Partindo das respostas obtidas na entrevista, dentre os pontos mencionados pela
neuropsicóloga salienta-se a sua satisfação na especialização, sendo até mesmo melhor do que ela imaginava. Em contrapartida, a profissional aponta que o conteúdo teórico apresentado à ela durante a graduação fora superficial e não lhe deu uma base sólida para o ingresso na especialização, uma vez que a matéria de Neuropsicologia era optativa na grade curricular da universidade. Ela afirma que a temática estudada apresentou em sua maioria ênfase nas funções cognitivas, mas pouco destaque em relação à avaliação neuropsicológica em si. Nesse sentido, no Brasil, o conhecimento da área das Neurociências não são sistematicamente estabelecidas, tanto em aspectos da avaliação neuropsicológica quanto em: diagnóstico, reabilitação, ensino e pesquisa (Arango-Lasprilla, et al. 2017). Sendo assim, a história da Neuropsicologia indica insuficiência ao definir paradigmas para a formação dos profissionais da área. De acordo com Sperling et al. 2017, por decorrência dessa realidade tentou-se criar um modelo de ensino na área de Neuropsicologia Clínica e na formação acadêmica, com o intuito de determinar regimento para a formação do Neuropsicólogo. Uma das grandes dificuldades encontradas na área, segundo a neuropsicóloga, é a falta de conhecimento por parte da população, de médicos e de outros profissionais. Tal falta de conhecimento impacta no tratamento de déficits neurofuncionais, uma vez que a avaliação Neuropsicológica seria de grande proveito e poderia potencializar o tratamento em diversos casos, como em acidentes, suspeitas de transtornos psiquiátricos e de personalidade. Apesar de adversidades, como falhas no ensino, falta de supervisão e laudos incorretos, a profissional salienta que a Neuropsicologia tem crescido muito. Concatenando a afirmação, nota-se os proeminentes números de pós-graduações, produção de testes e pesquisas que estão em desenvolvimento, sobretudo no Rio Grande do Sul. Inclusive, temos como referência em pesquisa Rochele Paz Fonseca – Coordenadora Pedagógica da Especialização em Neuropsicologia Clínica do IPTC, Mestre em Psicologia do Desenvolvimento pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (2004) e Doutora em Psicologia do Desenvolvimento pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (2006) – que trabalha com a produção de testes, principalmente voltados para déficits de atenção, aprendizagem e memória, majoritariamente voltados para a infância e terceira idade. A neuropsicóloga aponta ainda que em aspectos de produção científica o Brasil está em ascensão, tornando-se um país que é notado internacionalmente idem.
“Ressalte-se também o avanço significativo em termos do desenvolvimento de
instrumentos brasileiros de avaliação neuropsicológica, bem como a ampliação dos processos de normatização e validação de instrumentos largamente utilizados no mundo, possibilitando ao Brasil ampliar o diálogo com centros de pesquisa e intervenção em diferentes países. ” (HAZIN, et al. 2018)
Como supracitado, há grupos de pesquisas no Rio Grande do Sul e em São Paulo, de
acordo com a mesma, enquanto que no estado de Goiás pesquisas e trabalhos sobre a área ampla de neuropsicologia não têm incidência de ocorrências. Entretanto, já na área específica de neuroavaliação é encontrado com frequência estudos decorrentes dessa vertente. Sabe-se que a neuropsicologia corresponde a um campo multidisciplinar, propondo um diálogo e relação entre distintas especialidades. A relação, de acordo com a profissional, está em construção, pois à medida em que surgem profissionais mais qualificados e atualizados, há uma quebra da resistência de enquadrar a neuropsicologia ao meio clínico. Destarte, embora a atuação na área seja majoritariamente clínica, há uma crescente demanda por neuropsicólogos em hospitais e no âmbito jurídico, expressando-se um desígnio pela perícia e avaliação neuropsicológica em contexto forense. Observa-se que na conjuntura tribunal, um dos pressupostos passíveis de utilização da Neurociência tange à avaliação do grau de responsabilidade da parte durante o ato criminoso por meio da neuroimagiologia (VINCENT, 2011). Dessa forma, é notório a participação interdisciplinar do especialista em neuropsicologia nos domínios da Saúde e Ciências Humanas. A ênfase ao fato decorre, principalmente, do recente interesse e valorização dos estudos acerca do funcionamento neurocognitivo, introduzidos na comunidade científica por meio da tomografia axial computadorizada na década de 70 (NÓVAK, et al. 2001) e sua correlação como método de hipóteses diagnósticas. Ademais, no que se refere às demandas, a profissional ressalta “Sem dúvida nenhuma, queixas sobre suspeitas e hipóteses de TDAH é o que mais chega, tanto em crianças e adultos”. Diante do que foi exposto, nota-se um progressivo número de diagnósticos do Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade na população, considerando a realidade brasileira e mundial. O TDAH caracteriza-se pela presença de uma tríade sintomatológica: elevados níveis de agitação motora, desatenção persistente e impulsividade (DSM-V). Segundo dados da Organização Mundial da Saúde e da Associação Americana de Psiquiatria, aproximadamente 4% dos adultos e cerca de 5% a 8% das crianças e adolescentes sofrem com o transtorno de neurodesenvolvimento. Além do TDAH, as demências em idosos, déficit relativos à memória, são demandas enfrentadas na clínica pela entrevistada, apesar da mesma não delimitar uma faixa etária e a demanda ser maior em avaliação infantil, os seus atendimentos são voltados para pacientes adultos. Por conseguinte, embora a profissional não realize o diagnóstico em si, sendo este função do médico que acompanha o caso, ela trabalha com a avaliação neurofuncional da queixa, ou seja, utiliza de testes neurocognitivos para estabelecer parâmetros que embasem ou não determinado diagnóstico. Adiante, acresce que o processo de avaliação neuropsicológica, segundo a entrevistada, é indicado sempre que há suspeitas de transtornos ou de algum déficit que possa estar impactando a funcionalidade do indivíduo cotidianamente. Tal procedimento requer um protocolo, inicialmente é feita a entrevista com a pessoa, com familiares e indivíduos que convivem com ela e podem oferecer informações relevantes para a avaliação. Destaca-se a atuação da profissional no que se refere a importância de analisar todo e qualquer dado que lhe é entregue pelo cliente, analisando ressonâncias, eletros e etc. Tudo que possa complementar e ajudar na demanda como um todo são de interesse para uma melhor avaliação do que está sendo buscado. Posteriormente, os testes são aplicados, assim sendo,
O processo de investigação neuropsicológica compreende uma análise quanti-
qualitativa das funções cognitivas, funcionais e comportamentais baseando-se em princípios psicométricos rigorosos e bem estabelecidos, tais quais: normatização (validade e aplicabilidade), sensibilidade e especificidade, formas/versões paralelas, custo-benefício (viabilidade) e padronização/adaptação de um instrumento. (WAJMAN apud WITSKEN et al., 2008). Inopinadamente, a profissional realçou que eventualmente faz o uso de testes com cunho qualitativo que ainda não foram adaptados para o público brasieliro, mas que são de suma importância para medir parâmetros ou simplesmente verificar hipóteses que lhe foram apresentadas, contribuindo incontestavelmente na neuroavaliação. Após a aplicação da bateria de testes, que reivindicam aproximadamente 10 sessões de 1h, a pausa no atendimento é feita para a correção destes, e em seguida, é marcada a sessão de devolutiva do laudo ao paciente. Outrossim, os especialistas em neuropsicologia podem trabalhar, além da avaliação, com a reabilitação cognitiva traçando um modelo interventivo que trabalhe o déficit funcional apresentado pelo paciente, entretanto, a neuropsicóloga entrevistada não atua especificamente com essa atribuição. Salienta-se que o processo de reabilitação neuropsicológica busca tanto a recuperação quanto a compensação de funções cognitivas alteradas (CAPPA et al.,2005) para que o indivíduo possa adquirir um nível de funcionamento social, físico e psíquico adequado (GUARDIA-OLMOS et al., 2012). Estudos demonstram sua eficácia na melhora de funções cognitivas no desempenho das atividades de vida diária e no aumento da qualidade de vida de pacientes com diferentes tipos de distúrbios que afetam o sistema nervoso. (DE VREESE NERI et al., 2001; ÁVILA,2003; PONTES; HUBNER, 2008; TUCHA, et al., 2011). Consecutivamente, foi pedido para que a profissional explicasse como ocorreria a intervenção neuropsicológica no tratamento de transtornos já diagnosticados, nesse momento ela destacou o TEA. No caso do TEA provavelmente ela vai focar em interações sociais, comportamentos mais adaptativos que podem ser por conta do próprio transtorno, a exemplo cita-se alguns comportamentos estereotipados. A profissional expôs ainda que a intervenção no TDAH visará atuar na funcionalidade da pessoa, sempre para proporcionar melhor qualidade de vida para ela e para as pessoas que podem conviver com ela, a mesma destaca o foco na melhora da qualidade de vida do indivíduo. Por fim, foi questionado quais seriam as principais características para uma boa atuação do neuropsicólogo. Segundo a experiência da especialista, aspectos como: embasamento teórico, habilidade de entrevista, conhecimento técnico e a proeminência quanto a ética do profissional, foram citados, sendo essas questões de extrema importância para a atuação de um profissional no âmbito da neuropsicologia. Em síntese, cabe reafirmar a premissa que postula o corpo teórico dessa especialização em Psicologia, conforme a neuropsicóloga cognitiva María Jesús Benedet, “A neuropsicologia é a ciência que estuda as relações da conduta com o cérebro partindo, por um lado, do conhecimento das estruturas e funções deste e, por outro, do conhecimento da conduta.” (1989, p. 19, apud. PAULA JÚNIOR, Eugenio Pereira).