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1.APRESENTAÇÃO
Este texto reflete sobre três categorias fundamentais do pensamento social moderno:
indivíduo, trabalho e sociedade. O raciocínio desenvolvido parte do pressuposto de que a
emergência do agente individual é um dos fatores decisivos para elaboração do próprio
conceito de sociedade, pois, antes do século XVI, as pessoas viviam em comunidades
(TÔNNIES), em coletividades onde a solidariedade era mecânica (DURKHEIM) ou em
grupos sociais fundados em valores ou no sentimento subjetivo dos participantes
(WEBER). O conceito de indivíduo somente é pensado na e pela sociedade, pois, antes, na
comunidade, apesar da separação espacial, as pessoas permaneciam ligadas por laços de
valores e de sentimentos ou por uma “consciência coletiva” que anulava as consciências
individuais e inviabilizava a liberdade e a autonomia dos sujeitos individuais.
De posse dessas referências, o texto reflete sobre o sentido das transformações sociais,
econômicas e culturais que ocorrem de forma mais intensa nos últimos 30 anos e sobre as
conseqüências que elas apresentam para a sociedade do trabalho e para a vida do indivíduo.
2. MODERNIDADE E MODERNIZAÇÃO
O primeiro sentido sugere que a modernidade equivale a um tempo histórico, a uma época,
a um período na trajetória social, cultural, política e econômica. Acentuar traço temporal no
conceito de modernidade significa apenas delimitar a sua origem e não o seu fim. Parece
relativamente fácil captar o momento em que o mundo começou a tornar-se moderno, mas
é difícil pensar no seu fim ou mesmo no seu declinamento: é difícil pensar o
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envelhecimento do moderno. O tempo histórico do conceito de modernidade é posterior ao
século XVI.
O segundo sentido sugere que este tempo histórico tem uma base geográfica também
definida: o mundo ocidental. Ainda que a radicalização dos processos de globalização
esteja tornando mais ou menos mundial a modernidade, em sua influência, é igualmente
difícil pensá-la fora do mundo ocidental. Entender a situação de culturas ou de
configurações sociais milenares e tradicionais, como a japonesa, a chinesa ou a russa,
implica pensar em um outro conceito, que embora correlato, é diferente: o de
modernização. Para que se entenda esta diferença é necessário que se acentue o terceiro
sentido que o conceito de modernidade aqui adquire. Modernidade, como enfatiza
GIDDENS (1990), é, fundamentalmente, um estilo, um costume de vida, uma forma de
organização social fundada num tipo bem específico de relação entre o indivíduo e a
coletividade.
Por outro lado, este estilo de vida que se expande no mundo ocidental a partir do século
XVI tem traços bem definidos. Um desses traços é o processo de individuação e a
conseqüente situação de liberdade, autonomia e historicidade dos indivíduos. Outros traços
centrais neste estilo de vida são a dessacralização das visões de mundo, a materialização
dos valores, o sentido adquirido pelo trabalho e a expansão da razão, da ciência e da técnica
como instrumentos da afirmação da onipotência do homem sobre a natureza, sobre a
história e sobre si próprio. Como afirma Foucault, é somente na modernidade que se tornam
possíveis as Ciências Humanas, pois antes, “o homem não existia” e elas “só apareceram no
dia em que o homem se constitui na cultura ocidental.” (FOUCAULT, 1962:362).
É este conceito de modernidade que permite afirmar tal experiência como exclusiva do
mundo ocidental. Tal como afirma WEBER (1992), a modernidade é um estilo de vida que
emerge em conseqüência tanto de determinados antecedentes históricos como da
combinação de eventos exclusivos na cultura ocidental. A modernidade é um processo
amplo, gradativo e que abrange toas as esferas da vida social. Outro sentido tem o conceito
de modernização, que serve, por exemplo, para entender as recentes experiências vividas
por nações não ocidentais. Os processos de modernização resultam da perspectiva de
universalização da experiência vivida pelo Ocidente. A modernização não tem a amplitude
nem a radicalidade da modernidade e, em boa parte, tem implicado na permanência de
traços significativos das sociedades tradicionais, caracterizando processos parciais e,
portanto, dando outra configuração ao estilo de vida viabilizado no Ocidente.
Todavia, antes que se estabeleça mais uma alternativa de periodização entre tantas já
existentes, talvez seja interessante estabelecer o sentido da utilização deste recurso
metodológico.
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Antes de mais nada é preciso enfatizar que há uma estreita sintonia entre a maneira de
periodizar e o tipo de análise pretendida. Uma forma mais radical de fazer esta mesma
afirmação seria dizer que as periodizações são recursos analíticos elaborados
posteriormente às conclusões hipotéticas, ou à maneira como se concebe o problema. Como
adverte Bachelard, “... na vida científica os problemas não se formulam de modo
espontâneo.(...) Nada é evidente. Nada é gratuito. Tudo é construído.” (BACHELARD,
1996:18).
Todavia, por mais diversas que sejam as periodizações e por mais desencontrados que
sejam os critérios utilizados na identificação das diferentes fases, algumas regularidades são
observáveis nestes recursos analíticos. Uma destas regularidades é aquilo que se pode
chamar de esquema trifásico. Há um período de surgimento da experiência moderna, que
em geral, situa-se por volta dos séculos XVI e XVII e se estende até o final do século
XVIII. O Renascimento, a Reforma Protestante, o Mercantilismo, as Grandes Navegações e
o Absolutismo são os eventos mais marcantes desta fase. Na expressão de NIETZCHE, a
marca deste tempo lê “a morte de Deus” e o nascimento do homem. Nesta época, as
pessoas estão apenas começando a experimentar a vida moderna e mal fazem idéia do que
as atingiu. (BERMAN, 1992).
A terceira fase equivale ao próprio século XX, de maneira mais acentuada a partir dos anos
50, quando a modernidade se expande e, ao mesmo tempo, “... se multiplica em uma
multidão de fragmentos, que falam linguagens incomensuravelmente confidenciais...”
(BERMAN, 1992:17).
É neste ponto que situa-se o problema que se pretende aqui analisar. O ponto de partida é a
noção de que o projeto da modernidade perdeu contato com suas raízes e que enfrenta neste
final do século XX uma crise. Alguns indicativos desta “crise da modernidade” relacionam-
se ao mundo do trabalho, às relações entre a esfera pública e a privada, à predominância da
razão instrumental e ao problema da liberdade. Nesta fase atual, a modernidade “...despeja
a todos num turbilhão de permanente desintegração e mudança, de luta e contradição, de
ambigüidade e angústia.” (BERMAN, 1992:15).
Antes da era moderna o indivíduo tem uma vida cercada de “impedimentos externos”.
Preso a estes “impedimentos externos” o indivíduo perde a sua condição de agente, capaz
de definir o sentido de suas ações, assemelhando-se mais a um ator que interpreta papéis
não definidos por ele próprio.O que caracteriza o processo de individuação é exatamente o
afrouxamento de tais mecanismos de controle e o surgimento de condições favoráveis à
expansão da consciência individual.
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No mundo grego, por exemplo, a falta de autonomia do indivíduo poder ser captada no
pensamento de dois dos mais ilustres homens deste tempo: Platão e Aristóteles. Uma das
premissas centrais do pensamento de Platão refere-se à preexistência da alma em relação ao
corpo. Isso significa que a alma humana, antes de submeter-se ao cárcere do corpo,
experimentara um contato com os deuses, quando teria adquirido certos dons. Conhecer
seria então lembrar, reconhecer, tomar consciência daquilo que já está pré-determinado.
Mas a negação mais enfática de Platão à individuação talvez esteja na maneira como ele
concebe o seu ideal de sociedade, “A República”, que é essencialmente coletivista e
harmônica, dado o grau de absorção do indivíduo pelo corpo social. Tudo na comunidade
imaginada por Platão era coletivizado e tudo aquilo que pudesse despertar outro sentimento
deveria ser erradicado: Platão era pela dissolução da família, da propriedade privada e até
mesmo da amizade. Por outro lado, no pensamento de Aristóteles, as capacidades
individuais nunca eram construídas pelo próprio indivíduo em relação com os outros no
mundo, mas uma dádiva da natureza. Assim, por exemplo, é que se justificava a escravidão.
“Não é apenas necessário, mas também vantajoso que haja mando por um lado e
obediência por outro; e todos os seres, desde o primeiro instante do nascimento, são,
por assim dizer, marcados pela natureza, uns para comandar, outros para obedecer.”
(ARISTÒTELES, 1991:11/12).
Afirmação semelhante pode ser feita em relação ao período medieval. Num contexto
teocêntrico, onde a população vivia dispersa nos campos, dominada pelo medo, pela
ignorância e pelas noções de pecado e de destino, o indivíduo era uma presa fácil dos
“condicionamentos externos”, particularmente de uma concepção que prometia a salvação e
a vida eterna aos abnegados, fora deste mundo evidentemente. Neste período, a falta de
autonomia do indivíduo era tão evidente que até mesmo determinadas formas de
pensamento podiam ser condenadas e punidas.
É somente por volta do século XVI que o conceito de indivíduo começa a aparecer no
pensamento social. E se o conceito começa a ser pensado é porque a existência real do
agente individual começa a se tornar evidente. Afinal, como sugere Hegel, “a coruja de
Minerva só voa ao entardecer”. É por isso que se pôde afirmar que o ano de 1513 é
fundamental para se compreender o processo de individuação. Foi neste ano que Maquiavel
escreveu um manual para governantes e é nele que se reconheceu, pela primeira vez, a
existência de uma outra fonte de poder: o público. A política perde o seu manto sagrado e o
poder passa a ter outra fonte de legitimidade, a vontade dos indivíduos.
É particularmente na lição XXV de “O Príncipe” que Maquiavel busca resposta para uma
inédita e ousada indignação: o quanto podem, por um lado, o destino, a sorte, as
contingências ou a fortuna e, por outro lado, a vontade individual, as escolhas ou a “virtú”,
na vida das pessoas e na história das sociedades? A resposta, inicialmente, é hesitante:
“Não ignoro que muitos homens têm sido e são de opinião que as coisas do mundo
são de tal maneira dirigidas pela sorte e por Deus, que os homens não podem com
sua prudência corrigi-las, e nem mesmo têm recursos para fazê-lo; e que, por isso,
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julgarão que não convém afadigar-se muito em relação às coisas, mas deixar-se
conduzir pela sorte.” (MAQUIAVEL, MCMLXXVI: 143)
“Não obstante, desde que o nosso livre arbítrio não se extinguiu, julgo poder ser
verdade que a sorte seja árbitro da metade das nossas ações, mas que certamente nos
deixe governar a outra metade ou quase.” (MAQUIAVEL, MCMLXXVI: 143).
Já no início do século XVI, num contexto ainda fortemente teocêntrico, Maquiavel começa
a substituir o destino pela história, o controle pela autonomia e o “pecado” pela liberdade.
Pelo menos passa a reconhecer que ao lado dos “condicionamentos externos” existe aquilo
que ele próprio chamou de “livre arbítrio”. Daí em diante o agente individual ganha cada
vez mais espaço em todas as reflexões sobre a vida, a sociedade e a história humana.
Mas é cerca de cem anos depois que surge a reflexão mais enfática até então produzida
sobre a relação entre o agente individual e os “condicionamentos externos” e,
conseqüentemente, sobre o próprio conceito de liberdade. É em “O LEVIATÔ, do inglês
Thomas Hobbes, que o sujeito individual configura-se literalmente como potência, como
uma máquina de desejar e capaz de mover-se de forma incessante e obstinada em busca do
prazer e da felicidade.
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“... o homem é uma máquina natural (...) que tem como propriedades desejar e agir,
ou seja, deliberar e se mover em função desse dado primeiro que é o desejo. O
homem, individualmente corporal, é fundamentalmente potência. (...) ele
experimenta enquanto máquina sensível, sentimentos entre os quais predominam a
inveja e o medo, em particular o medo de sofrer e de morrer.” (CHATELET,
1990:50/51).
Sendo resultado de um pacto firmado entre os próprios sujeitos individuais, que, por força
da natureza, continuam egoístas e desejosos do poder, da honra, da glória e da riqueza, a
sociedade seria artificial e frágil, necessitando pois de ter sua existência assegurada por um
Estado Absoluto. Com isso Hobbes justifica o absolutismo do Estado sem se apoiar no
teologismo medieval, adotando o próprio indivíduo como fonte legitimadora deste poder.
Vale lembrar que é exatamente nesta fase da modernidade, particularmente em 1719 e não
por mera coincidência, na Inglaterra, que Daniel Defoe escreveria “Robson Crusoé: a
conquista do mundo numa ilha” (1986). Fora da modernidade seria difícil imaginar que um
homem, abandonado à sua própria individualidade, conseguisse viver 23 anos isolado numa
ilha do Caribe e, mais que isso, racionalizar, instrumentalizar e dominar o seu entorno.
Seria igualmente inimaginável, em outra época, um sujeito despojado como Robson
Crusoé, movido apenas pelo desejo de aventura.
Durkheim adota como ponto de partida o seguinte problema: o que faz com que uma
coleção de indivíduos diferentes vivam em sociedade? Interessante é notar que a própria
maneira de colocar o problema já evidencia o grau de preocupação que o autor, em sua
análise sociológica, dispensará ao agente individual, ou melhor, ao problema de garantir a
existência estável das coletividades sociais num contexto de crescente individuação. A
resposta de Durkheim à questão – que também não era sua, mas de seu tempo – o conduz à
diferenciação entre dois tipos de sociedade, as simples e as complexas, sendo que a
especificação fundamental está no tipo de relação que, nelas, se estabelece entre o
indivíduo e a coletividade, ou, para utilizar termos mais precisos, entre a “consciência
coletiva” e as “consciências individuais”.
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No estatuto teórico de Durkheim, sociedades simples são microssociedades, são
comunidades ou pequenas coletividades sociais que se diferenciam pela natureza do
vínculo recíproco, ou seja, de solidariedade, que prevalece entre seus integrantes. Nas
sociedades simples, que são também as sociedades pré-modernas, o fundamento da
solidariedade ou do vínculo recíproco é a semelhança entre os integrantes da coletividade
social. Nestas coletividades sociais a consciência coletiva prepondera sobre as consciências
individuais e, por isso, a solidariedade é mecânica. De forma enfática, Durkheim sustenta
que, nestas sociedades, a consciência coletiva é, simultaneamente anterior e posterior,
exterior e interior às consciências individuais. Neste caso, a consciência individual é apenas
depositária da consciência coletiva, da tradição e dos costumes.
De qualquer forma, para o raciocínio que aqui está sendo desenvolvido, pouco significado
têm as divergências entre o contratualista Thomas Hobbes e o sociocrata Emile Durkheim:
mais significativa é a centralidade que o agente individual ocupa em ambos os estatutos
teóricos.
Entretanto, para ser fiel à periodização sugerida, nesta fase da modernidade que vai dos
séculos XVI ao XVIII, o mundo social está apenas começando a experimentar a
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emancipação das consciências individuais e mal faz idéia das conseqüências que este fato
desencadeia nos séculos seguintes: o individualismo como estilo de vida.
No século XIX o mundo ocidental presencia de forma intensa aquilo que Durkheim
conceituou como processo de complexificação das coletividades sociais. As sociedades
passam a experimentar um avolumamento e um adensamento. Trata-se da expansão dos
centros urbanos e da formação das grandes cidades: o principal cenário da vida moderna.
Nas cidades, como afirma HARVEY, demasiadas pessoas “perdem o rumo no labirinto”,
tornando-se fácil demais “nos perder uns dos outros e de nós mesmos”. Isso significa que
há, nos centros urbanos, algo de estressante e desestabilizador, mas há, também, algo de
libertador na medida em que o indivíduo passa a conviver com a possibilidade de
desempenhar muitos e distintos papéis.
Foi neste cenário que Max Weber concebeu um novo estatuto para o agente individual no
campo das ciências sociais, atribuindo-lhe o status de única entidade capaz de conferir
sentido às suas ações. Foi também neste ambiente que o sociólogo alemão pensou um novo
conceito de sociedade, não mais como uma entidade distinta e transcendente aos
indivíduos, mas como uma trama constituída pelas ações de sujeitos racionais capazes de
prever, avaliar e situar-se uns em relação aos outros. Neste quadro, a sociedade deixa de
aparecer como um dado da natureza, para ser o resultado de uma reconciliação e de um
equilíbrio de interesses individuais motivados por juízos racionais.
Esta expansão das cidades e a formação dos grandes centros urbanos estava diretamente
relacionada a um outro evento significativo do século passado: a transformação da ciência
em tecnologia e a eclosão da primeira e da segunda revoluções industriais. Ao se expandir
para atender a um mercado cada vez mais massificado, a indústria arrastou para as cidades
grandes contingentes populacionais antes dispersos nos campos ou em vilas isoladas.
Desenraizados e deslocados da tradição e do mundo rural, esses novos habitantes são
lançados ao anonimato das grandes cidades.
Captadas essas influências, o mundo nunca mais foi o mesmo e nenhuma outra era ousou
tanto fazer história como os modernos: a era moderna é a própria era das revoluções e das
permanentes rupturas, sociais e pessoais.
Pretende-se aqui sustentar a idéia de que a modernidade perdeu contato com suas raízes e
com os ideais de liberdade construídos nas eras renascentista e iluminista. Como
conseqüência dessa crise, a liberdade e a razão emancipadora revelam suas outras faces: a
dominação, a instrumentalização e a opressão.
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angústia. Ser moderno é fazer parte de um universo no qual, como disse Marx,
“tudo que é sólido desmancha no ar”. (BERMAN, 1992:15).
Uma terceira conseqüência deste processo é a própria redução dos postos de trabalho e os
crescentes índices de desemprego, sub-emprego e informalização da economia. E é neste
ponto que a crise do mundo do trabalho relaciona-se diretamente à própria “crise da
modernidade”. O desemprego estrutural afeta o moderno estilo de vida de duas formas.
Uma delas é a retirada ou afastamento do mercado de consumo de um número crescente de
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indivíduos. Vale dizer que, num estilo de vida em que o consumismo e a exacerbação dos
valores materiais são características marcantes, o afastamento do mercado de consumo não
é um fenômeno de importância secundária. A outra forma refere-se ao fato de que esta crise
abala um dos valores estruturantes da modernidade: a ética do trabalho. Como sugere
CAPISTRANO FILHO (s/d), foram necessários séculos e séculos antes que a civilização
burguesa suprimisse a imagem maldita de que o trabalho é algo negativo e semelhante a um
castigo. Isso aconteceu
“... não por um mero exercício do pensamento, mas porque uma série de mudanças nas
condições materiais de nossa existência tornou isso possível. No campo das idéias, o
Renascimento provocou uma valorização da condição humana que, amplificada pela
Reforma, o Iluminismo e a tradição socialista clássica, deu ao trabalho uma dimensão ético-
moral: não só criou valor como integrou o indivíduo ao mundo de seus semelhantes.”
(CAPISTRANO FILHO, s/d).
Todavia, ao final do milênio, “... somos surpreendidos por uma nova maldição que começa
a oprimir nossos cérebros: a crescente escassez do próprio trabalho”. (CAPISTRANO
FILHO, s/d).
Sem trabalho o indivíduo não apenas é afastado do mercado de consumo, mas levado a
experimentar a sensação de vazio existencial. Como sugere Albert Camus, “sem trabalho
toda uma vida apodrece”.
Não se sugere com isso que o trabalho esteja perdendo a centralidade, afinal,
“... a posição social do indivíduo, sua chance de participação na configuração da
política e sua cultura, permanecem essencialmente determinadas por sua posição no
sistema produtivo. (...) o trabalho permanece, ainda, (...) como força motivadora
central na vida dos indivíduos.” (DELUIZ, 1993: 129).
Além disso, por mais radicais que sejam as transformações na esfera produtiva, decorrentes
das inovações tecnológicas, organizacionais e gerenciais, elas não “... permitem concluir
pela perda dessa centralidade no universo de uma sociedade produtora de mercadorias.”
(ANTUNES, 1998: 75), pois, “... o aumento crescente do capital constante em relação ao
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variável reduz relativamente, mas não elimina, o papel do trabalho coletivo na produção de
valores de troca.” (ANTUNES, 1998:75).
Além disso, o “postismo” revela apenas uma consciência de ruptura e não uma ruptura real,
pois a
“A racionalização crescente da produção industrial pela aplicação da tecnologia de
ponta, e especialmente da informática, tem como efeito evidente reduzir o número
de trabalhadores empregados no setor secundário, mas não o de debilitar o sistema
industrial como tal pois pertence à lógica desse sistema o contínuo aumento de
produtividade, pela constante redução da mão-de-obra assalariada. A informatização
da sociedade torna mais eficiente o sistema industrial, em vez de aboli-lo.”
(ROUANET, 1986: 88).
Para este autor, um dos traços mais evidentes dessas transformações é que elas apontam
para uma desregulação da vida econômica, social e política, o que traz, como
conseqüências inevitáveis,
Mas é CASTEL que adverte para uma particularidade das atuais metamorfoses sociais. Para
este autor, é
CASTEL também recusa o “postismo”, pois a sociedade atual é ainda maciçamente uma
“sociedade salarial”. Todavia, ele chama a atenção para a emergência de um novo tipo de
individualismo; não mais do individualismo positivo e conquistador, presente nos
contratualismos dos séculos XVI, XVII e XVIII, mas de um individualismo negativo que
reúne a “independência completa do indivíduo e sua completa ausência de consistência”.
Esse individualismo negativo resulta da crescente produção de “inúteis para o mundo”.
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“O vagabundo representa-lhe o paradigma. O vagabundo é um ser absolutamente
desengatado (desfiliado). Só pertence a si mesmo e não é “homem” de ninguém, nem pode
se inserir em nenhum coletivo. É um puro indivíduo e, por isso, completamente
despossuído. É individualizado a tal ponto, que está superexposto: desprende-se do tecido
encorpado das relações de dependência e de interdependência que estruturam a sociedade.”
(CASTEL, 1998: 597).
7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS