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RESENHA 1

LIMA, Maria Elizabeth Antunes. O lugar e o sentido atribuídos ao trabalho nos escritos
culturais de Freud. Cad. psicol. soc. trab, São Paulo , v. 19, n. 1, p. 103-119, 2016.

Lidiane Campos Villanacci2

A proposta do artigo é a partir dos textos culturais de Freud procurar um lugar e um


sentido atribuídos ao trabalho do sujeito. A autora aponta que o texto pretende seguir na
linha de alguns estudiosos citados nele, em que consiste em ressaltar a importância das
descobertas de Freud na clínica individual, mas questiona o entrecruzamento entre uma
análise individual aos pressupostos dos fenômenos sociais. Apesar das críticas aos escritos
culturais de Freud, Maria Elizabeth Antunes Lima pretende trazer luz aos pressupostos
relacionados ao trabalho no conjunto da obra de Freud. A autora justifica que a insuficiência
no tema do campo do trabalho na perspectiva de Freud, permite a visualização da origem
dos problemas apontados por seus críticos.

A autora aponta que Freud deixa à margem de seus escritos a questão do trabalho,
segundo Lima (2016) é possível perceber que as referências ao trabalho aparecem de
forma mais consistente apenas em O futuro de uma ilusão (1927) e O mal-estar da
civilização (1930), estando quase ausentes em Totem e tabu (1912) e Psicologia de grupo e
análise do ego (1921). A autora ressalta o trecho a seguir da obra O mal-estar da civilização
(1930) que demonstra o papel do trabalho no processo civilizatório do homem

Em tal país, os rios que ameaçam inundar as terras têm seus cursos
regulados, e suas águas conduzidas por canais até lugares que
delas necessitam. O solo é cuidadosamente trabalhado e plantado
com a vegetação que lhe for apropriada, os tesouros minerais das
profundezas são extraídos com diligência e usados na fabricação
dos instrumentos e aparelhos necessários. Os meios de transporte
são abundantes, rápidos e confiáveis, os animais selvagens e
perigosos são exterminados e próspera a criação daqueles
domesticados. (Freud, 1930, pp. 52-53)

A autora ainda aponta que a organização demandada pelo processo civilizatório


para Freud é considerada de extrema benesse humanitária, segundo o autor na mesma
obra supracitada “(...) permite ao ser humano o melhor aproveitamento de espaço e
tempo, enquanto poupa suas energias psíquicas”. Ainda na mesma obra, Freud retorna ao
seu pensamento naturalístico e afirma “seria justo esperar que (a ordem) se impusesse
à atividade humana desde o princípio, sem dificuldades; e é de espantar que isto não
1
Trabalho solicitado pela profª drª Rosângela Maria de Almeida Camarano Leal, para a disciplina
“Psicologia e Saúde do Trabalhador”
2
Acadêmica do curso de Psicologia Integral da Universidade Federal de São João del-Rei
aconteça, que as pessoas manifestem um pendor natural à negligência, irregularidade e
frouxidão no trabalho, e a duras penas tenham de ser educadas na imitação dos
modelos celestes” (p. 54). Pode-se concluir que Freud reconhece os avanços alcançados
na construção da civilização por meio do trabalho, mas o autor retorna a sua perspectiva
naturalística e propõe que possa haver um retorno às “condições primitivas” nas quais o
homem poderia ser mais feliz.

Ainda na mesma obra de Freud em 1930, ``O mal-estar na civilização, a autora do


artigo cita a passagem em que Freud questiona a finalidade das origens da civilização,
segundo o autor “como nasceu e o que determinou seu curso”. Freud aponta que o trabalho
foi o meio que o homem primitivo descobriu de “melhorar sua sorte na terra”. Viver em
comunidade, para Freud, teria uma dupla serventia: a compulsão ao trabalho e o poder do
amor, sendo estes considerados pelo autor os genitores da cultura humana. O sucesso da
criação cultural humana se dá quando um grande número de indivíduos passam a viver
conjuntamente. Lima então aponta que nesse momento da obra de Freud, o caráter
eminentemente social do trabalho é compreendido, uma vez que desde os primórdios os
sujeitos humanos perceberam que só poderiam sobreviver e reproduzir sua existência
através da colaboração entre esses indivíduos.

Lima (2016) afirma que uns dos pressupostos mais importantes das reflexões
freudianas em O mal-estar da civilização (1930) é a ideia de uma inclinação humana para a
violência, gerando assim um conflito inexorável entre o "instinto de vida e o instinto de
destruição”. Freud procurou respostas que levariam a ausência desses instintos nos
animais, Lima então cita Freud para elucidar a questão

Provavelmente alguns, entre eles, abelhas, formigas, térmitas,


esforçaram-se durante milênios até encontrar as instituições estatais,
a divisão de funções, as limitações impostas aos indivíduos que hoje
admiramos neles. É característico de nosso estado presente
sentirmos que em nenhuma dessas sociedades animais, em
nenhum dos papéis aí destinados ao indivíduo estaríamos
contentes (Freud, 1930, p. 91)

Freud em seus escritos faz um percurso onde considera naturais as características


humanas e atribui aos animais essas características. A autora do artigo recorre aos
pressupostos de Sève (1990) que afirma existir uma série de postulados obrigatórios como
a psicologização da sociedade, a biologização do psiquismo e a naturalização do homem.
Segundo o autor supracitado, Freud considera a história nos termos nitidamente não
históricos de uma teoria da natureza humana.
A autora faz referência aos Manuscritos econômico e filosóficos de Karl Marx (1844)
para apontar como Marx se referia à psicologia de sua época e conclui que os pressupostos
marxistas também poderiam ser dirigidos contra a teorização freudiana, uma vez que o
trabalho ocupa uma posição marginalizada na obra freudiana, mesmo nos escritos que
Freud reflete sobre os processos culturais. A seguir a autora cita diversos teóricos que têm
em Marx inspiração para seus escritos. Segundo Lima (2016), para esses teóricos refletir
sobre o homem e sociedade é indissociável pensar a vida social do sujeito sem levar em
conta o trabalho. A autora conclui que para esses teóricos, o trabalho é o ponto de partida
sobre qualquer pensamento crítico acerca do sujeito e sociedade, uma vez que o trabalho é
o intercâmbio entre homem e natureza. O artigo ainda afirma que a ausência de uma
categoria analítica do trabalho em qualquer reflexão sobre o sujeito e a sociedade seria
passível de equívocos.

A partir dos pressupostos freudianos e marxistas e suas lacunas entre a psique e o


trabalho, Lima (2016) conclui que
Portanto, da mesma forma que Marx apontou
uma grave lacuna na psicologia de sua época, ao desconsiderar o
trabalho, Freud teria identificado uma lacuna tão ou mais importante
no seu pensamento: o desprezo pelos fatores psicológicos em uma
teoria que se propõe a tratar do ser humano. No entanto, embora
a lacuna identificada por Marx possa ser facilmente constatada
no pensamento freudiano, não temos a mesma certeza quando
se trata da falha apontada por Freud na teorização marxiana. É
certo que Marx jamais se propôs a elaborar uma psicologia, mas ao
leitor atento de sua obra fica evidente a possibilidade de se extrair
dela todos os lineamentos ontológicos necessários para se pensar
não apenas os processos de individuação, mas também a
subjetividade e o próprio psiquismo humano.(LIMA, 2016 p.118)

Referências

Freud, S. (1930/2010). O mal-estar da civilização. In O mal-estar da civilização, novas


conferências introdutórias à psicanálise e outros textos (Sigmund Freud, Obras Completas,
vol. 18). São Paulo. Companhia das Letras.

LIMA, Maria Elizabeth Antunes. O lugar e o sentido atribuídos ao trabalho nos escritos
culturais de Freud. Cad. psicol. soc. trab, São Paulo , v. 19, n. 1, p. 103-119, 2016.

Marx, K. (1969). Manuscrits de 1844. Paris: Sociales.

Sève, L (1990). Para uma crítica marxista da teoria psicanalítica. São Paulo:
Mandacaru

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