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UNICAMP

UNIVERSIDADE ESTA DUAL DI CAMPINAs

Reitor
HERNfANO TA VARES
Coordenador-Geral da Universdade
FERNANDO GALEMBEG
Pró-Reitor de Desenvolvimento Uni-ersit ário
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ANGELO LUIZ CORTELAZD
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IVAN EMtUO CHAMBOULEYfON
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EDITORA DA
UNICAMP

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CARLOS ROBERTO LAMARl

Conselho Editorial
ELZA COTRllvI SOARES- LUIZ DANTAS
LUIZ FERNANDO MlLANEZ
M. CRISTINA C. CUNHA - RICARDO ANiliNES

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Luís Otávio Burnier
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A ARTE DE ATOR
DA TÉCNICA À REPRESENTACÃO :;,

Elaboração/ codificação e sistematização


de técnicas corpóreas e vocais de representação para o atar

U"FllVl.,G~ '" BJBLJOTECA UN1VERSJTÁRJA

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FICHA CATALO GRÁFlCA ELABOR ADA PELA
BIBLIOT ECA CENTRA L DA UNICAM P

B935a Burnie r, Luís Otávio


A arte de ator: da técnica à represe ntação / Luís
Otávio Burnie r - Campi nas, SP: Editora da Unicam p,
2001.

1. Atores - Treina mento. 2. Repres entaçã o teatral. 3.


Métod o (Repre sentaçã o teatral). r. Título.

coo - 784.93 2
792 .028

ISBN: 85-268 -0542- 8

Índices para catálogo sistemát ico:


1. Atores 784.932
2. Represe ntação teatral 792.028
i -
3. Método (Repres entação teatral) 792 .028

Copyrig ht © by Editora da Ul\iICAM P, 2001


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A uous , lvL Decrou x (in mem ori am) .
a Jos é 1'11ti T i ti / E s t II er A l bin o e A l z i ra
I

aos m eu s pcus
à Den ise e no A n d r i
e ao " N arig u do" . ..
AGRADECIMENTOS

Ao professor-doutor N orval Baitello [r. pela orientação dedicada e atenta (o que


por si só já é uma qualidade digna de superlativos). O respeito e ética profissional, aca-
dêmica e científica, unidos a urna percepção profund a, levaram-no a me indicar cami-
n h os de es tu d os que tr oux er am urna lu z à compreensã o teóric a d e u m trabalho que, p or
natureza, é empírico. Muito obrigado, Nerval, com v o cê a p r en d i o que é ser um bom
orientador.
Ao p r ofe ss o r-douto r Ubirat a n D ' Ambrósio, p o r t er a cr e d i t a d o em meu tr ab alh o,
quando ele ainda era incipiente, não existia corno pesquisa 'sistemática sobre a arte de
a t a r, e havia criado na U NICAMP o en t ão pioneiro Lurne- Núcleolnterdisciplinar d e Pes-
quisas Teatrais . Foi graças a o Lume que eu pude realizar a s pesquisas a qu i estudadas.
P ess o as co rno o Ubiratan são p reciosas : si le nciosos reformadores da história e do pensa-
m ento humano .
A Tere z a Agu iar, M ilerie Pache co e Yo l anda A rna dei. po r cr iar em m in ha im pres-
são digital profissiona l. T er e z in ha, por me trazer ao teatro onde construí nunha mo r a-
d a; Mi le n e. por m e ensina r que a voz é mode lá v el; e à q ueri da Yolan da, que: co m s eu
silêncio s orrid en te, mostr ou-me (e a tantos ou tr os a t eres" ) que o co r po é o verdadeir o
v eícu lo de nossa arte . Ess a fo i a s em en t e. O que fiz foi r egá-la .. .
Ao atar e amigo Carlos Simioni, pela confiança, fé, gen er os id a d e, for ça e resistên-
cia n os momentos difíceis - e como os h ouve! - e p ela al e g r ia e plenitude nos momen-
tos de descob erta. Não ten h o palavras p ara agradec e r o dia e m qu e, com uma mala na
mã o e nad a mais, v ocê chegou a C am p in as . Obri g ad o: Simi .
Ao at a r e am i go Rica r d o P uc cetti, qu e m e de v o lv eu o cl o ui n e me tr ouxe o ca n to
lo ngín quo dos pássaros q ue hoje encan tam nosso trabalho .
Às a triz es e amigas L u cie ne Pasc olat e Valéria d e Seta pela perse ve rança e assid ui -
da de, d elicad eza e su t ileza, p or acr ed i ta r em e q u ererelTI corn a v on t a d e n ecessár ia para
.o fazer : a vo n t a d e do co r aç ão .
À ialorixá Dangoroméia por sua bela ~nerosidade/por me apontar caminhos revela-
dores do belo e iluminado universo dos orixás .
À Eliana, conhecida nova/ mas que tanto nos ajudou.
Aos meus colegas do Departamento de Artes Cênicas, em especial ao Reinaldo San-
tiago e Sa-rah Lopes/ pelo apoio oe incentivo.
Ao meu pai/ Rogério Burnier, pelo apoio e alimento à mente e à alma; por instigar
°

meu pensamento/ sobretudo o humanista.


À minha mãe/ Thaís Sartori, pelas minhas origens/ fonte de vida e de sentido, por ter
me ensinado a dinâmica e a força de quem quer transformar uma realidade e o faz com a
força do amor.
Ao Lume/ seus funcionários e colaboradores/ pelo apoio/ ajuda e tanto, tanto mais!
Em especial à Márcia Strazzacappa, ao Renato Ferracini pela informática trabalhosa e à Marli
Marques pela correção atenta e dedicada.
À Denise Garcia/ pela sua poesia de musa que me ensina a ser artista/ pela sua músi-
ca de poeta que penetrou nossos músculos/ pela companheira que/ além de tocar, carregou
o piano sozinha para que eu pudesse concluir este trabalho.
E ao pequeno e querido André/ pelos momentos de tristeza à espera do pai que nun-
ca chegava...
SUMÁRIO

ApRESENTAÇÃO 13
A sem iótica da cultura 14
O processo de edific ação técnica : 15

INTRODUÇÃO 17
A arte de aior 20
Representação não interpretativ a , 21
A técnica-em-vida do ator : 24
A elaboração técnica 26

Capítulo 1 - AçÃo FÍSICA (E VOC AL) : A UN IDADE MÍNIMA DO " TEXTO" DO ATü R 31
O texto do aior
/I 1/ .. 35
Um a ques t ão de otica .. 38
As aç ões [isicas, H JI1 uniu erso de mic roelemen tos: a intenção 39
O élan .. . 40
O im pulso .. 40
O m ov ime nto, o acontecimento da aç ão no es paço e no temp o 42
O ritm o, o desenho da aç ão no tempo . 4S
A ge nét-ica m olecula r e as 'açôes físicas .. 47
A m ec ânic a "uiuen te da aç ão física
/I .. 4 9
A energ ia . .. 49
Crg an icidade e precis ão: ..... 52.
As aç ões f ís icas e as ene rgias potenciai s do ato r: 54
Corpo reidade e [isi cid ade de u m a aç ão . .. 5 5
A aç ão v oca! . .. S6
· t ··- · ~ -

Capítulo 2 - ELABORAÇÃO TÉCNICA : .: 61


" Pri são pa ra a liberdade " 63
A " mímica cor poral" de Etienne Decroux, um exemplo de técnica cod if icada 66

Capítulo 3 - A TÉCNICA PESSOAL : OS PRIMÓRDIOS DA DANÇA PESSOAL 85


Antes, um passo atrás : 86
Pensar-em-oção, pensar-em -movimento 87
Lutando contra a cultura 89
A hiper-tensão, o fio de Ariadne 91
Palavras poéticas e fáceis , tarefa difícil 92
O " bu raco negro" : 94
Atualizando a memória 96
Da hiper-tensão para 98
O pêndulo que oscila en tre a vida e a técnica 99
A v oz do corpo (ou a m elodia dos músculos) 101
O corpo da voz (ou o músculo da melodia) 102
Os corredores da Iben 103

Capítulo 4 - TÉCNICAS ESTRANGEIRAS: TÉCNICAS INCOMUNS COM PRINC ÍPIOS EM COMUM 111
Pr imeira fas e : 112
Segunda fase 130

Capítulo 5 - D AN ÇA PESSOAL OU "DANÇA DAS ENERGIAS" 139


A ponte: o treinamento pessoal 143
Em busca do fio de Ariadne 144
"O guerreiro também usa saias /I 146
" Ser, não expressar " 147
"Reconhecendo a própria cara " 152
" P u lan do os próprios mtlrOs " .; 153
" T ri lh an d o cam in h os esquecidos/I 156
A n dand o em o ol t a 'do espelho "
II 158
A dança esc ondid a, ou o vibrato da dança 160

Capítulo 6 - DA TÉCN ICA À REPRESENTAÇÃO 169


T écnica de trein amen to e técnica de represen tação 171
O comportam ento r es tau rad o 171
o risco do sac rilégio 173
A açao- )(.'ISIca
. 1/
VIva e o maieria L de tra ba lh o d o atar
' " . . •
174
P romete u acorr en t ad o 175
O pers onagem, u m a másca ra que revela e protege : .: 176

Capítulo 7 - WOL ZEN E A MÍMESIS CORPÓREA OU A IMITAÇÃO DE CORPOREIDADES 181


A Valsa nº- 6 de Nelson Rodrigues: ponto de partida i8 2
a fio de Ariadne 183
A i mi tação das corporeidades 184
Think in rnotion, not in concepts 186
T ransformando fotos e quadros em ações 188
A ponte entre o treino e a representação 190
A teatral izaç ão das ações físicas 191
A montagem, um mosaico de cores e formas diferentes ligadas umas às outras 193
a processo gen erativ o da peça 195

Capítulo S - O CLOWN E A IMPROVISAÇÃO CODIFICADA : 205


Os tipo s c ômicos: elementos de uma. genealogia 206
A in iciaç ão do clown 209
a treinamento para o clown 212
a bufão, ancestral do clown 215
a picadeiro 2 17
Teotânio e Carolino : 218
Técnica de aior, técnica de clown : 219
Valef armas 220
~-

Capítulo 9 - KELBlLIM: RETORNO ÀS ORIGENS 233


Precipi iad os de son hos 234
Em busca de LLm tema 236
A música e o espaço da peça : 237
Kelbilim em quatro ve rsões 23 7
A musicalização das ações físicas 239
a ate r, m aestro do teatro 240

Conclusão - P ROSPECTIVAS 247


O reservatóri o do nouo: prospectivas 249

BIBLlOGRA.FIA .. . 253
Di cion ârios con s ultados .. ......................................... ................................................................................ ........... 26 5

A NEXO .. .. .... 2 67
Aç ões codifi cadas do aior Carlos Sim ioni . ....... 2 67
? '-' j
Kelbilim, o c ão da divindade.: . .. .. _ / .:...

A ções da dança pessoal do atar Ricardo Puccetii .............. ... ... . ...2 77
Lista de ações codificadas da atriz Luciene Pascolat . .. 2 91
Lista de aç ôes codif icadas da atriz Valéria de Seta .. ..297
Tabela de ações e ligamens de uma passagem da peça VVolze n . 3 04
Exemplo de quadro expressionista alemão tran sform ado em açiio física .... . ...... 306
Cartazes, progrmrw.s e [ilipetas dos espeuiculos e atioi dades do Lume .. .......309
APRESENTAÇÃO

A busca que originou esta obra teve seu início em 1985, quando o ator Carlos Roberto
Simioni veio de Curitiba p ara Cam pin as a fim d e trab alhar co migo. No ano segu in t e, criei,
com o apoio decisivo de algumas personalidades da Universidade de Campinas, o Lume-s-
Núcle o Interdisciplinar d e Pesquis as Teatrais da U NICAMP, ond e estas pesquisas se desen-
v olv er am .
Meu objetivo principal e ra realizar um estudo aprofu n da do sob r e a arte d e at ar, seu s
componentes, sua realização, sua técnica. Também pensava em estudar a cultura brasilei-
ra, corporeidades do b rasileiro, como as encontradas em manifestações espetaculares po-
pulares de bum ba-meu-boi, folia de reis, m aracatu, congada, batuq ue de lvlinas, capoeira, candom-
blé, umban da, en tr e ou tras.
A p rimeira co n s ta t aç ão a q u e cheguei fo i a de qu e o fa t o d e n os s os ato res não serem
m u nidos de té cnicas objetivas, estrutura das e co d ificadas, impossibilita v a urna busca 00-
jeti va de elabo r a ção téc n ica a partir ele elementos encontrados em n ossa cu lt u r a . Ur gia,
portant o, dar u m pas so a trás .
Foi assim que r ed i m en sio n ei m in h as pesquisas sem. n o entanto, p erder de vist a os
objetivos principais . Antes de ela borar u ma técn ica a par tir de es tudos sobre corporeidades
da cultura brasile ira, de ve ria delinear caminh os oper a tiv os v is a n d o a uma edificaçã o téc -
n ica para o atar. Es s es ca m in h os não p oderiam ser te óricos, mas práticos; para en con tr á-los,
de veri a percorrê-los.
O tr ab alho que ora ap r esen t o pode ser resumido em s e u subtítulo, o u sej a, a busca
prática da e d ifica ção de uma técnic a de represen tação par a a a rte de a ta r. Des de que co-
nheci o teatr o, ven ho m er gulhand o ca da v ez mais nes ta b u s ca p o r p ar âmetros práticos e
ob je ti v os q ue p er mitam à arte de atar atingir sua p lenitude . Es te não é, p ois, um " p r ojeto
de do utoramen to " . ou um "p r oje t o de pesq u is a" , mas u m. projeto de 7)iLiLI.

13
Luts OTÁVIO B l tRNIER .
1 -

Evidentemente não se desenvolve uma pesquisa visando a uma elaboração técnica


para o ator sem atares. No entanto, não poderiam ser simplesmente ateres, mas aiores-pes -
cuisadores, ou seja, que se predispusessem a se submeter a urna disciplina de trabalho e às
exigências próprias e intrínsecas da pesquisa . Eles seriam os objetos de estudo e cobaias ao
mesmo tempo.
A pesquisa, por se~ eminentemente empírica., foi se delineando por si mesma . Fui
descobrindo coisas novas, confirmando negativamente certas hipóteses e afirmativamente
outras. Colocando-me novas questões ao tentar responder outras antigas. Aos poucos, ca-
minhos começaram a se delinear, comecei a encontrar elementos objetivos, a constatar que
estávamos em pleno curso de uma real edificação técnica para o ator. Carlos Simioni ini-
ciou, nessa época, o que chamamos de " tr ein am en to pessoal", que desembocou em sua
técnica pessoal e, posteriormente, configurou-se na dança pessoal. Após quatro anos de
trabalhos, decidimos aplicar os resultados do que vínhamos construindo, numa obra tea-
tral. Assim, tendo Carlos corno ator, Denise Garcia como compositora e .eu na direção,
montamos Kelbili m, o cão da div indade. Uma homenagem a santo Agostinho no percurso de
sua conversão mística.
Mais tarde entraram Ricardo Puccetti e Luciene Pascolat, acompanhada de Valéria de
Seta. A partir de uma proposta de Ricardo, iniciamos um novo campo de estudos: o clown
e o sen tido cõmico, dirigido para a elaboração técnica segundo os moldes das comédias im-
provisadas medievais. Luciene e Valéria trouxeram a busca de uma elaboração técnica a
partir da imitação de corporeidades (que chamamos de "mímesis corpórea").
Todos esses processos se entrecruzaram de uma certa maneira. Assim, cada ator de-
senvolveu sua dança pessoal, com graus de aprofundamento distintos; todos foram inicia-
dos no cloum, embora somente Luciene e Valéria tenham estudado a mímesis corpórea
em profundidade .

A semiótica da cul iura

Meu encontro com o Programa de Comunicação e Semiótica ·d a Pontifícia Univer-


sidade Católica de São Paulo e, sobretudo, com a linha de pesquisa da semiótica da cul-
tura foi muito importante; sua percepção e seus estudos me ajudaram muito na compre-
ensão teórica deste trabalho.
Uma fonte de pesquisas muito instigante proposta por Ivanov, Lotman, Pjatigorskij,
Toporov e Uspenskij no Congresso Eslavo de 1973, quando lançaram o primeiro escrito
sobre semiótica da cultura, foi a investigação sobre princípios da ordenação hierárquica e
dos ligamentos entre textos e os sistemas semióticos.
No contex to d e nosso trabalho, essa investigação seria de fato muito interessante, pois
busca ordenar hierarquicamente um conjunto de elementos que poderão-compor o "texto"
(no sentido semiótico da palavra) do ator. No entanto, mergulhar no estudo das ligações
entre o "texto do ator" e os sistemas semióticos, além de pressupor a existência de um "texto
de ator" estruturado gramaticalmente e articulável, iria nos desviar de nosso caminho es-
pecífico da arte de ator para uma "semiótica da cultura da arte de ator". O problema é que,

14
A ARTE DE ATaR: DA TÉCNICA A REPRESENTAÇAo

visto que o "texto de ater" está em processo de elaboração, é impossível estudar as liga-
ções entre o que ainda não é e os sistemas semióticos. Nesse sentido, nosso trabalho é um
criador / produtor de cultura. Para que suas ligações com os sistemas semióticos possam
ser estudadas, é necessário primeiro ter o texto. A apresentação desse "texto de ator" é por
si só complexa, por ser um texto-em-movimento, em desenvolvimento. Ele exige a ·d escri-
ção do processo. Por esse motivo, tive que frear a paixão altamente estimulante que o estu-
do da semiótica da cultura despertou em mim, para me aprofundar nos estudos da arte de
atar e processos de elaboração técnica, ou seja, de criação de "textos de atar".

o processo de edificação técnica


É muito difícil falar de uma técnica que ainda está em processo, estruturando-se.
Embora já exista, pois foi aplicada em espetáculos, comprovando assim sua funcionalida-
de, ainda não é, pois não se encontra " acabada".
Por esse motivo, optei por dois caminhos principais para a apresentação deste traba-
lho: uma abordagem mais conceituaI e teórica dos princípios que vêm orientando a pes-
quisa, colocações de mestres do teatro que questionavam ou ajudavam a melhor compre-
enderas opções que vinha tomando; e outro, a descrição do processo em si.
Por se tratar de uma busca eminentemente empírica, cujo principal valor está no pro-
cesso e nos resultados práticos, decidi priorizar a narrativa d os processos, ainda que am-
parado reflexivamente no trabalho de outros artistas e pesquisadores. A descrição prática,
no entanto, não pôde ser tã o pormenorizada quanto desej a va. Embora p ossivelmen te rica
para ou tr os pesquisad ores, ela seria ex austiv a n o context o deste trabalho . Tentei apenas
ser fiel ao processo como um todo, aprofundando-me em certos momentos, mas negligen-
ciando outros. Nesta rede de opções que me vi obrigado a fa zer, espero não ter cometido
injustiças, nem leviandades . Tentei sintetizar as experiências buscand o mostrar os cami-
nhos d os processos v ive n ciad os . N ã o podemos perder d e vi sta qu e se tr ata d e praticamente
dez anos d e experimen tos intensos e cotidianos. Esta narrativa é um resumo que pretende
re velar sem exaurir.
Visto que alg u mas conceituações teó ricas d epend em de exe m p l os da práti ca que as
explica. e fomenta e que essa prática s ó ficará clara à medida que se a vançar na leitura do
trab alho, existem certos con ceitos que retornam, e aos p ou cos; am parado pela prática; vou
acrescentando novos elementos. Colocá-los por com p leto no in ício pediria um rol de exem-
plos qu e só poderiam ser compreendidos na íntegra se as sociados ao processo . Ou seja, UD1
círcul o vicios o que tento ro m p er co lo can d o ta is conceitos no início; mas não me a tenh o aos
exemplos . Outros; cu ja argü ição a d en tr ar ia uma retórica m er amen te co n ceitual. acrescen-
t and o pou co par a a arte de a tar; deixo -os à deriva; n a esperança ele qu e se escla reç am po r
si sós n o r ercurs o do tra balho.

1 -
1..J
INTRODUÇÃO

[e nai inventé que d'y croire.


ETIENNE DECROUX

Teatro não é arte . Do grego clássico, théatron tem por raiz th éa, que significa o v er,
o contemplar, e o sufixo iron, dos adjetivos, conota o lugar onde . Portanto, théatron é o "lugar
de onde se v ê, ou se con tem pla" ,'
No entanto, além do nome que empresta ao edifício, esse termo é utilizado com fre-
qüência p ara designar uma arte. El a acontece neste espaço v azio, ih éairon, para ser obser- :
vada por alguém. Segundo Peter Brook, para que a ação teatral possa ser esboçada, são
fu n d am entais tr ês elementos : o espaço v a zio, o espect ad or (alguém que ob s e rva esse espa-
ço) e o ator (a lguém que cruza e, portanto, desenvolve u m a ação n esse espaço) (Brook, 1977,
p. 25 ).2 Esses três itens comp õem, an alo g am en t e, a c élula" da arte teatral, sua menor par-
II

tícula v i 'l a .
Co m o ar te , o te atro pode ser entend id o corno o qu e a con te ce entr e espectad or e a t or .:'
conforme d efin içã o de Jer zy Cro tows k i." Nesse sistema de com u n icaçã o, o ator é o emissor
da mensagelTl, dos signos, é ele quem aiu a, faz. O espectador realiza a função de receptor/
ele receb e e in terpreta os sign os em iti dos pelo ator. testemunha a ação .
Os terrn os " p o esia" , " p oé tica" e " p o et a " v êm d o grego poiêsis, poiêtik ê, poi êtês, que se
re la cionam com o v e rbo de mes m a raiz : poi éô, q ue sign ifi ca fa zer, criar. Enquanto, n a p ers -
pecti va d as ciê nc ias/ a prioridade é o ob je to e a inteligência ser á ver d a d eira na m edida em
que se ad ap t a r a ele/ n a.s ar tes, ela precede o objeto . con h ece-o crian d o. O conhecimento
impl íci to n o faz er a r tístico é/ po r tan to , um co n.hec irn en to cri a d or / f az edo r/ produtor. Entr e
ator e espe cta d or/ a q u ele que [a: a ar te é obviame nte o a tar, o qu e n os le va à con h ecid a
con cl us ão de ser o teatr o a ar te do ata r.

17
LUÍs OTAvIO BURNIER

. .. ~

'f; -
o fato de o théatron (corno espaço) ser o ponto de encontro de diversas artes e ar-
tistas que buscam produzir uma arte "mais completa", sublime, espetacular, não exclui
que, em sua essência, o teatro seja a arte do atar. A obra de arte teatral é, obviamente, a
resultante da arte do atar "vestida" ou acompanhada de diversas outras artes ou não.
Se a arte ,teatral for abandonada pelo arquiteto, pelo artista plástico, pelo músico e até
mesmo pelo escritor, mas mesmo assim restar um espaço, um observador e um atar, ela
poderá continuar a existir. Grotowski, Decroux e tantos outros já trilharam o caminho
para demonstrar que todos os "artistas colaboradores" do espetáculo, das diversas áre-
as, podem tirar suas férias que a arte teatral continuará existindo. Menos o atar! Ele é o
único artista do palco que não é um "colaborador" ou "convidado", mas o próprio an-
fitrião .
Para Etienne Decroux, JfO teatro é a arte de atar" (Decroux, 1963, p. 41). Ele esta-
beleceu a sutil, mas fundamental, diferença ao dizer l'art d' acteur e não l'art de l' acteur.
Ele se refere a uma arte que emana do atar, algo que lhe é ontológico, próprio de sua pe,ssoa-
artista, do "ser atar" . E não à arte do atar, pois ela não lhe pertence, ele não é seu dana,
mas é quem a concebe e realiza .
A arte não reside propriamente em o que fazer, mas no como. No entanto, para o
artista, a questão do corno é muitas vezes antecedida pelo com o que, com quais instru-
mentos: a mímica, a dança, o can to, a dicção ... Todos pertencem a um universo objetivo I
i
e resultam, digamos, de um uso particular do corpo e da voz. Poderíamos, pois, concluir I
I

que o corpo (a vozvcorno parte do corpo) pode ser entendido como o instrumento de I
trabalho do atar (assim como o pintor tem as tintas, o pincel, a tela...). Existe, no entan- II
to, no caso da arte de atar e de todos os artistas performáticos do palco, uma particula- I
ridade que lhes é específica: no momento em que a arte acontece, eles estão presentes e
vivos diante de seus espectadores. Isso introduz um outro fator de determinante impor- I
II
tância : a' presença,' o estar vivo, "em-vida". Evidentemente, a vida também existe para as
outras artes, mas não de maneira tão evidenciada, mostrada e comprometedora. O artis- I -_
ta do palco se expõe ao vivo, ao passo que os outros artistas não precisam estar presen-
tes quando" desnudados" pelo público, quando suas fragilidades são expostas por meio I
I -
de suas obras.
I
o fato de o atar estar vivo diante dos espectadores, executar, sentir, viver e fazer !

sua arte, introduz questões de difícil captação, referentes a um universo subjetivo, de I


sentimentos, sensações, emoções, ou seja, um conjunto de elementos que Eugenio Barba
chama de dimensão interior, ao diferenciá-los de uma outra dimensão física e mecânica do
trabalho do atar (Barba, 1989, p . 21), e Stanislavski denominou de "plano interior e plano
exterior " (cf. Stanislavski, 1972, p. 223).
A particularidade de a arte de atar exigir a presença física do artista diante de seus
espectadores no momento em que acontece levanta outra questão, referente à inter-relação
entre a vida (o natural) e a arte (o artificial), de maneira bastante peculiar. A vida e a arte
não se confundem. Uma nos é dada pela natureza, e a outra, pelo homem. No entanto, existe
algo de intrínseco na natureza que encontramos em nós, como seus filhos, mas que se ma-
nifesta no fazer artístico e é o responsável pela sensação de uma certa obra estar "viva" ou

18
A _,.;'[GE OE ATOR: DA TÉCNiCA A REPRESENTAÇAü

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ter " u rn a determinada vida", corno se ela pudesse tornar as rédeas do próprio destino,
agir e existir por si só . A arte nascei portanto, do âmago da vida.
Mikel Dufrenne, na obra Fenomenol ogia da experiência estética, no capítulo "O o bje-
to estético dentre os outros objetos ", dedi co u um item ao estudo do "Objeto estético e o
vivente" C/L' objet esthétique et le vivant"), no qual escreve:

Assim não somente o objeto estético que me é apresentado é composto por viventes, mas
ain d a ele se esforça em me dar a imagem, a mais clara da vida: cada movimento do
bailarino é como uma afirmação vital, a exibição das potências de vida que se desnudam
segundo a duração que lhes é própria. Mas se a dança dá urna imagem da vida, é porque
ela não é a vid a; os v iv en tes que ela usa estão a seu serviço, eles lhe emprestam suas
qualidades de viventes para representar a vida, e a vida tratada esteticamente não é
m ais vida simplesmente, não mais do que o bailarino não é um vivente ordinário, não
mais do que Dullin não foi o Júlio César real. E se o bailarino está ao serviço da dança,
se ele tenta se identificar a ela, é que ela é dis tin ta d ele [...] (Oufre n ne, 1967, p. 114) .

A arte, segundo Dufrenne, não é a vida, mas é a sua representação estética. Ela deve-
rá encontrar, em seu mecanismo interno de funcionamento, urna determinada organicidade,
que nos dê a sensação de fluidez, de continuidade ou descontinuidade, de convulsão, equi-
valente ao fluxo de vida. É a artificial naturalidade da qual nos fala Gordon Craig. A sensa-
ção da vida. Algo que tenha o poder de nos atingir como os sonhos, corno coloca Artaud,
que emane uma força equivalente à vital e que, por isso mesmo, penetre em nossos recan-
tos secretos, a cordando o esquec ido .
Essas dimensões interior e física ou mecânica não podem ter urna existência isolada, pois
formam uma unidade . A experiência da unidade entre dimensão interior e dimensão físi-
II

ca ou mecânica, (00'] não constitui um ponto de partida: constitui o ponto de chegada do


trab alho d o ator" (Barb a, 1989, p. 21). No âmbito de um trabalho metódico de pesquisa, é
importante, n o entanto, ente n d er que, embora p ossam com por a s du as fa ces d e uma rnes-
111.a moeda. elas possuen1 naturezas d if erentes e podem s e r trabalhadas separadamente e
d e dis tintas m aneiras.
De f ato, existe uma relação bastante particular e ntre a dimensão interior e a físic a e
mecân ica . Pertencen tes a u riiv ers os d istin tos, são partes do to d o da pessoa e d a arte d e a tar.
A inter-relaç ão e n tre el as não segue caminhos lógico s o u cr onológicos, que p os suem sen ti-
elo e si gn ifi ca do diferentes para o atar e p ar a o espectador. Muitos s ão, n o entanto, os elos
d e ligação íntima entre es s as dimensões . As próprias e moções só p o d em ser sentidas quan-
d o t ran sfo r m a d as em corp o, o u seja, somatizadas.
Se p o r u rn lad o o a t ar n ecessita d e téc nic a, sem o qu e nã o h á a r te ; por o u tro , ao
re p r es en ta r/ não p ode f a z ê -l o sem v id a . Seu corpo não é um co r p o -m e câ n ico , luas um
corpo-em- uid u (E . Barb a, 19 93 , p . 7)/ a ir radi ar de t ernü na d a luz , v ib raç ã o, pres ença. El e
é fu n d a m en ta l p a r a a a rt e d e at a r, pois, além dos s inais qu e passam por ele e s ão co d ifi-
ca d os e deco d ifi cados corn recu r s os p ró p ri os , el e é a própria pess o a . ~ p or m ei o d ele q ue
o h o rriern sentei emo cio na-s e. ama, ex ist e . A fo r m ula çã o ap p iana d e corpo uivo ou corpo

19
Luís OTÁVIO BURNIER

vivente é a mais adequada, ao considerá-lo não somente como uma massa muscular com
articulações ósseas, rn as um .c or p o-p es s o a, animado, habitado, vibrante, reluzente. A
noção do corpo vivente de Appia, ou do corpo-em-vida de Barba, coloca-nos, portanto, mais
próximos do material de trabalho do atar.
Conceitualmente, o atar, para o desenvolvimento de sua arte, faz uso de seu corpo
vivente ou de seu corpo-em-vida no tempo e no espaço, ao desenvolver ações com uma
certa presença e colocar o todo em jogo. Todos esses elementos têm uma relação particu-
lar e dinâmica entre si, o que lhes imprime uma determinada organicidade interna, que
é ao mesmo tempo natural e artificial.

A arte de atar
Fatores históricos de ordem diversa foram os responsáveis pela estruturação da arte
do atar ocidental tendo por base elementos altamente subjetivos, como, por exemplo, sua
"identificação psíquica e emotiva" com o personagem. É evidente que a importância da
técnica é conhecida, pois é emprestada de várias fontes pelo artista: da dança (moderna,
clássica, sapateado etc.), do canto, de lutas marciais, da esgrima, das técnicas circenses
de acrobacia, da mímica e da pantomima. Entretanto, ele, artista do palco, é desprovido de
técnica própria. Esta realidade torna-se ainda mais transparente se compararmos o tea-
tro ocidental com o oriental.
Muitas pessoas associam o fazer teatral do Oriente à sua cultura. Esse é um fato não S9
inegável corno inevitável. Mas, independentemente dos valores estéticos e culturais, consta-
tamos que o teatro oriental vem indissoluvelmente 'acom p anhado de técnicas corpóreas pre-
cisa s e codificadas d e atuação, que levam o atar a um conhecimento e domínio primoroso d e
se:u instrumento de trabalho e, por meio deste, de sua arte (entenda-se por arte" as faculda-
II

des criadora e operativa do homem). Para exemplificar, podemos citar o teatro nô, o kabuqui,
o kyogen, a ópera de Pequim, o kathakali, entre tantos outros.
O curioso é que essas manifestações teatrais possuem em comum apenas o fato de
suas técnicas de atuação serem codificadas e sistematizadas em conjuntos coesos de re-
gras. No Oriente, é difícil definir se o caminho utilizado para a criação é a técnica ou se
é a própria criação que se "corporifica" e "torna forma" por meio dos elementos técnicos .
Trabalhar a arte de ator significou, para nós, constatar a fragilidade com que vêm
sendo trabalhados pelos atares os pólos extremos da criação e da técnica . De um lado,
no que tange ao método ou aos elementos técnicos, notamos a completa ausência de téc-
nicas corpóreas e vocais de representação codificadas e estruturadas e, de outro, no que
tange à criação ou à vida, sentimos a incapacidade de se entrar em cantata com o real
potencial de energia do ator. Ao acentuar·e explorar, de modo que reforce esses pólos, é
que poderemos, na prática, realizar um estudo objetivo que nos permita vislumbrar a
arte de atar .
A nossa busca de elaboração, codificação e sistematização de técnicas corpóreas e
vocais de representação para o atar tenta dois mergulhos: um no interior da pessoa, para
-
buscar contato capaz de dinamizar seu potencial de energia, suas vibrações; e outro na
técnica, na capacidade objetiva de se articular essas energias e convertê-las em signos

20
A A RT E DE ATOR: DA TÉCNiCA A REPR ESENTA.çAo

co d ificad os e estruturados que, por sua vez, formarão uma gramática que vai do exercí-
cio ginástico às figuras de estilo ? Estávamos, sem querer, seguindo quase à risca um dos
preceitos da arte de atar colocados por Jerzy Crotowski:

Segundo nosso ponto de vis t a, as condições essenciais da arte do atar são as seguintes,
e de v em ser objetos de pesquisas metódicas :
a ) Estimular um processo de auto-revelação, in d o até o fu n d o do subconsciente, canali-
zando em seguida esta estimulação para obter a re a çã o d eseja d a;
b) Saber articular esse processo, discipliná-lo e con ver t ê-lo em signos . [...];
c) Eliminar do p rocess o cr i ador a resis tência e os ob s tácu los de vi dos a o p r óp ri o
o rganism o, t an t o fí sico quanto psíquic o (os dois fo rmar.d o um todo ) (Gr oto w s ki ,
1971 , p. 96).

Representação não interpretativa


Abordarei a arte de atar sob o prisma da representação . O atar visto como algu é m
que representa e não que interpreta . Os termos interpretação e representação não são em-
pregados aqui no sentido filosófico, lingüístico ou semiótica, mas simplesmente teatral.
Nesse conte xto , o sentido da palavra represen tar remete a in terpretar, que devolve a re-
presen tar (cf. Dicionário Aurélio); portanto, usando dessas palavras, fazemos alusão, n a
r e alid ade, a m od os d e pensar a arte de ata r.
Em seu sentid o p rópri o, in terpretar quer diz er tradu zir, e representar sign ifica "estar
no lugar deli (o chefe de gabi.nete que representa o prefeito), mas também pode significar
o encontro de um equ ivalente. Assim, quando um ator interpreta um personagem, ele está
r e aliz an d o à tradução de u~a linguagem literária para a cênica; quando ele represen ta,
es t á encontrando um equivalente . Etienne Decroux, em resposta a uma carta abe r t a d e
Gas t on Ba ty, em 1942, escrev eu:

/I Antes de ser completai a arte deve ser"


Por po u co o teatro n ão s er ia urna arte, pois el e evoca a cois a. pela pró pria coi sa: o obeso
p or um obeso, a mulher por urna mulherio corpo por um corp ol o v erb o pelo verb o [.. .]. Em
re s u mo : para que a arte seja, é n eces s ár io que a idéia da coisa seja dada por uma outra coisa
(Decr c ux. 1963, pp . 46 e 48).

Segundo D e cr o ux , o ato r . p a r a ser urn art ist a . de ve en contrar um eouivu len ie,
ou seja, d a r a idé ia da coi s a po r uma ou tr a co is a. Não é s ua fu n ção dar UD1 a teitu ra,
tradu zi r, mas repr esentar . " E qu iv al en t e " é " t er o m e srn o v alor se n d o. me SD10 ass im "
diferente " (Barbai 199L p. 95). Nic ola Sa v ar ese e Eugeni o Ba rb a i em A art e secr eta do
aio r - Dicionário de (ln tro pologia iea iral, cita111 Pica sso : A rte ê o eq ui valente à. 1\fa tu -
II

r ez a" (Ba rb ai 199 L p . 9.5)1 q uando aborda m u m d os p r in cíp ios d a art e d e a tor : o da
equiva lé ncia .

21
· Luís OTÁVIO BURJ.'\iIER

Porque ao contrário do que sucede em outros lugares, nosso atar-cantante se especializou


separando-se do atar-bailarino, e por sua vez este último do atar ... Como chamá-lo? Aquele
que fala? Atar de prosa? Intérprete de textos?
Por que este atar tem de limitar-se a cada espetáculo na pele de um só personagem?
Por que o atar só explora raramente a possibilidade de tornar-se, no contexto de uma
história inteira, muitos personagens, com saltos nos níveis de ação, com mudanças
imprevistas de primeira para terceira pessoa, do passado para o presente, do geral para
o particular, de pessoa à coisa?
Por que esta possibilidade está relegada, entre nós, aos contadores de histórias ou a
exceções como Dario Fo, enquanto que em outros lugares caracteriza cada teatro, cada
tipo de atar, seja quando recita-canta-dança sozinho, ou quando participa de espetácu-
los com mais a tores e mais personagens?
Por que em outros países quase todas as formas de te~tro clássico aceitam aquilo que
entre nós só é admissível na Ópera: a musicalização das palavras cujo significado a
maioria dos espectadores não pode decifrar?
Essas perguntas têm respostas precisas no plano histórico. Mas resultam profissional-
mente úteis quando impulsionam a imaginar como a própria identidade pode desen-
volver-se sem ir contra a própria natureza e a própria história, mas dilatando-se além
das fronteiras que aprisionam mais do que definem (Barba, 1993, p. 70).

Todo intérprete é um intermediário, alguém que está entre. No caso do teatro, ele está
entre o personagem e o espectador, portanto, entre algo que é ficção e alguém real e mate-
rial. A noção do intérprete tem suas raízes na literatura dramática. O texto propõe o perso-
nagem,. que é interpretado pelo ata r . No entanto, no momento da ação teatral, em que a arte
de .atar acontece, nós ternos, como vimos, um espaço vazio, um ator e um espectador. O
personagem ainda não existe, está por vir. O ator age,. emite sinais; o espectador, como tes-
ternunha, vê, lê e interpreta essas ações criando um sentido. O personagem,. fruto da relação
ator-espectador,. será criado entre os dois. Não é o atar quem está entre o personagem e o
espectador, mas, o personagem que está entre o atar e o espectador. O intérprete, nesse caso,
não é o ater. mas o espectador. O texto, segundo esse raciocínio, procede da ação teatral.

Mesmo nos nossos espetáculos verbais, existem os silêncios durante os quais o atar
medita e evolui; longos momentos nos quais o texto encontra-se desprovido de valor,
e nos quais o comediante cria a emoção pela sua maneira de agir. O recíp roco, existe?
Alguma vez nos regozijamos por um segundo sequer de um texto na ausência de seu
falador? Nunca, lógico. [...]
O atar que chamamos de intérprete, corno diríamos, o intermediário, o intermediador,
é um autor de música dramática: aquela que ele compõe mesmo se s em tomar nota, para
as palavras daquele que toma o nome de autor (D ecrou x, 1963, p . 39 e 52 ).

N essa pequena passagem, Decroux defende claramente que, mesmo no teatro com
excesso de texto, a mais pura arte de ator existe nos instantes de silêncio. Nesses momen- ·

22
A .-\RTE DE ATO R: DA TtCNICA A REPRE 5ENT AÇA o

tos. O ator é único e só com sua arte e não um mero" autor de música dr amática", um
porta-voz ou relator, para leitores preguiçosos, da arte de outrem. Ele não depende das
outras artes. mas utiliza-se delas com a devida dignidade e respeito . Para Decrou x. a
conquista da liberdade pelo artista estava vinculada à sua autonomia quanto às outras
artes e sobretudo. à literatura, a "esposa Iegítima" :
l

N a verd a d e a concubina a mais pegajosa. Este dragão de virtu d e, esta honesta diaba te v e,
portanto, sua escapada: por volta do século XVI, nos tempos da Commedia dell' A rte, época
n a qual, contente celibatário, o ato r fez a sua própria s opa: bons tempos .
Helás a literatura voltou, "de passagem", dizia ela, para costurar um botão de cueca,
aproveitou para v erifi car a vestimenta inteira: oito di as mais tarde, suas raízes vivifi-
cav a m por dentro (Decroux, 1963, p. 39).

A noção da interpretação também evoca a questão da identifica ção (d e idem = o mesmo )


psíquica e emotiva do ator com o personagem. Ao interpretarIa artista pressupõe a existência
anterior da persona, à qual busca, de acordo com as suas possibilidades, moldar-se. para, em
segu ida. traduzi-la para o palco. Esta tradução representa para o intérprete seu maior ob-
jetivo de trabalho.
O atar que não interpreta, mas representa, não busca um personagem já existente, ele cons-
trói u m e q u iv alen t e. por meio de suas ações fís icas. Essa diferença é fu ndamental. Se p en-
sarmos n o sentid o d a pal avra representar, o ator ao represent ar nã o é outr a pess oal m as a
represen ta. Em nenhum momento ele deixa de ser ele mesmo:

N o trabalho devemos sempre começar de si mesmo, d a própria qualidade natur al , e


entã o continuar de ac ordo com as leis da cr iativ i d a de . [... ] A arte começa quando n ão
e xis t e papel. ex i s te somente o " eu" em uma d ad a circunstância d a peça [ ... ]. O ator
realmente a tua e v ive seus próprios sentim en t os : ele toca, cheira, ouve, vê com toda a
finesse de seu organismo, seus nervos; e le verdadeirarnente atua com eles (Stanisla vski,
in T op o rk ov , s .d ., p . 156).

Evidentemente, a fim de evitar urna possív el tr an sfo rmação d e suas açõ es físicas e.m
puros cód ig os a o serem executadas d e forma mecânica, ele dinamiza suas energi as poten-
ciais. desencadeando um processo v er d a d eir am en te v iv o. A forma como esse processo se
operacionaliza deve ser tem a de estu d os d os atore s . A qu i, ela será an ali sada apen as n os
cam in h os específicos resu lt an tes de nossos estudos . .
A noção d a representação! n o con texto es pecífic o do teatro , pode tamb ém ser en ten di -
da co m o te -apresen tar, ou se ja: apresentar e r eapresentar a cada noite, ou, m elh or ainda,
"ap r es en t ar duas v ez es numa mesma vez" (Barba, 1990, p. 63), dilatando s uas energias e
suas açõ es, desenvolvend o u m corpo dilatado (D ecro u x. 1963, p . 66), cr i.ando ou in d u zin d o
o espec ta do r a cr iar algo entre eles .

23
LUÍs OTÁViO BURNIER

Despreocupado com a coerência psíquica ou emotiva do personagem. ' o ator mos-


tra Q que será lido pelo espectador. 1/0 objeto estético não demonstra, ele mostra" ·(Dufrenne,
1967, p . 164). A preocupação do ator é mais com a coerência dos impulsos de suas ações,
com a organicidade com a qual elas se articulam. Com esse tipo de raciocínio, ele vai cons-
truir sua arte a partir de parâmetros técnicos objetivos e articular o seu iexio-ação, como
se modelasse uma escultura no tempo e no espaço . É o "viver segundo a precisão de um
desenho" de Meyerhold: 1/0 ator-gráfico e seu pensamento dominante: viver segundo a
precisão de um desenho . Um mesmo atar pode desenhar ou reproduzir o desenho de
outro atar, assim como um pianista decifra uma partitura não composta por ele
(Meyerhold, 1973, tomo I, p. 245).
O atar que reapresenta está preocupado em: 1) executarcçôes (de maneira profis-
sional e competente, precisa e orgânica); 2) estar íntegro no seu fazer, permitindo o livre
fluxo de vida entre seu corpo e sua pessoa . Ele trabalha, portanto, com o corpo e a mente
dilatados, como coloca Eugenio Barba (1991, pp. 54-67), com o equilíbrio de luxo (Decroux,
1963, P: 96), com as oposições, contradições e os diferentes níveis de energia, criando uma
segunda natureza (Copeau, 1988, P: 129) profissional, que possui dois momentos, o de
" re v ela ção" , no qual o atar se mostra, e o pré-expressivo (Barba), no qual ele se trabalha .
Sua arte é como uma alquimia (Artaud), uma montagem de diferentes elementos, que se
metamorfoseiam para o espectador.

A técnica-em-inda da atar
Se o instrumento de trabalho do atar, corno foi visto, não é simplesmente seu cor-
po, mas seu corpo-em-vida, então a técnica para trabalhá-lo deverá ser uma técnica-em -
vida. De fato" para um atar de nada serve trabalhar o corpo" se ele não se constituir em
um meio pelo qual pode entrar em cantata consigo mesmo e com o espectador. Da mes-
ma forma que a arte conversa com a percepção sensorial do espectador" ela o faz com a
do artista ao acordar" dinamizar elementos adormecidos" latentes e potenciais do ser. Logo,
a técnica" ou seja" aquilo que deve operacionalizar esta relação, tem de" inevitavelmente,
trabalhar com esses mesmos elementos. Assim" uma técnica para o ator, qualquer que
seja" .p r ecisa ser sobretudo técn ica-em -vida .
A palavra "técnica" em nossos dias está ligada principalmente à capacidade
operativa do artista . É ela quem operacionaliza sua relação com a energia criadora. O termo
operacionalizar pode ser compreendido de distintas maneiras. Por um lado, significa o tor-
nar fato" ou materializar o impulso criador, ou seja" modelar a matéria de maneira que a
aproxime ao máximo do que se tem em mente (ou do que se tem em si). A criação só será
realizada quando ambos" impulso criador e a modelagem" acontecerem. Se imaginarmos
um quadro, mas não o passarmos p ara a tela, não teremos criado uma obra, mas simples-
mente imaginado. Por outro lado, se produzimos de forma mecânica a reprodução em sé-
rie de uma determinada obra, por mais que o trabalho seja do tipo artesanal, não se está
criando" mas simplesmente reproduzindo, operacionalizando algo .
O termo operacionalizar também pode estar ligado aos caminhos que permitam o
contato entre dimensão interior e dimensão física e mecânica . Para o atar, trata-se do conta-

24
A ARTE DE ATOR: DA TEC NICA À REPRESENTAÇÃO

to, do fluxo comunicativo que ele deve estabelecer entre sua pessoa, sua humanidade,
seu fluxo de vida e o seu fazer. Lembremos Grotowski, para quem uma -d as condições
essenciais da arte de ator é "estimular um processo de auto-revelação, indo até o fundo
do subconsciente, canalizando em seguida esta estimulação para obter a reação deseja-
da" (Crotowski, 1971, p. 96). Se o ator conseguir estabelecer uma relação íntima entre
seu universo interior e sua criação artística, então crescerá seu engajamento pessoal no
momento da representação, sua obra assumirá urna importância cada vez mais particu-
lar para si, e portanto ele sairá menos "ileso" dela. Se esta relação for devidamente pro-
jetada e articulada por meio de signos claros (evitando-se assim os riscos de uma introjeção
e inarticulação de signos mal delineados), ela terá a possibilidade, cada v ez maior, de
um contato igualmente significativo e profundo com o espectador.
Nesse sistema comunicativo, a percepção cinestésica tem uma importância relevante.
Ela funciona como .a seiva de uma árvore que corre sem que os olhos a vejam. Para Artaud,
a arte deve entrar em contato com uma dimensão interior, acordar, de uma certa m anei-
ra, energias in ter ior es e potenciais do ator, assim como do espectador:

Queremos faz er do teatro uma realidade na qual se possa acreditar, e que contenha p ara
o coração e os sentidos esta espécie de picada concreta que comporta toda sensação
verdadeira. Assim como nossos sonhos atuarn sobre nós e a realidade atua sobre nossos
sonhos, pensamos que podemos identificar as imagens da poesia com um sonho, que
ser á eficaz na medida em que se rá propulsionado com a v iolên cia necessár i a. E o
público acre d itará n os sonhos d o te atro com a con d i ção de con siderá-los de fato como
son hos e n ão como u m de ca lque da realidade; co m a. condiçã o d e que os sonhos
permitam liberar no público essa liberdade mágica do sonho, que ele só pode reconhe-
cer enquanto marc ada pelo terror e pela crueldade (A r t au d, 1981 , p. 167 ).

Artau d levanta u m a importante qu es t ão : existe urna rela ção en tre a cap acidade da a rte
d e a ti ngir o es p e ct a do r e a d o ar ti s t a de atingir a s i mes m o . Nesse sentido, Ar tau d e
Gro towski se encontr am . A técnic a ele ator não d e v e ser apen as físico -mec ânica, como a de
um halterofiJista, mas hiiman u, em -tnda, ou seja, algo que lhe p ermita estabele ce r u m elo
comu n icativo en tre o h u m ano em sua pessoa e o que s eu corp o é e f az e ao articul ar es se
l

processaI p r ojet á-lo, co m u n ican d o-o para seus espe ct a d o r es. A técnica de ator. p ortant o.
só exis te, a nosso v e r. n a m ed ida em que abre camin hos para um univers o em in entem en te
h u ma no e vi vo, tanto para o atar qu an to para o es p ectador. Do contrário, ela se ria ap en as
g inástica a preparar o corpo para u rna ativid a d e pur amen te física, n a qual os asp ec tos
humanos e subjetivos estari am re sguar d a dos ou a dormeci dos .
A g inástic a par a o atar é importante, na m e di d a ern que o tr eina e prep ar a par a
melhor articular. S e m o d omínio d a a rticu lação , o .a to r p ode se ve r l irnit a d o eH1 s e us
m eios. A s eglJnda cond iç ã o ess en ci al d a a r t e ele a to r é pa ra Groto wski, após estirnular
l

U1n process o de a u to -re v elaç ão ; "s aber articu lar es se processo! dis cipli n á- lo e conv ert ê-

lo em s ig n os" (C r otowski. 1971 p . 96) . I\T o entanto . coexis tem nesta form ula çã o d u as
1

nOI;ões de ar t i cula çâo . U ma primeira relacionada corn o pr óp ri o " Fr o cc ssu de a u t o-


.~ . ,,

LUÍs OTÁVIO BURNLER

revelação", ou seja; do ator para consigo; e uma segunda, com o mostrar para o espec-
tador .
No primeiro caso, trata-se de saber articular o processo de descoberta; isto significa
delinear caminhos, métodos, que permitam e induzam-o contato com a dimensão interior
do ator, ao mesmo tempo em que ele é disciplinado e convertido em signos. Esse proces-
so resulta, em geral, na elaboração de um treinamento, ou seja, uma prática que prepara
o ator, trabalha e aprimora seus instrumentos; essa fase não tem função espetacular, não
visa ser mostrada. É o momento no qual o ator se trabalha.
N o segundo caso, trata-se da articulação da própria arte, ou seja, do processo
comunicativo, a demonstração, o que significa dominar e conjugar os códigos a fim
de construir uma partitura, em que a organicidade seja recriada, adquira um fluxo.
Nesse processo entram em questão os ligamens, que desenvolvem papel fundamental
na articulação dos có d ig os entre si, ao transformar seus significados, criando os sen-
tidos . Eles são i m p o r t a n tes na transformação da técnica de treinamento em técnica de
represen tação .
Existe ainda um terceiro momento, que em realidade não é o terceiro, mas o segundo,
que se apresenta entre esses dois casos acima descritos. Uma vez articulado o processo
de contato entre u n iverso in t eri or e a dimensão física e mecânica e encontrados os códi-
gos, o ator deve aprender a articulá-los com perfeição e precisão . Ele deve penetrar esse
universo codificado e aprender a limpá-lo, ou seja, eliminar elementos poluentes (ten-
sões exacerbadas ou fracas demais, ritmos inadequados, espacialidade introvertida ou
extrovertida etc.). Este é um longo período de experimentação em busca da transparên-
cia, de uma m elh or flu ência das energias próprias da ação . Após detectar os pontos e
fatores que impedem o fluir das energias e uma vez entendida a qualidade inicial da vi-
bração, decorrente da energia específica engajada na ação, pode-se .p artir para o refina-
mento do código. Trata-s~ de articular o como realizar com precisão e competência as
ações codificadas, reforçando a qualidade vibratória das energias iniciais .

A elaboração técnica

Como desenvolver um trabalho que permitisse uma elaboração e codificação técni-


ca e, ao mesmo tempo, o fluir da plenitude do ator? Como nesta busca conseguir uma
estrutura objetiva, prática e técnica que trabalhasse simultaneamente a dinamização de
energias potenciais do ator e a sua capacidade de articular e modelar os instrumentos de
su a arte? Essas questões estiveram nos primórdios deste trabalho.
Normalmente, a prática teatral é trabalhada em dois momentos: o ensaio e a repre-
sentação . Exis te, no entanto, para a maioria dos outros artistas, um terceiro momento
quase inexistente para o ato r. É quando o artista não trabalha a obra, mas se trabalha,
afina seus instrumentos, aprimora sua técnica: o solfejo para urn instrumentista ou um
musicista, as aulas de balé para o dançarino e o treinamento para o atar oriental ou o
ator-bailarino filho de técnicas estruturadas e codificadas, como a mímica ou a dança.

26
A ARTE DE A TOR: DA TÉCNICA A REPRESENTAÇAo

oponto de partida para atingir nossa meta era edificar um treinamento e, assim,
introduzir na prática dos nossos atares e dos que viessem a trabalhar conos co urna di-
nâmica baseada nos elementos .trein am en t o-en sé!-io-r ep r es en t a çã o . Visto não ser esta uma
prática comum em nosso meio teatral, tivemos um p rocesso lento para que ela fosse
assimilada de maneira que compusesse, como diz Copeau, urna segunda natu reza do atar.
No início trabalhamos fundamentalmente com dois ti p o s de treinamento, que en-
gendraram metodologias distintas no processo de elaboração técnica. Foram eles:
T reinamento ene rgético: trata-se de um treinamento físi co intenso e in inte rru p to , ex-
tr em am en te dinâmico, que visa trabalhar com en ergias p otenciais d o atar. " Q uan d o o atar
atinge o estado de esgotamento, ele conseguiu, por assim dizer, "limpar s eu corp o de uma
série de energias 'parasitas', e se v ê no ponto de en co n tr ar um nov o flu xo energético mais
' fr es co' e mais "org ânico que o precedente" (L . O . Burnier, 1985, p . 31 ). Ao confrontar e ul-
t r ap ass ar os limites de seu esgotamento físico, prov o ca-s e um l ' ex p u rgo" d e suas energias
primeiras, físicas, psíquicas e intelectuais, o casionando o seu encontro co m n ovas fon tes
de energias, mais profundas e orgânicas.

Uma vez ultrapassada essa fase (do esgotamento físico), ele (o at ar) estar á em condições
de reencontrar um novo fluxo energético, uma organicid ad e rítmica própria a s eu corp o
e à sua pessoa, diminuindo o lapso de tempo entre o im p u lso e ação . Trata-se , portanto,
d e deixar os impulsos " tom ar em corpo". Se eles existe m em seu in te rio r, d ev em agora
ser dinamizados, a fim d e ass um ir em uma form a que modele o corpo e seus m ovim entos
par a es ta belecer um novo tip o d e comunicaçã o. [...] (L. O. Bu rnier, 1985, p. 35 ).

Treinamen to técn ico: neste tipo de treino, " tr ata-se, a o co ntr ár io, de m odelar p rimeiro
o corpo, par a em seguida permitir que esta model ag e m encont re um eco em n ós, ac or dan -
do en t ão n ossos impulsos interiores" (L. O. Burnier. 1985, p . 53). O t r ei nament o técnico é
abordado d e d uas m an eiras. A p r im ei r a e mais conhe cida entre nós é o ap re n d iz a do ' v ia
imitaçã o d e técn icas corpór e as p r ees tabelecid as , quando o ator aprend e urna té cnica já co -
dificada ou então trabalha COIn um conjunto ele elementos extraídos de técnicas d iversas .
p,- seg1.lnda , m ais ár d u a, difícil e d emorada, é o desen v olvim ent o de uma té cnica própria e
pessoal do ator, partindo-se da premissa de que eIn ca da indivíduo ex is te u m m o vimento
n atural. que p od e ser o germe de urna t écn ica p es soal.
Esses dois tipos d e tr einamento lembram a d up la orige n1 da pala v r a ed u ca çã o: ex -
duc ere e educare . Ex-du cere equivale a cond uzir do interior para o ex terior, corresp on de,
portant o, a um d esenvolvimento de d isp o si çõ es já exis te n t es" ao p asso qu e educare
/I

corres p on de a urn cres cim en to p or m ei o d e uma pressão externa . Barb a fala de uma té cni-
ca d e inc u lturaciio e ou t ra de aculturaciio
~ ,
. No Drinleiro
l
caso, o a to r-bai la r ino utiliza s ua
/I

e sp ontaneidade: o q1..1e lhe é n atur al. segundo uni co m p o r t amen t o que ele absorve u d esde
o seu nascimento na cu lt u r a e no mei o soci al a que e le pertence" (Barba, 1989, p. 2.9 ). No
segundo: a té cni ca de a cu lt u r a çã o, " os bailarinos clás si cos o u mo d er n os. os rnirnicos , ou os
a tor es d o teatro tradici onal d o Oriente reneg am seu "narur al e se irnpõem um u u tro mo d o
de com portamento cênico . Eles se su bmetem a uni p rocesso de a cu lt uraç âo força do: irn-
I

27
''':' ' ; '
; -

LUÍs OTÁVIO BURNIER

posto de fora, com uma maneira própria de se colocar em pé, de andar, de parar, de olhar,
de estar sentado, distinta do cotidiano" (Barba, 1989, p . 29).
Essas duas maneiras de trabalhar o ator originaram, em nossas pesquisas, métodos - ~

distintos no processo de elaboração técnica. Decorrente de um mergulho visando dinami-


zar energias potenciais do ator, disciplinando esse processo, convertendo-o em signos
codificáveis e estruturáveis em uma técnica pessoal, chegamos a um resultado que cha-
mamos de "técnica pessoal" ou de "dança pessoal". Um outro, por sua vez, deriva de um
aprendizado objetivo, de uma observação atenta, que trabalha principalmente com a
imitação, de técnicas ou de pessoas, suas corporeidades e suas ações físicas e vocais .
Chamamos esse processo de "imitação de corporeidades", ou de "mímesis corpórea". E,
por fim, outro ainda, muito particular, que na realidade navega com ambas as meto-
dologias acima mencionadas e que tem a importante função de contrapeso entre o rigor
e o improviso; mais próximo da commedia dell'arte, é um teatro de improvisação codifica-
da: o clown.

i -
28
Notas
Interessante observar que da mesma raiz thea d erivam: ihéa (deus a ), theós (d eu s), theoria (con tem pl a ção),
eniliusitisrnos (es tar p os suíd o p el os deuses) e theor êma (es p etá cu lo). Este último, o theorêma , t em tratamento
diverso n a matemática , na qual requer uma demonstração, uma apodeiksis, "m os tr ar a partir de" , e n o teatro,
em qu e requer uma mostra ç ão, u ma exibição, o lev a r em cen a.
"[e peux prendre n 'importe q uel esp ace v ide et l' ap peler u ne scerie . Q u elquun trav erse cet esp ace vi de
pendant que quelqu'un d'a utre l' observe, et c' est suffis ant pour q ue l' act e thé â tr al s oit am orcé ." P eter
Br ook, L'Espace vid e. Paris: Ed iti on s du Se uil, 1977, p. 25.
Por "atar" me refir o a todos os ar tis tas d o p alc o, o que em inglês é denominado por perjormer. Nosso trab a lh o
se re p o r ta ao at a r esp ecifi ca men te, m as muitos d os el ementos que trabalhamos são ig u a lm en te válidos para
o bail a rin o e outros artistas p erf orm á ticos. Va le lembrar que no Oriente esta distin ção atar-b ailar in o q u ase
não existe. Um a tar tem momentos de "dança pura ", e um dançarino, de "pu ra ação dramdiicd " , .

"Naus p ouvons d on c d éfin ir le th éâtr e co mme ce qui s e p as s e entre spec tateur et acte ur." [ erz y Grotowski,
í/ers un th éãtr e pauore. Lausanne : La Cité, L' Age d'Hornme, 1971 , p . 31 .
"F igure s de s tyle" , figuras de estilo, ou figuras d e exp ressão . Termo criado por Et ienne D ecrou x para
desi gnar um pequen o " qu a d ro de m ímica" d e curta d uração (1 ou 2 min u tos ), ou seja, um a se qü ênci a de
ações estr u tu r ad as a p artir de uma té cnica p recis a , qu e são ex p r ess iv as, s ign ifican tes . Eram verd ad e iros
qua d r os de p in tu ra em. movimento. cod ifica d os com extrem a precisão. Exemplos de figure s de styl e d e
D ecr ou x: A oraçiio, O semeador, Na rciso, A ojerenda II Deus .

29
Capítulo 1

Acxo FÍSICA (E VOCAL) :


A UNIDADE MÍNIIvIA DO "TEXTO" DO ATOR

P ara S tan is lavski o ator era " o mestre das ações físicas " (Toporkov, s.d ., p. 162).
Stanislavski considerava as ações físicas o elemento chefe da expressividade do palco . No
fin al d e sua v id a, trabalhou com alguns atores a ' peça Tartufo. ·N o processo de criação da
montagem, deu uma importância de cisi va para o método das ações físicas, como descreve
Toporkov ern Sianislauski in reh earsal - The f inal years : "Stan islavski nos a dve rtia reit era-
das v ez es contra a abordagem fria e intelectu al da cr iatividad e . Ele nos pedia ação, não dis-
cuss ão'" (T op o rk ov, s .d.. p . 159 ). Ele d iz ia que se " eu quero aruar. eu atuo corporeamente.
Aç ã o vem da v on t a d e! da intuiçã o; discussão vem d a mente! da cabeça". A traduçã o ingle-
sa d os te xtos d e Stanislavski u sa o termo em bodim en i of th e stag e charact er, que foi tr a d uzido
p ara o p ortu guês co mo encarnaç ão do papel. Talvez corporificação do papel fosse uma tra d u-
çã o mais feli z por co n ter u rna noç ã o mais o pera tiva! o que r eflete melho r a b usca d e
S ta ni s lavs ki, qu e, ao cheg ar ao final de sua v id a, reviu muitos elem en tos de seu método,
n egan d o até In eSIYlO, s egu n d o n os n arra Toporkov, alg u m as de su as afirmações anteriores:

Q u a n d o n ós lhe Iern br av amos de seu s primeiros m éto d os, ele ingenu amente p r et endi a
não en tende r do q ue estávamos fa la n d o . U ma vez al gu ém lhe p er gunt ou:
O qu e é a natureza d os " e s ta d os e m o cio nais " d o at o l' em ce na?
Ko ris t arttin Sergey evich olh o u surp reso e d isse :
" Est a d o s emociona is" ? O q u e é is to ? Nunc a o uv i fa lar.
N ão er a ver dade, es ta. ex p r es s ã o fo i usada pelo próprio Starusl a vski (To p or k ov . P : 157) .

3]
LUÍs OTÁVIO BURNIER

As ações físicas se configuravam para Stanislavski como o meio pelo qual o atar
podia edificar sua arte. Ele constatou que as emoções pertenciam a um universo subjeti-
vo do qual não tínhamos controle: "Não me falem de sentimentos, não podemos fixar os
sentimentos; só podemos fixar as ações físicas (Toporkov, s.d., p. 160). A noção das ações
II

fisicas" é rortanto de fundamental importância para a arte de ator. Mas o que é exata-
mente uma ação física? O termo parece lógico: é uma ação que acontece no corpol
corporificada, ou um corpo-ação. Talvez o caminho para entender esse termo sem limitá-
lo por meio de definições restritivas seja entender o que não é uma ação física, afastando
assim diversos mal-entendidos possíveis entre ação física. movimento, atividade, gesto .
Antes, no entanto, vale lembrar como Decroux entendia a ação: A ação nasce da colu-
II

na vertebral", dizia com freqüência em suas aulas. Assim, ele diferenciava os movimen-
tos e gestos que nasciam dos braços e d-as mãos daquelas ações que nascendo da coluna
l

vertebral, ecoavam nos braços e mãos. Para Decroux os braços, mãos e rosto eram vistos
como terminações, prolongamentos do corpo. O troncal a coluna vertebral, era o grande
centro de expressão do corpo e portanto, merecedor de destaque:
l

O ·que chamo de troncal é todo o corpo, compreendendo os braços e as pernas[ ...] contanto
que esses braços e pernas se movam somente ao chamado do tronco e prolongando sua
linha de força [...]. Se tem emoçâo o movimento parte do tronco e ecoa mais ou menos nos
braços. Se só tem explicação da inteligência pura, desprovida de afetividade, o movimento
pode partir dos braços para transportar somente os braços ou levar o tronco (Decroux,
1963, pp. 60-61).

Essa percepção de Decroux nos ajudará a compreender a ação e seus componen-


tes. ·M as vejamos o alerta de Toporkov, atar de Stanislavski, sobre as ações físicas: "Seria
um engano ver a ação física como somente o movimento do corpo. Uma ação real e efi-
caz, que seja dirigida para a realização de algum objetivo, no momento de sua efetuação,
sem falha se transformará em ação psicofísica" (Toporkov, s.d., p. 159).
Para Grotowski, o método das ações físicas foi a maior descoberta de Stanislavski.
Aliás, segundo narra Sonia Moore, Stanislavski reconhece, no final de sua vida, serem
as ações físicas o núcleo central de suas pesquisas: "O método das ações físicas é o resul-
tado do trabalho de toda minha vida" (Moore, 1984, p. 10) . Grotowski, que se propôs a
dar continuidade às pesquisas de Stanislavski sobre as ações físicas (por mais que estas
fossem utilizadas com objetivos distintos), em diversas conferências, mas sobretudo na
de Santo Arcângelo e na de Liege, tenta distinguir as ações físicas da aiiuidade, do gesto
e do movimento:

As atividades no sentido de limpar o chão, lavar pratos, fumar cachimbo não são ações
físicas, são atividades . Pessoas que pensam trabalhar sobre o método das ações físicas
fazem sempre esta confusão. Muito freqüentemente o diretor que diz trabalhar segundo
as ações físicas manda lavar pratos e chão. Mas urna atividade pode se transformar em

32
A ARTE D E _'\.TOR: DA TEC NICA À REPRES.E NTA Ç A O

ação física . Por exemplo, se vocês me colocarem urna pergunta muito embaraçosa (e é
quase sempre assim), eu tenho de ganhar tempo. Começo então a preparar meu cachimbo
de maneira muito sólida". Neste momento vira ação física, porque isto me serve. Estou
/I

muito o cupado em preparar o cachimbo, acender o fogo, assim depois posso responder
à pergunta.
O u tr a confus ão relativa às ações físicas: é de que são gestos . Os atares n ormalmente
fazem muitos gestos pensando que este é o "méti er". Existem gestos profissionais-
co mo os d o p adre. Sempre as sim muito sacr amentai s. Isto são gestos, n ão ações . [...]
O que é u m ge sto se olharmos d o exterior'? Corno reconhec ê- lo? O ges to é urna açã o
periférica do corpo, não nasce d o interno do corpo, m as d a periferia. 1º exemplo : quando
os fazendei r os dizem u m bom-dia às v isitas , se são ain d a ligados à vi d a tr ad icional, o
mo vimento d a mão come ça d entr o d o corpo [Grotows ki demonstra], e os d a cid ade assim
[d emonstra o mesmo mo vimento partindo das mãos]. Este é o gesto. Quase sempre se
encon tra na periferia, nas caras", nesta parte d as mãos, nos p és, pois muito freqüentemente
/I

não tem origem na coluna ver t eb r al. A o contrário a ação é alg o mais, p orque nasce do
interno do corpo, está radicada na coluna vertebral e habita o corpo.
Outra confusão é entre movimento e ação. O movimento, corno na coreografia, não é ação
física. Mas cada ação física pode ser colocada em forma, em ritmo, pode vir a ser, mesmo
... . ~.. . ~

a mais simples, urna estrutur a, uma partícula de interpretação perfeitamente estruturada,


organizada, ritmada. Do externo, nos dois casos, estamos diante de urna coreografia. Mas
no p rimeir o caso , cor eografia é somente m ov imento e no segundo é o externo de um cicl o
de ações intencionais . Quer dizer que no segun do caso, a cor eografia é parida no fim, como
a es trutu r ação de re a ções n a vid a (Grotowski, 1988) .

Corn o vemos, Grotowski vai ao encontro de Decroux na tentativa de compreender uma


ação . Para ambos, uma açã o parte definitivamente da coluna v er teb r al, do tro nco. Ela não é
algo de perifé rico, mas de essencial, e, portanto, deve partir do eixo central do corpo. A pala-
v r a ação vem do la tim aciione, actio-onis , e si gnifica atuação, a to, feito, obra . Segu n do o Di-
cionário Aurélio, do ponto de v ist a filosófico, a palavra ação significa "processo que decorre
da natu rez a ou d a v on t a d e d e um ser, o agente, e de que resulta criação ou mo dificação da
reali dade" . A noção da. ação corno modificadora da realidad e pode n os ajudar a comp reender
m elhor o se u sentido n o co ntex to teatral.
Se eu p egar um ob jeto e mud á-l o de lugar; do ponto de vista ex te rn o, de um ob s er-
v ad or que só v iu o antes e o de pois , houve açã o . M as se pegá-lo e recolocá-lo no mesmo
iugar, do p onto de vis ta do obs erv a d or externo nã o h ouv e a çã o . Se mudarmos d e ponto
de v ista e olh ar m os para ess e último exemplo d o prisma do sujeito, pode ser que tenha
oco rrido u rna açã o: imaginemos urna p essoa que en fre n ta U1l1a crise existen cial profun-
da, vê uni. p unhal sobre a mesa. dirige-se a ele, h es it a, p eg a-o! hesita no vamente. amea-
ça fin cá-lo no corpo: pá ra, lembra-se da esposa; dos filh o s: afro u xa a força com a qu al
pega va o punhal. v ir a- s e. os p ro b lemas o ass al tam novam ente e o d esesper o volt a; a p r es -
s ão s ob re o p u n hal aumenta. estica o braço; ce r ra os o lhos corn o intuito d e en fr en t a r a
a ção fa ta l. mas nes se momento é tomado po r ima gens de t oda sua v id a; co mo se U1l1 anj o
se lh e apre se ntass e lembrando-lh e tudo o qu e fe z, r ev elan d o o sen ti do de sua vid a: s u r-
'-; 1
"""::::j
LUÍs OTÁVIO BURNIER
..1)
..:..,. ~

" :~1;
preso, as mãos soltam o punhal que ao cair no chão faz um barulho que lhe parece es- -I -
;
trondoso, pois ecoa em sua alma, como se o acordasse de um profundo pesadelo. De so- i
bressalto, assustado, ele pega o punhal, devolve-o à mesa em seu exato lugar e sai de-
pressa da sala.
I
Do ponto de vista do sujeito-ater (atuante), houve ação, pois houve transforma-
ção. Transformação de sua pessoa. Do ponto de vista externo, na vida real, de alguém
I- I

que entrou na sala antes e depois, não houve ação, pois nada se transformou. Agora, se I
imaginarmos que essa ação aconteceu num teatro, então"existe um outro ponto de vista
externo, o do espectador, que também foi modificado, pois testemunhou a ação descrita,
Ii
ou seja, algo mudou dentro dele ao ver essa ação, ou simplesmente modificou a sua in- I-
terpretação do personagem (ou da peça): talvez julgasse esse personagem um salafrário
e, depois desse momento, percebe que não era bem assim.
I-
II'
Do ponto de vista conceituai, entender a ação como algo que modifica a realidade
pode nos ajudar. Será ação para o sujeito-ater tudo o que o modifica de alguma manei-
I
i
ra, que tem relação com seu ser, sua vontade, seus desejos, anseios, determinações, com f

sua pessoa; já do ponto de vista do observador-espectador, será ação tudo o que igual- I
mente transformar a sua pessoa, a sua percepção ou a sua interpretação daquilo que pre-
Ii -
"I
sencia, testemunha. Temos aqui uma diferenciação que é fundamental no teatro: a ação I

I"
para o ator e a ação para o espectador. Nem sempre o que se apresenta como uma
ação para o espectador é uma ação para o ator, e vice-versa. Para o espectador só serão ações
as informações que ele decodificar, interpretar, como tal. Portanto, se o que lhe for apre-
sentado não modificar sua realidade de al~ma maneira, não for um "veículo de um sig-
I
f -
!
nificado global", não será nunca uma ação. Os semioticistas da cultura ressaltaram esse
aspecto da informação do texto cultural:

[...] não é toda mensagem em língua natural que constitui um texto do ponto de vista da
cultura. Do conjunto de"mensagens em língua natural, uma cultura extrai e considera
somente aquelas 9-ue possam ser identificadas como algum gênero de discurso, por
exemplo: "oração", "lei", "romance", etc., isto é, aquelas que possuam algum significa-
do global e desenvolvam uma única função (Ivanov et al., 1979, p. 199).

Para o espectador, como portador da cultura, ele identifica, lê, interpreta os textos que
possuam algum significado global e desenvolvam uma única função . As ações, do ponto
de vista da cultura, só se apresentarão como tal para o espectador na medida em que cum-
pram esse requisito. Como as ações físicas não falam apenas ao intelecto, podemos imagi-
nar quejem culturas distintas e em contextos diversos, possam agir sobre nós, mesmo se
não entendermos seu significado específico, mas somente o global. No entanto, como nota
Grotowski, elas somente se configurarão corno ações (ou seja, texto) se utilizadas para um
certo fim, desenvolverem uma função específica:

É preciso compreender que há uma grande diferença entre Sintomas e Signos i Símbolos .
Existem pequenos impulsos no corpo que são sintomas. Não são realmente dependentes

34
A ARTE DE ATaR: DA TÉC N ICA A REPRESENTAÇAo

da vontade, pelo menos não são conscientes - por ex.: quando se enrubesce é um
sintoma, mas quando se faz um símbolo de estar nervoso [bate com o cachimbo na mesa] ,
este é um símbolo . Todo o teatro oriental é baseado nos símbolos trabalhados . Muito
freqüentemente, na interpretação do ater, estamos entre duas margens. Por exemplo, as
p'ernas que se movem quando estamos impacientes. Tudo isso está entre sintomas e
símbolos . Se isso é derivado e utilizado para um certo fim, transforma-se em ação
(Gr otowski, 1988) .

As aç õe s físicas, tal q u al concebidas por Stanislavski, são evidentemente as ações


feitas pelo ator. Uma tentativ a de abordagem visando a urna definição que una os con-
ceitos d e ação de Decroux, Stanislavski e Crotowski deverá levar em conta que o termo
açiio f ísica se refere sobretudo e antes de mais nada a: 1) ação, algo (u m impulso, um e1a n)
que nasça do tronco (d a colu n a vertebral); e 2) ela é física, ou seja, corporificada no m o-
mento mesmo em que nas ce. "Para evitar a confusão com sentimento, deve ser formuláv el
nas categorias físicas, para ser operativo. É nesse sentido que Stanislavski falou de ações
físicas. Pode-se dizer física justamente por indicar objetividade; quer dizer que não é
sugestivo, mas que se pode captar do externo" (Grotowski, 1988).
. É importante notar que as ações físicas são unidades mínimas de ações, que podem
ser grandes, mas foram principalmente as pequenas ações que Stanislavski chamou de
aç ões físicas . Crotowski. na con fer ên cia de Santo Ar cân g elo, confirma este asp ect o:

. .
São as pequenas aç õe s, p equen as nos elementos d e comportamento, mas r e alm en te n as
pequenas coisas - eu penso no can to dos olhos, a mão te m um certo ritmo, v eja minha m ão
cqm meus olhos, do lado dos meus olhos, quando falo, minha mão "faz" um certo ritmo,
procuro concentrar-me e não olhar para o grande moviment o dos leques [referência às
pess oas se abanando no auditório] e num certo ponto olho para cert os rostos, isto é uma
ação . [oo. ] são as pequenas ações que Stanisl avski ch amou d e físic as (Grot owski, 1988 ).

O IIt ex t o ci o ator
/I r

A aç ão física pode: po rtanto, ser considerada como a menor partícu la viva do texto
d o atar. Por text o do atol' entendo o con jun to de mensa ge ns ou de informações que ele e
som en te ele pode tr ansmitir. N ess e sen ti d o v ale d isti n guir, m ais uma vez, o texto do atar d o
tex to do autor (en ten d en d o p or " autor" o criador da li teratu ra dram ática ). D e fat o, n os ca-
s os d as m ontagens teatrais feitas a p artir de textos d r am áti cos, a arte de atar nã o es tá em o
que ele di z (p ar te pertencente à arte d a literatura), mas em como ele diz . Eleé " u m au tor d e
m úsi ca dr am ática : a que el e com p õe, mesmo sem tornar n ota, para as pal avras daquele que
leva o no m e de au tor ': (D ec r ou x, 1963/ p . 52 ).
O at or é o poeta da aç ão . .A sua p oesia r esid e, sobre tudo e antes de mais n ad a, ern
corno ele vi ve e reapresenta su as aç ões assim d ese n hadas e delin ead as. Indep enden tem en te
d o tip o d e te atr o que faça, a sua p oes ia estar á se nl pre ern como ele re p resenta, p or meio
de suas açõ es, para os especta dore s. N ão imp or ta q ue ca m inho s eja mais es timula n te para

3.5
Luís OTÁVIO BURNIER . 1.

ele, se decorrente de urna técnica de inculturação ou de aculturação, se por meio de uma


certa identificação psíquica e emotiva com um personagem e sua interpretação ou se por
meio da representação no sentido de re-apreseniar. O fato é que sua poesia estará sempre
em como ele faz, modela, articula, dá forma às suas intenções, a seus impulsos interiores,
ou, ainda, em como esses impulsos e intenções tomam corpo e forma, em como se articu-
lam transformando-se em ações físicas, em informação (racional, perceptiva ou estética).
Vejamos como os semioticistas da cultura entendem a noção de "texto":

o conceito de "texto" é usado no sentido específico da semiótica; em primeiro lugar, ele --


não é aplicado somente nas mensagens em língua natural, mas também em qualquer
veículo de um significado global ("textual"), seja ele um ritual, urna obra de arte
figurativa ou urna composição musical. Em segundo lugar, não é toda mensagem em
língua natural que constitui um texto do ponto de vista da cultura.
[...]. O texto é veículo de um significado global e de urna função global (diferencia-se a
posição do estudioso da cultura daquela do portador da cultura. Do ponto de vista do
primeiro, o texto vem a ser veículo de urna função global; do ponto de vista do segundo,
veículo de um significado global). Nesse sentido o texto pode ser considerado corno
elemento primeiro (unidade de base) da cultura (Ivanov et al., 1979, pp . 198-99).

Por "texto" entendemos, portanto, o sentido específico dado pela semiótica da cultu-
ra, segundo a qual ele pode ser considerado como a unidade de base da cultura . No caso
da arte de ator, a unidade de base mínima de informação é a ação física. Ao usar o conceito
de ação física, estamos trabalhando, por um lado, com um conceito próprio à arte de atar e,
por outro, com urna unidade mínima, o texto de aior, que é veículo de uma função global
para o atar e de um significado global para o espectador. .
Uma ação pode subdividir-se em diversas outras ações. Por exemplo, a ação de Hamlet
de vingar a morte do pai é composta de diversas múltiplas ações, que não são sub-ações,
mas ações por inteiro: encomendar a uma companhia de teatro que represente tal situação.
Evidentemente, esta ação está inserida em urna ação maior: desvendar uma mentira, mas
ela em si é uma ação por inteiro. No entanto, vingar a morte do pai não é uma ação física,
mas uma ação globaL Uma ação física é uma partícula muito menor do que uma ação glo-
bal, embora também possa se subdividir em diversas outras ações físicas. Por exemplo: es-
perar um telefonema importante. A expectativa, a relação ou-a linha de tensão criada entre
a pessoa e o telefone podem ser uma ação física. Mas ela pode conter outras ações físicas:
pensar ter ouvido o telefone tocar, aproximar-se do telefone, ficar atenta, descobrir que o
telefone não tocou, ficar na expectativa tentando ouvir logo o primeiro toque (mantendo
um ritmo interno de expectativa), criar uma relação com o relógio ...
Considerando a açãofísica como a unidade de base do texto do aior, ela pode ser estu-
dada nos mesmos moldes que o texto da cultura: ter um sentido global (a ação de esperar ·
o telefonema), ser composta de diversas outras ações físicas, por sucessão (por seqüência),
ou ser analisada no sentido dos estudos dos semioticistas na questão da cultura:

36
A ARTE DE ATO R: DA TÉC NICA A REPRESE NTAÇÃO

3.2 .0. O texto, como objeto de análise, pode ser considerado à luz dos seguintes problemas:
3.2 .1. Te xto e signo. Texto corno signo globat texto como sucessão designas. O segu n d o
caso, como já bem se sabe pela experiência do estudo lingüístico do texto, é às vezes
considerado o único possível. Todavia, no modelo geral da cultura é essencial também
o outro tipo de texto, no qual o conceito de texto não aparece como secundário derivado
daquele de seqüência de sinais, mas sim como primário. Um te xto desse tip o não é
discreto e não se decompõe em sinais. Ele constitui um todo e não s e articula em sinais
separados, mas sim em traços distintivos que se distinguem. Nesse sentid o, pode-se
encontrar uma grande semelhança entre o caráter primário d o texto em certos si st emas
audiovisuais contemporâneos da comunicação de massa como o cinema e a televisão,
e o p apel d o te xto para os sistemas nos quais, como na lógica mate má tica, n a matemática
e na teoria das gramáticas formais, por línguas se entende um cer to conjunto de te xtos.
A diferença, em linha de princípio, entre esses dois casos de primariedade (pervi cn ost' I
primacy) do te xto está todavia no fato de que nos sistemas audiovisuais de transmissão
da in for m ação e em sistemas menos recentes, corno a pintura, a escultura, a dança (e a
mímica) e o balé, o caráter primário pode pertencer ao texto contínuo (toda a tela do
quadro ou um fragmento desta, no caso de que no quadro se evidenciem sinais
diferentes), enquanto que nas linguagens formais o texto pode sempre ser representado
através de uma sucessão de símbolos discretos, dados como elementos d e um alfa b eto
primitivo (de um repertório ou de um vocabulário).
A correlação do tex to com o todo da cultura e com o seu sistema de códigos, se m anifest a
no fato de que, em níveis diferentes, uma mesma mensagem pode apresentar-se co rno
t ex to, corno parte de um texto ou como um conjunto de te xtos (Ivan ov et al., 1979, p . 199).

No caso das açõesfísicas, elas podem ser consideradas tanto como signos globais quanto
co m o uma sucessão de signos. Há de se levar em conta que urna aç ão fí sica pode ser vis t a
iso la d am en t e, ou corno o conjunto de informações que formam o signo glob al d e uma úni-
ca a ção fí sica, ou em r elação a um co n jun to d e aç ões fí sicas que formam uma sequ ência. a
linha das ações físicas .
Tornando a ação físic a como unidade d e base par a a arte de ata r, a cr iação da ob ra
p ass ar á pela co n s tr u ção do que St anis lavsk i cham ou de line of ph.ysicCll actions, ou seja, u m a
seqüência de ações físi cas ligadas umas às outras por pequenos elemen tos que chamo d e
iigam ens. Nesse sentido, urna linha de ações fís icas é uma sucessão de sign os que serã o li-
dos e interpretados p elos es p ec t a dores . Mas, na realidade, ela é muito mais d o que sim-
plesrnente signos decodificáveis" . Não podemos esque cer que as aç ões físi cas são r esul-
/I

tados de processos viven tes, de um flu x o de oida.' do engajarnen to d e um t odo d a p ess oa do


atar. Dessa forma, as informações que elas cont êm são de uma amp litude muito mais com-
plexa do que, como diria Shakespeare; pode sonhar nos sa vã filosofi a . A percepção do tex-
to das aç ões físi cas se opera mais fortemen te ern seu car át er prim ário corno iex to con tin u o
d o que como su cess ão de sign os. O signo g lob at tanto de uma úni ca a ção física CO l110 d e um a
linha d e ações, é de impo rtância p r imordial pois ; não s e d ecomp ondo ern sinais , permite
penetrar um univers o incomparavelmente mais am plo e co m p lexo .

37
LUÍs OTÁVIO B URNIER

Uma questão de ótica


Stanislavski em seus ensaios usava com freqüência o termo ações jisicas, a linha das
ações físicas, a lógica das ações físicas, o termo aciion behauior, ou simplesmente ação, Por
outro lado, Decroux, em suas aulas, ou ensaios, quase nunca falava em ação física. Utili-
zava, evidentemente, termos técnicos próprios. No entanto, por mais que em seu caso se
tratasse de uma técnica de aculturação e, no de Stanislavski, de inculturação, o fato é que
ambos falavam da mesma coisa. Evidentemente Decroux também falava de ação, assim
como Stanislavski de ritmo , Mas a tónica, o enfoque, era quase oposta. Tenho a impres-
são de que um dos fatores desta diferença de abordagem é decorrente do fato de
Stanislavski trabalhar a ação física como célula da arte de atar, mas vista de fora para
dentro, e Decroux, ao contrário, de dentro para fora. .
Essa afirmação P?de parecer absurda se pensarmos que uma das questões essenci-
ais para Stanislavski era a verdade e a sinceridade do atar no seu papel. "A habilidade de
ser sincero no palco - isto é o talento", dizia ele, segundo Toporkov (s.d., p . 158). Isto é,
algo de "interior". Poderíamos confundir essa premissa, que ele reafirmou reiteradas vezes
em diversos textos, como sendo o contrário do que afirmamos acima, ou seja, Stanislavski
não trabalhava a ação física de fora para dentro, mas ao contrário, de dentro para fora .
No entanto, no nosso entender, essa verdade, essa sinceridade, a vida, os objetivos, a vonta-
de, a justificação interior, os sentimentos, são, como o próprio Stanislavski notava, elemen-
tos subjetivos que não podem ser fixados. "Não podemos lembrar os sentimentos e fixá-
los. Só podemos lembrar a "linha das ações físicas", dizia (Toporkov, s.d., p. 173). Ele
próprio distinguia muito bem esse universo subjetivo do material e concreto: "Em toda
ação física, a não ser quando é puramente mecânica, acha-se oculta alguma ação interior,
alguns sentimentos. Assim é que são criados os dois planos da vida de um papel, o inte-
rior e o exterior" (Stanislavski, "1972, p. 222, grifo do autor).
Por outro lado, embora para Decroux também fosse importante o engajamento das
energias do atar em sua arte, isto se operava, no entanto, por meio da técnica. A pessoa do
atar, o que ele é aqui e agora, não era relevante para Decroux, pois, segu:r:do ele, o que so-
mos é muito pequeno diante do que podemos vir a ser: "Eu quero não permanecer o que
eu sou; eu quero vir a ser o que eu desejo ser". Ele dizia que o "artista deve mostrar sua
obra sem mostrar sua pessoa" (Decroux, 1963, P: 118).
Quando nos referimos ao trabalho de "Stan islav ski sobre as ações físicas"como sendo
de fora para dentro, não nos referimos às dimensões do trabalho do atar, mas à própria ação.
Ou seja, de fora para dent~o da ação física e não de fora da ação para dentro da pessoa. É
nesse sentido que pensamos que Decroux não empregava com freqüência o termo ação. Ele
trabalhava a partir do interior das ações. Portanto, ele "não via a ação", mas seus compo-
nentes. Ele trabalhava de uma tal maneira que fabricava, a partir do interior, a organicidade,
a coerência, a lógica das ações, ao passo que Stanislavski trabalhava a partir de fora, ele
não mergulhava nos componentes da ação, trabalhava a organicidade das ações desde a
perspectiva do observador, ou por meio da cadeia de ações ("the line of physical actions") . É
como se Stanislavski olhasse para uma casa de fora e, mesmo sabendo que ela tem dois
quartos, uma sala e uma cozinha, ele a visse e descrevesse principalmente sua varanda, as

38
A ARTE DE ATaR: D A TÉCNICA A REPRESE NT AÇAo

cores de suas paredes externas, seu telhado, enquanto Decroux habitava a casa e, mes-
mo sabendo que ela tinha urna varanda e telhados, ocupava-se de estar bem-feita a cama,
a m esa p osta, ou seja, de seus ap ose ntos interiores . Tão raramente quanto Decroux usa-
va o termo ação, S tanislavski usava o termo impulso, élun, ou ainda spasmo.

As ações físicas; um universo de microelementos: a intenção


Vejamos que elementos podem ser considerados componentes das ações físicas .
Primeiramente, há de se considerar que toda ação tem uma intenção conectada com
algum objetivo. algo que a "alimenta". A palavra intenção vem do latim inientione, que
significa" ação de tencionar, tensão, vontade" (É . Li ttré, 1923). Para se tencionar algo,
são necessárias no mínimo duas forças opostas: Uma tensão é criada quando se puxa
algo para um lado e encontra-se resistência na outra extremidade . Uma imagem sim-
ples é a de uma corda ou um elástico . A corda está amarrada, ou alguém a segura em
uma ponta, enquanto outra pessoa, na outra extremidade, puxa no sentido contrário. A
corda fica tensa . Executa-se uma ação de tencionar. Mas uma intenção_.p.-:~Q _se refere a
algo externo, mas interno da pessoa . Embora a palavra intenção etimologicamente não
venha do prefixo in (em, dentro de) e ieniione (tensão), este erro etimológico é altamente
tentador, pois daria o sentido de tensão interior ou de tensão de dentro. No entanto, o im-
portante para nós é que esta ação de tencionar que é a intenção só existe na medida em que
for corpo, ou seja, uma tensão muscular maior ou menor conectada com algum objetivo
fora de nós, como observaCrotowski: "Normalmente quando o atar pensa nas intenções,
pensa que se trata simplesmente de bombear (pomp er) em si um estado emocional. Não é
isso . [...] Não é um estado psicológico; é algo que se p assa a um nível muscular n o corpo,
e que está conectado a algum objetivo fora de si" (T . Richards, 1993, p. 107).
Laban também acentua esse aspecto físico-muscular das intenções: l/N a intenção,
que pode variar de forte ou leve, os tipos de tensões musculares produzidas em peque-
nas áreas corpor ais oferecerão a informaçã o r eferen te à determina çã o d a pessoa agir"
(Lab an , 1978, p . 1 68).
A intençã o s e configur a, por tanto, t anto p a ra C rotowski co rno para Lab an. com o
al go de físico e co r p ó re o; de muscular: É impor tante s ublin harmos que toda intenção
é fil ha de u ma oposiçã o 01J contradiçã o que se manifesta musc ul armen i e no corpo. P or
ex em p lo : vemos UIn a pessoa mui to b el a, quereII10S to cá -la, mas ainda não podemo s .
Temos a intençã o d o toque . Se es sa v ontade for aliviada rap idament e, ou se ja, se, n o
rno me nto em que o desejo corporificad o d e tocá -la se manifestar, ele fo r rea liz a do ,
essa intenção, agora " alivia d a" , não existirá mais . M as s e, ao contr ári o; el a p ers istir,
não for ali viada; então p rovavelmen te guiará a m ai or i a das ações r e ali z a d as d uran-
te o encontr o . Um de talh e im p or tante tem a ve r co rn o tenno corp orific ado que usa -
mos . Só podemos se niir algo n a me d id a e111 que es ta cois a sen tido se transformar em
co r p o, e111 mi cr o ou m acr ot ensôe s mu s cu la r cs . e ternos acesso a es ta irrfor ma çâo por
( ---
mei o de um dos noss os senti dos.. n o cas o es p e cí fic o o ta t o. nã o o d a. peleI m as o tat o
in te r io r d os m ú scul o s

39
· -/

.LUÍs OTÁVIO BURNrER

Temos, pois, um elemento importante componente das ações físicas: a intenção; que
acarreta uma contradição ou uma oposição interior manifestada muscularmente, mes-
mo se em um lapso curto de tempo, e conecta, numa linha de tensão, algo de si com algo
fora de si. Por ter origem em si, a intenção deve partir do tronco para fora .

o élan
Outro componente é o "élan", Um élan é traduzido para o português como "impul-
so, arremesso, arrebatamento, movimento apaixonado, ardor, entusiasmo, ímpeto". A
palavra élan surgiu no século XVI do baixo latim lanceare, de "manipular a lança, lan-
çar". No entanto, ela vem aveludada de um sentido mais amplo e até certo ponto enig-
mático (pelo menos para os brasileiros), extremamente útil para nosso fim. Segundo o
dicionário Le grand Robert, élan significa um "movimento pelo qual nós nos lançamos ou
nos preparam,os para lançar alguma coisa". Em filosofia é usado com o sentido de l'élari
vital, que se refere, em Bergson, ao movimento vital, criador, "que atravessa a matéria se
diversificando" (Le grand Robert). Existe também o élan du coeur e o e1an de passion. Ele
está próximo do sentido de sopro de vida.
A palavra élan também contém uma sonoridade muito particular e extremamente'
interessante: ê-lã..O é como se fosse o movimento que prepara o lançamento do impul-
ê

so para fora, o momento no qual, para se lançar a flecha, faz-se o movimento contrário
de preparação, em que as tensões desnecessárias são aliviadas, mantendo somente as in-
teriores, para então deslanchar o impulso rápido que projetará a lança no espaço: o l~.
Todos esses aspectos fonéticos, rítmicos e de significados múltiplos, que não são
muito bem traduzíveis, tornam a palavra élan extremamente interessante, pois fazem com
que ela não remeta a algo de "técnico", mas de enigmático e vivo. O élan de uma ação
pode ser entendido como seu "sopro de vida", ou seu "impulso vital", algo de enigmáti-
co, de conhecido, porém não sabido, que nos impulsiona à ação, à vida, por meio das
ações. Por esses motivos, "O élan de urna ação é um de seus componentes mais importan-
tes, pois remete a uma possível complexidade pluridimensional de uma ação física.

o impulso

Outro componente: o impulso. Uma vez que a in-tenção existe, foi criada, ela se con-
figura como uma energia que deverá ser projetada para fora, visando a sua realização ou
seu alívio (a sua dis-tensão). Do latim impulsione, impulsu, é composto do prefixo in (em,
dentro de) e de pellere (empurrar, arremessar, dirigir com força para algum lugar); rio
nosso caso, a palavra impulso toma o sentido de empurrar ou arremessar para fora com
força, a partir do interior. Não confundamos este" com força" com algo que seja"forte
e vigoroso", mas que tem. força, portanto, faz-se músculo. Um impulso pode ser sutil e
delicado, quase invisível do exterior:

40
A ARTE DE ATO R: DA TÉC NIC A À REPRESE NTAÇAo

"Agora vou repetir todas as ações confirmadas nesta lista", decidiu Tórtsov. "E para não
criar hábitos de rotinas (ainda não preparei minhas ações com conteúdo, propósito e
veracidade), irei simplesmente passando de um objetivo e ação adequados para os
imediatos, sem executá-los em termos físicos. Por enquanto, vou limitar-me a despertar
impulsos interiores para a ação e fixá-los pela repetição . Quanto às ações propriamente
ditas, elas se desenvolverão por si mesmas. A miraculosa natureza se encarregará disto."
Em seguida, Tórtsov repetiu muitas vezes a seqüência de suas ações físicas, ou antes,
despertou repetidamente os seus impulsos interiores necessários a esse tipo de ação.
Pro cu rou não fazer qualquer mo vimento, mas transmitiu o que se passava dentro dele
pelos olhos, pela expressão facial e pelas pontas dos dedos . Repetia que as ações se
desenvolveriam espontaneamente, e aliás não poderiam mesmo serem coibidas depois
que tivéssemos estabelecidos os impulsos in terior es para a ação (Stanislavski, 1972,
p.222).

Nesta passagem, Stanislavski mostra que um impulso é diferente de seu decorrente


movimento. Ele pode existir sem se manifestar plenamente no espaço. Já para Grotowski, o
impulso toma toda uma outra dimensão. Thomas Richards, em seu livro Al lavoro con
.Grotowskí sulle azioni fisiche, escreve: "Grotowski me disse que a diferença fundamental, não
obstante, entre o ' m étod o das ações físicas' de Stanislavski e o seu trabalho está na questão
dos impulsos" (1993, p. 109). As ações físicas são, para Grotowski, a "porta de entrada para
a corrente viv en te dos impulsos" (Rich ar d s, 1993, p. 114). No entanto, quando Crotowski
se refere aos impulsos, não é a algo que está dentro, mas que antecede às ações físicas :

Os impulsos precedem as ações físicas, sempre. É como se a aç~o física, ainda invisível
do externo, tivesse já nascido no corpo . É isso o impulso. (...] Antes da ação física tem
o impulso, que empurra dentro do corpo (...]. Na realidade, a ação física se não inicia de
um impulso, vira al go de convencional, quas e corno um ges to . Quando trabalhamos
com os imp u lsos, ela fica enraizada no cor po (T. Richards, 1993 , P'. 105 ).

Decroux não usav a o termo impulse. No seu caso, essa questão dos impulsos é mais
com plex a . Ele foi Ull1 apaixonado pelo ritmo lento, o ralen ti, e pelo controle do corpo e de
s eus impulsos . Ele acreditav a que os im p u lsos deveriam ser controlados a ponto de serem
q u ase in visív eis . Essa era UIna premissa "su b te rr ân e a" d e su a arte . Para ele, era importan-
te con tr olar o "leão " que ca d a um tern em si. P ar a is so exis tia. e era im p ortan te a técnic a .
N o entanto, os im p ul sos são um asp ecto im por ta n te ela or gan icid ad e" . Decroux criou algo
IJ

de equ iv ale n te , um con ju n to de ele m en tos que re su lta em algo sim ila r ou qu e "s ub s titu i"
os impulsos. O que ele ch am ou de SplI5il1e é LI Dl exemplo . Sinisme (es pasm o em po rtuguês ),
no caso d a técni ca de Decro u x. é um movimento r ápid o e cur to qu e prepara uma aç ão que
s e confronta com u rn a for te r es istência . Parecido com o momento do e" de élau, m as distin-
to , pois o spusm e po r u m la d o não lan ça, enfrenta u ma re sis tência qu e é em p u rra d a" de -
1/

p ois, e, p or o utro . apresenta um ritm o ráp id o, esp asmó d ico, um único v aiv ém rápido acorn-
Luts OTÁVIO BURNIER

panhado de inspiração rápida e expiração fortemente retida. Não se trata-de algo de


incontrolável, como é o espasmo na vida real. O spasme é um dos elementos que "substi-
tuem", que equivalem, na gramática decrouxiana, <;ia impulso.
Outro elemento usado por Decroux para criar um equivalente aos impulsos é o que
Barba chama de contra -impulso. Urr:- contra-impulso é para Decroux um impulso que par-
te no sentido contrário daquele que dirige a ação. Assim, uma ação que leva o sujeito ao
chão pode ter um contra-impulso para o alto, o que serve para equilibrar ao mesmo tem-
po em que dilata a ação . O contra-impulso geralmente acontece quase simultaneamente
com o impulso da ação: ligeiramente antes, depois, ou precisamente junto.
Se pensarmos nos impulsos como algo fundamentalmente importante para as ações
físicas, podemos considerá-los como nucleares. Existe um outro elemento próximo do im-
pulso: o coração de uma ação. O coração da ação não é somente o impulso, mas sua locali-
zação precisa na coluna vertebral, no tronco do corpo. Os exemplos, nesse caso, não
funcionam muito bem. Um impulso que move urna ação não é algo de conceituai, mas
de concreto, físico e corpóreo. O coração da ação é aquilo que 'não pode ser retirado sem
"matar" a ação, é a sua essência física. Existe um conjunto de elementos que podem ser
retirados de uma ação, como o movimento dos braços, ou até de outras partes do corpo,
que não prejudicam sua essência, a vida da ação. O coração da ação determina onde, no
corpo, estão localizados a intenção, o impulso, a voz, a respiração, e é, portanto, arriscado
tentar exemplos. Aqui não podemos trabalhar conceitualmente, mas praticamente, fa-
zendo, ou seja, checando no corpo do atar onde está o coração no momento em que ele
desencadeia sua ação. O que nos importa é saber que a noção do coração da ação visa
sobretudo localizar no corpo o impulso, a intenção, o pulso da ação.
Atenção: élan e impulso não são a mesma coisa. São próximos, mas diferentes. É como
se 6 impulso fosse algo que acontecesse muscularmenteye .o élan, com a respiração, com
o bafo, o sopro. Um élan pode conter vários impulsos, mas um impulso não pode conter
vários élans, Exemplo: tomamos uma decisão e, de um élan, partimos para a sua realiza-
ção. Um élan pode conter, pois, várias ações, ou. ser parte íntima de uma só ação.
Intenção (que contém uma contradição), élan (com seus dois momentos, ê-lã), e impul-
so (o coração da ação, spasme e contra-impulso) são elementos que prenunciam o desenrolar
de uma ação. Fazem parte do primeiro momento desta célula que é a ação física. Uma
vez tenham existido e se manifestado, eles desencadeiam um movimento corpóreo de de-
terminadas partes do corpo, que percorrerá um determinado itinerário com um certo
ritmo. Estes compõem um segundo momento da ação, o de seu acontecimento, o seu de-
senrolar no espaço.

o movimento, o acontecimento da ação no espaço e no tempo


Um movimento percorre um determinado itinerário no espaço e no tempo com um
certo ritmo. Evidentemente esses elementos são imbricados de uma tal maneira que é, na
prática, impossível separá-los. Não existe movimento que não percorra um itinerário e não
tenha um ritmo. No entanto, para uma melhor análise, separá-los será de grande valia.

42
A ARTE OE ATaR: DA TECNICA A REPRESENTAÇÃO

Um movimento corpóreo é um deslocamento no espaço e no tempo de partes do


corpo. Sendo associado a uma ação física, ele deve, como vimos, nascer da coluna ver-
tebr al, do tronco . Nascer não significa mover, mas ter localizado nessa parte do corpo o
impulso, o coração da ação, que poderá levá-la ou não ao movimento. O impulso é como
a mola propulsora d o movimento, que, por sua vez, será o acontecimento ou a realização
da ação no espaço.
Um fator importante, no entanto, é que parte do corpo encabeçará o movimento,
será seu carro-chefe, a " lo com oti v a " , como dizia Decroux. Existem diversas maneiras
possíveis de dividir o corpo: a decrouxiana divide o tronco em seis partes (cabeça, pesco-
ço, peito, cintura, bacia e pernas-peso); a própria coluna vertebral, se considerarmos cada
v ér teb r a como uma parte distinta; o sistema dos chakras, em que cada um está localiza-
do numa parte do corpo, e tantas outras. Qualquer que seja o sistema utilizado, o rele-
vante é que a parte do corpo que encabeça o movimento, associada a outros elementos,
com o a intenção, o élan , o impulso, é sintomaticamente distinta para o atar e simbolica-
mente significante para o espectador. Se uma pessoa está sentada e tem um élan de ficar
em pé, o seu levantar terá sentido e significado distintos, se for fruto de um impulso pro-
veniente da cintura (barriga) ou do peito .
. Se o movimento é o deslocamento do corpo no tempo e no espaço, então temos aqui
dois componentes importantes que podem ter proporções diferentes, coexistir em suas
plenitudes ou não. Ou seja, um movimento não necessariamente precisa se realizar plena-
mente no espaço . A questão do impulso e do élan volta a nos acompanhar. Como vimos
acima, no exemplo dado por Stanislavski, se os impulsos podem acontecer plenamente no
tempo, sem quase nenhum movimento no espaço, então também podem acontecer com
pequenos e contidos movimentos ou, ao contrário, em um espaço maior, ampliado. Um dos
princípios do teatro nô narrado -por Zeami no livro Kakyo (le miroir de la [leur) , traduzido
para o francês por Rene Sieffert em La iradition secreie du n ô, diz:

Mo ver o es pirita aos d ez décimos. m ov er o corp o aos set e d écimos . [...] os mo vimentos
aprendidos, tais como esten d er a mão, ou mover os pés, os executamos primeiramente
con for me os en si n am en tos d o mestre, depois, uma vez atingida a perfeição, não mais
execu t am os o m ovimento que consiste em es tender ou retirar a mão taJ qual o concebe-
m os n o es p írito ! mas o re t emos ligeiramente aquém do que o es pírito concebe.

A p alavr a " espír ito" usa d a p or Zeami p ode ser tr ad uzi da, s e nos propusermos a usar
exc luaivarnente o n oss o léxico! p or elan . O élan pleno desencadeará um impulso também
p le no, que propuls io nará u m movimento que será re tido. E, assim, nunc a o mo vimento
cor r er á o risc o de se ver " vazio" de fo r ça, de co n teú do . Se a forç a que o propulsiona é sem-
pre m aio r do que s eu d esl ocamento. en t ão! du r an te todo seu percurs o! ele es tar á com essa
força . Ao pa.sso que! se,. ao contrário! a fo rça fo r m enor e o desl oc amento m aior! en tão ele
perc orr erá u rna parte de seu percurso p or inércia; sem o el an qu e o ali menta .
Io da esta di nâ mica en tr e elan , irn p u lso e m ovim en to cr ia uma sér ie de tensões in-
ternas. o que nos r em e te ao conce ito ele intenç iio , NU1l1 p lano muit o sutil podemos a ve n-

43
LUÍs OTÁVIO BURNIER

tar uma hipótese: se o é7.an for retido no nível do movimento, ele acontece, mas seu mo-
v ímento é retido, então criamos uma intenção física. Nessa hipótese, estamos aventando a
possibilidade de a intenção física ser "filha" de um e1an e não de um impulso. Ela seria
mais precisamente o prolongado de él~n, ou seja, o momento lã que a impulsionaria
ê

para fora já seria a sua realização e alívio, o impulso. A intenção física teria assento no
momento 'ê do élan.
Decroux introduziu, na questão do controle do tempo e do espaço do movimento,
uma noção de grande importância, "que representa provavelmente o princípio-base da
mímica contemporânea" (De Marinis, p. 85): o raccourci. Segundo Yves Lorelle, o raccourci
é "a faculdade de contrair e de condensar o tempo e o espaço de uma ação, de traduzir
esta ação em imagem muscular" (Lorelle, 1974, p. 112). Em ~958, Jean Dorcy define o
raccourci como não sendo "nem mutilação, nem estilização, mas a condensação da idéia,
do espaço e do tempo" (Dorcy, 1961, P: 46). O raccourci era como o resumo condensado
de um movimento. Ele era trabalhado a partir de um movimento grande, ou seja, nor-
mal nos padrões da mímica corporal de Decroux, e então criávamos o raccourci du
mouiiemeni, num sistema muito similar ao princípio dos sete décimos que Zeami vê no
teatro nô. Todos esses trabalhos de contenção e controle do movimento no tempo e no
espaço, desenvolvidos por Decroux, Zeami, Stanislavski, acabam por produzir uma sé-
rie de resistências e tensões que geram, por sua vez, "energia", que tem relação com a
vida e a presença do ator. Esses aspectos serão analisados mais adiante .
A intenção" provoca o lé an , engendra o impulso, engenha o movimento, realiza a
ação. Esse esquema pode ser in,teressante se atentarmos para fato de que o impulso e~ si
independe de e1an. Exemplo: levamos um susto. A reação é impulsiva, independe de élan .
N o entanto, ele nos mostra que o movimento corpóreo de uma ação está ligado aos seus
antecessores: a intenção, o élan e o impulso. Urna vez desencadeado o movimento, ele per-
corre um certo itinerário, que também é sintomático e significativo (sempre que associado
a outros elementos da ação). Para um olho externo, ele também diz das intenções do atu-
ante. Para o atuante, ele é resultante de seu e1an-impulso.
A menor distâricia entre dois pontos é uma reta, mas nem sempre a utilizamos na
realização de nossas ações. Nas curvas, nos desvios, estamos revelando, informando sobre
conteúdos da ação. Rudolf Laban, médico de formação, talvez tenha sido a pessoa que es -
tudou o movimento na dança da maneira mais isenta de conceitos estéticos. Laban visava
à dança e ao trabalho do bailarino, por isso usou o conceito de movimento e não o de ação.
Ele dividiu o movimento em quatro componentes: o tempo, o espaço, a força e a fluência .
O tempo foi subdividido em duas modalidades, rápido e lento; o espaço, em direto e indi-
reta; a força (weight), em pesada e leve; e a fluência, em livre e controlada.
A percepção de Laban do tempo do movimento nos é muito útil, pois nos ajuda a
distinguir o tempo do movimento do ritmo da ação, ou até mesmo do próprio movimento . O
tempo seria a duração (rápida ou lenta) do movimento, ao passo que o ritmo seria a sua
pulsação no tempo . Já o espaço, que segundo Laban pode ser direto ou indireto, significa o
itinerário, ou seja, o percurso desse movimento. Interessantes são os conceitos de fluência e
deforça. A fluência (theflow ofmouvement) pode ser livre ou controlada, e a "força", pesada
ou leve. Uma fluência controlada pode resultar nos exemplos de controle do movimento

44
.J '.

A A RT E DE .\TOR: D .:l. TEC,j[C.-\ .~ REPRESE:\:T.-\.çAo

no espaço que vimos acima. Ele não "flui" segundo as condições propostas pelo impul-
so, mas se retém, é controlado. O conceito de força é, por sua vez, especial e muito liga-
do à realidade da dança. Ele é usado como a força necessária para carregar o movirnen-
....:.
to, ou seja, como o peso do movimento. En1 inglês, o termo usado para esse conceito não
é forc e, mas weigJzt, que em francês corresponde a pesanteur, Trata-se, portanto, de um
1110 v i m e n t o que é m a is ou me nos P e s a d o (o u dá a i m p r e s são de s e r ), dos e u
/I /I

"p es arn en to ", do seu "pesar".


Pal-a Laban. todo movimento é compos to destes elementos. que se misturam COIU-
p on d o as din âmi cas: socar, d es li z ar, flu tuar, vibrar, sacudir, chicotear, torcer e pressio-
nar, além do suiing, que, segundo ele, é especial. por ser contínuo. Ele também trabalha-
va COIn o conceito do esforço como o motivador desses elementos componentes das din â-
micas. como a origem do movimento . Portanto, o esforço, no nosso caso, pode ser equipa-
rado aos impulsos. Aliás, o próprio Laban usava o termo effort imp utses: "T an to quanto
os impulsos do esforço (effort impulses) e imagens de nossa mente se materializam nos
movimentos de nosso corpo, os traço-formas (trace-forms) são espontaneamente ou
deliberadamente criados" (Laban, 1975, p. 132) .

o ritmo I o desenho da acão no tempo


.:> I

Diferentemente do movimento no tempo, que vimos acima, o ritmo é sobretudo a


puls ação do tempo da ação e de seu movimento. Embora o ritmo s e manifeste mais clara-
m ente por meio d o movimento, detenninand o sua dinâmica (e cons eqüentemente a d a
a c ão ). ele po de e xis ti r s epa ra do d o m o vim ento da aç ão . n a aparente imobilidade:

Staruslav ski p e rsistiu: /lVocê não está em p é n o ritmo co rr et o !"


Ficar em p é no ritmo! Corno ficar de pé num ritmo! Andar, dançar, cantar no ritmo, isto
e u p odia e ntender, mas fica r em pé !
[... .] "Perdo e-me. I<onstan tin Sergey e vich, mas eu não faço a 1TI.en Or idéia d o qu e o ritmo
seja .'1
" Iss o nã o é im p o rtante . A li n o can t o tem um rato. Pe gue u m pau e se po nha ern posiç ão p ar a
esperar por ele. rn ate -o tão lo go de p ule para tora ... Não, desta m an eir a vo cê vai d eixá- lo fugi r.
Olhe com m ai s a tenção - m ais at en ção. Quan d o eu bate r p almas. p eg u e-o com o pau ... A h.
viu co rno vo cê es tá atrasa do! De novo. Concentre-se m ais. T en te golpear ao mesmo tempo
qu e as palmas ,Isso! percebe corno agorc:'l.'ocê es tá en1 pé l1Ul11 ri tm o completam en te difere n te
do d e an tes? Fic ar em p é e obser v ar UUl ra to é um r it m o : ou tro com pletamente difer ente, é
esper ar um tigr e que se ar rasta em su a direção (Tc p or k ov , s. d .. p. 62).

Nesse caso, Stanisl a vski es t av a trabalhando o r i t rno da acâo UIU c-l aç ão imóvel. sern
m ovi mento ap are nte : fic ar 21n pé. O ritmo é tund amental. nad a existe sern ele, na i/ ida o u
n 21 arte. S tan lslavs ki dizi a : " \ / OC:25 nã o d orrunarão o m étod o das a çõ es f ísicas se vo cês nã o
d o mi ne r e m o ri t rn o . Cada a cào física e stá. i ri s e p a r a v e lrn e n te liga d a ao ri tmo q u e a ca r a ct e -
r iz a (T opod.<o \- / s.d. [J. 17 0 ). L\.Ti::J v i d a é o ritrrio in te r ior qu.e dete r 111ina ·a, res piraçã o Po -

45
Luts OTÁVIO B UR NIER

demos, então, no caso das ações físicas, associar o ritmo à respiração da ação. A dinâmi-
ca da respiração (inter-relação de força, quantidade, duração e intensidade) anda junto
com o ritmo .
Decroux, ao contrário de Stanislavski, trabalhou a ação a partir de dent.ro. No afã
de dominar os impulsos, Decroux criou urna série de ritmos para os movimentos que na
realidade recriam os impulsos, reinventam -nos. Decroux viu a ação desde seus compo-
nentes, recriando assim uma nova ação, grandiosa, ampliada, dilatada, como ele dizia:
"Le mime c'est l'acteur dilaté (O mímico é o atar dilatado)" (Decroux, 1963, p. 66). Os
estudos de Decroux sobre o ritmo levaram-no a constatar que este se traduz, no trabalho
do atar, em diferentes dinâmicas de ritmo, o que ele chamou de dinamoritmo,
Marco de Marinis, em sua tese de doutorado apresentada na Universidade de Bo-
lonha, Sobre Etienne Decrcux," cita a definição de Corinne Soum de dinamoriimo como o
/Iestudo da velocidade ou da lentidão do deslocamento de um órgão, do grau de
intensidade da contração, do relaxamento deste órgão e da relação de causalidade entre a
alternância da contração e relaxamento" (De Marinis, p. 93). Ou seja, o dinamoriimo é a inter-
relação de força, quantidade, duração e intensidade. Poderíamos, no entanto, defini-lo de
uma outra maneira, menos técnica e talvez menos precisa do que a de Corinne, mas que
pode ser mais estimulante para o atar: o dinarnoritmo é a musicalidade ou a densidade musi-
cal do movimento . Com efeito, as aulas de Decroux eram todas cantadas . Para a execução
dos exercícios, desde os ginásticas até os de expressão, ele cantava velhas canções populares
francesas ou inglesas, cuja musicalidade determinava a dinâmica de ritmo dos movimentos.
Esse fato era tão importante para Decroux que, quando eu o visitei, muitos anos
mais tarde, seis meses antes de sua morte, ele, já com seus 92 anos, sem os dentes, rosto
deformado pela velhice, quase desmernoriado, sentado em sua poltrona, vestido com seu
eterno roupão de banho listrado, pegou minhas mãos e cantou. Cantou aquelas canções
das quais minha memória já não se lembrava, mas que estavam ancoradas em meu cor-
po, em meus músculos. E, juntos, ele cantando e apertando minhas mãos como se esti-
vesse realizando seus quadros de mímica, ou fazendo mímica, ou revivendo sua mímica,
.arte pura, canto da alma, juntos, eu agachado, ele sentado, com sutis tensões nas mãos,
construímos verdadeiros quadros. Seu canto, ao sair de sua boca desdentada, penetrava
minha alma ·b o q u i ab e r t a ...
Em seu esplêndido trabalho sobre a vida e a obra de Decroux, De Marinis recupera
os principais dinarnoriimos codificados e classificados por ele: toc global , toc moieur, toc bouioir,
ponctuation, saccades, dyphtongues, triolets, [ondus, ralentis, absence d'accent statique, antennes
d'escargot, gaze, gravure, uioton, ressort spiroide, pression oDecroux também trabalhou inten-
samente o que chamou de causalidades motoras":
II

Um aspecto muito importante da pesquisa sobre o dinamoritrno se con sti tu iu no estudo


dos vários tipos de causalidade motora . Esse estudo vem da con s tatação de que os
movimentos não se distinguem somente pelas suas características intrínsecas, dinâmi-
cas e energéticas, mas também segundo as causas que os produzem. Po r exemplo, é
evidente que o movimento de um automóvel é percebido como qualitativamente divers o

46
A A.RTE DE ATaR : DA TEC.\iIC.-\ A REPRE5E ~T.-\çAo

daquele de um pássaro ou de uma tartaruga, e assim a percepção de um objeto movido


fi

por sua própria força é diversa daquela de um objeto empurrado por um impulso externo
ou puxado de fora". Decroux chegou a distinguir quatro tipos principais de causalidade,
que chamou de 71uage, bâton, [icelle e chiffon (De Marinis, p . 93).

Desta forma, a célula da arte de ator, a ação física, é composta dos seguintes ele-
mentes: a intenção (que, corno vimos, contém urna contradição), o elan (com seus dois
momentos, ê-lã), o impulso (e o coração, o pulso da ação, o contra-impulso, o espasmo ), o
movimento (tempo, espaço, força, fluência) e o ritmo (os dintimoritmos e as causalidades
motoras). Cada um desses pequenos elementos é análogo às moléculas dessa célula, cons-
ti tu i U111 nucleotídeo da genética molecular das ações físicas .

A genética moleculur e as ações físicas


Em estudos serni ó ti cos sobre a estrutura lingüística e generativa da genética
molecular, Solomon Marcus, em artigo intitulado "Linguistic structures and generative
devices in molecular genetics" / traça uma comparação entre os nucleotideos e os fonemas
e entre -os códons e os morfemas. Como sabemos, na genética molecular, o substrato do
DNA (ácido desoxirribonucléico) tem um inventário básico de quatro tipos de elementos
chamados de nu cleoiideos, que são: A (adenina), G (guanina), C (citosina) e T (timina) .
Esses nu cleoiideo s são ag r u p a d os em outro nível do DNA, os CÓd011S, compostos de três
nucleotídeos cada um (o que nos dá 64 códons ), que por sua vez formam os aminoácidos,
qu e se a gruparão em cadeias fechadas de proteína s que s e en car r ega m do metabolis-
m o . Comparando a estr u tu r a da genética molecular com as línguas naturais, Solomon
Marcus diz:

O s nucleo tíd eos são os fonemas da lin gu agem genética, por dividirem COIU os fonemas d as
línguas n a tu r ai s as seguintes três proprie dades: 1º eles não p odem ser decom p os tos
s in tagmaticam entc em unidades menores : 2º eles n ão têm s ignificad o (i.e .: eles nã o t êrn
corr esp on de n tes n o ex tr a to sem ântico da linguagem g en étic a ), ou s eja , eles n ão têm u m a
in te r p r e ta ção d ir et a do ponto de vis t a da hereditariedade; 3º eles podem s er
pnradigmaticamente analis a dos em di stintos asp ectos (q ue são os aspectos qu ímicos )
(M arc u s . 1974 p. 80) .
1

O s elementos que co mpõem a açiio f ísica, en u mer ad os ac ima, po dem ser comparad os
com os nucleotídeos e os fone mas. se pensann os n essas três propriedades ap ontad.as por
i\'I arcu s. De f a to, el es n ão p o d em ser decompostos si ntagrn aticarnente el1l. un id ades 111en O-
re s. T ampou co. sep ar ad a m en te. t êm significado pró pri o. ou seja, U11121 interpre tação dir eta
d o pon to de v ista da ar te d o te a tro ou d o es pe ctado r. E . po r fim . eles po de m s er ana lis ados
par a d ig nlatica111ente ern d istintos as p ectos (d os "qu ím icos " q u e os C0111 pÕe ln ).
Peguemos UIIl dali como exem plo: el e n ão é s in ta g m a ti r a m en te d ecomp os to 2n1 uni-
da d es rn 2n0 1' 25. Urn elan é U111 euin, U111 " so p r o ". o m omento lan não exis te sozin h o, por-
LUÍs OTÃV10 DLRNIER

tanto, élan só existe como tal. No entanto, podemos analisar paradigmaticámente seus
componentes, os momentos e lã. Um élan tampouco é interpretável diretamente do ponto
ê

de vista do espectador; ele só o será quando associado a algum outro elemento: o impul-
so, o movimento, o ritmo ...
Solornon Marcus aponta também uma série de diferenças entre a língua natural e a
linguagem genética. Dentre elas encontramos a de que o número de fonemas na lingua-
gem natural é ~empre maior do que dez e varia de uma língua para outra, ao passo que
o número de nucleotídeos é sempre igual a quatro em qualquer organismo vivo. No nos-
so caso, temos de novo uma aproximação com a genética: os elementos moleculares da
ação são iguais a cinco . É verdade que uma ação física não contém necessariamente os
cinco elementos, mas toda ação será composta de pelo menos dois desses elementos:
imaginemos uma pessoa muito idosa, doente, deitada numa cama com uma pequena mesa
ao lado da cabeceira, e que faz uma ação de pegar um copo de água. Ela, muito lenta-
mente, olha o copo, em seguida seu braço, vagarosa e continuamente, desloca-se para
pegá-lo. Nessa suposta ação, existiu uma intenção de pegar o copo, não houve élan nem
impulso, mas movimento e ritmo.
Outra diferença ressaltada por Marcus é que" os fonemas em línguas naturais são
grupos (binários) desordenados de características distintas, enquanto que os nucleotídeos
são grupos essencialmente ordenados (no sentido da química orgânica) de elementos quí-
micos" (Marcus, 1974, p. 80). Ele cita o exemplo de um fonema p. que em inglês é consoan-
te, grave, não compacto, não estridente etc., cujas características têm uma ordem que não
influencia o fonema que elas definem; já, ,ao contrário, na genética, as bases timina e citosina,
por exemplo, são compostas dos mesmos elementos químicos (hidrogênio, oxigênio, car-
bono e nitro gênio), que estão arrumados em diferentes diagramas. Portanto, a ordem des-
sa arrumação é determinante. No nosso caso, os componentes da ação física ~e assemelham
mais aos fonemas, pois, num movimento, a ordem de suas características (de força, tempo,
espaço e fluência, para seguir o esquema de Laban) não altera o produto.
Outro nível de organização na genética molecular são os côdons, que Solomon Marcus
compara aos morfemas :

Normalmente, eles [os códons] são interpretados como as palavras do código genético .
Nós propomos interpretá-los como morfemas . Isto é especialmente adequado para os
códons do RNA. De fato, a maioria destes códons divide com os morfemas das línguas
naturais as seguintes propriedades: l Q eles têm um significado (para um dado códon
corresponde um dos diversos aminoácidos); 2º cada códon é uma seqüência de
nucleotideos (i.e . dos "fonemas genéticos"); 3º não existe uma decomposição sintag-
m átic a de um có d on em menores seqüências significantes de nucleotídeos (Marcus,
1974, p. 80).

Nas aç ões físicas, uma curta seqüência de elementos, como impulso-movimento-rit-


mo, é significante . Seu significado pode variar, mas sempre será significante. Em nossa
analogia, o impulso, o movimento, o ritmo, a intenção e o élan são os "fonemas da arte

48
de a tor", os nucleotideos " , que para a açà o física se organizam em u ma seq ü ên cia . N o
1/

ca so da terceira propriedade, no entanto, temos que considerar a m enor seqüência p os -


sí vel para q ue existam ação física e sequ ência: dois elementos. Lembremos o ex ercício d o
rato de Stanislavski, isto é, do "ficar em pé no ritmo" . Nesse caso, o mo vimento é míni-
mo e pode não ser considerável do ponto de v is t a d o es p e ct ador: não tem im p u ls o,
tampouco éla n, lTIaS há intenção e ritmo (p o d e ser que haj a também um élan, mas
desconsideremos essa possibilidade ). Assim sendo, a terc eira pro p ri e da d e contin ua va-
lendo para nós também, pois não existe uma decomposição sinta gmátic a de um "cód on"
em menores s eq u ên ci as significar.. te s d e " nu cl eot íd ecs " . Ev id en t e m ente. no no sso C3.S0,
nossos " códons " têm tamanhos diferentes, como nas língu as n a turais (u ma" palavr a "
pode conter de dois a v ár i os elementos ), ao passo que, n a gené tic a mole cular, el es s ã o
feito s estritamente de três nucleotídeos.

A mecânica "tnuen ie" da ação física


A maneira como se opera o processo de manutenção da v id a, ou seja, d aquilo que
é v iv o e orgânico, e até meS1110 d e t r an s fo r m a ção de algo que foi v ivo em sua origem e
depois recuperado (cf . capítulo 6) e trabalhado, deverá reencontrar este fluxo de vida ori-
ginal. Em termos do código ' genético. é a transformação dos códons em aminoácidos e
destes em cadeias de aminoácidos, as proteínas, que se encarregam do metabolismo. "O
có d ig o genético é tão somente UlTI dicion ário d e códons e se u s co rre sp ondente s
am in o á cid os" (Marcus, 1974/ p. 81). No nosso caso, uma seqüência d e componentes d as
açõ es físicas não funci ona como u m dicio nário, em que is to quer dizer a quilo. Nosso "tex-
to" , po r ser cu ltural. apresen ta um sign ifi cado glo b al, além d o específico . Ele n ã o é, por-
tanto, diretamente de codificado em sentidos específic os, co mo n um d icionário .
O que, yimos até aqui foram os componentes, as engrenagens das a ções físic as . Agora
falta a "eletricidade"! A s cadeias d e aminoácidos, que são as proteínas, co rrespondem, para
nós, a es tá gios m ais av ançados d o trab alho : são as cadeias d as ações físicas, q u e St anislavsk i
ch amou ~e lin e of physical acii on e que veremos adiante COIn as m ontagens teatrais . Neste
momento. os ligtmiens, elementos que operam as lig a ções d as a ções físicas, desenvolverão
u m impor tante p ap el. Por 0 1"20., n osso p roblema está na forma ção d os am irto ác id os" das
II

ações físicas . Esta pass a gerrl s e o p era com to d o U111 ou tro co n ju n to de elementos, qu e se
mistura num a es tr an ha linha p aralela cuja imag em d a d upla ca deia es p iral d o DNA nos
p arece interess ante. Sã o eles: a energia (a uibraçiio, a vid a! a. generosidade, a ln iman ida áe, en-
fi111, um conj u n to de fat ores que nos conduzem ao estar-em-uida s, a precisão e a organiciaade.
Esses elem en tos podem ser agrupad os sob o con ceit o d e presença. '"lejamos cada um deles .

./ i energ ul

Ene rgia, seg u ndo o Dicioruirio Aurélio. é a " m a n e ir a co rn o s e exe rce u rna t or ça ; vi -
g o r, fo r ça; pr oprie d a de de LL IT l sis te rna que lhe pe rrn ite r e a l iz ar trab alho A en e rgia p tJcl. t"
te r v ari as forrn as (caloríf ica, cinética , el ét r ica, e le tr o m agn ét ica. m e câ nica . p otencial, qui -
m ica . r a d i a nt e), tr ansfor m av eis um as n as o u tr as, e ca d a UJ.11;;1. ca p az de pr o v oc ar Ieriô -
m e n o s b e m determinad os e car a ct erí stico s n os s istemas fí s ico s " . -,-i\. p al a vr a en er gia vem
Luís OTAvIO BURNIER

do grego energol1, que significa ' "em trabalho" (en = entrar, dentro; ergol1; ergein = tra-
balho). O dicionário inglês Penguin Englist: dictionary apresenta-a corno "poder. força,
capacidade para realizar trabalho". Energia está, portanto, associada à sua raiz grega
ergein, significando um certo tipo de trabalho, e ao prefixo e11 , entrar em, ou interior.
Não podemos confundir e associá-la com os conceitos de força e vigor embutidos no seu
significado, com quantidade de força ou de trabalho, pois ela pode ser algo de delicado
e sutil.
Parece-nos evidente que, para que haja trabalho, faz-se necessária urna resistên-
cia : algo que resiste a determinada força, corno, por exemplo, um corpo em desequilíbrio,
que resiste à queda, ou então alguém que empurra (ou puxa) um móvel. A resistência
leva ao trabalho e, portanto, à energia. Muitos dos exemplos acima citados para ilustrar
diferenças entre impulso, movimento, ritmo etc. produzem energia, pois lutam contra
uma determinada resistência. O raccourci de Decroux é um exemplo típico. Resistindo
ao desenvolvimento pleno da ação no espaço e no tempo, cria-se energia. O caso do rato
de Stanislavski é outro exemplo. Se criamos situações em que existem resistências de uma
ordem,qualquer, forças opostas que entram em conflito, temos energia, pois, para vencê-
las, é necessário trabalho . .
Todos os elementos componentes de uma ação física analisados acima, ao se relacio-
narem entre si, criam linhas de tensão, de oposições, contradições, que geram energia.
Muitas vezes essas resistências são de ordem simples e direta. Um exemplo citado por Barba
são os Ts'oi chi'ao da ópera de Pequim. Te'ai chi'ao são os pequeníssimos sapatos apertados
que os atares homens que representam papéis femininos colocam. Esses sapatos criam ten-
sões, dificuldades, que geram "energia" ou um tipo de energia muito distinta da usada
cotidianamente, pois rompe com a dimensão cotidiana de uso do corpo.
Outra maneira de se pensar a energia é corno fluxo, um caminhar específico que en-
contra resistências e as vai vencendo; ou então corno radiação, ou seja, vibração, algo que se
propaga pelo espaço.
Eugenio Barba liderou um estudo extremamente interessante sobre como a energia,
ou o seu conceito equivalente, é usada em diversas técnicas de representação do Oriente.
Esse estudo está detalhadamente compilado na obra A arte secreta do ator - Dicionário de
antropologia teatral? Barba narra uma série de exemplos que ilustram, no nosso entender,
como as " resistên cias" se apresentam e são importantes para se adquirir uma alteração do
estado de presença cotidiano para uma presença teatral:

Toda tradição teatral tem sua própria maneira de dizer se o atar funciona ou não como
tal p ara o espectador. Esse "f u n cion a m en to" tem muitos nomes: no Ocidente o mais
comum é energia, vida, ou simplesmente a presença do atar. Nas tradições teatrais
orien tais, outros conceitos são usados, como veremos, e encontram-se expressões corno
prana ou shak ti n a Índia; Kosh i, Ki-hai e yugen no Japão; chikara, iaxu e bayu em Bali; Kung-
fu na China.
Para adquirir es ta força, es ta vida, que é uma qualidade intangível, indescritível e
incomensurável, as várias formas teatrais codificadas usam procedimentos muito parti-

50
A ARTE DE ATaR: DA TÉCNiCA A REPRE5E NT.4.-çAO

culares, um treinamento e exercícios bem precisos. Esses procedimentos são projetados


para destruir as posições inertes do corpo do ator, a fim de alterar o equilíbrio normal e
eliminar a dinâmica dos movimentos cotidianos .
É paradoxal que essa qualidade ilusória seja conseguida por meio de exercícios concre-
tos e tangíveis. Esse paradoxo é tipificado pela expressão Kung-fu, que é tanto o nome
de um exercício específico quanto a frase usada para descrever a dimensão impalpável
pela qual chamamos a presença do atar.
Em chinês, Kung-]« , conhecido no Ocidente como um a técnica de combate, significa
literalmente " a habilidade para resistir" . [... ]
Para um ator, ter Kung-fll significa "estar em forma " , ter praticado e continuar a praticar
um treinamento peculiar, mas também significa aquela qualidade especial que o fa z
vibrar e o torna presente, e que indica que ele dominou todos os aspectos técnicos de seu
trabalho (Barba e Savarese, 199L p. 74).

Barba detecta, em cada forma de representação codificada do Oriente, a expressão


de dois pólos de energia: keras-manis (Bali), lasya-tandava (Índia), ou o termo usado por
Barba, animus-anima, que retratam duas qualidades distintas de energia: uma forte e vi-
gorosa, e outra sutil e delicada: .

Energia suave, anima, e energia vigorosa, animu s, são termos que nada tem a ver com a
distinção entre masculino e feminino, nem com arquétipos e projeções junguianas. Eles
descrevem urna polaridade muito perceptível, uma qualidade complementar de ener-
gia difí cil de definir com palavras e, portan to, fr e qüentemente difícil de analisar,
desenvolver e transmitir (Barba e Savarese, 1991, p. 79).

Barba encontra ainda outras formas de se referir ao que, no Ocidente, chamamos de


energia: kosh i, iam e, santai. O koshi, usado no Japão, refere-se a o quadril, mas também é usa-
d o par a designar a " presença" d o atar. En1 termos té cnicos, ele sign ifica o bloqueio do qua-
dril e a "lu ta" de du as fo rças:

[...] evi tando que ele siga os m o vim e n tos das pernas, dois diferentes ní veis de tensões
são criados no corpo: na parte inferior (as pernas que de vem se mo ver ) e na p ar te
su per ior (o tr on co e a coluna vertebral" que está co mprometida forçan do para baixo
so b re o qua d ril ).
O arranjo d esse s dois n íveis (de te nsõ es ) op os ta s d en tr o d o corpo pede um equilíb ri o
peculiar, env ol v endo a cabeç a e os m ú s cul os do p esc o ço: tr o n co: b a ci a e p ernas . O tónus
muscular total d o a tor é a lter a d o . El e usa muito ruais en erg ia e p recis a realizar um
es fo rço mai or d o q ue q uari.do ca mi nha de ac ordo co m s ua té cnic a co ti d ian a (Bar b a e
Sav arese . 199 1, p . TI).

T tiine, usado n o tea tr o n ó e no kn buuui, sign ifi ca " a cu m u la r" : " cu r v a r" . é urn a re -
tenç ão / urn a r e s is t ência! U D1 obstácul o : u rn a " re pr e s a" d e e nergia n u m a açá o: é a " h a b i -

51
Leis OTAvIO BUR~IER

lidade de conservar a energia, de absorver numa ação limitada no espaço a energia


necessária para conduzir uma ação muito maior" (Barba e Savarese, 1991, p. 88) . Tarne
corresponde, na técnica de Decroux, ao raccourci que vimos acima quando tentáva-
mos entender os componentes da ação física. Já saniai se refere a três tipos básicos do
teatro nô: o guerreiro, a mulher e a velha, que nada têm a ver, segundo Barba, com
tipos de papéis . "Os três tipos são, de fato, maneiras distintas de usar o mesmo cor-
po, dando-lhes vidas diferentes por meio de diversos tipos de energia" (Barba e
Savarese, 1991, p. 88).

Organicidade e preclsao
A maioria dos grandes mestres do teatro oriental e ocidental insiste sobre a impor-
tância da precisão e da organicidade de uma ação. No entanto, poucos são os escritos sobre
esses elementos, paradoxalmente tão importantes .
A palavra precisão vem do latim praecisu, que significa "cortado, separado de; castra-
do; em retórica: cortado, reduzido, resumido" . Do latim praecisé = 1) em poucas palavras,
sucintamente; 2) positivamente, precisamente. De praecisus = 1) cortado na extremidade!
encurtado; 2) cortado a pique, escarpado; 3) suprimido, tirado, cortado; 4) conciso, sucin-
to, abreviado. O dicionário francês Robert usa também os termos "justesse, exatidude", e o
Aurélio, "rigor sóbrio de linguagem; perfeição" .
N o teatro, sobretudo nas técnicas codificadas de representação, o termo precisão é
usado para indicar exatidão, justeza, rigor e perfeição. Segundo Barba, exato (de exati-
dão) vem de exigir; para ele, a generosidade quer dizer ser exigente", e a "precisão tem
/I

a ver com a generosidade" (Barba, 1993, p. 7). No entanto, é curioso observar que, para
se obter tal exatid ão, rigor e justeza, tem-se, em geral, que cortar a ação antes que sua
linha de energia acabe ou se enfraqueça. Decroux usava a imagem dos fios de cabelo: é
necessário deixá-los crescer para que sua linha de força se torne visível, mas a um certo
ponto é preciso cortá-los para fortalecê-los. Ele dizia que, se um cabelo é curto demais,
não vemos suas 'ev en tu ais ondulações, ou seja, sua linha de força, mas, se grande de-
mais, ele se enfraquece e quebra nas pontas.
Para se obter precisão numa ação, é necessário cortá-la antes que termine sua
linha de força, ou o fluxo de energia que a conduz. É a importância do princípio dos
sete décimos do teatro nô: o espírito (ou a linha de força) está a dez décimos, e o corpo
(a ação física), a sete décimos. É esse corte, maior ou menor, dependendo do caso,
que determina o fortalecimento do fluxo de energia e o rigor na exatidão da ação fí-
sica. Ou seja, a ação vai até tal ponto, não mais nem menos . É o fato de cortar suas
extremidades, de abreviá-la e resumi-la, que nos permite determinar o ponto ex ato
até onde ela vai.
Mas a precisão pode não se limitar aos aspectos puramente físicos ou do movimen-
to de uma ação. Podemos também determinar com precisão a qualidade e a quantidade de
energia que alimenta ,ou engendra uma determinada ação. Aqui, novamente, o corte é
fundamental : há de se limitar as qualidades que não deverão compor tal ação, ou seja,
separar e cortar fora as qualidades que se apresentam como ruído na informação; há de se

52
A A RT E DE .~. T O R : D."'. rEC~Ic.-\ À REPRESE ~TA.ç Ao

eliminar as quantidades (em excesso ou em falta) indesejáveis, a fim de se obter a quali-


dade e quantidade corretas de energia para determinada ação .
Já a palavra organicidtuie ve m d e órgão, rela ciona-s e com o q ue é organrco (d e or-
gnnicus), que diz respeito aos órgãos e aos seres organizados . A organicidade é algo que
pede um nível de organização interna extremamente complexo, tanto quanto, por exem-
plo, é a organização interna de nosso corpo, na relação interórgãos, ou na das células e
intercélulas. O grau de complexidade desta organização é de tal ordem que o homem
não logroll ainda compreendê-lo . Ou seja: para se obter urna organiciaade em uma ação
física, ou em urna seqüência de ações físicas, há de se d esenvolver um conjunto comple-
xo de ligações e interligações in tern as à ação ou à seqüência das ações .
De vemos ter claro que, no que se refere à org anicituide, pOdelTIOS trabalhar sobre
dois planos muito distintos: a organicidade interna real e viva, que tem a ver com o real
flu xo de vida que alimenta / engendra uma ação; e a imp ressão de organicidade percebida
pelos espectadores ao presenciarem um ato teatral. No primeiro caso, es t am os falando
do que é v ivo, da vida que em an a de um ator; e, n o segun do, da artificial naturalida-
de de que nos fala Craig, ou seja, do fluir coerente da li nha de força de urna ação física
ou de urna seqüência de ações físicas.
A organicidade referente à organização interna de uma ação, ou à interação entre
as ações, não tem nada que ver com o "natural", mas com a impressão de natural que a
coerência da organização interna de um determinado sistema gera. Assim, por exern-
plo. o teatro n ô ou a mímica corporal de Decroux não têm nada de natural. Ao contrá-
rio , são sistemas absolutamente artificiais e estéti cos . No entanto, tem-se a nítida impressão
de serem orgânicos. E o são, se considerarmos que o nível de or gan ização interna desses
sistemas é absolutamente coerente e complexo .
Quanto ao o u tr o n ív el de organic idade, Thomas Richards escre ve :

Se o bservo U U) ga to, noto q ue cad a um de seus mo vimentos está no seu devido lu g ar, pois
o seu corp o pen sa p o r si . N o g at o nã o h á u rna me nte di scur s iv a a b loque ar ti r ea ção
org â ni ca ime d iat a. a l aze r obstác ulo. j},. org ani ci dad e pode r ia enco ntrar- se ta mb ém n o
h o rn ern . ITtaS e stá quase sempre b loque ad a p o r urn a m ente q u e está Ía z en d o o pró p r io
trabalho; u m a m ente q u e t enta co n d uz ir o co r p o; p ens ar ve lo z .m en te e di z er 80 co rp o o
q ue faz er e co m o. Diss o d eriv a um m od o d e 1110Ver-s e que b ra do e d es cone x o . Ma s s e
o l h a rm os U1n ga t o, Vere1TIOS q ue t odos o s se us m o vime n to s sã o fl u idos e con ex os ; a té os
r ápid os . P a r a que u m h omem poss a ch eg ar a tal organicidad e, a sua m ente dev e ap re nder
o 1110 d o justo de ser pass iva , ou aprende r a oc u par -s e só de s ua p róp ria tarefa; r e tirando -
s e d o m eio . d e m a ne ir a que o co r p o p os s a pen sar p or si . (... 1C r o to wski . em seu tra ba lho;
re de fi ne a noção d e o rg a n i cid a d e . Pa ra S tanis la vski "o rgan ic idade " s ign ifica va as lei s
n a tu r ai s da v i d a " no r rua l" q u e; a era vé s de um a estru t uru e com p osi çà o . a p ar ecem. so bre
a cena e se transforrnam em arte. enq u anto qu e par a Crot ow ski orga n icida de in dica algo
co rno \J potencial ern urn co rpo hurnauo d e urn a corr ent e quase biológ ic.]. Li2 impulsos q ue

53
LUÍs OTÁViO BURNIER

vêm do "interno" e vão para o cumprimento de uma ação precisa (T. Richards, 1993"p.
76 e 104).

Richards cita um trecho de Grotowski:

Organicidade: [...] é também um termo de Stanislavski. O que é a organicidade? É viver


em acordo com as leis naturais, mas isto a um nível primário . O nosso corpo é um
animal, não se deve esquecer. Não digo: somos animais, digo : nosso corpo é um animal.
Então a organicid ade está ligada ao aspecto criança. A criança é quase sempre
orgânica. A organicidade é algo que se tem mais quando se é jovem, e menos quando
se envelhece. Evidentemente é possível prolongar a vida da organicidade lutando
contra o hábito, contra o alienamento da vida cotidiana, quebrando, eliminando os
clichês de comportamento e, antes da reação complexa, retornando à reação primária
(Grotowski, 1992, p. 102).

N este nível, a organicidade se refere a algo de vivo e orgânico, à capacidade de se


encontrar e dinamizar um determinado fluxo de vida, "uma corrente quase biológica de
impulsos", e permitir que ele dirija a ação do corpo . Busca-se, neste caso, uma "reação pri-
mária e primitiva", não filtrada pela razão. Aqui, não se trata de uma organicidade que pode
ser reconstruída, corno no caso anterior, mas de algo que deve ser reencontrado . Portanto, neste
caso, trabalha-se com a passividade da mente, a busca de um espaço que permita esse reen -
contro com uma organicidade primária. É o corpo-memória reencontrando a si mesmo, a sua
integralidade orgânica .

As ações físicas e as energias potenciais do atar


Para que a arte seja arte, é fundamental o contato com as energias interiores, criadoras,
as energias potenciais do artista. Somente assim a arte estará revelando o ser! adquirindo um
sentido mais profundo, transcendente. Para revelar é necessário mostrar e articular. As ações
físicas, por serem a corporificação dessas energias interiores do atar, constituem se no meio
pelo qual ele articula seu discurso. Analisamos até aqui a mecânica de funcionamento in-
terno das ações físicas. Como elas se articulam para melhor revelar e mostrar o ser por meio
da arte . No entanto, elas perdem o sentido se não estiverem conectadas com algo de den-
tro e de fora do atar .
Assim, para o atar, as ações físicas são fundamentais não só por se constituírem
na base concreta sobre a qual ele poderá edificar sua arte, como por também serem o
meio pelo qual ele entra em contato com suas energias potenciais . Um dos fatos mais
importantes para a arte de atar é a capacidade de ele dinamizar energias interiores
que normalmente se encontram em estado potencial no seu interior. As ações físicas
ou são resultado desse processo ou agentes dele. Ou seja, ou diriamiz amos energias
interiores e potenciais que se transformarão em corpo, em ações físicas; ou as ações
físicas acor dam tais energias no atar .

54
, -" A .-\RTE D E ATO R: DA TEC07IC'\ ) .. REPR ESE\:T _-\Ç ".\O

Grotowski entendeu muito bem essa p roblemática ao dizer que, para ele, as ações
físicas se constituem num meio pelo qual ele entra em contato com a corrente vivente
dos impulsos (Richards, 1993/ p. 114) . Também Stanislavski enfatizava a imp or t ân-
cia do "ser sincero em cena/I I ou seja, ele também buscava esse contato. Só "q u e ele
estava interessado no teatro, e Cr otowski no ator; Stanislavski na arte, e Croto wski
na pesso a .

Corporeidade e [isicidtuie de urna açno


A conexão aç ão físic a-energia pot encial do ato r é fundament al. É o que vai d ar tnda
às ações físicas, transformando-as em ações vivas, e a té cnica em técnic a-em-v ida.
A relevância das acões físicas 'o ara a arte de ator cresce ainda mais: elas são as
~ Á

menores partículas capazes de operacionalizar esse cantata. É por meio delas que fa-
zemos essa conexão , seja como "porta de entrada/> seja como l/p o r t a de saída ". Se-
jam as ações físicas ex-primem (pressionam para fora), sejam in-primem (pressionam
para dentro), em ambos os casos elas devem obrigatoriamente, como condição sine qua
non para serem as células (a menor partícula viva) da arte de ator, entrar em cantata
e dinamizar energias potenciais do atar. Somente assim, seguíndo o pensamento de
Artaud, ele conseguirá atingir seu público, dinamizando nele também energias po-
tenciais .
. A s a ções físicas podem, portanto/ ser consideradas corno o aspecto corpóreo e físi-
co das energias interiores do ator e, nesse sentido/ elas têm dois elementos muito próxi-
mos/ p o r ém distin tos: a corporeidade e a [isicidade .
A corporeidade é a maneira corpo as energias potenciais se corporificam, é a trans-
for maçã o dessas en er gias em músculo, ou seja, em variações diversas de tensão. Essa trans-
formaçã o de energias potenciais em músculo é o que origina a ação física. Por corporeidade,
en ten do a m aneir a co mo o corpo age e faz, COIn o el e interv ém n o es p aço e no temp o, o
seu din am oriim o. A corporei dtuie é m ais d o q ue a pura [isi cidad e de UITla ação. Ela, e m
relação a o indivídu o atuante, antecede a [isicuia de.
A [isi cidade é o as p ecto puramente físico e mec ân ico d a açâo fí sica, ê a es paciali dade
fís ica d est e co r po, o u s ej a, s e el e é go r do o u m a g ro, alto ou baixo, car r an cu d o ou ca q u ético .
A [is icidade de UJTIa açã o é para nós a fo rm a dada a o corpo, o puro itinerári o d o m o vi-
m en to d e uma aç ão , a té on d e v ai, se é g r and e o u p equ e no. Já a corpore ida áe, al érn d a
fis icida de, é a for rna do corp o habitada pel a p esso a .
A corporeidade está, pois, entre a [isicidade e as ene rg ias po t enciais d o ator . El a pode
ser con s id er a da corno a prim ei r a r esultan te fís ica d o processo de d inamiz a çào das dis -
tintas qualidades de energias q ue -se enc o n tr am em es ta d o po tencia l. Est á rnu it o pró xi -
111a d o Ll u e podemo s cha m ar de "qu ali da des de vib ra ção". El a sign ifi cél a pr imeira e ta pa
d este p r o ces s o d e corpo r ifi cação das qualid ades d e vibr aç ão , a o passo q u e a [isicuiadc
s ig nifica a e tapa fi na] desse proce ss o .

:Y J
Luís OTÁVIO BURNIER

Podemos pensar o seguinte esquema:

Energias potenciais,... Corporeidade -I Fisicidade


-JH---------
Ações físicas

Ou ainda:

Ações físicas
Energia potencial
Corporeidade física

Ao longo do presente trabalho, sobretudo no capítulo "Da técnica à representa-


ção" , esta questão será mais bem esclarecida, quando confrontarmos a problemática da
memorização e codificação das ações físicas.

A ação vocal

A ação vocal é o texto da voz e não das palavras. Os dadaístas em seus poemas foné-
ticos souberam distinguir essa diferença. Além de o que dizer, eles exploravam o como
dizer, criando uma poesia em que o texto desse como era mais relevante do que o das
próprias palavras . Aliás, no famoso poema opto fonético de R. Hausmann, k periom, a
palavra encontra-se completamente pulverizada, havendo somente ação vocal.
A ação vocal, como o próprio texto diz, é a ação da voz. Se considerarmos a voz
como um prolongamento do corpo, da mes?1a man~.ira como Decroux considerava os
braços prolongamentos da coluna vertebral, a vozseria como um "braço do corpo":
Assim, esse "braço" pode pegar um objeto e trazê-lo para si ou empurrá-lo para longe,
acarinhar ou agredir o espaço ou uma outra pessoa, afirmar ou hesitar .. .
Podemos falar um mesmo texto dizendo coisas diferentes. Exemplo: podemos dizer
"eu te amo" com uma voz aveludada, doce e carinhosa, que também diz "eu te amo";
mas podemos dizê-lo com uma voz ríspida, quase agressiva, penetrante, que diz "não
enche o saco, pô", ou então" deixa de frescura, é lógico que eu te amo" .
Vários componentes da aç ão física estudados acima encontram um correlato na ação
vocal. O impulso e o ritmo são dois exemplos claros. O que na ação física chamamos de
coração da ação, na ação vocal podemos chamar de foco vibratório, ou seja, o lugar preciso
no corpo onde está localizado o coração da ação vocal. Foco vibratório não significa que a
voz só vibra naquele preciso lugar, mas é para lá que ela se direciona :

A grande aventura de nossa pesquisa foi a descoberta dos ressonadores; talvez a palavra
vibrador seja mais exata porque, do ponto de vista da precisão científica, não são
exatamente ressonadores. [...]
Quando eu mesmo procurei diferentes tipos de vibradores, encontrei em mim vinte e
quatro . Para cada vi b r a d or há ao mesmo tempo a vibração de todo o corpo, mais as

56
A .-\RTE DE ATOR: DA. TÉC NICA _À. REPRESE :'-:T A Ç.:\O

vibrações no ponto central da vibração : a vibração m áxima está onde está o vibrador; seu
ponto de aplicação, onde se coloca em movimento o vibrador (Crotowski, 1971, p. 87-131).

A intensidade e a espucialuiade da ação vocal correspondem ao movimento da ação


física. A intensidade nos dá a força e o volume da ação vocal, e a espacialidade, a ma-
neira como a voz ocupa o espaço. Assim, urna voz pode ter uma espacialidade externa,
ou seja, ser falada como se em local aberto, ou interna, como se dentro de uma casa, por
exemplo. No espaço interno, ela pode ser de um local social, urna sala de visitas, ou ínti-
mo, um quarto. No externo, ela pode ser de um campo aberto ou de um jardim. As vozes
usadas nesses espaços são qualitativamente distintas e podem ter forças e volumes di-
ferentes.
A ação v o cal pode também ter diferentes alturas e musicalidades. Existem correlatas
muito sutis. nas ações físicas, à altura e à musicalidade da ação vocal, que serão vistos na
penúltima parte deste trabalho, "Kelb ilim : retorno às origens". A musicalidade da ação vocal
é resultante de um conjunto de elementos, corno pontuações, pausas, efeitos de causalida-
de vocal, que determinam o dina rnoriimo da ação. Outro elemento a ser considerado é a ar-
ticulação, o fato de emitir, mais ou menos articuladamente, os sons das palavras. A articu-
lação, no entanto, faz parte da musicalidade da ação vocal.
O que é importante entendermos no que tange às ações vocais é que urna ação v o cal
é a ação que a voz faz no espaço e no tempo. N a parte referente às técnicas estrangeiras do
capítulo "Elaboração técnica", enumeramos alguns exercícios que ajudam a clarear esta
r ela ção d a voz e da ação vocal.

Ess es elementos componentes d as a ções físicas e v ocais deverão compor o treinamento


do ator. P or definição, o treinamento é o momento no qual o at or se trabalha . Eugenio Bar-
b a chama esse momento de n ív el pré-ex pressiv o do trabalho do atar :

P ara. UITl at ar, trabalhar n o ní ve l pré-e xpressiv o quer dizer m odelar a qua li d ad e de sua
pró p ri a existênc ia cênica. SelTI eficá cia n o n í ve l pré-expressi vo , um a tor não é um atar.
[...] O atol' pod e traba lhar suas ações sem pens ar n o q ue quer tr ansmi tir ao es pecta do r
um a ve z ter min ado o p rocesso. Então dir emos q ue tr ab alha ao n í vel p ré -e xpressi vo
(Ba rb a.. 1993, p. 15 9).

Todos esses elementos co mpon en tes d as ações físic as d evem compo r o treina mento
do atol'. O t rein arn en t o trab alha. so br etu do, exercício s que permitam um ap rim o ram en -
to dess es co m p on en te s .
Ex is tem d u as r eali dades qu e ca rn.inh a rn jun tas: um a rn a teri a l. o b je ti va e operati v a ,
e o u tr a s u bje ti v a. do inter ior d a p esso a. de suas e n e r g ias e vib r a çõ es . Ess a r ealidade d o
uni ver so int eri o r e Íu.un ano eleve se rel acionar corn a re alid ad e mate ria l, o p er a tiva e té c-
nica . Es s a r elação é Fu n d ame n t al. Urna é corno se foss e o [iux o de ene rgia q ue põe a o ut ra:

::;/
LUÍs OTAVIO BUR1'HER

a máquina, para funcionar. Esse fluxo de energia pode ter qualidades muito distintas. É
um dos fatores determinantes, no nosso entender, do que se chama de presença do atar.
Essas realidades estão misturadas, intermingled; a relação entre elas é de tal maneira di-
nâmica que urna depende da outra.
Isto nos leva à seguinte questão: como operacionalizar este cantata pessoa-ações
físicas. Como lograr dinamizar o fluxo de energias que o ator tem em si em estado poten-
cial/ por meio das ações físicas e vocais, ou resultando nelas.
Como vimos, as ações físicas são as bases concretas sobre as quais o atar poderá
construir sua arte; tudo deve passar por elas, ou estar embasado nelas. Elas são as ex-
pressões concretas de algo, ou as provocadoras de uma in-pressão. Toda técnica de atar
deve trabalhar com esta dialética: de um lado a vida e, de outro, a forma; como
operacionalizar, no âmbito da arte, o necessário cantata entre elas.

58
Notas
Grifo nosso.
Por " ação física" leiam-se a ções físicas e vocais.
Grotowski usa o termo flu xo da vida iflusso della vita)r retomado por Thomas Richards: " os dois p ólos que
dão ao espetáculo o seu equilíbrio e a sua plenitude: a forma de um lado, e o fluxo da vid a de outro" (T.
Richards, 1993 r p. 32).
Este trabalho fo i r ece n te men te publicado n a It ália. N ão tivem os a ce sso à publica ção, mas uma cópia da tese
nos foi presenteada por D e Marinis .
Editado no Brasil pela Hucítec, Editora U NICAMP e EDUSP.

S9
Capítulo 2

ELABORAÇÃO TÉCNICA

Do n ot think of performance - think only of training,


training, training. As an artist, it is necessary
for h im constantly to widen his culture .
STA N1SL A VSK [

Três questões básicas estiveram n os prilnórdios deste trabalho . A primeira foi de-
co r re n te de urna r ealidade bastante particular. Quando regressei da Europa, era deposi-
tár io de um certo knoui -hoio t écnico considerá vel. No entanto, essas técnicas qu e es t u d ei
e aprendi h a v i am sido elaboradas em co ntex to cultural específico; pertenciam a ·culturas
precisas (e uro péia, indi ana, ch in es a ... ). En s in á-l a s p ar a a t a r es brasi leiros a carr etaria n o
D1Ín in10 um r isco d e s e operar m ai s U111 processo ele a cult uraç ão. ou seja, valorizar ou-
tra s culturas e 111. d e trimento da noss a . o a ue es ta va lon ae de ser minh a intencão. I'-To en tan-
, 1 \-I .:J

to. n ão podia negar a importância d e tais conhecimentos . N a técnic a d e D ec roux, n o lca thakali
e n a ó p e ra de Pequim, exis tia um conjunto de elementos . de p rincípios, qu e, n o m e u
en t en d e r, era i mportante, mais do que úti l, era op e r a tiv o, o bjetivo . Ele me ntos técn ico s
u ti li z a d o s p a r a n ort e a r o tr a b alho d o a to r . Ío r n ece n d o -l h e ins trumen tos concret os co m
os quais poderia edifi ca r sua ar te. C orn o re s ol ver es ta q ues t ão? C orno en s inar urn a técni-
ca sern e n s in á - l a ? H a v e ri a um m ei o de «cuit ura r, ro nlper corn a d imen s âo cotidiana e
intro d uzir uma ou t r a; artí s t ica, s em ir d e en contro à pr ópria cultura ? Acul tur a r s e rn
ac u l tu r a r ? Foi e n tão que 1112 co lo q uei a se guint e questã o: s erá q ue a manei ra p arti cular
de um i nciiv íd u o agir, de se co lo car! d e se move r no e s paço e n o tempo; ou s e ja.! de se r
corpor ea men te e de corporiti car s uas energ ias po te nciais.. nã o poderia conter u m gerrn e
de urn a té cnica par t icul ar de u so do cor no ? Esta técnica nart icu Lo r, no
...... _l I r r se m a n ifes tar tão -
so rn ente ou p rior itariamente n u m a d imensã o co t i d ia n a. ist o é, n o dilatada" não proje-
á

61
Luis OTAvIO BURN[ER

tada, teria elementos particulares, pessoais e culturais que não seriam visíveis nem se
encontrariam conscie~1temente estruturados. No entanto, uma vez trabalhados. dilata-
dos e transferidos para o contexto teatral, poderiam con1por uma base de elaboração
técnica para o ato r condizente com sua pessoa e com sua cultura. Foi assim que inicia-
mos um processo que hoje chamamos de dança pessoal, dança das energias" ou ainda
1/

dança das vibrações".


/I

Uma segunda questão surgiu do trabalho de cloion. Por cloton devo esclarecer que
entendo o que na França é chamado de cloum psychologique, ou seja, o patético, puro, ingê-
nuo.' Para encontrar esse tipo de cloton, o atar deve permitir que sua ingenuidade, a mais
pura, manifeste-se. Ele deve arriar as defesas naturais que o protegem. Ser ingênuo, pelo
menos no contexto do clOW71, significa ser bobo, mostrar a mais pura" estupidez humana".
O cloum psicológico é, por esse motivo, profundamente humano e p.uro. Nessa humanida-
de profunda encontramos fontes potenciais de energia do indivíduo que, se dinamizadas,
constituem, como na dança pessoal, urna rica base de trabalho para o atar. O cloton, como
sabemos, é herdeiro do bufão, do teatro medieval, da comrnedia dell 'arte. Ele funciona, por-
tanto, num sistema de improvisação codificada extremamente interessante e condizente com
a busca de uma elaboração técnica para o atar. A segunda questão que nos colocamos foi,
então, a possibilidade de urna elaboração técnica que trabalhasse com a dinamização de suas
energias potenciais e humanas e com a conseqüente codificação corpórea, decorrente do
estudo do clown .
A terceira questão curiosamente me remetia ao meu primeiro trabalho autônomo na
busca de uma sistemática objetiva e técnica de trabalho para o ator: a imitação, o que mais
tarde chamei de "rnímesis corpórea". Trata-se de um processo de tecnificação de ações do co-
tidiano a partir da observação, imitação e codificação de um conjunto de ações físicas e vo-
cais retiradas de contextos predeterminados, decorrentes de estudos das ações de certos
tipos de pessoas com características específicas. Ora, a questão colocada foi: será possível
uma elaboração técnica a partir da imitação direta de ações físicas e vocais de pessoas di-
versas? Um primeiro esboço desta metodologia foi trabalhado por mim na montagem do
monólogo Macãrio, de Juan Rulfo, em 1981. Posteriormente aprimorei esse método, que
resultou na montagem da peça Wolze71, uma livre adaptação da Valsa nº- 6 de Nelson
Rodrigues, aqui descrita e analisada. Mais tarde também o usei para a formatura da turma
de 93 do curso de graduação em artes cênicas da UNICAMP, na montagem da peça Taucoauaa
panhé mondo pé.
Evidentemente esses três caminhos escolhidos para nossa experimentação não são
excludentes, nem únicos. Sua escolha, do ponto de vista acadêmico, é justificada pela ine-
vitável necessidade de delimitar o campo de pesquisa, permitindo assim um maior
aprofundamento na problemática levantada. Do ponto de vista artístico, ela está ligada ao
atar, seus desejos, anseios, facilidades e dificuldades. Para que a arte seja plena, o artista
deve estar pleno em sua arte. Portanto, ser conseqüente e ouvir com seriedade e profundi-
dade seus anseios e necessidades é [uruiamental, Esses "anseios" e "necessidades" podem
não ser conscientes para o ator, mas, assim sendo, deverão ser descobertos e trabalhados.
Para qualquer pesquisa, seja ela acadêmica, artística ou técnica, existe o momento
no qual urge abrir o "campo", encontrar novas perspectivas e possibilidades. Porém, se
62 '
A ARTE DE .-\ TOR : DA T ÉC \IICA
A REP RESE:\,'TA Ç Ao

dep ois ela não se fec har , não


se con cen trar , cor rer á o risc o
um rea l apr ofu nda me nto em de dis per sar e não pro voc ar
pon tos det erm ina dos . Ass im,
a esc olh a des sas me tod olo gia afa ste mo s a hip óte se de que
s esp ecí fica s sej a ou ten ha sid
con cei tos pre est abe lec ido s . Nã o dec orr ent e de cre nça s ou
o foi . No sso trab alh o é em ine
sua s pri nci pai s car act erís tica nte me nte em píri co, e um a de
s é a de se est ar sel upr e ate nto
pro ces so. É a pró pri a exp eri ao pró pri o des enr ola r do
me nta ção que , de urn a cer ta
nho s da pes qui sa, na me did ma nei ra, det enn ina os car ni-
a em que vai con firm and o ou
ini cia is, del ine and o ass im cam con tra diz end o as hip óte ses
inh os na bus ca da con firm aç
par cia lme nte obt ido s. Ess a esc ão ou não dos res ult ado s
olh a dec orr e, por um lad o, das
ma nif est ada s ou não , dos arti nec ess ida des intr íns eca s,
sta s em sal a e, por out ro, de
nad o mo me nto , enf oqu es pre se del imi tar. ern um det erm i-
cis os de trab alh o. Isso não exc
res san te, de que , me sm o sen do lui o fato , que julg am os inte -
cad a um a elas me tod olo gia s trab
sos mu ito dis tint os, ela s não alh ada s fru to de pro ces -
são exc lud ent es, pod end o se
ple me nta r-se . Tam pou co exc enc ont rar , mis tur ar- se e com -
lui que , em bor a à esc uta dos
obj etiv os pre cis os, nor tes bem ate res . a pes qui sa tev e e tem
def inid os: ela não and ou à der
i va.

,I Prisão para a liberdade 1/


2

o
pri me iro pas so par a urn a ela bor
açã o vis and o a téc nic as de rep
tro duz ir, no âm bito do trab alh res ent açã o era in-
o do ato r. o esp aço no qua l ele
me nto que , alé m de trab alh ar se trab alh ass e. Um trei na-
o asp ect o físi co e me cân ico , trab
so int eri or do ato r e, sob ret udo alh ass e tam bém o uni ver -
, os can ais de com uni caç ão ent
sist em átic a e dis cip lin ada . re ele s. Isso de ma nei ra

Ao int rod uzi r a prá tica do trei


nam ent o, tro uxe mo s jun to doi
tos: a 'dis cip lina e a cot idi ani dad s imp ort ant es ele me n-
e sist em átic a. No ent ant o, ~ pre
ato r est ar viv o e pre sen te fisi cam cis a par ticu lar ida de de o
ent e dia nte de seu s esp ect ado res
arte aco nte ce, o fato de ele ser no mo me nto em que sua
" o arti sta e o mo del o". COI UO
s .d. , p . 161 ), "ao m esm o te m p diz ia Sta nis lav ski (To por kov,
o esc ulto r e est átu a" (De cro ux,
arte dep end en te de sua p r ese nça 1963, p . 30), o que tor na su a
físi ca irr adi and o ene rgi as. vib
urn a ma nei ra dif ere nci ada , acr raç ões v iva s e hum ana s d e
esc ent am um con jun to de ou tr
os ele me nto s par ticu lare s .
Um atle ta evi den tem ent e tam
b ém dev e est ar v ivo e pre sen
d o sua s ene rgi as de ma ne ira te fisi cam e nte , irra dia n-
d ifer enc iad a, ern nad a c oti d ian
cisa se mo stra r hum ana me n te. a . No ent ant o, el e n ã o pre -
Su a hum an ida d e, alé m d e est
gid a" , qu an do ext ra vas a, não ar, por aSSil11 diz er, " p ro te-
vis a à co mu riic a ção art ísti ca
mo s um h orn .em fort e e mu scu com seu s o bse rva do res . Ve-
los o que le v ant a pes os, não en
fr a q u e z as, deb ilid ade s; vu ln er tr am os em co n t ato C0111 suas
ab ili d a d es; com suas ene rgi as
ti sta . ess e con t a t o nã o só é imp hum ana s . Já n o cas o do ar-
o rt an t e co mo de ve ser dil ata do,
cr ia ção artí stic a p e de ess a abe am p liad o e pro jeta d o. A
rtu ra e d is p oni bili d a d e . " N ão
fo r ça. do faz er, elev em os a ti n p o d em os m ost rar so m e n te a
gir a v uln era b il id. a de d o se r-em
É o aile ia do co raçiio, o II tie ta -vi ela " (Ba r ba, 1989, p. 32 ).
nf et iuo d e Art aud (19'78; p . 125
po d e; po rta n to; n e gli g enc iar ) . O tr ei n arn en to d o a to r nã o
u m tra b alh o q ue per m ita o co
ao con trár io; abr ir os ca n ai s n ta.to co r po -pe sso a. Ele dev e,
par a es sa co m uni caç âo . pe n
nit ind o o d ese n \101 vim en to da

63
Luts OTÁ VIO BUR N1E R

dam ent al
ar e art icu lar de seu cor po. Tra bal har ess a pol ari dad e é fun
pes soa e O mo del l par a sua arte .
me nto ten ha sen tid o e seja úti
par a o ato r e par a que o tre ina
os com pon ent es de
out ros term os, a fun ção do tre ina me nto do ato r é trab alh ar
Em ca. Ele tra bal ha seu s com -
arte , cuj a me nor par tícu la viv a, com o vim os, é a açã o físi
sua cul açã o coe ren te des ses
da org ani cid ade int eri or na arti
pon ent es con stit utiv os, a bus ca bus ca da pre -
com o ma nei ras de din am iza r sua s ene rgi as pot enc iais , a
ele me nto s, ass im o do con jun to
açã o de cad a ele me nto com pon ent e da açã o e da arti cul açã
cisã o na arti cul
.
con tato com seu s esp ect ado res
del es, de ma nei ra que ent re em
s tipos de trei nam ent o
env olv em os bas ica me nte os doi
Ten do em vis ta ess es fato res , des "té c-
e o técn ico, ten do cla ro que o tre ina me nto ene rgé tico é tam bém
já cita dos : o ene rgé tico vis am sim -
nto o técn ico é tam bém "en erg étic o", e que ess as term ino log ias
nic o", tan to qua alh o do ato r.
e dif ere nci ar doi s mé tod os dif ere nte s de abo rda gem do trab
ple sm ent
a uni ão des sas dua s
mo me nto , que é com o se fos se
Exi ste, ent reta nto , um terc eiro rgi as pri -
nam ent o ene rgé tico , com o vim os, vis a a um a lim pez a de ene
me tod olo gia s . O trei se enc ont ram
iza ndo e per mit ind o o flu ir de ene rgi as ma is pro fun das que
me iras , din am des enh ar e del ine ar
pot enc ial no ind ivíd uo. Já o técn ico vis a ao apr end iza do do
em est ado a um con jun to de açõ es
es no esp aço e no tem po. O ene rgé tico din am iza e traz à ton
das açõ nto , que não é na seq üên cia
pro fun da. Nu m seg und o mo me
cuj a rela ção com o ind iví duo é nto , dom ínio e
ham os ess as açõ es no con tex to téc nic o, ou seja , o con hec ime
ime dia ta, tra bal que se bus ca ma n-
ent o de sua s linh as, de seu s des enh os, ao me sm o tem po em
apr imo ram , ou seja , o flux o de vida .
ami zad as as ene rgi as pot enc iais ativ ada s no trei no ene rgé tico
ter din Ma is adi ant e ver em os com
o cha me i de trei nam ent o pessoal.
A ess e ".novo'" tipo de trei nam ent
aliz ou par a nós ess e pro ces so.
ma is det alh es com o se ope rac ion
s: um a pessoal, que
rda gem téc nic a do tre ina me nto oco rre, ent ão, de dua s for ma
A abo iza ção de ene rgi as po-
pon de à "te cni fica ção " de pro ces sos pes soa is rela tivo s à din am
cor res bor ada s e cod ific ada s, um
iza do téc nic o de téc nic as já ela
ten cia is; e out ra que é o apr end abo rda gem
vem imp ost o de for a. A imp ort ânc ia des se seg und o tipo de
apr end iza do que imi laç ão prá tica de
trab alh o do ato r está , sob ret udo e ant es de ma is nad a, na ass
téc nic a do po, na apr een são no corpo
ras pre cis as e obj etiv as de des enh ar, mo del ar e arti cul ar o cor
ma nei
do cor po cên ico .
de cer tos pri ncí pio s, leis , de uso
tiu ao cria r a
ca des ses pri ncí pio s úte is rec orr ent es que Eug eni o Bar ba par
Foi em bus est rut ura das bus -
tea tral . O trei nam ent o vis and o a um apr end iza do de técn icas
ant rop olo gia pio s de ma nei ra prá tica ,
nos sas pes qui sas esp ecí fica s, a inc orp ora ção des ses pri ncí
ca, em pos so diz er por exp eriê nci a
ea, não rac ion al. No cas o esp ecí fico do trab alh o do ate r,
cor pór ao que par e-
ens ão rac ion al que o lev a a um a qua lid ade pro fiss ion al, e,
que não é a com pre das vez es con tra
ski pen sav a a me sm a coi sa: "St ani sla vsk i nos adv erti a reit era
ce, Sta nis lav disc uss ão [ ... ] 'se eu
gem fria e inte lec tua l da cria tivi dad e . Ele nos ped ia ação, não
a abo rda intu içã o; dis cus são vem da
ent e. Aç ão vem da von tad e, da
que ro atu ar, eu atu o cor por eam Lem bro -me
' '' , diz ia ele, seg und o To por kov (s.d ., p. 159, grif o nos so) .
me nte , da cab eça of Th eat er
ato r de tea tro kyo gen , Ko suk e, na ISTA (In ter nat ion al Sch ool
do rel ato do de kyo gen aos 4 ano s
log y) de Blo is em 198 5 . Ko suk e, que inic iou seu s est udo s
An thr opo que des ign a a pre sen ça do
ida de, nun ca hav ia ouv ido fala r de kos hi (ter mo jap onê s
de

64
ator ): um dia; aos 18 anos; seu avô; seu " m es tr e"; v en d o seu trabalho; deu um sobressal-
to e gritou: "Ah , isto é koshi ". Kosuke apreendeu antes em seu corpo para depois ficar
sabendo do que se tratava . A compreensão racional do fazer artístico muitas vezes não
nos leva senão a universos limitados. A compreensão perceptiva; corpórea; holística, abre
campos ilimitados ou antes nunca imaginados. Para um ator, co n h e cer racionalmente e
trabalhar a partir dessa compreensão racional princípios ou elementos técnicos como o
spasme, o princípio da oposição; o da contradição; o impulso; o contra-impulso, o elan,
de pouco servirão. O que de fato lhe será de grande valia é apreender no corpo.
Primeiramente, nossas pesquisas buscam urna elaboração técnica e não a transmis-
s ão de técnicas. Neste contexto específico; a apreensão prática de tais princípios é impor-
tante. No processo de elaboração; a técnica que vai se delineando deve desenvolver e/ ou
conter no seu bojo tais princípios. Como nos dizia Decroux, " as artes não se assemelham
em suas obras; mas em seus princ ípios". É evidente que; assim que a técnica comece a to-
mar corpo e se aprimorar; ela começa a poder sair do contexto laboratorial e ser transmiti-
da. Embora já estejamos realizando experiências para transmissão de tais técnicas; buscando
metodologias que permitam um processo de transmissão condizente com o que é inerente
à própria técnica em elaboração, com o que lhe dá "vida" . o que nos interessou nestes pri-
meiros dez anos de experimentações foi a própria possibilidade de uma elaboração técnica
que trabalhasse a polaridade vida-forma .
O importante não era aprender técnicas estrangeiras; mas assimilar por meio delas
seus princípios. Importantes eram a experiência prática; as sensações corpóreo-muscula-
res impressas no corpo, as dores físicas decorrentes do "rasgar do corpo" de um determi-
nado exercício. O ator ia adquirindo uma nova cultura corpóreo-artística. Essas sensações
corp ór e a s; assimiladas; constituíam um arcabouço de memórias corpóreo-musculares que
nos interessavam. Eram essas sensações que podiam ser transferidas para outro contexto;
o de urna elaboração técnica.
Quando usamos a palavra técnica, referimos-nos às técni cas estruturadas e codif icadas.
É evi d en t e; n o entanto, que o termo técnica corresponde a um kn oio-houi, a urn conhecimen -
to p r á tico d e m anuseio d e determinados ins trumento s; a u m fazer. Seu conceito é, port an-
to, m u i t o a rn pl o . Ne sse s entido , a j á cit ad a dis tinç ã o feita por Barba entre técnica de
inc u l t u raçdo e iecnica de ncuitu ruç ão é extremamente in tere ssante. Barba ten ta v a d is tinguir o
tr ab a lh o fei to p or Stanislavski d o trab alho com as t écnica s codificadas:

No caminho da e s p o n tan e id a d e! ou técni ca de incuitura çiio, Stanislavski deu o m ai o r


s u por te me to d ol óg ico Ele se co ns ti tui num pro cedimento m ental que vivifica a natur e z a
in cu l tur a d a d o atar. P o r meio d.o se nuigico, d e um a co d if ica ção menta l. o a ta r a ltera se u
co m p or ta m en to co tid i an o, su a ma n eira hab i tu al cie s er e m.aterial iz a o p e rso n a g e m . É
ram b érn o ob je tivo d o dist a nc iam e n to ou d o gesto s oc ial d e Br echt . El e sempre se ref er e
a u m a tor que, n o S(-;: u proce sso ele tr ab alho , mod ela se u co m p ortame n to n a tural e

co ti d i a no num comp o r tamento cé n ic o extra-cotidiano com evid en cia s ou s uo -texto s


so ci a is . [....1
Luis OTÁVIO BURl'ilER

A técnica de aculturação torna artificial (ou estiliza como se diz habitualmente) o compor-
tamento do atar-bailarino, mas produz ao mesmo tempo uma outra qualidade de energia.
Todos já fizemos esta experiência ao ver um atar clássico hindu ou japonês, um bailarino
moderno ou um mímico. É fascinante ver até que ponto eles puderam modificar seu natural
transformando-o em leveza corno no balé clássico, ou no vigor de uma árvore como na
dança moderna. A técnica de aculturação é a distorção da aparência para recriá-la
sensorialmente mais real, mais fresca , mais surpreendente (Barba, 1991, p . 189).

Para entender" técnica estruturada e codificada ", tornemos os sentido de


codificação. "Codificação significa formalização, forma precisa que deve ser respeitada,
padrão preestabelecido que deve se repetir" (Barba, 1989, p. 30). Poderíamos viajar pelo
Oriente para tentar esclarecer e exemplificar esse c0!1ceito . Lá, a maioria das formas
artísticas performáticas é estruturada, codificada e inserida em sistemas coesos de re-
gras. Existe para cada forma artística urna técnica precisa de uso do corpo e da voz. No
entanto, não é necessária tal viagem. Etienne Decroux, "talvez o único mestre europeu
que tenha codificado uma técnica em um sistema coeso de regras equiparáveis às de uma
tradição oriental" (Barba, 1991, p. 8), edificou e estruturou gramaticalme:nte uma técni-
ca corpórea de representação que serve como parâmetro para esclarecermos o sentido pre-
ciso ao qual nos ·r efer im os quando usamos sinteticamente esse termo. O trabalho de
Decroux não deixa dúvidas sobre o sentido de técnica codificada. Ele, por si só, diferen-
ciou-a muito bem de uma metodologia ou de uma técnica "aberta".
Antes de avançarmos em nossC?s estudos, façamos um rápido apanhado sobre a' téc-
nica desenvolvida por Etienne Decroux.

A "mímica corporal" de Etienne Decroux, um exemplo de técnica


codificada
Decroux dividiu o corpo basicamente em dois elementos: coluna vertebral (o tronco),
e rosto e braços; e em três planos: frontal (profundidade), lateral (egipciano) e rotacional.
O tronco ele subdividiu em seis partes: cabeça, pes~oço, peito, cintura, bacia e pernas-peso.
Os braços, em mãos, braços e antebraços; e as pernas, em pés, pernas esticadas e flexionadas,
ou ainda em pés, joelhos e coxofemoral. Alguns outros elementos importantes: o fio de
prumo do corpo, o peso, o cóccix e o coxofemoral, os eixos conformes, contrários ou du-
plos, os movimentos-chave. Alguns conceitos importantes: o dinamoriimo, o raccourci, a con-
tradição, a confirmação e a afirmação, a resistência (o movimento que vai para um lado
querendo ir para outro, o germe da ação dramática, segundo ele), o spasme. Alguns princí-
pios: o de fazer sem olhar, olhar sem fazer", que a mão esquerda esqueça o que faz a mão
/I /I

direita", "primeiro o tronco, depois os braços e por fim o rosto", entre outros. Podemos
. considerar a estrutura gramatical de sua técnica da seguinte forma: 1) exercícios ginásticas
(simples ou complexos); 2) exercícios de expressão (complexos); 3) formas de expressão
(figuras de estilo): 4) quadros de mímica (vide quadro adiante) .

66
A ARTE DE A Ta R: DA TÉC NrCA A REPRE5E~'\iT_-\çAo

Tentemos rapidamente um apanhado com alguns exemplos sobre o significado des -


ses elementos acima enumerados, esclarecendo que não visamos realizar um estudo so-
bre a técnica de Decroux. Isto seria terna para um trabalho à parte. Esse apanhado visa
simplesmente ilustrar e esclarecer a técnica estruturada e codificada por Decroux.
Primeiramente, vejamos um princípio básico no trabalho de Decroux: a primazia
do tronco sobre o rosto e os braços. Decroux dizia:

Em nossa r:nímica corporal a hierarquia dos órgãos de express ão é a s egu in te: o co rp o em.
primeiro lugar, braços e mãos em seguida, enfim o rosto .
De onde vem minha preferência pelo corpo?
Hei-la : os órgãos de expressão do corpo são grandes e aqueles do ros to sã o pequenos.
O corpo é pesado e os braços são leves (Decroux, 1963 , p . 89).

Em suas palestras, Decroux ilustrava sua escolha com o seguinte exemplo: "s e eu pedir
a um atar que me expresse alegria ele me fará assim [ele fazia urna grande máscara de ale-
gria com o rosto], mas se eu cobrir o seu rosto com um pano, ou com urna máscara neutra,
amarrar seus braços para trás e lhe pedir que me expresse agora a alegria, ele precisará de
an os de estudoltPara Decroux o tronco, por ser a grande massa do corpo, deveria ser o
seu centro de expressão, e não as "terminações periféricas" corno o rosto ou braços . É as-
.sim que ele começa a estudar esse centro de expressão. Começa por lutar contra o " m ovi-
menta natural" da coluna, o de ondulação, fragmentando-a em partes. D izia Decroux que
essa ondulação não lhe interessava por ser muito fácil, preguiçosa. Por ser natural, seguia
a lei das ações cotidianas: o menor esf or ço para o m ai or efeito. E, segu n do ele , um a d as
mais importantes leis da arte era justamente a do "maior esforço para o menor efeito".

67
LUÍs OTAvIO BL'RNIER

I Exercícios ginásticas I
I I

Simples Complexos
- Anelados progressivos e regressivos - Ondulações progressivas e regressivas
- Os blocos - Os restabelecimentos
- Desenhos simples, duplos e triplos - Os pivots
desenhos - Afirmação, confirmação, contradição
- Movimentos-chave - Anelados em duplo e triplo desenho
- Cheval de cirque - Olhos
- Mãos
- Braços

Exercícios complexos de expressão


- Estatuárias móveis - Fazer sem olhar / olhar sem fazer
- Belle courbe - O raccourci
- Os contrapesos: - Os dinamoritmos
puxar - As causalidades motoras
empurrar - Os andares
queda sobre a cabeça - Sentares

Figuras de estilo
- Figura 1 - L 'amoureu x
- As reverências - Empurrando água
- So long, good bye - O beijo
- La priêre - O mosqueteiro
- Le verre - Le corsage
- Oferenda a Deus entre outros ...

Quadros de mímica

68
A A RT E DE AT C R: DA TEC"iC.-\ A REPRE5L',T-\Ç.l.O

E tienne De cr oux. Foto : Christi an Schrno cker

·' c./
o
...... ... . .... ..- _ .:-.....•-. ~ .- - .
. .~

LUÍs OTAvIO BURNIER

Decroux dividiu a coluna vertebral, que ele chamou de tronco, em partes e traba-·'
lhou a independência e autonomia do movimento de cada parte, que ele denominou ór-
gãos de expressão, que são. . cabeça, pescoço, peito, cintura, bacia e pernas-peso:

rê r e
u

.P o i r r i n e

ce i n t u r e

ba cin
----+--:-+-----''r+-

poids- jnmbe s

Desenho: Luís Otávio Burnier

Cada parte pode se movimentar em três planos distintos: lateral, profundidade e rotação:
n

Desenho : Luís Otávio Burnier

70
Corriparando-o aos anéis de um inseto. qu e, 2 0 mover -s e, co lo ca seus anéis, um após
o outro, ern movimento, D ecr ou x crio u urn conj unto et2 exercícios gi n ás ti cos básicos qu e
chamou d e an nelées (anel ados). Neste exercício deve-s e inclinar cada p arte d o corpo, cad a
órgão de ex pressão, UJ1!. a pós o outro, n a mesma d~reção. Dessa forma. ternos uma i n clin a-
ção lateral péira a direita ou para a esqu erda, em qLH; p rim eiro se inclina a cabeça, de-
pois o pescoço, o peito e assim a té o peso :

4 -PO ITR INE ·

5-[EINTURE

2-TETE 6-BACIN

1- Z ER O 7- POI OS- j /U~ 8 E S

Incl inação la ter a l: Dese nho e a t u a ção : Lu ís Otávio Bu r n ie r. Fotos : Pe dro j im eri e z

71
. " ' '.i~, .'.
, "Luís OTÁVIO BUl~NU;'r< , " "

o m esmo pode -ser feito em profundid ade c em rotação:

5- ( El 'r·1 TURE
3- COU

2-TETE

i-P OlOS -J AM BE~


, 1-Z ER O
Inclinação frontal. Desenho e atuação : Luís Otávio Burnier. Fotos: Pedro Jimenez

72
3- [O U 4- PO!T RI NE

-- ,
I
v
- . ,"=;o':.

\-
/
I

2 --TETE 5 -[E1NTURE

\-
\ II
/
;
I

I
í
l
\
\
\
-I - ZE R O
/~. .
s- B A CI r'i
<,,--~:)

Inclinação p ar a tr ás . Desenho e at uação: Luís Otávio Burnier. Fo tos : Ped ro Jimen ez

/~.:)
•• o

LUÍs OTÁVIO BüRNliiR .

4-POITRINE

, O

3-COU .
5- .CEfNTUR ~

2-TETE
6- BAC I NY

7-JAM ·BES
o Rotação. Desenho e atuação: Luís Otávio Burnier. Fotos: Pedro Jirnenez

Como a bacia t~:rrí. doi~' pontos de apoio, um sobre cada perna, os coxofemorais, é
necessário definir se a inclinação lateral resulta de levantar de um dos eixos, de descer o
-outro ou de um pouco de cada um. Decroux definiu a inclinação lateral da bacia. O eixo
conforme, ou seja, o eixo fixo, · é o que está do mesmo lado para o qual a inclinação está
sendo feita (ele é, portanto, conforme a inclinação); o eixo contrário é o que está do lado
contrário à inclinação; o eixo central, o que ele charnav a de double bucin (bacia dupla),
por ser resultado do movimento dos dois eixos anteriores.

74
Es tes pod em tamb ém ser el o tipo progressivo, ele cima para baix o, corno os mos tra-
d os a cima, ou d o ti p o regress ivo, d e baix o pélr ~ cim a :

4- CE1NT URE

3 BACIN 5 POITRINE

2--> 0 U'l ! T V U R E! FFEC' - 6-COU

-;- Z E RO 7- TE TE
Inclinação later al r egress iva . De senh o e at uaç ão : Lu ís O táv io Bu rn ier. Fo tos : Pe d ro [irne rie z

As d ifi cu ld ad es mais ele men tares d estes exercícios são : a) o m ov imen to aut ônorno
d o p es co ço e d a ci ntura; b) o qu e Decrou x chamo u de tran sport de t'orgune ainsi dessin e
(trans po r te d o órg ão assim desen h ad o ): qu and o, po r exe mp lo ! Dl0 ven10S o p eit o! é 'co-
m u rn o p esc oço e/ ou a ca beça (q ue j á fa zem p ar te d o dese nho) p er d cre rn s u as incl ina-
.ções . P ar a a execu ção do exercício! esta perd a n atur al da inclin aç ão elas partes já. d es e-
LUÍs O Tf .VIO B U RNI ER

n h ad as é i n adrrriss fv el: c)t~rn1inar por completo u m a inclinação ant es de permitir que a


p r óxim a parte do corp o comece a sua vez.

. -.,....

Inclinação da cabeça, pescoço e peito para a direita; inclinação da cintura para a esquerda transportando as
. partes superiores tal qual desenhadas. Desenho: Luís Otávio Burnier .

Uma determinada parte do corpo pode se moverem cada um dos três planos, ou
simultaneamente em dois ou nos três . É o que Decroux chamou àedesenho simples, duplo
desenho ou triplo desenho. Vejamos um exemplo dessas possibilidades com a cabeça (ten-
do claro que ele pode ser feito com cada urna das partes, dos órgãos de expressão):

76
(C, O, A"I ) ( G,G; Ar)
\ " i '
-- -~- - - ~\_- {-- ---- -.~-- - - - -\ - --/- -

') .;

( O, O )
! A

-- ~ - - I - - - --- ----- -1-

rot Qt i on d 10 i te z. e r o r o t o ti o nn quuch e

---~-- /--
'Q

- - - - --

i n cl inn i s o n 'le i S i n c l i nu iso n v e r s


lá. v 7n t e t 'u g Q U [ h ~
- -
/
-f- - -
lu v o n t 2r 'G\d,oite
- - - ~ - -,- ;
- - -
'\
-

( O,G, A ·! j (G , O ', 'A v)

C I u, ~. i~ ) ( G ,C, ~\ : )

Ator: Luí s Ot áv io Burn ie r. Fo tos : Pe dr o Iim ene z


Luts O TÁVIO BURNíER

U Dltipo d e exerc ício ginásti co já. lTIéÚS comple xo, além dos analisados b i ou tri -
dimensionais, são as ondulações. Decroux recriou a ondulação da coluna, mas de forma
muito distinta da natu ral. Primeiramente, ele trabalhou com a sequ ência de c~da parte
do corpo, urna depois da outra, o que ele chamou de ondulação corn b àse fixa. A ima-
gem'usada por ele era a de um trem qu.e percorr~ uIlla curva: cada vagão passa pela curva, .
um depois do outro . Depois ele trabalhou a ondulação compensada, na qual a base com-
pensa a inclinação da partes uperior.
Um exemplo de exercício de expressão são os contrapesos. Quando empu~ran10s ou
puxamos algo pesado, investimos o peso de nosso corpo contra o peso do objeto enlpur-
rado ou pux~do. Assim, fazemos um contra-peso ao peso do objeto. iOs .exer c ícios de
1/ 1/

contrapeso ' são muito úte~spara ilustrar a diferença entre a organicidadena vida e a .
organicidadena arte. Na vida, quando empurramos um objeto pesado,' a força é feita na
perna de trás, que empurra o objeto -(vi~ e .figura abaixo), ao passo que, na mímica, todo
o peso do corpo está na perna da frente, de apoio. A perna de trás, que 'n a mímica não
-tern pe,so, mima a força de empurrar:

d a n s lu vi e duns te mime

Desenho: Luís Otávio Burnier

Decroux codificou uma séri~ de contrapesos de tipos diferentes (empurrar ou pu-


xar por supressão do ponto de apoio, por queda sobre a cabeça... ). Abaixo, 'u m exemplo
de contr ap eso do tipo " p u x a-(', da ca teg or ia " e x ten s or es de força" : .

78
5 -\ .

4
6

J
-'
.....-
poids
c on tre-
' p oi ds \
.-..-

8.
2

! J

I
1 .: . I

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l J. /

dt ,l "
....~ -
. »: "
.....'
, ... .' 9

Con trap es o do tip o " ex ten so r de força ". Desenh o e atua ção:
Lu ís O tá vio Burnier. · Fotos : Pedro ]imenez

Qu ant o às for mas de expressão! D ecrou x co d i fi cou. uma série


eno nne do que ele
chamo u de f igure s de style :- As figura s de estilo são verda deiros
quadr os d e pintur a . D e
cu r ta d ura çâ o . esses quadr os trabal h am p equen os tentas :
a oração! o N arciso! sau. daçiio,
50 long, good bve, sa udação ii rain hn, a ojercn
âa, e assi m por diante . A segui r! par a qu e
s e tenh a urn a idéi a: a oração :

i .
Luis OTÁViO BUI<NIER

1. 2. .3. . 4. .· 5.

;.

6. 9. 10.

1.1 . : 12. ·13.

19. 20.

21 . 22. -23. ·· 2 4;:.'·: _ 25.

26. 27 . 28. - 29 :-·

Ator: Luís Otávio Burnier. Fotos : Pedro [irnenez

80
A l ém dess es exercicios, De cr o ux codificou U 1)12. s ér ie de and ar es , de exe r c ício s de
b r aço, posições bási ca s p ara o braço fi asmã os, e mu itos o u tr os elementos cuja sim ples
enumer ação s eri a exau s tiv a . Che gou ao requinte de cod ifi car as " d in âm icas d e ritm o ", o
di namoritmo, e as causalidad es motoras, qUE: são, como v imos, a musicalidad e e a densi -
d ad e d o movimen to . d as açõ c s.
o inte re s sante, n a sistemá ti ca d e D ecroux, é que e le p artiu d e elementos sim pl es e
poucos : a fr agmen ta çãoda coluna v er teb r al em seis partes e em três planos , Desses pou-
cos "vo c áb u los". D ec r ou x co n s tr u iu toda U111a língu a, C0111 re gras g r a m a ticais " preci - J1

s as e sis tem atizadas . A compara ção en tre a técnica d e D ecrou x e as línguas naturais ou
o código genético é inevitável. En1 nosso código genético, tamb ém tem os U111 número finito
. e limitado de códigos iniciais (os nu cleotideosí, com urna combinação infinita de possibi-
lidades resu l tando em urn a qu antidad e infinita de textos .

-
Corno vemos, urna técnica corpórea estruturada e codificada significa alg~ bem pre.:
ciso, com códigos elaborados, com um sistema coeso de regras e uma estrlftura equiparável
à estrutura gramatical d e uma língua natural. Como no caso de Decroux (mas também '
do balé clássico, da opera de Pequim, do kathakqli/ .do nô, do kyogen/~o kabuqui, das dan-
1 ças balinesas e tailandesas/ enfim, de diversas outras formas perforrnaticas elo Oriente),
uma técnica significa urn a estrutura que vai desde os exercícios ginásticas' até as formas
de expressão.
Trabalhar com um s is t ern a de técnica estruturada acarreta consideráveis mudan-
ças no mo do de fa z er e de pens ar a ar te de a tor. Todo o processo de apren di zado é/ por
s! só , diferenciado. Os psicologismos/ as emoções/ a express ão da pessoa tornam dimen-
s ões distintas: "O dom íni o da emoção? Quando o ator afronta a empreitada de se e xp ri-
mir segundo as linhas de uma escrupulosa-geometria, arris cando seu"equilíbrio, sentin-
do na sua pele, e isto dito sem sentido metaf órico, ele está ob r ig a do a reter sua emoção,
a se compor tar como ar tis ta; artista do desen ho " (D ecro u x, 1963;. p . 23) .
N a busc a de edificar u rria té cnica de r ep r esentação p a r a o a tol', m inha ma io r difi-
c uld a d e fo i a de não cr ia r for.m as es tereo tipad as de co m portamento. luas, ao con tr ár io,
procurar as formas result an tes de p r o cess os interi or es profund os e significa tiv os . Ex is tiam
dois ris cos s érios : u m p rim eiro de cri ar p ura fo rm a, e u m s egundo ele rue p erd er no uni-
v erso interior d o ata r sem co n seg u ir u rna ar ti cu la ção opera tiv a des se process o ca p az d e
delinea r ele m en tos técni cos e objetivos . O un iv er s o das emo ções nã o podia ser negad o,
mas t a m pou co eu podia p ermiti r q ue o a tar se p erdess e na ilusão de p le ni tu d e qu e ele
ocasio na . Vo ltemos a St arrislavski : "Não Dle falem d e sentimen tos. Não p od em os fi xar
os sen time n tos . s ó p o de m os fix ar as ações físi cas . [. ..]. Não p ens enl n o caráter, na ex-
l
pe r iência e rn o c io n al. [ . .. ] . Não p o d e mo s con fiar m er arn en t e e rn n os s a ' presenç a no
p alc o; d e v emo s tr ab al h ar n OS5é1 a rt E' /nos s él fa la, nossa at uac âo " (To p o rko v. s .d .ip. 16Cl ,
126 e 196)
T o p o r k o \ ' ,

' . .
e
a t o r :~I! u e tr.tb
l ti 'C' .' ~ o e r i é nc i a. 3
a l h o Li c o r n u i l o u

1
e s t a s ú n i a - .

.t
d e S t a n i s l a v s k i .

a.cr e s ce n ta: " A im por t àn cia da transferênci a da ate n ç ão d o a to r ela. b us ca p el os se nti-


LUÍs OTÁVIO BUI-:.NJER

men tes no' interior d e s i m esmo, para o cump r im en to de tarefas do palco as quais ativ a-
m err te i nflu e n ciarn se u s c o le g as, é uma das maiores descob ertas de Stanislavski"
(Toporko v, s .d ., p. 58) .
O p ro cesso de elaboração técnica é longo, laborioso e demo rado . A edificação e
estr utu r a ção de uma técnica é um projeto q~e, se v iável, não se limita a alguns anos, mas
a urn a vida inteira. Evidentemente eu não cheguei (e nem sei se um d ia chegarei) a um'
tal ponto de elaboração equiparáve~ ao de Decroux. Nisto consistem sua genialidade e
grande obra. No entanto, ter isto como meta e acreditar nela é fundamental.
Decroux não se ocupou dos valores interiores. Ele dizia claramente que se interes-
sava pela arte, e a arte, segundo ele, tem a ver com o belo. Talvez fosse necessário conhe-
cei Decroux para entender o porquê desta colocação. Ele foi um homem extremamente
explosivo . De um calor humano incrível, de um rigor ainda maior e de uma impulsividade
assustadora . Poderia contar uma série de anedotas que vivenciei com ele. O importante,
no entanto, é entendermos que ele foi um, homem de um calor borbulhante por dentro. '
A impressão' que se tinha é que ele era habitado por uma fera selvagem, um "leão". Como
ele possuía naturalmente esse "leão" ativo dentro de si. isua técnica' não precisava acordá-
..10, ma? domá-lo.
Muitas vezes, par§! fugir do estereótipo -d e que uma técnica {algo puramente frio é ,
controlado, uso uma analogia para a técnica de ator: ela é equiparáy~l à de um doma'- . '
dor. Um domador leva em uma mão uma cadeira e, na outra, um chicote. A cadeira serve "
p ara atiçar, acordar a fera: o chicote, para controlá-Ia, domá...:la: Sé a fera ficar dormin- '
do, passiva" o domador não terá o que fazer, mas, se ela se descontrolar, é o domador
que deixará de existir para a ação. A arte do domador está entre .os dois extremos, .tan to
quaIÍ..t~ a nossa:dev~ 'a cor d ar para contrblar. . ". . . ·v
Em seguida, descreverei os processos de trabalho visando a esta elaboração técni-
ca. Nessa descrição tento deixar clara a dinâmica específica que' ~ada trabalho tomou na
tentativa de acordar e "controlar, de dinamizar um fluxo de energia potencial e fixá-lo, ar-
.ti culan d oa maneira corno esse fluxo se opera~ionalizou no corpo por meio das ações .
físicas.

82
Notas
No capítulo referente ao estudo do cloum, esclarecerei melhor as diferenças entre o clown e o palhaço.
Título dado pelo atar Carlos Simioni para artigo sobre este trabalho publicado na revista Trilhas, do Instituto
de Artes da Universidade Estadual de Campinas, n Q 11 ano L
Capítulo 3

A .TÉCNICA PESSOAL:
OS PRIMÓRDIOS DA DANÇA PESSOAL

Le tr av ai1d e I' ac teur consis te à en cher ch er .


E nEN NE D EC RO UX

É sempre útil lembrar o primeiro dia de trabalho. Ele é como a sua impressão digital.
Carlos Simioni, jovem atar curitibano, com uma formação teatral "tradicional", colocou se .
diante de mim vestido com um pequeno calção preto com listras brancas nas laterais e.uma
camise ta branca . Seu olhar era interro gativo, corno i m agino deva ser o de .u rn pupilo diante
d e seu mestre (n ã o q1..1e el e foss e um pupilo . ou eu UIU mes tre ). "O qu e fa ço ?" j p erguntou
me a p ós u m cu r to período d e temp o . Olhei-o . S ua dis p on ib ili d a d e e confianç a eram s u r-
preen d en tes . "Não s ei. F aça!", resp ondi . Desn orteado pela min h a res p o s ta, C arlos move u-
se. aqu ece u-sef estirou-se. p r oc urou p ro cu r ou , p r ocurou camin hos, o q u e faz er.. Aos p ou-
l

cos fui co m pree n d end o qu e n ão se tratava ele o que fa zer, 111as d e comofaz er. D iz ia -Ih e . Yf a ça
qualquer cois a, mas faça . Deixe-s e lev ar p el as s ens açõ es d e seu p ró p r io corpo, permita q u e
ele o guie, o condu z a. N ã o pense, [aça " ,
Os m es es qu e se segu iram foram muito d ifí cei s para n ós . Eu tinha um ator cuja d is -
ponibilidade em s e d ei x ar fazer era extremament e g enerosa . Is so , p or si Só/ determinava
U111C1 cer ta qu ali d ade em seu tr ab alho. P or m ai s qu e ele não soubesse o que fazer, el e es ta va
pleno, intei r o . d ia n te d e rnim . C arlos n ã o d u v id av a; ele simples m ente a cre d it av a e que-
ria . Era U111 a "p r ese nça em estado p u ro" . Ele es tava. física e m en ta lme nt e a li : n a qu el e
m omento Não se trat av a" ainda.. de u rn a presença d il auui a, proje tada , pro fi ssional" lu as
su a. .Lple ni tude no [ en11.J 0 e no es 1caco
.l .'
determinav a urn a. q ual ida de d ifere nciada d o seu estar
p r es ent e . Por o u tro lado: t: L! me rnan ti nh a f irme nas idéias inici ai s d este trab al h o : nã o
Luis O TÁVIO BUl<N! ER

en sin ar algo d e já sab id o. m as ir em busca do novo ou do esquecido . Algo que riem eu


n em ele sab íamos o que era, como era, e muit o menos como se articulava, mas sab íam os
. ali de alguma forrna.
A generosidade de Carlos conduziu o trabalho. Constatava a cada dia qüe ela era
um importante componente para o trabalho do atar. O fato de o atar se expor fisicam en-
te diante dos espectadores no momento em que sua arte acontece determina alguns fato-
res que passam a lhe ser específicos. Nem sempre esses fatores são vis íveis a olho nu, ou
seja, somente um olhar atento, experiente e treinado consegue ver o que é perceptível.
porérnnãornuito visível. Dentre esses, fatores encontra-se a maneira como o ator está
presente no que ele faz, sua entrega plena ao próprio trabalho, à própria arte . A genero-
sidade determina a dispo.nibilidade, que acarreta urna abertura e entrega. Essa abertura
eentrega são como cariais de comunicação que ' tendem ~ fazer fluir informaçõesque
navegam entre o corpo e a pessoa. Embora inseparáveis, existem várias práticas corpóreas
(despertes. p. ex.) ou mentais (meditação...) que privilegiam um ou outro aspecto de nosso
ser. Não vem ao caso, aqui, quão tais práticas possam ou não ser desenvolvidas de ma-
neira mais ou menos "correta". O que nos importa é que sua existência, reconh.ecida e
aceita na cultura ocidental (a educaçãoesportiva, ou o catolicismo, para ficarmos nestes
exemplos), determina fissuras, rupturas, ou ainda ruídos nos canais de comunicação
corpo-pessoa . O que era uno apresenta-se dividido em dois. Era importante lutarmos
contra esta cultura e restabelecermos a unidade primitiva.

Antes, um passo atrâs :


Carl os já havia trabalhado comigo num curso irtterisi vo que:ministr ei n a Es co la d as
Artes de Laranjeiras (CAL), no Rio de Janeiro, e posteriormente, quando' fui a Cu~i tiba, a
seu convite, para dirigir uma peçade .teatr o do absurdo escrita por um membro de seu
grupo. Na primeira ocasião, Carlos vivenciou a experiência do treinamento energético. Che-
gamos a realizar, no final desse cur,so, uma sessão de trabalho .con tín u o de 24 horas na 'A ld eia
···.. de Arcozelo. Nasegunda, o 'treinam en to energético voltou a ser a tónica, mas com umaim-:
portante diferença: tínhamos um objetivo preciso: a montagem de uma peça. Embora o texto
da peça nãofosse extraordinário, sua linguagem era do absurdo, o que meabriu ?l possibi-
lidade de trabalhar numa linha clownesca com os atores e sobretudo com Carlos (protago-
i
nista da -p e ça ). .
- - ..
i
Essas experiências foram importantes como ante-sala do trabalho que mais tarde Carlos ,I
veio a desenvolver comigo em Campinas. Quando começamos, ele já havia vivenciado o i
i
[
treinamento energético e uma ríl.ontagem teatral a partir de uma sistem ática não interpretativa i
d e representação . A exp~riênci.a d g,.llexpurgar" as energiás primeiras e entrar em contato i

com fontes mais .p r ofu n d as,· dinamizando energias potenciais, por meio do t reinamen to
energético, as.sim como a busca de.um absurdo pessoal, foiintensamente vivida por ele..
Carlos veio a Campinas por curtos períodos de tempo antes de mudar-s e. Ele par-
ticipava das sessões de trabalho que eu dirigia na UNICAMP . Creio que posso elucidar a
im p or t ân cia desses primórdios a partir de duas anotações feitas em meus cadernos :

86
29 í 09 / 84 - Car los Sim ion i est á bastante fec ha do em si. P ~rg u..n to-n1e s e is to não é
resultado do trabalho feito e m Curitiba para êl rn on tagem da p eç a. Com o int uito d e
encontrar o abs u r d o d e ca d a p ers on ag em , orien tei os ata r es no s en tid o d e um enco n tro
com o p ró pri o ab .s urdo por m ei o d o delíri o sem barreiras. Um trab alho iridi vidu al d e
b usca pessoal.
27/11 /84 - O momen to d e "v azio" vi vencia do n o treinam ento ene rgé tico é d e gran de
importâ n cia. pois é a partir dele que se começa a con struir. A s ensação d esse " vazio" é .
total . ou seja} é COD10 ·s e el e n ã o fosse somente fís i co, devi d~ ao cansaço} m as 'físico e
menta l (Burni er, Ca de rno d e n ot as, 1984).

H avia, p ort anto, um certo ca min ho and ado. O que m u ito s anos mais ta r de resu l-
touem dois trab alh os 'd istin tos de Carlos: o de cloum e o da dança pessoal. A expe~iênCi a
do " vaz io" e a maneira como ela resulta em algo no treinamento energético foram muito
import antes p ar a a vivência posterior, mais profunda, d ess a mesma .s en s a ção de "va-
z io" .

Pensar-em-ação, pensar-em-mouimenio

Quando se está introduzindo um ator a um sistema de representação codificada e


sistem atiz ada, urna das alterações mais significativas no seu modo de faze r, se ele vem
de um sistema que trabalha a partir da interpretação, da identificação psíquica e emotiva
com o personagem, é seu modo de pensar. A sistemática trabalhada pelo ator para in ter-
pretar u m determinado' personagem da literatura dá, evidentemente, primazia ao es tu-
do d a "es tr u tura p síquica e emotiva" do personagem, ao estu10 de suas re ~ções no c o n~ . .
texto sociocultural no qual personagem e ação podem estar inseridos. O atar poderá,
então, int erpretar mais corretamente o personagem que por sua v ez é algo distante del e . .
Essa ab ordagem prioriza inevitavelmente a compreensão racional. A inteligência traba-
lhada é so bretudo a de d u tiva. Pe nsa-se em ca tego r ias d e conceito.

John Bla l<ing , n o se m in á r io "T ea tro. antropologi a} antropo logia teatral" do Cen ter for
P erfor rnan ce Research em Leichester, no ou to n o de 1988}fala de um pensamento que não
se fa z conceito. Antropólogo e etnorn úsico d e fama murrdial, explica co mo " p en s a" com
precisão de d et alh es o sis te ma circular mente-mão-pedra -me n te d e um homem " p rim i-
tivo" que está afiando um ped aço de sílex para fazer a ponta de uma arma. Descreve corno
" pensamen to" a a ção das mãos q u e faz em girar um p auzinho par a ac ender o fogo ou que
to cam um tambo r. Fala d o cor po que " pen s a" COTIl a dan ça . [. ..] Blacking concl ui
propond o a po larida d e ihin king ln motion-í hinking in concepts .
No s m e us an os de trabalho CO Il1 G ro towsk i, ele fal ava d a p o la ridad e uiisliju! th ill killg-
conc reie t/lin ,l.:ing. h;ishfu! th iilk iug ind ica um a fa se p a rti cul ar n o p r oces s o d e cri açã o
tea tr al: da r passe l i v r e à s visões q ue nos obsessioriam . son har de olhos abertos, cre r e
de ixar-s e sed u z ir p elél suges tã o exercida p elo tem a do e s p e t ácu lo . deixa r o mi ihos v en ce r.
Co ncret c tluil kiI L('S: pnJfa na r com u rn a an ál ise fri a o fa.sc íni o d o tern a. dis s e cá -l o com
";.' :0. ,,'
LuIs OTAvIO BURN!ER ,.::.>,:\ ','
'.

ce ticismo e espírito cáustico, t respassá-lo .co ln a nossa exp eri ência da r eal idade, não o qu e
~e s abe mas o que eu s ei .
O termo ':concreto" é d erivad o àe cum-crescere, crescer junto a rna~éria, isto é, d eixar-s e
rn u d ar (Barba, 1993, p. 135).

o modo de pensar analítico e dedutivo, que Blaking chama de th in king in conce pis, é
obviamente inseparável do homem . Mas, rio momento em que o 'ator come ça a trabalhar
sua arte, ele deve pensar sobretudo com seu corpo, com s~as ações. Se concebermos o ator
como um "fazedor de ações" (sem querer aqu~ definir o que é ser "ater"). então ele deve
antes de mais nada saber fazer. ações, dominar esse fazer a ponto de desenvolver uma ma-
neira particular, profissional, ~e pensar, o .p'~ ns ar- em- a ç ã o, ou o .pensar-em-movimento.·
.. . . ·Es tu d os ling üísticos e sernióticos sobre -a língua natural (por língua n.atural entende-se .
a língua mãe verbal) suspeitam que as diferentes línguas imprimem estruturas de raciocí-
nios diferentes nos homens. O ator, como artista, trabalha com técnica e Iinguagern. Ele é,
portanto, ao mesmo tempo filho e produtor de cultura. Corno dizia Brecht, "[ ...] o homem é
uma variável do me~s> e o meio uma: variável do homem" (1972, p . 598). Como produtor de
. c~ltura, ele usa de linguagens específicas. Para "usar" de uma língua com destreza, ele deve
dominá-la a ponto de'poder'pensar segundo sua estrutura de pensamento. Ora, a "língua"
doator são suas ações j fsica s e vocais, é sua técnica corpórea. É 'p or meio dela que ele v ai
"falar'tcom os espectadores . Ela é o instrumento de comunicação que lhe mais é próprio e
específico. O texto .literário dito por ele não é próprio à sua arte, mas à da Iiteratura. O texto
próprio à arte de ator, como vimos, é composto de suas ações físicas e vocais. Por isso sua
técnica corpórea constitui sua língua. Desenvolver, adquirir, embebedar se, mergulhar, en-
fim, ser mestre dessa "lín g u a corpórea", ou dessa técnica que vem:a constituir su a " s egun-
.d a natureza", cornoa chama Jacques Copeau (Copeau, 1988, p. 129), é pensar-em -mouimen-
to, ou pensar-em-ação , No meu entender, um ator só é Um ator de fato quando começa a pen-
sar-em-movimento. Esse é o ponto de partida que indica o início do domínio de sua arte.
A melhor maneira de se adquirir uma nova língua é afastar-se da anterior. A melhor
maneira para se aprender o inglês, por exernplo.ié ir viver na Inglaterra, ou seja, "abando-
nar" a língua mãe natural. Assim, o atar deve abandonar" sua "língua natural" para apren-
li

der-desenvolvendo sua língua de ator. Por "abandonar sua língua natural" entendo, no con-
texto específico deste trabalho, a busca de urn .outro "pensar", recuperar uma forma de
pensamento mais orgânica que ele possa ter tido quando criança. Em carta enviada a Natsu
N akajima, Tatsurni Híjikata, fundador do .butô, es.crev~: IIn ~ butoh, o pensamento cotidia-
no desaparece e o pensamento mais profundo vem à tona" (Tatsumi Hijikata, 1984).
A grande dificuldade que Carlos e eu tínhamos; no início, era decorrente do fato
de não estarmos substituindo u ma língua 'p o r outra di fe rent e. po rém igualm ente
estruturada, mas por uma que ainda não existia. Era a troca de uma língua por uma ainda
" n ão-lín g u a" . Essa era a sensação que tínhamos, mesmo sabendo que, ao cr iar (o u bus-
car criar) uma no va " lí n g u a " , não estávamos substituindo a primeira por um "n ada" ,
mas por algo que ainda não era. Partir de 'u m "sabido" p ara um profundo e estranho
vazio, um " n ã o sabido", ou' um " es q u ecid o".

88
Aos poucos nos dep a r ávam os C0111 urn a realidade cr ue l d e nossa escolha: pesquisar
bus cando o naval ou va sc u lhan do 111Uito antigo. signific a ter diante de si uma longa e
p rofunda escu ridão . A sensação de va zio vinha de termos de retirar algo para podermos
ter o espaço limpo para criar o novo, ou reencontrar o antigo. Re ti r áv arnos, ruas não
co lo cávamos, ain d a. nad a no lug ar. O 1l10111ento er a de li mp eza. Unta esp éc ie de p re -
pa ração d o ca n1p ol con co rn it a n tement e com o co n tato co rn urn a outra e s trut ura ele
p e ns arn en t o.

Lutando contra a cult ura


°
Ainda no início d este trabalho. deparamos-nos com confronto entre ~ " cu ltura an-
t ig a..trazida de outras experiências profissionais e de "ú m a formação teatral tradi cional,
e uma nova cultura profis siorial, ainda não sabida nem corihecid a, .m a s COD1 no vos
par âmetros, novos conceitos e sobretudo nova prática. O que um ator faria norrnalmen-
te se se visse em uma situação como a acima descrita de " lim p a r sem ter de imediato
com o que repor? Primeiramente, há de se considerar que ele dificilmente 'se encontraria
em tal situação. pois .a formação tradicional não ensina o ator a se confrontar com suas
dificuldades, mas a encontrar soluções "r áp id as e criativas". Um ator~. em tal situação,
/I

"normalmente" buscaria preencher esse vazio comalgo. A sensação de vazio é em si muito.


dolorosa; ela se confunde coma de "incompetência": expõe o ator a suas fragilidades e
à .incapacidade de encontrar rapidamente urna solução satisfatória para esta n o va situ -
ação. Não encontrar uma IIsoluçãolt para esse "v az io" é assinar um atestado de "inc e m-
petência". (No início de minhas experiências no Brasil, cheguei a trabalhar com sete ato-
res . Não resis tiram. A p roposta não lhes trazia aplausos, n em recon hecimento; riem se-
quer em sala de trabalho conseguiam realizar ou acariciar seus egos. Dos sete ficou um.)
Um atar que porventura se encontrasse diante de tal situação improvisaria algo sobre
alguma emoção já conhecida. Evidentemente, aqui temos alguns problemas sérios: a im-
provisação e as emoções.
O qu e é uma emoção? A palavra vern d o fr an cês ém ot ion, q ue por su a vez é formada
p el o model o de m oiion, d o Iatirn mot io-õnis (Etimo lógico Nov a Fronteira), e significa ato d e II

mo ve r" (Au rélio). Com o v em os, o p rópri o termo indica algo intrinsecamente din âmi co, em
movimento. algo que está em moção, em mutação. e é portanto m utá vel (con d ição p ara qu e
seja emoçiioy. N ão podemos fix á-Ia, lTIaS simplesmente senti-la. Se a emoção é algo que est á
em movimento dentro de nós, n ão podemos conduzi-la segundo nossa vontade. In as sim-
plesmente senti-la. deixá-la fluir, circular. movimen tar-se . Corno disse Cro towsk i ern San -
to Arc ârigelo, as emo ções são independentes da vo n tade" (Croro wski. 198 8). Le m b re-
/I

D10S que Stanislavski, n o final de sua vida, nega que os estados emocionais" d o ator em:
I I

ce na se jaD1 import antes m e to d o log icamen te para sua arte: lil En10ti on al stat es. VVh at is
th a t? I ne ver hearcl o f it" (Tc p or kov . s .d, p . 157 )1 respond eu ironi camente a u m ato r.
E le re força a impo rt ân ci a da s a ções físi cas e n ão das e rn o çôe s qu an d o di z:

N ão pe n se n o pe l." :3 0nag eITl n a. e xp er iên cia. emo ciona l Vo cê s ó tem uma série d e epis ódios;
l

ca d a um diferente d o o u tr o [...]. Des envolva sobret ud o o esqu 21Tlet de se u. co rn por tarnento


Luís O TÁ VIO BURN IEE

físico em cada episódio e una-os mais tarde em uma linha simples de ação. Este é o caminho
infalível para conseguir a corporificação do Pushkin de GogoI (Toporkov, s.d, p . 126).

o mito das emoções, da "mem ória emotiva" como método para o trabalho do atar,
é, portanto, duvidoso. O'própri o Stanislavski, corno vimos, reconhece as fragilidades deste
~. " ~euenfoque dos inícios de sua busca. Não que as emoções não existam ou não devam exis-
tir. Devem. Mas, para que.possam de [aio existir, devemos deixá-las sé movimentarem li-
vrernente. Não podemos "fixar" o que por natureza tem a mutação como condição de exis-
tenda. Não seria e-moção, mas algo como "in-stagnatum"), .. A emoção' é algo em mutação,
·em movimento dentro de nós, portanto, fixá-la, predeterminá-la, dizer "em tal passagem
do texto devo ', sentir' tal emoção" não é·'artificio, é. antinatural, é ircontra a natureza da
própria emoção. É certo que:a arte é feita pelo homem e, po~tanto, ariific.i.{ll~ .ma~ en.~~,?n~.? .
nos ocupemos das emoções, vamos deixá-Ias livres, que circulem à vontade para que se-
jam apenas sentidas, como fazia Decroux, que não se ocupava de emoções, mas de arte. Elas
.são pór demasiado subjetivàs e mutáveis para embasarmos nossa arte sobre elas. Seria corno
.t en t ar construir um edifício sobre um terreno de areia movediça.
A arte, vale lembrar, é do domínio 'd o fazer e pede um manuseio de instrumentos
objetivos, materiaisyoper átivos. Lembremos mais uma vez Stanislavski: "Não podemos
lembrar os sentimentos e -fixá-los. N~s só podemos lembrar a linha das ~ções físicas"
(Toporkov, s.d., p. 173). Assim, as bases de nosso edifício não podem ser as emoções ou os
sentimentos. Há de se construir parâmetros objetivos, corporeidades, e assim permitir que
as emoções se movam provocando sensações musculares que serão então sentidas e vividas
pelo ator. Agindo dessa forma, podemos entrar erncontato com universos muito. além do
. das emoções, com a "memória muscular" (Stanislavski, 1980, P: 3?1), o "corpo-mernória"
(Crotowski, 1969), ou a "corporeidade antiga" '(Grotowski, 1988) 'n o sentido dê. passada,
do passado longínquo: Não devemos, n? meu entender, sequer definir as emoções, .sob o
risco de "matá-las". D~veri1os encontrar parâmetros técnicos objetivos para que o ator possa
se abandonar às estranhas e misteriosas sensações provocadas por algo que se movenele,
: '" que é acordado, dinamizado.s: o remete a -imagens muitas vezes longínquas e .cru éis . T alv ez .
assim atores e espectadores vivam realmente algo de significativo e sintam realmente emo-
ções e não algo forjado, 'p r ov ,?cad o, que · d~· e~~ç. ã o só gu~rdao norn~·.· . ·· ·
," , -. " ..

Stanislavski entendeu isso no final de sua vida e passou então a i~sistir sobre o mé-
todo das ações fisicascomo instrumento objetivo e operativo com o qual se poderia de fato
'con str u ir as bases da arte ·d e ator.
A outra questão cultural que vem da formação clássica e tradicional dos atores oci-
dentais é a improvisação: Do latim improuisu, é literalmente a ação do improviso. No teatro
ocidental, ela. é muitas vezes fonte .d e c~iação. Para criar, o ator improvisa. Mas "cria-
ção" e '''im p r ov is a çã o '' são muito diferentes. Exemplo: eu improviso a ordem das pala-
vras à medida que as escrevo. Mas não existe nesse caso a criação de palavras, deum
vocabulário. Evidentemente pode ocorrer de eu inventar palavras novas, inusitadas, no
momento em que escrevo. Isso faz parte, é a exceção que confirma a regra. Mas, quando
improviso a ordem das palavras, não as estou criando.

90
A A r~TE DE AlOR: D r;' TÉC Nl C A À EEF'RE5EN TA ÇÃO

A imp rovisaç ão tal CO TIlO é trab alhada cornumentc pelos ate r es o ci dentais é "livre",
desprovida de regras restritivas: ela busca a realização do indivídu o, a livre e plena ex-
pressão de sua pessoa, a criação de cenas, de personagens. Ela trabalha COll1 a noção de
jogo, de brincadeira. C? grande problema é que esses conceitos são executados de urna tal
maneira qu e não buscam um conta to real mais profundo com energias potenc iai s d o ator,
mas o simples expurgo de desejos, de sensações, de pequenas" genialidades " . A impro-
visação, aqui, não aparece como uma busca de algo "esquecido", " d e s con h e cid o" , de
fontes primitivas de energias, de se dinamizar energias potenciais, d e d ar fo rm a à vid a,
mas corno um alívio de tensões, a exibição do conhecido, da inteligênci a, d a " cria ti v idad e";
a busc a do revestimento, da máscara que melhor esconde, qu e m cl hor dis f ar ça , que
melhor camufla .
Se pensarmos ria commedia dell'urte, um teatro de improvisação, temos atores com
"partituras" corpóreas, suas ações físicas eram extremamente codificadas . El es não im-
provisavam as ações dos personagens, mas a eeqiiência dessas ações. As ações de U.1n
Arlequim eram muito diferentes das de um Pantaleão. O ator que representava o Arle-
quim, por exemplo, não improvisava o .Ariequim. mas com o Arlequim. A improvisação,
nesse caso, era a mistura dos códigos e não sua criação, tal qual fazernos .corn nossa lín-
gua natural. Não inventamos nem criamos palavras novas a cada instante,
.
mas improui-
.
. " ' .

sarnas seqüências. Crotowski diz que uma improvisação só pode existir rio .interiorde um~
estrutura definida, como no jazz (Richards, 1993, pp. 30-34).
Para Carlos, todo esse universo era novo. Mas ele teve a coragem deenfrentá-lo e a
disponibilid ade e generosidade ' de realmente buscar, abandonar-se à 'd ifí cil busca à qual
nos havíamos proposto. Carlos não improvisou, nem tentou me mostra r sua "cornpetên-
cia" em " v iv er emoções" . Lembro-me que ele repetidas vezes me dizia: "não sei o que fa-
zer. Devo improvisar?" E eu lhe dizia que não, que deixasse acontecer, que deixasse seu
corpo" guiar as ações, que não pensasse/ não premeditasse, simplesmente cedesse ao louco
e delirante universo das sensações físicas e' musculares, permitindo que seu corpo desse
forma às suas energias. "Não improvise. Faça! Deixe as emoções fluírem, n ão as p r ovoque·
n em as fr eie, não se ocupe delas . Simplesmente v ivencie e sin ta . Permita-se penetrar n es te
desconhecido ."

A hiper-tensão/ * O fio de Ariadne


N ão su bs_ti tu ir o espa ço vazi o por esqu ema s an tigos, conhecidos'. Bus ca r o que ê da
pessoa . T r asp ass a r os es tereótipos e ir além . Não negar o d es erto , atr avess á-lo, per passá-
lo , encontran d o a vi da do ou tro lado . Não s e iludir co m es miragen« qu e a s ec u ra e a s ede
pr ovoc anl , fru to d o d esejo ardente d e en contrar algo, um caminho, u rna v e re da qu e seja.
A s m i ragens s ão p erigosas, en g anos a s .

A pes ar ele a palav ra ser g r a fa da n o rm al ment e sem hí fen . m ante ve -Se aqui (J s inal p ar a et ifE: r0nci ~H e s ta
técnica d.a doença d e m esmo n o m e.' d is tin ção pre tend id a p e lo a u tor . (N , do [. ).

91
Luis OTÁVIO BURNIER

Palavras poéticas e fáceis/ tarefadiftcíl


o importante nesta situação é estar atento e saber ouvir. Às vezes, a luz pode estar
em um detalhe que, de tão pequeno, escapa nos despercebido -; Q~alquer feixe de luz deve .
ser seguido e, se for falso, ilusão, voltamos ao ponto de partida. E isto deve ser feito repe-
tidas vezes até se encontrar algo significativo, um lume que guie, um "fio de Ariadne".
Assim caminhamos até surgir a "hiper-tensão". Antes de tentarmos entender o qu~
se esconde por trás desse termo, vejamos a primeira anotação que fiz em meu caderno
no dia em que conversei com Carlos após uma longa sessão de trabalho:

3!! feira - De um comentário sobre a tensão (crispação) muscular do Simioni durante as


representações e construção do personagem; coloquei a seguinte questão: "não será esta
crispação devida a uma insegurança e falta de domínio das imagens emitidas pelo corpo?"
Segundo este raciocínio, ele crispa (hipertensiona) o corpo como meio para preencher
o espaço vazio criado pela falta de domínio e controle das imagens que seu corpo emite,
.0 que lhe causaria insegurança (Caderno de notas, 1985).

A partir disso começamos a trabalhar sobre as tensões do corpo, a múltipla variação


dessas tensões, que podiam ir desde o extremamente tenso até o sutil e delicado. Como o.
ponto de partida deste estudo fo_i a hiper-tensão.dernos este nome ao treino.
Começamos por tentar entender, na prática, o conteúdo dessas tensões fortes vividas
por Carlos: Ele terisionava ao máximo quelhe era possível cada um de seus músculos, ten-
tando percorrer todo o corpo. Não era uma. "crispação", ou ' seja, uma .fo r.te tensão
bloqueada, mas urna forte tensão que "fasseava" p~lo corpo, pelas musculatu.~as.
Portanto, a hi:per-tensão era um trabalho em movimento constante. Criamos uma
espécie de treinamento energético com a hiper-tensão: Carlos tensionava ao máximo,
. exaustivament~, não ~e rendia à facilidade e explorava este universo por longuíssimos
-p erfodosde tempo. Na exaustão ele tinha a sensação de haver "limpado" seu corpo: nC?vas
energias surgiam, trazendo variações de tensão; sua pessoa ficava mais transpare!lte,
vulnerável.
Nessa nova situação surgiram novos elementos. A distância corpo-:-pessoa era cada
vez mais diminuta .. A presença do físico, do corpo, provocada pela hiper-tensão, era
indubitável e inevitável. Os impulsos mentais eram imediatamente corporificados; os im-
pulsos físicos ecoavam imediatamente na pessoa. Eradifícil discernir o que vinha de onde.
Aliás, não nos int~ressc:vaesse tipo de entendimento. O que nos importava era justamente
a plenitude no fazer decorrente da conexão, docoritato entre o corpo e a pessoa. Não
nos interessavam as .possíveis interpretações, leituras psicológicas', soci~is ou culturais,
mas simplesmente a fluidez orgânica entre a pessoa, seu corpo 'e 6 fazer artístico .
Quando Carlos .tentava "entender" o que estava fazendo, eu o impedia e assegura-
va, assim, a "proteção" do material que resultava desse fazer de qualquer interpretação.
Era importante que ele encontrasse a liberdade de criar. A liberdade real de uma cria-o o
ção, que" conversasse" com seu ser, que o deixasse emanar/ sem vergonhas ou pudores.

92
Algu ru as r egras fo ra ln na t Li ral men te se deline and o:

1) Nã.o pensar COIU a razão; fa z er corn o corpo.


2 ) Nunca interpretar"o qu e se está fa ze n do, s entin d o, v ivencian d o. Não associar o que
se viv encia no treinamento a p r oblemas ou dificuld a d es p essoais de ordens diversas,
emotivas ou psíquicas. Não tentar entender p roblemas pessoais por IDéia do trabalho.
Estamos fazendo arte, não ter ap ia.
3) Ter sempre presente que es tamos fa zendo teatro . P ortanto, o que se vivencia COIU o cor-
po deve ser projetado, ampliado, dilatado. Deve-se dar, grande e generosanlente.
4) Jamais parar o trabalho quando invadido por emo ções fortes. Sempre jogá-las no pró-
prio trabalho, projetando-as com o corpo.

Essas regras foram fundamentais. Na época, elas surgiram do próprio trabalho. À


medida que avançávamos, eu ia entendendo a importância de delimitar o "campo de nos-
sa cultura" para protegê-la. O que se configurava corno "não-cultura", corno algo que não
colaborava para a criação artística! e se apresentava corno ruído era colocado à margem do
trabalho.
Hoje! a primeira regra IDe remete a Stanislavski:

.Quando o ato r está relutante em mostrar seu desejo, quando, ao inv és, ele hesita em criar
e começa a p ensar m u i to. el e é com o um ca valo que b a te a p a ta n o m esmo lug a r por lh e
faltar forças para puxar sua carga . Para atuar sem inibição, o ator.não deve m~rcçú.· passo,
mas se empolgar corn a.ação. Se quer atu ar, tem que atuar cor poreamente. Ação vemdo
desejo [lh e unll], da intuição; discussão vem da mente, da cab e ça . O propósito do meu
sistema é abrir os caminhos da cr ia tivi d a d e ela nature za orgânica do atar, especialmente
n a q ueles moment os n os q u ai s nada ac o n t ece dir eito (To porkov, s .d., p . 159) .

A terceira reg r a m.e lembra Decroux: 1/0 grand ioso é fiei camente grande. Se nU111a obra
de arte a gran d eza (grandeLlr) física não é causa da grandeza moral, ela é condição. O grande
não é serDpre grandioso, 111as o grand ioso é selllpre grand e. " (De croux, 196 3~ p. 89).
Afas t ar qual qu er leitura, t r a ~lu ç ã o , inter p r et a ção d o que se estava faze ndo e arn-
p liar p ara m ostr ar ao s esp e ct adores! o dar grande e generoso , foi fund amental n o a n el a -
m ento deste trabalho . Hoj e, Carlos ressalta su a sensação fís ica d o " ra sgar" d o co r pol o
dil acer ar d as contra diçõ es m u s culares de movimentos opos tos. o peso ele seu corp o nos
pés e a fo r ça do s p és p ar a n ão p erd er o eq u iJíb rio. Estes co mentá rios rernetem n o varrien -
te a D ec ro u x:

o mim ice é o a to r dil atad o


.
(\ JD . (16
-
).
.
·-- .

Lu ís .aTÁ VI a B U KNI EH.

É n o d esconfor to que o mímico está no conforto (p . 73).


Sem expor aq ui todos os mandamentos de nossa estética, eu posso d izer qUE' quase s empre
a obedi ên cia a estes últimos requer a faculdade d e se manter.em equilíbrio instável
(Decroux, 1963/ p . ] 68).

o "buraco negro"

Embora a hiper-tensão, como o d esabrochar de uma planta selvagem, começasse


a ocupar o espaço que havíamos tão ardorosamente "limpado", a sensação do vazio
permanecia . Não o vazio de o que ou como fazer, que começávamos a encontrar, mas o
do pensamento. Eu persistia numa premissa: que não fosse ele, Carlos, quem condu-
ziss e o movimento.mas o movimento que conduzisse a si mesmo : Lembrava-rriede urna
estranha colocação de Decroux durante uma sessão de improvisação: ele nos pediu que
trabalhássemos o movimento como uma "ereção muscular"; não se devi a pensar, mas
deixar os músculos cantarem, e esta melodia, corno a ereção, chegava e desaparecia
sem que pudéssemos saber como riem por quê ... Na saída da aula, ' naquele dia, Decroux
me chamou à parte e me disse: "Tu sais rnon petit, j' ai l'impression qu'il y en a, là, du
fondement dans notre art ... "
Carlos usava uma imagem para esse vazio da mente: um buraco negro:

A H iper-tens ão acentuava a minha presenç_a física do corpo, o estar ali 1?resente e


habitando aquele corpo .d irigia minhas energias e atenção para ele. Isto fez com que o
universo mental; in telectu al, as imagens, ficassem num segundo plano, O fato de elihão
ter que me preocupar como que fazer, qual deveria ser a próxima ação, o fato de eu não ter
que fazer algo, mas simplesmente me abandonar à~ estranhas sensações daquelas tensões
musculares, me permitiu não pensar e deleitar-me, abandonar-me às sens~ções do corpo,
físicas e rn.usculares pela primeira vez em 25 anos . ..
'N ãopartir de improvisações com imagens preestabelecidas.com emoçõe~j~ v ívenciadas,
recordaçõ~s emotivas, também foi importante.tA Hiper-tensão. permitiu preencher o
"vazio" co~ algo diferente, possibilitou adentrar em níveis mais profundos de minha
_pessoa . a "negro" abriu espaço para um contato com energias mais profundas . Do :
contrário eu estariaprotegido por u!TI véu de experiências já vivid as, coisas coÍ1heci_d~~
e sabidas, e sobre este universo consciente, faria improvisações
- .. .. .._. -
como se fosse, ou sentisse,
~ .

tais co isas. Seria trabalhar sobre emoções que não estariam ali de fato . O "se mágico" (se
eu fos se fu l an o.,s e eu vivesse tal coisa), permit~.,ao indivíduo ser o que ele não é na vida,
mas is to para um ator é uma grande máscara. Ele acaba por se proteger de si mesmo; não
é
.p recisa entr ar em contare consigo, p ois não é ele quem está agindo assim: oque ele seria '
se ele fos s e fu la n o ou beltrano . ..
a trab alho que fiz emos, a Hip er-tensão e este "buraco negro", me permitiu pela primeira
ve z trab alhar com o que eu era e estava sendo e sentindo naquele momento preciso (Carlos
Simioni, Cad erno de notas, 1994).

94
A / .f<T E D E i\ 'j'()~.~ : D A Tf:U-.!lC l\ À. .R. EP í·:ESENTAÇAo

Mais tarde, es tudando St an islavski. encontrei a seguinte passagelT1. n a qual ele r e-


força a im por tâ n ci a do contato consigo mesmo :

N o trabalho dev emos s en1pre come çar de nós m esmos, d e noss a própria g LI alidade n atural,
e e n tão continuar seguind o as leis da criatividade . (...J A a rte começ a quand o n ão ex iste
papel, quando existe s omen te o " e u" numa dada circunstância da peça . Se "nos perdemos
no p apel" é porqu e es t amos olhando o pap el d esde fo r a, es tamos copiando -o [...]. O ator
realm ente atua e vive s eus próprios sentirnen tos: ele toca, cheira, ou ve , v ê com toda efines sc
de seu orga nismo. s eus n er vos; v e r da d eiram en te a tu a co m el es. [...] Meu método aju d a o
at a r a se fascin ar p elas sensações d o momento (Toporko v, s .d ., pp . 15 6-15 7)

Stanislavski não diz que o fim da arte, seu objetivo, seja nossa pessoa, ou a expres-
s ão do ser do ator. Este é, para ele, o ponto de partida. Ele não vai contra os sentimentos,
ou as emoções, mas nega que a "memória emotiva" possa ser a base do trabalho do atar.
Fala em ações [isicas, em não atuar, mas executar a linha das ações físicas (Toporkov, s.d.,
p. 89), em corporificação orgânica (p . 101), na ilnpossibilidade de se fixar sentimentos
(p. 173), na importância das sensações do momento, do ser verdadeiro e sincero no momen-
to em que se atua.
Aos poucos Carlos foi se acostumando com esta nova realidade que o trabalho lhe
trazia . Foi adquirindo o que Copeau chamou de "segunda natureza", pois a hiper-tensão
começava a ser como sua nova identidade profissional. Ele agia CODl ela como se aquilo fosse
sua língua. Acostumou-se com este novo estado de uma tal maneira que podia então "ficar
à vonta de" corno se " em casa " .
I

Imagens começaram a surgir neste escuro do buraco negro. Imagens fortes e muitas
vezes cruéis:

O uni v erso das i.m a g ens eram aqui s ubstancialmen te d if erente s d as em q ue eu n a veg a-
va antes. El as surgiam corno se p rop ulsionadas por a lgo d e mu i to prof undo, d o
inconsciente. Vinham C0111 o cor p o, o u seja, no mornerito em que o corpo l/s e forma va " ,
to rn a v a urna atit ude, U111él posição determinada . Era corno s e houvesse U111a in ters eçã o
en tre ele e a ima g em , a lgo de instantâneo, de n ã o pensa do, d e orgâ nico. As posições d o
corp o C0111eçaVam então a se asso ciar a es tas imagens for tes , muit o fortes (C . Simi oni,
D iár io d e tr aba lho, 1986) .

Corno se v ê, nã o era Carlos q u ern imagi n a v a a lgo e en t ão agi a fi sic ament e. mas. ao
con trár io , era seu corp o, seus m ovim entos qu e aconuniant imagens prof undas . Comece i
a confirm ar qu e, de fato, estáv am os dinarn iz and o en ergias interiores profundas. Vis to qu e
is to que chamo de energia: interiores ino jun dus eram na realidade elemen t os co rn um teor
h u mano con s id e rá v el, o q u e significa a ex posição d e frag ilidades, de segredos pessoais.
pass ou a s e r d e I u n ciament al irnp o rt âri ci a prot egê-los. U rn a. d a m a n e iras de pro teger
fator es des sa or de rn é p rivá-los d e toda e qUé'lJqLH?" in te rp r e taçâo de o rd ern psíqui ca, evi-

95
LUÍs OTÁVIO BURNIEI<

a
teu associa ções . Te mos d e lembrar que este trabalho não visa U111a terapia, mas à cria- :
ção artística. Se permitimos que tais fatores profundos sejam lidos e interpretados do ponto
de v is ta psíquico e emo tivo, correm o s o risco de desencadear um processo que pode im-
pedir a con tin uaçã o do contato com tais elementos profundos. Portanto, não im p or tava
o que Ca rlos p ensava, m as como tudo isto se operacionalizava por meio de seu corpo, como
isto s e a rticul ava e em que medida significava .u m a alteraçãoqualitativa de seu trabalho .
E ra p reciso que esta r elação mais profunda fosse mantida, que não recuássemos por medo,
ou por comodismo.

Atualizando a memória
. ..À m e d id a que avanç ávamos no trabalho, mergulhávamos nas profundezas de
Carlos. Cada vez mais, mexíamos com nossos medos, inseguranças, fragilidades e incer-
tezas. Digo "nós", pois ev i d en te m en te eu não saía ileso desse processo. Quanto mais pro-
fundo, mais medo, e quanto maior o medo, mais necessitávamos .d e coragem, pois o ris- !
co tornava-se cada vez maior. Ii
I'
I
10/05/86 ..:...:- Sábado . !
Simioni me chamou à parte para conversarmos. Disse-me que estava com medo do que I
I

podia ocorrer no seu treino pessoal. O t~a.balho tinha acordado"nele memórias de I


I
vivências antigas, urna espécie de retrocesso emocional corpóreo-muscular. Ao ouvir e I
buscar cores diferentes nas tensões musculares, elé encontrou posiçõese atitudes com
I
j
determinadas tensões que lhe provocaram fortes emanações emocionais ao trazer-lhe i
i
I
de volta lembranças de sua infância. Desde então, Simioni vivencia um estranho
pro~esso: o traQ~lho acorda-lhe memórias distantes, remotas (L. O. Burnier, Caderno de
notas, 1986).

... ....Q. p[obleITl~ levantado por C~r1ºs era importante. Quanto ~a~s 's e av~nça no desco~ .
I
.,
nhecido, mais .s e acordam temores e inseguranças. Portanto, o medo era um componente I
normal diante do qual não podíamos nos acovardar.·No entanto, ele existia, era real e le-
vantava consigo questões refere'ntes aos riscos que corríamos com este trabalho. Ele pode- I
!
i
ri~ ser t~aduzido pela questão: será que estamos 'n o caminho certo e .devemos continuar, j

.9 u estamos num franco. e irreversível processo de enlouquecimento, perda "d a razão? As


im ag en s, as memórias despertadas pelo trabalho, em Carlos, eramrealmente muito fortes
e significativas. Não tínhamos diante de nós elementos "importantes", coisas cuja impor-
tância compreend êssemos e percebêssemos. Não .. Tínhamos elementos vitais que surgiam
co m uma força s~lvage~ p ropulsora de vida. O que estava em risc~ não eram teorias tea-
t rais ou metodol ógicas, mas a vida de Carlos . Por outro lado, se diante desses fatos pa- .
rássemos o trab alho, haveria um retrocess?, um ácovardamento diante de elementos que de .
fato eram vit ais, de fato eram energias potenciais que estavam sendo dinamizadas. Parar"
seria a ceitar a arte como algo que atinge a epiderme, mas não o âmago do ser, pois, quan-
d o atingimos níveis mais profundos de nosso ser, paramos, e junto pára a nossa arte.

96
q Llali d ad es d is tintas das ten sões/ n aq uel ct época. Apôs o n íci o d e 'U111
BU.sCéÍ.VêITi.10S í

trabalho vocal (d escrito DI, a i.s adiante), começamos a buscar diferentes cores" para os 11

m ovimen tos . Era corno se as tensões " acen d es s em" luzes, como se o calor emanado irra-
diasse e se propagasse peJo espaço C01110 vibrações de luz. Começamos. então/ a explo-
-' rar as d.iferentes qualidades dos m ovimentos associando-os corn core~. Quando Carlos
m e expôs sua preocupação, eu lhe disse que era U1n bom sinal: estávamos realmente atin-
gindo níveis profundos de sua pessoa, acordando algo desconhecido. " es qu eci d o" e re-
Dl0tO. E isso era urna das coisas mais ricas que o trabalho poderia trazer-lhe, pois a arte
tern sentido na me di da em que nos possibilita atar contato com coisas realmente signifi-
cativas para cada um de nós. Lembrei-me de Artaud :

o teatro s ó poderá v o ltar a ser el e TIleSmO, isto é, voltar a constituir um meio de ilusão
v e r d a d eir a, se fornecer ao espectador verdadeiros precipitados de sonhos, onde seu gosto
pelo crime/ suas obsessões eróticas, sua selvageria, suas quimeras, seu sentido utópico da
vida e das coisas, seu próprio canibalismo se desencadeiem num plano não suposto e
ilusório, n1a~}.nterior (Artaud, 1984, p. 117):

As imagens acordadas em Carlos pelo tra~alho .d as tensões musculares poderiam


assumir esta dimensão artaudiana" e ser a mola propulsora da criação; os precipitados
II

de sonho num plano não suposto e ilusório/ mas interior. Anos mais tarde, tive acesso a
um texto de Crotowski. "p e r for rn e r ", no qual ele fala sobre a importância da memória
no trabalho do atar:

Aquilo do qual me lembro .


Um dos acessos à via criativa consiste em descobrir ern si mesmo uma corporeidade antiga
à qual estamos religados [interligados, reliel através de uma relação ancestral forte. Não
nos encontramos en t ão no personageDl, nem n o n ão-persona gem [...].
C o m o penetrar [percée = atra vessar, p erfurar] - corno n o re torno d e um exilado- podemos
toca r algo que n ã o está li g a. d o às orig ens lu as - se OLlSO dize r - à origem? C r eio qu e sim.
A ess ênc iaest ápor tr ás d a mem óri a ? N ã o sei . Q uan do trabalho m u it o próximo da essência
tenho a i mpres s ão de a tualizar a m em óri a. Qu ando a essência é a tiva d a . é como s e
potencialidades m uito for tes se a tivassern . A rem iniscência pode ser UTIla destas
potencia li dades (G ro towsk i, 1988, p. 56).

Embora Cro towsk i estej a se referindo, ne ste te xto, a U111 a memoria "ancest rnl" e a
U lT1 tip o d e p esqui sa es pecífico, o tra b alho d e Carlo s es tai/ é! re a tiv an d o memori as an ti -

gas . Não b u s c ávamo s p ro p riam.en te elem en to s ancestr ais !', TI1 aS tampouco deix ávamos
1/

d e b uscá -los . O tra ba lh o por si só r e a tiv av a .m em óri a s longínq ua s, b astan te r e mo tas . A s


iIn agens e s ens a ções eram profu ndas . e .p o r i.S 5 0 t ín h a m os 3::'-.§}1S):J..ç.ão d e "uiu a íira r a me-
niária" , Orn o mcn to uâ o era d e [ixa r, 111..aS de e xp lorar/ de a b an d on ar-se.

97
".~

LUÍs OT ÁVIO BURN LER

Ele falava senlpre d estes momentos do trabalho como de momentos de graça"; nos quais
II

se com eç am a ativar as fontes r os recursos profundos de uma pes~oa, nos quais cada u m
d e s eus m o vimentos fica como circundado de ligeireza. Quando a "graça" aparece, não
se deve interrornper, diz Crotowski . Não é este o momen to de estru turar, de trabalhar sobre
as ações físicas, n ão é ainda o momento de fixar as ações, pois se o fizer, pode-se
transformar o desconheci~o que está surgindo enl ~lg6 de conhecido. [...] O m?mento de
fechar a: estrutura é o instante no qual o desconhecido já apareceu plenamente, antes dele
p erder sua força in icial: aí deve-se fechar (T. Richards, 1993, p. 79).

o conta to com esses textos de Grotowski, ocorrido anos mais tarde, mostrou-me que
m inha intuição e?tava correta quando orientei Carlos a não parar e, ao contrário, continuar
buscando mais fundo em si.

Du hiper-tensão parq.. .
A hiper-tensão determinava-movimentos lentos. O ritmo das ações era lento econtí-
nua, em ralenii, diriaDec~oux. As tensões passeavam pelo corpo desfrútánd~ de cada pe-
queno momento, de cada feixe muscular. Elas iam recolhendo ou acordando sensações que se
tornavam cada vez mais profundas. Com~~ei a perceber que Carlos passava de u~ movi-
a
mento outro como uma nuvem passa de' urna forrnaa outra/numa continuidadedilufda
que navegava pelo ar. Aliás, seu trabalho evocava um tufão; ou aságuas profundas do mar.
1I
Isto talvez devido à Hiper-tensão: A hiper-tensão é a âncora que me impede de voar" (C.
Sirnioni, Diário de trabalho, 198,6). Observando este fato, percebi que corríamos um risco:
o d e nunca terminar por completo um movimento e, portanto, não extrair dele todas as suas
possibilidades. Assim, comecei a intervirno trabalho. .: ..
Pedi que ele fizesse o movimento até o fim, antes de transformá-lo e:m outro . .Q ue
encerrasse o caminho .in icia d o.p elo 'primeiro e somente depois buscasse novos rumos. E por
"acabar o movimento" eu queria dizer esgotar todas e absolutamente todas as possibilida-
des de o corpo se adaptar, com o intuito de permitir que um movimento chegasse a seu tér-
mino, sua conclusão. Para confirmar se um movimento havia ou não acabado e -p ar a impe-
di-lo de transformar-se em outro antes de seu real término, p~çli que ele fizesse um~lpara­
da ao final de c~da movimento, criando um ritmo de movimento-~top-movimento -:-stop.

Essa simples parada introduziu dois novos campos de trabalho: o da ação na imo-
bilidade e o dos impulsos.. No primeiro caso, constatei que corríamos o risco de congelar
o fluxo de vida, acarretando, assim, uma mecanização do
movimento. Pedi, então, a "
Carlos que, num primeiro momento-simplesmente parasse para pontuar o final do mo-
vimento .e, num segundo momento, trabalhasse o início do ' próximo movimento ainda
n o stop. Era como se o espírito da coisa -fosse antes, e o co~po depois. Isso gerou uma "pa-
rada dinâmica" extremamente interessante, que novamente me remetia a Decroux: "É ~
im ob il id a d e móvel, a pressão das águas sobre o dique, o vôo parado da mosca retida pelo
. vidro [...]. Assim como tensionamos um arco antes de mirar [...]. A imobilidade quando
ocorre é um a to apaixonado " (Decroux, 1963, pp. 71 elOS) .

98
· .,........ ...... ,. .... . '"'Y-.~ ...

As parad as no fin al el e cada m ovimen to introd uzi arn tun a espécie de "pon t u açâ o"
m u it o propícia p a r a se trab alhar os impuls os . O fato de l he pedir que come çass e o pr óx i-
D10 mo vimento s enl permitir que o corpo acompanhass e criou uma in-tenç ão físic a propí-

cia para a explosão posterior do impulso,


Es ta exigência/ b ast ante rígida, l e v o u -n os a descobrir que a adaptação do corpo sig-
nifica urn a capacidade n atural e orgânica d e ele criar oposições compensatórias, de eg uil í-
brio, de articulação. ou de rnusculatur a. Foi assim que penetramos uni novo tema: o da
oposição. Exploramos di versas oposiçõ es compensat órias". Cada u Dia delas abria calninh~·
fi

p ara novas buscas, n ovas r e la ções interior es, novos cantatas e novas açõ es físic as. Um tra-
balho bastante ex ten s o d e busca, d e aprofundamento e de aperfeiçoamento const ante.
Toda ess a busca nos levou a um alargamento considerável do Úxico das aç õe s 'd e
Carlos. Ao trabalhar cada aç ão visando a seu aperfeiçoamento, " p oli m en to" e " lim p ez a",
começamos a distinguirmatizes diferentes, sutilezas que as diferenciavam. Detectar e dis-
tinguir ess as diferenças nos levaram à codificação. Para melhor guardá-las, eram nomea-
das, e suas principais características eram anotadas .
Desse modo surgiu na hiper-tensão urna diversidade de variantes que deu origem a
diversas ações que foram codificadas; da hiper-tensão surgiu uma séri~ de outras matri-
zes.corrio a tensão contínua, o "Proust", as máscaras etc., enumeradas no quadro "Lista de
ações codificadas do ator Carlos Simioni", apresentado nos anexos. Cada uma dessas ações
foi longamente trabalhada, explorada e "polida" por nós, num verdadeirotrabalho de ar-
". tesão .

Obviamente esta percepção mais técnica do trabalho significava já um segundo mo-


.men ta d e noss as p esquis as. Se p ensarm os nos dois ti p os d e treinam en to qu e-p ropus em os
no início, o "energético" e o "técnico", fica claro que o momento de "expurgo" deu lugar a
um de "cria ção", que começava aos poucos e, seguindo urna organicidade que lhe era pró-
pria, foi preenchido por um novo momento de "aprendizado técnico", o que Crotowski
ch amava de f ixar as aç ões física s. Não ap r en d íam os, no entanto, algo de fora, mas de dentro .
A p r en díamos a apren der, como coloca Eu gen io Barb a, e iss o à m edid a q ue fazía m os ,

o pêndulo que oscila entre a vida e a técnica


Um d ado, n o entanto, para o qua.l s ernpr e estive alerta era o de nã o me canizar e
pe r der assim a v i da que al imentava o q u e faz ía mo s . P o rt anto, em bora já tr abalhando
com elementos b as t a nte precisos e té cnic os, p or di versos e lon g os p erí odos eu d eixav a
Ca rl os à deri va, para q ue ele p udesse degus tar, b uscar, mergu lhar n o uni v e rs o incerto e
não s abido de seus m ov i m entos. Pa ra q ue levar U Dl m ovimento a té o fim se ele ria d a sig -
nific a pa ra o at a r ? Para qu e ir a té o f irn de u m m o v irnen to . en trando em pos i ções
des confo rtáv e is e dolorosas, se ele nã o ocorda, n ão en tra em co n ta to com nada da pessoa
do a to l": não d i n arn iz.a S1.1aS energ ias pote ncia is? UD1 m ovimento. a LI urn a aç ão , n o co n tex -
t o d es te trabalh o, só tern ra zã o d e s er se a cord ar a " m emó r ia 111 11SC ul ar, es ta m ernó r i a
qll e é tã o for t e no a tor " (Stanisla vsk i. 1980 p , 371 ).1

99
LuIs O TAvIO B U RNI ER

Um diretor, quando trabalha um atar (e não somente 'UTI1a peça), d eve selnpr e es -
t ar atento a Ul11 c?njunto de elementos que lhe permitam detectar não só as dificuldades
e facilidad es do atar, mas sobretudo como este atar se relaciona COll1 elas . Ele t ambé m
de ve estar atento a quando e como um atar consegue emanar urna certa qualidade de
energia, de v ibração; à qualidade de vida de U1l1a 'd eter m in a d a ação, ern que momento e
com o este processo acontece.

Para. Stanislavski, a qualidade de ser "verdadeiro" e "sincero" era fundamental:


" A habilidade de ser sincero em cena - isto é o talento" (Toporkov, s.d.. p . 158). Sua
busca pode ser resumida em como represen~ar mantendo uma qualidade de vida em cena,
COTI10, por processos específicos desta' "técnica d.e corporificação" (Toporkov, s.d.rp. 196),
recuperar e manter essa qualidade de vida, essa organicidade. Por isso, para ele, a linha
das ações físicas era da maior importância ..A busca de Crotowski.tarnbérn residia neste
preciso espaço entre a vida e o artifício: como, através de U1l1 fazer estruturado e fixo,
reencontrar o fluxo de vida . O paradigma da arte de atar está precisamente entre esses
dois pólos. Perdê-lo de vista é como parar <? sino da igreja: se não .tocar, não vibrar, não
chamar os fié is, perde o sentido.
Na tentativa de conciliar a necessidade de trabalhar as ações com a de entrar em
contato cada vez mais profundamente com a pessoa de Carlos, resolvi "limpar" suas
ações. Por "limpar" as ações, entendo retirar uma série de pequenos fatores "poluentes",
que se apresentam como ruídos na informação, .im p e d indo o fluir translúcido das energi-
as.e das próprias' ações. A "limpeza" tem o objetivo preciso de permitir que a ação irra-
die plenamente a sua presença.
Para manter suas energias em estado de alerta, para mantê-las acordadas , e dinami- ;
z adas, eu intercalava os comentários e as. minhas propostas com longos momentos de si -
lêncio, nos quais-;Carlos.não sabia se, em minha"opinião, o que .ele fazia era "bom" ou
''' r u im '' . Isso muitas vezes durava dias. Quando ele me perguntava: "o que faço?", 'eu
respondia novamente: " n ã o sei, faça". Era como lembrar o início, 'tr az er à tona, 'em seu
corpo, que .o mais importante, a premissa, era o estar íntegro, abrir os canais de comuni-
.cação '~~'t~e seu corpoe sua pessoal estar vivo, vivendo 'um proces~o dinâmico real e sin-
cero, que vivificava suas energias. Em outros momentos, quando .p er ceb ia dificuldades;
ou características específicas que impediam o fluir orgânico de suas energias ou, ao con-
trário, que ajudavam nesse fluir, então trabalhava ,este elemento, limpando ou modelando
com ele o seu fazer '.

o trabalho mexeu profundamente comigo. O fato dele dinamizar energias interiores abria
caminho para universos mais profundos. Eu entrei em cantata com meu .corpo, músculo por
.rnúsculo, com cada órgão, pesquisava todas as possibilidades d e tensões, da mínima e sutil
, '

à forte e vigorosa. Ter permitido que emoções, sensações.Imagens profundas surgissem, foi
fund amental. No entanto, o trabalho avançou de urna tal maneira que até estas sensações
e imagens chegaram aum desgaste, corno se atingissem seus limites, seu ponto final. Isto
projetou o trabalho para urna outra dimensão: a da energia. Começava a se config urar como
urna esp écie d e dançadas energias"; como elas passeavam pelo corpo; quais os canais pelos
1/

100
q uais saíam sern se es va ir, SC'JT1.Se p erder; como d an ça v am dent ro e a o red or do corp o; como
;<.: nl p r e es-
'e xt rap ola va m e invadiam. a s ala; como explodiam e " p er f urav am" o espaço f ísico . Ating i
~ r.culd ad es ,
_ I também
assim um novo limite, que eu explorei e procurei ir al ém, avançar para o ilimitado. Era como
se eu a tingi sse U111a dim ensão espiritual no trabalho. Tenho a impressão que a espiritualidade
,.-\ dad e de :
é a bus ca d e u m sen tid o ... (C. Siruioni. Diário de trabalho, 1987) .
vmento e .

im en t al : : Carl os sabia corno gel'ar, corno projetar a energia e que seu corpo era corno urna
luz qu e ac endi a e se 'p r op ag av a em todos os sentidos. Mas não sabia corno direcioná-la,
,-:. - 58). Sua :
.: ~Jn cena,
como maniptíla-la 'n o espaço e no corpo. Ele não tinha controle sobre essa luz, não en-
tendia corno poderia transform á-la em feixe de luz para direciori á-Ia no espaço .
.:J , p . 196\ .

le, a linha :
/" .d ia neste ; A ·voz do corpo .(ou a melodia dos músculos)

. . ' ..cre esses , Carlos era tímido e desconhecia as possibilidades e a verdadeira potência de sua
-'- .lr ar não ; voz. Sua presença vocal não correspondia à sua presença física, que eramuito maior,
l

salvo em alguns momentos. O trabalho sobre as tensões físicas não estava expuls_ando o
.itr ar em ) ar livremente, produzindo, assim, uma voz forte, limpa e tão irradiante quanto seu .cor-
ar" suas ; po. Ele estava, ao contr ário, criando urna certa tensão que poderia ser nefasta para as
, "u en tes/l i cordas vo cais . Tínhamos um verdadeiro "problema" ...
1
1

.: c; energi- : Abaixo transcrevo as anotações de trabalho fe-itas em uma sessão na qu.at tentan-
-ção irra- . do encontrar caminhos para o treino vocal de Ca~losl acabei por encontrar outros ele-
mentos que foram importantes em seu trabalho:
_ o diri ami- ,
t-os de si~ : Domingo, 08/09/85
..-- - /1 .
Dom ou Pedi ao Simioni para começar seu treinamento pessoal e fiz interferências:
- tÇO?"1 eu * determinei os movimentos de tensão e de dis-tensão" [relaxamento];
/I

- em seu .
"1
* d e urna hiper-tensão total do corpo que eu pedi, fui eliminando uma série de tensões
·L corriuru-
que julga v a d esneces s ári a s, a té deix a r somente u ma tensão : no centro do co rp o, na
~ .al e siri- região d a cint u r a;
~ .rld a cles, *' use i u rna primeira imagem: esta tensã o interior n a cin tura era corno um "b ot ã o
ao con- aboto ad o" - de ixei e le explorar esta imagem p o r al gum tempo;
'odelanâo :i- u sei u rna s egunda imag em : envelopan d o es te b o t ã o havia urna "b ol a d e borracha" -
deixei ele e xplo rar;
:i- n o va imagem: es ta " bo la" é fle xí vel e respir a aumentando e dirn iri uindo :
:;. ela irra d ia " lu z" q ue sai p o r part es p r e cis as d o corpo;

l ') o r
:;. pedi qUê a par tir des ta im a ge m . e COITl movim en tos co rpóreos, ele emitisse sons vocais;
.~ pedi que e le om i tisse os SOfL5 vocais, mas ma n ti v es s e a sensa ção d a vibração vocal
_ uti l
foi proje tando-a nos mo vimentos:
;~ q ue el e gu cudass e" o:; m o vimentos e proje tasse a v oz;
/I

. - s to :,. qu e o m itisse a vo z e p roje tasse s u a vibração nos m ovimen tos:


:,. cl u e explora sse li vr e mente or a o m o vim ento sem a v o z, o r a a vo z sem o m o v irne.n to (L. O .

,...- los g u r ru er. Ca d erno d e n o tas . 19,5S )

10 1
LuÍS O TÁV i O. BURNIE R

A maneira corno tr abalh amos sobre as imagens, neste caso, era particular. Elas não
eram usadas como algo que deveria.ser im itado o tempo todo. As imagens que eu propu-
nha serviam com o ponto d e partida que delim it ava um conjunto de sensações físicas pre-
cisas, que Carlos trabalhava em segu.ida. Ex~mp]o: a imagem do botão abotoado determina-
va uma tensão no interno do corpo localizada na região da cintura. Carlos, a partir da ima-
gem, encontrava essa sensação e trabalhava sobre ela e não mais sobre a imagem, que não
só podia não existir mais corno podia se transformar com o decorrer do processo. Ele, por-
tanto, não tentava imitar as imagens, mas usá-laspara precisar com maior exatidão as sen-
sações físicas sobre as quais trabalharia em seguida.
Não conseguiresolver naquele momento à problema da voz ~e Carlos, mas encon-
trei algo novo . Este trabalho trouxe toda uma outra qualidade a seus movimentos . Eles se
ampliaram (se dilataram) de uma maneira sutil, mas perceptível. Fazer o "canto do movi-
múi"tó ;;,·como chamei ria época, levava-o' a uma qualidade vibratória .m u it o daer~ndadà.
Os feixes musculares funcionavam como as cordas de um violino que, como dizia Decroux,
con tin u av am cantando mesmo quando o movimento do arco era imperceptível para os
espectadores. Os movimentos no espaço criavam atritos entre os feixes musculares ao se
tensionarem ou relaxarem, e desse atrito surgia a música "cantada" pelo movimento. Eu
pedia a Carlos: "Cante a melodia de seus músculos".

o corpo da voz (ou omúsculo da melodia)


Nosso trabalho vocal propriamente dito só foi desenvolvido mais tarde. As perspec-
tivas que o trabalho acima-descrito abriu nos levaram a nos co~centrar nesta veia por al-
g um te mp o. I

Aos poucos, Carlos e eu estávamos criando uma linguagem própria e uma metodologia -/
também particular de trabalho, com uma identidade que começava a s~ delinear. Cada vez
de
mais eu .r ne distanciava meus mestres e escutava o que tinha diante de mim . Guardava
o elo profundo criado com os anos de trabalho com eles. Eu não treinava Decroux, mas
. "conversava" com ele quase todos os dias . Não faziasua técnica, mas novos caminhos se . o., _ .

abriam diante ·d e mim, e eu os seguia. Quando via ·o trabalho de Carlos e percebia que
algo "não funcion~va", perguntava-me o porquê, tentando perceber a mecânica inter-
na, a organicidade interior. Notava que faltava, por ex~mplo, urna. contradição. vou que
vários órgãos participavam ao mesmo tempo do mesmo movimento, e assim por diante.
Então, eu usava imagens, como vimos, criava con t rain tes, constrangimentos, situações
desconfortáveis ou difíceis. Mas sempre tentava encontrar uma maneira prática de levar
Carlos a encontrar o que lhe faltava .
No que tange ao trabalho vocal em especificamente, orientei Carlos num sentido
muito au t odid a ta : que ele 'd escob r iss e por si mesmo as possibilidades de sua voz . Evi-
dentemente fi zemos isso "usando" de seu treinamento pessoal. Pedi-lhe que começasse
seu treino con comitantemente com a emissão de urna vibração vocal contínua. E esperei
para ver o qu e ocorria. Como a emissão vocal não variava tanto de qualidade quanto as
tensões mus culares, pedi que criasse uma espécie de melodia liv re ao mesmo tempo em

102
que as te n s ões fossem acontecendo! algo qu e aconu uinhusse, o u que tivesse o Il"leSITIO chei-
ro! a. m esma uibraç ão qu e os movimentos. Un1 universo no vo começou a S 2 d elinear dian-
te de n ós . À s vezes parecia que a voz de Carl~s queria arrebentar a sala . qu ebrar os vi-
dro s; outra s vezes! q~le conversava com um amigo ao lado.
A co r d e sua voz! no entanto! não variava muito. Ela era possante e fo r te ou delica-
da c fra ca! mas era a mesma voz! U111a vibração similar. Tentei ficar mais atento e desco-
brir os momentos sutis e passageiros nos quais se operasse urna alteração qualitativa dela.
Esse é u m trabalho realmente sutil e difícil. O ato r está empenhado n o s eu fazer. É irn-
portant e par a o próprio born funcionamento do trabalho que assim seja. Portanto! ele
não está atento a esses pequenos e sutis 1110111ent05 (e neITI poderia e st a r). Quando eles
acontecem. são em geral sorrateiros. É um momento muito preciso! fugaz. Um segundo.
Isso dificulta muito a fixação desses momentos, Captá-los com os ouvidos é f ácil, mas no
corpo do ator é extremamente difícil e delicado.
Aos poucos fornos encontrando variações na voz de Carlos. Tentávamos recuperá-
las! fixá-las. Numa primeira instância! a voz vinha livremente! mais ou menos projeta-
da! mas era em geral um som contínuo. Depois eu lhe pedia que introduzisse uma melo-
dia! ou urn gromel ô, O gromelõ é urna "lingu« inventada"! ou seja! um conjunto de sons
articulados que não significam nada! mas imitam uma língua! o japonês! o inglês. O ter-
mo foi inventado por Dario Fo, qu.e em seus espetáculos se diverte em imitar línguas di- .
versas. A partir dessa idéia do gromelô, começamos a criar línguas pessoais! feitas de so~s
articulados que não têm significado.
Uma vez colocado o gromel ô na voz! introduzimos te xt,?s em português. Não impor-
tava que texto . O im p or t a n te era que ele fosse d ecorad o a p onto d e poder s e~' dito sem se
pensar em seu significado. O texto era tomado como um conjunto de sons e de sonorida-
des vocais que deveriam ser ditos com aquela voz precisa . Utilizamos! para que s~ tenha
uma idéia! por muito tempo o texto do Pai nosso. As sonoridades dessa oração são extr€~
mamente interessantes! pois trabalham com sons abertos depois ' de consoantes explosivas
co m u ma tal din âmica musical que facilita a projeção da voz . O importante! n o en tan to! é
q u e o te xt o s eja sab ido d e m emó ri a. q ue ' o a tor n ão tenha d e p ensá-l o! mas simp lesmen te
dizê-lo! pois nes te trabalh o nã o importa o que será d i to , mas como. Importa testar se urna
d etermina d a voz fu n ciona ou não co m pala'Iras e que nuanças elas trazem para essa v o z.
Esse momento foi importante não s ó como trabalho vocal, objeti v o. 111as também
COil10 b usca de se delinear um a m et od ol o gi a pr óp ri a! p arti cul a r! a cons trução d e urn a
ide ntidade em sala de trabalho .

Os corredores ela Iberz


lb en Nagel Ras rn us sen é atr iz d o Odin Teatret h á q u as e 30 anos. A metodolo gia d e
tr a b alho do Odin é rn uito difer ent e d a q ue estamos de lineando . No ent anto! o O d in tarn-
bé rn traba lha um a elaboração té cnica p el I a o ata r. Carlos d esenvo lveu! des d e 1989 Uil121

s é rie d e tr ab a lh o s CODl Ib en . que tr ouxeram um t ipo de treinam.ento esp ecíf ico. q ue foi
inse r ido e re t rnba lh a d o por nós e m no ssos tr aba lhos co t id ia no s. N o cas o específico do s

lU3
', .:! i..... .

Lu ts O T ÁV IO B U l{NIE R

trabalhos de Carlos, el a desenvolveu sobretudo o direcionarnento de suas ene rg ia s no


e sp a ço. Por .orid e circula, sai, para onde vai. Tratava-se não somente de "acender urna
luz", m as de direcioná-la como urna lanterna como feixes de lu z, criando corredores de
energ za .
Come çamos a exp lor ar o direcionarnerito de suas energias no espaço. Projeções, lan-
çamentos, "ataques" e uma série de outros elementos retirados seja de propos ta s de Ib en,
seja de elementos anteriormeI{té trabalhados por 'm im com Yves Lebreton, quando ainda
na França, ou ainda da evolução e desenvolvimento decorrentes da própriaexploraçãogue
faz íam os.
Por meio de Iben, Carlos também teve acesso aos chamados princípios da antropologia
teatral, um conjunto de regras, de "leis", que regem o trabalho do ator, suas ações físicas.
São eles: equilibrio precário; dilatação; energia anirnus-anima, energia no espaço e no tempo; equi-
valência; uso da face, dos olhos, das mãos e dos pés; omissão; oposição; pré-expressividade; ritmo;
montagem .
Evidentemente, esses princípios não são trabalhados como tais, mas através de exer-
cícios. Aliás, este é um fato de extrema importâricia, ao qual já nos referimos anteriormen-
te, mas. que vale lembrar.
Os princípios da antropologia teatral foram encontrados a partir da observação do uso
do corpo cênico em diversas culturas espetaculares codificadas. Como toda teoria, eles vêm
após a prática, numa tentativa de compreender a realidade das coisas. O aprendizado des-
ses princípios deve se dar por meio de exercícios concretos que contenham tais elementos
em seu bojo e não a partir dos próprios. Explico-me: imaginemos que um ator queira tra-
b alh ar o princípio da oposição. Ele começa a trabalhar e introduz movimentos opostos, ou
começa a trabalhar com aquiloque compreendeu ser a oposição. EXIstem, aqui, dois fatores
a ser compreendidos. Um primeiro diz respeito à própria compreensão . A prática em si
contém muito mais elementos, mais variantes, do que aqueles que numa visão intelectual
podemos abraçar. Trabalhar a 'p artir de uma compreensão intelectual de certos conceitos
.pode.. ser limitado elimitante, chapar a pluridimensionalidade que urna determinad a prá-
tica possa conter. .O· ou tro fator tem a ver cOm o modo de pensamento deum ator e foi
muito bem compreendido por. Stanislavski:

Não devemos falar com um ator em linguagem seca e científica, e eU em todo ca s o, n ão s ou


I

um homem das ciências; nunca poderia pensar em fazer algo fora de minha linha.
Minha tarefa é falar com o ator em sua própria língua. Não filosofar sobre a arte, m as
revelar por meio de formas simples os métodos práticos da psicotécnica que ele precisa
para a _cor p orifica çã o artística' de suas experiências emotivas .in terior es (Stanislavski,
apud Toporkov, s.d., epígrafe).

Um ator não pensa em categorias de " p r in cíp ios", ou em categorias científicas ..Ele
deve pensar sobretudo em categorias de ações, de ações físicas e v ocais. Deve apreend er e
assimilar todo e qualquer princípio através das ações físicas. É importante tr ab alh ar e ap ri-
morar os componentes' das ações físicas que os princípios da antropologia teatral nos aju-

104
dam a comp reend er melho r .Jvlas isto deve ser feito p or m eio
d as ações e n ão dos princí pios:
em caso contr ário, corre- se o risco de mat ar prern aturam entea
v ida da s ações.
l ben acresc en t o u, ao treina m ento de Carlo s, exe r cícios novo
s qu e amp liaram s eu
l é xi co e qu e tr a b a lh a vam C0 111 a lg u n s desse s princ fpios
da antro polo gia teatra l: o
"
sam u r a l , a " d. ança d os ventos ", o "f (na-,-d e-equ lil 1íb no
-II L"
- , OS "I ançam en t os rr r a Iern
II
~ d e u rn a
série de exercí cios vocais .
Antes de adent rar a questã o d a s técnic as estran geiras , um
detalh e ain d a : s e es t ar
íntegr o é funda m ent al par a a ar te de ator. então não podem
os negar suas necess idad es
e d es ejos, a meno s .q u e, ao inv és de ir a o encon tro de sua
pessoa l desv i em-se -d el e . P or. .
esse motiv o, minh a r elaç ão CO ll1 os atares é .b as tan te d i a l ética.
Cois as que eles p r o põe.m . -
altera m os rumos ·d e nossas pesqu isas, coisas que eu r ec u s
o altera m o rumo de s eus tr a-
balh os . Os exercí cios de Iben e o estudo do cl oum são ex em
p los de altera ções.n o rumo d a
p esquis a .

Como vemos , neste pro·~esso~ de elabo ração técnic a existe uma-l


uta consta nte entre
a ti v ar e mante r vivo o fluxo de vida do ator e fixar e codifi
car as ações físicas decor rentes
(e r ecorre ntes) deste proces so de "viv ificação o que chama
mos de dinam ização das ener-
/ /1

gias poten ciais do ator.


Como disse muito sabiam ente Croto wski, existe um mome
nto de Ilgraça" duran te o
qual a cria ção flu i, as energi as fluem , o inusit ado (ou o esque
cido). surge . Quant o a es~ e
mome n to, s ó podem os ativ á-Io, como se colocá ssemo s "lenha
na fogue ira". Mas existe ~lm
ou tro mome nto. també m fu n d am en t al para a arte de ator,
sem o qual não podem os falar
d e " ar te", que é o d e codifi cação e s istern atiz.aç ão das ações
físicas surgid as-nes se p roces:-
_s o, v is a n d o a uma elabor ação técnic a. · . . .- . " .
Em nosso tr ab a lh o, procu ramo s semp re camin hos que nos
perm itam irrn a
codifi ca çã o por recorr ência, ou se ja, a p rópria r epetiç ã o condu
z à fixaçã o das ações f ísi - .
caso No entan to, que r epe tição? Con10 repe tir s em 'p erd er a
vi d a, mas, a o co ntrári o, bus-
cando ca da vez m ais mergu lhar em seu âmag o e nesse proce
sso d e te ct ar as ações que
na turalm ente se repete m. forma ndo um léxico própr io e pessoa
l do atar? Esse pro cesso
fi ca r á mais claro no item no qual analis amos o p rocess o de
elabor ação da dança pessoal
d o ator Ricard o Puc~~ttiJ que foi, do ponto de v ist a metod ol
ógico, um aprofu ndam ento do
tre in am en to pesso al de Carlos .
Um fator impor tante nesse proce sso foram os exercí cios trazid
os de outros contex-
tos e de outras técnic as. Esses exercí cios visam trab alhar
as ' energ ias e o corpo do ata r
tanto quant o os que desen volve mos, mas por camin hos muito
divers os . Sua maior van-
ta g em é qu e eles s ã o transm issív eis e, ao mesm o temp o, p
ermite m uma série d e evolu -
ções e desen volvim entos.
E les fu ncion aram co rn o im.po rtante contra pont o aos nosso
s trabal hos por propo -
rem u m a r el a câ o d in â rn ic a c orn o es o aco e com o p ar ceir
:>
1. > l o, bastan te dife rencia da do
nl e rgu lh o da d a n ça p e sso al.

105
LUÍs OTÁVIO BURNIER

Iben Nagel Rasmussem em Matrimônio com Deus. Foto: Tony D'u~so

106
Dança dos ventos, Carlos Simion i, José Yabar e Tippe Molste
d, sob orienta ção de Iben Nagel Rasmu ssen.
Dinama rca, 1989.

"- "

.:i :·,~\i~.):;~;:ti~--"- .
L UÍs O TÁVI O BUl\. N rE R

~·t . -

Seqüên cia do samura i, Carlos Si~ion i. Dinam arca, ·1989.

108
.. ~ . do sarnu
Seq uenoa " rai Carlos Simioni . Dinamarca, 198 9.
I " , "
.. !
:-.~
Capítulo 4

TÉCNICAS ESTRANGEIRAS:
TÉCNICAS lNCOMUNS COM PRINCÍPIOS ENI COMUM

Aprendendo a aprender .
EUGENIO B ARB A

Eugenio Barba talvez seja o diretor teatral que mais . ~ enh~ se aprofundado e -estuda-
do diversas tradições teatr~is européias e asiáticas, a partir da ótica do trabalho do ator.
Barba buscou detectar o qL~e havia em comum entre essas diversas e diferentes manifesta-:
. ções teatrais e esp eta cu lares . Sua bus ca não v isava a urna p esquis a d a cultura ern si, m as,
além e a través dela, a. um estudo sobre a arte de atar. Se us estudos foram tr ans culturais e
in terdis cip lin ar es e deram origem ao que ele chamou de antropologia teatral. A antropolo-
gi a tea tr a l p od e ser en tendida corn o a ciência do "corpo dilatado". Ela es tu d a o comportament o
d o ser hu m ano em u rn a situaçã o d e representação org an izad a . Não s e ocup a d aexpress ão
artístic a , m as daqu ilo que a p rec e d e e a t o r n a possível, o que Barb a ch a m a de pré-
express iv idade. ESté1 con cen t ra da sobre os elem entos que tornam a presença do ato r e do b ai -
larino eficaz , perm ifind o-Ih es ch am a r e gu ia r a atenção d o esp e ctad o r.

A A n tr op o lo g ia Teatral é c estudo d o compo r tamento do ~e r humano . q uando ele u s a


de sua p r es en ça física e m ent al em um a s ituação de r ep r es en taç ão or g a niz a d e. seg undo
prin cíp ios diferentes elos us a d os n a v id a cotidiana . Este "LISO extra -coti d iano d o corpo é
o qUi:. : se chanicl d ê i'téc rü caJ' O:)clrbcl, 199~~, p. :=-, )

_6.,. A n.t r'_J.Fc:) bg lêl T e a t r ó1n.0. ó_1 t e n ta. furid i r. i l lJ I m ul a r ou cat a lo gal" a s técn icas d o ato r . Bus ca
o s i m p le s : a t écni ca d a c2cnica (Ba.rba, 1993. p. 2 -l;,j.

1 : "I
j J .:
..., I

-LUÍS OTÁVIO B U R. i'JI EI~ . ~.'

u il ib ri o p re cár io, o da
Os princí pios d a a n t r o p o l o g i a teatra l, tais co.nl0 ó.do -e q
s o das mãos, do s olhos, do
o p osiçã o, o d a omiss ão, cd a equiv alênci a, os ritmo s, .0 .u
a m ont agem . n ão d e v e m se r
rosto, d os p és, da s energ i as. '0 cor p o e a men te dilata d a,
~e exercí cios concr etos e
apreen didos.' corn o já dissem os, por meio deles mesm os, mas
ação desse s princ ípios,
prátic os. Quan to meno s o atar busca r co m a razão a realiz
. Assim , o grand e valor da
m aior se r á a s u a chanc e de desco bri-lo s no própr io corpo
a n t r o p o l o g i~ teatra l foi o de detec tar . tais
ponto s em comu m, entre div ers as e dife-
nto coeso de regras . Com
r en tes técnic as codifi cadas e sistem atizad as ern um conju
comp rova r a existê ncia
e sse estud o pluri e transc ultura l, a antrop ologia teatra l logra
É o estud o da arte de atar
e eficác i a de tais princ ípios de mane ira quase cientí fica.
ux, respo ndend o às rei-
mais próxi mo que já houve da metod ologia cientí fica . Decro
vindi caçõe s de Craig , escrev e:

Descobrir as leis do teatro?


da o ator a fim de ver o
Exi ste m étodo que seja mais científ ico do que aquele que desnu
tudo o que não é seu ser:
que resta? que consis te antes, e por longo tempo , de privá- lo de
tiver descob erto o que el e
cenário , figurin o, acessó rios, texto? Quand o o ator, sozinh o,
r que papel repres en-
pode e o que ele verdad eirame nte não pode, não verem os melho
a e para que fim deveri a
tavam aquela s coisas suprim idas? e portan to, er:n que medid
re integr ar o que foi confis cado .(D e cr ou x, 1963, p. 22)?

sistem atizaç ão precio sa


Decro ux desnu dou o ator e, por isso mesm o, chego u a uma
estrut urada , codifi cada e sis-
de sua arte. Ele foi ao seu âmago e retorn ou..com uma técnic a
um conjun to de regras , d e
temat izada . Barba foi ao âm ago do fazer do ator e retorn ou com
princí pios básico s; qúe nortei am ess-a arte. ~om isso ele parece
te~ seguid o à risca as colo-
cações de Craig e Decro ux.
e corpó rea de princí pios
Para nossa s ·p esqu isas, era funda menta l a aquisi ção prátic a
com Iben, na Dinam arca, so-
daart ede a ~or ., Assim , os exercí cios trabal hados por Carlo s
.foram mü"i"t·Q· ~mF)qrta:iúes · ...
mado s aos que eu tra~ia comig o de D·ec~oux· e de outr~~ fontes
para esse aspect o de nosso trabal ho: Mais uma vez friso: para
o
nosso propó sito, ou seja,
assim ilar eleme ntos de nossa
uma elabor ação técnic a para a arte de ator, que permi tisse
ator às técnicas de aculturação,
cultur a, a apreensão. prátic a de tais princí pios introd uziria o
ensi~aria seu corpo a agir e reagir segun do leis
e norma s especí ficas, não cotidi anas. Isso
seria como p~eparar o c~mpo pará semea r poster iorme nte.

Primeira fase
os princi palme nte com
N o início, parale lamen te ao treina mento pessoa l, trabal hávam
de energia animal, energia vege-
os exer cícios de Decro ux, com o queY. ves Lebre ton chamo u
o do corpo e com o que
tal e energia m ineral/ com os elemen tos plásticos, com o enraiz ament
exercí cios com base nas
Cynth i a Brigg s chamo u de circulação de energia . Tamb ém criava
conclu sões e observ ações do trabal ho dos atares .

112
Ve jam os r apidam en te Cê l C1z1 U D1 dos exe r c ício s enumerados a ci m a .'
o trabalh o t-icnico C0I11eçaVa p or U D l aqu ecimento individual. Para o a qu e ciment o
é irnpor tante ter em m ente alguns de ta l hes : 1) el e vis a acordai o COl'PO para urna ativ ida-
d e física é criativa . P~rec e red undante, IYlaS muitos ateres. ao se aquecereDl não d inami- 1

'z a m su as energi as, m a S ao cori tr ár i


I ap az iguarn-n a s " , gu as e adonne cendo . C er tas
D I II

pr ática s, corno a d e Jn ass a g ear o p ró p r io corp ol ou d em or a d os a l o n gamen to s no início


d e UDl tr ab alh o, n ão s ão. a m eu ver, produti v as; 2) o aqu ecimento não é só f ísi co, mas
"fí si co e m ental " . Em bora aq ue cer o corp o seja importante, para um atol' isto nã o b as ta .
Ele prec isa aq uecer-seI e isto inclui a sua pessoal ou seja, s eu uni vers o interi or.
En1 segu id a vinham os exercícios pro pria m en te d itos . Antes de d escr ev ê-los, devo
lernbrar gue l corn o n o a quecirnen tal UDl exer cí cio para o ator só tern sentido na medida ern
que for trab alhad o em s ua s diru ens ôes fí sico-m ecânica e inter ior . Mas, muitas vez es, é irn-
p or tantetrab alh ar somente o as pecto físi co e m ec ânico, para alcançar o domínio da m ec â-
nica d o exercício e p or exe m p lo, não s e m a chucar . Mesmo assim, dev e-s e es tar alerta ao
l

fat o d e qu e um exe r cício s ó te111 sentid o para o atar s e. trabalhar o fl uxo entre o corpo e a
p essoa . Isso posto, vejamos al guns exercícios:

Gravidade-peso: cur ta seqüência de ex e r cíc ios quetrabalha a relação do corpo com a gra-
vida de, seu peso: d eit a d o n o ch ão, espreguiçamen tos longos; pist ões (trab alho d as arti-
culações das mãos-br a ços e depois pés-pernas, 'O peso do corpo é colocado sobre os mern-
b r os, que fun ci onam co m o pi.stões-amortecedores'/: amortecem as quedas); propulsores
I/

(os pistões qu e amo rteceramagor a funcionam corno propuls ores. São im pul sos 'f or tes 'd as
mã o s-bra ços, e d ep oi s pés-pe rn as, 'qu e l an çam o co rp o para o ar ).
- Saltos e qu ~da s: faz en do us o dos membros como pistões e corn o propulsores, trabalhar os
s altos e qued as n o chã o. Aquilo risco é maior. pois não se está trabalhando mais no ní-
vel m édio e d o ch ão . por ta n to o conju n to d e articulações que chamo de amortecedores e
d e propulsores (de d os , mãos. punhos. co to velos; braço s e antebra ços, ombr os-omoplatas,
colu na; e ded os, p és. joelhos-p er nas e cox al b acia , coluna ) deve ser m u i to b em tr ab alha-
d o. O s im p uls os para lança r o salt o e os pistões para amortecê -lo devem s er claros e efi-
cien tes .
- A ndur, correr: a n dar e co rr e r pelo es paç o acen tuando o u s o d as p ernas . Estu d o do im -
p u lso n e ces sári o p ara o an d ar-co rre r.
Enrai zumen to: o co r po é a qu i dividid o em d uas p ar tes p r incipais: o qu e ch am am os d e
colu na ocrtcnnil, q ue en ten de m os como sendo a espinha d orsal d o c ócci xà cabeça (qu e
tende ao nr ), e o q ue ch am am os de raízes, a p arte do corp o qu e vai d a b aci a a os d edos
elos pés (que te n d e à terra). Visto que o cóccix es tá na b a ci a, ta nto q uan to o coxofemor al,
ela desempenh a um papel fund amental no corpo: ne la se encontram tant o o q ue ten de
ao ar quanto o qu e te nde à terra . O enrniztnnen to, C011"10 d iz o n o rue. t rab alha as raízes dos
de dos d os p és 20 cCl:\ o fe nlo["ê'1.l. Ele: vi s a tr ab a lhar a p esanteu r. a 'Jpes ad u r a'/, a sens a-
cão d e p es ad o , a n cor ar" o co r po n o ch a o. conse gu i r a fi r rne z a das raizes, e p r o v o ca .
/I

(,' vid e n tc rrie n te . o co n trc'l E' d o equ i l ib rio . o -l u e Decrou x eh a m a de equ ilitni o prec ário
LuÍS OTÁVIO BUr,-NIEl{

- Elementos plásticos: trabalho que divide o tronco em: cabeça, peito, ombros e bacia; e
os membros em: cotovelo e m ãos (punhos), e joelhos e pés . Essas partes são trabalha -
das de m ariei ra din âmica e plástica, a o explorar suas possibilidades de articulação.
Cada porção deve, numa primeira instância, ser trabalhada de forma autónoma e in-
dependente . Num segundo momento, elas podem se relacionar entre si e com os par-
ceiros. A relação com o outro deve ser de parte para parte do corpo: um ombro que
" con ver s a " com a bacia, por exemplo. Num terceiro mom ento, começa-se a trabalhar
COlll os impulsos, ou seja, a relação de continuidade e descontinuidade e desbloqueio

de impulsos nervosos do corpo. Como se cada fragmento do corpo lançasse para fora
'car g as elétricas a paIti.r de impulsos interio!es. À medida que o trabalho avança e que,
aumentando a dinâmica, aumentam os estímulos mentais, o ator deve, cada vez mais,
responder prontamente, impulsivamente (ou seja, de maneira instantânea e com irn-
pulsos), às aç ões dos 'p a r cei r os . É nesse momento que se pode ob ser'var ru m real
desbloqueio de impulsos nervosos do corpo.
- Articulações:' explorar as possibilidades de movimento de cada parte do corpo, segun-
do a divisão feita acima. A possibilidade máxima e mínima de cada articulação, a am-
plitude no espaço (grande, pequeno) e diferentes dinâmicas, variando de rápido a lento.
Energia mineral: este termo foi usado por Yves Lebreton (assim como os dois seguin-
tes) para designar um tip o de trabalho que lembra a maneira lenta e sólida das mon-
tanhas e rochas se transformarem . Trata-se de um trabalho feito em ritmo extrema-
mente lento, no qual a pésanteur, a sensação de peso,· é explorada ao máximo. As ba-
ses do corpo são largas (distância grande entre as pernas abertas), e a bacia/ que leva
o tronco, locomove-se corno se fosse uma montanha, ou u ma estátua de pedra. Mui-
tas vezes ex e cu to este exerc ício com uma .su til vibração s on ora contínua l t;>,calizad a
na altura do alto da cintura, abaixo do peito.
Energia vegetal: 'trata-se de trabalhar o livre fluxo de impulsos que nascem nas raízes
(pés-pernas-coxas-bacia).e se projetam pelo alto dotronco. O termo energia vegetal faz .
alusão ao percurso da seiva de uma planta. Os impulsos podem ser .p r ojet ad o s para
foiá do corpo por ~ei6 dos braços, ombros, cabeça, peito. . -._.....
t ,r: , .. . • . . .. , .

En ~rgia animal: exercício que trabalha a localização; desbloqueio e projeção ·d e impul-


sos nervosos do corpo: c~beça, ombros/peito, bacia, braços, pernas. Não se pode es-
quecer que cada ~ma .; :d essas partes é tridimensional e, portanto~ pode projetar ener-
gia para diferentes direções 'n o espaço. Assim, o peito pode lançar pelo externo, pelo
alto das costas, pelas laterais i .. .. . . .

- Koshi: koshi em japonês significa bacia. É a principal parte do corpo para o teatro n ô
e kaou qui do Japão. Por koshi, eu me refiro a urna série de exercícios diferentes que
visam trabalhar a força da bacia. Não a "aquática", como encontramos em nosso sam- o
ba.rnas a firme e forte . Não trabalhamos o kosh'i ~eal Japonês, mas desen;olvemos exer-
cícios a partir da noção do koshi. Um exemplo: a'marra-se com força um 'p an o compri-
do na bacia de um ator, o "rabo" do tecido, que ficará para trás, será puxado por outro
ator, que, agachado, vai tentar segurar o colega com força constante, levando-o a um
"p asseio" p ela sala. Este exercício é feito durante vários dias, até que, depois, o atar o

114
r eali z e! sozin ho, sem o cole ga. Dep ois qu e o ator S e ac ostu ma co rn (J des lo car de sua
bacia pelo espa. ço, p o d em o s en con tra r va riantes, COD1 0, por exemplo : andar normal-
ment e. rn as d eslocan do (n o s e n ti d o de p assear COTI1) a b acia no es p aço ("an dar no r -
mal C0111 koshi" )'. andar corn koshi na ponta dos pés, ou baixar, ir ao chão, levantar,
mu da r d e dir eçã o etc. U rna observação im p or ta n t e : o qu e di ferenc i a u rn an dar rior-
mal "sem koshi" d e u rn "corri koshi " é o movimento da b acia. Normalmente. quando
an dam os. ela tern urn 1110vi111ento de ondulação sutil natural, corno se flutuass e sobre
as águas mansas d o 111a1'. É o m ovimen to decorrente d a va ria ção do p on to d e a p oi o
sobre urna e o u tr a p e rn a . Quando trab alh amos o kos hi, es s a o scila çã o n ã o exis te, ou
d ev e ser evit a d a, controlada. Isso dá urna força e urna presença para a bacia. Ali ás, o
termo kusizi em jap onê s também significa a presença do ator.
- Innn usce : ele s s ão trabalhados em diversos e diferentes exercícios. No en tan t o, pode-
~e busca r um trabalho específico que aborde mais precisamente esta questão . Desen-
v olvem os di versos exercícios nesse sentido, que tinham corno princípios gerais a
t ri d imcnsi onalicia de do corpo (os impulsos podiam ser projetados em diversasdireções)
e a precisão, ou seja, ter sempTe claro o que está sendo trabalhado e ser preciso na execu-
çã o da proposta (exemplo: se está trabalhando ·a projeção para o espaço, então é neces-
sário s er preciso na força doimpulso e na definição precisa do local para onde se está
e~viando). Os impulsos também podem ser trabalhados no espaço interior docorpo.
como algo que não é projetado e constitui uma dança dos impulsos interiores ". Existem
II

três tipos de relação nesse trabalho: consigo mesmo, com o espaço e com um parceiro, a
busca de cantata com o outro por meio da "troca de impulsos ". Num terceiro momento do
trabalho, após obter um certo desbloqueio e aprimoramento técnico, o ator poderá tra-
balhar os impu lsos ern ações fís icas sim p le s, q u e serã o regidas por esses. impulsos se -
cretos/ ou melhor, discretos e sutis. Esse momento, já mais avançado do treinamento, é
um primeiro passo para a passagem para .a. técnica de representação.
Lançame ntos : trata-se de explorar diversas formas de lançar energias ou objetos
imaginários n o e s p a ço . O ato r d e ve procura r apoio e m tipos d e l ançamentos encon-
·tr ad os na v id a . Exemplo : o jogo de bocha, oIan çamento d e disco, de se tas ou de dar-
dos . A. par tir da observação, procura-se " lançar" b ochas, discos, se tas ou dardos ima-
giná ri os . Can-to nos esportes, a ce r t ar com precisão no luga r es pe cí fi co é, neste exer cí-
cio, rn ui to importante .
- Olhos: ins p ir a d os no kat tuikat í estes e xercícios s ão de direcioriamento do olhar no es -
p aç o. R ealiza-se, aq ui , u rn es tu do ela rela ção olha r- movimentos (o o lho que acompa -:
nh a o m o vi me rit o, o qu e opõe, o que confirma e o que contradiz ); o olhar g lo b al, o
pnin tea eycs de D e cr oux (os olh os que parecenl pintados n o m ei o da fa ce e n ã o parti -
ci p arn a ti va m e nt e do m ovimento ).
- Pés : eles são b astan te trabalhados n o s exe rc ício s d e en raiznme n to ac ima de scritos . A
b as e es tá ern pisar da p o nta dos d e d o s até o calcan har, co rno se se m a ss age ass em os
p és . É/ no e u ta n to . importante q ue a qu alq uer rn o rn ento se p o s sa par ar com o pes o
inteir o do co rpo s o b re a pa rte do pé trabalhada . O pé: nes te exercício: deve g rudar':! : 1

/Ieh u p ar" o chã o , co rn o se fosse um d es entupid or d e p ia . T a mb ém tr ab al ha mos d iv er-


Sê1S fUtiTli.:l.S de pi s a. r, e a qui usa m os de ex er cício s de o utras técnic as! corno o kath akali e

11.5
LUÍs OTA ViO BU1~NmR

o nô. Nos elementos plásticos, os pés tamb ém são trabalhados como articulações inde-
pendentes.
Mãos: usamos principalmente os exercícios de Decroux e outros inspirados nos mudras
'i n d ian os . As mãos devem desenhar no esp aço.vcr iando formas preestabelecidas, ou au-
tênticas que são, então, memorizadas fi repetidas.
Rosto: exercícios inspirados no kathakali de independência e contr~le da musculatura
facial. 'D istin g u e -se, aqui, a musculaturados olhos, da boca, sobrancelhas, testa, couro
cabeludo, orelhas, nariz e bochechas.
,Voz: neste primeiro momento, ela era trabalhada junto com os exercícios físicos, ou a
"p a r t ir de um conjunto de movimentos que exploravam distinto~ níveis e qualidades
de- tensão. Como se sabe, voz é respiração e corpo. Isso é evidente, mas, no caso do
ator, significa algumas particularidades específicas, que podem determinar alterações
na metodologia do trabalho vocal. Normalmente, no contexto do trabalho de voz para
~ cantor ou em trabalhos de terapia vocal, o 'indivíduo fica em pé, corn o peso ligeira-
mente para frente, a garganta e a cabeça relaxadas; nessa postura.. o i!1divíduo se con-
centra em sua respiração e na emissão da voz . Para um atar, isso simplesmente não
funciona, pois ele não pode estar relaxado no 'palco, a menos que repre?ente um mor-
to! Nossa arte significa trabalhar as tensões e suas variações. Lembremos Etienne
Decroux: ele dizia que a lei da vida é a do menor esforço para o maior efeito, e a da ,
arte de ator, a do maior esforço para ~ menor efeito (princípio este 'r e t o m a d o por
Eugenio Barba). Não existe arte de atar no relaxamento, mas, ao contrário, na tensão
(que varia de forte a fraca). O importante, como ressalta Grotowski, é não 'fe ch ar a
laringe. Talvez ele tenha sido o diretor ocidental que mais tenha pesquisado ~, questão
da voz para o ator.Em 1969, em Worclaw, ele proferiu uma conferência pará estagi-
ários sobre o trabalho vocal. para atores. Vejamos algumas passagens de seu discurso:

Sempre ouvi dizer que os atores devem praticar os exercícios respiratórios do Hatha-Yoga
[...). Como são feitos os exercícios no Hatha-Yoga? Começamos controlando a duração da
inspiração e da expiração. Tentamos inspirar lentamente e expirar ainda mais lentamente.
Mas para expirar muito mais lentamente, devemos fechar a laringe pela metade. E em
seguida procuramos a pausa entre a inspir ação e expiração. Esta pausadeve ser cada dia
um pouco mais longa, devemos fechar verdadeiramente a laringe; não só até a metade, mas
completamente. Em seguida, abrimo-la pela metade para expirar [...l.Disso só podem
resultar erros e bloqueios para os atores. Eu não ataco esta técnica quando aplicada a
outros fins, mas para atores é um absurdo. [...]
Sem dúvida, a expiração traz a voz. Mas para trazer a voz, a expiração deve ser org ânica
e aberta. A laringe deve estar aberta e não se pode provocar isto por manipulações técnicas
do aparelho vocal.
Talvez exista uma prescrição a fazer aos ateres: eles não devem fazer economia de ar. Mas
o que se explica aos'ateres, o que se tem aplicado nas escolas teatrais, é uma prescrição
oposta. Ensina-se como economizar a expiração, como ter urna longa expiração, ensina-
se todos esses exercícios de expiração e de pronunciação de números -1,2,3, etc. Pratica-se
uma educação e uma formação que só cria dificuldades [...].

116
A té ago r a eu se i m ui to m ais o qu e não se de v e faze r C0111 a v oz do qu e o qu e s e dev e fa zer.
Mas es te s c11 1t' 1' o q ue não se d e ve fa z er é, TIa minha opinião, bem mais impor tante: isso q uer
d ize r q ue n ão se deve faze r exercícios v ocais, ru as qu e se d ev e L1 tiliz ar a voz em exercicios
que cülnpr om et a~n todo o n O S 50 s er e onde a vo z se li b ert ará sozinha . S ei tam bém q u e n ão
devemos traba lhar a voz e J.ll alg uma posi çã o fi x a, rígi d a, que todas as posições-chaves d os
a tares que tr ab alham a voz b loqueiam a voz; todas essas p osiçõ es si métricas. geoD1étricas,
as p osiçõ es s em m o vimentos o u com m o vim ent os automatizados, t u do isso é es té ril . [...]
N ã o podemos trabalh a r com a voz sem t rab al h a r corn o "corpo-rriernória" (Crotowski.
197], p . 87 -131) ,

N o início, noss os trab alhos vocais eram "livres". O a t or come çava por um a9u ecimento
e treinamento fí s ic o sem v o z. Urn a vez aque cido, eu" lhe p edi a que a introduzisse li-
vremente . Dependendo do que ocorria/ en pedia outras coisas/ jogava estímulos, _d ir i-
gia o trabalho. Assim, quand o a v oz estava muito gritada/ es te re o tip a d a/ ou deixava/
até ver o qu e acontecia/ s e o cansaço mudaria es s a qualidade vocal/ ou eu lhe pedia
algo de mais preciso/ como/ por exemplo. que emitisse um s o m contínuo eba.ixo/ ou
mudasse de uma deterrniriada qualidade d e movimento para outra. Na grande maio-
Tia das vezes/ o trabalho era orientado para as ações do corpo/ e a voz era entendida
corno uma extensão do movimento/ urna extensão do corpo. Muitas vezes' eu pedia/
quando queria intervir/ alterações na d i n â m i ca das ações, ou nas próprias a ções .
Quando percebia, em determinados momentos/ qu e a: voz saía Iímpida, laringe aber-
t a, a mpla" / m esmo que pequena/ então pedia que se insistisse nessa qualidad e, qu~
II

se buscasse por esse caminho. Q u ando urna d eterminada qualidade já se repetia com
mais freqüência, então d izia p ara que articulass e sons COil1 essa qualidad e/ depois
palavras. vou que ca ntasse alguma canção. C omo se p er ceb e, o trab alho v'ocaI fo i uma
verdadeira busca' conjunta com atar. ó .
- Trabalho com objetos: como Yves Lebreton, trabalhamos em noss os treinos basicamen-
te d o is tipos de objetos: o b astão e o tecido . Um rígido, d e for ma fi xa e imutável/ e
outro flexível, cu ja forma é m u t ável . 'P a r a o treinamento com o objeto, é imp or ta n te
d esen volver a escu ta de su a diri âmi ca. C ada objeto tern Uil1a forma . U111 a espessu r a,
U1l1 p e so q ue d eterminam uma din âmi ca m u it o p ar ti cular s e lan ça d o n o a r. Ess e tr ei -

namento visa d esenvolver uma relaç ão ato r- objeto em que os i m p u ls os das ações do
ator são transferidos para o objeto e a din âmica espacial do ob je t o é transferida para
o corpo d o ator. Esse trab a lh o com e ça com o enraizamento elo co r p o; depois se inicia
um cantata corn o objeto. sua for m a, p e s o, t extu r a . D epois, v e m urn aprendizado de
manip ulações té cn icas pos s ív e is/ um a r elação diri âmica a tor-ob je to-ator e/ por fim,
s ob r e v ern a tr ansformaçã o d o ob je to. Por " t r an s f on n a çã o elo o b je t o " quero dizer o
momento ern qu e es te torna o u tr o sentido e significado p ar a o at a r.

ESses f'xe rcicius são n orm a lmente tr ab alh a do s e rn u rn a se qu ênci a. o u s eja, U 111 en-
ca d.ea rne nto . A "ecqii ência", corn o é cha m a da . v ar ia d e p end end o d a. é p o ca e dos o b je ti-
vos. AsslDl, po d cría mos co m e çar pelo espreg ulçarnen to, trab alho d o s p istõ e s e p r opul s o-
res; depoi.s saltos . enr ai z a m e n to: energi a mi n eral. ele me n tos plástico s , irn p u ls os. vo z ; ou

11'7
:-;0,

, " .
.. . LUÍs OTAvIO BURNIER

começar pelos and ares! koshi, correr/ saltos/ enraizamento/ el ementos plástico s! energia
a n imal. impulsos! Iançarnentos. vo z.
O importante! no en t an to/ é fi xar urna seq üên cia d e ex er cí cios; qu e ela seja sabida
e memorizada. O ato r não tem de se preocupar com o que fa zer agora. Questõ es co m o
"fa ço isto ou faço aquilo! acho que quero fazer aquilo outro" s im p lesmen te n ão exis tem.
Ele tem uma seqüência de exercícios precisos que deve executar/ entregando-se a eles a o
mesmo tempo em que busca a mais perfeita e precisa articulação d e ca d a u rn.
A classificação feita acima refere -se a Ulll" conj unto tem áti co" . Assim, so b o tern a
de en raizamen io há um conjunto de exercícios precisos, cuja enumeração não s ó se r ia
exaustiva como não serviria de: muito! pois dificilmente seriam transferidos para ~ lin-
guagem verbal escrita. Suponhamos que rio enraiz am en to existam de z diferentes tipos de
exercícios específicos: na sequência, eles serão escolhidos e selecionados. Portanto! quando
soe fixa uma seqii ência. não só a ordem do conjunto temático deve existir/ mas também os
exercícios precisos que compõem esse conjunt~ temático. °

Elaborar uma seqii ência significa, sobretudo. vter-claro o que se pretend e trabalhar
com ela . É o objetivo que vai determinar Se ela deve ser somente de conjlfntos te má tic os
(sendo livre a escolha dos ex-ercícios específicos tou se fixa absolutamente todos os ex er-
ciciosprecisos. Em geral, esse objetivo não deve ser conhecido pelo ator, pois isso pode
levá-lo a uma aproximação puramente racional do exercício! o que limita o seu âmbito
de ação. Lembrando mais uma vez Stanislavski, lia
ação vem da vontade. da intuição;
discussão vem da mente/ da cabeça" (Toporkov, s.d ., p. 159) .

Gravidade-peso (uso das mãos como amortecedores ), L. O. Burnier. Fotos: Pedro [irnenez

Gravidade-peso (uso de mãos e braços como amortecedores), L. O . Burnie r

118
Gravidade-peso (mãos,braços, peito e bacia como amortecedores), L. O. Burnier. Fotos: Pedro Jimenez

Se qüê nci a d e salto,


L. O . Burriier

CJue da de costa s .
L. O. Bunúer
I
:.,....-
.' ; ". LUÍs OTAvIO pUR N IE R

Queda lateral com salto, L. O. Burnier. Fotos: Pe d r o Jimenez

Queda lateral com subida, L. O. Burnier

120
Elementos plásticos (peito para fren te, peit ópara trá s, p eito lateral), L. O . Burniei. 'Fo tos : Pedia [irnenez'

Elementos plásticos (quadril para frente; quad ril p ara trás, quadri.l1él;teral), L.O ~ Burnier

Lançame nto frontal e lan çam en to para trás; L. O . Burnier

12 1
LU Ís O TÁVIO B URNIER

Ko -shi (figuras em desequilíbrio), L. O . Burnier. Fotos: Pedro Jimenez

122
/\ Al·:T1·: rJE ;\T0 1(: DA Tt :O"!lCA A REl'l~E::SENTAÇACJ

Trabalho com tecid o, Ri ca rd o Puccetti . Foto : Tina Coêlho

123
LU Ís O T Á VIO BU RNI EI{·

Lançamento corri salto, Carlos Simioni. Foto : Tina 'Co êlh o

124
.......

Salto em relação com o ar, Carlos Simioni Salto em relação com o chão, Carlos Simioni
LUÍs O TÁVIO BURNIER

Oposições, Carlos Simioní Gravidade-peso (amortecedores), Ricardo Puccetti

Lançamento, Ricardo Puccetti. Fotos : Tina Coêlho

126
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Ko -Sh i, planô 'm"é cii o, Ricard o P~l ~c etti

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Fotos : Tin el Coêlh o

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Luís OT ÂV IO BURNIER

Elementos plásticos com enraizamento, Ricardo Puccetti. Foto: Tina Coêlho

128
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El ementos p lásti co s com en raizamento, Ca rl os Sim iorii . Fo to : Tina C oê lh o


Luis OTAvIO RURNTER

Segunda fase
,A ,p ar ticip a ção de Carlos nos Seminários de Pesguisa para Atares, dirigidos por Iben
NagelRasm u ss en . trouxe, para nosso trabalho, ~lma série de novos exercícios que foram
ime d ia t am en t e assimilados, trabalhados e mais tardetransformados . A descrição dos exer-
cíciosque transcrevemosabaixo é retirada. de urna apostila escrita por Luís Masgrau, ob-
servad orde urn dos seis seminários, com a supervisão de Iben, distribuída aos participan-
te s em dezembro de 1993.

- O sum urai: consiste em adotar urna posição .d e base, com os joelhos dobrados e
ab er to s para fora, as costas retas, convenientemente apoiadas na base da coluna, 'e os
b raços Ievantad os, com os c.otovelos na altura .d..os ornbros . Partind9 ,~es~a posição, o
exercício consiste em mover-se no espaço levantando os joelhos (sempre conservando a
p os iç ãode base) e avançar um passo, deixando cair todo o peso do cc:>rpo sobre a perna
deslo cada. Os braços podem mover-se livremente . O exerc ício em si tem muitas possibi-
lidades e variantes. Uma vez que o ator domina a posição e o passo de base, pode reali-
zar tO,das as variações que queira: mudanças de direção, modelagem das mãos etc.-
O sarnurai é um exercício orientado para utilizar o peso para reforçar a energia e,
porta nto, 'a p resença cênica 'd o atar. O mais irnp ort ante é aprender a dominar o ' peso e
saber utilizá-lo. Para isso, o ator deve isolar e manter todo o tempo o centro no eixo, for-
mado pela base da coluna vertebral e a pélvis. Aí reside o centro nevrálgico de onde ele
deve controlar o .s eu peso. Manter esse centro é o que dá à figura do s arnur ai essa
im p on ên cia tão característica, essa, espécie de concentração, que é o segredo de toda sua
for ça . O samurai não é como o boxeador ou o lutador de sum~~ é alguém ql\~ está con-
si o
centradoem mesmo. Uma vezisolado o centro e controlado peso, o ator deve tentar .
utilizar o olhar para definircom preci$ão .a direção no ~spaço e reforçar, assim, ~ua pre-
sença cên.i,c,a.
- A gueixa: como no caso do sarnurai, este exercício sé inspira no arquétipo da gueixa
para comporuma fi'g~.H~ ,é uma determinada maneira de rhover-se. ÁdHerença é que,
no
caso da ,gl~e~xa, não há uma posição e um passo de ,b ~se . Cada ator deve encontrar e com-
por sua p ,rôpria gueixa.
No princípio, osatoresdevem mC?ver-se no espaço corno urna gueixa, buscando .ações
precisas de base e fixando-as. Para isso, é importante imaginar estímulos concretos, "por
onde caminha", 0 que vê". Urna vez encontrado o desenho.básico do arquétipo, começa-se
1/

a d~senvo,!yer ações. Durante todo esse tra?alho, é muito importante modelar a energia e
não tentar-ilustrar.
É ' importante realizar todos os seus movimentos a 'p artir do estômago. No: caso do
sarnurai, otrabalho se concentrana parte inferior do corpo, o que implica que a coluna ver-
tebral trabalhe utilizando todo o corpo na ação . Na gueixa, em contrapartida, o trabalho se
concentra muito mais na parte superior, sobretudo nos braços e nas mãos. Isso comporta o
perigo de mover somente as extremidades superiores, sem implicar o uso da coluna. Neste

130
caso, o a t o l' não re aliz a a ções. D1êlS m ovirn cn to s: li ai a n e cessidade de mover os braços a
partir do estôma go .
O ob je tiv o d a gueixa é mod elar a encrg ia, mas agoIJ. C0111 111n princípio distinto. No
caso do samural, trata-s e de utili zar o peso; e neste, a segn1entação. No caso elo sarnu rai, o
corpo tr abalha cm bl o cos, d efin indo, cad a vez, urn a só direção no esp a ço . Corn a gueixa,
trata-se ele decomp or o corpo, de torná-lo urna reê1-ridCft.te poliédrica, que desenha simulta-
nearnente várias direções no espaço. O atar deve controlar a segmenta ção, aprender a mover
ca da pa rte d e s eu co rp o corn autonomia e pre cis ão, exp loran d o todas as possibilidad es qu e
esta pos sa ter.
O r es u.lta d o deste exercício é urna presença, qu e é o oposto complementário da pre-
sença do saruurui. O ex ercício do sarnurai serve para reforçar a presença; o da gueixa,
para d a r ên fase às su tilezas e matizes e buscar tod o t ipo de possibilidades. O sarnurai e
a gueixa implicam duas t emperaturas extremas da energia, dois pólos opostos a partir
dos q u ais o atar poderá d esenvolv er toda gan1a d e m atizes possíveis . Eugenio Barba de-
nomina -os animus e anima e insiste que, para um at or, é fu n da m en t al o domínio de ambos.
Se não domina u m dos pólos, sua energia jamais conseguirá toda sua extensão e
desenvolvimento. É um erro muito comum identificar os dois pólos com a masculinidade
e a feminilidade e, assim, reduzir arbitrariamente as possibilidades do ator ern função
de seu sexo. A energia não tem sexo. Independentemente dele, a energia do atar pode
ser forte e dura ou suave e delicada.
Um a variação de sses exercícios consiste eDl improvisar livremente, s alta n d o .d o
sarnurai para a gueixa. Por e xemplo: um sarnurai v ai camir:hando pelo bosque, a gueixa "
tarnbé rn v ai camin hando pelo 111e S 0 1 0 bosque; encon tram-se. O que acontec~? Esta situ-
ação permite que os atores explorem a gan1a de sua energia em todos os matizes. Natural-
mente, esta variação só pode acontecer se "os atores trabalharam suficientemente corn os
arquétipos separadamente e, portanto, t êm os dois pólos de sua energia p erfeitamente
estabelecidos .
- D an ça dos uenios: a d ança dos ventos consiste em um passo t er n á ri o, h armoniz a -
d o co m a respiração - que é bi n ár ia - ela s eguinte forma : o p asso t ern á ri o tern um ac en to
forte no início, qu e de v e co incidir C0111 a expira çã o .
A d ança dos vento s é fundam en tal, pois é urna m an e.ira de desen volver· a fluide z
da energi a, da q u al, p or sua vez, depende a organi cidade d o ator. Apoiando-se n o passo
te rnário ela dança dos ve n tos, o ator p ode re alizar to do tipo de variações: passos larg os,
cu rtos, rá p idos, lent os , mudanças d e r i tmo e tc.
A dança dos v en tos é u rn a maneira d e conv erter a respiraç ão - concretarnente a
expiraçã o - ern u rn a font e d e en er e ia . N orrnal m erite. a ex o ira c ão é urn moment o d e rela-
.,> L) 1 :;J

xam erito no qual nos esvazia m os d e energia. . A qu es t ã o é CO Dl .O utilizar esse m ome n to para
renovar a energia . N a dança d os ven tos a au to -r enovaçã o é r e a lida d e, a o faz er coincidir a
expiração (o moment o n o q u a l fi n a liz a o p r o cess o de r esp iraçã o ) corn o rn o m en to ini ci ai
d o pass o ter n ár io . Dess a m anci r a . U1Da cade ia entre o fi n a l da respira çã o e o iníc io do
m o vimen t o prod u z a co n tin u ida de d a ener gi a. a tra vés d e um a au to -r eno v aç ã o .

131
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Luís OT1\ VrO BURNIER 0"1: . ~ . '.:
' ,' .

Algumas vari a ções da d an ça dos ventos : ação de manipular t ec idos sobreposta à


d an ça . Lanç ar b olas imaginárias/ realizando UDl p equeno stop par a reter a ener g ia . Esta
v ariação d e lançamentos é d esenvolvida ta mb ém em pares/ o que obriga os ato~e s a tr a -
balhar com outro princípio/ o da ação-reação. Cada lançamento de Ulll dos atares te m
de ger ar a correspondente rea çã o 'd o outro .
- Foru-de-equiiibrio: tr ata-se de ürn exercíci o que só é- a con se lh áv e l em uma segun-
da fase/ quand o o ator já trabalhou/ antes/ com outros exercícios mais básicos/ como a
dança dos ventos ou o samurai. O exercício consiste em modelar livremente a energia
utilizando o desequilíbrio .
Os exercícios for a- d e-eq uilíb rio e a dança dos ventos são/ os dois pilares básicos deste
tipo de treinamento físico do ator. i Mesmo que pertençam a duas fases diferentes do pro-
ces so deaprendizagem, seu objetivo é o mesmo: auto-renovar a energia do ator. O exer-
cício tem três mom en tos:

1) Alteração do coui libr io: consiste em realizar urna ação qualquer que nos tire do equilí-
brio controlado. Is so constitui a base do exercício. Nesse sentido/ é muito importante
colocar-se em uma situação real de perda do equilíb rio. Isso/ está claro/ comporta um
momento de risco/ porque o ator se vê obrigado a perder o controle de seu peso. Se
não h á um a p erda real desse controle, o processo do ex ercício se bloqueia .
2) Evitar a queda: consiste em realizar uma ação rápida e precisa para evitar a queda .
Por exem p lo : se a alteração d.o equilíbrio foi cair para trás, temos de realizar umcon-
tra-irnpulso com a ci ntura, par~ girarmos e colocarmos uma perna no chão; então o
momento rápido de queda fica bloqueado repentinamente . Geralmente/ esse momen-
to de conclusão implica uma perda .d e energia. Toda a chave do exercício está.em corno
utilizar ostop final para gerar energia/ ou melhor/ para renová-la. É o mesmo princí-
pio do moinho d'água: a queda-da água faz girar a roda 'q lle 'gera ,energi~ . .O stop, da
queda deve converter-se no impulso inicial de um segundo movimento/ que serve de
passagem parase recl.:!-perar a posição vertical. Quando evitamos cair/ desde o momento
. .. . . .
~·~ '~i~-e nos cotocamos emsitua çãode equilíbrio precário, a c~luna vertebral trab'alha
implicando todo o nosso corpo naação. O exercício fora-de-equilíbrio é uma maneira
de desenvolver. um princípio fundamental .da técnica de ator: converter o peso em ener-
gia/ mediante a coluna vertebral. Para que esta reconversão do -peso em energia aconte-
ça/ é preciso que durante a queda retenhamos toda nossa energia em um nó no centro
do estômago, pronta para ser utilizada no momento eIP q.ue se produz o bloqueio.
Quando o ator realiza a passagem para recuperar o equilíbrio normal, essa energia
pode ser usada suavemente; mas, ainda assim, ele d 'evé manter esse nó de energia no
estômago/ o.que lhe permite/ se quiser/ realizar a passagem utilizando toda sua energia.
3) A passagem: o terceiro momento ea. transformação que o ator realiza, desde o bloqueio
d~ queda até que se coloque em uma nova situação de fora-de-equilíbrio. O essencial da
transição é a .rn u d ança de direção. Efetivarnente, o mesmo bloqueio da queda deve le-
var implícita uma mudança de di~eção que há de gerar o contra-impulso necessário
para começar a nova ação. Esse terceiro momento consiste em dirigir toda nossa ener-

132
gia paIEi. urna 110Va. dirr.ç âo. D olhar po de aj u d ar m u ito. Ao se bloquear a queda, ccn-
v ém li ti liz ar o olha r COD1 rapidez e pr ecisão para. desenh a r a nOV21 dire ção .

A lógica impl ícita no processo, qu e cons tit ui esses tr ês momentos. pode s er aplica -
da cl e mui tas m aneiras. O ex ercí ci o [ora-tie-euuil (brio é 1.1 ln canlpo m 1.1 iro Iivre. no q 1131 cad a
ator pod e e d ev e criar as pr óprias aç ôes .
- Voz : tr abalho CO l TI os cin co ressonadores essenciais : m ásca r a, p eito, es tôma g o, ca-
b e ça e n II ca. O te r rn o rcssotut d Dr, u s a d opor G r o t o w s k i , n 3 ver da d e n o i n d i c a
â

re ss o na cl ores vo cai s 110 corp o, rna s pontos de vibração: a grand e a ven tu r a de noss a
/I

p es qui s a roi a des cob erta dos reeeonndores; tal vez a palavra. uibrador seja m ai s e xata por-
gu e, d o ponto d e v i s ta da precisão cie ntífica , n ã o sã o ex at a m e n t e r e ss o.n a d or es "
(Croto wski, 1971, p p . 18-131). Exis tem m u itos o utros ressonadore s . Crotowski chegou a
en con tr a r m ais de 20, DIas estes ci n co e m ais o da garganta são sufici entes para lib erar
a organicidade ela voz . O ator de ve poder con trolar o movimento ele sua v oz e colocá-l a .
co rn precisão e m alg u m dos ressonadores s em m istu r á-lo COTIl os outros .
Urna parte muito importante do treinamen to vocal consiste ern utilizar imagens para
colorir a v oz do ator. Por e xemplo : o canto d a la v a, o canto da n ev e . Essas d uas imagens
contr a postas a tua m co rn o estímu l os para levar a voz do atar até d uas reg iões t>aixà.s
. (ressonadoresde p eito ~. es t ômago ) e altas (r essonador e s d e cabeçae nuca), r espectivamente .
A pr ern iss a rn a is importante para d e s en v ol v e r o tr a.balho vocal C0111 a noção dós'
ressona dores é não se es cu t a r, não manipu lar a voz ele maneira co nsciente, mas senlpre
reagindo a esrímulo s precisos. No momento ern que o ato r dirig e sua atenção para a
própria voz, a la r inge tende a fe ch ar -se , dificultan d o e a té inl p ed i.n d o o movimento orgâ -
nico da voz . No. exercício C0111 i m ag ens, não se tr ata d e d e s cr e ver, corn a voz, a la v a do
v u l cã o ou a neve caindo, mas deixar-se pene trar 'pel as im a gens- estím u lo s para que estas
d êem colorido à voz. O ator tem ser receptivo . A verdadeira açâo é sempre urna recepção ,
- A ções físicas com açôes voc ais: neste caso, trata-se de sobrepor urna determinad a
ação físic a ao t r ab alho ela voz . Elab ora r U111a a ção f ísi c a para ca da resso nador e d epois
en cad eá-l as . Realiza ndo ess a par ti tura, os ato res util iz a m as ações físicas para modelar
voz . O ato r d eve co ncentr a r-s" e sobre suas acões
.;,
físicas e isso o imo
1.
ede de diriz.ir
'-'
2 co ns-

ciên cia p a r a a p rópria v oz . '0111a vez fixa da. ess a parti tura, propõe-se que o a t?r co loqu e
i sob r e ela imagens d istintas. A parti tura fí sica selnpre é a 111eS111a, mas o s estímulos mu-
1--
i darn. Corn is s o a voz s e co lor e com diferentes mati z e s .
l--
I
~
A vo z é algo imater ial para o ator : ele n ã o pode pegá-la. Iss o o leva a tun a sensação
1---
de maior dificuldade n o modelar a voz do que no m odelar o corpo. No entanto , corno voz é
I
f r es ul ta do d a exp ir a çã o, que é pro pulsi ona.da p el o cor p o, paI s uas m uscu laturas. q ue se
ten si on arn diferentemente. d e acor do com d ist i ntas p osi ções do corp o, este de ve se r a base
p ara o traba lho vo ca l d o a ta r.
t
i
-- Aç /io uoc:l , tr a ta -s e d e: UH\. conjunto d e exercíc io s qU t: v isa tr ab a lh ar a \ lO Z n ão so-
!~
I Dlen te corn o em issao SO]{Oi ·LZ , mas como ações . O a tor d eve trabalhar s ua V07 corno Sê' ela fo ss e
i
: ~
u rna ext ensã o ele se u corpo, ca.p az de r eali zar urn a. a ç.io . ta l co rno se u bra ço. E xe mplo : irna -
gl n ar uni obieto coru di m e ns ôcs.. Io rma e pes o bern pre cisos. 2t algun s m et ros de si . Com a
LUÍs OT.ÁVlO BURNIER

voz, tentar elevar esse objeto, trazê-lo para si, empurrá-lo, levá-lo ao teta, deix á-lo cair, puxá-
lo, e assim pai d iante. Out.ro exemplo: imaginar uma tela branca diante de si e, como se a
voz fosse U111 p incel com cores, desenhar, forma r, colorir, enfim, pintar um quadro.
U rna voz não é so~ne n te uma emissão vocal, m as uma emissão vocal acompanhada
de um deterrninado dinanl,oritmo. Podemos falar urna llles:na palavra de maneiras tão dis -
tintas .q u e seu significado muda completamente. A ação vocal é precisamente a man,eira
corno a voz atua n o tempo e no espaço, estabelecendo urna relação de causalidade entre
a aç ã o que ex e cu ta e a din âmic a de emissão do som.

Todos e ss es exercícios são ensinados por meio da in1itaçã,o. Não há comentários. O


aprendiz v ê e irni taB omcntc depois de um certotempo, quando o exercício jáIojapreen- '
dido e é execu tad o, mesmo que corn erros, é que haverá correções . Essas correções não
se r ão ex p lica d as, Irias efetuadas seja por meio de curtos e sucintos comentários, 'seja por
m eio de uma variação do exercício que é pedida (visando ocasionar uma exp~riência
div ersa qu e le ve à compreensão prática do erro), ou ainda por meio de to q u es físicos no
cor p o do atar (o or ie n ta d or, com as mãos, corrige uma determinada postura). É impor-
tante, no entanto, que essas correções só sejam efetuadas num segundo momen~o" após
o atar h aver. " con qu is t a d o" o exercício, ou seja, a partir do momento em que ele não
precise mais do "modelo" e já tenha a sensação de domínio sobre o que faz . Evidente-
m ente a correçã.o deve ser feita antes de uma possível sedimentação 'dos erros .
Os comentários explicativos dos exercícios são raros e lin:itados.Não é i~portante
o a tar saber dos obj etivos, m as ex ecutá-los. Ele deve, antes de m ais nada, apreen~ê -los em
seu corpo, assim descobrirá por si só os objetivos e efeitos. Racionalizar tais objetivos e .a
maneira como o exercício deve ser executado, na maioria das vezes, achata as possíveis
dimensões que oexercício possa ter.Timitando-as. Portanto, para o próprio bem do .d e-
senvolvimcntodo exercício, convém 'ev it ar a verbalização .
.... Esse 'tr ein am en to foi executado ir or nós durante todas as manhãs de umlongo pe- •• 0 .• • •• • i.. .~

ríodo. Começávamos o trabalho c~m ele e depois entrávamos na dança pessoal. Iniciá-
vamos o trabalho, naquela época, às 6 horas da manhã. Até as 9h~O, 10 horas, fazíamos
esses exercícios explorando detidamente cada um, o que nos levava a desenvolvê-los,
Muitas vezes.passávamos todo esse período da manhã somente em um ou dois exercícios.
Por exemplo, t~abalhamos ~. dança dos vento.s durante rries~s por períodos de d~as, três
e até quatro horas seguidas, sem parar. Foi então que descobri que ela era muito próxi-
ma do treinamento energético, mas com é~di?os determinados (o passo e o ritmo ternário). -'
I

Após esse primeiro momento, começávamos o trabalho sobre a dança pessoal, que
, , ~i
ia das 9h30, 10 '· horas, até o 12h30, 13 horas. Foi nessa época que o ator Ricardo Puccetti
começou a trabalhar assiduamente conosco. Esse foi o período de início da busca de sua
dança p ess o al, durante o qual a minha presença muda foi fundamental. Eu fazia
pouquíssimos comentários. Após praticamente um ano trabalhando' nessa dinâmica, dei
-I

início ao trabalho de aprofundamento na busca da dança pessoal de Ricardo .


A seguir descrevo sucintamente esse processo, iniciado no segundo semestre de 1990 .

134
Sautu rai (F, 2;~ e 3,::. pa ssos d e b a s e ), R icard o Pu ccetti . Foto : Tin a Cc êlho

135
....;; .. ·'" i . ;, Luís OTÁV10 DURNIER

Samural em relação . Ricardo Puccetti e Carlos S~~ioni

Fora de equilíbrio, Ricardo Puccetti Gueixa, Carlos Simioni. Fotos: Tina Coêlho

136
Nota
Uma descrição mais pormenorizada da maioria desses exercícios pode ser encontrada em minha d issertação
de mestrado, Sur la format ion de lacteur, Instituto de Estudos Teatr ais, Paris III .

137
Capírulo 5

DANÇA PESSOAL OU' "DANÇA DAS ENERGIAS /I

A t écnica não somen te n ã o exclui a s en sib ili dad e:


ela a au toriza e lib er a.
J ACQUES COPEAU

o inicio dos trabalhos com Ricar d o P uccetti foi


com o tr einam ent o energético. Ele par-
ticipou de diversos estágios de curta duração (de l1m~ aquatro semanas), que se prolonga-
Iam ao longo de UD1 ano/ tendo p equenos intervalos entre eles. O fato de Ricardo trabalhar
durante esse ano/ sobretudo o treinamento energético/ foi importante no contexto das pes-
qu is as qu e a cab amos realizando m ais t arde .
O treinamento energéti co/ co mo já foi visto/ p ermite - e v isa - u lt r apass ar os este-
r eótipos e assim r ev el ar a h u m anid a d e/ a pessoa. For nece info r m a ções importantes! a l érn
de apontar caminhos a segu ir e resultar em um con ju n t o d e aç ões físicas que/ em geral, apre-
sen tam .u rn a li g a çã o mais profunda COD1 o a tar.

o t rein a m en to energético v ai além das fr onteiras d o puramente técnico. Ele p ossibili ta


ao atar entrar em ca n ta t a e revelar, livre do crivo do intelect o e do r acion al, a geografi a
das re giões m ais profundas d e sua pessoa: O " tr ein am en to" p rovoca e ocasiona uma
dim inuiçã o d o laps o de temp o existente en tr e um im p u ls o e a ação . O at a r ex tr av asa
ações corporai s e s onoras g enuínas! re ple tas de se nsações e de em oções muitas v ezes
co ntra d itórias (Ricar d o Puccetti, Rel atóri o d e pesquisa! 1988 ).

A o d i mirruir o laps o d e tempo entre os imp ulsos mentais e as ações físicas! ess e tip o
de tre ina.m ento p e r ru it e qu e ca da aç ão tenh a u rna ín tim a relaçã o C0111 a pess oa e seu u n i-

139
- Ó; ' ; ,

' .. LUÍs OTÁVIO BURNIER


.-,' ;

verso interior. Ele busca ãtingir energias interiores mais profundas que estão normalmente
ern estado potencial no indivíduo. Mais do que fazer açõcs10 treinamento energético oca-
siona um cantata com as vibrações e pulsações do atar. Além de seu aspecto físico, o atar
experimenta diferentes qualidades, nu anças, colorações" de suas ações. Ao terminar urna
/I

sessão desse treinamento. normalmente o atorse apresenta fisicamente cansado, exausto,


mas interiormente vibrante, acordado.
Num segundo momento, após muitas sessões do treinamento energético; ações recor-
rentes são detectadas e passam a ser codificadas quase que naturalmente, devido à própria
repetição, e são classificadas segundo esquemas do próprioator. É iInportante frisar que a
memorização e codificação não estão limitadas ao aspecto puramente físico. As ações de-
vem permanecer acompanhadas de suas colorações, da IItemperatura" particularque lhes é
própria. Aliás, essa temperatura ~ o primeiro sinal detectado pelo atar; as ações físicas de-
correntes dela só o serão num segundo momento. No entanto, a codificação acontece por
meio das ações físicas e não da temperatura .
A dançapessoal é, digamos, uma "filha" do treinamento energético. Corri o caminhar
dotempo, diversas variantes desse treinamento foram se delineando. Ante a necessidade
de fixar as ações recorrentes, fomos memorizando-as aos poucos, criando, assim, um léxico
particular, pessoal e corpóreo do, ator. Embora o treinamento energético em si não apre-
sentasse elementos pré-fixados, num outro momento, denominado por nós de. treinamento
pessoal, esses códigos recorrentes eram retomados e trabalhados "livremente"; ou seja, o
atar podia misturar a ordem, D9 espaço e no tempo que bem quisesse (isso não impedia a
possibilidade do novo, mas a base do trabalho era com o ~aterial já existente, urna espécie
de improviso com códigos fixos, como se o atar pintasse um quadro com tintas que ele já pos-
suísse). Assim o treinamento pessoal passou a ser uma extensão do energétic o, corno uma
variação. O energ~tico abria caminhos apontando perspectivas que eram desenvolvidas,
aprofundadas e aprimoradas!19 treinamento pessoal, que mais tarde se configuraria na dan-
ça pessoal ou dança das energias.
A dança pessoal, tal como vem sendo delineada, ~ um trabalho que busca as mesmas
'qu a] i ~ ad e s de energia e de vibrações énc on tr ad as no eneigéiico, os mesmos códigos àp r i- .
morados no treinamento pessoal, mas com dinâmica completamente diversa . .0 energético
trabalha em ritmo acelerado visando ultrapassar o esgotamento físico, uma relação ação -
reação imediata, quase por reflexo instintivo; o treinamento pessoal trabalha as ações recor-
rentes, codificando-as e aprimorando-as. Já a dança pessoal trabalha com essas ações re-
correntes segundo as diversas gualidades de energia, usando de diferentes dinâmicas
muitas vezes lentas e vagarosas, em que o tópico é o ouvir-se, buscar e explorar formas de
articular, por meio do corpo, as energias potenciais que estão sendo dinamizadas, de ser
fazendo eno fazer, de dar forma à vida.
O treinamento energético, ao 'p r ov ocar esta espécie de expu~go das energias primeiras
do ator, dinamiza energias potenciais, induz e provoca o contato do ator consigo mesmo e
ensina-o a reconhecer, na escuridão, após uma caminhada cada vez mais profunda em seu
interior, recantos desconhecidos, esquecidos", que podem vir a ser uma das fontes para
1/

a criação de sua arte. O treino pessoal tem o mérito de mostrar que os resultados dessa

140
bus ca p od em s er articulad o s! trans formar -se nurn léxico! nuru a língua! qu e lemb ra, mostra
e di namiz u e ne r g i as profundas e potenciais. Ele "ensina" qu e toda Iín gu a te m códigos e
que ele s li ã o s ã o Iimitati v os . In a S ao contr ário. necess ário s. I\.. d an ça p ess o al. por me io
I

dos códigos, vai al ém deles eln busca de 1.1Dla dança de nossas ui brnções e energ ias p oten -
ci ai s . É éi d inam iz a ção, p or m eio elas a ções fí sicas, d e e nergias originárias e primitiva s do
a ta r (qu e se encontram nonnaJmente adorm ecidas) .
O t e rmo danç a p essoal " vem de treinam ento pessoal. El e tent a d issolver um sen-
I'

tid o m ai s " me c â ni co", de "ex er cício", qu e pode esta r e rn b uti d o na p a lavr a tre inamen-
to! e intr oduzir urna dim ens ão ma is fluídic a, orgânic a! v iva. atravé s d a pala vra dan ça.
Já o t er m o pessoal tent a evocar o sentido de não pr ecs tabe lecido , não pre det er minado!
portanto! a lgo p e ssoa] do indivíduo, criado por ele, al g o a s er enco n t ra do . Mu ita s ve-
z es us o ta m bém os termo s danç a das ene r gias" ou d an ça d a s v ibra ções". Embora se
1/ II

refiram a co is a s mui to próximas, são su tilmente difer ente s . co rno se di s tint a s eta pas
da d ança pesso a l.
Quando uso o termo dança das energias II, estou me r eferindo a urn momento m ai s
1/

avan ça do da dança pessoal, quando o ator ultrapassa o có d igo e pode s e concentrar na qua-
lidad e das energias envolvidas em suas ações. Já o termo 'I dança d as vibrações" refe re-se a
um momento aind~ mais tardio, quando. dono de su as açõ es e d as dife rentes qu alidades
de energia, o atar pode suprimir aspectos da [isiciâaâe das açõ es, r eali zar um raccourci das
ações físicas de maneira que mantenha quase somente a dança das vibrações. No entanto.
tod os esses termos nos parecenl ainda uma tentativa d e ap roximaç ão do q~u e d e fato é para
nós este trabalho.
Eugen io Barba fa la de uma dan ça da energia quando se refe r e aos saltosde energia:

Constatamos. en tão, que o que chamamos de " en ergia" são, na realidade, sal ~os d e energia.
O princípio da absorção da ação, o sats. a capacidade de compor a passagem d e u m a a
ou tr a tem p er a tu ra (A n imu s e A n ima, keras e manis., .) constituem d is tintos es tratag emas
para produzir e controlar os saltos d e ene rgia que d ão v id a a o m undo subatômico d o bi os
d o a tar. Estes saltos são v ar iações em u ma sé r ie d e d et al h es que, s a bia m en t e montados em
seq uê n cias, as distintas terminologias de trabalho chamar ão "ações fís icas " . " desen h o d e
movimentos", "parti tura", " ka ta" . (. . .]
A exatidão corn que é d es enha d a a a ção no espaço, a pre cisão co m q u e é definido cad a
traço! urna série de pontos de p artida e d e chegad a precis am en te fixados, de impulsos
e co n tra-imp u ls os, d e mudan ças de direção. de sais, são as con d i ções preliminares para
a dança da energia (Barba, 1993 , pp . 110-11).

Barba us a o termo dança da en ergia no sin g u l a r. P a ra e le . t rat a-s e ele um a m esrna


energia que fica mais ou m e n o s quente, que mu da d e direção. que se desenh a no es p a -
ço . . . Em nossa d ança pessoal. n ão se tr ata so men te d e urn a m esm a q u a li d a de d e ene rg ia
qu e s alt a e bo rb ulh a. que d ese n h a e direci ona a s a ções. 111a S d e dife r entes qua lidades de
energia. Dessa fo r m a. usamos o te rrn o no plur a l. " d a nc a d a s enetg ia s " . Tent ern os u rn a
im age m rne tafó ri ca : co nlp aTe rnos a fon te d e energia do a ta r COIn Ul11 f e ix e de luz . Ass im,

\ :! ,
L -:;: J .
LUÍs OTÁVIO BU 1..:NIER

cada ação emana unta d etenninada lu z, que pode ser, dependendo da qualidade ~ e sua
vibração, de diferentes cores. A dança da energi a a que se refere Barba é con10 um "feixe
de luz qUé salta, caminha, m ud a d e direção e de ternperatur a, corno se o corpo estives -
se habitado por um busca-pé que pode ser mais ou menos quente. Já a nossa dança das
energias, além desses fatores evocados por Barba, significa tarnbérn, sobretudo, a
mudan ça das cores das energias, de suas distintas qualidades. Por esse motivo, às vezes
também usamos o tenno dança das vibrações", pois buscamos as diferentes qualida-
/I

des uibratdrias, as. diferentes cores, que por :sua vez saltam, pululam, desenham as ações .
Uma mesma qualidade de energia pode saltar de determinadas maneiras. Alguns d es -
s es saltos 'p o d e m ser c o in c i d e n t e~ com saltos de ou tr a qualidade de energia, mas alguns
são particulares e específicos d e certas qualidades. Mesmo os saltos similares ser ão fei-
tos d e rr:an eira distinta de uma qualidade para outra. Assim, a nossa dança pessoal não
é s omen te a dança dos saltos de ene rgi a, mas também a dança das "distintas qualidades
de ener g ia.
Antonin Arta ud acr ed itou qu e o a tor fo ss e um atleta afetivo" , um "atleta do co -
/I

ração" (Artaud, 1984, p. 162). Em texto intitulado "Um atletismo afetivo", ele Ievantou "
questões referentes à possibilidade / necessidade de uma forte relação íntima ,entre o cor-
po e a alma:

o ator dotado encontra em seu instinto o modo de captar e irradiar ce rtas forças; mas essas
forças, que têm seu trajeto material de órgãos e nos órgãos, nos esp an tar iam com a revelação
de sua existência, pois nunça se pensou que um dia pudessem existir. [...]
A crença em uma materialidade fluídica da alma é indispensável à profissão do ator.
Sab~r que um~ paixão é matéria, que ela está sujeita às flutuações pl ãsticas d a matéria,
" dá sobre as' paixões uma ascendência que amplia nossa soberania . [...)-
Saber que existe uma ' saída corporal para a alma permite alcançar: essa alma num
sentido inversoereencontrar
.
";
o ser através deanalogias matemáticas
..
( Ártaud, 1984, pp.
164-65).

o sen ti d o da palavra alma, para "Ar t au d , pode ser traduzido aqui por
universo interior. Por alma deve-se entender o que anima, dá vida e é, portanto, fonte de
energia interior e potencial, dinamizada na medida das necessidades do homem. As- .
sim, por exemplo, um indivíduo "calm o e tranqüilo pode alterar completamente seu
U estado de ser" em situações extremas, como um assalto ou um acidente. Artaud, nes-
sa passagem, assim como Stanislavski quando lembra que as emoções e sentimentos
não são fixáveis, chama at~nçã? para a importância de se encontrar; no trabalho do
atar, a materialidade, a corporeidade, de seus aspectos interiores mais profundos. Esse
correspondente corpóreo, dilatado, é o que constituirá as bases da arte de atar, sem o
que ele se perde no caos ~as sensações, traduzidas como '! sentimentos" e "emoções" .
Grotowski, ao falar da importância do engajamento total do ator em suas ações, cha-
ma atenção para esse risco: "Do ponto de vista do método, [o ato total] é eficaz, pois
isto lhe dá o máximo de poder sugestivo, à condição de evitar o caos, a histeria e a

142
exaltação. Deve-se tratar de um ato objet i v o: por a ssim di ze r, a rticu lad o '! (Crotowsk i.
19'7t p. 99). Artaud ressalta também o duplo sentido da co rnurricaç ão co rp o-calma, ou
seja, se encontramos urna saida corporal pn]'a n. almti, então podenlos encontrar 1..11na "en-
trada" corporal para a alma. se 2 + 1 = 3, então 1 + 2 = 3.

A ponte: o ireinaniento pessoal


É noite escura.1\1uito escura. De stas noites órfãs de lua, d e estrelas, de s ons. N o silênc io
profundo, ouço ap enas o pulsar do m eu coração. Estou em uma can oa. Re spiro. T en to ouvir
algo. Nada . Silêncio. Começo a remar. Não vejo a água ou o continente d e onde s aí, m eu s
olhos não definem a miriha própria pessoa. Sinto, no en tan t o, 1.1111 ar que sopra, às veze s,
e que traz aos meus ouvidos, o SOD1 do remar, da minha respiração. P a r a ond e v ou ? I:Jão
sei.Mas, tenho de ir adiante, sempre adiante. Para a direita? Para aes q ue rd a? Em fr ente!
Sinto um vazio de dar medo . Uma solidão neste vazio. Um m edo desta solid ão . Co n tinuo
a remar. Minha retina ret ém o escuro, vejo o mar. Meus olhos navegam pelas linhas do
I
1-
horizonte, mas não consigo mais ver a praia d e onde saí. Estou só, numa canoa, em pleno
oceano. Uso do desespero para continuar remando. A noção do tempo abandona o barco.
I-
Meus sentidos estão à deriva, não sei se estou indo contra a corrente, se estou do lado certo,
I-
não sei nem meSD10 se existe o certo. Remo, a ação já está na memória dos meus braços-o
1---
I remos. Ren10, porque este som para mim, lembra a prece, e isto m.e dá a coragem para
L- enfrentara escuro. Em outros momentos.rne p erco no ritm o, n o gesto, s ei apenas que nã o
I
Ir
posso paraL Um canto? D e U1l1 pássaro? Ouvi mesmo? Ahl, a alucinaç ão emb arcou!
,
l~ Continuo, eu, a noite, o are omar. Eu, o are o mar.Ar e rnar.Arernar. N.ovamente, a sensação
do canto, é um pássaro! Não o vejo, ouço. Tento seguir se u canto :d é bil, belo !... Sigo-o e o
alcanço com o dia. ~ uma gaivota, ela canta e voa, branca, clara.Iuz. Juntos seguimos. Sei
. que vai me levar àterra firme. As gaivotas sen1pre buscam a terra. Levanto meus braços-
remos e jogo água na surpresa de estar cantando como se fosse um pássaro ... (R. Puccetti,
Diário de trabalho, 1990).

Assim Ric ard o d es crev eu suas sen sações de quando começamos seu treino pessoal.
U m vazio que ele preenchia com diversas aç õe s . que o le vava a bus car algo de m ais sig-
nificativo, uma relação mais profunda, m ais fort e, entre su a pess o a e se u faze r . Eu n ão
lhe dizia o que devia fazer. O mesmo princípio do " N ã o sei. Faça". O ator p re cisa agu-
çar os ouvidos para p-oder ouvir o canto de seu pássaro .. .

Estou convencid o qu e uma danç a pré-fabricada, u ma d an ça fei ta para s er mos trada, não
interessa. A dança deveria se r aca rinhad a; e u não esto u fa l and o a respeito de u rna d an ça
jocosa, mas sim de uma dança absurda . El a d ev e s er ab sur d a . Um es pe lho qu e d err et e o
gelo. O d ança ri n o d eve ri a d ança r nes te espírito . ..
[...] minha dança é o remover de con venções e té cnicas ]... ] é o re velar d e m inha vida interi o r
(H ijika ta , in Viala: 1988, p. 185 ).

143
LuI~ OTÁVIO BURNIER
.: /' .

Para Hijikat a tamb ém sé tratava de encontrar aigo interior, mais profundo, que lhe
desse o sentido de sua arte para si mesmo e para seus espectadores. 'U m espelho que 10-,
grasse derreter o gelo das relações humanas. A sua dança absurda se referia a algo que
não segue 1..1Ina lógica racional; mas outra lógica, algo que tem mais a ver com o sangue,
com lia ,d im en s ã o prática da vida do homem, seu instinto animal, sua natureza primiti-
vau (Hijikata, in Viala, 1988, p. 186).
Este período inicial de busca é longo. Difícil dizer o quanto. O tempo real é neste
caso irreal. O nosso teJ.?po é absolutamente fora do tempo. Em nossa memória ficam as
sensações do vazio e a da descoberta do canto do pássaro . No início, as ações feitas por
Ricardo eram uma mistura de estereótipos que preenchiam um vazio e algo de vivo, de'
mais significativo, vibrante. Aos poucos, os estereótipos foram se esgotando e começaram
a reaparecer açõcs que haviam surgido no treinamento energético, mudanças bruscas
d e ' dinâmicas e embriões do que mais tarde' se configuraria na sua dança pessoal.
Neste trabalho buscamos limpar os "ruídos" das ações, retirar o que poderia estar
o b s tr u i n d o, ou servindo como uma máscara que esconde. Trabalhamos as
ações recorrentes. As que não têm sentido para o atar, não se repetem, são, portanto,
naturalmente eliminadas. A vivência de ações que têm um sentido profundo acaba por
eliminar aquelas que não encontram eco na pessoa do ator, que não têm um sentido real.
Assim, o treinamento pessoal vai levando o atol' a um conjunto de ações esparsas e des-
conexas, mas que ecoam de maneira muito particular, quase nunca racional, que são como
uma extensão física de sua pessoa.
. .
. Essas ações começam a formar seu léxico. Com elas, ele começa a conversar consigo
mesmo e mais tarde também com ,o espaço externo. Elas acabam por se constituir num
meio pelo qual ele interage com o mundo externo, estabelecendo cantata entre sua pes-
soa e ooutro. Ele não está mais "solto": improvisa com códigos que vão se fixando cada
vez ma~s; que vão se precisan.do cada vezmais detalhadamente.' O treinamento pessoal
começa a virar uma espécie de dançá. ,U m a dança das energi~s, 'd asvib r a ções, uma dan-
ça pessoal. _

Em busca do fio de Ariadne


Ricardo apresentou-se 'n o início com açõ.es fortes, vigorosas e impulsivas. Tu do
nele parecia ser" afirmativou. No treinamento energético suas ações não titubeavam,
aconteciam firme e claramente. Eram intervenções afirmativas no espaço. Extremamente
rigoroso consigo mesmo, Ricardo me lembrava um guerreiro medieval. Sério, compe-
netrado e in~ro~ertido, ele "cuspia faíscas de fogo" em seu -treino. Havia,' no entanto,
algo em seu trabalho que:dava ao salgado um arriêre goüt adocicado. Seria sua paixão
pelo teatro popular, pelo palhaço e pelo cômico? Seu guerreiro" parecia por mornen-
/I

tos um soldado do exército, de Brancaleone ou o fidalgo dom Quixote de La Mancha.


Ele, no entanto, não brincava em serviço, estava por inteiro em tudo o que fazia ,ou se
propunha a fazer. A honestidade de Ricardo no trabalho não é algo aprendido, mas
natural. '

144
Seu c()r pa m e di zi a urn a co isa, se u s olhos e s ua. f Zl CC In e d iz ia m o ut r a . Suas a ções
no trab alho, as p recl onünante s, d iz i am-rne al go, IDas, e rn m crn en t o s fu ga zes de s e Ll
co ti d i an o. e u percebia um a o ut r a qu alidad e que su r gia por instante s no tra b alho .
Secretamente parti ern busca dessa outra coisa que não se mostra. va, mas que lhe es capa-
v a . Por iss o dei xei Ricard o por tant o t empo trabalhan d o o t r einam en to energé tico . Eu
buscav a u m depois. Queria ver o que p odia existir por d etrás. Sua profunda honestid ade
por momentos 111e confundi a. Graça s a ela, ele er2t integro em. seu trabalho. Eu não con-
s eg u ia a cr e d i ta r qu e o que v ia n o se u tre in o n ã o fo ss e ele, ID as 1.1111 tipo d e este reó ti po
criado p or e le . Simultaneam en te àq uelas a ções v igorosas e imp u ls ivas, h av ia, n o en ta n-
to , aquele gosto adocicado, delicado .
Ri card o treinou muito. Sobretud o o energético " e depois o treinamen to p ess oal" .
/I /I

.Aos poucos fui e n te n d en do o que eTa óbvio, mas qu e p r ecis av a se r con fi rrn a do n a prdxis:
suas ações fortes e vigorosas não er am estere ótipo s, m as u m aspecto, urn a qu alidade d e
s u a energia. Rica r do n ão fin gia se r irn pu lsiv o, ele era imp ulsivo. Isso se via cl ara m ente
em seu trabalho. Nos mom entos em qu e trabalhá varno s os impulsos, ele se del eitava.
Realmente seu corpo se lançava e projetava para o espaço. No entanto, havia UIDa outra
qualidade de energia, mais doce, delic ada, frágit como que no alicerce. Unia qualidade
que não se mostrava, mas existia . Embora distintas, essas qualidades se manifestavam
nas mesmas ações. Explico: no trabalho, sua energia doce e delicada vinha sob a pele
das ações fortes e vigorosas . Iss o r es u lta v a, por exemplo, em ações retilíneas do braço,
rápidas, vigorosas, mas em qu e a extremidade do s d ed os das mãos era deli cada, s u ti l;
movimentos rápidos e fort es do corpo,. que, no segundo em que paravam, numa p ausa
repentina no tempo, cediam lugar a um rosto e um olha r doces.
Como trabalhar sua energia sut íl e delicada, sem cair no estereótipo do feminino ?
Como trabalhar não somente o sutil e delicado, mas sobretudo o seu sutil e delicado? Essas
questões passeavam por minha cabeça enquanto via seu trabalho. Tentava captar os raros
momentos em que o sutil predominava. Um certo dia trabalhávamos seu treinamento pes-
soal em raccourc i. Nesse momento, Rica rdo, que trabalha v a muito com os impuls os e os
e le m entos p l ásticos, começ ou a faiê -Ios condensa dam en t e, corno p e quen as e localiza-
das ex plosões nervosas p elo corpo. Aq uilo se configura va quase em urn a dança . Uma
d ança dos im p ulsos, qu e "brincavam" pelo se u corpo. Tinha claramente diante ele mim
algo qu e era ao mes mo tempo forte e delicado, ruas de maneira o posta: an tes havia o
for te em evidência e o delicado p or baixo, agora o d elica d o es tav a em evidência e o forte
por baixo . Era o fio de Ariadne !...

14/09 /9 0 - Brin co d e faze r pe q u e n os impu ls os ca m in h a rem pe lo cor po . P equen as


a çõe s de inte nsidade sua ve, tendo uma coloração bem Ierninina. Isto me levou a uma
grande "remexida" emocional, que provo cou u m a crise de choro.Min ha p e r cep çã o do
espaço fi co u ag uçada (senti pe lo ouvido a parede ). ass im com o a sensação do tato
(quand o senti com a In2.0 o fr io da par ed e, n ov a cr ise de cho ro ve io) (R . Pucce t ti . Di ário
de tr aba lh o, 1990).

14:5
L UÍs OTÁVIO BURNIER I..

"O g 'UeTreZrO tam bém usa saias ... 1/1

o trabalho 'n aqu el a época era feito predominantemente de olhos fechados. Não que
isso devesse ser urna regra, mas naquele momento era mais conveniente, pois dirn inuía o
predomínio da visão sobre os outros sentidos. Além do mais, a visão nos projeta para
fora. Os olhos fechados faci litam um mergulho para dentro, importante para a dança
p essoal . Tatsumi Hijikata, em carta para Natsu Nakajima, ressalta a importância -d os
olhos fechado s :

Inseguros nos seus olhos cerrados e conscientes do medo da corrida no escuro, os homens
de hoje não 't estam a si mesmos no confronto com a escuridão. E entrando no interior do
.. corpo invisív el, podemos.ficar perdidos . Ser ameaçado pelos próprios olhos é assustador; ·
portanto não p odemos efetivamente confiar na dança de olhos abertos (T. Hijikata, 1984).

Ricardo já tinha detectado v árias ações recorrentes. Ele trabalhava essas ações bus-
cando sempre uma relação mais aprofundada COD1 sua pessoa. Sua dança pessoal já es -
tava em processo de elaboração .quando descobri o fio de Ariadne. A descoberta do fio de
Ariadne não significava necessariamente o ponto de partida da dança pessoal. Ele podia
ser o contrapeso, algo que completava e contrabalançava, que lhe...d ava a densidade e a
tr id imens âo, a face oculta .d a lua. Essas ações recorrentes, já codificadas, foram mais
t arde classificadas na qualidade que chamamos de guerreiro. Havia também diversas
ou t r a s ações dispersa s que foram trabalhadas e que, posteriormente, associadas a ou-
tras nov as a çõ e s, compus e ram novas categorias de qualidades .
: ' ,(

Descobrir como trabalhar a energia sutil e delicada de Ricardo abriu um vasto çampo..
de busca pessoal para ele. A p.artir desse ponto, ele começou a trabalhar urna série de '- .
ações sinuosas e delicadas, que chamamos de japonesa (ver quadrosnos anexos). Minha
.orientação com Ricardo foi muito diferente da' que fi~ com Carlos. É importante não re- .
... petir esquemas, a não ser em contextos muito específicos. Se combato os estereótipos dos '
atores, devo combater' também meus próprios estereótipos.
Deixei Ricardo "solto", buscando seus caminhos por si só . Eu o observava e g~ar­
dava silêncio. Quando .p er ceb ia que ele começava a cair em esquemas repetitivos e não
produtivos, provocava-o com comentários fortes e diretos: "Seu trabalho está num nível
superficial, você .ain d a est~ trabalhando no nível da pele. Não sinto o calor de seu san-
gue, nem o cheiro de seu suor. Você precisa ir além". Eu não me referia ao suor de seu
. corpo, que se espalhava pelo chão de cimento daquele pequeno salão, mas a algo muito
mais sutil, a necessidade de-impregnar, cada vez ~ais, tudo o que ele fazia com o fedor, .
..0 cheiro de sua pessoa. Só assim ele poderia de fato ativar uma espécie de dínamo interior,
capaz de colocar em tra.balho fontes de energia mais primitivas, profundas, potenciais.
A seriedade e autocrítica. de Ricardo eram tais que um comentário como o referido aci-
ma acarretava semanas de árduos esforços para vencer os próprios estereótipos e atin-
gir, de fato, níveis mais significativos de energia.

146
É a DU S Ccl ele se a tin g ir tai s n íveis que co risti tu i, segundo C r otowski, o s en ~i do d a
ar t e d e atar e que confere às suas a çôes a força nec essária para que su a art e toque o es -
p ectado r:

Qu arid o eu di go que a a ção deve engaj ar todo o s er do atar, sem o que su a r e a çâo n ão tem
vida, eu n ão falo de algo do "exterior" CO I1lO ges to s exagerados ou truqu es.O que enten d o
en tã o por isto? Trata-se da própria essênc ia da v ocação d o a tar, d e su a r eaç ão q ue lh e
permita revelar. tun a ElpÓS a outra, as d iferentes camadas d e seu ser, desde a fon te bi ológi ca
do canal da consciência, até o pico, que é difícil d e d efinir, e n o qual tudo vem a ser unid ad e.
Es te ato d e desvelam cnto total d e u rn s er s e t r ansfo rma numa oferen d a que b eir a a '
trans gress ão d e barreiras e o amor [qui[ouxt e ln. iran sgression de borriéres et I'mnour J. Ch am o
isto d e um at o total. Se o a tar ag ir.assim, ele vern a s erurna espécie de provoca çã o p ar a o
es pec ta d or (C rotow s ki, 1971, p . 99) .

Rica rd o começou a descobrir uma série de rel açõ es ern se u corpo, corno a respiração
e a r egi ão d acin tu ra . Por longo I?~ríodo suas açõ es nasciam deliberad amente do que. ele
ch am ou d e "uen ire e su spensórios ". Tratava-se d amusculatura baixa das costas/ mais ou
menos na r egião que Grotowski chama de "cr u z." e de todo o círc u lo da cintura. Artaúd
diz/ a res peito d esta r egi ã o d o corpo.Y to do sentim ento feminino que cal a fu n d o, o soluço/
a desolação, a respiração espasmódica; o transe/ é na altura dos rin s q u e realiza seu vazio"
(Artaud, 19 87/ p . 169). As a ções qu e surgiram naquela ép oca e estão até hoje em seu trab a-
lho eram fragmentos d e sua atual dança pessoal.
L
Os caminhos d e s u a dança começavam a s e deline ar mais claramente . N o.vos h orizon -
tes se abriram, muitas ações novas com um elo íntimo com sua pessoa s urgiram . UDl perío-
t-.
I
do de e xpansão, não de limp eza nem de codificação/ mas de bus ca cada vez mais pro-
t,
funda do novo ou do "esqu e cid o" . Aos poucos/ ele não ouvia 'mais somente um pássaro,. -
mas o canto d e toda urna flores ta que chegava aos seus ouvi dos/ ecoando em seu ser: Ele
cantav a com seu corp o esta m elodia polifônica .

rr Ser; n ao expressar /'2

N a tsu N akajima foi d iscípula d e Tats urni Hijikat a e tr ab alh o u també m com Kaz uo
Ohno. Hijik a ta foi o fu ndador da d ança jap ones a butô . Ele te ve principalmente dois m o-
mentes em s eu trabalho: UDl primeiro, n o qual procu r av a a m ais pura, livre e p rofund a e x-
pressão do dançarino; e urn segundo, no qual procurou u m a m aneir a de formalizar su a
dança . N o primeiro m omento, que durou aproximadamente dez anos, Hijikata trabalhou
sobretudo com li vres impro visações que se cod ificavam por si mesmas. O impor ta n te, n es -
se perío d o, p are ce ter s ido a busca d o primitivo. Foi n essa época que Kazu o Ohno traba-
lhou com ele . Se u segundo momento fo i a b u s ca d e um a ma io r precisão no trabalho do dan-
çarino. Ele procurou el abor ar os cód ig os de ca da p erjormer. Segu n do ele, cada dançarino
d ev eria encontrar urna técn ica própria e particul a r. Se u trab alho foi interromp id o p or sua
m orre p.r ema tur a .

147
\ "! I .

,,' :., '


LUÍs 01-:ÁVIO BURN'TER

de Bolon ha" em 1990"


Foi na I STA. (Inte rn a tio n alS ch ool of Theat er Anthr opolo gy)
ta mais profu ndam ente corn
que conheci N ats u N akajim a. Por meio dela" entrei' em conta
ss ionam os, mas conhe cer o
o..but ô. Quan d o vemo s o tra'bal ho de Kaz uo Ohno nos impre
coisa. Surpr eendi -me com
qu e alime nta esse t r ab alho; o que es tá nas suas bases" é outra
mos 'realiz an d o em Cam-
a p roxim id ad e entre a prop os ta d e Hijika ta e aquilo que vínha
nossa arte" vem 's ob r et u d o
pinas. Decid i conhe cer melho r o bu tô. O conhe cimen to" em
para trabal har conos co por
por meio da prátic a. Resul tado: convi damo s N atsu Nakaj ima
5leep and reinca rn ation from
um .m ês. D es s e trabal ho result ou a monta gem brasil eira de
th e em pty lan d, d iri gida por N atsu .
Ricard o, que assim ilou
Os tr abalh os .corn o butôf oram de grand e impor tância para
itos prátic os. Natsu traba-
e incorp orou" em seu tr einam ento, divers os eleme ntos e conce
exemp lo: o. terceir o olho" o
lhouc onos co u rn a série de noçõ es básica s do but ô.corn o, por
ão-uçã o, koshi, jo -ha -kyu" ma e
fa ntasm a" os pés que sabore iam ó' chão" image ns" relação sensuç
ndido por meio de uma
dife rentes an d ares do te atro orient al. Cada eleme nto era apree
dos em nosso treina mento
série de exercí cio s p r á ticos . Muito s deles també m foram inseri
. té cn ico .
entre as sobran ce-
O terceir o olho con sis te em imagi nar um olho no centro da testa"
ar com o tercei ro .olh o . Num
lhas . Os olhos estão fechad os eo atar tenta "ver" e se orient
não se olhe com o.s olhos re-
segun do 'm om en to" os olhos podem ficar aberto s" desde que
r uma visão mais interi or e .
ais " mas' com oterceiro olho. Esse trabal ho busca desen volve
Isso result a numa qualid a-
uma espéci e d ê relaçã o direta entre esse interio r e o exteri or.
. Esse trabal ho se "ap r oxim a-
d~ partic ular dos olh os do ator, que suger e olhos 'que sonham
vaern rn u ito d o que vínha mo s d esenv olven do na
dança pesso al, ou seja" cqJ:I1 os olhos
mesm o e uma relaç ão não
fechad os, buscá vamo s uma maior relaçã o do atar consig 'o
direta , mas percep tiva" com o exteri or.
por si mesm o" sem a
O fantas ma consis te em deixa r qu:e o corpo execu te as ações
aband onar- se a um fluxo
interv enção da vonta de do ator ou dança rino. Consi ste em
ser passiv o' e não ativo. O
.interio rde energ ia que leva o corpo ao movim ento. O atar deve
condu z a ação, mas seu fan-
nome fantas ma suger ea image m de' que não é o ator quem
fios. O ator é o bonec o" e os
tasma, .com o se o ator fosse uma mario nete manip ulada por
lembr ava a ereção muscu lar
fios são o fluxo. interio r de suase nergia s. O fantas ma de Natsu me
a ação, mas seus múscu los.
de Decro ux . Para ele tampo uco era o atar quem condu zia
latura como sendo os pro-
Decro ux, vale lembr ar" falav~ na músic a e no canto da muscu
pulsor es das ações.
hos de Decro ux e
Os pés que sabore iam o chão també m vão ao encon tro dos trabal
desta relaçã o pé-ch ão.
Groto wski. Em nosso trabal ho, també m acentu amos a impor tância
m essa relaçã o. Existe m di-
Todos os exercí cios de enraiz ament o sublin ham e desen volve
o se camin ha ou se corre"
versas mane iras de pisar" de não fazer barulh o no chão quand
a queda . Decro ux desen -
.de des!oc ar o corpo pelo espaç o amort ecend o ou acent uando
viens denb as", dizia ele
vo.lve u uma série de exercí cios que começ ava pelos pés; "la vie
de um mau atar, muita s
em sala de aula . Groto wski diz que" para distin guir um bom

148

.:i . - '
vezes ele olha os p és, corno ele pisa. P a r a Na ts u, tratava -se de d eslizar o p é pel o chã o
docemente. con10 se tateando e saboreando o chão e suas nuanças .
Importantes conceitos do teatro japonês trazidos por Natsu foram o do jo:"lw-kyu e
o do ma: "[o: a fase d o começo, quando a .for ça se põe em funcionamento corno se ven-
cesse urna resistência; ha: a fase de transição, ruptura da resist ência, desenvolvimento
do movimento: kyu: a fase da rapide z, do crescer sem freios até a parada imprevista "
(Ba rba, 1993~ p. 107).
Para Eugenio Barba, jo-ha-kyu não é somente uma divisão do tempo, mas urna m a-
n eira de pensar -do ator japonês. "O jo-ha-kyu não éexatarriente um a estrutura rítmic a,
IDas urn pattern de pensamento e de ação [...]. É pensamen~o que inci.de e esculpe o te m-
po, isto é, que o converte em ritmo" (Barba, 1992, p. lOS). [o-lui-kuu é traduzido literal-
men te por Barba corno resistência-rupiura-aceteraçiio.
O ma é a ação na imobilidade, uma pausa suspensa no espaço, Dlas que continua
n o tempo. Decroux dizia que "a imobilidade é urn ato que quando ocorre é apaixonado"
(D ecroux, J 963, p. 105). A imobilidademóvel abre calupo para a noção de vibração, pois
vi s to de fora não existe movimento, mas interiormente existe algo que vibra. É urna no -
çã o similar à do ritmo colocada por Stanislavski" (cf. Toporkov, s.d., p. 16S).
O trabalho de Natsu trouxe de maneir.a sistemática algo que fazíamos ant~~ livre-
mente: as imagens. Natsu exigia uma grande precisão nas imagens mentais, o que acar-
re t av a urna rnaior precisão das ações físicas. Podia-se improvisar a seqüência das ima-
g e ns, mas não as imagens: "N o fundo N atsu improvisa, assim como improvisava
Stanislavski em sua cena da banca de jornais. Com cultura, tradição, ideais estéticos,
re per t ór io ele imagens e de conceito~ absolutamente distintos, os princípios, ?e base qu e
N a tsu utiliza (não sua técnica, mas a técnica de sua técnica)n,ão são diferentes dos de
Stanislavski" (Barba, i993,p. 111).-
A part~rdesse trabalho, retornamos com Ricardo antigas imagens e as trabalhamos.
Outras novas surgiram com uma força propulsora bastante particular, abrindo para ele
n ovos ca.fipos de busca pessoal. .
H ou v e vários pontos de encontro entre nosso trabalho e o de N atsu Nakajima. O
mais relevan t e dentre eles foi a noção da niio-interpretuçiio . O atar n ã o interpreta, el e é.
Ele n ão expressa nada; mas simplesmente é com plenitude . A busca dessa plenitude, desse
estado presente, desse ser, revela-se algo tão importante quanto difícil e vai ao encontr o
i
de nossa dança pessoal.
I ~

149
LUÍs.OTÁ VIa B 'uRN IER

Natsu Nakajima em 5leep and reincarnation from the empty l àitd. Foto: Nourit Masson-Sekiné -'

150
A ARTe UE A TOle D i\ Tf C i\i TCA À H.ErR ESENTAC.,:: Ao

Ricardo Puccetti em 5leep and reincarnation [rom the ernpty Lanâ, direção de Natsll Nakajima, "1991.

!-

Ricard o Pu ccet ti, Carlos Si mio ni , Sandr a M eji a e A lexa Le rner em Sleep and rein carnaiio n I ram the
eli!pty iand, 1991. Fo tos : Gil Gr ossi

l SJ
LUÍs O TA.VIO BURNIER ' ..: .

/I Reconhecendo a própria cara II

É importante estar atento ao ritmo geral de um trabalho como este. Existem os m o-


mentos de mergulho e os de respira ção, nos quais se torna um ar fresco", distanciand a -
II

se corno se para tomar um novo élan. Há períodos em que os novos materiais se prolife-
r am em conseqü ência de um mergulho nas profundezas de si, e outros em que a lÍ.nica
e
possib ili d a d e de o trabalho avançar se deter no que já existel delineandoyaprim oran -
d o, conhecendo as entranhas, as sutilezas de cada ação. Nesses momentos deve-se fix ar,
r ep etir para não perder, operar uma limpeza dos "ru ídos", podar os galhos para fortal e-
ce r o tronco...É quando, limpamos as ações na busca de suas impressões digitais. Mas esse
m om en to também se esgota, e um novo mergulho se faz necessário. Como um pêndulo
que oscila na luta pela vida, na luta contra a morte ...
"O ·e'ri.coritr o com N atsu N akajima foi um oxigênio" um distanciamento n ecess á-
II I

rio. Já estávamos, Ricardo e eU havia três anos trabalhando juntos . Era preciso rom per
I

com a cultura que tínhamos criado, introduzindo algum e lem en to novo qu e permitisse
uma desestruturaç ão / reestruturação das relações. N atsu, além de nos permitir conhe-
ce r o butô, significou esse momento particular e importante. Seu trabalho teveurna grande
van ta gem (simila r ao d e Iben): continha urna dinâmica nova, uma maneira distinta d e
trabalh ar, mas p rocurava as mesmas coisas. Foi o distanciamento que aproximou .
Ricardo já tinha, naquela época, codificado várias das ações de sua d ança pesso al,
h oje classificadas nas qualidades mar, pedra, criança, guerreiro, japon esa, amazonas; velho,
passarinhos, uõos, respirações, image ns, segmentaç ão, .másá l'r,a (vide quadro das a ções de Ri-
ca r do nos anexos). Atualmente são nove qualidades que se subdividem em 89 categori as,
q ue, p or sua vez, con têm diversas ações cada uma. A descrição pormenorizada d essas aç ões
não só seria exaustiva, como inócua. A força desse m~téúal não está em seus códigos, mas
na vida que' eles contêm, na vibração que emanam. Eles.devem, portanto, ser vistos, pre-
.sen ciad os, testemunhados. O código é necessário porque sem ele não há. arte, porque ele é
o que" ~'oma o leão", mas. sua força está no elo íntimo que trava com' a vida do ator..·
. .. . . .Uma vez .osc ód igos 1?em .d efi n id os e mais limpos e polidos, o ator 'com eçã ' a mudar.
de um 'có d ig o para o':!tro construindo urna dança, numa improvisação com .c ádigos. A
l .·

dança é liyre/ .os códigos precisos. Os códigos não se "contaminam": eles existem com as
fronteiras que os separam bem delineadas. Como um' músico de [azz que improvisa as'
notas sobre 'li m a base melódica fixa, construindo, a ' cada vez.iuma música; o ater cons-
trói a cada dia uma dan~a pessoal. Sua base melódica não é fixa, nem a ordem das notas,
mas as not~~ . existem e estão fixadas; é um princípio ,sim ilar . "Pessoal" não porque lhe
pertença, mas porque é construída com seu léxico, com as palavras de uma língua
corpóreo-vocal que ele mesmo edificou, desenvolveu e. aprimorou. Por não 'ser .u m a "lín-
gua" discursiva, por falar mais à percepção do que à razão, ela poderá ser, num outro
'm om en to, 'tran sform ad a em texto para os 'espectadores.
É nesta mistura que tem"os 'os saltos de energia de que fala Barba. O ator pula de uma
qualidade para outra sem prenur:tciarl surpreendentemente até para si mesmo, sem
uma lógica aparente, de modo impulsivo. Ele também pode deslizar de uma
ação ou de uma
qualidade para outra como se a força de uma se derretesse e se transformasse na outra. O

152
a to r v ai sendo e ex is tin do por rn ei o dess as aç ões, explorando d iverso s ritrno s e dinâmi-
cas d ife ren tes. E le encontra maneir as d istinta s d e interliga r suas aç ôes . D es cob r e re la -
ções partic u lares err t re elas, antes não pensadas, d esvelando, C01110 se por acaso, senti -
dos at é en t ão d es co nhecid os.
Essas man ei r as ele interligaras ações são o qu e chamo d e ligam ens , o u seja , p eq u e-
nos elementos que operacionali zam as li gações entre as ações . Esses elementos são, e111
gerat d e terripo, de ritmo (pausas. ac eleraç ões, ral entand os .. .). El e s pontuam a s frases,
d esviam a atenção, surpreeridem . Mas tamb ém p odem ser de es paço, a espacialidade da
a ção, ou d e q ualidade, ou seja, u rn a açâ o ou urna q ualida de que s urge inesperadamente
entre duas outras açõ es e qu e possibil ita a passageln, faze n do a p onte entre elas. Podem,
ainda, ser inuentudos, ou seja, cr iados para es te firn es pecífico . No ca pítulo " D a técnica à
re p r e s e n t a ç ã o " , n Cl parte re.feren t e ao W~olzen e à m imes is corpórea, est udamos m a is
det al h a d arnen te a l g u n s lig am en s.
Um trabalho mais complexo que ta m b ém pode ser d es env ol vid o nesse período é o
d e mesclar as qu ali d a d es . Duas quali dades podem co existir em u ma mesma ação, corno
se urna fosse a pe]e e a o utra o sangue. Is s o é, d e ·fa to, complexo e delicad o, pois se passa
a traba lhar dis ti ngu indo-se o có d igo corpóre o d a qualidade v i bra tór ia d as aç õ es . .Pocle-
1110S fazer as ações do guerreiro com a energia d a japon esa, ou vice-versa . Ele tam b ém pode
ter um a q ualida de na p ar t e inferi or d o co r p o e o u tr a n a parte superior; ou ainda U111a
qualidade no braço e outra na mão . Esse t rabalho s ó pode ser fe i to dep ois q ue o ator
adquire grande conhecimento e domínio de suas açõ es e d as q ualida des de energias . Por
con hecim en to n ã o entendo somente a ciência, m a s um co n hecime n to prático, holístico,
físico -mental, u m conhecimento ao m es mo t empo global e específi co, pre ciso . Por domí-
nio não qu ero di zer con tr ole d a r azão, 111as [amiliariâade, algo que ~eja percebido C0 1110
u m a "segunda n atu rez a" (Copeau ). : .
Esse t ipo d e tr ab al h o .traz, para o a tar, grande seguran ça e domín io d e seu materia l.
Ele passa a s ab er i dentificar claramen te as distintas qualid ades, as distin ta s cores de suas
a çõ es . Por conhecer bem cada aç âo , por estar mais seguro d e sua ex ecução, após um p e-
río d o d e aprimoramento muitas vezes d ifícil, ele pode se deleitar, abandonando-se n o-
v a m eri te ao m ister io s o uni v ers o das sensações ante s ac ordadas por ele . A g ora essas
m es m as ações a cor d am n el e. É a matem ática de Art aud : " Sab e r que existe urna saíd a
co r p or a l para a alma pennite alcançar essa alrna num sentid o inverso e reencontrar o
se r através de a nalogias matemáticas" (Ar t a u d , 1984, pp. 164-65).

ii Pu lando os próprios rrturos /I

Até então minha orientação tinha sido distante .·Eu não intervinha diretamente n o
tr a b a lh o de Ricardo. Não queria direc iona r o processo, mas, ao contrá rio, que ele
direcionasse o próprio trabalho . É importante que o ator conquiste a própria arte e nã o
fique n asmãos d o d ir e to r. É im p or ta n te que el e ;uegue {i coroa an te s que um aue nt ureiro
lanc e nuio dela e conquiste sua li berd ad e co n str u indo a próp ria di s ciplin a .
Rica rd o h a v ia chega do a u rn tal n íve l d e trab alho e de q ualidad e q u e m i n h a in ter -
ven ção er a n e ces s á r ia . Vi ta l rnesm o . Ele co m e cav a a de rr ap a r . Eu ti n ha d e es tar m a is

153
--
Luís OT.Ã,VIO BURNIE R
:, :

próxim o dele, com ele. Minh a orient ação havia sido ausent
e e presente. Por períod os eu
ando) , em outros , compl eta-
estava muito pres.e nte (guar dando o silênc io, apena s observ
ho .
mente ausen te. Ricard o ficava Só,TIUll1a sala, ele e seu trabal
hasse sua dança pes-
Minha prime ira interv enção incisiv a foi pedir- lhe que trabal
muito restrit a a seu espaç o
soal de olhos aberto s. A projeç ão de sua energ ia ainda era
. O cantat a C0111 o unive rso
pessoa l, como se ele dança sse para si mesm o e para dentro
entant o, esse trabal ho corre o '
interio r, que os olhos fecha dos propic iam, já existia . No
o restrit o, pessoa l. O simpl es
risco de Iimita r a projeç ão das energ ias do atar a um espaç
novos camin hos.
fato de abrir os olhos poder ia quebr ar essa realid ade e abrir

eu estives se acorda ndo de


13/01 /93 - Quand o fiz a dança de olhos aberto s, era corno se
quand o estou de olhos
um sonho (a dança de olhos fechad os). Foi difícil; perceb i que
pessoa l, e ao abrir os
fechad os meu olhar fica interio rizado ou dentro de meu espaço
do terceir o olho que tenho
olhos tive dificul dades em projeta r o olhar. Perdi o trabalh o
a dimen são de sonho do
quand o danço de olhos fechad os. Tive a sensaç ão de perder
mais precisa s . :
trabalh o. Em compe nsação , o Luís disse que as ações ficaram
Não perdi o terceir o olho e
14/01 /93 - Hoje foi mais tranqü ilo dançar de olhos aberto s.
. Em alguns mome ntos
conseg ui me sentir mais solto e inteiro na relação olho / espaço
de divers as manei ras de
(vários até) me permit i brinca r e me abando nei na descob erta
olhar (R. Puccet ti, Diário de trabalh o, 1993).

hi-
o trabal ho de Ricard o mudo u signif icativ ament e desde então. Confi rmei minhasur-
energi as para o eSp'~ço e,
pótese : abrir os olhos realm ente o levou a projet ar mais suas
Ele 'desen volve u urna outra
preen dente mente , trouxe uma maior precis ão para suas ações.
era que a mesm a luz que rlumi-
qualid ade de relaçã o com o espaç o. A image m que eu tinha
ando o espaço e o que nele
nava seu espaç o interio r estava , agora , voltad a para fora, ilumin
.ab er tos . Era corno se o terceiro ;
estive sse. Ele recup erou o terceiro olho, mas agora de olhos
Este trabal ho, mais tarde,
olho..v isse.se us interio res e o.s olhos reais projet assem esta visão.
do guerreiro ou da japonesa, mas '
. origin ou urna dança com os olhos /I, ou seja, a mesm a dança
1/

na qual os olhos tinham um papel prepo ndera nte sobre o corpo.


não .s ó lhe é muito fácil
Ricard o é alto, tem as perna s longas . Deslo car-se no espaço
ilidad e de explor ar melho r suas
.como quase inevit ável: No entant o, isso lhe rouba va a possib
pelo espaço . Lemb rei-me de
ações, trabal hando mais o corpo e meno s o desloc ament o dele
o não necess ariam ente explo ra
Decro ux, que dizia que um corpo que se desloc a pelo espaç
lasse seu desloc ament o. De-
suas possib ilidad es de movim ento. Pedi a..Rica rdo que contro
ado ao seu redor e, mais tarde,
pois proibi que saísse além de uma .á r ea de um metro quadr
nenhu ma hipóte se, trabalh~n­
pedi qtle "plant asse" seus pés no chão e não os soltas se eI!1
precário, ao máxim o, sem cair.
do o que Decro ux chama va de equilib rio de luxo, ou equilibrio
ament os pelo espaço . Dizia:
Pedi sobre tudo ações que tinham natura lment e grand es desloc
corpo está parad o".
"eu quero ver a ação andan do' pelo espaço , mesm o se seu
I

imped indo-o de se des-


Aqui confir mei o princí pio de Decro ux. "Anco rar" Ricard o,
as mesm as, mas agora elas
.locar, realm ente o levou a explo rar mais o tronco . As ações eram

154
exigial"n ln S1S de s ua coluna vertebral, esiirtroam ruais s u a rnus culat u r a . Isto clifer criciou
sutil. IDas claramente. seu trabalho. Suas ações ficaram mais "limpas" . tr an sl úcid as .
CODl fr equ ênci a, no início de urn a sessão de trabalho, deixo o ator livre em S U CI da n-
ça. Para mirn é importante que nós dois tenhamos UDl tem po para iniciarmos o trabalho .

A lé rn d o m a is, p errnite -rn e perceb er corno o ator está naquele d i a. N ess e co m eço tent o
ver os m om entos ruais reluzentes de seu trabalho. Por v ezes eles sã o raros, p or v ezes abun-
. dantes. Às v ez es eu tateio aqui e acolá, peço unia ou outra pequena coisa e vou vendo o
efeito . a alteraç âo que isso causa no trabalho, até lograr detectar algo interessante, viv o
e significab vo oEu 111e concentrei naquilo que 111e parecia mais pró xim o d e sua pes s o a
naquel e dia e lhe pedi uma maior perfeição e precisão técnica, ou uni ap r ofundam ento
em sua relação íntima CODl uma determinada ação. Tratava-se de se perrnitir ir mais fundo
na a ção . Não fr ear as sensações; mergulhar nelas, nas imagens, se vi essem: não provo-
car as imagens, tampouco reprimi-Ias. Explorar cada recanto s ecreto d a a çã o e de s eu
ser. Buscar m ai s l onge, em lugares mais esquecidos. Outras v ezes eu t entav a aju d á-l o a
dilatar, a tornar mais visível o invisível. Trabalhava detalhes min úscul os, s u tis. na tent a-
tiva de ampliar algo que estava modesto, Dias existia.
UIlI dia lhe p edi que escolhesse unia qualidade. Sabia ser imp ortante n os concen-

trarmos na japon esa, a qualidade mais sutil e feminina de seu t rabalh o, por ser o
contraponto mais significativo de sua dança. No entanto, eu devia induzi-lo a isso . Quando
se trabalha num campo no qual os elemen tos vivos são relevantes, não se pode atacar a
problemáti ca pela v ia racional. Decidi então lhe pedir que es colhess e qualqu er um a de
suas ações. Caso escolhesse o gu erreiro, eu trabalharia com ele o guerreiro naqu el e di a e .
no dia seguinte lhe pediria outra' qualidade. Evidentemente. se, ao trabalhar o guerreiro,
algo de r ealm ente interessante surgisse, eu desistiria d e minh.a idéi a e ficaria COJ11 ele n o
guerreiro. Mas não foi assim que as coisas se sucederam. Estávamos realmente em sintonia.
Pedi uma ação .e ele se pôs a fazer a japonesa.
Observei atentamente sua japonesa. Ela era delicada e realmente su til, No entanto,
n ão se delineava muito bem no espaço, seus contornos não eram n ítidos. Ri cardo não ia
até o fi m da possibilidade de mo vimento de cada ação. Pedi entã o qu e ele desenhass e as
ações da japonesa corno se es tivesse g ravan do 'li n has no espaço. Sublinhasse a o m áximo
a sinuosidade, o redond o. as curv as . Também pedi que el e explorasse a r el a çã o dos olhos
co m as açõ es fí sicas. Em que medida os olhos confirmavam ou contradizia m as aç õ es .
Outra indicação foi a de concentrar a dança da japonesa ern determinadas partes do corpo,
deixando o restante com-a dança escondida (o raccou rcii. Era corno se somente suas mãos,
ou a cabeça, ou o quadril dançassem. Na tentativa de levar Ricard o a explorar melhor os
extremos da possibilidade de movimento de s uas articulações, pedi a ele que trabalhass e
o que chamo de "rasgar da mu sculatu ra", ou seja, a sensação fí si ca d e es tir ameri to, co rn o
se a musculatura estivesse se rasgando de tão estirada . As aç ões . dentro d e s ua d eli cade-
z a e sutilez a, deveriam portanto ser grandes e generosas.
Essas indi caçõ es não fora m fe it as pr óxima s umas d as outr as, mas espaç adamente .
Entre urn a e o utra, ha via m u ita exp loração e bus c a. Trab a lh am os juntos in te nsament e
d u r ante do is rn es es, ru ais ou m enos . Aprofund arno-nos consid er a v e lmente n a [aponesa ,

'1 , -
L ) .:'
LUÍs OTAvIO BURNIEi<

encontrando novas ligações e novos caminhos. Eu podia devolvê-lo novamente à solidão


do próprio trabalho . Voltei a acompanhar seu treino esporadicamente durante o ano que
se seguiu e teci poucos comentários pontuais. COll10 em certos momentos ele ap'Tesentasse
fi.guras que me lembraram as estatuárias móveis de Decroux, pedi que enco~trass e posi-
ções conto se fossem fotografias . f o t ogr a fi as- em -m o v irnen to .. '. .:
Ricardo m ergulhou durante 'um ano inteiro na busca da japonesa...
Isso re s u l t ou no desenvol vim en t o e aperfeiçoamento da dança da japone sa (vid e
anexos) e na dilatação de sua energia sutil e delicada, o que muito o ajudou na precis ão
de todas as suas ações físicas, assim corno na irradiação mais reluzente de suas energias
de um modo geréll. Houve tamb ém uma ampliação significativa do léxico de sua dança
pessoal no que se refere à qualidade da japonesa, uma multiplicidade consider áv el de
detalhes que imprimem, hoje, urna extrema precisão nas suas ações. Começaram a s e
delinear alguns princípios básicos da japonesa, como a oposição entre o quadril e a cabe-
ça, a cabeça qu e puxa para cima e o qu adril que senta, entre outros tanto s. Ess e f ato,
juntamente com o surgimento d e alguns exer cí cios ginásticos. que auxiliam o corpo p a ra
um melhor desempenho té cnico d a japonesa, aponta hoje para sua estruturação e siste-
matização .

"T rilhan do caminhos esquecidos"

purante um ano ' e m eio acompanhei o trabalho de Ricardo, fazendo esporadica-


mente intervenç õespontuais e precisas. Nesse período, ele explorou e aprimorou a [apo-
nesa.Posteriormente, voltei ao trabalho cotidiano e individual' com ele. Concentramo-
nos desta vez, sobr etudo, n as ações de suas outra s q ual id ad e s, b u s ca n d o um
aprofundamento tanto no fazer, na execução técnica, como na relação pessoal d~le com
cada ação. Um trabalho similar ao realizado com a japonesa .
Mergulhamos em recantos diferentes de suas ações, explorando cada urna delas.
Esculpimos as ações, desenhando-as mais claramente no espaço eno tempo:'Uma nova etapa
' ~~" iÚhp'~~~ das ações, düS ~~lidos que pudessem ofu'scar 'o seu brilho potencial. Trabalhamos
principalmente as ações fortes e vigorosas.
Buscamos o contraponto sutil de suas ações vigorosas, descobrindo seus detalhes e
sua precisão. Era necessário suavizá-Iasymas sem deixar que perdessem o vigor. Er~ corno
se buscássemos um, retorno às origens, quando' as ações de Ricardo eram fortes e vigoro-
sas, com um 'arrie~,~ gout adocicado. Após longo tempo explorando outros universos, esse
momento era para nós como um reencontro com a impressão digital de seu trabalho.
A história nã~ a~da'p~ra trás. Como disse B~rba, "a história do teatro não é somente
o reservatório' do antigo':' é, antes e sobretudo, o reservatório do novo:". A busca do pas-
I I

, sado, do esquecido, é importante porque constitui a base, a mola propulsora para o novo.
o trabalho de Ricardo havia crescido muito . Ele articulava suas ações com qualida-
desdistintas, variando do adocicado ao vigoroso, sem que uma impregnasse a outra. Para-
doxalmente, ele conseguia o vigor e a doçura. O vigor não era mais necessariamente de-

156
mon strado, n ão havia m ais a. s ob r e car c a de encr uc ia o ue reafirmava s ua fo r ca. Er a um
L~ ~ ~

vigor calmo. Seu guerreiro estava mais "limpo" , exalava UD1a lu z fort e e calorosa.
Começamos a precisar e d esenvolver uma série de aç ões do guerr eiro: tipos d e at aqu e,
de impulsos, de olhar, de engajamento do equilibrio, de din âmicas d e intervenção no es-
paço. Tamb ém p esquisamos muit o a qualidade ar , u rna série de açôes leves, flu t u ant es/
que trabalham o prolongamento dos susp ensórios d a col u na ver tebral: o u õo, vóo [iut iuin-
d o a r p a r a c i m a p as s e i o co m o p e i t o ar p ar a b a i x o S o p r o d. c (J en t o f i u t Li ar an d ar d u
I I I I I I

ue n to, figura da águia em u ôo . Outra qualidade qu e e xp l o r a rn os f o i a di] ár v ore seca,


qu e cont ém movimentos tensos, como s e fosse possível UDl a D1ÚJnia ressecada se 1110 vi-
meritar e agir (a imagem é minha). A árvore seca te m diversas a çõ es que possuenl vari-
a ções de níveis e máscaras . Ric ardo codificou urna s é.ri~ de máscar as de express ões 111U1-
to ac entuadas, qu e chamou d e m áscaras exageradas. As ligações entr e as açõ es eram secas:
IIA dinâmica de passagem de uma figura ou de uma ação p ara outra é corno se uni. galho
quebrasse/ ou seja/ é brusca e se caI;' (R~ Puccetti, Diário d e trab alho/ 1994) .
Trabalhamos praticamente todas as ações de tod asas qualidad es/ cxceto a da japo-
n esa (vide quadros nos anexos). Estávamos atentos ao modo como el as se desenhavam.
às suas dinâmicas de r itrno, à maneira COlno interviriharn no es paço . UD1 tr abalh o d e
artesão . Mas, quanto mais modelado o corpo, mais precisa po d e se r a r e la ção co rn o
universo interior do ator. Um eco que não significa necessariamen te e m o ções ou senti-
mentos/ mas vida . Era corno se aquelas ações dessem forma à própri a v ida.
O alimento das ações não era feito de conteúdos emotiv os, ma s ui bratôrios . Como ?e
o ator estivesse o tempo todo cantando" uma música secretamente/ e a sensação d avi-
/I

bração v o cal fos se o conteúdo que alimentasse seu trab alho . Chegamos a re a liz ar exe r cí-
cios desse tipo/ ou seja/ durante a dariça, cantar urna m úsica s e creta . Ess a m úsi ca era
inventada, e não importava sua melodia, mas a qualidade da vibração vocal; a resp on-
sável pela condução e regência dos movimentos. O canto " se cr eto" era executado nUD1
volume inaudível. iporérn vibrante. COD10 se fosse um dínamo no interior do corpo do atar
a propulsionar seus movimentos. Depois, num segundo moment o. o ato r d eixav a d e .
cantar, mas mantinha a mesma sensação f ísico-muscular. Er a o canto da muscul atura. Os
movimentos podem ser comparados a o uibraio de WIl violino / co mo se o s fei xes rnuscula-
r es foss em as cordas que emitem o sorn.
A dança pessoal se delineava cada v ez mais como algo q ue trab a lh a s obretud o com
as vibra ções corpóreas. Elas constituem a base das ações e sensações do ator, do conteúdo
orgânico e vivo de seu trabalho . Foi buscando esses conteúdos que trabalhamos verdadei-
ros raccourcis de partes da dança d e Ricardo . A imagem de Decroux da ereção muscular vol -
tava à tonal e pedi a Ricardo um raccourc i que trabalhasse a própri a uibração q ue leva os
mús culos ao movimento . Eu nã o queri a a ação ou o movi mento p r op r ia m en te di tos, mas
algo que os antecedia. A sensação para nós era de que não estáv amos tr ab al han do C0111 o
emo tivo, mas com alguma coisa anterior ou além da emoção; algo que passava pela emo-
ção/ m as n ã o er a emoção; qu e se r efletia n a r espiração, mas n ã o era r esp ir a çã o; que ac orda-
v a imagens, mas nã o era imag ens. Algo que antecedi a ou es ta va além de t u d o isso e era,
p ortanto, de difícil definição . P o r esse motiv o, a p ala v re uibroção foi a que m el h o r se ad e-
qu o u n aquel e momento. p ois remetia ao mesmo tempo a alguma coi sa de concre to (pode-

157
Luís OTÁvIO BU]{NIER

m os sen tir as vi br ações de un1.gongo ou de nossa própria voz, por exemplo) c ao n ão 'con -
cr e to (não se pod e peg ar uma vibração).
As portas se ab ri am para uma série de associações e de trabalhos rnu íto esrimulan-
teso Quanto mais mergulhávamos nessa busca, ruais sensações profundas, sonhos e recor-
dações tinha Ricardo :

14/01/ 93 -: Desd e q uand o recomeçamos o trabalho este ano, tenho son h a d o muito, todas
as noites . Normalmente, eu não lembro dos meus sonhos, ~nas agora tenho me lembrado.
Às vezes acordo com a sensação forte de ter sonhado a noite inteira. Parece que muita coisa
aconteceu durante a noite, uma sensação parecida com quando paro de trabalhal<As
coisas que tenho son h a d o não s~o nada de mais: pessoas.antigas do Latex [coral cênico
de que Ricardo p articipava] , professoras do primário (que já morreram), patentes, etc.
OS / 02 / 93 - H oje, a partir do Empinando Papagaio, tive a impress ão de ter regredido à
in fância. Es tava s oltan d o papagaio e chamava meu melhor am igo de infânci a lá d e Pinhal:
"Jú lio! Jú lio!... r Era doloroso porque me sentia criança, mas não era . UIT).a ação muito
antig a d a minha Dança voltou (ela nunca mais tinha aparecido). É um Aceno, um Adeus,
como se eu es tiv ess e indo embora. Corno se eu acenasse para o meu passado. [Ricardo
descrev e a ação do aceno .] Toda esta mexida interi or trouxe urna série d e ações novas, que
eu n ão c~ns i go ainda descr ev er (R. Puccetti, Diário de trabalho, 1993).

Foi naquele m esmo dia que Ricardo descobriu a ação da árvore seca, do u õo, do en -
roscado e do aceno, além das outras que não conseguia ainda descrever. Partimos cada i
vez mais "funde) em busca dessas .m ern ór ia s . T<?dos os dias Ricardo trab'alhava sua dançá, i -
pessoal "livremente", por umas duas horas. Em seguida, retornávamos particularidades,
da dança, que eram determinadas por qualidades específic-as que, por um motivo qual-
quer, surgiram plenas no momento da dança livre, ou, então, pela necessidade Id e dar co:n-
tinuidade a algum trabalho específico que vinha sendo realizado. Em -todo caso, esse
segundo momento significava um aprofundamento vertical em elementos específicos que
. . eram'
.
trabalhados desde um ponto de vista' técnico ou. energético; desde seu desenho
límpido no espaço, ou de sua vibração e seus ecos na pessoa do atar. Os sonhos e as re-
gressões, como dizia Ricardo, talvez fossem conseqüências do treinamento, mas, em todo
caso, eram usados como um pano de fundo que estimulava, alimentava, propulsionava o
trabalho. Não trabalhávamos com Çl.S imagens do sonho, mas os sonhos, as sensações, as
imagens que vinham e o trabalho, como uma "bola de neve", estavam crescendo, ali-
mentando-se mutuamente, formando um todo . .
• ••• • • ... Z"

"Andando em volta do 'espelho"


. .
Com Ricardo decidimos ir além, mais fundo na busca de um sentido. Oiestimulo
para enfrentar este desconhecido veio com a idéia de montarmos um espetáculo. Ricardo
já estava trabalhando e treinando havia quatro anos. Havíamos montado o espetáculo
Cloums-ualef armas, mas não uma montagem dramática pessoal de Ricardo . Ele a queria,
e, de fato, o momento havia chegado.

158

...
R icardo des ejav a trabalhar s obre a solid ão. N o momento ern gu.e n osso trabalho n a-
veg ava acordando ca d a vez m ais m em órias l on g ín qu a s, r es olv emos que ele s e isol aria por
um certo tempo, nUITI m in ús culo qu artiriho abandon ado.
Ricardo ficou n esse quartinho por urna s emana. N esse per íodo, Fu i seu ún i co can-
ta t a corn o mund o e apar ec ia d e vez em qu an do. F oi n es s e contexto qu e Ri ca rd o v ive u
momentos muito p arti cul ar es . Tenho urn a dupla preo cup a ção corn es se tipo d e e xperi ên-
cia : por' urn Ia do, qlle el a rea lmente signifiqu e al go par a o ato r, q ue tenha. U111a ligação
Intima COl11 sua pessoa; por outro, que s ej a. COTI ve r tid a e m ações[isic as, que res u lt e ern a lgo
concreto pa ra sua ar te e n ão s e l irnite a um a vivência p r ofund a, p o r ém pa.ss a g eira.
A exp eri ência elo quartinho foi realmente sig n ifica ti v a . Ricardo mergulhou dentro de
si, descobrindo nov as re lações . P ara q ue s e te nha u rn a idéia/ ainda q ue Iigeir a. ele d escob riu
ações fí s ica s que nunca h avia fe i to antes, que remetiam. a memó rias lo n gínqu a.s e distantes.
Muito mais tarde, lembrou ser em estações físic as ele s eu p ai. Tamb ém des cob riu u nia séri e
de figura s ela árvore seca, d e v ozes. ele a çôes q ue cham ou d e pesadelos (a ções que pareciam
pesadelos), tipos de and ares. Todos .foram cod ifica d os e memorizados (vide an ex os ).
Crotowsk í escre v eu urna séri e de tex tos qu e fo calizam a qu estão da mem ória e da
corporeidade antiga, o corpo ancião, ou o corp o-me m oria, C0 1nQ_ ele chama. Mas O te xto no
qual ele é mais sucinto e direto a esse respeito é u m a já citada passagem d e "O p er fo rrner" .
Vale lembrar:

Aquilo do qual me lemb ro .


Um dos acessos à via criativa consiste em d escobrir em si mesmo um a corp or eidade
antiga à q ual estamos re ligados [in ter ligados. Fe l iêJ por urna rela ção an cestral for te. N os
encontramos então nem no personageml nem no não-personagem [... ].
Com o penetra r [percée = atravessar, perfurar] - C0 1110 n o retorno d e um exil a d o -
podemos tocar algo que não está ligado às origens mas - se ouso dizer - à origem ?
Creio que s im . A es s ên cia es t á p or trás da m em óri a? N ã o s e i. Quand o tr ab alh o nnti to
próximo d a essência tenho a im pressão de atualizar a memória. Quando a essência é
ati vada, é como se potenc ial idad es mu i to for tes se a ti vassern . A reminisc ên cia pod e ser
um a destas p o ten cia li d a d es (C r o towski, 1988, p. 56 ).

Santo Agostinho, na busca d e D eus. en1 suas Confiss õee, es cr eve uni v erd a d eiro tra -
tado sobre a memória. El e discorre sobre a mem ória intelectual, a dos sentidos. a das idéias
inatas, a das matemáticas. a de si mesma. a dos afetos da alma/ a das co isas ausentes. a do
esquecimento, a do objeto perdido, a da felicidad e. até chegar ao encontro d e Deus. Segun-
do ele, 1'0 espírito [animus] é a m emó r i all l e "n ão h á dúvida que a mem ória é o ve n tr e d a
alma [anima] . A alegria . pOréITI e a tris teza são o seu alimen to . d oce ou am argo". " P o r tan -
I

to, para santo Agostinho, e la é o an imus, q ue é o v en t re d a animal el se podem os te r a me -


m óri a d e e moções . estas nã o se confuridern C01n a memóri a. p ois para e le as e lTIOç ÕeS n ã. o
s ão n ecess a r i ame n te sentidas quand o lembradas: Q uem de n ós falari a volu n t aria m en te
I I

da tr istez a e d o t emo r . se fôs s emo s o br iga dos a e n tr is te cer-no s e a teme r . s en1p re qu e


falam os de tr istez a ou temor? " Agostinho conclui que D eus res ide na mernór ia d o h o-

159
~.

LUÍs OTAvIO BURNIbR :"" "

mern: "Eis O espaço que percorri através da memóiia para Vos buscar, Senhor, e não Vos
encontrei fora dela". Profunda, ela parece estar além de si mesma, mas de fato não pode
estar, pois, se o estivesse, ele não se recordaria Dele: "Se Vos encontro sem a memória,
estou esquecido de Vós . E, corno Vos hei de lá encontrar se Dle não lembro de Vós?" Ela
é, portanto, um elemento de fundamental importância tanto para o homem corno para a
criação artística, pois é por meio dela que podemos penetrar em recônditos profundos
do ser, que, como coloca Crotowski, podern estar ligados às nossas origens.
A memória não se inscreve. no entanto, apenas na mente, mas no corpo, na mus-
culatura, o que é de "f u n d a m en t a l importância para a arte de ator. A esse respeito
Aristóteles, em seus Pequenos tratados da natureza, tem um ensaio sobre"A memória e a
reminiscência" no qual estabelece que ao presente concerne a sensação, ao futuro a adi-
v in ha ção, e ao passado a memória :

Nela mesma, a memória concerne ao princípio da sen sibilid a d e [...]. Poder-se-ia perguntar
corno, às vezes, a modificação do espírito, estando presente e o objeto estando ausente,
recorda-se do que não está presente. Evidentemente é preciso pensar que a impressão
produzida; graças à sensação, na alma e na parte do corpo que possui a sensação, é tal como
uma espécie de pintura cuja posta, digamos, nos constitui a memória. De fato, o movimento
produzno espírito como uma certa impressão de sensação [...] (Aristóteles, 1965, pp. 54-55).

É como princ!pio da sensibilidade, algo que está impresso no corpo, cuja memória
pode ser ativada a partir do corpo: o movimento produz no espírito como uma "certa impressão
"(de imprimir) de sensação, ocasionando. assim, uma profunda ligação corpo-r;nemória-
pessoa que humaniza e dá sentido ,à técnica, combatendo seu aspecto mecânico e frio.
Um fator, no entanto, de fundamental importância ressaltado por Agostinho é que a
memória não servirá de muito se no indivíduo não existir um querer: "[ ...] Mas corno a carne
combate o espírito e o espírito a 'carn e. muitos não fazem o que querem, mas entregam-se
. àqu ilo que podem fazer. Com isso se .contentam porqueaquilo que não .p odern realizar, I1.~() "
" . ·····1
o querem com a vontade necessária para o poderem fazer" (Santo Agostinho, 1984, p. 263).
Desencadear o processo que acorda esse querer talvez seja uma das tarefas mais im-
portantes do diretor-orientador. A busca do ator, assim como a de todo artista que quer
algo mais do que um simples reconhecimento social e económico, é a incansável tentati-
va de reavivar arnernória.
A verdadeira técnica da arte de atar é aquela que consegue esculpir o corpo e as
i
ações físicas no tempo e no espaço acordando memórias, dinamizando energias potenciais ;
;
e humanas, tanto para o ator corno para O espectador.
i
A dança escondida/ ou o oibrato da dança 'I
I
Um dos experimentos mais constantes ao longo do trabalho de Ricardo foi o que ele
II
I
chamou de dança escondida". Buscando confirmar sua dança pessoal e aprimorá-la,
I
If

Ricardo costumava trabalhá-la de três maneiras: sua dimensão "normal", ou seja, como ela

160
!
I.
j
s urg ia: sua dimens ão "am p li a da ". p rojetada, co rpór ea t' energt:tica1l1ente gl'ande; e "eSC()]I-
dida". diminuta, sutil, pequena no espdço externo corn o se só existisse no interior elo a to r .
A. dança escondida significa uni raccourci ela [isiciâade e da corp oreidade da dan-
ça pessoal. Is to é; o ator maritérn ern seu int ern o a corporeidade diminuta; ou seja; ele
mant ém u iv as e acordadus as vibrações d e suas energias potenciai s . A d a n ça es con d id a
significou a porta de entrada para a dança das vibraçõ es . Se a corpo reidade pode s er
considerada a primeira resultante física elo processo de dinamização das distintas quali-
dades de energias que se encontram e111 estado potencial no ator, então ela está rn ui to
p r óxi m a do que cb a mo d e quali dad es de u ibraçiio, Não p o d em os esque cer que es sas
energias em estado potencial, ao ser d in arniz ad as, entram e111 vibração provocando o
trabalho e que este se opera por meio dos 111ÚS C1.J1os que haverá de tensioriar ou distender;
então podemos considerar que a transformação dessas energias potenciais em músculo
é o primeiro estágio da corporificação dessas vibrações . Este estágio ch arn o de
cor poreidade. Tendo em vist a que u m ra ccou rci ·d a corpo reidad e não significa o seu
anulamento; mas; ao contrário; sua condensa ção ", isto é, a manuten ção de sua inten-
J;

sidade CODl um a [isicidade diminuída; então ternos que a dança escondida se aproxima
da mais pura dança das vibrações,
. Tamb érn tr ab a lh arn o s muito a manutenção e até mesmo a intensificaçã o da
. corporeidade; mas diminuindo ao m áximo sua fisicidade. Ou seja; os movimentos origi-
nados pela corporei dade eram paula tinamente eliminados ou restritos no espaço .
Ferdinando Taviani , em te xt o sobre a Li ngu agem energét ica; comenta um capítu-
lo do livro deG?rdon Craig sobre Henr y Irving (Henry Irving . Nova Yo rk, Toronto :
Longrnans, Green and Co.):

o capítulo sobre o modo de representar de Irving é U111 verdadeiro ensaio sobre antropo-
logia teatral auant la lettre. Por exemplo, fica-se chocado pela grande importância que
Craig atribui à oposição entre a técnica corporal cotidiana e a técnica extra -cotidiana, e
acima de tudo o m étod o qu e ele us a para a n ali sa r a dança oculta ele Irvin g . Ela é oculta
não ap enas porqu e não é mostrada. m as especia lmen te por q ue salta ora em u rn a, ora em
ou tra par te d o corp o e d a v oz . Não é uma composição gestu al, m as um mode lo de en ergia
que p o d e ser d ilat ad a ou r es tri ta n o espaço, quenurn momento pode guiar o modo d e and ar
e n o outro dirigir um iro puls o da m ão o u um pequ eno m ovimento d os olh os o u o modo d e
pronunciar uma pala v ra, qu ebrand o-a (Tavian i. 1990, p . l L15, g r ifo n osso ).

A dança oculta de Irving equivale a o que Ricardo descobriu CODl sua dança escon-
dida. Essa relação fica ainda m.ais clara s e considerarmos que mais tard e; com Ricardo e
Simioni (e também com L u ciene e Va lé r ia ; corno ve remos na p ar te referente a vVolzen) ;
trabalham os m ane ir as d e r ea lizar es s es raccou rcis d as fisicida des e d as corp oreidad e s
das ações. mantend o; n o entanto; a mesm a qualidad e ati va de v ib r a çã o e a sua transfe-
rência pa ra uma fisici d a d e d e ou tra açã o .
A m ontagem da obra dramátic a C NOSSOS, d e Ri cardo, aind a está ern cu rso. Já r eali-
z amo s um a priruei ra versão qL_l C funcionou corno um pré-tex to . En1 bre v e, co me çare m os
a trabalhar a versão fina l. Temos d es cob erto relações m uito profundas e longínquas de

16]
Lu ís OTÁVIO BURNI ER

Ricardo co m sua h istória passad a. C01110 u m m erg ulh ador que va i ao fundo do o cean?,
te rnos de ru ergulhar e depois emergir .a os poucos, senão a diferença de pressão interna
do san gu e ·e externa da água estoura os glóbulos vermelhos, o que provoca a morte ...
A elabora ção da dança pessoal do ator significa um aprofundamento considerável na
pessoa, um cantato com elementos profundos. energias potenciais primitivas que serão .en -
tão dinamiza das, resultando em ações físicas precisas que serão, por sua vez, memorizadas,
codificadas, el ab or a d as, aprimoradas. Somente então ternos a articulação de uma lingua d~ ,
e
aio r, que, no caso, é p essoal, ou seja/ filha desta relação ínti·ma· 'p r ofun d a consigo me$lh"b:'~'

Corno lingua é algo articulado e articulável, portanto, modelado e. model ável, as ações
físicas qu.e consti tuem essa iinguti são, agora, ações recuperadas, isto é, codificad as/ reti-
radas do contexto original e transfor~adás em material de imbalho , Um material que, tendo
em vi~ta .a s es p ~ ~ i fi ci d a d e s d a arte d e atar, nunca poderá e star " m o r t o " . Embo~'a
m odelável e trab alháv el, e~e deverá sempr e estar " em-v id a", ou não servirá mais para ~
arte de a tor. É o p a r adoxo d e noss a ,a r te : por um lado, d evemos manter. vivo o fl u xo de
vida, mante r din amizadas as ene rgias pote nc iais, e, por outro, ter .u m material fixo e p reci-
s o (as açõ es físicas codificadas) com o qual poderemos construir nossa arte.
N este ca p ít u lo vi m o s o processo de comocheg~mos a uma elaboração e codificação
t écnica respeitando o paradoxo da a rte de ator. Aliás, penso que toda técnica de ator só
p ode ser co n s ídcrad a como tal quando navega sobre esse parado xo. Em seguida, v e r e-
mos com o, continuando atados neste pêndulo que oscila entre a vida e a técnica, busca-
m os m aneiras de tr an s formar as ações codificadas em arte/ em r ep r es en t a çã o .
A principal questão que será colocada é a de como operacionalizar a transferência
d e algo or iu nd o do ator e munido d e significados profundos e específicos para .o contexto
do espetáculo teatral, ou seja, para a obra de arte. . .-'
Neste contexto d.atransferência da técnica para a representação, veremos os carni-
nho~ . ~ a elaboraç ão técnica a partir da, imitação de corporeidades, o que chamo de
"mímesis corpórea", ·a partir da busca do cloum e, por fim, a partir da dança pessoal.

162
Iviairizes da âança pessoal de Ricardo Pucceiti

...l

-Q u alid a d e "pedra", sub d ivisão "árvore seca", a ção Qualidade " guerreiro", a çã o "seg u ran d o espada"
" velho"

Qu ali d a d e " pe d r a" , s u b d ivis ão "árvore seca", ação "crian ça


b r in can d o com Deus "

Rica rdo Pucce tt i em qualida de " p ed ra":


s ubd ivisão " a r vo re seca", ação"ág uic.
ferid a " . Fotos : Tina Coêlho

163
Luis OTÁVIO BURNI ER

Qualidade "guerreiro", ação "pausa suspensa" Qualidade "japonesa", ações: "andar de base
média"; "mãos segurando leque~'; .;' dança
contida" .

Qualidade "velho", ação "cego" . Fotos: Tina Coêlho

164
ClvOSSOS

Criação: Ricardo Pucce tii (ator) e LtIÍS ' Otávio


Burnier (diretor)

(1995-errz apresentação)

!
-'

! Qto: Martinho Caires

16:;
LUÍs OTÁVIO BU.Ri'!IEf{

Fotos: Martírlho Caíres

166
}\ A I~n\ L'L A '101\.: DA TÉ CNiCA. A l':.F~lJ RE SE h,[,AÇAo

Rica rdo Puccett i . Foto: Martin ho Caí res

167
Notas
de notas de Ricardo Puccett i. São títulos de
.Os subtítu los colocad os entre aspas foram retirad os do Caderno
o.
fantasi a que Ricardo deu a certas jornada s ou período s de trabalh
Frase de Natsu N~kaji ma.
design ar o espírito, e a palavra anima para
Agosti nho usa, no texto origina l em latim, a palavra animus para .
designa r a alma.

168
Capítulo 6

DA TÉCNICA À REPRESEf'\TTAÇÃO

La Iaçon de donner vau t m icux que ce qu' on dorme .


E TIENNE D ECROU X

A arte n ão está em o qu e, mas em com o fazer. A técnica, por s ua vez, éo seu instru-
mento construtor. O treinamento trabalha as múltiplas maneiras desse como fazer, d esco-
brindo novos instrumentos, aprimorando os já conhecidos. A estruturação técnic a sig nifi-
ca a criação de um v ocab u lário, de uma "lín gu a" própria à arte de atar. N a medida.em qu e
é codificad a e estru turada gramati calmente, ela se tr an sforma num léxico, utilizado pelo at a r
para "falar" . Uma vez criada e estrutur ad a esta " lín g u a", podemos partir para a criação
propriamente d it a, para a construção do texto artisiico, o te xto cultur al.
A particu la rid ade desta p es quisa é que, n ão ten do uma " lín gu a" es tru tura da, os ato-
res e eu p artimos em busca d e su a criaçã o, a tentos aos riscos t anto da ,esclerose com o d o
caos. Trabalhamos, portanto, entre o código e o conteúdo, o sintoma e o signo / símbolo. Esse
fato imprimiu-nos uma dinâmica muito específica, pois trabalhávamos -com instrumentos
e, ao mesmo tempo, com a criação deles . Embora existam os momentos mais "frios", ana-
líticos e técnicos, de polimento e aprimoramento das ações físicas, exi stem também aque-
les mais " quentes" , d e criaçã o, d e cantata co:m a pessoa, nos quais buscamos um a m ai or
dinamização de energias potenciais do a tar, fonte de criação e de busca artística. Esses fa-
tores específicos da presente pesquisa são determinantes para que se compreend a a in ter-
rel ação entre a técn ica e a repres entação no contexto deste trab alho.
Um atar SeITI técnic a corp ór ea e vo ca l codificada d ep end e muito de seu subjeti vo ,
de sua exclusi va intuição, de uma concentração, men tal forte o suficiente para compen -,

169
LUÍs O T ÁVIO BUR:\il ER

"incor por ar", identificar-se


sal' a ausên cia d e p ar âm et ro s"obje ti vo s e concre tos. Ele busca
m ental. Exis te, no meio tea-
com o perso nagem , ten do corno ponto d e parti da o esforç o
sso de identi ficaçã o entre
tral, urna alusão simbó lic a e signif icativ a qu e conlp ara o proce
ri tuais religi os os. Co nfor-
a tor e perso nagem com o d a possessão, encon trado em certos
me Brech t, isto seria a morte da arte de ator:

o, que se desenv olvia no


A criação do person agem era um ato "intuit ivo", portan to obscur
tico d o subcon sciente . [...]
nível do subcon sciente e é d ifíci l conseg uir u m domín io sis temá
agem, um a vez conseg uida,
A "metam or fos e integ ral" d a id entifica çã o d o atar com a person
em médico ou em grande
o atar esgo tou to da a sua ar te . Urna vez que se transfo rmou
vida (Bre ch t, 1972, vol . I,
capitão , ele pre~isa tanto da arte quanto estes a necess itam na
p.591) .

de colage m, de mo-
o ator do tado de técnic a traba lha corn a noção de mon tagem,
claros e determ inado s, re-
delag em . Mesm o ao criar u m a ação nova, utiliza parâm etros
nagem é, nesse caso, mais
gras já incorp orada s e precis as. A "cons trução " de um perso
ou seja, a somat ória de
próxi ma da image m evoca da pela própr ia palav ra construção,
ações, o ator recorr e a elas
el emen tos, um"tij olo co lo cad o após o outro. Sem precis ar criar
as notas, mas a ordem delas,
como se estive sse comp ondo, como um músic o q ue não cria
ão .
varian do com as ' possív eis difere nças de intens idade e de duraç
cada e sistem atizad a
Um ator sern técnic a corpó rea e vocal de repres entaçã o codifi
e a seqüê ncia que tr ar á a
precis a criar as ações, os movim entos, as dinâm icas, os ritmos
o d e e s tar prese nte toda
co er ên cia para o perso nagem , deve in v entar e fix ar s eu mod
/I

não repeti r o qu e ele fez


vez que trabal ha uma nova monta gem, toman do cuida do para
um ator dotad o d e técnic a
em p roduç ões anteri ores" (Barb a, 1991, p . 160), ao p~sso que
.-'"

não signif ica que o ator de


codifi cada p~ecis~ criar somen te a seqüê nciae as ligações. Isto
esmen te que são manei ras
. .. u~" "~J~!"~ma sejam elhor ou p ior do que () do .ou tro, mas simpl
.
muito distin tas de pensa r e de trabal har a monta gem c én ica
no espaç o. A altera -
Codif icar uma ação física signif ica deseri há -Ia no tempo e
não sendo mais, porta n-
ção 'd e um detalh e pode reflet ir no seu sentid o e signif icado,
três -d ím en s ões, de 0 - corpo
'to , a mesm a ação . O fato de as ações se config urarem em
dizia Decro ux, permi te .a o
transf ormar -se em uma espéc ie de "estát ua móve l", como
aperfe içoar, acresc entar
ator e ao direto r atuare m como escult ores 'q u e vão mode lar,
esculp ia estátu as de corpo
ou ampu tar partes deste corpo -ação . Rodin, por exemp lo,
em La priêre, na busca
inteir o, depoi s lhes cortav a os braço s, "p e rn a s, cabeç a, como
no espaç o perm ite algo
da essên cia d.e sua expre ssão artísti ca. Desen har um corpo
ou cortde nsand o no tem-
simila r: remod elar, acresc entar, ampu tar ' partes , diluin do
e refeito , curtid o", poli-
po .. . É um trabal ho de artesã o, de escult or, algo que é feito
II

o e no tempo como uma


do, até ser encon trada a melho r adequ ação, fixado no espaç
escul tura móve l.

170
Técnica de ireirunnento e técn ica ele represeni açiio
Ex iste 11n1a d ifer ença i ru portant e en tre o qu e p odem os eh ama r ele " té cn ic a d e trei-
narnerito" e de "técnica de representação". Se entendermos por t écnico o uso estruturad o
e ex t r a co tid ian o d o corpo -men te do atol' (Barb a, 1993 p . 25 ) rel a cion a d o corri algum ob-
1

jetivo, en t ão, d e a cordo co rn esses objeti v os, as técnicas po d em m u d ar.


Tendo por obj etiv o a preparação do atarIa treinamento ex p lora s u as cap a cid ad es
e t ra b a lh a s uas di ficul d ades, a larg an do seu léxico, dilatand o seu co r po e ab ri ndo os ca-
ntinhos p<1r a o flu ir ele s u as energ ias potenciais. Desta [orma deline ia todo o que e como fazer.
A t écnica d e treinamento é composta de exercícios qu e trab alh a m os componentes
d a arte de ator, ou s eja, as ações físicas, as a çõ es v o cais e a dinamiz a ção de suas energias
potenciais. O s ex er cí cios elaborados para es te fim tentam explorar c lem e ntes co mo Í71l-
Pu lsos, élan, int enção, movimentos, dinamoritm os etc... assim CO lTI O os corriuonentes d a ' f O Z
~
1
Á

e maneiras de acordar o fl uxo de vida do a to r.


Todos esses obj etivos podem ser resumidos pela tentativa d e se diloi tir o corpo-men-
te do ator, preparando-o para a situa ção da rep resentação n a qu al s ua arte se reali zará.
N o cas o de técnic a já codificada e estruturada como a d e Decroux, o u d o n ô, kabuu ui ,
ópera de -Pe quim etc., o treinamento prepara o ator na técnica. Toda' expressão estética si g- .
nifica uma técnica. Assim, na pintura, o expressionismo não usa a m esma técnica que o
naturalismo. Para alterar uma estética, devemos mexer na técnic a. É quas e il ógi co p ens ar-
mos numa representação teatral de um texto .expressionista com atares que u sam uma téc-
nica realista. Assim, a técnica de Decroux vis a à sua m ímica corporal, a do nô ao te at r o n ô.
a d a ópera de Pequim à óp er a d e P equim ... 0 11 seja, as t é cnicas estão vinculadas às suas
expressões artísticas . Por serem estruturadas, codificadas e sistematizadas. corri um a ex-
pressão estética bem definida, o treinamento, nestes casos, prepara o ator para aquela téc-
nica de representação precisa.
Antes de continuar, devo deixar claro que o vínculo técnica- estética é muito forte,
por ém não limitante;'Foi o próprio Decroux quem lançou a s emente que p erm ite desvincular
uma determinad a técnica d e sua estética : o raccourci . Por s e tr at ar d e U lTI elemento em irien-
te m.en te p rático, sua dis cu ssã o con ceituaI se ria complexa e exigiria u rn n úmer o g r an d e el e
ex em p los, o qu e nos des via ria de n ossa v ia.

o comportamento restaurado
Os caminhos para a co m p o si çã o de uma obra cênica a partir d e .es tru t u r as técnicas
codificadas e sistematizadas da arte de ator são muito especificas. O fat o de se ter um con-
ju n to considerá vel de ações delineadas e memorizadas p er m ite a m istura, o corte, enfim,
um trabalho de verdadeira composiç ão, como se ti véssemos em mãos pedaços inteiros, fra g-
mentos, e com este material começássemos a compor o mosaico que for rn aráa ob ra. Outr a
co mp araç ão poss ível é com a es tr ut u r a d a m ontage m cinematográfica, pois são sequ ências,
in teir as de ações que p o dem ser cor ta das, in ser id as n o mei o de u rna o utr a sequ ência e as-
si m por diante . Urna a çã.o codifi cada se co mpor ta corno u rn fragmen to cinematográfi co;

171
L UÍs O TÁV IO BU.RNIER

urn Iotograma. Richard Sch echner, em tex to sobre a Restauração do comportamento em


que analisa todas as fOr111aS de representação desde o xarnanismo até o teatro, escreve:

Um comportamento res.taurado é u m cornpdrtamento vivo tratado d a marieira que um


cineasta trata um pedaço de filme. Ca~a par te d ev e ser ressistematizad.a, recons truída .
Isto é independen te dos sistemas caus ais (social, psicológico, tecnol ógico ) q ue o cria-
ram: ele possui seu próprio comportamento . A "verdade" original ou "mo tivação"
desse comportamento pode .ser perdida, ignorada ou oculta, elabo T~da ou distorcida
pelo mito. Originando um processo -usa d o no curso d os ensaios p a ra ob ter u m novo
processo, a representação - os pedaços de comportamento não são mais p rocessos em
si, mas objetos, materiais. O comportarnerito res taurad o p od e s er de long a du raçã o,
..como em certos dramas e rituais, ou de curta duração, corno em certos gestos, danças e
mantras (R. Schechner, 1991~ p . 205).

o processo de elaboração técnica do ator equivale ao que Schechner chama de com-


poriumenio restaurado. Por "com por tarnerrto" ele entende "seqüências organizadas de
acontecimentos, .ro teir o d e ações, textos .conhecidos, movimentos codifica dos" , assim, a
restauração do comportamento pode ser tr ad u z id a por restauração das ações , o que re-
flete a mernor ização e codificação das ações. ou seja, o próprio processo de elaboração e
de codificação técnica" para o ator.
Schechner, nesta curta passagem,. levan ta algumas questões que fa z em parte da p ro-
blemática enfrentada qu a n d o se tr ab alha a montag em num sis tema d e t écnica co d ifica -
da. Primeiramente, é "importante le mbrar o fato, já r essaltado anteriormen te, d e q u e n ão
estamos trabalhando com técnicas preestabelecidas, mas que estão sendo elaboradas. Isto .
det erm ina a p roximid a de d e noss a busca com o conceito de comportamento res taurado
d e Sch e ch ner. Essas" aç ões que são r e stauradas", memor izadas e codificadas têm, por-
t anto, em sua ori g em , u m a ligação particular com a pessoado ato! e podem ser conside-
r a das "vivas", o que nos afasta dos co m portamentos restaurados " que existem sep arad os
. .... dos -executores que ' realizam' esses comportamentos" (Schechner, 1991,. p.20S),. ericon-
t rados co m fr eqü ên cia em ritos tradicionais. O comportamento r es tau r a d o, n o nosso ca so,
é um comportamento vivo, como coloca Schechner, e será tratado, na elaboração de uma
peça,. de u m a montagem teatral, de maneira similar à dispensada pelo cineasta a um
fotograma : por ser restaurado, codificado e memorizado, ele pode ser '"cortado", '"re-
mandado", r eelab ora d o.
N o momento em que uma determinada ação é retirada de seu contexto original,
ela deve ser ressistematizada e reconstruída. ~ a inevitável e necessária adaptação ao
.n ov o contexto. Essa reorganização é,. de fato, independente dos sistemas causais que ori-
ginaram essas ações; ela s egue,. agora, regras novas e próprias de comportamento. Em
suas origens, essas ações são -fruto de um elo, com um determinado grau de profundida-
de, do ator consigo mesmo. Uma vez restauradas, elas se convertem em códigos que são
.trabalhados e elaborados, mas que existem ainda no plano, digamos, "limitado" da co-
municação i n t e ri o r do artista. Para a montagem te atr al, essas mesmas ações serão
transferidas para um novo contexto, não mais "privado", mas "público", de comunica-

172
ção CO I H os es pec ta d ores, com outras p ess o as, q u e irão, por sua ve z, intcrprcui-Ias.. lê-las,
e n co n t r ar s i g n ifica d o s p ar ti cul ares para cad a um a e par a o conjunto . S e n o cont e xt o
original elas foram sistema tizad as, agora, no espctáculo, dev erão s er rcseiste ruut iztuia s,
reorganizadas, visto ~ senti do preciso (ou gl.obal) que 1, a verão de adquirir.

o rl.SCO do sacrilégio
Segundo Schechner, a "v er d a de" origi na t ou " m o tiv aç ão" d es se co m portamen to,
p ode s er perdida, ignorad a ou OCUlt8, e la b orad a ou d is tor cida pelo m ito. No novo co n -
te xto, aquilo que originou a ação física pode se diss olv er ou até m esmo d es ap ar ecer . No
e n tan to, existe aqui, de m i nh a parte, unia preocupação es pecia l e específi ca: a de 7[[7'-0
cometer sacrilégio .
"Cometer sacrilégio" significa Tomper COIn o sagrado, profanar. O risco de sacri-
légio é m ai s evidente quand o s e trabalha com ações r etira d as d e contex tos e cu lt os r 2-
ligiosos espedficos. Todavia, ele t amb érn existe ao s e r etirarem as a ções oriundas d e
r ea li d a d e s específicas do ator e transpô -las para u rn nov o cont ex to, o t eatr al. O ri s co
de profanação, no fundo , é simil ar tanto em um cas o como em ou tro, se conside rarm os
que o rito -é o que operacionaliza a noss a religação corn o mi to (J ea n Dani elou) e qu e,
em certos rituais (sobretudo os oriundos do Vodu, COD10 o can domblé, a urnbunda, o batu-
qu e de Ivlin as etc.), essa ope racionalização a con te ce por m eio elo cor po (danças e can -
tos). Neste contexto as ações são instrum entos, ueicu los, por meio d os q uais s e opera a
re-ligtição corn as origens, com o div ino. No contexto es pe cífico da danç a p es s o al . p o-
d ernos consid era r qu e o co rr e algo s imi la r, ou equ ival en te : as aç ões fí s ica s.. co d ifi ca d as
são os meios pelos quais o atar reata contato com sua própria pessoa, com suas energi as
mais profundas que se encontram adormecidas ou esqu ecidas. A o serem d inamiz adas,
elas operaln um "reavivamento" da rnernóri a. Retirá-las deste contexto específico qu e
as originou e colocá-las em outro acarreta o risco de sacrilégio, o u sej a, d e ronlper com
o .q u e é sngrado (e se creto ) para o ator. Não que a t r ans ferên cia d e u ni conte xt o para
outro de va s er prim ariam ente d es cart a d a, 111as d ev e-s e p ermanecer atento ao risco d o
sacrilég io.
De fato, a "v e r d a d e" original, ou a "m o tiv a çã o" q ue d eu orig em à a ção, pode ser
tra nsf ormada (distorcida ou elaborada), ou ocultada (es con d i d a o u amputad a ). El a
tamb ém pode se perder C0111 o temp o (o que significa ser transfo rm ada em algo no vo ),
sobretudo depois de longo período existindo em um no v o contexto (o do espetá cul o ).
Em alguns casos específicos e pontuais, ela será simplesmente igno rada, ficando so-
mente a casca" , a forma física, nada mais tend o de v alor interior e human o . Ess es casos
/I

aconteceram, em nosso trabalho, ou quando procur ávamos al gum lig ãm en ent re du as


ações diferentes, ou ao testar maneiras de "habitar" uma mesma ação com distintas
oibraç ões , Neste último caso, mi s tu r áv a m o s o qu e p ode ría m os cha ma r d a "v er dad e
oc ul ta" d e uma determinad a ação, o raccourci d a p rópria vib ração, no " corpo". ou sej a,
n a [i s iciâa d e de ou tr a .

173
Lurs O TAvlO B URNIE R

A aç ão física "viva e o material de trabalho do atar


1/

C0111Ó vemos. o fato de as ações serem res tauradas, por tanto tecn ifi cados, é o q u e
p er rn i te, nelas m esrna s o u no ato d e transferência para o novo contexto esp e t a cu la r,
U 111 conj unto d e tr ab al.h o s. d e a per feiç o a m en t o s , adequações e transformações, q u e

podem tan to se li mi tar a o s as pe ctos pura ru en te físic os e mecânicos co rn o aos in t e ri o-


res, r elativos às m o tivações que as originaram . Neste processo de transformação e ade-
qu aç ã o a umnov o contexto, o s pedaços de cornpor tamento", ou seja, as ações física s,
/I

nã o s ão III a is processos e rn si, mas objetos, 'Dl à t er i a is /l , pois, uma vez restaurado, o
/I

comportamento " [.. ,] está 'lá ', distante de 'mim'. Ele é separado e, portanto, pode s er
'trabalhado', m ud ad o. rriesrno que 'já tenha acontecido:" (Schechner, 1991, p. 206). A
tran sformação do qu e origin a r iam en te era vivo e ~abitado por uma verdade ou motiva -
ção em rnat cria ! de trab alho é um fa tor d e extrem a importância para o ato r dotado de
té cnica codificada, p ois é o que va i permitir-lhe a fixação do qu e Stanislavski chama d e
linha das ações física s, e Grotowski, d e partitura do ator.
No co n texto d a prepar a ção da m ontagem teatral, os processos que deram origem às
a ções físicas n ão serã o re~ e v an te s . O que vai importar serão os materiais que deles resulta-
ram. Chamemos de "processo 1// aquele que deu origem às ações físicas, e de "pro cesso 2"
'0 que vai dar origem à m ontagem, t endo claro que cada um, internamente, pode ser sub-

dividido e m diferentes momentos, como vimos no caso da elaboração da dança pessoal.


No "processo 2/1, as a ções fí s icas s ó r eencontrar ão suas verdades ou mo tiuações (transfor-
madas ou n ão) num ter ceiro m omen t o. Na primeira fase da montagem, essas ações são
consideradas materiais sig n ifican tes para a composição da obra, "ou seja; objetos modeláveis.
Num segundo mom ento, deve-se co ns iderar a ma neira como se operacion al iz am -as liga-
ções entre as açõ es colocadas lado a lado, ou fragmentadas. É quando entram em campo
os lígamens, pequenos oelem en t os de tempo ou partículas de ações que colam", viabilizam
/I

a união entre a ções. Os iigamens são de extrema importância, poisem grande parte são
responsáveis pela organicidade, por criarem os canais que permitem que o fluxo de ener-
°g ia . <:'~.r ç:qlE; .d e maneira equivalente ao da vida . É o que .cria a line oj physical aciions de
Stanislavski . Após encontrar os ligamens adequados, entramos num terceiro momento,
quando se reencontra o "fluxo de vida", a "verdade" original ou transformada, a nova
"motivação" ou a antiga num novo contexto. Reencontrar a "verdade", ou uma "verda-
de", a "motivação", ou uma "motivaçãoL 'é fundamental para a arte de ator. É, concre-
tamente, o "caminho inverso" do qual nos fala Artaud (Artaud, 1987, p. 165).
Norval Baitello [r.r em texto no qual analisa a obra Dadâ e a destruição dos códigos
culturais, escrever .

Montagem, como colagem, junta elementos por mera justaposição paratática, sem. a
presença de sinais de ordem, hierarquias ou simples conexões. E isto pressupõe uma
atividade anterior à montagem: desmontagem ou o corte de elementos isolados, retirados
de seu contexto original no qual eles exerciam uma função com uma determinada
hierarquia de regras a qual constrói um determinado código cultural. Removidos deste
sistema, os elementos não voltarão juntos em nenhuma dialética análoga ao original,

174
ma s em u n ta -co rn p let am eu te di ferent e, n a qu al a re fe r ê n cia
ao p roc ~ s s oele d es m an -
telame rito a cont eci do an te r io r me n te será d e furid arn ental impor
t ânci a . (Baitcl l o, 1992,
pp. 165- 66).

Embo ra o d adaísm o quises s e expor o d es man telam ento do s


cócligo s cu ltu r ais, crian-
do então u rna outra dimen são (e signif icado) para esses mesm
os código s, o proces so com
o qual os dadaí stas tr abalh avam as palav ras, transf ormad
as em nuiterial indep enden te
dos sistem as caus ais ep.l e as origin aram, é sirn il ar ao p I'oces
so d e unia m ontag em teatra l
CO.n1 a teres dotad o s de t é cn ica cod ificad a . Evid en t em en te,
n o dad a ísmo esses materi ais
er am justap ostos p aratat icame rite, mas iss o é fruto d e um a
opção es té tica e I ou poétic a
especí fi ca do mov imen to d ada. o que n ão anul a a prox irn
i d ade d o s dois proce ssos de
criaçã o . P ar a p od er isol ai certo s eleme n tos, é n e ce ss á ri o,
cm prime ir o lug ar, que ele s
exis tam C01110. tal, ou seja, não somen te corno rev elações ou
expres sões de conteú dos espe-
cíficos , 111as tamb ém C01110 objeto de t mbolho , um mater ial transf
ormáv el e arti culáve l. Para
qu e se jam objetos de trabalho, d evem a trav es sar urn pro cess
o d e d esmon tagem e ser r eti-
rados d e seu contex to origin al. S0111ente assim serão remov
idos de UDl sistem a p ara ou -
tro, constr uindo um novo código cultur al.

Prometeu acorrentado
Um a monta gem t eatr al feit a a p artir d e s is temas técni cos
codific ados e organ iza-
dos para o ator permi te uma fi xação extrem amen te precis
a d a ob r a fin al. Este. regist ro'
da linh a das aç ões físi cas (enten dendo por a ção física" as ações
/I
fís icas e v oca is t qu e p o d e
apare n tar u m comp let o " a p ris ion a men to" d a art e de at or,
é!; n a r e al idad é, s ua v er da -
deira "liber dade" . Não tendo que pensa r em o que ou em como
fazer, pois seu corFo~~rte
. já está esculpido no esp aç o .eno tempo , o ator pode se aband
onar às m últi p las e ricas
sen sa ções e inform ações armaz enada s naque le conju nto ele
ações físicas , que segue m
esp aciali d a d es, tempo s, ri tm os, dinâ m ica s e a té v ibrações precis
as, deixan do-s e atimen tar
p or elas, p ermit indo qu e ' //coisa s", na reali dade indefi nív eis,
m ouam- se de ntro d e si, acor-
dem e d in amize m energ ias pote nciais . É, n ovam e n te, o "sen
tido inverso" p ara a "s aíd a
corpo ral p ar a a alma" de Ar taud (A r ta u d, 1987, p. 165 ):

Trat a-s e, por tanto, d e fazer d o teatro, (...] algo de tão preciso
e localiz ado qua nto a
circul ação do sangu e nas artéria s [:..]. O es p e t áculo será co
d i ficado d o c om eço ao fi m,
como uma lingua gem . Com isso n ão h a v erá m o vimen tos perdid
os, todos o s movim entos
obedec erão a um ritmo; [...] o própri o d iálogo , o u o qu e sobrar
d el e! n ã o será redigi do,
fixa do a p ri or i, mas apenas de termin ad o em cena; será feito em
cena! criado em cena, e m
co rr elação C0 111 a outra lingua ge m e com as neces sidad es! as
atitude s! s ig n os, mo vimen -
tos e obj et os . [...] To das essa s te n ta tivas, ess a p r o cura, esses
a tritos, aca b a rão d esemb o-
ca ndo numa obra, nurna compo siçã o inscrita ! fi xada ern se us
m en or es d eta lh es e a notada
com n o v o s m ei o s de notaçã o. A co mp osição , a cria ção , ao i nvés
de dar -se no cérebr o de
um autor, s e dará na própri a na ture z a, n o espaço re al e o r es
u lt a d o defi n i tivo se rá t ão

175
-
Luis OTÁVIO BURNIE R

mais um a imens a riquez a


rigoro so e determ inado quanto o de qualqu er obra escrita ,
objetiv a (Artau d, 1987, pp. 117, 126 e ] 42 -43).

ir, de modelar no es-


A criaçã o da obra teatra l é uma mane ira de compor, de esculp
qualq uer outra obra de arte.
paço e no tempo a arte .d e atar, e ela é tão rigoro sa quant o
camin ho invers o, o aband o -
É-justam en te o fato de as ações serem fixadas que permi te o
, a "entra da de volta para
no do atar às inform ações secret as (e sagrad as) que elas contêm
secare m, não existe moti-
a alma" (Artau d ...). Stanis lavski disse : se os seus sentim entos
II

elas restau rarão seus senti-


vo para alarm e: simpl esmen te volte para as ações físicas que
mento s perdid os" (Topo rkov, s.d ., p. 162).
Schec hner, mais adian te em seu texto, acresc enta:

rtamen to vazio, mas


o com p or tam en to restau rado é simból ico e reflexi vo: não compo
. [...] O compo rtamen to
com p or tam en to pleno, que irradia plural idade de signifi cados
proces so social, religio so,
simból ico e reflexi vo signifi ca fixar, transfo rmand o em teatro o
pela primei ra vez . Isso
estétic o, médico e educac ional. A repres entaçã o signifi ca: nunca
ortame nto repeti do" .
quer di z er da segund a atéa n~ vez . A repres entaçã o é o "comp
(Schec hner , 1991, p. 206). , -

do compo rtame nto, é


A "plura lidade de signif icados " é conse qüênc ia da plenit ude
espect adores . Evide nteme n-
o que torna as ações físicas passív eis de interpretações pelos
sendo condu zida, ou seja,
te, na monta gem da obra a perce pção do espec tador estará
mais que se PC?ssa fechar
induz ida a interp retar de uma determ inada manei ra. Mas, por
manif estaçã o cultur al, ela
as possív eis leitura s de uma obra, por ser arte, por ser uma
sempr e conter á uma plural idade de signif icados , um signifi
cado global que desenvolva 'u ma
única função, segun do Ivano v (cf. 'Iv an o v et al., 1979, P: 199).

de repres entaçõ es desde o


..... ... -0 compo rtamen to restau rado é usado em todos os tipos
estétic a e o teatro, desde os
xaman ismo e exorci smo até o transe, desde o ritual até a dança
o psicod rama e a análise
ritos de iniciaç ão até os drama s sociais , desde a psican álise até
al caracte rística da repre-
transac ional. De fato, o compo rtamen to restau rado é a princip
sentaç ão (Schec hner, 1991, p. 205).

sistem atizad as, e,


o compo rtamen to restaurado são as ações física srriem oriz adas e
é a técnic a de ator que pode
no caso ~o teatro , a princi pal caract erístic a da repres enta.ç ão
o de estar no lugar de, mas
ser repetida. Para Schec hner a .representação não tem o sentid
l

precis amen te de compo rtamen to repetido.

o personagem, uma máscara que revela e protege


ser repet ido,
A técnic a de repre senta ção signif ica, porta nto, algo que pode
que podem ser trabal ha-
reapreseniado, um conju nto de ações estrut urada s e codifi cadas
176

. .Â
d as, model adas, tra nsforrnad. as , r eestruturadas, é precisamente ni sto qll(:~ o l reinam en to
se distingu e d a t écnica de represcn tn ção. O tr ein amento. C01no já vim os, prep ar a o ator,
que apront a, ela bora e ap rimo ra SU ~l técnica corpórea e vocal d e representação. Enqu anto
a técnica de l epresen~açã(l é o conjunto de muieriais elaborados, codificados e sistematiza-
elos, r es u lta n tes d o t re inamento, é o qu e fica, o que pass a a exi stir distante d e "si", corno
urna "segu nda n atu rez a", pertencente a urna segunda realidade e sempre sujeita à revisão .
O p ers on agenl será construíd o com esses materiais, gu e s erão justapostos, cola dos,
m oldados. A es co lha dess e material seguirá urna detenninada lógica, implícita ou expH-
cita, qu e cr iará a co erê ncia d a lin h a das a çõ c s físic a s, d a s e qü ên ci a . O enca d eamen to
entr e esses elem ento s é o que induzirá o espectador à interprei açiio . El e se rá o le it or, tra-
duto r e d ecodificador d essas informações para seu universo cultural. Por iss o, o es pec ta -
d or pode ser co nsi derado, neste sistem a, como o intérprete dessa s informações.
Thomas Richards. e rn seu jel citado livro Al lauoro con Gr otowski s u lle azi oni [isich e,
analisan do as dife r en ças en tre o tr a balh o d e Grotovvs ki e o de Stanisl av ski so b re as ações
físicas, no que d iz res peito à abordagem do " p ers on ag em" . di z:

N o trab alho d e Stani sl avski o "personagem" é um ser inteirament e no vo, qu e n asce d a


comb in a çã o entre o p ers o n ag en1 es cri t o pelo au tor e o p róp ri o ator. O ator inicia o seu
"e u sou" e vai p ara a circunstân ci a d o personagem proposta pelo autor, chega nd o a u m
es ta do d e qu as e iden ti fic a çã o com o perso n age m , u m novo s er. [...] Nos esp et áculos d e
Grotowski, ao contrário, o "personagem" ex is tia mais co mo U111 escu do público que
pro tegia o atar. O a to l' não se id en tifi cava com o "p ers onag em". Isto se p ode ver
cla ra men te n o caso do P r ín cip e Cons ta n te ele Ciesla k . O "personagem " e ra const r uído
p elo d iretor, n ão p el o atar, e s ervia p ar a manter ocupada a m ~n:t e do esp ect ad or C0111 a
estória: " o que está a contecendo?". O "p erson agem" prote gia o atar que, d e dentro d este
esc u do, tinha ainda s ua intimid ade, a s u a segur anç a. E111 ou tr os term os, o escudo do
"person agem " m an tinh a ocup ad a a m ente d o esp ectaclor d e m aneira que o esp ecta dor
pu cless e perceber, corn a par te de si ma is ap ropriada a esta t a re fa, o pro cesso n as cido
do atar (Richards, 199 3, p . lOS).

Para S tan.isla vs k i, a s ações fís icas s ã o trab alh a das no contexto da criação de um
p e r s on a ge m e rn si tuaçã. o real is ta" , n u rna d e te r m in a d a c onve n ção soc ial. Já p a r a
/I

C r oto wsk i, as mesmas ações são urna " corren te d e vida bás ica, e não urn a si tu a çã o social"
(Rich a r ds, 1993, p . 109) . C o m o corren te de t ndti btisica, ela s são trabalh ad a s no conte xto
do aior e não d o pers on a g em . N um p rim eiro moment o. es s as a ções resultam d e um pro-
cess o d e busca indi v idual e p essoal, de um a dinamização de energias potencia is d o atar,
ou seja, de s t a corren te de v ida básic a, e, nU 111 s egund o m omento, .u m i n s tr umen to técni-
co, u m comportament o recu perado, q ue serv ir á de ueic ulo tanto de ida - co m u nicação
co m os espect a do res - co m o d e v olta - a r eli ga çã o consig o m esmo. O p ers onagenl, como
convenção social, servi r á par a o ato r corno um a cam ada pro tetor a dest a corrente de vida
bas ica. O s e u desriud arnen to " , a su a entreg a a sua generos a pos tura de rea lmente
1/ 11 /I /

desencade ar um p ro cess o dinamiz ad or de su as energias potenciais, ca p az d e transfo r-

177
Luís OTÁVI O BURNIER

mar O seu ato num ato total (Crotowski, 1971, p. 99), seráum desnudamento humano e
não social. O ato humano será generoso e pleno; o ato social será composto e construído.
VIU exemplo Claro dessas colocações poderá ser visto mais adiante, nos estudos dos
processos de montagens. Em poucas palavras, podemos adiantar que a obra Kelbilim, o
cão da divindade, que trata da 'conversão mística de santo Agostinho, é toda composta de
ações físicas extraídas da dança pessoal de Carlos Simioni . No entanto, os espectadores
não a vêem, mas, ao personagem Aurelius Agostino. Este fato protege o atar. É o santo
Agostinho, mas com as energias, com a Corrente de vida básica do atar. Não vemos a his-
tória de Carlos Sirnio ni, que aliás não é contada, mas a do santo. No entanto, Carlos
tampouco está pretendendo ser Agostinho, ele não está fazendo de conta, corno se fosse o
outro, mas, ao contrário, está de fato entrando em contato consigo mesmo,' dinamizan-
do suas energias potenciais, sendo pleno; não como se possuído de um outro, mas possu-
ído de si mesmo, num sentido não narcíseo, mas generoso, de entrega à própria arte.

-.

178
I mprouisuçiio com mu trizes : da técnica
à rep-reSel'l tução

Ric ardo Puccetti e Carl os Simi oni.


Fotos: Tin a Coêlho

179
Luís OTÁVIO BURNIIm

Carlos Simioni e Ricardo Puccettí. Fotos: Tina Coêlho

180
Capítulo 7

WOLZEN E A MÍMESIS CORPÓREA


OU A IMITAÇÃO DE CORPOREIDADES

A art e n ão está no geral, mas no d etalhe .


ST AN ISLA VSKI

A imitação é o processo de .ap r en d iza d o mais primitivo e 'instintivo do ser humano.


N o entanto, quando pedimos que um atar imite urna determinada pessoa, salvo se ele tem
uma inclinação natural para a mímica, ele não imita o que vê, mas o que sentiu ao ver. O .
fato de ele não ter um tr eino da observação atenta leva-o, quase sempre, a perder grande
par te do que lhe foi uma importante ferramen ta n o in ício da vida . Sua observação atenta,
qu e já fo i sim ultaneam e n te global e específica, que via o tod o e o detalhe, ag or a ou vê o
todo ou o d etalh e .
O tr einamento p r epara o at a r que p r ep ar a a o br a . O trein o trabalha os impuls os,
m ovimentos, r itmos etc. . cri a, r estaur a e aprim ora as ações físicas. No entanto, quand o
estamos preparando uma obra, não pensamos mais em categorias de treinamento, mas em
categorias de montagem. Para a montagem. conta somente o que estiver assimilado, anco-
r ado no corpo, e se delinear como urna técnica . Uma vez que exista a técnica, podemos dar
início aos ensaios, ou seja, à preparação da obra.
Existe, no entanto, um tipo de trabalho que pode ser considerado como um treinament o
avançado, ou corno uma ante-sala para o ensaio, que se situa no meio do caminho entre o
tre ino e o ensaio : é o trabalho das imita ções e d o cloun i. Ele n ão é mais p ropriamente um
treinamento, p ois n ão trabalha tão-s omente os componentes das açõ es físicas, mas a imita-
çã o de ações reali z ad as por ou trem : em contraparti d a, ele n ão deixa d e ser treinamento,
p oi s trabalha a el aboraç ão e o a p r imoramen to de a ções fís icas.

18 1
..
·,;:..

LUÍs OTÁVIO BURNIE R

pesso as exige _U P.l treino .


Obser var e imitar no própr io corpo ações físicas de outras
ação não é mais a observ ação
esp ecial. Prime irame nte. deve- se saber observ ar. Essa observ
ional, precis a, que deman -
natura l de quand o ér amos peque nos, mas uma obseroação profiss
var o geral e o detalh e, o atar
da uma compe tência no métier. Isto signif ica .qu e, ao obser
tantes para seu trabal ho . Se
observ a uma série de eleme ntos precis os, inform ações impor
mento cotidi ano, então ele
o ator desen volve u COTIl seried ade e compe tência o seu treina
estão na vida revest idas pela
poder á 'd e tect a r com maior eficác ia certas inform ações que
tes, nem óbvias , nem inos-
dimen são cotidi ana de uso do corpo . Elas não são nem eviden
ano de um ind i víduo .
trad as, mas embu tidas no funcio namen to psicof ísico cotidi
física: sua in-ten ção,
Essas inform ações têm a ver com os comp onent es de uma ação
m com os níveis .de energi a,
seu élan, seus impul sos, os movim entos_ e seu ritmo; mas també
articu lação do todo e com a
os saltos e as qualid ades de "en er g ia, coma organ icidad e na
to cotidi ano, encon tram-
coloração que eman a dele . Essas inform ações, obser vadas no contex
s ~ "camu fladas ", dimin utas. É necess ário um olho atento
para detect á-las.
conjun to de eleme ntos
Um treina mento que tenha sido bem trabal hado signif ica um
e eficien te do corpo . Esses
já dinam izados e aprim orado s que permi tem un-:a respos ta pronta
do ater, em seu modo de
eleme ntos não estão somen te no corpo, mas també m na mente
a de imitaç ão sem imitar . Para
pensa r. No entant o, não se apren de e desen volve uma técnic
ar a observ ação e a imita-
o desen volvim ento das capac idade s mimét icas. rterno s que realiz
um colega de trabal ho. Não
ção. Neste caso, não se pode "Iabor atoria r": seria estér~l imitar
funcio naria.
o treina mento e a mon-
Por esses motiv os, a técnic a da mímes is corpó rea se situa entre
, por ainda não existir , deve
tagem. Ela já não é em si treina mento , mas, ao mesm o tempo
.à monta gem: :p r e cisa de
ser trein,:-da. Ela s~_encontra ~obre a ponte que liga o treina mento
repres entaçã o. Não podem os
um treina mento que a antece da, mas ainda não é técnic a de
mento , seJa mais próxim a
confu ndir esses dois mome ntos. Embo ra, com relaçã o ao treina
próxim a de si mesm a; um
da repres entaçã o, existe um mome nto no qual ela deve estar
quand o o ator se. trabal ha.
m~JE~:n.:~o identi ficáve l com o treino
.. . . ... '....
.'. . ': .. . . . . "

A Valsa nº 6 de Nelson Rodrigues: ponto de partida


A-metod ologia da míme sis corpó rea não foi criada com a monta gem de Wolzen. An-
simila res (cf. Burni er, 1985) .
tes, para a peça Macário, de Juan Rulfo , usei camin hos
monta gem de Taucoauaa panhé
Tamp ouco se limito u a Wolze n. Mais -tar c1,e foi usada para a
No entant o, foi com
mondo pé, uma criaçã o coleti va a partir de lendas e causos brasil eiros.
idade, que comec ei mais
Wolzen que aprim orei esse camin ho, que testei sua valida de e viabil
siste matic amen~ ea deline ar um métod o para uma
elabor ação técnic a a partir da imitaç ão.
-.
Nelso n Rodri gues, f~ita
A propo sta de .m on t a r uma peça com base na Valsa nº- 6 de
ao teatro que tem por base a
por Lucien e Pasco lat e Valér ia de Seta, levava -me de volta
literat~ra dramá tica. A mais comu m e antiga das
questõ es para todos aquele s que prati-
como tirar do papel a bele-
cam o teatro a partir da Iitera turase coloco u diante de mim:
palco?
za provo cante e sedut ora da literat ura e transp ô-la para o

182
A questão er a correta e corriqueira. O interessante estav a no caminho a seguir para
atingir esse ob je ti VO o Como fazer urna arte de ator plena e bela sem, para tanto, "m ass a-
cr ar" ou d esrespeitar a literatura? Ao mesmo tempo, C01110 trabalhar C01n a arte literária
sem que esta mass acre a arte de atar? Decrou x dizia a esse respeito:

Quanto m ais ri co é o texto, tanto mais pobre dever á ser a m úsica do ator: quanto mais
pobre é (I texto, tanto mais a música do ator deverá ser rica . Existe uma hornossexuali-
d <H.1e ao s e p rodu zir duas obr as-p rim as ao mesmo telnpo. É o m esmo qu e for çar-se
es cu ta r du as pessoas que falam ao mesmo tempo, pintar retrato sobre Ul11 outro' a fim
d e duplicar s u a beleza. [...] Mas o autor pode escre ve r ad vérbio e adjetivo ...
O que vai, en t ão . fazer o atol' que é dono de si mesmo? Que tipo de serviço somente el e
é cap a z d e ofere cer?
Ei-Io : ao m esru o temp o gu e articula o verb o, ele exprime seü advérbio. S~ está escrito :
" Eu (I m at arei" e que o escritor pensour/'Eu o matarei corn prazer", o ater, lógico, só diz
"Eu o matarei " , mas ele o faz de tal maneira que o o uvinte adivinha que o homem
repres ent ad o tem em v is ta cometer corn prazer O assassinato ao qu al s e refe re . As dua,s
idéi as: idéia da a çã o e a d a maneira, corno executá-la, chegam até nós ao mesmo tempo:
p el a mesm a v o z, p el a mesma via. Não é maravilhoso? De tal pro eza, o texto é incapaz,
pois ele procede por sucessão.
[...] tanto mais rico é o te xto, m enos o corpo deve se me xe r, pois qualquer que seja o
órgão de um a v irtuosid a de, el e n ão logra nada al ém de distrair d a suficiente escri ta
(De cro ux, 1963, pp. 53-54 e 56 ).

o p robl ema a q u i e r a cla ro e simpl es: estava diante de uma obra bel a, complexa, d e
um dos mais ri cos dramaturgos brasileiros. A problemática da. 'tr an sp osl ção do papelpara
o palco era ain d a maior. Conto respeitar, e mais, projetar tão bela literatura, sem permitir,
para tanto, que ela maltratasse a arte de atar. Nós, atares, sornes aprendizes; os escritores
tê m esc ola . D iante de UIU Sha kesp eare, de U ID Guimarâ es Ros a, o u d e U 111 Nelson Rodrigues,
nós, atare s, s omos como p equenos páss aros numa en orrne fl ores ta'. M as a fl oresta p r ecisa
d os pássaros, que -precisam d a fl o resta. Não é por ser grande q u e ela é mais bela, não é p or
se ren l pequenos que eles s ã o menos p erig osos. Ele s de vem coexis tir s abendo que h á. o 1110-
m enta da fl or esta e o m omento do p ássar o, h á a hora n a q u al a flo resta resp lande ce, bela
em to d a su a grandio sid a de, e os páss aro s se cal am , e a h ora na q ual os p áss ar os can ta m
se u ca n t o e a flo resta silencia par a escutar.

o f io de A rindne...
É sen1p r e impor tante encon tr ar n o te xto indic ad ores q u e ap ontem cam in h os p a ra
o trabalho d o ata r. Se gund o Nelson Rodrigues, S ôni a. a protag onista d a Valsa 11º- 6, "é uma
jovem que foi assassina da aos 15 ano s d e idade. Eviden temen te, este é o elem e n to " te a -
t ra l" d es t a peça: um m or to que fa la d o p r ó prio assassina to. E e le é m u i to bem expl or ad o
p or N elson, pois Sônia n arr a o tempo todo o seu ass ass inato. A q u es t ão que se col oca é :

183
'-
Luis OTA VIO BURNIER

será Sônia urna jovem que foi realmente apunhalada e, entre a vida e a morte, relembra
passagens de sua vida? Responder essa questão não nos leva a encontrar indicadores p ara
o trabalho do atar. Se Sônia é morta ou viva, não ajuda muito. Se deixarmos, no entanto,
de lado a "morte" de Sônia, veremos que ela é uma doente mental e uma jovem debutante,
urna adolescente na época da puberdade.
Analisando o texto sob um outro prisma, descobre-se que Sônia é uma adolescente
afetada por uma doença mental típica de meninas na puberdade: a esquizofrenia hebefr ênica
paranôide. Essa informação mais exata novamente não serve, neste momento, como indica-
dor para que o ator construa seu trabalho. O que de fato importava era saber que Sônia era
uma doente mental e uma jovem debutante. Esses dois fatores por si sós delineavam cami-
nhos para as atrizes buscarem suas ações físicas. Uma fonte de informação haveria de vir
de d?~.~t.es mentais e outra de jovens debutantes. Era o fio de Ariadne necessário para pas-
sarmos a pensar in moiion .
A proposta feita pelas duas atrizes era de montar a Valsa n Q 6 não como urn monólo-
go de Sônia, mas como um diálogo entre as duas partes de Sônia: a mais jovem e a mais
adulta. Encontrávamos, assim, um novo elemento teatral capaz de "substituir" o proposto
por Nelson. Não se tratava de "cortar fora" o assassina~o de Sônia. Seria impossível, pois
a
ele tem ver com a essência da peça, mas de não lhe dispensar um tratamento teatral. O
elemento teatral da peça passava da "morte de Sônia" para a sua esquizofrenia, a sua divi-
são entre a mulher que ainda é menina e a menina que já é mulher, o que poderia ser sin-
tetizado em termos concretos na primeira menstruação. Portanto, a dupla personalidade de
Sôniae o fantasma da menstruação eram os novos elementos que deveriam receber um tra-
tamento teatral .

A 'imitação das corporeidades


.Abandonar o texto e partir em busca das ações físicas e vocais 'era o próximo passo.
As duas principais informações para o trabalho do atorjá existiam: uma doente mental e
. ·u rrúi "cle b ü 'hin t e . Luciene e Valéria começaram a visitarassiduamente a Clínica de'Repouso
Santa Fé, em Itapira, onde os diversos doentes mentais, com diferentes graus de intensida- .
de da doença, convivem .desenvolvendo atividades diversas. Objetivo: coletar ações físi-
cas e vocais dos pacientes.
Não nos interessava uma imitação aproximativa dos doentes, mas uma imitação pre-
cisa e perfeita de suas açõesfísicas e vocais. Não nos interessava a pessoa do ator, <?u seja, o
que as atrizes haviam sentido ao ver os pacientes, mas suas açõesfísicas, quais eram e como
eles, precisa e objetivamente, faziam, agiam ou reagiam com o corpo" suas corporeidades.
Por corporeidade entendo, aqui, o uso particular e específico que se faz do corpo. a
maneira como ele age e' faz, como intervém no espaço e no tempo" a dinâmica e o ritmo
de suas.ações físicas e vocais . Ela, como vimos, em relação ao indivíduo atuante, antecede
à jisicidade. A fisicidade é o aspecto puramente físico e mecânico da ação física; é a es-
pacialidade física deste corpo" ou seja, se ele é gordo -ou magro" alto ou baixo" carrancu- .
do ou caquético . A fisicidade de uma ação é para nós a forma dada .a o corpo" o puro

184
i ti ncrário de urna açâo. ] á a corporeidade, além ela fisicidade, é a forma do corpo habita-
da p ela pessoa . Assim a corporeidade envolve também as oualitladcs de viinações que erna-
narn deste corpol as cures que ele. por meio de su as ações f ísicas. irr adia.
Quando nos referimos às qualidades e às cores que d e tcr minad as ações físicas po-
d em emanar. estamos lançando mão de imagens estimulantes. Na f ísica, um feixe ele luz
é u m a radiação eletrornagnética de comprimento de onda cornpreeridid o apro ximada-
. rnerite entre 4.000 Aº e 7.800 A º . A alteração do comprimento ou da fregüência das on-
das altera a co r ela luz. Assim u m raio de luz azul. por exemplo, irradia ond as de C01TI-
p riment o e frequ ência completamente diversos de urn rai o d e luz vermelha. A lg o e q u i-
valent e pode ocorrer (0111 urna ação física. Urna mesma [isi ci âadc de uma m esma açâo
(por e xemplo, a ação de beber um copo de água l cujo itinerário do braço seja exatarnen-
te o mesmo) .pode ser executada de maneiras distiritas, conforme a qualidade da vibração
que habita! alimenta esta mesma ação: mais calma e tranqüilamente (ondas mais COlTI-
pridas e menos freqüentes - cor azul). ou mais agitada e nervosa (ondas ruais curtas e
de maior frequ ência - cor vermelha). Corno vemos, pode-se fazer U111 correlato' por equi-
valência / .? que é estirnul ante, meS1110 se não científico, entre as cores e as qualidades
vibratórias das ações físicas. A corporeidade leva em conta também esse tipo de informa-
ção, que pode ser percebido por meio do dinamoriimo da ação .
Entendendo que a corporeidade engloba a fisiciclade (porque resulta- nel a ), o
dinamoritmo pode ser considerado como um dos canais de comunicação entre elas. Exem-
p l o : U111a m esma ação pode te r co r p or eid ad es distintas se feita por um obeso ou por um
esbelto, pois a dinâmica de ritmo dasaçôes de um obeso (que deve deslocar uma grand~ e
pesada massa de corpo pelo espaço) é .m u i to distinta da ' de 1..1111. esbelto (que desloca urna
mass a p e quen a e le ve) . A [isicidade d e urna m esma a ção, n o exem p lo acima, t er á n o entanto
corporeidades distintas.
A corporeidade é, portanto, a maneira como informações de ordens d iversas, refe-
rentes à pessoal operacionalizam -se e articulam-se por meio elo corpol ou seja l como essas
informações se soma t iza m, Ela pod e ser considerada como a primeira result ante físic a
do p r o cess o ele d in am izaç âo elas distintas qu ali dades de ene rgia qu e se e ncon tra m e rn
es ta do potencial n o in d i v íduo: e s t á m u i to p ró xima d o qu e podemos Ch3.1na1' ele qualida -
des d e v ibraç ão. si tua n do -se en tre es s as energias potenciai s e afisicidnde . A corporeidade
é parte da s aç ões físicas e vo cais . pois é p o r me io elelas que ternos acesso a t a is infor-
m ações .
.Par a observar e transp or, para seu corpol a s corporeidacles, o a tor de v e es tar a ten-
to às açõ es física s e vo cais d o s u jeito obse r v ado . E por sua vez, para estar atento às ações
I

fís icas, o ator de v e ob s e r v a r simultaneamente o todo e o detalhe COll1 precisão. Isso implica
u m a obs e rvação n ào so mente da açâo com o u m todo . 111as t a 111b énl d os comp onente s
co n s tit u tivos desta açã o observada : a in tenção (q ue. COLn o V i 1110 S contém uma contradiç ão ).
1

o elan (co m se us d o is mom e n to s. ê-lã)1 o impulso (e o coração, o pu lso da açã o. o co nt ra -


i m p u l s o , o e s p as mo ). o motn nie n i o (t e rn p o. e spaç aI fo r ç a . fluência ) e o r ii m o (o s
di n am ori t m os e as causalidades motorasí. O mesmo de v e oc orre r co m a s a ções v o cais : fo co
v i br a t ór io. inte nsidade (força e v o lu m e) . al tu r a. espacialidade e m u s ic ali da de .

185
'-":'• .'a:,

LUÍs OTAvIO SURNIER

Outro fator importante para a observação atenta são os pontos de tensão do corpo
do indivíduo observado. Esses pontos de tensão são, na realidade, pontos de bloqueio da
circulação de energia do indivíduo e são determinantes na mecânica e na organicid ade
do- funcionamento físico resultante da relação pessoa-corpo. No extremo oposto, ternos
os "tiques", pontos no corpo de liberação de pequenas cargas energéticas.

Think in motion, not in concepts


Podemos considerar que existem três fases no caminho da mímesis corpórea:

1) Observação: trata-se sobretudo de urna observação ativa, ou seja, observação-imi-


tação. O ator observa uma pessoa e tenta, em seguida, imitar sua corporeid~de, ou deta-
lhes de sua corporeidade, com o próprio corpo. Estabelece-se, conforme o caso, urna di-
nâmica entre observação-imitação-observação-imitação... r que permite ao ator c.~nferi.r,
à medida que tenta imitar, urna série de detalhes das ações físicas da pessoa observada.
Esta dinâmica ocasiona um aperfeiçoamento e uma melhor precisão na imitação.
2) Codificação: uma vez transferidas para o corpo do ator as ações observadas, ini-
cia-se um processo de memorização e codificação dessas ações. A memorização não deve,
no entanto, ser mecânica. Ela deve decorrer da busca de um melhor aperfeiçoamento da
imitação: a busca de se lembrar de detalhes ainda mais precisos. A memorização está
embutida no processo anterior de observação-imitação. No entanto, se considerarmos o
processo corno um todo, ou seja, observação-imitação-memorização-codificação, teremos
que no início se está mais próximo do modelo observado e, à medida que se ~vança no
sentido da codificação, afasta-se naturalmente do modelo. Nesse momento da codificaç ão,
busca-se dar um nome para cada ação imitada, mesmo se advindas de .u m mesmo mode-
lo. O nome serve para o ator identificar rapidamente uma ação, não revela propriamen- .
te o conteúdo da ação. Por esse motivo, é um nome fantasia .
. ...3) Teatralização: urna vez imitadas, codificadas ememorizadas, as ações passarão
por um processo de teatralização. Elas ' são retiradas QO contexto ' que as
originou, transformando-se, como vimos, em materiais ou objetos de trabalho. Ou seja,
uma vez recuperadas, essas ações podem ser trabalhadas. "Trabalhar uma ação" signifi-
ca operar pequenas alterações em elementos componentes dessa mesma ação. Assim, por
exemplo, podemos alterar o tempo ou o ritmo da ação, ou ainda sua espacialidade, am-
pliar o impulso, dilatar um contra-impulso, ou encontrar o elementocorpóreo de con-
tradição ·d essa ação, amputar partes corno um membro, ou introduzir partes como um
olhar, ou urn contra-impulso, e assim por diante. A teatralização é precisamente o mo-
mento no qual operamos a transferência das ações obse-rvadas de seu contexto e dimen-
são naturais e originários para o 't e atr al. É. quando elas passam de apresentadas para re-
apresentadas. A teatralização é também a dilatação dessa ação, ou de partes dela.

Dessas três fases, as duas 'p r im e ir a s, que envolvem a observação e imitação, a


codificação e memorização, acontecem seguindo uma dinâmica própria da conjuntura

186

.A
A. A Rfe: U E j\ T Oi~ : UA T Éc i\i JeA A REP KE.SEN TA Ç ii.o

ob scrvad a . No caso da imitação dos doentes mentais para a mont agem da peça l/Vol zen,
esta d in ârnica foi estabelecida instalando UDl ritmo que, por um ano e mei o, fez parte d o
cotidiano das atriz es: n a segunda-feira elas iam a It ap ir a, e lá, na CHnica Santa Fé,
observavam e conviviam com os doentes; na terça-feira, de retorno a Campinas, duran-
te o tr e inaruento, elas imitavam o que h aviam observado; na quart a- fei ra, voltavam a
Itapira, e checavam suas observações, tiravam dúvidas, voltavam a observar doentes cujas
ações já haviam sido trabalhadas, ou observavam novos doentes e coletavam novas ações;
na quinta-feira, n o vam en te enl Campinas, imitavam ou corrigiam imitaç ões anteriores;
na s ex t a -feira, apresentavam-me o rnaterial colhido durante a se mana e eu fazia comeu-
tários que nortea varn o trabalho da semana seguinte . O processo de observar-imitar e
cod ificar-rnernorizar acontecia, neste caso, quase g ue naturalmente. A repetição neces-
sária para llma melhor imitação e aperfeiçoamento desembocava na memorização e
codificação. As atrizes codificaram, juntas, U111 total de 170 ações físicas a partir da irni-
ta ção dos doentes mentais (vide quadros em anexos) .
Já para a montagem-formatura da t UrI11a de 1993 do Departamento de Artes C êni-
cas da U NI Cf\fVIP, Tuuconuaa panhé mondo pé, C01110 a coleta de mat erial na grande maioria
foi fei ta in loco no sertão mineiro. Mato Grosso, Amazônia e no Nordeste, não havia con-
diçõe s d e se instalar um ritmo cotidiano de observ ação -imitação, pois em situação de
viagem o treino era impossível. As observações foram feitas da maneira mais atenta pos-
sível: foram feitas fotografias que vieram a ajudar mais tarde, e a imitação SOI11ente co -
me çou a a con te cer quando os atores r etornaram" a Campinas, após um m ês de viagens.
N esse ca s o, os atores tinham uma série de pessoas observadas gravad as na memórias e
t entaram imita r a partir dess a lemb rança rn a is o u m enos p recisa.
Corno se v ê, a din âmica observação-imitação é muito particular a cada circunstân-
cia. Q importante/o no entanto, é que a observação resulte numa imitação p erfeita e ma.is
pró xima possível do original (considerando por original as aç ões físicas da pessoa obser-
v a d a ). É à cap a cid a d e de uer-e-irnitn r que chamo de "observação aten ta e at ina", D e nada
(o u d e rn u i to p ou co) servirá p ara o ator obs er var atentamente se ele não tr an sferir com
p r ecis ão para seu corpo . P or transferir com precisão 'I en t en d o a imita çã o das a ções des-
/I

d e s eus co rn porientes gerais até os de ta lhes m ínimo s . Ca s o um a observação p o r mo tivos


co n ju n tu r a is n ã o t enha podido se r a tenta o suficie nte par a capt ar os de talhes da a ção
(alg u ém d entro d e um ôn ib us em tr ân sit o, p or exemplo), en tão o ator deverá r e cuper ar
o todo, o global d a corporeid ade v is ta, e criar os detalh es. É imp or ta ntelembrarmos qu e
a prec is ão é imp ossível sem o d om íni o do tod o e dos deta lh es .
É im por ta n te que cada açã o fí s i ca est eja con s ti tu íd a por um conjunto de infinitos
d etalh es . Não s ó por se re m os detalhes o s p rincip ais r es po nsáv eis pela precisão d a a ção.
mas ta m b ém p o r que, co mo diss e S tanis lav s ki . o " em g era l é o in imigo da a r te" (M oo r e.
1984, p . 23). A perce p ção d o todo, s e exclusi v a, d á-n os um co njun to d e inform a çõ es va-
gas e d if u sa s, inca p azes d e se re v erterem ern ações fí s icas ob je tivas . O todo é furidarnen-
tal por estar associado ao s d et al h es . Th omas Rich a r d s, analisand o a prob lema tica d o
" a ch a ta m e n to" vibra tóri o de um a aç ão , escreve :

187
_. ~

Luís OTÁVIO BURNIER

Gro towski me d iss e que quando Stanisl avski ana Usou este perigo, p ercebeu que quando
um ator conhece bem uma partitura de ações físicas, para imp edi-Ias de decair, com o
passar do tempo deve dividir esta partitura em ações m enores. [...] Mais um ator repete
uma linha de a ções físicas, mais ele deve dividir cada ação ern ações menores; cada ação
deve vir a ser mais complexa . Não que o atar deva mudar sua linha de ações, mas sim
descobrir elementos ainda menores no in terior desta mesma linha de aç ões, de maneira
que a linha de ações original venha a ser mais detalhada (T. Richards, 1993, p. 99).

Transformando fotos e quadros em açoes


Se uma fonte de informação para coleta de material foram os doentes mentais da
Clínica Santa Fé, outra fonte deveria estar relacionada com o fato de Sônia ser urna jovem
deoutanie. Não pensamos em observai as jovens meninas debutantes atuais.ipois élasn ãos ão'
da ép o ca proposta por Nelson. Optamos, en t ão, por coletar o maior número possível de
foto s de bailes de debutan tes da metade do século, ou sej a, da ép oca de nossos pais, tios e
avós. As atrizes tamb ém optaram por imitar quadros de expressionistas alemães que
haviam visto e pelos quais se apaixonaram. A quantidade de material levantado foi con-
siderável. Um grande número de fotos de jovens meninas vestidas para seu baile de
debutante e de quadros expressionistas serviu de original para as imitações.
Esse tipo de imitação apresentava alguns problemas que deveriam s er imediatam ente
sanados. O primeiro era que, ao imitar uma fotografia ou um quadro (a foto d e um qua-
dro), tínhamos ace~so à forma e não ao possível conteúdo humano e vivo . Imitava-se, num
primeiro momento, tão-somente a forma, mas tínhamos de encontrar, depois, um conteúdo
vib r ató rio, u ma d et erminada qualidad e d e vibra ção qu e' pudess e h abita r e vivificar essa
forma. Um outro problema decorrente do tipo de original era que as imitações erames t áti-
cas, não eram ações . Tínhamos que transformar o estático em ação.
Comecei combatendo a questão da imitação estática. Encontrei dois caminhos: um'
primeiro levava em conta que uma fotografia é o registro de um momento preciso flagrado
-p elo fotógrafo, mas existiu um momento antes e outro depoisda foto : Pedi ·às atrizes que '
imaginassem à momento anterior e o posterior da fotografia e que me mostrassem esses
momentos. Começamos assim a criar ações a partir de cada fotografia.
Um segundo caminho foi juntar urna pequena seqüência de duas a cinco fot os e pe-
dir às atrizes que caminhassem" de u!Da para outra criando um movimento. Em seguida,
II

pedi .q u e elas variassem o ritmo ?-esse movimento, que trabalhassem o dinamoritmo e os


eventuais efeitos de causalidade; depois, que detectassem qual o coração desse movimento
e que, em seguida, introduzissem uma eclosão desse coração (ou seja, estávamos criando o
impulso da ação); 'p ed i, ainda, q~~: ~las retivessem o início da primeira foto, como se algo
as prendesse; e somente depois se deixassem ir em direção ao coração e à sua eclosão (es -
taria criada a in-tenção). Como sê pode notar, aos poucos fornos introduzindo e criando
os elementos responsáveis por transformar atitudes estáticas em ações .
Foram introduzidos praticamente todos os componentes das ações físicas: inten-
ção, élan, impulso, movimento, ritmo. Em alguns casos, criamos contra-impulsos e espas-

188
mos, ern outros amputamos ou acrescentamos partes . O importante é que n ão se viam
mais as fotos ou os quadros. ima s urna ação física que adquiria um sentido.
A outra q uestão era corno colocar um conteúdo vibratório que "vi vificasse" esta açâo
fabricada, que criasse urna circulação de um fluxo de uida . O meu problema era a aç ão ser,
na origem, fabricada e .n ão org ânic a e natural. Evidentemente urna ação, "orgâni ca" e "n a-
tural" na origem, no processo d e trabalho passa a ser "artificial" e perde sua organicidade,
recuperando-a mais tarde. Ela nunca mais será "natural", pois só pode ser natural no mo-
rnento 'd e sua criação; posteriormente, feita comportamento recuperado, ela necessariamen-
te será artificial. É a orgnnicuinde que ela haverá de rec up er ar pa ra ter credibilidade, que a
tornará algo nrtificinl e org ânico ao mesmo tern po, a artificial naturalidade d e Craig. Era a
primeira v ez que eu trabalhava U111a ação que em sua origem não fos se filha de urn processo
natural e orgânico, mas fei ta aç ão, Isto fora do contexto de técnicas codificadas C01110 a de
Decrou x.
Vejo, no contexto de nossas pesquisas, dois veios principais capazes de nos ajudar
a solucionar esse problema: urn deles tem a ver COlTI a vibração vocal. e o outro C0111 a
dança pessoal. No primeiro caso, estudamos diversas maneiras de introduzir a voz: seja
corno sons inarticulad os, seja como cantos melódicos. Lembrava-me das aulas de Decroux,
quando el e cantava para reger o dinamoritmo de nossas ações. N a busca da perfeição,
nós, alunos, também cantávamos, mas interiormente, secretamente, para podermos assi-
milar o dinamoritrno proposto por Decroux. Isso evidentemente levava nosso corpo vibrar a
junto corn o canto. Muitas v ezes, nas au las, s u r p r ee n d ia-me não cantando secreta m ente,
mas respirando conforme a canção e fazendo can tar a parte do corpo, o fei xe muscular
responsável pela aç ão naqu ele momento. Em outras palavras, encontrava um equivalente
vi b r atório à vib.ração da canção na mus cul a tu r a elos braços, .o u d a p ar te d o corpo q u e
conduzia a ação. Isso foi de fund arnental import ância para meu trabalho, pois eu esta-
va/ sem saber, trabalhando o canto da muscuiatura e introduzindo vibrações nas ações.
Tentei encontrar algo similar com as atriz es, por meio de canções que pedia para
elas cantarem, ou a t é 111esm.O inv en tar em, 11laS que se adequassem às a ções fei tas a partir
cl o s quad r o s e fot os. Ta m b m co Io c arn os v ibrações voca is fe i tas a p ar til' d e so ns
é

in ar ti cul a dos e contínuos, C01110, por exemplo . u m sorn g ra ve, continuo, qu e "v ariava d e
intensidade e até mesm o m u d a v a p ara. agud o n o per curs o ela a ção. D epoi s p edi a pa ra
qu e elas nã o mais caniasse m, m as respiraseen, a canção e can tassem com os nuisculoe.
O u tro ca m in ho que, embora n ã o muit o expl orad o dest a vez, abriu novos e impor-
tantes hori z ontes de pesquis a para nó s foi o t r abalho co m a dança p esso al. Lu cie ne e
Va lér ia já h aviam iniciad o u m a bus ca visand o à cons tru ção d a dança p essoal. Em diver-
so s trabalhos anter iores, estágio s d e treinamento. d e iniciação a o clouin, en tre outros, elas
for am intr o du zi d as à n o çã o d a d an ça p essoal e começ a r am a trilh ar os ca m inh os q ue as
le variam a e la . Urn a d as p rincipais ca r a ct er ís ti cas da dança pess oal, co m o v imos, é a d e
dinamizar energias poten ciais qu e se man ifes tam por meio de variações de tensões mus cular es .
A d a n ça pessoal é ta m b ém u m a dan ça d as v ib r a çõ es, o u m elh o r. urn a dança das dife -
re n tes qua lida des de v ibrações d o in d ivíd u o . P ortanto, a o dinam izar, ela põe em uibraç ão
es s as energias po te nci ai s . O tr a balho que r e al iz arno s p ar a o \Volz en foi o d e rec u pe r a r a

189
Lu is OTÁVIO BURNIER:.

'-
dança pessoal de cada uma das atrizes, trabalhá-la diminuindo-a no espaço! tendendo à

mais pura dança das vibrações, visto ' que a fisicidade estava sendo dirnirruída. e depois
inserir essa dança das vibrações nas ações dos quadros e fotos .
Os resultados dessa tentativa foram realmente surpreendentes. Eu havia acabado
de encontrar objeti vamente uma maneir~ de habitar, de uiuificar uma ação que era, na
realidade, pura forma (no caso das imitações das fotos e quadros). Em outros termos,
havia acabado de encontrar um germe, uma semente, que possivelmente me permitiria ; -
trabalhar a presença do aior deste seu aspecto vibratório, da emanação qualitativa e quanti-
tativa de suas energias potenciais e não somente de seus aspectos puramente fisiológicos.
Devo evitar mal-entendidos: primeiramente ainda estou explorando este veio de bus-
ca; não posso ainda comprovar a sua real validade. Em segundo lugar, não creio que os
aspectos fisiológicos da presença do ator, estudados por Barba na Antropologia teatral (cf.
Barba, 1993; Barba e Savarese, 1991), devam ser ignorados, mas, ao contrário, são parte de
uma problemática extremamente complexa e sobretudo de difícil abordagem, tanto teóri-
ca quanto prática.

Aponte entre o treino e a representação


O treinamento preparao atar, trabalha as aç~es físicas e vocais desde seus elementos
constitutivos, ou seja, propõe uma série de exercícios que permitem ao atar conhecer na
prática, aprimorar e desenvolver elementos como os impulsos, os movimentos, os ritmos,
as in-tenções etc. Ele é voltado para u m como fazer que envolve a relação do atar consigo
mesmo e com sua própria arte, com sua capacidade de dinamizar suas energias profundas
e potenciais, ao mesmo tempo em que para a capacidade d e d esenhar com precisão, no tem-
po e no espaço, suas ações físicas e vocais.
Já a representação envolve uma relação com o espectador, com aquele que vai rece-
ber, ler e interpretar o que o atar vai propor. Se no treinamento a relação é consigo ou com
um parceiro conhecido, na representação ela é com o outro, um desconhecido. Se no treino
elaé ~ie '~-onhecim~~to e aprimoramento da própria arte, na representação ela é de mostra.'
dessa mesma arte. No treinamento, o trabalho é resguardado no âmbito de uma certa con-
fiança e intimidade (importantes para que atinja seus objetivos). Na representação, ele é
exposto ao público.
_Comovemos, a natureza dos dois trabalhos é completamente diferente.' O ensaio ' é,
no processo de montagem de uma obra, o que prepara e aprirnora a obra e não mais pro-
priarnenteo artista. Mais ou menos presente na concepção da obra, com dinâmicas muito
diferentes ao longo da história e segundo os estilos, as poéticas e até mesmo as estéticas,
o ensaio sempre foi um apêndice do teatro, assim corno a Lua é um satélite da Terra. Por
ser próximo da representação, o ensaio é também voltado para o público: ele prepara a
melhor .forma de mostrar a arte ao público .
.. Evidentemente, o treino que trabalhava com as ações imitadas, embora ainda não
um ensaio, era muito mais voltado para a representação. Existia, por exemplo, uma pre-
ocupação com a ieatralização dessas ações, o que não existe no treinamento convencio-

190

. ... _. _ _ . - c... •...,jI


nal. qu e n ão é, (l priori, pens ado par(l ser colocado na obra. Ali ás, p ens o q ue esta tenta-
ção d eva ser evitada e até mesmo rej eitada. Portanto, ainda não se tratav a p ropriarn en-
te do ens aio, pois não está vamos pensando na obra final. M on táv a mos s equ ên ci as de
ações, de imitações, pelo puro prazer de fazê-lo, ou. para testar a eventual fun cio n ali da -
de do sistema. É evidente que essas s equências d e ações ÍoraI11 q11 as e t od as aprove itadas
p ar él a mon t ag em d a p eça, I J1 a S, quando feitas, não foram pensa d a s para este fim: n ã o
pens ávamos em COIno construir tal cena do texto literário .
Po r um long o período, ess es dois tipos de treinamento for am p ar al elo s. sem cone-
xão a pare n te . Qu and o a s imitaç ões já estav a m bern fi xadas e b a st a n te aprimora das e
comecei a ru e deparar corri o problema da uiuiciáade, do fl ux o da v ida (G rotowski, apud
T. Rich a r ds, 1993, p. 32) sobretudo das ações oriund as das fotos e quadr os, prop us às
atriz es q ue ins erissem irni taçôes de fotos e qu adro s na dan ça d os ventos. N o lugar dos
átaqu es e defesas criados por elas p ara a dança dos ventos, elas fari am as imita ções , qu e
Ian çari arn ou defenderiam tanto quanto. Começamos a aument ar a ins er ção d as imita-
ções na dança dos ventos, de maneira que criasse um diálog o d e imit a çõ es en tre -as atri -
z es na dinâmica da dança. Um diálogo que podia se r simultâneo, corno d e s ur dos (a s
duas falando ao mesmo tempo): como um pingue-pongue, urna age, a ou tra r esponde; o u
ain da in d ir eto , s em s e olharem, mas se percebendo .
Trab alh amos, t amb ém , ·u m treino dinâmico fe it o exclusiv amente de seq u ências d e
imitações de fotos, com a Valsa nª 6 tocando ao fundo. A Valsa imprimia o r itmo d o tr eino.
Assim f0 11l0S crian do urna série de r el ações e n t re as im it ações e o t reino, trabalhando in-
clusi v e co m a dança p es soal, .co m o vim os, que iam ex tr ain d o el em en tos do tr ein o e trazen-
do-os m ais próximos da representação. Visto que a representaçã o é pública, projet a da para
for a do espaço pessoal e íntirrl o d o ator, en tã o o que mais trabalh ávamos ness es trei namentos
er a a projeç ão e a relação C01n o outro e com o espaço. :.

A teairalização das ações [ieicas


Urna v ez rccu pertulus, a s açôes físicas tran sform am -s e em ma terial de t raba lho. E, corno
tal, elas p oderi am s er model ad as e retraba lhad as. Pode m os trab alhar as div ersas v ariaçõ es
de sse material no tempo e n o es paço desde um a p erspecti va interior ou ex ter ior d a a çào .
Todos os elementos componentes d e U111 a ação (intenção, élnn, impuls o, m ov imen to. r i tmo)
e suas di versas variantes internas podem ser r edimensionados, aprimo ra dos . O obje ti vo
pri ncipal d es se trab alho é p r imeiramerite lim par as ações imitadas de ru idos n a inforrriaç âo:
outro obje tivo é encontrar a exata d imensão te atr al d ess e material, tend o em vis ta o con -
texto para o q ual ele será tr ansferido.
O que pode ser considerad o ruído na injorma ç ão de UD1a aç ão? T u d o (1 que atr apa-
lha a essência d es s a aç ão . U111 co n ju n to d e pe q uenos elem en tos que se a pr ese n ta m, seja
em excesso ou em esc assez, qu e impedem uma inform açã o mais cla r a e l im pid a, qu e
obs tacu liz am a organ icidude d a açã o . o flu x o da circu lação da ene r g ia . Eviden teme nte, o
ru ído é relati vo ao texto, ou seja, à ação. U f i ornbro tenso, p or ex em p lo. pod e ser ru ído
n um a determinad a ação e n ã o ern outra .

191
LUÍs OTAvIO BURNrER

É irnporrante detectar em cada ação o que, de fato, pertence à sua essência, pois
somente assim se pode detectar o que atrapalha essa essência, o que é ou não ruído. Nesse
sentido, entender em cada ação cada um de seus componentes é fundamental . Onde está
o coração de tal ação, onde e quando ele eclode, qual a localização precisa do impulso,
qual a força desse impulso, onde está localizada a intenção, existe élan, qual o seu mo-
menta ê, COD10 é o movimento, seu percurso, sua pésanteur, sua fluência, sua duração,
como é seu ritmo. o dinumoriimo; existe causalidade motora?
Limpar uma ação significa retirar, paulatinamente, o que atrapalha a essência. Tam-
bérn pode ser retirado o que é supé~fluo, que não atrapalha propriamente a açã~, mas e
desnecessário. Crotowski, em seu artigo "Tu es le fils de .quelquun", discorrendo sobre a
construção do que ele chama de um"etnodrama individual, diz: 1/[ ... ] tem-se que elirniriar o
que"não é necessário e reconstruir de maneira ~~is cOlnp~cta" (Grotowski, -1989, p. 22).
Nosso trabalho é eminentemente empírico. Isso quer dizer que a compreensão da
essência de urna ação não advém de urna pura e~acional observação, mas do teste prático.
É no acerto e erro que encontramos o que é essencial. Muitas vezes podemos nos enganar,
e
pensar que UDl determinado elemento essencial, mas ao retirá-lo da ação percebemos que
não o era. É testando, na prática, q~e haveremos de encontrar os elementos essenciais de
uma ação. Se cortamos" algo, uma mão, um gesto, um movimento, e isso não faz falta, não
1/

compromete a ação, então não fazia parte da essência dessa ação.


Uma coisa é entendermos o que faz parte da essência e o que é supérfluo numa ação,
outra coisa é entendermos o que é um ruído. O ruído atrapalha a ação. Encontrar a essência
é importante para entendermos o que vai contra, bloqueia, impede que essa essência se
mostre. O supérfluo é como um enfeite, um surplus, algo desnecessário. O supérfluo pode
conter uma informação interessante, embora não essencial. É importante, entretanto, op-
tar. Se o supérfluo passa a ser importante, então ele se aproxima da essência; se desneces-
sário, ele se aproximará do ruído. Nesse sentido, pensar em termos binários, o que é ou não
essencial, pode ajudar na limpeza de "u m a ação.
Trabalhar a teatralização é trabalhar uma série de elementos componentes da ação, au-
mentando-os ou diminuindo-os, acelerando-os ou desacelerando-os, intensificando-os ou
amenizando-os, de maneira que nos permitia objetivamente aumentar a luminosidade desta
ação . Decroux dizia: "o mímico é o ator dilatado" (Decroux, 1963, p. 66). Esta noção do atar
dilatado é fundamental. Ela é retomada por Barba, que passa a falar em corpo dilatado (cf.
Barba-s.d.S). Para Decroux o mímico dilata suas ações, suas energias, sua presença. "Se numa
obra de arte a grandiosidade física nãoé causa da grandiosidade moral, ela é condição. O
grande não é sempre grandioso, mas o grandioso é sempre grande [...]. Duas curtas linhas
"qu e são "ta lv ez divergentes, parecem paralelas. Na tentativa de confirmar se elas o são
realmente, as prolongamos" (Decrcux, 1963, p. 8?).
A ieatralização é o elemento que rompe com a dimensão cotidiana de uma ação. Como
dizia Decroux, na vida cotidiana alei que rege as ações é a do menor esforço para o maior
efeito; na arte, ao contrário, é a do maior esforço para o menor efeito. No contexto coti-
diano, uma ~ção serve para cumprir uma meta precisa, mas no contexto teatral ela tam- "
bém tem a função de se mostrar, ou seja, de comunicar algo, além de cumprir, digamos,

192
· .
U~Tla tarefa precisa . Urna ação deve, no contexto t eatr al, ser mostrada. Le mbre mos ela r aiz
théa da palavra th éairon, que ·or i g in o u tambérn a pala vr a iheor êma, em grego: esp etácu-
10 . O theorêma. requer, no teatro, uma mo stra, um a e xibi ção. A dim ens ão te a t r al de u rna
açâo, no 111eU entender, não significa o fisicamente grande: pode ser o energeticarncnte
grande, ou o granden1ente pe queno. O impor tante é qu e exi sta a lg o, na a ção, que seja
sublinhado. Al go essencial qu e seja res s altado, dilat ado, proj et ad o .
No trabalho CODl T,tVolz en, procurei, sobretu d o, a t eatraliz a çã o das ações por m ei o
ele variaçõ es no tempo e no esp a ço . Is s o significa re aliz a r as a ções alter ando e v ari an do
o s eu ritmo, o s eu temp o ou sua esp aci alidad c. Tamb ém pro curei variações nos impulsos
(mais fort es e v ig or osos, ou m a is sutis e deli cad os ), nas t en s ões in te r i ores, e assim por
diante, até encontrar a dimensão mais correta " , m a is orgânica p ara aquela a ção . vis to o
/I

uso que ha veria d e fa z er del a.

_A montagem, um mos aico de cores e[arm as diferentes ligadas l:l1naS às ou t r as


No processo de transformação das imita çõe s das foto s e quadros em aç ões, aborda-
mos UD1 elemento importante qu e, posteriormente, n a ela boração e construçã o da m on t a-
gem c ênica, seria fundamental: o lig âmen.
Os ligam ens s ão elem en t os que operacionaliz a m a ligação entre dois ma teriais distin-
tos. Eles têm grande responsabilidade na organi ciâade de UTI1a se qüência d e materiais. Se pen-
sarmos numa s e qüên cia d e ações físicas e vocais, a m aneira corno ca d a. U111a dessas a çõ es
s e lig~ à ou tra será deter minante para o flu xo d e ener g ia. O mesmo é v áli d o par a urn a se-
qüência de imitações estáticas . Uma seqüência d e ações físi cas c riará o que Stanislavski
cham o u ele " linh a das a ções físi cas" , ao passo qu e u rn a se qü ên c.ia ele irnitações de fo tos e
quadros criará uma ação física. Tanto para urna co mo p ara ou tra, são o s lig am ens qu e
viabilizarão a uniã o o rgâni ca entr e esses materiais.
Quando nos r eferimos à organicidade, à li g a çã o orgânica, ou ao flu xo d e energia, deve
ficar clar o que não significamos ll111 trânsi to contínuo, ern slow motion. Na v id a as coisas
n ão são assim. Funcionamos muito mais por impu lsos elo que p or t irn a t r ansfor m a ção co n-
tínua, lenta e paulatina. Este p r ocesso ele trausfor rn aç ã o len ta exis te n u rna m acrodirn ens ão,
ou s eja, a o longo d e urna vida in teira . Numa dim ens ão m ais im ed iat a, do tempo p r es ente!
so b r et u do n o r ein o a nimal, no ssas ações física s e até m esm o n oss o p en samento funci onam
por impuls os: uma idéia qu e nos VelTI à mente d e urn só golp e, o pegar um obje to q ualquer.
Não -p egamos um objeto " a os poucos" (pelo menos não em es tado de consciência normal ).
m as d e um g olpe. É u m a ação qu e con tém u m impuls o, gr an d e ou pequeno! forte o u fraco ,
porém imp u ls o . Mesmo quando um p erisamerito v a i am adurecendo em n os s a mente, o
am a d u recimen to se opera por pequ enos impulsos . Quando n os referimos à orga n icidade,
p ensamo s n o r itmo da natureza animal corno ponto el e referência par a o orgân ico: im-
puls os, contra-impu lsos, tensões, intenções, ritmos div ersos, espasD10s, ações fortes e vi-
goros as ou fracas e sutis. sacadees, socos, fl utu are s e tc.
Os ligam ens s ã o ern parte r esp o n s á veis p o r ess a. organ iciâade recu perada, re criad a .
El es p odem tr ab alh a r qu est ões d e temp o (al te rn çô es d e r itm o, d e dinamo ritrno. in trodu -

193
:..'
'"'!r .
~.
' - ~'

Luis OTÁV rO BURNIER


ti'

ção de pausas, acelerações, ralentandos), de espaço (alterações na espacialidade das


ações), de impulsos (introdução de impulsos, contra-impulsos), ou aind a de qualidade
vibratória da ação. Corno veremos, detectar o coração .das açõcs a serem interligadas é de
grande importância, pois detennina que tipo de ligâmen deve ser usado ou criado.
Abaixo enumero os principais tipos de ligamcns trabalhados na montagem de Wolzen:

1) Ligamens do tipo simples: são ligamens cuja passagenl de uma ação para outra se
opera sem a introdução de elemento novo, modificação ou adaptação. Eles trabalham
principalmente questões relativas ao tempo:

- Seco: é uma ligação do tipo simples. No ligãmen seco, o coração da primeira ação
é distinto do da segunda. Embora distintos, a passagem é feita de man~ira delicada.
- Direto: o coração das ações a serem ligadas é distinto, mas o da primeira equivale
ao momento ê do élan da segunda. A passagem é, portanto, direta .
- Coincidente: duas ações de corações coincidentes. A passagem é quase imperceptí-
vel. A primeira ação parece continuar na segunda, mesmo se elas forem de origem com-
pletamente diversa .
- M elting - a passagem do final de uma ação para o início de outra se opera como
se a p rim eira se derretesse" até chegar na outra. A primeira ação é feita até o término,
/I

derrete da figura final até a figura de início da próxima ação, que ,então será feita at~ o
término .

2) Ligamens do tipo composto: são ligamens que se operam por meio da inserção de
um nov o elemen to en tre as a çõ es a serem ligadas.

- Brusco ou súbito: o coração das ações é distinto; mas a ligação é forte . Acrescenta-
se um impulso no momento da ligação. A diferença entre este ligâmen e o seco é o im-
pulso acrescentado . Este impulso pode ser mais ou menos forte segundo a ne.cessi,dade .
\ '

.; Congo: acrescenta-se um impulso forte que ecoa como Um gongo para entrar na'
ação seguinte. O impulso acontece quando '0 'ator atinge o final da primeira ação e, du-
rante o eco desse impulso, entra-se na ação seguinte. Este ligâmen trabalha com impulso
e dinamoritmo.
- Fragmentado: a ligação é fragmentada em partes: primeiro uma parte do corpo entra na
nova ação, depois o restante. As dinâmicas não necessariamente são coincidentes. Exemplo: a
primeira ação termina numa determinada posição de frente para os espectadores, primeiramente
a cabeça, com dinâmica seca; entra na ação seguinte que é de perfil.para os espectadores, e de-
pois, o restante do corpo paulatinamente se ajusta até chegar à posição da segunda ação. Pode-
se acrescentar uma pausa entre a ligação da cabeça e a do restante do corpo:.
- Respiração : é por .m eio de uma expiração ou inspiraçã-o de possíveis tipos di-
ferentes que se opera a ligação. Exemplo: ao término da primeira ação, o ator realiza
uma inspiração rápida, espasmódica, que o leva à segunda ação. Outro exemplo é uma
expiração lenta, corno um suspiro que opera a ligação.

194
A A RTE DE A TUle DA TÉCNI C A A l{EPiZESLN T AÇ ,':.O

3) Ligantens do tipo complexo: são ligações que envolvem um conjunto maior d e elementos .
Muitas vezes sã o ligações entre sequências inteiras de ações. Neste caso/ pode-se inserir uma a çâo
inteira para fazer a ligação. Ch amemos a ação inserida de "ação-Iigâmen" . Neste caso, teremos
UDl ligmnen que vai operar a ligação da primeira sequ ência à Clçifo-ligfimen/ a própria açiio-ligãmen

adaptad a ou não/ e outr o Ligáillen para operar a ligação desta com a segunda sequ ênci a. Nos
figamells do tipo com plexo/ podem acontecer diversas adaptações: tirar ou pôr/ diminui r ou a u-
m entar partes da açiio-íigiirnen, mudar a direção d o olhar ou de partes do corpo/ espelhar a aç ão-
ligât/'lctl/ entre o utra s transformações p ossív eis.

A s açõee-lignm ens, n o caso da m ontagem de v\lolzen foram desd e imitaçõ es dos do-
l

entes men tais, d e fotos o u qu adros/ até a ções e xtraídas da d ança pessoal das atrizes.
Antes d e co me çarm os a monta gem da peça/ as atrizes já haviam constru ído urn
conju n to relevante d e seouências ele ações . Ess as sequências e r arn somente de imitações
de fo to s/ d e quadros, o u ele loucos; ou en tã o m isturavam as ele quadros e de fotos; ou
ainda as ele fo t os C0 111 as d e qu adr os e as de louco s . Tamb ém haviam trabalhado aç ões
estáticas . A s se q üências eram v erdadeiros encadeamentos de ações ligadas e interligadas
umas às outras, que tirih arn urn a certa coerência interna . Elas podiam ser bastante lon-
gas e complexas/ ou curtas e simples .
Foi C0111 todo es se rn ater ial que iniciamos o trabalho artesanal e apaixonante de
montagem. C omo já d i ss e/ Lu cie ne e Valé ri a, com a aju d a a gora de Clél ia, moritaram
praticamente s ozinhas a peça in teira . Eu conferia, co r tava p a rtes/ fa zia sugestões e tarn -
b ém m onta va cenas/ ou remontava a p artir d e propostas das atrizes. A junção texto Iite-
rário- aç õ es fís icas e vocais fo i se cons tr uin d o naturalmente. O texto do a to r, ou sej a/ as
açõ es físi cas e as se q ü ên ci as d e a çõ es físicas e vocais/ já existi.a. Então acrescen t ávamos
o t ext o literário / que/ juntam ente com as ações v o cais e físicas/otornava es.te texto de ator
mais complexo . Apenaselep ois começamos a construir o texto cênico, ou seja/ juntar o
texto do a tor com a m úsica/ iluminaç ão, fig u r in o e colocá-lo no espaço cênico mais ad e-
qu ad o p a r a es ta proposta .

o processo generativo da peça


o p r oce ss o d e m ont ag em d a p eç a vvoizen, u m giro desorde nado em torno de si mesm o
foi corno a con s tr uç ão de u rn m osaico . T ín ham os diversa s ações de origens bas tante d is-
tintas e urn te xt o r ep le to d e in d i ca çôes d o autor :

NIo CINH A(au m e nta n do p rogre.ss i varnen te a voz, at é o grito )


S ônia!... S õnia!... Sônil1 !...
(Para si m esma )
Qu ern é S õnia ? .. E onde est Sô nia?á

(Rá p ida e m edr os a )


SÓ" ler es tá aq ui, está ali , em toda pa r ti!
(Rec ua )
S ôn ia, semp r e ~ O fl w ...

195
- ~

Luts O TÁVIO BURNIER

(Baixo)
Um rosto rue acompunhti ... E o v estido ... E a roupa de baixo...
(Olha para todos os lados; e para a platéia, com meio riso)
Roupa de baixo, siml
(Com sofrimento)
Dí ãfan«, inconsú til ...
(Com medo, agachada numa das extremidades do palco)
O oesiido m e persegue ... De quem será, meu Deus?
(Corre ágil para a boca de cena, atitude polêmica)
Mas eu não estou. louca! (Já cordial) Euidenie, natural! ... Atépelo contrário, sempre tive medo
de gente doida .
(!\lnável e informativa, para a platéia)
Na minha [amilia - e graças a Deus - nunca houve um caso de loucura .
(Grita, exultante)
Parente doido, não tenho .
. (Sem exaltação, humilde e ingênua)
Só não se i o que estou fazendo aqui...
(Olhando em torno)
N em sei qu e lugar é este...
(Recua, esp an ta d a; aperta o rosto entre as mãos)
Tem gente m e olhando!
(Olha para os lados e para o alto . Lamento maior)
Meu Deus! Por que existem tantos' olhos no mundo?
(Sem transição, frí vola e cord ia l)
Depois eu me lembro de tudo o que fui, de tudo o que sou .
(EII\ tom de palestra). .
Então o Dr. Junqueira chamou mamãe e disse ...
(Anda como um desses veteranos que tem uma perna de pau, numa imitação de médico)
. (Em aparte) No tempo de mamãe usava-se espariilho, róseo e de barbatana ...
. (Frívola)
Mamãe está chorando ... Papai, ao lado, n ervosíssimo!
(Novamente apavorada)
Mas o que fo i que aconteceu, ora essa? .
(Frívora)
Dr .Junqueira diz ...
(Im~tação develho)
Desequilibrio mental-heI He! Desequilibrio mental!
(Novo pavor)
De quê? Desecuilibrio mental de quem? Não meu!
(Numarevolta)
Não quero ser a primeira doida da [amilia!
(Feroz)
Já sei que o Dr. Junqueira des sobriu queeu estava doida! (Incerta) Quem? Dr. Junqueira?
(Para a platéia, bruscamente doce)

196
Dr. [u ncuc ira, nosso médico, sal/c?
(Tr a ns üia)
Ele sempre me meteu medo, o Dr. [unqueirat
(Baixo, imitando um velho)
Que uiadt: uoci. tem ? He! H e!
(Pa vor)
Não! N !la!
(Imi taç ão d e v elho)
14 anos Fi, é ?
(Cris p a d a)
Niio me toque!
[ ...]

C omo verTIO S, as indica ções do autor apontam como, segundo ele, o te xto deveria
ser dit o. Nã o poder ia seg u i r t a is indicações, pois isto, por um lado, tiraria das atrizes este
corno fazer, furid arnental para que a arte de atar exista, e, por outro, iria nos distanciar
do qu e Crotowski chama do fluxo de vida (T. Richards, 1993, p. 32) das atrizes e que eu
chamo de dinamização das energias potenciais. Deveria encontrar um correlato, um equi-
v a len te . D everia manter a idéia do autor, a lógica do corno, mas não o como, pois cab eria
às atrize s encontrá-lo.
A im p ortân cia d e o lharmos para o p rocesso d e união texto literário-texto de ato l' é
porq ue el e tem gra n de res pon s ab ili d a d e na manutenção da qualidade de vid a, ou s ej a,
em manter v iv as e dinâmicas as qualidades de energias envolvidas nas ações. em manter
viv o o con teú do humano e v ibratór io das aç õ es . É o p r o cess o que, em bo a p art e, v a i d eter-
m in ar a qu alidade da manutenção da relação particular. e íntima do ator com suas ações.
O ma temático e serniotic is ta romeno Solomon Marcus, em curso ministr ado no P r o -
grama de C o m u n ica çã o e Semiótica da Pontifícia Universidade Católica deSão Paulo,
an a li s an d o os processos g e nerativas e111 gen é tica molecular, a resp eito d a fo rma çã o d as
pro t eínas, d iss e : "n o có d igo gen é ti co é muito importante o p rocesso CO lTIO as proteínas
cr e s cem . e não somente o r es ultado fin al " (M arcus . 6 ago. / 1990/ PUC-SP) . É cur ios a e
es ti m u la n te a s e m elh a n ça q u e se p o d e estabelecer, neste caso, entre a problemática d a
forma ção das pro teínas no p rocess o gener ativ o d a vi d a biológica e a p r oblemá tic a da for -
m a ção elo texto de aior, no pIocess o g enerativ o d a obra d e ar te v iva . Ela se coloc a prec i-
saruen te na q u es tã o d a manu tençã o d o fluxo d e vida q u e alimen ta a ação física.
As atri zes tin ham, de U111 lado, a s aç ões recuperada s, trabalhad as , rnodela das e lim -
pas d e poluições fís icas ou vo cais (os ruídos) e, d e outro, U111 tex to li terár io integralmente
d e co rad o. A m emori zação do tex to foi ex ige n te : elas d e v eri am s abê-lo d e cor como sa-
be m o Pai nos so, ou seja, a p onto de dec la m ar em sem ter de p e n s ar em seu conteúdo .
Elas tamb ém deveri am decorar apen as o te x to e não as e ntonações. in te n ções o u co nteú-
do s . El a s d e v eri am trata r o te xt o C01no um conju nto d e s on s o u de p al a v r a s e nã o d e
sen tid os ou sign ificados .
Tínhamo s C01T1.O doi s trilhos p a r alel os: em u m. as ações fís icas e vocais, e em ou tro.
o t exto do au tor na íntegra. Pe di a Luci en e e Valéria q ue re aliza ss em um tr ab alh o g uiado

197
Luis OTA VIa BURNIER

o mais possível pela sensibilidade e intuição e ruais distante possível do pensamento lógi-
co. Disse: "escolham um texto. Não importa se ele está na seqüência ou não. Escolham
porque vocês gostam dele. Simplesmente isto, porque gostam dele. E vejam qual a seqüên-
cia de ações que pode s.er encaixada nele. Ou então, façam o contrário, escol h am urna
sequência de ações que vocês gOt;taln e qual fragmento de texto, de que vocês também
gostalll, para encaixá-los. Depois me mostrem o resultado". Evidentemente, quando eu
dizia ações físicas, referia-me a ações físicas e vocais. Esse já é um jargão entre e os atores.
A multiplicidade de indicações do autor sobre como o texto literário deveria ser dito
nos facilitou um estudo sobre as ações vocais. N o vamente: a ação vocal é a ação da voz.
Seu desenho no espaço, seu ritmo, seu dinamoritrno. sua força, intensidade, espacialidade,
sua cor... A maneira .d e .falar de um indivíduo é muito distinta da maneira de falar de
outro. A musicalidade e o dinamoritrno da voz de UDl doente eram muito distintos dos
de outro. A união da ação vocal com o texto literário é conceitualmente muito simples:
basta trocar o texto dito pela pessoa pelo texto dito peJo personagem, mantendo a mes-
ma ação vocal. Assim, por exemplo, uma paciente dizia: "Feio, bah!", e na peça este tex-
to era substituído por "Sônia, bahl, sempre Sônia ... ".
Evidentemente, nem toda ação vocal se adapta a um determinado texto. No entan-
to, a multiplicidade de indicações do autor e de ações vocais imitadas e codificadas pelas
atrizes [los permitiu encontrar uma variação que equivalia à proposta de Nelson
Rodrigues.
Naquela época, Luciene e Valéria já haviam construído pequenas seqüências de
ações físicas. Elas não tinham mais apenas "palavras", mas -ta rnb ém pequenas"frases".
Uma vez munidas de instrumentos concretos, objetivos e trabalhados (as açõesfísicas e
vocais imitadas dos doentes mentais, fotos e quadros), elas podiam buscar a escuta de
algo mais subjetivo, sensível. O processo de união das ações físicas e -vocais com o texto
literário foi uma apaixonante descoberta de sentidos. A coerência que começavam a
descobrir entre o texto literário e as ações se revelava, para elas, como que por obra do
destino. Isso trazia um brilho nos olhos como os de uma criança que descobre o mundo .
. ., ··Es·s e··.brÜ:hü; conseqüência da paixão e entusias~o pelas descobertas, reinjetava nas veias
das ações um fluxo vivente e vibrante de grande importância. A peça, na verdade, foi
90% montada por elas. Eu fui um privilegiado, exigente e ·a ten t o espectador.
Foi nesse processo de criação da peça que as conexões pessoais das atrizes começa-
ram a se manifestar mais claramente. Essas conexões se operavam sempre por' meio das
e
ações físicas vocais imitadas. Este detalhe é importante e vale sublinhá-lo: a pessoa das
atrizes não se manifestava através da criação de ações físicas e vocais, mas de sua sele-
ção. As ações eram predeterminadas, codificadas, fixadas. ·As atrizes não estavam "li-
vres" para criar suas ações, mas para criar a seqiiência das ações. A pessoa delas se manifes-
tou por meio de uma memória seletiva: elas tinham codificado uma quantidade volumosa
de ações físicas e vocais, mais de 800 matrizes (vide quadros em anexos), era impossível
tê-las todas presentes. Havia as que lhes falavam mais, que por um motivo qualquer atin-'
giam níveis mais profundos de suas pessoas, e as que, "naturalmente", caíam no esqueci-
mento por não serem significativas. As ações mais significativas estavam mais presentes
na memória e, à medida que a criação avançava, elas iam surgindo e compondo a obra.

198
j \ A r:TL D I': ATO !\.: D A 'J'ÉC UICA i\ W::P l~E5U'-JT/:, C; t.li

As aç ões que encontravam urn eco na pessoa das atriz es fora m as que com p u sera m
a obra , Podemos dizer que eram as aç ões corri as quais elas mais se iden tiiicnuani. Ideriti-
ficar, elo latim idem, significa" o mesmo" . Identificar significa encontrar o mesm o ern si.
Neste processo da mímesis corpórea, a identificação do atar ocorre COl11 as aç ões imita-
das e não com o personagem . O personagen1 será construído a partir da s aç ões ruais sig-
n ificativas para o ator, aquelas CODl as quais ele mais se identifica.
A ordem do texto literário não foi s eguida . Montávamos sequências isoladas qLle fu n-
cionav am como "células", ou seja, pequenas sequências orgânicas independentes. ElTI algumas
se quê n cias não seguíamos o texto literário, mas usávamos textos dos próprios pacientes C0111 0
tuna forma de homenageá-los . A montagem da peça ocorreu COlno a de um mosaico.
NUD1a primeira fase, COil10 vimos, de urna seqüênc.ia de fotos e / ou quadros, monta-
1110S a ções; depois, juntando essas ações COD1 as imitações dos doentes mentais, criamos
sequências maiores já COU1 o texto da peça; mais tarde, juntamos essas seqüências maiores
com outras também grandes, r ecrian d o a coerência do texto. A ordem do t exto de Nelson
Rodrigues foi alterada, mas não su a coerência, o que resultou numa livre adaptação da
Valsa 11.º-6.
UD1 trabalho diferente foi feito COil1 a a tr iz Clélia Virginia Reinaldi, que fica v aao
piano. Clélia não realizou o extenso trabalho de coletar as ações físicas e vocais na clíni-
ca de repouso, nem nas fotos e quadros. No entanto, por haver ajudado na elaboração
das seqüências, ela conhecia muito bem as ações das outras duas .a triz es . Durante a peça,
Clé lia tinha uma série de microações físicas e algumas vocais que ela executava tod o o
tempo . Suas ações estavam conectadas COll1 as das duas atriz es . Muitas delas eram a
imi taç ão da quelas, m as em raccourci.
A p eç a nunca .foi apresen ta da ern 1.1111 te a tro . O espaç o escolh ido deveria eq uivaler
a uma sala de visitas de uma família burguesa da época do café. Os espectadores 's e a co-
mc d ariam em sofás e poltronas, e ' a iluminação seria feita com abajures distribuídos ao
lo ngo da sala em móveis antigos. A proposta era reproduzir um desses encontros, dessas
soirées, durante as quais a "filha da família" selnpre tocava piano.
P ara a cr iação artística de vernos us ar de noss a faculdade criadora e' da operati 'la
- ,I! juntas . É d ifícil saber o q u e ve m antes e o q u e v ern d epois . A criação é o res u l tad o ele u m
~ i ca n ta ta profundo do artista consigo mesmo . Tud o o qu e ele sabe e domin a se apres entar á
como instru m en to e rn suas m ãos. Não me r efi ro a u m saber so m ente consciente, racional,
111as org ân ico, to tal. Um saber, ou um co n h e cime n to, qu e envolve a g lob?tli d aele d e seu
s er. "Cro tow sk i por diversas ve z es acentuou o fa t o de que não ex iste m étodo: existe t ão-
s ome n t e a quilo que funciona e o qu e não funcion a ern cad a caso par ticular'! (T . Richarcls,
19 93, p. 100 ).
A crítica genético se p ro põe a es tu d ar os camin ho s d a cri aç ão , N ão é o caso elo pre-
s e n te t rab alho . Por esse m o ti v o, nã o me ap ro fundarei no process o d e cr iação a r tís ti ca
propriam en te d ito, m as D1e limi ta re i ao estudo d a elab oração t écnica e d e s ua co ne xã o
corn a cr ia çã o d a obr a.
En1 seguid a apresent o o o u tr o trabalh o qu e s e sit ua en tre o treinamento e a re pre-
l

se n ta o : o d o cLo LU JL .
ç ã

199
Luís OTÁVIO BURNIER

Wolzen
(1990-1994)

Luciene Pascolat, Valéria de Seta (atrizes) e Luís Otávio Burnier (diretor)

Luciene Pascolat. Fotos: Tika Tiritilli

200
),. r~;~·:.· '

·1;~~lji Valéria deSeta Clélia Virgínia Re inaldi (piano), Luciene, Valéria


(deitada)

V a lér ia e Lucien e . Fotos : T ik a Tiritill i

201
LUÍs Orxvro BURNlEH.

Taucoa~laa Pal111é Mondo Pé


Ivi air izes coletadas a partir da mimesis corpórea . ---
(1993-1994)

.Imitação do Geraldinho, }esser de Souza (atar).


Foto: Fernando César

Imitação do seu Ribeiro, Renato


Ferracini (atar) . Foto: Silnei Martins

202
Cena do Llirapuru, Raquel Scot ti Hirson e Ana Imitação da vó v einha, Ana
Cristina Colla. Foto: João Maria . Fot o: Joã o M ari a

'-:: ~;

.' ~
Imit a ção da d o na tvI aria, Ana Cris ti n a Co ll a (a tr iz) . Foto : Sérg io ['./Lu ndt

203
..:..:.....:.. ' .. o ·
Cap ítulo 8

o CLOWN
E A IMPROVISAÇÃO CO.DIFICA'OA

o cloion é a poes ia em a ção.


HE NRY NIrLLER

Segundo Roberto Ruiz, a palavra cloton vem de clod, qu e :s e li g a, e tiln ologicamen te,
ao termo inglês campon ês" e ao seu meio r ú stico, a terra (Ruiz, 198 7, p. 12) . Por ou tro lad o,
II

palhaço vem elo italiano paglin (palha), material usado no revestimento d e colchões, p orqu e
a primitiv a r o up a desse c ómico era feita elo mesmo pano dos co lchões : um t e cido grosso e
listr ad o, e afofada nas partes m ais s alientes d o C O ~CJ:.I O, fazen do ele q1..lenl a vestia urn ve reia-
d eir o "colchão" amb u lante, p rot egendo- o das constan tes qued as (Ruiz. 1987,p. 12).
N a ver d a de p a lha ço e clouin sã o te1'n10S d istin t os para se designar a mesm a cois a.
Existem, sim , diferenças quanto às linhas d e traba lho . Corno. por exem p lo . os p alh a ços (ou
clowlls) a mericanos, qu e dã o mais v alor à gag, ao nú m ero, à id éia; para eles, o que o cloum
v ai fazer tern urn maior peso .
Por outro lado, existem aqueles que s e p r eo cu p aln principal mente corn o como o p a-
lh a ço vai r e alizar s eu número. nã o impor tando tanto o que el e v a i fazer; assim. s ã o m ais
v aloriz a das a l óg ic a indivi dual d o clOIU Il e su a personalidade; esse m od o d e tr ab alh ar é u m a
tendência a U 11.1 tr ab al h o m ais pesso a l. Po demos d ize r q ue os clotons europeus seg uem m ais
essa linha. Também existem as d iferença s qu e aparece ln em deco rrência do tip o d e em es -
p a ço qu e o palha ço tr ab alh a: o cir co , o teatro, a ru a, o cinem a e tc.
O clouin o u p al h a ço te111 s u as ra íz es na b a i x a. co mé d ia gr ega e ro mana. C0 111 se us
ti p os carac ter ís ticos . e na s a.pres e n taçõe s d a. co i nni ed ia de liu r te (R u iz . 1987, p . 15 ). Nas
fes ti vidad es religi o s as e n as ' ap r e s en ta ç õ e s popul a res d a An t ig ü ida de , h a v i a unta

2U5
... ::.

Luís OTÁVIO BURI\IlEf-

alternância entre o solene e o grotesco. Esse é umfato C0111Um a povos distintos: dos gre-
gos até os abor ígines da Nova Guiné, passando pelos europeus da Idade Média ou pelos
Iamaístas do Tibete.
Esta combinação do côrnico e do trágico acentua a percepção de emoções contra-
postas e é muito peculiar ao cloum. Para Shklovski (1975, p. 32), o clOW17. faz tudo seria-o
mente. Ele é a encarnação do trágico na vida cotidiana; é o homem assumindo sua hu-
manidade e sua fraqueza e, por isso, tornando-se cômico.

I/O s palhaços sempre foram parte integrante do circo. Num espetáculo de perícia física,
que produz na assistência uma reação mental- deslumbramento, espanto, admiração
e apreensão - é .p reciso haver um complemento: um conceito mental que produza no
público uma reação física, ou seja, o riso" (Coxe, 1988, p. 6). O cloum espanta o medo, esta
é a su a função .

Existem dois tipos clássicos de cloions: o branco e o augusto. O clown branco é a encar-
nação do patrão, o intelectual, a pessoa cerebral. Tradicionalmente, tem rosto branco, ves-
timenta de lantejoulas (herdada do Arlequim da commedia dell'orteí, chapéu cônico e está
sempre pronto a ludibriar seu parceiro em cena. Mais modernamente, ele se apresenta de
smoking e gravatinha borboleta e é chamado de cabaretier. No Brasil, é conhecido por escada.
O augusto (no Brasil, tony ou tony-excêntrico) é o bobo, o eterno perdedor, o ingênuo
de boa-fé, o emocional. Ele está sempre sujeito ao domínio do branco, mas, geralmente,
l -o
supera-o, fazendo triunfar a pureza sobre a. IDa[ícia, o bem sobre o mal. Adoum (1988, i
I
p. 15) afirma qu e a r el açã o desses dois tipos de clowns acaba representãndo cabalmente
a sociedade e o sistema, e isso provoca a identificação do públi~6 com o menos favoreci-
do, o augusto.
i-
I -
1-
OE? tipos cômicos: elementos de uma genealogia
Os tipos característicos da baixa comédia grega e romana; os bujões e bobos da Ida-
de Média; os personagens fixos da commedia áell'arie italiana; o palhaço circense e o clown
possuem uma mesma essência: colocar em exposição a estupidez do ser humano,
relativizando normas e verdades sociais.
Segundo Bakhtin, a cultura côrnica popular ?aI~ad~_~édia, principalmente a cultu-
ra carnavalesca, possuía uma grande diversidade: festas públicas carnavalescas; ritos e
cultos cômicos especiais; os bufões e tolos; gigantes, anões e monstros; palhaços de diver-
sos estilos; a literatura paródica etc. (Bakhtin, 1987, pp. 3-4). O riso carnavalesco abalava
as estruturas do regime feudal, abolia as relações hierárquicas, igualava pessoas que pro-
vinham de condições sociais distintas. Era contrário a toda perpetuação, a toda idéia de aca-
bamento e perfeição, mostrando a relatividade das verdades e autoridades no poder. To-
dos são passíveis de riso e ninguém é excluído dele; era a percepção do aspecto jocoso e
relativo do mundo .

206
Os bufões e bobos, por cxclnplu, assistiam sernp.re às funções cerimoniais s érias, pa-
rodiand o seus atas, construindo ao lado do mundo oficial uma vida paralela. Esses per-
sonagens cómicos da cultura popular medieval eram os veículos permanentes e consa-
grados do princípio carnavalesco na vida cotidiana. Os bufões e bobos não eram atores
que d esernpenhavam seu papel no palco; ao contrário, continuavam s endo buf ôes e bo-
bos em todas as circunstâncias d a vida. Encarna vam urna forma especial de v ida, simul-
tarieamente real e irreal, [ronieiriça entre a arte e a v i d a.
• >

l"JOS s éculos XV e XVI, surgill a chamada comm edia d ell 'artc, ou com édia de m as ca-
r a s o Esta típica form a de teatro do Renas cimento i t ali a no teve, conf orme C assner, urn a
dupla origem na arte da m ímica que, brotando dos farsi stas populares do p er íodo rOD1 Zl-
no , evoluiu até os atores-jograis ambulantes ela Idade M édia e elas comédias forrn ai s d e
Plauto e Terêncio (Cassner, 1974, v ol. I, p . 191).
A commedia dell'nrtc era baseada nu m roteiro (canouaccioí. qu e s ervia corno suporte
para que os atares improvisassem. Esse roteiro não era um texto es tr u t ura d o: indicav a
apenas as entradas e saídas dos atares, os mon ólogos, os diál og os, e p is ód ios burles co s,
os cantos e danças. Personagens fixos e situações codificadas facilit avam o jo g o espon-
tâneo da improvisação (Magriani, 1984, pp. 63- 64) .
Esse teatro teve grande aceitação na época, pois .er a do universo cotidiano do pú-
blico que os atares tiravam a base para sua representação . Fa zia descrições v iv as d e ti-
pos característicos e costumes contempor âneos, envoltas em tr amas de intriga amor os a.
Os v elh os er a m satirizados com o t olos, e inter mi n áve is v ariaçõ es eram in tro d uzidas n o
terna da traição e do marido traído.
O s p ers onagens eram fi xos e p oss u fam máscaras p r óp rias . c ujas linha s revela varn
o caráte r p essoal de cada um. O s princip ais eram: Pant nlone, o v elh o, ri co e tol o m erca-
dor de Veneza; Doitore, personificação do pedantismo dos intelectuais da época; Capitão
lvui ia-Ivíouros, soldado fanfarrão e covard e, m etid o a va le nte; Arlecchino, se rvo esfo mea-
do e atrap alhado; Brigh ei!«, s ervo astuto e brigu ento; Pu lcin ella, ora se rvo, ora p atr ão , d e
índo le cr uel e v iolen ta; Os Eruunorados, jo ven s apaixo nados e s ens íveis . Embora 11laSC8-
raclos e tip i ficados, eram forteme nte individuali z ad os qu anto 8 fal a e dialet o. C er almen-
te, os inté rp r e tes as su miam u m pap él por tod a a v id a (Cassner. 1971:1, vo l. I . p, 191).
Na. com media dell'urte, apa re ce r aln, d e certa forma. re s q uícios d a d upla de c óm icos.
os zun ni, s ervos da comm edia dell'ar te, cuj a rel aç ão se a pe rteiç oara n o s ciotuns. A eles ca-
b ia a tarefa de pro vo ca r o mai or númer o d e cenas c óm ica s. p or s uas atitudes arnb íg u as
e s ua s t ra palh ada s e treje ito s. Ex is tiam d oi s tipos distint os de z an ni: o primeiro fazi a o
público rir por sua astú cia , inteligência e engen hosi clade. D e resp os tas es piri tu osas, era
arguto o s uficie nte para fazer intrigas, blefa r e engana r os p atrõ es . Já: o segundo ' tip o d e
criad o era. ins ensato , co n fuso e tol o . Na pr áti ca . porém . ha via u rn a cer ta "co rrta mi na-
ção" d e urn pelo ou tro . O p ri m eiro zanni é m ais co n heci do corno Brighel!«, e o segund o
corno A rlecch i nc ,
Pel as ca ra c ter ísticas acima descri tas, n ão é d ifícil relacionar a dupla de zan ui à dupla
de ClOWíLS , o b r an co e o a ugust o .

207
..•.. : .

Luís Orxvro BURNIER

A essência do circo acompanha desde muito o cotidiano do homem. Segundo Ruiz,


pesquisadores afirmam que .no ano de 70 a.C -r em Pompéia.. já existia um enorme anfite-
atro destinado a exibições de habilidades que posteriormente seriam caracterizadas C01110
circenses. Por outro lado.. na Chinar já por volta de 200 a.C. as artes acrobáticas se en-
contravam em desenvolvimento . Números até hoje tradicionais.. corno o equilíbrio sobre
corda bamba r magia; engolir espadas e fogo r já eram conhecidos e praticadosr naquela
época.. pelos chineses (Ruiz.. 1987r pp. 14-16).
O circo tal C01110 existe em nossa concepção nasceu há pouco tempo . A criação do
circo modernose deu ern 1768.. por Philip Astley.. em Londres. Astley.. um ex-sargento
auxiliar da caval~ria. . hábil treinador .de cavalos.. foi o primeiro a descobrir que.. se galo-
passe em círculos, d."e pé sobre o dorso nu do cavalo r teria o equilíbrio facilitado pela for-
ça centrífuga. Estava inventado então.. o picadeiro. Durante 150. anos.. os cavalos domi-
a
naram os espetácuios circenses mas pouco pouco outros artistas se incorporaram à
trupe (Ruiz, 1987r p. 17).
Já na ép o ca de Philip Astley, exímios cavaleiros realizavam. o célebre número do
"recruta da cavalaria".. em que simulavam camponeses simplórios e astutos que, ~om suas
extravag ân cias, divertiam as platéias. Naquela época também surgiu na Inglaterra a dupla
bran co-au g us t o: no trabalho de dois grandes cavaleiros do século XVIII (Saunders e
Fortinelli), que exploravam os números de "grotesco a cavalo" (Ruizr 1987, p. 18).
É interessante notar que existe maior riqueza na comicidade quando os dois tipos
atuam em dupla.. pois um serve de contraponto ao outro. Eles são encontrados tanto nos
espetáculos cir censes -d a Inglaterra como nos dois zanni da commedia dell'arte .
O cloum t amb ém d esempenha função semelhante à dos bufões e bobos ~edievais,
quando brinca com as instituições e valores oficiais. Ele r pelos nomes que ostenta, pelas
roupas que veste r pela maquiagem (deformação do rosto) r pelos gestos, falas e traços que
o caracterizamr sugere a falta de compromisso com qualquer estilo de vida, ideal ou
institucional. É um ser ingênuo e ridículo; entretantor seu descomprometimento e aparen-
te ingenuidade lhe dão o poder de zombar de tudo e de todos impunemente. O princípio
desmistificador do riso.. presente na cultura popular medieval renascentista.. apareceu no
c ôrnico circense, fundamentado.. basicamente, na figura do palhaço.
Em suas andanças através do tempo, o cloum ocupou diversos espaços: a rua r a praçar
a feira.. o picadeiro.. o palco. Com o advento do cinema.. no início do século XX.. ele encon-
trou um novo lugar para continuar revelando à humanidade seu lado ridículo e patético.
O primeiro clown do cinema foi o francês Gabrielle Leuvielle.. que tem por pseudôni-
mo Max Linder. Ele dirigia e atuava em seus filmes . Exatamente como os cloums.. Max Linder
utilizava tudo o que sabia fazer (dançar.. saltar, montar a cavalo etc.). .Su a motivação era
o desejo de fazer um número circenser exemplo que será seguido por todos os seus suces-
sores até Jerry Lewis . Os argumentos que tinha por tema eram semprer corno nas entradas
de cloums, extremamente simples. Eram as sucessões de gags que mantinham o interesse; o
roteiro não passava de um pretexto para a criação de situações cômicas.. assim corno na
commedia dell'urie. Max Linder buscou sua inspiração no teatro de vaudeville (teatro côrni-
co musical, apresentado em bares e cabarés). E, sobretudo, no circo (Etaix.. 1982.. p. 159) .

208
A ART E DE ATaR: DA TÉC N[CA À REPRESE!':TAÇÃO

,- .
Os clOWl1S do cinema retornaram diversas gags já usadas anteriormente por outros
colegas de cinema ou por cloums de cir~o. Chaplin, em Em busca do ouro, na "dança dos
pequen os pães" se inspirou nos fantoches de barracas de feir as. " N ada mais natural, pois
este costume vem ju s t a m en te do circo. onde, ao redordas mesmas receitas, brilharn os
cozinheiros de diferentes gostos" (Etaix, 1982/ p. 161).
Com freqüência, os c ôrnicos do cinema transportavamdiretarnente para seu veícu-
lo um trabalho próprio do circo . Todos esses cômicos se formaram nas escola do circo e
no music-hall, Cada um deles era acrobata, dançarino, malabar ista. cuspidor de fogo,
mímico. E é bastante normal que eles retenham de suas origens tudo o que pode enrique-
cer esta nova arte: o cinema.
Como nos cloums do circo europeu eles criaram para o cinema tipos originai.s e ún icos
l

---'-'- 'diferent'emente do comediante, que deve poder encarnar personagens os mais diver-
sos . Carlitos é o cloum de Chaplin, pessoal e único, não importando se desempenha o papel
de O grandeâitaâor, do vagabundo de O garoto ou do operário em Tempos modernos .
Do ponto de vis ta da técnica do cloum 11tilizada, alguns dess_~s tipos do cinemache-
garanl a um grande nível de requinte : Dentre eles, destacaria Charles Chaplin, .d u p la . a
Hardy e Laurel (o Gordo e oMagro), Buster Keaton, Harold Lloyd, Jacques Tati, Jerry Lewis,
Mazzaropí, Oscarito, Grande Otelo e outros .
O cloum é a exposição d o ridículo e das fraquezas de ca d a um. Logo, ele é um tipo
pess oal e único; Urna pessoa pode ter tendências para o clouin branco ou o cloum aug us to,
dependendo d e sua personalidade. O cloum não rep resenta, .ele é - o que fa z lembrar os
bobos e os bufões d a Idade M édia . Não se trata de um personagem, o u seja, uma entidade
ex terna a nós, m as da amp liação e dilataçã o dos aspectos ingênu os, p u r os e h u m an os (corno
nos clodsí; portanto estúpidos" / do n osso p róprio ser. François' Fratellini, membro de tra-,
I'

dicional farr:ília d e cloums europeus, dizia: IINo t e atro os comediantes fazem de conta. N ós,
os cloums, fazem os as co isas de verdade" { Et aix, 1982/ p. 162 ).
O trabalho d e cria ção d e um clouin é ex tre mam en te d ol or oso, p oi s co nfron ta o artista
consigo m esmo. co locan d o à mostra os re cantos escond i d os d e sua p es so a; vem d aí seu
caráter profund amente hl.l D1 éU10 .

A iniciação do clown

A orig em d o uso d e m ásca r as pelo homem é ligada a cultos s ag r a d os e rit uais reli-
giosos . N ão é senão rn a is tardei com a in trod ução d e e lementos soci ais e s at ír icos, q ue
ela sai do co n texto sagrado para o p r ofan o . A inda h oje, em Bali. na Tail ândia e na Índia,
a utiliz a çã o d e má sc ara s . mesm o n o con te xto d e seus es petácu los d e t ea tro-d a n ça. m an-
t rn u rn for te vínculo relig ioso . O uso de m ás ca r as . ne s s e cas o . req uer um p r o c e s ~ o
é

ini ci áti c o . Ass im co mo n os processos iniciá ticos encon tra dos em povos in dígena s! como
p or e xe m p l o os ritos de pass ag eTIl d a adol es cência para a vida a du lta (ern qu e o jo vem. s e
s u bme te a uma. s ér ie 'd e pro vas · pen o sas difíce is e d olorosas t o u o de a de são a socieda-
l

d es s e c r e ta s co m o a 111 a ç o n a r ia! o c l o LUn , P o r ta m b é TIl t e r II m a TIl á s ca r a (o n a r i z e a


m aqu iagern ). passa por a.lgo s im ilar . Se r um cloun i sign ifica ter vi venciado um processo

209
r , ~O:.

LUfS .OTÁ\~IO BURNIER

':

particular, também difícil e doloroso, que lhe imprime uma identidade e o faz sentir~se
como membro de 'uma mesma [amilia; Um cloum, quando olha nos olhos 'de outro, encon-
tra algo que também lhe pertence, que c;s une, que .con s titu i urna c~Úurá. comum entre
eles e que somente outro clown sabe o .q u e é'. Nesse sentido, podemos falar .d e uma [amilia
de clotons, como a banda de' bufões que vete.m~s: em seguida, naqualexistem os primos.>-
o os irmãos (iniciados juntos), os tios, os avós e outros. .
O processo q~~ ·h'?}e- se chama iniciação docloum nada mais é ' do que a condensação
no tempo de -uma série deexperiências pelas quais o ator clownesco passa e que o ajudam
a encontrar ou confirmar seu cloum. A iniciação é uma vivênciat'condensadav; que pr"av~ca
o desencadeamento de um processo 'mais longo de 'cr ia çã o do cloum. ,Devo esclarecer que '
nem sempre esse processo iniciático resulta na criação do clown. O sucesso da empreitada .
. .dependerá sobretudo.do atar e da. relação que ele estabelece com Monsieur Loyal, o dono '
do circo. Nas famílias tradicionais circenses, no cotidiano do picadeiro, .os c{OWl1S iam se r:

expondo ao ridículo 'a partir de suas ingenuidades, a cada apresentação. A iniciação do


. clown reproduz condensadamente esta situação constrangedora. Descobrir o próprio cloum
significa confrontar-se com o próprio ridículo, tendo por base a ingenuidade.
W aldemar Seyssel, o Arrelia, membro de uma tradicional família circense france-
sa, cujos pai, tio e av ô foramrenomados clowns, narra em seu livro, Arrelia e o . circo,
como foram o seu batismo e a sua iniciação. É importante notar que, embora tenham
ocorrido de forma natural. iambos significaram uma exposição ao ridículo de Waldemar:

Quando o trem partiu da cidade, meu tio veioaté o vagão onde eu estava'com a rapaziada
do cir co, zangado, disse:
- Vamos ver qual é a encrenca que você -vai arranjar na próxima cidade, "seu"
arreliento! Vê Se pára com essas arrelias, ouviu?
Daí para diante fiqueisendo o "Arrelia" da t~;ina! Quanto mais furioso ficava quando
me chamavam de Arrelia, mais o apelido pegava. Até minha mãe, quanqo ficava
. zangada comigo, exclamava: .
- Você é mesmo um "arrelia"! -
E eu não me conformava! Mal sabia que, mais tarde, esse seria uni. apelido -d e-sorte.
Na ocasião em que o apelido de "Arrelia" ficou sendo minha marca profissional, nosso
circo já era de propriedade de meu pai 'e de um dos seusirmãos, ViceriteSeyssel, Tio
Vicente já fora "compa~~eirode dupl~:' de pal~aç9.s muito conhecidos, como o falec.ido
Alcebíades Albano Pereira, um dos "clowns' mais famosos do Brasil. Era U111 ' bOIH
músico e tocava pistão como poucos o faziam naquela época.
Isto aconteceu tempos depois daquela briga que me valeu o apelido. Numa das minhas'
vindas da escola para ~ circo, para passar a~ férias, encontrei meu pai cansado O
e ~eio
adoentado. Ele estava procurando um
substituto para ocupar seu lugar, ist?'é, para ocupar
o lugar do palhaço Pingapulha. Tinha colocado à prova todos os meus irmãos mais velhos: .
mas, por mais que eles se esforçassem, nenhum lhe ~gradara e nem agradara ao público. o

Cheguei... e foi a minha vez de ser posto à prova. Pintaram meu rosto, deram-me urna roupa
grandalhona, umas calças muito largas e uns sapatos enormes, Eu não queria entrar, pois

210
A ARTE DE ATOR: DA TfcNICA À REPRESENTAÇ..\ O

ninguém ensaiara nada comigo! Todavia, essa falta de ensaio também fazia pa rte da prova
e do papel que eu ia representar; ia ser o improvisador da noite, o chamado "Tony da
Soirée".
Numa algazarra danada, jogaram-me para dentro do picadeiro. Não sei se caí de mau jeito
ou em cima de uma pedrinha ... ou sei lá o quê! O que sei é que doeu! Levantei-me
capengando e devo ter feito isso de forma mu ito engraçada pois o público ri u pra valer-
talvez da minha roupa, talvez de minha expressão de dolorida atrnpa lhação, que sem
dúvida devia parecer muito "autêntica".
Sem sab er o qu e fazer, aproximei-me de um dos meus irmãos, que ajudava a armar um
aparelho para a próxima representação; baixinho, perguntei:
- O que é qu e e u faço agora ?!
Meu irmão sug eriu :
- Vá lá e derruba o Benedito.
Benedito era um pretinho "amarra-cachorro", que, justo nesse momento, es tav a enro-
land o um tap ete, distraído e bem a jeito para colaborar no meu " im p rov iso" . Foi o qu e
fiz! Corri e empurrei o coitado, que caiu e se embolou com o tapete . Lo go, porém,
levantou-se e, querendo cooperar comigo, deu-me um empurrão... mas com tal força
que eu - que não esperava - fui parar em cima de uma família que estava se n ta d a na
fil a d e ca de iras situada bem em frente ao picadeiro . D errubei a fam ília i ntci rn! Foi um
bolo danado e o público a rir cada ve z mais.
Le vantei -m e e p edi p erd ão a o ch ef e d a família . Cham and o -me de palh a ço b ob o, ele m e
e m p u rro u; fu i pa ra tr ás. trop ec ei, bati a s costas nas tábuas que rodeavam o pi cadeiro e
le vei um to mbo . O ma ch u ca do a n terio r vo lto u a doer. Vo lte i a mancar ... c o p o vo rindo ...
Co rn m u ita ra i va elo p ret in ho "a m a rr a-c ac h o r ro" . reso l vi dar-lh e um d a q uc les ta pa s
qu e nós, de circo, cha m a m os d e " cl a q u e" ; o que ?á a b of etada .leva a m ão n o rosto d o
outro e es te - fin gindo receber o tapa - recua a cabe ça. para trás e dzi uma palmada
em ba ixo, com as próp ri a s m ãos. O e fe ito é o de uma ve rd a d e ir a bofetada.
Dei o tal " cl aqu e" n o pretinho. Ele, porém, não er a v ers a d o na s artes c ircenses e nã o
s abi a q u e tinha qu e bater com as duas m ão s, a fim de p rodu z ir o ru íd o de li ma b o fetad a.
Com o e le nã o res po n de sse naq uel a p rime ir a v ez, eu, qu e já e s ta v a d e ma l-h umor, de i-
lhe uma seg u nda tapo na ... mas p r a va le r! O preti n ho, com a força do golp e, ca iu e o lhou
vesgo pa ra m im . Recom pôs-se d o tombo e do tap a, le v ant ou-se, pego u u rn p ed a ço d e
pau q ue es tava a li por p erto ... e ve io com um a ta l cara de ó d io pa ra cima <,i e m im , q u e
nZ1 0 tive outro meio, se não sair co rr e nd o... c o pretinh o a trris d e mim ... l' (l po vo r ind o!
Meus irmão s também r iam, pe nsando q ue aq u i lo era g raç a. Eu , porém, sab ia q ue o caso
n ão tinha g r él çZl nenhuma e que, se o p ret in ho m e pega sse, iria lev a r él ma ior s u r ra d a
par óqui a! Co rr ia po r cim a das ban cada s do circo, p el o m ei o do p o vo e o dana d o d o
p rc tin ho a t ras de rn i rn. d iz enel o pala vr ões' O p ovo qll ase reb en ta va el e tant o ri r. Feliz rncn -
te, n u m a d a s correr ias. p u de chegar a té p erto de m eu irm ão m ai s ve lho . Ass us ta do e s e m
fôleg o, im p lo re i:
- Seg u ra o preto q ue ele me m a ta !
Foi aí que m eu s irmã os vi ram qu e não e ra g rél ça, n ão !O p retinh o foi agarré1d o l' levado pa ra
d entro, a m ui to custo, ar fan do de ta nto ex erc ício . O pú b li co r ia e apl au d i" a m in ha cen a,

2 1J
Luís OTÁ via BUI{NIEI<

que fora ... improvisada. Daí para diante fiquei sendo o palhaço Arrelia - isto depois de
tudo ter sido serenado com o pretinho, que aprendeu a levar bofetadas. Para novas
apresentações daquela cena ao público, uma família de comparsas, do próprio circo, era
posta nas cadeiras da frente. O número ficou sendo uma das atrações da noite de estréia,
nas localidades por nós visitadas (Seyssel, 1977, pp. 23-25).

Uma iniciação é um momento delicado no qual o indivíduo é exposto ao ridículo. A


iniciação do cloum tenta criar esta situação particular que faz parte do cotidiano do circo. Um
atar não circense deve atravessar esse processo por outros meios. Por ser um processo pro-
fundo vivido de,maneira condensada, procuro sempre realizá-lo em situação de retiro. Em
geral, alugamos uma fazenda ou um local no qual podemos ficar isolados em um ambiente
agradável. AÚ, durante dez dias, vivenciamos momentos hilariantemente cómicos e forte-
mente humanos.
Num retiro para o estudo do cloum e do sentido cômico, como costumo chamar, tudo é fei-
to buscando conciliar técnica e criatividade, sofrimento e riso, rigor e humanidade. Duran-
te o retiro, vivenciam-se momentos muito particulares, como a troca da pele do clown, o pica-
deiro, a jornada clouin ... A jornada clown, para que se tenha uma idéia, é um dia inteiro vivi-
do com o nariz vermelho. Isso significa ao longo de todos os trabalhos e afazeres: desde o
treinamento até o almoço e a hora do lazer na piscina ... É inimaginável o que pode aconte-
cer num almoço com 20 clowns juntos! ...
Não me aterei, aqui, a uma descrição pormenorizada do retiro. Embora, interessante,
ela seria exaustiva . Abordarei duas questões principais: o exercício do picadeiro e a relação
do treinamento no contexto da criação do clown.

o treinamen to para o clown


o treinamen to para o cloum, como já disse, é um treinamento avançado, ou seja, con-
tém elementos específicos que o aproximam da representação. Trabalhamos desde o trei-
namento energético e o técnico até os exercícios específicos para cloum. Também trabalha-
mos o treinamento com objetos e o bufão.
Na parte do treino que trabalha o atar, começamos normalmente pelo energético, tal
qual descrito anteriormente. Depois entramos no trabalho técnico: enraizamento, gravida-
de, saltos, quedas, elementos plásticos, articulações, impulsos, tensão-leveza, koshi, pante-
ra, dança dos ventos, lançamentos. Esta etapa inicial trabalha elementos básicos da arte de
atar, preparando-o para o posterior aprofundamento na questão específica do clouin.
O treinamento com objetos é importante no contexto desse estudo, pois visa princi-
palmente desenvolver uma relação passiva do atar com o objeto. O atar deve evitar atuar
demasiadamente sobre o objeto, para, ao contrário, deixar-se conduzir pela dinâmica que
o objeto propõe. Ele precisa "ouvir" o objeto, ou seja, perceber o que este, com seu peso,
comprimento. forma, consistência, textura, imprime nas ações do atar. Este treinamento
é importante, pois exercita este estado passivo-ativo, no qual o atar se deixa penetrar,
afetar pelos dados e informações vindos do exterior (no 'caso, o objeto). No trabalho do

212
A ARTE DE A TO R: D A TÉCNICA À REPRE5EN T A Ç A o

clOW11, algo similar deve ocorrer entre ele e seu parceiro de dupla e e n t re ele e os es -
pectadores .
No contexto do treinamento para o cloion, desenvolvemos os seguintes exercícios. An-
te s d e enumerá-los, devo esclarecer que muitos deles s ão exercíc ios clássicos d e cloum, todos
porém recriados e adaptados à nossa metodologia, por mim e pelo atar Ricard o Puccetti, ao
longo de assessorias técnicas sobre o trabalho do cloton a alunos d e d ivers as par tes do Brasil.

1) Aç6es f ísicas:

a) mane iras d e a n dar (r á p ido, lento, gra n de, pe q ue no);


b) p o ssibili dades d if erentes d e pisa r (calcanh a r, p on ta d o pé, lado e x te rno, lado in-
terno, n íve l a lto, n íve l b ai xo) v ariar rit mo (rápido e lento ) e; a m p li tu d e (gra nde e peq ue n a);
c) co rrer;
d) sa ltar;
e ) ooirar'
· ,

f) mu d ar de direção (o lha pr irn e ir o e de p o is va i; corpo vira p r ime ir o e depois a


ca beça);
g ) stops;
h ) modos d e o lhar;
i) se n ta r.
*. P a ss ar d o andar d iferente para o nor mal au to rn a t ica m c n tc .
. .
* Enquanto to ca a mús ica, o clount d ança (um ba ile); quando a m úsic a para. o clcion
faz u ma s eqü ência de ações fí sicas (rn is tur a ndo o s e lementos tr ab a l h a d os ).

2) Estímulos:

a ) esca to ló gi co s : vo n t a de d e p e id a r, cagar, mi jar, Io rne . l i m p a r o n J ri z etc;


b ) e m o tiv os : ó d io , a m o r, pr a z er, d or, tri st e z a, a leg r ia , m ed o , cho ro . ti mi d e z e tc;
c ) irn a g éti co s : andar no des er to, na floresta , pa ssei o n o zo o ló g ico, CJS él m al-a ss em -
bra d a e tc.

3 ) Tccni colcrnot iuo:

a) ex p res s êl r s e n ti m e n to s com d ifere ntes p a r te s d o co r p o (ca beça . p l.'ito, q ua d ril e tc. );


b ) P a s s a r deu m a e 111o ção à ou tr a se rn p si co Io g is 1110 s. a u tom a t i c <.l m e n te;
c) encontr ar a " fo to g r a fia" d e cada s e n t im e n to (as ações f ís ic a-. ( .' -'~ f..' nc j .:l is q ue ex-
pr essa m cada se n time n to . Pa s s ar d e uma pa ra ou t ra a u torn a t ir arn cn ir:

2]3
Luís OTÁVIO BURNIER

4) Entradas 110 picadeiro:


a) entra, dá a volta e sai;
b) entra para mostrar as diferentes formas de: andar, pisar, girar, saltar, sentar,
correr, olhar, stops etc;
c) entrada com estados de espírito (alegre, triste, medo, disfarçando, escondendo,
vontade de mijar, chorando etc.). Eeste exercício pode ser feito só ou em dupla (com os
parceiros tendo sentimentos opostos ou não, por exemplo: um triste e o outro alegre, um
bravo e o out~~ com vontade de peidar);
d) entra, faz algo e sai (só ou em dupla);
e) entra, relaciona-se com determinado objeto e sai .

. 5) Situações:

a) baile;
b) desfile de modas:
c) jogo d e fut ebol;
d) almoço clown; .
e) serena ta;
f) outros.

6) Dupla :

a) ação e reação (um de cada vez) - dupla fixa;


b) tocar no corpo do colega e ambos reagem;
c) anda, olha para companheiro, apaixona-se e vai para ele (o sentimento pode ir
mudando) - pode ser feito por todos ao mesmo tempo, escolhendo o parceiro ao acaso
e depois entre a dupla fixa;
d) uma cadeira para dois clOWI1S;

e) entrar no picadeiro em dupla, com sentimentos contrastantes;


f) entra, faz algo e sai;
g) triangulação (ação e reação);
h) "bola de e ne rg ia " em dupla.

7) Energético s:

a) energético de clown (livre ~ com sentimento):


b) dança Pessoal de cloum;

214
·.
/'"'

A ARTE DE ATaR: DA TI:CNICA À REPRESENTAÇÃO

c) dança com música (estímulo), maneiras de dançar e mover o corpo, ritmo pessoal;
d) "bola de energia":
- caminhar pelo corpo;
- en viar para o espaço;
- enviar para o colega (ao acaso ou em dupla);
-'" receber de volta;
- enviar e receber com diferentes partes do corpo.
8) Instrumentos musicais/voz:
a) improvisar com a voz;
b) descobrir sons para cada sentimento:
c) descobrir música que cante o ritmo pessoal;
d) imitar instrumentos;
e) tocar instrumentos;
f) descobrir relação corpo-instrumento - corporeidade d o som prod uzido;
g) fazer o instrumento "falar" - só, em dupla e em grupo maior ele duplas;
h) um toca, o outro "dança" o som;
i) UDl dança, o outro " to ca" a dança .

9) Gags (cr ia ção de gags ern du p las ).

10) Saída s de rua (solitário, em dupla ou grupos m aiores ):

a) ex p lo ra r o esp aço físic o e o ob jetos d e r ua;


b ) relação CODl as pessoas - determina r s it uações: fazer COIT1p r 21S n a feir a, pa ssear
na praça, and ar de ônibus etc .;
c) da r obje tivos di fer entes pa ra ca da ctoio n (d e aco rd o com ou contraria nd o sua
p erso nal idade) .

11 ) T rabalh o com objetos (só o u em dupl a ).

o buf ão, ancestral do clown


U m a ou tra m an eira d e en ten d erm os a du pl a de cloums é p or m e io d o bufiio . O bufão
é u m se r m a rg in al e margin al izado. Tra d icion alme n te ele te rn d efor rnarôes tis icas como
.co rcu n d as. um b ra ço a menos, en or m es ba rrig as, órg ãos ge n itais e xace r bados. São gi-
gan tes ou anões, tr ês olhos, se te de dos . Essas d eform açôes são com o a soma tizaçã o das
defo rm a ções human as inter iores, das dores da hu m an id ad e, como 'n a rela çã o de Do rian

215
Luís OTÁVIO BUI{NIER

Gray com seu quadro. O bufão é o grotesco. Manifesta exageradarnente os sentimentos


humanos. É malicioso e ingêriuo, puro e cruel, romântico e libidinoso. Suas deformações
físicas e seu modo de ser são como a manifestação física do tumor, da lepra das relações
sociais e da pequenez humana . Seu comportamento é quase agressivo, propositadamen-
te chocante. Ele 'n ã o tem vergonha e, assim, desde suas necessidades fisiológicas básicas
até o sexo, ele os faz em público de maneira descompromissada e provocadora.
Por ser rn arg inal e marginalizado, ele vive em grupo, ou seja, em companhia de
outros bufões. A banda de bujões funciona como .um coro grego, como se cada bufão fosse
parte de um único organismo. Ela cria uma cultura e uma identidade próprias, com re-
gras estritas, linguagem específica e papéis bem definidos dentro da banda. Existem em
toda banda um l íd e r, seu braço direito (o puxa-saco do chefe) e um idiota . Existe, tam-
bém, a figura d a pessoa externa à banda, uma pessoa "normal", que atua como a autori-
dade m áxima a ser questionada e respeitada, a qual o bufão trata com irreverência e medo.
A relação d e cada in d i v íd u o com sua banda é mu ito forte. O bufão tem força na
banda . Solitário, e le é frágil e facilmente exposto às humilhações da sociedade. Quando
um membro da banda é acariciado ou agredido, toda a banda reage, sente, como se fosse
com ela.
O clouin é LI rn herdeiro do bufão. Ele também é um marginal, pois de certa forma
possui uma vis ão d e mundo diferenciada. Sua lógica e maneira de pensar e agir são muito
particulares. Ele é u rn bu fão sofisticado . Todas as características e comportamentos do
bufão aparecem no cloion, filas de maneira sutil. O bufão é como se fosse uma pedra pre-
ciosa em estado bru to . O cloion é uma pedra lapidada. O clouin também tem d efor m a-
ções físicas, rua s sutis: o nariz, a maquiagem e o figurino. É importante notar qu e esses
três elementos não têm função estética, mas lembram a herança grotesca do bufão. No
cloum, a banda-,encon tra-se sintetizada ern dois ou três clouins : a tradicional dupla de clounis
(o branco e o augusto), ou a t~inca branco-contre-pitre-augusto, que nada mais é do que
o chefe, o p uxa-suco e o idiota, ou ainda o branco, o augusto e o anão ."
Elizabeth Pereira Lopes, em sua tese de doutoramento A máscara e a formação do
atar, cita urna passagel11 de Fellini na qual ele fala sobre o conire-pitre: "Segundo Fellini,
"OsFratell in i Foram os que introduziram também o terceiro personagen1, o conire-pitre,
parecido com o augusto, mas que se aliava ao patrão. Era o vigarista de rua, o espião, o
alcagüete d e pol ícia . o liberado a se mover nas duas zonas, a meio caminho da autorida-
de e do delito' (Fellini, 1974, p. 107)"(Lopes, 1990, p. 284)
A autoridade máxima, no circo, é representada pelo MOl1sieur Loyal, o "dono do
circo ", que eqLl i Vi.11e, para l i banda de bufões, à sociedade, ou seja, o elemento externo
que traz constrangtrnento para ambos os tipos.
Esta relação de " p a re n tes co" entre o bufão e o cloum deve ser mantida no aprendi-
zado prático. Encontrar o próprio bufão, as deformações físicas e comportamentais ca-
pazes de revelar o "avesso" do atar, é importante no processo de busca do próprio clotun.
Como no bufão tudo é mu ito "sem-vergonhamente" mostrado e praticamente tudo pode
ser feito, por meio dele o atar entra em cantata, de maneira extrovertida e jocosa, com
aspectos primários de seu ridículo.

216
A ARTE DE ATaR: DA TÉCNICA À REPRESENTAÇÃO

o cloum é um ser que tem suas reações afetivas e emotivas todas corporificadas em
partes precisas de seu corpo, ou seja, sua afetividade transborda pelo corpo, suas reações
são todas físicas e localizadas. Essa característica é urna das heranças do bufão, que, devi-
do às suas deformidades, é sensível física e corporearnente.O cloion, como o bufão, não tem
uma lógica psicológica estruturada e preestabelecida. Ele não é personagem. Ele é simples-
mente. A lógica do cloum é físico-corpórea : ele pensa com o corpo .
Realizamos diversos exercícios de bufão visando fornecer, ao atar, a vivência da rea-
lidade bufonesca: a vida em banda, sua hierarquia interna, as regras d e convivência entre
os membros de urna banda, o comportamento físico e vocal de cada bu fão (sua co rporeidade),
a relação entre bandas diferentes e, sobretudo, a relação d o chefe e d o id iota .

o picadeiro
Existem diversos exercícios que confrontam o ator com sua ingenuidade e seu ridí-
culo. Basicamente todos eles buscam colocar o ator em situação de desconforto na qual se
opera um arriamento de suas defesas naturais. Nessa situação surge tuna série de peque-
nos gestos que "escapam" ao seu controle. Em francês, esses gestos são chamados de gestes
en [uite, gestos-em-fuga. Eles são preciosos na composiçã o do cloion, p ois s ã o corno "semen-
tes" , algo muito pequeno, mas que contém um embrião do futuro cloion . O principal, den-
tre esses e xe r cí cios, é o que chamamos de exe rcício do picadeiro" ,
1/

N este tip o d e exercício, o dono do circo, M o ns ieu r Loy a I, tern urn a única v a ga a ofere-
ce r para t rabalhos em seu circo. Ex is te U I113 enorme fila d e intere~sados, e Mo nsieu r Lo yal se-
leci o n a os ca nd ida tos . Urn a u ni, os c! OW 11 5 vã o se a prese n ta n d o a n te Mo ri s ic u r Loy al, D1 0 S -
trando suas qualidades e aptidões para fazer a platéia e o próprio Monsieur rire n. Exis-
tem, para esse ex e r cí cio, algumas poucas regra s irnportantes: a v ida d,o clo ton ( e p e n d ~
de ste e m p r e g o ; e le não quer ir emb ora e n q u a nto n ã o co ns eg u i r a v ag a; s e m andado
e m b o r a, e le , que nã o pode des ob ed e ce r, v a i s em ir, sai fica n do; él pa la v ra e o d es ejo de
Mons ie ur Lo ya l são leis in q ues tio náve is q ue el ev em s e r cu m prid as a q ua lq uer cu s '0 , agra -
d e m o u não ao clOZU71; o q u e Mo ns ieur Lo yal d iz é torna do C01110 v e r d ad e ab solut L Se e le
d iz q ue algo é bo n ito o u fe io é po rqu e a q u ilo é d e fa to b onito o u fe io e p ro d uz r o cloUJ11
urn a a legria o u tri ste z a profun da s . Urna ou tra regra p a r a o C! 07UJI é qu e ele e n te nde a s
co isas e m u m nível p r ima r !o e ingênuo, ao pé da letra. Ele n ão é propiiam ente uru idio ta ,
m as 11DI profund o ing ê nu o, e s u él es tu pid ez v e m d e ss a in g e n u id a cle . l~ p or iss o q ue ele é
ex tre ma me n te se nsíve l e human o . As coi sa s o penet r am e o a tin ge m a fe tand o sua pessoa .
Mo nsi eu r Lo y al. n ess e exe rcíc io, le v a o clo uni a se sen til' o 11l é'lÍS i d io ra e in ú til ser d o
mun d o. o u o m ai s b elo e bern -d o tad o cltnu n do circo . A relaçã o qu e s e esta bel ece entre
Mo ns ie u r Loy al e os cloions to r n a -s e mu i to r e a l, co rn o se aq u ilo tud o rea lme n te fosse ve r -
da de . A liás, é v erda de para o cl 07UI1; tal v ez não o se ja p a ra o a ta r. Nesse s en tid o, o cloion
é com o u m a c r ia n ça q ue, q u a ndo brin ca, acred it a int egr alm e n te e m s u a br i nc ade ir a: a
cr ia nça nã o [az de con ta que é o Su per- H orn e m , e]a é o Su p e r- Ho rn cm d u ran te a bri ncadei-
ra. De p ois ela b r in ca d e ira, e la sab e qu e aq ui lo t udo foi u m jog o . Tod o o p r o cess o in iciático
do cloton es tá em b as a do nesta r ela cã o p ri 111 i tiv a d o acrelii tal' e d o {ll! e rct.

217
Lu ís OTÁVIO BURNIER

É imposs ível descrever o exercício do picadeiro. Entrar em cantata com a ingenui-


dade estúpida de cada um é um processo tão particular e privado que não só é indescritível
(por não haver dois casos similares) como seria um desrespeito aos atores de minha parte.
É interessante destacar como todas as pessoas ficam tensas e acabam apelando par" fór -
mulas já prontas, pré-fabricadas (piadas, estórias, personagens, gestual estereotipado). Tudo
isso é descartado . O exercício propõe justamente e~te confronto entre o que é estereótipo
(as máscaras 'q u e escondem nossa pessoa) e a essência de nosso ser, nossas fraquezas, nos-
sa pureza, nosso ridículo tão bem camuflado. A máscara do cloum, o nariz, é a menor do
mun~o, a que menos esconde e mais revela.

O processo de descoberta do cloum pessoal provoca a quebra de couraças que usa-


mos na vida cotidiana . Cabe a Monsieur Loyal, cumprindo um papel quase que de um
psicólogo, ir derrubando pouco a pouco todas essas estruturas defensivas. Mais do que
formas estereotipadas, o que causa o riso são as manifestações autênticas advindas da
sensação de descon forto e insegurança do cLown diante do público. O cLown toma
consciência de sua estupidez logo após ter sido estúpido; por isso ele é triste. As risadas
do público fazem com que ele se aprofunde na própria dor. Se o clown rir, o público não
ri. Para o público rir, o clouin chora. Engibarov, clouin russo, diz : "O clown faz tudo,
sempre, seriamente . Por certo, isto não significa que não queira ser cômico. Ao contrá-
rio, sua meta é fazer rir. Mas o verdadeiro cômico consegue isso sem tentar fazer rir a
qualquer preço" (Engibarov, 1988, p. 17).

Teotônio e Carolino

Ricardo Puccetti e Carlos Simioni foram iniciados nesses retiros. Assim nasceram,
respectivamente" Teotônio e Carolino. Um augusto e o outro branco.
A importância deste trabalho para os atares foi descobrir e explorar uma nova di-
nâmica na relação técnica-fluxo de vida. A premissa humana para o cloum, que significa
todo esse processo de ar riarnento de defesas e contato com elementos sensíveis e interio-
res do ator, nada rn ais é do que um outro carninho na busca de se dinamizar energias
potenciais. Por outro lado, uma vez que o cloum exista, tenha nascido, ele tem uma série
de ações que são tão codificadas quanto na dança pessoal. Como na dança, o clown em
seu fazer improvisa a seqüência, mas não os códigos. Trata-se de uma improvisação com
códigos como, "O que parece, acontecia na com media deli/arte.
Aqui também, como em todos os nossos trabalhos, o que é memorizado é sobretu-
do a corporeidade e não apenas a [isicidade das ações. O cloum pode fazer uma mesma
ação com [isicidades diferentes, ou seja, a ação é a mesma, mas o seu aspecto físico, não.
A criação do cloum , ao longo dos diversos exercícios, significa entrar em conta to com
esses aspectos humanos e sensíveis do ator e sua decorrente corporificação . Ou seja, o clown
é construído CODl o que haverá de corpóreo, com as ações físicas que surgirem nesse pro-
cesso iniciático, ali, mais precisamente, com as corporeidades que alimentam as ações físi-
cas . O clOW1! surge à rned id a que vai encontrando, ampliando e codificando suas ações
físicas; Ele tambérn constrói um léxico próprio, que é o modo como seu corpo fala.

218
A ARTE DE ATOR: DA TI:CNICA À REPRESENTAÇAO

Evidentemente, não é neste período limitado da iniciação que o clOW11 vai encon-
trar e construir todo o seu léxico. A iniciação dá o impulso inicial, desencadeia um pro-
cesso, abre os caminhos. Depois, com o tempo e a somatória de suas experiências no palco,
nas saídas de clOHJ11,l é que ele vai descobrindo, confirmando, apr imorando esse léxico.
Um avanço importante, no amadurecimento de um cloton, é quando o ator encontra
o modo de pe11sar de seu clOW11. É o modo de ser e pe11sar do cl07.Ul1 que determina todas as
suas ações e reações, sua dinâmica, seu ritmo. Não se trata de um pensar puramente racio-
nal, mas de um pensar corpóreo, muscular, físico . É o corpo que age e reage segundo a
lógica do clOW11. É um pensar também afetivo e emotivo. Mas, sobretudo, o aspecto cor-
póreo desta afetividade e emocionalidade . Em uni certo sentido, é o atletismo afct nn: de
Artaud.
A importância da criação de Teotônio e Carolino, no contexto de nossas pesquisas,
era precisamente colocar o ator ern contato com a mesma coisa de forma diferente. A
iniciação do cloum é um processo forte e denso que dinamiza uma série de energias poten-
ciais do atar. Ao serem dinamizadas, elas se corporificam, adquirem uma corporeidade
que resultará em fisicidades, ou seja, algo codificável. Uma vez codificadas as ações que
melhor revelam este ridículo ingênuo do clOW11, podemos começar a construir as gngs,
pequenas sequências cómicas .

Técnica de atar, técnica de clown


o processo de elaboração da dança pessoal e o do clotun não são id êntico s, DIas si-
m ilare s. co rno se fosse m primos u m do outro. A m bos m ern oriz .arn e cod i ficam p ri me ira-
mente a corporeidade das ações e depois as [isicidodes. Para aDIbos, os cód igos são preci-
so s, porém não estratificados. Arribas as técnicas exigem uma relação profund a d o atar
consigo mesmo e a projeção para fora de si por meio das ações física s resu I tantes dessa .
re la ção. No e n ta n to, a dança pessoal estabelece u m a re laç ão co m os espec ta dores qu e
não envo lve o jogo, ao passo q ue o cloum sim. O c10WIl se a lim ent a do s estímu los que vê m
de seu ses p e c ta.d o r e s, i n t e r a g i n d o c o DI e 1e s, num a d i n m ic a d e ( I ç é1 o e r e a ç ~ o. E s S 8
â

inte racão corn os es pe ctado res e tamb ém corn ou tr os cl07.U IlS s ig n ificé1 um a poss ib i lid ade
de alteração da seq üê n cia das ações do clotvn . Por is to falarn os e m impro v is a çã o co d ifi-
cada. co mo no s canoiracci da com mcdia detl'nr!c, OLl seja, um a e s t r u tu rn g e ra l so b re a qual
o clotvn impro visa com su as ações, q u e se a lte ram de acordo com a rula ção es ta be lec id a
eOIl1 cada es p ecta d o r ou CaD!. seus parceiros .
Nesse sentid o, a técn ica de cloio n é es pecífica, pois traba lha as mesm as coi sa s. m as
d e U DI a m a n e i ra m U i to parti cu la re p a r a li m fi m mu i to p r e c i s o . En co li t r a r e fixa r a S
corporeidades e o modo de pe11sar d o cloion é im po r tan te . p o is essa téc n i c a é q uas e in teira-
m e n te relac ional. O cloton está cons ta n terne n te se relaci onando co m él lg o (u rn obje to, o
es pélço e tc. ) ou com a lg u érn (se u parce iro , o públi co ).
A i m p o r t â n c i a d e i n S e r i rm o s o cl o "lU 11 em n o s s os e s t LI dos é q LI C:' , cI c n t re a s t r ês
me to d ol og ias q ue esta n 1 0 S e xplorand o, e le é a q ue ma is d ir e t a m e n te t ia bal h a o jogo.

219
..:..:...:...

Luís OTÁVIO BURNIER

Vale! Ormos
Dois anos depois de iniciados e de várias saídas, os clowns já existiam, e começa-
mos, então, a preparar um espetáculo.
.A proposta era simples: um espetáculo o mais clássico possível, ou seja, uma série
de quadros em seqüência sem necessariamente uma ligação entre eles. Um encontro entre
três idiotas em que praticamente nada consegue acontecer. Os três clouins significavam
um branco (Carolino), um conire-pitre (Cafa) e um augusto (Teotônio).
As situações que os clotons vivenciam no espetáculo não são relevantes, mas a ma-
neira como as vivenciam e também a relação que estabelecem entre si e com o público. As
situações são muito simples: uma paquera, um restaurante, um encontro, um baile ... Nada
consegue acontec er direito . Eles não conseguem, por exemplo, começar o espetáculo.
A montagern de Vale! armas foi a tentativa de criar situações banais. A força de-
veria estar nos C! OWI1 S, em suas fragilidades, ingenuidades, enfim, em sua humanidade,
revelada por meio de tuna técnica apurada . Buscamos a expressão sutil dessa ingenui-
dade que escoa a t ra v és de detalhes : um olhar, um dedo, um pé ... As ações dos nossos
cloums são, portan to, pequenas e delicadas na maior parte do tempo, o que provoca mais
o sorriso do qu e a g arg alh ad a dos espectadores.
Foi essa rela ção dos cloions qu e nos interessou trabalhar. Ela era um estudo da arte
de ator. Não levei e rn conta aspectos dramatúrgicos do espetáculo, mas centrei atenção
no trabalho d e at a r. A primeira cena que encontramos é hoje o final de Vale! Ormos, um
momento doce do seg u n d o picadeiro de Teotônio. Depois foram surgindo os outros qua-
dros que, juntos, deram Val e! armas .
O título do espetáculo é retirado de uma situação genuinamente. cloumesca . ReaIf-
zamos nossos 'retiros de cloum numa fazenda chamada Vale Formoso. O caseiro da fa-
zenda, UDl homem do campo (um clod), semi-analfabeto, tentou escrever numa placa de
madeira o nome da fazenda . Escreveu "Vale" e, tendo sobrado espaço, começou a escre-
ver a palavra " For m oso": Só coube o "F", e ele teve de continuar o restante em baixo. A
placa acabou antes de ele concluir a palavra "Formoso", ficando o "0'/ final espremido
no cantinho da pl aca, parecendo ruais um ponto final:

VALEF
ORMOS o

Trabalhar a técnica de cl oum significou um importante acréscimo em nossas pes-


quisas. O ator se desnudava, mas de outra forma. Ele codificava, mas um código ao mes-
mo tempo rigoroso e aberto a adequações . Ele se entregava a si mesmo e à relação com o
público e com os parceiros. O cloion introduziu a noção do jogo, da brincadeira, sem
abandonar a técnica corpórea de representação, mas, ao contrário, precisando dela para
poder conquistar a liberdade de jogar. O cloton tampouco inventa as palavras, mas a

220
A AR T E DE t\ TO/{: DA TÉCNIC A .\ /\ EI'I\ ES E.'-:T.'\ C>\U

seq ü n c i a d e las. 5 u a s pnI avrases tão e ln seu co r p o, em sua d i n 5 rn i c II d c r i t 1110 , em sua


ê

musculatura, bem determinadas. claras, conhecidas, mas a seqü ên cia d elas ele irnprovi-
sa segundo as circunstâncias que vivencia. Mesmo nU1l1 espetaculo. em que tais circuns-
tâncias são predeterminadas, ele está livre para os estímu lo s q ue vêm dos es pe cta d o r es;
adapta, cria, viaja com seu público . ..

C aja
Luís Otávio Burrlier

Fot o : Gil Gro:-;si

221
. .. ::,.

Luís OTÁVIO 13UI{NIEI<.

Teotônio
Ricardo Puccetti

Fotos: Gil Grossi

222
223
e, : ". ~

Luis OTÃ VIO BURNIER

Carolino
Carlos Simioni

Fotos: Gil Grossi

224
A !\ I\T E DE I\ Tü R: DI \ T ÉCNI CA i\ REr'I~E 5Ei\iT ,\Ç /\()

Vale! Ormos
Criação: Ricardo Puccetti, Carlos Simioni (atares) e Luís Otávio Burnie r
(atol' e direior) ,
1991-1995

"-T ,1. I ...1:>....

Falo: Gil C rossi


Luis aTÁ VIO BUI\NIER

Sequ ênci a d o restaurante . Fot o s: Gil Gro ssi


A ARTE DE I\TOI<: DI\ TÉCN ICA i\ RE I'I\ESE NT /\ C)\ O

C C J1,1 ,1<1 bo neca, R ica rdo


I 'u ccc tti.
FI l[ (l .'< i\ 1M i 11c I i lv1 é I i g a

22')
Luis OTÁVIO BURNIER

Vale! Or ntos. Versão para espaço aberto com participação de André Garcia Burnier (Narigudo),
filho de Luís Otávio Burnier. Folos: Denise Garcia

2~O

~.
A A lar DE r\ T O l\ .' [) •'\ -r'EC!\:, ICr'\
~ ", _ [ -'.,'' [-I \Ç ,\U
[<El '['\ [' C; -

.-

Fo to s: Gi I Crossi

227
Luís OTÁVIO BURNIER

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cI I.

Ci ld a e Cafa. Carlos Simioni e Luís Otávio Burnier . Foto: Neco Varela

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Carol ino c Tcotónco, Carlos Simioni c Cena do enrosco . Foto: Gil Grossi
Ricardo Pucccui. Foto: Ncco Varela

228
Nota
Uma saída de clouni é uma intervenção do cloion em espaços diversos: ruas, praça s, feira s, r estaurantes,
terminais de ônibus, supermercados, festas .. . Uma saída de cloion é, na maior parte d as vezes, impro vi sa d a,
mas tamb ém pode ter números previamente preparados . Em geral uma saída é re al izada em duplas (u m
a u g u s to e um branco) e trabalha sobretudo a relação com os transeuntes (o p úb li coj. vcorn o ambi ente e os
diversos estímulos desse ambiente e com o parceiro.

23 1
Capítulo 9

KELBILIM :
RETORNO ÀS ORIGENS

Di lig ue e t fat qu o vis.


S M H O A CO STINHO

o pro cesso de elaboração da técnica de Carlos Simioni, d escr ito s ucin tamente no ca-
p ít u lo liA técnica p essoal" , durou três anos . Evidentem ente esse p ro cess o nã o s e esgo tou .
Posso diz e r qu e cheg am os aos primei ros res u lta dos técnicos obje tiv os n es s e período. Tra-
balha mos, corn o v imos, um m e rgulh o, tenta n do dinam izar as e ne rgia s p oten ci a is d e C a rl os
e a codificação da s ações físicas e vo ca is resultantes d es s e m er g u lh o .
Seu ircinn tnen to pessoa! con tin h a II m a ln u l tip 1ici d ad e ele a çõ es fís i ca s i.] u e se d ese nca -
d eava m urn a a pós a O ·U tr a nU1TI DI ovirn e n to qu as e co ntin u o, q u e cra li l:.' c! i fí c i1 fix ação . Iss o
não a co n te cia co m os mn t iz cs d e S U êlS aç ôcs. qu e fOTClI l1 se I1 Il COJI lJldo e m se u co rpo de tal
ma n e ir a q ue s e co nv e rteram num a scgulldn natu reza c e r am . po r ta nto, f'lci l m c l1tc reto rná ve is.
Contrariamente ao que Barba coloca, a uni ão d a dim ens ã o in ter io r e da d im ensão fí-
s ic a e m e câni ca em nosso tra ba lho n ã o ocorria no ponto d e chegad a, rn as co ns ta n te m en t e
ao longo d e todo o pro cesso de elaboração técni ca. Em bora hou v ess e os m om entos nos qu ais
n os co n cen tr á v a mos ru ai s a cen tu a d a m en te n o s as p ect os ela exe cu ção téc n icL1 (o ap crfe iço-
a men to d as aç õ es, por exe mp lo), a técni ca, pélra nós/ nunca s e con fig1..1 ro u co rn o um. p u ro
[nzerjis ico, 111as s e m pre corno u m [az crfisico resu ltante de II JJ[(7 dinam iztiçiio in terior, o u 11m [azer
[is ico que ecoasse no inte rior. O q ue n ão tiv e s s e ess a rel aç ão p a r t i cu la r co m o u ni v er s o
in ter io r do a tar, qu e n ão co nse g u iss e dinamiz a r n el e e n erg ia s p ot en c iai s s ignificC1tivas,
e r a s i m pl esrrierr t e reje i ta d o ou es q uecid o ".
/I
Luis OTÁ VIO BURNIER

Carlos foi memorizando com precisão a resultante desta relação particular entre
suas energias potenciais e .interiores e seu corpo. O que era memorizado era a
corporeidade e não a [isicidade das ações. Com isso quero dizer que não fixávamos, por
exemplo, até onde, no espaço, ia precisamente o movimento de uma ação . Carlos era
"livre" no que tangia à [isicidade, mas não no que tangia às corporeidades, pois com elas
e por meio delas ele reatava a ligação com sua pessoa.
A corporeidade, vale lembrar, é a maneira como as energias potenciais se
corporificam, é a tr ansforrnação dessas energias em músculo, ou seja, em variações di-
versas de tensão . Essa transformação de energias potenciais em músculo era o que origi-
nava as ações físicas. Memorizá-la significava memorizar indiretamente as ações físicas.
O que era guardado, devido à persistente repetição e obsessiva busca de aprofundamento,
era a corporeidade das ações, algo que estava no limiar entre elas e as energias potenciais
do ator.
Esse dado é de relevante importância, pois, na medida em que energias de qualida-
des diferentes originavam ações com corporeidades distintas, o que estávamos na r~alida­
de fixando com grand e precisão eram as diferentes corporeidades das distintas qualida-
des de vibrações . Evidentemente essas corporeidades acarretavam[isicidades, mas estas eram
conseqüência daqu elas , Memorizar as corporeidades nos dava as fisicidades das ações .
Devo deix a r claro que não penso que um caminho seja melhor ou pior do que o ou-
tro. Corno disse Crotowski, não existe método, só existe o que funciona e o que não funcio-
na em cada ca so particular (T . Richards, 1993, p. 100). Evidentemente, podemos fixar as
[isicidades das a çõ es e, por meio delas, penetrar suas corporeidades e dinamizar as ener-
gia s in te r iores d a pesso a . No e n ta n to, é fato que, ao memorizarmos as corporeidades,
estávamos, por assim dizer, mais próximos das energias poten.ciais, no meio do caminho
entre elas e a [isicidaae das ações. A corporeidade, como já vimos, pode ser considerada
como a primeira resultante física do processo de dinamização das distintas qualidades
de energias que se encontram em estado potencial. Está muito próxima .do que podemos
chamar de qualidade de vibração. Memorizar a corporeidade é o mesmo que memorizar
a primeira etapa deste processo de corporificação das qualidades de vibração. Memori-
zar a [isicidudc s ig n if ica mernoriz ar a etapa final desse processo.

Precipitados de sonhos
A necessidad e d e montar uma peça, de transformar em arte o material que estáva-
mos trabalhando, surgiu ao cabo desses três anos de trabalho. Já havíamos codificado urna
série considerável de corporeidades (vide quadrosem anexos). Tínhamos um precioso ma-
terial elaborado e latent e, m as não sabíamos o que fazer com ele. O treinamento de Carlos
era um constante e g en eros o revelar de suas energias mais profundas e por isso se consti-
tuía num ve rd ad eiro "ato total" (Grotowski, 1971, p. 99).
Corno transformar sua técnica de treinamento em técnica de representação? Durante
o treino, Carlos era "livre" para fazer suas ações na ordem que lhe viesse, salvo quando
trabalhávamos u 111 apro fundamento ou o polimento de determinados matizes de ações .
Por isso seu tr einam ento pessoal era uma verdadeira dança (daí o nome dança pessoal).

234
A A RT E DE A TO R: DA TÉC NICA À REPRESENT AÇ AO

Como já vimos, o treinamento é um trabalho do atar consigo mesmo, e a representa-


ção, o trabalho dele para com o outro (seus espectadores) . Estudar a man eira d e transfor-
mar sua técnica de treino em técnica de representação significava, do pon to de vista práti-
co, i n tro d u z ir o " ob se rva d o r" . Foi assim que decidi convida r a m ig os pr óx imos para " a ss is-
tirem " a uma " a p r ese n ta çã o" do trabalho de Carlos. Para disciplin ar ess a a p res e n ta ção,
C a rl os e e u funcionávamos por meio de v erdadeiros ditados. Eu ia lh e p cd ind o o qu e fa ze r,
ia ditando a sequência das ações, que ele e xecutava com a m esm a plenitud e de se m p re .
Fo i assim que, para cada " co n v id a d o especial", íamos construindo ve rda d e ir os pre-
cipi t ados de son hos, v e r d a d e ir a s pequena s obras. D eni s e Ga rei a, A1i ce K. Yagu iu, Ega s
Franci sco, e n tre outro s, foram nossos pr imeiros espectadores. Para qu e se tenh a uma idéia
de urna seq uê n cia ditada, cito abai xo a realizad a no d ia 12 de ou tu b ro de 1988, q ua n do
d a v isi ta do pintor Egas Francisco :

1) es tá tua tPatcr nosier, med itação, aç ão ):


2) três cortes;
3) cobra sensual com estátua s;
4) m ovim entos curvos - cobra - fog o;
5) cobra co m faíscas de fogo ;
6) cob ra co m e st átu as e gemi d os;
7) pé no es tô m ag o;
8 ) ch ibata das;
9) med itação com chi ba tadas pequenas + voz;
10) ten s ã o cori tínu a co rri vo z - stup -- ch ib a l a d a s p e q u e-n as:
11) d uas voz es
12) te nsão con rín u a - hip er-tens ão - tensã o cont ínuo - h ip e r-t en s âo - eco do hiper-
tensão com voz - te nsão contin ua com voz ;
13) es tá tua Pata nosic r;
14) tri ste za:
15) te ns ão co nt ín u a:
16) pé n o chão;
17 ) c h ib a ta das :
18) T uc<'í;
19 ) cs tritu a cm tlÇ E!O - c inco c h iba ta da s pcq llcn<ts --- t rl'S for tes - e co ;
2 0 ) in o c ên ci a :
2J) tre m e ilica rz in ho:
2 2 ) Fra riccsco :
23 ) c h i ba ta da s - - PSOélS e m e xtensão :
24 ) estri t u a corri Pntcr nos tcr i n t ei r o :
25) bZ1S tC)(.-s co m vo z;
26) rcLl. çl u com o divin o;
27 ) P ro u st :
28) tr ês co rt es co m ca n to ;
29 ) ce rra tina l .

235
Luís OTÁ VIU BURNIE({

Essas " a p rese n ta ções" t50 particulares e especiais, pelo engajamento e força do tra-
balho de Carlos, pelo fato de serem desprovidas de texto literário e de qualquer história
que pudesse nortear nossos espectadores, se apresentavam como os precipitados de sonhos
aos quais se refere Artaud:

o teatro só poderá voltar a ser ele mesmo, isto é, voltar a constituir um meio de ilusão
verdadeira, se fornecer ao espectador verdadeiros precipitados de sonhos, onde seu
gosto pelo crime, suas obsessões eróticas, sua selvageria, suas quimeras, seu sentido
utópico da vid a e das coisas, seu canibalismo mesmo se desencadeiem, num plano não
suposto e i Ius ório, mas interior (Artaud, 1987, p. 117).

o fato de in trod uzir no treinamento um observador externo e a seqüência ditada for-


çou urna transformaç ão da perspectiva do trabalho. Até então, Carlos trabalhava para si e
para o espaço. Ago ra, para U111 "leigo". Sua entrega ao trabalho, no caso do treino, era isen-
ta de leituras e livre n a escolha da seqüência. Agora, ele estava exposto às diversas leituras
possíveis e tinha qu e executar S0111ente o pedido. Eu misturava os diferentes matizes de
qualidades à medida que ia lhe pedindo as ações, e ele tinha que "mudar o canal", passar
de U111a qualidade piJra outra, r~antendo a n1eS111a relação íntima, desencadeando seu fluxo
de vida tanto quanto o fazia em seu treino.
Foi a p artir desse momento que percebemos, primeiramente, que era possível mudar
de l!111a qualidad e piJra outra sem seqüência lógica, C01110 se pulasse de uma para outra; e
qu e aquel e co nj u n to de ações agia de uma maneira ou de outra sobre os espectadores, ad-
quirindo UIn significado preciso e global para cada um deles. Também foi n esses ditados
que comecei a 111e dar conta de que havia açõe~ ou elementos que "ajudavam" a ligar uma
matriz a outra, embora não tenha me aprofundado nessa questão na época.
O processo de montagem de Kelbilim foi realmente sui generis. Com .esses ditados, per-
cebemos que tínhamos um espetáculo, mas. não o tema. O teatro voltava, na sua essência,
a ser a arte de ato r. Tudo estava ali, só faltavam a história, o contexto e o texto literário.

Em busca de li IJl tenta

O trab alho de Sim ioni navegava entre dois extremos. De um lado era extremamente
forte e evoca va i nliJgens seI vagens de dor, como se fOSSe111 gritos ou berros silenciosos do
corpo, coisas que poderiam ser tachadas de "horríveis", ou "monstruosas" . De outro, era
delicado, doce e evo cava imagens tranquilas de momentos belos de pureza, de singeleza e
de fra gilid ad e. M esmo seu trabalho forte e "monstruoso" era feito com uma tal en tre g a,
plenitude e ge ne ro s id ad e que se tornava belo, íntegro.
Ess as o p osições e ra m perturbadoras, desorientavam, de uma certa maneira . Tinham
a força de encantar ass u s ta d o ra m en te. Começamos. então, a procurar um tema que pu-
desse co n tem p la r es ta duplicidade. Pensava em algo que estivesse situado entre o bem e
° °
o mal; tamb ém procuramos entre sagrado e profano, a loucura e a sanidade e entre

236
A ARTE DE 1\ rOR: DA TÉCNICA i\ REf'[{[SENTAÇA o

o prazer e a dor. Assim fomos a Nietzsche, a Hilda Hilst, a são João da Cruz, até chegar-
mos a santo Agostinho.
Nas Confissões de santo Agostinho encontramos u m relato aLI tobiográfico que re-
velava um dilacerar de alma, um verdadeiro ranger de espírito de UIll homem em busca
de sua verdade, que se encaixava com perfeição no canto das açõc» de Carlos. Começa-
mos, então, a nos inteirar mais profundamente da vida e obra de santo Agostinho.
Defrontei-me com dois problemas: o prirne ir o, d el im itar a ép o ca de sua vida que
deveríamos enfocar, e o segundo era que seus textos estavam escri tos de urna tal manei-
ra que não se adequavam para serem ditos pelo atar. Resolvi focar o momento I11é1iS do-
lorido de sua hesitação entre a vida mundana e a religiosa e o de SUZl conversão ao cato-
licismo e, no início, não introduzi texto literário.
O importante era que o fio de Ariaánc havia sido encontrado. O resto era urna ques-
tão de procll rar. de fé, como dizia Decroux.

A musica e o espaço da peça


Agostinho viveu no século IV d.C. Na época em que esteve em Milão) o bispo da
cidade era Ambrósio. Agostinho narra, em suas Confissões, a força encantadora que ti-
veram sobre ele os cantos que ouvia vindos da abadia, quando anelava pela s rLF1S de Milão.
Esses cantos ficaram conhecidos corno cantos ambrosianos, e deles tem-se pouco registro
h oj e, p oi s o s is te m a d e n ota çã o pélra a m ús ica era distinto d o qu e co n h e ce mos atua1men-
te .
l n spi rad a nesse fato, Denise Garcia, cornposit ora, e s t u d o u os canto s melódicos da
é p o ca e escreveu as canções a parti r de textos em la ti m de Agosti n ho e cl e su a mãe. Denise
prop ô s a espa c ia lid ad e d a música qu e influenciou a espaci a1idad e da p e ç<.l: ela seria canta-
d a p or um co ro ao v iv o, qu e nun ca entraria n o e s p a ço d a p e çél. O coro 11 <1 0 se r ia vi sto pelos
es pec ta dores, m as o u v id o ao lon g e, o u p assea n do p o r fo ra , n o ex ter ior cio lo ca l anel e ata r
e os es pec ta do res s e e n co n tr a r ia m..
O es pélço para ('1 peçél não pod eri a ser u m teat ro convencional, m a s <l is o q ue p ermit is-
se u m a r eu n iã o e n tre p o n co s indi víd u os parél "o ra r " (e u p en sa va e m re cr ia r o cl irn a d o
cr is tia n ismo e m seus três prime iro s s éculos, qu an d o . ile g él l e p ers e g uid o,' os fiéi s se e n co n -
tr nvarn e m lo ca is secretos c em nú me r o li m ita d o ). Ma s. a l órn de s s e d ad o. e ra i m po r ta n te
qu e o local esc o lh ido pe1rel. a peçél tivesse dive rsas e n t rad as pélra o so m d o s ca ntos, o u s eja ,
Pêl SS Oll 21 se r fu nd ame nt al o CS pélÇO e x te rno ela p e ça, po r' o nde o co ro p a ssearia c a n ta n d o .

J<e]b j 11 m eJJ I 'l 'li n! ro vcrsocs


;\ ~ll'Ç(1 fui m o n ta d a cm q u atro c ta p êl s, q ue ~ ib ll i f i CéH(l nl q u at ro \ '\, ', "SÔC S d ist i n ta s
o pre se n tada s a o p úb l i co v A p r i rn e ira aco n te ce u Jog o e m scg u id él à d esc ob er ta do tern a
d a ~)f.:'Ç (l . Fo i a ma is c r u a. po is Car los exec u ta va 511 élS élçC)eS I ísi cas e \,()cél is c m s u a p le n i-
t u d c o te m p o toei (~ , e n t r o III CZ\ d as po r rri pi d 0 5 [i! (7(.: /;:-0 II ts .
Luis OTAvIO BURNIER

Durante o período em que realizamos os ditados para nossos convidados, buscáva-


mos ir aperfeiçoando a scq üência das ações, procurando uma adequação mais coerente
e orgânica entre as matrizes apresentadas. Esta primeira versão da peça foi quase inte-
grnlmcnte a u l l i ru.i ~;l'qCll·ncii.l
i.lpn·st'nl'ld'l pi.Hi.l nossos convidados. l Iouvo pOUGIS ade-
quações, tendo cm vista as exigências do terna. Poderia dizer que esta versão foi a mais
pura do ponto <-!Lo vista da arte de ator e a mais chocante para os espectadores, pois eles
não ti n h a m a i n ciil ne n h li m te x to I ite r á r io ou p o é t ico d i to p e Io a to r e n e III m e s 111 o uma
lógica com come-ço-meio-c-fim j qual pudessem se ater. A peça foi apresentada corno
fragmen tos de co rcs fo rtcs e corta n teso O figu ri no e ra q uase neu tro, urna ba ta d e a lgo-
dão cru. O tex to d i to por Ca rios era um groniclô in ven tado por ele, ou seja, não sign ifi-
cava nada além de seu s e n tid o puramente vocal. Não havia objetos em cena .
O espilço escolhido paril a apresentação d a peçil foi uma pequena sala no porão de
Ul11 antigo colégio L' convento de fre iras em Campinas. O Fato de usarmos holofotes con -
venciona is de t e a tI'O como fon te de i Iu m i n a çâo naq uela sala pequena gerou u m a
desadequação cn tre o til manho da sala e a fon te de luz. Partimos, então, em busca de ou tra
fonte de luz: o fl\go. Isso nos levou a introduzir u rn a série de objetos cena que pediam
manipulações diversas. Essa manipu laçâo trazia UIl1 problema para o ator. Suas ações já
estavam a esta ai tu ra codificadas, e a manipulação significava uma quebra que apresenta-
va um risco para a manutenção da qualidade de seu trabalho. Resolvi não correr esse risco
e introduzi Ul11 segundo elemento humano: Ul11 "ajudante" que faria toda a manipulação,
urna espéc~e de sombra , Estava surgindo a segunda versão da peça, na qual foram introdu -
zidos adereços, objetos, nova fonte de luz, o sombra e novos figurinos.
No â rn b i to d o tra ba lho de Car los e do co ns tan te a m ad u re ci m ent o da en tão jo v e m
técnica de representação, essa versão possibilitou-lhe começar a descobrir 1110dos de ma -
nipular os objetos sem quebrar a força e a qualidade de suas energias. Do ponto de vista de
sua partitura, da sequência de suas ações, essa versão não alterou quase nada. A única alte- I
i
ração era que, e m ce r to s momentos, ele tinha de esperar que o sombra o v es tis s e, ou colo-
casse ern suas mãos () objeto aceso, para que iniciasse sua cena.
.j
I
Já do ponto de vista do diretor, essa versão foi a que me levou a descobrir a proble-
mática das l i~t1ç()L'~ tanto de lima cena para outra corno. o que era mais importante, de urna
II
ação para outra. O texto de atol' era COIl10 urna frase só C0l11 palavras inteiras, sem conjuga - I
ções, conjunç ôc s, artigo s. Algo COll10 " cé u, cheio, estrelas, noite", ao invés de "o céu estzi
cheio de est;'clas esta noite" . Carlos atuava C0l11 100(1<, de energia o tempo todo. Nã o havia
nuanças, nem ligações . Nesta segunda versão houve a primeira tentativa de introduzir
textos literários, ma s ern latim, sern a l te r a r ern nada a ação física ou a vocal.
Por intro~.lIzir ii iluminação a fogo, os objetos c énicos e trocas de figurino, de urn modo I
!
geral, essa vers ão significou a i~.ltrodução, no âmbito da peça, das artes plásticas.
J
I
A peça m a nt e ve sua força, ruas eu ainda não havia resolvido Ul11 problema impor-
J
tante: o texto lite rrir io em portugu ês. Somos filhos de uma .c u ltu ra eminentem ente lite r.i -
ria. Introduzir um texto em português era irnportan te para permitir aos espectadores cria -
rem suas con exões, s u as associações, sua história particular. A literatura, para nó s, é o
I
ruais finne pa r ârnet ro norteador. A terceira versão significou a introdução da Iiteratu ra .
J

~
;J
238
't~~'
A AR T E DE ,\TO R: Dr\ TÉCi':ICA A REI' RESE.\; T ..\ ç Ao

Não foram al terad as as sequê ncias das ações físicas e vocais


de Ca rlo s e nem a histór ia
contad a pela peça, ou seja, a da conve rsão místic a de
santo Ago stinho . Simpl esmen te
foram introd uzido s quatr o fragm entos de poem as de
Hilda Hilst retirad os ele Contos
d' csctirnio , FIll.YO [iocm a e Sobre tua grand e face. Ta mb érn houve
p equ ena s a l te r a ç õ es
n as manip ula ções dos objeto s e na ~onte de luz.
Urna vez introd uzida a literat ura, tinha, agora, de enfren
tar o ve rd a d e i ro probl e -
ma : criar uma d ram atu rgi a c êriica . Isso signif icava cr
ia r o fio condu t or dlJ atençã o elos
es pe c ta d o re s do in ício a té o final da peça. A prem issa
em todo o pr o cesso s e gu ido até
a qui e r a si 111PI ese fu n d a m e n ta I: não 111 a t ar " a a r te d e
a to r. T r ,1 b a I h lJ r a d r a 111 a tu r g ia
JI

s ig n ifica va altera r e interv ir em uma série de eleme ntos sé r


io s e ar ri s ca d os.
A quarta versão foi prepa rada pélra ser apre s entad a na
Pina cot e ca d o Es ta d o d e
Sã o Paulo en1 1990/ ou seja, Kcíbili nt já tinha dois anos
de exist ên ci a . C ar los já e s tava
bem mais seguro e d o m i n and o comp letam ente SUélS açõe
s na p e ç<'l. !\g o ra, u m a a l ter a-
ção não acarre taria g r a n d e s riscos e seria benéfi ca, por
traz er um no v o fl ux o d e v ida e
um a nova fase de a pr im orame nto da técnic a de repres entaçã
o.
Com e çamos p or introd u zir um eleme nto que fos se um contra
ponto de eq u ilíb rio às açõ es
for tes e v ib ra n tes d e Carlos : o que chama mos de "o mendig
o ". De fato, sa n to Ag ostinh o d es -
cre ve a impor t ânci a que te v e para el e um encon tro com um
m endi g o n as ru a s d e Ca r tago.
Como o mendi g o é por e xcelên cia o bufão, que por sua ve
z é, n o teatro , q ue m a traves sa os
tempo s, p ensei q ue este p oderia fornec er uma boa liga ção
para a p eça . Carlos crio u, a par tir
cl e i m p ro vi s a çõcs co m obje tos, LI ma sé r ie d e a ções físic as c u
jas di feren tes q u a Iid ades foram
tra ba lhad as por n ós e se c o n s t i tu ír arn nas matriz es d e ste
IlOt'O aspect o do perSOIl17SCIIl. Em
d ecorrê ncia desse novo mater ia l. de q ual id ade n o v a, re
tir ei o somb rn, vo l t.mdo a te r él pcn as
o a to l' e m ce na man ipula ndo os o b je tos céni co s . I n trod
uzimo s, tamb ém , as l â m p ad as
hal ogen as dicr óicas com o font e de luz e manti vemos o fogo
nos lo cai s ind is pcnszive is .
A q ua r ta ve rsão, n o qu e tan ge a o trabal h o d e ato r, foi a cos
tura e ntre as n o v a s ações
c ha madas de melld ig o e as a n tigas d a hip e r-ten sã o, acres
c ida d e adcqu a c ôcs. visand o tra-
b al h nr as lignç6cs e n tre a s divers as a çõ es de diferen te s q
ua lidade s . A s I l () \ ' í.1S m a t r iz e s trou-
xc r a m açôes d e q ua lidad e v ib r at ór i a d is ti n tas d as " té c n tào
lTab éllh (l d <' 1 ~" () qU l' s ig n ifico u
um imp or tan te e n riquec i me n to do t r aba lh o . l\. p eçél co
rn cçav a a Ilfli.' CX il !" e n t re m at iz es ele
co rcs d i s ti n tas, i II te n s i d a. ti es v a r i a d a S, 01é m ti e, III a n te n d o
o <'1 S P e c to cl c:..; II (1 r te <.t d or - i l l l :
f 1r cssI7o di/::.iti71 do ! J('\"fl - , co n d u z ir os es p ec tad o r es
~'(H u m !JC'I·c lI r :..;n i l ll ";( ') l' j ( ) ;:1 cn l"l"c rsJ ()
ll1 í ~ l i l' <' l d e Sél ll l 0 /\ g ();-; l in h u,

A JJl [( s i CriI i Z uC/7 O daS nC6e5 . lis i ca5


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E n c o f1 t rí.l r é1 dra m at u re ia eL.1 l'C((1 s iFn ificzl V í.l (uI1c!u z ir d él tl' 11Gl ( ) d ():-, CS
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C r j a r éi U:.? S P i ra çã o li é"l o b r él Li e rna n e i ra q
LI e t i vess e 0 5 m o III C II t() S l ' A f,J,I 11'-., i ' "():-; d c g
ra n d e
d or c os i u t i m is tns . m a is tr a n q üilos . U m f,l tor d e "el c \,,)ll tc
im p o r t.m r i a . IH' C;C;l' co n tc xt o.
f oi (J t rn b nl lio dir'igic !o por D(' n i ~.;(' C" rc icl d e IIllIsin7
!i :lI<,"tlO ( L,IS tl <; (-)l'S lí '~i (",l :'; li(' C(H I ().<.~ .
Se p C 11 S a r: n o s n 'I S c <-"I ti ê ii C i a d (l S (1(; Õ cs f í s i C ,i S cu rn (J LI m (l ( ( I III J! (J:'; i'-" I i I ), u t r ,1 b (l Ih o LI c
DL' fl is c f o i o de in tr o d u zir , !l U fl m b ito d e IlOSS J S b USC êlS I <.1 ((1111/)( J"<! J I/ U UllISic i7 lidod l'
Lue- OTÁVIO BUI<NIEI<

das a ç6 es [is i c{{ ~, 'l r ~1 b a l h a 111 os a s pau S as, co III PL1 SSOS, c o II t rap o J I t() S , r it III (1, t e III pu, e n -
fim, o desenho no tcuun: das ações. A partitura que fixava a corporeidade e a fisicid ade
das ações, a qualidade das energias envolvidas e a espacialidade física passaranl a fixar,
também no cs pd\'(), () tem po, ou o tiituunori t 1110. Era como se as ações de CZl rios não fos-
sem m ais somente físicas, mas também cantadas.
Esse traba l ho trouxe urna série de novos elementos para a técnica de Carlos. Na
med id a em que Deu isc lhe ped ia, por exemplo, um pausa em li m deterrni nado morncn to
da ação fís ica e, depois, que ele recomeçasse a açã~ eI11 ressonância, para execu ta r essa
tarefa Carlos ti nh a de criar alguns novos elementos dentro de suas ações. Uma pausa
quebraria seu fluxo de energia naquele momento , Para não quebrar, ele tinha de manter
o fluxo retend o u co r p o, o que o levava a criar uma tensão contrária à do impulso, man-
tendo o fluxo d e ellergia corno se em urna "oitava acima" do original da ação . Essa "oi-
tava acima " era ~l l g u "inaudível", não visível pelos-espectadores, que só viam o tom nor-
mal . A ima gem mctaf ór ica que uso aqui é realmente mu ito compl ícad a, porém é muito
real para o ato l'. T e n temos esclarecê-la: a única coisa que corno espectadores consegui-
mos ver é o que é feito pelo corpo, As energias potenciais, quando d inam izadas, tran s-
formam-s e e m uibrnçiies, que se corporificoin a uma certa alt urn dessas vibrações, o que
es tou chamando d e tom nor m al, Ter as vibrações uma oi ta va acima significa m an ter as
energias potenciais d i nam iz ad as, vibrantes, mas numa altura na qual elas não se tor-
nam visíveis. Sua corporif icação ocorre num nível muito sutil e, portanto, não visível "a
olho nu " . A al te ra çâo do t om das vibrações pode também significar Ul11a espécie de plll-
uerizaçiio, de aIII p I ific açiio, ou a i n da d e di! a i açiio da p rópr i a vibração, o que, eviden te-
mente, a ltera a a ção fís ica se m m u d ar s u a e ssên cia .
A noção de m usical id ade introd uziu, também. a da orqlle~tração da peça corno um
todo. Kelbil íin passou a funcionar segundo o esquen1a tradicional da música A-B-A'. Isto é,
UD1a parte identificada corno A (que vai do início da peça até o final da "sedllçfio"), outra di-
ferente como B (d as "eh ibn t adns" até () início do "dcsniutamcn to") e, por fi m, a finalização
reidentificável corno A, mas alterada, portanto A' (do "desnudamento" até o final). Do ponto
de vista da direção e da drarnaturgia cênica. foram trabalhados também diversos outros ele-
mentos de musicalizaç ão das cenas, contrapontos, ressonâncias e tantos outros dinantoritmos
agora vistos d e maneira abrangente, do todo da peça e não somente das ações físicas .

o atar, maestro do teatro


Urna ve z determinad a a m usicnliturdc das ações físicas e do todo da peça, s u a partitu-
ra fixada compu nha -se d e um conjunto complexo d e elementos: a seq uê n cia das ações físi-
cas e vocais, su a mu si calidad e, a condução das diferentes qualidades de energia por m eio
das corporeidad es, as ligações in te r a çã o e interseqüências (o que hoje chamo de ligalllL'}/ s), o
coro mu si ca l, a ilu min a çã o, a d rarnaturgi a c énica, o te xto, o es paço e, por fim, o público .
A s e q li ê n c i ,1 d a s a çõ e s fís ica s e vo ca is si g n i f ica v a a té cn ica d e a to r no que e I a t l~ m
de mais básic o e es p e cí fico . A musi calidade das ações físicas, co rn o Vi1110S, é parte inte-
grante da arte d e a to l', mas em um nível mais aprirno rado e avançado da execução da s
açõ e s . A co rid u ç âo d a s diferentes qualidades de energia por m eio das corporeidades s ig-

240
A ARTE DE ATaR: DA TÉCNICA A REPRE5EN TA ÇAo

nifica, além do domínio dessas energias, a sua projeção para o espaço exterior, para os
espectadores. Estando fixadas as corporeidades, que são a ligação entre as distintas qua-
lidades vibratórias e o corpo, por meio delas Carlos tinha o controle dessas diferentes
vibrações. Os ligamens entre as ações físicas e entre as sequências também estavam fixa-
dos, o que permitia ao atar ter o domínio da fine of plntsica! actlons, de g'rande importân-
cia, segundo Stanislavski. O coro e a iluminação entravam em cena quando determina-
do pelo atar. Era uma ação do atar que desencadeava o coro ou um certo efeito de luz. O
momento em que o coro ou a luz entravam, seguindo dinâmicas predeterminadas, era
também fixado e conectado às ações do atar. Alguns efeitos de iluminação, por exemplo,
entravam paulatinamente, seguindo o tempo da ação de Carlos. Logo ele também con-
trolava essa dinâmica. A dramaturgia cênica significava a condução do todo, do con-
junto, da maneira como todos aqueles detalhes, desde os mais insignificantes aos maio-
res, articulavam-se numa orquestração conjunta e global. Maftre de clicz sai, como dizia
Decroux, o atar podia então se abandonar não só às próprias sensações, mas à percep-
ção do público, suas energias, sua presença, que traziam informaçõ es ca p a z es de alterar
não a obra, mas pequenos detalhes de um como fazer, de urna maneira de conduzir uma
determinada açâo, uma determinada energia, adequando, assim, mesm o que muito su-
tilmente, o encontro - ali seria a comunhão? - com seus "co nvidad os especiais" , os
espectadores.
Todo esse t~abalho significou um importante am ad urecimento na t écnica de atar.
Carlos, quando e n t ra v a em cena, tinha e m suas mão s n ã o as r éde a s d e UIl1 só cav a lo, as
açõ es físicas e vocais, mas de vários que se inter-relacionavam. di la té""l nd o ,1 d ime nsão d o
, f azer próprio à arte d e atar. Ele não era mais um m ero e xecutor de U 111 ditado, m as o mest re
d e s ua próp ria ar te . Era e le q uenl reg ia a o r q u es tra d este co nju nt o cI ~ e l e m e n tos q ue é o
teatro. Ele, o atar, er~ o maestro da própria arte. O teatro v o l tava a se r, e m s u a mais
pura essência, a arte de ator..O diretor, o pintor, o arquiteto, o m úsico c tod os o s o u tros
coIabo,radores voltaram a ficar sentados nUl11 banquinho no can to , d e lei ta rid o-se não CO Ol
sua própria arte, mas com a de um artista pl eno e di gno d este n om e : o a tor.

Para finali z ar, talv ez o ruai s in s ti g ante e o usa do tex to ele Dc cr o u x . Q u a n d o repen-
so me u tra ba lho co rn Carlos, dou-m e co nta, s urpres o, d e qu e seg Ll i, rnesrn o s e m te r co ns -
c iê nc ia, Zt risca e s te p rog n6s t ico d e D cc ro ux P'Hé.l a c u ra d a a rtc clt: .u o r. U rna a rt « qu e,
se g u n d o e I e, e n c o n t r a -s e d o e n te co ru o U 111 I e p r o s o, e cle v e s e r S LI S te 11l d d (1 Pe I a so u tr as
I

a r tes, corno se fossem m u le ta s, p a ra c o n tin u a r ex is ti ndo . D iz D c c rou x qu e a s mã o s qu e


e s t a s " a r t e s estrangeiras " e s te n de r a m p ara o ato r , co m o q ue par a a ju d a- lo , ac a b a r a m
.. p o r S li f o c <1- ] o . P a r a "c LI ra r" a a r te d e a t o r d e S ses III a I c S , D f' C ro LI x p r l' :-;C r t' v l~ o se g II i n te
rern édio:

Nél~; co mp a n h ias, é d e um b o m esc ritor qu e se CS !Wl' t! a fo rt u n a e ele um r u i t n , '.1 l'L1Íll<1 . C>


rn a l c s l Li t ii () c ri r <1 i Z ,1d o , q li C o P r c\ P r i() v <.. ) c {I b LI I<Í r i o rc I,' c I,I : cl(l rn (l S () no me l k t r f)I.' {>1 " ti (l te x I I )
im p re ss o . Eis o re mé d io:

241
l.urs OTÁ V() BUI{NIEJ<

11~
Por um período de trinta anos, proscrição de toda arte estrangeira. Substituiremos o
cenário da peça pelo do teatro, tendo em vista somente o relevo de todas as ações
. .i , .
lmagtnaVels.
21~ Durante os dez primeiros anos deste período de trinta anos: proscrição de todo exagero

sobre o palco, tais como tablados, escada, terraço, balcão etc. O ator deverá sugerir que está
no alto e seu parceiro em baixo, mesmo se ambos estão lado a lado. Em seguida, autorização
destes exageros com a condição de criar, para o ator, dificuldades ainda maiores.
3q Durante os vinte primeiros anos deste período de trinta anos: proscrição de toda
sonorid ade vocal. Em seguida, admissão de gritos inarticulados por cinco anos . Enfim,
a palavra é admitida durante os últimos cinco anos deste período de trinta anos, mas
encontrada pelo atar.
. 4\1 Depois deste período de guerra: estabilização. As peças se comporão na ordem seguinte:
A. Acerto aproximativo da ação escrita, tida como base de trabalho.
B. O atar mima a ação, depois a acompanha de sons inarticulados, depois improvisa seu
texto.
C. Introdução do escritor [littératcur) para traduzir o texto em língua de escolha e sem
acrescentar lima só palavra.
D. Volta d as a rtes es tra n ge iras, mas praticadas pelos atares. E quando o atar for mestre em
su a p róp ria casa, e le v irá a em p reg ar dançarinos, cantoras e músicos para tr abalhos
indispensávei s e definidos. É então que veremos sobre o cartaz: texto acertado pelo Sr.
Fulano .
Mas é m esmo es te o rem édio?
[...] Trata -se de co r ta r a mão direita do teatro (1931) (Etienne Decroux, 1963, pp. 42-4 3).

Escrito em 1931, mais tarde, em 1962, Decroux acrescentou a seguinte nota: Este artigo,
nascido há trinta anos, foi sobre a arte' o meu primeiro escrito. E publicado! [...] Seus
leitores, joven s do tca tro, discu riam na rua à noi te. É para eles que este artigo f.ala: sentados,
em pé , a n d a nd o . Devo tê -lo escrito me maquiando. Deixemos suas formas arriscadas,
inu tilm ente a I i ris , sobre o flanco da questão . Quando meu passado se debruça sobre mim,
n ão tenho vo n ta d e d e am enizá-lo . Ainda continuá pensando o principal, ou se ja : qu e
dev em os cn sa ia r ti peçtl antes de escrevê-la; que o teatro é a arte d e atar, o qu e prova qu e
enq u a n to art e do belo, o teatro não existe (Decroux, 1963, p . 43) .

242
A AlnE DE ATOR : DA TÉC~ICA ;\ REr'! ,[SE 0.'T..\ Ç /\O

Keíbilim, o. cão da diuin dadc


Criação: Carlos Simioni (ator), Denise Garcia
(música) e Luís Otávio Burnier (diretor)
(1988-em apresentação)

F(1 t (1 : T c rc 5 a I) a n t <l S

243
Luís OTÁ VIO BUI<NIEI<

Fotos: Teresa Dantas

244
A ARTE DE ATOR: 0 ..\ TÉCNICA À REPRE 5ENTAÇ A O
Luís OTAvIO 13UI<NIER

Foto: Teresa Dantas

246
Conclusão
PROSPECTIVAS

A história do teatro não é somente o "rese rv a tório do a n tig o" :


é, antes e sobre tu do, o " res e rva tó rio do no vo".
EU GENIO B ARFJÁ

Não somen te él téc n ica não e xc lu i a se n sib ilid ad e:


e la a a u to riz a e a libera.
JACQUES COPEAU

Não ex is te m m ei os ele caminh ar a d ia n te sem fi nca r p é e m n oss as raízes, em nossas


o r ige n s . A o mesmo temp o. o passado só funciona se usado p ar 2l o cres cime n to e desen-
v ol v irn cn to , co rno reserva tório do novo, co rno d is s e Ba rba .
Ma s, e n fim, o qu e é a arte do te a tro? Essa qu es tã o, ele tã o a n tl g J e b atid a, p a Tece
ter fi ca do e s té r i 1. Respo nd ê-l a n os dá a imp r ess ão d e nã o ma is le va r tI lllg zlI' 11 cnhu111 . No
e nta n to, e la p e r s is te na m en te d e q ue111 faz te atro . Surd a/ q ui e ta, ca la d a, e la e co a às v e -
zes n o s u b te rrâ neo/ n o inter io r/ corno se pudesse e nco n trar um sc n t id o p t:H é1 o fa ze r tea-
tral de cada urn de nós, a r tis tas d o palco . O n osso probl ema é evident e: co rno es pa ço d e
o n de s e v ê, o teatro abra ça d iv ers as a r te s/ torn a-s e urn p onto d e e n co n t ro e n t re e las. u rn
botequim das a r te s, lá o n d e e la s se ernbr ia gam, br ig am, tro ca rn arni z a d cs . fir ma m a cor-
dos de honra (para ser d e s onrad os DléÜS ta rde), enfim. U D1 botequim de b ei r a de es tr a d a.
on d e, nos fu ndos, doi s faz em am o r e/ n a frente / d oi s o u t ro s tr o cam t i ro s . . .
No e nco n tro d a Inte rn ario rial Sch o ol o f Th c at e r An th ro p o lo g y c m Lo rid rin a PR, do
qua l não p ude par ticipar/ E uge n io Barb a definiu o teat ro co rno él art e cio es pe c tado r.. Pa-
re ce u -rn e ins tig mlte . Pr irn e ir arn e n te . p o rque e le r e v e la q ue a qu estã o d e s e r ed e fini r o te -
a tro co n ti nua pres e n te . PZl rece qu e/ com o cam i n h a r d él h is tó ri a, co rn a e v ol ução d a so -
c ic d ad o e o av an ço 'd a tccno lo g ia . c o n t i n ua ru e nt c as a r tes c o s m c·j () ~ (k co rn u ni cacâo

24 7
Luís OTÁVIO BURNIER

são questionados c d evem se redefinir. A cultura não é algo estático, mas em constante
evolução, que-, sem pre está revendo suas fronteiras, donde a necessidade de se rever o
sentido das coisas por meio de definições.
Permito-me. no entanto, discordar de Eugenio Barba. Se o teatro fosse a arte do es-
pectador, então a pintura ou a escultura, seriam a arte do observador, a música a do
ouvinte, a literatu ra a do leitor, e assim por diante. Mas não são os observadores que fazem
e modelam a arte. Seria injusto dizer para um escultor que perdeu dias, semanas, meses
de sua vida esculpindo e moldando uma obra que não é ele o artista, mas o público que
haverá de apreciar essa obra! Se levarmos em conta que o próprio Barba diz ser o diretor
o primeiro espectador do teatro (cf. Barba, 1991, p. 201), então definir o teatro como a
arte do espectador é o mesmo que dizer que o teatro é a arte do diretor. E aqui chegamos
num ponto crucial que persiste em nossos dias: quem é o artista do palco, o diretor ou o
atar? Esta g ue r ra} hoje, parece-me mais pelo poder do que pela arte. Na estrutura do
teatro contempor âneo. os atares dependem, infelizmente, dos diretores para terem em-
prego, e, portanto, é ele quem manda . Mas me parece que nós temos aqui um típico caso
de assalto. O d ir eto r tornou de assalto o teatro, e ponto final. Parece ter vindo para ficar.
Em minha opinião, isso ocorreu porque os atores assim o permitiram. Eles não ~e mu-
nirarn de arm as qu e lh es permitissem defender sua arte. Não armas "políticas", mas de arte:
a técnica . Não esta técnica que corresponde a um fazer mecânico qualquer, lTIaS uma técni-
ca de arte} que en volva o ser e o fazer, que acorde e drene as energias potenciais do artista e
ecoe no espectador. Um atar sem técnica é um guerreiro sem armas, num campo propício
para que qualquer usurpador do trono tome posse dele. Quanto mais forte, mais bem
estruturada, m a is verdadeira e profunda for sua técnica, mais fortes serão suas armas.
~ curioso que nas formas co d ificad as de representação do Oriente, nô, kab uoui,
kyogen, bunraku, ó pera de Pequim, danças balinesas ou tailandesas, kathukal], oaratlia natia,
odissi, e at é mesmo na mímica corporal de Decroux, não se ouve falar do diretor com a
mesma força qu e se ouve no Ocidente. Lá, por mais que o diretor seja 'necessário, a arte
do te atro é a a r te d e a to r.
P a r a vai ta r ZtS ln i nhas raízes, transcreverei algumas passagens de um texto de
Decroux, no qual e le tenta urna definição do teatro:

O conjunto d e elementos que entram em geral na composição do teatro deve conter os


materiai s d e um a definição ... Ora, o que vemos? Bravas artes que dotadas, cada uma, do
pod er d e ca p tar o Universo em seus ateliers, não deveriam desejar nem crescimento, nem
s u cu rs a l. Porta n to, num lugar chamado teatro, vemos pintor, escultor, arquiteto, músico,
can tora, da nça rina e atar reunidos para encontrar um meio de fazer algo de grandioso.
[...] toda art e regozija-se do privilégio de exprimir o mundo à sua maneira sem recorrer a
uma ar te estra ngeira. [...] Ond e vem os a arte de ator como vemos a pintura: em estado puro?
[oo.] É do a lto d esta colaboração particular que poderemos contemplar a colaboração geral
do a tor co m to da ar te estrangeira e nos perguntar se estes protetores não lhe estenderam
as m ão s para s u focá- lo.

248
A ARTE DE ATOR: DA TÉCNICA ;\ REPRESENTAÇi\O

[ ... ] O ator, sendo o único privado de domicílio pessoal, o teatro deve lhe pertencer.
De todos os concessionários do palco, um só nunca faltou: o atar.
A música, a dança e o canto só vêm no domingo; o arquiteto se mantém, mas na cartolina,
e a pintura que se esparrama sobre a tela de juta com a embriaguez de um em briagado, não
foi sempre muito regular: Shakespeare preferiu as placas indicadoras, alguns cliretores
substituíram-na pela arquitetura, e o Nô japonês realiza não só todos os atas em um só
cenário, como todas as peças, de maneira que lá. o arqu iteto e o rapin, conhecendo as
amarguras do desemprego, foram reduzidos a trabalharem seus rn étiers.
Sobra a literatura . Esposa legítima, dizem.
Na verdade, a concubina a mais pegajosa. Este dragão de virtude, esta hon esta d iaba, tev e
contudo sua escapada: por volta do século XVI, nos tempos da Comrned ia deli' Arte, época
em que contente e solteiro o ator fazia sua própria sopa: bons tempos aqu eles.
Ai de mim, a literatura voltou "de passagem", dizia ela, para costurar um botãocle cueca:
aproveitou para verificar a vestimenta toda: oito dias mais tarde, suas raízes v ib ra v a m nos
interiores, [...)
Aqueles que definem o teatro como "uma síntese de todas as artes" te rã o assim su a
resposta. [... ) Compreendendo maio termo "definição", eles crêem proibido tudo o que a
dissipa. Erro a dissipar com um exemplo: definir o homem como um animal raci onal não
o impede dese vestir; mas definir o homem'como um animal ;acion,lI e 'v es tid o lhe cortará
toda esperança de tomar um banho .
Ora, se o cenário, e n t re outros acidentes, não é mais essencial ao teatro qu e a roupa a o
homem, isto não impede ao ator de se produzir em um cenári o, n ã o ma is do qu e a um
homem de colocar um falso colarinho. O recíproco não ex is te : se o teatro fos s e definid o
com o u m a sín tese d e to d as as ar te s, o u mesm o d e du as , toda busca d r a m a t ica v is a n d o
sugerir um cenário, palavra, música, etc., seria caçada do palco.
O t e a tro é a arte d e at er (Decrou x, 1963, pp. 37 - 42) .

o reservatório do novo: prospectivas


Eti e n n e Dc cr o u x foi nV2U m e stre. N ão po r que e u o d ig a, ou p o rq uc te n ha s ido s e u
a lu n o, TIl as p or q II e e1e pla n tou e TIL DI i rn U 111a s e 111 e n te q ue a i n d a ho j e g e r rn i n a, cr es ce e
dá I ru to s . Co rn e le apre nd i d u as CO i S él S fu n dame n ta is: urna pri m e i ra foi q ue, p ara que
e x is ta a r te, é ne ce s sár ia a té cni ca; e Ll rn a se g u n d CI, CJ u e a t écn ica cl c n a d a se rve se nã o
tr abalh a r C0 111 e ne rg ias e v ib rações ma isprof und a s el o in d iv íd u o q ue cl t r(1 \'css'..:? 111 as eIl1O-
ç ôe s . O c u r i o s o é que D ecrou x p ouco f 2 ! O U d e s t e s e g u n d o e le m c n t o . Q Uti ll C!O fa la va, di-

zia a p are nte me n te o contrár io : que a a rt e não exis tia p Zlr él m os tr ar () in divi d uo, m a s o
b el o. M a S q ue ln o co n 11 e ce li S a b e q u ee1e fo i U TIL se r cle LI rn v i g o r i rn P LI Is i vo c a p a i x o n a d o
ass us ta do r. Ele n ã o pre cisava cI in arnizar s ua s c ne rg ias p o te nc ia is . EJt.: jcí as tinh a Cl11 p le -
n o v ig o r e e x e r cí cio . A té cnica fo i a D1a n e ira de e1e ca na l iz ar. cI is cip 1i 11 a r. adestrar e s te
fo g o v o luru o s o qu e tinh a em s i. For is s o da fu n ci o n a v a Ul0 b e m co m e le ; c co nos co, se u s
a lu 11 o s/ tão rn e d i (I n a rn e n te . N íl o q LI e e u es te j a de S m e r e ce n d o o S a l 1.1 11o S C cl is cf P u lo s d e
Decro ux . Dias h av em o s d e r eco nh ecer qu e, ao la clo de le, so m o s p OLI C(). Ele ti n h <:1 a vi d a
q ue a lim e n t ou es t a t écn ica . nós ternos é-I .té c n ica e b u s c a m o s co m e la a l i m e n ta r nossa v id a .

249
Luís OTÁVIO BUI<NIEJ<

Com Decroux compreendi que é possível edificar uma técnica para a arte de atar.
Algo que tenha urn a estrutura gramatical que vá desde os exercícios ginásticas até os
expressivos. Aprendi, também, que a técnica só tem razão de ser se acordar algo em nós,
se nos religar às nossas origens, se servir de ponte entre o conhecido e o desconhecido,
tornando perceptível o imperceptível, visível o invisível. Uma ponte que atravessa os li-
mites do sabido. O primeiro ponto eu aprendi porque ele me ensinou; o segundo, porque
ele me mostrou. Quando regressei ao Brasil, oito anos mais tarde, ecoava em meu ser a
questão: corno lograr urna arte que tenha este grau de aprimoramento técnico e, ao mes-
mo tempo, emane tanta "luz", seja tão vibrante quanto era Decroux quando fazia sua
mímica?
Comecei por trabalhar com atares brasileiros e estudar nossa cultura na tentativa
de compreender o que havia nela que nos distinguia dos europeus, que emanava tanta
vitalidade .
Com o ca rn i nh ar das pesquisas, comecei a perceber que, de fato, a ação física é
a célula da arte de ator, rnas não necessariamente como Stanislavski a trabalhava.
Stanislavski bu s ca v a uma ação realista. As ações físicas se mostraram irnp ort antes
no contexto da dança pessoal, ou seja, o da corporificação de energias potenciais do
atar. Minha busca era encontrar caminhos que lograssem dinamizar tais energias, algo
que colocasse o atar diante de si mesmo, de sua própria existência, e, ao fazê-lo, que
isto se transfonnasse imed iatamente, simultaneamente, em corpo, movimento, ações
físic-as.
Começava a se delinear u m novo caminho, inusitado, o da d ança p essoal. Algo p es-
soal, profundo, que traspassava diversos limites e se transformava em corpo como uma
dança. Uma dança de 'p ossessão, não a possessão de um espírito, ou de uma "entidade",
mas de si mesmo, das próprias energias. Não energias superficiais e supérfluas, mas algo
de significati vo, cuja vibração é como um prolongamento de si, de nossa vida. Em minha
tese de mestrado, .es c rita numa época em que eu ainda não conhecia direito os cultos re-
ligiosos oriundos do vodu, mais notadamente o candomblé, discorrendo sobre o treina-
mento energético, escre vi: "Segundo minha própria experiência, quando o atar atinge o
estado de esgotamento ele, digamos, 'limpou' seu corpo de uma série de energias 'parasi-
tas', e se vê no ponto de encontrar um novo fluxo energético mais 'fresco' e mais 'orgâni-
( -
co' que o precedente" . Neste ponto acrescentei a seguinte nota de rodapé:

Isto m e fa z lembrar de certos rituais religiosos brasileiros e africanos nos quais o "mé-
dium " d a nça a o ritmo de urna música cadenciada até "entrar em transe" e receber uma
en tid ade, ou u m espírito do além. No nosso caso, o atar não recebe uma entidade, mas suas
próprias e ne rg ias ganham curso livre . É como se ele entrasse numa espécie de transe com
s uas p róp rias e nergias (Burni er, 1985, p. 46).

Mais tard e, no cantata com o candomblé, percebi que a dança pessoal continha ele -
mentos precio sos que talvez me permitissem estabelecer a ponte entre os orixds e a busca

250
A ARTE DE ATOR: DA TÉCNIC A À REP RESENT A Ç Ã O

de uma técnica para o ator. Não me interessei, no entanto, pela corporeidade ou pela
fisicidade das ações físicas encontradas no culto dos orixtis. Penso que essas ações só têm
sentido e razão de ser no contexto muito específico da religião. Interessei-me, ao contrá-
rio, pelo processo: como se operacionalizava a "dinamização das energias potenciais dos
filhos e filhas de santo"? Comecei a entender que os orixtis não são espíri tos, mas energi-
as de distintas qualidades, sistematizadas segundo os moldes da religiã o . Não podemos
esquecer que um orixâ é muito distinto de um caboclo ou de urn preto 7.le!JIO, que, segundo
as religiões espíritas, são espíritos. Assim sendo, suspeito que o ato d e possessão encon-
trado no candombl é não seja "um espí ri to que bai xa em n ós " . m as o d csc n ca d e a ru e n t o
de energias interiores e profundas. Resta ainda comprovar isto.
Comecei a pe rc eber que as ações físicas eram feitas de corporciiuuics e de [isicidades;
qu e a corporeidade é a primeira etapa no processo de corporificação d as e ne r g ia s poten-
ciai s do ato r. A transformação dessas energias e m rruiscu los. as var ia d ns ten sões muscu -
lares. E a [islcidtuie é a etapa seguinte, da transformação desta corporeidade e m movirnen-
tO é o momento de sua intervenção no espaço e no tempo.
I

A distin ção con iore idade-fisicidade foi fundamental em meu tr ab a lh o. P o r um lado,


porque comecei a entender que o que de fato estávamos rnernor iz and o n a dança pessoal
não e ra a fisicid ad e, lTIaS a corporeid ad e das ações fís icas. e qu e a corpore ida d e p00 ~ S ~,l:
tão p recisa quanto a fisicidade . Procurei sempre, d u rantc ess es a nos. na vc g'ar no m eio
do rio , evita n do a tra car noss o b arco num a das lTI a r gens. Te n te i ev i ta r o r isc o d e escleros a r
a a r te p a rti nd o p a r a urn a rnern or iz aç ão e codifica çã o e xtrernarnen te p re ci s a da fisici dad e
d as aç ões, o qu e p o d e ri a transformar a té cn ica ern al go pur am en te m ec âni co . E, por o u tro
lad o, o ri sc o do cao s, ou se ja, o da " e xpr essão" p r o fu n d a, p o r ém n ã o ca na li z a d a, nã o
orga niza da, n ã o art ic ulada .
A co rporeid a de es tá m a is pró xim a d aquilo qu e Groto w s k i cham a de [i uxo de v ida.
Ela é, por tan to. den tro d as aç õ es fís ica s, o el emento q u e op e r a a lig a çã o e n tre este fl uxo
de uida, as e ne rg ia s interi o r es e p o te ncia is d o ato l' e a t écni ca, o fís ico. Ass im co mo, p ara
o peracio na lizar a construção de UI11a seq uênc ia d e a çõ es físicas , os ligf7I1ICl1S s ão .fu n d a -
me n ta is , na ligação e n tr e e ne rg ias i n te r iores e o físi co e m e câ nico, as corporeidades é q u e
são fun d a rne n ta is.
Meu proj eto inicial e r a es tu da r a a r te d e a to l' e a c u lt ura b ra si le ira . Os aspec to s da
cu l tu ra brasil eira n ã o fo r a m n egl igenci ados, mas tiv e d e m ergulh ar a n tes n a a rte de atar
pa ra III e 1h o r c II te n d ê-la, P a r a lo g r a r ca m i II 11 o s c o n c r c to s , o p e r a t i v o s, q LI C III e p c r m iti s-

se m " a co rd ar e d omar o le ão". Duran te esse temp o. e s tu d e i mu it o n oss a cu ltu r a . Fora m


dive r sas v iage n s pe l o s er tão, d i v e rs a s v iag en s ern b u s ca d e p resen c ia r ma n ife s taçõ es
cu ltu ra is e espe t acu la r es d e distin to s cantos do Bra si l.
C o nc c n t ro-rn c . hoje, e m qu es tõ es com o: as aç ôc s físi ca s e se us co m po ne n te s v iv o s e
mecâ n ico s; a d an ça p es s oa l c a el as vibr ações; a ca poe ira e os ori.. . . ds (a os q ua is d esd e 1987
ve n h o d e clicarid o m i n h a a te n ção ); a q ues tã o da co r p o re id a de elo b r a s ilei ro de di stinta s
regi õ cs do Bras il. Estes s ã o, e m pouca s p a la v ras . os cé:1 m p os novos de m i nh a b us ca . Te-
nh o me pe rg llnté:1do como oc as io n ar U Tn en co n tro e n t re a d a n ça pe s soa l, o clouni e a
m írncsi s corpóre a . Q ua n do d igo " t e n h o m e pe rg u ntado " , q uero d iz er " te n h o fe ito" , b u s-

2~), ".
Luis OT/\VIO BUI<NIEI<

cado isto na prática . No Lume estamos realizando novos experimentos nesse sentido,
todos muito instigantes e estimulantes. Eles são importantes para o contexto de nossos
estudos da cultu ra brasileira.
Como estudar respeitando; como penetrar uma cultura sem feri-la; como evitar o
sacrilégio? Estas são questões muito importantes que justificam minha prudência, meus
cuidados. Eu não quero "roubar", mas beber desta fonte preciosa. Eu não posso ser agente
da morte, quando estou em busca da vida ...

Para terminar, gostaria de deixar aqui um dito de Stanislavski e a dedicatória que


Decroux escreveu para mim em seu livro Paroles sur le mime:

Muitas pessoas conhecem o sistema, mas muito poucas são capazes de aplicá-lo. Eu,
Stanislavski, conheço o sistema, mas ainda não sou capaz, ou mais precisamente, só estou
começando a ser capaz de aplicá-lo. Para dominar o que foi trabalhado em nosso sistema,
eu teria de nascer uma segunda vez e depois de ter vivido dezesseis anos, começar minha
carreira de ator novamente.
Konstantin Sergeyevich Stonistauski

252
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'-
ANEXO

Ações codificadas do atar Carlos Simioni

a) Hiper-tensão:
- respira çã o profu n d a na hiperten-
- nív el b ai xo;
são;
- equilíbrio e desequilíbrio;
- respira ção CO ll1 pa s s ad a (cu rta);
- continuidade até o fim do rn o-
- h i p ert ensã o pél réld o;
v irn e n to :
- hip ertens ã o co nd u z i d a - in te rve n -
- opos ições:
ção v o l LI nt á r i a;
- norma l;
- hip ertensão d in é.l m iGl d a s a çôes s em
- até r as g ar m úsculos; i nt e r v erição:
- está tua s em o p o s içã o ; - h i p e rt cn s âo p ê! rCl o ~H - - d istrib ui-
- inter iori zada ; câo d e cne rg ia:
- n o rosto; h i p erten sà o p cH tl o so lo:
- ro sto e cor p o a o m e sm o te IlTpO; - h i p c r teri s âo co m I ti II çé.1 1l1e n to ;
- es tá tu a s e rn d es equ i] íbri o: - di str ibui çã o do p ~ s n do co r po n a hi -
- co m u ma p er n a leva n ta da ; pertensã o ;

- co rn de se CJ li i 1íb r i o; -- v o 7.. d C' h i P C' r tl' 11 S :1Cl .

- h iper tensão ca ixa de fó s foro ;


b) Te n s áo co n tin u a:
- h i P e r te n .sã o co 111 Po n t a do s p é s ;
- hi p e r te n s ã o nas mãos;

267
Lufs OTÁVIO BURNIE R

- mi c ro; - com eco;


- dosad a; - sinuosa contínua;
- flu id a: - impulso contido na hipertensão; "-
- contida; - psoas;
- expansiva; chibatadas:
- vento (voando): - pequenas:
- ar (relação CODl divino); - contínuas;
- tensão contínua - início no cóccix; - uma de cada vez;
- tensão contínua - corpo dilatado; - grandes:
. - tensão con tí n u a - olhos fechados; - contínuas;
- tensão contínua - olhos abertos . - uma de cada vez;
- êxtase em extensão;
c) Sacadées (Proust) : - êxtase contido .

- normal;
e) Máscaras:
- grande;
- lento-rápido; - fixa;
- entrecortad o livre; - hipertensão com movimento;
- parado; - fixa parada;
- locomovendo; - passando de urna para outra;
- sacadées: - leve e fluida;
- braço; - máscaras em ação:
- co lu na ; ~ Bali;
- rosto; - inocência (para cima e para baixo);
- "com rosto e s em rosto; .- tragédia;
- com rosto d e hipertensão. - comédia;
- tristeza;
d) Impulsos : - águi a;

- fogo : - Francesco;

- p ara bai xo ; - Tuca;

- p a.ra cim a (com eco); - santa Mônica :

- cobra: - choro;

- para baixo; - dores do simi;

- pa ra ci m a; - Carlota;

268
A A RT E DE A TOR: D A T ÉCI\! [C A A R Ef ' R E5 F ~ T t\ Ç}\ (J

- m ás cara s do niend ig o : - Fra n cesco;


- Tio Chico; - inocên cia;
- Bali; - ba s tõ es ;
- olho v ira d o; - rel a çâo com divin o;
- sorris o Iben; - e s tá t u a águia ;
- batisrn o: - co b ra ;
- Ti ti ta tá; - chicot e;
- tricô; - êxtase ;
- rasgan do camisa . - sexo no es t órnag o:
- hipert ensão e toda s ZlS variaç ões;
f) Es tá tuas:
- tensão con tí nu a c todas as varia-
- figura s fixas: ções;

- árvore Vale Formo so; - tear;

- estátu a das escrita s; - grito mudo ;

- muro de Berlim ; - rasga ndo pei to ;

- boca de leão; - orgasm o.

- águiél ;
h) Matri zes mend igo:
- dila tadas;
- passan d o d e urn a p ara o u tr a ; - limp ar o lh o s;
- rasgad a; - Bali;
- do p o n to ze ro à es tá tua fin a l. - coçan d o a pe r na ;
- in d icado r;
g ) Kelbi lim (m a trizes ): - rasg a fo l h a ;

- choro; - p isca da tio Ch ico :

- tr ês co r tes; - c rê b rincan d o ;

- ch iba ta d a s: - fle ch a d a s - Ki I;

- seduç ão : - g a rg Zt r;

- s a n ta M ón ica : - bate nd o n o s d c n tvs :


- titit a t á:
- PROU ST;
- lob o d o r rn i nd o:
- d Uél S v o z es;
- pé n o ch ão; risada s:
-- m ão p i nS il nLio ;
- tri s te z. a :
- T uca:
- [onq u im :
- Ca rl o tn:
- d esn ud.uu cnto:
'ii .

Luis OTÁVIO BURNIER

- agachando e tocando o corpo; - topo da nuca;


- milho para galinha; - sussurro;
- rasgando é.1 camisa; - normal;
- tricô; - projetado;
- amaciando; - acústico;
- pequeno dinossauro; - adolescente;
- embalando neném: - tambor desafinado;
- mãos de inseto; - aguda soprano;
- batucada; - garganta sem projeção;
- mão de elefante; - faminto;
- rir de boca fechada; - peito;
- laçador; - entrecortada rápida;
- lobo roncando; - normal:
- lobo se lavando; - com ressonância;
- voar dos n10rcegos; - na cabeça;
I
- moscas z algodão; - no peito;
- rabiscando; - na garganta;
- apaga vel inhas; - projetada;
- pegando: -- baixa;
- batendo; - com eco;
- garfo; - Lulú;
- bambu raspando no chão; - gargalhada;
- o parafuso e a concha; - choro;
- carregando argila na cabeça; -lobo;
- escondendo rosto na camisa: - lobo com respiração contrária;
- arrastando a latinha; - querquer:
- espregu içando na base. - lento;
- rápido agudo;
i) Vozes: - Eloir;

- trerne ilicada: - menino;

- de Iben; - duas vozes:

- gralha; - projetadas;

- risada ; - normais;

- sopro para dentro; . - COD1 eco e acústica;

270
A AR T E D E A TOR : D A T ÉCNI C A À REI' RE5E:'\lT i\ (i\ O

An da ndo, com pa ssos largos, lentos e se m p es o, braço s pa ra


cim a da cab eça, vai
b aixa n d o, com sinuo so e câmer a lenta, dizen do CODl voz d
e ó pe r a d e Pequi m: (texto :
"A tentai" ). Arre gaça corpo até o fim, aí vai rela xando e COll1 voz
norm a I d iz: (text o: "Uma
leoa anda solta e persegue tudo o que é vivo, molha, incha e cresce
") .

Cena das dores

Matriz es: hiper- tensão ; tensão contín ua; Prous t; águia; dua s vozes;
tre m elicar: êxtase
em extens ão.

Come ça de costa s para o púb íico, v ira lentam ente e se coloca na


posiçã o básica da
hiper- tensão . Come ço da estátu a em movim ento águia; confo
rme vai se forma ndo a es-
tátua, acentu a com sons a respir ação. Quan do a águia está no
ponto fin al, com o rosto
pronto , acentu a o olhar (abre o máxim o que pode o olho). Espera
quatro segun dos e vai
abaixa ndo grada tivam ente. Confo rme vai abaix ando o tronco
, vai dcsiuontando águia e
rosto e diminu indo o som da respiração.
Quan do está com o tronco e cabeç a para baixo, muda autorn
aticam ente o corpo
para tensão contín ua, vai subindo, braço s em posicã o de súplic
a, COIU voz de menin o e
língua inven tada. Três passos e tensão contín ua; acaba ; vira
para a esquerda; dá três pas-
sos; a mesm a voz, mas com pergu ntas interr ogativ as. Pára, vira
rápido para a direita, dá
três passos, estend e a mão para a frente , voz de súplic a. Pára,
permancce na mesma posi-
ção, só vira o rosto para a esque rda e começa groân tioamc ntc Prous
t COIll rosto e voz de
peito treme licand o. O Prous t com rosto vai aumen tando na medid
a e m c]u~ anda lateral -
mente até chega r à outra extrem idade. Pára, muda de Prous t
para hiper- tensão con1 voz
e, agnclumdo, utiliza o eco da hiper- tensão e da voz . Finali zand
o o eco, aproveita o final
do mesmo, que já é a tensão contín ua. Repet e a mesm a acão da
súplic a do começ o, só que
ern m enos tempo . A lte rn a entre tensão contín ua, hiper- tensão
e P ro us t com ros to, cada
v e z mais intens o. Muda de voz: voz de súplic a, voz de hiper-
tensão e voz de Prous t.
Quand o chega ao máxim o dessas trocas , cala a voz, e perma necen
l as ações físicas , cada
vez mais sufoca das. Até o ponto de estour ar tudo num grito (C0111
0 se fosse um balão que
e xpl od e) ; v a i a té o fim d a e xpl osão e rap id a1Jl en te e 11 coll, e o
corp o, e Iá e 111 b a i xo sol t a
d uas v ozes : (tex to : " Badan badaia " ). Levan ta e "fica em pos ição
b ásjc a das d u as vo zes, e
di z, apo n ta ndo com o d ed o Rara a fr ente : (te x to : "Porco H
ayd ll ll l , cluu:at do nicdo'") ,
li i rn fi ara a L's 'l li L'rd n na me s m a p osição
com d u as vo zes : (t ex to: " OI li 11 - /I I C 1117 Cor17 " ), v ira
p a I' t7 t7 d i rc i ta, n a TIl es TIl a p os içã o, e diz: (t e x to : "N t7 o vê
s q II C ti i t7 1/ cf i 1/ t' S t () II S L'ca 11 do,
'l'!" t7 cadc ln da noit e auança a lín gua ?") . V ira para a fr ent e
co m mai s inte ns ida de, di z
co m QQ0 S vozes e ri tmo de ta mbo r: (tex to: "Teu corn o /lOS J/lCU
S plll lll (h' ~ ; [urn s-inc todo").
Pára, segur a a resp iração, volta os dois br acos p ar a o peito, faz
int c rria mente o "ê x-
tase e rn ex te ns ão" imp e rcep tível para o públ ico . CO Dl os braços
faz a ac áo d o ras ga peito
e voz de g rito d o co ra ção, enqua n to ras ga o p eito. Fa z duas
vezes .

273
Luts OTÁV!OI3U!{NII:I{

Cerra dn sedução (descrição na página 272 do Anexo"). Fotos: Teresa Dantas


II

1 -

Cena das dores


(descrição na
paginn 273 do
" Anexo")

274
A AR TE DE ATOR : D A TE CNI C,.\ ,.\ RE r' r~E5F.:'T.'\çAo

- s ú p lica;
- Prous t;
- engas gada;
- sufoca da;
- rasgar peito;
- pé no chão;
- apaga velinh as;
- peito com psoas entrec ortada (cho-
rosa );
- Tucá;
- voz de Iben (sem lábios );
- France sco;
- inocên cia;
- mendi go:
- tristez a.

271
Luis OTf\VIO 8URNIEI{

K eIbiI i nZ I o cno da d iv i 1'1 dad e

Observação: as cenas descritas abaixo seguem o seguinte padrão: em sublinhado


constam as m at rizus (c suas variantes); em i tril ico, os lisnlllL'Jls; e em letra normal, as des-
crições de manei ras corno as ações eram executadas e as adaptações feitas para o con-
texto específico da cena .

Cena da scduçiio

Matrizes : fogo; cobra; psoas (espasmos): sinuoso; corpo dilatado; impulso.

Agachado JI o Il iIlho, an t cs br i ncando de "crê "; pára, olha pon to fixo, dila ta corpo,
vai subindo l en m nic nt c, corpo dilatado e fazendo "sinuoso" imperceptível (só com me-
mória m uscular) . Coloca saia, dá três passos para trás, abre saia "pavão", pega com os
dedos do pé direito o tecido que está atrás . Enquanto pega, peito vai para cima . Com
mão direita, traz lentamente o tecido vermelho enrolando 17.0 tronco, corno se fosse co-
bra s ub in do, Esp as n:» longo e pega todo o tecido e c nrolu no pescoço, rindo; arruma
c abelo, Pa5 s {1 1111J o 11 o peito, e co 111 voz de s li s S u rro (t cx to: "C u i d ai-vos" ). C o m eça a a n -
d ar c o m a n d ar s e Il/ peso e I e n to, li nt a co bra e nt cfi ni ara I en t a e co nt eco (t e x to: "A d o I es-
cent es ", mãos subindo para peito, voz de adolescente) .
Fogo rápido e contido com dois passos rápidos, pára (texto: "Machos "), voz forte e
de garganta, braços acariciando cabeça imaginária, tronco curvado para a frente.
Fogo rápido, dois passos rápidos e contidos, sinuoso lento (texto: "Fêmeas"), voz de
mulher, postura corporal da foto "remele role". -
Psoas contínuo, com três passos rápidos, freia abruptamente, aproveita impulso e
levanta braços que se encontram no alto da cabeça, pára e (texto: "V~lhas"), espaçado,
voz de garganta sen1 projeção.
imedinunncn te impulso, andar lento, abaixando os braços, enquanto diz com voz fina,
gritada e de cabeça : (texto: "Colocai vossas mãos sobre as genitálias"). Tudo numa
só respiração.
U Ola rcspinui a rápida, e rá pido diz: (tex to: "Fami n to cain in ho vaga rosa "), com voz
de "lobo", fazendo C0l11 três andares largos as seguintes matrizes ao mesmo tempo: sinuoso
projetado e rápido, !21?oas (espasmos) pequenino e fogo duas vezes mais lento e no espaço.
Pára} faz ~Qbro para baixo C001 eco, torção do corpo para trás, diz: (texto: "Oh!
Pelos deuses, quero uunbcr-uos a cana "). com voz de peito.
Volta, quando chega com o tronco para frente, voz cacarejando, diz: (texto: "Que-
ro adestrar ca rnlh os " ), C0l11 andar soltando fogo, cabeça indo para baixo.
(Texto: "Quero o néctar. augusto de vaginas e falos") voz de garganta raspando,
abaixa quadril e fogo e cobrá rápida, espirrando chamas com os dedos; pára, vira rápi-
do apontando com o braço para frente, posição de samurai pela metade, diz com voz
sussurrada: (texto: "Cent uriôes, nioçoilos, guerreiros, senadores").

272
275
Luís Q T Á VIO l3UI<NI ER

Estátuas: Águia

Mendigo: batendo nos dentes


Masca ras: tragédia

Fotos : Lenise Pinhe iro

276
A AR T E D E A TOR : DA T ÉCNI C A A REPRE5 ENTAÇ,:i.O

Ações da dança pessoal do ata r Ri cardo Pu ccett i

a) Lista de todas as ações físicas por ordem cronoló gica de elabora çã o:

- g u e r re iro:
- segurando facas;
- segurando espada;
- mãos em faca;
- japonesa (várias subdivisões);
- guerreiro com braços esticados (mãos condu zi d as pe lo po legar);
- japonesa na ponta dos pés;
- dança desequilibrada;
- banho de Inar;
- cabeça procurando algo;
- Ogum Oiá;
- ações de cabeça (lento, pesado, suave, pequeno, para do, andando, ol hos fe cha d os
e abertos);
- impulsos de respiração (andando, sentad o, fa z end o aç ões, CO Il1 o u SeITI m á s caras) ;
- ausência de respiração (depoi s respira lentam ente e fa z a çõ es ):
- le ve e o lh a ndo o esp aço;
- co n1 açõ es nervosas;
- "d eu s" ;
- pu xando os cabelos:
- ch uva;
- o afogado nadando;
- s o q u inho desafiador:
- e mpi na ndo papagaio ;
- p iani st a :
- COIll olh os abertos e outras ações de m ãos e cabeça ;
- com respi ração prens ada o u frou xa ;
- Omo lu ;
- Og u m dan çand o p a ra Orn ol u (seg u ra n do bas tão, Ill.J O S cm Ia ca. o lh os a b e r tos.
m áscnr as. acôc s m enores );
- Lançan do s e ta s co m as m aos ;
.- p cg tlr fo lh ()s;

277
Luís OTÁVIO BURNIER

- percussão pelo ar;


- anão na defesa (ou anão com fogo na cabeça);
- chocalho;
- apontar;
- maré no abdômen (água nas várias partes do corpo) (suave, pesado/lento e velho);
- maré no abdômen com respiração para dentro;
- o afogado;
- luta de facas com abdômen na ponta dos pés;
- desviar com abdômen;
- dança corri cintura e costas;
- saltitar na ponta dos pés com abdômen prensado para cima (criança);
- giros e sensação de rodar;
- pantera na barriga / tigre;
- gravidade;
- trabalho do terceiro olho;
- batendo na porta;
- gordo;
- sanfona;
- máscaras;
- velho;
- congado:
- guerreiro de saias ou com leques (amazonas);
- da1i1ça desequilibrada + amazonas;
- guerreiro da ópera de Pequim;
- árvore seca;
- vôo;
- enroscado (com ou se~ japonesa);
- aceno;
- dança da criança velha;
- cego;
- capoeira mole;
- Zeus;
- japonesa com pantera na barriga;
- dança da cabeça com máscaras (sentado ou em pé)

278
A A RTE DE A TOR : DA T t CNr CA À R EPR ESE~TA ÇAO

- Pesadelos:
- monstros;
- gritos;
- choros;
- devassos;
- loucos;
- múmias (Hijikata);
- esticados (grito do Hijikata);
- Hijikata cego;
- acariciar;
- fantasmas COTI1 terceiro olho (olho aberto ou fechado, grande ou suave);
- Teotônio criança;
- passarinho ao vento;
- saída"expresso da meia-noite";
- giro /I exp~esso da meia-noite";
- impotente se acarinhando;
- estátua do vazio sai pela mão;
- labirinto da memória;
- andar "nada é";
- transando com a parede:
- diriâmica do pai;
- butozística;
- .olh a r es e andares pelo espaço:
- com koshi;
- com ausência d e r es pi ra çã o le ve;
- pai:
- andar p e lo espa ço;
- s i]ên cio d es rnerno riad o - o lha res;
- p ai ch o ra n do;
- se n ta r;
- ações de 111ào (coç ar ca beça, a lis ar a fac e, com er unh a );
- flu tu a r;

27LJ
Luís O TÁVIO BU RNI ER

- mata r p e rn ilon g as;


- dança num pé s ó;
- Vard o ;
- Quintilhano;
- Zé Loco;
- foto da rnulh er co m criança;
- anda r d o ve n to;
- andar da terra;
- velho d o dentinho;
- terceiro olh o que penetra no escuro;
., vento (horizontal e vertical);
- v ôo flutuando;
- ar vertical para cima;
- passeio com o peito (mudanças de direção);
- ar vertical para baixo;
- sopro de ve n to (mudanças de direção, de dinâmica, e andar redemoinho);
- águia .e nl vôo .

-'

280
A ART E DE AT OR : DA T ÉCN IC A A REPRE5E i'JT Aç Ao

b) Tabel a da s ações físicas codifi cadas agrup adas por qualid


ades e tip os:
Quali dade Tipos A ções
Andar es a) De base:
- chão
- m édio
- alto p equ en o
- es t ica do
- tubo
- Po n t a d o P(~
b) Ponta d o p é:
- des equili br ado
- desfila nd o
- picad i n h o
- corrid a pi cad él
- passo larg o
- rn ostrn ndo o qu ad ril
c) Óp e ra d e .P e qu irn
r Giros a ) D o len ço
J AP O NE SA b ) Do lad o d o qu ad r il

c) No e ixo
d) Pi cad i n h o
e) Do pas s o larg o
Mãos a) Pa ti nh a n o ro sto
b ) Ch oro do s ded o s
c ) P u x a r n ,I po n ta d O S p é s

d ) 1\ I g ~l ~ C O /l1 g i ro s
e) Brin cand o co m os ca be los
f) Ch a m ar ao lon g e
g) Melo p ,íSSéHO
h ) fvl Zios lJ U l ' dese n hél lll
lrn agen s . a) Pin g o s de c h uva
b ) I> <l \::í ()
c ) Fl ore s
I
Luís OTÁVIO BUR NIER

d) Leques
e) Espetos
f) O passeio da donzela
Olhos a) Oito
b) Redondo
I
c) Juntos
Danças a) Dança do Peito
b) Dança contida
c) Pantera na barriga
d) Dança entre fotografias
e) Enroscado (pedra e suave)
f) Japonesa escondida

282
A AR TE D E r\ TO í\ : D A T ÉC N IC A A REf' f, E5 Ei'!Tf\( Ao

Quali dade
Açõ es
Atagu e Co bra
F le c ha
Es p ad a cor ta n te
Es p ad a p en et r ante
a) Guerr eiro se guran do Im pulso D i ro to
facas , segur ando Com co n t ra -i m p u Iso
espad as e
Av a la nche de im puls os
mãos em faca Arn c a ca
b) Guerr eiro da ópera Olh ar Cego
de Pequi m A ta ca e de p o is o lha
A taca e o lha antes!
duran te r depois
c) Guerr eiro com Andar es Pante r a (b ase alta e
braços estica dos! mãos bai xa )
condu zidas pelo poleg ar Gu erreir o óp era
d e Pequi m
Pa n t C'r ZI p ass o la rg o
Guerr eiro .es co n d id o
II d) Pante ra na barrig a Equilí brio D ef en si v o (espad a
GUERR EIRO
a ta c a . co r p o rec u a)
En g ajad o (corpo ataca
j LI 11 t o co 111 a espa da)
Paus as P au s a a b r u p ta
r élll .5 ~l s us p en s a
P a u S ,1 (l t ;:Hl ll e
e) Ogu m da nçand o para On10 Iu
f) La n ça n d o s etas C0111 as mã os
g ) P ercuss ã o pelo ar
h ) Choc alh o
i) Des vi o com abd ôme n
j) Dança co m c in t u r a e cos tas
k) Baten d o n a p or ta
I) C on gad o

2HJ
Lurs OTÁ VIO BURNIEI<

rn ) Ogum Oiri
n) Omulu
o) Zeus
p) Soquinho desafiador
I
a) Maré no abdômen (pesado e lento)
III b) Ações de cabeça (pesado e lento)
VELHO (andando, parado, fazendo ações)
c) Cego
d) Dança da criança velha
e) Hijikata velho
f) Velho
g) Velho do dentinho (andando/ dança do peito)
h) Gravidade

IV a) Saltitar na ponta dos pés com abdômen prensado para cima


CRIANÇA b) Anão com fogo na cabeça
c) Sanfona
a) Maré no abdômen
V b) Maré no abdômen com respiração para dentro
i
MAR c) Apontar
d) Capoeira mole
VI a) Guerreiro de saia C0111 leques
AMAZONAS b) Luta de facas com abdômen, na ponta dos pés
c) Dança desequilibrada das amazonas
Gritos Ao céu
Oferenda
Da criança
Choros Do querubim
Da criança
Do prisioneiro
<:1) Pesadelos Loucos Alegre (de boca
aberta ou fechada)
Dinossauro
Tristeza cega (máscara
Vesgo direito (máscara

284
A f\ RT E D E t-\TOR: DA TÉCN ICA À RErRE5 HITAÇ;\ O

Q ue ixo pélfa trás


Devas s o
Estica dos

(grit o d e
Hijika ta)
M o ns t ro s
M ú m ia d o
Hijika t a
VII b) Á r vo re s e ca Á r v o re seca
PEDRA T ro nco seco
Imp lo ra n d o (b ai x a i
m édi o )
Cri st o na cru z (baixo l

al to )
Chor o
Comp rid o
Jap on e s a s e ca
Cr ia u ça brinca nd o
co m Deus
Ág Ll i~l ferida (de asa

abe r ta Ol1 fe ch a d a )
Crian ça corren do
Ve lho se co (m édio )
O rac io
Es t <:Í tu a d a Li b e r cla d e
5 l' n li o ra él m e a ça d a
[ e s u s ol ha ndo p ar a o
cé u a lt o
Ve lho de có co ra s
(o u ja po nês sec o)
r' li LI ()r
T ti r t ti r u g a

L- -l. c) En r o scn d o -..L_r_.I__l_.(_)_~. Ct.H


__ _ i (_)_[ V~_~~I~I_{_) _
Luís OTÁVIO BURNIER

Com Querubim
ja po ncs a Pegllndo o ba ldc
O segredo
Or ácio

Enroscado- Fluido
Pedra Mãos com fio
d) Pianista Olhos abertos ou
fechados
Ações de mão
Ações de cabeça
a) Vôo (ações m ínirnas)
b) Sopro de vento
VIII c) Vôo flutuando
V60s d) Ar vertical para cima
e) Ar vertical para baixo
f) Passeio com peito
g) Flutuar
h) Vento (horizontal e vertical)
I

a) Teotônio criança
IX b ) Acariciar:
PASSARINHOS - Íntimo
- no espaço
c) Dança nUD1 pé só:
- sinuosa
- C0111 oposição

286
~.

A ARTE DE A Ta R: D A TECNI C A .~\ RET'RE5 EN T A CA o

c) Tabel a d e trabal hos gerais e es pecífi cos :

Traba lhos Tipos Ações


a ) Açõ e s d a ca beça (lento - pesad o -
s u a ve - p equ e n O-Pélra d O-él n d él ncl 0-
o lho ab erto e fe ch a d o )
Se gITlen taç ã o b) Ca beça p r ocu r a rid o a lgo
I

e c) O lh ares e a nda res pe lo espaço :


Deslo cam ento - co m k O:::; !1i
- COIll a usê n cia d e res p iração le v e
d ) Giros e se nsação d e rodar
e ) Dan ça de s e qui I i b r ad a
f ) Andar do ve n to
GE RAI S g) Anda r da terra
a) Másca ras di v ers a s
b ) Tercei ro olh o
Másca ras c) Fanta smas com ter cei ro o l ho
d) Da 11 ça d a ca b e ç a Co 111 m á s ca ra s
e) Tercei ro olh o qu e p en etra n o escurc
a) Impul so s de resp iraç ão
,Re s p i ra çõ es b ) A u sê ncia d e respi r,lção
- le v e e o lha ndo o es p cl ço
- com açôes ne n 'OSélS
- D eus
c) Pant e r a na b ar r ig a
d ) Respir a çã o do é1fo géld o

a ) Va rd o
b ) Q ui n ti lh a no
c) Zé Loco
EsrJEcíFICO Le mbra ncas Lo ngínq ua s d ) [1 ,1 i
- an d ,H Pe I o
es ua co
I •

- o lh a rcs (s ilê ncio


d cs rnc mo ri ado,
Ie 111 b r ':1 n ç as)

287
Luis OTÁVIO BUI{NI EI<

- pai chorando
- sentar
"
- açõ es de mão
(coça r a cabeça,
alisar a face,
comer unha)
Recentes a) Saída "expresso
da meia -noite"
b) Giro expresso
II

d a meia-noite"
c) Impotente se
acariciando
d) Estátua do vazio
sai pela mão
e) Lab irinto da
mem ória
f) Andar "nada é"
g) Foto da mu lher
com a crianca
a) Peg-ar folhas
b) Gordo
c) Aceno
d) Chuva '
e) Puxando os cabelos
f) Banho de mar

Imagens g) Passarinho ao vento


h) Matar pernilongas
i) Transando com a parede (na dinâmi
ca do pai ou butozística)
j) Empinando papagaio
k) Águia em vôo
I

1) O afogado
m) O afogado nadando
n) Aceno

288
A !\ RT E DE f\TO R: Dí\ n~ C N ( C í\ A REI'RESE NTí\ ("Ao

Velho: cego Pcd ra-rir vo re s eca : Jesu s o lh a n d o para o céu

Imagem: passarinho ao vento Pedra-árvore seca: implorando

~.\
." ~
j ~ l
Im ag em : o a fog a d o Lernbranças-Iongfnqu as : p a i (llça lld o a ca b . ça

Fo to s: M ar tin h o C a ír es

289
Lu ís QTÁ VIO I3URNIEI{

Criança: anão co m fog o na Passarinho: acarici ar íntimo,


cab eça maré no abdômen e mar

Japonesa : dança do peito, mãos que


desenham, giro no eixo, andar base e
olhos redondos

\.
Pedra-enroscado-já ponesa: puxando
o cabelo

Guerrei ro : s eg u ran do
fac as
Fotos: Martinho Caires

290
A A RT E D E A TO R: D A T ÉCN IC A ;\ REPRESE N T ;\ Ç ;\ O

Lista de ações codificadas da airi z Luciene Pascotat


a) Louco s:

Siloia:
[zi/dil l/ln:
- banan a;
- pega m as nã o p ega (dança );
- balanç o:
- r ez a.
- boca;
- olhar;
Dei 1IJJ7. "nbaço ":
- conve rsa conl a mãe;
- unIa a çao.
- 111ae;
- brava .
[n n c:
- andar ;
IJllpre gnndn :
- risada .
- es frega pescoç o:
- andan do;
Ri s ada:
- sentad a.
- andar;
- risada .
Carol Caroli na :
- conve rsa sentad a - peque nas vari a-
Ed g nrz i nh o:
ções .
- andar ;
- serena ta;
A ss op ra:
- posso ir e mbo ra ;
- unia ação.
- plano Brasil no vo;
- policia l;
Jaim e:
- se n tar a o s eu la d o;
- an d ar;
- desca n sand o.
- a hn ?
- sen ta do balan ça ;
Scuc r i n o:
- q ue horas s ão?
-- an dar;
-- re laxa m en to :
Ci d :
- lín gu a;
dança ;
- ab a ixad o - m LI i tas varia ções pc:-
-- para do:
q u ena s .
- cru z a b ra ço :
- descru z a - mão n o bo ls o .

201
Luís OTÁVIO BURNI ER

Ua /.C r : tvuirisn :
- UI11a açâo. - tent a falar;
- dor de ouvido;
Cor -de -Rosa : - d escruza braço.
- canta r:
- M a r ia : Maria de Lourdes :
- pezinh o; - mão no rosto;

- aniversário; - segurar cabeça;


- ob rig ad a . - andar;
- parede;
Boca aberta : - árvore;
- uma aç ão. - suspiros;
- nome do pai .
R en at inh o :
- anda r; Relaxamento :
- explodir; - uma ação.
- caretas.
Menino-mão :
Dedos: - andar;
- uma ação . - parado.

Aldo: Rosimel :
- 11loça; - andar;
- andar. - sentar;
- dormi.
Maga :
- carinho: Lento:
- jogar a mão : - uma ação.
· I
- I lmpeza ;
- fumar; b) Fotos:
- assisti r.
Sentada :
- sol no rosto;
Angéli ca:
- coitadinha no fotógrafo;
- canta e dança (relampeia).
- medo do Papai Noel:

292
A AR TE DE A Ta R: D A TÉ CNI C A À REPRESE N T A Ç Ã O

- frente ; - be m p e qu eninin h a na praia;


- lado; - ó cu los esc u ros;
- dá a mão; - L. (dedin hos);
- Sandr a enver gonha da; - ris adã o;
- Maria e netinh a (ruim- e-boca ): - tudo para trá s ;
- chama avó sentad a; - d es acorço a do (m ão direita / p erna
- laço triste; direita );
- baile - dura; - bravo quas e ch or and o:
- prime ira comun hão; - p equ enin o, eu? ]:
- três irmão s: - s ombri nha.
- que saco;
- medo - engraç ado; Em pé:
- que é isso?; -- Lu mãos na cintur a;
- pose para foto. - Lu bailar ina;

Ajoelh ada (na missa) : - I irn ões:


- furios a contid a; - segura a areia rindo;
- infeliz (mão esque rda por fora); - morde boc a - Papai .N o e l;
- hóstia ; - sol nos olhos;
- boca solta anjo (mão direita por - põe calcin ha ;
fora) ; - Lu flor;
- loira lê (s e g u r a mão); - prai a ch arru e :
'- castan ha lê (larga da); - sacani nha - Papai Noel;
- queixo para dentro ; - v es tid inh o;
- o lhar pe r d id o; - v es tid in h o mã o n o cabe lo ;
- o lh a r as o ut r as (mão esque rda por - d edo na b o ca;
c i m a );
- a rid a soz i n h a :
- reza conce n trada (rn ã o nos o lhos).
- puxa v e s tido;
- i r rnàos :
No chão:
- mord e bo ca :
- três Maria s:
- o lha sa ca na;
- m ãos nos jo e lh os;
- s a p a to ve lh o;
- mã o direita no pé / mã o esq ue r-
a c u a d a pared e;
da n o ch ão ;
- a cu ad a co lo;
- n a e s tei ra da praia;

293
Luis OTÁVIO BURNIER

- co mp le tame n te largada; - amarela deitada (braço esquerdo no


- menino : rosto );

- duv ida; - moça solitária no gelo;

- assus ta; - saindo do lago;

- chora; - mãe sonâmbula;

- moças : - madame simpática;

- pose m etid a; - nua p enteia cabelo;

- char me n a á g u a; - madame bolsinha;

- pose a o s o l, praça; - chapelão (mão direita no cabelo / mão


esquerda no pescoço);
- corre feliz;
- energia;
formatu ra :
- espelho olha atrás;
- superior;
- mulher dormindo;
- ri ;
- banho amarelo;
- boqu inha-olhinho;
- sentada em "u":
- vergonha;
- nua de costas;
- ei!;
- dentro da ba rraca;
- brava;
- de costas e de perfil;
- m a ria -mole:
- entre os bichos (esquerda na frente) ;
- batom .
- sofá (sentada) nua;
- sozinha na relva;
c) Quadros expressionistas alemães:
- ninfa dormindo;
- mãe gorda; -'
- moça cor de vinho;
- moça do véu (segura pé direito);
- mão no cotovelo;
- espremido;
- madame roxo ri;
- tira a mão do meu ombro;
- madame preto ri;
- nasceu ·o filho;
- mulher mesa do bar;
- dor nas costas (de joelhos);
- tia El;
- coitadas:
- peregrino cansado;
- 1;
- morto ri;
- 2;
- mulher antiga;
- beijar mão de Cristo;
- hippie amamentando;
- saia alaranjada;
- trenzinho;
- égua;
- homem-mulher brigam;

294
A ART E D E A TaR : DA TÉC N IC A A REPR ESENT AÇA o

- cólera: - mad a rne - ga io las;


- sentado; - velh o :
- estupro; - braço quebrad o;
- tenta levantar: - mão machuc ada ;
- puta gorda v elh a; - p é;
- açou gueiro; - aju d a;
- touros; - deitada flores;
- emburrad a; - arn iga deitada flores;
- a m ig a ajuda; - hom enzinh o bran co;
- saindo lago maior: - voador;
- frente; - homem fresco;
- costas; - morto;
- anjo; - dança estranha;
- mão; - mãe na rua ;
- moça pe~na; - mendigo con1e;
- a m ig a moça perna; - não v e n h a;
- índias seios; - meu filho nã o;
~ índias dançam; - pai esconde;
- e depois . . . : - mãe e s co n de;
- homem; - abraço;
- mulher: - 'v elório:
- m ãe - nen ê chora; - o m b ros caído s;
-vem!; - mão na boca;
- pudo r; - tirou chap éu ;
- m u lhe r d as cave rn as; - es co nde a ca ra ;
- ho mem d a s cave r n as; - m u le ta:
- va lsa; - da d os;
- folgad o; - s ã o Sebas tião tenso
- so mm cr : - ass ustado;
- costa s; - b êbad o;
- frente -la do; - re za n1:
- rec ita 1: - p a r a erma :
- 1; - para bai xo;
- 2; - ofe re n d a;

295
Luis OTÁVI O BUR NI ER

cho ram : - m ãe louca;


- h ome m : - êxtase ajo elhado;
- mulher; - cavalo;
- implo ram : - mendigo pede;
- costas; - mendigo r osn a;
- lad o: - são Sebastião árvore;
- para trás; - mã e mostra filho;
- homem e mulher se pegam; - ventre;
- Pie tá ; -, - mãe mãos;
- Cristo em pé; - caminhante;
- Pietá verde; - moça deitada no ombro direito;
- figura: - folhinha;
- para cima: - arranca;
- figura: - cabelo no rosto;
- para cima; - velho pescoço moça;
- curvada; - nua cabelo no rosto em pé;
- de frente; - homem verde maquinando;
. - pregador; - moça barriga;
- eu preciso; - amiga moça b arriga;
- homem de barro; banho alaranjadas:
- quer rir - Sandra; - em pé;
- homem de trás - êxtase; - abaixadas;
- moça dos patos; - lavando-se;
- Nossa Senhora; - Blanche Dubois;
- pedindo; - mulher verde;
- são Sebastião mulher; - madame:
- .Prornc te u: .- brava;
- miserável; - ri;
- puta na janela; - boquinha;
- menininha ; - bruxinha;
- mulher saia diáfana; - mulher azul deitada;
- mulher azul sentada; - mãe mexicana;
- arrependido; - filha mexicana;
.- moça com o profeta; - chapéu triângulo;

296
.~

A AR T E DE A TOR: D A T ÉC NI CA À REPRESEN T A Ç Ã O

- am iga chapé u triângul o; - índi a ba tend o ca r a:


- nu a no espelho; - onça;
- n10ças na relva: - arnazonas:
- mão; - s e n ta da ;
- ombro; - encostada ;
- sentada; - m ã o n o p es co ço;
- nu a na á r vore; - m oças n a 111a ta;

- Isabel a: - moça carta;


- lenhad or; - escondida n o len çol ;
- arrum ando cabelo; - mulher azul m aq u iag ern .

Lista de açoes codifi cadas da atriz Valéria de Seta

a) Loucos: - olho lento;


- mãos espantando (se n tad a ).
Passarinho:
- sentada; Espera:
- em pé (assim não dá); - olhar / pé;
- en1 pé (m a is devagar); - m ãos / h ori zon te;
- q uadro; - b lu sa ;
- música; - conversando co m alg u é m.
- bal a para mim:
- feli z (s en ta e le vanta ); An dar:
- nã o v e n h a; - andar / b r a ço / ca beça .
- dormi nd o:
- chega n d o (mão no peito ); Velhi nha azu l
- m eu n o me é Neide;
- coçan do a m ão (p e d in do b olacha ); M aria de Lourdes:
- bico; - si n a l d a cru z;
- m ão v oa n d o - q ua d ro - bo ca - . - ca be ça n a par co e .
lí ng ua;
- m ão n a b unda; Cig«1'1'0/ Prisci!a:
- q u e h oras s ão ?; - p é;

297
I"

Luis O Tt\ VIU BU«NIEI<

- perna ; A l do:
- ba lanço; - ação I;
- de p é a n LI a r: - aç ão II.
- bolsa e ca be lo.
Perseguida:
Bolinha : - olhar em volta .
- aç ão d o len ço .
Ana:
An d ré: - risada;
- and ar; - acordar;
- co r rid a; - que ridículo! ;
- pente; - ação da boneca.
- salto;
- oh! oh l: Azize:
- u ! u!; - música do texto;
- cabel o . - sentada brava;
- sentada feliz;
Cartão: - andando para / trás.
- falar soz in ho;
- cigarro: Bebedouro:
- adeus; - ação do cigarro;
- andar. - ação do bebedouro ."

Apóstolo: Louco do barro:


- pé (andar); - ação de bater o barro.
- sentado;
. - deitado; Severino:
- papoula . - sentado;
- andando;
Bruxa: - agachado;
- ação I; - olhar para cima;
- ação II. - mãos;
- ação do tigre .

298
A AR T E D E A Ta R: D A TÉ CN IC r\ A REI'R ESEi';TAÇAo

M ãoz i n h a :
- posso ir para / o TO? Otild e:
- boneco não não encho - risada ;
- enc he n d o boneco. - TV ;
- andar con1 Ina o.
C h oro n a:
- aç ão d o choro. Rosi nltn :
- a n da r.
Cabe lo cu r i o:
- rádio Dian a:
- refresco - te n ho dez filhos;
- s a ia - sentada;
- irm ã o - jeito de parar;
- pãozinho - na TO ;
- farmácia - feliz;
- música do texto . - comendo ma çã;
A ce.
- b raça ( ce. ce,
A AI);

Jayme: - música do te xto;


- oi! oi l: - a n d ar.
- balanço.
b) Fotos:

lvle n in a perdida: - J. corn diplom a:


- a çã o do olhar. - N . e a sam amb ai a;
- m ed o do barran co ;
Oração de são Franc isco: - tia co.m flo r;
- cantando . - N . com f lor;
- mamãe n o jard im ;
Pr etinha : - Li sle y;
- e rn pé (a n d a r); - m inh a p ri ma ;
- Ba tiza e u!; - Sil vi a;
- tchau ; - pei xinh o;
- se n ta d a, pio lho, Sueli, Varela ; - N . rn iss:
- m ús ica d o te xto; - m e u a nive rs á r io :
- soca aq u i, vail: - K . e os po m bos ;

299
Luts O TÁVIO BURNIER

- e u co m llH'd () cl o pat o : - loira d e lado;


- repreensão; - coitada;
- sapcq ui n ha: - mãos na testa de lado;
- A. prima; .: lendo livro na frente;
- Xu xi nha b rava; - rezando com fervor;
- de lado; - mão no queixo reza;
- Laçarote brava; - dedos cruzados no queixo;
- olhinho d e bai xo ; - mãos na cabeça cruzadas;
- graciosinha; - mãos queixo para dentro;
- men ino d e pr. - boca apertada; - mãos no peito;
- m a m ãe na árvo re; - comungando;
- moça n a p ar ede abaixada; - velhinha;
- mão no colar; - susto;
- e u en cos ta da na mamãe; - mãos caídas;
- plantinha; - b rava xadrez;
- janet e sorri ndo; - moça abaixada sorrindo.
- parabéns;
- eu na comunhão; c) Quadros expressionistas alemães :
- espe ra; - Sousa antecapa;
- tímida; - pintor antecapa;
- N. correndo: - bêbado;
- L. e os cabelos; - homem;
- avó da L. m ão na cintura; - coração;
- J. triste; - gueixa;
- mão na boca; - mãe;
- A . sentada; - homem vomitando;
- li m oeiro; - cavalo morto;
- J. e a rosa; - protegendo o filho;
- eu de engana mamãe; - espere;
- pen.sativa reza; - agachado na cadeira;
- olhar perdido reza; - velho com muleta;
- venpo li vro de lado reza;
- boca para baixo;
- olhar para o padre reza;
- velho com bolsa;
- mãos cruzadas na frente reza; - mão no sexo;

300
- flechas; - pe ns ador;
- Cristo; - es cu 1tu ra;
- anjo; - homens vo a n d o;
- rezando - mão no queixo; - mãe;
- mão na parede; - homem de pr.;
- rezando mão no qu ei xo; - m u lhe r p ens ando;
- rainha do Sol; - d ois hom en s m ão n a ca ra;
- egípcia; - ca be los caídos;
- tr ês figura s: m o ça e nc u rva da ;
- s entada; - p endurado;
- eln pé; - m ãe;
- mão no rosto; - mãe cora g em ;
cantor; - hornern assustado;
- menino: - cantora;
- homem; - homem de gravata;
- mulher de boca rn arro rn: - protege filho;
- escravo; - criança morta;
- chinês; - morto:
- sol ; - tr o ca-cabe ça;
- ped indo dei tad a: - oferenda ;
- N. senhora; - bri ga;
- Sirn i : - rez a nte s:
- prometeu: - pensante;
- barriga noite; - Pi et á p equ ena;
- h omem a pon ta ndo; - Pie t á g ra n de;
- h omem deitad o; - d an ça rina s :
- rasg an do p eito; - casal ;
.:. . homem ca in do; - profe ta ;
- m enin a s a ia ve r de; - Ro rneu e [u liet a :
- deitad a per n a d obr a d a; - ca valo;
- dern ôriio : - (l I me u m a x i la rl:
- bo bo; - ve n t re;
- a mare lo sus to ; - e n cu r v a d o :

- Revo luc ionári o ; - bru xa;


Luis O T Á vro BU RNI ER

- Le d a; - amazonas;
- mo ça de itada sorrindo (capa); ninjas;
- moç a m il(l IlO rosto deitada: - moça s e n ta d a de chapéu: -r-
I

- m ã o n o cabelo sentada; - homem deitado - bunda para cim a;


- cabe lo p a ra fre n te - espelho; - Maria com Jesus;
- ho m e m 11150 no quei xo; - mão nas costas ajoelhada;
- la v a d c ira : - mulher verde;
- Blanch e Dubois; - pano branco;
- ma d a m e v elha; - dançarina no cabaré;
- m a d a mc cOS tZ1S; - v e n to;
- mu lh er a rrebitada; - menina mão na cabeça;
- vermelha deitada; - verde-azul;
- espelho pLlno; - meninas no recital;
- nua tronco; - queixa mão;
- home m (mão queixo); - meninas;
- cav alo; - moça mão na franja em pé;
- Isab ela; - moça amarela sofá;
- grito; - moça pano na perna;
- moç a sed u to ra nua (mão no cabelo); - dorminhoca;
- moça com h om em pequenino; - moça deitada braço erguido sensual;
- nlona; - moça mão na perna;
- morango; - madame mão na saia;
- menina brava"; - moça brava no mato;
- mulher triste; - penteando cabelo;
- moça coberta; - chinês na mesa;
- mulher olhando para cima; - doente;
- comadres; - moça do chapéu - mão no pescoço;
- sedução; - mão no pescoço ajoelhada;
- barriga; - espelho sentada;
- cabelo lavando; - rindo, mostrando os dentes;
- mãe e filha ; - moça mão no peito dela e do homem;
- chapéu; - brava em pé;
- três moças na relva; - moça levantando;
- namoro; - fatal deitada;

302
A A RTE DE ATOR: Dj\ T t CN ICA À RE PRESENT AÇA o

- lev ant and o CODl mã o n o cab e lo; - boca;


- nl a d ras ta; - Cristo dá a mão d i rei ta;
- d eitada se ns u a l; - va lsa:
- s entada p ern a ab erta ; - folgéld o ;
- mã o na nuca s entada no Dia to; - moci nhas do re ci tal:
- p astora d e cab ra ; - bob o d a co r te;
- turb ant e ver m e lho; - índia s - dan ça;
- m édi co e óc u lo s; - Tan zarin;
- ho rne rn color ido; - so n/ JI/cr;
- ti o Elza: - mad ames (t e ia n e grJ );
- fi gura s do a cam pa m en to d e Cristo; - b oneca;
.; fig u ras d o "Nã o Ve rá s .. ." ; - ve lhos;
- pra s ti tu ta ca íd a; - madam es:
- mulh e r se n ta d a- mã o no p eito; - nloças flore s;
- italian a; - embur rada;
- m ãe sentad a; - e depois !;
- filh o n o colo; - lago;
- crianç a braço estend ido; _. pé / mão:
- v e lh a toman d o banho ; - bocó;
- olhand o d e lado; - mato;
- m o ça mostr a ndo a s per n as; - hippie ;
- De us te a b e n ço e i: - tr cnzinh o:
- dança h ornem -rnu lher; - touro' I e II; '.
- De us te a be nç oe II; - a n jo .

303
Luís OTÁ VIO l3uRNIER

Tabela de açocs c ligamens de uma passagen1 da peça Wolzen

Texto Ações Luciene Ligamens Ações Valéria Ligamens

Assassino Louco dedos Azizé Passagem


Desequilíbrio brusca
men ta I (2x)
De quê? Simples Mão na boca
Desequilíbrio seco Lú e os cabelos
mental de Passagem
quem? Louco Aldo: lenta
a çâo sentado meltillg
1110ça Passagem
d ireta
Eu no barranco Passagem
Não meu ... direta
i Ações
Minha prima Coincidentes
Não quero ser
a primeira Louco Aldo:
doida da ação andar
família! Simples
Que idade direto
você tem? Louco Aldo + Passagem
louco risada brusca
Louco risada Simples
- ação: ri direto Lisley
14 anos já, é? Louco Risada
+ louco Aldo Simples
Não me toque! Foto dedo na seco
boca Composto
Ele disse que Foto: (ação
eu estava vestidinho mão contorno) Passagem
doida porque no cabelo melting lenta.
eu comecei
a ver coisas ...

304

./
A A RT E DE ATa R: DA T ÉCN ICA À REPRES ENTt\ç A O

Comp osto
Foto: (olhar )
vestid inho brusco Açõ es d a M eltin g
Comp osto dança
...e ouvia Foto: (cabeç a) pessoa l
vozes ... Vestid inho meltin g
(ação olhar)
Vozes carn i- Comp osto
nhand o no ar (d. pessoa l)
Quad ro moças
Sônia relva mão Sin1pl es
(meta de) Meltin g Moça deitad a Passa gem
Moças relva lenta
Mão (ln teiro) N.1eJtin ba
É único
O Início da a ção Levan tando m âo
n om e d e Jl1U- de virar no cab elo
lh er que eu
guard ei
Passa gem
Todos os outros Quadr o moças direta frag-
desapa recera m relva ombro Simpl es Nua mão no ca be lo rn en ta da
de minha vida seco sentad a Postu ras
Sônia, um Ação de deitar coinci dentes
nome que eu
acho bani to ...
Quad ro : Passag e m
...quas e branco mulhe r azul Moças conv ers andc lenta
deitad a m el i i n g
Comp osto Passag em
Mas a mi m, Q ua dro bru sc o Q uad ro brusc a
Sônia, não, tou ros ta u [OS I
Pass agem
a 111 im tu nã o Qu a d ro Simpl es lenta e
m e engan as homem e mu- meli in g Bri ga movim ento
lher brigam brusco

3US
.~

Luís OTÁVIO BURNIEI{

Exemplo de qutui ro expressionista alemão transformado en1 ação física

Pie t á (irnitnç ão de quadro) Mad ame-Caiolas (imitação de quadro)

Sílvia-Brava, Lucicne Pascolat: doutor Junqueira, Menininha, Luciene Pascolat (primeiro plano)
Valéria de Seta

Lucicne Pascolat (primeiro plano)

Fotos: Tika Tiritilli

306
A ,·\ RT E DE ,-\ TO R: DA TÉC f\:ICA A REf'R E5 E;\i T ;\ çA o

~
-

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. ~ :J ).
\
;} ' ~
Homem de tr ás. êx tase, Luciene
)~ _ :j ': ~
Maria de Lourde s, nome do Pai Espelh o. Val éria d e Seta
Pascola t (imitaç ão de quadro )

j :t-'
(imitaç ão Esp elh o 11 , Vél k; r i,l ele Se ta:
S i lvi a - B r a v al. uc ic n v
.
I ' n s c o l a t :

I'i dll (l, C ll:j id V i"' ill ,l l di (Li tl


csquc rd.i p éll'.l .1 d i rc i t.i )

Fotos : Tik a Tir ililli

"Jaime, qu e hor a s siio? ",


l.uc ic nc I' ns co lat : d o u l o r
j un quo i rn. V,l i0ri ,1 Lie Set.1

] 07
:... . ~
A AR T E DE A T OR: DA TÉ C N IC A À REPRESEN T A Ç A o

Cartazes / programas e fílípetas dos esne tdculos e


atívídades do Lume

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I ~'
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Kelbilim, o cão da diuindndc
Egas Francisco, aquarel a .

309
Luis OTÁVIO BURNIER

310
A ART E DE ATOR: DA T ÉCN [C A À REI'RESENTAÇi\O

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Luis OTÁVIO BURNIER

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A ARTE DE I\TO R: DA TÉCN ICA À REPrn:SE NTr'\(!\O

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