocionais que uma pessoa naturalmente tem, ou que
retirado.")
pratica, ficam aumentadas através de associações santas nos lugares de peregrinação;
mas que benefício especial uma pessoa alcançará aí, se sua mente é alheia a essas
'atitudes'? Muitas vezes sabe-se que alguém foi para Kasi ou qualquer outro lugar
sagrado; mas pouco tempo depois, escreve dizendo que conseguiu um emprego e que
havia enviado dinheiro para casa. Também, muitos vão viver em lugares de peregri-
nação mas começam a abrir lojas, negócios, etc. Quando fui com Mathur ao noroeste
da Índia, não vi diferença - o que há aqui há lá também. O mundo parece ser o mesmo
em todos os lugares. As mesmas mangueiras, tamarindeiros, bambuzais, etc., lá estavam,
como aqui. Vi tudo isso e disse para Hridu: Ó Hridu, o que vim ver aqui? O que havia
lá, há aqui também. A diferença é que o poder de digestão da gente destas partes
parece ser maior do que o das pessoas daqui, o que pode ser provado ao ver os
excrementos nos campos aqui.'"
11. Os devotos trouxeram o Mestre para tratamento da garganta para uma
casa alugada, primeiro em Shyampukur em Calcutá e depois, para uma chácara em
Kasipur, um pouco ao norte da cidade. Acompanhado de dois de seus discípulos, Swami
Vivekananda saiu para Buddhagaya, sem dizer nada a ninguém, depois de alguns dias
da chegada do Mestre a Kasipur. Naquela ocasião o estudo da vida de Buda e a conversa
a respeito do seu desapego ao mundo, sua renúncia e austeridade, duravam noite e
dia. Na parede do pequeno aposento, na parte sul do andar térreo da chácara, que
sempre usávamos, estava escrito o verso tirado do Lalitavistara que mostrava a
primeira resolução de Buda: "Sentarei continuamente no mesmo assento e praticarei
meditação e firme abstração da mente até que realize o estado de iluminação, que é
atingido somente através de esforços de muitas encarnações. Deixe que o corpo seja
destruído nessa tentativa, se assim for." Brilhando noite e dia diante de nossos olhos,
estas palavras sempre nos lembravam que deveríamos sacrificar nossas vidas para a
realização de Deus, que é da natureza da Verdade'. Nós, também, devemos seguir a
máxima do Lalitavistara.
Ibasane Susyatu me sarinam tvagasthimsam pralayafica yatu . Aprapya
bodhim bahukalpadurlabham, naivasanat kayamatascalisyati.
Assim, no meio dessas infindáveis discussões sobre o desapego do mundo de
Buda, o Swami subitamente fugiu para Buddhagaya. Não informou a ninguém que iria
nem quando regressaria. Pensamos que, talvez ele não mais voltasse para o mundo e
não o veríamos novamente. Tivemos notícia de que ele havia tomado a roupa ocre e
ido para Buddhagaya. Estávamos tão atraídos para o Swami, que nos era doloroso
ficar sem ele, mesmo por uma hora; portanto, muitos de nós ficaram inquietos
desejando se reunir a ele. Gradualmente notícias chegaram também aos ouvidos do
Mestre. Um dia, sabendo da resolução de um de nós, Swami Brahmananda falou ao
Mestre sobre ela. O Mestre, disse: "Por que estão tão ansiosos? Aonde Naren pode ir?
Por quanto tempo pode ficar fora? Brevemente o verão regressando." Depois disse
sorrindo: "Mesmo que saiam em busca de espiritualidade por todo o mundo, não
encontrarão nada (nenhum espiritualidade verdadeira) em qualquer lugar. O que está lá,
está aqui (mostrando seu próprio corpo) também." A palavra "aqui", parece, era usada
pelo Mestre com dois sentidos: primeiro, no sentido de que ele era a maior manifestação
do poder espiritual do seu tempo e uma pessoa não podia encontrar nada melhor ou
maior do que o encontrado dentro dele; e em segundo lugar, no sentido de que Deus
mora dentro de cada um e que se o amor e a devoção por Ele não puderem ser

147
despertados dentro de cada um, não haverá grande benefício viajar por diversos
lugares. Dois ou mais significados estão assim implícitos em muitas das palavras do
Mestre. Por que falar somente do Mestre? É a mesma coisa com todas as Encarnações de
Deus que surgem no mundo, de tempos em tempos e os seres humanos em geral
aceitam um ou outro desses significados segundo seu gosto individual ou impressões
passadas. A pessoa a quem o Mestre dirigiu essas palavras compreendeu-as com o
primeiro significado e ficou firmemente convencido de que a manifestação de
espiritualidade não podia ser encontrada em nenhum lugar no mesmo grau que o era no
Mestre e sua mente ficou livre de ansiedade. Swami Vivekananda regressou a Kasipur
poucos dias depois.
12. Uma vez, pouco antes da morte do Mestre, uma devota muito dedicada,
disse ao Mestre que desejava ir a Vrindavan e aí permanecer certo tempo, praticando
austeridade e disciplinas espirituais. O Mestre, com um movimento da mão disse-lhe:
"Ah! Por que quer ir? O que pode fazer lá? Aquele que o tem aqui, o tem lá e aquele
que não o tem aqui, não o tem lá também." A devota não pôde aceitar aquelas palavras
do Mestre devido à grande atração que sentia no coração por aquele lugar e despediu-
se dele. Mas ela disse-nos que não recebeu muito benefício daquela peregrinação. Além
disso perdeu a oportunidade de estar com o Mestre em seus último dias, uma vez que
ele veio a morrer pouco tempo depois que ela saiu em peregrinação.
13. Muitas vezes o Mestre nos disse que suas viagens aos lugares sagrados
haviam sido empreendidas com uma atitude mental especial. Costumava dizer: "Pensei
que iria encontrar cada pessoa em Kasi mergulhada em Samadhi, meditando em Siva as
vinte e quatro horas e todos em Vrindavan, fora de si de devoção e amor divino na
companhia de Govinda! Mas, quando estava nesses lugares, vi que tudo era quase o
inverso." A mente simples do Mestre costumava aceitar e acreditar em tudo como um
menino de cinco anos. Desde a infância havíamos aprendido a ver as pessoas e as
coisas com suspeita. Como poderia aquela mente simples surgir em nossas mentes
maculadas! Consideramos um homem um tolo, de mentalidade débil, quando o vemos
crer em algo imediatamente. Foi através do Mestre que ouvimos pela primeira vez:
"Meus filhos, as pessoas tornam-se e generosas como resultado de muita austeridade e
Sadhanas e se não tiver a mente simples não poderá realizar Deus. É para pessoas de
fé simples que Ele manifesta Sua natureza real." Também, para que alguém não
pensasse que uma pessoa deva ser um simplório para ter fé sincera, dizia: "Vocês
devem ser devotos; mas por causa disso devem ser tolos?" "Discriminem sempre entre
o real e o irreal, entre o eterno e o transitório. Abandonem então o que é transitório e
fixem a mente no Eterno."
14. Incapazes de harmonizar essas duas assertivas, muitos de nós às vezes eram
repreendidos por ele. Swami Yogananda não havia renunciado ao mundo. Necessitava de
uma caçarola de ferro para sua casa e foi a Barabazar comprar uma. Lembrou o dono da
loja das consequências nefastas da falta de religião e disse: "Olhe, peça o preço justo
pelo utensílio e dê-me uma coisa boa; veja que não haja rachaduras e buracos." O
lojista, por sua vez, disse: "Fique certo, senhor que certamente assim o farei," e escolheu
para ele a caçarola. Mas quando chegou a Dakshineswar verificou que estava rachada!
Quando o Mestre soube do ocorrido, disse: "O que é isso? Como você comprou um
artigo sem examiná-lo? O dono da loja está lá para tocar seu negócio, não para praticar
religião. Por que acreditou nele e foi enganado? Certamente você deve ser um devoto,
mas não um tolo a tal ponto! Você deve ser enganado pelas pessoas? Primeiro
examine se lhe foi dada a coisa certa e então pague. Verifique antes de aceitar que o
artigo não pese menos do que deve. Também há alguns artigos para os quais é costume
os vendedores darem um pouco mais do que o pedido. Jamais deixe de aceitar aquela
quantidades extra também." Muitos exemplos como esse podem ser dados. É suficiente
salientar que no Mestre uma extraordinária perspicácia coexistia com uma simplicidade
maravilhosa.
15. O Mestre contou-nos que Mathur, naquela peregrinação, gastou mais de um

148
lakh de rupias. Assim que chegou a Kasi3 (3 Esse lugar sagrado é conhecido por três nomes - Kasi, Varanasi e Benares) deu
uma festa para os Pandits Brahmanas do lugar. Outro dia convidou-os todos, com suas
famílias, alimentou-os fartamente e deu a cada, como presente de despedida, uma peça
de roupa e uma rupia. Também, quando regressou a Kasi depois de visitar Vrindavan,
um dia fez o papel da "árvore que satisfaz os desejos" sob a recomendação do Mestre e
deu a todo mundo quaisquer objetos que pedissem - potes de metal, cobertores,
sandálias etc. Quando o Mestre viu a briga, tumulto e até luta entre os Brahmanas
mesmo no primeiro dia em que foram alimentados, ficou muito aborrecido. Foi tomado
de desespero ao ver as pessoas tão apegadas à luxúria e ao ouro em Varanasi e outros
lugares. Desmanchando-se em lágrimas, disse à Mãe Divina: "Por que me trouxeste aqui,
Mãe? Estava mais feliz em Dakshineswar."
16. Embora o Mestre ficasse triste ao ver o apego mundano, até entre pessoas
que vivem em lugares sagrados, ali teve visões e outras experiências extraordinárias e
permaneceu firmemente convencido da glória de Siva e grandeza de Kasi. No momento
em que entrou em Varanasi, de barco, o Mestre viu, com seu olho espiritual, que a
cidade de Siva era realmente feita de ouro, que ali não havia nada feito de terra e
pedra. Parecia como se a sagrada cidade fosse formada de camada após camada do
ouro das emoções espirituais que emanavam dos sem número de devotos que vinham
visitando o lugar desde tempos imemoriais. Aquela forma brilhante, personificação das
emoções espirituais, é sua eterna natureza e o que se vê externamente é somente sua
sombra.
17. Mesmo do ponto de vista físico, compreendemos porque essa cidade é
chamada a 'Varanasi de Ouro". Quem negará isso ao ver Kasi, onde, desde os tempos
remotos, todas as partes da Índia doaram enxurradas de ouro a fim de construir aquela
maravilhosa cidade de Siva - uma cidade com inúmeros templos e grandes construções
ao longo de duas milhas de margens do Ganga, com um sem número de ghats de banho
tendo largos lanços de degraus, com suas numerosas estradas-de-ferro, portões
decorados, chácaras, mosteiros, aquedutos e outros reservatórios de água e com
diversas casas de caridade que doam comida a um grande número de estudantes,
sadhus e indigentes? Quem não ficará admirado em pensar na devoção vinda do fundo
do coração de trezentos milhões de pessoas da Índia, cuja magnificência vem
contribuindo indistintamente através dos tempos para construir esses traços
imponentes da Cidade Santa? Quem não se sentirá maravilhado ao ver a força
irresistível dessa poderosa corrente de sentimentos espirituais e permanece perdido
numa tentativa de descobrir sua origem? Quem não ficará tomado de admiração e diz
com a cabeça e com o coração desmanchando-se em devoção: "Essa é realmente uma
criação incomparável. Certamente não foi feita pelo homem. Com certeza veio à existência
pela infinita compaixão de Deus, refúgio do humilde e salvador do aflito." Aqui
Annapurna, a Sakti do Senhor, preside, Ela Mesma, alimentando tanto o corpo denso
como o sutil dos Jivas. Com a distribuição de comida Ela nutre o corpo físico, enquanto
alimenta seu ser espiritual ao transmitir o conhecimento de sua união com o Senhor e
tornando a salvação fácil de ser atingida por eles. Por conseguinte não é de se admirar
que, estabelecido no plano de Bhavamukha, o Mestre pôde ver aquela sagrada cidade
de Siva como uma consolidação, por assim dizer, daqueles sentimentos espirituais que a
construíram.
18. Todas as coisas luminosas são, sem exceção, aos olhos dos hindus, puras e
portanto, originadas do Guna Sattva. A luz é uma expressão de Sattva por causa do seu
brilho. É por esta razão que os Sastras recomendam colocar o jyoti-pradipa, o lampião
sagrado, junto das Divindades e proíbem que seja apagado. Talvez seja por este princípio
que somos levados a considerar as coisas brilhantes como o ouro, como puras, e não
podemos usar ornamentos de ouro na parte baixa do corpo. Vendo que Varanasi era de ouro,
o infantil Mestre a princípio, ficou preocupado, pensando que a pureza da cidade ficaria
maculada, se ele fizesse suas necessidades fisiológicas ali. Soubemos pelo próprio Mestre
que Mathur contratou um palanquim para que o Mestre cruzasse um pequeno rio, Asi, a fim

149
de ir fazer essas necessidades fora da cidade. Quando aquele cuidado passou, não mais teve
aquele escrúpulo.
19. O Mestre falou-nos de uma outra visão extraordinária que teve em Kasi.
Muitas pessoas viajavam de barco pelo Ganga para ver os cinco lugares sagrados, como
Manikarnika, ao longo das margens do Ganga. Acompanhado pelo Mestre, Mathur
empreendeu uma viagem semelhante. O principal ghat de cremação de Kasi está em
Manikarnika. Quando o barco de Mathur aproximou-se desse ghat viu-se que o local estava
cheio de fumaça que se levantava das piras funerárias dos cadáveres que estavam
queimando. Logo que lançou os olhos naquela direção, o Mestre, a personificação das
emoções espirituais, ficou completamente fora de si de alegria e os pelos de seu corpo se
eriçaram. Saiu rapidamente da parte coberta do barco, ficou numa beirada larga e entrou
em Samadhi. Os guias de Mathur, os barqueiros e as outras pessoas da tripulação, correram
para segurá-lo, senão ele poderia cair na água e ser arrastado pela corrente. Mas isso não
foi necessário porque ele permanecia calmo e quieto, absolutamente imóvel e uma
maravilhosa luz e sorriso iluminavam o rosto, tornando, por assim dizer, todo o lugar puro e
brilhante. Hriday e Mathur cuidadosamente colocaram-se ao lado do Mestre. A tripulação
mantinha-se à distância e observava, atônita, o estranho estado do Mestre. Quando,
algum tempo mais tarde, aquele estado divino do Mestre chegou ao fim, todos desceram
em Manikarnika, banharam-se, presentearam e executaram outras cerimônias que deviam
ser feitas, antes de irem embora.
O Mestre então descreveu sua maravilhosa visão a Mathur e outros. Disse: "Vi uma
pessoa alta, de cabelo fulvo, encaracolado, andando com passos solenes para cada pira
ardente, cuidadosamente levantando cada Jiva e dizendo em seu ouvido o Mantra do
Supremo Brahman. Do outro lado da pira, a toda poderosa Mahakali desatava todos os
grilhões da escravidão, densos, sutis e causais do Jiva, produzidos pelas impressões
passadas e enviando-os para a esfera indivisível. Abria, com Suas próprias mãos, a porta
para a liberação. Asam Visvanatha, o Senhor do Universo, dotou o Jiva, num instante, com
a infinita Felicidade de experimentar a Não-dualidade, que normalmente resulta da
prática da Yoga e austeridade durante muitos ciclos. Assim Ele abençoou o Jiva com a
realização do mais elevado propósito da vida."
Os Pandits, bem versados nas escrituras, que estavam com Mathur, souberam da
visão acima referida e disseram ao Mestre: "Está relatado de maneira geral, no
Kasikhanda, que se um Jiva morre aqui, o Senhor do universo concede-lhe o Nirvana, o
estado de Felicidade infinita, mas não está descrito em detalhe como Ele o concede. Aquela
visão esclarece como isso ocorre. Suas visões e experiências foram, portanto, além do que
está descrito nas escrituras."
20. Enquanto permaneceu em Kasi, o Mestre visitou os famosos homens santos
daquele lugar. Ficou muito satisfeito ao conhecer um deles, Trailanga Swami. De vez em
quando falava muitas coisas a seu respeito. Dizia: "Vi que o Próprio Senhor universal
estava utilizando Seu corpo como veículo para Sua manifestação. Kasi estava iluminada por
sua presença. Estava num exaltado estado de conhecimento. Nele não havia qualquer
consciência do corpo. Em Kasi a areia das margens do rio ficavam tão quentes que
ninguém podia andar, mas ele deitava-se confortavelmente nelas. Eu cozinhava arroz,
levava para ele e o alimentava. Nessa ocasião não falava, visto que havia feito voto de
silêncio. Com um sinal perguntei-lhe se Deus era uno ou havia se tornado muitos. Em
resposta deu a entender que, quando uma pessoa estava em Samadhi, sabia que Ele era
uno, mas quando consciente da diversidade, como eu, vocês, o Jiva, o universo etc., Ele
era muitos. Apontando para ele, eu disse a Hriday: 'Isso é que é chamado o verdadeiro
estado de Paramahamsa.'
21. Depois de uma curta permanência em Kasi, o Mestre foi para Vrindavan com
Mathur Babu. Ele estava em Bhavasamadhi e ao ver a imagem de Bankuvihari, perdeu-se
e correu para abraçá-Lo. Ao ver os jovens pastores voltando do pasto ao pôr do sol,
atravessando o Yamuna com o gado, encheu-se de emoção espiritual, porquanto teve a
visão do pastor Krishna, azul escuro como uma nuvem recém-formada e adornado de penas

150
da cauda de pavão, na cabeça. O Mestre visitou Nidhuvan, Govardhan e alguns outros
lugares de Vraja. Gostava mais desses lugares do que de Vrindavan. Experimentando
diversas visões de Sri Krishna e Sri Radha, a suprema senhora de Vraja, sentiu naqueles
lugares, um intenso amor divino. Mathur, diz-se, enviou-o de palanquim para visitar
lugares como Govardhan. Num dos cantos do palanquim pôs um pano onde arrumou em
pilhas, meia rupias, um quarto de rupias, duas annas etc., para que o Mestre pudesse dá-
los aos pobres, mas o Mestre ficou tão tomado de amor espiritual e afeição quando se
dirigia para estes lugares sagrados, que não pôde segurá-las e dá-las. Não havendo outra
alternativa, puxou um do cantos do pano onde estavam as moedas e dividiu-as entre os
pobres.
22. Em Vraja o Mestre viu muitos Sadhakas sentados dentro de Kupas, com as
costas contra as portas e imersos em japa e meditação, com os olhos retirados das coisas
exteriores. A mente do Mestre foi bastante atraída pelas belezas naturais de Vraja. Entre
elas estavam as flores e a vegetação, a pequena colina Govardhan, os veados e pavões
andando sem medo por todos os lugares, os homens santos empenhados em austeridade e
os habitantes simples de Vraja. Além disso, em Nidhuvan, o Mestre ficou encantado ao
conhecer Gangamata, uma senhora idosa muito austera e amante de Deus. Apreciou
tanto sua companhia que pensou que não mais deixaria Vraja e iria para qualquer outro
lugar, mas que passaria o resto de sua vida ali.
23. Gangamata estava com cerca de sessenta anos. Observando durante muito
tempo o fervor arrebatador de sua devoção a Radha e Krishna, as pessoas olhavam-na como
a principal companheira de Radha, Lalitha, que havia tomado um corpo por uma razão ou
outra e descido à terra para ensinar aos Jivas o amor divino. Logo que ela o viu, ouvimos do
próprio Mestre, pôde reconhecer os sinais de Mahabhava, o grande estado, manifestado em
seu corpo como o de Radhika. Ela, portanto, chamava-o de Dulali, a amiga querida,
pensando que Radhika havia Se encarnado como o Mestre e descido à terra. Gangamata
considerou-se abençoada em ter tido naquele dia, a boa sorte de encontrar Dulali por acaso
e pensou que sua longa e amorosa adoração, serviço e amor a Deus haviam dado fruto. O
Mestre também esqueceu-se de tudo o mais quando a encontrou e como uma pessoa já
muito familiarizada com ela, morou em sua casa por algum tempo. Estavam tão encantados
um com o outro que Mathur e as outras pessoas, viemos a saber, temeram que ele se
recusasse a regressar a Dakshineswar. Dedicado como Mathur era ao Mestre, podemos
deduzir quão ansioso ficou com esse pensamento. Mas o amor filial do Mestre para sua mãe
tornou-se vitorioso e conseguiu vencer sua vontade de ficar em Vraja. O Mestre dizia-nos
sobre isso: "Esqueci-me de tudo quando fui para Vraja. Pensei que não mais voltaria de
lá. Alguns dias mais tarde, porém, lembrei-me de minha mãe. Pensei que estaria em
dificuldades — quem cuidaria dela e a serviria com aquela idade? Pensei e vi que me era
impossível viver ali."
24. Quanto mais refletimos nas palavras e ações desse ser extraordinário, mais elas
nos parecem maravilhosas devido à harmonia de qualidades aparentemente contraditórias.
Não viram que, embora tenha oferecido tudo, corpo, mente, etc., aos pés de lótus da Mãe
universal, não pôde oferecer-Lhe a veracidade? Embora tenha abandonado os
relacionamentos mundanos, não pôde esquecer a afeição e o dever para com sua mãe.
Embora jamais tenha tido o mais leve traço de relacionamento carnal com sua esposa, não
se esqueceu de manter, na atitude de Guru, uma relação amorosa com ela. Ah, Quantos
são os exemplos que podem ser mostrados de seus extraordinários atos! Há qualquer
instrutor espiritual ou Encarnação do passado em cuja vida tantas contradições encontram
essa doce harmonia? Quem não admitirá que tal fenômeno jamais tenha sido visto
anteriormente? Uma pessoa pode não tê-lo como Encarnação de Deus, mas pode alguém
encontrar um paralelo para ele no mundo espiritual? Sua mãe idosa, ouvimos do próprio
Mestre muitas vezes, viveu os últimos dias de sua vida em Dakshineswar sob seus
cuidados quando então, ele executava diariamente diversos serviços para ela e considerava-
se por isso, abençoado. Também, quando sua querida mãe veio a falecer, sua dor foi
grande. Foi visto derramando profusas lágrimas de tristeza. Mas, embora tivesse ficado tão

151
penalizado com a morte da mãe, o Mestre jamais esqueceu-se por um momento sequer que
era um Sannyasin. Teve as exéquias e cerimônias do funeral feitas por seu sobrinho Ramlal,
porque como Sannyasin, estava impedido pelas escrituras de fazê-las e sentou-se num
lugar solitário e pagou, o quanto possível, o débito com sua mãe, ao chorar por ela. Sobre
isso o Mestre disse-nos em diversas ocasiões: "No mundo, Ó filhos, os pais são dignos de
veneração suprema; devem ser servidos segundo a capacidade de cada um enquanto vive-
rem e depois de sua morte as cerimônias do funeral devem ser levadas a cabo de acordo
com as possibilidades dos filhos. Aquele que é pobre e não tem recursos para fazê-las,
deve ir para a floresta, recordar-se de seus pais e chorar; é somente dessa maneira que o
débito devido a eles é pago. Apenas por Deus uma pessoa pode desobedecer a seus pais e
não incorrer em qualquer falta por isso. Prahlada, embora proibido pelo pai, não desistiu de
tomar o nome de Krishna e com esse gesto não incorreu em qualquer falta." Sentimo-nos
abençoados em ver a manifestação maravilhosa do poder do Mestre como instrutor
espiritual, através da devoção filial à sua mãe.
25. Com dificuldade, o Mestre deu adeus a Gangamata e voltou para Kasi com
Mathur. Estava aí já alguns dias quando, por ocasião do Dipavali, a noite da lua nova, viu a
imagem de ouro de Sri Annapurna e ficou fora de si de amor e devoção. Mathur desejava
visitar Gaya, partindo de Kasi, mas como o Mestre discordou e ele teve de desistir daquele
desejo. Quando o pai do Mestre esteve em Gaya, a morada de Gadadhar, o próprio
Mestre nos contou que ele, veio a saber em sonhos que Gadadhar nasceria em sua
família. Por esta razão o Mestre, quando nasceu, foi chamado Gadadhar. Às vezes dizia-
nos que se recusara a ir a Gaya com Mathur porque, quando visse os pés de lótus de
Gadadhar, ficaria tomado de amor, completamente esquecido de viver num corpo
separado d'Ele e se uniria a Ele para sempre. Tinha a firme convicção de que o Uno, que
em épocas passadas havia Se encarnado como Rama, Krishna, Gauranga e outros, viera ao
mundo em sua própria pessoa. Observamos, portanto, que surgiu nele um sentimento
indescritível ao lhe falarem que iria a Gaya, lugar de origem do seu corpo e mente, como
é conecido do sonho de seu pai. Tinha também um sentimento semelhante no que diz
respeito à visita aos lugares onde outras Encarnações de Deus haviam dado fim ao seu jogo
divino. O Mestre dizia que, se fosse àqueles lugares, entraria numa absorção profunda, que
sua mente não desceria de novo à esfera dos mortais. O Mestre expressou um sentimento
similar, em outra ocasião, com a proposta de ir a Puri, também chamada Nilachala, onde o
jogo divino de Gauranga havia terminado. Não se tratava de um sentimento que dizia
respeito somente a ele. Quando sabia, através de sua visão ióguica, de que qualquer um
dos devotos era parte ou manifestação de uma determinada divindade, proibia-o de ir ao
lugar do jogo daquela divindade. É difícil explicar este sentimento do Mestre. Não é certo
chamá-lo de "medo" porque, mesmo as pessoas comuns que experimentam êxtase em suas
vidas, reconhecem que com a morte, a alma simplesmente abandona o corpo tornando-se
portanto, livre do medo da morte, e compreende que a morte é uma simples transição,
como qualquer uma das transições físicas de um estágio para o outro, como infância,
juventude etc. Assim, não é de se admirar que as Encarnações de Deus, com a capacidade
de entrar à vontade em êxtase profundo, conquistem a morte e percam completamente o
medo. Nem podemos dizer que se trata de vontade de viver, como as pessoas em geral têm,
porque é com o objetivo de ter prazer ou gozo egoístas que a maioria das pessoas têm
aquele desejo. Essa explicação não se aplica àqueles em cujas mentes o egoísmo foi lavado
para sempre. Então como podemos explicar aquele sentimento do Mestre? As palavras são
nossos instrumentos para exprimirem as idéias que surgem em nossas mentes, mas será
que nossas palavras têm o poder de expressar as verdadeiras idéias divinas de grandes
almas como o Mestre? Temos por conseguinte de aceitar com fé as palavras com as quais
o Mestre expressava seus pensamentos e pintava um quadro delas com a ajuda da
imaginação.
26. O Mestre dizia - e há muitos exemplos nas escrituras - que a manifestação
divina que surge num lugar, coisa ou pessoa se fundiria em sua fonte ao entrar em
contato íntimo com ela. Os Jivas tem sua origem ou manifestação em Brahman; quando

152
adquirem conhecimento e semelhança com Ele, fundem-se n'Ele. As mentes limitadas de
vocês, minha e de todos os indivíduos originaram-se da Mente infinita, em outras
palavras, são manifestações daquela Mente. Se a pequena mente de qualquer um de
nós cresce em pureza, compaixão, desapego e outras qualidades nobres e torna-se
semelhante e íntima com aquela Mente infinita, então a primeira funde-se com a
última. Essa é também a lei no mundo denso. A terra originou-se do sol, no qual vai
imediatamente fundir-se ao aproximar-se dele, atraída por uma força ou outra. Deve-
se compreender, que atrás daquele ponto de vista do Mestre, há algo que nos é
desconhecido. Se realmente existe uma Coisa ou Pessoa chamada Sri Gadadhar
(divindade do templo de Gaya) e se a mente e o corpo do Mestre tinham, por uma
razão ou outra se originado ou se manifestado d'Ela, é lógico que, atraído um pelo
outro pelo amor, ficariam unidos novamente quando houvesse aproximação.
27. E evidente que as vidas das Encarnações não são iguais às das pessoas
comuns. Vendo n'Elas a manifestação de um poder inconcebível, inimaginável, os
homens curvam-se em reverência a Elas; oferecem-lhes adoração do fundo do coração e
n'Elas tomam refúgio. Os filósofos da Índia, como o grande Rishi Kapila e outros
gênios, esforçaram-se para penetrar no mistério das vidas daqueles extraordinários,
poderosos seres. Tentando determinar o que conduziu a uma manifestação de poder
n'Elas imensamente maior do que nas pessoas comuns, viram desde o início que a lei
do Karma, comum a todos, não era suficiente para resolver o mistério, porque é na busca
de seus próprios prazeres egoístas que as pessoas cometem boas e más ações. Quando,
porém, estudam-se os atos desses grandes seres, vê-se que falta neles esse motivo
egoísta e por conseguinte, o desejo de aliviar as misérias das pessoas tem uma força
irresistível neles. No altar daquele elevado impulso sacrificam completamente todos
seus divertimentos e prazeres. Verifica-se, também, que o desejo de honra, nome e fama no
mundo, jamais adquirem raiz neles. Abandonam invariavelmente todos os desejos de honra
no mundo e de facilidades no céu, depois, considerando-os simples excrementos de
corvos. Não viram que os dois Ridhis, Nara e Narayana, levaram anos praticando
austeridade na cabana de Badarika para conhecerem os meios de fazer bem à humanidade?
Ramachandra exilou até mesmo Sita, que Lhe era querida como Sua própria vida, a fim de
que seus súditos fossem felizes. Krishna praticava cada ato visando estabelecer a verdade e
a espiritualidade. Buda renunciou a seu reino de pompa e poder a fim de libertar os homens
da dor que se originava do nascimento, velhice e morte. Jesus renunciou à Sua Vida ao
morrer na cruz a fim de que o reino dos Céus pudesse descer a esse mundo de dor e
miséria, para que o reino de amor do Pai no Céu, que é o próprio Amor, pudesse prevalecer
sobre o ódio, ciúme e derramamento de sangue. Foi contra a irreligiosidade que Maomé
empunhou a espada, que Sankara dedicou todos os seus poderes para explicar aos homens
que a verdadeira paz consistia na realização da Não-dualidade. Sabendo que todo poder
que conduz ao bem dos homens está somente no nome de Hari, Chaitanya renunciou à
posição e aos prazeres, dedicando sua vida a pregar o nome de Hari, cantando em voz
alta e dançando. Que motivo egoísta ou atração de prazer poderia impeli-los a praticar tais
ações, visto que elas somente lhes trouxeram sofrimentos pessoais?
28. Lado a lado com o amor à humanidade, os filósofos encontraram nas
Encarnações todos os sinais descritos nas escrituras e manifestados nas pessoas
liberadas em vida, como resultado de seus extraordinários sentimentos e experiências.
Foram, portanto, forçados a considerá-las pertencentes a uma nova classe. Kapila, o
expositor da filosofia Sankhya, dizia que elas tinham em mente um verdadeiro desejo
de fazer bem à humanidade e que, embora liberadas pelo poder da austeridade praticada
em vidas passadas, não permaneciam estabelecidas no Nirvana ou Felicidade infinita.
Fundiam-se em Prakriti, em outras palavras, esgotavam o período de um ciclo, sabendo
que todos os poderes de Prakriti eram seus e portanto, aquele que pertencia àquela
classe sabia que estava tomado por esses poderes num determinado ciclo e apresentava-
se às pessoas em geral como o Isvara daquele período. Qualquer um que soubesse que
todos os poderes de Prakriti são seus, seria capaz de utilizar e retirar estes poderes à

153
vontade. Assim como podemos usar todos os poderes de Prakriti que existem em nossos
limitados corpos e mentes porque os temos como nossos, também eles (Jivas unidos a
Prakriti) utilizam todos esses poderes à vontade visto que os têm como pertencentes a si
mesmos. Embora Kapila não admitisse a um Isvara eterno, reconheceu a existência de
pessoas poderosas, cada qual existindo durante um ciclo, a quem denominou Prakritilina
Purushas, i.é, espíritos individuais fundidos em Prakriti.
29. Os pensadores vedantistas, entretanto, não aceitam essa teoria de Isvara.
Segundo eles, Isvara é sempre o mesmo Ser Eterno que Se manifesta como Universo e
Jivas. São, portanto, de opinião que aqueles seres extraordinários e poderosos, que
vêm para o bem do mundo, não são simplesmente indivíduos perfeitos, mas aspectos
especiais de Isvara, o eternamente puro, desperto e livre Ser. Isso não é tudo; cada
um deles nasce, segundo a necessidade do mundo, com um propósito particular que
conduz ao bem da humanidade. Como vêm à terra dotado dos poderes necessários ao
cumprimento de sua missão, é chamado na Vedanta, "Adhikarika", pessoa destinada a
uma missão e dotada de "Adhikara", autoridade, para levá-la avante. Também, vendo
maior ou menor manifestação de poder nessas pessoas e observando que as ações de
algumas delas são feitas para o bem permanente do mundo inteiro, e que as de outras
somente para as pessoas de um país ou parte dele, os expositores da Vedanta
reconheceram as primeiras como Encarnações de Deus e as últimas como os
eternamente livres Isvarakotis dotados de menos autoridade. Tomando como base a
opinião desses expositores da Vedanta, os autores dos Puranas mais tarde se esforçaram
para determinar qual a parte de Deus cada uma das Encarnações era e dedicaram
trabalho nesse cálculo. O autor do Bhagavata chegou ao ponto de afirmar que "Todos
eles são manifestações de um aspecto (Amsa-kula) do Uno que tudo penetra, mas
Krishna é o Próprio Senhor."
Já tentamos explicar ao leitor (cf.III.3.22-28) como o poder do Guru é o do
Próprio Deus. Vendo que o Jiva, iludido pela ignorância, é incapaz de superá-la por seus
esforços pessoais, Ele Próprio, por Sua infinita misericórdia, anseia libertá-lo. Essa
ansiedade misericordiosa de Deus de iluminar e salvar o Jiva e a expressão de Sua
vontade a esse respeito é chamada Guru-bhava (atitude de instrutor) - aquela vontade
divina manifesta-se como Sri Guru. O Poder do Guru vem manifestando-Se para nós de vez
em quando como seres ímpares desde tempos imemoriais, trazendo luz ao homem em
ignorância. São esses seres que vêm sendo adorados pelo mundo como Encarnações de
Deus. Fica, portanto, claro que elas, as Encarnações de Deus, são os verdadeiros Gurus
da humanidade.
30. Os Adhikarikas diferem muito dos Jivas comuns quanto ao corpo e à mente. Seu
ser é formado de material forte o suficiente para conter as experiências poderosas do amor
divino e do mais elevado plano de consciência, sem qualquer cansaço excessivo ou alegria
exagerada, porque elas são naturais neles. O Jiva torna-se egoísta e tomado de alegria e
exaltação ao adquirir um pouco de poder espiritual e a consequente veneração das pessoas,
mas os Adhikarikas não se desequilibram. Sua faculdade discriminativa não é afetada, nem
são tomados de egoísmo e vaidade, mesmo se forem cem vezes mais dotados desses
poderes espirituais. O Jiva jamais gosta de retornar ao mundo, qualquer que seja a razão
se, livre de todos os tipos de escravidão, alcança em Samadhi, o conhecimento do Ser.
Mas assim que os Adhikarikas experimentam essa felicidade, surge em suas mentes a
necessidade de partilhá-la com os outros. Depois da realização de Deus, o Jiva não tem
mais qualquer dever, mas somente depois daquela realização é que o dever dos
Adhikarikas começa - quer dizer, captam e compreendem o objetivo especial para o qual
nasceram e começam a realizá-lo. Por conseguinte, a lei dos Adhikarikas é que, enquanto
não cumprirem a missão específica para a qual nasceram, jamais entra em suas mentes,
como ocorre nas mente das pessoas comuns liberadas, aquela passividade que consiste
simplesmente em manterem-se prontos para o fim, mas ao contrário, neles há um anelo
de viver na esfera dos mortais e dividir com eles o bem e o mal. Há, contudo, e isso deve ser
salientado, uma diferença tremenda entre a vontade de viver das Encarnações e a dos Jivas

154
comuns não iluminados. Além disso, os Adhikarikas sabem quando sua missão foi
completada e alegremente abandonam seus corpos em Samadhi, sem permanecerem nem
mais um segundo no mundo. O Jiva comum não iluminado não pode nem saber quando os
deveres de sua vida vão ter fim, quanto mais ter o poder de abandonar o corpo em
Samadhi. E mais ainda, sente que muitos de seus desejos ficaram insatisfeitos e seu anelo
de continuar a vida no corpo permanece inalterado. Há também diferenças semelhantes,
no que concerne a outros aspectos. E um erro tentarmos aplicar aos Jivas comuns o
objetivo e atos das Encarnações.
E somente contra o pano de fundo dessas idéias das escrituras que se pode
compreender os ditos do Mestre como: "O corpo deixará de viver se eu for a Gaya", "Um
Samadhi eterno resultará, se eu for visitar Puri", e assim por diante. É por isso que
discutimos o assunto aqui tão abreviadamente. O leitor também compreenderá, da discussão
acima, que nenhum estado do Mestre era sem autoridade das escrituras.
O Mestre, dissemos anteriormente, recusou-se a ir a Gaya com Mathur e por
conseguinte ninguém visitou aquele lugar sagrado. Todos regressaram a Calcutá via
Vaidyanath. Foi em Vaidyanath que o Mestre, a caminho de Kasi, foi tomado de misericórdia
ao ver a pobreza das pessoas num certo vilarejo e persuadiu Mathur a dar-lhes de comer e
uma. Já falamos desse incidente em detalhe num outro lugar. (cf. III.7.38).
31. Além de visitar os lugares de peregrinação como Kasi, Vrindavan, etc., Mathur
Babu certa vez levou o Mestre a Navadvip, terra natal de Chaitanya, o grande Senhor. Do
que o Mestre nos falou certa ocasião a respeito de Gauranga, compreendemos que nem
sempre todas as verdades são reveladas para as Encarnações de Deus, mas qualquer
verdade do mundo espiritual que Elas desejam conhecer, vem facilmente a suas mentes.
32. Muitos entre nós eram cépticos se Gauranga era uma Encarnação de Deus,
tanto mais que a palavra "vaishnava" era para muitos de nós sinônimo de pessoas de
classe inferior. Também questionamos o Mestre a esse respeito. Em resposta ele nos
disse: "Eu também tinha essa dúvida. No início pensava: 'Como pôde Chaitanya ser
uma Encarnação, já que não há a menor menção desse fato no Bhagavata e nos
outros Puranas? Os vaishnavas de cabeça raspada elevaram-no ao nível de Encarnação.'
Jamais pude acreditar nisso. Fui a Navadvip com Mathur. Pensava que se ele fosse
uma Encarnação, algo do poder daquela manifestação divina devia estar ali. Vou
compreender quando vir esse lugar. A fim de detectar se havia qualquer presença
divina, fiz passeios aqui e ali - à casa do Sénior Gosain, à do Júnior Gosain e assim
por diante; mas nada vi de particular em nenhum lugar. Em todos os lugares via
somente uma figura de madeira com os braços levantados. Fiquei desanimado.
Lamentei minha ida àquele lugar. Mais tarde, estava para subir no barco para regressar,
quando tive uma visão maravilhosa: apareceram dois lindos meninos de tenra idade.
Jamais havia visto uma beleza igual a deles. Tinham pele da cor de ouro e em torno de
suas cabeças um halo de luz. Levantando as mãos e olhando para mim, correram em
minha direção. Imediatamente gritei: 'Ei-los que estão vindo, ei-los que estão vindo!'
Mal havia pronunciado aquelas palavras, eles chegaram e entraram aqui (seu próprio
corpo); perdi a consciência normal, caindo ao chão. Teria caído n'água se não fosse
Hridu que estava a meu lado e segurou-me. Foram-me mostradas muitas coisas como
essa, convencendo-me de que eram realmente Encarnações, manifestações do Poder
divino." O Mestre contava-nos muitas coisas. Um dia falou-nos de sua visão do
Sankirtan de Gauranga nas ruas, que descrevemos em outro lugar neste livro
(ch.III.7.38).
33. Além de ir aos lugares sagrados acima mencionados, o Mestre, certa vez,
foi a Kalna com Mathur Babu. Muitos vilarejos de Bengala, às margens do Ganga
tornaram-se lugares de peregrinação devido ao toque dos pés de Gauranga, o grande
Senhor, sendo Kalna um deles. Também, todo visitante sem exceção, sente que gestos
gloriosos como a construção dos cento e um templos de Siva pela família do príncipe de
Burdwan, tornaram Kalna um lugar de pompa e peregrinação. Desta vez, entretanto, o
Mestre tinha um outro propósito para ir a Kalna. Sua intenção era conhecer Bhagavan

155
Das, o respeitado Baba Vaishnava, o bem conhecido Sadhu daquele lugar.
34. O Bhagavan Das, respeitado "Pai" vaishnava, provavelmente estava com
oitenta anos de idade. Não conhecemos o nome da família que foi santificada com o seu
nascimento, mas sua renúncia, desapego e devoção a Deus eram do conhecidos por
muitos homens, mulheres e crianças de Bengala. Diz-se que ambas as pernas, na última
parte de sua vida, ficaram paralisadas porque permanecia cruzadas dia e noite, na mesma
postura, no mesmo lugar, praticando Japa, austeridade, meditação etc. Embora tivesse
mais de oitenta anos e incapacitado, o hábito de tomar o nome de Hari e derramar
lágrimas de felicidade divina, não arrefeciam, ao contrário aumentavam a cada dia.
A vida da comunidade vaishnava naqueles lugares recebeu um novo ímpeto
devido à sua presença. Muitos ascetas vaishnavas tiveram a oportunidade de moldarem
sua vida segundo seu brilhante exemplo e de acordo com suas instruções. Está dito que
qualquer pessoa que fosse visitar o Baba naquela época, sentia, no fundo do coração, a
influência acumulada de sua longa prática de austeridade, pureza, devoção e renúncia e
experimentava uma felicidade extraordinária antes de regressar. As pessoas
consideravam a religião de amor de Chaitanya como infalível e empenhavam-se em pô-la
em prática. Por conseguinte, o perfeito Baba não só se empenhava em sua própria
Sadhana, mas passava muito tempo discutindo e pondo em prática medidas para o bem-
estar da comunidade vaishnava como um todo, guiando os ascetas para que moldassem
suas vidas segundo o ideal de renúncia que haviam adotado e trazendo paz para a vida
dos mundanos, ao fomentar o ardor pela religião de Sri Chaitanya. As pessoas costumavam
informar ao Baba tudo o que acontecia na comunidade vaishnava, como por exemplo, a
boa ou má conduta dos Sadhus de qualquer lugar. Ouvia e refletia sobre o assunto e dava
instruções sobre o que deveria ser feito. Há sempre uma aura de majestade e autoridade
naqueles que levam uma vida de renúncia, austeridade e amor; as pessoas atendiam às
palavras do Baba submissamente. Embora não tivesse espiões, os olhos agudos do Baba
caíam em tudo que era feito na comunidade vaishnava e cada um sentia sua influência.
Enquanto de um lado, o ardor daquela fé simples aumentava dia a dia com sua visão
protetora e influência, do outro lado, os insinceros sentiam uma espécie de temor vago,
um sentimento de estarem se afundando dentro de si mesmos ao serem observados por
ele e em consequência, procuravam retificar seus caminhos.
35. Como já mencionamos, importantes movimentos religiosos estavam tomando
forma em muitas regiões da moderna Índia enquanto o Mestre, levado por um intenso
impulso de amor divino, empenhava-se em severa austeridade durante doze anos, para a
realização de Deus e enquanto o maravilhoso poder de instrutor espiritual começava a
se manifestar nele de forma completa. Os movimentos dos Hari-Sabhas e do Brahmo Samaj
em Calcutá e em diversos lugares perto, a propagação da "Religião Védica", mais tarde
conhecida como Arya Samaj, por Swami Dayananda no Punjab e na parte noroeste da
Índia, o ressurgimento da Vedanta pura e de seitas como as dos Karthabajas em
Bengala, Radhaswamis no norte e a de Swami Narayana em Gujarat - todos esses
movimentos religiosos foram fundados e propagaram-se pouco antes ou pouco depois
daquela época. Não temos intenção discutir em detalhes, esses movimentos e suas
doutrinas. Vamos falar de um acontecimento sobre o Mestre no Harisabha, em Kalutola,
Calcutá.
36. Um dia o Mestre recebeu um convite daquele Harisabha e lá foi
acompanhado de seu sobrinho Hriday. Alguns dizem que o Pandit Vaishnavacharan, de
quem já falamos anteriormente, estava naquele dia ocupado em ler e explicar o
Bhagavata e que o Mestre foi ouvi-lo, embora não nos lembramos de ter ouvido algo do
próprio Mestre a esse respeito. O que quer que fosse, a leitura prosseguia quando o
Mestre chegou. O Mestre sentou-se no meio das pessoas, ouvindo a leitura.
37. Os membros daquele Harisabha acreditavam que haviam tomado refúgio nos
sagrados pés de Sri Chaitanya e a fim de se recordarem daquele fato, estendiam um
assento e aceitando a presença do grande Senhor ali, prosseguiam antes da adoração,
lendo e fazendo todas as outras cerimônias devocionais. Aquele assento era

156
chamado "Assento de Sri Chaitanya". Com devoção todos saudavam-no diante daquele
assento. Jamais haviam permitido a alguém sentar-se ali. A leitura estava sendo feita
diante daquele lugar, decorado de grinaldas e flores e acreditava-se que o grande
Senhor estava sentado, ouvindo, enquanto os devotos alegravam-se pensando estarem
diante de Sua divina Presença e eram abençoados ao beberem o néctar das palavras de
Hari em sua companhia. A alegria e a devoção do leitor e dos ouvintes aumentaram
cem vezes, com a chegada do Mestre.
38. O Mestre perdeu-se ao ouvir as palavras do Bhagavata semelhantes ao
néctar. Subitamente correu para o assento de Sri Chaitanya, ficou de pé e entrou num
Samadhi tão profundo que nem mesmo o menor movimento de força vital foi
observado nele. Vendo aquele extraordinário sorriso amoroso em seu rosto brilhante e
sua postura com uma mão levantada e um dedo apontando para cima como que para as
imagens de Sri Chaitanya, importantes devotos sentiram no fundo de seus corações que
o Mestre, em Bhavamukha, havia se identificado completamente com o grande Senhor -
que, tendo atingido o mais elevado plano de consciência, o de Bhavamukha, não
estava consciente da grande distância de tempo e lugar que separavam seu corpo
denso e mental dos de Sri Chaitanya. O leitor do Bhagavata parou de ler e ficou imóvel,
olhando para ele; embora incapaz de compreender o Bhavasamadhi do Mestre, os
ouvintes também foram tomados por um indescritível e extraordinário temor e
espanto e permaneceram calmos e encantados. Ninguém podia dizer algo, bom ou mau.
Experimentando uma indescritível felicidade, todos sentiram-se levados, por assim dizer,
pela poderosa corrente do estado espiritual do Mestre a uma dimensão indefinível. A
princípio não souberam o que fazer, mas depois, impelidos por aquele sentimento
indescritível, levantaram um coro em alta voz de "Haribold" e começaram a cantar Seu
nome. Ao discutir a natureza do Samadhi (cf.iii.7.6), mostramos que para descer desse
exaltado estado de consciência para o estado normal, a mente depende de um
determinado nome de Deus que estimula e traz à consciência, a massa infinita de
idéias divinas experimentadas em Samadhi. Diariamente observávamos repetidamente
este fato no Mestre. Quando ouvia o nome de Hari cantado, o Mestre tornava-se um
pouco consciente do corpo. Tomado de amor e devoção, misturava-se entre aqueles que
cantavam em coro e às vezes, dançava com graça, de maneira descontraída e às
vezes, permanecia imóvel em êxtase pela excessiva emoção espiritual. O fervor de
todos os presentes aumentou cem vezes com o comportamento do Mestre. Ficaram
inebriados e começaram a cantar o Kirtan. Quem então podia julgar se estava certo ou
errado o fato do Mestre ter ocupado o assento de Sri Chaitanya? Depois de cantarem os
atributos de Sri Hari e do grande Senhor, com dança durante muito tempo, todos
gritaram: "Salve o Senhor!" e encerraram a função religiosa naquele dia. Em seguida o
Mestre regressou a Dakshineswar.
39. Embora a tendência natural dos vaishnavas de encontrar defeitos nos
outros tivesse sido contida por algum tempo ao atingirem um plano de elevadas
emoções espirituais pela influência divina do canto e da dança do Mestre em nome de
Hari, ela reapareceu depois que o Mestre se retirou, como o camundongo da fábula de
Purnamushika. De fato este é o defeito de todas as religiões que negligenciam
oconhecimento e ensinam aos aspirantes à realização de Deus a dependerem somente de
devoção. Embora os viajantes nos caminhos dessas religiões alcancem facilmente
estados elevados e plenos de felicidade durante algum tempo por meio do canto do
nome de Sri Hari e outros exercícios devocionais, no momento seguinte descem a
estados de consciência proporcionalmente inferiores depois que o elevado ímpeto
emocional arrefeceu. Não devem reclamar, porque é da natureza do corpo e da mente,
que evoluíram de Prakriti, mergulhar em lassidão depois de um estímulo. É lei da
natureza que depressão siga a um estado de exaltação, que lassidão sobrepuje a
exaltação produzida por um grande estímulo. Também quando a depressão seguiu-se
àquela elevada corrente de exaltação espiritual, os membros do Harisabha voltaram a
sofrer a influência de sua antiga natureza e impressões e começaram a criticar o

157
comportamento do Mestre. Um grupo defendia o fato ter ocupado o Assento de Sri
Chaitanya em estado de Bhavamukha e, um outro começou a fazer fortes protestos.
Houve um acirrado debate entre os grupos, que não chegaram a qualquer acordo.
Essa controvérsia gradualmente espalhou-se de boca em boca por toda a
comunidade vaishnava. O Bhagavan Das também soube. Essa, contudo, não foi a única
coisa importante; alguns membros do Harisabha foram a ele para que mostrasse como
poderia impedir que devotos espertos, para não dizer hipócritas, desejosos de nome e
fama fingissem emoções espirituais e de forma semelhante ocupassem, no futuro, o
assento.
40. O Baba, de alma tão elevada, que havia tomado refúgio aos pés de Sri
Chaitanya, ficou bastante aborrecido ao ouvir que o assento de seu Ideal Escolhido havia
sido ocupado pelo desconhecido Ramakrishna e cego de raiva, não hesitou em xingá-lo e
mesmo, chamá-lo de hipócrita. O aborrecimento e a raiva do Baba redobraram ao ver os
membros do Harisabha e ele os repreendeu considerando-os culpados por terem permitido
que uma ação imprópria tivesse sido cometida em sua presença. Quando, mais tarde, a
raiva acalmou, o Baba deu instruções estritas sobre as medidas a serem tomadas a fim de
que ninguém pudesse comportar-se no futuro de maneira semelhante. Mas aquele que foi
o motivo de toda essa comoção não sabia de nada sobre essas manifestações.
41. Alguns dias depois desse acontecimento, Sri Ramakrishna foi a Kalna
com Mathur Babu e Hriday. O barco chegou ao Ghat bem cedo pela manhã e Mathur tomou
as medidas necessárias para comida e alojamento. Sri Ramakrishna, nesse meio
tempo, saiu para ver a cidade com Hriday e sabendo pelas pessoas, do endereço de
Baba, foi até a cabana.
42. Quando se aproximava da presença de uma pessoa desconhecida, várias
vezes ocorreu que o infantil Mestre à primeira vista sentisse um indescritível medo e
vergonha. Observamos diversas vezes aquela atitude. Pedindo a Hriday para ir na frente,
cobriu-se dos pés à cabeça com uma roupa e seguiu-o até a cabana. Hriday foi até o
Baba, saudou-o e disse: "Meu tio materno perde-se ao cantar o nome de Deus. Vem
experimentando esse estado há muito tempo. Veio fazer-lhe uma visita."
43. Hriday disse que, logo que o Mestre aproximou-se dele, pôde captar o poder do
Baba, nascido da Sadhana, porque antes dele ter falado as palavras acima depois de
saudá-lo, ouviu-o dizer: "Parece que uma grande alma veio à cabana." Dizendo essas
palavras, olhou em volta, mas como não viu ninguém a não ser Hriday chegando,
continuou com a mente no assunto que discutia com as pessoas presentes. Um determinado
Sadhu vaishnava havia cometido algo errado. O que deveria ser feito com ele, era o assunto
em discussão no momento. O Baba estava bastante aborrecido com o ato impróprio do
Sadhu e repreendia-o, dizendo que iria tirar seu rosário e expulsá-lo da comunidade
Nesse momento Sri Ramakrishna chegou, saudou-o e sentou-se humildemente ao lado
das pessoas ali presentes. Seu rosto não estava à mostra visto que estava coberto com a
roupa que envolvia todo o corpo. Assim que chegou e sentou-se, Hriday falou ao Baba as
palavras acima mencionadas. Com as palavras de Hriday, o Baba interrompeu a conversa,
retribuiu a saudação do Mestre e de Hriday e fez-lhes perguntas.
44. Vendo que o Baba passava as contas de seu rosário nos intervalos da conversa
com Hriday, este último perguntou-lhe: "Senhor, por que ainda passa as contas? O senhor já
se tornou perfeito, não tem mais necessidade." Não sabemos se Hriday fez essa pergunta
ao Baba, em nome do Mestre ou por conta própria, mas parece que foi idéia dele mesmo.
Isso porque, estando sempre a serviço do Mestre e na companhia de muitas pessoas,
elevadas ou inferiores, Hriday havia desenvolvido ao máximo, presença de espírito e podia
abordar assuntos que convinham ao momento e às circunstâncias. O Baba, em primeiro lugar
expressou humildade àquela pergunta de Hriday e depois disse: "Embora eu não precise
dessas coisas, elas são necessárias para educar as pessoas, senão se arruinariam ao me
imitar."
45. Dependendo inteiramente o tempo todo, como um menino, da Mãe em
todos os assuntos, o Mestre tinha uma tal confiança interior n'Ela, que sentia-se muito

158
mal ao ver ou ouvir qualquer pessoa fazer ou pretender fazer qualquer coisa sob o
impulso do egoísmo, isso para não falar dele fazer algo desse tipo. Por conseguinte,
fora de empregar a palavra "eu" no sentido de servo de Deus, jamais podia usá-la da
maneira como a usamos normalmente. Qualquer um que visse o Mestre, mesmo por
pouco tempo, ficaria encantado e admirado ao ver aquela qualidade, ou observar seu
grande aborrecimento com expressões egoístas, aparentemente inofensivas, usadas
pelas pessoas, como:"Vou fazer isso ou aquilo". Fazia essa pessoa compreender que
estava errada. Ora, logo que chegara ao Bhagavan Das, o Mestre ouviu-o em primeiro
lugar dizer que iria tirar o rosário de alguém e expulsá-lo da comunidade. Também, pouco
depois, ouviu-o dizer que não ia deixar de passar as contas e colocar Tilaka, para que
pudesse ensinar melhor as pessoas. Quando o Baba disse repetidamente: "Vou expulsá-lo",
"Vou ensinar as pessoas", "Não desistir de pôr Tilaka", o Mestre que tinha um coração
puro, não pôde conter seu aborrecimento como fazemos, ao seguir os ditames da assim
chamada sociedade culta. Subitamente pôs-se de pé e disse ao Baba: "Como é isso! O
senhor ainda é egoísta? O senhor fala de ensinar as pessoas, de expulsá-las, de aceitar ou
rejeitar coisas! Quem é o senhor para ensinar? Somente Ele, a quem todo o mundo
pertence, pode assim agir. Se Ele não fez, pode o senhor?" A cobertura do Mestre havia
caído; a roupa havia se afrouxado e caído dos quadris e o rosto ficou iluminado com um
brilho divino. Estava fora de si de inspiração e parece, inconsciente desse fato e a quem
falava. Mal pronunciara essas palavras, tornou-se imóvel e mudo em Samadhi.
46. Todos vinham apresentando respeito e devoção ao perfeito Baba e ninguém até
então, ousara protestar contra suas palavras ou mostrar seus defeitos. Primeiramente ele
ficou atônito ao ver o que o Mestre fizera, mas ao contrário das pessoas comuns, nas
mesmas circunstâncias que ficam zangadas e cheias de sentimentos de vingança, o Baba
permaneceu calmo, sem sentir-se ofendido. A sinceridade nascida de suas Tapas veio em
sua ajuda e o fez compreender a verdade das palavras de Sri Ramakrishna. Sentiu que não
havia outra pessoa no mundo que fosse o executor e que, por mais que um homem
pudesse pensar que estava fazendo tudo, na verdade era escravo das circunstâncias e
podia fazer somente o que lhe era permitido fazer e compreender pelo Supremo e que,
embora as pessoas do mundo possam pensar que estão fazendo as coisas com seu próprio
poder e segundo sua escolha, um devoto não deve cair nesse erro nem por um momento,
senão vai sair do caminho da verdadeira devoção. Assim as poderosas palavras do Mestre
abriram ao máximo, a visão interior do Baba mostrando-lhe os defeitos e tornando-o
humilde e modesto. Vendo a extraordinária manifestação do estado espiritual, em
Ramakrishna, o Baba convenceu-se de que não se tratava de uma pessoa comum.
47. Podemos facilmente deduzir que uma corrente extraordinária de felicidade
maravilhosa fluiu durante sua conversa sobre Deus. Durante a conversa o Mestre
experimentou Bhavasamadhi e desfrutou de uma felicidade sem limites em pequenos
intervalos e o Baba ficou maravilhado ao ver que havia se manifestado na pessoa de Sri
Ramakrishna aquele grande estado espiritual que vinha tentando compreender através do
estudo das escrituras, há muito tempo. Por conseguinte sua devoção e reverência a Sri
Ramakrishna tornaram-se profundas. Quando depois, o Baba veio saber que ele era o
Paramahamsa de Dakshineswar, que sob a influência de um estado espiritual havia
ocupado o Assento de Sri Chaitanya no Harisabha de Kalutola, não havia limite para sua
tristeza e arrependimento. Pensou: 'É essa a pessoa que xinguei por nada!" saudou Sri
Ramakrishna com humildade e pediu seu perdão. Assim chegou ao fim o jogo de amor do
Mestre e do Baba naquele dia. Sri Ramakrishna veio a Mathur com Hriday um pouco mais
tarde, descreveu-lhe o ocorrido do começo ao fim e enalteceu grandemente o exaltado
estado do Baba. Ouvindo tudo, Mathur foi visitar o Baba e organizou, o serviço das imagens
na cabana e um festival por um dia.

159
CAPÍTULO IV

COMO INSTRUTOR ESPIRITUAL

(CONCLUSÃO)

(ASSUNTOS: 1. Os Vedas consideram o conhecedor de Brahman aquele que tudo conhece. 2. A explicação
do Mestre a esse respeito. 3. 0 significado de se conhecer uma coisa. 4. Realização das decisões de um
conhecedor de Brahman. 5. Outro exemplo tirado da vida do Mestre. 6. A opinião do Mestre do ponto de vista
de dois planos de consciência. 7. Os homens comuns vêem tudo do segundo modo. 8. Exemplo dos dois pontos
de vista do Mestre. 9. A visão espiritualizada do Mestre. 10. Desapego e acuidade das faculdades do Mestre. 11.
Exemplos da acuidade da mente do Mestre. 12. Deus alterando Sua lei. 13. O Mestre e o condutor relâmpago.
14. O incidente de um hibisco rosa e outro branco numa mesma planta. 15. A natureza como o "playground"
da Mãe do universo. 16. O poder intuitivo do Mestre para a concentração de poder espiritual. 17. A descoberta
de Vrindavan por Sri Chaitanya. 18. Os poderes intuitivos do Mestre a esse respeito; exemplo de Mrinmayi. 19.
O estado da cidade de Vana-Vshnupur. 20. Sri Madanamohan e Mrinmayi. 21. A percepção interior do Mestre
dentro da natureza das pessoas - primeiro exemplo. 22. Segundo exemplo. 23. Tornando-se o que se deseja
ser. 24. O terceiro exemplo na casa do Pandit Sasadhar. 25. A constituição mental e percepção interna do
Mestre. 26. Exemplo. 27. Segundo exemplo. 28. Terceiro exemplo. 29. As experiências espirituais do Mestre e
constatação dos Sastras. 30. O modelo do conhecimento não-dual. 31. Visão: cognoscível si mesmo e as
cognoscíveis também aos outros. 32. O Mestre satisfeito somente com a verdadeira natureza das coisas. 33. A
inimizade entre os Saktas e os Vaishnavas. 34. O Mestre e o fim dela. 35. A degradação dos Sadhus ao se
tornarem homens de cura. 36. A opinião do Mestre a respeito daqueles que são Sadhus somente na roupa. 37.
Os verdadeiros Sadhus instilam vida nos Sastras. 38. A estreiteza mental até de Sadhus verdadeiros. 39. O
Mestre e a falta de espiritualidade nos lugares de peregrinação. 40. A consciência do Mestre de sua doutrina
liberal. 41. “Tantas crenças, tantos Caminhos". 42. O Mestre consciente de ter mandato da Mãe Divina. 43. O
Mestre livre do ego de ser um instrutor espiritual. 44. Primeiro exemplo. 45. Segundo exemplo. 46. A realização
do Mestre de sua missão. 47. A ansiedade do Mestre de encontrar seus devotos. 48. As convicções do Mestre
sobre a chegada de devotos a ele. 49. Convicções nascidas de sua absoluta dependência na Mãe Divina. 50. O
significado das palavras do Mestre a esse respeito. 51 . Divya bhava: seu significado. 52. Iniciação Sambhavi
e iniciação Sakti. 53. Não discriminação entre o tempo próprio e o impróprio nessas iniciações. 54. O Mestre é o
melhor dos instrutores com a atitude divina. 55. Manifestação de Poder nas Encarnações. 56. O Mestre,
Keshavchandra e os devotos.)

Embora não nascido, imutável por natureza e Senhor de todos os seres, sou, ao
subjugar minha Prakriti, nascido de Maya.
Sempre que, Ó descendente de Bharata, a religião declina e a irreligiosidade
prevalece, tomo um corpo.
Eu Me encarno em cada época para a proteção dos bons, a destruição dos maus e o
restabelecimento da religião.
Gita, IV.6-7-8

1. Os Vedas e outros Sastras dizem que os conhecedores de Brahman tornam-se


conhecedores de tudo. Ao contrário do que ocorre com os homens comuns, jamais lhes
ocorre um pensamento errado. Sempre que querem conhecer e compreender qualquer
coisa, ela torna-se imediatamente clara à sua visão interior, em outras palavras, podem
compreender a verdade a esse respeito. No começo, ao ouvirmos esse ensinamento
não pudemos compreendê-lo e portanto, não o aceitamos e levantamos muitos
argumentos contra esse ponto de vista das escrituras, sem nos preocuparmos em
conhecer sua importância real. Dissemos: "Se isso é verdade, por que os conhecedores
de Brahman em épocas passadas, na Índia, pouco conheciam as ciências físicas? Será que
havia algum conhecedor de Brahman na Índia antiga que sabia que hidrogênio e oxigênio
combinados produziam a água? Por que não nos disseram que, com a ajuda da eletricidade,
as notícias vindas da América, um continente que requer seis meses para ser alcançado,
poderiam ser recebidas aqui, em menos de quatro ou cinco horas? Ou, por que não sabiam
que o homem pode voar como pássaro, com a ajuda de máquinas?"
2. Quando conhecemos o Mestre, compreendemos que se tentarmos interpretar
aquelas palavras das escrituras daquela maneira, elas não poderiam dar-nos qualquer

160
explicação. O significado das escrituras é diferente e temos que estudar a passagem da
escritura, para compreendermos o verdadeiro sentido. O Mestre explicou este ponto com
um ou dois exemplos simples. Dizia: "Quando o arroz está fervendo numa panela, se tirarem
um grão e apertá-lo entre seus dedos, saberão se todos os outros grãos estão cozidos ou
não. Certamente não apertaram todos os grãos um por um. Como então chegaram a essa
conclusão? Da mesma maneira ao examinarem uma ou duas coisas do mundo,
compreenderão se todo o universo é eterno ou transitório, real ou irreal. Um homem nasce,
vive por algum tempo e depois morre; o mesmo ocorre com uma vaca e uma árvore. Ao
examinarem as coisas dessa maneira concluem que o que tem nome e forma segue essa lei.
A terra, o sol, a lua etc. têm nomes e formas; portanto, são da mesma natureza. Dessa
maneira sabem que todas as coisas deste universo são parecidas. Conhecem a natureza de
todas as coisas do mundo, não é? Assim, logo que souberem que o mundo é transitório e
irreal, deixarão de amá-lo; o tirarão de suas mentes e ficarão livres de desejos. Realizarão
Deus, a causa do universo, logo que se desapegarem do mundo. Aquele que realiza Deus
é menor que aquele que tudo conhece?"
3. Quando o Mestre disse essas palavras, sentimos: "Certamente é verdade”. O
homem que sabe disso de uma certa maneira, conhece tudo. Conhecer a origem de uma
determinada coisa, seu meio e fim, é realmente o que chamamos conhecimento dessa
coisa. Assim, conhecer e compreender o universo dessa maneira deve ser chamado
conhecimento dele. Também, essa forma de entendimento aplica-se a todos os objetos
particulares do universo. Assim, aquele que veio a saber que todo o universo e todos os
objetos que o constituem são transitórios e irreais, devem realmente ser chamados de
conhecedores de tudo. O que as escrituras disseram é, portanto, verdadeiro.
4. Também consideramos válida, a passagem da escritura que diz que: "Todas as
decisões de um conhecedor de Brahman tornam-se verdadeiras e são satisfeitas."
Compreendemos, pela experiência diária, que se adquire conhecimento de uma coisa ao
estudá-la com concentração. Não é, portanto, de se admirar que sempre que um conhecedor
de Brahman, que dominou e controlou completamente a mente, estude com todos os
poderes de sua mente concentrada alguma coisa, possa facilmente adquirir o conhecimento
total dela. Há, contudo, algo a se considerar - se aquele que está perfeitamente convencido
do caráter transitório do universo e que foi bem sucedido, através do amor, em conhecer
Deus, a causa do universo e detentor de todos os poderes, se dedicará a inventar trens,
construir máquinas destrutivas e vários tipos de bens. Já que não têm esse desejo,
aquelas máquinas e outros produtos certamente não podem ser construídos por ele. Da
companhia com o Mestre, compreendemos que isso era verdadeiramente assim. Quando o
Mestre estava na cama em Kasipur com câncer na garganta, nós, Swami Vivekananda e
outros discípulos, pedimos-lhe com lágrimas nos olhos, para usar o poder da mente e curar-
se para nosso bem; ele não o pôde fazer. Disse que, ao tentar fazê-lo, não teve forças
suficientes para pedir essa graça e acrescentou: "Não pude, de jeito algum, retirar a mente
da Existência-Conhecimento-Bem-Aventurança e trazê-la para esta gaiola de carne e ossos.
Sempre considerei o corpo um objeto insignificante e desprezível e ofereci a mente para
sempre aos pés de lótus da Mãe do universo. Como posso, meus filhos, tirá-la da Mãe e
trazê-la para o corpo?"
5. O leitor compreenderá facilmente se mencionarmos um acontecimento. Um dia o
Mestre foi à casa de Balaram Basu em Baghbazar. Eram mais ou menos dez da manhã. Fora
acertado, de antemão, que o Mestre iria lá naquele dia. Alguns jovens discípulos,
Narendranath e outros vieram encontrá-lo. Conversavam sobre diversos assuntos, às vezes
com o Mestre e às vezes entre si. Ao longo da conversa, surgiu uma discussão sobre a
natureza do microscópio e como ele permite que uma pessoa veja objetos extremamente
pequenos de uma forma aumentada. Ouvindo que coisas bem pequeninas, invisíveis aos
olhos densos poderiam ser vistas através dele - que um pedacinho de cabelo bem
diminuto, visto através dele, parecia uma vara, que cada cabelo do corpo olhado através
dele parecia tão oco como o talo de uma folha do mamoeiro e assim por diante - o Mestre
ficou ansioso de ver uma coisa ou duas através daquele instrumento. Os devotos, portanto,

161
pensaram pedir emprestado um para mostrar ao Mestre à tarde. Perguntando, viemos a
saber que Dr. Bipinbehari Ghose, irmão de Swami Premananda e estimado amigo nosso,
tinha um microscópio que ganhara como prêmio do Calcutta Medical College ao passar,
com honra, no exame de Medicina. Uma pessoa foi enviada para apanhar o instrumento
para ser mostrado ao Mestre. Sabedor disso, o médico veio com o instrumento algumas
horas mais tarde, cerca de quatro da tarde. Ajeitou-o corretamente e pediu ao Mestre para
olhar.
O Mestre levantou-se, saiu, mas voltou sem olhar através do microscópio. Ao lhe
perguntarmos a razão disse: "A mente está em tal plano elevado que não posso de jeito
algum trazê-la para baixo." Esperamos durante muito tempo para ver se a mente do Mestre
descia, mas ela não desceu daquele plano espiritual. Por conseguinte naquele dia não
pôde ver através do microscópio. Não tendo outra alternativa, Bipin Babu mostrou-nos e
retirou-se com o instrumento.
6. Quanto mais elevado o plano de consciência em que a mente do Mestre pairava
ao abandonar a consciência do corpo, mais extraordinárias e celestiais eram as visões
alcançadas naqueles planos. Como ele ficava completamente separado do corpo ao
ascender ao mais elevado plano de consciência não-dual, as batidas do coração e o
funcionamento dos sentidos paravam por certo tempo e ficava como um cadáver. Todas as
modificações da mente, como pensamento, imaginação etc., paravam e ele passava a
morar na Existência-Conhecimento-Bem-Aventurança absoluto. Também, gradualmente
descendo do mais elevado plano para outros cada vez mais baixos, o Mestre, como todas
as pessoas, uma vez mais tinha a idéia de que: "Este corpo é meu", e somente então via
com os olhos, ouvia com os ouvidos, tocava com o tato e pensava com a mente.
7. Um eminente filósofo1 (1 Ralph Waldo Emerson - "A consciência sempre se move segundo um plano graduado") do
Ocidente teve uma pequena indicação da mente humana subindo e descendo do plano de
êxtase e foi de opinião que a consciência dentro do corpo humano não permanece
sempre no mesmo estado. Este ponto de vista é razoável e aprovado pelos videntes da
Índia antiga. A identidade espiritual do homem realmente pertence àquele plano de
consciência Não-dual, mas ele a esqueceu totalmente, desde tempos remotos e adquiriu
a firme convicção de que aquele conhecimento só pode ser obtido através dos sentidos.
Livre de ansiedade, vem, portanto, vivendo no mar do mundo, aí jogando sua âncora.
Os Adhikarikas, como o Mestre, são os instrutores do mundo também conhecidos como
Encarnações de Deus, nascem de tempos em tempos para destruir essa ilusão, vivendo
uma vida centrada no espírito, ao invés de centrada no corpo. Esse é o ensinamento
dos Vedas e dos Sastras.
8. De qualquer maneira, está claro que o Mestre não via os homens e as coisas do
mundo como vemos - quer dizer, como tendo somente a identidade física. Seu ponto de
vista era o que eles pareciam dos planos de consciência cada vez mais elevados. Era-lhe
impossível ter, como nós, opinião unilateral sobre qualquer objeto do mundo. Por isso não
podíamos compreender suas palavras e idéias, embora pudéssemos compreender as nossas.
Conhecemos um homem, uma vaca ou uma montanha simplesmente como tal. Ele
também via que um homem, uma vaca ou uma montanha eram realmente um homem,
uma vaca ou uma montanha, mas ao mesmo tempo via que o indivisível Existência-
Conhecimento-Bem-Aventurança, causa do universo, brilhava através deles. A única
diferença era que sua manifestação era mais evidente em certas coisas e menos em
outras, devido aos véus mais sutis ou densos do homem, vaca ou montanha. Dizia:
9. "Vejo como se tudo - árvores, plantas, homens, vacas, grama, água e outras
coisas - são somente envoltórios diferentes. São como fronhas. Não viram? Algumas são de
algodão grosseiro tingidas de vermelho, algumas de chita e outras de diferentes
qualidades de fazenda e quanto ao formato, algumas são quadradas, outras circulares. O
universo é também assim. Assim como o algodão é o estofo dos travesseiros, a indivisível
Existência-Conhecimento-Bem-Aventurança mora em todos esses envoltórios - homem,
vaca, grama, água, montanha e o resto. Meus filhos, para mim é como se a Mãe houvesse
Se coberto com agasalhos de diferentes tipos ou Se escondido atrás de várias formas e

162
estivesse no interior, observando. Estava num estado em que o universo parecia assim.
Vendo meu estado, as pessoas não podiam compreendê-lo e vinham me consolar e acalmar.
A mãe de Ramlal e outros começaram a chorar. Ao olhar para eles, via que era a Mãe ali
(mostrando o templo de Kali) que havia vindo e aparecia assim, vestida de várias formas.
Via aquele estranho disfarce e rolava de tanto rir, dizendo: 'Tu Te vestiste de uma maneira
tão encantadora!' Um dia estava sentado meditando na Mãe, no templo de Kali. Não
conseguia de jeito algum trazer a forma da Mãe à minha mente. O que vi então? Ela
parecia a prostituta Ramani, que costumava vir banhar-se no rio e espiava perto do jarro do
culto2. (2 Um jarro, cheio d'água e coberto de galhos verdes juntamente com folhas, flores e um fruta, é invariavelmente colocado diante da imagem). Vi, ri
e disse: 'Tu tiveste desejo, Ó Mãe, de Te tornares Ramani hoje. Isso é muito bom. Aceita
hoje a adoração dessa maneira.' Agindo assim, Ela claramente mostrou que uma
prostituta é Ela também, não há nada mais a não ser Ela. Noutra ocasião quando eu
estava andando pela estrada de Mechhobazar, vi que Ela, lindamente vestida e cheia de
jóias, com tranças e com uma pequena marca no centro da testa, estava na varanda -
fumando um narguilé e atraindo as pessoas à maneira de uma prostituta. Atônito eu
disse: 'Tu estás aqui, Ó Mãe, nessa forma?' Assim falando, saudei-A. Não vemos as coisas
e as pessoas dos mais elevados planos de consciência. Como podemos compreender as
experiências do Mestre?
10. Também, quando o Mestre permanecia no plano normal de consciência do
corpo, como nós, seu intelecto e poder de observação podiam detectar mais coisas e
mergulhar mais profundamente do que nós, pois ele não tinha o menor desejo de
divertimento e prazer. Os objetos que satisfazem nossos desejos, dando-nos prazeres e
divertimentos aparecem em cores brilhantes diante de nossos olhos todo o tempo e os
perseguimos em nossas ações como comer, beber, ver, cheirar e outros. Nossas mentes
rejeitam as coisas e pessoas que não satisfazem nossos desejos, mas são atraídas para
aquelas que assim o fazem. Não temos, portanto, oportunidade de conhecer a natureza das
coisas e pessoas assim negligenciadas. Dessa maneira passamos toda nossa vida tornando ou
tentando tornar nossas, certas coisas ou pessoas. Esta é a razão pela qual as pessoas em
geral diferenciam-se tanto umas das outras, na capacidade de adquirir conhecimento.
Embora todos tenhamos os mesmos sentidos, podemos igualmente aplicá-los em todos os
objetos e adquirir conhecimento igual? Certamente não. É por essa razão que aqueles que
são menos egoístas e têm menos desejos de divertimento do que os outros, podem mais
facilmente adquirir conhecimento de tudo.
11. O poder de observação do Mestre, mesmo no plano normal de consciência,
era muito agudo, o que podemos ver nas ilustrações, metáforas e similares, que
geralmente usava para explicar problemas intrincados.
a. Tomemos por exemplo, a discussão que surgiu um dia, sobre a intrincada
filosofia Sankhya. Falando-nos da origem do universo de Purasha e Prakriti, o Mestre disse:
"Purusha, diz a Sankhya, não faz nada. É Prakriti quem faz tudo. Purusha simplesmente
observa todos os feitos de Prakriti como uma testemunha. Prakriti também não pode fazer
nada independentemente." Tratava-se de uma doutrina bastante abstrata para uma audiência
de escriturários, contadores, estudantes de nível médio e universitário e alguns de
escolaridade mais alta como médicos, advogados e magistrados. Portanto, ao ouvirem as
palavras do Mestre, olharam uns para os outros. Observando-os, o Mestre continuou: "Não
se lembram da casa num dia de casamento? Sentado e fumando um narquilé, o dono dá
ordens e a dona da casa, corre daqui para ali com remendos da cor do açafrão no sari,
supervisando tudo - se isto é feito, se aquilo foi começado e assim por diante. Ao mesmo
tempo cumprimenta todas as senhoras, crianças e outros e também indo a seu marido de
vez em quando, falando-lhe com movimentos da cabeça e mãos: 'Isto foi feito dessa
maneira; aquilo, daquela outra; isto será feito e aquilo não será feito.' O dono fuma,
ouve e dá o consentimento a tudo, dizendo: 'Sim, sim' ao que ela diz, 'É exatamente
assim." Todos riram com as palavras do Mestre e puderam compreender a exposição da
filosofia Sankhya.
b. Mais tarde surgiu o assunto da Vedanta, "Brahman e Seu Poder, Purusha e

163
Prakriti, são idênticos, quer dizer, não são duas entidades separadas mas uma e mesma
coisa, aparecendo ora como Purusha, ora como Prakriti." Vendo que não podíamos
compreender, o Mestre dizia: "Sabem como é? Tomem por exemplo uma serpente, ora
em movimento, ora parada. Quando está imóvel, é comparada a Purusha. Prakriti está
unida a Purusha e tornou-se una com ele e quando a serpente está se movimentando,
Prakriti está, por assim dizer, separada de Purusha e agindo." Agora compreendemos o
ponto filosófico e pensamos: 'Ah! Como não pudemos entender esta coisa simples?'
c. Numa outra ocasião, foi levantada a questão: "Está Isvara preso por Maya como
nós, visto que Maya é Seu Poder e existe n'Ele?" Ouvindo isso, o Mestre disse: "Não, meus
filhos. Embora Maya pertença a Isvara e sempre existe n'Ele, Ele jamais está preso por
ela. Considere este ponto: quem for mordido por uma cobra, morre. O veneno está sempre
na boca da serpente. Ela, contudo, come com a boca e um pouco de veneno deve ser
ingerido com a saliva. Ela, porém, não é afetada pelo veneno e não morre. É exatamente
assim." Todos compreenderam que isso realmente era possível.
Desses exemplos vemos que, quando o Mestre estava no estado normal de
consciência, a natureza verdadeira de qualquer coisa não escapava de sua aguda
observação. Mesmo a natureza exterior não podia manter oculta de seus olhos as
qualidades essenciais, isto para não falar da natureza humana. Não estamos falando,
naturalmente, das mudanças da natureza exterior que podem ser compreendidas apenas
com a ajuda de instrumentos.
12. Um outro ponto que deve ser salientado a esse respeito é que mesmo essas
excepcionais mudanças ou manifestações de natureza externa que normalmente não
chamam a atenção das pessoas, eram sempre motivo da observação da parte do Mestre
quando estava no plano normal de consciência. A Mãe Divina sempre colocou na frente
do Mestre as manifestações fora do comum da natureza, as exceções à regra geral,
como se para imprimir em sua mente a idéia de que todas as manifestações no mundo
originam-se pela vontade de Deus - em outras palavras, que Ele era o controlador direto
das rodas dos destinos de todas as coisas e pessoas no mundo. De alguns
acontecimentos que o Mestre experimentou desde a infância, podemos compreender
suas palavras: "O Senhor das leis pode, à Sua vontade, alterá-las e em seu lugar, fazer
novas."
13. Ficamos encantados ao ler, nos nossos tempos de escola, as descobertas da
moderna física a respeito da eletricidade. Com entusiasmo juvenil, um dia abordamos esse
assunto na presença do Mestre e começamos a conversar sobre ela. Observando a repetição
constante da palavra eletricidade, o Mestre com uma curiosidade infantil, perguntou:
"Bem, de que vocês estão falando? O que significa 'electictic' ?" Não pudemos deixar de
rir de sua pronúncia infantil da palavra inglesa, que era pronunciada de forma estranha
para ele. Depois lhe explicamos as leis gerais da eletricidade. Falamo-lhe também da
utilidade do condutor de raio, que deve ter a altura um pouco maior do que a casa, visto que
o ponto mais elevado é destruído pelo raio e assim por diante. O Mestre ouviu
atentamente todas as nossas palavras e disse: "Mas vi uma pequena choupana ao lado
de uma casa de três andares e o raio, em vez de destruí-la, destruiu a choupana. O que
têm a dizer? Pode uma explicação, sem exceção, ser atribuída a essas ocorrências, meus
filhos? A lei existe pela vontade da Mãe universal e pode ser revertida por Sua vontade."
Tentamos explicar ao Mestre as leis naturais, mas como Mathur Babu, naquele momento,
não conseguimos encontrar uma resposta conveniente. Dissemos ao Mestre que o raio havia
sido atraído para a casa de três andares, mas fulminou a cabana porque seu curso foi
subitamente desviado por alguma causa desconhecida. Continuamos dizendo que embora
possam ser vistas uma ou duas exceções, o raio fulminou os pontos mais elevados, em
centenas de outros lugares, e assim por diante. O Mestre, porém, jamais aceitou a
afirmação de que os acontecimentos da natureza ocorrem segundo leis invioláveis. Dizia:
"Tomem por certo que o raio se comporta em centenas de lugares como vocês estão dizendo,
mas como há algumas exceções, a lei, é claro, perde sua uniformidade."
14. Os botânicos relatam exceções no caso do aparecimento de flores brancas e

164
vermelhas em plantas que produzem uma só dessas cores. Mas como são tão raras, jamais
deparamos com esses casos. Mas reparem o que ocorreu com o Mestre na controvérsia
entre ele e Mathur Babu a propósito de que as leis da natureza não são invariáveis, mas
mudam pela vontade de Deus, o exemplo que o Mestre viu e mostrou a Mathur Babu.
Estamos falando do incidente em que mostrou no mesmo galho de um hibisco, uma flor
vermelha e outra branca.
15. Diz-se que o Mestre viu uma pedra parecendo ter vida3; (3 - Perguntado a esse respeito, o autor disse:
"O Mestre viu uma pedra pular de um lugar para o outro.") viu o cóccix de seu corpo alongar-se um pouco para depois
encolher até seu tamanho natural e encontrou-se com deuses e espíritos. Ouvimos tudo
isso e muito mais da vida do Mestre. A imitação do Ocidente, chegamos à conclusão de que
a natureza, criadora do mundo, é insensível e absolutamente destituída de inteligência.
Ficamos, portanto, satisfeitos em chamar aqueles eventos excepcionais de aberrações e
pensamos que compreendemos todas as leis que regulam a natureza. Mas a opinião do
Mestre era diferente. Sabia que toda a natureza exterior e interior nada mais era do que
o jogo da Mãe universal. Ele considerava todos esses acontecimentos excepcionais como
produtos de Sua vontade. Devido a essa convicção, a mente do Mestre tinha muito mais paz
e felicidade do que a nossa.
16. O Mestre via todas as coisas e pessoas, de dois pontos de vista e então,
chegava a uma determinada conclusão a respeito delas. Não formava qualquer opinião como
nós, somente do plano comum de consciência. Por conseguinte, quando visitava lugares
sagrados e homens santos, levava em consideração seus valores espirituais vistos desses
dois pontos de vista. Era observando dos mais elevados planos de consciência que o Mestre
gostava de um determinado lugar de peregrinação, em outras palavras, o quanto em
termos de potencialidade um certo lugar sagrado tinha para ajudar o homem a elevar-
se àqueles planos. A mente do Mestre, desapegada da visão, paladar e outros objetos
sensórios e sempre pura como a dos deuses, era um maravilhoso detetor e indicador dos
fatos sutis. Quando o Mestre ia a um lugar de peregrinação ou a um templo, a mente
elevava-se a um plano mais alto de consciência e revelava-lhe a presença divina naquele
lugar ou templo. Foi desse plano de consciência que o Mestre viu a Kasi de ouro e pôde
compreender como um Jiva torna-se naquela cidade, livre da escravidão da morte. Foi
nesse mesmo plano que experimentou a presença divina em Vrindavan e a presença
sutil de Sri Gauranga em Navadwip.
17. Sri Chaitanya, diz-se, foi o primeiro a sentir a manifestação da presença divina
em Vrindavan. Antes, os lugares sagrados de peregrinação em Vraja eram quase
desconhecidos. Quando viajou por aqueles lugares, a mente elevou-se a planos de
consciência mais elevados e ele sentiu manifestações divinas de Sri Krishna em certos
lugares onde realmente há muito tempo, o Bhagavan Sri Krishna viveu. A fé que, em
primeiro lugar, imprimiu em relação a esses lugares nas mentes de seus discípulos como
Rupa, Sanatana e outros, foi transmitida por eles para os discípulos, até que veio a ser aceita
por todos os habitantes da Índia. Não teríamos compreendido completamente a descoberta
de Vrindavan por Sri Chaitanya, se não conhecêssemos o poder mental do Mestre de
detectar e compreender corretamente coisas e pessoas dos mais elevados planos de
consciência. Apesar disso, como nossa fé nesses fatos tem sido pequena!
18. Hriday, sobrinho do Mestre, pertencia ao vilarejo de Sihar, não longe de
Kamarpukur. O Mestre ali passou algum tempo antes de voltar a Dakshineswar. Estava
presente quando houve uma altercação sobre alguns negócios entre o irmão mais novo de
Hriday, Rajaram, e outro aldeão. De palavras, passaram para golpes e aconteceu de
Rajaram encontrar um narguilé ao alcance da mão e bater na cabeça do aldeão com
ele. O homem, machucado, processou Rajaram por agressão. Como isto ocorreu na
presença do Mestre e como o homem sabia que ele era honesto, e veraz, citou-o como
testemunha. O Mestre, portanto, teve de ir a Vana-Vishnupur para servir de
testemunha. Antes de chegar, repreendeu muito Rajaram por ter ficado cego pela raiva
e chegando ao local, disse-lhe novamente: "Chegue a um acordo no caso dando ao
queixoso dinheiro; senão a demanda será contra você. Não posso de maneira alguma

165
dizer uma mentira. Assim que for arguido, simplesmente direi o que vi e de que tomei
conhecimento." Rajaram ficou amedrontado e foi tratar de fazer um acordo. O Mestre
aproveitou a oportunidade para sair e ver a cidade de Vana-Vishnupur.
19. No passado essa cidade havia sido bastante próspera, o que é provado pela
existência de grandes reservatórios como Lalbandh, Krishnabandh e outros, de muitos
templos antigos, tanto em ruínas como ainda sobreviventes e de outros edifícios dilapidados.
Havia diversos sinais de ter sido uma próspera cidade residencial - amplas estradas bem
conservadas, diversos bazares e lojas frequentadas por muitas pessoas, numerosos bairros
residenciais bons e um constante fluxo de pessoas vindo e indo, relacionadas com
comércio e negócios.
20. Os príncipes de Vishnupur, no passado muito poderosos, eram grandes patronos
da religião e da erudição. A cidade já fora famosa no passado pelo cultivo da música. A
família principesca tornou-se seguidora do culto vaishnava logo após a morte de Rupa,
Sanatana e outros companheiros de Sri Chaitanya. A imagem de Sri Madanamohan,
instalada em Baghbazar, Calcutá, inicialmente pertenceu aos príncipes dessa cidade. Certa
vez Gokul Chandra Mitra emprestou uma grande quantia de dinheiro ao príncipe de
Vishnupur. Quando a época do pagamento chegou, Mitra foi à justiça e recebeu em vez do
dinheiro, a imagem de Madanamohan, que exercia uma grande atração sobre ele. Além de
Sri Madanamohan havia uma imagem muito antiga chamada Mrinmayi, instalada pelos
príncipes. Dizia-se que a deusa Mrinmayi, era uma presença viva, uma divindade
'despertada'4, (4 Quer dizer, era uma divindade viva, tendo comunicação com as pessoas de diversos modos e ajudando-as em suas dificuldades)
como eles A chamavam. Uma vez, quando a casa do príncipe passou por tempos ruins, a
imagem foi quebrada por uma louca. A família instalou uma nova imagem em seu lugar.
Depois de visitar os outros templos, o Mestre foi adorar Mrinmayi. No caminho,
entrou em êxtase e viu somente o rosto de Mrinmayi. Ao chegar ao templo viu a imagem
recém-instalada e verificou que não era semelhante àquela que vira em êxtase. Não pôde
compreender a razão dessa disparidade. Indagando, soube depois que a nova imagem era
realmente diferente da antiga. Ao fazer a nova, o ceramista moldara o rosto de uma
maneira diferente para mostrar seu talento. A cabeça quebrada da velha imagem fora
cuidadosamente guardada por um Brahmana em sua casa. Pouco tempo depois esse devoto
Brahmana mandou fazer outra imagem para essa cabeça e instalou-a num lindo lugar
perto do lago Lalbandh, fazendo culto diário e outros serviços.
21. O Mestre amava o reverenciado Swami Brahmananda como se fosse seu
próprio filho. Um dia o Swami estava na parte norte da longa varanda leste do aposento
do Mestre, conversando com ele sobre diversos assuntos. Viu uma carruagem puxada por
dois cavalos que vinha em direção ao portão do jardim. Era uma pequena carruagem
aberta e dentro dela estavam alguns senhores. Mal ele a viu, soube que pertencia a um
homem rico e conhecido de Calcutá. Como muitas pessoas de Calcutá vinham vê-lo, o
Mestre não ficou admirado com esta visita.
Mas assim que seus olhos caíram na carruagem, recuou de medo e correu
rapidamente para o quarto, onde sentou-se. Surpreso ao ver a atitude do Mestre, Swami
Brahmananda também seguiu-o até o aposento. Mal o viu disse: "Vá, vá. Se querem vir
aqui, diga-lhes que não posso atendê-los agora." Assim encarregado pelo Mestre, saiu
novamente. No meio tempo os recém-chegados aproximaram-se e perguntaram: "Há um
Sadhu morando aqui?" Swami Brahmananda respondeu: "Os senhores foram mal
informados. Ele jamais dá remédios a alguém. Devem ter ouvido falar de Brahmachari
Durgananda. Trata-se da pessoa certa para esses assuntos. Está aqui numa cabana no
Panchavati, onde os senhores o encontrarão."
Quando os recém-chegados foram embora, o Mestre disse ao Swami
Brahmananda: "Vi neles um tal poder de Tamas que não consegui olhá-los, quanto mais
conversar. Fugi de medo." Diariamente vimos o Mestre compreender de um alto plano de
consciência a elevada e a baixa manifestação de poder em cada lugar, coisa ou pessoa.
Fomos obrigados a aceitar suas palavras porque verificamos que essas qualidades, boas ou
más percebidas pelo Mestre, realmente existiam.

166
22. Swami Vivekananda, que era generoso, desde a infância e costumava ter
pena da miséria dos outros. Portanto, sempre encorajava os amigos e parentes a
praticarem as boas ações que ele havia feeito. Ou, se ele houvesse sido ajudado por
outras pessoas, pedia a seus benfeitores para dessa mesma maneira, serem bons com
seus amigos. Esse era o hábito do Swami com respeito à educação, religião e todos os
outros assuntos. Na juventude organizou com os colegas, em dias certos, encontros e
associações em diversos lugares, para oração e meditação. Em seus dias escolares, mal
fora apresentado ao Maharshi Devendranath e ao devoto Keshab, líderes do Brahmo
Samaj, levou muitos de seus colegas até esses senhores.
Desde que o Swami tivera o privilégio de encontrar o Mestre e entrar em contato com
seu extraordinário desapego, renúncia e amor a Deus fez, por assim dizer, um voto de levar
e apresentar a ele, os amigos e colegas. Entretanto o Swami não levava qualquer pessoa de
suas relações ao Mestre. Costumava levar a Dakshineswar somente aqueles que, após um
longo relacionamento, sabia que possuía bom caráter e devoção.
23. Desta maneira o Swami levou muitos amigos ao Mestre, mas de vez em quando,
tanto o Mestre como o Swami nos diziam que a percepção interior do Mestre penetrava na
natureza interior deles e chegava a uma conclusão diferente a seu respeito. O Swami dizia:
"Quando eu via que o Mestre não concedia aquele a mesma graça que havia me dado ao
me aceitar e instruir-me sobre assuntos espirituais, costumava pressioná-lo para fazê-lo.
Eu dizia: 'Por que, senhor? Deus jamais pode ser tão parcial a ponto de conceder Sua
graça a alguns e a outros, não. Por que o senhor não os aceita como fez comigo? Não é
verdade que uma pessoa pode alcançar realização espiritual também por esforço próprio,
assim como ela pode tornar-se um erudito ao esforçar-se o suficiente?' O Mestre
respondeu: 'O que posso fazer, meu filho? A Mãe mostra-me que há a atitude mental de
um touro neles. Não podem compreender a espiritualidade nesta vida. O que posso fazer?
O que você pode dizer? Pode alguém tornar-se nesta vida o que deseja ser, por mero
esforço e desejo?' Mas quem prestou atenção às palavras do Mestre? Eu dizia: 'O que o
senhor está falando? Não pode uma pessoa tornar-se o que deseja ser, se ela desejar e
esforçar-se? Certamente que pode. Não posso acreditar no que o senhor diz sobre isso.' A
isso também o Mestre dizia a mesma coisa: 'Quer você acredite ou não, a Mãe mostrou-me
assim.' Naquela época jamais aceitava o que ele dizia: mas à medida que o tempo passava,
cada vez mais compreendia por experiência, que o que o Mestre dizia estava certo e o que
eu pensava estava errado."
24. O Swami disse que foi testando-o e avaliando-o que chegou gradualmente a
acreditar em todas as palavras do Mestre. Tendo ouvido do Swami a respeito do Pandit
Sasadhar Tarkachudamani, o Mestre foi vê-lo no dia do Festival do Carro de 1885. No decorrer
da conversa instruiu-o assim: "Somente aqueles que tiveram poder direto da Mãe do
universo podem realmente tornar-se pregadores da religião; é vã a grandiloqüência
dos chamados pregadores." Pediu um copo de água para beber. Não sabemos se o Mestre
estava com sede e queria água, ou se tinha outro propósito em mente. Porque, em outra
ocasião disse-nos que não era meritório para um chefe de família, se um Sadhu ou um
Sannyasin, um convidado ou um Faquir fosse à sua casa e não tomasse algo. Por
conseguinte, sempre que ia a qualquer casa, pedia algo para comer ou beber, mesmo se o
dono da casa espontaneamente não oferecesse qualquer coisa ou se esquecesse de fazê-lo.
De qualquer maneira, assim que o Mestre pediu água, uma pessoa usando Tilaka, contas
e outros emblemas religiosos no corpo, respeitosamente trouxe um copo de água e deu-o
ao Mestre. Mas quando o Mestre estava a ponto de bebê-la, não pôde fazê-lo. Um outro
homem, que estava a seu lado, viu e jogou fora a água do copo. Enchendo o copo de água
novamente, trouxe o copo para o Mestre. O Mestre bebeu um pouco e despediu-se do
Pandit naquele dia. Todo mundo pensou que havia caído qualquer coisa na primeira água
trazida em primeiro lugar e por essa razão o Mestre não a havia bebido.
O Swami disse que naquela ocasião estava sentado bem perto do Mestre, e
portanto viu que não havia qualquer tipo de sujeira na água; contudo o Mestre havia se
recusado a bebê-la. Refletindo sobre a causa provável, o Swami pensou que o copo d'água

167
estivesse poluído por 'impureza de contato'. Havia ouvido do Mestre que era impossível
sua mão tomar qualquer comida ou bebida trazida por alguém em que prevalecia a mente
mundana, que ganhava dinheiro de forma desonesta, enganando, roubando ou fazendo mal
aos outros de algum modo e que externamente tomava o disfarce de religião como um
simples truque para satisfazer a luxúria e a ganância. Ouviu-o também dizer que podia
conhecer a natureza dessas pessoas intuitivamente e que a mão contraía se comesse algo
oferecido por estas pessoas.
O Swami dizia que logo que aquele pensamento lhe veio à mente, resolveu
conhecer a verdade. Assim, embora o próprio Mestre naquela ocasião lhe tenha pedido para
acompanhá-lo em sua viagem de volta, o Swami ajudou-o a subir na carruagem, mas disse-
lhe que não podia ir com ele porque um negócio o detinha ali. Como o Swami conhecia o
irmão mais novo do homem com emblemas religiosos, chamou-o para um lugar solitário,
quando o Mestre foi embora e começou a fazer-lhe perguntas sobre o caráter do irmão mais
velho. Assim questionado, a princípio hesitou, mas mais tarde disse: "Como posso falar do
mau caráter de meu irmão mais velho?" O Swami disse: "Pude compreender a verdade
disso. Mais tarde perguntei a outra pessoa e vim a saber de tudo. Livre de dúvida,
comecei a pensar como o Mestre podia conhecer a mente das pessoas."
25. Para podermos compreender como, mesmo no plano normal de consciência, o
Mestre detectava as qualidades de todas as coisas, boas e más, temos que estudar sua
constituição mental, que o permitia julgar tudo e chegar a conclusões corretas sobre elas.
Como a mente do Mestre não estava apegada a qualquer objeto do mundo, podia
imediatamente unir-se ou separar-se de qualquer coisa que quisesse aceitar ou rejeitar.
Quando rejeitava qualquer coisa como indesejável, não mais lançava sequer um olhar
naquele objeto renunciado. Assim também, a extraordinária firmeza do Mestre, seu
maravilhoso poder de discriminação e atenção davam-lhe completo controle da mente,
mantendo-a firme ao longo do tempo, sobre qualquer objeto sem permitir que ele
pensasse em outra coisa. Assim, uma parte da mente estava pronta para aceitar ou
rejeitar qualquer coisa, a outra perguntava imediatamente: "Por que você vai agir
assim?" Se obtivesse uma resposta razoável a esta pergunta, dizia: "Está muito bem.
Sem dúvida, faça-a." Assim que chegava a essa conclusão, a outra parte da mente
imediatamente dizia: "Agarre-a firmemente; jamais aja de maneira contrária, quer esteja
comendo ou descansando, no estado de vigília ou de sonho." A mente aceitava e passava
a agir de acordo. A firmeza punha-se de guarda e cuidadosamente esmiuçava o
comportamento da mente a esse respeito. Se mesmo por engano começasse a agir contra
aquela decisão, o Mestre sentia como se alguém dentro dele atasse seus sentidos e não lhe
permitisse agir daquela maneira. Compreenderemos essas palavras ao estudarmos o
comportamento do Mestre ao longo da vida em relação a todas as coisas e pessoas.
26. Agora observemos como o menino Gadadhar, que havia ido à escola somente
alguns dias, disse imediatamente: "Não quero aquela 'arte' que ensina uma pessoa 'a
enfeixar arroz e plantano'. Não vou aprendê-la." Pensando que seu irmão mais novo iria
perder-se, o irmão mais velho do Mestre, Ramkumar, tentou persuadi-lo a adquirir
conhecimento sob sua supervisão direta, em sua Chatushpathi, Calcutá, mas não pôde
mudar a opinião do Mestre, formada desde a tenra infância de que a educação tinha como
meta exclusiva ganhar o pão. O Mestre percebeu que mesmo abrindo um Chatushpathi e
ensinando, seu irmão não conseguia manter a família. O Mestre pensou que era melhor
para o irmão mais velho, embora sendo pandit de conduta virtuosa, ser nomeado sacerdote
no templo da Rani Rasmani, a ganhar dinheiro bajulando os ricos, daí aprovar a escolha do
irmão.
27. Durante a Sadhana ao sentar-se para meditação, sentia que as juntas eram
automaticamente fechadas a cadeado com sons rápidos e agudos, como se alguém em
seu interior as estivesse apertando a fim de mantê-lo sentado durante muito tempo na
mesma postura, de pernas cruzadas. Enquanto a pessoa, em seu interior, não as abrisse,
o Mestre não podia, mesmo que tentasse, virar-se, mover-se ou usar as juntas das mãos,
pernas, pescoço, cintura e outras partes do corpo à vontade. Ou então, via uma pessoa com

168
um tridente na mão, sentado a seu lado dizendo: "Se pensar em outra coisa que não seja
Deus, vou perfurar seu peito com esse tridente." Mandado durante a adoração a considerar-
se identificado com a Mãe do universo, começou a fazê-lo; mas quando não se identificou e
ia oferecer hibiscos e folhas de Vilva a Seus pés de lótus, alguém, por assim dizer, fez
suas mãos virarem e empurrou-as para sua própria cabeça.
28. Também, logo que foi iniciado em Sannyasa, a mente continuou a ver o Uno
Brahman não-dual em todos os seres. Dali em diante quando queria oferecer oblações de
água a seus antepassados (Tarpana), como era sua obrigação, a mão tornava-se
enrijecida; não podia apanhar a água a ser oferecida na palma da mão. A força que agia
dentro de si, mostrou-lhe que havia tornado Sannyasa e renunciado a todos os rituais
védicos.
29. Muitos exemplos podem ser dados para provar que o desapego, discriminação,
concentração e firmeza da mente lhe eram naturais. Como essas experiências do Mestre
eram exatamente iguais àquelas relatadas nas escrituras, fica provado que o que está
escrito nas escrituras é verdadeiro. Swami Vivekananda disse: "É por isso que o Mestre veio
dessa vez fazer o papel de uma pessoa iletrada cuja única ajuda era seu gênio espiritual.
Permaneceu iletrado porque queria mostrar que os estados espirituais relatados nos Vedas
e Vedanta dos hindus e nos livros religiosos de outros povos são verdadeiros e que um
homem pode realizar aqueles estados se trilhar os caminhos indicados."
30. Ao se observar a mente do Mestre, vemos que atingir o plano Nirvikalpa de
consciência e realizar o Ser não-dual é a experiência suprema da vida humana. A esse
respeito, o Mestre também dizia: "Aí todos os chacais uivam da mesma maneira." Queria
dizer que, da mesma maneira como todos os chacais uivam, assim, todos que atingiram o
plano Nirvikalpa disseram a mesma coisa a respeito de Deus, a causa do universo, visto
daquele plano. Sobre Sri Chaitanya, a Encarnação do Amor, o Mestre dizia: "Assim como os
colmilhos externos de um elefante são para atacar os inimigos e os que não aparecem são
para mastigar a comida, no caso do grande Senhor, o dualismo era uma atitude externa e o
não-dualismo uma interna." O conhecimento não-dual era o modelo pelo qual o Mestre
julgava tudo. O grau em que as idéias, atos ou cerimônias ajudavam os indivíduos (ou
sociedades, agregados de pessoas) a atingirem aquele plano, nesse grau o Mestre
considerava aquelas idéias etc., maiores do que as outras.
31. Quando estudamos as visões do Mestre, encontramos uma diferença, quer
dizer, algumas são exclusivamente pessoais enquanto outras são percebidas tambérn pelas
pessoas. As experiências subjetivas, guardadas dentro de si mesmo, eram formadas pêlos
seus pensamentos, solidificadas e personificadas, por assim dizer, pela prática firme e
constante e que se manifestavam nele naquelas formas e eram percebidas exclusivamente
por ele. Outras eram vistas por ele, à medida que atravessava planos cada vez mais
elevados, até que ele ficava no limiar do plano Nirvikalpa ou quando morava em
Bhavamukha. Essas visões, embora desconhecidas por outras pessoas na ocasião, eram para
ele realmente existentes e falou que aconteceriam agora ou no futuro, e todos realmente
as constataram como verdadeiros fatos e acontecimentos. Para certificar-se de que esse
último tipo de visão era verdadeiro, uma pessoa tinha que ser dotada, como ele, de fé,
reverência, firmeza e outras virtudes; ou então, elevar-se àquele plano no qual o Mestre
teve tais visões.
32. Do que já dissemos sobre a natureza da mente do Mestre, podemos compreender
que ela não podia permanecer inativa nem mesmo no estado normal de consciência porque
não podia ficar satisfeita enquanto não tivesse estudado a natureza e o comportamento
daquelas coisas e pessoas com as quais entrava em contato e chegado a conclusões
confiáveis a respeito delas. Na infância percebeu que os eruditos estudavam as escrituras
com o objetivo de ganhar dinheiro, o que o levou a não querer estudar tudo o que lhe
ensinasse a "enfeixar arroz e plantano", como ironicamente dizia. À medida que avançava em
idade, entrou em contato com várias pessoas em diversos lugares e chegou a várias
conclusões a seu respeito.
33. As desavenças entre os Shaktas e os Vaishnavas de Bengala, surgidas por

169
ocasião da morte de Sri Chaitanya, continuaram crescendo. Embora alguns raros Sadhakas
como Ramprasad e outros realizaram, com ajuda de sua Sadhana, a unidade de Kali e
Krishna e pregavam que desavença era errada e descabida, a maioria das pessoas em vez de
darem atenção às palavras de sabedoria, deixaram-se levar pelo ódio. Desde a infância, o
Mestre conhecia esse fato. Também, dedicando-se às disciplinas prescritas nas escrituras
dessas seitas e tendo alcançado perfeição em ambas, realizou que as duas eram
verdadeiras. Compreendeu que a causa do ódio entre Shaktas e Vaishnavas eram vaidade
e egoísmo, oriundos da falta de espiritualidade.
34. O pai do Mestre, adorador de Sri Ramachandra, conseguiu o emblema de pedra
chamado Raghuvir e instalou-o em sua casa. Embora o Mestre tenha nascido numa
família Vaishnava, é evidente, desde a infância, que possuía igual amor por Shiva e Vishnu.
Seus vizinhos ainda hoje dizem que certa vez em sua infância, vestiu-se de Shiva e
permaneceu em êxtase por algumas horas naquele estado e apresentam como prova, o
lugar em que ocorreu esse fato. Outra vez o Mestre mandou que cada pessoa de sua casa
fosse iniciado tanto nos Mantras de Vishnu como nos de Shakti. Cremos que o Mestre agiu
assim para pôr fim ao ódio entre elas.
35. Sabe-se que Asoka, o Grande, o "homem do Dharma", resolveu disseminar a
religião e a erudição, para o bem da humanidade. Construiu hospitais para pessoas e
animais em diversas partes da Índia e tornou acessível a todos as plantas, trepadeiras e
ervas medicinais. Além disso, através dos monges budistas, enviou remédios e ervas
medicinais para países estrangeiros. É talvez desde essa época que os Sadhus começaram a
fazer remédios. Esse costume cresceu no período tântrico. Vendo a degradação espiritual
dos Sadhus devido àquele costume, os autores dos Smritis, no período seguinte,
começaram a condenar o hábito mas aquele costume não morreu, nem mesmo
atualmente, na Índia conservadora. Durante sua estada em Dakshineswar e viagens aos
lugares sagrados, o Mestre viu muitos monges apegados ao mundanismo devido a esse
interesse. Dessa maneira o Mestre convenceu-se da falta de espiritualidade também entre
os monges, porque às vezes, nos dizia: "Jamais acreditem em Sadhus que prescrevem e
administram remédios, que praticam exorcismo, que recebem dinheiro e usam marcas
externas de religião tais como Tilakas e calçam somente sandálias de madeira etc. A maior
parte dessas coisas é para que aparentem ser grandes sadhus. Os sinais religiosos servem
de fachada."
36. Não queremos dizer, contudo que vendo os monges hipócritas e decaídos, o
Mestre, como algumas pessoas ocidentalizadas, achava que as comunidades monásticas
deveriam ser abolidas. Sobre esse assunto dizia-nos de vez em quando: "Mesmo um
monge comum, com roupa religiosa, vivendo de esmolas (Bhiksha) deve ser considerado
uma pessoa mais elevada do que um bom chefe de família, porque, embora não pratique
Yoga ou outros exercícios espirituais, se possuir um bom caráter e viver toda sua vida de
esmolas, foi nessa vida, muito além no caminho da renúncia do que um chefe de família
comum." Estas palavras do Mestre são muitos dos exemplos que ilustram o fato de que
para ele, a renúncia de tudo, para a realização de Deus era a medida do caráter de um
homem.
37. Já demos muitos exemplos de que austeros e dedicados Sadhus,
independentemente de sua comunidade, quer seguissem o caminho da devoção ou do
conhecimento, eram muito reverenciados pelo Mestre. A luz da Sanatana Dharma, a
eterna religião da Índia, tem sido mantida queimando pela realização dessas grandes
almas. Estão entre elas aquelas que realizaram Deus e libertaram-se dos grilhões de
Maya, que demonstraram e mantiveram a autoridade dos Vedas e outras escrituras
como repositórios das verdades espirituais. Todos os filósofos deste país, incluindo os
racionalistas como os Vaiseshikas, disseram unanimemente que os Vedas foram
revelados somente para os Aptas (aqueles que atingiram a verdade). Não é de se
admirar que o Mestre, possuidor de uma profunda visão interior, conhecesse esse fato e
os reverenciasse.
38. Embora o Mestre considerasse os Sadhus sinceros e austeros com simpatia e

170
respeito, e sempre desfrutava de sua companhia, encontrava neles falta de algo, que por
diversas ocasiões deu-lhe grande tristeza. Via que não se relacionavam da mesma
maneira com todas as comunidades. Reparava essa estreiteza mental mesmo entre
aspirantes avançados, os sannyasins que trilhavam o caminho da não-dualidade, isso para
não falar daqueles que estavam no caminho da devoção. Mesmo bem antes de alcançar o
plano não-dual, aprendem a rejeitar as pessoas de todos os outros caminhos como inferiores
no conhecimento espiritual ou, na melhor das hipóteses, a vê-las com condescendência. O
Mestre ficava penalizado ao ver aquela intolerância mútua entre pessoas que se dirigiam
para a mesma meta e via que isto era devido à ausência de uma verdadeira
espiritualidade.
39. Quando estava no templo de Kali em Dakshineswar, o Mestre tinha diariamente
prova da falta de espiritualidade entre os chefes de família e os monges. Ao viajar pelos
lugares sagrados e templos, viu que esses problemas não eram menores, mas ainda, mais
fortes ali. A briga entre os Brahmanas ao receberem presentes de Mathur; a conduta
inconveniente dos sadhakas tântricos em Kasi, devido à bebida excessiva depois da adoração
da Mãe Divina, presenciada pelo Mestre; o esforço estrêmo por nome e fama dos Dandies
(Swamis carregando bastões como insígnias) e em Vrindavan, as vidas dos Babas
vaishnavas entre mulheres, sob o pretexto de praticarem Sadhana - tudo isso e muito mais
foram fatos que se revelaram em sua verdadeira cor à percepção interior do Mestre e
ajudaram-no a compreender o verdadeiro estado da sociedade e do país. A simples
observação desses fatos não o teriam ajudado muito a esse respeito, se ele próprio não
tivesse tido a realização da profunda Verdade não-dual. Como já havia realizado aquela
Verdade, o objetivo supremo da vida individual e social estava firmemente fixado na mente
do Mestre. Era-lhe, portanto, fácil examinar e compreender todas as coisas testando-as por
meio daquela realização. Esse estudo e experiência dos acontecimentos quotidianos da vida
individual e social enquanto estava no plano normal de consciência, ajudava-o a
determinar o valor de tudo que afeta a vida do homem. Dessa maneira podia saber com
exatidão o objetivo para o qual o verdadeiro progresso, civilização, moralidade, educação,
amor a Deus, apego aos costumes, Yoga, Karma e outras forças propulsoras estavam
dominando o homem ou para onde o conduziriam quando atingisse o estado totalmente
desenvolvido. Reflitam, como ele poderia compreender o progresso feito por um Sadhu se
não soubesse o que era a verdadeira santidade? Como poderia o Mestre pedir que as
pessoas fizessem peregrinações e aí adorassem as imagens, se não tivesse a certeza de
que a espiritualidade estava consolidada e depositada nos lugares sagrados e nas imagens
das Divindades? Ou como poderia compreender que a intolerância de todas as diversas
religiões era errada, se não conhecesse a direção que elas estavam tomando e o objetivo
para o qual as estava conduzindo? Nossa experiência diária leva-nos a um grande número
de seitas, sadhus, peregrinações, imagens de divindades etc., e o eco das discussões
tumultuadas sobre os clamores de diversas religiões e significados das passagens das
escrituras chegam a nossos ouvidos. No meio dessas experiências conflitantes, às vezes
pensamos que uma doutrina está certa e às vezes, que é uma outra, isto porque somos
tentados a empreender discussões. Assim também, tentando determinar o objetivo da
humanidade pelo estudo e observação dos acontecimentos diários do mundo prosaico, às
vezes consideramos uma coisa o objetivo, às vezes outra e não conseguindo chegar a uma
conclusão definitiva, continuamos oscilando e vacilando e, como acontece com frequência,
tornarmo-nos no final ateus e olhamos os prazeres mundanos como a verdadeira meta da
vida. Que ajuda obtemos dessa nossa experiência, dessas nossas conclusões sempre
cambiantes? É certo que sem a ajuda de grandes almas ou instrutores do mundo, nossas
mentes não desenvolvidas jamais podem compreender mesmo em cem vidas, o que o Mestre
pôde detectar e compreender imediatamente em virtude da maravilhosa natureza de sua
mente. Deduzimos de cada ato e do comportamento do Mestre que diferença há entre sua
mente e a nossa, embora as mentes possam parecer semelhantes. As escrituras
devocionais, portanto, afirmaram que a mente de uma Encarnação de Deus é feita de um
material completamente diferente, de pura Sattvaguna (material de luminosidade e

171
conhecimento) intocado por Rajas e Tamas.
40. Assim, observando a partir dos planos divino e normal de consciência, o Mestre
veio a ter uma compreensão íntima da atual falta de espiritualidade no país e da
intolerância que prevalecia entre as religiões, devido a seu contato com as pessoas de
Dakshineswar e durante as visitas aos lugares sagrados. Mergulhou profundamente e
descobriu que embora todas as religiões fossem igualmente verdadeiras e ajudassem os
homens de naturezas diferentes a alcançarem no final, o mesmo objetivo através de
diferentes caminhos, os instrutores anteriores ou ignoravam essa verdade da unidade de
todas as religiões a respeito da meta final, ou intencionalmente abstinham-se de pregá-la por
considerarem que o lugar, a época e as pessoas não estavam preparadas para tal
ensinamento. Além disso, tornou-se claro para ele que essa atitude, livre do mais leve traço
de ódio, era algo totalmente novo no mundo. Originou-se nele e ele devia dá-lo ao mundo.
41. Agora muitos de nós compreenderam que essa doutrina mais liberal, quer
dizer: "Todas as crenças são verdadeiras; tantas crenças, tantos caminhos", que
encantou o mundo, saiu primeiro da boca do Mestre. Algumas pessoas podem objetar e
dizer que uma manifestação daquele princípio liberal foi observada em alguns Rishis e
instrutores religiosos do passado. Quando, contudo, olha-se um pouco abaixo da
superfície, compreende-se que aqueles instrutores selecionaram algumas partes
daquelas crenças e fizeram uma amálgama do que consideravam essencial. Ao contrário
dos instrutores do passado, o Mestre nada excluiu de qualquer crença. Praticou com igual
entusiasmo igual todas elas, alcançou o objetivo que elas indicavam e realizou aquela
verdade profunda. Não é, contudo, nossa intenção discutir aqui este assunto em
detalhe. O único ponto que desejamos mostrar ao leitor, é que temos prova da existência
desse princípio liberal na vida do Mestre, desde sua infância. Mas enquanto não
regressou de suas peregrinações aos lugares sagrados, o Mestre não foi capaz de com-
preender com certeza que foi somente ele quem experimentou aquele liberalismo no
mundo espiritual e que, embora os videntes do passado, instrutores e Encarnações de
Deus tenham pregado como atingir a meta por determinados caminhos, nenhum deles,
até então, havia postulado que a mesma meta poderia ser alcançada através de
diferentes caminhos. Apesar de ter feito por ocasião de sua Sadhana um oferecimento,
do fundo de seu coração, de todos os desejos aos pés de lótus da Mãe Divina e ter
decidido morar para sempre no plano da consciência não-dual, sem jamais voltar ao
domínio de Maya, a Mãe Divina, contudo, não permitiu tal coisa. Através de meios
inescrutáveis, Ela preservou seu corpo de destruição quando ele estava inconsciente
dele. O Mestre sabia que assim fora ordenado com um único propósito - o de remover
a intolerância, na medida do possível. Além disso sabia que o mundo ansiava por essa
verdade extremamente benéfica. Tentaremos aqui contar ao leitor como ele chegou a
essa conclusão.
42. Desde a infância o Mestre teve a convicção de que a verdadeira religião
consistia em prática e não, em palavras. Também, de vez em quando sentiu durante sua
Sadhana e depois de ter realizado a perfeição, que os poderes adquiridos por uma longa
prática, poderiam realmente ser transmitido aos outros. Em diversas ocasiões o Mestre
teve prova de que a Mãe Divina havia abundantemente acumulado aquele poder nele.
Utilizava esse poder como instrumento para doar Sua graça em determinadas pessoas,
como Mathur e outros. Consequentemente, até então o Mestre estava convencido de que
aquele poder estava destinado somente à doação da graça da Mãe a algumas pessoas
abençoadas, tornando seu corpo e mente instrumentos para tal. Não podia compreender
como e quando Ela concederia Sua graça, nem a mente do Mestre, que era dependente
d'Ela como uma criança de Sua mãe, fazia qualquer esforço para compreender. Jamais,
porém, a idéia de disseminar a mensagem espiritual por todo o mundo, inundando-o
com a onda de espiritualidade - passara por sua cabeça, mesmo em sonhos. Agora,
contudo, começou a sentir, no fundo do seu coração, que a Mãe Divina já havia
começado Seu jogo divino através de seu corpo e mente. Embora assim sentisse, não
conhecia os meios a serem utilizados, o que a Mãe Divina o faria fazer ou aonde Ela o

172
levaria para tal empreendimento. Era, porém, para sempre, o filho da Divina Mãe e sabia
apenas isso: "A Mãe é minha e eu sou da Mãe." Não tinha qualquer desejo exceto o da
Mãe. Apenas um desejo pode provavelmente ser chamado seu - o desejo de conhecer a
Mãe em diferentes formas através de diversos caminhos. A Própria Mãe, entretanto,
anteriormente tornara-lhe claro que havia sido Ela quem fizera surgir aquele desejo em
sua mente. Por conseguinte, quando essa nova experiência a respeito de uma missão
espiritual ocorreu-lhe, o filho da Divina Mãe que ele era, procurou ajuda somente n'Ela,
numa atitude de dependência absoluta e a Mãe continuou a jogar com ele, como antes.
43. De seu desejo de passar o resto de sua vida em Vrindavan na absorção do
amor divino em companhia de Gangamata, compreendemos que embora tivesse idéia
de uma missão espiritual, não tinha a menor intenção de o ser, como os Gurus e profetas
comuns, que assumem esse papel sob a influência da vaidade. Não podemos compreender,
nem um pouco a atitude do Mestre durante toda sua vida: "A Mãe faz Seu próprio trabalho.
Quem sou eu para trabalhar para o mundo e ensinar a humanidade?" Foi essa atitude,
contudo, que fez dele o maravilhoso instrumento do trabalho da Mãe Divina. Foi esta
atitude que lhe tornou possível permanecer constantemente em Bhavamukha. Foi
precisamente essa atitude que permitiu a maravilhosa manifestação do estado de Guru
em sua mente - ou melhor, que o tornou verdadeiramente a personificação desse
estado. Por longo tempo o Mestre costumava perder-se quando aquele Poder surgia em si
e podia detectar e compreender o que acontecia através do corpo e da mente, somente
depois que o trabalho tivesse sido completado. Mas agora corpo e mente acostumaram-
se manifestar aquele Poder de forma contínua, de maneira fácil e natural e ficou o tempo
todo estabelecido, na posição de um verdadeiro instrutor espiritual. Antes disso o estado
mental normal do Mestre era o de um humilde aspirante ou de uma criança. Permanecia
muito mais tempo naquele estado e as manifestações do Poder como Guru eram poucas e
ocorriam em grandes intervalos. Mas agora acontecia exatamente o oposto; permanecia
muito mais tempo no estado de Guru e a atitude de um humilde aspirante ou de uma
criança eram correspondentemente mais breves.
44. Era totalmente impossível para o Mestre assumir por vaidade a posição de um
instrutor espiritual. Por repetidas vezes tivemos a prova disso nas "brigas" infantis do
Mestre, em Bhavamukha, com a Mãe Divina. Atraídas pelas manifestações de espiritualidade
no Mestre, grandes multidões reuniam-se em Dakshineswar, como enxames de abelhas
atraídas pelo perfume de um lótus de mil pétalas totalmente aberto. Naquelas ocasiões
quando um dia fomos ver o Mestre, o encontramos conversando com a Mãe Divina, no
estado de Bhavamukha. Dizia: "O que Tu estás fazendo? Devias trazer multidões de
pessoas assim? Não tenho tempo de tomar banho ou comer!" Isso aconteceu no estágio
inicial de sua doença fatal e o Mestre sofria muita dor na garganta. Dizia então, referindo-se
à condição do corpo: "Não é nada, trata-se apenas de um tambor quebrado. Se for muito
tocado, qualquer dia fura. O que Tu farás então?"
45. Outra dia estávamos sentados junto dele, em Dakshineswar. Era o mês
de outubro de 1884. As notícias sobre a doença da mãe de Pratap haviam chegado e o
Mestre o havia persuadido a ir para casa, servir a mãe. Também naquela ocasião
estávamos presentes. Nesse dia soube-se que Pratap fora a Vaidyanath ao invés de ir
para casa. O Mestre ficou aborrecido. Depois de uma pequena conversa sobre alguns
assuntos, o Mestre pediu para cantarmos e entrou em êxtase logo depois. Nesta ocasião,
também em êxtase, o Mestre começou a brigar com a Mãe do Universo, como um menino
pequeno. Dizia: "Por que Tu trazes aqui tais pessoas sem valor e teimosas? (Após um
momento de silêncio). Não posso fazer tanto. Deixa pelo menos um quarto de medida de
água para uma de leite; mas não é assim; há cinco medidas de água para uma de leite;
os olhos estão queimando com fumaça enquanto jogo combustível no fogo. Se Tu queres,
lida pessoalmente com elas; não aguento com tanto combustível no fogo. Não tragas mais
tais pessoas para cá." Tomados de medo e espanto, permanecemos quietos, cogitando a
quem o Mestre se referia em sua conversa com a Mãe Divina e quão infeliz era aquela
pessoa. Essas brigas que ocorriam diariamente entre Ela e o Mestre, mostraram que o

173
Mestre pedia à Mãe todos os dias para destituí-lo da posição de instrutor, que considerava
sem valor, apesar de ser desejada, pelas honras que confere.
46. Assim a Mãe universal, a Vontade Divina, em Seu jogo inescrutável, fez o Mestre
ter experiências extraordinárias, ao longo de sua vida. Ela dotou-o de idéias espirituais
altamente elevadas, como jamais havia feito anteriormente com qualquer outro grande
instrutor. Mostrou-lhe, também, quanto poder espiritual Ela havia acumulado nele e o
quanto isto era uma bênção para a humanidade. Tornou-o um maravilhoso instrumento
para transmitir aquele poder aos outros. O Mestre estava admirado de ver a absoluta falta
de espiritualidade no mundo e pela graça da Mãe o acúmulo de poder dentro dele, para
remover essa falta. Não podia deixar de compreender que nessa época, a Mãe uma vez mais
havia ido ao campo de batalha para matar o demônio indomável Raktabija, o demônio da
ilusão produzida pela ignorância, a fim de que as pessoas pudessem novamente ser
abençoadas com Sua compaixão e, com alegria e gratidão, cantarem-Lhe aleluia. Assim como
o excesso de calor gera as nuvens, o declínio é seguido pelo apogeu, e a prosperidade vem
no rastro da adversidade, assim, os erros incontáveis das pessoas são perdoados pela
infinita compaixão da Mãe Divina, na pessoa do Guru, que vive e se move entre os
homens. A Mãe do universo tornou isso claro para o Mestre por Sua graça. Mostrou-lhe
também que aquele Seu jogo já havia sido anteriormente feito com o Mestre diversas
vezes em outras épocas e que seria jogado novamente muitas vezes no futuro. Ele não
teria liberação como as pessoas comuns. Era "um oficial executivo que tinha que se apressar
para cumprir ordens sempre que houvesse um rompimento de paz no vasto império da
Mãe Divina." Das palavras do Mestre compreende-se que tudo isso foi realizado por ele
nessa época e não antes.
47. Desde que compreendera que, para o bem da humanidade, a Própria Mãe havia,
por Sua graça, produzido em sua mente a crença, 'tantas fés, tantos caminhos', o Mestre
passou a preocupar-se com outro assunto. Tornou-se ansioso para conhecer quais seriam as
pessoas abençoadas que iriam aceitar a nova doutrina da Mãe, e que moldariam suas
próprias vidas de acordo, e que, recebendo poder d'Ela, seriam escolhidos para serem Seus
companheiros na propagação daquela doutrina na época moderna, trazendo felicidade a
muitos seres. Num dos capítulos iniciais, referimo-nos à visão que o Mestre tivera em
êxtase desses futuros devotos (cf.III.7.33). Devido ao inescrutável jogo da Mãe Universal,
seus rostos, vistos anteriormente, assumiram agora formas vivas, na mente do Mestre, que
até então não estivera apegado a nada no mundo. A mente extraordinária do Sannyasin
agora passava os dias, como ele contou-nos muitas vezes mais tarde, refletindo sobre
assuntos como: quantos seriam, quando a Mãe os levaria para lá, quais dentre eles
executariam o trabalho especial da Mãe, se a Mãe os faria renunciar ao mundo como ele ou
os manteria como chefes de família, se dentre os recém-chegados haveria completo e
correto entendimento daquele jogo da Mãe Divina ou se teriam apenas o conhecimento
parcial durante a vida. Porque até então, somente poucos haviam tido um pequeno
entendimento desse Seu extraordinário jogo. Dizia: "Passei então a ter uma ânsia
indescritível de ver vocês todos. A alma estava sendo torcida como uma toalha molhada, por
assim dizer e sentia-me desassossegado pela dor. Sentia-me como chorando, o que não
podia fazer, e de qualquer maneira consegui controlar-me. Quando o dia terminava e a
noite se aproximava, e a música do Arati começava nos templos da Mãe e de Vishnu, eu
não podia mais me controlar, pensando: 'Passou-se mais um dia e eles não vieram.'
Subia ao terraço da 'mansão' e gritava, chamando por vocês em alta voz: 'Ó meus filhos!
Onde estão vocês? Venham.' Sentia como se estivesse ficando louco. Depois de longa espera,
vocês começaram a vir, um a um. Somente então senti-me consolado. Como anteriormente
já os vira, pude reconhecê-los à medida que chegavam, um atrás do outro. Quando Purna
chegou, a Mãe disse: 'Com este, a chegada daqueles que você teve a visão, está
completa. Ninguém mais dessa classe virá no futuro.' A Mãe mostrou-me todos vocês e
disse: 'Todos estes são os devotos do círculo íntimo.' Maravilhosa é a visão e maravilhosa é
sua realização! Olhem! Quem pode penetrar na profundidades dessas palavras! Citamos as
próprias palavras do Mestre para mostrar que é invenção nossa.

174
48. Enquanto juntava as pessoas capazes de realizar e aceitar sua doutrina, o Mestre
convenceu-se de outra coisa da qual nos falava de vez em quando. Dizia: "Todos aqueles
que estão em sua última encarnação virão aqui e todos os que, pelo menos uma vez,
chamaram sinceramente Deus podem vir somente aqui." Aquela afirmação ocasionou
diferentes interpretações entre os que ouviram. Alguns concluíram que era absolutamente
irracional. Alguns também pensaram que se tratava de uma conversa incoerente, uma
aberração da fé e devoção. Alguns também consideraram prova de seu egoísmo ou
desarranjo do cérebro. Outros pensaram que, embora não pudessem compreender, devia
ser verdadeiro, porque o Mestre havia declarado e consideravam conjeturar e argumentar a
respeito como prejudicial à sua fé. Por conseguinte não criticaram. Outros também pensaram
que só poderiam compreender se o Mestre esclarecesse; portanto, nem acreditavam
firmemente nem desacreditavam, permanecendo impassíveis ao ouvir alguém falar a favor ou
contra. Mas é fácil compreender o significado das palavras do Mestre, se lembrarmos que a
Mãe Divina fez o Mestre compreender Sua própria doutrina e estabeleceu-o na posição de
instrutor sem qualquer pretensão, nascida da vaidade. Isso não é tudo. Se olharmos um pouco
abaixo da superfície, compreenderemos que essas palavras são a prova de que o Mestre
alcançou aquele elevado estado espiritual de maneira fácil e natural.
49. Quando o Mestre, filho da Divina Mãe, olhava para si mesmo, jamais lhe
ocorreu, nem por um momento, que ele, completamente dedicado a Ela, tinha aquele
extraordinário poder espiritual devido a seu próprio esforço. Nele via com admiração
apenas o jogo da Mãe universal brincando segundo Seu jeito inescrutável. Ah! Que jogo
maravilhoso a Mãe tinha - especialista em tornar possível o impossível - harmonizou ao
combinar mente e corpo daquela personalidade iletrada, nosso grande Mestre! Ah! Seu
jogo atual havia superado cem, não, mil vezes Seus jogos anteriores - fazendo o mudo,
eloquente e o coxo, rápido o suficiente para subir a montanha! Encantou o mundo e
levou-os a cantar Sua glória! Devido a esse jogo da Mãe, os Vedas, a Bíblia, os Puranas, o
Corão e todas as outras escrituras religiosas provaram ser verdadeiras; a religião foi
estabelecida e a necessidade premente do mundo, que ninguém pôde satisfazer nas épocas
anteriores, uma vez mais foi satisfeita! Bravo, Mãe, Bravo! O Poder Esportivo de Brahman!
Esses foram os pensamentos que o Mestre teve devido àquela visão. O Mestre considerou
aquela visão verdadeira devido à absoluta fé nas palavras da Mãe, em Sua infinita graça e
Seu poder inescrutável. Perguntou-Lhe qual era o âmbito daquele jogo, quem o iria assistir
e em que tipos de coração a semente daquele poder iria germinar e em resposta a essas
perguntas, teve a visão dos devotos do círculo íntimo e também, a convicção de que
aqueles que estavam vivendo sua última encarnação e aqueles que haviam sinceramente
chamado Deus pelo menos uma vez, querendo realizá-Lo, eram pessoas preparadas para
receber a extraordinária, liberal e nova doutrina revelada através dele. Aquela conclusão,
é claro, surgiu em sua mente como resultado de sua absoluta dependência da Mãe do
universo. O menino dependendo totalmente da Mãe não poderia ter chegado a uma
conclusão diferente dessa e por causa disso, sempre permaneceu intocado pelo egoísmo.
50. Nas frases "Aqueles que estão vivendo sua última encarnação virão aqui" e
"Aqueles que sinceramente chamaram por Deus pelo menos uma vez virão aqui", se a
palavra "aqui" significar "a nova e liberal doutrina da Mãe" essas palavras não parecerão
incoerentes, mas assim que este significado for aceito, surge outra questão. Será que
aceitarão a doutrina do Mestre de "Tantas crenças, tantos caminhos", ou será necessária a
ajuda dele através de quem Ela promulgou aquela doutrina para o mundo? Pelo que
compreendemos, a resposta a essa pergunta deve ser determinada somente depois de
observar o resultado completo dessa doutrina no coração do buscador. Enquanto que essa
realização não se concretize, o silêncio é a melhor resposta. Mas se o leitor perguntar qual a
nossa conclusão, dizemos que a par da realização correta daquela doutrina, também terá a
visão daquele que a Mãe Divina, pela primeira vez, trouxe ao mundo como a personificação
daquela doutrina e ele despejará o amor de seu coração e reverência à sua Sagrada
Presença que está "livre de orgulho e de ilusão". O Mestre não pede isso dele, nem de
ninguém. Espontaneamente oferecerá, por amor da Mãe. Não é necessário dizer mais nada

175
sobre o assunto.
51. Os autores dos Tantras disseram que quando a atitude de Guru se torna normal
e natural numa pessoa, pela vontade da Mãe Divina, seus atos, comportamento, conduta e
compaixão pêlos outros tomam formas maravilhosas, além do alcance da inteligência
humana. Essa manifestação está descrita nos Tantras como estado divino. Essas escrituras
também ensinam que a maneira de instrução, iniciação e outras formas de instrução
religiosa, seguidas por essas pessoas exaltadas são inimaginavelmente estranhas porque
não são limitadas pelas prescrições das escrituras. Podem, por compaixão, levantar a
espiritualidade em qualquer pessoa e colocá-la imediatamente em êxtase pela simples
vontade ou pelo toque ou, então, despertando parcialmente aquele poder, podem
determinar que a pessoa será completamente iluminada mais tarde durante a vida,
resultando na realização da verdadeira espiritualidade. Os Tantras dizem que num
estado levemente exaltado, o instrutor também é capaz de transmitir ao discípulo a
iniciação Sakti e num estado extremamente intenso, a iniciação Sambhavi. Os instrutores
comuns são autorizados, pelos Tantras, a transmitir as iniciações Mantri ou Manavi. No que
concerne às iniciações Sakti e Sambhavi, o Rudrayamala, o Shadanwaya Maharatna, o
Vayaviya Samhita, o Sarada, o Viswasara e outros Tantras disseram todos a mesma
coisa. Citamos aqui um verso do Vayaviya Samhita.

'Sambhavi chaiva Sakti chá Maaneri chaiva Sivagame


Dikshopadisyate tredha Sivena paramaatmana
Guroralokamaatrena sparsat sambhaashanadapi
Sadya samjnya bhavejjantor disksha as Saambhavi mata
Guruna jnanamargena kriyate jnanachakshusha
Maantri kriyavati diksha kumbhamandalapurvika'.

52. Quer dizer, Siva, o supremo Ser, ensinou na escritura Agama três tipos de
iniciação, a saber, Sambhavi, Sakti e Mantri. A iniciação Sambhavi produz conhecimento
no Jiva assim que ele vê, toca ou saúda o Guru. Na iniciação Sakti, o Guru, com ajuda de
seu conhecimento divino, faz com que seu próprio poder penetre no discípulo e
desperte a espiritualidade em seu coração. A iniciação Mantri consiste em pronunciar o
Mantra no ouvido do discípulo, depois de desenhar um diagrama, colocar um jarro e fazer
a adoração da divindade.
O Rudrayamala diz que as iniciações Sakti e Sambhavi dão liberação imediata:

Siddhai swasaktimalokya tayaa kevalayaa sisoh


Nirupayam krita diksha Saakteyi parikirtita
Abhisandhim vinaachaarya sishyayorubhayorapi
Deshikanugrahenaiva Sivata vyaktikaarini

Quer dizer, o aparecimento de conhecimento divino no discípulo por almas


perfeitas somente com ajuda de seu poder espiritual, sem ajuda de meios externos, é
chamada iniciação Sakti. Na iniciação Sambhavi não há qualquer desejo prévio na mente
do instrutor e do discípulo de transferir iniciação ou de recebê-la. Ao se encontrarem, o
instrutor subitamente é tomado de compaixão no coração, deseja transferir sua graça ao
discípulo e somente isso produz conhecimento da realidade não-dual no discípulo que dali
em diante aceita o estado de discípulo.
53. O Tantra Purascharanollasa diz que naquele tipo de iniciação, não há
necessidade de discriminação entre os momentos adequado e o inadequado, prescrito pelos
Sastras.

Dikshayan chanchaalapaangi na kalaniyamah kvachit


Sadgurordarsanaadeva suryaparve chá sorvada.
Sishyamaahuya guruna krípavaa yadi diyate

176
Tatra lagnaadikam kinchit na vicharyam kadachana.

Quer dizer, Ó Parvati de olhos inquietos, não há necessidade de discriminar entre o


momento adequado e o inadequado ou não de ser iniciado pelo Guru nas atitudes heróica
e divina. Se alguém tiver a graça de encontrar o Guru que tem o conhecimento de Brahman
e o Guru misericordiosamente convidá-lo a ser iniciado, deve recebê-la sem prestar
atenção se o momento, é auspicioso ou não.
54. Os Sastras asseguram que tal informalidade ocorre até no caso de
instrutores espirituais comuns dotados de atitude divina. Como pode, então, alguém
prescrever o método de ensinar e de transmitir espiritualidade aos outros, para o divino
Mestre, que era em todos os aspectos um instrumento nas mãos da Mãe universal? Porque
não se tratava daquele jogo comum de atitude divina referido nos Tantras, que a Mãe
universal, morando no corpo e na mente do Mestre, estava então jogando, por Sua
graça. Além disso, não era para o bem de qualquer discípulo, mas para o bem de toda a
humanidade que Ela estava Se manifestando através dele, através da grande doutrina:
"Tantas crenças, tantos caminhos", que não havia sido praticada ou realizada por
qualquer instrutor espiritual dotado de atitude divina. Por conseguinte dizemos que dali
para frente um novo capítulo abriu-se na vida do Mestre.
55. O leitor dedicado ao Mestre olhará com desconfiança para nós, e ao ouvir estas
nossas palavras, talvez diga: "Como é injusto! Se considera o Mestre uma Encarnação de
Deus, se contradirá se achar que esse poder de instrutor do mundo esteve ausente nele
em algum momento." Em resposta dizemos: "Irmão, assim falamos pela evidência das
palavras do Mestre. Quando tomam um corpo, até as Encarnações de Deus nem sempre
têm todos os tipos de atitudes divinas ou poderes neles manifestados. Sempre que houver
necessidade de um estado ou poder, ele aparece. Quando o corpo do Mestre estava
reduzido a um simples esqueleto devido à longa luta contra a morte em Kasipur, o Mestre
notou sua atitude mental e a manifestação do poder nele e disse-nos: "O que a Mãe
mostra-me é que este poder veio a este (i.é, seu corpo) de maneira que não necessito
nem mesmo mais “tocar às pessoas”. É suficiente que Ela me peça para tocar alguém e
essa pessoa será despertada somente pelo toque. Se a Mãe desta vez não puser um fim a
este (seu corpo), virão tantas pessoas, que vocês não poderão pôr as multidões porta fora.
Será tão extenuante para vocês, que terão de tomar remédio para curar a dor no corpo
causada por esse esforço." Dessas palavras ditas pelo Mestre, compreendemos que ele
estava sentindo dentro de si a manifestação de um poder que jamais havia sentido.
56. A ansiedade do Mestre para encontrar os escolhidos não poderia ser aliviada
somente chamando por eles da maneira acima descrita, sob o impulso do estado divino. A
Mãe Divina falou-lhe, no fundo de seu coração, assegurando-lhe que a maioria de seus
devotos conheceriam sua estada em Dakshineswar, se as notícias chegassem um certo
lugar, a saber, ao jardim de Belgharia e Ela o levou lá e o apresentou a Kesav Chandra
Sen. Pouco tempo depois os devotos, Vivekananda, Brahmananda e outros, que haviam
sido vistos pelo Mestre em êxtase e que estavam especialmente preparados para serem
abençoados por sua graça, começaram a chegar, um após o outro. Se o Mestre nos fizer
contar ao leitor a história de seu jogo com eles no estado divino, vamos fazê-lo em outra
ocasião. Vamos dar ao leitor, como exemplo dessa fase de sua vida, um quadro da
maneira como ele, sob influência daquele estado divino extraordinário, passou alguns
dias com os devotos durante o Festival do Carro no ano de 1885 terminando assim, esta
parte do livro.

177
CAPÍTULO V

SRI RAMAKRISHNA NA COMPANHIA DE DEVOTOS DURANTE NOVE DIAS

O NAVAYATRA NO ANO DE 1885

(ASSUNTOS: 1. A harmonia das natureza humana e divina no Mestre. 2. A visão de Vijaykrishna Goswami. 3.
A reação dos devotos ao comportamento extraordinário do Mestre. 4.Swami Premananda e Samadhi. 5. Por que o
Mestre sentiu-se ansioso pelos devotos? 6. A pergunta de Narendra a esse respeito. 7. O Mestre reverenciava
todas as pessoas de valor. 8. Os passos decisivos do Mestre para superar o egoísmo. 9. Exemplo disso. 10. O
comportamento oposto das pessoas mundanas. 11. Movimentos religiosos. 12. O Pandit Sasadhar em Calcutá. 13. O
desejo do Mestre de ver Sasadhar. 14. Seus desejos sempre satisfeitos. 15. O Navayatra de 1885. 16. A respeito
de Isan Babu. 17. O conservadorismo de Swami Yogananda. 18. 0 festival do carro na casa de Balaram Bose. 19. A
devoção ao Mestre das devotas. 20. Uma devota segue o Mestre em sua absorção. 21. Mais exemplos da introversão
do Mestre. 22. O convite do Mestre a uma devota para ir a Dakshineswar. 23. "Seja como uma folha caída ao sabor
do vento." 24. O Mestre em Bhavasamadhi em Dakshineswar. 25. A visão do Poder Enrolado e o que ele disse
a esse respeito. 26. O cuidado do Mestre em alimentar-se. 27. A infantilidade do Mestre. 28. Visita do Pandit Sasadhar.
29. A descrição do Mestre sobre a visita. 30. A vida do Mestre sendo útil para se ter fé nas outras Encarnações.)

Logo ele se torna correto e alcança a paz eterna. Declara, Ó filho de Kunti, que
meu devoto jamais é vencido.
Gita, X.31.

Quem quiser compreender o maravilhoso caráter de Sri Ramakrishna estabelecido


em Bhavamukha, deverá vê-lo na companhia de seus devotos. Compreenderá aquele jogo
divino se observar como ele se comportava diariamente ao se levantar, sentar-se, gracejar,
conversar etc. e também, experimentar êxtase na companhia dos devotos de naturezas
diferentes. Apresentaremos ao leitor, aqui, a história de um desses jogos do Mestre durante
alguns dias com os devotos.

1. Até os atos insignificantes dessa alma extraordinária não eram, até onde sabemos,
sem objetivo e inúteis. É raro encontrar uma tal harmonia das naturezas divina e humana em
qualquer outra pessoa. Pelo menos nós não encontramos outra durante nossas viagens a
diversas partes do país, nos últimos vinte e cinco anos. "Não se compreende o valor dos
dentes enquanto eles estão ali," diz um provérbio bengali. Tem sido exatamente assim com
muitos de nós, em relação ao Mestre. Quando os devotos o trouxeram para Shyampukur em
Calcutá para tratamento da garganta, por algum tempo Sri Vijaykrishna Goswami veio
vê-lo e contou-nos :
2. Enquanto meditava em seu aposento, a portas fechadas, durante sua estada em
Dacca, há alguns dias atrás, Vijay teve a visão de Sri Ramakrishna e a fim de saber se
tratava de imaginação, fez um teste, pressionando durante muito tempo, com as mãos, o
corpo e os membros da forma que estava à sua frente. Naquele dia contou ao Mestre e a
nós aquele fato. "Viajei", disse Sri Vijay, "a várias partes do país, colinas e montanhas e
vi grandes e almas santas, mas jamais encontrei uma pessoa (mostrando o Mestre) igual em
qualquer lugar. Vi em alguns lugares alguma manifestação desse poder divino e, em outros
lugares, em grau menor, mas em nenhum lugar vi tão integralmente manifestado como
aqui. "O que ele está dizendo?" falou-nos o Mestre, sorrindo. "Outro dia", disse Vijay ao
Mestre, "vi o senhor em Dacca de tal maneira que não acreditarei no senhor se disser
'não'. É somente porque o senhor está tão disponível que criou tanta confusão.
Dakshineswar está muito perto de Calcutá; podemos vir e fazer-lhe uma visita sempre que
quisermos. Também não há qualquer problema para vir aqui - há barcos e carruagens
suficientes. Somos incapazes de compreendê-lo somente porque o senhor está assim tão
facilmente acessível e perto de casa. Se o senhor estivesse sentado no cume de uma
montanha e alguém tivesse de encontrá-lo depois de andar uma longa distância, sem
comida, subindo grandes altitudes e segurando-se nas raízes das árvores, provavelmente

178
teria compreendido seu valor. Agora, porém, como esse ser divinamente sem par existe
perto de casa, achamos que seres maiores estão longe, em lugares remotos. É por isso que
corremos daqui para ali, prontos para experimentar problemas infindáveis."
3. Na verdade é assim. O misericordioso Mestre recebia como amigo íntimo quase
todos os que vinham a ele e não negava sua companhia a ninguém. Dispensava-lhes paz
ao apagar, ora por métodos drásticos, ora com um sorriso gentil, as impressões neles
acumuladas em suas vidas passadas. Tocado pelos sofrimentos humanos e sentimentos
feridos - porque, embora tenha há muito tempo tomado refugio em Deus, ainda não O
havia realizado e o Mestre também nada havia feito a esse respeito para ele -
Narendranath um dia considerou-se pronto para secretamente renunciar ao mundo. Saben-
do desse fato, o Mestre não lhe permitiu fazê-lo, e por meio de seu poder divino, persuadiu-
o a vir a Dakshineswar naquele dia para ficar com ele. Mais tarde, tocando-o, cantou num
estado espiritual: "Tenho medo de falar e também de não falar; tenho medo, senão posso
perder-te, O Rai." Ao contrário de permitir-lhe renunciar ao mundo e ir-se embora,
manteve-o consigo, consolando-o de diversas maneiras. Em outro exemplo, vimos que Girish
Chandra Ghosh reteve a força de suas impressões passadas e foi incapaz de livrar-se do
medo e da ansiedade, embora tivesse o objetivo de sua vida sido alcançado com a
aceitação da "procuração" pelo Mestre. Vimos o Mestre libertá-lo do medo com essas
palavras: "Foi uma cobra d'água, Ó tolo, que o pegou? Você foi apanhado por uma serpente
venenosa - tem que morrer, mesmo escondendo-se no seu buraco. Não reparou que,
apanhados pelas cobras d'água, os sapos coaxam mil vezes antes de morrer. Alguns,
contudo, conseguem libertar-se e fugir. Quando, porém, são apanhados por cobras ou
serpentes negras, não têm que coaxar mais do que três vezes, a luta termina mais ou
menos naquele momento. Se, contudo, um consegue por acaso fugir, morre depois de
entrar no buraco. Saiba que o mesmo acontece aqui." Mas quem compreendeu o significado e
o propósito daquelas palavras e atos do Mestre? Cada um pensava, talvez, que pessoas
como ele existissem em todos os lugares. Porque o Mestre atendia os caprichos de todo o
mundo e ia, sem ser solicitado, de porta em porta doar livremente bênçãos e libertar do
medo as pessoas e assim, todo o mundo pensava que havia pessoas dotadas dessa natureza
que podiam ser encontradas em todos os lugares. Protegidos pela asa misericordiosa do
Mestre, quão fortes os devotos se sentiam, como eram insistentes na satisfação de seus
caprichos infantis e quão facilmente se sentiam feridos! Quase todos sentiam que a prática
da religião era uma coisa fácil. Estavam certos que poderiam realizar qualquer estado ou
visão no campo espiritual no momento que desejavam. Era só pedir persistentemente ao
Mestre com uma certa ansiedade - o Mestre facilmente os faria alcançar por meio do toque
ou palavras, ou simplesmente por sua vontade!
4. Baburam, depois conhecido como Swami Premananda, desejou experimentar
êxtase. Foi ao Mestre e pressionando-o, chorou: "Ajude-me a ter êxtase." O Mestre
consolou-o e disse: "Sim, vou pedir à Mãe; será que algo acontece por minha vontade, meu
filho?" Mas ele mal deu ouvidos ao que o Mestre lhe disse. Baburam repetiu as mesmas
palavras: "Ajude-me a ter êxtase." Alguns dias depois de ter feito aquele pedido sincero,
Baburam, teve de ir a Antpur, seu vilarejo natal, a negócios. Era o ano de 1884. Nesse
ínterim, o Mestre ansiosamente começou a pensar como Baburam poderia ter o êxtase. Dizia
a essa ou àquela pessoa: "Baburam chorou tanto e pediu êxtase antes de partir. O que vai
acontecer? Se ele não o tiver, não mais dará atenção às palavras deste lugar (querendo dizer
ele mesmo)" Ele disse então, à Mãe Divina: "Por favor Mãe, faça que Baburam tenha um
pouco de Bhava ou outra experiência espiritual." A Mãe respondeu: "Ele não terá Bhava. Terá
Jnana, Conhecimento." O Mestre novamente ficou ansioso ao ouvir aquelas palavras da Mãe
universal. Não hesitou até em falar a alguns de nós, com profunda preocupação: "Contei à
Mãe o que Baburam pediu, mas Ela disse: 'Ele não terá Bhava, terá Jnana.' De qualquer
maneira, deixe-o ter pelo menos isto, para que possa ter paz; é tudo; estou bastante
preocupado com ele. Chorei amargamente, antes dele partir." Ah, quão ansioso se sentiu
para que Baburam pudesse ter algum tipo de experiência espiritual! Novamente, enquanto
expressava aquela ansiedade, como o Mestre repetia aquelas palavras: "Se isso não

179
passar, não dará atenção às palavras deste lugar", como se a vida do Mestre e tudo mais
dependesse do respeito ou não de Baburam!
5. De vez em quando referia-se aos devotos jovens. "Bem, podem dizer-me porque
me sinto ansioso por eles e penso sobre o que um realizou e outro não? São apenas
'estudantes'1 (1 Isto ele falou em inglês, sendo uma das poucas palavras em inglês que conhecia) ; não têm um vintém; nem
podem oferecer-me um doce. Por que sinto-me tão preocupado por eles? Se um não visita
este lugar por alguns dias meu coração logo fica ansioso em vê-lo e ter suas notícias. Por
que?" O rapaz, assim interpelado, talvez responda, "Não sei senhor porque isso ocorre; mas
certamente é para o bem deles que o senhor se sente assim." O Mestre dizia: "Todos são
puros de coração. Luxúria e ouro ainda não tocaram seus corações. Se dedicarem a mente
a Deus, serão capazes de realizá-Lo. Minha natureza é a de um fumante de cânhamo, que
não sente satisfação em fumar cânhamo sozinho; é necessário que dê a tigela a outro,
enquanto desfrutam a intoxicação. Assim acontece comigo. Embora assim ocorra com
todos os rapazes, não sinto pelos outros o que sinto por Naren. Se ele não vem por dois
dias, meu coração sente uma dor como se estivesse sendo torcido como uma toalha.
Pensando no que os outros diriam, ficava perto de tamargueira2 (2 Árvores amargas ao norte do templo de Kali
da Rani Rasmani. Era um lugar não frequentado pelas pessoas) e chorava em voz alta. Hazra (3 Pratap Chandra Hazra que morava no
3

templo de Dakshineswar) disse (certa vez). 'Como é estranha a sua natureza! O senhor está no estado
de Paramahamsa, por que se preocupa pensando, por que Narendra não veio? O que vai
acontecer com Bhavanath? E assim por diante, ao invés de permanecer identificado com
Deus, dedicando a mente a Ele em Samadhi?' Pensei que Hazra estava com razão e que
devia mudar. Quando, mais tarde, voltava da tamargueira, a Mãe me mostrou um quadro
de Calcutá, como se a cidade estivesse presente diante de mim e todas as pessoas
estivessem dia e noite imersas em luxúria, ouro e sofressem miseravelmente. Ao ver isso,
a compaixão brotou do coração. Pensei: 'Tivesse eu de passar por um sofrimento um milhão
de vezes maior para o bem dessas pessoas, eu assim o faria alegremente.' Voltei e disse a
Hazra: 'Se escolho pensar neles, que lhe interessa isso, tolo?' ".
6. "Uma vez Naren disse: 'Por que o senhor pensa tanto em Narendar?4 (4 O Mestre
costumava pronunciar a palavra Narendra dessa maneira). Se o fizer tão exageradamente, acabará como o rei
Bharata que constantemente pensou num veadinho, e teve de nascer como aquele
animal.' Tenho, vocês sabem, muita fé nas palavras de Naren. Assim fiquei apreensivo ao
ouvir o que ele falou. Relatei à Mãe e Ela disse: 'Ele é somente um menino. Por que dá
ouvidos às suas palavras? Você vê Narayana nele, portanto, sente-se atraído para ele.'
Fiquei bastante aliviado ao ouvir isto. Voltei e disse a Naren: 'Não tomo suas palavras a
sério. A Mãe disse que me sinto atraído por você porque vejo Narayana em você. Não
vou olhar nem mesmo para seu rosto no dia em que não sentir Sua presença em você,'
" Assim os atos do maravilhoso Mestre nos parecia estranhos, mas tinham significado,
que ele costumava nos explicar.
7. Sempre víamos que o Mestre dava valor às boas qualidades de todas as pessoas
e respeitar os homens honrados. Dizia: "O Senhor não fica satisfeito se não for dada a
devida consideração às pessoas respeitáveis. É pelo Seu poder que elas se elevaram a
esse nível e posição; é Ele que os fez assim. Quando elas são desrespeitadas, Ele é
desprezado." Por conseguinte sempre que ouvia falar que havia um homem com qualidades
especiais morando em algum lugar, víamos o Mestre ansioso por vê-lo, de uma maneira ou de
outra. Se a pessoa viesse ao Mestre, muito bem; caso contrário, ele mesmo ia vê-lo sem
ser convidado, encontrava-o, saudava-o e conversava com ele. Assim satisfeito, voltava.
Ele ouviu a respeito das boas qualidades de Padmalochan, o Pandit da corte do príncipe
de Burdwan; do Pandit Iswarachandra Vidyasagar; de Mahesh, o famoso tocador de Vina de
Kasi; de Gangamata de Vrindavan, que era inspirada pela atitude espiritual de amiga de Deus;
de Kesav Sen, o eminente devoto e muitos outros. Visitou cada um deles.
8. Naturalmente não é de se admirar que o Mestre tenha batido à porta de
qualquer pessoa, sem ser convidado. Jamais surgiu em sua mente, idéias egoístas como,
"Sou um grande homem", ou "Vou rebaixar-me no conceito dos outros se for a qualquer
um", ou "Vou deixar de ser estimado por eles," Isso porque havia para sempre queimado

180
totalmente o orgulho e o egoísmo. Levava na cabeça os pratos de folha, nos quais os
pobres haviam comido, jogava-os do lado de fora do templo, lavava e limpava o lugar
onde haviam comido. Uma vez até havia compartilhado dos restos dessas pessoas,
considerando-as o Próprio Narayana. Também havia lavado e limpado com o cabelo5, (5
Por ocasião da Sadhana o Mestre não tinha o menor cuidado com o corpo; em consequência o cabelo cresceu e ficou emaranhado devido ao acúmulo de poeira e
o lugar onde os empregados do templo respondiam aos chamados da natureza e
sujeira)
orava sinceramente à Mãe Divina, "Mãe, vele para que eu jamais entretenha a idéia de
que sou superior a eles." Por conseguinte não estamos totalmente surpresos com aquela
sua extraordinária falta de egoísmo, embora gritemos 'Maravilhoso!' até quando a
vemos em algumas pessoas. Certamente o Mestre não era uma pessoa deste mundo,
diferente de todos nós!
9. Jogando no ombro o canto da dobra da frente de sua roupa, o Mestre estava
um dia andando no jardim do templo de Kali. Um senhor tomou-o por um simples
jardineiro e disse-lhe: "Apanhe aquelas flores para mim." O Mestre não proferiu uma
palavra, mas fez o que lhe fora pedido e saiu do local. Uma vez o falecido Trailokya
Babu, filho de Mathur Babu, aborreceu-se com Hriday, sobrinho do Mestre e mandou-o
ir-se embora do templo. No momento da raiva, demonstrou aos outros que o Mestre
não precisava mais permanecer no templo. Assim que o Mestre soube, pôs a toalha nos
ombros, sorrindo, e imediatamente dispôs-se a deixar o lugar. Já estava quase no
portão quando Trailokya Babu, com medo de que algum mal lhe sobreviesse, chegou e
pediu-lhe que voltasse, dizendo: "Não quis dizer que o senhor deveria ir embora. Por
que o está fazendo?" O Mestre voltou, também sorrindo como antes, e entrou no
aposento, como se nada houvesse acontecido.
10. Muitos desses exemplos podem ser dados. Não ficamos tão admirados com
essas ações do Mestre, apesar de aplaudirmos os chamados grandes homens do
mundo, cuja conduta nem de longe se assemelha à dele. Porque pusemos na cabeça -
que, se quisermos viver no mundo, devemos cuidar de nossos próprios interesses,
atropelar o fraco para abrir nosso caminho, proclamar de maneira inescrupulosa nossa
glória e ocultar ao máximo nossas fraquezas dos outros. Pensamos que uma pessoa será
absolutamente inútil, não servindo para nada, se for sincera em sua fé, dependendo de
Deus e do homem. É profundamente lamentável que o mesmo tipo de insinceridade e
falta de fé nos ideais seja encontrado na política, regras sociais, moralidade individual,
política internacional e assim por diante. Mesmo aqueles que não comeram a sua 'Delhi-
ka-Laddu'6 (fruta do Mar Morto) (6 Algo que tem uma aparência maravilhosamente atraente, mas sem qualquer substância interna)
arrependem-se, imaginem aqueles que comeram.
11. Era o ano de 1885. Foi a época em que o Mestre passou a ser muito conhecido.
Fortemente atraídas para ele, pessoas recém-chegadas diariamente visitaram
Dakshineswar naqueles dias, tendo o privilégio de vê-lo e serem abençoados. Todos,
velhos e jovens, em Calcutá, ouviram o nome do 'Paramahamsa de Dakshineswar' e muitos
também o viram. Inundando a mente da grande maioria de pessoas de Calcutá, uma
corrente religiosa fluía incessante e naturalmente, um pouco abaixo da superfície. A cidade
de Calcutá enchia-se de instituições religiosas como Harisabha aqui, Brahmo Samaj ali,
grupos cantando o nome de Deus aqui e associações para expor as escrituras ali. O Mestre
conhecia bem a causa, embora outros a ignorassem. De vez em quando falava-nos sobre
isso, bem como a outros devotos de ambos os sexos. Uma devota disse-nos que um dia o
Mestre disse-lhe: "Saibam que muitos Harisabhas e outras instituições religiosas que vocês
vêem são por causa deste (referindo-se à sua própria pessoa). Existiam anteriormente?
Tudo tem sido sem vida, mas desde que este (referindo-se novamente à sua pessoa) veio,
uma corrente de religião flui agora um pouco abaixo da superfície." Outra vez o Mestre
disse-nos: "Será que a Bengala Jovem que vocês vêem, importa-se com devoção e religião?
As pessoas nem mesmo sabem saudar com a cabeça inclinada. Continuei a saudá-los com a
cabeça inclinada e gradualmente aprenderam a inclinar a cabeça em saudação. Fui à casa de
Kesav vê-lo. Encontrei-o sentado numa cadeira. Saudei-o com a cabeça inclinada. A isso deu
somente um pequeno aceno. Na hora da saída mais tarde, saudei-o com a cabeça tocando

181
completamente o chão. Ficou com as mãos postas e tocou uma vez a cabeça com elas.
Quanto mais os contatos entre nós aumentaram, mais interessou-se pelas conversas e
quanto mais eu o saudava com a cabeça inclinada, mais começava a inclinar a cabeça em
saudação. Será que tinham devoção e religião ou mostravam qualquer consideração a
elas?"
12. Na época em que o Mestre estava associado com o Brahmo Samaj, num
ramo dele conhecido como Nova Revelação costumava haver grandes reuniões. Foi nesses
dias que o Pandit Sasadhar veio a Calcutá com o propósito de expor a religião hindu e
explicar os deveres religiosos diários dos hindus, do ponto de vista da ciência ocidental. O
ditado: "Tantos sábios, tantas opiniões", é sempre verdadeiro para todos os assuntos. A
exposição científica da religião pelo Pandit não constituiu uma exceção, mas apesar
disso, contou com uma boa audiência. Havia grandes multidões de funcionários e outros
que saíam dos escritórios e de estudantes das escolas e universidades. O Albert Hall,
onde ele costumava explicar o hinduísmo ortodoxo, estava apinhado de gente. Todos
estavam calmos e ansiosos para ouvir ao menos um pouco da magnífica exposição da
religião pelo Pandit. Lembramo-nos de que um dia nós, também, fomos e ouvimos
algumas palavras. Numa ocasião vimos o rosto bonito do Pandit, com uma barba negra
e parte do peito enfeitado de contas de Rudraksha pintadas de ocre. A conferência sobre a
religião do Pandit Sasadhar foi o tema de conversa em todos os lugares em Calcutá.
13. As palavras viajam pelos ouvidos, como dizem. Não demorou, portanto, muito
tempo para que notícias a respeito da grande alma de Dakshineswar chegasse aos
ouvidos do Pandit e que os dons do Pandit chegassem aos do Mestre. Alguns devotos do
Mestre vieram ao Mestre e disseram: "Ele é um grande erudito e também fala bem. Outro
dia explicou os versos sobre Hari formado de trinta e duas letras, para explicar a Devi.
Todos ouviram e gritaram: 'Bravo'." O Mestre soube e disse: "É assim? Sinto vontade de
ouvi-lo imediatamente." Assim falando, o Mestre expressou aos devotos, o desejo de ver
o Pandit.
14. Quando qualquer desejo surgia na mente pura do Mestre, tinha que ser satisfeito
de uma maneira ou outra. Algum poder desconhecido abria o caminho para sua
concretização, removendo todos os obstáculos. Sem dúvida que já havíamos ouvido
anteriormente que, quando se vive de maneira santa e praticando absoluta veracidade no
corpo, mente e fala, o homem alcança o estado em que não pode nutrir qualquer
inverdade na mente mesmo se tentar e que, qualquer desejo que surja na mente dessa
pessoa é satisfeito ao longo do tempo. Mas independentemente de ter aceito isso
teoricamente, não podíamos crer que pudesse ser uma realidade na vida de qualquer
homem. Contudo, gradualmente tivemos que aceitar ao ver como os desejos do Mestre
eram satisfeitos repetidamente de forma inesperada. Mas, apesar daquele fato, será que
tivemos uma fé firme em suas palavras durante sua vida? Dizia: "Vi dentro de Kesav e Vijay
chamas de conhecimento tremulando como aqueles lampiões, mas em Naren vi o próprio
sol do conhecimento!" "Kesav" continuou ele, "agitou o mundo com um poder, mas Naren
tem dentro de si dezoito desses poderes." Aquela palavras não eram expressão de um
conhecimento adquirido pelo processo comum de pensamento ou observação, mas de
experiências que lhe vieram através do êxtase. Mas mesmo assim, tivemos uma fé perfeita
nelas? Às vezes pensávamos: "Pode ser verdade. Ele vê o coração das pessoas. Quando
assim fala, há algo de misterioso." Também às vezes, pensávamos: "Que grande diferença
há entre o conhecido Kesav Chandra Sen, o eloquente devoto, e um simples estudante como
Narendra? Pode a opinião do Mestre sobre eles ser verdadeira?" Se duvidávamos das
experiências do Mestre, por que não iríamos também duvidar da satisfação de seus desejos
já que empregava as mesmas palavras que nós: "Tenho esse desejo?"
15. A época do Rathayatra de Sri Jagannath (Festival do Carro) chegou alguns
dias depois de Sri Ramakrishna ter falado sobre o Pandit Sasadhar. É chamado
'Navayatra'" porque o festival do carro continua por mais nove dias. Agora nos
lembramos de muitas coisas sobre o Mestre, ocorridas durante o Navayatra de 1885.
Devido à regra social referente à resposta a um convite, foi à casa de Ishan Chandra

182
Mukhopadhyaya de Thanthania, na manhã do dia da viagem do carro daquele ano e à
tarde, foi ver o Pandit Sasadhar. O Mestre participou do festival do carro depois do pôr-
do-sol na casa de Balaram Babu em Baghbazar, onde passou a noite. No dia seguinte
regressou de barco a Dakshineswar com alguns devotos. Pouco tempo depois o Pandit
Sasadhar veio a um lugar em Alambazar, também chamado Baranagar Norte, a fim de
dar uma conferência sobre religião e, em seguida, veio ao templo de Kali em
Dakshineswar para visitar o Mestre. Depois, na manhã da viagem de retorno do carro, o
Mestre foi novamente à casa em Baghbazar de Balaram e ali permaneceu muito feliz,
com os devotos, naquela noite e no dia e noite seguintes. Regressou de barco a
Dakshineswar na manhã do terceiro dia com a 'mãe de Gopala' e alguns devotos. No
dia da volta do carro, o Pandit Sasadhar foi à casa de Balaram para ver o Mestre e,
mergulhado em lágrimas, falou-lhe, de mãos postas: "Meu coração secou discutindo
filosofia, por favor, dá-me uma gota de devoção." O Mestre entrou em êxtase e naquele
dia, tocou o coração do Pandit.
16. Na manhã seguinte, quando o carro partiu, o Mestre, como mencionado
anteriormente, foi à casa de Ishan Babu em Thanthania em Calcutá. Com ele estavam
Yogen, Hazra e alguns devotos. Raramente encontramos um devoto como Ishan - tão
bom, generoso e dotado de fé firme a Deus. Seus três ou quatro filhos eram instruídos.
Seu terceiro filho, Satish, era aluno de Narendra. Como Satish era um grande tocador de
Pakhoaj, muitas vezes ouvíamos Narendra cantar na casa de Ishan. Referindo-se à bondade
de Ishan Babu, um dia Swami Vivekananda disse-nos: "Não era de jeito algum inferior
àquela do Pandit Vidyasagar." O Swami viu com seus próprios olhos, como Ishan Babu
em diversas ocasiões doou a própria refeição de arroz e outros alimentos aos mendigos,
ficando praticamente sem comida, apesar de não ter mais nada em casa para comer. O
Swami também disse que viu muitas vezes Ishan Babu derramando lágrimas com o
sofrimento de pessoas que estava além de seu poder remover. Ishan não era somente
bom, mas igualmente dedicado ao Japa. Muitos de nós sabíamos que praticava
regularmente Japa desde o nascer até o pôr-do-sol, em Dakshineswar. Era muito querido
do Mestre, quase seu favorito. Recordamo-nos que um dia, depois de terminar o Japa, Ishan
veio saudar os pés do Mestre que, em êxtase, colocou os sagrados pés na cabeça de Ishan.
Quando depois, o Mestre retomou à consciência normal, disse enfaticamente a Ishan: "Ó
Brahmana, mergulha, mergulha profundamente!" (quer dizer, "fica absorvido no nome de
Deus ao invés de praticar Japa superficialmente"). Japa e adoração de Ishan, naquela
época, continuavam até quatro da tarde, quando fazia uma pequena refeição. Passava o
tempo até o pôr-do-sol conversando ou ouvindo canções devocionais e então, sentava-se
para o Japa da noite durante muitas horas. Os filhos tomavam conta de seus negócios
mundanos. O Mestre de vez em quando abençoava a casa de Ishan, com sua presença.
Ishan, durante sua permanência em Dakshineswar diversas vezes, ou ia visitar os templos
sagrados ou lugares de peregrinações, passando o tempo praticando austeridade.
No dia do Festival do Carro desse ano, 1885, o Mestre foi à casa de Ishan e
conversou sobre religião com alguns eruditos de Bhatpara. O Swami Vivekananda disse
que o Pandit Sasadhar estava na vizinhança. Ao saber disso, o Mestre foi vê-lo
naquele dia. O Swami veio a saber que o Pandit estava em Calcutá porque era amigo
das pessoas que o haviam respeitosamente convidado dar uma conferência sobre
religião e também porque frequentava a casa deles na Rua do Colégio. Também porque,
como o Swami estava convencido de que a exposição da religião estava cheia de erros,
vinha com frequência àquela casa, a fim de argumentar com o Pandit. Swami
Brahmananda diz que ele (Swami Vivekananda) conhecia muitas coisas a respeito do
Pandit e as contara ao Mestre que, a seu pedido, foi vê-lo, dando-lhe naquela ocasião
muitas instruções valiosas. O Mestre disse ao Pandit, na primeira visita, que se uma pes-
soa prega religião sem ter o "distintivo", isto é, poder de mandato da Mãe do universo,
essa pregação é infrutífera e aumenta o orgulho e egoísmo, conduzindo às vezes, à
ruína. Como resultado dessas brilhantes e poderosas palavras, o Pandit desistiu de
pregar e mais tarde foi a Kamakhya-pitha praticar austeridade.

183
17. O Mestre saiu da casa do Pandit naquele dia e à tarde, foi com Yogen à casa de
Balaram Bose em Baghbazar. Yogen então era tão dedicado aos ritos e práticas
estabelecidos que nem tomava água na casa de qualquer pessoa. Por conseguinte fez
uma refeição ligeira antes de sair com o Mestre, que, de sua parte jamais lhe pedia para
comer em outro lugar, porque conhecia a devoção de Yogen aos ritos e práticas
estabelecidos. Sabia, também que Yogen costumava comer frutas, leite, doces etc., na
casa de Balaram, porque Balaram Babu, segundo Yogen, tinha amor e devoção a Deus e
reverência ao Mestre. Portanto, pouco depois de chegar, o Mestre disse a Balaram e aos
outros: "Ele (Yogen) nada tomou hoje; por favor dêem-lhe algo para comer." Balaram
Babu amavelmente levou-o para dentro da casa e ofereceu-lhe uma refeição leve.
Mencionamos este fato para mostrar quão grande era a observação do Mestre sobre as
condições mentais e físicas dos devotos, embora permanecesse com frequência absorvido
em êxtase.
Fluía uma incessante corrente de felicidade na companhia do Mestre durante o
festival do carro na casa de Balaram. Logo após o pôr-do-sol, a sagrada imagem de
Jagannath foi adornada com grinaldas, pasta de sândalo etc., e trazida fora do santuário,
dentro de casa. Foi colocada no pequeno carro, já vestida e com bandeiras e novamente
foi adorada. Sri Fakir, que pertencia à casa do sacerdote da família de Balaram Babu e
também dedicado ao Mestre, fez o culto.
Quando era ainda estudante, Fakir, que se dedicava fervorosamente às práticas
religiosas, vivia sob os cuidados de Balaram Babu e cuidava do estudo de seu único filho,
Ramakrishna. Tivera grande devoção ao Mestre desde o primeiro dia que o viu. O Mestre
gostava de ouvi-lo recitar hinos. Um dia ensinou Fakir a recitar de maneira correta o hino à
Mãe Divina pelo Acharya Sankara. Ao pôr-do-sol daquele dia, o Mestre levou-o à varanda
norte do aposento em que estava, tocou-o, em êxtase, e pediu-lhe para meditar. Como
resultado, Fakir teve visões maravilhosas e outras experiências.
18. O carro agora começou a ser puxado para frente com o acompanhamento de
Sankirtan, canto da glória de Deus. O próprio Mestre segurou a corda presa ao carro e
puxou-a durante certo tempo. Depois dançou com a música. Maravilhados com aquela
dança e o barulho excitante que levantava emoção espiritual gerada pelo Sankirtan, todos
se perderam no amor de Deus. Dançando, cantando e puxando o carro, todos, durante
muito tempo andaram ao redor da varanda do aposento do primeiro andar, lotando o pátio
embaixo. Com saudações, o Kirtan terminou com a exclamação de "Jay"(Salve),
tomando os nomes de Jagannath, Govinda, Radharani e Chaitanya, um de cada vez,
pêlos devotos dos aposentos internos e outros. A sagrada imagem de Jagannath foi então
descida do carro e instalada durante sete dias, num pequeno aposento no segundo andar.
Era como se Jagannath tivesse feito uma viagem de carro a um outro local e tivesse
novamente voltado para seu próprio lugar, depois de sete dias. Depois de Jagannath ter
sido instalado no lugar acima mencionado, foi-Lhe feita uma oferenda de comida e o
Prasada foi dado em primeiro lugar ao Mestre e em seguida aos outros. O Mestre e Yogen
passaram a noite na casa de Balaram Babu. Muitos devotos voltaram para casa.
19. Às oito ou nove horas da manhã seguinte foi contratado um barco para levar o
Mestre a Dakshineswar. Quando o barco chegou, o Mestre foi até o interior da casa e
adorou Sri Jagannath. Foi saudado pelas famílias dos devotos presentes e dirigiu-se ao
prédio externo. As mulheres seguiram-no até o fim do terraço, defronte da cozinha do lado
oriental dos cômodos internos, de onde regressaram com o coração partido, por que,
quem queria separar-se da companhia daquele maravilhoso Deus vivo, visível aos olhos
humanos? Subindo alguns degraus naquela direção e depois mais três ou quatro, pode-
se encontrar uma porta para a varanda no primeiro andar, de onde se descortina o pátio.
Embora todas as devotas voltassem do final do terraço, uma delas esqueceu-se de si
mesma, por assim dizer e seguiu-o até a referida varanda, como se não estivesse
totalmente consciente da presença de pessoas desconhecidas ali.
20. Depois do Mestre ter-se despedido das devotas, ele, em êxtase, caminhou e
não se deu conta de que as senhoras o seguiam a uma certa distância e então voltou, não

184
se apercebendo daquela que o estava seguindo. Somente aqueles que viram, com seus
próprios olhos, o Mestre, andando daquele jeito, poderão compreender a natureza
extraordinária desse fato. E difícil explicá-lo aos outros. Como resultado de praticar
concentração durante doze anos, não, por toda a vida, a mente e o intelecto do Mestre
tornaram-se tão direcionados para um só ponto, que permaneciam exatamente aí ou na
ação que estava fazendo, não se desviando para qualquer outra direção. Também, o
corpo e sentidos estavam tão sob controle que exprimiam ao máximo a emoção presente
na mente naquele momento; não podendo pregar-lhe qualquer peça. É muito difícil
explicar isso porque, quando olhamos nossa própria mente, vemos que se trata de um
campo de batalha de pensamentos conflitantes e que, conduzidos por hábitos, nossos
corpos e sentidos correm atrás de impulsos poderosos, apesar de nossos melhores
esforços para dominá-los. Como era diferente da nossa, a constituição da mente do
Mestre!
21. Muitos outros acontecimentos podem aqui ser mencionados, como exemplo.
O Mestre, certo dia, começou a reverenciar a Mãe Kali desde seu aposento em
Dakshineswar. Foi à varanda oriental de seu quarto, desceu os degraus do pátio do
templo e foi direto para o templo de Kali. Como o templo de Radha-Govinda estava no
caminho; enquanto se dirigia ao templo de Kali poderia, se quisesse, primeiro entrar no de
Radha-Govinda, reverenciar a sagrada imagem e depois ir ao da Mãe Kali, mas jamais
pôde assim fazer. Ia direto ao templo de Kali e reverenciava-A. Ia ao de Radha-Govinda
somente na volta. Naqueles dias pensávamos que o Mestre assim agia porque amava mais
a Mãe Kali. Um dia, o próprio Mestre falou: "Podem me dizer porque é assim? Quando
tenho a intenção de ir ao templo de Mãe Kali, tenho que ir lá direto. É-me impossível ir ali
se der um passeio a um lugar ou outro, ou depois de ter ido ao de Radha-Govinda e ali
fazer adoração. Alguém, por assim dizer, arrasta meus pés e leva-me direto à Mãe Kali e
não permite que me incline para esse ou aquele caminho. Posso ir onde quiser depois de
ver Mãe Kali. Podem me dizer porque é assim?" Confessávamos nossa ignorância, mas
pensávamos: "É isso possível? Ele pode adorar primeiro Radha-Govinda, se quiser, e depois
ir ao templo de Kali. Mas é assim porque talvez seu desejo de ver a Mãe Kali seja mais
poderoso." Mas não pudemos, contudo, dizer isso imediatamente. O próprio Mestre às
vezes respondia às perguntas assim: "Não vêem? Quando tenho que fazer algo, não tolero a
menor demora." Quem sabia que uma mente concentrada num só ponto fica naquele
estado e se comporta daquele jeito? Quem sabia que a mente do Mestre há muito tempo
havia se tornado absolutamente concentrada num só ponto, não deixando qualquer
brecha em qualquer lugar, que todas as correntes de pensamentos e sentimentos há
muito haviam sido detidas e que ali permanecera somente uma corrente dominante?
Também, às vezes, dizia: "Vejam. Quando estou no estado de consciência Nirvikalpa, nada
permanece - nem 'eu' nem 'você', nem ver ou ouvir, nem falar ou ficar em silêncio. Mesmo
quando desço dois ou três degraus, tenho uma tal intoxicação divina que não posso
desviar a atenção para um grande número de pessoas ou coisas. Se naquele momento
sentar-me e me for oferecida uma refeição com cinquenta pratos, minha mão vai na
direção deles mas só levarei um bocado tirado de um só lugar. Quando estes estados
surgem, o arroz, vegetais, legumes, pudim de arroz - devem todos ser misturados num
lugar do prato. Somente então poderei comer." Ficamos atônitos ao ouvir a respeito do
estado de dois ou três degraus abaixo da absoluta equanimidade. Continuava: "Outro
estado me sobrevinha ao tocar qualquer pessoa. Se algum deles (mostrando os devotos)
me tocar, tenho que gritar de dor." Quem entre nós poderia compreender o mistério de
que uma quantidade transbordante de puro guna Sattva estava na mente do Mestre de
tal forma que ele não podia tocar a menor impureza. Acrescentava também: "Às vezes
esse estado me sobrevinha durante o êxtase de maneira que eu só podia tocar nele
(Baburam). Se ele me tocasse7, (7 Como o Mestre não rinha consciência do corpo durante o êxtase, os membros (mãos, cabeça,
pescoço, etc) inclinavam-se e às vezes todo o corpo dobrava para um lado e ficava a ponto de cair. Os devotos que estavam a seu lado seguravam os membros
e vagarosamente os colocavam no lugar, senão ele cairia. Pronunciavam em seus ouvidos os nomes daquelas divindades, cuja comntemplação havia provocado
aquele estado no Mestre. Por exemplo: Kali, Kali; Rama, Rama; Aum, Aum ou aum Tat Sat e assim por diante. Sendo esse processo continuado durante um
certo tempo, lentamente ele retomava à consciência normal. Sentia muita dor se qualquer outro nome, exceto aquele que pela contemplação do qual estava

185
não sentia dor. Se ele me alimentar, eu como."
inspirado e absorvido, havia sido pronunciado em seu ouvido)
22. Com a mente absorta, o Mestre foi à varanda, onde no dia anterior o carro
fora puxado. Agora, subitamente olhou para trás e viu a devota seguindo-o. Assim que a
viu, saudou-a repetidamente dizendo: "Mãe Venturosa!" "Mãe Venturosa!" A devota
também pôs a cabeça nos pés do Mestre e saudou-o, retribuindo. Quando assim o fez,
o Mestre olhou para seu rosto e disse: "Por que não vem, Ó Mãe, por que não vem
comigo?" Pronunciou essas palavras de tal maneira e a devota também sentiu uma tal
atração, que sem levar em consideração se era correto ou não, ela, que tinha
aproximadamente trinta anos e jamais havia ido de um lugar para o outro, a não ser de
palanquim, seguiu o Mestre até Dakshineswar. Antes de partir, apenas demorou o
tempo suficiente para entrar e dizer à esposa de Balaram Babu: "Vou com o Mestre a
Dakshineswar." Ouvindo que a devota estava se dirigindo para Dakshineswar, uma outra
devota largou o trabalho e saiu com ela. Pedindo às devotas que o seguissem, o Mestre
em estado espiritual, foi direto para o barco com Yogen, Naren Júnior e outros devotos
jovens, onde se sentou. As duas devotas também correram para o barco e sentaram-se no
chão de tábuas da parte descoberta. O barco partiu.
Durante a viagem a devota disse ao Mestre: "Sinto um grande desejo de
chamá-Lo e dedicar toda minha mente a Ele, mas a mente não obedece de jeito algum
a qualquer controle. O que devo fazer?"
23. O Mestre (afetuosamente): "Por que não se refugia n'Ele? Deve-se viver no
mundo como uma folha ao sabor do vento - um prato de folha jogada fora depois de ser
usado, a fim de ser carregado pelo vento, para qualquer lugar que ele carregue. Sabe
como é? Uma folha jogada no lixo permanece abandonada num canto; voa enquanto o
vento a carrega. É exatamente assim. Deve-se depender d'Ele e viver sua própria vida -
a mente deve mover-se enquanto o vento da consciência divina a move. É tudo."
Enquanto se desenvolvia essa conversa, o barco chegou ao ghat do templo.
Assim que o Mestre desceu, foi à 'casa' de Kali8. (8 O Mestre chamava o templo de Kali "a casa de Kali" e o templo de
Radha-Govinda, o de "Vishnu"). As devotas foram à Santa Mãe no Nahabat , (9 A Santa Mãe dormia no andar térreo do
9

Nahabat e ali guardava diversos artigos. Cozinhar etc., eram feitos na varanda defronte àquele cômodo. Às vezes ia ao andar de cima durante o dia e se o
no lado norte do conjunto
número de devotas vindas de Calcutá fosse grande, ele arrumava acomodações para que elas dormissem ali)
de templos. Saudaram-na e dirigiram-se ao templo para reverenciar Kali, a Mãe.
Entrementes o Mestre chegou com os rapazes ao templo de Kali e saudou-A. Em seguida
veio e sentou-se no salão de música onde começou a cantar com sua voz doce,

Ó Mãe, Ó encantadora de Siva! Tu iludiste o mundo. Tu Te distrais


tocando a Vina no grande lótus do centro básico, perto do plexo sacro.

Ó Teu Grande Mantra, que se move em três escalas na forma dos


três Gunas, tocando as três cordas, Sushumna, etc., do instrumento
musical, o corpo!

Ó Mãe! Tu és da forma da ordem Bhairava no centro básico, Sriraga


no lótus de seis pétalas do centro Swadhishthana, Mallara no
Manipura, Vasanta (no Anahata) iluminando o coração, Hindola no
Visuddha e Karnataka no Ajna.

Ó Tu, que está manifestada como as três vezes sete notas sob o
pressão do diapasão, tempo, ritmo, nota diatônica!

Sri Nandakumar diz: 'A Verdade Suprema não pode ser determinada'.
Porque, a realidade empírica e os tríplices Gunas ocultaram a visão
do Jiva, cega alternativamente por sofrimentos e prazeres.

24. O Mestre sentou-se na parte norte do vestíbulo de música defronte à Mãe,

186
cantando. Os devotos, uns sentados, outros de pé, ficaram encantados ao ouvir a canção. No
decorrer do canto entrou em êxtase e subitamente levantou-se. O canto parou. Um sorriso
fora do comum em seus lábios encheu o local de felicidade. Os devotos olhavam, imóveis,
a sagrada pessoa do Mestre. Ao ver que o corpo do Mestre havia se inclinado um pouco,
Naren Júnior dirigiu-se para pô-lo ereto, senão ele cairia. Mas mal o havia tocado, o Mestre
gritou de dor. Vendo que seu toque não havia sido apreciado pelo Mestre, afastou-se, quando
Ramlal, sobrinho do Mestre, ouvindo o grito dentro do templo, saiu rapidamente e segurou o
corpo do Mestre. O Mestre permaneceu naquele estado durante algum tempo e depois de
ouvir os nomes de Deus, voltou à consciência normal. Porém, não conseguiu ficar de pé de
modo natural. Parecia que estava completamente bêbado. As pernas tremiam muito.
Naquele estado desceu com dificuldade os degraus do salão de música até o
pátio do templo e começou a falar, como um menino: "Não vou cair, Mãe, o que Tu
dizes?" Vendo o Mestre naquele estado, realmente tinha-se a impressão de que ele era
um menino de três ou quatro anos. Olhando fixamente para a Mãe enquanto pronunciava
aquelas palavras, descia com confiança os degraus. Será que há em outro lugar uma tal
atitude de confiança em Deus mesmo nos pequenos assuntos?
25. Atravessou o pátio, voltou para o quarto, foi para a varanda oeste e ali
sentou-se. Permanecia em êxtase. Aquele estado não o deixava. Ora era mais forte, ora
menos. Aquele estado alternava-se durante algum tempo. Quando aumentava perdia a
consciência normal. Permanecendo assim por algum tempo, começou naquele estado de
Bhava, a falar aos devotos que estavam com ele: "Vocês têm visto a Serpente? Ela me dá
muito trabalho." Também, como se houvesse esquecido dos devotos, dirigiu-se ao Poder
Enroscado como serpente (porque não é necessário dizer que o Mestre em êxtase A via) e
disse: "Agora vá, vou fumar e lavar a boca; ainda não escovei os dentes." Ora assim
falando com os devotos, ora com a imagem vista em êxtase, o Mestre voltou à consciência
normal.
26. Quando o Mestre permanecia no estado normal de consciência, costumava
ansiar pelos devotos. Mandou alguém à Santa Mãe para saber se havia legumes na
dispensa. Em resposta ela disse que não havia nada e o Mestre ficou preocupado,
pensando quem iria ao mercado. Como os homens e mulheres que haviam vindo de
Calcutá, poderiam comer se não havia legumes? Depois de refletir, perguntou às duas
devotas: "Podem ir e fazer algumas compras no mercado?" Responderam: "Sim" e foram ao
mercado, compraram e trouxeram algumas verduras, batatas e duas grandes berinjelas.
A Santa Mãe cozinhou tudo. Do templo também veio, como de costume, uma travessa
cheia de Prasad. Quando o Mestre terminou de comer, os devotos tomaram o Prasad. Depois
foi esclarecido porque o Mestre havia tido tanta dor ao ser tocado por Naren Júnior.
Perguntado, soube-se que ele (Naren Júnior) tinha um pequeno tumor que estava
gradualmente aumentando. Os médicos haviam colocado remédio para provocar uma
ferida no local, caso contrário seria bastante dolorido para ele. É verdade, já havíamos
sabido anteriormente, que não se deve tocar a forma de uma divindade, quando se tem
uma ferida no corpo. Mas quem pensaria que esse dito se confirmaria diante de nossos
próprios olhos? Sem dúvida sentira dor, mas estava além de nosso poder compreender
o poder divino dentro do Mestre que o fez ficar automaticamente consciente daquele
toque desagradável e o impelira a reagir com um forte grito de dor mesmo estando em
estado elevado espiritual e privado da consciência normal. Conhecíamos quão elevada
era a opinião do Mestre a respeito da pureza de caráter de Naren Júnior. Em seu estado
de consciência normal o Mestre tocava-o como fazia com os outros, apesar da ferida em seu
corpo, permitia-lhe que tocasse o corpo e se movesse com ele de todas as maneiras.
Assim como poderia Naren saber que, no momento do êxtase, o Mestre não suportaria
seu toque porque estava com uma ferida no corpo? Depois desse ocorrido não mais tocou
o Mestre durante o êxtase, até que a ferida ficasse curada.
Ninguém percebeu como o dia inteiro passou na companhia do Mestre, com conversas
religiosas. Mais tarde, no crepúsculo, os devotos voltaram para casa. As duas devotas
despediram-se do Mestre e da Santa Mãe e regressaram a Calcutá.

187
27. Dois ou três dias depois dos acontecimentos acima descritos, o Pandit
Sasadhar deveria vir numa tarde, ver o Mestre no templo de Kali em Dakshineswar. O Mestre
que tinha uma natureza infantil, por diversas vezes havia ficado amedrontado como um
menino, ao saber que alguém famoso o viria ver. Sentia-se intimidado, pensando que não tinha
educação. Além disso não sabia quando o êxtase lhe ocorreria, quando então, ao perder a
consciência do corpo, a roupa, única coisa que o cobria, cairia. Nessas circunstâncias, o que o
recém-chegado pensaria e diria? Observando seu nervosismo, imaginávamos porque estava
tão preocupado com a impressão do recém-chegado a seu respeito. Ele próprio havia
repetidamente ensinado a diversas pessoas: "As pessoas são apenas vermes. Nada de
espiritual será alcançado enquanto vergonha, ódio e medo persistirem." Será que aspirava a
nome e fama? Não, absolutamente. Sua atitude a esse respeito parecia mais ser a de um
menino pequeno, que se encolhia de medo e de vergonha ao ver um estranho, mas com
quem, logo que conquistava certa familiaridade, entregava-se livremente a alegres
brincadeiras, como montar no ombro, puxá-lo pelo cabelo e assim por diante. A atitude do
Mestre era semelhante. Não teria falado ao Maharaja Yatindramohan e ao famoso Krishnadas
Pai da maneira como o fez, se tivesse tido o menor desejo de nome e fama! 10 (10 Logo de saída disse ao
Maharaja Yatindramohan: "Mas, meu caro senhor, não posso chamá-lo Raja (rei); como posso pregar uma mentira?" Também, quando, falando de si mesmo, o
Maharaja comparava-se ao grande rei Yudhishthira, o Mestre ficou impaciente e o criticou-o por aquela atitude).
Às vezes vimos também, que o Mestre ficava com medo porque pensava que a
pessoa que viera a ele pudesse sofrer algum mal. É verdade que não importava de jeito
algum ao Mestre se o recém-chegado apreciasse ou não sua conduta e modos; mas se,
incapaz de compreendê-lo, falasse mal dele, o Mestre pensava que pudesse sobrevir algo mau.
Sabendo disso, ficava com medo. Foi por isso que, quando Girish uma vez disse diversas
palavras rudes a seu respeito em sua presença devido à irritação e ao ressentimento do
amor-próprio ferido, o Mestre falou: "Olhem, deixem-no falar de mim como quiser; só espero
que não tenha falado mal de minha Mãe."
28. Não havia limite à apreensão do Mestre quando soube que Sasadhar viria vê-lo.
Disse a Yogen, Naren Júnior e outros: "Por favor, estejam presentes quando o Pandit
chegar." O que o Mestre queria dizer é que ele era um iletrado e que talvez não pudesse
falar de forma adequada a um Pandit erudito como aquele. Assim todos nós deveríamos
estar presentes e falar com o Pandit e salvar o Mestre de lapsos. Ah, como era difícil explicar
aos outros seu medo infantil! Mas quando Sasadhar realmente chegou, o Mestre, por
assim dizer, tornou-se uma pessoa diferente. Ficou num estado semelhante ao de
consciência normal parcial. Olhando-se cuidadosamente para ele, podia-se notar os lábios
tremendo ligeiramente com um sorriso. Dirigiu-se então ao Pandit e afetuosamente disse:
"O senhor é um Pandit; por favor, diga algo."
Sasadhar: "Senhor, meu coração secou por causa do estudo de filosofia. Assim vim
ao senhor para ganhar um pouco da seiva de devoção. Por isso, por favor fale o senhor
mesmo e deixe-me ouvi-lo."
O Mestre (afetuosamente): "O que vou dizer? Ninguém pode dizer o que é
Existência-Conhecimento-Bem-Aventurança Absolutos. Por essa razão Ele, no princípio,
tornou-se meio masculino e meio feminino. Por que? Porque desejava mostrar que tanto
Purusha como Prakriti eram Ele. Desceu então um degrau e tornou-se o Purusha separado
e a Prakriti separada."
Ao falar assim sobre as verdades ocultas da espiritualidade, ficou agitado, levantou-
se e dirigindo-se a Sasadhar, disse: "Enquanto a mente não se unir à Existência-
Conhecimento-Bem-Aventurança, tanto oração a Deus como deveres mundanos
continuam. Quando, mais tarde, a mente fundir-se n'Ele, não mais se necessita atender
aos deveres. Tome, por exemplo, o verso da canção: 'Meu Nitai é um elefante louco',
cantado no Kirtan. Assim que a canção começa, as palavras são cantadas com enunciação,
tom, tempo, medida, compasso e ritmo corretos. É cantada como deve ser, atendendo a
todos esses requisitos. Depois, à medida que a mente se funde um pouco na emoção
produzida pela canção, são somente cantadas as palavras 'elefante louco', 'elefante
louco'. Também, quando se aprofunda ainda mais, o cantor, ao tentar pronunciar a palavra

188
'elefante' (Hati) canta somente a sílaba 'Há' (quer dizer, permanece com a boca aberta)."
Assim falando, mal acabara de pronunciar a sílaba 'Ha' tornou-se
completamente mudo e imóvel, permanecendo naquele estado durante quinze minutos,
inconsciente, com o rosto brilhante e sereno. No fim do êxtase dirigiu-se a Sasadhar
novamente e falou-lhe afetuosamente.
O Mestre: "Ó Pandit, eu o vi de forma total; o senhor é bom. Depois de
terminar de cozinhar e alimentar todos, a dona de casa coloca a toalha nos ombros e
vai até o lago banhar-se e lavar suas roupas, não mais voltando à cozinha. O senhor
também ao acabar de falar d'Ele, irá embora e não mais voltará."
Ouvindo essas palavras do Mestre, Sasadhar disse: "É tudo por sua graça', e
tomou repetidamente a poeira de seus pés. Ouviu as palavras do Mestre atônito e
rompeu em lágrimas, porque há muito tempo pensava que não poderia realizar Deus.
29. Narraremos a seguir o incidente descrito pelo Mestre a um grande amigo
nosso quando este veio a ele no dia seguinte à visita de Sasadhar a Dakshineswar. O
Mestre (ternamente): "Não vê que nada existe de erudição 'aqui'? Somente um homem
sem educação! Fiquei bastante apreensivo quando soube que o Pandit viria aqui. Veja,
não estou consciente nem mesmo de minha roupa. Fecho-me dentro de mim mesmo com
medo que possa dizer algo que não seja correto. Disse à Mãe: 'Não conheço as escrituras
e filosofias. Somente Te conheço, Mãe; por favor protege-me Tu mesma.' Falei a alguém,
'Esteja presente', também a uma outra, 'Vou me sentir um tanto confiante quando o
sentir comigo.' Mesmo quando o Pandit chegou e sentou-se, o medo persistiu. Permaneci
quieto e continuei olhando para ele e ouvindo suas palavras. Só então percebi a natureza
interior do Pandit. A Mãe mostrou-me que o simples estudo das escrituras é inútil; se
não houver desapego e discriminação essas coisas não têm qualquer utilidade. Algo
imediatamente movia-se em direção à cabeça e o medo desaparecia num instante. Fiquei
totalmente tomado; o rosto virou para cima e senti uma torrente de palavras saindo
da boca. Quanto mais as palavras saíam, mais palavras eram empurradas para frente,
por assim dizer, por alguém de dentro. Era como se um homem estivesse pesando o
arroz nesta região do país (Kamarpukur); uma pessoa conta em voz alta - um, dois e assim
por diante, enquanto outra senta atrás dele e empurra o arroz para frente e o supre com
novas pilhas. Mas eu não sabia o que havia dito. Quando retomei um pouco de consciência,
o que vi foi ele (o Pandit) chorando; estava completamente mudado. Um estado assim
surgia de vez em quando: devido ao medo eu ia repetidamente em direção à árvore
tamarga (quer dizer, para soltar os intestinos). Apareceu também no dia em que Kesav
enviou o recado de que traria consigo um inglês (o missionário Cook que excursionava
pela Índia) e me levaria num passeio de barco pelo Ganga. Quando, porém, chegaram e
levaram-me para o barco, fui tomado por um estado espiritual, e houve uma fluidez de
palavras. Em seguida eles (mostrando-nos) disseram: 'O senhor deu-nos muitas
instruções', mas não sabia de nada, meu filho."
30. Como podemos compreender algo a respeito desses estados exaltados de
nosso Mestre de grandeza sublime! Simplesmente ficamos perplexos e mudos sem saber como
explicá-los ou exprimir nossos sentimentos. Morando em seu corpo e mente, um
maravilhoso Poder brincava de forma sem precedente, trazia quem quisesse a
Dakshineswar por uma atração inexplicável e dava-lhe poder de elevar-se a planos mais
elevados de espiritualidade. Mesmo testemunhando não se podia elucidar o mistério dessas
ocorrências. Mas pode-se saber pelos resultados que esses acontecimentos maravilhosos
realmente aconteceram. Além disso ninguém pode saber nada. Ah! Quantas vezes vimos
com nossos próprios olhos homens maldosos vindo ao Mestre com intenções inimigas e o
Mestre tocando-os em êxtase sob a influência avassaladora daquele Poder e esses homens
maldosos virando uma nova página de sua vida com a natureza interior radicalmente
mudada! Jesus deu vida nova àquela infeliz mulher Maria com um simples toque. Sri
Chaitanya em êxtase pulou nos ombros de uma pessoa, quando então os sentimentos
heréticos de dúvida e descrença foram destruídos e ela adquiriu devoção a Deus. Ao ler a
respeito de acontecimentos similares na vida das Encarnações antigas, costumávamos

189
pensar que estavam forjadas pelo fanatismo de gerações com a simples idéia de ganhar
mais seguidores entre os crédulos e ao dar curso a essas histórias, simplesmente agiam
como obstáculos ao progresso das verdadeiras idéias espirituais. Encontramos relatado no
livro Bhakti-Chaitanya-Chandrika, publicada pela Nova Revelação, que Sri Chaitanya
costumava perder a consciência normal ao ouvir o nome de Hari e lembramo-nos que
considerávamos o autor um tolo. Ah! Como éramos lamentavelmente estreitos naquela
época e quão lastimável nossa condição teria continuado a ser se não tivéssemos tido a boa
sorte de conhecer o Mestre. Tendo tido a bênção de encontrar o Mestre, estamos agora na
posição, como dizem: "de ver o sapé, embora não saibamos como cobrir-nos com sapé".
Agora estamos pelo menos salvos de aceitar qualquer coisa como religião, quer venha do
interior de nossas pobres mentes em dúvida ou de charlatães de fora. Sabedores agora que
devoção, fé e outras qualidades espirituais podem ser transmitidas diretamente a alguém
por uma pessoa competente, tivemos esperança em nossos corações e ficamos confiantes
de alcançar imortalidade ao sermos abençoados com uma gota da graça do Mestre, que é o
oceano da própria graça.

CAPÍTULO VI

SRI RAMAKRISHNA NA COMPANHIA DOS DEVOTOS

A HISTORIA DA MAE DE GOPALA1 - PARTE I


(1 Vamos aqui apresentar ao leitor a maravilhosa história das visões e experiências espirituais da 'mãe de Gopala', devota de Sri Ramakrishna,
exemplo de como o Mestre, estabelecido no estado divino, foi visto por nós encenando o jogo divino com determinados Sadhakas e devotos. Alguns podem sentir
que há exageros nessa história. A eles dizemos que não acrescentamos quaisquer toques, nem mesmo na linguagem. Colocamos diante do leitor quase na forma
pela qual obtivemos das pessoas que, em tudo que dissemos, lançam um olhar agudo na verdade e arrependem-se se assim não agem. Trata-se de pessoas que,
longe de bajularem a "Brahmani de Kamarhati", às vezes diante de nós criticaram alguns atos dela).

(ASSUNTOS: 1. O primeiro encontro com a 'Mãe de Gopala'. 2. Govinda Chandra Datta de


Pataldanga. 3. Sua esposa, uma devota. 4. A família do sacerdote dela: Aghoramani, a viúva-menina dessa
família. 5. Sua devoção e conservadorismo. 6. O templo de Govinda Babu. 7. A espiritualidade nas mulheres
do Oriente e Ocidente. 8. O segundo encontro de Aghoramani com o Mestre. 9. O Mestre na chácara de
Govinda Babu. 10. A visão de Gopala, por Aghoramani. 11. A visita que ela fez ao Mestre. 12. O Mestre
elogiando seu estado. 13. A apreciação do Mestre: "Você alcançou tudo.")

Adoro Sri Krishna, filho da pastora, sob a forma de pastor, negro como uma nuvem
recém-formada, com olhos semelhantes a lótus azuis e cabelo encaracolado com penas
brilhantes de pavão. Adoro a abelha que bebe o mel do lótus do rosto da pastora.
Hino a Gopala

Torno firme a fé dos devotos com a qual procuram adorar qualquer Forma
(Minha).
Gita, VII.6

Aquele que receber essa criança em meu nome, a Mim receberá.


Mateus, XVIII.6

Não sabemos com precisão quando a 'mãe de Gopala' conheceu o Mestre, mas
quando a vimos pela primeira vez com o Mestre em Dakshineswar, no mês de março ou abril
de 1885, ela já o vinha visitando aproximadamente há seis meses e o jogo de Deus como
Gopala, o divino pastor de Vrindavan também estava sendo realizado com ela. Naquela
época a 'Mãe de Gopala', recordamos muito bem, sentava-se em direção sudeste (isto é,
olhando para o Mestre), perto do jarro grande que continha água do Ganga, num dos
cantos do quarto do Mestre. Embora tivesse aproximadamente sessenta anos, não
aparentava essa idade porque, no rosto da velha senhora brilhava a alegria e a felicidade de
uma menina. Ao sermos apresentados a ela, perguntou: "Você é o filho de G-? Certamente

190
você é um dos nossos! Ah, o filho de G- tornou-se um devoto! Nesta época Gopala não fará
qualquer exceção, atrairá a todos, um por um. Isso é bom. Já me relacionei com vocês como
mundano; agora de maneira, mais íntima."

1. Foi no mês de dezembro de 1884. O céu estava muito claro. Eu me recordo,


havia também um pequeno toque de frio, um tanto severo, desde o começo de novembro.
Foi talvez nesse início de inverno, nem quente nem muito frio, que a 'mãe de Gopala' teve a
bênção de conhecer o Mestre. Vieram de barco desde o templo, na margem do Ganga em
Kamarhati, pertencente a Govinda Chandra Datta de Pataldanga. Dizemos 'elas' porque a
'mãe de Gopala' não veio sozinha naquela ocasião, mas com a viúva do proprietário da
chácara e uma parenta distante, chamada Kaimini. O nome de Sri Ramakrishna era
conhecido por muitas pessoas em Calcutá. Desde que ouviram falar dele, as senhoras
estavam ansiosas para conhecer aquele devoto extraordinário. O serviço especial da
sagrada imagem tinha que ser feito no mês de Kartik (novembro). Por conseguinte, a
esposa de Govinda Babu ou 'dona' de Kamarhati, como era chamada, costumava ficar em
Kamarhati nessa época e cuidar pessoalmente daquele serviço. Também, Dakshineswar
estava a duas ou três milhas de Kamarhati; portanto, era muito melhor sair dali para vir
a Dakshineswar. A 'dona de Kamarhati' e a 'mãe de Gopala' aproveitaram a oportunidade
e vieram ao templo de Kali.
Naquele dia o Mestre respeitosamente as fez sentarem-se em seu quarto e deu-
lhes muitas instruções sobre devoção, cantou músicas devocionais e despediu-se delas,
pedindo-lhes que voltassem. Ao se despedirem, a 'dona' pediu ao Mestre que agraciasse
o templo de Kamarhati com sua presença. O Mestre concordou em ir num dia que pudesse.
Elogiou muito a 'dona' e a 'mãe de Gopala' naquele dia. Disse: "Ah, que linda é a
expressão de seus rostos e olhos! Estão, por assim dizer, flutuando na corrente do amor
de Deus; os olhos estão plenos de intenso amor a Deus. Mesmo o Tilaka no nariz é lindo."
Isso queria dizer que o sentimento interior de devoção estava, por assim dizer, expressando-
se através da roupa, rosto, conduta etc., delas, sem qualquer intenção de
exibicionismo.
2. Govinda Chandra Datta de Paraldanga era corretor de uma famosa firma
européia em Calcutá. Havia se tornado muito rico graças à sua eficiência e perseverança,
mas devido a uma crise de paralisia não pudera mais trabalhar. Antes seu único filho havia
morrido e ele seguiu-o. Entre os que o sobreviveram estavam duas filhas, Bhutta e Naran e
seus filhos, mas como ele possuía um patrimônio considerável, pôde passar a última parte
da vida em estudos religiosos e atividades virtuosas e piedosas. Antes de falecer praticou
atos piedosos como organizar palestrar sobre o Ramayana e Mahabharata em sua casa,
instalar com grande pompa, as imagens sagradas de Radha e Krishna na chácara de
Kamarhati, recitar todo o Bhagavata e outros Sastras, e fazer a cerimônia de doação de
valores correspondentes a seu peso e o da esposa a Brahmanas, pobres e outros. Além disso
não faltavam festivais ou, como chamavam, "término dos treze festivais nos doze meses",
ligados à adoração de Radha-Krishna, na chácara de Kamarhati quando o Prasad era
distribuído entre os hóspedes, pobres e indigentes.
3. Depois da morte de Govinda Babu, sua virtuosa esposa, a "dona", continuou a
conduzir durante muito tempo o serviço das imagens sagradas, com a mesma pompa. Por
diversas razões a maior parte da propriedade foi mais tarde perdida. Por conseguinte a
fim de que não se negligenciasse o serviço das imagens sagradas, a "dona" passou a morar
ali e ela mesma encarregou-se de supervisioná-lo. Ao longo de sua vida a "dona" suportou
muitos pesares e sofrimentos. Assim os próprios ossos, por assim dizer, sentiram que só
havia paz na prática da religião, mas os obstáculos mundanos não eram fáceis de serem
vencidos. Tinha que tomar conta de suas filhas Ajneswari e Narayan, dos genros, da
sociedade, posição, honra e outros interesses mundanos. Observava com rigidez estrita o
voto de Brahmacharya desde o dia em que o marido morrera. Costumava dormir no chão,
banhar-se nas três horas importantes do dia, comer somente uma vez em vinte e quatro
horas, dedicar integralmente o tempo e energia a atividades piedosas como Japa,

191
meditação, jejuns, caridade e acima de tudo ao serviço das imagens.
4. A família dos sacerdotes de Govinda Babu viviam bem perto do templo de
Kamarhati. Nilamadhav Bandyopadhyaya, o sacerdote, era uma pessoa respeitável. A 'Mãe
de Gopala', originalmente conhecida como Aghoramani Devi, era sua irmã. Como ficara viúva
ainda na infância, permaneceu membro da família do pai por toda a vida. Aghoramani
começou a passar o tempo no serviço das imagens no templo desde que se tornara muito
íntima da esposa de Govinda Babu, a "dona". Como seu amor a Deus aumentava, passou a
ter um forte desejo de viver no próprio templo às margens do Ganga. Assim, com a
permissão da "dona" começou a viver num dos aposentos das mulheres. Visitava a família
de seus pais uma ou duas vezes por dia e passava o resto do dia nas dependências do
templo, em sua rotina de deveres piedosos.
Aghoramani adorava praticar estrita austeridade e Brahmacharya, como a
"dona". Havia, portanto, uma grande afinidade de pensamentos e sentimentos entre elas. A
"dona", uma rica senhora possuidora de muitas propriedades, tinha de exteriormente
considerar sua posição social em sua maneira de viver. Mas Aghoramani não tinha nada
disso, era comparativamente livre. Também, como viúva-criança e por conseguinte sem
quaisquer herdeiros, não tinha qualquer responsabilidade para aborrecê-la. Suas únicas
posses eram, talvez, seiscentas ou setecentas rupias, provenientes da venda de suas jóias.
Essa soma fora empregada pela "dona" em apólices do governo. Agoramani vivia dos juros
desse dinheiro e, em caso de grande necessidade, tirava um pouco do capital. Naturalmente
a "dona" ajudava-a e ao irmão.
5. Sendo uma viúva-menina, jamais conheceu a felicidade da companhia de um
marido. As mulheres dizem: "As viúvas-meninas são tão extremamente meticulosas a
respeito da observância dos ritos e cerimônias estabelecidas, que até lavam o sal antes de
usá-lo." Aghoramani, à medida que crescia, também transformou-se numa pessoa assim.
Um dia, viemos a saber, cozinhou arroz e o estava servindo da panela para o prato de
Sri Ramakrishna, quando, de uma maneira qualquer, a pequena colher de madeira que
tirava o arroz da panela, foi tocada por ele. Aghoramani não comeu o arroz que sobrou na
panela e jogou até a colher no Ganga. Isso aconteceu exatamente quando ela começou a
visitar o Mestre. Há dois ou três fogões no salão de música (Nahabat) em Dakshineswar. Mui-
tas vezes era tarde antes que o oferecimento de arroz cozido e outros serviços no templo de
Kali tivessem terminado, chegando, às vezes, a passar de uma hora. Quando o Mestre não
estava bem, a Santa Mãe cozinhava bem cedo, para ele, um pouco de arroz e sopa. Eram
também preparados nesses fogões Dal e Chapati para aqueles devotos que de vez em
quando passavam a noite com o Mestre. A Santa Mãe cozinhava sobre esses fornos para
as senhoras que vinham de Calcutá e outros lugares para ver o Mestre e passavam o dia
inteiro e às vezes, a noite também, com ela, no Nahabat. Um dia quando Aghoramani ou a
"Brahmani de Kamarhati", como o Mestre chamou-a no começo, veio visitá-lo, a Santa Mãe
teve de purificar o fogão três vezes com esterco de vaca, água do Ganga etc., antes que a
Brahmani concordasse em colocar a panela. Tal era seu cuidado em observar pureza e
limpeza.
6. Desde a infância, a Brahmani de Kamarhati era uma grande sensitiva. Não
conseguia de jeito algum suportar qualquer referência que desabonasse alguém, quanto
mais pedir ajuda financeira. Além disso, ao ver uma pessoa fazendo algo errado, não
hesitava em lhe falar diretamente sobre isso. Assim, não conseguia ficar bem com ninguém.
O aposento que a "dona" lhe dera para morar, estava no extremo sul do jardim. Podia-se ter
uma boa visão do Ganga através das três janelas do quarto, que tinha duas portas, uma ao
norte e outra, a oeste. A Brahmani sentava-se naquele aposento, olhava o Ganga correr e
fazia Japa noite e dia. Assim passou trinta anos naquele aposento, na alegria e na
tristeza, até encontrar Sri Ramakrishna pela primeira vez.
A família do pai da Brahmani era talvez Sakta (i.é, adorador de Deus como Mãe do
Universo). Não sabemos qual a religião da família de seu sogro, mas ela própria era uma
seguidora do culto de Vishnu e fora iniciada por seu Guru no Mantra de Gopala, Deus na forma
do Menino Krishna. Seu relacionamento íntimo com a "dona" talvez tenha sido responsável

192
por isso porque, a família do Guru de Govinda Babu eram os Goswamis de Malpara,
adoradores de Krishna e um ou dois homens pertencentes a essa família muitas vezes
hospedavam-se em Kamarhati desde que o templo fora construído. Mas é difícil dizer como
Aghoramani adquiriu aquele amor maternal integral a Deus e porque desejou adorá-Lo como
seu filho na forma de Gopala, porque, sendo viúva-menina, não tinha qualquer experiência
do que uma mãe sente pelo filho. Muitos dirão: "Foi devido à sua vida anterior e impressões
passadas." De qualquer maneira sua devoção era um fato.
7. Sempre que as mulheres na Inglaterra ou América sentem necessidade de
religião devido ao sofrimento no mundo ou por qualquer outra razão, ela se manifesta
através de doações, fazer bem aos outros, ou serviço aos pobres e à humanidade
sofredora. Seu único objetivo é fazer bem às pessoas. No nosso país é diferente. Aqui essa
compaixão manifesta-se pela observância de estrita continência, prática de austeridade,
observância de ritos e cerimônias estabelecidos, prática de Japa e semelhantes. À medida
que essas disciplinas passam a dominar suas vidas, o espírito de renúncia surge nelas e
tornam-se cada vez mais introspectivas em suas vidas. A idéia de que a realização de Deus
é o fim e objetivo da vida humana e que aí está a verdadeira paz duradoura, tomou
completamente a atmosfera da Índia e penetrou na própria medula dos homens e
mulheres daqui. Por conseguinte, a vida em solidão e a prática de austeridade pela
Brahmani de Kamarhati, embora surpreendam as pessoas de outros países, é comum
nesse país.
A Brahmani de Kamarhati sentiu uma grande atração por Sri Ramakrishna, desde o
primeiro dia em que o encontrou. Mas porque isso havia ocorrido e qual o alcance que teria,
ela não tinha idéia. Sentiu uma indescritível atração por ele, mas a impressão a seu respeito
não foi além do que comentou: "É um homem muito bom, um verdadeiro monge e devoto.
Gostaria de visitá-lo novamente assim que tiver tempo." A "dona" também sentiu-se assim,
mas provavelmente jamais voltou, senão as pessoas falariam mal dela. Além disso gastava
muito tempo na casa de Pataldanga com as filhas e os genros. Dakshineswar era muito
longe dali e se ela fosse, teria de comunicar a todos. Assim muito provavelmente jamais
voltou a Dakshineswar novamente.
8. A Brahmani não tinha esse problema. Por isso, alguns dias depois da primeira
visita, sentiu um forte desejo de ir ao Mestre, enquanto fazia Japa e logo em seguida, foi
a Dakshineswar com dois ou três pedaços de Sandesh de qualidade inferior. Mal o Mestre a
viu, gritou dizendo: "Ó! Você veio! Dê-me o que trouxe para mim!" A mãe de Gopala disse:
"Fiquei com vergonha de ter levado aqueles Sandesh ruins, vendo que tantas pessoas lhe
traziam tantas coisas boas e alimentavam-no. Além disso, imaginem, mal eu havia chegado
e ele já quis comer aquele alimento sem valor!" Como não pôde falar por medo e
vergonha, trouxe-lhe o Sandesh e deu-o a ele. O Mestre comeu com muito prazer
enquanto dizia: "Por que você gasta dinheiro e traz Sandesh? Prepare e guarde balas de
coco e quando vier aqui, traga-me uma ou duas. Ou traga sempre o que cozinhar para
você mesma, seja Chachchari de trepadeiras e folhas de cabaça ou curry preparado com
favas misturadas com batatas, beringelas e bolinhos de legumes. Tenho muita vontade de
comer coisas feitas por você." A 'mãe de Gopala' disse: "Não se conversou sobre religião ou
assuntos piedosos, somente falou-se de comida. Pensei: 'Vim visitar um estranho Sadhu que
fala de comer, somente de comer. Sou uma pobre indigente, como posso alimentá-lo
tanto? Não vou voltar.' Mas assim que cruzei o portão de Dakshineswar ele, por assim
dizer, estava me atraindo por trás. Não podia prosseguir mas me arrestei, por assim dizer,
até Kamarhati." Consolei a mente de diversas maneiras e me arrastei, por assim dizer, até
Kamarhati". Apenas uns dias mais tarde, a Brahmani caminhou três milhas com
Chachchari na mão para ver o Paramahamsa Deva. Assim que ela chegou, o Mestre pediu
comida como da outra vez, comeu e demonstrou alegria dizendo: "Ah, como foi lindamente
feito! É, por assim dizer, um néctar, um verdadeiro néctar!" Os olhos da mãe de Gopala
encheram-se de lágrimas ao ver a alegria do Mestre. Pensou que, por ela ser muito
pobre, o Mestre elogiava aquela comida comum.
Dessa maneira suas visitas a Dakshineswar tornaram-se cada vez mais

193
frequentes, durante dois ou três meses. Dali por diante passou a trazer de Kamarhati a
Dakshineswar, o que considerasse gostoso, entre os pratos feitos por ela. O Mestre
comia tudo, com satisfação. Também pedia-lhe para trazer coisas baratas, como erva
Sushni ou Chachchari de corriola, etc. Aborrecida com o pedido: "Traga-me isto, traga-me
aquilo", e a frequente repetição de: "Quero comer isso, quero comer aquilo, a mãe de
Gopala pensava de vez em quando: "Gopala, é este o resultado da meditação em Ti? Tu me
trouxeste a um Sadhu que só quer comer. Não vou voltar aqui nunca mais." Mas
novamente aquela irresistível atração! "Quando e quão breve vou lá novamente?" esse
pensamento mais uma vez tomou conta de sua alma.
9. Nesse meio tempo Sri Ramakrishna veio uma vez mais à chácara de Kamarhati
e expressou muita alegria ao ver o serviço das imagens sagradas. Nessa ocasião cantou
diante das imagens. Depois comeu e regressou a Dakshineswar. Vendo o maravilhoso êxtase
na hora do canto, a "dona" e outros ficaram encantados. Mas é muito difícil dizer se os
veneráveis Goswamis não tiveram um pouco de ciúmes e ódio porque poderiam perder o
prestígio. Disseram-nos que isso realmente veio a ocorrer.
Era uma prática antiga da Brahmani de Kamarhati, levantar-se às duas da
manhã, terminar as abluções e sentar-se para Japa às três. Acabava de fazer Japa às
oito ou nove, quando então se banhava e visitava as Sagradas imagens e juntava-se no
serviço do templo, segundo sua capacidade. Mais tarde, quando a oferenda de comida às
sagradas imagens terminava, cozinhava a própria comida ao meio dia. Depois de um
pequeno descanso após a refeição, sentava-se para Japa novamente. Assistia ao Arati à
tarde, passava a maior parte da noite em Japa e bebia um pouco de leite antes de se
deitar por algumas horas. O 'humor de vento' prevalecia em sua natureza e por isso
dormia pouco. Às vezes tinha palpitações e uma vaga sensação desconfortável. Quando o
Mestre soube, disse: "Aquele 'humor de vento' seu é devido à meditação em Hari; se ele
for curado, qual será o sustentáculo de sua vida? Por favor coma qualquer coisa quando se
sentir indisposta dessa maneira."
10. Era 1884. O inverno acabara e a agradável primavera, plena de flores, havia
chegado. Cheia de folhas, flores e canções, a terra experimentava um despertar; uma
espécie de loucura e hilaridade ali estava então no ar. Aquela alegria e exuberância da
Natureza não faziam qualquer diferença entre o bem e o mal como experimentada pelo
Jiva, segundo suas inclinações passadas. As expressões da natureza são as mesmas
embora na linguagem comum dizemos que os virtuosos estão abertos às boas sugestões
da natureza e os maus, às vis. É a diferença.
Por esta época do ano, uma manhã, às três, a Brahmani de Kamarhati sentou-se
para o Japa. Ao terminar o Japa, começou a fazer Pranayama antes de oferecer o resultado
do Japa a seu Ideal Escolhido, quando viu que Sri Ramakrishna estava sentado perto dela,
à esquerda, o punho da mão direita parecia meio cerrado. Via-o agora tão vivo e
claramente como sempre o via em Dakshineswar. Pensou: "O que é isto? Como e quando
ele veio aqui a esta hora?" A 'mãe de Gopala' disse: "Eu estava olhando para ele com
assombro, quando 'Gopala' (como ela costumava chamar Sri Ramakrishna) sentou-se e
sorriu. Com o coração batendo fortemente, logo que apertei a mão esquerda de Gopala (a
de Sri Ramakrishna), aquela figura desapareceu no vazio e o verdadeiro Gopala, de dez
meses, grande assim (indicando o tamanho com as mãos) e exatamente de carne e osso,
saiu daquela figura. Ó que beleza! Engatinhando, com uma das mãos levantada, olhou para
meu rosto e disse-me: 'Mãe, me dê manteiga.' Estava deslumbrada com aquela experiência.
Era um estranho incidente. Dei um grito, alto e fora do comum. Não havia ninguém em casa,
senão teriam vindo correndo. Chorei e disse: 'Meu filho, sou uma pobre mulher, uma
indigente. Com o que poderei alimentá-lo? Onde vou conseguir manteiga e leite, meu
filho?' Mas aquele estranho Gopala deu-me ouvido? Apenas continuou dizendo: 'Dê-me
algo para comer.' O que eu podia fazer? Levantei-me chorando, tirei uma bala seca de
coco de um amarrado e colocando-a em sua mão, disse: 'Gopala, meu filho, embora eu
esteja dando essa coisa sem valor para comer, não me retribua com essas frutas.'
11. "Então e o Japa? Como poderia fazê-lo? Gopala veio, sentou-se no meu colo

194
e arrancou o rosário. Montou no meu ombro e engatinhou por todo o quarto. Logo que
amanheceu, parti para Dakshineswar, correndo como louca. Gopala subiu no colo e
deitou a cabecinha no meu ombro. Apertei-o contra o peito, com uma mão nas suas
nádegas e outra, nas costas e fiz todo o trajeto a pé. Vi claramente que os dois pezinhos
cor de rosa de Gopala, balançavam-se no meu peito."
Inebriada de intenso amor por Deus por ter alcançado a visão de seu próprio
Ideal Escolhido, Aghoramani caminhou bem cedo pela manhã, da chácara de Kamarhati
até o Mestre em Dakshineswar. Outra devota, nossa conhecida, também estava
presente. Vejamos o que ela nos disse:
"Eu estava varrendo e limpando o quarto do Mestre. Era de manhã, entre 7 e
7:30., quando ouvimos alguém do lado de fora, chorando: 'Gopala, Gopala', e vindo em
direção ao quarto do Mestre. A voz nos era familiar e gradualmente aproximou-se. Olhei
e verifiquei que era a 'mãe de Gopala'. Não estava vestida direito e parecia uma louca,
com os olhos para cima e a barra da roupa arrastando no chão. Parecia estar inconsciente
de tudo que a cercava. Entrou no quarto do Mestre naquele estado. O Mestre estava
sentado no divã pequeno.
"Vendo a 'mãe de Gopala' naquela condição, fiquei completamente surpresa; o
Mestre entrou em êxtase ao vê-la. A 'mãe de Gopala' nesse meio tempo chegou e
sentou-se perto dele e como um menino, o Mestre sentou-se no seu colo. Seus olhos
derramavam copiosamente lágrimas. Ela então alimentou o Mestre com creme,
manteiga e leite que havia trazido consigo. Eu estava perplexa com a cena, porque
jamais havia visto antes o Mestre em Bhava, tocar uma mulher, embora tivesse
ouvido que a Brahmani, Guru do Mestre, às vezes assumira a atitude Yasoda e o
Mestre, na atitude de Gopala, sentara-se em seu colo. Contudo, eu estava
completamente estupefata vendo o estado da mãe de Gopala e o do Mestre. Um pouco
mais tarde, o estado do Mestre chegou ao fim. Ele levantou-se e sentou-se no divã. Mas
o estado mental da 'mãe de Gopala' não acabou. Fora de si de alegria levantou-se e
dançando por todo o aposento como uma louca dizia: 'Brahma dança, Vishnu dança' e
assim por diante. O Mestre viu, sorriu e disse-me: 'Veja, ela está totalmente tomada de
Felicidade; a mente paira agora na esfera de Gopala.' Mesmo mais tarde a 'mãe de
Gopala' teve realmente aquelas visões em Bhava quando se tornava uma pessoa
diferente, por assim dizer. Outra vez, ao comer, tomada de emoções espirituais e
pensando que éramos muitos Gopalas, alimentou-nos com arroz, com suas próprias
mãos. Como não casei minha filha com uma pessoa de nível social igual ao nosso, ela
não gostava muito de mim. Naquela época, com que humildade ela se desculpou comigo
por isso! Disse: "Será que eu sabia que a senhora tinha tanta fé e devoção? Gopala
quase não pode tocar em alguém no momento de Bhava e hoje sentou-se, em Bhava,
nos seus ombros! A senhora é uma pessoa comum?" De fato, naquele dia o Mestre
havia subitamente entrado em Bhava ao ver a 'mãe de Gopala' e primeiro sentou-se
nas costas daquela senhora em particular e em seguida, no colo da 'mãe de Gopala'
durante algum tempo.
Ela chegou a Dakshineswar naquele estado e disse muitas coisas a Sri
Ramakrishna, derramando profundas lágrimas, na exuberância de Bhava. Disse:
"Gopala está aqui no meu colo, então ele entra no seu corpo (de Sri Ramakrishna)...
logo sai. Venha, meu filho, venha para o colo de sua pobre mãe." Ela via o irrequieto
Gopala às vezes desaparecendo na pessoa do Mestre e às vezes vindo a ela na forma
brilhante de um menino. Não havia fim para Seu jogo infantil e Suas brincadeiras.
Estava mergulhada naquela onda de emoções; esquecera-se de todas as austeras
regras; todo cuidado com os ritos e cerimônias. Quem pode controlar-se quando
submerso nas ondas de Bhava?
12. Daquele dia em diante Aghoramani tornou-se a 'mãe de Gopala' no sentido
real do termo e o Mestre começou a chamá-la por esse nome. Sri Ramakrishna
expressou grande alegria ao ver aquele estado extraordinário da 'mãe de Gopala'. Passou a
mão em seu peito a fim de acalmá-la. Em seguida alimentou-a com diversas comidas

195
gostosas que estavam no quarto. Enquanto comia, a Brahmani, sob influência de Bhava,
dizia: "Gopala, meu filho, sua mãe passou a vida em grande pobreza; ela ganha a vida de
forma humilde, vendendo cordão sagrado que fiou com um fuso. É por isso que você está
tendo tanto cuidado com ela ?"
O Mestre providenciou para que ela ficasse o dia inteiro com ele. Ela tomou banho
e comeu. Ele acalmou-a e mandou-a para Kamarhati um pouco antes do pôr-do-sol. Gopala,
visto em Bhava, estava em seus braços e acompanhou-a como antes em seu caminho
para Kamarhati. Quando chegou em casa, a 'mãe de Gopala' sentou-se para Japa como
era hábito. Mas pôde ela fazê-lo? Porque Ele, o verdadeiro objeto para quem ela orava,
passava as contas e dispensava dias e noites em meditação, estava diante dela brincando,
fazendo travessuras, importunando. Por fim a Brahmani levantou-se e deitou-se na cama
com Gopala a seu lado. A Brahmani não tinha roupa de cama, nem mesmo um travesseiro
para descansar a cabeça. Por não ter um travesseiro, Gopala começou a resmungar e não
lhe dava sossego. Não tendo outra alternativa, a Brahmani colocou a cabeça de Gopala no
braço direito e apertando-o contra o peito, consolou-o, dizendo: "Meu filho, hoje, durma
assim. Quando amanhecer irei a Calcutá e pedirei a Bhuta (filha mais velha da "dona")
para fazer um macio travesseiro de sementes clareadas de algodão."
Já dissemos que a 'mãe de Gopala' costumava cozinhar a própria comida e
alimentando mentalmente Gopala, comia-a como Prasad. No dia seguinte foi ao jardim
bem cedo pegar lenha seca para cozinhar e alimentar o Gopala de carne e osso. Viu
também Gopala vindo com ela, juntando galhos secos e empilhando-os na cozinha.
Assim que mãe e filho apanharam combustível, ela começou a cozinhar. Enquanto
cozinhava, o travesso Gopala observava o que ela fazia, às vezes sentando-se a seu lado
e às vezes, montado em suas costas. Continuava tagarelando e fazendo pedidos à mãe,
enquanto a Brahmani procurava controlá-lo ora com palavras doces, ora com firmes
ameaças.
A 'mãe de Gopala' veio a Dakshineswar novamente, alguns dias depois do
ocorrido acima. Viu o Mestre e foi ao Nahabat, onde a Santa Mãe vivia e sentou-se
para fazer Japa. Terminado o número usual de Japa e fazendo saudações, ia levantar-se
quando viu que o Mestre havia chegado, vindo do Panchavati. Ao ver a 'mãe de Gopala' o
Mestre disse: "Por que você faz tanto Japa agora? Certamente já alcançou tanto!"
13. 'Mãe de Gopala': "Não devo fazer Japa? Já alcancei tudo?"
Mestre: "Sim, você alcançou tudo."
'Mãe de Gopala': "Tudo?"
Mestre: "Sim, tudo."
'Mãe de Gopala': "O que senhor diz? Já alcancei tudo?"
Mestre: "Sim, tudo. Você já terminou o que tinha que fazer para você mesma, com
execução de Japa, austeridade e outras práticas espirituais. Mas pode fazer essas coisas, se
quiser, para este corpo (mostrando-se), para que fique bem."
'Mãe de Gopala': "Então tudo o que eu fizer de agora em diante, será do senhor,
do senhor, do senhor."
Mencionando esse acontecimento, a 'mãe de Gopala' costumava dizer-nos de
vez em quando: "Ouvindo as palavras de Gopala aquele dia, joguei no Ganga tudo: o
rosário, o saquinho do rosário etc. Fiz então Japa nos dedos para o bem de Gopala.
Muito tempo depois comecei a usar um rosário. Pensei: 'Devo fazer algo? O que devo
fazer as vinte e quatro horas?' Portanto, para o bem de Gopala, passei as contas do
rosário."
Dali em diante, Japa e austeridade da 'mãe de Gopala' chegaram ao fim. As visitas a
Sri Ramakrishna em Dakshineswar tornaram-se mais frequentes. Aquela onda de Bhava
também gradualmente lavou sua rígida observância das regras de pureza com respeito à
comida e hábitos de vida. Gopala ocupava completamente sua mente e coração e não havia
limite às maneiras pelas quais ele lhe ensinava. E como ela podia preservar intacta aquela
inabalável rotina sua? Porque Gopala queria comer em horas inadequadas e ele empurrava
na boca de sua mãe o que comia. Podia aquilo ser rejeitado? Além do mais chorava se o

196
fosse. Uma vez que ela flutuava sem parar naquela onda de Bhava, a Brahmani sabia que
não se tratava de um jogo de ninguém a não ser de Sri Ramakrishna e que não era
outro senão ele que era seu "Sri Krishna na forma de Gopala, negro como uma nuvem
recém formada e com olhos como as pétalas de um lótus azul." Cozinhava para ele,
alimentava-o e comia seu Prasad.
Assim a Brahmani de Kamarhati viveu continuamente durante dois meses com
Sri Krishna na forma de Gopala, que ela colocava ora no peito, ora nas costas.
Certamente! Ela pertence ao grupo de raras, afortunadas pessoas que desfrutam de
uma tal onda contínua de Bhava durante tanto tempo e experimenta a visão da
Consciência Pura, reunida e vivificada no Nome divino (Nama), divina Morada (Dhama)
do Senhor (Shyama). O amor maternal por Deus é em si mesmo raro no mundo - a
aquisição desse amor é impossível enquanto houver a mais leve consciência dos poderes
de Deus no coração de uma pessoa. Mais rara ainda, é a visão de Deus através
daquele amor condensado, por assim dizer, com a ajuda de devoção sem precedente!
Há um dito: "A Mãe Kali está desperta no Kaliyuga, Gopala está desperto no Kaliyuga." É
talvez porque a realização dessas duas formas do Senhor divino são às vezes
encontradas, ainda agora.
Sri Ramakrishna disse à 'mãe de Gopala': "Você alcançou muito. O corpo não
pode continuar no Kaliyuga se esse estado persistir durante muito tempo." Era, parece,
o desejo do Mestre que o amor de Deus permanecesse ainda por mais algum tempo para
o bem da humanidade, oferecendo um exemplo ideal daquela forma de Bhava ou amor
divino. Depois de dois meses seu Bhava e visão de Gopala deixaram de ser contínuos,
mas ela os tinha como antes, quando se sentava e meditava em Gopala.

CAPÍTULO VII

SRIRAMAKRISHNA NA COMPANHIA DOS DEVOTOS:

VOLTA DA VIAGEM DE CARRO EM 1885

E A HISTORIA DA MAE DE GOPALA

- ÚLTIMA PARTE –

(ASSUNTOS: 1. Festival do Carro na casa de Balaram Bose. 2. O Mestre e o Sankirtan de Sri


Chaitanya. 3. Os serviços devocionais de Balaram. 4. O extraordinário serviço de Balaram ao Mestre. 5. O
Mestre jamais usava as palavras "eu" e "meu". 6. O Mestre e seus provedores. 7. A devota família de Balaram.
8. O Festival do Carro da casa de Balaram como expressão de devoção. 9. O maravilhoso relacionamento do
Mestre com as devotas. 10. O Mestre mandando chamar a “Mãe de Gopala”. 11. O estado do Mestre à chegada
da “Mãe de Gopala”. 12. O encanto do Mestre em Bhava. 13. O Mestre retorna a Dakshineswar. 14. A reação
do Mestre ao ver o embrulho da “Mãe de Gopala”. 15. O arrependimento da “Mãe de Gopala”. 16. O aspecto
mental da “Mãe de Gopala”. 17. Devotos Marwari vieram ao Mestre. 18. Opinião do Mestre a respeito de
presentes. 19. O Mestre dando os doces que havia ganho à “Mãe de Gopala”. 20. Ninguém deve relatar suas
visões aos outros. 21. A “Mãe de Gopala” é apresentada a Swami Vivekananda. 22. O Mestre vendo um
espírito na chácara de Kamarhati. 23. O Mestre alimentando a “Mãe de Gopala”. 24. A visão que ela tinha do
universo como a forma de Deus. 25. A “Mãe de Gopala” no mosteiro de Baranagar. 26. A “Mãe de Gopala” com as
mulheres ocidentais. 27. A “Mãe de Gopala” na casa de Sister Nivedita. 28. Falecimento da “Mãe de Gopala”.
29. Final da história da “Mãe de Gopala”.)

Aqueles que com a mente concentrada, adoram-Me e sempre permanecem unidos


a Mim, trago e conservo todas as coisas que necessitam.
Gita, IX,22

1. O Mestre veio à casa de Balaram Babu em Baghbazar, Calcutá por ocasião


do festival do carro, algum tempo depois que a Brahmani de Kamarhati tivera a visão

197
de Deus sob a forma de Gopala. Uma multidão de devotos reuniram-se na casa de
Balaram. Fora de si de alegria, Balaram Babu recebia de forma hospitaleira e dava
boas-vindas a todos. Balaram pertencia a uma família devota de Deus há muitas
gerações. Ele e sua família receberam em abundância, a graça do Mestre.
2. Um dia, o próprio Mestre contou-nos que, quando Balaram desejou ver as
pessoas do Sankirtan de Sri Chaitanya, teve a visão delas, percorrendo as ruas da
cidade. Foi uma visão maravilhosa - uma multidão infindável enlouquecida pela completa
inebriação de amor e encanto que emanava da figura central de Sri Gauranga, ele próprio
perdido no ardor da devoção; uma confluência onde ondas de amor se arrastavam. Aquele
mar ilimitado de pessoas lentamente começou a mover-se do Panchavati até em frente do
quarto do Mestre. O Mestre disse que naquela procissão viu o rosto de Balaram Babu,
serenamente brilhante com a luz da devoção. Foi um dos rostos que chamou sua atenção e
que permaneceu gravado para sempre na memória. Logo que o Mestre viu Balaram Babu
na primeira visita ao templo de Kali em Dakshineswar, reconheceu-o como a pessoa vista
naquela procissão.
3. Balaram Babu tinha uma propriedade em Kothar, Orissa, onde o serviço de
Deus era feito para a imagem de Shyamchand (Krishna). Tinha também uma casa em
Vrindavan, onde a adoração de Syamasundara (o lindo Menino Krishna azul) era
conduzida. Além disso, o serviço em sua residência em Calcutá era feito para a
imagem de Jagannath que, no final de sua vida, levou para Kothar. "A comida oferecida
por Balaram é pura," d i z i a Sri Ramakrishna, "eles vêm servindo Deus, convidados
e Sadhus, gerações após gerações. O pai renunciou a tudo e está morando na sagrada
Vrindavan, repetindo o nome de Hari. Posso comer com prazer o que Balaram oferece.
Assim que é colocado na boca, automaticamente desce, por assim dizer." De fato
reparamos que, entre o alimento que os devotos davam, era o de Balaram que ele
tomava com o maior prazer. O Mestre, invariavelmente, almoçava ao meio-dia na
casa de Balaram sempre que vinha a Calcutá de manhã. Embora demonstrasse alguma
restrição a respeito da comida, contudo não o fazia se fosse Prasada de Narayana ou
de qualquer outra divindade.
4. Existe um elemento indescritível e fora do comum até nas atividades
corriqueiras, diárias ou ocasionais, das grandes almas, que certamente são poucas e
encontram-se afastadas umas das outras. Qualquer pessoa que ficasse na companhia de Sri
Ramakrishna, mesmo por um dia, compreenderia essa verdade. Uma vez durante a
Sadhana, o Mestre orou e disse à Mãe: "Mãe, não me torne um seco e austero monge;
mantém-me acima do desejo." A Mãe Divina também mostrou-lhe que quatro provedores
de suas necessidades haviam sido enviados a este mundo. O Mestre costumava dizer que
desses quatro, Mathur, o genro da Rani Rasmani, era o primeiro e Sambhu Mallick, o
segundo. Surendranath Mitra, a quem o Mestre chamava Surendra e às vezes Suresh era,
ele considerava, um 'meio provedor'. Não tivemos sorte de ver a natureza e extensão dos
serviços prestados por Mathuranath e Sambhu Babu, porque quando viemos ao Mestre, já
haviam falecido. Ouvimos, contudo, do Mestre, que foi um serviço maravilhoso. Não nos
lembramos que o Mestre tenha alguma vez dito que Balaram fora um dos 'provedores de
suas necessidades', mas o privilégio que teve de servir o Mestre, que tivemos ocasião de
testemunhar, foi de natureza extraordinária. Seu serviço não foi inferior, em nenhum
aspecto, àquele dos outros 'provedores', exceto o de Mathur Babu. Falaremos mais a esse
respeito posteriormente. Balaram Babu forneceu toda comida necessária ao Mestre - arroz,
doces, farinha, sagu, cevada, aletria, tapioca etc. - desde o dia em que foi pela primeira
vez a Dakshineswar até o dia em que o Mestre morreu. Surendra ou Suresh Mitra, como
era chamado, costumava providenciar comida e alojamento para os devotos que passavam
a noite com o Mestre em Dakshineswar.
Quem pode dizer qual o relacionamento oculto que essas pessoas tiveram com o
Mestre? Quem pode explicar porque tiveram aquele elevado privilégio?
Compreendemos que se tratava de pessoas raras e afortunadas, especialmente
escolhidas pela Mãe do Universo, caso contrário não teriam tido o privilégio de

198
participarem da Lila de Sri Ramakrishna, Seus rostos não teriam sido impressos tão
profundamente na mente sempre livre, pura e despertada de Sri Ramakrishna a fim de
permitir-lhe reconhecê-las logo que as visse. Ele dizia: "Eles pertencem a 'aqui'(i.é. a
ele); nasceram com esse privilégio especial."
5. O Mestre costumava dizer: "Pertencem a 'aqui' ao invés de dizer: "Eles são
meus", porque nem a menor consciência do eu poderia ter lugar na mente pura de Sri
Ramakrishna. Era, portanto, muito difícil para ele, usar palavras como 'eu' e 'meu'1. (1 A fim de
evitar ficar estranho, às vezes usamos "eu" e "meu"no falar do Mestre, embora, no original, ele usasse invariavlemente as duas outras expressões). Ou
porque não dizer, que era difícil, que ele não podia de jeito algum, usar essas duas palavras.
Quando era absolutamente necessário pronunciá-las, falava-as no sentido de: "Eu sou o
servo ou o filho da Divina Mãe". Isso somente poderia ser dito se a mente tivesse
previamente essa atitude. É por isso que, quando era necessário dizer "meu" no decorrer
da conversa, o Mestre quase sempre apontava para o corpo e dizia 'este lugar'. Os devotos
também podiam compreender o que ele queria dizer. Por exemplo, quando dizia: "tal e tal
pessoa não é 'desse lugar' ", ou "não é a atitude ou idéia 'desse lugar'," queria dizer que:
"ele ou ela não eram dele", ou "esta não era sua atitude ou idéia".
6. Agora falaremos algo a respeito dos provedores das necessidades do Mestre. O
primeiro foi Mathuranath que empenhou-se em servir o Mestre durante quatorze anos,
desde a época de sua chegada ao templo de Kali até algum tempo depois que sua Sadhana
terminou. O segundo, Sambhu Babu viveu e serviu o Mestre desde algum tempo depois do
falecimento de Mathur Babu até um pouco antes que Kesav e outros devotos de Calcutá
fossem a ele. O "meio provedor", Suresh Babu viveu, serviu e cuidou dele e de seus
devotos Sannyasins, de seis a sete anos antes do Mestre falecer até quatro ou cinco anos
depois daquele acontecimento. O mosteiro de Baranagar (que mais tarde veio a
converter-se em Belur Math) foi fundado na antiga casa dilapidada dos Munshi Babus de
Baranagar, a pedido sincero de Suresh Babu que cobriu as despesas. Faltam, contudo
um provedor e meio. Quem são eles? A americana Sra. Sara C. Bull que muito ajudou
Swami Vivekananda a estabelecer Belur Math e Balaram Babu de quem estamos falando
- serão eles esse u m e m e i o ? Quem irá agora resolver esta questão na ausência (das
formas densas) de Sri Ramakrishna e Swami Vivekananda?
7. Desde que foi a Dakshineswar, Balaram Babu costumava convidar Sri
Ramakrishna à sua casa por ocasião do festival anual do carro. Sua casa ou melhor, a
casa de seu irmão Rai Harivallabha Basu Bahadur, que era um famoso advogado de
Cuttack, estava situada na rua de Ramkanta Basu em Baghbazar. Balaram Babu
costumava viver na casa do irmão cujo número era 57. Não se pode determinar quantas
vezes a casa da rua Ramkanta Basu 57 fora santificada pela presença do Mestre. Quem
poderá dizer quantas pessoas foram abençoadas com o privilégio de vê-lo lá? O Mestre
às vezes chamava brincando, o templo de Dakshineswar, o 'forte' de Kali, a Mãe. Não é
exagero chamar essa casa, Seu segundo 'forte'. "Todos os membros da família de
Balaram", dizia o Mestre, "estão afinados no mesmo tom". Todas as pessoas da casa,
desde os donos até as crianças pequenas eram devotos do Mestre. Nenhuma delas
tomava qualquer coisa, mesmo água, antes de fazer Japa do nome de Deus. Cada uma
observava os quesitos de uma vida piedosa como adoração, leitura sagrada, serviço aos
monges e doações para boas causas. Vê-se em muitas famílias que, enquanto um ou
dois membros são religiosos, os outros são de natureza diferente com interesses
voltados para os assuntos mundanos. Mas nessa família era diferente; todos tinham o
mesmo modo de pensar. Raras, contudo, são as famílias no mundo que não têm interesse
religioso; ainda mais raras são aquelas nas quais todos os membros têm amor para o
mesmo ideal e ajudam-se mutuamente nessa realização. Essa família era, por
conseguinte, o segundo 'forte' do Mestre e não é surpresa, que ele ali se sentisse bem.
8. Já dissemos que o serviço de Jagannath costumava ser feito nessa casa e um
carro era puxado por ocasião do festival do carro. Mas tudo era expressão do amor a
Deus e não havia qualquer pompa exterior e grandeza, sem decoração, música, o
barulho e alvoroço do povo - não havia nada disso. Um pequeno carro costumava ser

199
puxado na varanda quadrada no primeiro andar que dava para um pequeno pátio
embaixo. Um grupo de cantores de Kirtan chegou. Cantavam enquanto o carro era puxado
e o Mestre e os devotos juntaram-se ao canto. Mas em que outro lugar se poderia
encontrar aquela felicidade, aquela profusão do amor a Deus, aquele estado de intoxicação
de Deus e aquela doce dança do Mestre! Satisfeita com a devoção pura da família Sattvika,
Jagannath, o Senhor do universo realmente manifestava-se na imagem dentro do carro e
no corpo de Sri Ramakrishna! A ocasião era ímpar. Levados pela corrente da pura
devoção, mesmos os corações dos homens sem Deus derretiam-se em lágrimas, isso
para não falar daqueles dos devotos. Depois de algumas horas desse Kirtan, era oferecida
comida a Jagannath e depois do Mestre ter comido, todos tomaram Prasad. Mais tarde,
altas horas da noite, aquela feira de felicidade chegou ao fim e todos, à exceção de alguns,
voltaram para casa. O autor deste livro teve o privilégio de participar dessa cerimônia
somente uma vez na vida, no Festival do Retorno da Viagem do Carro em 1885, para o
qual a “Mãe de Gopala” também foi convidada, a pedido do Mestre. O Mestre veio à casa
de Balaram Babu naquela ocasião, passou dois dias e duas noites e voltou de barco a
Dakshineswar, no terceiro dia às oito ou nove da manhã.
O Mestre chegou em casa de manhã. Sentou-se no quarto e depois entrou para
tomar uma refeição ligeira. Muitos devotos reuniram-se no aposento externo, chegando em
grupos de dois ou três e no aposento interno vieram as devotas do Mestre que moravam na
vizinhança. Muitas delas eram parentes ou amigas de Balaram Babu. Ele costumava chamá-
las e trazê-las à sua casa sempre que o Mestre vinha. Sempre que ia a Dakshineswar
visitar Sri Ramakrishna, levava-as com ele. Muitas devotas - a senhora Bhavini, mãe de
Assim, a mãe e avó de Ganu e também, a mãe desse aqui, a tia daquele outro, a irmã do
marido daquele terceiro, a vizinha de um vizinho de um quarto e assim por diante - todas
vieram aquele dia.
9. Somos incapazes de descrever o relacionamento do Mestre, que era destituído
do mais leve traço de desejo, com aquelas devotas virtuosas. Muitas delas consideravam o
Mestre seu Ideal Escolhido. Cada uma tinha fé nele. Também, algumas afortunadas, entre
elas a “Mãe de Gopala”, sabiam disso através de suas visões espirituais. Assim sabiam
que o Mestre era mais do que seu amigo íntimo e não sentiam medo, estranheza ou
vacilação em sua presença. Ao prepararem em casa arroz, em primeiro lugar
costumavam reservar uma parte para o Mestre antes de usá-lo para o consumo da
casa, que enviavam ou elas mesmas levavam a Dakshineswar. É difícil calcular quantas
vezes durante a vida do Mestre essas senhoras foram a Dakshineswar e voltaram.
Algumas vezes regressaram antes do pôr-do-sol , em outras, às 10 horas da noite e até
depois da meia-noite quando o Kirtan e o festival terminaram em Dakshineswar. O
Mestre, como um menino, ansiosamente consultava algumas delas sobre remédios para
seus problemas de estômago. Se alguém sorrisse com um ar incrédulo ele dizia: "O que
você sabe? Ela é esposa de um grande médico, pode conhecer um pouco a respeito de
remédios." Sobre uma delas, enquanto ele observava seu intenso amor a Deus, dizia:
"Ela é uma Gopi que se tornou perfeita pela graça de Deus." Numa outra ocasião,
quando havia experimentado comida feita por ela, disse: "Ela é uma cozinheira de
Vaikuntha; tem a mão perfeita ao cozinhar 'Sukta'."
10. Enquanto fazia uma refeição ligeira, o Mestre falou da boa sorte da “Mãe
de Gopala” às devotas: "Aquela Brahmani", disse afetuosamente, "que vem de
Kamarhati e que tem um amor maternal a Deus como Gopala, teve diversas visões. Diz
que Gopala estende a mão para pegar sua comida. Outro dia veio aqui intoxicada de
amor por ter experimentado muitas dessas experiências. Enquanto comia, ficou mais
calma. Pedi-lhe que passasse a noite aqui, mas ela não quis. Permaneceu inebriada
durante o trajeto de volta. A roupa que vestia arrastava-se pelo chão mas ela não
tinha consciência desse fato. Levantei a roupa e passei a mão em seu coração e cabeça
para acalmá-la. Tem muita devoção e é muito boa. Por que não a buscam?"
Assim que Balaram soube do desejo do Mestre, mandou que um homem
trouxesse a “Mãe de Gopala” de Kamarhati porque havia muito tempo para ela chegar,

200
uma vez que Mestre permaneceria ainda naquele dia e no dia seguinte.
11. O Mestre terminou a refeição e voltou para o aposento externo onde
conversou com os devotos. Logo o almoço do Mestre havia terminado. Os devotos
também tomaram Prasad. Descansou um pouco antes de sentar-se no cômodo externo e
conversou com os devotos a respeito de vários assuntos. Mais ou menos no crepúsculo
o Mestre entrou em êxtase. Todos nós vimos a imagem de metal do Menino Gopala -
engatinhando, com a diferença que a mão direita está levantada para pedir algum
alimento e o rosto está dirigido para cima como se estivesse olhando para o rosto de
alguém, com os olhos exprimindo alegria e como desejando algo. O corpo e membros do
Mestre assumiram exatamente aquela postura sob influência de Bhava, exceto pelos dois
olhos que permaneceram semicerrados, voltados para o interior, não vendo nada do
exterior. Imediatamente depois que o estado de Bhava do Mestre começasse, a
carruagem trazendo a “Mãe de Gopala” chegou e parou no portão da casa de Balaram
Bose e ela subiu as escadas e viu o Mestre na forma de seu Ideal Escolhido. Os devotos
compreenderam que havia sido a devoção da “Mãe de Gopala” que provocara a súbita
consciência de Gopala no Mestre. Todas as pessoas presentes mostraram a ela grande
respeito e reverência, imaginando quão afortunada era. Todos disseram: "Ah! Quão
maravilhosa é a devoção dela! O Mestre tomou a forma do Próprio Gopala pelo anseio de
sua devoção!" A “Mãe de Gopala” disse: "Mas eu não gosto dessa rígida postura
externa, como uma tora de madeira, sob a influência de Bhava. Meu Gopala vai rir,
brincar, andar e correr. Ah! O que é isto? Essa postura de tora de madeira! Não quero
ver esse Gopala." No dia em que ela viu pela primeira vez o Mestre perder a consciência
normal em êxtase dessa maneira, realmente ficou tomada de medo e disse enquanto
empurrava a pessoa do Mestre: "Por que você está nessa condição, meu filho?" Isso
aconteceu quando o Mestre foi a Kamarhati pela primeira vez.
12. Quando conhecemos o Mestre, ele estava com quase quarenta e nove anos.
Talvez faltassem cinco ou seis meses antes de seu quadragésimo nono aniversário. A
“Mãe de Gopala” também o conheceu naquela época. Antes de encontrarmos o Mestre,
achávamos que as pessoas gostavam da dança espontânea e dos gestos de uma criança,
mas que seria ridículo ou desagradável quando vissem uma pessoa adulta agindo desse
modo. Swami Vivekananda costumava dizer, "Imaginem um rinoceronte dançando como
uma dançarina!" Mas ao virmos o Mestre, tivemos de mudar de opinião. Embora fosse
avançado em idade, o Mestre dançava, cantava, fazia diversos gestos - e ah, como eram
graciosos! "Jamais havíamos sonhado," disse Girish Babu, "que um jovem robusto e
crescido ficasse tão bem dançando." Mas que linda havia sido a postura do corpo e dos
membros sob a influência da consciência de Gopala, hoje na casa de Balaram Babu!
Nessa época não compreendemos porque ele parecia tão belo. Apenas sentimos que era belo
e nada mais. Agora compreendemos que, sempre que algum estado vinha a ele, tornava-se
completo, sem admissão de qualquer outro estado e sem qualquer toque de insinceridade ou
exibicionismo. Então ficava completamente inspirado, absorvido ou como jocosamente
dizia: 'diluted'- essa era uma das poucas palavras em inglês que o Mestre empregava -
com aquele estado. A identificação era tão perfeita que ninguém sentia qualquer
excentricidade num homem de meia idade agindo como um menino ou uma mulher
naquele estado inspirado. As fortes ondas de Bhava explodiam e mudavam seu corpo e
faziam-no assumir uma forma completamente diferente.
13. Naquela ocasião o Mestre passou dois alegres dias e noites na companhia dos
devotos na casa de Balaram Babu. Era agora o terceiro dia e estava pronto para voltar
a Dakshineswar. Mais ou menos oito ou nove horas da manhã foi reservado um barco no
Ghat para a partida do Mestre. Ficou acertado que a mãe de Gopala e outra devota iriam
no barco com o Mestre para Dakshineswar, além de um ou dois jovens devotos que haviam
vindo com ele para seu serviço. Kali (Swami Abhedananda) talvez fosse um deles.
Indo para o aposento interno o Mestre inclinou-se profundamente diante de
Jagannath, foi saudado pela família do devoto, saiu e entrou no barco. A mãe de Gopala e
outros também o seguiram até o barco. Alguns membros da família de Balaram,

201
respeitosamente presentearam a mãe de Gopala com roupas etc., e sabendo que ela
necessitava de uma concha, tenaz para pegar comidas cozidas quentes nas panelas e
outros utensílios, presentearam-na com eles. O pacote com esses presentes também foi
levado para o barco. O barco partiu.
14. Durante a viagem o Mestre reparou no embrulho e soube que pertencia à “Mãe
de Gopala”. Assim que soube que continha coisas dadas a ela pelos devotos da família, o
rosto tomou uma feição séria. Ao invés de dirigir-se à “Mãe de Gopala”, começou a falar
de renúncia a uma outra devota chamada mãe Golap, "Uma pessoa dotada de renúncia",
disse: "realmente realiza Deus. Aquele que, depois de comer na casa das pessoas, sai de
mãos vazias e 'senta-se no corpo de Deus', realmente pode exercer poder sobre Ele, devido
à sua renúncia e dependência d'Ele." O Mestre não falou uma só palavra com a “Mãe de
Gopala” durante o trajeto, naquele dia e de vez em quando olhava para o embrulho. Ao ver
aquela atitude do Mestre a “Mãe de Gopala” pensou: "Deixe-me jogar o pacote no Ganga."
O Mestre costumava gracejar, brincar e divertir-se com os devotos como um menino de
cinco anos, mas quando necessário, era bem severo com eles. Não acolhia a menor conduta
imprópria da parte de qualquer um dos devotos. Nada, nem a menor coisa escapava de seus
olhos agudos; assim que qualquer um se comportava de maneira imprópria mesmo em
pequeno grau, os olhos argutos caíam nele e este imediatamente esforçava-se para
corrigir-se. Nem o Mestre tinha que fazer muito esforço, porque se ele olhava com firmeza
e sem dizer uma palavra, a pessoa sentia-se inquieta e arrependida da falta cometida.
Uma ou duas palavras de repreensão da sagrada boca do Mestre eram suficientes para
acertar aqueles que não se corrigiam. A maneira ímpar do Mestre de lidar com esses
casos de erro, era primeiro cativar os corações das pessoas em questão, trabalhando o
sentimento de afeição e reverência por ele, evocar neles um sentimento de seu amor
desinteressado por eles e então, falar-lhes algumas palavras para corrigí-los e instruí-los.
15. Assim que ela chegou a Dakshineswar, a mãe de Gopala ansiosamente foi à Santa
Mãe no Nahabat e disse-lhe: "Ó nora, Gopala ficou zangado ao ver esse pacote; o que devo
fazer agora? Acho que não devo ficar com ele mas distribuí-los."
A Santa Mãe tinha uma compaixão ilimitada. Vendo a velha senhora preocupada e
penalizada, consolou-a dizendo: "Deixe-o assim falar. Você não tem ninguém que lhe dê
esses artigos. O que pode fazer nessas circunstâncias? Não os trouxe porque necessita
deles?"
Apesar do que a Santa Mãe lhe dissera, a “Mãe de Gopala” deu os artigos,
conservando apenas uma roupa e uma ou duas das outras coisas. Então, muito emocionada,
cozinhou um ou dois curries que foi oferecer ao Mestre. O Mestre, que conhecia o coração de
todas as pessoas, não fez qualquer comentário ao vê-la arrependida. Tratou-a como
antes, falando-lhe sorrindo. A “Mãe de Gopala” também sentiu-se consolada, deu a
comida ao Mestre e à tarde voltou a Kamarhati.
Desde a primeira visão, a “Mãe de Gopala”, como dissemos anteriormente, teve a
visão da forma do ideal Gopala, por dois meses ininterruptos. Isso, contudo, não teve
continuidade. Que ninguém pense, entretanto, que por essa razão, depois daquela época,
ela tinha a visão da forma de Gopala raramente, em intervalos longos. Diariamente ela O
via sempre que o coração desejasse vê-Lo. Também, sempre que algo deveria ser ensinado
a ela, Gopala subitamente aparecia e a fazia agir de acordo, através de sinais ou palavras
ou Ele Próprio fazia as coisas, mostrando-lhe como fazê-las. Fundindo-Se na sagrada pessoa
do Mestre, repetidamente, Gopala ensinava que Ele e o Mestre não eram diferentes. Ensinava-
a como Ele deveria ser servido, pedindo-lhe coisas para comer. Também passeando com
alguns devotos importantes de Sri Ramakrishna ou agindo com eles com especial
intimidade na presença dela, Ele (Gopala) convenceu-a de que Ele e eles não eram
diferentes, que o devoto e o Divino são uno. Por conseguinte, o escrúpulo que ela tinha de
comer coisas tocadas por eles, gradualmente desapareceu.
16. Depois que ficou firmemente convencida de que Sri Ramakrishna era seu Ideal
Escolhido, a “Mãe de Gopala” não teve muitas vezes a visão da forma de Gopala. Ao invés
disso, tinha a visão de Sri Ramakrishna com muita frequência e através dessa forma, Deus,

202
que havia assumido a forma de Gopala, ensinou-a o que era necessário. Destituída das visões
frequentes da forma de Gopala, no começo ela ficou muito aflita e foi a Sri Ramakrishna, um
dia, e disse chorando: "O que o senhor está fazendo comigo, Gopala? O que eu fiz? Por que
não tenho sua visão (na forma de Gopala), como costumava ter anteriormente?" Sri
Ramakrishna respondeu: "Se, no Kaliyuga, uma pessoa tem tais visões continuamente,
o corpo dura somente vinte e um dias e então cai como uma folha seca.". À “Mãe de
Gopala” esteve sob a influência de inebriação divina de Bhava durante dois meses depois
de ter a primeira visão de Gopala. Fazia tudo - cozinhar, banhar-se, comer, recitar Japa,
meditar etc. - por força de hábitos passados e por questão de dever. Devido a hábitos
passados o corpo agia de uma maneira ou outra, por meio deles, mas ela própria
permanecia inebriada, por assim dizer, com seu estado espiritual. Como poderia,
portanto, o corpo durar dessa maneira? É surpreendente que até tenha durado dois
meses. A influência daquela intoxicação diminuiu bastante no final de dois meses. Como
não podia ver Gopala como antes, veio-lhe uma ansiedade intensa para ter a visão
repetidamente. Como resultado disso, o 'humor de vento' veio a prevalecer em sua
constituição e ela sentiu uma grande dor dentro do coração. Por isso disse a Sri
Ramakrishna: "Devido à predominância do humor de vento, sinto como se o coração
estivesse sendo serrado." O Mestre consolou-a e disse afetuosamente: "Não é o humor de
vento, mas o humor de Hari (Deus). Qual será o apoio de sua vida se ele se for? É bom
que persista. Por favor coma algo sempre que sentir muita dor." Assim falando, o Mestre
naquele dia serviu-lhe muitas coisas gostosas.
17. Assim como muitos de nós, homens e mulheres de Calcutá (Bengalis)
costumavam visitar o Mestre, muitos homens e mulheres Marwaris também o visitavam
de vez em quando. Vinham em muitas carruagens para o jardim de Dakshineswar e
depois de se banharem no Ganga, apanharem flores e fazerem a adoração de Siva e
outras divindades, reuniam-se no Panchavati onde acendiam fogo e cozinhavam diversos
pratos, que ofereciam às divindades. Davam a primeira porção ao Mestre e depois
comiam o Prasad. Muitos deles traziam para o Mestre doces, uvas, amêndoas, goiabas,
uvas secas, pistaches, tâmaras secas, folhas de betel, romãs etc., oferecia-os e
inclinavam-se profundamente. Porque não eram como a maioria de nós; sabiam que
não se deve ir de mãos vazias às cabanas dos homens santos ou lugares das divindades
e por isso, não deixavam de trazer uma coisa ou outra. Sri Ramakrishna, entretanto, não
comia o que lhe ofereciam, à excecão de um ou dois dos Marwaris. Dizia: "Se dão um molho
de betel, juntam a ele dezesseis desejos - 'Que eu possa ganhar a causa na corte', 'Que
eu me recupere da doença', 'Que isso abençoe meu negócio' e assim por diante.
18. O próprio Mestre não comia essas oferendas, nem as dava aos devotos para
comer. Às vezes comia como Prasad um pouco da comida que lhe davam depois de ter sido
oferecida à Divindade e também dava-nos para comer. A única pessoa considerada
preparada para comer os doces, frutas etc. que traziam, era Narendranath. O Mestre
dizia: "Ele tem a espada do conhecimento sempre desembainhada. Não se prejudicará se as
comer. Sua percepção interna não enfraquecerá." O Mestre, portanto, enviava aqueles
presentes para a casa de Naredranath, por um devoto. Enviava-as por Ramlal, seu
sobrinho e sacerdote do templo de Kali quando não havia ninguém para levar. Um dia,
referindo-se a esse fato, Ramlal contou-nos que quando o Mestre lhe pedia, chamava-o
depois do almoço e dizia: "Bem, Ramlal, tem alguma coisa para fazer em Calcutá?" Ele
falava desta maneira senão, Ramlal ficaria aborrecido por ser mandado levar, com tanta
frequência, aquelas comidas. Ramlal respondia: "No momento não tenho nada o que fazer
lá, mas se o senhor me pedir, claro que vou." A isso o Mestre dizia: "Não, só queria lhe
dizer que há muito tempo você não vai a Calcutá; pode ser que esteja querendo ir. Por
que não vai agora mesmo? Se for, tire dessa lata o que quiser e alugue uma carruagem
para Baranagar, senão pode ficar doente devido ao sol. Dê a Narendranath esses doces,
amêndoas etc., e traga-me notícias dele. Há muito tempo que não vem aqui. Estou
profundamente ansioso para ter notícias dele." O Ramlal respondia: "Ah, que indecisão,
senão eu ficaria aborrecido!" Ramlal aproveitava a oportunidade para vir a Calcutá e

203
juntar-se à felicidade dos devotos.

* * *

Um dia chegaram muitos devotos Marwaris. Como sempre havia muitos doces,
frutas etc., no quarto do Mestre quando a “Mãe de Gopala” e outras devotas
inesperadamente chegaram para fazer uma visita ao Mestre. Ele viu a “Mãe de Gopala”,
aproximou-se e ficou a seu lado. Passando a mão por todo o seu corpo, da cabeça aos pés,
começou a exprimir seu amor como uma criança que encontra a mãe. Apontando para o
corpo da “Mãe de Gopala”, disse a todos: "Essa fronha está cheia somente de Hari; o corpo é
formado apenas de Hari." A “Mãe de Gopala” permaneceu imóvel, não tremia, embora o
Mestre tocasse seus pés. Depois o Mestre pegou todas as guloseimas deliciosas que
estavam no quarto e alimentou a velha senhora. Sempre que a mãe de Gopala ia a
Dakshineswar, o Mestre comportava-se dessa mesma maneira e dava-lhe de comer. Um dia
ela lhe perguntou: "Por que gosta tanto de me dar comida, Gopala?"
Sri Ramakrishna: "Porque me deu comida no passado."
Mãe de Gopala: "No passado? Quando?"
Sri Ramakrishna: "Numa vida anterior."
Depois de passar o dia todo em Dakshineswar, a “Mãe de Gopala” despediu-se do
Mestre antes de retornar a Kamarhati, quando o Mestre deu-lhe todos os doces que os
Marwaris lhe trouxeram, pedindo-lhe que os levasse. A “Mãe de Gopala” disse: "Por que o
senhor está me dando tantos doces?" A que o Mestre respondeu afetuosamente, tocando
seu queixo, "No início você era melado; então tornou-se açúcar e agora, doce. Agora que se
tornou doce, coma doces e permaneça feliz."
19. Todos ficaram surpresos quando o Mestre deu à “Mãe de Gopala” os doces
oferecidos pelos Marwaris. Sentiram que, pela graça do Mestre, a mente da “Mãe de Gopala”
não podia mais ser afetada. Não tendo outra alternativa, pegou todos os doces. O que mais
poderia fazer? Se não fizesse, Gopala não cessaria de pressioná-la. Além disso, enquanto
durar o corpo, uma pessoa necessita de coisas, como a “Mãe de Gopala” às vezes nos dizia:
"Enquanto o corpo durar, todas as coisas, até cominho e sementes de feno são necessárias.
Realmente um estado muito estranho!"
20. Era um antigo hábito da “Mãe de Gopala”, vir e contar ao Mestre tudo que
experimentava enquanto praticava Japa e meditação. Ele dizia: "Uma pessoa não deve
contar a ninguém as visões que teve. Nesse caso elas cessam." Sendo assim avisada, um dia
a “Mãe de Gopala” lhe disse: "Por que? Essas visões são do senhor, de ninguém mais, Não
devem ser contadas nem ao senhor?" O Mestre respondeu: "Embora essas visões digam
respeito a 'este lugar', não devem ser contadas nem mesmo a mim. A “Mãe de Gopala”
disse: "Realmente!" Depois, a não ser em ocasiões muito raras, falou de suas visões com
alguém. Sendo uma alma sincera e simples, a “Mãe de Gopala” tinha fé absoluta no que Sri
Ramakrishna dizia. E quanto às almas que duvidam como nós? Passamos a vida toda
testando a verdade de suas palavras. Por conseguinte não é para nós traduzi-las na prática e
permanecer feliz desfrutando os resultados.
21. Um dia, nessa época, a “Mãe de Gopala” e Narendranath estavam em
Dakshineswar. Até aquele dia Narendranath tivera uma grande inclinação para a doutrina do
Brahmo Samaj, de Deus sem forma. Tinha mesmo aversão pela chamada idolatria das
divindades, imagens etc. Mas por essa época convenceu-se de que até pessoas que
tomavam refúgio em imagens, poderiam alcançar ao longo do tempo Deus sem forma que
habita em todos os seres. O Mestre tinha um apurado senso de humor. De um lado estava
o ilustrado, inteligente Narendranath, dotado de todas as boas qualidades, amante de
argumentações e devotado a Deus, enquanto que do outro, estava uma pobre, indigente
“Mãe de Gopala” de fé simples, que esperava ter a graça e visão de Deus somente através
de Seu nome, que jamais tivera qualquer educação literária e jamais soubera o que eram
discussões e argumentações, nem mesmo para conquistar o conhecimento divino. O Mestre
colocou-os juntos e divertiu-se com a situação. Pediu à “Mãe de Gopala” para contar a

204
Narendra como tivera pela primeira vez, a visão de Deus na forma do Menino Krishna e
como Ele brincava com ela, desde então. Assim inquirida, disse: "Isso não vai fazer mal,
Gopala?" Convencida pelo Mestre de que não seria, começou a narrar, num voz embargada
de emoção e com os olhos cheios de lágrimas, toda a história do jogo de Deus na forma de
Gopala com ela, durante dois meses desde a primeira visão d'Ele. Contou como Gopala
ficou em seus braços, com a cabeçinha em seu ombro, como veio de Kamarhati a
Dakshineswar, como viu claramente os dois pézinhos cor de rosa balançando no seu peito,
como Ele entrava no corpo do Mestre de vez em quando, saía novamente e vinha a ela,
como Ele reclamou quando não tinha um travesseiro para dormir, como Ele pegou lenha
para cozinhar e como Se comportava de forma travessa para conseguir comida. Ao narrar
estes acontecimentos, a velha senhora foi tomada de emoções e começou a visualizar
Deus na forma de Gopala. Embora Narendranath tivesse a aparência externa de um ho-
mem racional rígido e falasse de adquirir conhecimento divino por meio da razão,
internamente era pleno de amor de Deus. Não pôde deixar de derramar lágrimas ao ouvir o
êxtase, visão etc., da velha senhora. Também, enquanto narrava a história, com
simplicidade perguntava a Narendranath todo o tempo: "Meu filho, você é erudito e
inteligente: sou privada de recursos e ignorante, nada sei, não entendo de nada. Por
favor diga se essas minhas experiências são simples imaginações ou realidade.
Narendranath também sossegava a velha senhora cada vez e dizia consolando-a: "Mãe, o
que a senhora viu foi tudo verdadeiro." A razão pela qual a “Mãe de Gopala” havia
perguntado a Narendranath tão ansiosamente a esse respeito talvez tenha sido porque ela
não estava tendo a visão de Gopala de forma tão contínua como antes.
22. Por essa época, o Mestre, um dia, foi à casa da “Mãe de Gopala” em Kamarhati
com Rakhal. Eram aproximadamente dez horas da manhã. A “Mãe de Gopala” teve um
intenso desejo de cozinhar pratos deliciosos para ele. A velha senhora estava fora de si de
alegria de ter o Mestre com ela. Deu-lhes uma refeição ligeira, com o que tinha em casa. Ao
terminarem de comer, estendeu uma cama confortável na casa de Babu, pediu-lhes para
descansar e apertando a roupa, foi cozinhar. Conseguiu diversas coisas gostosas com
outras pessoas. Fez diversos pratos e ofereceu-os ao Mestre, ao meio-dia, com muita
satisfação. Com muito carinho arrumou uma cama para ele dormir, estendendo um lençol
limpo sobre sua própria colcha no aposento do primeiro andar da casa. Rakhal também
deitou-se ao lado do Mestre, porque o Mestre considerava Rakhal seu próprio filho e
tratava-o como tal. Agora o Mestre viu uma coisa estranha. Vamos contá-la porque a
ouvimos do próprio Mestre, senão não a teríamos narrado. O Mestre costumava dormir
pouco durante o dia e à noite. Ficou, portanto, deitado, quieto. Rakhal caiu no sono, a seu
lado. O Mestre disse: "Senti um cheiro ruim e então vi duas figuras no canto do quarto.
A aparência delas era horrível. Para fora da barriga, as entranhas balançavam e os
rostos, mãos e pés eram exatamente como os esqueletos humanos que havia no
Medical College, que eu vira anteriormente. Disseram-me humildemente: "Por que o
senhor está aqui? Por favor, vá embora deste lugar; estamos muito amargurados
(talvez porque se lembraram de sua própria condição) para ver o senhor." De um lado
estavam eles suplicando e de outro, estava Rakhal dormindo. Vendo que estavam
amargurados, já estava pronto a me levantar e ir embora com minha pequena bolsa e
toalha, quando Rakhal despertou e disse: "Onde o senhor vai?" Falando, 'Mais tarde lhe
digo', e segurando sua mão, desci. Despedimo-nos então da velha senhora. Ela havia
acabado de comer. Depois de nos sentarmos no barco, disse a Rakhal, "Lá há dois
espíritos. O Moinho de Kamarhati está situado perto do jardim. Moram naquele
aposento cheirando (porque para eles, cheirar significa comer) os ossos etc. jogados
fora pelos europeus depois que terminam as refeições.' Nada falei com a velha senhora,
porque ficaria amedrontada, já que sempre morou sozinha naquela casa."
23. Mati Jhil é um lago situado em frente à chácara do falecido Matilal Sil, um
rico e conhecido cidadão de Calcutá. Ao lado, há uma estrada que se dirige na direção
norte ao longo das margens do Ganga, direto para Baranagar Bazar, além da ponte. A
chácara de Krishnagopal Ghosh, genro de Laia Babu e sua esposa Rani Katyayani está

205
situada mais adiante dessa estrada na direção leste do lugar, onde a parte norte desse
lago limita-se com a estrada. Foi aí que Sri Ramakrishna permaneceu, doente,
durante oito meses, da metade de dezembro de 1885 até metade de agosto de 1886,
data de seu falecimento. Este jardim, chamado pêlos devotos, "Jardim Kasipur", é um
lugar que, meu Deus, produz grande tristeza, mas ao mesmo tempo também, uma
sublime exaltação em seus corações. A tristeza é compreensível porque o Mestre ali
esteve doente, mas como poderiam também estar alegres naquela situação trágica - é
uma questão que naturalmente surge. A resposta é a seguinte: foi a doença do Mestre
que propiciou o desenvolvimento daquele maravilhoso laço de amor que uniu os devotos
na fraternidade de diversos tipos de aspirantes. Levou também ao agrupamento dos
devotos, em diferentes classes — devotos dos círculos interno e externo, que viriam a ser
monges e devotos chefes de família, Inanis e Bhaktas. As diferenças entre eles tornaram-
se mais nítidas nessa época. Assim também, foi ali que surgiu a convicção de que todos
pertenciam à mesma família espiritual. Além disso a estada do Mestre em Kasipur
permitiu que um grande número de pessoas entrasse em contato com ele e fossem
abençoadas por terem uma experiência imediata da luz da espiritualidade. Foi aí que
Narendranath experimentou o Nirvikalpa Samadhi como resultado de sua Sadhana. Foi
também ali que os doze devotos jovens incluindo Narendra receberam a roupa ocre das
sagradas mãos do Mestre. E foi também ali, à tarde (entre e três e quatro horas) do dia
1° de janeiro de 1886, durante o último passeio pelo jardim, que o Mestre passando por
um extraordinário estado espiritual e vendo os devotos, transmitiu poder espiritual
direto a eles ao tocar os corações de todos com a mão, dizendo: "O que mais posso dizer a
vocês? Que tenham despertar espiritual!" Como em Dakshineswar, aqui também,
diariamente, vinham multidões de pessoas, homens e mulheres. Aqui também, a Santa
Mãe diariamente empenhava-se no serviço do Mestre, preparando a comida e fazendo
outros serviços domésticos. Aqui a “Mãe de Gopala” e outras devotas também vieram a
ele e tomaram parte no serviço do Mestre e dos devotos, algumas delas passando uma
noite ou duas antes de regressarem. Quando, porém, pensamos no maravilhoso grupo
de devotos do Mestre na chácara de Kasipur, parece-nos que a Mãe do universo ocasionou
aquela doença no Mestre somente para o cumprimento de um grande propósito
desconhecido. Foi ali que, vendo os jogos divinos do Mestre - chegada de novos devotos,
a figura sempre feliz do Mestre, manifestação diária de seus poderes, etc., - muitos
devotos antigos pensaram que ele estava fingindo a enfermidade para o bem das pessoas
e que descartaria a doença a seu bel prazer e ficaria em seu estado normal novamente.
Nos seus últimos dias em Kasipur o Mestre tomou somente alimentação líquida feita
de cevada, aletria e farinha. Um dia expressou o desejo de tomar leite engrossado com
farinha de "zeodary", como geralmente era dado aos convidados, em ocasiões especiais,
nas casas de Calcutá. Ninguém fez objeção. Como ele pudesse comer cevada, pudim etc.,
pensaram que havia pouca possibilidade de leite engrossado piorar a enfermidade. Os
médicos também não fizeram objeção. Ficou, portanto, combinado que Yogindra iria a
Calcutá, cedo, pela manhã, compraria e traria um pouco daquele leite engrossado do
mercado.
Yogindra partiu na hora marcada. No caminho pensou: "O leite engrossado que
há no mercado está bastante adulterado por muitas outras coisas ao lado de farinha de
zedoary. Será que não vai piorar se o tomar?" Todos os devotos consideravam o Mestre a
vida de suas vidas, portanto, todos tinham apenas um pensamento desde que ele caíra
doente — e este era a sua recuperação. Certamente esta era a razão porque Yogin
tivera aquele pensamento. Pensou novamente: "Mas não perguntei ao Mestre antes de
sair. Será que ele não ficará aborrecido se eu mandar que outro devoto o prepare e eu
volte com ele?" Assim pensando, Yogindra chegou à casa de Balaram Babu em Baghbazar,
onde contou o motivo de sua ida quando foi perguntado a respeito. Todos os devotos
disseram: "Por que leite do mercado? Nós mesmos vamos prepará-lo e dar a você. Mas
não pode ficar pronto agora, porque necessita de tempo para ser preparado, portanto,
coma aqui, no meio tempo o leite ficará pronto. Pode levá-lo às três da tarde." Yogin

206
concordou e regressou a Kasipur com o leite somente às quatro da tarde.
Sri Ramakrishna queria tomar o leite ao meio-dia e teve de esperar muito tempo por
ele, mas por fim, comeu como fazia usualmente. Mais tarde, quando Yogin retornou, o
Mestre ouviu todo o ocorrido. Ficou bastante aborrecido e disse-lhe: "Foi dito a você para
comprar o leite no mercado; eu queria beber leite do mercado. Por que você foi à casa do
devoto e deu-lhes trabalho? Não vou tomá-lo." De fato nem tocou nele. Pediu à Santa Mãe
para dá-lo todo à “Mãe de Gopala” e disse: "É uma coisa dada pelos devotos; Gopala está no
coração dela; se ela o tomar vai ser a mesma coisa que se eu o fizer."
24. Quando o Mestre faleceu, não teve limite a perturbação da “Mãe de Gopala”.
Durante muito tempo não saiu de Kamarhati. Vivia em solidão. Mais tarde quando passou a
ter a visão do Mestre como antes, superou aquele estado. Ouvimos muito a respeito das
visões que a “Mãe de Gopala” teve mesmo depois do Mestre ter desaparecido. Uma delas
foi a maravilhosa visão ocorrida por ocasião do festival do carro em Mahesh, numa das
margens do Ganga. Viu com o coração cheio de felicidade a presença de Gopala em tudo
que estava diante de si. Disse que o carro, Jagannath Deva no carro, os que conduziam o
carro, a vasta multidão de pessoas - todos eram o seu Gopala. Mas Ele havia assumido
formas diferentes, que eram todos. Inebriada de afeição e intenso amor por ter esta
indicação verdadeira da forma universal de Deus, perdeu a consciência normal. Uma vez,
descrevendo esta experiência à uma amiga, disse: "Naquela ocasião não era eu mesma;
dançava e ria - criei um segundo Kurukshetra (i.é, um campo de batalha)".
25. Desde então, sempre que sentia qualquer desassossego, costumava ir aos
devotos Sannyasins do Mestre no mosteiro de Baranagar, onde a paz mental se
restabelecia. Nessas ocasiões os Sannyasins do mosteiro costumavam pedir a ela que
oferecesse comida ao Mestre. A mãe de Gopala ficava encantada, preparava um ou dois
curries e oferecia-os ao Mestre. Quando o mosteiro foi removido para Alambazar e
depois, para a casa de Nilambar Babu, do outro lado do Ganga, a “Mãe de Gopala” também ia
àqueles lugares, ali permanecia o dia inteiro e desfrutava de felicidade. Em raras ocasiões
também passava a noite ali.
26. Quando Sara (Mrs. Sara C. Bul), Jaya (Miss J. Macleod) e Nivedita vieram
para a Índia com Swami Vivekananda em seu regresso do ocidente, um dia foram a
Kamarhati conhecer a “Mãe de Gopala” e ficaram extremamente contentes com sua
maneira de falar e cortesia. A “Mãe de Gopala” também viu seu Gopala morando nelas. Ela,
nos recordamos, tocou seus queixos e beijou-os afetuosamente. Com carinho as fez
sentar em sua própria cama e deu-lhes arroz tostado, balas de coco etc., e a pedido delas,
falou-lhes de suas visões. As senhoras ocidentais gostaram muito e ficaram encantadas ao
ouvi-la. Pediram-lhe um pouco de arroz tostado a fim de levá-lo para a América.
27. Ouvindo a maravilhosa história da vida da "Mãe de Gopala", a irmã Nivedita
ficou tão encantada que, quando em 1904 a “Mãe de Gopala” ficou tão doente e incapaz de
fazer qualquer coisa e foi trazida para a casa de Balaram Babu em Baghbazar, expressou
grande vontade de levá-la para a sua (a de Nivedita) de Baghbazar, na Alameda Bosepara 17
e mantê-la com ela. A “Mãe de Gopala” também concordou sem hesitar ao ver a ansiedade
da Irmã Nivedita, porque Gopala, como já dissemos anteriormente, havia removido de sua
mente qualquer idéia de diferença a respeito de qualquer coisa. Como exemplo,
recordamos de outro acontecimento. Um dia em Dakshineswar, Narendranath bebeu um
copo cheio de leite de cabra oferecido à Mãe Kali e saiu para lavar as mãos. O Mestre pediu à
uma devota para limpar o lugar. A “Mãe de Gopala” estava presente. Ao ouvir as palavras do
Mestre, ela tirou os restos e limpou o lugar. Ao ver isso, o Mestre ficou muito satisfeito e
disse à devota: "Veja como ela está se tornando cada dia mais prestativa."
Desde então a “Mãe de Gopala” morou na residência de Irmã Nivedita. Nivedita,
filha espiritual do Swami, serviu-a como se fora a própria mãe. Conseguiu comida para ela
com uma família Brahmana da vizinhança. A “Mãe de Gopala” ia lá todos os dias ao meio-
dia e comia um pouco de arroz. À noite um membro daquela família ia pessoalmente
levar-lhe alguns Luchis e outros pratos. Assim viveu durante dois anos e morreu nas águas
do Ganga. Ao ser levada, segundo os ritos hindus às margens do Ganga, a própria Nivedita

207
decorou a cama, cobrindo-a lindamente com flores, pasta de sândalo etc. Mandou vir um
grupo de cantores de Kirtan e em lágrimas, foi pessoalmente com ela ao Ganga. Aí
Nivedita passou as noites nos dois dias em que a “Mãe de Gopala” esteve viva. Muito cedo
pela manhã do dia 8 de julho de 1906, quando o céu assumia uma maravilhosa beleza
devido à coloração avermelhada do sol nascente, olhando para terra e quando o Ganga
cheio devido à maré alta, inundava ambas as margens com brancas ondas e deslizava em
doce, suave murmúrio - o corpo da “Mãe de Gopala” foi gentil e reverentemente
colocado meio imerso naquelas ondas, as suas cinco forças vitais uniram-se aos pés de
Deus e ela alcançou a morada.
Como não houvesse qualquer parente dela presente, um Brahmana
Brahmacharin, do mosteiro de Belur, executou as exéquias e observou o período de
doze dias de após morte, segundo as prescrições dos textos que tratavam do assunto.
No final dos doze dias, Irmã Nivedita, com o coração partido, convidou
várias senhoras, amigas da “Mãe de Gopala”, para sua escola e organizou o Kirtan,
festival e outros costumes.
Antes do falecimento, a “Mãe de Gopala” doou ao mosteiro de Belur o retrato
de Sri Ramakrishna que vinha adorando há tanto tempo. Também deu a soma de
duzentas rupias, dinheiro da época, para o serviço do Mestre.
Nos últimos doze anos de vida considerava-se uma Sannyasini e costumava
usar a roupa ocre.

APÊNDICE

O ASPECTO HUMANO DO MESTRE1

(1 Escrito como artigo lido numa reunião no mosteiro de Belur, por ocasião do septuagésimo aniversário de nascimento de Sri Ramakrishna).

(ASSUNTOS: 1. A reverência das pessoas pelo Mestre geralmente baseava-se em ouvir a respeito de
seus poderes ióguicos. 2. Esse tipo de devoção não é desejável. 3. Numa devoção verdadeira o adorador torna-se
semelhante ao adorado. 4. A luz com o estudo da vida de uma Encarnação. 5. O vilarejo de Kamarpukur. 6. O
comportamento maravilhoso do menino Ramakrishna. 7. Sua procura da verdade. 8. O resultado dessa procura.
9. O significado profundo das palavras simples de Sri Ramakrishna. 10. Os hábitos quotidianos do Mestre, gostos
e aversões. 11. Sri Ramakrishna como um ser que desperta a consciência espiritual.)

1. Fala-se muito sobre a natureza divina do Bhagavan Sri Ramakrishna. Uma


pesquisa a esse respeito mostra que a fé e a reverência da maioria das pessoas estão
baseadas na admiração que sentem pelos poderes ióguicos, além dos sentidos, que ele
tinha. Em resposta à pergunta: "Por que vocês o respeitam?" geralmente diziam
que Sri Ramakrishna podia ver os acontecimentos que estavam ocorrendo longe do
templo de Dakshineswar; que às vezes curava diversas doenças físicas pelo toque; que
permanentemente comunicava-se com deuses e deusas e que suas palavras eram tão
infalíveis que qualquer uma que saísse de sua boca, embora parecesse não
corresponder aos fatos, mudaria e controlaria os acontecimentos de natureza exterior.
Por exemplo, continuavam, dizia-se que até uma pessoa condenada à morte pela justiça,
se salvaria da morte e ficaria prestigiada somente porque o Mestre lhe havia dado um
pouco de graça e bênção, ou que uma flor branca podia nascer numa árvore que dava
somente flores vermelhas.
Dizia-se que Sri Ramakrishna podia conhecer os pensamentos dos homens; que
sua aguda percepção penetrava através do homem exterior e sondava sua constituição
mental, inclusive as inclinações de sua mente; que ao simples toque de sua mão,
apareciam diante dos olhos dos devotos desassossegados as formas de seus Ideais
Escolhidos, induzindo-os à meditação profunda e que, no caso de pessoas particularmente
preparadas, o portão do Nirvikalpa Samadhi se abria para elas à sua vontade.
Também, algumas pessoas diziam: "Não sabemos porque o reverenciamos.
Ah, que maravilhoso ideal perfeito de conhecimento e devoção vemos nele! Não vemos

208
ninguém como ele nem entre as pessoas respeitadas pelo mundo ou entre os seres
exaltados nas escrituras, como nos Vedas e nos Puranas, isso para não falar de seres
vivos e conhecidos. A nossos olhos, em comparação com ele, parecem ter pouco
esplendor. Somos incapazes de dizer se é alucinação de nossa mente; mas nossos olhos
ficaram ofuscados com aquela brilhante luz e nossas mentes fundiram-se para sempre
em seu amor, de maneira que não podem ser retirados se o tentarmos. Conhecimento,
inferência e raciocínio foram todos postos de lado. Somente podemos dizer isto: "Sou
Teu servo, nascimento após nascimento, Ó Mar de Misericórdia; não conheço Teu
objetivo. E quanto à mente, não a conheço também, mas quem deseja conhecê-la? Por
Teu comando abandonei tudo - prazer, salvação, devoção, Japa, Sadhana etc. A única
coisa que permanece é o desejo de conhecer-Te; conduz-me além disso também, Ó
Senhor'"2 (2 Citação de um poema de Swami Vivekananda, em bengali).
Parece que, à exceção de algumas pessoas como as mencionadas acima, todas as
outras tinham devoção, fé e confiança nele por causa de seus poderes exteriores ou seus
dotes mentais sutis. Os homens comuns pensam que se o reverenciarem, as doenças
serão curadas ou que em tempo de perigo ou dificuldade, os acontecimentos externos
serão resolvidos a seu favor. Logo observamos que esta corrente de egoísmo está
fluindo em suas mentes, embora não o admitam claramente.
As pessoas que têm um intelecto pouco sutil, reverenciam-no porque pensam
que alcançarão poderes como o de clarividência e coisas semelhantes e morarão em
lugares como Goloka, por fazerem parte de seus seguidores, grandes ou pequenos.
Ou, se estão intelectualmente um pouco mais desenvolvidos, pensam que atingirão o
Samadhi e serão liberados dos grilhões de nascimento, velhice e morte. Vemos assim
que seus próprios interesses estão também na raiz dessa fé.
2. Embora tenhamos tido muitos exemplos dos poderes divinos de Sri Ramakrishna
e nem duvidemos que a devoção a ele dedicada, mesmo com motivos de obter os objetos
desejados produz um bem infindável, não é nosso objetivo discutir esses assuntos. Pelo
contrário, nosso propósito é uma tentativa de pintar um quadro de seus traços humanos.
Devoção com interesse, devoção para preencher qualquer falta, impede o devoto de
ascender ao mais elevado degrau do conhecimento da verdade. O egoísmo sempre produz
medo que torna fraco o homem. Por conseguinte ele não pode ver a verdade real. É por isso
que Sri Ramakrishna costumava conservar um olho atento em seu círculo de devotos,
para que esse defeito não proliferasse entre eles. Sempre que tomava conhecimento de
que alguns poderes mentais novos, clarividência etc., manifestavam-se em algum dos
discípulos, como resultado da prática da meditação e outras Sadhanas, proibia-os de
prosseguirem naquelas práticas por algum tempo, senão o egoísmo surgiria em suas mentes
e os faria perder de vista o ideal da realização de Deus. Muitas vezes testemunhamos este
fato. Ouvimo-lo dizer, repetidamente, que possuir estes poderes não era o objetivo da vida
humana. Homens fracos, contudo, não conseguem fazer qualquer coisa ou reverenciar
alguém sem calcular o ganho e a perda e, ao invés de aprender as lições de renúncia da
vida de Sri Ramakrishna, que era um brilhante exemplo daquela qualidade, valem-se
daquela vida para a satisfação de seus prazeres. Pensam que as extraordinária austeridade
de Sri Ramakrishna, sua renúncia, seu amor fora do comum à veracidade, sua
simplicidade infantil, sua confiança em Deus - tudo isso havia sido praticado para o
devoto desfrutar, por assim dizer. A fraqueza humana é a única razão dessa atitude. Por
conseguinte é importante para nós, um estudo das características humanas de Sri
Ramakrishna.
3. É bem conhecido nos livros religiosos de todos os povos que até um pouco de
devoção, se corretamente praticada, torna o devoto semelhante ao objeto da adoração. O
sangue jorrando das mãos e dos pés do devoto cuja mente estava absorvida na figura de
Jesus, a grande sensação de queimadura no corpo de Sri Chaitanya, os estados ocasionais
como cadáver devido à identificação com a dor da separação de Deus, sentida por Srimati,
a postura imóvel do Buda em meditação - tudo isso e outros exemplos semelhantes
confirmam este fato. Vimos como o amor por uma determinada pessoa lenta e

209
inconscientemente provoca mudanças na outra, que tende a assemelhar-se com o objeto
de amor - como os gestos exteriores, o comportamento e as correntes de pensamento
mudam e tornam-se semelhantes àqueles do objeto de seu amor. Se o amor e devoção a Sri
Ramakrishna não torna diariamente nossa vida ao menos um pouco semelhante à dele, deve-
se entender que o referido amor e devoção não são dignos desse nome.
Pode surgir a pergunta: "Cada um de nós poderá tornar-se um Paramahamsa
Ramakrishna? Já foi visto no mundo um homem tornar-se totalmente igual a um outro?"
Embora não possam ser exatamente iguais, respondemos, podem ser como coisas forjadas
com o mesmo molde. A vida de cada grande alma no mundo espiritual é como um molde
especial. Colocados naqueles moldes, as sucessivas gerações de seus discípulos vêm
preservando aqueles diferentes moldes até hoje em dia. O poder do homem é pequeno, o
esforço de toda uma vida não é suficiente para que ele se torne um daqueles protótipos.
Se, afortunadamente uma pessoa é formada semelhante a um daqueles modelos, nós o
chamamos uma alma perfeita e o reverenciamos como tal. Todas as ações físicas e mentais
- fala, pensamento, comportamento, etc., - de um homem perfeito tornam-se semelhantes
àquelas de uma grande alma, fundadora da crença a que ela pertence. A mente e o corpo
dela tornam-se um instrumento integralmente desenvolvido para conter, preservar e
transmitir aos outros aquele grande poder cuja primeira manifestação, no fundador,
assombrara o mundo. Linhas diferentes de discípulos vêm assim preservando desde tempos
imemoriais os poderes espirituais transmitidos por grandes personalidades diferentes que
fundaram aquelas linhas.
4. Essas grandes almas cujas vidas são expressões da glória divina têm um
significado espiritual imenso e deixam atrás, novos modelos e exemplos para os outros
seguirem. Suas personalidades ímpares são adoradas como Encarnações de Deus. As
Encarnações descobrem novas doutrinas religiosas, novos caminhos. Transmitem o poder
de espiritualidade por um simples toque. Sua energia jamais é dirigida para o sexo e
ouro, neste mundo transitório. Fica claro pelo estudo de suas vidas, que nasceram para
mostrar aos outros o caminho da realização de Deus - e não, para assegurar os
próprios prazeres e liberação. E sua simpatia para com os sofrimentos das pessoas e
seu amor a elas que os impele à ação e a ajudá-las na descoberta do caminho que
conduz à remoção de suas tristezas e misérias.
Não tínhamos qualquer idéia das fontes ocultas de poder e santidade dos
grandes seres conhecidos como Encarnações como Krishna, Buda, Jesus, Sankara,
Chaitanya e outros, até que tivemos a bênção da forma divina de Sri
Ramakrishna. Tínhamos o conceito errado de que o relato dos acontecimentos fora
do comum em suas vidas, foram mais tarde feitos por seus discípulos, com o propósito
ulterior de se juntarem a seu número. Deduzíamos que as Encarnações eram seres
exóticos, imaginários, místicos sem qualquer significado para o mundo civilizado. Ou,
mesmo quando Deus permitia que Deus tomasse formas e Se encarnasse, não se
acreditava que traços humanos como os nossos pudessem estar presentes também
nas Encarnações. Não se concebia facilmente que seus corpos pudessem estar sujeitos
a doenças, que dor e prazer estivessem presentes em suas mentes e que a luta
entre Deus e Satã pudesse jamais ocorrer neles como em nós, mortais comuns.
Viemos a conhecer esta verdade pelo contato com Sri Ramakrishna. Todos nós lemos
e ouvimos sobre a maravilhosa harmonia entre os traços humanos e divinos na
personalidade das Encarnações. Antes de conhecermos Sri Ramakrishna, porém,
pensávamos que não pudesse haver qualquer harmonia entre a simplicidade infantil e
a austera maturidade de um homem. Muitos dizem que é somente a simplicidade de
um menino de cinco anos que os atrai. Um menino desprotegido, ignorante das manhas
do mundo, é objeto de amor de todas as pessoas que ficam naturalmente inclinadas a
protegê-lo. Esse sentimento surgia nas mentes dos homens ao ver Sri Ramakrishna,
embora ele fosse avançado em idade. Ficavam encantados e atraídos para ele.
Certamente isso é verdadeiro até um certo ponto, mas não era somente esse traço que
atraía as pessoas em geral. Segundo nossa experiência, fé e devoção a ele surgiam na

210
mente dos visitantes, ao mesmo tempo que amor e felicidade. Parece que o grande poder
interior, velado por um delicado envoltório de simplicidade infantil, era a causa dessa
atração. Descrevendo o caráter humano de Sri Ramachandra, o rei de Ayodhya, o
famoso poeta Bhavabhuti escreveu: "Quem pode conhecer as mentes dessas almas
divinas, mais duras do que diamante, porém mais suaves do que as flores?" O mesmo
comentário aplica-se a Sri Ramakrishna.
A natureza infantil de Sri Ramakrishna era uma experiência nova para os
observadores. Embora uma fé inabalável, uma simplicidade sem limites e um infinito amor
à veracidade sempre se manifestavam nele, as pessoas de mentalidade mundana podiam,
contudo, ver somente um simplório, sem conhecimento do mundano. Ele acreditava nas
palavras de todos, especialmente daqueles que usavam roupa e emblemas religiosos. As
idéias correntes no país e em sua terra natal contribuíram sobremaneira para aquele
maravilhoso traço de sua personalidade.
5. Uma vasta faixa de terra que se estendia por muitas milhas, coberta de verdes
campos de arroz que pareciam um verde mar ou, na falta de arroz, uma imensa vastidão de
solo na sua cor natural cinza, apresentando o mesmo fluxo do mar; ilhas espalhadas de
pequenas cabanas de barro dos aldeões, limpas e bem tratadas, sob a sombra de grupos de
bambus e árvores como baniano, tamareira, mangueira e peepal; aqui e ali uma extensão
de águas azuis dos reservatórios cobertos de lótus, como Haldarpukur, cheios de lótus de
flores de vermelhas rodeadas de abelhas que zumbiam, e cercados por altas palmeiras de
folhas de um azul ainda mais profundo; alguns pequenos mais conhecidos templos de pedra
e tijolos onde divindades como "o Antigo Siva" estão instaladas; as ruínas de um velho forte,
Mandaran; o antigo crematório nas vizinhanças com ossos dos antepassados espalhados
aqui e ali; pastagens com capim verde; um pomar denso de mangas; o riacho sinuoso; a
estrada sempre cheia de Burdwan a Puri, circundando mais da metade do vilarejo - eis
Kamarpukur, a terra natal de Sri Ramakrishna.
6. Predomina aí a religião fundada por Sri Chaitanya e seus discípulos. Enquanto
trabalham, os camponeses entoam canções. À tarde quando o trabalho do dia está
terminado, mergulham seu cansaço na felicidade que advém dessas canções. Uma simples
fé poética está na raiz dessa religião. Para a crença e a religião desse vilarejo, situado bem
longe das agitadas ondas da competitiva luta pela existência, o coração de um menino
impressionável proporciona um campo bastante favorável. Esse foi o caso do menino
Ramakrishna, cujo comportamento infantil já era considerado extraordinário. Todo mundo
ficava surpreso ao ver a elevação de seu objetivo e a concentração de sua dedicação a ele,
mesmo que não conseguissem compreender seus atos extraordinários. Ouvindo da boca
dos expositores dos Puranas que um homem pronunciando o nome de Rama torna-se
purificado, esse menino foi levado a refletir: "Por que o próprio expositor necessita até
mesmo agora, de purificação por meio de oblação e ritos?" Ou observou-se que, ouvindo
somente uma vez um drama, ele podia aprender tudo de cor e encená-lo no pomar de
mangas, tendo os amigos como atores. Vendo e ouvindo a maravilhosa encenação e música,
os viajantes da estrada paravam encantados e esquecidos da viagem. A inteligência do
menino manifestava-se também de outras maneiras - fazendo imagens, pintando quadros
das divindades, na mímica, na música e no Sankirtan, decorando o Ramayana, o
Mahabharata, o Bhagavata e outras escrituras, simplesmente ouvindo-os serem recitados e
na profunda observação da natureza. Soubemos através dele, que entrou em êxtase pela
primeira vez, ao ver o voo de grous brancos contra o fundo de pesadas nuvens negras de
chuva. Estava então com seis ou sete anos de idade.
Permanecer absorvido no estado que lhe vinha, era a característica especial da
mente desse menino. Mostrando o pátio da casa de um negociante, os vizinhos ainda hoje
contam como a pessoa que ia encenar no papel de Siva na "Conversa entre Siva e Parvati"
ficou subitamente doente e impossibilitado de desempenhar o papel; mas que todos
pediram a Ramakrishna para vestir a roupa de Siva e fazer o papel; e como, ao colocar a
roupa, ficou tão profundamente absorvido naquele estado que perdeu completamente a
consciência normal durante muito tempo, ao se identificar com a consciência de Siva. O

211
desassossego da mente, próprio de um menino, é evidente, não o tocou, apesar dele ser
ainda uma criança . Sempre que os olhos ou ouvidos o atraíam, o quadro ficava tão
firmemente impresso em sua mente, que era-lhe impossível ficar sossegado sem tê-lo
dominado magistralmente e expressado de uma forma nova.
7. Entrando em contato com o mundo exterior, os sentidos desenvolveram-se
rapidamente e ele não teve de depender de livros e de quadros. O princípio fundamental de
sua vida era: "aceitarei qualquer coisa como verdadeira somente depois de tê-la submetido
a um exame minucioso. Se passar no teste, eu a porei em prática e não olharei com
desprezo para nada deste mundo se não for demonstrado falso." Na infância,
Ramakrishna, possuidor de uma memória e intelecto extraordinários, foi enviado à escola
do vilarejo, mas sua natureza infantil não mudou. Pensou: "Qual o propósito de tudo - esse
duro estudo, sentar-se à noite, essa reflexão sobre interpretações e comentários? Vão
ajudar-me a atingir a verdade?" Apontando para o professor da escola, que era um
exemplo desse tipo de educação, pensou de si mesmo: "Você também vai ficar como ele,
esperto para atribuir significados engenhosos para palavras simples; você também vai
administrar seus assuntos mundanos como ele, com algum dinheiro, recebido como
presente de despedida por adular os ricos; você também vai ler as verdades relatadas nas
escrituras e ensiná-las a eles, mas, 'como um asno carregando sândalo', não será capaz de
realizá-las em sua própria vida." Seu intelecto discriminativo disse-lhe: "Não há
necessidade dessa educação para o ganhar pão que permite somente 'armazenar arroz e
plantano'. Ao invés disso, vá ao encontro daquela educação sublime que lhe permitirá
realizar toda a verdade, o mistério oculto da vida humana." Ramakrishna desistiu de ir à
escola e aplicou a mente na adoração da venturosa imagem da Devi. Mas onde estava a
paz, mesmo ali? Sua mente questionava: "Será mesmo que Ela é a Mãe universal, a
personificação da felicidade e não simplesmente uma imagem de pedra? Será mesmo que
Ela aceita folhas, flores, frutas, raízes etc., oferecidas a Ela com devoção? Será verdade que
um olhar gracioso d'Ela libera o homem de todos os tipos de grilhões e dota-o de
conhecimento divino? Ou será superstição da mente humana, aumentada pela imaginação
apaixonada e tradição de muitas épocas que produziu esta sombria figura irreal?" Sua
mente tornava-se extremamente ansiosa para resolver aquele grande problema e lado a
lado, o desenvolvimento de intenso desapego cresceu lenta e imperceptível naquela mente
simples. Aconteceu seu casamento mas ele não conseguiu desviá-lo na busca de uma
solução para os problemas acima, ao oferecer-lhe prazeres mundanos. A mente sempre
permanecia ocupada na solução daquele problema, de diversas maneiras: e casamento,
negócios mundanos, pensamento mundano, ganhar dinheiro, prazeres e mesmo as funções
do corpo extremamente necessárias como comer, beber, andar e dormir ficaram apenas na
memória. A natureza infantil de Sri Ramakrishna, que era objeto de ridículo das pessoas
mundanas, longe de Kamarpukur, desenvolveu-se ainda mais no templo de Dakshineswar e
foi considerada insanidade, muito mais desprezível do que simplicidade, pelos empregados
do templo de mentalidade mundana. Mas havia aí qualquer incoerência e falta de objetivo?
"Terei o conhecimento imediato da realidade além dos sentidos, eu A tocarei e A saborearei
em toda a plenitude"- não era esta a característica especial daquela insanidade? Aquela
determinação adamantina da mente, aquela perseverança firme, a sinceridade clara como
cristal e aquela meta única produziram uma nova beleza no corpo do menino Ramakrishna em
Kamarpukur, agora vieram a constituir a insanidade do jovem Ramakrishna em
Dakshineswar. Que acontecimento sem precedente!
Durante doze anos uma violenta tempestade assolou, sem arrefecer, sua mente.
Abalado violentamente pelas ondas de dúvida e descrença, o pequeno bote da vida de Sri
Ramakrishna estava perigosamente a ponto de afundar, mas aquele coração heróico jamais
desistiu, não se amedrontou corn a possibilidade certa de morte imediata. Prosseguiu em
seu próprio caminho com somente uma coisa para apoiá-lo e sustentá-lo - o amor ao Divino
e fé n'Ele. Os clamores do mundo, produzidos por sexo e ouro e as demandas de valores
conflitantes designados como bom e mau, mérito e demérito, vício e virtude, foram
deixados muito abaixo e as ondas de Bhava levaram-no acima, além dos mesquinhos ruídos

212
da monotonia da vida. Essa extraordinária onda de emoções sem fim e a prática de severa
austeridade sacudiram o forte corpo e a mente de Sri Ramakrishna, dando-lhes ao mesmo
tempo, uma nova forma e beleza. Foi assim que o instrumento desenvolvido para conter o
Mahabhava, o amor supremo de Deus, e para transmitir a verdade espiritual, ficou pronto.
8. Ó homem, será capaz de compreender a história desse herói maravilhoso? Para
você o peso e o valor de uma coisa são determinados pelo volume ou quantidade. Como você
pode ao menos imaginar aquele refinamento mental que termina na eliminação total do
egoísmo de modo que se torne impossível para o corpo e a mente de uma pessoa, ceder a
qualquer esforço egoísta, por menor que seja? As mãos de Sri Ramakrishna costumavam
ficar rijas e imóveis ao tocar consciente ou inconscientemente qualquer metal - segurar,
estava então fora de cogitação! Costumava esquecer onde estava, por mais familiar que
fosse o lugar, se acontecesse levar coisas insignificantes como flores e folhas sem a
permissão do dono, até que voltasse ao lugar e deixasse os objetos. Se desse um nó, a
respiração permanecia suspensa e não voltava enquanto não o desfizesse. O órgão sexual
recolhia-se instantaneamente, como os membros de uma tartaruga, se o corpo fosse
tocado por uma mulher lasciva. Como pode a mente humana comum, empenhada na busca
de seu próprio interesse desde o nascimento, alguma vez ter o refinamento mental de notar
ou apreciar aqueles estados mentais puros e sutis cujas formas de comportamento são
somente expressões exteriores? Pode nosso mais fantástico voo de imaginação entrar no
campo sublime daquelas idéias? Desde o nascimento aprendemos como ocultar nossas
idéias impuras interiores e mostrar-nos como se fossemos a própria pureza. Quantos
entre nós não terão escrúpulos em ocultar a verdade se, com tal falsidade puderem
tornar-se ricos e famosos? Tomem por exemplo, a coragem. Muitos, entre nós, talvez não
tenham coragem suficiente para dar dez golpes numa pessoa, ou subir num canhão
despejando fogo, ou dar a vida para conseguir algo que deseja muito. Contudo, apreciamos
esse tipo de coragem e nos orgulhamos dessas façanhas. Mas será que apreciamos e
sentimos um brilho em nossos corações ao testemunhar a coragem dos feitos de Sri
Ramakrishna, que visavam renunciar aos prazeres da terra e do céu, arriscando até a
mente e o corpo por algo, além dos sentidos, desconhecido e inusitado para o mundo? Se
puder fazê-lo, ó leitor, você alcançou a imortalidade e merece nossa veneração e a dos
outros.
9. Ninguém jamais compreendeu quão profundo era o significado de suas palavras e
atos insignificantes, a não ser que ele os explicasse. Um dia, disse-nos porque citava os
nomes de pessoas ou coisas familiares, porque as tocava ao terminar o êxtase, ou porque
mencionava alguma comida que iria comer ou beber. Dizia: "A mente das pessoas em geral
situa-se somente nos centros nervosos do ânus, do órgão reprodutor e do umbigo. Um
pouco purificada, às vezes eleva-se ao centro do coração e ao obter a visão da luz ou de
figuras luminosas, desfruta felicidade. A mente, ao ficar profundamente habituada e aferrada
a um ideal com exclusão de todos os outros, eleva-se ao centro da garganta e então,
torna-se quase impossível falar de outra coisa que não seja daquele ideal no qual mora
para sempre. Mesmo ao elevar-se até esse ponto, ela pode descer aos centros inferiores
e perder totalmente aquele elevado estado. Se, de uma maneira ou outra, com a ajuda de
uma concentração excepcional, alcançar o centro entre as sobrancelhas, entra em Samadhi e
desfruta felicidade, comparada com a qual o desfrutar dos objetos dos sentidos nos centros
inferiores é desprezível; o medo de descer desse plano desaparece para sempre. Aí a luz do
Ser Supremo, com um pequeno véu, manifesta-se. Embora haja apenas uma pequena
separação d'Ele, uma clara compreensão do supremo Ser não-dual é obtido assim que a
mente eleva-se até esse ponto. No momento em que esse centro é transposto, o
conhecimento de diferença e não-diferença desaparece completamente e a mente fica
estabelecida no conhecimento da Não-dualidade. Minha mente desce até o centro da
garganta e isso é para instrução de vocês, mas de uma maneira ou outra tem que ser
mantida abaixo, sob coação. Porque permaneceu durante seis meses no total
conhecimento da Unidade, inclina-se naturalmente para aquela direção. Se ela não estiver
presa a desejos insignificantes como: 'Vou fazer isso, vou comer aquilo', 'vou ver esta

213
pessoa', 'vou àquele lugar' e assim por diante - fica muito difícil trazê-la para baixo. Se
não a trouxer para baixo, tudo, falar, andar, comer, manter o corpo vivo e coisas seme-
lhantes tornam-se impossíveis. E por isso que no momento de entrar em êxtase, alimento
algum desejo insignificante como: 'Vou fumar', 'vou àquele lugar' etc., mas mesmo
assim, a mente desce àqueles objetos de desejo somente quando o menciono
repetidamente,"
10. O autor do Panchadasi disse: "Uma pessoa que alcança o Samadhi e os
poderes resultantes, não deseja mudar o modo de viver ao qual estava acostumado
anteriormente. Tudo, exceto a realidade de Brahman, parece-lhe absolutamente
vazio." A verdade dessa afirmação é verificada na vida de Sri Ramakrishna. Eleja
tinha, desde tenra idade, muitos hábitos e modos de viver observados no seu
quotidiano em Dakshineswar depois da transformação devocional. Vejamos alguns:
Era hábito seu, manter o corpo, roupas, cama etc., muito limpos. Gostava de
guardar as coisas nos lugares certos e ensinava os outros a assim fazer; ficava aborrecido
se alguém agisse de maneira diferente. Sempre que ia a algum lugar perguntava se a
toalha, maleta e objetos pessoais estavam sendo levados. Na hora de voltar, também,
lembrava ao discípulo que o estava acompanhando, para não esquecer de nada. Era muito
cioso da pontualidade em tudo. Sempre que dizia que iria fazer uma coisa, invariavelmente
a fazia. Assim também, se concordasse em aceitar algo de uma pessoa, somente a aceitaria
dela, senão se sentiria culpado de falsidade. Mesmo se esses assuntos lhe trouxessem
problemas, preferia manter a palavra a quebrá-la. Ao ver uma pessoa usando uma roupa,
guarda-chuva ou calçado em mau estado, Sri Ramakrishna pedia-lhe que comprasse um
novo, se pudesse fazê-lo, senão ele mesmo comprava para ela. Costumava dizer: "A sorte
não olha com bons olhos o homem que usa as coisas em mau estado e ele perde a graça
divina." Palavras de orgulho ou egoísmo jamais saíam de sua boca. Ao ter que falar de uma
idéia ou opinião sua, mostrava o corpo e empregava palavras como: 'A idéia deste lugar'
ou 'A opinião deste lugar'. Costumava observar minuciosamente os membros e outras
características do corpo do discípulo, como olhos, rosto, mãos e pés, bem como conduta
e modos de comer, beber, andar e dormir. Ao assim fazer, determinava detalhadamente
suas faculdades mentais, grau de desenvolvimento etc., de maneira que nós jamais vimos
que ele tivesse cometido um engano, ao longo de nossos relacionamentos mais íntimos
com o discípulo.
A maioria das pessoas que iam a Sri Ramakrishna tinham a impressão que ele as
amava mais do que as outras. Parece-nos que a única explicação para o fato estava na
grande compreensão que tinha pelo lado mau de cada um. Embora compreensão e amor
sejam duas coisas diferentes, as características exteriores do último não são diferentes da
primeira. Por conseguinte, não é impossível que compreensão tenha sido confundida com
amor. Era uma característica inata da mente de Sri Ramakrishna ficar completamente
absorvida no que estava pensando no momento. Devido a essa capacidade, podia saber
exatamente o estado mental de cada discípulo e prescrever corretamente o que era
necessário para melhorar aquele estado. Ao descrever a natureza infantil de Sri Ramakrishna,
tentamos mostrar quão profundamente ele havia aprendido, desde a infância, a utilizar os
olhos e outros sentidos para fazer observações corretas. Também tentou ao máximo de-
senvolver essa qualidade em seus discípulos. Sempre imprimiu neles a necessidade de pôr a
razão antes de executar qualquer ação. Ouvimo-lo falar repetidamente que era somente a
razão que poderia revelar os méritos e deméritos das coisas e conduzir a mente em direção
à verdadeira renúncia. Jamais demonstrou gostar de alguém de intelecto estreito ou destitu-
ído dele. Todos ouviam-no dizer: "Vocês devem ser devotos, verdade, mas por que devem
ser tolos?" Ou, "Não sejam unilaterais e fanáticos; essa não é a atitude 'deste lugar'. A atitu-
de 'deste lugar' é: "Vou comer a mesma comida, cozida e preparada como pratos
diferentes'." Segundo ele, um intelecto direcionado apenas para um ponto é uma atitude
tola e banal.
"Que monótono!" eram suas palavras de censura para o discípulo que só sentia
felicidade em somente um determinado aspecto de Deus. Dizia essas palavras de tal

214
maneira, que o discípulo escondia o rosto de vergonha. Sem dúvida que foi sob o impulso
dessa idéia liberal e universal, que ele empenhou-se em praticar todos os tipos de
Sadhanas de todas as crenças e pôde descobrir a grande verdade, 'Tantas crenças, tantos
caminhos.'
11. A flor desabrochou. Loucas de vontade para experimentar o mel, as abelhas
vieram voando de todos os cantos. Como um lótus completamente aberto, com o coração
perfeitamente descoberto pelo toque dos raios de sol, ele atraiu o mel das abelhas dos
homens de todas as direções e era generoso com todos que vinham e pródigo em seu
esforço para satisfazer a cada um deles. Será que o mundo já havia sentido antes o gosto
daquele imortal mel de espiritualidade que Sri Ramakrishna deu - ele, que desconhecia
completamente a educação ocidental e cuja vida havia sido construída segundo o modelo
da eterna religião da Índia, olhada por alguns modernos como superstição? Será que o
mundo alguma vez testemunhou o jogo daquele grande poder de espiritualidade que Sri
Ramakrishna acumulou e transmitiu a seus discípulos, sob o poderoso impulso do qual as
pessoas, apesar da luz da ciência moderna, estão compreendendo que a religião é um objeto
de conhecimento imediato, algo vivo, que se move e tangível - e estão percebendo que
uma corrente da universal, eterna e imutável religião vêm fluindo nos corações de todas as
diversas religiões, vivificando-as? Será que as palavras de esperança e segurança já
foram alguma vez proclamadas para o mundo que o homem, viajando de verdade em
verdade, como o vento de flor em flor, está lenta e gradualmente dirigindo-se para uma
imutável Verdade não-dual e um dia realizará sem errar essa infindável e ilimitada Verdade,
além da mente e da fala? A atitude "unilateral" do mundo religioso - atitude que
instrutores religiosos como Krishna, Buda, Sankara, Ramanuja, Chaitanya e outros da
Índia e Jesus, Maomé e outros de países estrangeiros não puderam remover - foi com-
pletamente erradicada em sua própria vida por aquele Brahmana iletrado que
conseguiu estabelecer a verdadeira harmonia entre as doutrinas aparentemente
contraditórias de várias religiões, alcançando assim, uma façanha impossível de ser feita
pelos outros. Alguém já viu esse quadro? É possível determinar o lugar desse homem-Deus
no mundo espiritual? Não ousamos tentar. Podemos dizer que a Índia sem vida ficou bem
purificada e despertada pelo toque de seus pés; que está destinada a ocupar um lugar de
glória entre as nações do mundo; que esperança e bênção vai emanar dele para todo o
mundo em volta; que ele elevou o homem acima de deuses e tornou-o digno de ser
adorado por eles pelo privilégio de ter obtido um corpo humano e que o mundo
presenciou, em Swami Vivekananda, somente o começo da exibição do maravilhoso poder
que foi despertado por Sri Ramakrishna.

215
SWAMI SARADANANDA (1865-1927), o autor, foi um discípulo direto, monástico de Sri
Ramakrishna. Passou a juventude sob a orientação espiritual do Grande Mestre, na
prática da meditação e Samadhi e em viagens aos lugares santos de peregrinação e de
retiro nas montanhas. Foi também um erudito do conhecimento oriental e ocidental,
tendo viajado muito como pregador de Vedanta no Oriente e Ocidente, como também
juntou vasta experiência no trabalho administrativo e de organização durante toda a
vida como Secretário do Ramakrishna Math and Mission. Foi um dos organizadores
pioneiros e dos mais respeitados seniors da Ordem Ramakrishna de Monges, e também,
um eminente homem de luz e conhecimento na Índia do seu tempo.
Seu trabalho, entitulado Sri Ramakrishna Leelaprasanga, originalmente escrito em
Bengali, teve o nome em inglês de Sri Ramakrishna, the Great Master, a maior fonte de
informação sobre a vida e ensinamentos do Mestre. Devido às suas qualificações
literárias, aos seus dotes espirituais, aos seus contatos pessoais íntimos com o Mestre,
com pessoas ligadas a ele e à sua paciente e árdua busca sobre o assunto, era
eminentemente capacitado para revelar ao mundo a vida e ensinamentos do Grande
Mestre. Podem aparecer alguns elementos com indícios de milagre no trabalho, mas
Swami Saradananda afirma que foram relatados deliberadanente como informação
obtida de autoridades confiáveis depois de submetê-los à análise crítica.
O livro é ímpar na literatura biográfica, pois oferece um registro cronológico
exaustivo da vida do Grande Mestre, um estudo de seus estados mentais, de suas
experiências espirituais e do fundo psicológico e filosófico sobre o qual esses
acontecimentos de sua vida interior devem ser visualizados e compreendidos. É um
relato muito rico e valioso dos acontecimentos do espírito como ocorreram na vida de
um ser humilde em seu status social e no seu lugar na sociedade, mas que não
obstante elevou-se à vanguarda dos grandes homens do mundo moderno,
simplesmente por suas conquistas no campo espiritual.

216
217

Você também pode gostar