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Parte I
Sofia Miguens
No seu livro O que quer dizer tudo isto? (2) , que é uma introdução aos
problemas da filosofia, Thomas Nagel (3) parte do princípio de que é
impossível compreender os textos dos filósofos contemporâneos,
usualmente escritos numa linguagem técnica e especializada, sem se
compreender os próprios problemas com que estes se debatem. Nagel
defende que para uma tal compreensão a história da filosofia não é
essencial: o que importa são os próprios problemas e não a erudição. Se
um problema filosófico é um verdadeiro problema, ele será um problema
para nós, no presente, e deverá poder ser analisado sem qualquer
referência histórica erudita. Nagel faz questão, em O que quer dizer tudo
isto? de não citar um único filósofo (4) . No entanto, a verdade é que nas
entrelinhas do texto qualquer conhecedor de filosofia reconhece ideias
de Kant, Hume, Wittgenstein e vários outros autores.
1
2. O problema epistemológico. As crenças.
2
A justificação destas crenças não está pronta a ser dada a quem no-la
pedir. O facto de termos uma crença não significa só por si que sejamos
capazes de explicitar as razões por que a temos, i.e. que sejamos
capazes de a justificar. É por isso que o problema epistemológico, o
problema da justificação das crenças, é um problema posterior ao estado
comum a todos os humanos e a muitos animais (6) que é o estado de
ter crenças. A questão (psicológica, cognitiva) das crenças, do conteúdo
destas e da relação das crenças com a realidade física dos sistemas
cognitivos é em grande parte tratada no âmbito da filosofia da mente.
Pertencendo ou não em primeiro lugar à teoria da mente, a noção de
crença é básica em teoria do conhecimento, e vai ser a partir de agora
considerada como estando minimamente definida como estado mental
intencional, proposição tomada como verdadeira, ou atitude
proposicional.
3. Conhecimento.
3
cartesiana do cogito corresponde a um outro tipo de fundacionalismo: o
cogito é precisamente uma crença básica e auto-garantida.
4
acesso directo a essa mente (aliás nem sei se mais alguém existe... (11)
).
5
de certa forma ligado àquilo que nós, ou os seres humanos futuros, ou
outros seres, podemos conceber. Pensar em qualquer coisa que não se
consegue conceber é uma ideia que não faz sentido, do ponto de vista
do anti-realista (14) . É por isso que por exemplo Nagel afirma (1986:
91) que o anti-realismo envolve um 'teste epistemológico de realidade'
(15) (15) .
'We are such stuff as dreams are made on / Our little life surrounded
with a sleep',
Shakespeare, The Tempest, Acto IV
6
distinto do resto do mundo, já que a separação do eu faz parte faz parte
da ilusão do mundo. O par Vontade / Representação com o qual A.
Schopenhauer (1788-1860) pensa a natureza do mundo está imbuído
da imagética budista do carácter ilusório do mundo (Schopenhauer
chega inclusivamente a considerar que o dom filosófico possuído por
alguém se revela precisamente na capacidade de imaginar por vezes que
os homens e as coisas não são mais do que fantasmas ou imagens de
sonhos). O par conceptual que rege a interpretação estética da
existência proposta por F. Nietzsche (1844-1900) - o par Apolíneo /
Dionísiaco - é por sua vez inspirado em Schopenhauer, e portanto
indirectamente inspirado pelo budismo e pela ideia de ilusoriedade da
realidade (é certo que Nietzsche subverte totalmente as recomendações
morais budistas perante o carácter ilusório da realidade). Os exemplos
poderiam ser multiplicados, pois possivelmente não existiu um filósofo
que não tivesse sido tentado de alguma forma pela distinção
aparência/realidade.
6. Aparência/ realidade.
7
imperturbabilidade). De facto, dada a inexistência de critério de
verdade, a investigação cognitiva constitui um obstáculo para essa
felicidade, ao ser fonte de perturbação.
7. Solipsismo e Cepticismos.
Se eu achar que posso ser céptico ao ponto duvidar de tudo o que está
fora da minha mente, retendo agora apenas as aparências para mim,
obtidas pelo meu acesso directo ao interior da minha mente, e deixando
de lado o aspecto dialéctico da oposição de aparências para diferentes
sujeitos característico do cepticismo clássico, chegarei à posição
solipsista. O solipsismo corresponde à crença segundo a qual eu sou o
único sujeito de experiências. Em tudo o que existe, só há um lugar de
pensamento ('aqui') e só há um pensamento, o meu. Pode até ser que
nada exista de exterior ao meu pensamento. Assim, reduzindo os meus
compromissos cognitivos àquilo de que posso estar absolutamente
seguro, verifico que fico apenas com o que acontece no meu
pensamento no momento presente.
8
e ciência - os dois principais sentidos em que se fala de "conhecimento
do mundo real externo ao meu pensamento" - são igualmente
vulneráveis a este tipo de cepticismo, pois em ambos os casos estão
envolvidas afirmações acerca do mundo exterior.
Deve haver alguma coisa de errado com o cepticismo nas suas várias
formas. Talvez possamos encarar a questão da seguinte forma: o que
está errado no cepticismo tem possivelmente mais a ver com os
compromissos ontológicos e epistemológicos que uma posição céptica
assume do que propriamente com o imperativo metodológico do
cepticismo (o filósofo empirista escocês David Hume afirmou que o
cepticismo como método é o único estado possível de uma vida racional
saudável). É conveniente portanto distinguir o cepticismo como
assunção do carácter falível e provisório das nossas crenças (se as
crenças não fossem falíveis, provisórias e substituíveis não faria por
exemplo sentido a intenção de conhecer mais e melhor) do cepticismo
como dúvida acerca da realidade e do conhecimento do mundo exterior,
do passado e das outras mentes.
9
através de razões e provas, controladas e explícitas, a qual pode não ser
conseguida) da crença na existência do mundo real exterior. Hume
defendeu uma ideia semelhante: pode dar-se o caso de a nossa crença
no mundo real exterior ser função da nossa imaginação, do
funcionamento cognitivo normal da nossa mente, mas não
fundamentada racionalmente nem submetida à nossa vontade de um
modo tal que possamos suspendê-la.
8. Outras mentes.
10
invertido, o segundo é o problema do zombie. A ideia de zombie é muito
utilizada na filosofia da mente contemporânea, sobretudo para lidar
com a questão da natureza da consciência, mas ela não é nova: por
exemplo a teoria cartesiana do animal-máquina supõe precisamente
que podem existir seres capazes de comportamento complexo que são
totalmente desprovidos de consciência e sensiência. Descartes pensou
assim acerca dos animais não humanos por ter ligado estreitamente
todo o pensamento (mesmo o 'sentir') à consciência, e a consciência à
alma. E Descartes não queria atribuir alma aos animais.
11
conceber o aparecimento da consciência no universo, mas que é
evidentemente muito perturbadora no que respeita à identidade
pessoal, que é supostamente uma e una. O filósofo G. Leibniz (1846-
1716), na Monadologia, apresentou também uma hipótese
pampsiquista, embora não materialista.
9. O problema mente-corpo.
12
teoria do aspecto dual, i.e. defende que o cérebro não é apenas um
sistema físico mas um sistema com aspectos físicos e mentais,
nomeadamente a consciência. Este duplo aspecto da realidade não é,
segundo Nagel, uma característica local, mas presumivelmente uma
característica inerente aos constituintes gerais do universo e às leis que
os governam. Assim, segundo Nagel, não é possível uma teoria
puramente física da consciência. No entanto, a falsidade do fisicalismo
não requer a admissão de substâncias não físicas, por exemplo almas
cartesianas, mas apenas que a ideia de que aquilo que é verdadeiro
acerca de seres conscientes não é redutível a termos físicos.
Notas:
13
(7) O cepticismo vai ser aqui considerado como a contestação, local (por
exemplo, no campo ético) ou global, do direito às crenças.
(8) A definição tripartida é posta em causa pelos chamados 'problemas
de Gettier', que são casos de crenças verdadeiras e justificadas que não
consideraríamos de boa vontade conhecimento. Considere-se o seguinte
exenplo: Henry está a ver televisão numa tarde de Junho. Assiste à final
masculina de Winbledon e, na televisão, McEnroe vence Connors; o
resultado é dois a zero e match point para McEnroe no terceiro set.
McEnroe ganha o ponto. Henry crê justificadamente que: (1) acabou de
ver McEnroe ganhar a final de Winbledon deste ano, e daí infere
sensatamente que (2) McEnroe é o campeão de Wimbledon deste ano.
(9) No entanto, as câmaras que estavam em Wimbledon deixaram de
funcionar e a televisão está a passar uma gravação da competição do
ano passado. Mas, enquanto isto acontece, McEnroe está prestes a
repetir a retumbante vitória do ano passado. Portanto a crença (2) de
Henry é verdadeira e ele tem decerto justificação para crer nela. No
entanto dificilmente aceitaríamos que Henry conhece que (2).
(10) Cf. autores como John Locke (1632-1704), George Berkeley (1685-
1753), David Hume (1711-1776).
(11) Cf. WITTGENSTEIN, Tractatus Logico-Philosophicus . Este é o início
do solipsismo, a ideia segundo a qual o meu pensamento é a única
coisa que existe.
(12) A expressão é utilizada por David Hume, no Treatise of Human
Nature (1739).
(13) Classicamente é mais comum falar de 'idealismo'. São filósofos
idealistas por exemplo G. Berkeley e G. W. F. Hegel (1770-1831).
Berkeley (A Treatise Concerning the Principles of Human Knowledge,
1710) apoiou a sua afirmação segundo a qual 'esse est percipi' (ser é ser
percebido) pedindo que se tentasse formar a ideia de objectos não
percebidos. Isto revela-se impossível: quando procuramos pensar uma
árvore não percebida, pensamos numa imagem de árvore, e o ser da
imagem supõe o perceber. Quanto a filósofos contemporâneos, um
exemplo de anti-realista é o filósofo britânico Michael Dummett.
(14) A entrada em cena do ponto de vista de uma mente infinita (Deus)
em muitos sistemas idealistas clássicos faz evidentemente toda a
diferença aqui, permitindo congregar e i-limitar a realidade definida
como correlativa do ser-pensada.
(15) Nagel não é um anti-realista, por isso o que afirma acerca do anti-
realismo tem uma intenção crítica.
(16) Esta é uma via de ligação entre o verificacionismo (frequentemente
associado ao pensamento científico) e o idealismo.
(17) O cepticismo é uma escola filosófica helenística, cujo fundador
teria sido Pirro de Elis (c. 365 - 275 a.c.). Certos textos cépticos,
nomeadamente através das compilações de Sexto Empírico (sec-II/III
d.c), tiveram um grande impacto na filosofia moderna (os Esboços
Pirronistas de Sexto Empírico foram traduzidos em 1592).
14
Referências:
15
Introdução à Teoria da Mente e do Conhecimento
Parte II
(aspectos históricos)
Sofia Miguens
Introdução
16
1. Os gregos e a theoria.
17
na existência de um problema da natureza da razão se a nossa raça se
tivesse limitado a apontar estados particulares de coisas - prevenções
de abismos escarpados e da chuva, celebração dos nascimentos e
mortes individuais. Mas a poesia fala do Homem, do nascimento e da
morte como tais e a matemática orgulha-se de deixar passar os detalhes
individuais. Quando a poesia e a matemática alcançaram a auto-
consciência (...) havia chegado a altura de dizer algo em geral acerca do
conhecimento dos universais. A filosofia empreendeu o exame da
diferença entre saber-se da existência de fileiras paralelas de
montanhas para ocidente e saber que linhas paralelas estendidas até ao
infinito nunca se encontram, a diferença entre saber-se que Sócrates
era bom e saber-se o que era a bondade" (Rorty 1988: 40). Segundo
Rorty, teria sido para dar resposta a estas questões que nasceu a ideia
de theoria como visão do invisível, sendo o 'invisível' os objectos do
intelecto. Estes estariam para a theoria como os objectos visíveis para
os olhos físicos. A palavra theoria é aliás uma metáfora visual para
conhecimento, uma ideia surgida por analogia com a capacidade física
de ver. A ideia de theoria justifica a capacidade humana de pensar o
geral e o universal para além do particular, de pensar o eterno para
além da mudança. Esta capacidade seria, por metáfora, uma visão do
invisível com os olhos do espírito.
18
identificando nem com a visão dos universais, nem com a alma imortal
que perdura para além do corpo.
Uma vez definida a mente como arena interna e lugar das Ideias,
consideradas estas como seres subjectivos, seres para a consciência,
está criado o espaço para uma teoria do conhecimento centrada na
procura da 'certeza'. O motor ético da busca do conhecimento no
quadro cartesiano é o ideal da certeza. Esta traz a acepção de
assentimento subjectivo para a noção de verdade. Este assentimento
subjectivo não é um componente necessário de qualquer ideia de
'verdade'. A certeza é a verdade pensada como verdade para um sujeito,
a verdade pensada como indubitabilidade. Esta presença do sujeito, que
é a marca cartesiana, moderna, incipientemente idealista, na teoria do
conhecimento e da realidade, não tem análogo nas análises platónicas e
aristotélicas do conhecimento. A indubitabilidade cartesiana das Ideias
já não é uma marca de eternidade, como o tinham sido os universais
para os filósofos gregos, mas sim a marca de algo para o qual os gregos
não tinham nome, a consciência, a presença da subjectividade naquilo
que é pensado. Esta presença da subjectividade corresponde, como se
pode verificar na leitura das Meditações cartesianas, à introdução no
próprio texto filosófico de uma abordagem em primeira pessoa, uma
19
primeira pessoa generalizável (i.e. que cada um de nós pode assumir).
Este movimento, central nos textos metafísicos básicos, como as
Meditações sobre a Filosofia Primeira (1641), coloca a subjectividade no
centro do pensamento do mundo. Este é o gérmen do que se chama
historicamente idealismo (uma doutrina que afirma a natureza de
alguma forma subjectiva, mental ou espiritual da realidade), uma
concepção que não se encontra nem nos autores gregos nem nos
medievais.
20
3. Kant e o transcendentalismo. A Teoria do
Conhecimento como análise da forma a priori. A filosofia
pós-kantiana e a separação entre filosofia e ciências. A
Razão e o Romantismo.
21
para teses essenciais à metafísica kantiana tais como 'existem acções
livres' e 'existe um ser absolutamente necessário'.
22
conceptualmente como 'época' é porque ela representa a realização
civilizacional dessa (nova) noção de verdade, ligada ao progresso e à
razão, através da ciência.
23
teoria do conhecimento, mesmo se não deve ser lida exclusivamente
como tal.
24
5. Filosofia analítica e filosofia continental: os herdeiros
de Frege e Husserl.
25
medida em que vêem as 'vantagens' (diferentes) das duas tradições e se
servem delas.
O que importa é que para Heidegger, as ciências são apenas 'um modo
de ser da existência'. Embora Heidegger não apreciasse o epíteto
'existencialismo' o que está aqui em jogo é uma ideia central do
existencialismo: o mundo não está aí só para, ou principalmente para,
ser conhecido mas para ser 'lidado' (é claro que mesmo do ponto de
vista da teoria do conhecimento, e não do ponto de vista da avaliação
das civilizações, é possível dizer algo de semelhante: é o que fazem todos
os pragmatistas, por exemplo (9) ).
26
Wittgenstein não é um representante típico do naturalismo
epistemológico assumido hoje por grande parte dos filósofos analíticos,
e o seu interesse em ciência resume-se à lógica, à matemática (e à
psicologia, embora entendida de maneira muito própria). Mas é de
qualquer modo muito grande a diferença entre o interesse de
Wittgenstein pela lógica enquanto quadro do mundo, e o seu método de
análise em filosofia desenhado de forma pelo menos semelhante aos
métodos de investigação em ciência, e o interesse de Heidegger no ser e
na civilização praticado através de um método de alusão que se afasta
radicalmente dos métodos do inquérito científico.
27
se que aquilo a que chamamos conhecimento toma a forma de 'frases',
asserções, declarações de que p é o caso).
Este critério está sujeito a contestações várias, mas convém notar antes
de mais que ele está moldado de modo a incluir como cognitivamente
significativas frases aparentemente vazias de conteúdo empírico mas
que são importantes para o conhecimento, nomeadamente as frases
lógicas. Estas não são verificáveis nem sequer em princípio, pois não
têm conteúdo empírico. No entanto não é possível pensar conteúdos
empíricos, nomeadamente científicos, sem estruturas desse tipo. Sob a
influência do Tractatus de Wittgenstein, as verdades analíticas
necessárias serão consideradas tautologias. Tautologias não são frases
acerca do mundo, não são acerca de relações que se sustentam
independentemente do pensamento em qualquer domínio de objectos. A
sua verdade é formal, vazia: elas são verdadeiras em virtude da sua
significação e não de qualquer conteúdo empírico.
28
experiência, que será discutida em Two Dogmas, e que está presente no
critério de significação do positivismo lógico, é mais um tipo de
separação entre forma e conteúdo, como já tinha sido visto em Kant,
simplesmente agora reformulado em termos de linguagem. A ideia de
separação forma / conteúdo é portanto, note-se, comum às teorias do
conhecimento de Kant e dos positivistas lógicos, e ela é, aliás,
extremamente útil quando se trata de enunciar a tarefa da teoria
filosófica do conhecimento. De facto, a separação entre forma e
conteúdo coloca a teoria do conhecimento como análise da forma, seja
definida como estruturas a priori do sujeito, seja como linguagem. A
filosofia estaria assim para a ciência como o estudo da forma para o
estudo do conteúdo.
29
Assim, "há muita latitude de escolha quanto a qual crença re-avaliar à
luz de uma única experiência contraditória" (12) . Quine pensa até que
"qualquer asserção pode ser mantida como verdadeira aconteça o que
acontecer se fizermos ajustes suficientemente drásticos noutra parte do
sistema". Deste modo, "nenhuma asserção é imune à revisão" (Quine
1953:43). Esta última afirmação abre a possibilidade de mesmo revisões
em lógica serem possíveis para manter a harmonia da relação entre
crenças e experiência. Ora, por mais que os empiristas anteriores
acentuassem a revisibilidade das crenças em virtude da experiência, a
lógica sempre fora 'intocável'.
30
Abandonar os dogmas do empirismo terá ainda segundo Quine o efeito
de esbater as supostas fronteiras entre metafísica especulativa e ciência
natural.
31
Wittgenstein critica portanto a ideia de que o fundamento da
significação, do conhecimento, reside na experiência privada. Isso não é
verdade porque não há possibilidade de fazer sentido das noções de
'dados puros da experiência subjectiva anteriores à linguagem', ou de
'linguagem privada'. Linguagem privada seria aquela que eu
compreendo e mais ninguém compreende. A ideia de linguagem privada
corresponde à figura do solipsista. O solipsista adquiriria a sua
linguagem a partir do seu próprio caso: por exemplo, "apontaria"
interiormente para a sua sensação de dor, chamar-lhe-ia "dor" e a partir
daí a dor seria chamada "dor".
Nota final
32
uma área multidisciplinar que começa a tomar forma nos anos 70 e que
congrega as neurociências, a Inteligência Artificial, a psicologia
cognitiva, e em geral todo o inquérito racional sobre a cognição.
Notas:
33
Referências:
Filosofia do SÉCULO XX
Fenomenologia
Filosofia Analítica
35
dizível e do indizível) transgride essa fronteira, corresponde áquilo que
de acordo com a doutrina do próprio Tractatus não pode ser feito.
QUINE e os 2 DOGMAS
1. Quine é um empirista.
2. Quine é um empirista sofisticado, que não concorda com o aspecto
fundacionalista do empirismo clássico e do positivismo lógico.
3. Quine é um crítico do empirismo do positivismo lógico.
4. O empirismo do positivismo lógico está ligado ao 'critério da
significação'.
5. No critério da significação está incorporada uma distinção entre o
analítico e o sintético.
6. De acordo com essa distinção há momentos/passos do nosso
pensamento/discurso em que nos movemos em função apenas do
próprio pensamento/discurso (= o analítico) e momentos/passos do
nosso pensamento/discurso em que nos movemos em função da
experiência (= o sintético).
7. De um ponto de vista histórico, a separação analítico/sintético é uma
reafirmação da separação entre forma e conteúdo do pensamento,
expressa agora em termos de linguagem.
8. Quine não concorda com a distinção radical entre o analítico e o
sintético e escreve um célebre artigo (Two Dogmas of Empiricism, 1953)
a explicar por que razão não concorda.
9. Antes de mais, Quine considera que a distinção analítico/sintético é
um dogma (Dogma-1).
10. Esse Dogma-1 está dependente de um Dogma-2 a que Quine chama
'reducionismo'. O reducionismo é a ideia segundo a qual existem
relações um-a-um entre frases e experiência e todas as enunciações
significativas são traduzíveis em enunciações acerca da experiência
imediata.
11. Para falar como Quine, de acordo com o Dogma-2 cada frase
significativa 'compareceria sozinha ao tribunal da experiência'. Ora,
Quine pensa que isso não é o caso.
12. A oposição de Quine ao reducionismo baseia-se no seguinte.
Conceba-se a totalidade do conhecimento humano como uma teia de
crenças. Essa teia de crenças 'toca na experiência apenas nos bordos'.
13. Um efeito desta situação é o facto de a actividade cognitiva não ser
uma constante e sistemática re-avaliação de cada crença à luz da
experiência.
14. Pelo contrário, para Quine há bastante 'espaço de manobra' quando
se decide que crenças se vai deixar cair e que crenças se vai manter de
cada vez que acontece ('nos bordos') uma experiência que entra em
conflito com as crenças do agente.
15. Quine considera que nenhuma crença é imune à revisão (nem as
crenças melhor entrincheiradas na teia das crenças, correspondentes
nomeadamente à lógica).
16. Mas essa revisão não é nunca feita com apoio num veredicto
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incontestável do 'tribunal da experiência'.
17. Em conclusão: criticar a distinção analítico/sintético é defender um
tipo de empirismo holista. Nós não temos relações directas nem com
'factos isolados' nem com 'significados isolados'
18. Em conclusão: criticar a distinção analítico/sintético é em última
análise criticar a legitimidade da separação entre a tarefa da filosofia e a
tarefa das ciências no inquérito racional.
19. Em conclusão: para Quine a filosofia e as ciências são contribuições
para um mesmo inquérito racional: não existe uma fronteira entre
'metafísica especulativa e ciência natural'.
20. Em conclusão: em termos de teoria do conhecimento isso significa
que não pode existir uma 'pura análise apriorista ou formal' do
conhecimento e que toda a epistemologia será 'naturalizada'.
WITTGENSTEIN II
37