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O Papel dos Microorganismos no Futuro dos

Biocombustíveis

Escherichia coli (imagem retirada de www.makebiofuel.co.uk)

Raquel Antunes
DPMU – DMP
Inês Cristóvão Silva
Examinadoras de Patentes Cluster das Energias Renováveis

Novembro de 2011
Índice

1. Introdução………………………….……………………...……………………3
2. Os Biocombustíveis……………………………………….…………………..5
2.1. O que são biocombustíveis obtidos a partir de microorganismos?..6
2.1.1. Hidrogénio………………………… …………………………………7
2.1.2. Metano (Biogás)…….………………...……………………………….8
2.1.3. Etanol……………………………………………………...……….……9
3. Microorganismos geneticamente modificados……………….…………..10
3.1. Exemplo 1…………………………………………………….…………10
3.2. Exemplo 2……………………………………………………….………12
3.3. Exemplo 3……………………………………………………………….12
3.4. Exemplo 4……………………………………………………………….14
4. Células de combustível microbianas (MFCs).………………………….…15
4.1. Constituição e funcionamento de uma MFC…………………….…..16
4.2. Processos metabólicos nas MFCs……………………..…………….18
4.3. Mecanismos de transporte de electrões nas MFCs………….…….20
4.4. Parâmetros que condicionam o desempenho das MFCs…..……..22
4.5. Optimização das MFCs…………………...…………………………...23
4.6. Células solares microbianas (MSCs)………………………………...24
4.7. Perspectivas futuras das células de combustível microbianas…...27
5. Diagnóstico tecnológico na área dos biocombustíveis obtidos a partir de
microorganismos……………………………………………..……………....29
6. Panorama nacional na área dos biocombustíveis obtidos a partir de
microorganismos……………………………………………..……………....34
7. Considerações finais…………………………...…………………………....35
8. Bibliografia…………………………….………………………………………36

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1. Introdução

As crescentes preocupações sobre a diminuição da disponibilidade dos


combustíveis fósseis, juntamente com os problemas ambientais resultantes da
sua exploração, produção e utilização, têm estimulado a investigação científica
de forma a desenvolver e melhorar a síntese de biocombustíveis a partir de
recursos renováveis. Um dos principais problemas ambientais da utilização de
combustíveis fósseis como o gasóleo é a emissão de gases para a atmosfera,
em especial do dióxido de carbono. A queima deste combustível liberta gases
que provocam o efeito de estufa e, consequentemente, o aquecimento global
do planeta. Esta emissão de gases é minimizada com a utilização de
biocombustíveis, sendo a cana-de-açúcar um exemplo claro desta diminuição.
A substituição dos combustíveis ditos tradicionais por biocombustíveis
acarreta não só vantagens ambientais, mas também político-económicas.
Desta forma, a nível político-económico, uma grande vantagem é tornar as
nações mais independentes dos combustíveis fósseis esgotáveis e também
dos próprios fornecedores, não ficando assim sujeitas às variações de
mercado. Uma outra vantagem resulta na geração de desenvolvimento rural,
em especial nos países em desenvolvimento, e que têm grande potencial para
a produção de biomassa. É o caso dos países africanos, latino-americanos e
asiáticos.
Os biocombustíveis constituem recursos não-tóxicos, biodegradáveis e
renováveis, e estão associados a vantagens ambientais uma vez que permitem
a redução das emissões poluentes, nomeadamente de gases com efeito de
estufa, pelo que, no panorama actual, representam uma alternativa energética
cada vez mais explorada. Actualmente, a biomassa abrange cerca de 10% da
demanda mundial de energia primária. Contudo, a actual geração de
biocombustíveis com recurso a culturas alimentares, como canola, milho, soja,
açúcar e colza têm conduzido a um aumento do preço dos alimentos e à
desflorestação agravada, além de produzirem elevadas emissões de gases
com efeito estufa.

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Contra um cenário de subida dos preços do petróleo, o esgotamento dos
recursos, a instabilidade política em países produtores e os desafios
ambientais, além da eficiência e uso inteligente, unicamente a biomassa
apresenta o potencial de substituir a fonte energética primordial de uma
civilização com uma elevada demanda de combustíveis. Nesta perspectiva, a
aposta no uso de microrganismos para melhorar a produção de
biocombustíveis apresenta-se como uma realidade cada vez mais significativa
e em franco desenvolvimento. Ainda que actualmente os únicos
biocombustíveis produzidos em grande escala sejam o etanol e o biodiesel,
diferentes classes de moléculas possuem propriedades desejáveis para este
fim e algumas são passíveis de produção por via microbiana. Outras, embora
não sejam normalmente sintetizadas por microrganismos podem vir a sê-lo
através do recurso a ferramentas biotecnológicas.

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2. Os Biocombustíveis

A biomassa vegetal é uma fonte abundante e renovável de energia rica


em hidratos de carbono que pode ser eficientemente convertida por
microorganismos em biocombustíveis, dos quais apenas o bioetanol é
produzido em escala industrial. O biometano (biogás) é produzido em larga
escala, mas ainda não é utilizado para os transportes. O biobutanol está na
agenda de várias empresas e poderá ser usado num futuro próximo como um
suplemento para a gasolina e diesel. Biohidrogénio, biometanol e biodiesel
produzido por microorganismos necessitam ainda de mais desenvolvimentos
para poderem ser considerados como substituintes completos dos
combustíveis fósseis (figura 1).

Figura 1 – Biocombustíveis obtidos a partir de microorganismos, tendo como substrato


biomassa.

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2.1 O que são biocombustíveis obtidos a partir de
microorganismos?

Os microorganismos convertem biomassa em produtos químicos que


podem ser utilizados como biocombustíveis nos transportes. Esta produção de
combustível não é, no entanto, nova: a fermentação e a destilação de álcool
são feitas há muito tempo pelo Homem, sendo no entanto a finalidade o
consumo directo pelo Homem e não para uso em motores de combustão. A
produção de metano, etanol e butanol por microorganismos já é conhecida há
muitos anos, estando a ser actualmente desenvolvidas as tecnologias para
produção de biohidrogénio e óleo de algas. O metano é produzido por digestão
anaeróbia de resíduos orgânicos. O seu uso como combustível é limitado,
sendo maioritariamente usado na produção combinada de calor e electricidade.
O biohidrogénio é usado em células de combustível de hidrogénio para gerar
electricidade. A produção corrente está limitada pelo custo dos reactores
necessários para a síntese fotoquímica, e também pela baixa produtividade da
fermentação anaeróbia. Os óleos provenientes de microalgas são considerados
uma tecnologia nova. Cerca de 40% da massa de algumas microalgas é óleo
que pode ser extraído e usado com biodiesel.
Estudos desenvolvidos nos Estados Unidos da América mostram que as
bactérias e as cianobactérias geneticamente modificadas logo poderão ser
mais importantes do que as plantas para a produção de biocombustíveis.

A seguinte descrição de diferentes formas de se obter biocombustíveis é


direccionada para metodologias que envolvem fermentação por
microorganismos, nomeadamente bactérias e leveduras (a descrição abaixo foi
feita de acordo com Antoni et al., 2007). Qualquer processo de fermentação
microbiana requer uma fonte de energia para “alimentar” os microorganismos,
que é obtida a partir de biomassa na forma de açúcares. Serão descritos 3 dos
possíveis produtos que se podem obter, como biocombustíveis, da
fermentação realizada por microorganismos. Para além dos abaixo descritos,
salienta-se ainda o papel do n-butanol, do metanol e biodisel (éster

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monoalquilo de áidos gordos obtido de óleos vegetais) na produção das ditas
energias limpas.

2.1.1 Hidrogénio

A produção de bio-hidrogénio pode ser encarada como uma boa


alternativa para fornecer uma fonte de energia económica, não-poluente e com
uma boa relação custo-benefício.
O hidrogénio pode ser biologicamente produzido por algas ou
cianobactérias através de fotólise da água ou por bactérias fotossintéticas a
partir de substratos orgânicos. Adicionalmente, também pode ser produzido por
organismos anaeróbios através de fermentação na ausência de luz de
substâncias orgânicas, tais como bactérias acidogénicas. Este processo tem
também a vantagem de reduzir a massa de resíduos orgânicos. Rendimentos
altos de hidrogénio podem ser conseguidos usando bactérias termófílas, como
por exemplo Caldicellulosiruptor saccharolyticus ou Thermotoga elfii.
O hidrogénio é um produto comum em fermentações anaeróbias
bacterianas e poderá ser um subproduto bastante interessante da fermentação
industrial a larga-escala. Como exemplo pode-se dar o caso de uma fábrica
russa de biobutanol que, entre 1960 e 1980, produziu anualmente cerca de
40x106 m3 de H2 e 60x106 m de CO2 como subprodutos, que não foram usados
na altura.
A produção de bio-hidrogénio por microorganismos ainda não está
desenvolvida numa tecnologia que seja economicamente sustentável, o que
corresponde a uma atraso nas expectativas que tem sido depositadas neste
gás. A produção biológica a partir de biomassa renovável, que o tornaria numa
fonte de energia primária sustentável, ainda necessita de mais pesquisa e
desenvolvimento.
O hidrogénio pode também ser usado em células de combustível para
criar energia eléctrica nos transportes. A BMW defende que a tecnologia da
utilização de hidrogénio em motores de combustão está já amadurecida,
enquanto que outras companhias se focam no uso de células de combustível.

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Apesar de carros que usem células de combustível serem tecnicamente
viáveis, a Volkswagen anunciou que os carros a hidrogénio não terão um papel
relevante no mercado até 2020.

2.1.2 Metano (biogás)

As fábricas de biogás produzem gás metano de uma forma sustentada,


juntamente com dióxido de carbono, a partir de biomassa. A vantagem do
processo de biogás é a possibilidade de utilizar os constituintes polissacáridos
da biomassa para a produção de energia (por exemplo, energia eléctrica e
calor) em complexos industriais relativamente pequenos. Alternativamente, o
gás pode ser comprimido depois da purificação e enriquecido, sendo depois
usado como combustível na combustão de motores ou carros. A grande
vantagem desta tecnologia é ser amiga do ambiente, que inclui o potencial para
uma completa reciclagem de minerais, nutrientes e material fibroso. A
biomassa que poder usada como substrato é muito diversificada, variando
entre estrume, restos animais e vegetais e resíduos domésticos.
A formação de biogás a partir de fibras vegetais é, regra geral, um processo
com três fases, que envolve um conjunto diferente de microorganismos
anaeróbios e aeróbios facultativos em cada fase:
1- Hidrólise de polissacáridos, proteínas e gorduras em açúcares, ácidos
gordos e glicerol. Este passo é seguido pela acidogénese, que consiste
na fermentação destes compostos em ácido acético, ácido propiónico,
ácido butírico, dióxido de carbono, hidrogénio, álcoois e outros
compostos secundários.
2- Acetogénese: produção de ácido acético e dióxido de carbono.
3- Metanogénese com até 70% (v/v) de CH4 e 30% CO2 e os subprodutos
NH3 e H2S, por algumas bactérias que são sensíveis a acidificação, a
acumulação de amónia, a baixas concentrações de oxigénio.

A grande quantidade de plantações necessárias para a produção de biogás


tem provocado algumas discussões no seio dos ambientalistas, especialmente

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na Alemanha, sobre a temática da deprivação nutricional do solo por utilização
excessiva de monoculturas. No entanto, uma rotatividade adequada de culturas
poderá minimizar estes efeitos.
Uma vez que esta é uma área em crescimento, são espectáveis
desenvolvimentos tecnológicos para aumentar a eficiência de produção de
biogás. Actualmente, cerca de 70% da matéria orgânica presente na biomassa
é transformada em CH4 e CO2. Para que esta percentagem aumente é
necessário que a fase de hidrólise seja melhorada. A separação dos processos
para hidrólise e para acetogénese/ metanogénese permite a aplicação de
diferentes condições óptimas para as duas fases, tais como o ajustamento da
temperatura e pH. Para além dos tradicionais processos mesófilos, os
processos termófilos têm vindo a ser utilizados mais frequentemente para
acelerar as reacções e particularmente para optimizar a hidrólise da biomassa.

2.1.3 Etanol

A fermentação de bioetanol é o processo microbiano realizado em maior


escala. A produção industrial de etanol usa, regra geral, melaço de cana-de-
açúcar ou amido hidrolisado enzimaticamente (proveniente do milho) e
fermentação descontínua com Saccharomyces cerevisiae para produção de
etanol. Este processo tem como subprodutos CO2 e pequenas quantidades de
metanol, glicerol, etc, e o etanol que daqui resulta é para uso directo como
combustível (isto é, não necessita de qualquer tratamento adicional).
A fermentação de açúcares, presentes em biomassa celulósica, é um
processo realizado pela maioria das bactérias, sendo Zymomonas mobilis uma
das espécies que maior rendimento tem na produção de etanol por
fermentação. Neste caso, esta bactéria actua em substratos de sacarose,
glicose e frutose que são catalisados através da via Entner-Doudoroff. Esta via
produz também alguns subprodutos, como o sorbitol, glicerol, ácido acético,
entre outros.

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A fermentação biológica de etanol a partir de melaço é uma tecnologia já
considerada madura, enquanto que a utilização de substratos não-alimentares,
como os resíduos celulósicos, é um processo em desenvolvimento.

3. Microorganismos geneticamente modificados

A modificação genética de bactérias e outros microorganismos consiste


na manipulação de genes, isto é, no isolamento, manipulação e introdução de
DNA, com o intuito de exprimir outro (s) gene (s). O objectivo principal é pois a
introdução de novas características que levem a um aumento de produtividade.
São conhecidos vários casos de manipulação genética de microorganismos
(bactérias e cianobactérias) na produção de biocombustíveis. Seguem alguns
exemplos ilustrativos da relevância desta metodologia neste sector.

3.1. Atsumi et al. (2009)

Investigadores da UCLA (Universidade da Califórnia, Los Angeles)


modificaram geneticamente uma cianobactéria de forma a fazê-la consumir
dióxido de carbono e produzir isobutanol, que tem grande potencial como
alternativa à gasolina, através de fotossíntese. Este processo tem duas
vantagens face à meta global de alcançar uma economia sustentável, que
utilize energia limpa. Em primeiro lugar, é uma forma de reciclar dióxido de
carbono, reduzindo assim as emissões de gases de efeito de estufa. Em
segundo lugar, é usada energia solar para converter o dióxido de carbono num
combustível líquido que poderá ser utilizado, por exemplo, em automóveis.
As actuais alternativas à gasolina, que incluem os biocombustíveis
derivados de plantas e/ou algas exigem várias etapas intermédias antes de
gerar os combustíveis, nomeadamente o processamento da biomassa. Esta
abordagem, de acordo com o responsável do projecto, James C. Liao, evita a
necessidade de processamento da biomassa, que representava uma grande

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barreira económica para a produção de biocombustíveis. Esta tecnologia é
assim potencialmente mais eficiente e menos dispendiosa.
Usando a cianobactéria Synechoccus elongatus, estes investigadores
aumentaram, geneticamente, a quantidade da enzima RuBisCo, que fixa o
dióxido de carbono. Seguidamente, foram introduzidos genes de outros
microorganismos para originar uma estirpe que use dióxido de carbono e luz
solar para produzir o gás isobutiraldeído.

Figura 2 – Synechoccus elongatus (imagem retirada de http://rna-seqblog.com/transcrioptome-


sequenced/a-high-resolution-map-of-a-cyanobacterial-transcriptome/).

Estas cianobactérias geneticamente modificadas podem produzir


isobutanol directamente, mas estes investigadores afirmam que é mais fácil
usar um processo de catálise já existente e relativamente barato para converter
o gás isobutiraldeído em isobutanol. Seria particularmente interessante instalar
uma fábrica produtora de biocombustível, com base nestas cianobactérias
geneticamente modificadas, perto de uma fábrica que emita dióxido de
carbono, como por exemplo, uma central termoeléctrica. Isto permitiria que o
gás de efeito de estufa fosse capturado e reciclado directamente em
combustível líquido. Para que isto se torne uma realidade é necessário
aumentar a produtividade das cianobactérias e diminuir o custo do biorreactor.

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3.2. Liu e tal. (2011)

Uma equipa de investigação da Universidade do Arizona também usou


cianobactérias fotossintéticas geneticamente modificadas para produção de
energia, mas numa abordagem diferente. O grupo do Professor Roy Curtiss
usou genes de um bacteriófago (microorganismo que ataca bactérias) para
“programar” as cianobactérias a se autodestruírem, permitindo a recuperação
de gorduras ricas em energia, e dos seus subprodutos, os biocombustíveis.
Segundo Curtiss, as cianobactérias são fáceis de manipular geneticamente, e
têm um grande rendimento para os biocombustíveis capazes de substituir a
gasolina e o gasóleo. Mas, para a realização deste potencial, é necessário
fazer a colheita das gorduras, o que actualmente exige uma série de reacções
químicas bastante onerosas. De forma a que as cianobactérias libertem mais
facilmente estas gorduras, o grupo do Prof. Curtiss inseriu-lhes genes de
bacteriófagos, que são controlados com a adição de níquel no seu meio de
cultura. Estes genes são responsáveis pela dissolução das membranas,
havendo assim libertação das gorduras.

3.3. Steen et al. (2010)

Cientistas americanos incorporaram no DNA da bactéria Escherichia coli


genes que lhe permite sintetizar enzimas que processam a celulose,
transformando-a em açúcares, que por sua vez são usados para produzir
biocombustível de forma directa. Depois de, através da Engenharia Genética,
cientistas americanos terem conseguido que cianobactérias transformassem
dióxido de carbono em biocombustível (exemplo 1) outra equipa de
investigadores da Universidade da Califórnia desenvolveu um processo
alternativo para obter combustível biológico recorrendo a Escherichia coli.
Numa primeira fase os investigadores clonaram genes de duas espécies de
bactérias que ocorrem no solo e no sistema digestivo de animais herbívoros
que são responsáveis pela produção de enzimas que processam a celulose,

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biomassa vegetal. Depois de adicionarem algumas outras sequências de
aminoácidos que induzem a secreção dessas enzimas, estas sequências foram
importadas para o DNA de E. coli. Numa segunda fase, e segundo explica o
líder da equipa Jay Keasling “Incorporámos genes que permitem produzir
ésteres de biodiesel de ácidos gordos e etanol”, conseguindo com isto que as
bactérias fabricassem biocombustível passível ser directamente usado.
Adicionalmente, o biocombustível produzido é excretado pelas bactérias,
migrando para a superfície do recipiente onde decorre o processo pelo que não
é preciso recorrer à destilação nem a qualquer outro tipo de purificação, nem é
necessário romper as células para o obter, como acontece na produção de
biocombustível a partir de algas. Com este método é possível produzir
hidrocarbonetos com mais de 12 átomos de carbono, que são componentes do
gasóleo, ou do combustível de aviões, mas não é ainda possível produzir os
hidrocarbonetos de cadeias mais curtas - com por exemplo com 8 átomos de
carbono - que constituem a gasolina.

Figura 3 – Escherichia coli (imagem retirada de


http://www.universityofcalifornia.edu/everyday/agriculture/ecoli.html)

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3.4. Bond-Watts et al. (2011)

Mais uma vez na Universidade da Califórnia, desta vez em Berkeley, um


grupo químicos modificou bactérias para produzir um biocombustível, com as
mesmas funções que a gasolina, a uma taxa cerca de 10 vezes superior a
outros microorganismos. Várias espécies da bactéria Clostridium produzem
naturalmente uma substância química chamada n-butanol (butanol normal) que
tem sido proposto como um substituto para gasóleo e gasolina. Enquanto que a
maioria dos investigadores, incluindo algumas empresas de biocombustíveis,
têm alterado geneticamente Clostridium para aumentar sua capacidade de
produzir n-butanol, outros têm modificado outros microorganismos, como
leveduras e E. coli considerados mais fáceis de crescer à escala industrial, com
enzimas provenientes de Clostridium, de forma a torná-los em “fábricas” de n-
butanol.

Figura 4 – via metabólica pela qual a glicose é transformada em n-butanol. A via, tomada a
partir de Clostridium e inserida em E. coli, é composta por 5 enzimas que convertem a acetil-
CoA, um produto do metabolismo da glicose, em n-butanol.

Embora esta técnica tenha produzido resultados promissores, a


produção de n-butanol tem sido limitada a pouco mais de 0,5 g/l, muito abaixo
das quantidades necessárias para a produção a preços acessíveis. Estes
investigadores introduziram esta mesma via metabólica em E.coli, mas
substituíram 2 dos 5 enzimas por outras enzimas semelhantes de outros
organismos, evitando assim a reconversão de n-butanol nos seus precursores
químicos. Esta nova E. coli modificada geneticamente produz cerca de 5 g/l de

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n-butanol, praticamente o mesmo que Clostridium. Ao todo, foram inseridos
genes de Clostridium acetobutylicum, Treponema denticola and Ralstonia
eutrophus em E. coli.

4. Células de combustível microbianas (MFCs)

O uso de combustíveis fósseis, especialmente petróleo e gás, tem


acelerado nos últimos anos, o que resultou na crise energética que se vem a
observar a nível global. A bioenergia renovável é vista como uma das formas
de reduzir a dependência energética e o impacto do aquecimento global.
Combustíveis como o etanol, butanol, metano e hidrogénio podem ser
produzidos por microorganismos. Por sua vez, o conceito de utilização de
microorganismos como catalisadores em células de combustível tem vindo a
ser explorado desde os anos 70 (Rabaey e Verstraete, 2005), e as primeiras
células de combustível para tratamento de águas residuais domésticas foram
apresentadas em 1991 (Rabaey e Verstraete, 2005). Contudo, apenas
recentemente têm vindo a ser desenvolvidas células de combustível com
potência superior, o que veio abrir todo um leque de possibilidades para
aplicação prática das mesmas (Rabaey e Verstraete, 2005).
Nos últimos 40 anos tem vindo a ser estudada a possibilidade de
utilização das células de combustível microbianas numa ampla gama de
aplicações, inclusivamente actuando como geradores domésticos, e para
alimentação de pequenos dispositivos electrónicos portáteis, barcos,
automóveis, entre outros (Reddy et al., 2010). Outra área interessante é
desenvolvimento da utilização em larga escala para a conversão de esgotos e
outros resíduos orgânicos em electricidade e a biorremediação de ambientes
contaminados (Reddy et al., 2010). No entanto, a praticabilidade destas
aplicações é ainda limitada. No presente, as Microbial fuel cells (MFCs) podem
produzir corrente suficiente para alimentar pequenos dispositivos electrónicos
por períodos curtos, contudo, o tamanho dessas células impede a sua
incorporação em dispositivos electrónicos para fornecimento de energia.

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4.1 Constituição e funcionamento de uma MFC:

As células de combustível biológicas definem-se como células de


combustível que dependem da catálise enzimática para o seu funcionamento.
Este tipo de dispositivos usa biocatalisadores para transformação directa de
energia química (disponível em substratos bioconvertíveis) em energia eléctrica
através de reacções que envolvem vias bioquímicas. Tal conversão pode ser
conseguida quando os microorganismos mudam do aceitador convencional de
electrões (oxigénio ou nitrato) para um aceitador insolúvel que compõe o ânodo
da célula de combustível (Rabaey e Verstraete, 2005). Existem dois tipos de
células de combustível biológicas: as células de combustível enzimáticas e as
células de combustível microbianas (Gupta et al., 2011). Comparativamente às
células enzimáticas, as células de combistível microbianas (MFCs) eliminam a
necessidade de isolamento de enzimas, proporcionando a utilização de
biocatalisadores mais baratos. Por sua vez, permitem também um
aproveitamento optimizado da percentagem de electrões presentes na matéria
orgânica, uma vez que a incorporação da totalidade de enzimas necessárias
para a completa oxidação de um substrato a dióxido de carbono não seria
praticável. As células de combustível microbianas oferecem a possibilidade de
extrair mais de 90% dos electrões a partir de compostos orgânicos, e podem
ser auto-sustentáveis e renováveis quando populadas com microorganismos
que conservam energia da transferência de electrões para eléctrodos (Reddy et
al., 2010).
As células de combustível microbianas (MFCs) são dispositivos com a
capacidade de utilização do metabolismo bacteriano para produção de uma
corrente eléctrica a partir de uma vasta gama de substratos orgânicos (Fig 5).
Uma MFC é composta por uma câmara anódica e uma câmara catódica,
divididas por uma membrana de transferência de protões (PEM). O
compartimento do ânodo é tipicamente mantido em condições anaeróbias,
enquanto que o cátodo pode ser suspenso em soluções aeróbias ou exposto
ao ar. Os electrões fluem do ânodo para o cátodo por meio de uma
conexão eléctrica externa, que normalmente inclui uma resistência, uma bateria
para ser carregada ou um qualquer dispositivo eléctrico (Reddy et al., 2010).

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Os microorganismos da câmara anódica oxidam os substratos orgânicos
com os quais a câmara é alimentada, gerando electrões e protões durante o
processo, e dióxido de carbono como um produto de oxidação. No entanto, não
há emissão de carbono, porque o dióxido de carbono na biomassa renovável
originalmente vem da atmosfera no processo de fotossíntese.
Ao contrário da combustão directa, os electrões são absorvidos pelo
ânodo e são transportados para o cátodo através de um
circuito externo. Depois de atravessar uma PEM ou uma ponte salina, os
protões entram na câmara catódica onde se combinam com
oxigénio para formar água (Reddy et al., 2010). De um modo geral a reacção
na célula microbiana consiste na decomposição do substrato a dióxido de
carbono e água, com a concomitante produção de electricidade como by-
product.

Figura 5 – Princípio de funcionamento das células de combustível microbianas. O substrato é


metabolizado pelas bactérias, as quais transferem os electrões para o ânodo, quer
directamente através da membrana quer através de transportadores redox móveis. MED:
mediador redox (adaptado de Rabaey e Verstraete, 2005).

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Tabela I – Componentes de uma MFC (adaptado de Reddy et al., 2010)

As MFCs têm vantagens operacionais e funcionais relativamente às


demais tecnologias actualmente utilizadas para produção de energia a partir de
matéria orgânica. Em primeiro lugar, a conversão directa de energia possibilita
uma elevada eficiência de conversão. Por outro lado, as MFCs operam de
forma eficiente à temperatura ambiente e até a baixas temperaturas, o que as
distingue de todos os processos de bioenergia utilizados actualmente. As
MFCs não precisam de tratamento dos gases produzidos uma vez que os
gases emitidos estão enriquecidos em dióxido de carbono e, normalmente, não
têm conteúdo energético útil, e não necessitam de input energético para
aeração, desde que o cátodo seja passivamente arejado. Por último, este tipo
de células de combustível tem potencial para a expansão da sua aplicação em
localizações sem infra-estruturas eléctricas (Rabaey e Verstraete, 2005).

4.2 Processos metabólicos nas MFCs:

Para determinar a produção de energia eléctrica de origem microbiana,


as vias metabólicas subjacentes ao fluxo de electrões e protões deverão ser
determinadas. Por sua vez, além da influência do tipo de substrato, também o
potencial do ânodo vai condicionar o metabolismo. O aumento da corrente das
MFCs irá diminuir o potencial do ânodo, obrigando os microorganismos a
transferir electrões através de complexos mais reduzidos. O potencial do ânodo
irá determinar, portanto, o potencial redox do transportador de electrões final, e
influenciar o metabolismo. Diversas vias metabólicas podem ser consideradas

18
tendo em conta o potencial do ânodo: mecanismo oxidativo de elevado
potencial redox; mecanismo oxidativo de potencial redox médio a baixo e
fermentação, pelo que os organismos utilizados em MFCs variam desde
anaeróbios e anaeróbios facultativos até anaeróbios estritos (Rabaey e
Verstraete, 2005).
Em potenciais elevados, as bactérias podem usar a cadeia respiratória
do metabolismo oxidativo, sendo os electrões e protões transportados através
da NADH desidrogenase, ubiquinona, coenzima Q ou citocromo (Rabaey e
Verstraete, 2005). Processos que usam a fosforilação oxidativa têm sido
usados regularmente em MFCs, com eficiências energéticas até 65%, usando
consórcios bacterianos com Pseudomonas aeruginosa, Enterococcus faecium
e Rhodoferax ferrireducens (Rabaey e Verstraete, 2005). No caso do potencial
do ânodo diminuir, na presença de aceitadores de electrões alternativos tal
como o sulfato, os electrões irão depositar-se nesses componentes. Se não
houver nenhum aceitador alternativo de electrões a fermentação será o
processo principal quando o potencial do ânodo permanece baixo. Diversos
organismos são conhecidos como geradores de produtos de fermentação,
nomeadamente do género Clostridium, Alcaligenes e Enterococcus (Rabaey e
Verstraete, 2005).
Uma MFC, operada a baixa resistência externa, irá gerar inicialmente
baixa corrente durante o crescimento da biomassa, tendo portanto um elevado
potencial anódico, o que resulta na selecção de microorganismos aeróbios
facultativos e anaeróbios. Com o crescimento da cultura o turnover metabólico
e, consequentemente, a corrente, irão aumentar. Um moderadamente elevado
potencial do ânodo irá então favorecer anaeróbios facultativos. Contudo, o uso
de anaeróbios estritos será ainda impedido pelo potencial redox do ânodo e
possivelmente pela intrusão de oxigénio através da membrana (Rabaey e
Verstraete, 2005).
Por sua vez, quando uma elevada resistência é usada, o potencial do
ânodo será baixo, mesmo a baixos níveis de corrente, o que levará à selecção
de anaeróbios facultativos e anaeróbios estritos, limitando as possibilidades na
selecção do consórcio bacteriano (Rabaey e Verstraete, 2005). A tabela II

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apresenta alguns exemplos das espécies e consórcios mais comummente
utilizados em MFCs, respectivos substractos e performance associada.

Tabela II – Performance de MFCs com diferentes espécies bacterianas (culturas axénicas) e


com sistemas de cultura mistos (adaptado de Rabaey e Verstraete, 2005)

4.3 Mecanismos de transporte de electrões nas MFCs:

Em células de combustível microbianas os electrões libertados da


matéria orgânica são transferidos para eléctrodos, de forma a gerar energia
eléctrica, pelo que é necessária a existência de um sistema físico de transporte
para a transferência extracelular. Este transporte pode ocorrer através de
mediadores do transporte de electrões ou através de transportadores
associados à membrana. Assim, os microorganismos poderão ser usados de
diversas formas nas MFCs (Gupta et al., 2011) (Fig. 6):
i) Os microorganismos podem produzir substâncias electricamente activas
através do processo de fermentação. Para efeito de geração de energia
os combustíveis são produzidos em reactores separados e transportados
para o ânodo de uma célula de combustível convencional, pelo que o

20
bioreactor microbiano é mantido separado da célula de combustível (Fig
6d).
ii) Num segundo tipo de configuração a fermentação microbiológica decorre
directamente no compartimento anódico da célula de combustível (Fig 6c).
iii) Num outro tipo de configuração são utilizados mediadores da
transferência de electrões entre o sistema biocatalisador e o eléctrodo. As
moléculas mediadoras aceitam electrões da cadeia transportadora de
electrões do microorganismo e transportam-nos até ao ânodo da célula de
combustível (Fig. 6b). Os mediadores do transporte mais utilizados
incluem a tionina, benzilviologenio, 2.6-diclorofenolindofenol, 2-hidroxi-1,4-
naftoquinona e diversas fenazinas, fenotiazinas, fenoxoazinas, vermelho
neutro, entre outros (Reddy et al., 2010).
iv) Num quarto tipo de configuração são usadas bactérias redutoras de
metais que possuem citocromos na membrana exterior, pelo que têm a
capacidade de comunicar electricamente com a superfície do eléctrodo,
sem necessidade de um mediador electrónico (Fig. 6a).

21
Figura 6 – Exemplo de células de combustível microbianas cuja produção de energia eléctrica
ocorre através de diferentes mecanismos de transferência de electrões para o ânodo. a) Célula
de combustível indirecta. b) Célula de combustível com um mediador do transporte de
electrões. c) Oxidação da glucose a dióxido de carbono com transferência directa de electrões
para a superfície do eléctrodo. d) MFC com duas câmaras distintas .

4.4 Parâmetros que condicionam o desempenho das MFCs:

A potência de uma MFC depende dos processos biológicos e electroquímicos


que nela decorrem (Rabaey e Verstraete, 2005; Gupta et al., 2011):
i) Taxa de conversão de substrato: depende da quantidade de células
bacterianas, da cinética bacteriana (taxa máxima de crescimento específico
da bactérias e afinidade para o substrato), da taxa de carga orgânica, da
eficiência da membrana para o transporte de protões e do potencial do
MFC.

22
ii) Sobrepotenciais no ânodo: geralmente o potencial de circuito aberto de uma
MFC é da ordem de 750 mV. Os principais parâmetros que influenciam o
sobrepotencial são a superfície do eléctrodo, as características
electroquímicas do eléctrodo, o potencial do eléctrodo, e a cinética
juntamente com o mecanismo de transferência de electrões e a corrente da
MFC.
iii) Sobrepotenciais no cátodo: à semelhança das perdas observadas no
ânodo, o cátodo pode apresentar significativas perdas de potencial. Embora
sejam usados mediadores para contrariar esse efeito, para que um cátodo
seja sustentável deverá ser um exposto ao ar.
iv) Desempenho da membrana de troca de protões: a maioria dos estudos tem
aplicado membranas Nafion (Dupont), no entanto o melhor resultado foi
obtido usando uma membrana Ultrex (Membranes Internacional).
v) Resistência interna do MFC: Este factor é dependente tanto da resistência
do electrólito entre os eléctrodos como da resistência da membrana (Nafion
tem a menor resistência). Para uma operação optimizada, o ânodo e o
cátodo devem estar tão próximos quanto possível. Por sua vez, também a
migração de protões influencia significativamente resistência, pelo que uma
agitação adequada pode minimizar essas perdas.

4.5 Optimização das células de combustível microbianas

A optimização biológica das MFCs implica a selecção de consórcios


bacterianos adequados e a adaptação das bactérias a condições optimizadas
do reactor. Por sua vez, a optimização tecnológica pode ocorrer através da
adição de mediadores redox solúveis (Gupta et al., 2011; Reddy et al., 2010). A
selecção de mediadores tem sido até agora empírica e, geralmente, apenas
mediadores de baixo potencial, na ordem de -300 mV ou mais reduzidos, foram
avaliados como favoráveis. Para uma optimização das MFCs deverão,
portanto, ser seleccionados mediadores redox com um potencial que permita
um elevado turnover bacteriano. Vários autores têm desenvolvido materiais

23
melhorados para o ânodo, impregnando-os com catalisadores químicos. Por
exemplo, Parque e Zeikus utilizaram eléctrodos de caolin modificados com
manganês, tendo conseguido potências até 788 mW/m2 (Gupta et al., 2011).
Por sua vez, o aumento da superfície específica do ânodo permitirá uma menor
densidade de corrente (que por sua vez diminui a sobrepotencial de activação)
e uma superfície maior do biofilme. No entanto, a dimensão deverá ser
compatível com o consórcio bacteriano, uma vez que pequenos poros podem
ficar entupidos rapidamente por bactérias, diminuindo a superfície activa do
eléctrodo.

4.6 Células solares microbianas (MSCs)

As células solares microbianas (MSCs) constituem uma tecnologia


recentemente desenvolvida que utiliza energia solar para produzir electricidade.
As MSCs usam microorganismos fotoautotróficos ou plantas superiores para
captar energia solar, e microorganismos electroquimicamente activos no
sistema bioeletroquímico para gerar corrente eléctrica (Strik et al., 2011).
Numa MSC os organismos fotossintéticos usam a luz solar para produzir
matéria orgânica que é posteriormente convertida em electricidade usando uma
MFC. As MSCs mais comuns utilizam plantas vivas, as quais providenciam,
através das suas raízes, a matéria orgânica que irá servir de substrato para as
bactérias electroquimicamente activas da MFC (Fig. 7).

24
Figura 7 – Modelo de uma célula solar microbiana, incluindo os princípios básicos do seu
funcionamento (adaptado de Strik et al., 2011). (a) Fotossíntese (6CO2+6H2O→C6H12O6+6O2).
(b) Transporte de material orgânica para o compartimento do ânodo. (c) Oxidação anódica da
matéria orgânica por bactérias electroquimicamente activas (e.g.
− + −
C6H12O6+12H2O→6HCO3 +30H +24e ). (d) Redução do oxigénio a água no cátodo
+ −
(6O2+24H +24e →12H2O).

25
As MSCs podem, em alternativa, usar fotobioreactores para captar
energia solar via microorganismos fotossintéticos, nomeadamente microalgas
(fig. 8). Os fotobiorreatores com algas podem aproveitar radiação
fotossinteticamente activa com uma eficiência fotossintética de 15% (Strik et
al., 2011).

Figura 8 – Esquema representativo de um sistema fechado para uma MSC (adaptado de Strik
et al., 2011). (a) A fotossíntese é levada a cabo pelas microalgas no fotobioreactor. (b)
Produção de biogás a partir de matéria orgânica, e transporte deste do bioreactor até ao
digestor. (c) No ânodo, a matéria orgânica remanescente, transportada do digestor para o
ânodo, é oxidada por bactérias electroquimicamente activas. (d) No cátodo ocorre redução do
oxigénio a água.

A tecnologia das MSCs tem mostrado grandes avanços nos últimos


tempos, sendo as MSCs que recorrem a plantas superiores e biofilmes
fototróficos as que se apresentam mais promissoras. Comparativamente às
células solares convencionais as MSCs apresentam algumas propriedades
atractivas que serão determinantes no desenvolvimento e aplicação futura
desta tecnologia (Strik et al., 2011). Ao contrário das células solares
convencionais, as MSCs permitem obter uma vasta gama de combustíveis e
químicos, para além de produção de electricidade, além de que quer as

26
reacções fotossintéticas quer as reacções electroquímicas são levadas a cabo
por populações de microorganismos mantidas em crescimento contínuo, o que
torna o sistema auto-reparador, com uma longa durabilidade e baixos custos de
manutenção (Strik et al., 2011). Outra vantagem do uso de microorganismos é
que não há necessidade de utilização de catalisadores, geralmente tóxicos ou
dispendiosos, o que permite a integração destes sistemas em ambientes
naturais sem risco de contaminação. Uma vantagem igualmente importante diz
respeito ao facto das MSCs usarem matéria orgânica como intermediário
energético entre a componente fotossintética e electroquímica do sistema, pelo
que a matéria orgânica acumulada na MSC permite a geração de electricidade
mesmo no escuro. Além disso, sistemas integrados podem permitir o
tratamento de águas residuais como forma de fornecimento adicional de
matéria orgânica às células, o que constitui um valor acrescido em termos
ambientais para esta tecnologia (Strik et al., 2011). Contudo, apesar das
vantagens associadas a esta tecnologia, as MSCs precisam ainda de se tornar
competitivas relativamente a outros sistemas renováveis.

4.7 Perspectivas futuras das células de combustível


microbianas

Actualmente a tecnologia das MFCs está em franco crescimento e tem


vindo a evoluir para competir com a tecnologia metanogénica em que a
biomassa é utilizada como substrato. A descoberta e utilização de novos
microorganismos anodofílicos que permitam aumentar a taxa de transporte de
electrões do biofilme para o ânodo são a chave para o aumento da potência
das MFCs. Face a essa necessidade, a engenharia genética afigura-se, no
futuro, como uma potencialidade para obter estirpes geneticamente
melhoradas com vista à optimização das MFCs. Por sua vez, a optimização de
consórcios bacterianos poderá constituir também um elemento fundamental
para combinação sinergística das propriedades bacterianas. Por exemplo, um

27
tipo de bactéria do consórcio poderá fornecer mediadores de electrões que são
utilizados por um outro tipo de bactéria para o transporte de electrões de forma
mais eficiente para o ânodo. È, portanto, concebível que, num futuro próximo,
um consórcio microbiano optimizado permita operar uma MFC sem mediadores
externos.
A MFC tem vindo a evoluir de forma a tornar-se uma tecnologia simples,
robusta e cada vez mais atractiva. No campo do tratamento de águas residuais
uma aplicação a curto-prazo pode ser prevista a preços concorrenciais.
Contudo, para aumentar a potência no sentido de responder às necessidades
estáveis de um reactor, diversos melhoramentos tecnológicos são ainda
necessários. Não obstante, mantendo-se o aumento do conhecimento sobre as
vias bioquímicas, o avanço da tecnologia electroquímica e a redução dos
custos dos eléctrodos, as MFCs afiguram-se como a nova tecnologia de base
para a conversão de matéria orgânica em electricidade nos próximos anos.

28
5. Diagnóstico tecnológico na área dos
biocombustíveis obtidos a partir de
microorganismos

Foi efectuada uma análise ao patenteamento na área dos


biocombustíveis obtidos a partir de microorganismos, tendo como objectivo
identificar os principais requerentes com pedidos de patente nesta área
tecnológica, e também quais os principais países intervenientes. Foi ainda
analisada a evolução do número de publicações de documentos ao longo da
presente década, bem como a evolução do número de publicações por país de
origem.

Figura 9 – Número de publicações das principais entidades/requerentes que fizeram pedidos


de patente na área dos biocombustíveis obtidos a partir de microorganismos no período de
2001 a 2011 (dados extraídos a 18-10-2011).

29
Como se pode constatar pela observação do gráfico da figura 9, a
NOVOZYMES AS parece ser o principal requerente nesta área, seguido da
LS9 INC e da Universidade da Califórnia. A grande fracção [unspecified]
corresponde a pedidos de patente em que há identificação apenas dos
inventores e não dos requerentes, nomeadamente pedidos americanos. Esta
fracção é composta por um total de 24 inventores, não havendo nenhuma
figura que se destaque claramente das restantes. De um modo geral, parecem
ser as empresas e não o meio académico que mais apostam no patenteamento
no domínio dos biocombustíveos obtidos a partir de microorganismos.

Figura 10 – Evolução do número de publicações, por requerente, no período de 2001 a 2011


(dados extraídos a 18-10-2011).

Relativamente à evolução do número de publicações por requerente,


observa-se uma clara tendência crescente do número de publicações por
requerente na globalidade dos requerentes, com uma maior expressão nos
últimos quatro anos. A NOVOZYMES AS parece ter mantido uma posição
regular nos últimos 10 anos, enquanto que a NOVOZYMES NORTH AMERICA

30
INC surge mais pontualmente. Por sua vez, a LS9 INC afigura-se como a
empresa com maior representatividade nos últimos 4 anos, conjuntamente com
a Universidade da Califórnia, cujos pedidos de patente surgiram
fundamentalmente a partir de 2008.

Figura 11 – Número de publicações, por país, no período de 2001 a 2011 (dados extraídos a
18-10-2011).

Os dados referentes aos últimos 10 anos mostram que a grande maioria


das publicações apresenta um código de país WO (Fig. 11). Isto significa que
foi realizado um pedido PCT ou Europeu directo, sem recorrer a uma prioridade
nacional, mostrando que a maioria das empresas desta área aposta fortemente
num mercado global. Adicionalmente, também os E.U.A, têm uma presença
preponderante nesta área tecnológica, havendo igualmente um contributo
significativo por parte da China e do Japão.

31
Figura 12 – Evolução do número de publicações de patentes no período entre 2001 e 2011, de
acordo com a via de protecção (WO – via internacional; EP – via europeia; US – Estados
Unidos da América; CN – China; DE – Alemanha; FR – França; JP – Japão; KR – Coreia; RU –
Rússia; IN - India) (dados extraídos a 18-10-2011).

A distribuição do número de publicações por país revela a


preponderância dos pedidos internacionais (WO) nos últimos anos, com um
número de publicações largamente acima dos restantes países (Fig. 12). As
publicações WO apresentam uma distribuição mais ou menos constante nos
últimos 10 anos, embora com um ligeiro decréscimo no último ano.
Por sua vez, os E.U.A afiguraram-se igualmente como o país com uma
das mais significativas contribuições para esta área técnica, principalmente nos
últimos três anos, embora se mantenha ainda aquém do número de
publicações WO.
Os restantes países referidos apresentam uma actividade mais ou
menos regular, e nunca ultrapassando as 20 publicações anuais. A China e o
Japão têm vindo a reforçar a sua presença nos últimos 5 anos.

32
Figura 13 – Evolução do número de publicações no período de 2001 a 2011 (dados extraídos a
18-10-2011).

Como seria expectável pela análise do gráfico de evolução do número


de publicações por país, e à semelhança da variação do número de
publicações internacionais, o número total de publicações nesta área tem
mantido uma tendência crescente na última década, embora com algumas
flutuações pontuais, mas com um claro impulso de crescimento nos últimos 5
anos (Fig. 13). O número de pedidos WO e provenientes dos E.U.A. constitui,
provavelmente, o principal motor da tendência evolutiva neste domínio
tecnológico.

Desta análise tecnológica, pode concluir-se que esta é uma área em


cujo interesse tem sido considerável e constante ao longo da última década, e
em que grande parte do investimento nos últimos anos tem sido direccionado
para o mercado global, comprovado pelo número crescente de pedidos
Internacionais. O número total de publicações tem revelado uma acentuada
taxa de crescimento, havendo inclusivamente algumas empresas que se
insurgiram no mercado e marcaram a sua posição nos últimos cinco anos, o
que permite prever a uma continuidade no interesse sobre este ramo nos
próximos anos.

33
6. Panorama nacional dos biocombustíveis
obtidos a partir de microorganismos

No que se refere ao papel de Portugal no panorama de patenteamento,


verifica-se já algum investimento em I&D que visa explorar a utilização de
microrganismos para obtenção de produtos energeticamente valorizáveis, o
que começa a traduzir-se numa estratégia de patenteamento, quer a nível
nacional quer internacional, nomeadamente por parte de alguns pólos
académicos.
No que toca aos microrganismos geneticamente modificados com
aplicabilidade energética, a Fundação da Faculdade de Ciências e
Tecnologia/Universidade de Lisboa afiguram-se como os principais requerentes
nesta área, detentores de pedidos internacionais referentes a leveduras
geneticamente modificadas para optimizar a assimilação e fermentação de
açúcares obtidos da biomassa vegetal com vista à obtenção de produtos
energéticos a partir de biomassa vegetal ou outros materiais lingocelulósicos
(WO2007018442; EP1960424; WO2009008756). Verifica-se, contudo, que o
portfolio de patentes de requerentes portugueses continua a assentar ainda
nas invenções dirigidas à utilização de culturas e óleos alimentares para
produção de biocombustíveis, nomeadamente biogás e bioetanol (e.g
PT93745; PT100012; WO2008053284; WO2009020742; WO2010082075)
As publicações científicas acompanham estas mesmas tendências de
patenteamento, sendo que as culturas alimentares apresentam-se ainda como
a fonte primordial para extracção de produtos úteis no sector energético.
Parece, contudo, haver igualmente uma crescente aposta na I&D direccionada
para a utilização da biomassa das microalgas, nomeadamente em instituições
como o LNEG (Laboratório Nacional de Energia e Geologia), Universidade
Católica Portuguesa (e a sua spinoff AlgaFuel S.A.) e Universidade de Lisboa,
embora não esteja ainda desenvolvida uma clara aposta no patenteamento
nesta área (para uma análise mais detalhada sobre esta temática ver o
relatório das mesmas autoras [Antunes e Silva, 2010]).

34
7. Considerações Finais

Os combustíveis de biomassa têm sido usados pelo Homem ao longo


dos tempos. A maioria reporta a álcoois produzidos a partir da fermentação de
substâncias como amido e outros açúcares e óleos de plantas. Paralelamente
à combustão, foram dadas a estes álcoois uma série de utilizações, tais como:
solventes, graxas, produtos de limpeza, ou como produtos químicos básicos na
indústria química. Actualmente, com o aumento dos preços do crude e com a
crescente instabilidade política que se vive nos países produtores de petróleo,
o uso de álcoois com base biológica como solventes ou químicos básicos está
a ganhar preponderância. A importância dos microorganismos na produção
destes biocombustíveis está cada vez mais a ser reconhecida. Um exemplo foi
o investimento realizado pelo Departamento da Energia dos Estados Unidos da
América de 1.6 milhões de dólares para sequenciar o DNA de seis bactérias
fotossintéticas. Este projecto, realizado pela Universidade de Washington tem
como objectivo analisar o potencial destas seis bactérias como fontes de
biocombustíveis para serem usados em automóveis e aquecimento.
No que diz respeito à importância da Propriedade Industrial nesta área
específica, a partir do diagnóstico tecnológico apresentado, conclui-se que se
trata de uma área tecnológica em crescimento, onde é previsível um aumento
do investimento em I&D, visto que os pedidos de patente feitos por empresas
tendem a aumentar, em paralelo com o input proveniente do meio académico,
fundamentalmente nos últimos anos. O facto de existirem várias empresas,
directamente relacionadas com os combustíveis, a desenvolver trabalho
científico nesta área, leva a crer que a protecção de direitos de incidência
tecnológica assuma uma posição relevante neste domínio tecnológico.
Em Portugal tem-se observado já algum investimento em I&D que visa
explorar a utilização de microrganismos para obtenção de produtos
energeticamente valorizáveis, nomeadamente com recurso a tecnologia
genética, o que começa a traduzir-se numa estratégia de patenteamento, quer
a nível nacional quer internacional por parte de alguns pólos académicos.

35
8. Bibliografia

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 Make biofuel – the ultimate biofuel resource:


www.makebiofuel.co.uk

37

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