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Tópicos da Mecânica Newtoniana:

Trabalho e Energia Cinética; Energia Potencial;


Potencial Gravitacional
Hugo V. Capelato NAT

26 de agosto de 2021

1 Partículas x corpos = sistemas de muitas partículas


Neste texto falamos da mecânica de partículas. A mecânica trata dos movimentos e suas
causas. Qualquer corpo para o qual a descrição dos fenômenos de interesse (no caso, os
movimentos), permite ignorar suas dimensões assim como sua estrutura interna, pode ser
considerado uma partícula.
Desta forma, por exemplo, um átomo de Fe56 com seu cortejo de 27 elétrons, pode ser
considerado como uma partícula desde que os eventos dos quais participa não sejam abso-
lutamente influenciados nem por seu cortejo eletrônico, nem tampouco por seu núcleo. Da
mesma forma uma galáxia pode ser tratada como uma partícula, desde que os fenômenos que
se pretenda estudar não sejam influenciados pela sua estrutura interna.

2 Movimentos: a Lei da Inércia e o Conceito de Força;


Campo de Forças
O movimento de uma partícula no espaço é caracterizado unicamente pelo vetor de po-
sição ~rp (t), definido a partir de um ponto de referencia O (o referencial ) e pelo vetor de
velocidade, ~vp (t) = d~rp /dt. Com a adoção de um sistema de coordenadas (por exemplo,
coordenadas cartesianas (x, y, z)), associado ao referencial sendo utilizado, estes vetores po-
dem ser determinados pelas suas componentes (xp (t), yp (t), zp (t)) e (vxp (t), vy p (t), vz p (t)). A
Figura 2 adiante ilustra estes conceitos(1) .
A trajetória da partícula é a linha traçada pela sucessão de posições da partícula du-
rante o seu movimento. A velocidade ~vp (t) da partícula é a derivada temporal de ~rp (t),
~vp (t) = d~rp /dt. A velocidade, portanto, é um vetor sempre tangente à trajetória da partí-
cula.
1
No caso de um sistema de muitas partículas, um gás ou um corpo sólido, p. ex, o movimento pode ser
separadoPi) no movimento do Centro-de-Massa (CM), que se comporta como uma partícula única de massa
Mtot = mi , ii) no movimento das partículas individuais referenciadas ao CM.

1
Figura 1: Nestas figuras a trajetória da partícula (bolinha verde) é linha curva em preto O
vetor posição está em verde, e a velocidade da partícula, ~v (t), em vermelho.

Ambos, posição e velocidade, podem ou não variar com o tempo. Quando ambos não
variam com o tempo, dizemos que a partícula está repouso em relação ao referencial que
estamos utilizando (repouso também é movimento!). Quando apenas a velocidade não varia,
dizemos que o corpo está em movimento retilíneo uniforme, o qual, como diz o nome, é
sempre retilíneo (porque?).
A 1a. Lei de Newton é um enunciado da Lei de Inércia, discutida pela primeira vez por
Galileu. Ela diz o seguinte:
• "Se não houverem agentes externos o movimento de um corpo permanece o mesmo inde-
finidamente, ad eternum..."(portanto retilíneo, se sua velocidade não for nula)
Sem agentes externos o corpo permanece em movimento uniforme indefinidamente, ad
eternum....
Newton batizou estes agentes externos de forças: F~ . São elas as responsáveis pelas
mudanças no movimento. Mudanças no movimento de um corpo significam mudanças na
sua velocidade. Isto significa que a derivada temporal da velocidade - que era nula quando o
movimento era uniforme - agora passa a ser diferente de zero:
d~v (t)
ˆ ~a 6= 0
=
dt
~a é a aceleração. A aceleração ~a(t) da partícula, portanto, é a derivada temporal segunda
de ~r(t),
d2~r(t) d~v (t)
~a(t) =
ˆ 2

dt dt
.
A 2a Lei de Newton estabelece que a uma força F~ agindo sobre um corpo qualquer de
massa m, produz neste uma aceleração, de modo F~ = m~a ou, por outra,
2
d ~r
F~ = m 2
dt
2
.

• campo de forças: - O agente da mudança de movimento - a força - pode existir apenas


localmente, isto é, ali onde se encontra a partícula, naquele momento. Mas também
pode, digamos assim, pode "pré-existir"em toda uma região do espaço. Por exemplo,
nas proximidades de uma carga elétrica ou de uma imã, ou de uma massa qualquer, o
Sol p. exemplo. Nesta região do espaço existem forças "em potencial", isto é, forças que
só se realizam na presença de uma partícula material. A intensidade e direção destas
ˆ {x, y, z}, mas de
forças depende não só da posição em que a partícula se encontra, ~r =
suas propriedades intrínsecas, como sua massa, carga elétrica, sua velocidade (caso de
cargas elétricas viajando numa região onde existem campos magnéticos). Chamamos
estas forças em potencial de um campo de forças. Este conceito simples serve para
descrever situações como a das forças gravitacionais ou das forças eletromagnéticas,
forças que agem através de uma "ação a distância".

3 Quantidade de Movimento e o Conceito de Impulso da


Força
A formulação usual da 2a Lei dada acima, não corresponde àquela original de Newton. Ele
começou definindo o que chamou de quantidade de movimento(2) . Nas suas palavras: "A
quantidade de movimento é a medida do movimento, o qual se origina da velocidade e da
massa".
Desta forma,
∗ A quantidade de movimento p~ da partícula é o produto da massa pela velocidade da
partícula:
p~ =
ˆ m~v
.
A 2a Lei de Newton , conforme o enunciado de Newton, é
• "A variação da quantidade de movimento é proporcional à força sendo impressa, e tem a
direção da mesma":
d~p
= F~
dt
Quando a massa do corpo for constante, temos a formulação usual, F~ = m~a, discutida
anteriormente.
Podemos também escrever a 2a Lei numa forma integral :
Z t2
p~(t2 ) − p~(t1 ) = F~ (t)dt =
ˆ ~J
t1

2
Sinônimos: momento linear ou momento ou momentum, este último tomado, sem rodeios, do inglês.
Ambos descendem do Latim momentum, ’impulso’.

3
Figura 2: A integral de linha que define o trabalho de uma força ao longo do trajeto C
(adaptado de Nussenzveig, Curso de Física Básica, vol. 1 - E.Blucher editora, 4a edição)

Esta última quantidade, ~J, é o impulso produzido pela força F~ durante o intervalo de
tempo ∆t = t2 − t1 . Se a força for constante então ~J = F~ ∆t. Este conceito é muito utilizado
na análise de impactos e colisões. Lembrar que tanto p~ como ~J são quantidades vetoriais.

4 O Conceito de Trabalho da Força - Energia Cinética e


Energia Potencial
• O trabalho W1→2 feito pela força F~ ao mover uma partícula de massa m desde o ponto
P1 até o ponto P2 , é : Z
W1→2 = F~ · d~l (1)
S(P1 →P2 )

onde F~ · d~l é o produto escalar do vetor força, F~ , com o vetor d~l = deslocamento elementar
na direção do movimento(3) e S(P1 →P2 ) é a trajetória realizada entre os dois pontos.
Nesta expressão temos uma integral de linha, i.é uma integração entre os pontos P1 e
P2 que deve ser realizada seguindo o caminho S traçado pelo movimento da partícula (i. é,
seguindo a trajetória da partícula), veja Figura 4, adiante.

• A energia cinética K de uma partícula de massa m e velocidade ~v , é uma quantidade


ˆ 12 mv 2 , onde v 2 ≡ ~v · ~v .
escalar definida como K =

Assumindo que a massa da partícula é constante e lembrando que F~ = d~p/dt e d~l = ~v (t)dt,
O produto escalar ~a · ~b, entre os vetores ~a e ~b é um número real calculado como ab cos θ~a,~b , onde θ~a,~b é o
3

ângulo formado pelos vetores ~a e ~b.

4
temos a seguinte igualdade:

d(v 2 ) mv 2
Z Z Z Z
~ ~ d~p d~v m
F · dl = · ~v (t)dt = m · ~v (t)dt = dt =
dt dt 2 dt 2

Lembrando agora a expressão do trabalho realizado pela força F~ , conclue-se que:

mv22 mv12
∆W1→2 = − ≡ K2 − K1 (2)
2 2
Resumindo,

• o trabalho realizado pela força agindo sobre um corpo é igual à variação da energia cinética
deste corpo.

Este resultado é chamado Teorema da Energia Cinética.

4.1 Forças Conservativas e Energia Potencial


O Teorema da Energia Cinética, equação (2), diz que:
Z
W1→2;S = F~ · d~l = K2 − K1
S(P1 →P2 )

As forças que agem sobre uma partícula dependem da sua posição e velocidade e dependem
também do tempo, F~ = F~ (~r, ~v , t), (além, naturalmente, das qualidades próprias à partícula,
p. ex. sua massa, carga elétrica, etc.). De maneira geral a integral acima deve depender da
história de viagem entre P1 e P2 , isto é, da trajetória S seguida. Um caso típico são as forças
de atrito que, por definição, agem sempre no sentido contrário ao sentido do movimento.

O caso realmente interessante é quando as forças F~ (~r, ~v , t) são tais que não há dependência
da integral com o caminho , i.é, W1→2;S = W (P1 , P2 ), independente do caminho S utilizado,
sendo função unicamente da posição dos pontos inicial e final, P1 e P2 . Forças com esta
propriedade são chamadas Conservativas. Para estas forças é possível exprimir o trabalho
W1→2 como a variação de uma quantidade que depende apenas posição do ponto, isto é(4)

W1→2 ≡ W12 = −(V (P2 ) − V (P1 ) (3)


ou, de outra forma, se F~ é conservativa ⇒ F~ · d~l = −dV
A quantidade V tem dimensão de trabalho ([F ].[L]) e é chamada a Energia Potencial,
da partícula:

• A variação da energia potencial de uma partícula colocada num campo de forças con-
servativo, −∆V12 , é o trabalho realizado por estas forças quando a partícula se desloca
de uma posição (P1 ) para a posição (P2 ).
4
O sinal negativo da diferença é apenas uma convenção (mais adiante veremos a sua utilidade).

5
Notar que não é possível definir a energia potencial de maneira absoluta, num ponto
determinado sem fazer referencia a algum outro ponto. Ou seja, só é possível definir as
variações da energia potencial, ∆V . Portanto, sempre que falamos da energia potencial
de um corpo, devemos ter em mente a existência de algum outro ponto "de referencia"para
o qual anteriormente postulamos um valor arbitrário de VREF (e.g. VREF = 0).

• Condição NS para que um campo de forças seja Conservativo

Queremos saber em que condições a integral de linha da equação (1) independe da tra-
jetória adotada, já que esta é a condição para o campo de forças F~ (~r) seja conservativo.
A pergunta é:
Z Z ~r2
0
Quando e que : ~ ~
F · dl = F~ · d~l = −(V (~r2 ) − V (~r1 )) ?
SP1 →P2 ~
r1

onde ~r1 e ~r2 são os raios vetores localizando os pontos P1 e P2 , respectivamente.


Supondo que as igualdades acima sejam válidas, então, se ∆~l ≡ ~r2 − ~r1 ∼ δ~l → 0, isto
é, o deslocamento (δ~l) é infinitesimal e portanto:

F~ · δ~l = −δV ⇒ F~ = −gradV (~r) , portanto :

forças conservativas são produzidas pelo gradiente de uma função escalar.

Esta função escalar é a energia potencial V (~r) do campo de forças F~ (~r).

Uma outra maneira de verificar esta propriedade, é o fato que se força é conservativa,
o trabalho realizado ao longo de uma trajetória fechada , será sempre nulo(5) , qualquer que
seja a trajetória escolhida, isto é
I
F~ · d~l = 0 =⇒ (Teor. de Stokes) : rotF~ = 0 =⇒ F~ = −gradV

O Teorema de Stokes ilustrado:

5
Isto seria impossível de acontecer com forças dissipativas tipo atrito ou fricção...

6
4.2 A Função Potencial de um campo de forças conservativas
De maneira geral as forças exercidas entre partículas dependem, entre outras variáveis (das
quais a distância entre elas), de uma propriedade intrínseca às próprias partículas a qual
poderíamos chamar genéricamente de "carga". No caso da gravitação esta "carga"seria a
massa da partícula, m; na eletrostática seria a carga elétrica, q. Assim como podemos definir
~ como campos vetoriais tais que:
o campo de forças, gravitacional (~g ) ou elétrico (E)

F~grav ~
~ = Feletr
gravidade : ~g = ; eletricidade : E
m q
também definimos o potencial do campo de forças como uma função escalar dada pela razão
entre a energia potential do campo e a carga correspondente:

Wgrav (~r) Weletr (~r)


gravidade : Φgrav (~r) = ; eletricidade : Φeletr (~r) =
m q
Vemos então que:
~ = −gradΦeletr
~g = −gradΦg e E

5 O Teorema da Conservação da Energia Mecânica


Conforme o Teorema da Energia Cinética, equação (2), o trabalho pelas forças exercidas sobre
um corpo ou partícula, equivale à variação da sua energia cinética, K. Vimos acima que no
caso especial em que as forças são it conservativas, o trabalho realizado equivale, igualmente, à
variação de uma outra quantidade, a energia potencial, V , conforme a equação (3). Quando
combinamos estas duas equações vemos que:

W12 = K2 − K1 = −(V2 − V1 ) ∴ K2 + V2 = K1 + V1
A quantidade E = K + V é chamada a energia mecânica total do corpo ou partícula. Ela
só tem sentido quando é possível definir a energia potencial, o que, como vimos, só é possível
quando as forças agindo sobre o corpo são conservativas.
A igualdade acima implica que ela é necessariamente conservada.
Em outras palavras, quando uma partícula se encontra sob a ação de um campo de forças
conservativo, sua energia mecânica, é constante. Esta propriedade é chamada o Teorema
da Conservação da Energia Mecânica:
Quando as forças são conservativas, a energia mecânical da partícula, K + V , é conservada .

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