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MECÂNICA DE VOO ESPACIAL - DEM 1119

Aulas 1 e 2

Prof. André Luís da Silva

1 Introdução
Tópicos da aula:

• Apresentação geral do curso;

• Energia cinética e energia potencial, princípio da conservação da energia;

• Quantidade de movimento angular;

• Sistema com atração gravitacional mútua: Problema de N corpos.

Referência da aula [1]: TEWARI, A. Atmospheric and Space Flight Dynamics: Modelling

and simulation with MATLAB and Simulink. Boston: Birkhauser, 2007. Seção 4.4.

2 Apresentação Geral do Curso


O curso, como seu nome diz, trata da mecânica de voo espacial. Este assunto será tratado,

majoritariamente, segundo dois temas:

• Voo orbital;

• Voo de transferência.

O voo orbital pode ser caracterizado, genericamente, como o movimento sob a ação da força

gravitacional, com efeitos atmosféricos nulos ou desprezíveis. Já o voo de transferência ocorre

na atmosfera planetária, tendo por objetivo inserir algum veículo em voo orbital.

Para se tratar o voo de transferência, é desejável conhecer o voo orbital, visto que o primeiro

deve gerar, ao seu nal, as condições que garantam o segundo. Por tal razão, o curso pelo

assunto de voo orbital.

O voo orbital será dividido em duas partes: 1 e 2. A parte 1 trata de assuntos mais

básicos, tais como: enunciado do problema gravitacional de N corpos, a solução do problema

de 2 dois corpos e suas trajetórias, elementos orbitais e determinação de órbita. A parte

2 desenvolve assuntos mais aplicados e adiciona perturbações, abordando temas tais como:

aceleração perturbativa, problema de 3 corpos restrito e manobras orbitais.

O estudo do voo de transferência será dividido em 3 partes:

1
• Revisão de motor foguete e aplicações da equação de foguete;

• Modelagem de mecânica de voo de foguete;

• Simulação, voo de sondagem e voo de inserção orbital.

O assunto de motor foguete é estudado detalhadamente no curso de propulsão aeroespacial,

por tal razão, não serão tratados detalhes construtivos de foguetes. Ao invés disso, serão

lembrados os tipos básicos de foguete, com o intuito de avaliar as características que impactam

na mecânica de voo. A equação de foguete de Tsiolkovsky será desenvolvida, sendo esta uma

solução bastante aproximada, mas muito útil para estudos analíticos e projeto conceitual. As

aplicações desta equação envolverão a análise e o projeto conceitual de foguete de múltiplos

estágios, para atender o objetivo de maximização de carga útil ou de impulso de velocidade.

A modelagem da mecânica de voo de foguete envolve diversos aspectos: escolha de referenci-

ais, leis de Newton, representação da atmosfera, campo gravitacional, aerodinâmica, estruturas

e propulsão. Os referenciais de Terra esférica e girante serão apresentados, a segunda lei de

Newton será desenvolvida para corpos de massa variável e aplicada a tais referenciais, modelos

de atmosfera padrão e de campo gravitacional padrão serão apresentados. Ao nal, um modelo

de veículo lançador de múltiplos estágios especíco será desenvolvido, levantando suas caracte-

rísticas aerodinâmicas, propulsivas e estruturais a partir de dados de foguetes semelhantes.

Os modelos serão implementados em software para a produção de simulações numéricas.

As missões simuladas envolverão voo de sondagem e voo de inserção orbital. Para torná-los

possíveis, condições iniciais e de contorno devem ser estabelecidas adequadamente. Por isso,

serão apresentados algoritmos para encontrar as condições iniciais e de contorno adequadas a

cada tipo de voo pretendido, principalmente o caso de voo de inserção orbital.

A guiagem do voo de sondagem ou de inserção orbital será simplicada, onde desprezar-se-á

a presença de vento e somente a mecânica de translação será adotada, assumindo-se que uma

malha interna de controle de atitude encontra-se operacional.

A forma mais lógica de dividir o curso é tratando-se, primeiro, de mecânica orbital e, após

encerrar esse assunto, desenvolver o tema de voo de transferência. No entanto, por motivos

práticos, primeiro será abordada a parte 1 da mecânica orbital, vindo na sequência o voo de

transferência e, após seu término, retornando o voo orbital, com a parte 2.

O motivo para esta organização é um trabalho de projeto conceitual, modelagem e simulação

de voo de transferência que será apresentado aos alunos. Para que estes tenham mais tempo

de realizar o trabalho, a prática mostra que o melhor é adiantar esse conteúdo.

Esta mudança de ordem no conteúdo não afeta o entendimento, visto que o conteúdo de

voo de transferência não depende da parte 2 de mecânica orbital.

3 Introdução ao Conteúdo de Mecânica Orbital


O principal conteúdo da primeira parte da mecânica orbital é o problema de 2 corpos e sua

solução. No entanto, para melhor entender o problema de 2 corpos e a importância da sua

2
solução analítica, primeiramente, é apresentado o problema de N corpos geral e as integrais do

movimento.

Tais integrais do movimento envolvem propriedades de conservação, a saber: quantidade de

movimento linear e angular e energia.

Neste sentido, a seguir, primeiro é feita uma revisão acerca de energia e quantidade de

movimento. Na sequência, o problema de N corpos é apresentado e as integrais do movimento

desenvolvidas.

3.1 Energia e Quantidade de Movimento Angular

De acordo com a primeira lei de Newton: quando uma partícula encontra-se sobre a ação de força

externa resultante nula, a sua quantidade de movimento linear é conservada, permanecendo em

movimento retilíneo uniforme em um referencial inercial. O mesmo ocorre para o centro de

massa de um corpo rígido ou sistema de partículas.

Mas, mesmo quando a soma das forças externas é não nula, outros parâmetros do movimento

podem ser conservados. Isso é o que ocorre, por exemplo, com a energia total ou quantidade

de movimento angular em alguns problemas de atração gravitacional.

Para discutir a conservação da energia, relembre a denição de trabalho realizado por uma

força entre dois pontos:

Z R2
W12 = f · dR (1)
R1

Onde W12 é o trabalho entre dois pontos segundo um certo caminho, f é a força que executa

esse trabalho, que pode variar ao longo do deslocamento, dR é um deslocamento innitesimal

ao longo do caminho escolhido, o ponto signica o produto escalar. R1 e R2 são as posições

inicial e nal do caminho.

A integral na equação 1 é do tipo integral de caminho (ou de linha), a qual depende do

trajeto escolhido entre os pontos R1 e R2 . No entanto, sob a ação de forças de características

especiais, essa integral se torna independente do caminho, com o trabalho sendo uma função

somente dos pontos inicial e nal. Quando isso ocorre, a integral sobre um caminho fechado é

zero, para qualquer curva fechada:

I
f · dR = 0 (2)

As forças que obedecem a equação 2 são denidas como forças conservativas. Estas forças

compõem campos vetoriais conservativos, os quais são gerados pelo gradiente de uma função

escalar, chamada de função potencial:

∂Φ
f = ∇Φ = (3)
∂R

O campo gravitacional é um tipo de campo conservativo. Para este caso, é mais

3
comum expressar a força por unidade de massa g, ao invés da força em si, como o gradiente da

função potencial gravitacional:

∂Φ
g = ∇Φ = (4)
∂R

Sendo a força gravitacional f sobre uma massa m dada por:

f = mg = m∇Φ (5)

1
Do princípio do trabalho-energia, o trabalho total sobre uma partícula entre dois pontos é

igual à variação da energia cinética (medida em um referencial inercial):

1
W12 = m v22 − v12 = T2 − T1

(6)
2

onde Ti é a energia cinética da partícula no ponto i:

1
Ti = mvi2 (7)
2

Onde vi é o módulo do vetor velocidade da partícula. Como a equação 6 é proveniente da

segunda lei de Newton, esta velocidade deve ser medida em relação a um referencial inercial.

O princípio do trabalho-energia, equação 6, é válido para partículas, como enunciado, ou

para o centro de massa de sistemas de partículas ou corpos contínuos.

Para o caso de um sistema de partículas ou corpo extenso, a energia cinética do centro de

massa é denominada energia cinética de translação.

Em um campo conservativo, dado que o trabalho em um caminho fechado é nulo, da equa-

ção 6, a variação de energia cinética nestes caminhos é nula. Ou seja, a energia cinética se

conserva em caminhos fechados sobre os quais agem somente forças conservativas. Embora essa

observação pareça interessante, uma regra de conservação mais geral pode ser enunciada para

caminhos que não sejam fechados.

Substituindo a força conservativa dada pela equação 5 na equação 1:

Z R2
∂Φ
W12 = m · dR = m (Φ2 − Φ1 ) (8)
R1 ∂R

Ou seja, em um campo conservativo, o trabalho entre os pontos 1 e 2 é a variação da

quantidade mΦi entre tais pontos. Esta quantidade é denida como o negativo da energia

potencial (Vi ) no ponto i:

−Vi = mΦi (9)

1 Entende-se por trabalho total aquele provocado pela força resultante.

4
Assim:

W12 = −(V2 − V1 ) (10)

Então, da equação 6, em um campo conservativo, existe a seguinte relação entre energia

potencial e energia cinética:

−(V2 − V1 ) = T2 − T1 (11)

Ou seja, em um campo conservativo, a variação da energia cinética entre dois pontos é igual

a menos a variação da energia potencial.

A equação 11 também pode ser escrita da seguinte forma:

T2 + V2 = T1 + V1 (12)

A equação 12 mostra que a soma das energias cinética e potencial, Ti + Vi , é conservada em

um campo conservativo, ou seja, permanece inalterada em quaisquer pontos de uma trajetória.

Ela recebe um nome especial: energia total ou energia mecânica:

E =T +V (13)

Então, em um campo conservativo, pode-se armar que a energia total é constante E =


constante. Como esta é uma quantidade escalar, por mais sosticada que seja a trajetória

tridimensional de uma partícula, caso ela esteja sujeita à ação de um campo conservativo, é

possível determinar um parâmetro escalar constante ao longo do seu movimento.

Como o campo gravitacional é conservativo, em problemas de mecânica orbital onde se

pode desprezar a ação de forças dissipativas, tais como arrasto atmosférico, é possível determinar

ao menos uma constante escalar do movimento: a energia total.

3.1.1 Energia Cinética e Energia Potencial de Sistema de Partículas

A energia cinética de um sistema com N partículas é a soma escalar de todas as energias

cinéticas individuais:

N
1X
T = mi vi2 (14)
2 i=1

Onde vi2 = vi · vi , sendo vi o vetor velocidade da i -ézima partícula com respeito a um

referencial inercial.

Se v0 é o vetor velocidade do centro de massa do sistema de partículas e ui é a velocidade


relativa da i -ézima partícula com respeito ao centro de massa, tem-se que: vi = v0 + ui . Assim,

5
a energia cinética do sistema pode ser escrita como:

N
1X
T = mi (v0 + ui ) · (v0 + ui )
2 i=1
N N N
1X 1X X
= mi v02 + mi u2i + mi v0 · ui
2 i=1 2 i=1 i=1
N N N
1 X 1X d X
= v02 mi + mi u2i + v0 · mi ri (15)
2 i=1 2 i=1 dt i=1

Onde ri é a posição relativa da i -ézima partícula com respeito ao centro de massa.

No terceiro termo do lado direito da equação 15, o somatório é a denição de centro de


PN PN
massa, ou seja i=1 mi ri = M r0 , onde m= i=1 é a massa total e r0 é a posição do centro

de massa. Mas, é preciso lembrar que as posições ri foram denidas com respeito ao centro de

massa. Assim, r0 é a posição do centro de massa com respeito a ele próprio, o que é zero. Logo,

o terceiro termo no lado direito da equação 15 é identicamente nulo.

Assim, a energia cinética do sistema de partículas é dada pela soma da energia cinética do

centro de massa, mais a energia cinética das partículas em relação ao centro de massa:

N
1 1X
T = mv02 + mi u2i (16)
2 2 i=1

A critério de ilustração, se o corpo é rígido, não há movimento relativo entre as partículas,

somente rotação com respeito ao centro de massa, em tal caso, a energia cinética é a soma da

energia cinética do centro de massa com a energia cinética de rotação:

1 1
T = mv02 + ω · Iω (17)
2 2

onde I é a matriz de inércia com respeito ao centro de massa e ω é o vetor velocidade angular.

Já a energia potencial do sistema de partículas é denida como: a soma da energia potencial

associada às forças externas e aquela relativa às forças internas:

N N N
X 1X X
V = Vie + Vij (18)
i=1
2 i=1 j=1,j6=i

PN PN
Para abreviar a notação, a partir deste momento, a sintaxe j=1,j6=i será substituída por j6=i ,
devendo car o entendimento de que o somatório se estende para todos os valores j = 1, 2, . . . N ,
excluindo-se o elemento associado a i = j.
Na equação 18, Vie é a energia potencial associada às forças conservativas externas, enquanto
Vij é a energia potencial da força conservativa da partícula j sobre a partícula i.

Feitas essas denições, a energia total de um sistema de partículas é dada da mesma forma

que para uma única partícula: E =T +V.


O princípio da conservação da energia mecânica continua válido: se as forças que agem sobre

6
o sistema de partículas são conservativas, a energia total é constante.

3.1.2 Quantidade de Movimento Angular

Seja mv a quantidade de movimento linear de uma partícula (medida com respeito a um

referencial inercial). A quantidade de movimento angular é o momento da quantidade de

movimento linear com respeito a algum ponto o:

H = r × mv (19)

Onde r é o vetor posição da partícula com respeito ao ponto o, o qual não precisa ser

estacionário.

O momento M de uma força f é denido de forma análoga:

M=r×f (20)

A segunda lei de Newton para a rotação de uma partícula associa a derivada da quantidade

de movimento angular com o momento da força resultante f que age sobre a partícula:

d
M =r × f = r × mv
dt
d dr
M =m r × v − m × v (21)
dt dt

Se o ponto o é estacionário, a derivada dr/dt é a própria velocidade inercial v, então o

segundo termo da equação 21 torna-se nulo, resultando na relação entre momento e derivada

da quantidade de movimento angular:

dH
M= (22)
dt

A quantidade de movimento angular está associada com o movimento curvilíneo pelo se-

guinte fato: se o movimento é retilíneo, é possível escolher um ponto xo o tal que r seja

paralelo ao vetor velocidade v em qualquer instante de tempo. Então, a quantidade de movi-

mento angular será nula.

Em mecânica orbital, uma importante propriedade da quantidade de movimento angular é

bastante utilizada. Pela equação 22, quando o momento que age sobre uma partícula é nulo, a

derivada da quantidade de movimento angular é nula, ou seja, o vetor H é uma constante. Em

outras palavras:

Princípio da Conservação da Quantidade de Movimento Angular : quando o mo-

mento resultante sobre uma partícula é zero, a quantidade de movimento angular é conservada

(em um referencial inercial).

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4 Problema de N Corpos
A razão de apresentar a revisão acima é a sua aplicação no entendimento do sistema gravitaci-

onal de N corpos.

O problema da atração gravitacional mútua de um número N de corpos é um caso clássico

da Física, Matemática ou Astronomia, sendo investigado por importantes Físicos e Matemáticos

ao longo da História.

Este problema consiste em estudar o movimento de corpos sucientemente afastados, tais

que possam ser considerados partículas. Assume-se que a força gravitacional é a única forma

de interação entre os corpos e que o sistema é isolado, de modo que forças externas ao conjunto

de N corpos sejam insignicantes.

Esta formulação é muito importante para estudar sistemas planetários, tais como o sistema

Solar. Também se aplica ao movimento de satélites naturais ou articiais.

Apesar de árduos trabalhos realizados por importantes físicos e matemáticos, o problema de

N corpos não possui solução analítica. Mas, ele provê as bases para o desenvolvimento de casos

mais simples e muito úteis, tais como o problema de 2 corpos e o problema de 3 corpos restrito,

sendo que o primeiro possui solução analítica e o segundo apresenta soluções aproximadas.

As hipóteses detalhadas que caracterizam o problema de N corpos são:

• São assumidos N corpos com massas mi , i = 1, 2, . . . N ;

• Os corpos estão sucientemente afastados tal que podem ser considerados partículas de

massa pontual;

• Somente forças gravitacionais agem sobre o sistema de partículas;

• A força gravitacional externa é assumida nula, ou seja, somente as forças gravitacionais

mútuas têm relevância na dinâmica.

Denições:

• Posição da i-ézima partícula em um referencial inercial: ri ;

• Posição da partícula i com respeito à partícula j : rij = ri − rj ;

• Distância entre as partículas i e j : rij = krij k.

Pela lei da atração gravitacional, a força sobre a partícula i e exercida pela partícula j é:

Gmi mj
fij = 3
(rj − ri ) (23)
rij

A força gravitacional sobre a partícula i devido a ação de todas as partículas é:

N
X Gmi mj
fi = 3
(rj − ri ) (24)
j6=i
rij

8
Segunda lei de Newton aplicada à partícula i:

N
d2 ri X Gmi mj
mi 2 = 3
(rj − ri ) (25)
dt j6=i
rij

Conjunto de N equações diferenciais de 2a ordem, compondo o movimento de todos as

partículas do sistema, sendo cada equação de segunda ordem relativa a um vetor de três com-

ponentes:

N
d2 r1 X Gmj
= 3
(rj − r1 )
dt2 j=2
r1j
N
d2 r2 X Gmj
= 3
(rj − r2 )
dt2 j6=2
r2j

.
.
.

N −1
d2 rN X Gmj
= 3
(rj − rN ) (26)
dt2 j=1
rN j

O sistema de equações vetoriais compreende 3N equações diferenciais não lineares de se-

gunda ordem. Considerando a teoria de variáveis de estado, existem 6N equações diferenciais

de primeira ordem, ou 6N variáveis de estado, sendo 3N coordenadas de posição e 3N compo-

nentes de velocidade. Por exemplo, para N = 2, são 12 variáveis de estado.

4.1 Potencial Gravitacional e Conservação da Energia Mecânica

Como a força gravitacional é conservativa, de acordo com a equação 5, a força que age sobre a

i-ézima partícula pode ser escrita a partir de um potencial gravitacional Φi :

∂Φi
fi = mi (27)
∂ri

Sendo que Φi é o potencial gravitacional sobre a partícula i devido à ação das massas j =
1, 2, . . . N, j 6= i.
O potencial gravitacional individualizado devido a ação da massa mj sobre mi é dado por:

Gmj
Φij = (28)
rij

Pois:

∂Φij ∂ Gmj ∂ 1 ∂ 1 ∂rij 1 rij


= = Gmj = Gmj = −Gmj 2 (29)
∂ri ∂ri rij ∂ri rij ∂rij rij ∂ri rij rij

9
∂Φij 1
fij = mi = −Gmi mj 3 rij (30)
∂ri rij

Que é a mesma força da equação 23.

Da equação 9, a energia potencial da partícula i devido à atração gravitacional da partícula


j é:

Vij = −mi Φij (31)

A energia potencial gravitacional V do conjunto de N corpos é dada pela equação 18,

substituindo nela a energia potencial gravitacional da equação 31:

N N N N
1 XX 1 X X Gmj
V =− mi Φij = − (32)
2 i=1 j6=i 2 i=1 j6=i rij

A energia cinética da partícula de massa mi é dada por:

1
Ti = mi vi2 (33)
2

Onde:

dri
vi = kvi k = k k (34)
dt

A energia cinética do sistema de partículas, de acordo com a equação 14, é a soma das ener-

gias cinéticas das partículas individuais, com as velocidades medidas com respeito ao referencial

inercial:

N N
X X 1
T = Ti = mi vi2 (35)
i=1 i=1
2

A energia mecânica do sistema de N corpos é dada pela denição:

N N N
1X 1 X X Gmj
E =T +V = mi vi2 − (36)
2 i=1 2 i=1 j6=i rij

Como a força gravitacional é conservativa e a ação de outras forças no sistema é ignorada,

tem-se que a energia mecânica é conservada:

N N N
1X 1 X X Gmj
E= mi vi2 − = constante (37)
2 i=1 2 i=1 j6=i rij

A equação 37 fornece um importante vínculo ao problema de N corpos. Essa equação escalar

reduz a ordem do sistema de equações diferenciais da equação 26 em uma unidade. Assim, o

problema inicial de 6N incógnitas passa a possuir 6N − 1.

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Este tipo de propriedade é muito importante em problemas complexos como este, pois,

quando a ordem do sistema de equações diferenciais é reduzida, sua solução analítica pode se

tornar mais factível.

Na resolução de um sistema de equações diferenciais, o efeito de obter uma equação algébrica

tal como na equação 37 (um vínculo entre as variáveis de estado) é equivalente a resolver uma

integral de uma variável de estado. Por isso, sempre que uma propriedade como esta é obtida, a

grandeza que apresenta a natureza constante é chamada de integral do movimento. Portanto,

no problema de N corpos, a energia total E é uma integral do movimento.

4.2 Conservação da Quantidade de Movimento Angular

A quantidade de movimento angular da i-ézima partícula é:

Hi = ri × mi vi (38)

A quantidade de movimento angular do sistema de partículas é:

N
X N
X
H= Hi = mi ri × vi (39)
i=1 i=1

Como foi assumido que as forças externas que agem sobre o sistema são nulas, somente as

forças internas geram momento, mas, pela lei da ação e reação de Newton, estes cancelam-se

mutuamente. Então, no problema de N -corpos:

dH
=0 (40)
dt

O que signica que a quantidade de movimento angular do sistema é conservada:

H = constante (41)

Ou:

N
X
mi ri × vi = constante (42)
i=1

A equação 42 estabelece um sistema de 3 equações algébricas, que geram acoplamento entre

as posições e velocidades inerciais do sistema de N corpos.

O vínculo promovido pela relação de conservação da equação 42 dene uma outra integral
do movimento , que é a quantidade de movimento angular H do sistema.

Assim como no caso da conservação da energia mecânica, a conservação da quantidade de

movimento angular reduz a ordem do sistema de equações diferenciais. Mas, nesse caso, a

redução é de três unidades no grau do sistema de equações, o que equivale a integrar três

variáveis de estado.

11
Assim, juntando as integrais do movimento E e H, o sistema de equações diferenciais tem

ordem reduzida para 6N − 4.

4.3 Conservação da Quantidade de Movimento Linear do Centro de

Massa

A quantidade de movimento linear da i-ézima partícula é:

P i = m i vi (43)

A quantidade de movimento linear do sistema de partículas é:

N
X N
X
P= Pi = mi vi (44)
i=1 i=1

Como foi assumido que a força externa resultante sobre o sistema de partículas é nula, dado

que as forças internas se cancelam mutuamente, a taxa de variação da quantidade de movimento

linear é nula:

dP
=0 (45)
dt

ou seja, a quantidade de movimento linear do sistema é conservada.

A quantidade de movimento linear total pode ser escrita como a quantidade de movimento

linear do centro de massa:

P = mv0 (46)

PN
Onde m é a massa total do sistema (m = i=1 mi ) e v0 é a velocidade do centro de massa.

Assim, substituindo a quantidade de movimento linear da equação 46 na equação 45:

dmv0 dv0 dv0


=m =0 → =0 (47)
dt dt dt

Como o sistema é isolado, a massa total m é uma constante.

Da equação 47, tem-se que a velocidade v0 do centro de massa é uma constante:

v0 = constante (48)

Da denição de velocidade do centro de massa, tem-se a seguinte relação:

N
1 X
v0 = mi vi = constante (49)
m i=1

Então, a equação 49 estabelece outro vínculo entre as incógnitas do problema. Ela é uma

equação vetorial que gera um sistema de três equações algébricas, o qual reduz a ordem do

12
sistema de equações diferenciais em 3 unidades. Por tal razão, a velocidade do centro de massa

é outra integral do movimento .

Da denição de velocidade, pode-se obter outro resultado importante:

dr0
= v0 (50)
dt

Onde r0 é a posição do centro de massa no referencial inercial.

Integrando a equação 50 em relação ao tempo, obtém-se

r0 = c + v0 t (51)

Onde cé uma constante vetorial, a posição inicial do centro de massa no referencial inercial

em t = 0.
Pela equação 51, o centro de massa do sistema apresenta uma trajetória retilínea no referen-
2
cial inercial . Esta equação é outra relação algébrica que dene um vínculo entre as variáveis

de estado do problema de N -corpos. Uma forma de evidenciar isso é pela própria denição de

posição do centro de massa:

N
1 X
r0 = mi ri = c + v0 t (52)
m i=1

A constante c, a posição do centro de massa em t = 0, é outra integral do movimento .

Assim, a equação 52 também gera 3 equações algébricas que vinculam as variáveis de estado,

reduzindo em 3 unidades a ordem do sistema de equações diferenciais.

Algumas observações interessantes cabem às constantes c e v0 . Se a origem do referencial

inercial, em t = 0, for escolhida no centro de massa, então c = 0. Além disso, como não há

diferença entre o repouso absoluto e uma velocidade inercial constante, é totalmente lícito

fazer v0 = 0, ou seja, assumir que o centro de massa do sistema é o próprio referencial

inercial.

Veja então que, agregando as equações algébricas associadas às constantes v0 , c, H e E, o

sistema de equações diferencias passa a ser restringido por 10 equações algébricas, o que reduz

a ordem deste sistema para 6N − 10.


Se o problema for de 2 corpos: 6N −10 = 2, ou seja, ainda restam duas equações diferenciais

no sistema após a substituição dos vínculos algébricos. Na próxima aula, o problema de 2

corpos será tratado. Em tal ocasião, vericar-se-á que é possível obter mais 2 integrais do
movimento . Assim, o problema de 2 corpos possui solução analítica! No entanto, isso só é

válido para este caso, qualquer situação com 3 ou mais corpos não possui solução analítica, a

menos de casos muito especiais.

2 Notadamente, esta armação não é rigorosamente verdadeira. Por exemplo, o centro de massa do sistema
solar orbita em torno do centro de massa da galáxia. Mas, o movimento retilíneo uniforme do centro de massa
do sistema solar é uma aproximação que apresenta bons resultados, enquanto as hipóteses simplicadoras do
problema de N corpos forem satisfatórias.

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Referências
[1] A. TEWARI. Atmospheric and Space Flight Dynamics: Modelling and simulation with

MATLAB and Simulink. Birkhauser, Boston, 2007.

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