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O DESERTO DAS
PEDRAS BRILHANTES

Autor
WILLIAM VOLTZ

Tradução
AYRES CARLOS DE SOUZA

Digitalização e Revisão
ARLINDO_SAN
(De acordo, dentro do possível, com o Acordo Ortográfico válido desde 01/01/2009)
Na Terra e nos outros mundos do Império Solar os
calendários registram o começo de dezembro do ano 2.436.
Ainda nem se passaram três semanas do dia em que o mundo-
mãe da humanidade se encontrou diante da ameaça de
destruição.
Foi no dia 14 de novembro que a polícia do tempo
desfechou o seu mais pesado golpe contra a humanidade.
Poderosas frotas de dolans penetraram ininterruptamente na
direção da Terra. Os defensores do Império Solar sofreram
pesadas baixas, sem poderem fazer muita coisa contra os
atacantes, que eram protegidos por campos defensivos
paratrônicos de último tipo.
A situação dos terranos se agravava cada vez mais, e
parecia que a catástrofe era fatal. Porém, então, no momento
de maior perigo, aconteceu algo, que ninguém ousara esperar:
soaram as vozes do passado, e Old Man revelou o seu maior
segredo. O robô gigante reagiu â ligação especial de seus
construtores e repeliu os dolans com uma arma até então
desconhecida.
Depois do fim da luta contra os invasores, Perry Rhodan
recebe informações e indicações adicionais dos construtores
de Old Man. O Administrador-Geral ê levado a perseguir uma
velha pista, caso a Terra queira conseguir a posse da arma
defensiva máxima. A pista leva ao Deserto das Pedras
Brilhantes!

= = = = = = = Personagens Principais: = = = = = = =
Perry Rhodan — O Administrador-Geral é o único terrano que
pode pôr os pés no mundo gravitacional.
Paladino — Um robô gigante com tripulação anã.
Professor Dr. Serguei Chusijew — Um antropólogo polêmico.
Atlan — O lorde-almirante tem que capitular diante de um
terremoto.
Riyollon — Um jovem e aventureiro urth.
Broynlaar e Jynx — Dois companheiros de raça de Riyollon.
1

Há apenas meia hora atrás a Pérola do Pacífico chegara a Wylings Seatown, através
da grande comporta oeste, e já pelo menos algumas centenas de espectadores se haviam
reunido no porto, para uma olhada no submersível oceânico. Os grandes ferry-boats
prateados da Corbin a.S. Company, que faziam a maior parte do tráfego entre a costa
oeste da América do Norte e as cidades submarinas no Pacífico, estavam encostados no
píer, sem que ninguém lhes desse atenção.
O casco da Pérola do Pacífico era coberto de lama e algas, de modo que ninguém
poderia adivinhar que a cor original daquele submersível em forma de gota era um azul
brilhante. Apenas a torre da eclusa e a grande vigia na proa eram mantidas limpas pelo
proprietário da Pérola do Pacífico, não por motivos de asseio, mas porque aquela era uma
medida de segurança imprescindível.
A escada de portaló da Pérola do Pacífico estava colocada. Uma placa de metal
comida de ferrugem, sem corrimão.
A água oleosa do porto ondulava contra o casco do submersível e fazia ruídos
gargarejantes que subiam entre o muro do cais e o casco do barco. Da torre aberta da
eclusa ouvia-se de vez em quando a voz estridente de um homem, que falava pelo rádio
com alguém em Wylings Seatown. Um cheiro penetrante de óleo de máquina, óleo de
fígado de bacalhau e peixe estragado emanava da Pérola do Pacífico, o que entretanto não
era obstáculo para que os espectadores em cima do muro do cais esperassem
pacientemente.
Na região do porto, a notícia da chegada da Pérola do Pacífico espalhara-se
velozmente e ninguém, que pudesse liberar-se por uma hora ou duas, deixou de
aproveitar a chance de ver o Dr. Serguei Chusijew.
Chusijew raramente vinha a uma das cidades submarinas. Geralmente permanecia a
bordo do seu submarino sujo, com o que fazia extensas viagens de exploração no fundo
do oceano, para procurar os restos do continente da Lemúria, tragado pelas águas há mais
de cinquenta milhões de anos. Chusijew era antropólogo e tido como o melhor
conhecedor da pré-história lemurense. Esta, entretanto, era a única coisa positiva que se
dizia a respeito do cientista.
Ele era uma personalidade rodeada de mistérios. Já por mais de uma vez ele fora
dado como morto, porém logo o seu submersível especial surgira novamente, e Chusijew,
mais uma vez, surpreendera o mundo dos especialistas com novas e fantásticas
descobertas.
Há mais de trinta anos o antropólogo vivia praticamente no fundo do Pacífico. Ele
era um tipo esquisito que não gostava de gente, e do qual não se sabia dizer se era um
gênio ou um maluco.
Quando Allaby Proscowe tentou passar entre a multidão que se reunira à beira do
cais, ele ficou relembrando tudo que conseguira saber nestas últimas horas a respeito de
Chusijew. Haviam recomendado a Proscowe que tratasse o antropólogo com muito
cuidado.
— Use sua intuição — dissera-lhe Allan D. Mercant.
Proscowe perguntava-se como o chefe da contra-espionagem Mercant poderia
julgá-lo capaz de intuição, uma vez que até agora ele não se destacara muito nessa
direção. A tarefa de Proscowe consistia em desmascarar e neutralizar agentes de Ácon e
de outros mundos que eventualmente surgissem em Wylings Seatown.
Proscowe recebeu um golpe violento nas costelas que o trouxe de volta à realidade.
Ergueu os olhos e viu atrás de si um rapaz que o fixava furioso.
— Pare de empurrar — disse o homem. — O senhor chegou somente há poucos
momentos.
— Correto — disse Proscowe, e quis continuar.
Os chamados das pessoas paradas por ali espicaçaram o rapaz, e este agarrou
Proscowe pelo braço, para puxá-lo para trás.
— Eu já disse que o senhor não devia forçar a passagem.
Proscowe olhou para o rapaz.
— Sou inspetor da Capitania dos Portos — disse ele.
O rapaz sorriu, inseguro, e soltou-lhe o braço. Olhou em volta, desconcertado.
— Como é que eu podia saber? — disse ele. — Por que-não disse isso logo?
Proscowe não lhe deu mais atenção, continuando em frente. Por cima da placa de
metal ele chegou até a torre da eclusa da Pérola do Pacífico. Quando subiu até a escotilha,
ouviu a voz de Chusijew.
— Eu vou descobrir quem é responsável por esta besteira — gritou o antropólogo.
Proscowe sorriu e esgueirou-se para dentro da torre da eclusa. E deixou-se
escorregar para o interior do submersível. Aqui ainda fedia mais a peixe que do lado de
fora. O chão estava sujo. A tinta das paredes descascava.
Proscowe seguiu os ruídos e alcançou a sala de comando do submersível.
O Professor Dr. Serguei Chusijew estava sentado diante da aparelhagem de rádio e,
de vez em quando, batia fortemente contra o revestimento do aparelho. Em espaços
irregulares ele soltava palavrões cabeludos. Aparentemente estava esperando por uma
resposta do seu interlocutor.
Proscowe olhou em volta. Na sala de comando do submarino reinava uma desordem
tão grande, que ele se perguntou como Chusijew ainda conseguia orientar-se ali. Os
diversos objetos da instalação e mobília estavam num estado miserável. Todos os
instrumentos de medição pareciam velhos e necessitados de conserto. No chão
amontoavam-se trastes velhos: objetos achados que Chusijew trouxera de suas viagens de
exploração, e que guardava como se fossem jóias.
Serguei Chusijew parecia como que criado para um ambiente destes. Ele era
pequeno e magro. Sua roupa consistia de um terno tropical, que já fora branco, e um par
de sandálias de tiras de couro, carcomidas pela água salgada. Seu cabelo ruivo, como o
pêlo de uma raposa, era entremeado de madeixas grisalhas e lhe chegava até os ombros.
O seu rosto era emoldurado por uma barba cerrada, também ruiva.
A pele do rosto de Chusijew parecia pergaminho. Os olhos eram pequenos e de um
azul luminoso.
Chusijew pareceu adivinhar que não estava mais sozinho a bordo do seu barco, pois
virou-se de repente.
Apesar de a iluminação ser bastante deficiente, Proscowe pôde ver como o sangue
subiu ao rosto do antropólogo.
— Como, com todos os diabos, entrou aqui? — gritou-lhe Chusijew, enfurecido.
Proscowe, que receava a cada momento que o seu interlocutor viesse a sofrer um
enfarte, conservou-se totalmente calmo. E apontou com o polegar para trás.
— Através da torre da eclusa — disse ele.
Chusijew levantou-se e atravessou a sala de comando com passos rápidos. Com isto
acabou metendo o pé numa confusão de cabos no chão e quase caiu.
— Está querendo brincar comigo? — gritou ele. — O que quer, afinal?
— O meu nome é Allaby Proscowe — disse Proscowe. — Lamento muito ter que
importuná-lo, professor.
— Professor, professor! — macaqueou Chusijew. — Não creia que com isso terá
minha simpatia. O senhor é um desses sujeitos que me obrigou a vir a Wylings Seatown
com o meu submersível?
— Não — disse Proscowe, com uma calma estóica.
— Maldição, o que quer, então?
— Isso eu explicarei com muito gosto ao senhor, se quiser me ouvir por um
momento. — Proscowe meteu a mão no bolso interno do seu paletó e retirou um
envelope azul-claro com o sinete do Administrador-Geral. — Pediram-me para entregar-
lhe pessoalmente uma carta do Administrador-Geral.
Chusijew arrancou-lhe literalmente o envelope da mão. Abriu-o com suas unhas
compridas e sujas e retirou a carta. Proscowe sabia, por Mercant, o que estava escrito
nesta missiva, e perguntava-se como aquele homem meio maluco reagiria.
Os olhos de Chusijew devoraram a carta.
— Isso eu não vou tolerar! — gritou ele, rasgando o papel.
Proscowe ficou olhando, enquanto os pedaços caíam ao chão.
Os lábios de Chusijew tremiam.
— Desapareça! — exigiu ele de Proscowe.
— Nós iremos juntos, professor — disse ele, calmamente. — Se eu voltar sem o
senhor, serei demitido.
Isso era mentira, mas Proscowe tinha esperanças de que, com isso, tornaria
Chusijew mais dócil. A reação do cientista entretanto demonstrou-lhe que Chusijew não
estava acostumado a ter consideração com alguém.
— Isso não me interessa — gritou Chusijew. — Retire-se imediatamente de minha
nave.
— No interesse de toda a humanidade é importante que o senhor voe, com Allan D.
Mercant, para Old Man — insistiu Proscowe. — Se o senhor não me acompanhar, virão
outros homens que o obrigarão a deixar este submersível.
— Pois eu duvido que consigam me levar vivo!
— O senhor não devia confiar muito nisso — preveniu-o Proscowe. — Afinal de
contas, o bem de todos deve ser levado mais em conta que o destino de um indivíduo.
— O que diria a imprensa, se soubesse que o Administrador-Geral manda sequestrar
gente honrada? — resmungou Chusijew.
— O que diria a imprensa, se ficar sabendo que o Professor Chusijew está em
situação de prestar um serviço à humanidade e insiste em não querer fazê-lo? — retrucou
Proscowe.
— Muito bem — disse Chusijew. — Dentro de alguns dias eu terei concluído
minhas últimas pesquisas. Então lhes darei uma resposta.
— O senhor terá que me acompanhar imediatamente — disse Proscowe.
O antropólogo praguejou, com palavras que não deixavam dúvida do seu estado de
espírito. Depois, entretanto, ele mudou de opinião, inesperadamente.
— Vamos, vamos! — disse ele para Proscowe. — Vamos logo.
Proscowe anuiu satisfeito e subiu pela torre da eclusa. Quando Chusijew surgiu por
trás dele, a sua aparição foi saudada pela multidão que o aguardava com murmúrios
agitados.
Chusijew cuspiu com desprezo sobre o pontilhão de desembarque.
— Olhe só esses idiotas — disse ele a Proscowe. — Sou por acaso algum peixe
raro, para me olharem desse jeito?
Proscowe encolheu os ombros. Ele esperara poder escapar daquele cheiro de peixe,
logo que abandonasse a Pérola do Pacífico. Agora, entretanto, teve que verificar que o
Professor Dr. Serguei Chusijew fedia tanto quanto o seu barco. Parecia que ele não
tomava banho há semanas.
Proscowe apontou para um cano que estava a sua espera.
— Lá do outro lado está o meu veículo — disse ele. — Vou levá-lo ao porto
principal. Dali um barco particular o levará para terra. Tudo está preparado. Dentro de
algumas horas Perry Rhodan o receberá a bordo da Old Man.
— Bah! — fez Chusijew.
***
— Ele não parece estar particularmente feliz — observou o General Janos Ferenczy,
olhando atrás do Coronel Yulsman Kirkpatrick, que estava justamente deixando a sala de
comando.
Perry Rhodan abafou um sorriso. Quem fazia política cósmica, frequentemente
precisava tomar decisões com a rapidez de segundos. Além disso, tinha que ter jogo de
cintura para derrubar decisões já tomadas, quando fosse o caso. O Coronel Yulsman
Kirkpatrick provavelmente pensava diferente sobre isso. Kirkpatrick deixara atrás de si,
com a sua nave especial Rubicon, alguns milhões de anos-luz, para trazer dez mil
astronaves maahks da nebulosa da Andrômeda para dar apoio à Frota Solar em sua luta
contra os condicionados em segundo grau.
E agora Kirkpatrick deveria fazer o mesmo vôo mais uma vez, para levar os
agradecimentos aos maahks, mas também para deixar-lhes absolutamente claro que a
humanidade podia desistir de sua ajuda.
Rhodan não deixara de explicar a Kirkpatrick o que o tinha levado a essa repentina
mudança de opinião. O comandante da Rubicon ficara sabendo da radiação de
contracampo de Old Man, com a qual o ataque dos dolans pôde ser repelido.
Mesmo assim, Kirkpatrick ficara furioso. Rhodan não podia querer mal ao coronel
por isso. Entrementes os kalups da Rubicon estavam sendo renovados nos estaleiros
especiais da Lua. A nave estaria viajando para Andrômeda no máximo dentro de dois
dias.
— Não, ele não parece muito feliz — concordou Perry Rhodan com o comandante
de Old Man. — Ele e Chiarini colocaram a vida deles em jogo. E agora Kirkpatrick deve
achar que tudo foi em vão.
Rhodan tinha certeza que o mau humor do oficial rapidamente diminuiria. Dentro
de algumas horas Kirkpatrick estaria pensando de modo diferente sobre o assunto. E com
Chiarini, Rhodan não precisava certamente se preocupar.
— Mensagem urgente da seção sete, general! — chamou um dos oficiais do
rastreamento, e Rhodan foi tirado de suas cogitações.
Ferenczy lançou um olhar interrogativo para o Administrador-Geral. Perry Rhodan
anuiu. O pouso da Torino era iminente. Rhodan achou que a nave já devia estar num vôo
orbital em torno de Old Man.
Ferenczy atendeu ao chamado pelo intercomunicador de seção sete. O oficial de
hangar responsável pedia autorização de pouso para a Torino.
— Dê a permissão de pouso, general — disse Rhodan, levantando-se.
Enquanto Ferenczy ainda estava falando, o Administrador-Geral deixou a central de
comando de Old Man. Ele esperava encontrar-se, dentro de poucos minutos, com o
homem que o Dr. Tomcho Spectorsky designara como o melhor antropólogo e
especialista da história lemurense. E saído da boca de um homem como Spectorsky, este
era um elogio de peso.
Rhodan ignorou o fato de Serguei Chusijew ser um sujeito que preferia ficar
sozinho, e que até então mal aparecera em público.
— Em comparação com Chusijew eu sou um diletante — afirmara Spectorsky. —
Se o senhor conseguir pescá-lo no Pacífico, terá o melhor homem que poderia obter para
a sua tarefa.
O que Spectorsky designava como a tarefa de Rhodan, era encontrar o planeta no
qual Old Man fora criado. Entrementes, todos os dados que se conseguira nos arquivos
secretos de Old Man tinham sido explorados e avaliados.
Perry Rhodan nem pensava em ver a humanidade como vencedora na luta contra os
condicionados em segundo grau. Naturalmente os dolans tinham sido repelidos com a
ajuda dos raios de contracampo de Old Man, porém a misteriosa Primeira Potência das
Vibrações provavelmente já estava planejando o ataque seguinte. Além disso, Old Man
não podia estar em toda parte. Os inúmeros mundos coloniais do Império Solar
continuavam ameaçados, e praticamente não se passava um dia, sem que viesse uma
informação sobre ataques brutais dos dolans às colônias terranas.
Não havia mais dúvida de que os antigos lemurenses tinham colaborado na
construção de Old Man. Os cientistas não duvidavam que os lemurenses fugidos para
Andrômeda tinham conseguido vencer os halutenses definitivamente. E isso devia ter
acontecido com a ajuda daquela arma parapsíquica, que transformava cada halutense
numa criatura pacífica. Provavelmente os lemurenses conheciam o planeta originário dos
halutenses. Este planeta devia encontrar-se em algum lugar na nuvem de Magalhães.
Perry Rhodan não queria desistir da ajuda de Chusijew, pois dos documentos que
eles tinham recebido de Old Man, depreendia-se nitidamente que eles voariam a um
planeta que, há cinquenta mil anos atrás, servira de base de apoio aos lemurenses. Se
Chusijew possuísse pelo menos uma parte dos conhecimentos sobre a Lemúria que
Spectorsky atestava, ele seria insubstituível.
Rhodan recebera todas as informações existentes sobre Chusijew. O antropólogo era
tido com um dos maiores tipos esquisitos e solitários da Terra. Mas Rhodan não se
importava com isso. Ele estava acostumado a trabalhar em conjunto com gente estranha e
esquisita.
Mesmo assim estava muito interessado no seu primeiro encontro com Chusijew.
***
— Nestes trajes o senhor não pode ficar andando por Old Man — disse Allan D.
Mercant ao seu estranho acompanhante. — Vou mandar entregar-lhe um uniforme.
Mercant deixara a Torino junto com Chusijew. O cientista despertara muita atenção,
de modo que Mercant ficou satisfeito quando eles chegaram ao salão de conferências
pertencente â seção sete. Mercant mandara que os oficiais presentes saíssem, inventando
um pretexto qualquer.
Chusijew estava sentado numa das poltronas anatômicas, com cara teimosa,
espalhando fedor de peixe.
— O senhor nunca me verá colocando um uniforme — declarou ele, expressamente.
— Logo que Rhodan aparecer, eu lhe direi o que penso a respeito desta coisa maldita, e
voarei de volta à Terra.
Mercant não se deixou irritar. Ele colocou-se junto da aparelhagem de
intercomunicação e mandou que o ligassem com o depósito mais próximo.
— Mande um uniforme de cadete para a sala de conferências de P-Sete — disse ele.
— O menor tamanho que tenham aí.
Depois voltou-se, sorrindo, para Chusijew.
— Certamente vai querer tomar um banho e fazer a barba, antes de vestir sua roupa
nova.
Chusijew apenas olhou-o, sombrio.
Poucos minutos mais tarde apareceram Geoffry Abel Waringer e seu assistente, o
Dr. Armond Bysiphere, no salão de conferências. Waringer, que era um homem
totalmente sem preconceitos, foi ao encontro de Chusijew, querendo dar-lhe a mão.
— Fico contente em poder saudá-lo aqui — disse o genro de Rhodan.
— Por mim, o senhor pode ficar contente — resmungou Chusijew, fazendo de conta
que não via a mão estendida de Waringer. — Mesmo assim, deixe-me em paz.
Waringer olhou, confuso, de Mercant para Bysiphere. Mercant sorriu.
— O professor ainda precisa acostumar-se ao seu novo ambiente — disse ele.
— Eu tenho lido muito a respeito do seu submersível — disse Bysiphere, antes de
Chusijew poder ter um ataque de fúria.
Chusijew piscou os olhos.
— Isso eu acho difícil — disse ele.
— Fomos informados que o equipamento de sua nave é praticamente antigo —
disse Bysiphere cordialmente. — Todo mundo considera um milagre que o senhor ainda
consiga emergir.
Os cabelos da barba de Chusijew se eriçaram quando ele jogou a cabeça para trás e
soltou um palavrão redondo. Mercant chegou a ver Waringer ficar vermelho.
Na porta ouviu-se um zunido e, na tela por cima da entrada, apareceu um rapaz que
trazia o pacote com as roupas sobre o braço.
— Ah, aí está o seu uniforme — disse Mercant e abriu. Chusijew olhou para o
portador do uniforme, como se quisesse matá-lo.
Mercant recebeu as roupas e espalhou-as sobre a mesa.
— Este uniforme deixará o senhor muito bonito — disse ele.
— O senhor vai ficar duro esperando, antes que eu o vista — berrou o cientista. ,
— Que diabo de homem é esse? — murmurou Waringer ao seu assistente, por trás
da mão escondendo a boca.
— É um homem muito sujo, eu diria, Sir — retrucou Bysiphere, sorrindo.
— Eu vou requisitar dois oficiais-enfermeiros para dar-lhe banho e fazer sua barba
— anunciou Mercant.
Chusijew levantou-se de um salto.
— Eu não preciso que me dêem banho — gritou ele, muito agitado. — Eu mato
quem se atrever a pôr-me a mão em cima.
Ele correu até a mesa onde se encontrava o uniforme, arrancou-o para o chão e
começou a pisoteá-lo. No mesmo instante entrou Perry Rhodan. Chusijew estacou e
olhou fixamente o Administrador-Geral.
— O senhor é responsável por tudo que me fizeram? — perguntou ele.
— Suponho que seja o Professor Serguei Chusijew? — perguntou Rhodan. — Fico
muito contente em poder saudá-lo em Old Man.
Chusijew deu um pontapé no uniforme pisoteado, de modo que o mesmo voou
alguns metros pelo ar, caindo diante de Mercant.
— Eu fui sequestrado! — gritou ele. — E agora querem me forçar a vestir estes
trapos.
— Eu pedi que o senhor me procurasse porque o senhor me foi recomendado por
Tomcho Spectorsky como o maior especialista em história lemurense — disse Rhodan.
— Spectorsky — repetiu Chusijew. — O que é que esse ignorante tinha que falar
sobre meus trabalhos de exploração?
— Não sabemos de nada de seu trabalho de exploração — disse Perry Rhodan. —
Por isso eu duvido que Spectorsky tenha razão.
Chusijew deixou-se cair numa poltrona, gemendo.
— Eu passo há trinta anos a maior parte de minha vida num submersível — disse
ele, de repente calmo. — Eu descobri, no fundo do Pacífico, coisas que o senhor
provavelmente acharia impossível. Eu conheço muito bem tudo sobre os lemurenses. Eu
posso descrever-lhe como se pareciam suas cidades, que roupas usavam e que veículos
utilizavam.
— Acho que deveria ser muito interessante para o senhor, voar para planetas que há
cinquenta mil anos atrás eram colônias dos lemurenses — disse Rhodan.
— Sim — murmurou Chusijew —, eu gostaria disso. Mas não — a sua voz voltou a
ser alta como antes —, se tiver que andar por aí num uniforme.
— A bordo de uma astronave temos que dar atenção à higiene — declarou Rhodan.
— O senhor não poderá andar numa nave com as roupas que veste.
— Eu acabei de requisitar dois oficiais-enfermeiros — interveio Mercant. — Eles
virão buscar o professor.
Rhodan anuiu, concordando.
— Logo que o senhor tiver um aspecto mais humano, eu o informarei a respeito de
nosso projeto — prometeu ele ao antropólogo.
— O senhor não pode fazer isso comigo! — Chusijew começou a gritar. — Eu
protesto contra este tratamento. Para o diabo com os seus oficiais sanitaristas! Tire-me
estes fanáticos da limpeza do pescoço!
Ele ficou tão agitado, que Rhodan começou a questionar-se se um trabalho em
conjunto com este homem seria possível. Chusijew contemplou todos os presentes com
alcunhas injuriosas e fantásticas.
Quando os dois oficiais sanitaristas surgiram, tiveram que o carregar quase à força.
O seu berreiro ecoou pelos corredores da seção sete. E ele também não se calou quando o
colocaram debaixo da ducha, ensaboando-o. Durante o processo do banho, ele conseguiu
escapar por alguns minutos, e correu, coberto de espuma, para o corredor. Ali ele quase
atropelou um grupo de técnicos que estavam a caminho de um hangar. Os homens o
tomaram por um louco e o atordoaram com suas armas de choque. Totalmente paralisado,
ele foi levado de volta à sala de banho. Uma vez que agora estava indefeso, foi fácil para
os sanitaristas banhá-lo e fazer-lhe a barba.
Quando Chusijew voltou novamente a si, ele estava deitado na cama numa pequena
cabine. Ele franziu o nariz. Em sua opinião ele fedia terrivelmente a sabonete. Seus dedos
magros tatearam o queixo raspado. Ergueu-se um pouco e verificou que vestia um
uniforme.
Com os olhos esbugalhados precipitou-se para o corredor. Entretanto não havia
ninguém por perto, em quem ele pudesse descarregar a sua fúria. Por isso voltou para a
cabine.
— Eu vou mostrar a eles — disse ele, furioso. — Eles vão se arrepender disso.
A cada palavra que dizia, batia com o punho fechado sobre a mesa.
***
— Entreguei ao professor as avaliações dos computadores de cálculos da USO —
disse Atlan.
O arcônida tinha chegado a Old Man há duas horas atrás, acompanhado do
ertrusiano Melbar Kasom. Independente das averiguações que Perry Rhodan determinara,
Atlan voara para Quinto Center, para, por seu lado, mandar avaliar todos os dados
fornecidos pela pirâmide em Old Man.
— O antropólogo ainda está furioso — disse Rhodan, sorrindo. — Ele ainda não
nos perdoou o havermos transformado num homem apresentável. Entretanto tenho
certeza que participará da expedição. Está claro que ele se interessa pelos nossos
documentos, ainda que não queira concedê-lo.
Perry Rhodan trouxe a sua memória mais uma vez todos os dados mais importantes.
Depois de ter cantado I'm forever blowing bubbles, ele recebera da Pirâmide as
coordenadas de um planeta no lado oriental da galáxia. Além disso eles ficaram sabendo
que os halutenses, depois de uma luta feroz de 92 anos, tinham sido vencidos pelos
lemurenses.
O que Rhodan achava mais grave era o fato de que os 31 homens, que tinham
determinado a construção de Old Man, se tivessem concentrado exclusivamente nele
mesmo — Rhodan. Todas as medidas de segurança apontavam para o fato de que os
homens do tender da Frota Dino-III tinham feito tudo para impedir que uma pessoa, que
não fosse Perry Rhodan, pudesse chegar ao controle da mais terrível arma de Old Man.
O Capitão Rog Phanter, já de há muito falecido, entretanto insistira em proibir o
pouso com uma astronave no planeta indicado.
Os lemurenses, assim diziam as avaliações, tinham tomado providências, para que o
planeta fosse explodido imediatamente, logo que uma astronave pousasse na sua
superfície.
Apenas Perry Rhodan tinha permissão para pousar naquele mundo desconhecido
numa micronave de salvamento. Como única concessão, era dada a permissão para Perry
Rhodan levar consigo um robô acompanhante.
— Poderíamos achar que o contato com Chusijew transformou você num homem
melancólico, quando vemos você matutar desse jeito — observou Atlan.
Rhodan ergueu os olhos.
Eles já se encontravam a bordo da nova nave-capitânia da Frota, Crest V, que estava
sendo aprontada para a partida, num dos hangares de Old Man. Além da tripulação
normal, cem cientistas altamente especializados tinham vindo para bordo. Rhodan achava
que não podia prescindir da ajuda dos mesmos, na expedição que tinham pela frente.
Também Geoffry Waringer e seu assistente Bysiphere participariam do vôo.
Rhodan apontou para os documentos que Atlan trouxera consigo, e que se
encontavam sobre a mesa dos mapas.
— Nata chegou a conclusões semelhantes — disse ele. — De acordo com isso,
podemos ter certeza de que todo o programa de ajuda do Capitão Phanter e seus homens
foi designado envolvendo unicamente a minha pessoa.
— Sem Rhodan, nada de ajuda — disse Atlan, com suave troça.
— Eu não me orgulho disso — retrucou Rhodan, chateado. — Se me acontecer
alguma coisa, questões importantes ficarão sem solução, sem levar em conta que então
não entramos na posse das armas de que precisamos, se não quisermos ser destruídos
pelos condicionados em segundo grau.
Atlan cruzou os braços no peito.
— Pelo que conheço de você, você não se importa muito em pousar sozinho num
planeta desconhecido — disse ele.
— Não — concedeu Rhodan. — Você sabe que eu, desde sempre, nunca me neguei
a assumir a responsabilidade sozinho.
— Isto os homens da Good Hope também sabiam — disse Atlan. — Temos que nos
conformar com os fatos. Afinal de contas não nos proibiram de orbitarmos, com a Crest
V, esse planeta misterioso. Portanto você pode ficar em constante contato de rádio com
os cientistas a bordo.
— Como se trata, sem dúvida alguma, de uma base de apoio antiga dos lemurenses,
eu espero que Chusijew nos acompanhe — disse Rhodan. — Caso contrário, teremos que
utilizar Spectorsky que, apesar de suas qualidades inquestionáveis, não traz consigo as
mesmas condições prévias de Chusijew.
Eles foram interrompidos, quando Paladino entrou na central de comando. O grande
robô estava com todos os Thunderbolts a bordo.
Atlan olhou para onde estava Paladino.
— Eu achei que Dephin e seus homens viriam para bordo — disse ele, para Rhodan.
Perry sorriu.
— No informe da Pirâmide falou-se de um robô acompanhante, que me é permitido
levar — lembrou ele.
— E você imediatamente lembrou-se de Paladino.
— E isso não era de se supor? — Rhodan levantou-se e fez um sinal ao robô.
— Bom dia, Sir! — respondeu Harl Dephin, pelo alto-falante de Paladino. —
Venho da cabine do Professor Chusijew. Nós logo fizemos amizade.
Rhodan e Atlan se entreolharam.
— Como é que isso foi possível? — quis saber Rhodan, perplexo.
Dephin riu, um riso rouco.
— Eu sei praguejar melhor ainda que o professor — disse ele.
2

O planeta chamava-se Satyat e estava 47.519 anos-luz distante da Terra.


Primeiramente Perry Rhodan e seus colaboradores ficaram admirados com este dado
fornecido pela Pirâmide, pois era tido como seguro que os homens do tender da Frota
Dino-III não se haviam afastado mais de duzentos e cinquenta anos-luz do sol E-CK-
121.288-31. Entretanto era inconcebível que as informações do banco de dados de Old
Man fossem falsas. Finalmente um dos cientistas chegara à conclusão de que os homens,
que no passado haviam partido com a nave auxiliar Good Hope, tinham se encontrado
com flotilhas halutenses, fugindo. Natã, no qual se havia programado essa suposição,
confirmou a probabilidade de um acontecimento semelhante. Natã, inclusive, foi mais
adiante. Nos cálculos do computador positrônico gigante de Luna, chamava-se a atenção
para o fato de a Good Hope ter recebido um tiro em cheio. A nave auxiliar tivera que
pousar a três mil anos-luz do tender da Frota Dino-III. Natã declarou que o planeta, no
qual a Good Hope tinha pousado naquela ocasião, podia ser idêntico a Satyat.
Depois de um vôo trabalhoso através do centro do East Side da galáxia, a Crest V
chegou ao Sistema Satys no dia 2 de dezembro de 2.436. O mesmo era formado de um
pequeno sol amarelo normal, orbitado por dois planetas. O mundo interno era
praticamente líquido e incandescente. Isso queria dizer que somente o segundo podia ser
o planeta Satyat.
Já na primeira telemetria ficou demonstrado o que estava esperando pelos homens
da Crest V.
Em Satyat reinava uma gravidade de 7,2 gravos.
***
A barba já novamente ligeiramente crescida no rosto de Chusijew demonstrava que
o antropólogo não estava disposto a se submeter à disciplina geral de bordo. Também o
seu uniforme já mostrava dobras e manchas.
— Os lemurenses raciocinavam praticamente — disse ele, erguendo-se um pouco
na poltrona. — É difícil acreditar que eles tenham erigido uma base de apoio num mundo
com gravidade tão elevada.
Com isso o assunto Satyat parecia exaurido para ele, e deu a entender que pretendia
deixar a sala de comando. A voz de Rhodan o deteve.
— Fique aqui, professor — disse Perry. — Eu não pretendo discutir que o senhor
tem razão com a sua avaliação dos lemurenses. Mas não seria possível que fosse
necessário que este povo construísse uma base de apoio em Satyat?
Chusijew voltou aos controles e olhou a tela. Como sempre, a expressão no seu
rosto era chateada.
— Olhe muito bem para Satyat — recomendou ele a Rhodan. — O senhor acha
realmente que este mundo possa ser interessante para nós?
Chusijew recordou o que eles já sabiam a respeito do segundo planeta desse
sistema. Satyat tinha um diâmetro de apenas 16.718 quilômetros, apesar de sua elevada
gravidade. O planeta precisava de dez horas e meia, para girar uma vez em volta do seu
próprio eixo. Isso significava que um dia satiatense tinha apenas pouco mais de cinco
horas de duração. Satyat possuía uma atmosfera de oxigênio de densidade incomum.
Montanhas extensas, relativamente baixas, podiam ser reconhecidas nas telas de imagem.
Os quatro mares eram estranhamente quietos. A vegetação mais alta que se podia
registrar por telerrastreamento era um tipo de planta de trinta centímetros de altura.
Entrementes haviam disparado sondas para dentro da atmosfera, que irradiavam de volta
para a Crest V valiosos resultados de medições e imagens.
— Eu não sei por que o senhor quer correr o risco de pousar neste mundo — disse
Chusijew para Rhodan. — Nada indica que, lá embaixo, existam construções ou outras
instalações, que poderiam confirmar a presença dos lemurenses há cinquenta mil anos
atrás.
— Lembre-se que Gucky e eu captamos impulsos mentais inteligentes constantes —
disse John Marshall.
Chusijew lançou um olhar malvado ao telepata.
— O senhor rastreia impulsos mentais, certo, mas é incapaz de nos dizer que seres
os irradiam.
— As sondas nos ajudarão muito — disse Atlan. Chusijew agitou os braços magros
no ar.
— Por que vamos nos deixar enganar? — disse ele, furioso. — Supostamente o
planeta explode se, fora de Perry Rhodan, mais alguém pousar no mesmo. O que é que
um homem sozinho consegue fazer neste mundo? Sob as condições gravitacionais ali
existentes ele se tornará praticamente imobilizado, simplesmente porque terá que carregar
consigo um enorme projetor antigravitacional. Este projetar consome tanta energia, que
será impossível equipar este homem com um campo energético defensivo e um projetor
de vôo.
— Também nisso os lemurenses parece terem pensado — interveio Rhodan. — Eles
me concedem um robô de acompanhamento. Provavelmente apenas para que eu tenha
uma ajuda.
— Não é a minha vida que vai ser posta em jogo lá embaixo — disse Chusijew,
virando-se.
Rhodan estava tentado a apaziguar o antropólogo, porém foi interrompido por um
radioperador que lhe trazia as primeiras fotos das sondas.
Rhodan recebeu aquelas fotos bastante ampliadas. As primeiras imagens mostravam
paisagens satiatenses. Havia grandes bosques daquelas plantas de trinta centímetros de
altura. Nas costas marítimas cresciam extensos tapetes de liquens.
E então Rhodan segurou nas mãos a foto de uma criatura de oito pernas. Pelos
traços de marcações nas fotos podia calcular-se facilmente que o octópode tinha dois
metros de comprimento e quase um metro e meio de largura. A criatura tinha no máximo
trinta centímetros de altura, sendo protegida por uma grossa couraça. Numa outra foto
Rhodan pôde ver a cabeça de uma dessas criaturas. A mesma sobressaía muito pouco da
couraça. O satiatense possuía ainda dois braços móveis que terminavam em ganas com
seis dedos.
— Indubitavelmente estas criaturas são inteligentes! — disse Rhodan, enquanto
passava as fotos para Atlan.
Entrementes haviam sido confeccionadas cópias. Os homens na sala de comando
estavam ocupados com a avaliação das fotos.
— Se as fotos não enganam, estes nativos movimentam-se com excepcional rapidez
e habilidade, apesar da elevada gravidade — disse Melbar Kasom.
— Agora sabemos de onde vêm os impulsos mentais — interveio Gucky.
Rhodan estendeu algumas fotos para Chusijew.
— Não quer dar uma olhada nessas fotos, doe?
Com um resmungo chateado, Chusijew quase lhe arrancou as fotos da mão. Lançou
apenas um rápido olhar nas mesmas, atirando-as depois na mesa de mapas.
— A presença desses nativos parecidos com solhas não prova absolutamente nada
— disse ele. — Nos escritos que eu encontrei nas cidades submersas no fundo do
Pacífico, tais criaturas nem são mencionadas.
— De qualquer modo farei uma visita a este mundo — anunciou Perry Rhodan. —
Como me permitem levar um robô acompanhante, levarei Paladino comigo.
— Antes disso, poderíamos fazer um teste, enviando uma corveta não tripulada até
Satyat — sugeriu Abel Warringer.
— Não — recusou Rhodan. — Se as informações da Pirâmide de Old Man
estiverem corretas, isso provocaria o desaparecimento de Satyat. Vamos nos ater a estas
determinações, até podermos ter certeza de que elas poderão não corresponder à
realidade.
***
O traje de combate que Perry Rhodan colocara tinha sido equipado pelos técnicos
da Crest V com uma mochila energética especial. O aparelho possuía a quíntupla
capacidade de um projetor normal e era correspondentemente grande. Alcançava da nuca
até as nádegas. Durante toda a sua estadia em Satyat.
Rhodan teria que alimentar toda a energia da mochila do projetor antigravitacional,
para compensar a elevada gravidade. Por isso mesmo não podia voar nem ativar o campo
defensivo energético de seu traje de combate.
Apesar de Rhodan parecer disforme no pesado traje, ao lado de Paladino parecia
insignificante.
Atlan e Chusijew haviam vindo também ao hangar, para despedirem-se do
Administrador-Geral. Rhodan pretendia usar um space-jet, para voar para Satyat.
— Ficarei em ligação de rádio constante, para poder informá-los imediatamente,
caso topar com os indícios de uma base de apoio lemurense — disse Rhodan para
Chusijew.
— Em ordem — disse Chusijew, rabugento.
Rhodan ergueu o braço. Ele esperara que Atlan ainda fizesse algumas restrições,
porém o arcônida silenciou teimosamente. Pela expressão no rosto do seu amigo, Perry
Rhodan, entretanto, podia deduzir que Atlan encarava o empreendimento com ceticismo.
Rhodan esperou até que Paladino se tivesse ancorado na nave auxiliar em forma de
disco. Quando logo depois entrou na nave, ele sabia que poucos instantes mais tarde
estaria voando ao encontro de um mundo desconhecido e perigoso, do qual, talvez não
houvesse regresso.
3

Através da cúpula da pequena nave, Rhodan viu uma parte de Satyat. O planeta
lembrava-lhe uma gigantesca bolha de sabão.
No interior da nave auxiliar reinava o silêncio. Rhodan poderia entrar em ligação
com os homens na sala de comando da Crest V, a qualquer momento, mas preferiu
silenciar.
Poucos momentos mais tarde Satyat preenchia todo o campo visual por trás da
cúpula. Rhodan sabia que o seu vôo estava sendo observado atentamente da Crest V. Ele
lembrou-se do aviso que haviam recebido da Pirâmide de Old Man. Em Satyat devia
existir uma estação de ignição que destruiria o planeta, logo que alguém que não fosse
Perry Rhodan pusesse os pés na superfície. Rhodan esperava que esta estação de
comutação aceitasse Paladino como seu acompanhante.
Rhodan levou o olhar para os aparelhos de controle. A elevada gravidade de Satyat
já se fazia notada. Os propulsores trabalhavam com força elevada. O piloto automático
estava ligado, mas Rhodan estava pronto a passar para manobra manual, caso isso se
mostrasse necessário.
Quando Rhodan se levantou, pôde ver a parte superior do corpo de Paladino. Os
Thunderbolt tinham ancorado o corpo do robô, semelhante a um halutense, no casco
externo da nave auxiliar e ligado o campo energético defensivo. A tripulação siganesa,
com isso, ficava protegida das influências externas do cosmo.
Rhodan ligou o seu aparelho de radiofonia.
— Alô, major! — chamou ele. — Tudo em ordem, aí fora?
— Sim, Sir — respondeu Harl Dephin. — Quer que Paladino lhe acene com a
cabeça?
— Melhor não — respondeu Rhodan. — Eu não quero ter buracos no casco externo
da nave.
Rhodan ouviu um dos Thunderbolt rirem. Desconfiado, ele ergueu as sobrancelhas e
ficou escutando.
— Major — disse ele, depois de algum tempo. — O senhor e os seus Thunderbolt
naturalmente não contrabandearam daquelas garrafinhas marrons para bordo de
Paladino?
— Sir! — gritou Harl Dephin, indignado — Nós estamos conscientes da dificuldade
de nosso trabalho. Eu confesso que o Tenente-Especialista Dart Hulos, de vez em quando
se permite um gole, mas isso acontece somente quando não está de serviço.
— Eu ouvi diversos ruídos que me deixaram desconfiado — disse Rhodan.
— Oh! isso! — Dephin riu, surdamente. — O Capitão-Especialista Mirus Tyn
acabou pegando uma inflamação da garganta, e precisa gargarejar a cada dez minutos.
— O medicamento que ele usa para isso, por acaso, não contém álcool?
— Não temos uma só gota de álcool a bordo, Sir — defendeu-se Harl Dephin, da
suspeita de Rhodan.
Rhodan sorriu e desligou. Os siganeses a bordo de Paladino viviam num mundo
próprio, e nem sempre era muito fácil, para quem estivesse de fora, entender o que se
passava no interior do corpo gigantesco do robô, de superatronital e quatro metros de
altura. Dephin e seus homens tinham arrumado o robô à sua maneira. Medido pelos
objetos luxuosos que continuavam a aparecer nas listas de encomendas dos Thunderbolt,
os aposentos do alojamento do Paladino deviam parecer-se com os de um palácio. Porém
os siganeses sentiam-se com muito pouco conforto quando saíam em missão. Sobretudo
Harl Dephin ficava sentado no seu cadeirão, incapaz de se mover, com o pesado capacete
Sert na cabeça. O oficial de armamento Dart Hulos não ficava muito melhor, na central
de armas, no deque de cabeça superior.
O space-jet em forma de disco alcançou as camadas superiores da atmosfera, e
Rhodan concentrou-se nos seus controles. Ele pretendia pousar numa área, onde as
criaturas parecidas com solhas se encontravam, das quais as sondas haviam mandado
fotos para a Crest V. Como não tinham sido descobertos indícios da presença de outras
inteligências, Perry Rhodan pretendia entrar em contato com as solhas. Ele imaginava
que isso só se faria com dificuldade, pois estas criaturas, condicionadas pela elevada
gravidade do planeta, provavelmente tinham hábitos de vida inteiramente diferentes dos
homens.
Rhodan, entretanto, estava confiante. Ele não acreditava que os homens do tender
da Frota Dino-II e os lemurenses tivessem cometido erros. De alguma maneira os nativos
de Satyat tinham sido levados em consideração, quando da elaboração dos planos dos
mestres construtores de Old Man.
Rhodan dividira o seu plano horário de tal modo que pousaria pela manhã, que em
Satyat durava apenas pouco menos de duas horas. O primeiro contato com os nativos
deveria ser feito ainda com a luz do dia.
O space-jet agora voava irregularmente. Rhodan já contara com esse tipo de
comportamento da pequena nave. No momento nada poderia acontecer. Quando do
pouso, entretanto, Rhodan devia tomar muito cuidado.
O terrano olhou para as telas de imagem. Logo abaixo dele ficava uma serra
extensa, que de um lado ia até o mar. A costa era desabitada, porém cinquenta
quilômetros terra adentro podia reconhecer-se buracos parecidos com tocas: as tocas dos
nativos. A serra em formato de uma foice incluía muitas florestas baixas e um mar que,
desta altura, parecia quase retangular. Do outro lado do vale fecundo, espalhava-se um
campo pedregoso de mais de um quilômetro.
O lugar pré-escolhido para o pouso da space-jet ficava na borda de um extenso
bosque. As elevações mais próximas, a partir do campo de pouso, ficavam a uns dois
quilômetros de distância. Rhodan não queria, de modo algum, causar destruição, com a
nave auxiliar.
Rhodan pôs-se novamente em ligação com Harl Dephin. — Major, depois do pouso
o senhor ficará, provisoriamente, no seu lugar — ordenou ele ao siganês. — Vamos
acostumar, cautelosamente, os nativos a nossa aparência. O senhor somente deve intervir,
quando a coisa ficar perigosa.
— Em ordem, Sir — retrucou Dephin, solícito.
Rhodan perguntava-se por que eles ainda não tinham encontrado quaisquer indícios
de uma ex-estação lemurense. Talvez ela ficasse sob a superfície e somente poderia ser
descoberta depois de cuidadosos rastreamentos.
Rhodan convenceu-se de que o local de pouso escolhido estava abandonado, antes
de assumir o controle manualmente. A gravidade séptupla puxava o space-jet. Toda a
força de propulsão dos jatos e os projetores antigravitacionais da pequena nave foram
necessários para pousar a uma velocidade adequada.
Rhodan respirou aliviado, quando a manobra terminou. Um ranger sinistro sacudira
todo o corpo da nave, mas agora a mesma estava parada quieta e segura em chão duro.
Rhodan olhou para fora, através da cúpula. Nem um ventinho parecia estar
soprando. As árvores de trinta centímetros de altura lembravam Rhodan de pinhas
colocadas em pé. O chão era coberto de liquens, que pareciam veias vermelhas. Um
animal semelhante a uma estrela-do-mar rastejou lentamente na direção do matinho.
Rhodan ficou olhando-o por algum tempo. O mesmo não se interessou pelo space-jet,
mas dirigiu-se, perseverante, na direção do seu destino.
Do outro lado, a terra parecia ainda mais desoladora. Também aqui havia algumas
plantas, mas todas crescendo muito perto do chão.
Rhodan entrou em contato com a Crest V.
— O pouso transcorreu sem incidentes — avisou ele. — Lá fora tudo está calmo.
Eu agora vou deixar o space-jet.
— Tenha cuidado, Perry — pediu-lhe Atlan.
Rhodan não respondeu, mas fez a eclusa abrir. A mochila energética nas costas de
Rhodan trabalhava sem problemas e diminuiu a gravidade reinante para 1,2 gravos.
Rhodan pôde ler os valores no seu medidor de pulso. Apesar de poder movimentar-se
praticamente sob as mesmas condições de gravidade da Terra, os seus passos pareciam
desajeitados. O traje de combate com a grande mochila o atrapalhavam bastante.
Contrariando o conselho de Atlan, Rhodan deixou todas as armas a bordo do space-
jet. Se os nativos alguma vez tivessem recebido visitas do cosmo, eles certamente
reconheceriam uma arma, e no mínimo ficariam desconfiados.
Quando Rhodan saiu de dentro da eclusa, Paladino se levantara. Neste mundo,
Paladino parecia ainda mais possante.
— Fique onde está, major — disse Rhodan.
Rhodan afastou-se uns dois metros da pequena nave, para dar oportunidade a
eventuais observadores de poderem examiná-lo devidamente.
— Vamos ter visitas — gritou Dephin, que, através da galeria de imagens do
Paladino, poderia olhar bem mais longe que Perry Rhodan.
— De que lado estão vindo? — quis saber Rhodan.
— São catorze nativos — informou Dephin. — Eles se movimentam a sua
esquerda, em frente, junto a borda do mato. De vez em quando ficam parados,
observando. Um segundo grupo aproxima-se, vindo da direção do mar.
— Quando devem estar aqui?
— É difícil dizer — respondeu Dephin. — Eles se movimentam em velocidades
diferentes.
Rhodan olhou na direção indicada por Dephin, mas não conseguiu ver nada. Ele
confessou a si mesmo que estava esperando pelo encontro com os nativos com um certo
nervosismo. Já muitas vezes ele fizera contato com inteligências exóticas, porém aquele
leve mal-estar diante do desconhecido aparentemente não se perdia nunca. Desta vez
havia ainda o fato de tratar-se de descobertas importantes.
— Os nativos trazem armas consigo? — perguntou ele para Dephin.
— Isso é difícil de ser respondido — disse o major siganês. — Estas criaturas não
parecem ter qualquer tipo de armamento, mas é totalmente possível que escondam armas
ou outras coisas embaixo de suas largas couraças.
Mais quatro minutos se passaram, antes de Rhodan poder ver os primeiros solhas.
Os seus corpos mal se destacavam da borda da floresta. Apesar de Rhodan saber, pelas
fotos, como os estranhos eram ágeis, ficou admirado com a habilidade com que eles se
adiantavam nas suas pernas curtas.
Os nativos se dirigiam diretamente para o space-jet.
— Agora posso vê-los — informou Rhodan aos Thunderbolt.
— Estou pronto para o combate — respondeu Harl Dephin.
— Não faça tolices, major! — preveniu-o Rhodan. — Eu decido quando o senhor
deve intervir.
A dez metros de distância de Rhodan os nativos pararam. Apesar de Rhodan não
poder ouvir nada através do microfone externo, ele tinha certeza que os nativos
deliberavam entre si.
— Eles conversam numa língua quase ultra-elevada — informou Harl Dephin. —
Parece mais uma espécie de estridular. O único som mais ou menos compreensível soa
como urth.
— Neste caso pelo menos temos um nome para nossos novos amigos — achou
Rhodan. — Vamos batizá-los de urths.
Os catorze nativos puseram-se novamente em movimento. Eles se dividiram e
começaram a circundar Rhodan. Rhodan seguiu a manobra com atenção, mas sem
preocupar-se. Ele sabia que o Paladino poderia libertá-lo a qualquer momento, se os urths
tentassem cercá-lo.
O círculo dos nativos lentamente fechou-se em volta de Rhodan. Quando um dos
estranhos estava a poucos passos dele, Rhodan achou que chegara o momento de tomar a
iniciativa.
Ele adiantou-se um passo e levantou o braço.
O seu movimento tinha que provocar um choque nestas criaturas que viviam
constantemente sob aquelas elevadas condições de gravidade. Os urths pararam, como
que paralisados. Suas cabeças chatas, com os olhos muito fixos, desapareceram sob suas
couraças.
— Parece que os assustei — observou Rhodan.
E então Serguei Chusijew chamou de bordo da Crest V.
— Uma das sondas enviadas está a apenas cinquenta metros acima do senhor —
disse o antropólogo. — Vemos exatamente o que está ocorrendo em sua volta.
— Excelente — respondeu Rhodan. — E o que é que o senhor me recomenda?
— Ajoelhe-se — disse Chusijew. — O seu tamanho e seus movimentos
amedrontam os nativos.
Apesar do pesado traje de combate, Perry Rhodan conseguiu pôr-se de joelhos.
— Durante alguns minutos não faça qualquer movimento — disse Chusijew. —
Ainda seria melhor se o senhor pudesse deitar-se, ao comprido, no chão.
— O traje de combate... — começou Rhodan.
— Sim, sim, eu sei, a construção miserável que isso é — interrompeu-o Chusijew,
violento.
— Eu posso tirar esse sujeito da frente do transmissor, se ele enervar você — ouviu-
se a voz de Atlan, interferindo.
— Não — disse Rhodan, sorrindo. — Eu não me importo em aceitar os bons
conselhos dele.
Os urths recuperaram-se rapidamente do seu susto. O seu chefe rastejou na direção
de Rhodan, fazendo sinais compreensíveis com seus braços. Rhodan olhou-o, sem
entender.
Ele estava enganado, ou os gestos do urth eram de desafio? O estranho de oito
pernas comprimia as suas garras constantemente, fazendo as articulações estalarem.
Depois ele rastejou mais na direção de Rhodan.
— Cuidado, sir! — gritou o Major Dephin.
— O urth está pretendendo alguma coisa — disse Rhodan. — Ele está querendo me
fazer entender alguma coisa.
— Provavelmente está querendo lutar com o senhor — veio a voz de Chusijew pelo
alto-falante do capacete de Rhodan.
Rhodan ergueu as sobrancelhas. Como é que o antropólogo chegava a essa ideia?
Era ridículo! O urth e ele eram muito diferentes, para entrarem numa luta.
— Ele é o chefe dos nativos — continuou Chusijew. — O senhor prejudicou a sua
autoridade, quando fez aqueles movimentos, diante dos olhos de seus acompanhantes, e
que ele não é capaz de executar. Para restabelecer novamente a sua dignidade, ele terá
que vencê-lo na luta.
— Mas isso é uma tolice — disse Rhodan, movimentando-se cautelosamente para
trás. — Ele precisa ver que eu tenho intenções pacíficas.
— Isso agora não vem ao caso — disse Chusijew, lacônico. Por um instante Rhodan
teve a suspeita de que Chusijew lhe dava instruções falsas propositadamente, para
encenar uma luta. Depois, entretanto, se disse que o homenzinho era demasiadamente
cientista para, num momento como esse, dar vazão aos seus sentimentos de vingança.
O urth seguiu Rhodan, insistentemente. De vez em quando ele emitia sons
estrídulos, que Rhodan quase não conseguia ouvir. Entrementes também o segundo grupo
de nativos tinha chegado, rodeando aquela arena.
— Uma palavra basta, e eu intervenho, sir — ofereceu-se Harl Dephin.
— Não — disse Rhodan.
Ele estava decidido a não recuar mais. Talvez o urth estava querendo apenas testar a
sua coragem.
Aquela criatura sinistra agora aproximava-se mais depressa. Ele não afastava os
olhos do terrano. Havia ruídos arrastados, quando a sua couraça pesada tocava o solo. A
esperança de Rhodan de que o urth pararia mostrou-se falha. Rhodan teve que pôr-se em
segurança, dando um pulo desajeitado, quando aquelas garras foram estendidas para ele.
— Major, eu não consigo enfrentar esse sujeito insistente sem armas — disse
Rhodan. — O traje me atrapalha demais. Talvez seria bom se o senhor lhe der uma lição.
— Com prazer, sir — retrucou Dephin, deixando Paladino escorregar de cima do
space-jet.
Imediatamente a atenção do urth concentrou-se no grande robô.
Rhodan perguntava-se o que iria acontecer agora.
— Vá com calma! — gritou ele para Dephin. — Eu não gostaria que
transformássemos estas criaturas em nossos inimigos para sempre.
A cabeça do nativo movimentava-se na velocidade do raio de um lado para outro,
depois as suas garras estenderam-se para o seu suposto adversário.
Dephin levou o Paladino diretamente na direção do urth.
— A valentia do nativo é sem igual — veio a voz de Chusijew. Ele certamente, nem
em sonhos, deve ter imaginado uma criatura do tamanho de Paladino. E agora vem um
gigante que não se importa com a gravidade imensa, na sua direção.
Rhodan ficou admirado que o antropólogo tivesse tanta simpatia pelos membros de
um povo estranho.
O Paladino agora estava parado bem perto do urth. As garras da criatura
encouraçada foram lançadas para frente, tentando agarrar as pernas de Paladino. Dephin,
que agora manobrava aquele corpo gigante com o capacete Sert, deixou cair a parte
superior do corpo de Paladino para a frente.
O urth foi agarrado por duas mãos que o agarraram irresistivelmente.
Depois Paladino levantou o nativo.
Rhodan ouviu um grito de socorro.
— Depositar no chão! — gritou a voz
estridente de Chusijew, pelo alto-falante do
capacete.
O urth já estava novamente caído no
chão, mas parecia estar como que
narcotizado.
— Como é que o senhor pode permitir
uma coisa dessas, com todos os diabos? —
gritou o antropólogo. Ele disse uma série de
palavrões, mas a sua voz ficara cada vez
mais baixa. Evidentemente alguém o havia
agarrado, arrastando-o para longe do
microfone na Crest V.
— Eu acho que isso basta, sir — disse
o Major Dephin pelo rádio.
— Receio que os urths tenham
recebido um forte choque. Para uma criatura
que vive sob forte gravidade à altura do
chão, deve ser terrível ser levantado de
repente.
— Ele ainda vive, sir — retrucou
Dephin.
— Vamos esperar para ver o que
acontece agora — achou Rhodan. — Volte
novamente para o space-jet, major.
O chefe dos Thunderbolt deu um resmungo decepcionado de si, mas logo executou
a ordem. Rhodan ficou observando os urths. Os espectadores se recuperaram lentamente
do seu susto e corriam de um lado para o outro, sem destino. Apenas o urth, a quem
Paladino suspendera meio metro, ainda estava deitado no chão, como que paralisado.
Rhodan sentiu pena do nativo.
— Agora vamos deixar Chusijew aproximar-se novamente do microfone —
anunciou Atlan pelo radiofone. — Ele prometeu que, a partir de agora, será sensato.
— Ninguém poderá impedir-me de expressar minha opinião — disse Chusijew,
chateado.
— Está bem — acalmou-o Rhodan. — Aqui está tudo em ordem.
— O que pretende fazer agora? — perguntou o antropólogo.
Rhodan ficou pensando por um instante.
— Eu vou tentar atrair um urth para o space-jet, para levá-lo para a Crest V — disse
ele, então.
Chusijew não tentou nem abafar o seu riso de descrença. Rhodan não lhe deu
atenção, mas aproximou-se do nativo que ficara conhecendo a força extraordinária do
robô.
Sem transformador de símbolos, um entendimento verbal com o satiatense era
impensável. Rhodan sacudiu a cabeça. Teria sido óbvio trazer um aparelho destes no
space-jet, mas ninguém pensara nisso. Por uma razão qualquer, todos pareciam ter
acreditado que seria possível entender-se com os habitantes inteligentes de Satyat em
tefrodense ou intercosmo.
Rhodan acocorara-se novamente e arrastou-se, centímetro por centímetro, na
direção do satiatense. Os espectadores tinham se acalmado novamente e observavam
agora, como o seu chefe se comportava.
Rhodan achou que os urths eram criaturas pacíficas por natureza. Se lutavam,
somente o faziam quando alguma regra era desrespeitada.
Rhodan abriu a bolsa do seu cinturão e espalhou alguns presentes para os urths.
Eram objetos que tinha escolhido apressadamente, a bordo da Crest V, depois que as
primeiras fotos dos nativos haviam chegado. Estes presentes eram desenvolvidos por
galatopsicólogos, em trabalho conjunto com antropólogos. Nos círculos de astronautas
eram chamados de psicobrinquedos, porque em primeira linha deviam despertar agrado e
possuíam pouco valor prático.
O urth olhou fixamente as bolas e discos coloridos que Rhodan espalhava diante
dele.
— Isso parece agradá-lo — observou Rhodan.
— Eu não consigo reconhecer nada — queixou-se Chusijew. — A sonda não
funciona sem problemas. Não existe realmente nada a bordo dessa nave amaldiçoada que
funcione?
— Nós vamos manobrar outra sonda para a área de pouso — prometeu Atlan.
— Eu vou relatar-lhe o que se passa aqui — disse Rhodan. — O urth está
observando os presentes. Ele certamente os aceitará.
Ainda enquanto Rhodan falava, o urth pegara num disco, puxando-o para si.
— Ele está segurando um disco nas garras e o está lambendo — informou Rhodan
aos homens da central de comando da nova nave-capitânia.
— Ele acredita que o senhor lhe tenha dado alguma coisa comestível — disse Harl
Dephin.
Rhodan pegou uma bola e empurrou-a na direção do space-jet.
Depois ele movimentou-se na direção da nave auxiliar e fez gestos para atrair o
nativo. Se o urth tivesse apenas metade da inteligência que Rhodan supunha, ele devia ter
entendido os gestos.
Mas ele realmente conseguiria reunir coragem, para aproximar-se da astronave
estranha? Aquilo não deveria parecer-lhe uma armadilha?
— Como estão indo as coisas? — perguntou Chusijew.
— Não estão indo — confessou Rhodan. — Por enquanto meu amigo se preocupa
apenas com os presentes.
— O senhor e seus truques! — disse Chusijew, pouco cordialmente. — Poderia
pensar-se que é a primeira vez que o senhor se vê diante de um ser extraterrestre!
Rhodan não se deixou irritar com o descaramento do cientista. Ele viu como o urth
agarrou uma bola, atirando-a na direção dos seus acompanhantes. A bola rolou só
lentamente, porém o sentido da ação era clara: Rhodan devia acompanhar os satiatenses.
Rhodan sabia que desse jeito ele não faria progressos. Ele não via nenhum sentido
em seguir os nativos, enquanto não possuísse um transformador de símbolos. Entretanto
não queria voltar para a Crest V, sem a companhia de um urth, para completar o seu
equipamento. Durante a sua ausência os nativos poderiam tomar muitas decisões, que, em
determinadas circunstâncias, seriam contrários aos interesses dos terranos. Caso
entretanto levasse um urth consigo, os outros nativos ficariam esperando, interessados,
pela volta do mesmo.
Rhodan não duvidava de que os urths fossem curiosos, querendo saber mais a
respeito dos estranhos visitantes. Eles precisavam apenas vencer a timidez.
— O que está acontecendo agora? — perguntou Chusijew. — Por que não fala?
— Eu estava jogando bola com o urth — explicou Rhodan. O antropólogo bufou,
furioso.
Rhodan seguiu o satiatense alguns metros na direção da bola, depois voltou e
apontou para o space-jet. Ele esperava que o urth também entendesse isso. Rhodan
contava com o orgulho do chefe dos nativos. O urth certamente não deixaria passar a
chance de renovar o seu renome arranhado.
— Estão chegando cada vez mais nativos, sir — informou Dephin, que, com
Paladino, novamente ocupara o lugar de observador na superfície do space-jet.
— Isso será bom para nossos planos — achou Rhodan. — O chefe dos urths não
desejará fazer má figura diante de tantos espectadores. Os satiatenses, todos viram que eu
convidei o seu chefe a vir comigo.
— A nova sonda agora está sobre o lugar de pouso — disse Atlan, da Crest V.
— Por que a imagem está tão pouco nítida? — gritou Chusijew no meio. — Não
existe ninguém a bordo desta nave que esteja em condições de garantir uma imagem
decente?
A bordo da Crest V parecia ter-se desenrolado uma discussão quente entre Chusijew
e os oficiais do rastreamento sobre a qualidade da imagem de televisão, durante a qual o
antropólogo certamente gritara muito mais que os astronautas. Rhodan, entretanto, mal
dava atenção ao barulho que lhe vinha através do alto-falante do capacete. No momento,
aliás, ele pouco se importava se Chusijew conseguiria ver tudo ou não.
Ele sentiu que o urth hesitava. Então usou de um truque. Ele fez sinal para um urth
que estava parado mais afastado, convidando-o por gestos a segui-lo. Ele esperava com
isso aumentar a força de decisão do chefe.
Ele não se enganara. Evidentemente por medo de que algum dos seus seguidores lhe
pudesse passar à frente, o urth seguiu Rhodan na direção do space-jet. Rhodan tomou
atenção para não fazer movimentos que pudessem assustar o nativo. O maior problema
ainda estava por vir. Seria difícil levar o urth para bordo. Além disso, ainda não estava
claro como o satiatense reagiria a uma gravidade de um gravo.
Rhodan tinha esperanças que o urth conseguisse efetuar o vôo até a Crest V sem
sofrer danos. A bordo do ultracouraçado havia câmaras de alta pressão, nas quais era
possível criar a pressão que era normal para o satiatense.
Diante da gangway o nativo parou. Provavelmente era inconcebível para ele como
alguém pudesse vencer uma diferença de altura semelhante. Rhodan tinha consciência de
que não poderia carregar o nativo para cima, para isto Paladino teria que entrar em ação.
A pergunta era unicamente como o urth reagiria, se o robô se aproximasse dele. Se ele
fosse muito esperto e valente, ele atacaria imediatamente, e era isso que interessava.
— O senhor acha que ele vai segui-lo pela gangway acima? — perguntou Chusijew,
zombeteiro. — Para isso o senhor teria que segurar a mãozinha dele.
— Evidentemente o senhor já está vendo novamente melhor o que se passa aqui —
respondeu Rhodan, calmo.
— Eu não sei o que devo admirar mais, se a valentia do urth ou a sua incapacidade
de colocar-se na situação dele — disse Chusijew, mordaz.
Rhodan sorriu. Lentamente ele estava se acostumando ao jeito de ser do professor.
Chusijew provavelmente estava com saudades do fundo do oceano. A sua maneira, ele
era ainda mais complicado que o urth.
— Eu preciso de sua ajuda, major —- disse Rhodan a Dephin. — Traga o Paladino
para cá. Levante-me para a eclusa, no alto, para que o urth possa ver o que pretendemos
fazer.
— Ele não vai ficar entusiasmado, quando o robô se aproximar dele — achou o
major siganês.
— Vamos experimentar — disse Rhodan.
Como Rhodan receara, o nativo recuou uns dois metros. Entretanto manteve a
cabeça fora de sua couraça e ficou olhando, curiosa como Rhodan era suspenso pelo
Paladino e depositado diante da eclusa aberta.
Rhodan olhou para baixo da câmara da eclusa. O urth acabara de ver uma coisa, que
deveria parecer-lhe um milagre. Isso poderia levar a que ele visse nos visitantes estranhos
seres semelhantes a deuses. Rhodan entretanto não dava valor a uma tal colocação, pois
ele queria muito mais de uma parceria verdadeira com os satiatenses.
— Coloque-me novamente no chão — disse Rhodan. Dephin executou a ordem.
— O urth morrerá se o senhor mandar o Paladino fazer a mesma coisa com ele —
profetizou Chusijew.
— Quando ele tiver vencido o seu medo por grandes alturas, ele se deixará carregar
prazerosamente — retrucou Rhodan.
— Mas ele ainda não o venceu — insistiu Chusijew.
— Comece, major — disse Rhodan, sem escutar mais as ponderações do cientista.
— Vocês não deverão levantar o urth a força. Ele terá que decidir-se de livre e
espontânea vontade a essa ousadia.
O Paladino deu uns dois passos na direção do nativo. Os espectadores urths
entraram numa agitação enorme. Eles adivinhavam o espetáculo que estava por vir, e
evidentemente tinham as mesmas dúvidas que Chusijew. Rhodan tentou imaginar o que
agora se passava na mente do urth. O nativo teria que vencer medos muito antigos.
Entretanto ele mal tinha tempo para refletir, de modo que provavelmente não reconhecia
todas as consequências provocadas pelo seu modo de agir.
A cabeça do urth desapareceu debaixo da couraça, quando o Paladino se abaixou.
— Cuidado, major! — preveniu Rhodan. — Dê-lhe algum tempo.
— Talvez agora seja a melhor oportunidade — achou Dephin. — O garoto não pode
ver nada, se mete a cabeça na sua couraça.
Rhodan apertou os lábios. Se acontecesse alguma coisa com o urth, jamais poderia
haver uma amizade entre terranos e satiatenses.
Dephin fez Paladino agarrar firmemente.
Rhodan ouviu alguns gritos estridentes dos espectadores urths, depois o satiatense
estava deitado, tremendo, na câmara da eclusa.
— Recue! — ordenou Rhodan aos Thunderbolt. — Agora precisamos voltar
rapidamente para a Crest.
O Paladino ancorou-se novamente na superfície do space-jet, enquanto Rhodan
entrava na sala de comando da pequena nave, fazendo a eclusa se fechar. Ele agora não
podia ocupar-se com o urth, pois cada segundo era valioso. O nativo precisava ser levado
urgentemente para uma câmara de alta pressão.
Quando o space-jet levantou-se do chão, Rhodan sabia que deixava para trás pelo
menos cem urths, esperando aflitos.
— Observem os nativos com a sonda — ordenou ele a Chusijew. — Eu quero saber
o que se passa em Satyat na minha ausência.
O antropólogo deu o seu assentimento com uma praga violenta.
— Preparem uma câmara de alta pressão — disse Rhodan para Atlan. — Eu receio
que nosso amigo esteja inconsciente, quando chegarmos aí. Dephin o transportará para a
câmara.
— Nós já tomamos essa providência, para que nosso hóspede possa passar algumas
horas agradáveis a bordo de nossa nave — respondeu Atlan. — Basta que você o traga
com vida.
Por trás desta observação escondia-se a grande preocupação do arcônida, para a
continuação, dali para frente, do Projeto Satyat. Rhodan conhecia o seu amigo
suficientemente, para ouvir o que havia por trás das suas palavras. Também Atlan tinha
certeza de que eles somente conseguiriam obter progressos, caso se unissem aos urths. Os
nativos indubitavelmente eram a chave para o sucesso.
Rhodan estava muito interessado em chegar o momento em que poderia conversar
com o urth, com o auxílio de um transformador de símbolos.
4

Perry Rhodan esperou, impaciente, até que os técnicos tivessem ajustado a câmera
dentro da câmara de pressão e instalaram o transformador de símbolos, num nicho
existente para este na mesma. Quando eles tinham carregado o urth para dentro da cabine
de pressão, ele não estivera consciente. Rhodan não permitira aos médicos examinarem o
nativo de Satyat, porque receava que uma estadia muito demorada, sob condições de
gravidade normais para homens, pudessem ser mortais para o satiatense.
Os técnicos ligaram a tela de imagem. A transmissão direta da cabine funcionava
sem problemas.
A inquietação de Rhodan cresceu quando ele viu o urth deitado no chão, imóvel.
— Ele parece ainda estar desmaiado — observou Geoffry Waringer, inseguro.
— Ele está morto — afirmou Serguei Chusijew. — Foi loucura trazê-lo para cá.
— Ele ainda vive — retrucou John Marshall, que também estava de pé diante da
tela de imagem. — Eu consigo captar seus fracos impulsos mentais.
Rhodan respirou aliviado. “Tomara que o urth volte logo a si, para que eu possa
conversar com ele”, pensou. O transformador de símbolos já tinha demonstrado sua
eficiência em muitas negociações com povos estranhos, como aparelho de tradução.
— Eu tenho certeza que os nativos poderão nos ajudar — disse Rhodan. — Eles
conhecem tudo no seu planeta. Suponho que eles atinjam uma idade muito elevada.
Portanto também deverão estar bem informados sobre experiências vividas por gerações
passadas.
— Não espalhe otimismo de conveniência — disse Chusijew. — A mim só
interessam fatos.
Rhodan não deu importância ao cientista.
— Ele está se mexendo! — gritou um dos médicos que estava parado diante da tela
de imagem.
O urth estendera a sua cabeça para fora da couraça, olhando em volta da cabine. As
instalações da cabine eram poucas, de modo que a atenção do nativo imediatamente
dirigiu-se para a tela de imagem, na qual podia ver os homens do lado de fora de sua
cabine. Rhodan perguntou-se como aquela criatura parecida com uma solha reagiria a
imagens em movimento.
Os braços do urth apareceram. Eles se estenderam na direção da tela de imagem.
— Ele descobriu a tela — disse Atlan, em voz baixa.
— Espero que ele comece a falar, para que o transformador de símbolos possa
armazenar dados — disse Rhodan. — Eu vou tentar ajudar um pouco.
Ele colocou-se diretamente diante da câmera e sorriu. Ele duvidava que o urth
pudesse reconhecê-lo, sem o pesado traje. O satiatense examinou-o atentamente. Não era
possível verificar-se se ele sofrerá danos físicos. Pelo seu comportamento, entretanto,
Rhodan achou que ele devia sentir-se relativamente bem. Rhodan estava decidido a meter
o urth numa cápsula de pressão, durante o seu vôo de regresso a Satyat, para poupar-lhe
os incômodos da gravidade menor.
De repente o urth começou a falar. Primeiramente vieram apenas ruídos
incompreensíveis do alto-falante do transformador de símbolos. Mesmo aquele aparelho,
comandado positronicamente, precisava de algum tempo, até ter entendido a construção
de uma língua estranha.
Rhodan começou a falar imediatamente. O tradutor não podia ainda traduzir
exatamente as suas palavras, porém irradiaria vibrações ultra-elevadas fazendo com que o
satiatense fizesse novas declarações.
O urth acomodara-se com uma rapidez espantosa, com aquela situação para ele
incomum. Depois de ter reconhecido que sua vida não estava em perigo, o seu interesse
no ambiente estranho se sobrepôs ao medo do desconhecido. Talvez até estivesse em
situação de fazer-se uma imagem relativamente exata dos acontecimentos. E Rhodan
queria ajudá-lo nisto, da melhor maneira possível.
A tradução do transformador de símbolos funcionava cada vez melhor, e já as
primeiras palavras compreensíveis demonstravam que o urth fazia perguntas sem parar.
— Ele está curioso — disse Waringer.
— Não vamos poder explicar-lhe tudo — disse Atlan. — Entretanto é importante
que ele entenda de onde nós viemos e o que esperamos do seu povo.
O transformador de símbolos trabalhava cada vez melhor, e os terranos ficaram
sabendo que o hóspede se chamava Riyollon. Ele era o syopechenor do seu povo, sendo
que o transformador de símbolos deixou em aberto o significado desta palavra.
Riyollon deu a entender imediatamente que estava orgulhoso de ter vindo com os
estranhos. A sua valentia lhe conferia um novo prestígio e alicerçaria sua posição por
longo tempo, junto aos urths.
Rhodan ficou aliviado ao verificar que o satiatense era uma criatura relativamente
pouco complicada, que costumava apresentar seus sentimentos sem grandes rodeios. E
isto somente poderia ser vantajoso para os entendimentos que ainda estavam por vir.
Rhodan disse os nomes dos homens, que o satiatense podia ver na tela de imagem
de sua cabine. Ele declarou ao nativo de onde vinham, mas evitou falar de suas intenções.
Eles ainda não sabiam como os urths reagiriam a esse tipo de declaração. Rhodan achou
melhor falar sobre os seus desejos aos poucos e provocar os urths a informar por si
mesmos o que eles sabiam dos acontecimentos ocorridos há cinquenta mil anos atrás.
Talvez os urths já tivessem sido assustados por visitantes do cosmo, há cinco mil
anos, quando, então, sofreram influências dos mesmos no seu desenvolvimento. Não
havia nenhuma dúvida que o aparecimento dos terranos influenciaria a civilização dos
urths. O surgimento de um povo astronauta sempre significava uma mudança incisiva
para os nativos inteligentes de um planeta. Nem sempre esta mudança era vantajosa —
muitos povos tinham desaparecido, porque não conseguiam absorver aquilo.
— Eu estou setzych — disse Riyollon. — É um grande saizuyh poder falar aqui.
— O que está acontecendo com este maldito aparelho? — perguntou Chusijew,
furioso. — É difícil entender essas balbuciações!
— O transformador de símbolos ainda precisa de mais dados — explicou
Warringer.
Chusijew fungou, com desprezo.
— O senhor deveria ver como eu me entendo com peixes de grande profundidade
— disse ele. — Isso funciona inclusive sem transformador de símbolos.
— Riyollon, você acha que o seu povo vai nos ajudar? — disse Rhodan.
— Se eu o disser — respondeu o satiatense, presunçoso.
— Nós lhes daremos presentes — prometeu Rhodan. — Você poderá nos dizer já
agora o que vocês esperam de nós.
— Staym — disse Riyollon. — Nós queremos staym.
— O que, com todos os planetas, é staym? — rosnou Chusijew.
Rhodan fez uma pergunta correspondente ao satiatense.
— Aquilo que estava sobre os discos — retrucou Riyollon.
Rhodan franziu a testa, confuso. O urth estaria falando dos discos coloridos que
Rhodan trouxera como presentes? O que estava sobre os discos? O urth estaria se
referindo à cor?
— Vá buscar sal — disse Chusijew de repente.
Rhodan virou-se para o cientista.
— Sal? — perguntou ele, espantado. — Por que está falando justamente nisso?
Chusijew puxou os cabelos de sua barba, que crescera com uma rapidez
extraordinária novamente.
— Porque eu raciocino — declarou ele desdenhoso. — Lembro-me que o urth
lambeu os discos coloridos. Se suponho corretamente, estes discos são de strobalon. E
strobalon tem levemente o gosto de sal.
Rhodan continuava cético, mas mesmo assim pediu pelo intercomunicador que
trouxessem sal. Se Chusijew se enganava, isso não seria trágica pois dentro de umas duas
horas o transformador de símbolos teria encontrado a palavra certa para staym.
— Vão me dar staym? — perguntou o urth, impaciente.
— Imediatamente — garantiu-lhe Rhodan. — Se é o que suponho, você poderá
levar alguns sacos.
— O que são sacos? — perguntou Riyollon imediatamente. Evidentemente o
transformador de símbolos não encontrara um ultra-som correspondente.
— Grandes recipientes — explicou Atlan.
— Isso é bom de se ouvir — disse Riyollon, satisfeito.
O sal foi trazido e levado por um dos robôs para o interior da cabine, através da
eclusa de pressão. Os homens viram como Riyollon rasgou habilmente o cartucho. E
emitiu um som de contentamento quando os primeiros cristais de sal se dissolveram em
cima de sua língua. Em poucos instantes ele tinha consumido todo o conteúdo do
cartucho.
— Bicho comilão! — disse Chusijew, e pelo tom de sua voz denotava-se que ele
estava orgulhoso da correção de sua suposição.
— Eu gostaria de voltar para o meu povo com os grandes recipientes de staym —
exigiu Riyollon.
— Eu esperava que ainda pudéssemos conversar mais um pouco — disse Rhodan,
decepcionado.
— Nós poderemos conversar no meu mundo, ainda por bastante tempo — achou
Riyollon, impaciente.
— Foi um erro dar-lhe o sal, agora — disse Atlan. — Ele não consegue pensar em
outra coisa que levar dois sacos de sal para o seu povo. Isso aumentará ainda mais a sua
popularidade, que já é grande mesmo sem isso.
Rhodan imaginou que seria impossível provocar o urth para uma conversa mais
extensa. Enquanto Riyollon estivesse tão agitado, ele não conseguiria concentrar-se numa
conversa.
— Eu preciso voar novamente para Satyat, de qualquer maneira — disse Rhodan
para Atlan. — Posso fazer todas as perguntas importantes para o urth, na superfície do
seu planeta.
— Estamos perdendo tempo — verificou Atlan, com a sensatez que lhe era inata. —
Além do mais, o urth vive bem mais confortavelmente nesta cabine de pressão que você
num traje protetor em Satyat.
Eles ainda fizeram algumas perguntas ao nativo, para extrair-lhe informações,
porém Riyollon mostrou-se sem concentração, e evidentemente não entendia a razão de
tudo aquilo. Encolhendo os ombros, Rhodan desistiu, e preparou-se para o seu regresso a
Satyat. Eles não tinham conseguido muita coisa até agora, porém sabiam que podiam
conquistar os urths, como amigos confiáveis.
Rhodan explicou ao urth que ele se sentiria melhor, efetuando o vôo de regresso
num cilindro de pressão, e Riyollon deu sua conformidade para todas as propostas.
Duzentos e cinquenta quilogramas de sal foram carregados no space-jet, com o qual
Rhodan já pousara uma vez em Satyat. Paladino carregou o urth, dentro de um recipiente
de aço, para o hangar. Ali Riyollon foi embarcado. Rhodan, além disso, mandou trazer
dois transformadores de símbolos para bordo.
— Prometa ainda mais sal aos urths, se eles nos ajudarem — disse Chusijew para
Rhodan. — Este é o único modo para levá-los a nos ajudar sem restrições.
Quando Rhodan vestiu novamente o pesado traje de combate, o fez com um certo
desconforto. Ele não conseguia explicar-se por que a sua confiança em si mesmo
diminuíra, já que agora se desenhava claramente a possibilidade de uma colaboração com
os nativos.
Atlan parecia notar como Rhodan se sentia. — Eu acho que podemos confiar nos
urths — disse o arcônida. — Além do mais, você está em constante ligação conosco, de
modo que poderemos intervir se acontecer alguma coisa errada.
Rhodan sorriu levemente, pois ele sabia o quanto eram mínimas as possibilidades de
os homens da Crest V poderem intervir. Eles não podiam pousar nenhuma nave em
Satyat, não importando se tripulada ou não.
O seu único ajudante era Paladino, o robô dirigido pelos siganeses.
5

O space-jet parecia repentinamente cair, e um trovejar ensurdecedor se seguiu.


Rhodan segurou-se nos braços do assento e esperou até que a nave se aquietasse.
— Aterrissagem de emergência, sir! — gritou Harl Dephin, de fora. — As colunas
de sustentação estão avariadas e o disco parou torto.
Rhodan ergueu-se com dificuldade. Apesar de dever se contar com incidentes, sob a
influência de uma gravidade tão alta, Rhodan censurou-se. Ele devia ter efetuado o pouso
com ainda maior cuidado. Ele esperava que, além das colunas de aterragem, nada tivesse
sido danificado, caso contrário uma partida, mais tarde, seria questionável.
Rhodan viu confirmados os seus pressentimentos sombrios já agora. Este
sentimento nunca o enganara, por mais que ele pensasse para trás. Ele sabia que ainda
outras coisas aconteceriam.
Lá fora reuniam-se os urths para saudar o seu syoplechenor. Rhodan duvidava que
os nativos tivessem entendido o que tinha acontecido durante o pouso.
Ele libertou Riyollon do seu cilindro de pressão e o fez colocar no chão, lá fora, por
Dephin. O Paladino também carregou o sal para fora, colocando os sacos no chão, aos
pés dos urths.
Riyollon rastejou na direção dos seus amigos. Rhodan tinha um transformador de
símbolos ligado, em volta do pescoço, e pôde ouvir que Riyollon foi recebido com gritos
entusiasmados.
— Eu lhes trouxe muito staym — disse ele. Suas palavras restantes mergulharam
nos gritos de contentamento. Os urths rasgaram os sacos com suas garras e o sal jorrou
para o chão. Com sentimentos misturados, Rhodan ficou olhando enquanto os urths
caíam por cima daquele sal. Eles não lhe deram a menor atenção.
Alguns nativos espalharam sal no chão, rastejando por cima dele. Ao mesmo tempo
segregavam um líquido, de modo que surgiu uma espécie de lixívia, que eles então
sugavam deliciados.
— Não nos poupem de nada — suspirou Harl Dephin. — Estou curioso para ver
quanto tempo vai durar esta orgia de sal.
— O senhor não pode acabar com essa tolice? — perguntou Chusijew pelo rádio.
Ele e os outros homens na sala de comando da Crest V perseguiam os acontecimentos em
Satyat por meio de uma câmera-sonda manobrável.
— O que posso fazer? — perguntou Rhodan. — Os urths certamente pararão logo
com isso, e então poderei fazer perguntas.
O sal foi rapidamente consumido. Cada vez mais urths vinham das florestas, para
buscarem a sua parte. A boa opinião de Rhodan a respeito dos urths foi confirmada,
quando ele viu que a provisão de sal era dividida com justiça. Além disso não houve
brigas.
— Os nativos parecem embriagados — informou Rhodan aos homens, distantes
3.000 milhas, na Crest V.
— Espero que, depois disso, eles não fiquem com ressaca — disse Chusijew.
Este receio demonstrou ser injusto. Riyollon veio até Rhodan, com uma crosta de
sal em volta da boca, para agradecer pelo presente. Ele deixou transparecer que o seu
povo não declinaria de outros fornecimentos.
— Vocês poderiam ter ainda mais staym — disse Rhodan.
— Antes, entretanto, precisamos conversar. Riyollon, eu gostaria de falar com os
mais velhos do seu povo.
Riyollon ficou decepcionado, porém pareceu entender que somente receberia mais
sal, se atendesse aos desejos de Rhodan. Rhodan o viu rastejar para longe dele, para ir
conversar com alguns urths.
— O senhor acha que os nativos sempre dizem a verdade, sir? — perguntou Harl
Dephin. — Talvez eles nos contem alguma mentira, para conseguirem mais sal,
rapidamente.
— Vamos esperar — disse Rhodan.
Riyollon conferenciou durante uma meia hora com os outros nativos, depois voltou
para Rhodan, na companhia de dois urths.
— Estes são Pseidlor e Loynssnar — apresentou ele.
As couraças dos dois velhos urths eram cheias de cicatrizes e estrias. Suas cabeças
eram cobertas com uma pele franzida, e os seus braços com garras não davam a
impressão de força dos de Riyollon. Além disso, os dois satiatenses pareciam bem mais
sabidos que Riyollon.
Rhodan saudou os recém-chegados cordialmente e perguntou-lhes como se sentiam.
— Não estamos indo muito bem — declarou Pseidlor. — Precisamos de mais
staym.
— Sim — disse Rhodan. — Foi o que pensei. Mas antes vocês terão que me
responder algumas perguntas.
Ele estava absolutamente convencido que os dois velhos não estavam nem doentes
nem enfraquecidos. Eles gozavam de um certo conceito junto aos urths, e não podiam
permitir-se mostrar mau humor, sem deixar os outros nativos furiosos.
Pseidlor arranhava o chão com suas garras. Um olhar de esguelha para Riyollon
mostrou a Rhodan que o syoplechenor observava os dois velhos cheio de respeito.
Quando nenhum dos urths falou, Rhodan tomou a palavra novamente.
— Eu me interesso pelas histórias de criaturas que vieram das estrelas — disse ele.
— Devem ter sido estranhos que se parecem comigo.
Ele se interrompeu. Esperava que o transformador de símbolos traduzisse sem
problemas. Entrementes o aparelho já devia ter estocado bastante dados, para também
poder tomar compreensíveis mesmo noções difíceis.
— Estas são as histórias mais psydeisich que existem — retrucou Loynssnar.
— O que foi que ele disse? — gritou Chusijew no meio.
— Agora fique quieto, caso contrário ordenarei que o afastem do radiotransmissor
— disse Rhodan.
— Isso é bem do senhor — resmungou Chusijew. Ele parecia dar-se conta que
qualquer outra palavra poderia significar o seu afastamento da sala de comando, e
contentou-se com um murmúrio incompreensível.
Rhodan olhou fixamente para os dois velhos urths. Portanto havia histórias de
astronautas estranhos. Mas o que queria dizer psydeisich?
— A oitocentos uylargs de distância daqui, fica a Terra Sayn — continuou
Loynssnar. — Ali nenhum urth e nenhum estranho podem pôr os pés no Círculo Interno.
Rhodan, instintivamente, parou a respiração. Este era o primeiro indício de uma
estação lemurense. Rhodan esperava que o transformador de símbolos logo pudesse
calcular quantos metros tinha um uylarg.
— Quem foi que construiu o Círculo Interno? — perguntou ele.
Ele sabia da resposta, ainda antes que a mesma lhe fosse dada.
— Estranhos que vieram das estrelas — disse Pseidlor.
— Está ouvindo isso, professor? — perguntou Rhodan.
— Eu não sou surdo — disse Chusijew. — Pergunte como era a aparência desses
estranhos.
— Não — recusou Rhodan. — Eu agirei de modo diferente.
Ele voltou-se novamente para os satiatenses.
— Eu sou um dos construtores do Círculo Interno — disse ele. — Eu vim para
examinar tudo. Minhas primeiras perguntas deviam apenas testar a honestidade de vocês.
Infelizmente passou-se muito tempo desde a minha primeira visita a este mundo, e eu
entrementes fiz estação em muitos planetas. Portanto vocês vão compreender que eu não
sei mais exatamente onde fica a Terra Sayn. Levem-me até lá.
— Nós acreditamos em você — retrucou Loynssnar. — E nós vamos ajudá-lo.
Rhodan apontou para o space-jet.
— Eu tenho que verificar se a nave estelar ainda é capaz de voar — declarou ele. —
Caso contrário teremos que raciocinar como poderemos vencer os oitocentos uylargs do
modo diferente.
Ele não esperou que os urths pudessem modificar a sua decisão, mas encaminhou-se
desajeitadamente na direção do space-jet. Caso a partida falhasse, ele não poderia mandar
vir uma segunda nave auxiliar para Satyat, porque não sabia como a estação de
comutação secreta reagiria a isso. Poderia ser que Satyat explodisse, se mais uma nave
surgisse.
Ele sentiu que estava com as mãos úmidas, de tão nervoso. Se o jato não fosse
capaz de voar, isso não significava apenas uma marcha difícil para a misteriosa Terra
Sayn, mas também que ele não poderia deixar este mundo, por enquanto. Somente depois
que ele tivesse encontrado a estação, tendo passado por todas as provas, uma segunda
nave poderia ousar o pouso. Rhodan esperava que a mochila energética seria suficiente,
para alimentá-lo durante as próximas horas.
Com muito custo ele passou pela gangway, que com o pouso de emergência estava
praticamente dependurada no ar, toda torta. Ele recusou deixar-se ajudar por Paladino.
Certamente daria uma má impressão junto aos urths, se ele agisse como um fraco.
— Por enquanto fique do lado de fora, major — ordenou ele para Dephin. — Eu
vou tentar dar partida.
Conseguiu chegar ao cadeirão de comando da central de controles. Os controles
mostravam que o space-jet era capaz de seu uso completo de energia, mas quando ligou
os propulsores, logo notou que alguma coisa estava errada. A força de aceleração não era
suficiente para fazer face à elevada força de gravidade, e os projetores antigravitacionais
trabalhavam irregularmente. Alguns dos alimentadores evidentemente haviam sido
danificados quando do baque do pouso de emergência.
— E então, como estão as coisas? — veio a voz de Atlan, pelo alto-falante de
capacete.
— Se pudéssemos confiar nos controles, esta nave seria capaz de voar — respondeu
Rhodan. — Mas ela não se mexe do lugar.
— Hum! — fez Atlan. — Quer que mandemos um outro space-jet?
— Você sabe que consequência isso poderá ter — lembrou Rhodan.
Durante algum tempo houve silêncio, depois veio a voz de Gucky pelo receptor.
— Você quer que eu vá buscar você, com um salto teleportador? — perguntou o
rato-castor.
— A estação provavelmente reagiria à sua aparição do mesmo modo que ao pouso
de uma segunda nave auxiliar — recusou Rhodan a sugestão do ilt.
A bordo da Crest V agora devagar se acostumariam à ideia de que por enquanto não
se poderia pensar num regresso do Administrador-Geral.
— Por favor, determine que peças do jato estão danificadas — disse o engenheiro-
chefe Bert Hefrich. — Eu não creio que a estação de comutação tenha alguma coisa
contra nós se lhe mandarmos algumas peças de reposição com sondas.
— Em circunstâncias normais, este método prometeria expectativa de êxito —
retrucou Perry. — Agora, entretanto, eu estou metido neste traje informe, e mal posso me
mexer. Um reparo poderia, em dadas circunstâncias, demorar dias. Com isto não
ganhamos nada.
— Evidentemente você já tem um outro plano — adivinhou Atlan.
— Sim — disse Rhodan, curto.
Ele sabia que apenas provocaria protestos, se declarasse suas intenções. Mais uma
vez ele fez uma tentativa para aumentar a aceleração dos propulsores e para construir os
campos dos projetores antigravitacionais simetricamente. Mas falhou.
Rhodan deixou a sala de comando. Parou na eclusa e olhou para os urths lá fora. O
que pensariam os nativos, se a nave de uma criatura que eles tinham como infinitamente
superior, de repente não funcionava? Velhos satiatenses corno Loynssnar e Pseidlor
começariam a ter suas dúvidas e fazer comparações.
Rhodan desceu a gangway.
— Fique junto de mim, major — ordenou ele a Dephin. — Quando está perto de
mim, os nativos são distraídos e não pensarão instintivamente sobre minhas palavras.
Ele dirigiu-se para os nativos.
— Eu pensei bem em tudo — disse Rhodan, quando parou diante dos dois velhos e
de Riyollon. — Se houver uma outra possibilidade de alcançar a Terra Sayn, eu deixarei
a nave para trás.
A cabeça de Loynssnar movimentou-se, por baixo da couraça, de um lado para o
outro. Para Rhodan era incompreensível o que estes movimentos estariam expressando,
pois para isso ainda não conhecia os urths suficientemente.
— Por quê? — perguntou Pseidlor, direto.
O transformador de símbolos não permitia praticamente que se reconhecessem
quaisquer emoções dos interlocutores estranhos; mesmo assim Rhodan tinha certeza de
que Pseidlor falara com certa violência.
— Riyollon ficou doente quando eu o levei para bordo de minha nave — disse
Rhodan. — Eu tenho apenas um cilindro de pressão — ele esperava que houvesse um
símbolo para esta palavra —, mas gostaria de levar vários de vocês comigo para a Terra
Sayn.
Esta explicação pareceu satisfazer os dois anciões, especialmente porque Riyollon
confirmou o que Rhodan dissera. Rhodan teve a sensação de que, já agora, um
relacionamento de amizade o ligava a Riyollon. Ele não sabia por que esta mútua
simpatia se desenvolvera tão rapidamente, mas ficou contente por isso.
— Riyollon decidirá quem o acompanhará — disse Pseidlor. — Riyollon é o
syoplechenor.
— Eu gostaria que um dos dois velhos nos pudesse acompanhar para a Terra Sayn
— disse Rhodan para Riyollon. — Pseidlor e Loynssnar sabem mais a respeito dos
construtores de Círculo Interno que os outros urths.
Riyollon prometeu que trataria de influenciar os dois velhos, mas logo verificou-se
que os dois urths experientes se recusavam a participar de uma viagem tão difícil. Eles se
sentiam velhos demais. Eles preferiam esperar pelo regresso dos estranhos, para depois
receberem sua recompensa, na forma de alguns sacos de sal.
— Eu o acompanharei de qualquer modo — garantiu Riyollon.
— Quantos dias vamos precisar para deixar para trás os oitocentos uylargs? —
perguntou Rhodan, muito interessado.
— Quatro dias — disse Riyollon. — Quatro dias de nossa contagem de tempo.
Rhodan ficou pensando por um momento. Se tivesse sorte, a provisão de energia na
sua mochila seria suficiente para este espaço de tempo. Caso contrário... bem, sobre isso
ele ainda poderia refletir, se fosse o caso.
6

O trenó era baixo e retangular. Consistia de vários segmentos, de modo que era
móvel dentro de si mesmo. Os segmentos dos varais ficavam dependurados soltos, porém
somente podiam desviar-se num ângulo de até dez graus.
Rhodan estimou que o trenó tinha oito metros de comprimento e dois metros de
largura. Sua altura era de cerca de dez centímetros. Era um veículo admirável, construído
com grande habilidade. Dois cabos de capim trançado serviam de tirantes. Sobre o trenó
viam-se dois torrões de sal, que evidentemente estavam ali para alimentação adicional
dos acompanhantes de Rhodan.
— O que acha disso, sir? — perguntou o Major Harl Dephin, que olhava o trenó
pela galeria panorâmica do Paladino.
— Parece seguro — respondeu Rhodan. — Eu me pergunto apenas com que
velocidade nos poderemos adiantar com isso.
— Os urths não vão querer desistir de suas provisões — achou o siganês. — Isso
significa que eles levarão o trenó de qualquer maneira.
— Não se esqueçam que os urths irão fazer uma pequena volta ao mundo — disse
Serguei Chusijew, de bordo da Crest V. — Para estas criaturas, a viagem para a Terra
Sayn significa uma aventura nunca vista.
Rhodan não respondeu, pois a sua atenção foi desviada por um pedaço de material
que brilhava, verde, do tamanho de um punho fechado, que descobriu entre os torrões de
sal, sobre o trenó. O curioso objeto estava envolto com uma corda e amarrado.
Rhodan aproximou-se do trenó. Riyollon estava ocupado em examinar os tirantes.
— O que é isto? — perguntou Rhodan, apontando para o pedaço de material
brilhante.
Riyollon apenas deu uma olhada indiferente para trás.
— Eclisse — disse ele.
Com esta explicação, Rhodan nada pôde fazer. Ele abaixou-se com muito custo e
estendeu a mão para a pedra. Era tão pesada que mal podia movê-la!
— Major! — Ele chamou Dephin. — Venha até aqui e examine essa coisa. Riyollon
chama-a de eclisse. Deve tratar-se de um mineral capaz de radiação e de um imenso peso
específico.
O Paladino aproximou-se com passos meio desajeitados. Ele ergueu a pedra. Os
siganeses executaram alguns testes rápidos.
Riyollon rodeou o trenó.
— Você se interessa por eclisse? — perguntou ele, admirado. — Há disso, por aí,
espalhado em grandes quantidades.
Rhodan anuiu lentamente. Esta podia ser a explicação para a gravidade
excepcionalmente alta do pequeno mundo de oxigênio. Para os urths este mineral era algo
do cotidiano, que fazia parte do seu mundo.
— Nós usamos estas pedras como âncoras — continuou Riyollon —, quando
atravessamos um mar.
— Compreendo — disse Rhodan, apesar de não poder imaginar como os urths se
ajeitavam em cima do trenó, que nadava num lago.
— Sir! — gritou Dephin, muito agitado. — Eclisse tem propriedades admiráveis.
— Naturalmente — concedeu Rhodan, levemente irritado. — Um mineral com um
peso específico destes tem que....
— Eu não estou falando disso, sir — interrompeu-o o major, nervoso. — É a
radiação própria dessa matéria que nos apresenta um enigma. Com os aparelhos de
rastreamento do Paladino, nós estabelecemos que eclisse produz radiações semelhantes às
do irradiador de contracampo de Old Man.
— O quê?
— Eu não me engano, sir! — insistiu o siganês. — A semelhança é incontestável.
Rhodan sentiu um frio na espinha. Eles estavam na pista de um dos maiores
segredos dos lemurenses. A Pirâmide em Old Man não mentira. Em Satyat eles podiam
encontrar os primeiros indícios da atuação dos lemurenses. O Paladino era equipado com
aparelhos de primeira classe, e Dephin não era homem para fazer uma declaração de
tanto peso, sem ter certeza de que tinha razão.
Rhodan utilizou o seu aparelho de capacete para entrar em contato de rádio com os
homens da Crest V. O seu genro, o Dr. Geoffry Abel Waringer, respondeu.
— Eu estive na escuta — disse o cientista. — Aí embaixo, você fez... ah... uma
descoberta espantosa. — Como sempre ele ficava desconcertado quando, na presença de
outros, tratava o seu sogro familiarmente.
— Mandem uma pequena sonda para baixo, para que eu possa assegurar uma
pequena amostra desse material para vocês — ordenou Rhodan. — Eclisse deverá ser
examinado imediatamente, para que possamos descobrir se a semelhança de sua radiação
com o irradiador de contracampo é tão grande, que podemos descartar um acaso.
— Você não acha que isso poderia ser perigoso para Satyat? — interveio Atlan.
— Não — disse Rhodan. — A estação de comutação não reagiu de modo algum
com relação às sondas de observação, e também permitirá uma pequena sonda de
transporte.
Atlan prometeu tomar todas as providências. Waringer e o seu time deviam
examinar a amostra que Rhodan mandaria.
Entrementes os urths tinham concluído os preparativos. Riyollon, que estava
agitado como uma criança, veio até Rhodan pra comunicar-lhe que a viagem para a Terra
Sayn poderia começar. Além de Riyollon, mais dois jovens satiatenses queriam participar
da expedição. Eles se chamavam Broynlaar e Jynx. Dois urths que pareciam fortes e
confiáveis.
Novamente Rhodan falou com os homens da central de comando da Crest V.
— Prestem atenção para que uma sonda de observação esteja sempre por perto —
disse ele.
— Nós não vamos querer perder esse espetáculo — disse Chusijew.
Ninguém reagiu às suas palavras.
Os urths já tinham carregado no trenó o seu equipamento e suas provisões. Riyollon
assumiria a chefia, enquanto Broynlaar e Jynx deviam puxar o trenó. Rhodan, que devido
ao seu pesado traje de combate, não seria capaz de observar a velocidade predeterminada
pelos urths, pretendia deixar-se levar por Paladino.
Quando partiram, estava quase escuro, porém Riyollon afirmara que esta seria a
melhor hora para a partida. Além disso, em pouco menos de cinco horas de contagem de
tempo terrana, já estaria clareando novamente.
Rhodan sabia que iniciava uma viagem ao desconhecido.
***
Os varais do trenó rangiam sobre o chão duro. Satyat não tinha nenhuma lua, mas as
inúmeras estrelas do centro galáctico eram suficientes para criar as mesmas condições de
luz, que Rhodan conhecia de uma noite enluarada na Terra.
Eles se movimentavam na beira de uma serra. Broynlaar agora assumira a direção,
entregando o seu lugar nos tirantes a Riyollon. O syoplechenor justificou esta
modificação com a observação de que Broynlaar era caçador, estando acostumado a sair
durante a noite. Rhodan perguntou-se que tipo de animal Broynlaar costumava caçar, mas
evitou a pergunta, porque não queria ser visto como ignorante pelos urths.
Rhodan era carregado pelo Paladino, que não tinha qualquer dificuldade em seguir o
trenó. O robô, inclusive, poderia movimentar-se bem mais rapidamente, porém Rhodan
não podia renunciar ao acompanhamento dos satiatenses.
O Paladino, com Rhodan nos braços, ia caminhando ao lado do trenó. Até agora os
urths não tinham parado para descansar. Rhodan receava, entretanto, que eles estavam
fazendo uma grande volta, para rodear os morros. Entretanto achava sem sentido
aconselhar os urths a procurarem um caminho através das colinas.
Rhodan olhou para o céu noturno. Por cima deles, invisível para Rhodan, pairava a
sonda de observação, que agora trabalhava com câmera infravermelha. De bordo da Crest
V podia ser verificado exatamente que caminho a expedição tomava.
Rhodan portanto logo ficaria sabendo se os urths estavam marchando diretamente
para o seu destino ou se estavam fazendo grandes voltas.
Broynlaar surgiu diante deles, e o trenó parou. Os urths conferenciaram em voz
baixa, e Rhodan esperou pacientemente, para que o informassem por que não
prosseguiam.
Riyollon aproximou-se do estrado do trenó e distribuiu sal aos seus dois
acompanhantes. Depois que se haviam passado cerca de dez minutos, Rhodan perdeu a
paciência. Deixou que Paladino o colocasse no chão, e aproximou-se dos três urths.
— Por que não prosseguimos? — perguntou. Riyollon apontou com uma de suas
garras para a região da qual Broynlaar viera.
— Diante de nós está o rio quente — explicou ele. — Nesta época do ano ele
normalmente está seco, porém, devido às longas chuvas, ele está com água.
— Eu pensei que vocês também podiam usar o trenó como um barco — disse
Rhodan.
— Mas não no rio quente — retrucou Broynlaar, chateado.
Rhodan olhou para os três nativos, de toda a sua altura.
— E por que não?
Riyollon disse:
— O rio quente tem uma forte correnteza. Nós não conseguimos suportar, quando o
trenó é levantado e depois novamente cai para o fundo de uma onda.
Rhodan entrou em contato com o técnico que manobrava a sonda de observação, a
partir da Crest V.
— Procure este rio com a sonda — ordenou ele. — Eu quero saber a sua largura.
Além disso, preciso saber se ele realmente tem uma torrente tão forte, como é de se supor
pela descrição dos nativos.
Ele virou-se novamente para os urths.
— Nós podemos nos adiantar até junto do rio — sugeriu ele. — Caso fique
demonstrado a impossibilidade de atravessá-lo, marcharemos ao longo do mesmo, até
encontrarmos um vau praticável.
Nenhum dos urths respondeu. Eles deliberaram em voz baixa, entre si, sobre o que
deveriam fazer. Rhodan tinha certeza que Riyollon gostaria de acatar a sua sugestão, mas
que era instado pelos dois outros a acampar aqui, de qualquer jeito.
Finalmente ele interrompeu o debate.
— Quanto tempo teremos que esperar aqui, se não formos até o rio quente? — quis
ele saber.
— Até que a correnteza acabe — respondeu Jynx, laconicamente.
Rhodan mordeu o lábio inferior. Não faria sentido explicar aos nativos o
funcionamento do seu traje de combate. Ou eles não o entenderiam, ou ficariam
espantados que um construtor do Círculo Interno não fosse capaz de arranjar-se numa
situação dessas.
— Nós não podemos esperar até que o rio seque, sir — disse Harl Dephin.
Rhodan anuiu, chateado.
— É claro que não — disse ele. — Eu terei que convencer os nativos que puxem o
seu trenó até o rio. Lá então, veremos o que fazer depois. Vamos esperar os resultados da
sonda.
Poucos minutos depois, Atlan chamou.
— O rio tem cerca de vinte metros de largura e não tem nenhuma correnteza forte
— informou ele. — Eu não consigo imaginar que ele possa ser um obstáculo para o trenó.
— Foi o que pensei — retrucou Rhodan. — Vou falar mais uma vez com Riyollon e
seus amigos.
Quando Rhodan quis quebrar a resistência dos satiatenses, com bons conselhos,
ficou sabendo que os três urths temiam uma nova enchente inesperada.
— Estas águas repentinas são características do rio quente, quando, a esta época do
ano, está com água — explicou Broynlaar. — Se acamparmos nas margens, podemos ser
arrastados.
— Eu mandei meus olhos espirituais na frente — disse Rhodan, esperando que os
urths se dessem por satisfeitos com esta vaga explicação da sonda-câmera. — Eles nos
prevenirão, em tempo útil, se uma torrente inesperada pode ser esperada.
— Nós também podemos esperar aqui — disse Broynlaar. Como os urths
evidentemente ficavam muito velhos, um longo tempo de espera não tinha a menor
importância para eles. Rhodan, entretanto, devia chegar ao seu destino, antes da provisão
de oxigênio de sua mochila estar exausta. Não lhe restava outra escolha que fazer pressão
sobre os urths.
— Se vocês não têm coragem, o meu amigo e eu iremos adiante sozinhos — disse
ele. — Mas os construtores ficarão rindo, por todos os tempos, do povo dos urths.
— Não sabemos com certeza se você é um construtor — disse Broynlaar, irritado.
Antes de Rhodan poder reagir, Riyollon emitiu um grito raivoso, esgueirando-se
rapidamente para Broynlaar. As couraças dos dois urths se chocaram violentamente.
— Parem com isso! — gritou Jynx. — Por que devemos brigar?
— Ele não devia ter dito isso — disse Riyollon, indignado. — O construtor é meu
amigo, e eu sou o syoplechenor de vocês. Nós iremos até o rio, e então veremos quem
está com a razão.
Rhodan estava agradecido pela ajuda de Riyollon. Jynx e Riyollon pegaram os
tirantes. O trenó pôs-se em movimento. Rhodan já estava temendo que Broynlaar
estivesse magoado, e que ficaria para trás, mas logo depois viu o caçador esgueirar-se do
outro lado do trenó e tomar a sua direção em silêncio.
— Não percam o rio de vista — ordenou Rhodan aos técnicos a bordo da Crest V.
— Logo que houver indícios de torrentes repentinas, avisem-me.
Eles alcançaram as margens do rio quente meia hora antes do raiar do dia. A sua
vista foi decepcionante para Rhodan. Mesmo um homem, que tivesse acabado de
aprender a nadar, o atravessaria sem grande esforço.
— Será melhor irmos para a esquerda — disse Riyollon. — Com isto não nos
afastamos muito de nosso verdadeiro caminho.
Rhodan notou que Broynlaar e Jynx sempre ficavam para trás, como se temessem
serem surpreendidos, a qualquer momento, pela torrente inesperada das águas. Eles agora
progrediam mais rapidamente, pois as margens do rio eram de areia úmida, sobre as quais
o trenó escorregava mais facilmente.
Ao amanhecer eles chegaram a um lugar que Rhodan achou adequado para a
travessia.
— Parem! — gritou ele para Riyollon.
O trenó parou. Os urths tinham um medo estranho da água e se mantinham, na
medida do possível, do lado do trenó afastado do rio. Rhodan deixou-se levar para a beira
da água por Paladino, e examinou a correnteza. A mesma não era muito forte. Além
disso, a água, neste lugar, não parecia ser muito funda.
— Carregue-me para o outro lado do rio — disse Rhodan para Dephin. — Isso
afastará todo o medo dos urths.
Ele foi erguido, e Paladino entrou com ele na água. Eles se adiantaram bem. No
lugar mais fundo a água chegava até as coxas do robô. Quando chegaram do outro lado,
Rhodan acenou para os três nativos. Eles não reagiram, mas olharam fixamente,
desconfiados, o rio.
Rhodan suspirou.
— Temos que voltar novamente — disse ele.
Depois de diversas tentativas de convencê-los, os satiatenses finalmente se
declararam prontos, para se deixarem puxar, sobre o trenó, para o outro lado, por
Paladino. Eles se ajeitaram no meio das provisões, mantendo-se o mais próximo do chão
possível. Com o peso adicional, o trenó afundou bastante e as pernas dos urths foram
atingidas pelas águas. O veículo, entretanto, ia tranquilamente pela água. Os Thunderbolt
o levaram, em segurança, até o outro lado. Rapidamente os satiatenses abandonaram
aquele lugar pouco seguro para eles, e arrastaram o trenó para longe da margem.
Entrementes clareara, e Rhodan pôde ver que eles tinham se aproximado da montanha.
Do outro lado havia uma floresta. Rhodan achou que os urths pretendiam marchar por
entre a floresta e os desfiladeiros da montanha.
Eles precisaram de duas horas para alcançar o lugar estreito, atrás do qual se
estendiam terras baixas. Os urths pararam.
— Mais longe do que isto, ninguém de nós chegou até hoje —- Riyollon informou
ao terrano. — Nem mesmo Broynlaar, o caçador.
Do seu lugar nos braços do Paladino, Rhodan podia olhar bem longe. No horizonte
havia algumas elevações, como sombras, dentro da neblina, provavelmente montanhas. A
paisagem de cascalho a sua frente mostrava liquens isolados aqui e ali. Rhodan também
pôde notar fendas na terra.
— E como é que, neste caso, vocês conhecem o caminho certo? — quis saber
Rhodan.
— Os velhos nos explicaram o caminho — respondeu Riyollon. — Nós não
podemos errar a Terra Sayn.
Jynx ergueu uma garra.
— É perigoso tomar este caminho — disse ele.
— O que é que pode ser perigoso neste deserto? — perguntou Rhodan admirado.
Jynx envolveu-se em silêncio. Também os outros dois evitavam mostrar as cabeças
e olhar para Rhodan.
— Nós havíamos combinado que vocês me levariam para a Terra Sayn — disse
Rhodan. — Do que é que vocês têm medo, de repente?
— Eclisse — disse Riyollon e apontou para o deserto. — Só existe um caminho
estreito através do deserto. Quem o errar é morto pela radiação.
— Evidentemente nesta região existe muito desse material, sir — disse Harl
Dephin.
Rhodan anuiu e ficou refletindo. Ele podia entender o medo dos urths.
Provavelmente já alguns caçadores do seu povo tinham penetrado no deserto, não mais
regressando. Somente os velhos, que conheciam o caminho dos construtores, poderiam
atravessar esse caminho, sem problemas. Riyollon e os dois outros dependiam apenas dos
relatos dos velhos urths.
— Infelizmente não podemos determinar com a câmera-sonda onde se encontram
muitos eclisses — disse Rhodan —, caso contrário bastaria enviarmos a sonda na frente.
— Eu talvez posso resolver esse problema — ofereceu-se Drof Retekin pelo
comunicador fônico do Paladino. — Os aparelhos de rastreamento do Paladino reagem às
radiações energéticas das eclisses.
— Nós podemos atravessar esta região — disse Rhodan para os urths. — O meu
olho espiritual nos guiará. Vocês não precisam ter medo.
Mais uma vez foi Riyollon que finalmente levou os seus companheiros a
prosseguirem viagem. Agora Paladino, com Rhodan nos braços, tomou a ponta. Drof
Retekin transmitia correntemente suas avaliações para Rhodan.
— A radiação aqui é realmente excepcionalmente forte, sir — informou Retekin. —
O caminho que nós tomamos parece ser muito estreito.
— Eu não sei se é certo você atravessar o deserto — anunciou Atlan, da Crest V. —
Nós ainda sabemos muito pouco a respeito das qualidades de radiação desse mineral.
— E Waringer? — perguntou Rhodan.
— Ele e seus auxiliares ainda estão examinando a amostra que fomos buscar com a
sonda — respondeu o arcônida. — É uma tarefa difícil para os cientistas, no verdadeiro
sentido da palavra.
Agora que eles se encontravam no centro da faixa da morte, os urths partiram em
velocidade bem maior. Eles tinham amarrado um terceiro cabo ao trenó, de modo que
pudessem puxá-lo a três.
Eles progrediam bem, até que receberam uma mensagem da Crest V.
— Sir, a oitocentos metros diante dos senhores, há uma larga fenda no terreno —
anunciou o técnico responsável.
— Parar! — ordenou Rhodan, escorregando dos braços do Paladino. Ele fez um
sinal para os urths, e Riyollon abandonou o seu lugar no cabo de tração, para vir até
Rhodan.
— Por que não seguimos adiante? — perguntou o urth. Rhodan apontou com o
polegar para trás.
— A oitocentos metros daqui, o meu olho espiritual descobriu uma fenda no solo —
disse ele, esperando que o transformador de símbolos entrementes tivesse aprendido a
calcular metros em uylargs.
— Talvez o nosso caminho passe ao largo dela — achou Riyollon.
— Esperemos — disse Rhodan. — Porém deve ser uma fenda no terreno muito
comprida, caso contrário o meu olho espiritual não me teria avisado. Eu receio que não
possamos dar a volta nela.
— Ou então teremos que nos expor por algum tempo a total radiação e tomar um
outro caminho — interveio Harl Dephin.
Riyollon voltou para o trenó. Broynlaar e Jynx mostraram-se abatidos com a
descoberta e exigiram do seu syoplechenor que voltassem. Mas Riyollon não deu ouvidos
aos protestos, indo novamente agarrar o cabo de tração do trenó.
— Nós podemos voltar sozinhos — ameaçou Broynlaar.
— É mesmo? — zombou Riyollon. — Quem é que vai mostrar-lhes o caminho?
Somente eu o recebi bem explicado dos velhos, e o olho espiritual do construtor ficará
conosco. Se vocês voltarem sozinhos, vocês receberão certamente mais radiação do que
se nos acompanharem.
Aquilo fez efeito. Os dois urths agarraram os cabos do trenó em silêncio.
— Podemos ir, major — disse Rhodan para Dephin. — Tenha cuidado.
Eles se movimentaram adiante pelo estreito atalho, onde a radiação era menor que
no restante da área do campo pedregoso. Logo depois Rhodan pôde ver a fenda no solo.
Ela tinha no mínimo dez metros de largura e fazia uma grande curva. O seu fim não podia
ser visto em nenhuma das duas extremidades.
— A fenda no solo, sir — disse Dephin. — Não parece muito bom para nós.
— Sim — confirmou Rhodan. — Eu acabei de descobri-la. Por enquanto mantenha-
se no atalho livre de radiações.
Quando eles ainda estavam vinte metros distantes da fenda, os urths pararam com o
trenó. Eles não ousaram aproximar-se mais da rachadura do terreno. O Paladino levou
Rhodan até a borda.
— Verifique a medida da profundidade, major — ordenou Rhodan ao siganês.
Drof Retekin usou o radar.
— Profundidade diversa, sir — avisou ele. — O lugar mais adequado próximo de
nós tem vinte metros de profundidade.
— Maldição! — disse a voz de Chusijew no receptor de capacete.
Rhodan olhou para aquela abertura escura lá embaixo.
— Os velhos não mencionaram a fenda no terreno, nos seus relatos — gritou
Riyollon do trenó. — Ela deve ter-se formado recentemente.
Para Rhodan, era totalmente indiferente quando este obstáculo se formara. Eles
tinham que encontrar um meio de vencê-lo.
— Nós mandamos uma sonda em ambas as direções — avisou Atlan, pelo rádio. —
Sua direção a sudoeste leva a mais de trinta quilômetros, a noroeste são quase trezentos
quilômetros.
— Trinta quilômetros — repetiu Rhodan, chateado. — Isso pode significar a morte,
com a radiação existente.
— Waringer acaba de apresentar as primeiras avaliações — disse Atlan. — Você
precisa abandonar a ideia de uma marcha de trinta quilômetros. Sem campo energético
defensivo, você receberia, de qualquer jeito, uma dose mortal.
Rhodan olhou para o outro lado da garganta. Ele teria que chegar ao outro lado, de
qualquer jeito. Um regresso significaria a sua morte, pois ele não poderia voar de volta
para a Crest com o space-jet avariado, e o pouso de uma segunda nave-auxiliar
provavelmente ocasionaria o fim de todo o planeta.
— Eu concedo que você esteja numa situação difícil — disse Atlan. — Agora
vamos fazer uma conferência para verificar como podemos ajudá-lo.
Rhodan não respondeu. Ele não queria esperar pelo resultado da conferência, mas
tomar a iniciativa, ele mesmo. Foi até o trenó e descreveu a situação para os urths.
— Precisamos voltar — disse Broynlaar imediatamente. — Não existe possibilidade
de nos desviarmos, e a abertura é profunda e larga demais, para ser atravessada.
— Mesmo assim, podemos fazê-lo — disse Perry.
Ele pôde ver que as cabeças dos três satiatenses se mexiam de um lado para o outro.
Só a ideia de atravessarem um precipício desses os deixava com medo. Se os nativos
fossem decididos, uma possibilidade poderia ser encontrada antes.
Rhodan voltou para a borda da fenda e procurou por um lugar, onde um pedaço
pontudo de eclisse surgia de dentro da terra.
— Desamarrem os cabos de tração do trenó, e façam um nó — ordenou ele aos
urths. Depois ele se pôs em contato com a Crest V. — Pousem uma sonda teleguiada na
borda da abertura do terreno — ordenou ele.
— Se eu tomar impulso suficiente, sir, eu poderia saltar por cima da fenda — avisou
Harl Dephin.
— É possível — concedeu Rhodan. — Mas nós também precisamos dos urths, se
quisermos encontrar o santuário. Até agora as sondas não descobriram nada que possa,
nem de longe, se parecer com uma estação lemurense.
Rhodan esperou pacientemente até que a sonda tivesse pousado. Entrementes os
satiatenses tinham ligado todos os cabos de tração entre si. Rhodan pegou a extremidade
da comprida corda e amarrou-a na sonda.
— Pronto — disse ele, satisfeito. — Agora voem a sonda para o outro lado do
barranco.
Os técnicos a bordo da nave-capitânia da Frota entenderam imediatamente o que
Rhodan pretendia, e deram partida na sonda. O pequeno corpo voador pousou intato no
outro lado.
— Agora só precisamos de alguém para atar a corda do outro lado — disse
Chusijew, irônico.
Rhodan não deu atenção à vozes no seu receptor de capacete. Ele aproximou-se do
rochedo de Eclisse, no qual o cabo estava amarrado, e examinou a sua resistência.
— Sir — disse Dephin, desconfiado. — O senhor não pretende, por acaso, passar
para o outro lado, desse jeito?
Rhodan não respondeu. Ele pôs-se de cócoras e pegou a corda com ambas as mãos.
O traje de combate parecia pesar uma tonelada. Com muito custo, Rhodan fez escorregar
as suas pernas por cima do precipício. Os seus pés tatearam em busca de um ressalto.
Depois ele ousou carregar a corda com todo o seu peso. A mesma curvou-se para baixo,
mas parecia resistir.
O Paladino curvou-se para a frente, por cima da borda da fenda.
— Sir, o senhor vai arrastar a sonda consigo para o abismo — profetizou Harl
Dephin.
— Façam a sonda trabalhar com propulsão máxima, até que eu chegue do lado de lá
— disse Rhodan aos técnicos a bordo da Crest V.
Rhodan sentiu quando o cabo cedeu do outro lado, e por um momento manteve-se
quieto. Ele podia imaginar o que significava uma queda com o pesado traje de combate.
“O melhor seria nem pensar nisso”, passou-lhe pela cabeça. Ele precisava de toda a sua
força, para segurar-se no cabo. Cuidadosamente, ele movimentou-se para a frente. Ele
não ousava lançar um olhar para a profundidade.
— A sonda está escorregando cada vez mais na direção da borda da fenda — ouviu-
se a voz cheia de pânico de um técnico, no receptor de Rhodan. — Nós não conseguimos
segurá-la, sir.
Rhodan não respondeu. A sua força lentamente diminuía. Ele começou a duvidar
que chegaria ao outro lado. O cabo caía cada vez mais para baixo.
Do outro lado subiu poeira no ar. Devido à elevada gravidade aquilo mais parecia
uma massa de mingau, que se estendia num líquido espesso por cima do solo. Rhodan
verificou que a sonda só estava ainda poucos centímetros afastada da borda do abismo.
E foi então que Harl Dephin agiu.
Ele correu de volta trinta metros, para tomar impulso. Depois atirou-se para a frente.
Rhodan viu o corpo gigantesco de Paladino voar por cima dele e fechou os olhos. Ele não
queria ver, quando o robô fosse destruído no fundo do abismo. Entretanto isso não
aconteceu. Rhodan virou a cabeça e viu como Paladino se puxou para cima do outro lado.
A poucos metros junto do robô estava a sonda, agora já com a parte da popa
sobressaindo do abismo.
Dephin fez o Paladino saltar. Com dois passos, o gigante alcançou a sonda e a
segurou.
— Eu estou com o cabo, sir — disse Dephin, em triunfo. — O senhor agora pode
tomar o seu tempo.
Rhodan escutou-se respirar aliviado. O sucesso do siganês deu-lhe novas forças e
ele deixou para trás os últimos metros em poucos minutos. O Paladino ajudou-o a subir.
— Esta é uma ponte bastante primitiva — veio a voz de Chusijew. — Para os urths
ela é totalmente inapropriada.
Rhodan não deu importância ao cientista.
— O senhor precisa ir mais uma vez ao outro lado, major — disse ele para Dephin.
— O senhor acha que poderá consegui-lo?
— Isso até me diverte, sir — afirmou Dephin, calmamente.
Rhodan duvidava que isso correspondia à verdade, mas ficou agradecido que os
siganeses mais uma vez estavam dispostos a colocarem a sua vida em jogo.
— Precisamos de uma segunda corda — disse Rhodan. — A mesma terá que ser
esticada por cima da garganta na mesma distância que tem os varais do trenó, entre si.
— Eu compreendo — disse Dephin. — Os nativos têm cordas adicionais com eles,
que podemos utilizar.
O ruído no receptor desviou a atenção de Rhodan. Alguém da Crest V estava ligado.
— Nós temos um plano — disse Atlan. — Com a ajuda de sondas podemos mandar
aí para baixo as peças isoladas de um projetor antigravitacional adicional. Basta que você
o monte e o coloque no trenó dos urths.
— Quantas horas levará a execução deste plano? — quis saber Rhodan.
Ele sentiu que o arcônida hesitava e sorriu ligeiramente. Os homens a bordo da nave
tinham a melhor das intenções, mas continuavam a não levar em conta que o
Administrador-Geral trabalhava sob a pressão do tempo. A cada minuto diminuía o
estoque de energia em sua grande mochila.
— Mesmo que o senhor consiga armar uma espécie de teleférico para o trenó, como
é que vai levar os urths a atravessar o abismo? — quis saber Chusijew.
Aquilo, sem dúvida alguma, era um problema. Ele tinha que contar com o fato de
que pelo menos o valente Riyollon se deixasse levar a essa ousadia, e convencesse seus
acompanhantes a fazerem a mesma coisa.
Rhodan sacudiu a cabeça. Era tolice pensar nisso, enquanto apenas uma corda
estivesse esticada por cima do abismo.
Ele fez um sinal ao Paladino, e Dephin afastou o robô da garganta. Desta vez ele
tomou um impulso ainda maior. Como atirado por um arco possante, o formidável corpo
do robô elevou-se do chão e voou por cima da fenda. Desta vez Paladino aterrissou em
segurança.
Rhodan observou como Dephin conferenciou com os urths, e finalmente recebeu as
cordas de emergência. A sonda voou para o outro lado, onde se encontrava Dephin. O
Paladino amarrou a extremidade da corda na distância que fora determinada por Rhodan,
na primeira corda. A outra extremidade ele amarrou na sonda, que imediatamente voou
de volta para Rhodan.
Rhodan procurou por uma rocha eclisse adequada e amarrou o cabo com um nó.
— Tudo em ordem! — sinalizou ele ao Paladino.
— O que é que o senhor pretende fazer agora? — perguntou o major siganês.
— Qual é o comprimento da corda com que os urths amarraram a âncora de eclisse?
— perguntou Rhodan.
— Cinquenta metros — respondeu Dephin, depois de tê-la examinado.
— Excelente — disse Rhodan. — Puxe o trenó até a borda da garganta, onde os
cabos estão amarrados. Depois jogue a âncora para mim, aqui do outro lado.
Os urths não impediram o Paladino de puxar o seu trenó até a borda do precipício.
Sem qualquer esforço o robô atirou o pesado pedaço de eclisse por cima do abismo. A
âncora aterrissou bem perto de Rhodan.
— Coloque o trenó de modo que ele venha a apoiar-se exatamente em cima das
cordas, se puxar a partir deste lado — ordenou Rhodan.
Dephin entendera o que Rhodan pretendia fazer, e já se conformara com o enorme
perigo. Quando estava satisfeito com a colocação do trenó, Dephin fez com que o
Paladino saltasse novamente para o outro lado da cratera.
— Agora somente temos que fazer com que os urths trepem em cima do trenó —
disse Dephin.
— Riyollon! — gritou Rhodan e acenou para o nativo. — Você pode me ouvir?
— Sim — respondeu a satiatense. — Por que você nos tirou o trenó?
— Eu não lhes tirei o trenó — contestou Rhodan. — Eu agora encontrei uma
possibilidade de trazer vocês, com segurança, por cima da fenda do terreno. Deitem-se
em cima do trenó.
— Isso nós não ousamos fazer — retrucou Riyollon. — Vocês querem puxar-nos
por cima do abismo.
O esperto satiatense tinha entendido como queriam levar a ele e aos seus
acompanhantes para o outro lado. Rhodan sabia do medo pânico que os nativos tinham de
grandes diferenças de altura.
— Vocês não podem voltar, Riyollon. Nós, construtores, nesse caso nunca
perdoaríamos vocês! — gritou ele.
— Eu conheço o caminho através da região das eclisses — retrucou Riyollon. — Eu
memorizei a direção que o seu grande acompanhante tomou quando viemos para cá.
Pelos movimentos dos urths, Rhodan parecia entender que Jynx e Broynlaar
constantemente insistiam com Riyollon, para levá-lo a um regresso.
— Riyollon! — gritou Rhodan, incisivo. — Prove que você é valente!
— De que me serve a valentia, se eu estiver morto? — perguntou o urth.
Contra essa lógica não havia nada a fazer. Lentamente Rhodan começou a se
desesperar. A expedição iria fracassar neste lugar? Em caso de necessidade ele
continuaria a marcha com Paladino e sem os urths, refletiu Rhodan. Naturalmente era
muito mais que provável que ele não encontraria a Terra Sayn, sem a ajuda dos nativos,
mas ele teria que tentá-lo.
— Não me deixe seguir adiante sozinho, Riyollon! — gritou Rhodan por cima da
grota. — Se os seus dois acompanhantes são medrosos demais, você deve se deixar
puxar, sozinho, para este lado.
O apelo incisivo de Rhodan teve como consequência que entre os urths, mais uma
vez, houvesse um violento debate. Rhodan lançou um olhar ao relógio. Eles estavam
perdendo um tempo precioso. Logo o curto dia teria passado, e era questionável, se
poderiam marchar durante a noite através dessa região desconhecida.
— Nós queremos nosso trenó de volta — disse Riyollon, depois de algum tempo.
O tom de sua voz era de raiva. Esta raiva não era dirigida contra os terranos, mas
sim contra os dois outros urths que evidentemente não podiam ser demovidos para
treparem sobre o trenó. Rhodan sentiu quase pena de Riyollon, que tinha vencido o seu
próprio medo, mas que agora tinha dificuldades com seus próprios acompanhantes.
— Vocês só terão o trenó de volta, se continuarem a nos acompanhar — disse
Rhodan.
Ele estava decidido a exercer pressão sobre os urths. Muita coisa dependia da
continuação da expedição, e ele certamente não podia ter muita consideração.
Broynlaar deu um grito de raiva e levantou a sua garra ameaçadoramente contra
Rhodan. Algumas palavras ininteligíveis saíram do transformador de símbolos.
— Em caso de necessidade, o meu povo lutará contra os construtores — disse Jynx.
Rhodan sorriu com desprezo.
— Lutar? — repetiu ele. — Como é que vocês querem lutar se não têm sequer
coragem bastante para se deixarem puxar por cima da fenda?
— Eu tenho coragem! — gritou Riyollon.
— Desse jeito, o senhor não vai progredir — anunciou-se Chusijew. — Se Riyollon
entrar em luta com os outros dois, a expedição fracassa.
— Uma dedução muito sábia — disse Rhodan, sarcástico. — O que devo fazer, para
levá-los a atravessarem a garganta?
— Atlan já lhe sugerira montar um projetor antigravitacional para o trenó — disse
Chusijew. — Mas eu não vejo sentido nisso, pois os urths certamente não poriam os pés
num trenó voador.
— E a sua sugestão alternativa?
— Pelo que posso ver pela sonda, aí embaixo há toneladas de pedaços de rocha —
disse Chusijew. — Faça com que o Paladino recolha essas pedras e as jogue dentro da
fenda.
Rhodan ergueu as sobrancelhas, não querendo acreditar.
— O senhor está dizendo que deveríamos encher a grota com pedras?
— Somente num lugar — interveio o antropólogo. — O passadiço naturalmente tem
que ser suficientemente largo, para poder suportar o trenó.
— Realmente fantástico — disse Rhodan, irritado. — O senhor acha que eu ainda
não pensara nisso? O Paladino precisa, apesar de sua força extraordinária, pelo menos de
cinco a seis horas para um trabalho semelhante.
— Tem razão — concordou Dephin.
— Quer saber de uma coisa... vá para o inferno! — disse Chusijew, furioso.
Às suas palavras seguiu-se um tumulto indescritível. Muitas vozes procuraram
competir entre si, mas a voz de Chusijew dominava a todas. O antropólogo ameaçava
todos os astronautas e não poupava pragas das mais cabeludas contra todos a bordo da
Crest V. Finalmente parece que haviam conseguido afastar o cientista do
radiotransmissor. Rhodan ouviu a gargalhada seca de Atlan.
— O nosso professor, mais uma vez, recebeu um espírito mau — disse o arcônida.
— Foi o que pensei — disse Rhodan, zombeteiro. — Eu já estava temendo que meu
alto-falante arrebentasse.
Atlan ficou sério.
— Nós poderíamos mandar-lhe uma nova mochila energética, com as sondas, se
fosse possível desmembrá-lo — disse ele. — Parece mesmo que você vai ter que
prosseguir sem os urths.
— Sim — disse Rhodan, em voz surda.
Ele acenou para Paladino e deixou-se erguer.
— Afaste-se lentamente da fenda — ordenou ele a Dephin. Eles tinham se afastado
mais ou menos uns vinte metros, quando Riyollon correu atrás deles.
— Parem! — ordenou Rhodan.
Ele saltou para o chão e olhou para trás. Riyollon agora estava parado junto do
trenó, tentando puxar-se para o alto. Ele o tentou da parte de trás, porque ele ali estava o
mais afastado do abismo. Broynlaar e Jynx ficaram olhando, ambos ainda a poucos
passos de distância do trenó.
Um sentimento de gratidão nasceu em Rhodan, enquanto observava Riyollon. O
syoplechenor estava decidido a seguir o suposto construtor de qualquer jeito. O corpo
couraçado do urth esgueirou-se para cima da superfície de carga do trenó.
— Você pode me puxar para o outro lado — disse Riyollon.
Rhodan fez um sinal ao Paladino. Quando o robô agarrou a corda da âncora,
Broynlaar e Jynx rapidamente se aproximaram do trenó.
Rhodan ergueu o braço.
— Devagar, devagar — disse ele. — Aí vêm os outros dois. Com boa vontade,
Riyollon fez lugar para seus companheiros.
Poucos minutos mais tarde, os três urths estavam deitados, muito juntos uns dos
outros, em cima do trenó. Paladino levantou a corda.
— Espero que nosso teleférico aguente — disse Dephin.
— As cordas trançadas são fortes — disse Rhodan.
Paladino começou a puxar. O trenó teve um ângulo de inclinação para a frente.
— Não parem! — gritou Rhodan para os siganeses. — Caso contrário, nossos
amigos poderiam ter a ideia de que podem deixar o trenó novamente.
As cordas vibraram, quando todo o peso do estranho veículo pesou sobre elas. Elas
se curvaram largamente para baixo. O trenó balançava de um lado para outro. Os urths se
agarraram firme e gritaram o seu medo pânico para fora.
Rhodan engoliu em seco. Aquilo simplesmente teria que dar certo. Apesar de
dificilmente poder influir na velocidade com que o Paladino puxava o trenó, ele agarrou a
corda e puxou fortemente. O trenó escorregou até o ponto mais fundo das cordas
curvadas e, deste modo, ficou dependurado quase que exatamente no meio da fenda.
Rhodan olhou por cima da borda do abismo. Os urths tinham encolhido as cabeças e
estavam deitados imóveis sobre aquela plataforma insegura.
— Se nós o puxarmos para cima agora, tudo cairá de cima dele — disse Dephin,
preocupado. — A corda está tão caída que o ângulo para cima ficará muito inclinado.
Um olhar foi suficiente para Rhodan verificar que o siganês tinha razão. O que
deveriam fazer? Afinal, não poderiam simplesmente deixar os três urths lá embaixo.
— Riyollon! — gritou ele. — Vocês têm que se agarrar o mais que puderem!
As garras dos satiatenses tatearam por cima da superfície de carga e se agarraram
aos segmentos exteriores das bordas.
— Puxe! — gritou Rhodan para o Paladino.
A corda se esticou. O trenó ergueu-se com sua parte anterior dos seus trilhos
primitivos. Alguns sacos de provisões caíram no abismo, onde arrebentaram com um
estrondo.
— Agarrem-se! — gritou Rhodan.
Ele ouviu um grito de socorro, e soltou o cabo. Foi até a borda do abismo. Riyollon
e Broynlaar tinham se segurado em cima do trenó, mas Jynx perdera o equilíbrio.
Somente com uma garra ele ainda estava dependurado do segmento. Uma de suas garras
devia ter-se quebrado, pois estava dependurada do seu lado. Jynx gritava
ininterruptamente.
— Pelo amor do céu! Puxe! — gritou Rhodan.
O trenó recebeu um puxão, e as cordas saltaram como molas de aço, para cima e
para baixo. O último saco de provisões escorregou por cima das couraças dos dois urths
que ainda permaneciam deitados sobre o trenó, e caíram para o fundo. Um acertou Jynx
da cabeça. O golpe foi tão forte que Jynx abriu a garra. Ele caiu para o fundo. Rhodan
rapidamente afastou os olhos. Ele não queria ver como esta criatura, com a couraça
partida, ficou caído no fundo do precipício.
Entrementes o Paladino tinha puxado o trenó para cima. Rhodan lentamente
encaminhou-se para ele.
— Vocês podem abrir os olhos — disse Rhodan para os dois urths sobreviventes. —
Agora estão em segurança.
Eles pareciam não ouvi-lo, pois não se mexiam.
“Será que morreram de susto?”, pensou Rhodan, admirado.
— Riyollon — disse ele, e passou a mão sobre a couraça do satiatense. — Tudo já
passou, Riyollon.
A cabeça chata, com os olhos grandes, lentamente surgiu de baixo da couraça.
Rhodan sentiu os olhares dos nativos dirigidos para ele, e um sentimento de culpa, pela
morte de Jynx, cresceu dentro dele. O trenó estremeceu quando Riyollon lentamente
escorregou de cima dele. Agora também Broynlaar mostrou a sua cabeça e olhou em
torno.
— Onde está Jynx? — perguntou ele.
Rhodan olhou para a caverna.
— Não pudemos fazer nada por ele — disse ele.
— Ele escorregou? — quis saber Riyollon, praticamente.
— Sim — disse Rhodan, nervoso. — Eu sinto muito.
— Isso não teria acontecido, se tivéssemos voltado — disse Riyollon, sem
demonstrar sentimento.
Não havia nem um traço de acusação na sua voz.
— Tem razão — disse Rhodan.
“Minha vida contra a de Jynx”, pensou ele. “O urth teve que morrer para que eu
alcance a estação dos lemurenses em tempo útil. Estas auto-acusações estão certas?
Jynx vencera um medo primordial e caíra para a morte. Isso é culpa minha?”,
perguntou-se Rhodan.
— Por que um construtor do Círculo Interno não pode deter a morte? — perguntou
Broynlaar.
— Eu não sou onipotente — disse Rhodan.
— Nossas provisões estão perdidas — verificou Riyollon. — Agora podemos
deixar o trenó para trás.
— Ótimo — concordou Rhodan. — Nesse caso, podemos progredir melhor.
Os dois urths tomaram a ponta, e o pequeno grupo marchou ao encontro da noite
que começava.
7

Na escuridão, as rochas de eclisse brilhavam a uma distância de várias dezenas de


metros. Agora Rhodan teria encontrado um caminho seguro através do deserto de
eclisses, mesmo sem os aparelhos de rastreamento do Paladino. Rhodan achou bom que
os urths não precisavam de descanso. Riyollon e Broynlaar pareciam ficar contentes em
poder deixar o deserto atrás de si. Ambos estavam excepcionalmente silenciosos. Sem o
trenó, o pequeno grupo conseguia adiantar-se bem mais depressa. De vez em quando um
técnico da Crest V chamava, para prevenir a expedição de ajuntamentos maiores de
eclisses. Deste modo, Rhodan pôde sair do caminho desses ajuntamentos do perigoso
mineral, em tempo útil.
Ao romper da manhã, eles alcançaram o fim do deserto. No seu caminho eles ainda
tinham topado com diversas fendas na terra, mas nenhuma delas fora suficientemente
grande para poder detê-los.
À direita deles ficava agora uma cadeia de montanhas baixas, na neblina da manhã.
Do outro lado cresciam plantas esparsas, de cerca de vinte a trinta centímetros de altura.
Rhodan achou que Riyollon escolheria o caminho através da planície coberta de liquens,
que se estendia diretamente a sua frente.
Os dois urths entretanto pararam e colocaram suas cabeças bem perto do solo, como
se procurassem rastros.
— Por que não vamos adiante? — perguntou Rhodan, deixando-se escorregar para
o chão, dos braços do Paladino. — Se vocês estão cansados, podemos parar um pouco.
— Nós estamos com fome — informou-lhe Riyollon. — Todas as nossas provisões
estão na grota onde Jynx perdeu a sua vida.
Rhodan achou pouco agradável ser lembrado, deste modo, da morte do urth. Seu
sentimento de culpa ainda era recente, e cada observação dos dois urths a respeito de
Jynx contribuía para aumentá-lo ainda mais.
— Usando o meu olho espiritual eu posso pedir que me mandem um pouco de
staym — sugeriu Rhodan.
— Isso parece tentador, mas só com staym nós não matamos nossa fome —
retrucou Riyollon.
— Hum... — fez Rhodan, pensativo. — Diga-me do que tem apetite, talvez eu
possa ajudá-los.
Riyollon disse o que era, mas a tradução do transformador de símbolos consistia
somente de palavras impronunciáveis.
Rhodan entrou em contato com a central de comando da Crest V.
— Você ouviu o que está acontecendo aqui embaixo — disse ele para Atlan. — Eu
sugiro que vocês reúnam um cardápio a bordo da Crest para meus dois amigos, e o
mandem para cá com uma sonda. Não se esqueçam do sal.
Atlan prometeu imediatamente tomar todas as providências.
Depois que Rhodan tinha prometido aos dois urths que lhes arranjaria alimentação,
eles se mostraram prontos a continuar a marcha. Eles se movimentaram na direção da
grande planície. Sem fazer ruído, o pesado Paladino caminhava sobre aquele solo coberto
de liquens. Vinte minutos mais tarde pousou diante deles uma sonda do tipo foguete.
Rhodan a abriu.
— Sanduíches! — disse ele, espantado. — Ora, eu não sei se isso é o certo.
Ele retirou as fatias cobertas para fora e espalhou-as diante dos urths, pelo chão. Em
seguida apanhou, da sonda, os pacotinhos de sal.
Riyollon farejou os sanduíches, desconfiado.
— O que é isso? — quis ele saber.
— Sanduíches — respondeu Rhodan. — Um petisco.
Broynlaar rosnou interrogativamente e Rhodan temeu que o transformador de
símbolos não encontrasse um ultra-som para traduzir a palavra petisco.
— Você só precisa prová-lo — sugeriu Rhodan. — Certamente vai gostar.
Riyollon agarrou um sanduíche e imediatamente o engoliu. No mesmo instante
também Broynlaar começou a comer. Rhodan sentiu água na boca. Ele só podia contar
com os concentrados que seu traje lhe fornecia.
— Nós agora vamos continuar — disse Riyollon, depois deles terem comido.
Rhodan anuiu. Enquanto se encaminhava para Paladino, de repente teve a sensação
de que seus passos estavam mais lentos. O traje parecia pesar ainda mais. Seguindo uma
intuição, Rhodan lançou um olhar para os medidores no seu braço esquerdo.
A sua carga gravitacional nesse momento, apesar do projetor antigravitacional, era
de 1,7 gravos. Isso significava que a potência da mochila às suas costas diminuíra um
meio gravo.
“O depósito energético ainda não pôde ter sido gasto todo”, raciocinou Rhodan. De
repente ficou sobressaltado. O que aconteceria se a carga gravitacional aumentasse ainda
mais? Com a carga total ele jamais alcançaria a estação de comutação.
Dephin notara que alguma coisa não estava em ordem.
— Quieto! — sibilou Rhodan.
O siganês entendeu imediatamente. Rhodan queria evitar que a bordo da Crest V
ficassem sabendo do que acontecia.
— Levante-me — disse Rhodan.
Cuidadosamente, Paladino tomou-o nos braços. Eles seguiram os urths, que já se
haviam afastado alguns metros. Rhodan ficou refletindo rapidamente. O que teria
causado a repentina perda de energia? Em circunstâncias normais a mochila energética às
suas costas ainda devia estar trabalhando sem problemas. Se tivesse acontecido uma
avaria pesada, a carga gravitacional imediatamente teria subido totalmente.
Havia apenas uma explicação: Eclisse!
Aquele material luminoso com o elevado peso específico devia influenciar a sua
mochila energética.
“Como é que as coisas vão prosseguir?”, perguntou-se Rhodan, preocupado.
Indubitavelmente o funcionamento do projetor antigravitacional continuaria caindo. Não
faria sentido não levar o fato em consideração. Quantos gravos ele seria capaz de
suportar, nas condições presentes? Apesar de ser carregado pelo Paladino, já agora tinha
dificuldade de simplesmente se sentar e segurar.
O que fariam os homens responsáveis a bordo da Crest V, quando notassem o que
se passava na superfície de Satyat?
E eles certamente o notariam!
Rhodan forçou seus pensamentos para outros assuntos. Por enquanto ainda não
havia um perigo iminente por sua vida. Mas eles ainda estariam a caminho, pelo menos
por umas vinte horas. E neste espaço de tempo muita coisa poderia acontecer.
***
Eles se movimentaram através de um vale estreito, coberto de liquens. Já era no fim
da tarde, e os campos de eclisses nos desfiladeiros das montanhas brilhavam na escuridão
cada vez maior.
Rhodan sentiu-se abatido. Entrementes a carga subira para 1,9 gravos, de modo que
Rhodan evitou deixar os braços do Paladino. Frequentemente acontecia agora que a parte
superior do seu corpo caía contra o peito do robô. Ele temia que, mais cedo ou mais tarde,
também não mais se pudesse segurar nos braços do Paladino. Agora ele lastimou que
tivessem deixado o trenó para trás, pois logo que a carga subisse mais, ele poderia deitar-
se sobre o mesmo, para se deixar puxar pelo Paladino.
A bordo da Crest V, pareciam adivinhar que alguma coisa não estava em ordem.
Rhodan falava o mínimo possível com Atlan e com os cientistas. Ele temia que sua voz o
pudesse trair. Mesmo com os urths, ele praticamente não falava, pois sentia dificuldade
em articular as palavras. De vez em quando tinha vontade de arrancar o traje de combate
do seu corpo, para livrar-se daquela pressão, cada vez mais forte, no seu peito.
Os urths tinham parado e esperaram até que o Paladino os tivesse alcançado.
— Precisamos procurar uma caverna para a noite — disse Riyollon.
Rhodan não conseguiu esconder sua decepção.
— Por quê? — perguntou ele. — Nós não podemos continuar nossa marcha durante
a noite?
— Broynlaar descobriu pegadas de karryl — explicou Riyollon. — Ele acha que
será melhor nos escondermos, pois os karryls saem à noite para rapinarem.
Um karryl evidentemente devia ser uma fera satiatense. Rhodan preferia correr o
risco de encontrar-se com um animal desses do que enfiar-se numa caverna, onde
certamente não encontraria descanso.
— Vocês não precisam temerem os karryls — disse Rhodan para os urths. — Com
nossas armas, nós podemos nos defender de qualquer ataque.
— Os karryls são traiçoeiros — disse Broynlaar. — Somente os descobrimos
quando já é tarde demais. E nisto, não têm utilidade nem as melhores armas.
— O meu olho espiritual vai descobrir cada karryl, antes de toparmos com ele -—
garantiu Rhodan.
— Nós confiamos em você — disse Riyollon.
Broynlaar parecia ser de outra opinião, pois ele resmungou, nada satisfeito. A
marcha prosseguiu. Paladino agora conservou-se bem perto atrás dos urths, uma vez que
Rhodan tinha ordenado ao siganês para que atacasse imediatamente, se um animal maior
surgisse. A bordo da Crest V tinham estado na escuta, ouvindo a conversa, e logo
mandaram mais uma sonda de observação. Rhodan esperava que duas sondas fossem
suficientes para protegê-los de surpresas desagradáveis.
Rhodan já não conseguia mais ficar sentado ereto nos braços do Paladino, mas tinha
que recostar a parte superior do seu corpo contra o peito deste. Na sua cabeça trovejava, e
cada passo do robô provocava-lhe dores.
Os minutos se passaram. Em vista da dupla carga gravitacional, parecia a Rhodan
que a noite não acabaria nunca. Entretanto os urths se movimentavam ainda mais
depressa que antes. Broynlaar constantemente ficava à espreita de rastros de karryls.
Quando Rhodan mais uma vez olhou as escalas luminosas do seu medidor no braço,
ele descobriu que a gravidade já havia subido para 2,2 gravos.
— Parem! — gritou ele, com muito custo.
Paladino parou abruptamente. Os urths notaram que o robô não mais os seguia, e
voltaram, para ficarem o mais próximos possível do estranho, de quem esperavam
proteção conta os karryls.
— O que há com você, que não está em ordem? — perguntou Atlan, que não podia
mais esconder sua preocupação. — Você fala devagar e com dificuldade, além disso
chamou nossa atenção que você não deixa mais o Paladino.
— A força da mochila energética está diminuindo — confessou Rhodan, contra sua
vontade. Por um instante houve silêncio, e Rhodan podia imaginar que os homens a
bordo da Crest V, primeiramente tinham que refazer-se do choque que esta notícia
provocara.
— Isso é impossível — disse Atlan, finalmente. — De acordo com nossos cálculos
ela ainda terá que funcionar, no mínimo, por quinze horas, com força total.
— Provavelmente isso é provocado pelas eclisses — disse Rhodan.
— A quanto está a gravidade que você tem que suportar no momento? — quis saber
o arcônida.
— Pouco mais de dois gravos — respondeu Rhodan.
— E ainda está subindo?
— Sim.
— Precisamos fazer alguma coisa contra isso — disse Atlan. — Nestas
circunstâncias você jamais alcançará a estação.
Rhodan não respondeu. O que a tripulação da Crest V poderia fazer por ele? Eles
não podiam pousar nenhuma nave que fosse maior que uma sonda. E também não havia
possibilidade para que ele voltasse para a Crest V.
— Você devia ter nos informado mais cedo — censurou Atlan ao seu amigo
terrano. — Talvez já tivéssemos encontrado uma solução.
Rhodan desligou a ligação com a nave, porque não queria ficar ouvindo mais nada.
A situação presente era problema seu e somente poderia ser solucionada na superfície do
planeta.
— Eu não vou conseguir me manter por muito mais tempo seguro nos braços do
Paladino, major — disse Rhodan para Dephin.
— Eu também receio isso, sir — retrucou Dephin. — O que podemos fazer?
— Infelizmente deixamos o trenó para trás — disse Rhodan. — Mas talvez
consigamos influenciar os urths para que nos construam um veículo primitivo, com o que
poderiam me transportar. Eu acho que, deitado, poderei suportar estas condições por
muito mais tempo.
Dephin usou o transformador de símbolos de Rhodan para negociar com os nativos.
Rhodan ficou contente que o siganês lhe tivesse evitado trabalho, porque cada palavra
que ele tinha que pronunciar significava uma carga adicional para ele.
— O construtor está doente — disse Dephin para os urths. — Precisamos de um
trenó, sobre o qual possamos transportá-lo.
— Devemos voltar para irmos apanhar o nosso trenó? — perguntou Broynlaar.
Em outras circunstâncias Rhodan teria sorrido da ingenuidade do satiatense; agora a
declaração da criatura o preocupou.
— Para isto não há tempo — respondeu Dephin. — Vocês têm capacidade de
construir um trenó primitivo, sobre o qual poderíamos deitar o construtor?
Os urths olharam em volta.
— Por aqui não há muito material — disse Riyollon. — Nós teríamos que nos
afastar para longe deste lugar, para procurar por tudo de que precisamos.
— O trenó não precisa ser muito grande — disse Dephin. — Basta que o construtor
tenha lugar bastante em cima do mesmo.
— Isso nós entendemos. — Riyollon sacudiu a cabeça, concordando. — Mesmo
assim, provavelmente teremos que procurar longe daqui. E nisto, há a possibilidade de
sermos atacados por um karryl.
Dephin não sabia mais o que dizer. Os nativos se recusavam a irem procurar o
material, sem proteção.
— Eu vou procurar o material — decidiu-se Dephin. — Vocês ficam aqui com o
construtor.
— O construtor está doente. Ele poderá nos ajudar se surgir um karryl?
— Sim — retrucou Rhodan no lugar de Dephin. — Pergunte aos dois do que eles
precisam para construir o trenó.
Riyollon e Broynlaar explicaram ao Paladino de que material eles precisavam. O
robô desapareceu na escuridão; ficou, entretanto, em contato de rádio com Rhodan.
Rhodan estava deitado, ao comprido, no chão e não se mexia. Ele temia que o
fornecimento energético da mochila pudesse diminuir ainda mais, mas não olhou os
medidores, para ver sua suspeita eventualmente confirmada. Os dois urths ficaram bem
perto dele, conversando na sua língua ultra-sonora. Eles discutiram como poderiam
construir o trenó o mais rapidamente e firmemente possível.
— Por aqui não há muita coisa do que os satiatenses descreveram — veio a voz de
Dephin na aparelhagem de capacete de Rhodan. — Eu terei que me afastar ainda mais do
senhor, sir.
Rhodan deu sua concordância. Ele esperava que um karryl não fosse aparecer
justamente agora, pois ele não portava armas. Ele desistira de trazer consigo
desintegradores e outras armas energéticas, porque desse modo queria sublinhar suas
intenções pacíficas para com os urths.
“Paladino voltará rapidamente, se realmente ocorrer um ataque”, tranquilizou-se
Rhodan.
Ele ligou o hiper-rádio de sua aparelhagem, para novamente estar em ligação com a
Crest V Imediatamente ele ouviu uma grande confusão de vozes, muito altas.
Evidentemente Serguei Chusijew estava dando mais um dos seus espetáculos.
Rhodan pôde poupar-se de um relatório, pois os homens da central da nave-
capitânia seguiam os acontecimentos através das duas sondas. Eles sabiam perfeitamente
o que se passava em Satyat. Rhodan girou a cabeça penosamente e olhou para o céu. Ele
não podia ver nada que se parecesse com uma sonda, mas tinha certeza que uma delas
pairava sobre eles.
— Pelo que estou vendo, você ligou-se novamente conosco — veio a voz de Atlan.
— Isso é sensato.
— Você não precisa falar comigo como se falasse a uma criancinha — disse
Rhodan, áspero. — Eu ainda estou totalmente em ordem.
Atlan fez de conta que não ouviu a observação de Rhodan.
— Nós temos um plano — disse ele. — Foi ideia de Waringer. Nós colocamos uma
mochila de reposição numa rede. E fazemos levar esta rede por quatro sondas, para cima
da superfície de Satyat.
Rhodan sacudiu a cabeça.
— A estação de comutação reagiria a quatro sondas carregando uma rede, do
mesmo modo que reagiria a um segundo space-jet — disse ele.
— Como é que você sabe disso? — gritou Chusijew no meio. — Com a sua
teimosia, o senhor apenas está nos atrasando.
— Excepcionalmente — disse Atlan —, devo dar razão ao nosso amigo.
— Faça o que achar certo — disse Rhodan, de má vontade.
Da Crest V não veio resposta, e Rhodan supôs que o arcônida dava a ordem para
iniciar o experimento perigoso. Como é que Atlan podia imaginar que a estação de
comutação dos antigos lemurenses podia ser enganada com um truque tão grosseiro? Os
aparelhos de rastreamento desta instalação secreta, ainda em bom funcionamento,
certamente reagiriam como a Pirâmide de Old Man havia profetizado.
O raciocínio de Rhodan foi interrompido por um grito de susto. Ele virou a cabeça
para o lado. Os dois urths se apertavam contra ele.
A mais ou menos dois metros de distância deles estava parado um karryl.
À primeira vista a criatura não se diferenciava de um urth. Depois Rhodan viu que
ela era mais alta e tinha uma couraça mais firme, além de movimentar-se sobre seis
pernas, muito fortes. A sua cabeça crescia ligada quase que diretamente em toda a sua
largura ao corpo, e sobressaía apenas poucos centímetros acima do pescoço. Quando o
karryl abria a sua bocarra semelhante a um saco, ele deixava ver uma fileira dupla de
dentes pontiagudos.
— Major! — gritou Rhodan. — Um karryl surgiu por aqui. Volte imediatamente.
— Em dois minutos estou aí com o senhor — prometeu o siganês. — Procure
defender-se, sir!
O karryl movimentou-se na direção do pequeno grupo. Rhodan viu que aquela
criatura sinistra corria lateralmente, como um caranguejo.
Os dois satiatenses estavam paralisados de terror. Deles não era de se esperar
qualquer reação contrária planejada. Fazendo um esforço tremendo, Rhodan conseguiu
pôr-se de joelhos, apoiando-se nas mãos.
— Fujam! — gritou ele para os urths.
Somente Riyollon reagiu, porém mais por instinto que por raciocínio. Ele passou
rastejando por Rhodan e recuou para a escuridão.
O karryl tinha alcançado Broynlaar. Rhodan pôde ver nitidamente, apesar da meia-
escuridão, como a bocarra do atacante se fechou por cima da borda da couraça de
Broynlaar. Houve um estalar forte, quando a couraça das costas do caçador se partiu.
Broynlaar gritava sem parar. Um frio desceu pelas costas de Rhodan, ao pensar na sorte
que o esperava dentro de poucos instantes. Agora que o karryl estava parado junto de
Broynlaar, podia ver-se que ele era bastante mais alto que o urth. O animal devia ter uma
força imensa.
Com um puxão da parte anterior do seu corpo, o karryl arrancou um pedaço da
couraça de Broynlaar. Rhodan ficou olhando sem nada poder fazer. O urth estrebuchava,
sacudindo suas pernas e fazendo movimentos de defesa que não levavam a nada. Mais
uma vez o karryl investiu, e os seus dentes se fecharam por cima do corpo do caçador.
Foi quando surgiu, com passos formidáveis, o Paladino, saindo da escuridão.
— Rápido! — gritou Rhodan. — Ele agarrou Broynlaar.
Sem hesitar, Dephin dirigiu o corpo do robô na direção do karryl. Rhodan viu como
Paladino se abaixou, agarrando o monstro com todos os seus quatro braços. O karryl
emitiu um bufar furioso e soltou Broynlaar, para voltar-se ao seu novo adversário.
O Paladino, que levantara Riyollon sem problemas, teve dificuldades com o karryl.
Mesmo assim, ele conseguiu jogar o atacante alguns metros para trás. Entrementes o
engenheiro de armas tinha colocado o lançador de foguetes para fora da parte superior do
Paladino. Um projétil sibilou no ar, acertou o corpo do karryl e destruiu o animal. Uma
nuvem baixa de explosão espalhou-se.
— O karryl está morto! — verificou Dephin, laconicamente.
— Verifique o que aconteceu com Broynlaar — ordenou Rhodan.
O Paladino aproximou-se do caçador e examinou-o. Entrementes também Riyollon
voltara, dirigindo-se para Broynlaar.
— Broynlaar está morto, sir — informou Dephin.
Rhodan estremeceu. Ele fechou os olhos. Depois de Jynx, ele agora perdera o
segundo acompanhante urth. Ele podia imaginar como Riyollon estaria se sentindo.
— Riyollon — começou ele lentamente. — Eu gostaria de ter evitado a morte de
Broynlaar.
— Broynlaar estava sempre querendo voltar — disse Riyollon, entrecortadamente.
— Eu mais ou menos o obriguei a nos acompanhar adiante.
Rhodan ergueu a cabeça.
— Se você quiser, pode voltar — disse ele para o syoplechenor. — Nem a você
nem ao seu povo surgiria qualquer problema por isso.
Riyollon ficou pensando por um momento.
— Eu ficarei com vocês — disse ele, então. — Broynlaar e Jynx não devem ter
morrido gratuitamente.
— Nós coletamos material suficiente? — voltou-se Rhodan para Dephin.
— Sim — disse o major. — Eu joguei o amarrado a alguns metros de distância
daqui, para lutar contra o karryl. Agora vou buscá-lo.
— Então eu construirei um trenó — disse Riyollon.
Poucos minutos depois teve início o terremoto.
8

A rede era quadradona e tinha um comprimento lateral de vinte metros. Nas suas
quatro pontas estava amarrada aos foguetes das sondas. As sondas eram todas
manobradas pela mesma instalação de modo que poderiam ser dirigidas de bordo da
Crest V, em mudanças de rota, todas ao mesmo tempo. No fundo, não era uma tarefa
muito difícil dirigir aquela formação estranha. Mesmo assim, havia gotas de suor na testa
do técnico a quem tinham sido confiadas estas manobras.
Atlan, que estava parado atrás do homem, junto à aparelhagem de telepilotagem,
compreendia muito bem esta reação. Cada astronauta a bordo da Crest V conhecia a
ameaça que a Pirâmide de Old Man fizera. Era bem possível que Satyat explodisse
quando da aproximação das quatro sondas.
Atlan declarara claramente aos outros homens que assumia inteira responsabilidade
pela tentativa. Ele sabia muito bem que a vida de Rhodan corria perigo. Nestas
circunstâncias, tinha-se que correr um certo risco, para salvar o Administrador-Geral. Por
isso mesmo ninguém contradisse o arcônida.
Todos os responsáveis entrementes se haviam reunido novamente na central de
comando da nave-capitânia, para observar o que aconteceria com as quatro sondas, que
deviam levar a mochila energética de substituição até Rhodan.
— A formação agora está chegando às camadas externas da atmosfera, sir —
informou o técnico.
— Continue — ordenou Atlan.
— Sir, nós registramos um terremoto — gritou o oficial do rastreamento. — Ele
tem o epicentro nas proximidades do local onde se encontra Rhodan, e se espalha em
leque.
Atlan e Kasom trocaram um olhar espantado. Era esta a reação da estação de
comutação para com a aproximação das quatro sondas?
Atlan colocou uma mão no ombro do técnico.
— Desça com cautela.
— O tremor está ficando mais forte, sir! — gritou o homem na aparelhagem de
rastreamento. Como raciocinando, ele acrescentou: — Eu agora não gostaria de estar lá
embaixo.
Atlan mordeu o seu lábio inferior. Ele curvou-se para o técnico e tocou uma
alavanca na aparelhagem de telepilotagem. Na tela de imagem podia ver-se como as
quatro sondas com a mochila energética explodiram.
— Sir! — gritou o técnico, espantado. — O senhor ativou a tecla de autodestruição!
— Eu sei — disse Atlan, cansado. O seu rosto estava pálido. O oficial de
rastreamento suspirou, aliviado.
— O terremoto está diminuindo — avisou ele.
Atlan virou-se. Eles agora podiam ter certeza de que em Satyat existia uma estação
secreta dos lemurenses. Esta estação reagia exatamente como a Pirâmide de Old Man
tinha previsto.
Isso significava que Perry Rhodan continuava a depender apenas de si mesmo.
9

O primeiro tremor da terra mal pôde ser percebido, mas já a segunda onda foi tão
forte, que Rhodan, que estava deitado ao comprido no chão, foi sacudido violentamente.
O Paladino, que estava justamente colocando o material para o trenó diante do urth,
se levantou. Riyollon emitiu um grito de aviso e encolheu a cabeça.
— Um terremoto! — gritou Harl Dephin. — Espero que não fique mais forte.
— Eu posso imaginar por que o mesmo aconteceu — disse Rhodan. — Querem
mandar-me, da Crest V, uma nova mochila energética, e para isso...
Um forte tremor de terra fez com que ele estacasse. Foi jogado para o lado e caiu
pesadamente ao chão. A poucos metros de distância dele a terra se abriu. O Paladino
cambaleou até Rhodan e se levantou. Diante dos olhos de Rhodan dançavam círculos
vermelhos, e ele apenas conseguiu perceber as redondezas muito vagamente.
— Major! — gemeu ele. — A tentativa tem que ser interrompida imediatamente.
De Dephin não veio nenhuma resposta, e Rhodan imaginou que alguma coisa estava
errada com a aparelhagem de rádio do capacete.
Riyollon tinha escorregado para dentro de uma fenda, caindo de costas. Ele ficou
deitado ali, indefeso, agitando as pernas. Por cima dele estava o material com o qual ele
deveria construir o trenó.
O chão tremia tão violentamente que o Paladino mal conseguia manter-se de pé.
Além disso, ele tinha que desviar-se constantemente de pequenas e grandes fendas no
chão. Toda a terra parecia estar em agitação. Rhodan sabia que não havia nenhuma
possibilidade de fuga. Uma coisa úmida escorreu pelo rosto de Rhodan. O seu nariz
começara a sangrar. Como em transe ele ergueu o braço esquerdo. Até mesmo este
movimento proporcionava-lhe uma grande dificuldade.
Dois e meio gravos: mostrava o medidor. Rhodan esperava não desmaiar. O
Paladino pulou por cima de uma fenda no chão e tomou cuidado, para evitar os
estremecimentos que isso causava.
O terremoto terminou tão repentinamente como começara.
— Passou, sir — disse Harl Dephin. — Espero que não venham novos sismos.
Rhodan não respondeu. Aliviado por novamente poder entender-se com Harl
Dephin, através do rádio do capacete, acabou preocupando-se com Riyollon. Se o urth,
durante o sismo, tivesse morrido, eles não teriam mais qualquer chance de alcançar a
estação de comutação, em tempo, pois precisavam dele como guia.
— Precisamos ver o que aconteceu com Riyollon — disse ele e espantou-se com o
som alto de sua própria voz.
O Paladino carregou-o até junto do buraco no qual o satiatense caíra, e ali o deitou
suavemente no chão. Rhodan evitou fazer qualquer movimento. A cada inspiração ele
tinha a sensação de que o seu peito iria arrebentar.
— Lá está ele caído, sir — observou Dephin apontando com um braço do Paladino
em direção a Riyollon.
Lentamente Rhodan virou a cabeça. Riyollon estava muito vivo e agitava as suas
muitas pernas. O Paladino deixou-se escorregar para dentro da grota e retirou o urth da
fenda.
Riyollon bufou aliviado, quando novamente estava sobre suas próprias pernas.
— Como é que você se sente? — perguntou Rhodan. — Você está ferido?
— Não — retrucou Riyollon, em voz baixa.
Ele dava uma impressão apática. Rhodan supôs que o urth lentamente começava a
duvidar da capacidade dos estranhos. Apesar de Rhodan apresentar-se como construtor
do Círculo Interno, em todos os incidentes ele apenas fizera mais ou menos o papel de
um espectador.
— Estas foram as vozes dos deuses — disse Riyollon. — Eles não concordam em
nossa ida para a Terra Sayn.
— Tolice! — interveio Dephin. — Este foi simplesmente um terremoto comum.
— Você passou por isso pela primeira vez? — perguntou Rhodan ao nativo.
— Sim — disse Riyollon.
Agora Rhodan estava convencido de que o terremoto fora a consequência de um
empreendimento partido da Crest V. Ele entrou em contato com a central de comando da
nave-capitânia.
— Perry! — gritou Atlan, aliviado. — Eu fico contente em ver que vocês saíram
ilesos do terremoto.
— O que há com a mochila de substituição? — quis saber Rhodan.
Por um momento houve silêncio.
— Nós tivemos que destruí-la — disse o arcônida, então. — Ela estava...
— Você não precisa me explicar nada — disse Rhodan. — Naturalmente vocês não
nos ajudaram com esta ação.
— Vamos ter que esperar até que você lentamente sufoque? — irritou-se o
arcônida.
Rhodan não respondeu, mas desligou. Era insensato fazer uma censura aos homens
da nave esférica. Eles tinham tentado ajudá-lo, e tinham fracassado nisso.
— Riyollon. — Virou-se para o urth: — Você acha que pode construir um trenó,
mesmo sem a ajuda de Broynlaar?
— Sim — disse o satiatense.
Paladino reuniu as peças de construção espalhadas e ajudou o satiatense no trabalho.
Rhodan admirou a habilidade com que Riyollon iniciou o trabalho. O material de
construção consistia de liquens, capins e madeiras flexíveis. Os liquens eram resistentes,
de modo que Riyollon podia usá-los como o chão do trenó. Com auxílio dos capins ele
atou as peças unitárias. Das madeiras saiu o quadro.
Dentro de uma hora o veículo primitivo havia sido montado.
Rhodan lançou um olhar desconfiado ao mesmo.
— Você acha que ele vai me aguentar? — perguntou ele.
— Depende da distância que ainda teremos que marchar — retrucou o satiatense. —
Se nós não alcançarmos logo a Terra Sayn, eu terei que construir mais um trenó, pois esse
aqui não dura muito.
— Muito bem, vamos experimentar — disse Rhodan. Paladino deitou-o em cima do
trenó. Riyollon atou uma curta corda de tração ao veículo.
— Eu vou puxar — disse Dephin.
Riyollon tomou a direção, de boa vontade.
O terremoto causara grande destruição, e eles agora tinham que rodear grandes
fendas no chão. Rhodan sabia que não lhe restava outra alternativa senão aceitar esta
nova perda de tempo.
Ele desistira de olhar os seus aparelhos de medição. Não apenas porque lhe custava
cada vez mais movimentar-se, mas ele também não queria ver confirmado o que
suspeitava. A carga da gravidade certamente devia ter subido para três gravos.
***
O trenó primitivo ia aos solavancos por cima das irregularidades. Naturalmente
Dephin guiou o Paladino, na medida do possível, por cima de chão liso, mas Rhodan, que
agora teria que suportar a gravidade quatro vezes maior, sentia cada estremecimento
como um violento golpe. Ele já perdera a consciência um par de vezes.
O Paladino o unha atado em cima do trenó, para que ele não escorregasse de cima
do mesmo. Rhodan mal falava com os homens da central de comando da Crest V. Seus
problemas respiratórios ficavam cada vez maiores. A pele estava se esticando como
borracha por cima do seu corpo.
Riyollon pareceu sentir que a vida do astronauta estranho estava em perigo, pois ele
começou a andar ainda mais depressa, sem se importar com isso. Ele desistiu de descanso
e também não pediu por comida.
Rhodan mal percebeu ainda a nova modificação entre o dia e a noite. De vez em
quando ouvia vozes no alto-falante, depois balbuciava palavras pouco compreensíveis.
Às vezes achava ouvir a voz de Atlan, que lhe falava calmamente, para dar-lhe coragem.
Depois ouviu algumas pragas, como só Chusijew sabia usar.
Paladino parava a intervalos regulares. Rhodan imaginou que Dephin então o
observava, para verificar se ele ainda estava com vida.
Rhodan perdeu a noção do tempo. Ele tinha apenas o pensamento de escapar o mais
rapidamente deste inferno.
Uma vez Riyollon veio até o trenó, para examiná-lo. O urth conversou com Dephin.
O exame pareceu ter satisfeito duas criaturas tão diferentes entre si, pois o transporte
continuou.
Sempre quando estava completamente consciente, Rhodan tentava relaxar. Isso nem
sempre era conseguido, pois o seu corpo maltratado se retraía todo sob dores violentas.
E então veio o momento em que Riyollon esgueirou-se para junto do trenó e
estendeu a sua garra de baixo da couraça.
— Ali fica a Terra Sayn — disse ele.
Rhodan não conseguiu erguer a cabeça, para ver em que direção o satiatense
apontava, mas as palavras de Riyollon agiram sobre ele como uma fórmula mágica. Ele
acreditava que conseguiria resistir até o destino.
Ele viu que o Paladino estava perto do trenó. Quis falar, mas não conseguiu
pronunciar uma só palavra. Dephin, que observava o terrano pela galeria de imagens do
Paladino, sabia, também sem palavras, o que emocionava Rhodan.
— No horizonte pode-se ver uma formação estranha — disse o siganês. — Parece
uma montanha hemisférica. Suponho que se trata do Círculo Interno, do qual os urths
falaram.
Rhodan não conseguiu responder.
— Nós ainda estamos a uns dois quilômetros distante do lugar — continuou
Dephin. Paladino abaixou-se e virou cautelosamente o braço de Rhodan, para que Dephin
pudesse ler os instrumentos de medição.
Rhodan ouviu quando Dephin emitiu um som assustado.
— Sete gravos! — conseguiu dizer o siganês. — Isso o senhor não vai aguentar
mais por muito tempo, sir!
“Se eu pelo menos pudesse falar!”, pensou Rhodan. Nestas últimas horas a falta de
ar aumentara de tal modo, que Rhodan devia contar com uma morte por sufocação.
— O senhor não se enganou, major? — perguntou a voz de Atlan, no alto-falante do
capacete.
— Não, sir — disse Dephin.
— Isso quer dizer que a carga, nesta ultima hora, subiu rapidamente — disse o
arcônida. — A energia do projetor parece ter sido gasta. Rhodan não pode viver muito
tempo, nestas condições.
— O que devo fazer? — perguntou Dephin, desesperado. — Ele mal respira, mas
está consciente.
— O senhor não tem mais tempo de puxá-lo, no trenó, para a estação — disse
Atlan. — Até que o senhor chegue lá, ele terá morrido sufocado. O senhor terá que
carregá-lo.
“É uma sensação esquisita ouvi-los falando”, pensou Rhodan. Ele estava incapaz de
participar da conversa. Cada decisão podia significar vida ou morte.
— Carregar? — repetiu Dephin. — Ele não aguenta isso.
— Temos que arriscar — retrucou Atlan. — Não se importe mais com o urth, mas
mande Paladino correr o mais rapidamente possível. A estação só pode encontra-se nas
proximidades da montanha que o senhor vê no horizonte.
Rhodan ouviu o siganês engolir em seco.
— Muito bem, sir — disse ele finalmente. — Eu vou tentá-lo.
Rhodan fechou os olhos. Até mesmo este movimento diminuto lhe era difícil. Ele
podia imaginar que devia ter uma aparência horrível.
Paladino curvou-se por cima dele e levantou-o. Rhodan procurou respirar. Na sua
cabeça um formidável gongo parecia estar sendo batido.
— Procure aguentar, sir! — disse Dephin. — Eu vou me apressar.
Riyollon voltou para o trenó para perguntar o que havia acontecido.
— Não precisamos mais do trenó — explicou Dephin. — Eu vou fazer o resto do
caminho com o construtor nos meus braços.
— Você é rápido demais para mim — disse o satiatense. — Eu não consigo segui-
lo.
— Você poderá seguir-nos — disse Dephin.
Riyollon começou a choramingar.
— Não me abandonem! — implorou ele. — O que é que vou fazer, completamente
sozinho, na Terra Sayn?...
— Nós nos ocuparemos com você — prometeu Dephin. — Agora entretanto não
temos mais tempo.
Com Perry Rhodan nos braços, Paladino ergueu-se e saiu correndo. Apesar de
Riyollon se esforçar para manter o passo com o gigante estranho, logo caíra
irremediavelmente para trás. Ele parou e deitou-se no chão. Sentia-se tão solitário como
nunca em sua vida.
Talvez fosse melhor se ele voltasse para o seu povo.
Depois de algum tempo a sua curiosidade tinha vencido o seu medo, e ele retomou a
marcha na direção da montanha distante.
***
— Realmente é apenas uma montanha! — disse Dephin, decepcionado, e parou.
— Nossos aparelhos de rastreamento não indicam nada — informou Drof Retekin.
Dephin lançou um olhar para as telas de imagem. Rhodan estava desmaiado.
Dephin ficou agradecido por isso, pois dificilmente teria coragem para dar esta notícia
decepcionante ao Administrador-Geral.
— Por que o senhor parou? — perguntou Atlan. — Alguma coisa está errada?
— Eu cheguei à região da borda da montanha — disse Dephin. — Nada indica que
se trate de uma estação lemurense.
— O senhor não deve desistir — disse o arcônida. — Dê a volta na montanha.
Talvez do outro lado o senhor descubra uma entrada para o interior da montanha.
Dephin não quis dizer ao lorde-almirante que Rhodan não suportaria mais essa nova
carga.
— O que dizem os aparelhos de rastreamento da Crest V? — quis saber o siganês.
— Com os aparelhos altamente sensíveis de bordo da nave, devia ser possível verificar o
que há com esta montanha.
— Se esta montanha é realmente uma estação secreta lemurense, a mesma está
muito bem protegida — disse Atlan. — Os aparelhos de rastreamento da Crest V não
mostram nada.
Dephin não sabia o que fazer. Com cada minuto que passava, as chances de
sobrevivência de Rhodan diminuíam.
— Talvez nós devêssemos nos aproximar mais da montanha — sugeriu o capitão
especialista Mirus Tyn. — Então veremos o que acontece.
O olhar de Dephin passou pelas telas de imagem. De Riyollon ainda não se via
nada. O urth ainda precisaria de algum tempo, até chegar aqui. Tanto tempo Dephin não
podia esperar, além disso era duvidoso que o satiatense soubesse alguma coisa sobre esta
montanha.
Pelas ligações do capacete Sert Dephin deu as próximas ordens para Paladino. O
robô pôs-se em movimento. Os olhos de Dephin continuavam colados na galeria de
imagens.
De repente a montanha se iluminou, incandescente.
Imediatamente Dephin fez o Paladino parar.
— Alguma coisa está acontecendo com a montanha! — gritou Atlan.
A voz do arcônida foi abafada pela aparelhagem de rádio do Paladino.
— Estou vendo, sir — respondeu Dephin. — Está começando a arder.
— Tenha cuidado! — avisou Atlan. — Por enquanto não se aproxime. Não sabemos
o que está acontecendo.
Toda a montanha agora brilhava num verde intenso. Os olhos de Dephin se
estreitaram. Ele estava enganado, ou as rochas e as plantas começavam a se dissolver? A
claridade da radiação era tão forte, que Dephin mal podia ver o que se passava diante
dele.
— Os rochedos estão se dissolvendo! — informou Atlan de bordo da Crest V. —
Eu espero que agora logo poderá ver a estação propriamente dita.
Dephin anuiu, sem dar-se conta de que o arcônida não podia ver este gesto. Um
olhar para a tela de imagem mostrou ao siganês que Rhodan ainda continuava
inconsciente. A respiração do terrano mal podia ser notada.
Desesperado, Dephin deu novos impulsos ao Paladino.
— Dephin! — chamou Atlan. — O senhor ficou louco? O senhor ainda não pode
prosseguir na direção da montanha.
Dephin comprimiu os lábios. Atlan não podia saber como estavam as coisas com
Perry Rhodan. Para eventualmente ainda salvar a vida do Administrador-Geral, Dephin
tinha de desobedecer à ordem do lorde-almirante. Ele fez Paladino precipitar-se para a
frente, em velocidade ainda maior.
— Dephin! — gritou Atlan. — Eu o previno. O senhor não sabe nada a respeito da
radiação que esta montanha emite. Talvez ela seja mortal. Eu...
Dephin notou imediatamente por que o arcônida se interrompeu. A força luminosa
da montanha diminuíra. Por trás das rochas que se dissolviam, apareceu uma cúpula de
aço hemisférica. Dephin avaliou que ela devia ter uma base de cinquenta metros, com
vinte e cinco metros de altura.
— A estação, sir! — gritou ele no microfone. — Diante de nós está a estação!
— Sim — disse Atlan. — Continue em frente.
Paladino agora corria em alta velocidade na direção da cúpula. Quando ele a
alcançou, não havia nenhum indício de destruição visível. Dephin perguntou-se que hábil
instalação-robô teria afastado a eficiente camuflagem da estação. Ele supôs que a
padronagem das ondas mentais de Rhodan devia ter sido medida a partir da cúpula. Em
seguida a cúpula fora revelada.
A cúpula era de metal. Não se reconheciam nem entradas nem saliências. Dephin
não tirava os olhos das telas de imagem. O que aconteceria se um dos antiquíssimos
mecanismos não funcionasse, e a cúpula, por isso, se mantivesse fechada?
— Dart! — chamou Dephin.
— Sir? — A voz do artilheiro parecia de lata.
— Prepare tudo para, em caso de necessidade, fazer uma abertura nesta cúpula, a
tiros — ordenou Dephin. — Eu não sei se vamos achar uma entrada.
— Todas as armas estão prontas para entrar em ação, major — respondeu o
Tenente-Especialista Dart Hulos.
O Paladino deixou escorregar cautelosamente o corpo desmaiado de Rhodan dos
seus braços, deitando-o no chão, junto da parede da cúpula.
— Nenhuma entrada? — perguntou Atlan, que parecia imaginar as dificuldades que
se desenhavam.
— Sim — confirmou Dephin, chateado. — Entretanto vamos dar um jeito para
arranjar-nos uma entrada.
— Nós não sabemos como a estação robô reagira a uma ação semelhante — disse
Atlan. — O senhor somente deve usar de força, se não houver outra perspectiva de êxito.
Dephin lançou um olhar para Rhodan. Os impulsos mentais, que eram registrados
pelos aparelhos do Paladino, demonstravam que ainda continuava havendo vida nesse
homem.
Dephin fez o Paladino caminhar ao longo da parede da cúpula. Em nenhum lugar
via-se uma entrada. Por que lhe recusavam a entrada, depois de terem apresentado a
cúpula tão facilmente? Era preciso, antes de mais nada, serem cumpridas determinadas
condições? Talvez um Rhodan saudável teria encontrado a solução para este enigma.
— Nós mandamos uma sonda voar em volta da estação — informou Atlan. — Em
nenhum lugar existe uma entrada.
— Dê-me a permissão para peneirar nela à força — pediu Dephin. — O estado de
saúde do Administrador-Geral é sério. Ele tem que suportar todo o peso da gravidade, e
vai morrer sufocado dentro de pouco tempo, se não receber ajuda.
Dephin sentiu que o arcônida hesitava. Cada ordem que fosse dada agora poderia
decidir por vida ou morte.
A garganta de Dephin fechou-se, seca. Ele gostaria de arrancar o capacete Sert da
cabeça, e mandar, através da eclusa, que o Paladino fosse até Rhodan. Mas isso era
insensato. Ele agora não devia deixar-se levar por suas emoções.
O Paladino entrementes regressara ao lugar, onde Perry Rhodan estava deitado no
chão.
Dephin sabia perfeitamente que não adiantaria nada se ele guiasse o robô por ali.
Ele teria que fazer alguma coisa. Talvez as armas de Dart Hulos fossem a última saída.
Quando Dephin ia dar uma ordem correspondente, a alguns metros de onde Rhodan
se encontrava deitado, abriu-se uma porta de aço, liberando a vista para dentro de uma
câmara de eclusa.
Dephin emitiu um grito estridente de triunfo e fez o Paladino ir até Rhodan.
Cautelosamente o terrano foi erguido.
Quando o Paladino estava de pé dentro da câmara da eclusa e a porta externa
deslizou, fechando-se, Dephin tinha certeza de que Perry Rhodan estava salvo.
10

A consciência começou a voltar lentamente, e com ela a sensação de um profundo


cansaço. Em algum lugar no cérebro de Rhodan bateu um sino de aviso, fazendo com que
ele esquecesse a sua exaustão de um só golpe.
A pressão, aquela pressão terrível, que quase o matara, tinha cedido, e reinava uma
gravidade normal. Parecia-lhe que o seu corpo se dilatava, como se os seus pulmões
enchessem finalmente seu tórax, depois de terem praticamente parado as suas funções.
O primeiro pensamento de Rhodan foi: Eu não estou mais usando o meu traje de
combate!
Ele ergueu a cabeça e olhou para baixo, para o seu próprio corpo.
Ele vestia apenas o simples macacão da Frota Solar. Estava deitado no chão de um
recinto gigantesco, que, com exceção de uma Pirâmide, estava totalmente vazio. Era a
mesma pirâmide, como Perry Rhodan a conhecia de Old Man.
Perto dela estava parado o Paladino.
“Devo estar dentro da estação lemurense em Satyat”, pensou Rhodan, aliviado.
“Portanto nós ainda a alcançamos, apesar de tudo.”
— Fico satisfeito em ver que o senhor está novamente consciente, sir — veio a voz
de Dephin.
Rhodan olhou em torno.
— A estação lemurense?
— Sim, sir — disse Dephin. — No interior desta cúpula reina a mesma gravidade
que na Terra. Por isso eu o libertei do seu traje.
Quando Rhodan quis se levantar, sentiu que estava sem forças. Dephin ajudou-o a
pôr-se de pé.
— Já aconteceu alguma coisa, desde que estamos na cúpula? — perguntou Rhodan.
Dephin negou e fez o Paladino apontar para a Pirâmide.
Rhodan imaginou que precisaria de algum tempo para vencer a sua fraqueza. Ele
não conseguia evitar ficar tonto, enquanto caminhava na direção da Pirâmide. Mais uma
vez Paladino lhe deu apoio.
Dephin informou, o que entrementes acontecera.
— A tripulação da Crest V está informada sobre onde nós nos encontramos agora
— disse ele, finalizando. — Eu acho que agora podemos pousar uma nave auxiliar em
Satyat, sem corrermos riscos.
Rhodan anuiu. Ele estava de pé diante da Pirâmide. Ele imaginou que aparelhos de
medição invisíveis estavam ocupados em examiná-lo detidamente.
Alguns minutos mais tarde, ouviu-se a voz de um robô, e Perry Rhodan foi
convidado a cantar a canção, com cuja ajuda ele já pudera se identificar a bordo de Old
Man.
Rhodan repuxou a cara.
— Realmente não nos poupam de nada — disse ele ao siganês no interior do
Paladino.
Dephin riu, divertido.
— Nós não vamos ficar escutando, sir — prometeu ele.
Rhodan fez um gesto depreciativo.
— Pelo que conheço de vocês, vão até registrar isso em fita, para numa
oportunidade adequada, fazer-me ouvir minha própria voz — disse ele.
— Sir! — disse Dephin, indignado. — Como é que o senhor pode suspeitar isso de
nós?
Rhodan não deu atenção às afirmações do siganês e começou a cantar, com voz
insegura, I'm forever blowing bubbles. Rhodan interrompeu-se, porque a Pirâmide já
começara a se abrir. O que teriam pensado as legendárias Clark Sisters, se pudessem ter
vivenciado como a sua versão de uma canção popular era cantada pelo Administrador-
Geral do Império Solar, a mais de 50.000 de anos-luz de distância da Terra, com voz de
taquara rachada?
Rhodan olhava firmemente para a Pirâmide.
— Eu estou espantado que o automático realmente reconheceu a canção —
confessou ele para Dephin.
— Nós tapamos nossos ouvidos, sir — declarou Dephin. — Por esta razão não
podemos nos permitir um julgamento.
Rhodan ficou olhando enquanto um braço-robô estendeu-se de dentro da Pirâmide
aberta. Na sua garra uma fita gravada foi estendida para Rhodan.
Rhodan colocou a sua mão por baixo da garra. A fita gravada caiu em sua mão. Ele
a colocou no bolso e deu um passo atrás, esperando. A cerimônia pareceu-lhe, medida
por tudo que estava em jogo, excepcionalmente curta.
Novamente soou a voz do robô, que já lhe pedira para cantar a canção.
— Nós temos certeza de que Perry Rhodan está de pé no interior desta estação —
disse a voz. — Por esta razão, a partir de agora, uma grande astronave pode pousar em
Satyat, sem que aconteça alguma coisa. Todas as notícias restantes estão gravadas na fita.
O braço-robô recuou, e a Pirâmide fechou-se.
— Isso, aparentemente, foi tudo — disse Harl Dephin, objetivo.
— Onde está o meu traje de combate? — perguntou Perry Rhodan.
— Na câmara da eclusa — disse Dephin.
— Não me resta outra escolha, a não ser vesti-lo mais uma vez — disse Rhodan. —
Entretanto vou esperar até que a minha mochila de reposição seja trazida para dentro da
cúpula.
— Quer que eu informe ao Lorde-almirante Atlan? — quis saber Dephin.
— Sim — disse Rhodan. — Diga-lhe para pousar uma corveta e que tragam muito
sal com eles.
Dephin sorriu.
— Eu quase tinha esquecido os urths.
— Espero que nada tenha acontecido com Riyollon — disse Perry Rhodan. —
Entrementes ele provavelmente já deve ter chegado à estação, se não tiver voltado, por
medo.
***
Satisfeito e saciado, Riyollon ficou olhando como a montanha de sal lentamente
crescia. Três robôs estavam ocupados, sem interrupção, em carregar o sal para fora da
corveta. Riyollon fora trazido para bordo da corveta e depois voado para a região do seu
povo.
Loynssnar e Pseidlor estavam parados, um de cada lado do syoplechenor.
— O construtor manteve a sua palavra — disse Pseidlor, satisfeito. — Nunca antes
nós tivemos tanto staym.
Riyollon não respondeu, pois viu o construtor vir na sua direção. Um sentimento de
amizade inundou-o. Ele vivera aventuras inesquecíveis com o estranho. Triste era apenas
que Jynx e Broynlaar tivessem encontrado a morte.
Rhodan ficou parado diante dos urths.
— Mais sal, no momento, não podemos dispensar — disse ele. — Logo, entretanto,
que se apresentar uma oportunidade, virá uma nave de carga do meu povo, pousando em
Satyat, trazendo mais sal do que vocês jamais viram em suas vidas.
Pseidlor e Loynssnar acharam que estava abaixo de sua dignidade demonstrarem a
sua alegria por esta promessa. O temperamental Riyollon entretanto emitiu um som
entusiasmado.
— Eu agora preciso me despedir — disse Rhodan. — Nós ainda precisamos visitar
muitos planetas.
Riyollon arrastou-se até Rhodan.
— Eu posso acompanhá-los? — perguntou ele, seguindo uma repentina decisão
tomada.
Rhodan sacudiu a cabeça.
— Você teria que viver constantemente numa cabine de alta pressão — disse ele. —
Uma vida tão solitária não é o ideal para um jovem urth. Se você ficar com o seu povo,
será mais feliz.
O construtor fez-lhes um sinal, e depois encaminhou-se para o seu trenó celeste.
Pseidlor olhou de esguelha, com um olho só, para a montanha de sal, enquanto com
o outro observava o estranho que se afastava.
— Não fique triste, Riyollon — disse ele. — O abismo entre nós e o estranho é
grande demais.
Riyollon não respondeu. Ele ainda ficou parado no mesmo lugar, quando os robôs
apareceram pela última vez, e depois desapareceram definitivamente dentro da corveta. O
chão tremeu, quando a pequena astronave decolou.
Os urths não se deixaram incomodar por isso, durante a distribuição dos sacos de
sal.
Um jovem urth arrastou-se pela frente de Riyollon, na direção do depósito de sal.
— Syoplechenor! — gritou ele para Riyollon. — Você não quer a sua parte?
— Mais tarde — disse Riyollon, perdido nos seus pensamentos.
Ele viu como a nave esférica subiu para os céus, para desaparecer poucos instantes
mais tarde.

***
**
*
Perry Rhodan, que, como único terrano, tinha
permissão para pôr os pés no planeta proibido, teve que
passar por um verdadeiro inferno, para alcançar a
estação dos legendários construtores.
As informações que o Administrador-Geral
recebeu ali apontam para o próximo destino que a Crest
V deverá procurar.
Este novo destino é o Planeta dos Monstros!
E este é o título do próximo número da série Perry
Rhodan.

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