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A TEORIA BIO-RESISTÁTICA E OS PROBLEMAS

BIOGEOGRÁFICOS E PALEOBIOLÓGICOS

H. ERHART

(Resumo do trabalho “La Theorie Bio-Réxistesique et


les problèmes biogeographiques et paléogioligiques”
CNR. Sociedade Biogéografica. (França) 1956, n. 288,
p. 43-53).

“Exposição da teoria e aplicações: provas da existência de uma vegetação terrestre desde o


Pré-Cambriano. Teoria baseada em observações efetuadas em Madagascar, segundo as quais a
gênese das rochas sedimentares dependem da pedogênese, a qual, por sua vez, é determinada
pela presença e a natureza da vegetação; os sedimentos calcários, dolomíticos, silicosos
hidratados são contemporâneos da presença da floresta sobre os continentes. A existência
desses sedimentos no ante-Cambriano é a prova da presença de uma vegetação bem
desenvolvida. Estudo da natureza dos solos que estão se formando sob diversos tipos de
florestas (nórdicas, equatorial ombrofílica, de regiões temperadas)”.
Fonte: Notícia Geomorfológica n. 7/8, ano IV, abr/ago., 1961, p.5.

A TEORIA BIO-RESISTÁTICA E OS PROBLEMAS


BIOGEOGRÁFICOS E PALEOBIOLÓGICOS

H. ERHART

A exposição da teoria bio-resistática que fizemos numa publicação recente (La


genése des sols en tant que phènomène ecológique, 1956) focalizou a importância da
cobertura vegetal na evolução geológica e geoquímica da Biosfera, suscitando numerosos
problemas novos, tanto do ponto de vista geológico e geoquímico como do ponto de vista
paleobiológico. Alguns problemas geológicos já foram discutidos diante da Sociedade
Geológica da França (sessões de 05/12/55 e 14/05/56), enquanto os problemas geoquímicos
foram objeto de uma discussão diante da Sociedade Francesa de Geoquímica (sessão de
23/02/58). A finalidade da presente comunicação é expor mais particularmente certos
aspectos biogeográficos e sobretudo paleofitogeográficos da teoria. Preliminarmente é
necessário resumir rapidamente os trabalhos pedológicos que me conduziram a elaboração
desta teoria.

ORIGEM E RESUMO DA TEORIA BIO-RESISTÁTICA

Há mais de 30 anos encontrava-me em Madagascar com a finalidade de estudar os


solos lateríticos da floresta virgem da costa oriental da ilha. Nesta ocasião pude observar
cortes de alterações pedogenéticas em rochas eruptivas ou cristalofilianas que atingiam 30
metros de profundidade. Destas rochas primárias, a alteração pedogenética havia deixado
subsistir somente o quartzo, a caolinita, o hidróxido de alumínio e o hidróxido de ferro. Todo
o manto de alteração era unicamente composto por esses minerais. Somente havia as
proporções respectivas de cada um dos elementos que variavam conforme a profundidade. Ao
contrário, todos os demais elementos químicos da rocha mãe, tais como o K, Na, Ca, Mg e
uma grande parte da sílica dos silicatos haviam desaparecidos.
Viajando através de toda a zona florestal a procura de afloramentos que me
podiam mostrar a laterização em rochas eruptivas diferentes, fique impressionado com o fato
de que os rios nascentes na zona florestal e que não a deixavam antes de atingir o mar, eram
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sempre notavelmente límpidos e não tinham, por assim dizer, nenhum débito sólido. A
floresta virgem compacta, comportava-se então, como um filtro que separava em duas fases
bem distintas os produtos da pedogênese laterítica, de um lado, a fase migradora, contendo
todos os elementos alcalinos e alcalinos-terrosos, assim como a sílica combinada dos minerais
silicatados; de outro lado, a fase residual, composta de quartzo (no caso das rochas
quartzosas), caolinita, hidróxido de alumínio e hidróxido de ferro. No caso das rochas não
quartzosas, os três últimos minerais compunham sozinhos todo o manto de alteração
pedogenética.
Em Madagascar, essa reação de laterização é um processo muito antigo, porque se
sabe que uma grande parte dos terrenos cristalinos da ilha jamais foram recobertos pelo
sedimentos, e porque se pode supor, baseando-se no caráter arcáico da flora e da fauna, que
desde os tempos imemoriais a floresta virgem recobre os terrenos em questão, talvez
remontando até o Cretáceo. Eis, pois, uma grandiosa reação geoquímica que se efetuou neste
lugar privilegiado do globo e que permitiu, desde então, somar às constatações do pedológico
o raciocínio do geólogo.
A questão que se me colocou foi a seguinte: de qual natureza podia ser a
sedimentação marinha ao longo das costas e ao largo da Grande Ilha durante todo o tempo
que durou o fenômeno de laterização? A resposta, evidentemente, é muito simples. Somente
podiam nascer calcários, dolomitas, e variantes silicificadas destas rochas, e todo o cortejo das
rochas ditas organógenas que provinham da acumulação de organismo com carapaça (test)
calcária, calcomagenesiana ou silicosa (espongolitos, diatomitos e radiolaritos, etc.).
Minhas peregrinações em Madagascar conduziram-me, mais tarde, para todas as
demais partes da ilha que foram denudadas pela atividade humana, e onde o velho manto de
argilas lateríticas está hoje liberado a uma erosão muito rápida, cujo testemunho são as águas
dos rios carregados de lama vermelha. Em certos lugares, vi estas lamas vermelhas
depositarem-se muito perto da costa, recobrindo e matando os recifes de madrepérolas. Esta
visão surpreendente não podia deixar de impressionar o observador. De minha parte pensei,
com um certo ceticismo, nas “argilas vermelhas dos grandes fundos” que nos dizem ser
formada nas regiões oceânicas abissais, e encetei algumas reflexões críticas sobre o problema
geral das fácies. Mas, sobretudo observei, nesse momento, que o fato das rochas calcárias,
dolomíticas e rochas com sílica hidratada alternando nas séries estratigráficas com argilas,
bauxitas e minerais de ferro, poderia ser simplesmente devido a uma mudança da paisagem
fitogeográfica e ao desaparecimento de uma vegetação florestal muito antiga.
Estas poucas observações elementares constituem o ponto de partida de toda a
minha teoria. Posteriormente, aperfeiçoei-a procurando entrever o que podia acontecer
quando vegetações diferentes da floresta virgem, como a savana ou a estepe, constituem a
paisagem continental. Este aspecto da questão será exposto um pouco mais além. No
momento é preciso resumir o raciocínio simples que me permitiu dar a minha teoria de Bio-
Resistasia uma aplicabilidade geral. Para compreender que algumas rochas calcárias,
dolomitas, assim como algumas rochas com sílica hidratada, devem ser as contemporâneas e
as testemunhas da história florestal dos continentes, é suficiente representar, nos tempos
geológicos, continentes inteiros ou porções de continentes totalmente cobertos por florestas
densas, isto é, que não apresentam nenhum relevo suficientemente elevado para excluir a
existência da floresta. Esses materiais pedogenéticos puderam se acumular em estado quase
puro durante milênios e milhões de anos, enquanto os continentes permanecem isentos de
turbulências tectônicas ou vulcânicas e sem modificações climáticas importantes que fossem
suscetíveis de provocar o desaparecimento da floresta. Tais sedimentos são índices de uma
estabilidade muito grande da crosta terrestre e caracterizam um período de equilíbrio no
decorrer do qual os seres organizados puderam atingir o seu clímax e o seu desenvolvimento
máximo (biostasia).
Desenvolvendo a teoria, podemos notar que as argilas, areias, produtos
ferroginosos e bauxíticos que constituem os elementos residuais da pedogênese florestal
acumulados no decorrer dos períodos biostásicos, somente puderam ser exportados dos
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continentes depois que houve o desaparecimento da floresta, devido uma ruptura do equilíbrio
climático e biológico (resistasia). Logicamente, eles deveriam ser os primeiros a se
superporem nos sedimentos engendrados pela fase migradora, e deveriam ser seguidos por
formações detrícias diversas com minerais primários relativamente inalterados, provenientes
do ataque às rochas após a erosão dos solos. Se o relevo foi intensamente rejuvenescido pelos
movimentos genéticos, os conglomerados puderam ser elaborados em grande quantidade.
Quando os continentes estão cobertos por um manto de savanas, florestas seca
e/ou, de uma maneira geral, por vegetações que não protegem suficientemente o solo contra a
erosão, as consequências sedimentológicas são muito variáveis conforme a natureza dos solos
que são formados sob as diferentes vegetações. Convém notar que nos casos em que a
superfície dos continentes é constituída por antigos sedimentos, os diferentes tipos de
pedogênese que aí se podiam verificar conduzem, necessariamente, a sedimentos bem
definidos. Nas condições fitogeográficas acima descritas, são sempre os mesmos elementos
químicos que respectivamente compõem a fase migradora e a fase residual. Isto explica
porque a evolução dos materiais minerais que constituem a rocha mater dos solos se faz em
ciclos quase sempre semelhantes através dos tempos, engendrando séries estratigráficas
análogas.
A pedogênese aparece, pois, como um fenômeno cujo conhecimento é essencial
para a compreensão da gênese das rochas sedimentares. Integrando-se conjuntamente aos
outros fenômenos pelos quais se pode atualmente explicar a origem das rochas, as concepções
pedogenéticas permitem-nos melhor compreender as causas originais da concentração de
elementos químicos definidos, invocando a ação filtro-separador que nossa teoria assinala à
floresta. Assim, por exemplo, o pululamento extraordinário de certos organismos e micro-
organismos com carapaças calcárias, magnesianas ou silicosas que ocorreram em certas
épocas e que conduziram aos possantes depósitos bio-químicos que conhecemos, aparece
como consequência lógica da pedogênese florestal exercendo-se num substractum
mineralógico determinado, suscetível de liberar, sob uma forma assimilável, os elementos
químicos necessários à edificação das carapaças (bicabornatos de Ca e Mg, lentes de sílica
coloidal). A ordenação vertical de certas séries estratigráficas explicar-se-ia de uma forma
análoga pela consideração das paisagens fitogeográficas que se sucederam nos continentes.
Convém notar que a teoria da Bio-Resistasia não faz apelo a nenhuma revolução
(bouloversement) tectônica, mas somente as variações climáticas relativamente pouco
importantes que se produzem no interior dos grandes ciclos, enquadrados pelas cadeias
montanhosas e pelos grandes movimentos eustáticos. Mas essas variações tiveram, cada vez,
consequências geológicas não negligenciáveis pelo fato que modificaram totalmente todo o
quimismo de alteração das superfícies continentais. Elas também poderiam explicar, em
grande parte, certos fatos da evolução biológica que se operaram nos continentes e nos
oceanos.

APLICAÇÃO DA TEORIA À RECONSTITUIÇÃO DAS


PAISAGENS PALEOFITOGEOGRÁFICAS

O que acabamos de expor é suficiente para demonstrar que temos boas chances de
poder remontar, a partir de um sedimento que observamos, aos solos e às vegetações
continentais que engendraram os materiais remanuseados. Para atingir tal objetivo, é
necessário conhecer o saldo pedológico e geoquímico que resulta de uma vegetação
continental determinada. Entretanto, a questão é muito complexa para aqui ser tratada em
detalhe. Somente iremos esboçar alguns princípios do raciocínio que lhe convém aplicar.
Inicialmente, dois casos são para se considerar: o de todas as florestas densas que podem
exercer papel de filtro-separador, e as das estepes ou savanas arbóreas claras que oferecem
uma certa possibilidade aos fenômenos de erosão. Para simplificar, iremos deixar de lado os
desertos e as regiões glaciárias onde se exercem, sobretudo, os fenômenos de alterações
físicas. Em relação a florestas, três grandes tipos de pedogênese podem ser considerados:
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A Floresta Nórdica – Esta floresta produz solos muito ácidos, do tipo podzólico. A camada
de alteração é relativamente pequena, de 1 a 2 m. no máximo. As bases alcalinas e alcalino-
terrosas são exportadas em quase sua totalidade, assim como uma grande parte do ferro. A
outra parte do ferro, às vezes, permanece no local sob a forma de ORTSTEIN que se encontra
na base do perfil pedológico. O que ocorre com o alumínio ainda é pouco conhecido. Uma
parte parece emigrar do solo; uma outra permanece sob a forma de caolinita e de hidróxido de
alumínio livre. O fato mais importante parece ser a manutenção de sílica sob a forma de sílica
coloidal devido a reação muito ácida do meio. Isto constitui a grande diferença com os solos
tropicais das regiões quentes e úmidas nas quais a sílica desaparece no decorrer da laterização.

A Floresta Equatorial Ombrófila – Partindo das rochas silicatadas aluminosas e férricas,


esta vegetação engendra solos lateríticos. Quando os solos são muito velhos, todas as bases
alcalinas e alcalino-terrosas são exportadas, da mesma forma como a sílica dos silicatos,
graças a reação ligeiramente alcalina que predomina em grande profundidade, na zona de
ataque das rochas. No final das contas, o hidróxido de alumínio e o hidróxido de ferro (com a
caolinita nas camadas superiores) constituem os únicos elementos residuais da pedogênese,
mais grandiosa reação geoquímica que pode ocorrer na superfície dos continenentes. Ela é
responsável, após uma resistasia, pela constituição dos jazimentos de ferro e de alumínio
(bauxitas), como já tivemos ocasião de afirmar.

A Floresta dos Países Temperados – Para simplificar, pode-se considerar que os diferentes
tipos de florestas que conhecemos nos países temperados exercem, do ponto de vista
geoquímico, uma ação que é intermediária entre a da floresta nórdica e a da floresta tropical
úmida. A decomposição dos silicatos não ultrapassa o estágio da caolinita. Não há, portanto,
alumínio livre. Os minerais argilosos também podem ser de um tipo ainda mais silicoso que a
caolinita (filito, clorita), enquanto os solos não forem muito velhos. A eliminação das bases
alcalinas e alcalino-ferrosas não é integral. Mesmo nos solos muito velhos, uma certa
quantidade permanece fixada nos complexos absorventes. Nos solos que não atingem uma
idade muito avançada, os materiais podem mesmo ser calcários.

Em relação às estepes (falamos das verdadeiras estepes e das prairies antrópicas),


somente podemos indicar, igualmente, os grandes traços das ocorrências geoquímicas. A
vegetação das estepes que se constitui sob um clima que não é propício à floresta engendra
tipos de solos como os TCHERNOZIONS, do qual existem numerosas variantes. Nestes tipos
de solos, os elementos químicos atacados no decorrer da alteração não são diferentes daqueles
que podem mobilizar a floresta. Mas existe uma grande diferença entre as quantidades dos
elementos postos em movimento e naquilo que concerne ao caminho seguido por esses
elementos. Eu explico. A intensidade do ataque sendo muito menor sob a savana que sob a
floresta tropical, os solos que se forma são, necessariamente, muito menos profundos. Sob
esta consideração. Um fato importante e essencial soma-se às consequências puramente
quantitativas. Enquanto nos solos de floresta tropical úmida os elementos da fase migradora
são carregados pelas chuvas abundantes e persistentes que os fazem desaparecer
definitivamente dos solos, o regime climático da savana determina uma intensa subida capilar
das soluções do solo durante a estação seca, fazendo com que os elementos solúveis e
pedogênese retornem sempre, pelo menos parcialmente, e se incorporem de novo no solo sob
formas variadas. Os minerais argilosos que se formam nestas condições são geralmente de
ilita ou de montmorilonita.
O resultado grosseiro deste fenômeno é que os solos de savana são calcários ou
magnesianos, se a rocha não contiver esses elementos, e que geralmente apresenta, teores
apreciáveis em potássio ou sódio nos complexos argilosos. A passagem das savanas para as
estepes desérticas conduz ao aparecimento de solos salinos, enquanto as rochas mater contiver
o necessário para isso.
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É importante atrair a atenção sobre uma outra diferença essencial existente entre
as paisagens das savanas e a da floresta tropical. A savana não constitui mais o “filtro”
perfeito que conhecemos na pedogênese florestal, e os solos são submetidos a uma erosão
contínua que não existia sob a floresta. Disto se verifica que, mesmo durante o período de
Biostasia, quantidades maiores ou menores de solos em formação são carregados para os
oceanos. Daí resultarão depósitos que tem as características das marmas, mais ou menos
arenosas ou ocreosas, com ilita ou montmorilonita.
Eu penso que se poderá dar conta, após o resumo esquemático que acabamos de
esboçar, que as diferentes paisagens fitogeográficas que ocuparam o globo no decorrer dos
períodos geológicos deram nascimento a tipos de solos bem definidos, e que os processos da
pedogênese que se desenvolveram no decorrer de um período biostático, necessariamente
repercutiram nos caracteres dos sedimentos que se acumularam nos oceanos.

A PALEOFITOLOGIA DOS CONTINENTES NAS ÉPOCAS PRÉ-DEVONIANAS

Poder-se-ia citar numerosos exemplos tirados dos estudos litológicos das séries
estratigráficas e da comparação com os dados da paleontologia e da paleogeografia
continental, para verificar a justeza da teoria Bio-Resistásica. Mas há um que é
particularmente interessante em assinalar o que desejo expor muito brevemente.
Na exposição de minha teoria observei que certos fatos litológicos, como a
existência de jazimentos de ferro e de bauxita, não se podiam conceber sem uma vegetação
importante nos continentes, remontando até os tempos pré-cambrianos. No momento em que
enunciei este postulado, não conhecia senão os dados paleontológicos expostos em todos os
livros clássicos de paleontologia que faziam remontar o aparecimento da vida vegetal
continental e a “saída das águas” à época Devoniana. Depois da publicação de meu livro, tive
conhecimento de um certo número de trabalhos paleontológicos que tem uma importância
capital para a confirmação de minha teoria, porque afirmam a existência de uma vegetação
continental evoluída até o Pré-Cambriano Superior. Esta vegetação é hoje demonstrada por
importantes trabalhos paleontológicos russos, cujos resultados se somam aos de autores mais
antigos, americanos, suecos, alemães e australianos, que permanece, ignorados ou não
encontraram crédito entre os sábios que se ocupavam dessas questões.
As últimas descobertas paleontológicas confirmam, pois, inteiramente a justeza da
teoria Bio-Resistásica e estendem consideravelmente o domínio de sua aplicação. A
concordância da teoria com os dados paleontológicos e estratigráficos é de tal forma que não
há mais razão para não aplicá-la às formações metamórficas as mais antigas, onde não
podemos mais ter esperanças de encontrar testemunhos diretos da vida vegetal continental.
Penso por exemplo, nos depósitos de Córindon (bauxita metamórfica) que se encontram no
Pré-Cambriano de Madagascar, superpostas aos gnaisses com grafita, assim como em muitos
outros casos nos quais a sucessão estratigráfica e a natureza química e petrográfica dos
materiais não podem se explicar de uma maneira satisfatória, senão pela intervenção da
cobertura vegetal (mesmo muito primitiva) e pelo fenômeno bio-resistásico.
Um trabalho recente que acabo de publicar (Sur le rôle des concretions
pédogénétiques dans la gênese de certaines roches sédimentaires et métamorphiques.
Nouvelles données pour l’extension de la théorie Bio-Resistasique. C.R.S. Ciences, de
18/06/1956), após a apresentação verbal desta nota dá, ainda, maior peso a essa assertiva e
permite, não somente confirmar a existência de uma vegetação evoluída nas séries antigas,
mas ainda de pré-julgar do clima e do tipo de vegetação que reinaram nas épocas
consideradas. Trata-se de concreções que se encontram em muitos dos terrenos antigos e que
só podem provir de remanuseamento de concreções pedogenéticas elaboradas por uma
vegetação arborescente ou arbustiva dominante nas regiões climáticas do globo que eram
caracterizadas por uma estação seca muito pronunciada. Nestas condições, o quanto a
vegetação domina sobre solos que comportam um lençol freático não muito distanciado da
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superfície, e atividade dos vegetais, agindo como bombas aspiradoras, conduz à formação de
nódulos e de blocos bonecóides (poupées) aos quais dei o nome de concreções pedogenéticas.
O mecanismo da elaboração atual destes nódulos foi por mim demonstrado desde há muito
tempo nas bacias fechadas com clima sub-desértico no Delta Nigoriano e no Tchad.
Assim, em todos os terrenos onde os fósseis vegetais estão ausentes ou foram
destruídos pelo metamorfismo, as concreções pedogenéticas trazem uma nova prova da
atividade vegetal continental no decorrer do passado geológico. Esta prova soma-se àquela já
invocada que representam certos jazimentos de ferro e de bauxita. Enquanto estes últimos
testemunham uma resistasia que sucedeu a uma biostasia caracterizada por um clima com
estações alternantes. Todos estes testemunhos minerais, atualmente autorizam-nos a estender
a aplicação da teoria Bio-Resistásica até o Pré-Cambriano, em perfeita consonância com as
últimas descobertas paleontológicas e palinológicas.

CONCLUSÕES

Espero que estas considerações precedentes sublinharam suficientemente a


importância que elas apresentam para o estudo dos problemas paleo-biológicos e paleo-
fitogeográficos. Elas permitem avançar a idade absoluta do aparecimento de uma flora
evoluída terrestre de 320 milhões de anos, atribuídas ao Devoniano Inferior, a cerca de um
bilhão de anos, se não mais ainda. Por outro lado, a importância dessa vegetação do ponto de
vista geoquímico e sedimentológico não perece mais deixar dúvidas. Do mesmo modo como a
existência das bauxitas ou dos minerais de ferro nas séries antigas é explicável pela
paleopedogênese, devemos admitir que a primeira aparição de calcário e dolomitos, assim
como as variantes silicificadas destas rochas, era já devida uma fonte que deslizava dos
continentes graças à atividade dos vegetais que se exercia sobre a crosta terrestre primitiva.
Praticamente, estas rochas não existiriam sem a intervenção biológica continental.
Como já vimos, a teoria da Bio-Resistasia procurou explicar muitas coisas que, eu
espero, poderiam interessar os biologistas e biogeógrafos. Ela procurou, sobretudo, colocar os
problemas em uma nova base e a finalidade da presente comunicação é, antes de mais nada,
submeter ao exame crítico dos membros da Sociedade de Biogeografia certos aspectos destes
problemas. Antecipadamente, exprimo meu reconhecimento a todos aqueles que desejarem
trazer esta exposição uma refutação eficaz, mas séria. Feliz se nós pudéssemos estar de acordo
sobre um ponto: é que a paleopedologia e a paleobiologia devem atualmente se unirem
intimamente e profundamente numa mesma direção de pesquisas.

(Reprodução do Texto Original: I. M. Ferreira, Geografia-CAC/UFG, 2003)

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