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Capı́tulo 1

Mecânica Newtoniana

1.1 As leis de Newton


O objetivo da mecânica é fornecer uma descrição consistente dos movimentos dos
corpos materiais. Para esse propósito são necessários alguns conceitos fundamentais,
como distância e tempo, além de um conjunto de leis que descrevem matematica-
mente os movimentos.
Em geral as leis devem ser baseadas em fatos experimentais. Um conjunto de
experimentos correlacionados dá origem a um ou mais postulados. A partir des-
ses postulados, várias previsões podem ser formuladas e investigadas experimental-
mente. Se todas as previsões forem confirmadas experimentalmente, os postulados
assumem o status de lei. Se alguma previsão discordar do experimento, a teoria
deve ser modificada.
Vamos iniciar este capı́tulo enunciando as leis fundamentais da mecânica: as
Leis de Newton do movimento. Em seguida discutiremos os seus significados
e obteremos implicações dessas leis em várias situações. Nos concentraremos no
movimento de uma única partı́cula (às vezes duas), deixando o estudo de sistemas
de partı́culas para o Capı́tulo 5.
As três Leis de Newton que descrevem os movimentos dos corpos materiais
podem ser enunciadas da seguinte forma:
Primeira Lei de Newton: um corpo permanece em repouso ou em movimento
retilı́neo uniforme a não ser que alguma força atue sobre ele.
Segunda Lei de Newton: um corpo sob a ação de uma força move-se de tal forma
que a taxa de variação no tempo do seu momento linear é igual à força.
Terceira Lei de Newton: as forças que dois corpos exercem, um sobre o outro,
são iguais em módulo e direção e possuem sentidos opostos.
Existem formas diferentes de interpretar o conjunto das três Leis de Newton.
Uma linha de raciocı́nio afirma que a Primeira e a Segunda Leis de Newton seriam
apenas definições de força, estando toda a fı́sica contida na Terceira Lei.
Com relação à primeira lei, o argumento é que ela não tem significado sem uma
definição prévia de força. Ela diz que se não houver força atuando sobre o corpo,
sua aceleração é nula. Mas como saber se há ou não força atuando sobre o corpo, se

1
o conceito de força não foi definido a priori? Portanto, a Primeira Lei sozinha nos
daria apenas uma noção qualitativa de força.
Com relação à Segunda Lei, se definirmos o momento linear como

p~ = m~v , (1.1)

ela pode ser escrita como


d~p d
F~ = = (m~v ) = m~a . (1.2)
dt dt
Seguindo com a primeira linha de raciocı́nio, essa equação só tem significado com-
pleto com a definição de massa. Mesmo aceitando que massa, assim como compri-
mento e tempo, é um conceito primitivo (que entendemos intuitivamente), a Segunda
Lei de Newton só poderia ser vista como uma definição operacional de força. As-
sim, somente a Terceira Lei de Newton seria de fato uma lei, que pode ser testada
experimentalmente.
Outro ponto de vista considera que as três Leis de Newton são realmente leis, no
sentido em que seus enunciados implicam em fenômenos fı́sicos que podem e devem
ser questionados experimentalmente. Esse ponto de vista está bem fundamentado
no Capı́tulo 4 do livro Fı́sica Básica: Mecânica, do Moysés Nussenzveig.
Com relação à Primeira Lei, o argumento é que a existência de uma força atuando
sobre o corpo pressupõe a existência de um agente externo que, em princı́pio, poderia
ser identificado. A ausência desse agente indica que nenhuma força atua sobre o
corpo. Daı́ pode-se verificar se, nestas condições, o corpo permanece em seu estado
de repouso ou movimento retilı́neo uniforme. A experiência diz que sim, de forma
que a Primeira Lei de Newton é confirmada experimentalmente.
Considere agora a experiência mostrada na Figura 1.1. Um bloco apoiado sobre
uma superfı́cie horizontal lisa é puxado por meio de uma mola que exerce uma força
sobre ele. O bloco sofre uma aceleração que vamos chamar de a1 . Em seguida
repetimos a experiência com um bloco diferente, mas aplicando a mesma força (a
mesma distensão na mola). Vamos chamar a aceleração do segundo bloco de a2 . De
acordo com o enunciado da Segunda Lei de Newton, podemos definir a razão entre
as massas como sendo o inverso da razão entre as acelerações: tomando o módulo
de
F~ = m1 a~1 = m2 a~2 , (1.3)
podemos escrever
m2 a1
= . (1.4)
m1 a2
Atribuindo um valor a m1 (por exemplo m1 = 1 kg), podemos determinar a massa
m2 . Tendo as massas, podemos determinar a força.
Até aqui, a Segunda Lei de Newton ainda seria nada mais que uma definição
de massa e de força. Mas, e se repetı́ssemos a experiência aplicando uma força
diferente? A razão m2 /m1 obtida seria a mesma? Em outras palavras, a constante
de proporcionalidade entre força e aceleração (a massa) continua sendo a mesma
para cada bloco? Se não for assim, a definição de massa, dada pela Eq. (1.4) acima
não faz sentido. Mas a experiência diz que a resposta é sim: a razão m2 /m1 é
independente da força aplicada. Portanto, a relação F~ = m~a é confirmada pela

2
Figura 1.1: Bloco apoiado sobre uma superfı́cie horizontal lisa puxado por meio de
uma mola.

experiência e a Segunda Lei de Newton, assim como a Primeira, é de fato uma lei e
não uma mera definição.
Com relação à Terceira Lei de Newton, um aspecto importante é que ela não é
uma lei de natureza geral. Ela é válida sempre que a força não depender das velo-
cidades das partı́culas, como no caso das forças gravitacional e eletrostática. Essas
forças atuam ao longo da linha que une os corpos (por enquanto supostos pontuais)
e por isso são chamadas forças centrais. Na verdade, as forças gravitacionais entre
corpos em movimento também dependem das velocidades dos corpos, mas em geral
essa dependência é muito pequena e difı́cil de ser detectada, mesmo para grandes
velocidades.
As forças elásticas entre objetos, como a força que uma mola exerce sobre um
bloco, são manifestações macroscópicas da força eletrostática (são as forças ele-
trostáticas entre os átomos da mola que dão origem à força elástica). Por conse-
guinte, essas forças também obedecem à Terceira Lei de Newton
Um caso em que a Terceira Lei de Newton não vale é o das forças magnéticas entre
cargas elétricas em movimento. A força magnética F~12 exercida sobre uma carga q1 ,
com velocidade ~v1 e situada na posição ~r1 , por uma carga q2 , com velocidade ~v2 e
situada na posição ~r2 , é dada por
µ0 q1 q2
F~12 = 3
~v1 × (~v2 × ~r12 ) , (1.5)
4π r12
onde
~r12 = ~r1 − ~r2 . (1.6)
Invertendo os papéis de q1 e q2 , obtemos
µ0 q1 q2
F~21 = 3
~v2 × (~v1 × ~r21 ) . (1.7)
4π r12

Para a configuração de cargas (supostas positivas) indicada na Figura 1.2, F~12 é


uma força apontando para cima (verifique) enquanto que F~21 é nula (note que ~v1 ×
~r12 = 0). Portanto, a Terceira Lei de Newton não é válida neste caso. É interessante
mencionar que forças magnéticas entre correntes estacionárias (por exemplo em fios
condutores) obedecem a Terceira Lei de Newton.
A Terceira Lei de Newton pode ser enunciada de uma forma diferente que contém
uma definição operacional de massa.
Terceira Lei de Newton: se dois corpos que exercem força um sobre o outro
constituem um sistema isolado, então as acelerações desses corpos estão sempre em

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Figura 1.2: Força magnética entre duas cargas pontuais em movimento.

sentidos opostos, e a razão entre os módulos das acelerações é igual ao inverso da


razão entre as massas.
Para entender o significado dessa afirmação, considere o sistema isolado formado
pelos dois corpos da Figura 1.3. A Terceira Lei de Newton afirma que
F~12 = −F~21 . (1.8)
Da Segunda Lei de Newton, temos
d~p1 d~p2
=− . (1.9)
dt dt
Supondo a massa constante,
d~v1 d~v2
m1 = −m2 , (1.10)
dt dt
ou
m1~a1 = −m2~a2 . (1.11)
Tomando essa equação em módulo, obtemos
m2 a1
= . (1.12)
m1 a2

Figura 1.3: Duas partı́culas que exercem forças uma sobre a outra.
Outra interpretação da Terceira Lei de Newton é baseada no conceito de mo-
mento linear. No sistema de duas partı́culas da Figura 1.3, a Eq. (1.9) pode ser
reescrita como
d
(~p1 + p~2 ) = 0 , (1.13)
dt
ou
p~1 + p~2 = cte . (1.14)
Portanto, o momento linear de um sistema isolado constituı́do de duas partı́culas
é conservado. No Capı́tulo 5 mostraremos que essa afirmação é válida para um
sistema isolado com qualquer número de partı́culas.

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1.2 Massa inercial e massa gravitacional
Uma das formas mais comuns de se medir a massa de um corpo é pesando-o. O
método baseia-se na suposição de que a Terra exerce sobre ele uma força, chamada
peso, que é proporcional a sua massa, ou seja,
~ = m~g .
W (1.15)

O vetor ~g vem da Lei da Gravitação Universal (Capı́tulo 3), mas o que importa aqui é
que ele é o mesmo para todos os corpos colocados no mesmo lugar nas proximidades
da superfı́cie da Terra.
A validade desse método depende, contudo, do fato da massa que aparece na Eq.
(1.15) ser a mesma massa que aparece na Segunda Lei de Newton. Isso, evidente-
mente, não é óbvio: é um fato que deve ser comprovado experimentalmente.
Na verdade, existem dois conceitos diferentes de massa e é a experiência que deve
dizer se são ou não equivalentes. Massa inercial é aquela que determina a ace-
leração de um corpo quando sujeito à ação de uma força: a que aparece na Segunda
Lei de Newton. Massa gravitacional é aquela que determina a força gravitacional
entre um corpo e outro corpo vizinho: a que aparece na Lei da Gravitação Universal,
e consequentemente, na Eq. (1.15).
Muitas experiências foram realizadas com o objetivo de verificar a equivalência
entre massa inercial e massa gravitacional. A mais conhecida é a experiência (que
pode não ter ocorrido) onde Galileu teria deixado cair objetos diferentes da Torre de
Pisa, mostrando que chegavam juntos ao solo. Para entender melhor o significado
dessa experiência, considere dois corpos diferentes abandonados da mesma altura,
no mesmo instante. Para o corpo 1, a aceleração seria dada por
W1 mg1 g
a1 = = (1.16)
mi1 mi1
onde os ı́ndices g e i se referem às massas gravitacional e inercial, respectivamente.
Para o corpo 2,
W2 mg2 g
a2 = = (1.17)
mi2 mi2
Galileu teria chegado à conclusão que os corpos chegam juntos ao solo (o que ocorre
se a resistência do ar for desprezı́vel), de forma que a1 = a2 , e portanto
mg1 mg2
= (1.18)
mi1 mi2
Então as massas inercial e gravitacional são proporcionais, e sem perda de genera-
lidade, podemos dizer que são iguais.
Experiências mais sofisticadas (com precisão de até uma parte em 1012 ) têm
ratificado a conclusão que massa inercial é igual a massa gravitacional. A suposição
da equivalência exata desses dois conceitos é de fundamental importância na Teoria
Geral da Relatividade e conhecida como Princı́pio da Equivalência.

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1.3 Referenciais
As Leis de Newton não são válidas em todos os referenciais. Os referenciais em
relação aos quais elas são válidas são chamados referenciais inerciais.
Suponha que a posição de uma partı́cula em relação a um referencial inercial S
seja dada por ~r. Como a Segunda Lei de Newton é válida nesse referencial, então
2
d ~r
F~ = m 2 = m~a (1.19)
dt
Se um segundo referencial S 0 se move em relação ao primeiro com velocidade ~v ,
então a posição da partı́cula nesse referencial é dada por

r~0 = ~r − ~v t (1.20)

Se ~v for constante, a aceleração no referencial S 0 é

~0
d2 r~0 d2~r
a = 2 = 2 = ~a , (1.21)
dt dt
de forma que
d2 r~0
F~ = m 2 = ma~0 . (1.22)
dt
Portanto, a Segunda Lei de Newton também é válida em relação ao referencial
S 0 . Esse resultado permite-nos afirmar que todos os referenciais que se movem
em relação a um referencial inercial com vetor velocidade constante também são
referenciais inerciais.
As estrelas estão tão distantes da Terra que não podemos perceber mudanças nas
suas posições, mesmo em intervalos de tempo muito grandes (anos ou até séculos).
É muito comum encontrarmos na literatura o termo estrelas fixas para se referir
a todas as estrelas, com exceção do Sol. O termo foi introduzido na antiguidade
para distinguir as estrelas dos planetas, que eram chamados estrelas errantes. As
estrelas (fixas) definem referenciais inerciais convenientes em muitas situações de
interesse, e todos os referenciais que se movem com velocidade constante em relação
a elas também são referenciais inerciais. Acredita-se que as leis da mecânica são
as mesmas para todos os referenciais inerciais, ou seja, que não há um referencial
absoluto na natureza. A inexistência de um referencial inercial absoluto é chamada
de Invariância Galileana ou Princı́pio da Relatividade Newtoniana.
A seguir ilustraremos uma situação onde as Leis de Newton não são válidas. Uma
bola de massa m está pendurada no teto de um ônibus que se movimenta para a
direita com aceleração ~a, como indicado na Figura 1.4. Um observador no ponto de
ônibus (referencial inercial P ) observa o movimento da bola. Ele não vê movimento
na vertical, fato que explica argumentando que a componente vertical da tensão no
fio compensa o peso da bola. Ele vê a bola acelerada na horizontal e diz que essa
aceleração é causada pela componente horizontal da tensão, o que está de acordo
com a Segunda Lei de Newton. Ao contrário, para um observador O situado no
interior do ônibus, parece haver uma contradição. Ele também entende que há uma
componente da tensão atuando na horizontal, mas não vê a bola acelerada. Para ele,
a bola está em repouso. Então ele conclui que a Segunda Lei de Newton não está

6
Figura 1.4: Movimento de uma bola visto de dois referenciais diferentes.

sendo obedecida. As Leis de Newton não são válidas no referencial O porque ele é
um referencial acelerado, e elas só são válidas em referenciais inerciais. A descrição
do movimento visto de referenciais não inerciais é um pouco mais complicada e será
apresentada no Capı́tulo 6.

1.4 Equação de movimento para uma partı́cula


Na mecânica clássica, o movimento de uma partı́cula é descrito pela Segunda Lei de
Newton
d2~r
F~ = m 2 . (1.23)
dt
Se a força F~ for conhecida, essa equação diferencial pode, em princı́pio, ser resol-
vida para se obter ~r como função do tempo. Como ela é uma equação diferencial
de segunda ordem envolvendo o vetor ~r, a sua solução possui seis constantes de
integração que podem ser determinadas especificando-se, por exemplo, os valores de
~r e ~v no instante inicial.
Em princı́pio, a força pode depender de ~r, ~v e t: F (~r, ~v , t). Entretanto, nos pro-
blemas que trataremos neste curso, F~ será função somente de uma dessas variáveis:
F (~r), F (~v ) ou F (t). No restante desta seção vamos resolver a equação (1.23) para
uma série de situações fı́sicas.

Lançamento de um projétil: desconsiderando a resistência do


ar
A Figura 1.5 mostra um projétil atirado com uma velocidade inicial de módulo v0 em
uma direção que forma um ângulo θ com a horizontal. Nosso propósito é integrar a
Eq. (1.23) para calcular a velocidade e a posição do projétil como funções do tempo.
Numa primeira aproximação, vamos desprezar a resistência do ar.
Como a única força que atua sobre o projétil é o seu peso, W ~ = m~g , a equação
de movimento é dada por

d2~r d~v
m = m~g ou m = m~g . (1.24)
dt2 dt

7
Figura 1.5: Lançamento de um projétil.

Essa equação vetorial corresponde a duas equações escalares nas direções x e y.


Como a força peso só tem componente na vertical, apontando para baixo, podemos
escrever:
dvx dvy
=0 e = −g . (1.25)
dt dt
Integrando as equações acima em relação ao tempo, obtemos
vx = C1 e vy = −gt + C2 . (1.26)
Neste ponto, devemos entrar com as condições iniciais para a velocidade. Como
as componentes da velocidade em t = 0 são vx = v0 cosθ e vy = v0 senθ, então
C1 = v0 cosθ e C2 = v0 senθ, de forma que as componentes da velocidade são:
vx = v0 cosθ e vy = v0 senθ − gt . (1.27)
Considerando que vx = dx/dt e vy = dy/dt, podemos integrar as componentes da
velocidade para obter:
1
x = v0 t cosθ + C3 e y = v0 t senθ − gt2 + C4 . (1.28)
2
Como x = y = 0 em t = 0, então C3 = C4 = 0, de forma que:
1
x = v0 t cosθ e y = v0 t senθ − gt2 . (1.29)
2
Agora podemos calcular o alcance do projétil, definido como a distância percor-
rida na horizontal, ou seja, o valor de x no instante em que y = 0. Chamando o
tempo de vôo do projétil de T (tempo que ele permanece no ar), temos
1
y(T ) = v0 T senθ − gT 2 = 0 , (1.30)
2
que leva a
2v0 senθ
T = . (1.31)
g
Portanto, o alcance é dado por
2v02 v02
R = x(T ) = senθ cosθ = sen2θ . (1.32)
g g

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Desse resultado é fácil ver que o alcance é máximo para θ = 45◦ , que fornece o valor
máximo para sen2θ.
Mais à frente vamos retomar o problema do movimento do projétil levando em
conta a resistêcia do ar. Antes porém, vamos abordar essa questão em dois problemas
unidimensionais.

Exercı́cio 1.1. Um projétil é atirado com uma velocidade inicial v0 e um ângulo


de elevação θ sobre uma colina de inclinação β (β < θ). Determine: (a) o tempo de
vôo; (b) o alcance; (c) o valor de θ para o qual o alcance é máximo. (d) Mostre que
o alcance máximo é dado por

v02
Rmax =
g(1 + senβ)

Exercı́cio 1.2. Uma partı́cula de massa m move-se em uma trajetória bidimensional


definida por

x(t) = R(2ωt − senωt) e y(t) = R(1 − cosωt)

(a) Obtenha a força que faz a partı́cula descrever esse movimento. (b) Mostre que
a aceleração tangencial e a aceleração normal são dadas por:

2 senωt |2cosωt − 1|
at = Rω 2 √ an = Rω 2 √
5 − 4 cosωt 5 − 4 cosωt

Movimento na horizontal: considerando a resistência do ar


Embora forças de resistência ao movimento, como a força de atrito ou de viscosi-
dade, em geral tenham dependências complicadas em relação à velocidade, é comum
descrevê-las por expressões simples, aproximadamente válidas em certos intervalos
de velocidade. Em especial, é comum aproximar o módulo da força de resistência
do ar por F = Cv ou F = Cv 2 , onde C é uma constante.
Neste exemplo, vamos considerar o movimento na horizontal de um partı́cula
sujeita a uma força de resistência proporcional à velocidade. Vamos escrever F =
−mkvx , onde o sinal − indica que a força tem sentido oposto à velocidade. Chama-
mos a constante de proporcionalidade de mk, em vez de C, para simplificar a massa
e tornar as equações mais simples.
Como o movimento ocorre em uma dimensão, e a única força existente é a força
de resistência, a equção de movimento é escrita na forma
dvx
m = −mkvx . (1.33)
dt

9
Separando as dependências em vx e t, podemos escrever a equação integral
Z vx Z t
dvx
= −k dt . (1.34)
v0 vx 0

Os limites das integrais significam que: a velocidade da partı́cula no instante t = 0


é v0 ; a velocidade em um instante posterior t é vx (t). Integrando, obtemos
vx
ln = −kt (1.35)
v0
ou
vx = v0 e−kt . (1.36)
Reescrevendo vx como dx/dt, temos
dx
= v0 e−kt , (1.37)
dt
que leva à equação integral
Z x Z t
dx = v0 e−kt dt , (1.38)
0 0

onde estamos supondo que x = 0 no instante t = 0. Integrando, obtemos


v0
x = (1 − e−kt ) . (1.39)
k
Note que x tem um limite, dado por
v0
xterm = lim x = . (1.40)
t→∞ k
Eliminando o tempo das Eqs. (1.36) e (1.39), podemos escrever a velocidade da
partı́cula como função da sua posição:
vx = v0 − kx . (1.41)
Esse resultado pode ser obtido diretamente considerando que vx é função de x,
que por sua vez é função de t: vx = vx [x(t)]. Assim
dvx dvx dx dvx
= = vx , (1.42)
dt dx dt dx
de forma que a equação de movimento é
dvx
vx = −kvx , (1.43)
dx
que leva à equação integral
Z vx Z x
dvx = −k dx . (1.44)
v0 0

Integrando, obtemos novamente a Eq. (1.41).


Finalmente, devemos mencionar que poderı́amos ter resolvido este problema sem
colocar os limites nas intergrais, acrescentando constantes nas integrações e deter-
minando essas constantes a partir das condições iniciais, como fizemos no exemplo
anterior.

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Movimento na vertical: considerando a resistência do ar
Neste exemplo vamos considerar uma partı́cula movendo-se na vertical em um meio
onde a força de resistência é proporcional à velocidade. Vamos supor que a partı́cula
possui uma velocidade inicial v0 e orientar o eixo y na vertical, com sentido positivo
para cima.
Existem duas forças atuando sobre a partı́cula, a força peso e a resistência do
meio, de forma que a equação de movimento pode ser escrita como
dvy
m = −mg − mkvy . (1.45)
dt
O sinal − no primeiro termo reflete o fato que a força da gravidade aponta para
baixo, e portanto tem sinal negativo. Por sua vez, o sinal – no segundo termo indica
que a força de resistência é contrária à velocidade (se vy for positivo, a força de
resistência é negativa, e vice-versa).
Em seguida, podemos separar as dependências em v e em t e escrever a equação
integral Z vy Z t
dvy
=− dt , (1.46)
v0 kvy + g 0

onde estamos supondo que no instante t = 0 a velocidade é v0 . Integrando, obtemos


 
kvy + g
ln = −kt . (1.47)
kv0 + g
Aplicando a exponencial de ambos os lados e isolando vy , obtemos
 
g kv0 + g −kt
vy = − + e . (1.48)
k k
Dessa equação, podemos ver que a velocidade possui um valor limite, chamado
velocidade terminal, dado por
g
vterm = lim vy = − . (1.49)
t→∞ k
A Figura 1.6 mostra os gráficos de vy em função do tempo para g = 9, 8 m/s2 ,
k = 0, 2 s−1 e três velocidades iniciais diferentes. A velocidade terminal é dada
por vt = −g/k = −49 m/s. Nos casos em que a velocidade inicial é maior que a
velocidade terminal (v0 = 30 m/s e v0 = −20 m/s), vy vai diminuindo até atingir o
valor limite. No caso em que a velocidade inicial é menor que a velocidade terminal
(v0 = −80 m/s), vy vai aumentando até atingir o valor limite.
A partir da Eq. (1.48), e considerando que vy = dy/dt, podemos escrever
Z y Z t   
g kv0 + g −kt
dy = − + e dt , (1.50)
y0 0 k k

onde estamos supondo que a altura da partı́cula no instante t = 0 é y0 . Integrando,


obtemos  
g kv0 + g
y = y0 − t + (1 − e−kt ) . (1.51)
k k2

11
v0 = 30 m/s
20 v0 = 20 m/s
v0 = 80 m/s
0
vy (m/s)

20

40

60

80
0 5 10 15 20 25
t (s)
Figura 1.6: Velocidade de uma partı́cula em queda como função do tempo para
g = 9, 8 m/s2 , k = 0, 2 s−1 e três velocidades iniciais diferentes: v0 = 30 m/s,
v0 = −20 m/s e v0 = −80 m/s.

Exercı́cio 1.3. Considere um projétil atirado verticalmente para cima com uma
velocidade inicial v0 . Calcule o tempo necessário para o projétil atingir a altura
máxima: (a) desconsiderando a resistência do ar; (b) considerando a força de re-
sistência do ar proporcional à velocidade (|Fr | = mkv). (c) Supondo que o efeito da
resistência do ar seja pequeno, mostre que o tempo do item (b) é dado por
 
kT0
T ' T0 1 − ,
2

onde T0 é o tempo do item (a).

Exercı́cio 1.4. Considere uma partı́cula em queda de uma grande altura, a partir do
repouso, em um campo gravitacional constante. Suponha que a força de resistência
do ar seja proporcional ao quadrado da velocidade (|Fr | = mkv 2 ). (a) Obtenha
a posição da partı́cula como função da velocidade. (b) Mostre que a velocidade
terminal da partı́cula é dada por
p
vterm = g/k .

Exercı́cio 1.5. Uma partı́cula é lançada verticalmente para cima com velocidade
inicial v0 . (a) Admitindo que a força de retardamento seja proporcional ao quadrado
da velocidade (|Fr | = mkv 2 ), calcule a altura máxima atingida. (b) Mostre que a
velocidade da partı́cula quando ela retorna ao solo é
v0
vf = p . (1.52)
1 + kv02 /g

Por que essa velocidade é menor que v0 ?

12
Lançamento de um projétil: considerando a resistência do ar
Vamos retornar problema do lançamento de projétil, mas agora levando em conta a
resistência do ar. As equações de movimento devem incluir a força de retardamento,
dada por F~ = −mk~v , de forma que as equações de movimento ao longo dos eixos x
e y são dadas por
dvx dvy
m = −mkvx e m = −mg − mkvy . (1.53)
dt dt
Na verdade, já resolvemos essas duas equações nos exemplos anteriores e tudo o
que necessitamos é fazer algumas adaptações. A componente horizontal da veloci-
dade inicial é v0 cosθ e a componente vertical é v0 senθ. As coordenadas da posição
inicial são x0 = 0 e y0 = 0. Assim as soluções são:
v0 cosθ
x= (1 − e−kt ) (1.54)
k
 
g kv0 senθ + g
y =− t+ (1 − e−kt ) . (1.55)
k k2
Para calcular o alcance devemos calcular o tempo de vôo e substituı́-lo na
Eq.(1.54). O tempo de vôo pode ser obtido da equação
 
g kv0 senθ + g
y(T ) = − T + 2
(1 − e−kT ) = 0 , (1.56)
k k
que resulta em
kv0 senθ + g
T = (1 − e−kT ) . (1.57)
gk
Não é possı́vel resolver a equação acima analiticamente, ou seja, não podemos ob-
ter uma expressão para T em termos de v0 , θ, g e k. Mas se os valores numéricos des-
sas grandezas forem conhecidos, podemos resolvê-la através de métodos numéricos.
Por exemplo, podemos estipular um valor inicial para T , substituı́-lo no lado direito
de (1.57), e obter um valor calculado para T . Em um segundo momento tomamos
o valor calculado de T , substituı́mos novamente em (1.57) e obtemos um novo valor
calculado. Este procedimento é repetido até que o valor calculado coincida com o
valor substituı́do (dentro de uma precisão numérica desejada). Quando isso acon-
tecer, teremos encontrado a solução numérica para T . Então esse valor pode ser
substituı́do em (1.54) para o cálculo do alcance. Outro método para resolver a Eq.
(1.57), que é útil quando k é pequeno, é explorado no exercı́cio abaixo.
Exercı́cio 1.6. Admitindo que k seja pequeno, podemos fazer uma expansão da
exponencial que aparece na Eq. (1.57) e considerar somente os primeiros termos da
série. (a) Considerando a expansão até segunda ordem,
1
e−kT ' 1 − kT + k 2 T 2 , (1.58)
2
obtenha uma expressão para T em termos de v0 , θ, g e k. O que significa k ser
pequeno? (b) Faça k = 0 e mostre que o resultado se reduz ao tempo de vôo que
obtivemos desconsiderando a resistência do ar.

13
Partı́cula carregada em um campo magnético
Neste exemplo vamos considerar uma partı́cula carregada entrando em uma região
onde existe um campo magnético uniforme, de módulo B. Vamos supor que o campo
aponta na direção positiva do eixo z e que a carga tem sinal positivo.
A equação de movimento é dada por

d2~r ~ ,
m = q~v × B (1.59)
dt2
ou
m(ẍı̂ + ÿ̂ + z̈ k̂) = q(ẋı̂ + ẏ̂ + ż k̂) × B k̂ , (1.60)
onde cada ponto indica uma derivada em relação ao tempo: ẋ = vx , ẍ = ax , e assim
por diante.
Essa equação vetorial corresponde às seguintes equações escalares:

mẍ = qB ẏ mÿ = −qB ẋ z̈ = 0 . (1.61)

Definindo
qB
ω= , (1.62)
m
podemos escrever

ẍ = ω ẏ ÿ = −ω ẋ z̈ = 0 . (1.63)

A Eq. para a coordenada z é independente das outras duas e pode ser facilmente
resolvida. Integrando uma vez, obtemos

ż = vz0 . (1.64)

Integrando de novo, chegamos a

z = z0 + vz0 t . (1.65)

onde z0 e vz0 são constantes. É fácil ver que a projeção do movimento da partı́cula no
eixo z é um movimento uniforme com coordenada inicial z0 e velocidade constante
vz0 .
Ao contrário, as equações para as coordenadas x e y são acopladas. Uma forma
de desacoplá-las é substituir uma delas na derivada da outra. Assim obtemos:
... ...
x = −ω 2 ẋ y = −ω 2 ẏ . (1.66)

Uma vez que as as funções seno e cosseno voltam nelas mesmas depois de derivadas
duas vezes, as soluções podem ser escritas como (verifique):

x = C1 + A1 cosωt + B1 senωt y = C2 + A2 cosωt + B2 senωt , (1.67)

onde A1 , B1 , C1 , A2 , B2 e C2 são constantes a serem determinadas. Mas essas


constantes não são todas independentes: elas devem ser amarradas para satisfazer
as duas primeiras Eqs. (1.63). Substituindo as Eqs. (1.67) na primeira Eq. (1.63),
obtemos

14
ω 2 (−A1 cosωt − B1 senωt) = ω 2 (−A2 senωt + B2 cosωt) , (1.68)
Para que essa igualdade seja válida para qualquer t, os coeficiente do seno nos
dois lados da equação devem ser iguais, o mesmo ocorrendo com os coeficientes do
cosseno. Portanto, devemos ter A2 = B1 e B2 = −A1 . Se tivéssemos substituı́do
as Eqs. (1.67) na segunda Eq. (1.63), terı́amos chegado à mesma conclusão. Dessa
forma, as Eqs. (1.67) devem ser reescritas como

x = C1 + A1 cosωt + B1 senωt y = C2 + B1 cosωt − A1 senωt . (1.69)

Para facilitar a interpretação desta solução é conveniente reescrevê-la como

x = C1 + R sen(ωt + δ) y = C2 + R cos(ωt + δ) . (1.70)

Como
sen(ωt + δ) = senδ cosωt + cosδ senωt ,
cos(ωt + δ) = cosδ cosωt − senδ senωt
devemos ter
A1 = R senδ B1 = R cosδ . (1.71)
Quando projetamos o movimento da partı́cula no plano xy, vemos que ela descreve
um movimento circular uniforme de raio R, centrado no ponto (C1 , C2 ), no sentido
indicado na Figura 1.7. Simultaneamente, a partı́cula move-se ao longo do eixo z
com velocidade constante, de forma que sua trajetória é uma espiral.

Figura 1.7: Projeção do movimento da partı́cula no plano xy.

Uma vez que a equação de movimento é uma equação diferencial de segunda or-
dem em três dimensões, temos seis constantes de integração. Já havı́amos concluı́do
que z0 e vz0 são a coordenada inicial e a velocidade inicial do movimento uniforme
ao longo do eixo z (a direção do campo magnético). C1 e C2 são as coordenadas
do eixo da espirial no plano xy, R é o raio da circunferência e δ é um ângulo que
determina a posição inicial da partı́cula na circunferência.

15
Evidentemente, ω não é uma constante de integração, e sim uma constante que foi
definida na Eq. (1.62) para simplificar as equações seguintes. Quanto ao significado,
ω é a frequência angular do movimento circular no plano xy. Da definição, é possı́vel
ver que ω é negativo se a carga for negativa ou se o campo magnético apontar no
sentido negativo do eixo z, o que corresponderia a inverter o sentido da rotação na
Figura 1.7.

1.5 Teoremas de conservação


A seguir vamos deduzir alguns teoremas importantes sobre quantidades conservadas.
Deve-se ressaltar que esses teoremas não são novas leis da mecânica: eles são con-
sequências das Leis de Newton, e nesse sentido, as suas verificações experimentais
são provas da validade dessas leis.

Conservação do momento linear


Suponha que F~ seja a força resultante que atua sobre uma partı́cula em movimento
e p~ seu momento linear. Da Segunda Lei de Newton,
d~p
F~ = . (1.72)
dt
Quando a força resultante é zero, temos
d~p
=0 ⇒ p~ = cte . (1.73)
dt
Quando a força resultante que atua sobre uma partı́cula é zero, o seu momento linear
é conservado.
Se o vetor F~ não for zero, mas se F~ · û = 0, onde û é um vetor unitário constante
(û pode ser, por exemplo, ı̂, ̂ ou k̂), então

d d~p
(~p · û) = · û = F~ · û = 0 , (1.74)
dt dt
de forma que
p~ · û = cte . (1.75)
Se a componente da força ao longo de uma dada direção for nula, então a compo-
nente do momento linear ao longo dessa direção é conservada.

Conservação do momento angular


O momento angular de uma partı́cula em relação à origem de um sistema de coor-
denadas é definido como
~ = ~r × p~.
L (1.76)
Por sua vez, o torque sobre a partı́cula, em relação ao mesmo sistema de referência,
é definido como
N~ = ~r × F~ . (1.77)

16
~ em relação ao tempo, obtemos
Derivando L
~
dL d~p d~r
= ~r × + × p~ . (1.78)
dt dt dt
O segundo termo é dado por
d~r d~r d~r
× p~ = ×m =0 . (1.79)
dt dt dt
Por outro lado, d~p/dt = F~ , onde F~ é a força resultante que atua sobre a partı́cula.
Assim
dL~
= ~r × F~ = N ~ . (1.80)
dt
Quando o torque da força resultante é nulo,
~
dL
=0 ⇒ ~ = cte .
L (1.81)
dt
Se o torque resultante que atua sobre uma partı́cula for nulo, seu momento angular
é conservado.
~ não for nulo, mas se N
Se o vetor N ~ · û = 0,

d ~ ~
dL
(L · û) = ~ · û = 0 ,
· û = N (1.82)
dt dt
de forma que
~ · û = cte .
L (1.83)
Se a componente do torque resultante ao longo de uma dada direção for nula, então
a componente do momento angular ao longo dessa direção é conservada.
Exercı́cio 1.7. Considere um projétil atirado da origem com velocidade inicial v0
e ângulo de inclinação θ. (a) Obtenha expressões para os vetores momento angular
e torque em função do tempo. (b) Mostre explicitamente que N ~ = dL/dt.
~ Despreze
a resistência do ar.

Conservação da energia mecânica


O trabalho realizado por uma força F~ sobre uma partı́cula que se desloca da posição
1 para a posição 2 (Figura 1.8) é definido como
Z 2
W12 = F~ · d~r . (1.84)
1

Se F~ for a força resultante que atua sobre a partı́cula, então


d~v md d m
F~ · d~r = m · ~v dt = (~v · ~v )dt = ( v 2 )dt . (1.85)
dt 2 dt dt 2
Definindo a energia cinética da partı́cula como
1
T = mv 2 , (1.86)
2
17
Figura 1.8: Partı́cula se deslocando do ponto 1 até o ponto 2 sob ação de uma força.

podemos escrever
dT
F~ · d~r = dt = dT , (1.87)
dt
de forma que Z 2
W12 = dT = T2 − T1 , (1.88)
1
onde T1 e T2 são as energias cinéticas da partı́cula nos pontos 1 e 2, respectivamente.
O trabalho da força resultante que atua sobre uma partı́cula é igual à variação da
sua energia cinética.
Suponha que a partı́cula vá de 1 até 2 pelo caminho a e volte pelo caminho b da
Figura 1.9. Assim
Wfech = W12,a + W21,b , (1.89)
onde Wfech quer dizer trabalho no percurso fechado: indo por um caminho e voltando
por outro. Como W21,b = −W12,b (o vetor d~r inverte o sentido),

Wfech = W12,a − W12,b . (1.90)

Figura 1.9: Caminhos diferentes levando a partı́cula do ponto 1 até o ponto 2.

Em muitas situações, o trabalho realizado pela força só depende dos pontos inicial
e final, e não do caminho. Por exemplo, na Figura 1.9 o trabalho realizado seria
o mesmo, independente da partı́cula percorrer os caminhos a ou b. Se o trabalho
realizado pela força independe do caminho, W12,a = W12,b , de forma que Wfech = 0.

18
Se o trabalho independe do caminho, o trabalho realizado em um percurso fechado é
nulo.
Quando o trabalho não depende do caminho, é possı́vel associar à força uma
função escalar da posição da partı́cula, chamada energia potencial. A diferença
entre as energias potenciais calculadas nos pontos 1 e 2 é definida como
Z 2
U2 − U1 = − F~ · d~r . (1.91)
1

Devemos ressaltar que essa expressão define apenas a diferença de energia potencial,
e não a energia potencial absoluta. A função energia potencial é definida a menos de
uma constante aditiva que não tem significado fı́sico. Também é importante frisar
que se o trabalho realizado pela força depender do caminho, a definição de energia
potencial acima não faz sentido.
Uma vez que a energia potencial é função da posição da partı́cula, U = U (x, y, z),
podemos escrever a sua diferencial como
∂U ∂U ∂U ~ · d~r ,
dU = dx + dy + dz = ∇U (1.92)
∂x ∂y ∂z
onde
~ = ∂U ı̂ + ∂U ̂ + ∂U k̂
∇U (1.93)
∂x ∂y ∂z
Integrando do ponto 1 até o ponto 2, obtemos
Z 2 Z 2
dU = U2 − U1 = ~ · d~r .
∇U (1.94)
1 1

Comparando com a definição de energia potencial dada na Eq. (1.91), concluı́mos


que
F~ = −∇U
~ . (1.95)
Agora suponha que várias forças atuem sobre a partı́cula, algumas das quais
podem ser associadas a energias potenciais e outras não. Define-se a energia po-
tencial total como a soma de todas as energias potenciais. O negativo do gradiente
da energia potencial total é igual à soma das forças que podem ser associadas a
energias potenciais. Se todas as forças puderem ser associadas a energias potenciais,
o negativo do gradiente da energia potencial total é igual à força resultante.
Define-se a energia mecânica da partı́cula como

E =T +U , (1.96)

onde U é a energia potencial total. A derivada da energia mecânica em relação ao


tempo é
dE dT dU
= + . (1.97)
dt dt dt
Da Eq. (1.87),
dT d~r
= F~ · = F~ · ~v , (1.98)
dt dt
onde F~ é a força resultante que atua sobre a partı́cula.

19
Em princı́pio, a energia potencial poder ser função da posição e do tempo (na
verdade ela pode ser função também da velocidade, mas nós não vamos considerar
esses casos aqui). Se U = U (x, y, z, t), podemos escrever
dU ∂U dx ∂U dy ∂U dz ∂U ~ · ~v + ∂U ,
= + + + = ∇U (1.99)
dt ∂x dt ∂y dt ∂z dt ∂t ∂t
de forma que
dE ~ ) · ~v + ∂U .
= (F~ + ∇U (1.100)
dt ∂t
Se todas as forças puderem ser associadas a energias potenciais, F~ = −∇U ~ , de
forma que
dE ∂U
= . (1.101)
dt ∂t
Uma força que pode ser associada a uma energia potencial que não depende
explicitamente do tempo é chamada força conservativa. Se todas as forças que
atuam sobre uma partı́cula forem conservativas, dE/dt = ∂U/∂t = 0. É claro que, se
houver alguma força que não pode ser associada a uma energia potencial, F~ 6= −∇U~
e dE/dt 6= ∂U/∂t.
Teorema da Conservação da Energia Mecânica. Se todas as forças que atuam
sobre uma partı́cula forem conservativas, a energia mecânica é constante.
O Teorema da Conservação da Energia Mecânica nada mais é que uma
consequência das Leis de Newton. Entretanto, existem outras formas de energia,
como as energias térmica e elétrica, que podem ser convertidas em energia mecânica
e vice-versa. A conservação da energia total de um sistema isolado é um postulado
básico da fı́sica conhecido como Lei da Conservação da Energia.
Exercı́cio 1.8. Um trem move-se ao longo de um trilho com uma velocidade cons-
tante u. Um trabalhador dentro do trem empurra uma caixa de massa m, para
frente, por uma distância l, com uma força constante F . Admitindo que não haja
atrito entre a caixa e o solo, determine: (a) o trabalho realizado pelo trabalhador
no referencial do trem; (b) a variação da energia cinética da caixa no referencial do
trem; (c) o trabalho realizado pelo trabalhador no referencial do solo; (d) a variação
da energia cinética da caixa no referencial do solo. Verifique que W = ∆T nos dois
referenciais.

1.6 Energia e movimento em uma dimensão


Considere um sistema mecânico sujeito a uma força conservativa associada a uma
energia potencial U . Por simplicidade, vamos supor que o movimento seja unidi-
mensional. A energia mecânica é constante e dada por
1
E = mv 2 + U (x) . (1.102)
2
Esta equação pode ser reescrita na forma
r
dx 2
v= =± [E − U (x)] , (1.103)
dt m

20
que pode ser integrada como
Z x
dx
t − t0 = ± q , (1.104)
2
x0
m
[E − U (x)]

onde x = x0 no instante t = t0 . Conhecendo-se U (x) pode-se, em princı́pio, resolver


essa equação para se obter x(t). Muitas vezes é difı́cil obter uma solução analı́tica
para a integral acima, mas uma análise qualitativa da curva de energia potencial
pode fornecer informações importantes sobre o movimento da partı́cula.

E1
U(x)

E2
E3
x1 x2 x3 x4 x5 x

Figura 1.10: Curva de energia potencial hipotética para uma partı́cula movendo-se
em uma dimensão.
Como exemplo, considere uma partı́cula sujeita à energia potencial da Figura
1.10. Uma vez que a energia cinética não pode ser negativa, a partı́cula só pode
estar nas regiões onde E ≥ U (x). Uma partı́cula com energia E1 deve estar na região
onde x ≥ x1 . Ela vem do infinito, faz o retorno no ponto x1 e volta, invertendo o
sentido do seu movimento. Se a energia da partı́cula for igual a E2 , ela terá um
movimento periódico entre os pontos de retorno x2 e x4 , onde E2 ≥ U (x). Uma
partı́cula com energia E3 deve estar em repouso em x3 , que é a única posição onde
E3 não é menor que U .
Vamos utilizar uma abordagem semelhante a essa para estudar as órbitas dos pa-
netas ao redor do Sol no Capı́tulo 4. Embora esse problema envolva duas partı́culas
(o planeta e o Sol), veremos que é possı́vel descrever o movimento a partir de uma
energia potencial efetiva que depende somente da distância entre o Sol e o planeta.

Equilı́brio
Em três dimensões, diz-se que um corpo está em equilı́brio se a força e o torque
que atuam sobre ele são ambos nulos. Mas existem muitos problemas onde há

21
somente uma coordenada relevante, e nesses casos, é interessante usar o conceito
de força generalizada. Se a força generalizada for nula, diz-se que o corpo
está em equilı́brio. Por exemplo, se uma partı́cula move-se ao longo do eixo x, a
força generalizada é a componente x da força, Fx = −dU/dx (a variação de energia
potencial em um deslocamento infinitesimal é dU = −dW = −Fx dx). Se Fx = 0, a
partı́cula está em equilı́brio. Se um objeto gira ao redor de um eixo, a coordenada
relevante é o ângulo de rotação e a força generalizada é o torque, N = −dU/dθ (a
variação de energia potencial em um giro infinitesimal é dU = −dW = −N dθ). Se
N = 0, o objeto está em equilı́brio.
Considere uma partı́cula movendo-se em uma dimensão sujeita ao potencial uni-
dimensional da Figura 1.10. Do gráfico é fácil ver que existem dois pontos de
equilı́brio, x3 e x5 , onde Fx = −dU/dx = 0.
Primeiro vamos analisar o equilı́brio em x3 . É fácil ver que dU/dx = 0 no ponto
x3 , de forma que x3 é um ponto de equilı́brio. Agora verifiquemos o sentido da
força sobre a partı́cula quando ela se encontra nas vizinhanças de x3 . Se x > x3 ,
dU/dx > 0 e Fx < 0; se x < x3 , dU/dx < 0 e Fx > 0. Em ambas as situações, a
força tende a levar a partı́cula de volta para a posição de equilı́brio, e nesse
caso, diz-se que o equilı́brio é estável. O equilı́brio é estável quando a derivada
segunda da energia potencial for positiva (concavidade para cima), como
no ponto x3 .
Agora analisemos o equilı́brio em x5 . Se x > x5 , dU/dx < 0 e Fx > 0; se
x < x5 , dU/dx > 0 e Fx < 0. Em ambas as situações, a força tende a levar
a partı́cula para longe da posição de equilı́brio, e nesse caso, diz-se que o
equilı́brio é instável. O equilı́brio é instável quando a derivada segunda da
energia potencial for negativa (concavidade para baixo), como no ponto x5 .
Para ilustrar os conceitos apresentados nesta seção, vamos estudar o equilı́brio
de um cubo de aresta L situado no topo de um hemisfério de raio R, como mostra
a Figura 1.11. O cubo estará em equilı́brio quando a sua face inferior estiver exata-
mente na horizontal com seu centro no topo do hemisfério. Se o cubo for pequeno
em comparação com o hemisfério, o equilı́brio é estável, ou seja, ele tende a voltar à
posição original se for ligeiramente girado para um lado. Ao contrário, o equilı́brio
é instável se o cubo for grande em comparação com o hemisfério. Ele cairá se so-
frer um pequeno giro. O que vamos fazer aqui é comprovar essas afirmações com
argumentos formais baseados na energia potencial gravitacional do cubo.
Do ponto de vista quantitativo, a questão colocada é: qual o maior valor da
aresta do cubo, comparado ao raio do hemisfério, para que o equilı́brio seja estável?
Nesse problema, a única coordenada relevante é o ângulo de rotação θ, mostrado na
Figura 1.11. Podemos escrever a energia potencial como função de θ, identificar o
ponto de equilı́brio e impor a condição para que o equilı́brio seja estável.
Se admitirmos que o cubo gira sobre o hemisfério sem deslizar, então a distância
entre os pontos de contato inicial e final (A e B na figura) é Rθ. Essa distância é
igual à hipotenusa do pequeno triângulo próximo ao centro do cubo. Portanto, a
altura do centro do cubo, em relação ao centro do hemisfério, é
L
h = (R + ) cosθ + Rθ senθ
2
Supondo que a massa do cubo seja distribuı́da de maneira uniforme, podemos
imaginá-la concentrada no seu centro e escrever a energia potencial gravitacional

22
Figura 1.11: Cubo de aresta L sobre um hemisfério de raio R.

como  
L
U (θ) = mg (R + ) cosθ + Rθ senθ . (1.105)
2
Os pontos de equilı́brio são dados pelos valores de θ para os quais a derivada de
U é zero. Derivando U , obtemos
 
dU L
= mg − senθ + Rθ cosθ . (1.106)
dθ 2

É fácil ver que dU/dθ = 0 para θ = 0. Isso quer dizer que o cubo está em equilı́brio
quando sua face inferior está na horiziontal, como esperado.
A condição para que o equilı́brio seja estável é que d2 U/dθ2 > 0 para θ = 0. A
segunda derivada de U é

d2 U
 
L
= mg (R − ) cosθ − Rθ senθ . (1.107)
dθ2 2

Fazendo θ = 0, obtemos

d2 U
   
L
= mg R − . (1.108)
dθ2 θ=0 2

Portanto, o equilı́brio é estável se R − L/2 > 0, ou L < 2R. Nesse caso, o cubo
voltará para a posição de equilı́brio após sofrer um pequeno giro. Se L > 2R, o
equilı́brio é instável, e o cubo cairá se sofrer um pequeno giro.

23
A Figura 1.12 mostra a energia potencial U (θ) para g = 9, 8 m/s2 , m = 1, 0 kg,
R = 10 cm e dois valores de L: L = 12 cm e L = 28 cm. Para L = 12 cm (L < 2R),
a concavidade é para cima e o equilı́brio é estável (linha contı́nua). Para L = 28 cm
(L > 2R), a concavidade é para baixo e o equilı́brio é instável (linha pontilhada).

2.4
2.2
2.0 L = 28 cm
U (J)

L = 12 cm
1.8
1.6
1.4
0.8 0.4 0.0 0.4 0.8
(rad)
Figura 1.12: Energia potencial do cubo para g = 9, 8 m/s2 , m = 1, 0 kg, R = 10 cm
e dois valores de L: L = 12 cm e L = 28 cm.

Exercı́cio 1.9. Uma partı́cula está sob a influência de uma força dada por

F = –kx + βx3 , (1.109)

onde k e β são constantes positivas. (a) Obtenha uma expressão para U (x). (b)
Obtenha os pontos de equilı́brio e para cada um deles diga se o equilı́brio é estável
ou instável. (c) Esboce o gráfico de U (x).

Exercı́cio 1.10. Para muitas moléculas diatômicas a energia potencial pode ser
escrita, em boa aproximação, como
A B
U (r) = 12
− 6 , (1.110)
r r
onde r é a distância entre os dois átomos e A e B são constantes positivas. (a)
Obtenha uma expressão para a força que um átomo exerce sobre o outro. (b)
Obtenha a distância de equilı́brio em termos de A e B. (c) Determine se o equilı́brio
é estável ou instável. (c) Desenhe o gráfico de U (r).

1.7 Movimento de foguetes


O movimento de um foguete é um bom exemplo de situação onde a Segunda Lei de
Newton pode ser aplicada a um sistema de massa variável.

24
Considere um foguete viajando sob influência de uma força externa, como na
Figura 1.13. Por simplicidade, vamos considerar o movimento em uma dimensão.
Suponha que em um dado instante t a massa do foguete seja m e a sua velocidade
v. Em um intervalo de tempo dt o foguete ejeta uma massa dm0 (positiva) com
velocidade −u (para trás) em relação ao foguete. A velocidade da massa ejetada em
relação a um referencial fixo (inercial) é v − u. Após a ejeção de dm0 , a massa do
foguete passa a ser m − dm0 e a sua velocidade v + dv.

Figura 1.13: Movimento de um foguete sob ação de uma força externa.

A variação do momento linear do sistema neste intervalo de tempo é dada por

dp = [(m − dm0 )(v + dv) + dm0 (v − u)] − mv = mdv − dm0 dv − udm0 .

O produto das diferenciais dm0 dv é um infinitésimo de segunda ordem, e pode ser


desprezado. Da segunda lei de Newton

dp dv dm0
Fext = =m −u . (1.111)
dt dt dt
Neste momento é interessante fazer uma mudança de notação. Da forma que
foi definida, dm0 é uma quantidade positiva. Por outro lado, a taxa de variação da
massa do foguete é uma quantidade negativa (o foguete está perdendo massa) dada
por
dm dm0
=− . (1.112)
dt dt
Assim, podemos escrever
dv dm
Fext = m +u , (1.113)
dt dt
de forma a ficarmos com uma única massa na equação.

Movimento na ausência de força externa


Como exemplo, considere o caso em que o foguete viaja no espaço livre da ação de
forças externas. Nesse caso
dv dm
m = −u . (1.114)
dt dt

25
Simplificando dt e separando as dependências em v e m, podemos escrever a
equação integral Z v Z m
dm
dv = −u , (1.115)
v0 m0 m

onde estamos supondo que em t = 0 a massa é m0 e a velocidade v0 . Integrando,


obtemos
m0
v = v0 + u ln( ) (1.116)
m

Foguete subindo sob influência da gravidade


Considere agora um foguete subindo sob a influência da força gravitacional (1.14),
por simplicidade suposta constante. A equação de movimento pode ser escrita como
dv dm
−mg = m +u , (1.117)
dt dt
ou
−mgdt = mdv + udm . (1.118)

Figura 1.14: Foguete subindo na presença do campo gravitacional da Terra.

Vamos supor também que a taxa de perda de massa seja constante, ou seja,
dm
= −k . (1.119)
dt
Eliminando dt dessa equação (dt = −dm/k), temos
dm
mg = mdv + udm . (1.120)
k
Separando as dependências em v e m, podemos escrever a equação integral
Z v Z m
g u
dv = − dm , (1.121)
0 m0 k m
onde estamos supondo v = 0 e m = m0 em t = 0. Integrando, obtemos
g m 
0
v = (m − m0 ) + u ln . (1.122)
k m
Essa equação fornece a velocidade como função da massa.

26
Também podemos obter a uma expressão para a velocidade como função do
tempo. Integrando a Eq. 1.119, temos

m = m0 − kt . (1.123)

Substituindo esse resultado em (1.122), obtemos


 
m0
v = −gt + u ln . (1.124)
m0 − kt

Exercı́cio 1.11. Um foguete parte do repouso e viaja no espaço livre de forças


externas. Determine a fração da massa inicial do foguete para a qual o seu momento
linear é máximo.

Exercı́cio 1.12. Um foguete tem uma massa inicial m0 e uma razão de perda de
massa dm/dt = –k. Determine a velocidade de exaustão mı́nima para que o foguete
consiga decolar no campo gravitacional da Terra.

Exercı́cio 1.13. Um caixa de massa m0 , inicialmente vazia, move-se na horizontal


sob ação de uma força externa Fext . No instante que vamos chamar de t = 0 a caixa
entra em uma região onde está caindo areia, como mostra a figura abaixo. Nesse
instante, a velocidade da caixa é v0 . (a) Mostre que a velocidade e a massa da caixa
estão relacionadas através da equação
dv dm
Fext = m +v ,
dt dt
onde m = m0 + massa de areia. (b) Obtenha uma expressão para v em função de
m para o caso em que nenhuma força externa atua sobre a caixa. (c) Obtenha uma
expressão para v em função do tempo para o caso em que a areia cai a uma taxa
constante dm/dt = Q e existe um coeficiente de atrito cinético µ entre a caixa e o
solo.

1.8 Limitações da mecânica newtoniana


Antes de encerrarmos este capı́tulo vamos fazer alguns comentários sobre o domı́nio
de validade da Mecânica Newtoniana. Ela descreve corretamente os fenômenos em
escala macroscópica onde os corpos se movem com velocidades pequenas. No en-
tanto, as Leis de Newton deixam de ser válidas quando os problemas envolvem
dimensões atômicas ou quando as velocidades de interesse são da ordem da veloci-
dade da luz (c = 3, 0 × 108 m/s). Nesses casos as teorias adequadas são a Mecânica

27
Quântica e a Mecânica Relativı́stica. Além disso, existe outra limitação de or-
dem prática. Quando o número de partı́culas é muito grande, torna-se impossı́vel
obter as posições de todas elas como funções do tempo. Nesse caso as proprie-
dades de interesse são obtidas como médias, e a teoria adequada é a Mecânica
Estatı́stica. Não entraremos nos detalhes dessas teorias porque são assuntos de
outros cursos.

28
Capı́tulo 2

Oscilações

2.1 Oscilador harmônico simples


A Figura 2.1 mostra uma curva de energia potencial tı́pica para uma molécula
diatômica. Para simplificar, imagine que o átomo da esquerda esteja fixo na origem
enquanto a posição do átomo da direita seja variável. Quando a distância inte-
ratômica é muito pequena, predomina a força de repulsão elétrica entre os núcleos
carregados positivamente (e uma repulsão de Pauli), de forma que U → ∞ quando
R → 0. Por outro lado, quando R → ∞, é como se tivéssemos dois átomos indepen-
dentes: inicialmente vamos adotar a convenção de que a energia nesta configuração
seja zero. Entre estes dois limites existe uma posição de equilı́brio estável, chamada
separação internuclear de equilı́brio.

Figura 2.1: Curva de energia potencial tı́pica para uma molécula diatômica.

A energia potencial pode ser expandida em série de Taylor em torno da posição


de equilı́brio como
1 d2 U 1 d3 U
   
2
U (R) = Ueq + (R − Req ) + (R − Req )3 + · · · . (2.1)
2 dR2 eq 6 dR3 eq
Note que, como Req é um ponto de equilı́brio,
 
dU
=0, (2.2)
dR eq

29
o que justifica a ausência do termo linear na expansão.
Em um movimento molecular tı́pico os átomos se afastam da posição de equilı́brio
por distâncias que são pequenas quando comparadas à separação de equilı́brio. Na
maioria das vezes, os termos de terceira ordem em diante na expansão da energia
potencial são pequenos. Numa primeira abordagem, vamos desprezá-los. Como
a energia potencial é definida a menos de uma constante, também pode-se fazer
Ueq = 0 sem perda de generalidade, de forma que

1 d2 U
 
U (R) = (R − Req )2 . (2.3)
2 dR2 eq

A força sobre o átomo da direita é dada por


 2 
dU dU
F (R) = − =− (R − Req ) . (2.4)
dR dR2 eq

Para simplificar, vamos definir a notação:


d2 U
 
x = R − Req k= , (2.5)
dR2 eq

de forma que podemos escrever


1
U (x) = kx2 (2.6)
2
e
F (x) = −kx , (2.7)
onde k é uma constante positiva. Sistemas fı́sicos onde a força é dada por uma
expressão desse tipo são chamados de oscilador harmônico simples.
Muitos exemplos de oscilador harmônico simples podem ser encontrados na
Fı́sica. O mais conhecido é o sistema massa-mola, onde a força que a mola exerce
sobre a massa é proporcional ao deslocamento para distensões pequenas (Lei de Ho-
oke). Um ponto da corda de um violão executa um movimento harmônico simples
(MHS) quando a corda está vibrando.
A equação de movimento para um oscilador harmônico simples é

−kx = mẍ . (2.8)

Definindo
k
ω02 = , (2.9)
m
podemos escrever
ẍ = −ω02 x . (2.10)
Duas soluções particulares desta equação diferencial de segunda ordem são

x(t) = senω0 t e x(t) = cosω0 t , (2.11)

de forma que uma solução geral pode ser escrita como

x(t) = A1 senω0 t + A2 cosω0 t , (2.12)

30
ou, como vimos no capı́tulo anterior,

x(t) = A cos(ω0 t − δ) . (2.13)

A velocidade da partı́cula é dada por

ẋ(t) = −ω0 A sen(ω0 t − δ) . (2.14)

É fácil ver que a partı́cula executa um movimento periódico. Como


   

sen ω0 t + − δ = sen(ω0 t − δ) (2.15)
ω0
e    

cos ω0 t + − δ = cos(ω0 t − δ) , (2.16)
ω0
pode-se concluir que o movimento se repete (mesma posição e mesma velocidade)
após um intervalo de tempo

τ= . (2.17)
ω0
O intervalo de tempo τ é chamado perı́odo do movimento.
A quantidade r
k
ω0 = (2.18)
m
é chamada frequência angular do movimento.
A frequência do movimento é definida como
r
1 ω0 1 k
ν0 = = = . (2.19)
τ 2π 2π m
A energia cinética da partı́cula é dada por
1
T = mẋ2 . (2.20)
2
Substituindo a expressão para a velocidade obtida acima, temos
1
T (t) = mω02 A2 sen2 (ω0 t − δ) . (2.21)
2
Como mω02 = k,
1
T (t) = kA2 sen2 (ω0 t − δ) . (2.22)
2
Substituindo x(t) em
1
U (x) = kx2 , (2.23)
2
obtemos
1
U (t) = kA2 cos2 (ω0 t − δ) . (2.24)
2
A energia mecânica é dada por
1
E = T (t) + U (t) = kA2 . (2.25)
2
31
Note que a energia mecânica é conservada porque não existe força dissipativa atu-
ando sobre a partı́cula.
A Figura 2.2 mostra as energias cinética, potencial e mecânica em função do
tempo para um oscilador harmônico simples no caso em que k = 200 N/m, A =
20 cm, m = 0, 20 kg e δ = 0. Observe que durante o movimento as energias
cinética e potencial são convertidas uma na outra, mantendo sempre constante a
energia mecânica. Como exercı́cio, calcule a frequência angular, o perı́odo e a energia
mecânica e confira com a figura.

4 K
U
E
Energia ( J )

0
0.0 0.2 0.4 0.6
t (s)
Figura 2.2: Energias cinética, potencial e mecânica para k = 200 N/m, A = 20 cm,
m = 0, 20 kg e δ = 0.

Antes de encerrar esta seção vamos mostrar um exemplo de um sistema fı́sico que
se comporta, aproximadamente, como um oscilador harmônico simples: o pêndulo
simples (Figura 2.3). O torque sobre o pêndulo, em relação ao ponto de sustentação,
é dado por
N = −mgl senθ , (2.26)
onde o sinal – indica que o torque é contrário a θ. Se θ for positivo (sentido anti-
horário), o torque está entrando no plano da página (sentido horário). Por sua vez,
o momento de inércia do pêndulo é dado por

I = ml2 . (2.27)

A equação de movimento pode ser escrita como

N = I θ̈ , (2.28)

ou
−mgl senθ = ml2 θ̈ . (2.29)
Se a amplitude do movimento for pequena (θ << 1), podemos escrever

senθ ' θ , (2.30)

de forma que a equação de movimento torna-se

lθ̈ = −gθ . (2.31)

32
Figura 2.3: Pêndulo simples.

Definindo r
g
ω0 = , (2.32)
l
podemos escrever
θ̈ = −ω02 θ , (2.33)
que é a equação de movimento para um oscilador harmônico simples, e cuja solução

θ(t) = Θ0 cos(ω0 t − δ) , (2.34)
onde Θ0 é a amplitude angular do movimento.
Exercı́cio 2.1. (a) Calcule as médias temporais das energias cinética e potencial de
um oscilador harmônico simples sobre um ciclo e mostre que elas são iguais. Porque
esse é um resultado esperado? (b) Calcule as médias espaciais dessas grandezas e
justifique porque os resultados não são iguais.
Exercı́cio 2.2. Obtenha uma expressão para a fração de um perı́odo (∆t/τ ) que a
partı́cula permanece dentro de uma região de comprimento ∆x, em torno da posição
x, em um oscilador harmônico simples. Esboce o gráfico de ∆t/τ ∆x em função de
x e discuta o significado fı́sico do resultado obtido.
Exercı́cio 2.3. Um corpo de área de seção transversal uniforme flutua em um
lı́quido. Na situação de equilı́brio, o corpo está submerso no lı́quido de uma pro-
fundidade heq . Mostre que o perı́odo deppequenas oscilações verticais em torno da
posição de equilı́brio é dado por τ = 2π heq /g.
Exercı́cio 2.4. Duas massas m1 e m2 , livres para se movimentarem sobre um trilho
horizontal sem atrito, estão conectadas por uma mola cuja constante elástica é k.
Mostre que o centro de massa move-se com velocidade constante enquanto as massas
executam um movimento harmônico simples em torno do centro de massa. Obtenha
a frequência angular de oscilação.
Exercı́cio 2.5. Duas partı́culas de massas m1 e m2 estão conectadas por uma mola
cuja constante elástica é k. O sistema é pendurado, como indica a figura abaixo. Em
algum instante, o fio superior é cortado, de maneira que o sistema se moverá verti-
calmente. Determine o movimento subsequente do centro de massa e a frequência
angular de oscilação das massas em torno do centro de massa.

33
2.2 Oscilações harmônicas em duas dimensões
Considere a seguir o movimento de uma partı́cula, em duas dimensões, sujeita a
uma força
F~ = −k~r . (2.35)
As equações de movimento para as coordenadas x e y podem ser escritas como

Fx = −kx = mẍ Fy = −ky = mÿ . (2.36)

Definindo r
k
ω0 = , (2.37)
m
podemos escrever
ẍ = −ω02 x ÿ = −ω02 y , (2.38)
cujas soluções são

x(t) = A cos(ω0 t − α) y(t) = B cos(ω0 t − β) . (2.39)

A partı́cula executa MHS ao longo dos eixos x e y com a mesma frequência, mas
com amplitudes e fases diferentes.
A equação da trajetória pode ser obtida reescrevendo a função y(t) como

y(t) = B cos[(ω0 t − α) + (α − β)] . (2.40)

Definindo
δ =α−β , (2.41)
podemos escrever

y(t) = B cos[(ω0 t − α) + δ]
= B cos(ω0 t − α) cosδ − B sen(ω0 t − α) senδ . (2.42)

Multiplicando por A, obtemos

Ay − AB cos(ω0 t − α) cosδ = −AB sen(ω0 t − α) senδ . (2.43)

34
Agrupando os termos, temos

Ay − Bx cosδ = −B senδ A2 − x2 . (2.44)

Elevando ao quadrado, obtemos

A2 y 2 + B 2 x2 cos2 δ − 2ABxy cosδ = B 2 sen2 δ (A2 − x2 ) , (2.45)

ou
B 2 x2 − 2ABxy cosδ + A2 y 2 = A2 B 2 sen2 δ . (2.46)
Esta é a equação da trajetória da partı́cula, que depende das amplitudes A e B
e da diferença de fase δ. Por exemplo, se δ = 0, podemos escrever

B 2 x2 − 2ABxy + A2 y 2 = 0 , (2.47)

ou
(Bx − Ay)2 = 0 , (2.48)
ou ainda,
B
y= x, (2.49)
A
que é a equação de uma reta.
Se δ = π/2, temos
B 2 x2 + A2 y 2 = A2 B 2 . (2.50)
Dividindo por A2 B 2 , obtemos
x2 y2
+ =1, (2.51)
A2 B 2
que é a equação de uma elipse (se A = B a elipse é uma circunferência).
A Figura 2.4 mostra a trajetória para A = 4 cm, B = 3 cm e dois valores de δ:
δ = 0 e δ = π/2.

3.0 =0 3.0 = /2

1.5 1.5
y (cm)

y (cm)

0.0 0.0

1.5 1.5

3.0 3.0
4 2 0 2 4 4 2 0 2 4
x (cm) x (cm)

Figura 2.4: Trajetória da partı́cula para A = 4 cm, B = 3 cm e dois valores de δ:


δ = 0 e δ = π/2.

Em geral, se 0 < δ < π, a partı́cula gira no sentido horário. Ao contrário, se


π < δ < 2π, ela gira no sentido anti-horário. Para simplificar a demonstração desta

35
afirmação, vamos fazer α = δ e β = 0 na equação 2.39. Isto não traz nenhuma perda
de generalidade, já que o que importa é a diferença de fase. Fazendo assim, obtemos
x(t) = A cos(ω0 t − δ) y(t) = B cosω0 t . (2.52)
Em coordenadas polares, a posição da partı́cula no instante t é especificada pelo
ângulo ϕ e pela distância ρ, indicados na Figura 2.5.
O ângulo ϕ é dado por
B cosω0 t
ϕ = tg−1 . (2.53)
A cos(ω0 t − δ)
Da figura, pode-se ver que é o sinal de dϕ/dt que determina o sentido do mo-
vimento: se dϕ/dt > 0, o giro é no sentido anti-horário; se dϕ/dt < 0, o giro é no
sentido horário. A derivada é dada por
dϕ ABω0
=− 2 senδ . (2.54)
dt A cos (ω0 t − δ) + B 2 cos2 ω0 t
2

Desta expressão, é fácil ver que o sinal de dϕ/dt é contrário ao sinal de senδ.
Assim podemos concluir que:
0<δ<π ⇒ dϕ/dt < 0 → movimento no sentido horário;
π < δ < 2π ⇒ dϕ/dt > 0 → movimento no sentido anti-horário.

Figura 2.5: Relação entre coordenada polares e cartesianas

Pode-se mostrar também que as trajetórias para todos os valores de δ são elipses,
em geral inclinadas, como mostra a Figura 2.6 para δ = π/3 e δ = π/6 (em ambos
os casos A = B = 4 cm). O caso δ = 0 pode ser visto como uma elipse com um dos
semieixos igual a zero.
Como em geral as elipses são inclinadas, vamos começar a demonstração fazendo
uma rotação de eixos. A rotação de um ângulo γ é dada por
x = x0 cosγ − y 0 senγ y = x0 senγ + y 0 cosγ (2.55)
Substituindo as expressões acima na equação da trajetória (2.46), obtemos
2 2
B 2 (x0 cos2 γ + y 0 sen2 γ − x0 y 0 sen2γ)
2 2
+A2 (x0 sen2 γ + y 0 cos2 γ + x0 y 0 sen2γ) (2.56)
2 2
−AB cosδ(x0 sen2γ − y 0 sen2γ + 2x0 y 0 cos2γ) = A2 B 2 sen2 δ

36
4 = /3 4 = /6

2 2
y (cm)

y (cm)
0 0

2 2

4 4
4 2 0 2 4 4 2 0 2 4
x (cm) x (cm)

Figura 2.6: Trajetória da partı́cula para A = B = 4 cm e dois valores de δ: δ = π/3


e δ = π/6.

Agora podemos escolher o ângulo de rotação γ tal que o coeficiente de x0 y 0 seja


nulo. Assim
(A2 − B 2 ) sen2γ − 2AB cosδ cos2γ = 0 (2.57)
ou  
1 2AB cosδ
γ = tg−1 (2.58)
2 A2 − B 2
Agrupando os coeficientes de x0 2 e y 0 2 como:

D2 = B 2 cos2 γ + A2 sen2 γ − AB cosδ sen2γ (2.59)

C 2 = B 2 sen2 γ + A2 cos2 γ + AB cosδ sen2γ (2.60)


podemos escrever
2 2
D2 x0 + C 2 y 0 = A2 B 2 sen2 δ (2.61)
ou
x0 2 y02
A2 B 2 sen2 δ
+ A2 B 2 sen2 δ
=1 (2.62)
D2 C2
que é a equação de uma elipse no sistema de coordenadas x0 y 0 . Definindo

2 A2 B 2 sen2 δ 2 A2 B 2 sen2 δ
A0 = B0 = , (2.63)
D2 C2
podemos escrever a equação da elipse na forma mais simples

x0 2 y02
+ =1. (2.64)
A0 2 B 0 2
No caso especial em que δ = π/2, obtemos γ = 0, de forma que não há necessi-
dade de fazer a rotação. D = B e C = A, de forma que os semieixos são dados por
A0 = A e B 0 = B.

37
Para δ = π/3 e A = B, p por exemplo, obtemos pγ = π/4. C 2 = 3A2 /2 e D2 =
2 0 0
A /2, de forma que A = 3/2A ' 1, 22A e B = 1/2A ' 0, 71A. Os semieixos
da elipse inclinada para δ = π/3 são mostrados na Figura 2.6. Como exercı́cio,
calcule os semieixos para δ = π/6 e A = B e confira com a Figura 2.6.
Em geral podem ocorrer oscilações em duas dimensões onde tanto as frequências
quanto as fases dos movimentos nas direções x e y sejam diferentes. Nesse caso,
podemos escrever

x(t) = A cos(ωx t − α) y(t) = B cos(ωy t − β) (2.65)

Se a razão ωx /ωy puder ser escrita como a razão entre dois números inteiros,
a curva será fechada, e nesse caso, chamada figura de Lissajous. Imagine, por
exemplo, que ωx /ωy = 1/2. Isto quer dizer que a partı́cula executa uma oscilação no
eixo x enquanto executa duas oscilações no eixo y. Após isso, ela estará novamente
no mesmo ponto com a mesma velocidade. Se ωx /ωy = 2/3, a partı́cula executa duas
oscilações no eixo x no mesmo intervalo de tempo em que executa três oscilações no
eixo y. As figuras de Lissajous para esses dois casos são exibidas na Figura 2.7.

3 3
y (cm/s)

0 0
y (cm)

3 3
x/ y = 1/2 x/ y = 2/3
4 0 4 4 0 4
x (cm) x (cm)

Figura 2.7: Figuras de Lissajous para A = 4 cm, B = 3 cm, α = β = 0 e duas


razões entre as frequências: ωx /ωy = 1/2 e ωx /ωy = 2/3.

Se ωx /ωy não for um número racional, a curva será aberta, ou seja, a partı́cula
nunca passa duas vezes pelo mesmo ponto com a mesma velocidade. À medida que
o tempo passa, a partı́cula vai passando por todos os pontos do retângulo.
Exercı́cio 2.6. Desenhe a figura de Lissajous para o caso em que A = B, ωx /ωy =
1/2, α = 0 e β = π/2.

2.3 Oscilações amortecidas


Considere agora um oscilador sujeito a uma força de amortecimento proporcional à
velocidade
F = −bẋ . (2.66)
A equação de movimento é dada por

mẍ = −kx − bẋ . (2.67)

38
Definindo o parâmetro de amortecimento como
b
β= , (2.68)
2m
podemos escrever
ẍ + 2β ẋ + ω02 x = 0 . (2.69)
Supondo uma solução da forma

x(t) = eλt (2.70)

temos
ẋ(t) = λeλt ẍ(t) = λ2 eλt , (2.71)
o que nos leva à equação auxiliar

λ2 + 2βλ + ω02 = 0 . (2.72)

As soluções desta equação do segundo grau são


q q
λ1 = −β + β 2 − ω02 e λ2 = −β − β 2 − ω02 , (2.73)

de forma que a solução geral da equação diferencial tem a forma


 √ 2 2 √ 2 2 
x(t) = e−βt A1 e β −ω0 t + A2 e− β −ω0 t . (2.74)

Aqui vamos distinguir três casos especiais que serão discutidos separadamente: mo-
vimento subamortecido (β < ω0 ), movimento criticamente amortecido (β = ω0 ) e
movimento superamortecido (β > ω0 ).

2.3.1 Movimento subamortecido


No caso de movimento subamortecido (β < ω0 ) é conveniente definir
q
ω12 = ω02 − β 2 ⇒ ω1 = ω02 − β 2 , (2.75)

de tal maneira que ω1 seja uma quantidade real. Assim a solução geral toma a forma

x(t) = e−βt A1 eiω1 t + A2 e−iω1 t ,



(2.76)

que pode ser reescrita como

x(t) = Ae−βt cos(ω1 t − δ). (2.77)

A Figura 2.8 mostra o gráfico de x(t) para o caso em que A = 5 cm, ω1 = 26


rad/s, β = 3 s−1 e δ = 0. Veja que a amplitude do movimento decresce no tempo
por causa do fator e−βt . O envelope da curva (pontilhado no gráfico) é dado por

xenv (t) = Ae−βt , (2.78)

e representa a amplitude efetiva num dado instante.

39
4
2

x (cm)
0
2
4
6
0.0 0.2 0.4 0.6 0.8 1.0
t (s)
Figura 2.8: Oscilador harmônico subamortecido com A = 5 cm, ω1 = 26 rad/s,
β = 3 s−1 e δ = 0.

A quantidade ω1 é chamada frequência angular do oscilador amortecido. A


rigor, o movimento não é periódico porque, como o movimento é amortecido, a
partı́cula nunca passa duas vezes no mesmo ponto com a mesma velocidade. Mesmo
assim, define-se o perı́odo do movimento como sendo o intervalo de tempo entre
duas passagens sucessivas da partı́cula pela origem no mesmo sentido, ou o intervalo
de tempo entre dois máximos da curva x(t). Em outras palavras, o perı́odo do
movimento é o perı́odo da função cosseno, dado por

τ1 = . (2.79)
ω1
Se β << ω0 , podemos escrever
q
ω1 = ω02 − β 2 ' ω0 . (2.80)
Suponha que ocorra um máximo de x(t) no instante t0 . A amplitude de oscilação
nesse instante é dada por
xenv (t0 ) = Ae−βt0 . (2.81)
Um perı́odo depois, a amplitude de oscilação é
xenv (t0 + τ1 ) = Ae−β(t0 +τ1 ) , (2.82)
de forma que a razão entre as amplitudes de oscilação em dois máximos consecutivos
é dada por
xenv (t0 )
= eβτ1 = e2πβ/ω1 . (2.83)
xenv (t0 + τ1 )
Note que a razão entre a amplitude do primeiro máximo e a amplitude do segundo
máximo é igual à razão entre as amplitudes do segundo e terceiro máximos, e assim
sucessivamente.
Exercı́cio 2.7. Se a amplitude de um oscilador subamortecido demora n perı́odos
para decrescer por um fator 1/e, sendo n >> 1, mostre que a frequência do oscilador
é dada por  
1
ω1 ' ω0 1 − 2 2
8π n

40
Exercı́cio 2.8. (a) Mostre que a energia mecânica de um oscilador subamortecido
pode ser escrita como
 
1
q
2 −2βt 2 2 2
E(t) = mA e ω0 + β cos2γ + β ω0 − β 2 sen2γ ,
2

onde γ(t) = ω1 t − δ. (b) Mostre que a taxa de perda de energia é dada por
 
dE
q
2 −2βt 2 3 2 2 2 2
= −mA e βω0 + (2β − βω0 ) cos2γ + 2β ω0 − β sen2γ .
dt

(c) Obtenha a taxa média de perda de energia no caso de um oscilador fracamente


amortecido (β << ω0 ).

2.3.2 Movimento criticamente amortecido


No caso em que β = ω0 , as duas soluções da equação auxiliar são iguais a −β.
Assim, só temos uma solução particular para a equação diferencial:

x(t) = e−βt . (2.84)

Como a equação diferencial é de segunda ordem, devemos ter duas soluçẽs par-
ticulares linearmente independentes, e portanto, devemos encontrar outra solução
particular. Você pode mostrar que

x(t) = te−βt (2.85)

também é solução. Assim, a solução geral é

x(t) = (A + Bt)e−βt , (2.86)

e velocidade é dada por

ẋ(t) = (B − βA − βBt)e−βt . (2.87)

A Figura 2.9 mostra os gráficos de x(t) para A = 6 cm, β = 0.5 s−1 e dois valores
diferentes de B. Na curva sólida, B = 5 cm/s, de forma que a velocidade inicial é
positiva. Quando t → ∞, x(t) tende assintoticamente a zero por valores positivos.
Na curva pontilhada, B = −4 cm/s, e a velocidade inicial é negativa. A curva corta
o eixo t e tende assintoticamente a zero por valores negativos.

2.3.3 Movimento superamortecido


No caso em que β > ω0 , a solução geral pode ser escrita como

x(t) = e−βt A1 eω2 t + A2 e−ω2 t ,



(2.88)

onde q
ω2 = β 2 − ω02 , (2.89)

41
8
A = 6 cm, B = 5 cm/s
6 A = 6 cm, B = 4 cm/s

x (cm)
2

0 2 4 6 8 10
t (s)
Figura 2.9: Oscilador harmônico criticamente amortecido para A = 6 cm, β = 0.5
s−1 e dois valores diferentes de B: B = 5 cm/s e B = −4 cm/s.

A velocidade é dada por

ẋ(t) = −e−βt (β − ω2 )A1 eω2 t + (β + ω2 )A2 e−ω2 t .


 
(2.90)

A Figura 2.10 ilustra três movimentos superamortecidos com ω2 = 3 rad/s e


β = 5 s−1 . Na curva sólida, A1 = 10 cm e A2 = −5 cm; a velocidade inicial é
positiva e x(t) é sempre positivo, tendendo assintoticamente a zero quando t → ∞.
Na curva pontilhada, A1 = 3 cm e A2 = 2 cm; a velocidade inicial é negativa e x(t)
mantém-se sempre positivo, tendendo assintoticamente a zero sem cortar o eixo t.
Na curva tracejada, A1 = −5 cm e A2 = 10 cm; a velocidade inicial é negativa, x(t)
corta o eixo t e tende assintoticamente a zero por valores negativos quando t → ∞.

A1 = 10 cm, A2 = 5 cm
6 A1 = 3 cm, A2 = 2 cm
A1 = 5 cm, A2 = 10 cm
4
x (cm)

2
0.0 0.5 1.0 1.5 2.0 2.5
t (s)
Figura 2.10: Oscilador harmônico superamortecido com ω2 = 3 rad/s, β = 5 s−1 e
três combinações diferentes de A1 e A2 : A1 = 10 cm e A2 = −5 cm; A1 = 3 cm e
A2 = 2 cm; A1 = −5 cm e A2 = 10 cm.

Exercı́cio 2.9. (a) Supondo uma solução do tipo

x(t) = γ(t)e−βt

42
para a equação
ẍ + 2β ẋ + ω02 x = 0 ,
obtenha uma equação diferencial para γ(t). (b) Obtenha γ(t) e x(t) para os oscila-
dores subamortecido, criticamente amortecido e superamortecido.

2.4 Oscilações com força externa senoidal


A seguir vamos acrescentar uma força externa do tipo

F (t) = F0 cosωt (2.91)

ao oscilador amortecido. Assim, a equação de movimento torna-se

mẍ = −kx − bẋ + F0 cosωt . (2.92)

Definindo f0 = F0 /m, podemos escrever

ẍ + 2β ẋ + ω02 x = f0 cosωt . (2.93)

A solução desta equação pode ser escrita como

x(t) = xh (t) + xp (t) (2.94)

onde  √ 2 2 √ 2 2 
xh (t) = e−βt A1 e β −ω0 t + A2 e− β −ω0 t (2.95)
é a solução da equação homogênea

ẍ + 2β ẋ + ω02 x = 0 . (2.96)

Como vimos na seção passada, dependendo dos valores de ω0 e β, podemos ter


movimento subamortecido, criticamente amortecido ou superamortecido.
Por sua vez, xp (t) é uma solução particular responsável pelo aparecimento do
termo f0 cosωt no lado direito da equação (2.93).
Como todas as derivadas de uma função senoidal são funções senoidais, uma boa
solução tentativa é
xp (t) = D cos(ωt − δ) . (2.97)
Substituindo esta solução em (2.93), temos

−ω 2 D cos(ωt − δ) − 2ωβD sen(ωt − δ) + ω02 D cos(ωt − δ) − f0 cosωt = 0 (2.98)

Expandindo sen(ωt − δ) e cos(ωt − δ), temos


  2
D (ω0 − ω 2 ) cosδ + 2ωβ senδ − f0 cosωt


+D (ω02 − ω 2 ) senδ − 2ωβ cosδ senωt = 0


 
(2.99)

Para que a expressão acima seja válida para qualquer t, os coeficientes do seno
e cosseno devem ser ambos nulos. Assim, devemos ter

D (ω02 − ω 2 ) cosδ + 2ωβ senδ − f0 = 0


 

(ω02 − ω 2 ) senδ − 2ωβ cosδ = 0 (2.100)

43
Da primeira equação, temos
f0
D= , (2.101)
(ω02 − ω 2 ) cosδ + 2ωβ senδ
e da segunda,
 
2ωβ −1 2ωβ
tgδ = 2 ou δ = tg 2
. (2.102)
ω0 − ω 2 ω0 − ω 2
Para obter uma expressão para D, precisamos das expressões para senδ e cosδ.
Da expressão para tgδ, é fácil ver que
2ωβ
senδ = p 2 (2.103)
(ω0 − ω 2 )2 + 4ω 2 β 2
e
ω2 − ω2
cosδ = p 2 0 (2.104)
(ω0 − ω 2 )2 + 4ω 2 β 2
Para chegar a essa conclusão, construa um triângulo retângulo com cateto oposto
igual a 2ωβ e cateto adjacente igual a ω02 − ω 2 ; isso reproduz
p a tangente dada na
2
Eq. (2.102). A hipotenusa desse triângulo é dada por (ω0 − ω 2 )2 + 4ω 2 β 2 , o que
leva às expressões dadas acima para senδ e cosδ. Com elas, a Eq. (2.101) torna-se
f0
D=p 2 . (2.105)
(ω0 − ω 2 )2 + 4ω 2 β 2

Para completar a solução, este resultado deve ser inserido na Eq. (2.97).
A presença da constante δ em xp (t) mostra que há um atraso de xp (t) em relação
à força aplicada. A Figura 2.11 mostra δ(ω) para ω0 = 20 rad/s e β = 5 s−1 . Note
que:
ω→0 ⇒ δ → tg−1 0+ = 0
ω = ω0 ⇒ δ = tg−1 ∞ = π/2
ω→∞ ⇒ δ → tg−1 0− = π
Cabe aqui uma justificativa para colocarmos δ no intervalo 0 < δ < π, em vez
de −π/2 < δ < π/2. Veja que δ é definido pela tangente, e para ω > ω0 , tgδ < 0.
Podemos ter cosδ < 0 e senδ > 0 ou cosδ > 0 e senδ < 0. A primeira opção torna
D positivo na Eq. (2.101), o que é mais conveniente porque D é a amplitude do
movimento (Eq. 2.97).
A solução homogênea dada pela Eq. (2.95) é chamada solução transiente. Por
causa do fator exponencial e−βt ela vai a zero para um tempo grande comparado com
1/β. Assim, para t >> 1/β, x(t) = xp (t), que é chamada solução estacionária.
Os detalhes do que ocorre antes da solução transiente desaparecer são ilustrados
na Figura 2.12, onde A = 6 cm, D = 3 cm, β = 3 s−1 , ω0 = 26 rad/s e ω = 17
rad/s. Por simplicidade a fase da solução homogênea foi feita igual a zero. Isso
não é importante aqui, mas como exercı́cio você pode calcular a fase δ da solução
particular. Note que a partir de t = 1 s, a solução geral (curva sólida) se confunde
com a solução particular (curva treacejada).

44
3.14

(rad)
2 1.57

0 20 40 60
0.00

(rad/s)
Figura 2.11: Fase do oscilador harmônico forçado em função de ω para ω0 = 20
rad/s e β = 5 s−1 .

8 xh (t)
xp (t)
6 x (t) = xh (t) + xp (t)
4
x (cm)

2
0
2
4
6
0.0 0.5 1.0 1.5 2.0 2.5
t (s)
Figura 2.12: Soluções homogênea, particular e geral para A = 6 cm, D = 3 cm,
β = 3 s−1 , ω0 = 26 rad/s e ω = 17 rad/s.

Vamos agora nos concentrar em instantes posteriores ao perı́odo transiente, em


que somente a solução estacionária sobrevive. A freqüência angular ω para a qual
a amplitude de oscilação D assume o seu valor máximo é chamada frequência de
ressonância (da amplitude), ωR . Assim
 
dD
=0. (2.106)
dω ωR
A derivada é dada por
dD 2ωf0 (ω02 − ω 2 − 2β 2 )
= 3/2
. (2.107)
dω [(ω02 − ω 2 )2 + 4ω 2 β 2 ]
Igualando a zero, obtemos q
ωR = ω02 − 2β 2 (2.108)
Observe que só haverá ressonância se 2β 2 < ω02 . Caso contrário, D é monotoni-
camente decrescente (dD/dω é sempre negativo).

45
O grau de amortecimento do sistema pode ser descrito pelo fator de qualidade,
definido como
ωR
Q= . (2.109)

Um parâmetro de amortecimento β pequeno implica em um Q grande. Nesse
caso, o termo 4ω 2 β 2 no denominador de (2.105) é pequeno, e a curva D(ω) tem um
pico alto próximo de ω = ω0 . Quando β vai aumentando, Q vai diminuindo, e o
pico vai se tornando cada vez mais baixo. À medida que ω vai se afastando de ω0 , o
termo 4ω 2 β 2 vai diminuindo a importância em comparação com (ω0 −ω)2 e as curvas
vão se aproximando uma da outra. No caso em que 2β 2 > ω02 , o pico desaparece. A
Figura 2.13 ilustra esses três casos. Amplitude D(ω) é exibida para f0 = 50 m/s2 ,
ω0 = 37 rad/s e três valores diferentes de β: β = 2 s−1 , β = 5 s−1 e β = 30 s−1 . No
último caso, 2β 2 > ω02 , de forma que não há ressonância.
Se Q for grande (β pequeno), somente oscilações com frequências muito próximas
a ω0 podem ser excitadas com amplitude considerável. Essa é uma condição desejável
em muitas situações fı́sicas, como por exemplo, um diapasão. Deseja-se que um
diapasão vibre com uma frequência definida para que ele emita um som puro (com
uma única frequência).

0.4
=2 s 1
0.3
=5 s 1
= 30 s 1
D (cm)

0.2

0.1

0.0
0 20 40 60 80
(rad/s)
Figura 2.13: Amplitude do oscilador harmônico forçado para f0 = 50 m/s2 , ω0 = 37
rad/s e três valores de β: β = 2 s−1 , β = 5 s−1 e β = 30 s−1 .

Da mesma forma que define-se a frequência de ressonância da amplitude, pode-


se definir outras frequências de ressonância. Por exemplo, a frequência de res-
sonância da energia cinética é definida como sendo a frequência para a qual a
amplitude da energia cinética assume o seu valor máximo.
Da Eq. (2.97), a velocidade pode ser calculada como

ẋp (t) = −ωD sen(ωt − δ) . (2.110)

Substituindo D da Eq. (2.105), temos


ωf0
ẋp (t) = − p 2 sen(ωt − δ) . (2.111)
(ω0 − ω 2 )2 + 4ω 2 β 2

46
A energia cinética pode ser escrita como
1 mf02 ω2
T = mẋ2 = sen2 (ωt − δ) . (2.112)
2 2 [(ω02 − ω 2 )2 + 4ω 2 β 2 ]
A frequência de ressonância pode ser obtida derivando a amplitude de T (Tmax )
em relação a ω e igualando a zero. Fazendo isso, obtemos
dTmax mf02 ω(ω04 − ω 2 )
= , (2.113)
dω [(ω02 − ω 2 )2 + 4ω 2 β 2 ]2
que leva a
ωT = ω0 (2.114)
Uma vez que a energia potencial é proporcional ao quadrado da amplitude, ela
é máxima quando a amplitude é máxima. Portanto, a frequência de ressonância
da energia potencial é dada por
q
ωU = ωR = ω02 − 2β 2 (2.115)

Exercı́cio 2.10. Considere um oscilador fracamente amortecido (β << ω0 ) sob


ação de uma força externa senoidal. Mostre que, próximo da ressonância, o fator de
qualidade é dado por
energia total
Q ' 2π .
perda de energia em um periodo
Exercı́cio 2.11. A meia largura da curva de ressonância, ∆ω, pode ser definida
como
√ o intervalo entre as duas frequências para as quais a amplitude corresponde a
1/ 2 da amplitude máxima. Mostre que para um oscilador fracamente amortecido
∆ω ' 2β. Note que, nesse caso, Q ' ω0 /∆ω.

2.5 Diagramas de fase


Em mecânica clássica, a posição e a velocidade caracterizam o estado da partı́cula.
Para movimento em uma dimensão, as quantidades x e ẋ são as coordenadas de um
ponto P (x, ẋ) em um espaço bidimensional, chamado espaço de fase. À medida
que o tempo passa, o ponto descrevendo o estado da partı́cula move-se ao longo de
um caminho de fase no espaço de fase.
Para condições iniciais diferentes, o movimento é descrito por caminhos de fase
diferentes. O espaço de fase de uma partı́cula que se move em 3 dimensões tem 6
dimensões. Para um sistema contendo N partı́culas, o espaço de fase possui 6N
dimensões.
Considere, como exemplo, um oscilador harmônico simples em uma dimensão.
A coordenada e a velocidade da partı́cula são dadas por
x(t) = A cos(ω0 t − δ) ẋ(t) = −Aω0 sen(ω0 t − δ) . (2.116)
Eliminando t dessas equações, obtemos
x2 ẋ2
+ =1, (2.117)
A2 ω02 A2

47
que é a equação de uma elipse. Como a energia mecânica de um oscilador harmônico
simples é dada por
1 1
E = kA2 = mω02 A2 , (2.118)
2 2
a equação da elipse pode ser reescrita como
x2 ẋ2
+ =1. (2.119)
2E/k 2E/m
p p
O espaço de fase é uma elipse com semieixos 2E/k e 2E/m. Note que a energia
mecânica não muda ao longo de um caminho de fase porque é uma constante de
movimento. Para cada valor de E, temos um caminho de fase diferente. A Figura
2.14 mostra os caminhos de fase para um oscilador harmônico simples onde k = 160
N/m e m = 0, 1 kg para dois valores diferentes de energia. Como exercı́cio, calcule
os semieixos nos dois casos e confira com a figura.

E = 0.072 J
2.4 E = 0.288 J

1.2
x (cm/s)

0.0

1.2

2.4
6 3 0 3 6
x (cm)

Figura 2.14: Diagramas de fase de um oscilador harmônico simples para k = 160


N/m, m = 0, 1 kg e dois valores de diferentes energia: 0, 072 J e 0, 288 J.

No MHS a aceleração é sempre contrária ao deslocamento, de forma que a ve-


locidade é decrescente para x positivo e crescente para x negativo. Assim o ponto
P (x, ẋ) percorre os caminhos de fase sempre no sentido horário.
Dois caminhos de fase diferentes não podem se cruzar. Se eles se cruzassem,
terı́amos duas soluções diferentes para a equação de movimento com as mesmas
condições iniciais, o que seria um absurdo.
Os caminhos de fase podem ser obtidos diretamente da equação de movimento
sem que tenhamos que calcular x(t). Por exemplo, no caso do oscilador harmônico,
temos
d2 x dẋ dẋ dx dẋ
2
= = = ẋ , (2.120)
dt dt dx dt dx
de forma que a equação de movimento pode ser escrita como
dẋ
ẋ = −ω02 x , (2.121)
dx
48
ou
ẋdẋ = −ω02 xdx . (2.122)
Integrando, obtemos
ẋ2 + ω02 x2 = C . (2.123)
Nos pontos de retorno (pontos extremos do movimento) temos ẋ = 0 e x = ±A,
de forma que C = ω02 A2 . Assim,

ẋ2 + ω02 x2 = ω02 A2 . (2.124)

Dividindo por ω02 A2 obtemos a Eq. 2.117.

2
x (m/s)

4
4 2 0 2 4
1x (m/s)

Figura 2.15: Diagrama de fase de um oscilador harmônico subamortecido com A =


3.9 cm, ω1 = 26 rad/s, β = 3 s−1 e δ = 0.

Como outro exemplo, vamos construir um diagrama de fase para um oscilador


subamortecido. A coordenada e a velocidade são dadas por:

x(t) = Ae−βt cos(ω1 t − δ) (2.125)

ẋ(t) = −Ae−βt [β cos(ω1 t − δ) + ω1 sen(ω1 t − δ)] . (2.126)


Por simplicidade, vamos admitir que β << ω0 . Assim ω1 ' ω0 , e portanto,
β << ω1 , de forma que

ẋ(t) = −ω1 Ae−βt sen(ω1 t − δ) . (2.127)

Neste problema é mais conveniente desenhar ẋ × ω1 x do que simplesmente ẋ × x.


Definindo
ρ = ω1 Ae−βt (2.128)

49
podemos escrever:
ω1 x = ρ cos(ω1 t − δ) = ρ cos(δ − ω1 t) (2.129)
ẋ = −ρ sen(ω1 t − δ) = ρ sen(δ − ω1 t) (2.130)
que é a equação de uma espiral logarı́tmica girando no sentido horário. A Figura 2.15
mostra o diagrama de fase de um oscilador harmônico subamortecido com A = 3.9
cm, ω1 = 26 rad/s, β = 3 s−1 e δ = 0.

Exercı́cio 2.12. Uma bola é atirada verticalmente para cima, a partir do solo, com
velocidade inicial v0 . Obtenha ẏ como função de y (ou y como função de ẏ) e desenhe
o diagrama de fase para o movimento da bola. Oriente o eixo y para cima, considere
y = 0 no solo e despreze a resistência do ar.

50
Capı́tulo 3

Gravitação

3.1 Força gravitacional e campo gravitacional


A Lei da Gravitação Universal foi formulada por Newton em 1666 e publicada em
seu livro Principia em 1687. Ela afirma que duas partı́culas pontuais se atraem
mutuamente com força proporcional ao produto das massas e inversamente propor-
cional ao quadrado da distância entre elas. Matematicamente, o módulo da força
de atração entre as duas massas da Figura 3.1 é dado por
mM
F =G , (3.1)
r2
onde G é a constante de proporcionalidade, chamada constante de gravitação
universal, e r é a distância entre as massas.

Figura 3.1: Duas massas pontuais separadas pelo vetor ~r.

Vetorialmente, a força que a massa M exerce sobre a massa m é dada por


mM ~r
F~ = −G 2 r̂ = −GmM 3 , (3.2)
r r
onde ~r é o vetor que vai de M até m e r̂ é o vetor unitário na direção de ~r.
A constante G foi medida pela primeira vez em 1798 por Henry Cavendish, que
obteve o valor
G = 6, 74 × 10−11 N · m2 /kg2 . (3.3)
O valor aceito atualmente é

G = 6, 674184 × 10−11 N · m2 /kg2 . (3.4)

51
A força de atração sofrida por uma partı́cula pontual de massa m colocada nas
proximidades de um corpo extenso (não pontual) pode ser calculada através do
princı́pio da superposição. Imaginamos o corpo dividido em pequenos elementos
infinitesimais e escrevemos a força total sobre a partı́cula como sendo a soma (inte-
gral) das forças devidas aos elementos. Assim, a força sobre a massa m da Figura
3.2 é dada por
~r − r~0
Z
F~ = −Gm ρ(r~0 )dv 0 , (3.5)
|~r − r~0 |3
onde ρ(r0 ) é a densidade volumétrica de massa e dv 0 é o elemento de volume na
posição r~0 ; ~r − r~0 é o vetor que vai do elemento de volume até a massa pontual.

Figura 3.2: Massa pontual nas vizinhanças de uma distribuição de massa.

O vetor campo gravitacional, ~g , é definido como sendo a força por unidade de


massa exercida sobre uma partı́cula de prova (a partı́cula de massa m). Assim, o
campo gravitacional no ponto ~r da figura acima (onde se encontra a massa m) é
dado por
~r − r~0
Z
~g (~r) = −G ρ(r~0 )dv 0 . (3.6)
|~r − r~0 |3
Observe que ~g é uma propriedade somente da distribuição de massa (não depende
da massa de prova). O campo gravitacional tem dimensão de força dividida por
massa, ou seja, de aceleração.
Se admitirmos que massa gravitacional é igual a massa inercial, o campo gravi-
tacional é a aceleração que uma massa de prova sofreria se fosse colocada no ponto
~r. No SI, g é medido em m/s2 = N/kg.
O campo gravitacional no ponto P da Figura 3.3, devido a uma massa pontual
M situada na origem, é dado por
M ~r
~g (~r) = −G r̂ = −GM (3.7)
r2 r3

Exercı́cio 3.1. Um satélite descreve uma órbita circular ao redor da Terra a uma
altura h acima da sua superfı́cie. Admitindo que a força gravitacional é a responsável
pelo movimento circular, determine o perı́odo do movimento.

52
Figura 3.3: Ponto nas vizinhanças de uma massa pontual.

Exercı́cio 3.2. Duas partı́culas de massas m1 e m2 descrevem órbitas circulares


em torno do centro de massa comum com velocidade angular ω. Supondo que as
únicas forças presentes são as atrações gravitacionais que uma partı́cula exerce sobre
a outra, obtenha expressões para os raios das órbitas.

3.2 Potencial gravitacional


Como
~r − r~0 1
~
= −O , (3.8)
~
|~r − r |0 3 |~r − r~0 |
podemos escrever a integral do campo gravitacional como
( Z )
Z
1 ρ( ~
r 0 )dv 0
~g (~r) = G ρ(r~0 )dv 0 O
~ ~ G
=O . (3.9)
|~r − r~0 | |~r − r~0 |

Note que O ~ contém derivadas em relação às coordenadas sem linha, de forma que:
(i) O não atua sobre ρ(r0 ); (ii) podemos trocar a ordem da aplicação de O
~ ~ com a
integração.
A expressão acima nos permite escrever o campo gravitacional como

~ Φ(~r) ,
~g (~r) = −O (3.10)

onde
ρ(r~0 )dv 0
Z
Φ(~r) = −G +C . (3.11)
|~r − r~0 |
Φ é chamado potencial gravitacional e C é uma constante aditiva que não altera o
valor do campo gravitacional.
Um caso interessante (e bastante comum) é o de uma distribuição localizada de
massa (a massa toda pode ser colocada dentro de uma esfera imaginária de raio
finito). Na integração, r0 nunca será infinito, e
 Z 
G ~0 0
lim Φ = lim − ρ(r )dv + C = C . (3.12)
r→∞ r→∞ r

Nesse caso, é conveniente escolher C = 0, tal que Φ → 0 quando r → ∞. Em geral


faremos isso.
Se a massa estiver distribuı́da em uma superfı́cie,

σ(r~0 )da0
Z
Φ(~r) = −G , (3.13)
S |~r − r~0 |

53
onde σ é a densidade superficial de massa e a integral é feita sobre a superfı́cie onde
está a massa.
Se a massa estiver distribuı́da ao longo de uma linha,

λ(r~0 )dl0
Z
Φ(~r) = −G , (3.14)
r − r~0 |
C |~

onde λ é a densidade linear de massa e a integral é feita sobre a linha (o fio) onde
está a massa.
Fazendo r~0 = 0 na Eq. (3.8), temos
~r 1
~ ,
= −O (3.15)
r 3 r
de forma que o campo gravitacional de uma massa pontual M situada na origem
pode ser escrito como
 
1 GM
~ = −O
~g (~r) = GM O ~ − (3.16)
r r
Assim, o potencial gravitacional devido à massa pontual é dado por
GM
Φ(~r) = − (3.17)
r
Uma interpretação fı́sica do potencial gravitacional pode ser dada em termos do
trabalho realizado pela força gravitacional sobre uma massa de prova. Suponha que
uma massa de prova m seja deslocada do ponto A até o ponto B através de um
caminho qualquer em um campo gravitacional. Como ~g é um gradiente, O ~ × ~g = 0,
e ~g é um campo conservativo, de forma que a integral não depende do caminho.

Figura 3.4: Integral de linha da força gravitacional ao longo de um caminho.

O trabalho realizado pela força gravitacional sobre a massa m é dado por


Z B Z B Z B
WAB = F~ · d~r = m~g · d~r = −m ~ Φ · d~r
O
A A A
Z B
= −m dΦ = −m(ΦB − ΦA ) , (3.18)
A

de forma que
WAB
ΦB − ΦA = − . (3.19)
m
54
Uma vez que a diferença de energia potencial é definida como UB − UA = −WAB ,
UB − UA
ΦB − ΦA = . (3.20)
m
Se A for o ponto onde escolhemos fazer o potencial e a energia potencial iguais
a zero, e se a posição do ponto B for dada pelo vetor ~r, podemos escrever

U (~r)
Φ(~r) = (3.21)
m
O potencial gravitacional é a energia potencial gravitacional por unidade de massa.

Exercı́cio 3.3. Uma partı́cula de massa m está em repouso a uma distância d de


um centro de força. Ela é atraı́da em direção a esse centro por uma força cujo
módulo é F = mk/x3 , onde k é uma constante positiva. (a) Obtenha uma expressão
para a energia
√ potencial da partı́cula. (b) Mostre que a partı́cula demora um tempo
t = d2 / k para atingir o centro de força.

3.3 Potencial gravitacional e campo gravitacional


de uma camada esférica de massa
Como aplicação do formalismo apresentado na seção anterior, vamos calcular o
campo gravitacional produzido por uma camada esférica de massa com raio in-
terno a e raio externo b (Figura 3.5). Vamos calcular ~g em três regiões distintas: no
exterior da camada (r > b), na cavidade interna (r < a), e na camada (a < r < b).
A idéia é obter primeiro o potencial, através de uma integral escalar mais fácil de
ser calculada, e depois calcular o campo a partir do gradiente do potencial.

Figura 3.5: Camada esférica de massa: elementos de integração.

Para realizar o cálculo do potencial, vamos partir da Eq. (3.11), fazendo C = 0


e ρ constante para a < r < b e zero em qualquer outro lugar. Neste problema é
conveniente usar um sistema de coordenadas esféricas, onde
2
dv 0 = r0 senθ0 dr0 dθ0 dφ0 . (3.22)

55
de forma que
b π 2π
dφ0
Z Z Z
02 0 0 0
Φ = −Gρ r dr senθ dθ . (3.23)
a 0 0 |~r − r~0 |
Como o integrando não depende de φ0 , a integral em φ0 pode ser calculada de
imediato. Assim Z b Z π
02 0 senθ0 dθ0
Φ = −2πGρ r dr (3.24)
a 0 |~r − r~0 |
A integral em θ0 é dada por
Z π Z π
senθ0 dθ0 senθ0 dθ0
= √
0 |~r − r~0 | 0 r2 + r0 2 − 2rr0 cosθ0
1 h p
2 + r 0 2 − 2rr 0 cosθ 0

= r (3.25)
rr0 0
1 hp 0 )2 −
p
0 )2
i
= (r + r (r − r .
rr0
Com este resultado, a expressão para o potencial torna-se

2πGρ b hp
Z p i
Φ=− (r + r0 )2 − (r − r0 )2 r0 dr0 . (3.26)
r a

A integral pode ser resolvida fazendo


2
u = r2 + r0 − 2rr0 cosθ0 ⇒ du = 2rr0 senθ0 dθ0 , (3.27)

de forma que a integral torna-se


1 √
Z
1 du
√ = 0 u. (3.28)
2rr0 u rr

Para ir além da Eq. (3.26), precisamos especificar a região onde está o ponto
P . Se o ponto P estiver no exterior da camada, como na Figura 3.5, r > r0 , de
forma que p p
(r + r0 )2 − (r − r0 )2 = (r + r0 ) − (r − r0 ) = 2r0 , (3.29)
Assim Z b
4πGρ 2 4πGρ 3
Φ=− r0 dr0 = − (b − a3 ) . (3.30)
r a 3r
Como a massa total da camada é dada por
4πρ 3
M= (b − a3 ) , (3.31)
3
podemos escrever
GM
.Φ=− (3.32)
r
Para efeito do cálculo do potencial no exterior da camada esférica, ela se com-
porta como se toda sua massa estivesse concentrada em seu centro. Este resultado
pode ser estendido para uma esfera maciça fazendo a → 0.

56
Se o ponto P estiver na cavidade, como na Figura 3.6, r < r0 , de forma que
p p
(r + r0 )2 − (r − r0 )2 = (r + r0 ) − (r0 − r) = 2r . (3.33)

Dessa forma, o potencial é dado por


Z b
Φ = −4πGρ r0 dr0 = −2πGρ(b2 − a2 ) (3.34)
a

Figura 3.6: Camada esférica de massa: ponto de observação na cavidade.

Eliminando ρ em favor da massa, temos


3GM b2 − a2
Φ=− . (3.35)
2 b 3 − a3
O potencial gravitacional na cavidade (r < a) é constante (independe de r).
Finalmente, devemos considerar a situação em que o ponto P está na camada
(b < r < a). Nesse caso, é conveniente dividir a camada em duas subcamadas, de
forma que P esteja no interior de uma delas e no exterior da outra, como mostra a
Figura 3.7. O potencial é a soma das contribuições das duas subcamadas: interna,
de raio menor a e raio maior r; e externa, de raio menor r e raio maior b. Utilizando
as soluções (3.30) e (3.34), com as devidas substituições, temos
4πGρ 3
Φ=− (r − a3 ) − 2πGρ(b2 − r2 ) . (3.36)
3r
Agrupando os termos, obtemos
2a3
 
2πGρ 2
Φ=− 3b − − r2 . (3.37)
3 r
Cuidado: você não pode usar diretamente as expressões (3.32) e (3.35), a não ser
que substitua a massa M pela massa de cada subcamada. Isso daria mais trabalho.
É mais fácil obter a equação acima, em termos de ρ, e depois usar a Eq. (3.31) para
obter o potencial em termos da massa total M . Fazendo isso, obtemos
2a3
 
GM 2 2
Φ=− 3 3b − −r . (3.38)
2(b − a3 ) r

57
Figura 3.7: Camada esférica de massa: ponto de observação na camada.

É interessante observar que esta solução leva ao mesmo resultado que (3.32)
quando r = b e ao mesmo resultado que (3.35) quando r = a. Em outras palavras,
o potencial é contı́nuo.
~ Φ. Em coordenadas
Por definição, o campo gravitacional é dado por ~g = −O
esféricas, a única componente não nula de ~g é

gr = − (3.39)
dr
Calculando as derivadas, obtemos:
gr = 0, r<a, (3.40)
a3
 
GM
gr = − 3 r − , a<r<b, (3.41)
(b − a3 ) r2
GM
gr = − 2 , r>b. (3.42)
r
A Figura 3.8 mostra um esboço do potencial e do campo gravitacional. Note
que, assim como Φ, gr também é contı́nuo em r = a e r = b.
Exercı́cio 3.4. Desprezando a resistência do ar, calcule a velocidade mı́nima que
uma partı́cula deve ter na superfı́cie da Terra para escapar do seu campo gravi-
tacional. Obtenha um valor numérico. Essa velocidade é chamada velocidade de
escape.
Exercı́cio 3.5. Mostre que a autoenergia gravitacional de uma esfera uniforme de
massa M e raio R é
3GM 2
U =− .
5R
Sugestão: considere que a esfera é formada acrescentando-se uma casca esférica de
cada vez, como uma cebola, e cada casca sente o potencial da esfera que já foi
formada.
Exercı́cio 3.6. Considere um hipotético planeta esférico, de raio R e massa M , co-
berto com uma densa nuvem esférica de poeira de espessura h e densidade constante
ρ. Determine a força sobre uma partı́cula de massa m colocada na nuvem de poeira,
a uma distância r do centro do planeta.

58
a b r
(r)

GM
b

3GM b 2 a2
2 b 3 a3

a b r
E(r)

GM
b2
0.05

Figura 3.8: Potencial gravitacional (acima) e campo gravitacional (em baixo) de


uma camada esférica de massa.

Exercı́cio 3.7. Uma partı́cula é deixada cair dentro de um hipotético buraco reto
que atravessa toda a Terra, passando pelo seu centro. Desprezando efeitos rotacio-
nais e supondo que a Terra possui uma densidade uniforme, mostre que a partı́cula
executa um movimento harmônico simples e calcule o perı́odo das oscilações.

Exercı́cio 3.8. Um planeta esférico de raio R possui uma massa M uniformemente


distribuı́da em seu volume. Mostre que o módulo do campo gravitacional no fundo
de um buraco de profundidade h é dado por
 
h
g = gs 1 − ,
R

onde gs é campo gravitacional na superfı́cie do planeta.

Exercı́cio 3.9. Calcule por integração, a partir da Eq. 3.5, a força gravitacional
sobre uma partı́cula de massa m situada no exterior de uma esfera homogênea de
massa M , a uma distância r do centro da esfera.

59
3.4 A lei de Gauss para ~g
A Lei da gravitação é semelhante, do ponto de vista matemático, à Lei de Coulomb
da eletrostática. Uma consequência disso é que existe uma Lei de Gauss para o
campo gravitacional, semelhante à Lei de Gauss para o campo elétrico. A Lei
de Gauss da gravitação relaciona o fluxo do campo gravitacional através de uma
superfı́cie fechada com a massa total existente no interior da superfı́cie.
O fluxo do campo gravitacional através de uma superfı́cie S é definido como
Z
Ψ = ~g · n̂ da , (3.43)
S

onde a integral é calculada sobre S e n̂ é o vetor unitário normal à superfı́cie no


elemento de área da.

Figura 3.9: Fluxo do campo gravitacional através de superfı́cies infinitesimais.

Visando chegar à Lei de Gauss, vamos calcular o fluxo de ~g través de três peque-
nas superfı́cies delimitadas por um estreito cone que contém uma massa pontual m
em seu vértice (Figura 3.9). A superfı́cie S2 é uma projeção da superfı́cie S3 no plano
perpendicular ao vetor ~g , que por sua vez é radial apontando para a massa. Como
as superfı́cies são pequenas, elas são aproximadamente planas, e não é necessário
calcular a integral. O fluxo através de S3 é dado por

Ψ3 = g2 S3 cos(π − θ) = −g2 S3 cosθ = −g2 S2 = Ψ2 . (3.44)

Os fluxos através das superfı́cies S2 e S3 são iguais.


Chamando de r2 a distância da massa m até o ponto onde estão as superfı́cies
S2 e S3 , podemos escrever
Gm
Ψ3 = Ψ2 = − 2 S2 . (3.45)
r2
Analogamente, o fluxo através de S1 é dado por
Gm
Ψ1 = − S1 . (3.46)
r12

60
Mas, independente do formato das superfı́cies, as suas dimensões (por exem-
plo, os diâmetros se as superfı́cies forem circulares) são proporcionais às respectivas
distâncias ao vértice do cone, ou seja,
dim2 dim1
= . (3.47)
r2 r1
Por sua vez, as áreas são proporcionais aos quadrados das dimensões, tal que
S2 S1
2
= 2 . (3.48)
r2 r1

A razão S/r2 (chamada ângulo sólido) é a mesma para todas as superfı́cies per-
pendiculares à direção radial, o que garante que

Ψ3 = Ψ2 = Ψ1 . (3.49)

Considere agora o fluxo de ~g , devido a uma massa pontual m, através de uma


superfı́cie fechada arbitrária que contém a massa em seu interior (Figura 3.10). O
resultado que acabamos de obter nos permite trocar a superfı́cie arbitrária por uma
esfera centrada na massa. Para cada elemento da superfı́cie arbitrária do tipo S2 ,
existe um elemento da esfera do tipo S1 que contribui com o mesmo fluxo. Então o
fluxo total através da superfı́cie arbitrária é igual ao fluxo através da esfera, que é
fácil de ser calculado. Assim
I I I
Gm Gm
~g · n̂ da = ~g · n̂ da = 2
cos180◦ da = − 2 Sesf = −4πGm . (3.50)
arb esf esf resf resf

Figura 3.10: Massa pontual no interior de uma superfı́cie fechada.

Na sequência, suponha que a massa m se encontre no exterior da superfı́cie


fechada (Figura 3.11). Os elementos de superfı́cie S1 e S2 contribuem com fluxos
que possuem o mesmo o módulo, mas Ψ1 é positivo (para fora) enquanto que Ψ2 é
negativo (para dentro). Portanto, Ψ1 + Ψ2 = 0. Como para cada elemento de área
do tipo S1 existe um elemento correspondente do tipo S2 , concluı́mos que o fluxo
total de ~g através da superfı́cie fechada é nulo.

61
Figura 3.11: Massa pontual no exterior de uma superfı́cie fechada.

Finalmente considere uma superfı́cie fechada que contém duas massas, m1 e m2 ,


em seu interior e uma massa m3 em seu exterior (Figura 3.12). Os fluxos dos campos
gravitacionais devidos a essas massas são dados por
I
~g1 · n̂ da = −4πGm1
IS
~g2 · n̂ da = −4πGm2
IS
~g3 · n̂ da = 0
S

Figura 3.12: Duas massas no interior e uma no exterior de uma superfı́cie fechada.

Somando as três integrais e usando o fato que o campo gravitacional resultante


é ~g = ~g1 + ~g2 + ~g3 , podemos escrever
I
~g · n̂ da = −4πG(m1 + m2 ) . (3.51)
S

Generalizando a ideia: o fluxo do campo gravitacional devido a várias massas pon-


tuais através de uma superfı́cie fechada é dado por
I
~g · n̂ da = −4πGMi , (3.52)
S

onde Mi representa a soma de todas as massas que estão no interior da superfı́cie.


As massas que estão fora da superfı́cie não contam para o cálculo de Mi . Esta é a

62
Lei de Gauss para o campo gravitacional. A superfı́cie é chamada superfı́cie
gaussiana.
Como exemplo de aplicação da Lei de Gauss, vamos usá-la para calcular nova-
mente o campo gravitacional da camada esférica de massa da Seção 3.3 na
região a < r < b.
Inicialmente, considere o fluxo de ~g através da superfı́cie (gaussiana) esférica de
raio r (a < r < b) da Figura 3.13. Como n̂ aponta na direção radial para fora, e ~g
é radial apontando para dentro,
I I I

~g · n̂ da = g da cos180 = −g da = −g 4πr2 , (3.53)
S S S

Figura 3.13: Superfı́cie gaussiana em uma camada esférica de massa.

Por sua vez, a massa contida no interior da superfı́cie pode ser calculada por
uma regra de três simples:

Mi → 4π (r3 − a3 )
3 r 3 − a3
⇒ Mi = M 3
b − a3
M → 4π (b3 − a3 )

3

Substituindo esses resultados na Lei de Gauss, obtemos


r 3 − a3
−g 4πr2 = −4πGM , (3.54)
b 3 − a3
de forma que
a3
 
GM
g= 3 r− 2 . (3.55)
b − a3 r
Este é o mesmo resultado obtido na Seção 3.3, exceto pelo sinal. Antes havı́amos
calculado a componente gr , que é negativa. Aqui estamos calculando o módulo de
~g , que obviamente é positivo.

3.5 Marés
Há muito tempo as marés oceânicas despertam interesse. Várias pessoas tentaram,
sem sucesso, explicar a origem das marés e o porque da existência de duas marés altas

63
e duas marés baixas por dia, até que Newton conseguiu apresentar uma explicação
convincente baseada nas atrações gravitacionais da Lua e do Sol sobre a água do
mar. A explicação não é tão simples porque o fenômeno é observado da superfı́cie
da Terra, que não é um referencial inercial. A Terra e a Lua se movem em torno
do Sol e a Terra gira ao redor do seu eixo. Em nossa análise vamos fazer duas
simplificações: vamos desprezar a rotação da Terra e a atração gravitacional do Sol
(cujo efeito será estimado em um exercı́cio). A geometria do problema é ilustrada na
Figura 3.14: r~0 é a posição de uma porção de água do mar, de massa m, em relação
a um referencial inercial; ~r é a posição dessa porção de água em relação ao centro
da Terra e R ~ a sua posição em relação à Lua; Q
~ é a posição do centro da Terra em
~ a posição do centro da Terra em relação à Lua;
relação ao referencial inercial, e D
MT é a massa da Terra e ML a massa da Lua.

Figura 3.14: Sistema de coordenadas inercial para expressar a força das marés.

Da Segunda Lei de Newton, aceleração da porção de água em relação ao referen-


cial inercial é dada pela equação

d2 r~0 GmMT GmML


m 2
=− 2
r̂ − R̂ . (3.56)
dt r R2
O primeiro termo corresponde à atração gravitacional exercida sobre a porção de
água pela Terra e o segundo é a força gravitacional devida à Lua. Simplificando a
massa m, obtemos
d2 r~0 GMT GML
2
= − 2 r̂ − R̂ (3.57)
dt r R2
Mas o que um observador na Terra vê é a aceleração da porção de água no
referencial da Terra, e não em relação ao referencial inercial. Em outras palavras,
ele vê d2~r/dt2 e não d2 r~0 /dt2 .
Como ~r = r~0 − Q,~
d2~r ~
d2 r~0 d2 Q
= − (3.58)
dt2 dt2 dt2

64
A aceleração da Terra, devida à força gravitacional exercida pela Lua, no refe-
rencial inercial é dada por
~
d2 Q GML MT
MT 2
=− D̂ . (3.59)
dt D2
Simplificando a massa da Terra, temos
~
d2 Q GML
= − D̂ . (3.60)
dt2 D2
de forma que !
2
d ~r GMT R̂ D̂
2
= − 2 r̂ − GML 2
− 2 . (3.61)
dt r R D
Se a Lua não fosse levada em conta, somente o primeiro termo apareceria. O
segundo termo é devido à força gravitacional exercida pela Lua e o responsável
pelas marés. Multiplicado por m, ele dá a força efetiva sobre a massa, vista por um
observador na Terra. Essa força é chamada força das marés e dada por
!
R̂ D̂
F~mar = −GmML − . (3.62)
R2 D 2

Em seguida vamos calcular a força das marés em um ponto sobre a superfı́cie


da Terra, por simplicidade, suposto sobre o equador. A geometria é ilustrada na
Figura 3.15, onde xy é o plano da órbita da Lua ao redor da Terra (que coincide
~ que vai da Lua até
com o plano do equador) e o eixo x está na direção do vetor D,
a Terra. A Terra gira em torno do eixo z.
Como D̂ = ı̂,
D̂ ı̂
2
= 2 ; (3.63)
D D
Por outro lado,
~ = (D + rcosθ) ı̂ + rsenθ ̂ ,
R (3.64)
onde r é o raio da Terra. Assim
R̂ (D + rcosθ) ı̂ + rsenθ ̂ (D + rcosθ) ı̂ + rsenθ ̂
2
= 2 2 3/2
= . (3.65)
R [(D + rcosθ) + (rsenθ) ] [D2 + 2rDcosθ + r2 ]3/2

Considerando que r << D (r = 6, 38 × 103 km e D = 3, 84 × 105 km), podemos


escrever
R̂ (D + rcosθ) ı̂ + rsenθ ̂ (D + rcosθ) ı̂ + rsenθ ̂
= 3/2
' . (3.66)
R 2 2 3 1 + 2r cosθ 3/2
 
D3 1 + 2r r
 
D
cosθ + D 2 D D

Usando a aproximação
3
(1 + )−3/2 ' 1 −  (3.67)
2
com
2r
= cosθ , (3.68)
D
65
Figura 3.15: Sistema de coordenadas simplificado para expressar a força das marés.

podemos escrever

R̂ 1 h r  r i 3r

' 2 1 + cosθ ı̂ + senθ ̂ 1 − cosθ . (3.69)
R2 D D D D
Considerando os termos até primeira ordem em r/D, obtemos
  
R̂ 1 2r r
' 2 1 − cosθ ı̂ + senθ ̂ . (3.70)
R2 D D D
Dentro dessa aproximação, escrevemos a força das marés como
GmML r
F~mar ' [2cosθ ı̂ − senθ ̂] . (3.71)
D3
A seguir apresentamos os vetores F~mar calculados para 8 ângulos e desenhamos
esses vetores na Figura 3.16.
2GmML r
a. θ = 0 : F~mar = ı̂ ;
D3
√ !
π GmM L r √ 2
b. θ = F~mar = 3
2 ı̂ − ̂ ;
4 D 2
π GmML r
c. θ = : F~mar = − ̂ ;
2 D3
√ !
3π GmM L r √ 2
d. θ = : F~mar = − 2 ı̂ + ̂ ;
4 D3 2
2GmML r
e. θ = π : F~mar = − ı̂ ;
D3
√ !
5π GmM L r √ 2
f. θ = : F~mar = − 2 ı̂ + ̂ ;
4 D3 2
3π GmML r
g. θ = : F~mar = ̂ ;
2 D3
√ !
7π GmM L r √ 2
h. θ = : F~mar = 2 ı̂ + ̂ .
4 D3 2

66
Figura 3.16: Diagrama indicando a direção da força da marés em vários pontos da
superfı́cie da Terra.

Da figura, é fácil entender o efeito das marés. Por exemplo, nos pontos a e e as
forças são radiais e para fora: marés altas. Nos pontos c e g as forças são radiais e
para o centro da Terra: marés baixas. Como a Terra executa uma rotação completa
a cada 24 h, temos aproximadamente duas marés altas e duas marés baixas por dia.
O efeito da força gravitacional do Sol pode ser tratado da mesma maneira. Ele é
menor do que o efeito da força da Lua, mas não é desprezı́vel. Outro fato que deve
ser levado em conta é a revolução orbital da Lua em torno da Terra. Os Exercı́cios
a seguir abordam esses assuntos.

Exercı́cio 3.10. Mostre que a razão entre as magnitudes das forças das marés
produzidas pelo Sol e pela Lua é dada por
 3
FSol MSol DLua
= ,
FLua MLua DSol

e obtenha um valor numérico para essa razão.

Exercı́cio 3.11. A revolução orbital da Lua ao redor da Terra leva 27,3 dias e segue
o mesmo sentido da rotação da Terra. Utilize essa informação para mostrar que as
marés altas ocorrem a cada 12 h e 26 min.

67
Capı́tulo 4

Movimento em um campo de força


central

4.1 Massa Reduzida


Neste capı́tulo vamos estudar o movimento de dois corpos sujeitos a uma força
dirigida ao longo da linha que os une, chamada força central. Em princı́pio,
necessitamos de seis coordenadas para descrever os vetores ~r1 e ~r2 que especificam
as posições das duas partı́culas. Em termos dessas coordenadas, a energia mecânica
do sistema pode ser escrita como
1 d~r1 2 1 d~r2 2
E = m1 | | + m2 | | + U (|~r1 − ~r2 |) . (4.1)
2 dt 2 dt
Note que U só depende da distância entre as partı́culas.
De forma alternativa, o sistema pode ser descrito pelo vetor posição do centro
de massa, R, ~ e pelo vetor ~r = ~r1 − ~r2 que fornece a posição de uma partı́cula em
relação à outra (Figura 4.1).

Figura 4.1: Vetores indicando as posições de duas partı́culas sujeitas a um campo


de força central.

Não havendo força externa atuando sobre o sistema, o centro de massa move-se
com velocidade constante. Assim, a posição do centro de massa é um referencial

68
inercial, e portanto, é conveniente colocar a origem do sistema de coordenadas no
centro de massa. Por definição, a posição do centro de massa é dada por

~ = m1~r1 + m2~r2 .
R (4.2)
m1 + m2
~ = 0 é equivalente a fazer
Fazer R

m1~r1 + m2~r2 = 0 . (4.3)

Combinando essa equação com

~r = ~r1 − ~r2 , (4.4)

obtemos
m2 m1
~r1 = ~r ~r2 = − ~r . (4.5)
m1 + m2 m1 + m2
Substituindo esse resultado na expressão da energia mecânica, temos
1 d~r
E = µ | |2 + U (r) , (4.6)
2 dt
onde µ é a massa reduzida do sistema, definida como
m1 m2
µ= . (4.7)
m1 + m2
Por sua vez, o momento angular do sistema pode ser escrito como

~l = ~r1 × p~1 + ~r2 × p~2 = m1~r1 × d~r1 + m2~r2 × d~r2 . (4.8)


dt dt
Substituindo ~r1 e ~r2 em termos de ~r, obtemos

~l = µ ~r × d~r . (4.9)
dt

4.2 Teoremas de conservação


De acordo com os resultados da seção anterior, o problema que vamos resolver passa
a ser o de uma partı́cula fictı́cia de massa µ, com posição dada pelo vetor ~r, sujeita
a um potencial central U (r). Como a força que atua sobre a partı́cula é dirigida
para o centro de força (origem do vetor ~r), o torque atuando sobre ela é nulo:
~ = ~r × F~ = 0 .
N (4.10)

Assim, o vetor momento angular


~l = ~r × p~ (4.11)

é constante. Como os vetores ~r e p~ devem ser perpendiculares ao vetor ~l, que é


constante em módulo direção e sentido, então a partı́cula move-se no plano perpen-
dicular a ~l. Portanto, necessitamos de apenas duas coordenadas para descrever a

69
posição da partı́cula, e como U só depende de r, é conveniente usar o sistema de
coordenadas polares.
A energia mecânica pode ser escrita em coordenadas polares como (ver Apêndice)
1
E = µ(ṙ2 + r2 θ̇2 ) + U (r) . (4.12)
2
Nesse sistema de coordenadas, o módulo do momento angular em relação à ori-
gem pode ser escrito como
l = µr2 θ̇ = cte , (4.13)
onde µr2 é o momento de inércia da partı́cula de massa µ.
O fato do momento angular se conservar nos leva a um resultado interessante
que mostraremos a seguir. A Figura (4.2) mostra a trajetória da partı́cula e a área
varrida pelo vetor ~r em um intervalo de tempo dt, dada por
1
dA = r2 dθ . (4.14)
2
Dividindo por dt, obtemos
dA 1 dθ 1 l
= r2 = r2 θ̇ = . (4.15)
dt 2 dt 2 2µ

Figura 4.2: Área varrida pelo vetor ~r em um intervalo de tempo dt.


Como l é constante, a taxa com que a área é varrida é constante. Esse
resultado foi obtido por Kepler em 1609 a partir de observações das posições dos
planetas e é conhecido como Segunda Lei de Kepler ou Lei das Áreas para o
movimento planetário. Deve-se notar, contudo, que a obtenção da Lei das Áreas só
exige que a força seja central: ela não requer que a força obedeça a lei de inverso do
quadrado da distância, como no caso do movimento planetário.
Uma vez que não há força externa atuando sobre o sistema, o momento linear
também é conservado. Entretanto, esse fato não traz qualquer consequência nova, já
que adotamos a posição do centro de massa como origem, de forma que o momento
linear do sistema já é automaticamente nulo.
Resta abordar a conservação da energia mecânica. Como nenhuma força dissi-
pativa atua sobre o sistema, a energia mecânica também é uma constante de movi-
mento. Das Eqs. (4.12) e (4.13), podemos escrever
1 2 l2
E = µṙ + + U (r) = cte . (4.16)
2 2µr2

70
4.3 Equações de movimento
A Eq.(4.16) pode ser escrita como
s
dr 2 l2
ṙ = =± (E − U ) − 2 2 , (4.17)
dt µ µr

que integrada, leva a Z


dt
t(r) = ± q . (4.18)
2 l2
µ
(E − U) − µ2 r2

Se pudermos resolver a integral, e conseguirmos inverter a função t(r), teremos r(t).


A equação da trajetória, r(θ), pode ser obtida através da transformação

dr dr dθ dr
ṙ = = = θ̇ . (4.19)
dt dθ dt dθ
Da Eq. (4.13), temos
l dr
ṙ = . (4.20)
µr2 dθ
Usando esse resultado, a Eq. (4.17) pode ser reescrita como
s
l dr 2 l2
= ± (E − U ) − , (4.21)
µr2 dθ µ µ2 r 2
ou Z
l dr
θ(r) = ± ·r  . (4.22)
r2 
l2
2µ E − U − 2µr2

Essa equação fornece a solução formal, mas o cálculo da integral só é possı́vel para
algumas leis de força especiais. Em particular, se a força for proporcional a alguma
potência de r (F ∝ rn ) existem soluções simples somente para n = 1, –2 e –3. O
caso n = 1 corresponde ao oscilador harmônico (discutido no Capı́tulo 2) e o caso
n = –2 corresponde à lei do inverso do quadrado da distância (incluindo a Lei da
Gravitação e a Lei de Coulomb) que vamos discutir nas próximas seções.
Outra forma de se obter a equação da trajetória, r(θ), é aplicando diretamente
a Segunda Lei de Newton. Usado o resultado do Apêndice para a aceleração em
coordenadas polares e o fato da força só ter componente radial, podemos escrever

µr̈ − µrθ̇2 = F (r) . (4.23)

Podemos obter uma equação diferencial envolvendo r e θ transformando as de-


rivadas de r em relação a t em derivadas em relação a θ. Derivando a Eq. (4.20) e
usando (4.13), temos
     
d l dr d l dr dθ l d l dr
r̈ = = = 2 . (4.24)
dt µr2 dθ dθ µr2 dθ dt µr dθ µr2 dθ

71
Os cálculos ficam mais simples se usarmos a variável u, definida através da relação
1
r= . (4.25)
u
Com isso, podemos escrever
dr dr du 1 du
= =− 2 , (4.26)
dθ du dθ u dθ
de forma que
lu2 d lu2 l 2 u 2 d2 u
  
1 du
r̈ = − 2 =− 2 . (4.27)
µ dθ µ u dθ µ dθ2
Por outro lado, de (4.13), podemos escrever

l2 l2 3
rθ̇2 = = u . (4.28)
µ2 r 3 µ2
Substituindo as duas últimas equações em (4.23), temos

d2 u
 
µ 1
+ u = − F . (4.29)
dθ2 l2 u2 u
Em termos de r,
d2 µr2
 
1 1
+ = − 2 F (r) . (4.30)
dθ2 r r l

4.4 Partı́cula descrevendo uma espiral logarı́tmica


As equações (4.29) e (4.30) nos permitem obter a lei de força a partir da equação da
trajetória da partı́cula. Como exemplo, vamos considerar uma partı́cula que descreve
uma órbita dada por r = keαθ , onde k e α são constantes (espiral logarı́tmica).
Derivando 1/r duas vezes em relação a θ, obtemos:

d e−αθ −αe−αθ
   
d 1
= = , (4.31)
dθ r dθ k k

d2 1 α2 e−αθ α2
 
= = . (4.32)
dθ2 r k r
Supondo que a partı́cula esteja sujeita a uma força central, podemos substituir esse
resultado em (4.30) para obter

l2
 2
l2 (α2 + 1)

α 1
F (r) = − 2 + =− . (4.33)
µr r r µr3
Portanto, a força é atrativa e inversamente proporcional ao cubo da distância.
A partir de r(θ) também podemos obter r(t) e θ(t). Em especial, θ(t) pode
ser obtida diretamente da Eq. (4.13), escrita na forma θ̇ = l/µr2 . Substituindo a
equação da trajetória, temos
dθ l
= , (4.34)
dt µk e2αθ
2

72
ou
l
e2αθ dθ = dt . (4.35)
µk 2
Integrando de ambos os lados, obtemos
e2αθ l
= t + C1 . (4.36)
2α µk 2
Multiplicando por 2α e fazendo C = 2αC1 , podemos escrever
2αl
e2αθ = t+C . (4.37)
µk 2
Isolando θ, chegamos à forma final
 
1 2αl
θ(t) = ln t+C . (4.38)
2α µk 2
C pode ser determinado se θ for conhecido para algum valor de t, por exemplo, para
t = 0.
Da equação da trajetória,

r = keαθ = k e2αθ . (4.39)

Da Eq. (4.37), temos s


2αl
r(t) = t + k2C . (4.40)
µ
Finalmente, das expressões para F (r) e r(t), podemos obter uma expressão para
a energia mecânica da partı́cula.
Da força, podemos obter a energia potencial. Como F~ = −∇U ~ , e U só depende
de r, concluı́mos que a força só possui componente radial, dada por
dU
Fr = − . (4.41)
dr
A integração dessa equação leva a
Z
U (r) = − F (r)dr . (4.42)

Substituindo F (r), obtemos


l2 (α2 + 1) l2 (α2 + 1)
Z
dr
U (r) = = − . (4.43)
µ r3 2µr2
Note que escolhemos a constante integração igual a zero para que U → 0 no limite
r → ∞.
O primeiro termo da energia cinética em (4.16) é 12 µṙ2 , e para calculá-lo preci-
samos de ṙ. Derivando a Eq. (4.40), obtemos
αl 1 αl
ṙ(t) = q = , (4.44)
µ 2αl t + k 2 C µr
µ

73
de forma que
1 2 α2 l 2
µṙ = . (4.45)
2 2µr2
Finalmente, de (4.16), temos

α2 l 2 l2 l2 (α2 + 1)
E= + − =0. (4.46)
2µr2 2µr2 2µr2
Exercı́cio 4.1. A órbita de uma partı́cula de massa µ e momento angular l, sujeita
a uma força central, é dada por
a
r=
θ+β
onde a e β são constantes; a é positivo e β pode ter qualquer sinal. Adotando a
convenção θ = 0 para t = 0, obtenha expressões para θ(t) e r(t).
Exercı́cio 4.2. Obtenha a lei de força central que leva uma partı́cula a mover-se
em uma circunferência de raio a, passando pelo centro de força.
Exercı́cio 4.3. Considere uma partı́cula movendo-se em um campo central com
força atrativa dada por F (r) = –k/r3 . Resolva a Eq. (4.29) e obtenha as equações
das trajetórias para os casos: (a) l2 = µk; (b) l2 > µk; (c) l2 < µk.

4.5 Força centrı́fuga e potencial efetivo


Na Eq. (4.22) aparece a expressão

l2
E−U − , (4.47)
2µr2
que obviamente tem dimensão de energia. Se interpretamos o último termo como
uma energia potencial,
l2
Uc = , (4.48)
2µr2
a força associada a ele seria dada por
dUc l2
Fc = − = 3 . (4.49)
dr µr
Substituindo l da Eq. (4.13), temos

Fc = µrθ̇2 . (4.50)

Essa quantidade é chamada força centrı́fuga, embora não seja propriamente uma
força. Por sua vez, Uc é chamado potencial centrı́fugo. Energia potencial centrı́fuga
seria um nome melhor, embora também não seja de fato uma energia potencial, e
sim a parte da energia cinética que é associada ao momento angular. Apesar disso,
é conveniente definir o potencial efetivo
l2
V (r) = U (r) + Uc (r) = U (r) + , (4.51)
2µr2

74
que nos permite ver o problema como se fosse unidimensional. Note que apenas a
coordenada r se faz presente. Em termos do potencial efetivo, a energia mecânica
(4.16) pode ser reescrita como
1
E = µṙ2 + V (r) . (4.52)
2
No restante desta seção vamos focar no caso da lei de força de inverso do
quadrado da distância,
k
F (r) = − 2 . (4.53)
r
Essa lei é de especial interesse porque inclui as forças gravitacional e eletrostática.
A energia potencial associada é
Z
k
U (r) = − F (r)dr = − , (4.54)
r
de forma que o potencial efetivo é dado por

k l2
V (r) = − + . (4.55)
r 2µr2

A Figura 4.3 mostra o potencial efetivo V (r) e suas partes U (r) e Uc (r) para a
lei de força de inverso do quadrado da distância. Como 12 µṙ2 é sempre positivo, a
partı́cula só pode estar nas regiões onde E ≥ V (r).

Figura 4.3: Potenciais U (r), Uc (r) e V (r) para a lei de força de inverso do quadrado
da distância.

75
Se E ≥ 0, como E1 no gráfico, o movimento da partı́cula é ilimitado. Ela vem do
infinito, é refletida no ponto r1 e volta de novo para o infinito. Conforme veremos
na próxima seção, a trajetória é uma parábola (E = 0) ou uma hipérbole (E > 0).
Se E for maior que o valor mı́nimo do potencial efetivo e menor que zero, como
E2 no gráfico, o movimento da partı́cula é limitado à região r2 ≤ r ≤ r4 . Nesse caso,
veremos que a trajetória é uma elipse.
Se E for igual ao valor mı́nimo do potencial efetivo (E3 no gráfico), o movimento
da partı́cula é restrito a um único valor da coordenada radial (r3 ). Portanto, o
movimento é circular. A partı́cula não pode ter energia menor que esse valor.
Exercı́cio 4.4. Mostre que a posição de mı́nimo do potencial efetivo na Figura 4.3
é r3 = l2 /µk e que o valor mı́nimo desse potencial é E3 = −µk 2 /2l2 .

4.6 Movimento dos planetas


A equação da trajetória em um problema de força central pode ser obtida se conse-
guirmos integrar a Eq. (4.22). Para o caso da lei de força de inverso do quadrado
da distância, podemos escrever
Z
1 dr
θ(r) = 2
·q , (4.56)
r 2µE 2µk 1
+ l2 r − r 2
l2

onde consideramos somente o sinal positivo antes da integral. Mais à frente vai ficar
claro que considerar o sinal negativo levaria à mesma solução.
Essa integral pode ser reescrita em uma forma tabelada com a substituição
1 du
r= ⇒ dr = − (4.57)
u u2
Com essa mudança, obtemos
Z
du
θ=− q . (4.58)
2µk 2µE
−u2 + l2
u + l2

Usando o resultado (que vale para a negativo)


Z  
du 1 −1 2au + b
√ = −√ sen √ , (4.59)
au2 + bu + c −a b2 − 4ac
com a = −1, b = 2µk/l2 e c = 2µE/l2 , podemos escrever
 
2 2µk
− + l2
θ = sen−1  q r +C . (4.60)
2µk 2 8µE
( l2 ) + l2

Aplicando a função seno, temos


l 1 2
1 − µk r
sen(θ − C) = q , (4.61)
2
1 + 2El
µk2

76
Definindo s
l2 2El2
α= e ε= 1+ , (4.62)
µk µk 2
temos
1 − αr
sen(θ − C) = . (4.63)
ε
Neste momento é conveniente fazer C = π/2, tal que sen(θ–C) = – cosθ, e
α
= 1 + ε cosθ . (4.64)
r
Note que o valor mı́nimo de r ocorre para θ = 0 (cosθ máximo), de maneira que
escolher C = π/2 significa medir o ângulo a partir da posição onde r assume o seu
valor mı́nimo (a posição onde a partı́cula passa mais perto do centro de força). Note
também que escolher o sinal – na Eq. (4.22) seria equivalente a trocar θ por −θ, o
que levaria à mesma solução.
As curvas definidas por (4.64) são seções cônicas com foco na origem: circun-
ferência, elipse, parábola ou hipérbole, dependendo do valor da quantidade ε, cha-
mada excentricidade.
Se ε = 0 (E = –µk 2 /2l2 ), temos r = α para qualquer valor de θ, e portanto a
curva é uma circunferência de raio α com centro na origem. Veja que este valor de
E é igual ao valor mı́nimo do potencial efetivo (E3 na Figura 4.3).
Se ε = 1 (E = 0, como E1 na Figura 4.3), podemos escrever

α = r + r cosθ . (4.65)

Em coordenadas cartesianas
p
α−x= x2 + y 2 . (4.66)

Elevando ao quadrado de ambos os lados e simplificando, podemos escrever

α y2
x= − , (4.67)
2 2α
que é a equação de uma parábola com vértice em x = α/2, foco na origem e reta
diretriz em x = α, mostrada na Figura 4.4. Da Eq. (4.66), vemos que qualquer
ponto da parábola é equidistante da origem e da diretriz.
Se ε 6= 0 e ε 6= 1, podemos escrever

α = r + εr cosθ . (4.68)

ou p
α − εx = x2 + y 2 . (4.69)
Elevando ao quadrado e simplificando, obtemos
αε 2
(x − ε2 −1
) y2
α2
− α2
=1. (4.70)
(ε2 −1)2 ε2 −1

77
Figura 4.4: Parábola descrevendo a trajetória da partı́cula para ε = 1.

Se ε > 1 (E > 0, como E1 na Figura 4.3), temos ε2 –1 > 0, de forma que podemos
escrever
(x − εc)2 y 2
− 2 =1, (4.71)
c2 d
onde
α α
c= 2 e d= √ . (4.72)
ε −1 ε2 − 1
Essa é a equação de uma hipérbole com centro em x = εc e focos em x = 0 e
x = 2εc (Figura 4.5). Se o centro de força estiver em x = 0, o ramo esquerdo da
hipérbole descreve a trajetória para uma força atrativa e o ramo direito para uma
força repulsiva.
Se 0 < ε < 1 (–µk 2 /2l2 < E < 0, como E2 na Figura 4.3), ε2 –1 < 0, de forma
que podemos escrever
(x + εa)2 y 2
+ 2 =1, (4.73)
a2 b
onde
α α
a= 2
e b= √ , (4.74)
1−ε 1 − ε2
que é a equação de uma elipse com eixo maior a, eixo menor b, centro em x = –εa
e foco na origem (Figura 4.6). Esse é um caso muito interessante porque as órbitas
dos movimentos planetários são elipses.
Note que
a 1
=√ , (4.75)
b 1 − ε2
Assim quanto maior for ε, maior a razão a/b, de forma que a elipse é mais alongada.
Os valores máximo e mı́nimo de r são dados por (veja Figura 4.6 e Eq. 4.64):
α α
rmin = a(1 − ε) = e rmax = a(1 + ε) = . (4.76)
1+ε 1−ε

78
Figura 4.5: Hipérbole descrevendo a trajetória da partı́cula para ε > 1.

Figura 4.6: Elipse descrevendo a trajetória da partı́cula para 0 < ε < 1.

As posições onde a partı́cula encontra-se mais próxima e mais afastada do centro


de força (rmin e rmax ) são chamadas pericentro e apocentro, respectivamente.
Quando se faz referência a movimento em torno da Terra os nomes usados são

79
perigeu e apogeu e quando se trata de movimento em torno do Sol, periélio e
afélio.
Das Eqs. (4.62) e (4.74), podemos obter os eixos maior e menor da elipse em
termos da energia e do momento angular. Assim (lembre-se que E < 0),
k l
a=− b= √ (4.77)
2E −2µE

É interessante observar que o eixo maior depende somente da energia, enquanto o


eixo menor depende da energia e do momento angular.
Com o objetivo de obter o perı́odo do movimento elı́ptico, vamos reescrever a
Eq. (4.15) como

dt = dA . (4.78)
l
Integrando essa equação e usando o fato que a área da elipse é varrida em um
perı́odo, temos

τ= Aelipse . (4.79)
l
Como Aelipse = πab,
  r
2µπab 2µπ −k l −µ
τ= = √ = πk . (4.80)
l l 2E −2µE 2E 3

Note que o perı́odo depende somente da energia (não depende do momento angular).
Da Eq. (4.74), podemos escrever

b = αa , (4.81)

de forma que podemos eliminar b e escrver o perı́odo somente em termos de a:


1/2
l2 µ1/2 3/2

2µπ 1/2 3/2 2µπ
τ= α a = a3/2 = 2π a . (4.82)
l l µk k 1/2
Elevando ao quadrado, temos
4π 2 µ 3
τ2 = a . (4.83)
k
O quadrado do perı́odo é proporcional ao cubo do eixo maior da elipse. Esse resul-
tado é conhecido como Terceira Lei de Kepler.
As três leis que regem os movimentos dos planetas foram elaboradas por Kepler
com base em medidas realizadas por Tycho Brahe e pelo próprio Kepler e podem
ser resumidas como:
Primeira Lei de Kepler: os planetas movem-se em órbitas elı́pticas em torno do
Sol com o Sol em um dos focos da elipse.
Segunda Lei de Kepler: a área varrida por unidade de tempo, por um vetor que
vai do Sol ao planeta, é constante.
Terceira Lei de Kepler: o quadrado do perı́odo do movimento de um planeta é
proporcional ao cubo do eixo maior de sua órbita.

80
A Primeira e a Segunda Leis dizem respeito a um planeta de cada vez, e foram
publicadas em 1609. A Terceira só faz sentido quando comparamos perı́odos e
órbitas de planetas diferentes, e foi publicada em 1619.
É importante chamar atenção para o fato que a Terceira Lei não é matemati-
camente exata, uma vez que µ e k dependem da massa do planeta. Contudo, se
considerarmos que msol >> mpla , podemos escrever
msol mpla
µ= ' mpla . (4.84)
msol + mpla

Por outro lado,


k ' G msol mpla , (4.85)
de forma que
4π 2
τ2 ' a3 . (4.86)
G msol
Portanto, a constante de proporcionalidade independe da massa do planeta.

Exercı́cio 4.5. Suponha que o Sol permaneça em repouso enquanto a Terra gira
em torno dele em órbita circular (boas aproximações). Obtenha expressões para a
energia potencial, energia cinética, energia mecânica e momento angular em termos
da massa da Terra, da massa do Sol e do raio da órbita. A partir desses resultados,
mostre que ε = 0.

Exercı́cio 4.6. Considere uma partı́cula repelida por uma força central dada por
F (r) = kr, sendo k positivo. (a) Obtenha uma expresão para a energia potencial
U (r), substitua na Eq. (4.22), integre e mostre que a equação da trajetória em
coordenadas polares é
β
= 1 + η cos2θ
r2
onde s
l2 kl2
β= η = 1+
µE µE 2
(b) Escreva a equação da trajetória em coordenadas cartesianas e mostre que as
órbitas são hipérboles.
Sugestão: você pode precisar da integral (que vale para c < 0)
Z  
dx 1 −1 bx + 2c
√ =√ sen √ (4.87)
x ax2 + bx + c −c |x| b2 − 4ac

Exercı́cio 4.7. Uma partı́cula move-se em órbita elı́ptica em um campo de força


central com lei de inverso do quadrado da distância. Mostre que a razão entre as
velocidades angulares máxima e mı́nima é dada por
 2
ωmax 1+ε
=
ωmin 1−ε

81
Exercı́cio 4.8. Newton conhecia as Leis de Kepler e usou isso para chegar à Lei
da Gravitação. A Segunda Lei de Kepler e a Eq. (4.15) nos permitem concluir que
o momento angular é constante, e portanto, a força é central. Por outro lado, a
Primeira Lei de Kepler afirma que as trajetórias são elipes. Partindo do fato que
a força gravitacional é central e que as trajetórias são elipes, mostre que a força é
atrativa e inversamente proporcional ao quadrado da distância.

Exercı́cio 4.9. Um satélite da Terra tem um perigeu de 300 km e um apogeu de


3500 km acima da superfı́cie da Terra. Determine o quão longe da superfı́cie está o
satélite quando ele: (a) tiver girado 90◦ ao redor da Terra a partir do perigeu; (b)
tiver percorrido metade da distância entre o perigeu e o apogeu.

Exercı́cio 4.10. O planeta Mercúrio descreve uma órbita elı́ptica em relação ao


Sol, com o Sol em um dos focos da elipse. A velocidade e a distância do planeta ao
Sol no afélio são 3, 89 × 104 m/s e 6, 98 × 1010 m. Determine: (a) a velocidade e a
distância ao Sol no periélio; (b) a excentricidade; (c) o perı́odo de revolução. Use o
valor 1, 99 × 1030 kg para a massa do Sol.

Exercı́cio 4.11. O planeta Marte descreve uma órbita elı́ptica em relação ao Sol,
com o Sol em um dos focos da elipse. As distâncias do planeta ao Sol no periélio
e no afélio são 2, 07 × 1011 m e 2, 49 × 1011 m. Determine: (a) as velocidades no
periélio e no afélio; (b) a excentricidade. Use o valor 1, 99 × 1030 kg para a massa
do Sol.

Exercı́cio 4.12. Considerando que o perı́odo orbital de Saturno é 10759 dias e a


excentricidade da órbita é 0,056, calcule: (a) o eixo maior da órbita de Saturno;
30
 1,299 × 410
(b) a velocidade orbital média. Use o valor  kg para a massa do Sol. O
perı́metro da elipse é dado por C ' πa 2 − ε2 + 3ε 16
.

4.7 Apêndice: velocidade e aceleração em coor-


denadas polares
Considere uma partı́cula movendo-se em um plano. Em coordenadas cartesianas,
sua posição é dada pelo vetor ~r = xı̂ + y̂. A velocidade é obtida derivando ~r em
relação ao tempo:
d~r dx dy
~v = = ı̂ + ̂ ≡ vx ı̂ + vy ̂ . (4.88)
dt dt dt
Por sua vez a aceleração é dada por

d~v d2 x d2 y
~a = = 2 ı̂ + 2 ̂ ≡ ax ı̂ + ay ̂ . (4.89)
dt dt dt
Note que não derivamos os vetores unitários ı̂ e ̂ porque eles são fixos.
Em coordenadas polares, a posição da partı́cula é dada por ~r = rr̂. Para cal-
cular a velocidade e a aceleração nesse sistema de coordenadas, devemos levar em
consideração que os vetores unitários r̂ e θ̂ não são fixos, mas mudam de direção
à medida que ~r muda. Antes de calcular derivadas de outros vetores, precisamos
calcular as derivadas desses vetores unitários.

82
Figura 4.7: Relações entre os vetores unitários nos sistemas de coordenadas cartesi-
ano e polar.

As relações entre vetores unitários nos sistemas de coordenadas cartesiano e polar


são dadas na Figura 4.7. Note que:

r̂ = cosθ ı̂ + senθ ̂ (4.90)

θ̂ = −senθ ı̂ + cosθ ̂ (4.91)


Derivando em relação a t, obtemos:
dr̂
= −θ̇ senθ ı̂ + θ̇ cosθ ̂ = θ̇θ̂ (4.92)
dt

dθ̂
= −θ̇ cosθ ı̂ − θ̇ senθ ̂ = −θ̇r̂ (4.93)
dt
Os vetores posição, velocidade e aceleração são dados por:

~r = rr̂ ; (4.94)

d~r dr dr̂
~v = = r̂ + r = ṙr̂ + rθ̇θ̂ ; (4.95)
dt dt dt

d~v dṙ dr̂ dr dθ̇ dθ̂


~a = = r̂ + ṙ + θ̇θ̂ + r θ̂ + rθ̇
dt dt dt dt dt dt
2
= r̈r̂ + ṙθ̇θ̂ + ṙθ̇θ̂ + rθ̈θ̂ − rθ̇ r̂
= (r̈ − rθ̇2 )r̂ + (2ṙθ̇ + rθ̈)θ̂ . (4.96)

83
Capı́tulo 5

Sistemas de partı́culas

5.1 Terceira Lei de Newton


A Terceira Lei de Newton desempenha um papel central na dinâmica de sistemas
de partı́culas e pode ser enunciada de duas formas:
Forma fraca: as forças que duas partı́culas exercem, uma sobre a outra, são iguais
em módulo e direção e possuem sentidos opostos.
Forma forte: além de serem iguais em módulo e direção e possuı́rem sentidos
opostos, as forças exercidas pelas partı́culas apontam ao longo da reta que as une.
A Figura 5.1 mostra as forças entre duas partı́culas i e j que obedecem a Terceira
Lei de Newton na forma forte. O primeiro ı́ndice indica a partı́cula que sente a força
e o segundo a partı́cula que exerce a força.

Figura 5.1: Forças entre duas partı́culas que obedecem a Terceira Lei de Newton.

Como vimos no Capı́tulo 1, a Terceira Lei de Newton nem sempre é obedecida.


Por exemplo, ela não é válida para forças dependentes da velocidade, como as forças
entre partı́culas carregadas em movimento.

5.2 Centro de massa


Vamos iniciar o capı́tulo definindo centro de massa. Conforme veremos, esse conceito
simplifica enormemente muitos problemas envolvendo sistemas de partı́culas.
O vetor posição do centro de massa de um sistema de partı́culas é definido
como
~ = 1
X
R mi~ri , (5.1)
M i

84
onde mi e ~ri indicam a massa e a posição da partı́cula i e
X
M= mi (5.2)
i

é a massa total do sistema. Os somatórios em i vão de 1 até o número de partı́culas


do sistema, sendo o limite superior omitido por simplicidade. Note que a definição
(5.1) é uma equação vetorial, e portanto contém três equações escalares, uma para
cada componente.
Para uma distribuição contı́nua de massa:
Z
~ 1
R= ~rdm , (5.3)
M
onde Z
M= dm . (5.4)

Como exemplo, vamos calcular posição do centro de massa do hemisfério sólido


de raio a, com densidade de massa uniforme, mostrado na Figura 5.2. Por simetria,
as coordenadas X de Y do vetor R~ são X = Y = 0. Já a coordenada Z é dada por
Z
1
Z= zdm . (5.5)
M

Figura 5.2: Hemisfério sólido de raio a com densidade de massa uniforme.

Se usarmos um sistema de coordenadas esféricas,

z = r cosθ , (5.6)

e
dm = ρdv = ρ r2 senθ drdθdφ . (5.7)
Portanto,
a π/2 2π
2πρa3
Z Z Z
2
M =ρ r dr senθdθ dφ = (5.8)
0 0 0 3

85
e
a π/2 2π
πρa4
Z Z Z
ρ 3
Z= r dr senθ cosθdθ dφ = . (5.9)
M 0 0 0 4M
Substituindo a penúltima equação na última, obtemos
3
Z= a. (5.10)
8
Exercı́cio 5.1. Em uma molécula de água, a distância HO é igual a 0,96 Å e o
ângulo HOH é 104◦ . Determine a posição do centro de massa da molécula.
Exercı́cio 5.2. Determine a posição do centro de massa de um cone sólido de raio
da base a e altura h.
Exercı́cio 5.3. Determine a posição do centro de massa de um copo fino, de formato
cilı́ndrico, com raio a e altura h. Suponha que o fundo do copo tenha a mesma
espessura que sua lateral.

5.3 Momento linear do sistema


A força resultante sobre a partı́cula i de um sistema pode ser escrita como
X
f~i = f~ie + f~ij . (5.11)
j6=i

onde f~ie indica a força de origem externa atuando sobre a partı́cula i e f~ij indica a
força sobre a partı́cula i exercida pela partı́cula j. O somatório dá a força total de
origem interna sobre a partı́cula i (é a soma das forças exercidas por todas as outras
partı́culas sobre ela). A restrição j 6= i é necessária porque a partı́cula i não exerce
força sobre ela mesma.
A Segunda Lei de Newton para a partı́cula i é dada por

d2~ri ~ie +
X
mi = f f~ij . (5.12)
dt2 j6=i

Somando essa expressão sobre todas as partı́culas, obtemos

d2 X X
~
XX
m ~
r
i i = f ie + f~ij . (5.13)
dt2 i i i j6=i

Da definição de centro de massa (Eq. 5.1),


X
~ ,
mi~ri = M R (5.14)
i

de forma que o lado esquerdo de (5.13) torna-se

d2 X ~
d2 R
m i ~
r i = M . (5.15)
dt2 i dt2

86
Por sua vez, o segundo termo no lado direito de (5.13) pode ser escrito como
XX 1 XX ~
f~ij = (fij + f~ji ) . (5.16)
i j6=i
2 i j6=i

Note que, como as somas sobre i e j incluem as mesmas partı́culas, os dois termos
do lado direito são iguais; o que fizemos foi somente repetir o termo e dividir por
dois.
Se a Terceira Lei de Newton for válida, pelo menos em sua forma fraca, f~ij =
−f~ji , e portanto, XX
f~ij = 0 . (5.17)
i j6=i

As forças internas se cancelam e a força total que atua sobre o sistema é toda de
origem externa. Chamando a força externa total de
X
F~e = f~ie , (5.18)
i

podemos escrever a Segunda Lei de Newton para o sistema na forma simples


~
d2 R
F~e = M 2 . (5.19)
dt
Usando a notação V~ = dR/dt
~ ~ = d2 R/dt
eA ~ 2 para a velocidade e a aceleração do
centro de massa, temos
F~e = M A
~. (5.20)

O centro de massa do sistema move-se como se fosse uma partı́cula de massa igual
à massa total do sistema sob ação da força externa total.
O momento linear do sistema é definido como sendo a soma dos momentos line-
ares das partı́culas:
X X X d~ri
P~ = p~i = mi~vi = mi . (5.21)
i i i
dt

Dos resultados acima, podemos escrever

d X d ~
P~ = ~ = M dR ,
mi~ri = (M R) (5.22)
dt i dt dt
ou
P~ = M V~ . (5.23)

O momento linear do sistema é igual ao momento linear de uma partı́cula com a


massa total do sistema movendo-se com a velocidade do centro de massa.
Derivando a Eq. (5.22), obtemos

dP~ ~
d2 R
=M 2 . (5.24)
dt dt
87
Como o lado direito é igual à força externa total, podemos reescrever a Segunda Lei
de Newton para o sistema como
dP~
F~e = . (5.25)
dt
Quando F~e = 0, dP~ /dt = 0 e P~ = cte.
Se a força externa total atuando sobre um sistema de partı́culas for nula, o momento
linear do sistema é conservado.
Como fizemos no Capı́tulo 1, é fácil mostrar que se a componente da força externa
total ao longo de uma direção definida pelo vetor unitário û for nula (F~e · û = 0),
a componente do momento linear do sistema ao longo dessa direção é conservada
(P~ · û = cte).

5.4 Momento angular do sistema


O momento angular de uma partı́cula i de um sistema de partı́culas é dado por
~li = ~ri × p~i = ~ri × mi~vi . (5.26)
Por sua vez, o momento angular do sistema é definido como sendo a soma dos
momentos angulares de todas as partı́culas:
X X
~ =
L ~li = mi~ri × ~vi . (5.27)
i i

A derivada temporal do momento angular da partı́cula i é dada por

d~li d~ri d~pi


= × p~i + ~ri × . (5.28)
dt dt dt
O primeiro termo é ~vi × p~i = 0 porque ~vi e p~i são paralelos. Assim
!
d~li d~pi X
= ~ri × = ~ri × f~ie + f~ij . (5.29)
dt dt j6=i

A derivada do momento angular total do sistema é dada por


~
dL X d~li X XX
= = ~ri × f~ie + ~ri × f~ij . (5.30)
dt i
dt i i j6=i

O último termo é o torque total de origem interna e pode ser escrito como
XX
~ 1 XX ~ ~

~ri × fij = ~ri × fij + ~rj × fji . (5.31)
i j6=i
2 i j6=i

Admitindo que a Terceira Lei de Newton seja válida em sua forma fraca (f~ji = −f~ij ),
temos XX 1 XX
~ri × f~ij = (~ri − ~rj ) × f~ij . (5.32)
i j6=i
2 i j6=i

88
Se a Terceira Lei de Newton for válida também em sua forma forte, ~ri −~rj é paralelo
a f~ij , de forma que o torque total de origem interna é nulo, e portanto

~
dL X X
= ~ri × f~ie = ~nie , (5.33)
dt i i

ou
~
~ e = dL ,
N (5.34)
dt
~ e = P ~nie é o torque
onde ~nie é o torque de origem externa sobre a partı́cula i e N i
externo total sobre o sistema.
Se as forças internas obedecem a Terceira Lei de Newton na forma forte, o torque
interno total é nulo e o torque externo total é igual à derivada temporal do momento
angular do sistema.
~
Quando o torque externo total for nulo, dL/dt ~ = cte.
=0eL
Se o torque externo resultante atuando sobre um sistema de partı́culas for nulo, o
momento angular do sistema é conservado.
De forma análoga ao que fizemos no Capı́tulo 1, é fácil mostrar que se a compo-
nente de N ~ e na direção do vetor unitário û for nula (N
~ e · û = 0), a componente do
momento angular ao longo dessa direção é conservada (L ~ · û = cte).
A Figura 5.3 mostra um sistema de partı́culas. O vetor posição do centro de
massa em relação à origem de um dado referencial é R. ~ A posição da partı́cula i em
relação a essa origem é ~ri e em relação ao centro de massa do sistema é r~i0 .
Da figura, é fácil ver que
~ri = R~ + r~0 . (5.35)
i

Derivando em relação ao tempo, obtemos

~vi = V~ + v~i0 . (5.36)

onde ~vi e v~i0 são as velocidades da partı́cula i em relação à origem e em relação ao


centro de massa, respectivamente.
O momento angular da partı́cula i em relação à origem é dado por
~li = ~ri × p~i = ~ri × mi~vi . (5.37)

Em termos das coordenadas com linha,


~li = (r~0 + R)
~ × mi (V~ + v~0 ) (5.38)
i i
= mi (r~i × v~i + R
0 0 ~ × V~ + r~0 × V~ + R
i
~ × v~0 ) .
i

Como o momento angular do sistema é a soma dos momentos angulares de todas as


partı́culas, X
~ =
L mi (r~i0 × v~i0 + R
~ × V~ + r~0 × V~ + R
i
~ × v~0 ) .
i (5.39)
i

89
Figura 5.3: Vetores indicando as posições de uma partı́cula em relação a um dado
referencial e em relação ao centro de massa.

Os dois últimos termos podem ser escritos como


!
~× d
X X
mi r~i0 × V~ + R mi r~i0 . (5.40)
i
dt i

Eles são nulos porque


X X X X
mi r~i0 = ~ =
mi (~ri − R) mi~ri − ~ = MR
mi R ~ − MR
~ = 0.
i i i i

Outra forma de ver isto é notando que


~0 = 1
X
R mi r~i0 ,
M i
é a posição do centro de massa em relação ao próprio centro de massa, que obvia-
mente é zero. Com esse resultado, o momento angular do sistema pode ser escrito
como X
L~ =R~ × M V~ + r~i0 × mi v~i0 , (5.41)
i
ou X
~ =R
L ~ × P~ + r~i0 × p~0i . (5.42)
i
O primeiro termo é denominado momento angular orbital: é o momento angular em
relação à origem de uma partı́cula com a massa total do sistema, situada no centro
de massa e movendo-se com ele. O segundo termo é denominado momento angular
de spin: é o momento angular do sistema de partı́culas em relação ao seu centro de
massa.
O momento angular de um sistema de partı́culas em relação a um dado referencial
é a soma do seu momento angular orbital com o seu momento angular de spin.
Exercı́cio 5.4. Mesmo quando a força total sobre um sistema de partı́culas for nula,
o torque pode ser diferente de zero. Mostre que, neste caso, o torque total tem o
mesmo valor em qualquer sistema de coordenadas.

90
5.5 Energia do sistema
O trabalho total realizado sobre um sistema que se move de uma configuração inicial
1 para uma configuração final 2 é a soma dos trabalhos realizados sobre as partı́culas
do sistema:
XZ 2
W12 = f~i · d~ri , (5.43)
i 1

onde f~i é a força resultante sobre a partı́cula i. Os rótulos 1 e 2 se referem a


configurações do sistema como um todo, que são definidas pelas posições de todas
as partı́culas.
Da Segunda Lei de Newton aplicada à partı́cula i,
d~vi 1d dτi
f~i · d~ri = mi · ~vi dt = mi (~vi · ~vi ) dt = dt = dτi , (5.44)
dt 2 dt dt
onde τi é a energia cinética da partı́cula i (eu gostaria de usar a letra t minúscula
para indicar a energia cinética da partı́cula, como venho fazendo, mas t é o tempo
e isso iria gerar confusão). Da equação acima,
XZ 2 X X
W12 = dτi = τi,2 − τi,1 = T2 − T1 , (5.45)
i 1 i i

onde τi,1 indica a energia cinética da partı́cula i na configuração 1 e T1 a energia


cinética total do sistema nessa configuração. O mesmo vale para o ı́ndice 2.
O trabalho total realizado sobre um sistema de partı́culas é igual à variação da ener-
gia cinética total do sistema.
Note que, ao contrário do que ocorre com a força e o torque, o trabalho total das
forças internas não é nulo.
Tomando a força sobre a partı́cula i como sendo a soma das forças internas mais
a força externa, podemos escrever a Eq. (5.43) como
XZ 2 XXZ 2
W12 = ~
fie · d~ri + f~ij · d~ri . (5.46)
i 1 i j6=i 1

Agora vamos supor que a força externa sobre cada partı́cula possa ser associada
a uma energia potencial que depende somente das coordenadas da partı́cula (não
depende do tempo):
f~ie = −∇
~ i uie , (5.47)
onde
uie = uie (xi , yi , zi ) . (5.48)
~ i quer dizer que as derivadas são em relação às coordenadas da partı́cula i.

Vamos supor também que as forças internas que as partı́culas i e j exercem, uma
sobre a outra, possam ser associadas a uma energia potencial que depende somente
das coordenadas dessas duas partı́culas:

f~ij = −∇
~ i uij e f~ji = −∇
~ j uij , (5.49)

91
onde
uij = uij (xi , yi , zi , xj , yj , zj ) . (5.50)
As diferenciais dessas energias potenciais são dadas por
∂uie ∂uie ∂uie ~ i uie · d~ri = −f~ie · d~ri .
duie = dxi + dyi + dzi = ∇ (5.51)
∂xi ∂yi ∂zi

∂uij ∂uij ∂uij ∂uij ∂uij ∂uij


duij = dxi + dyi + dzi + dxj + dyj + dzj
∂xi ∂yi ∂zi ∂xj ∂yj ∂zj
~ i uij · d~ri + ∇
= ∇ ~ j uij · d~rj
= −(f~ij · d~ri + f~ji · d~rj ) (5.52)

Com esses resultados, podemos reescrever o primeiro termo da Eq. (5.46) como
XZ 2 XZ 2 X X
~
fie · d~ri = − duie = uie,1 − uie,2 . (5.53)
i 1 i 1 i i

Por sua vez, o segundo termo de (5.46) é dado por


XXZ 2 1 XXZ 2
f~ij · d~ri = (f~ij · d~ri + f~ji · d~rj )
i j6=i 1 2 i j6=i 1

1 XX 2
Z
= − duij
2 i j6=i 1
1 XX 1 XX
= uij,1 − uij,2
2 i j6=i 2 i j6=i

Definindo a energia potencial total do sistema como


X 1 XX
U= uie + uij , (5.54)
i
2 i j6=i

podemos escrever
W12 = U1 − U2 . (5.55)
Combinando com a Eq. (5.45), temos

T2 − T1 = U1 − U2 , (5.56)

ou
T1 + U1 = T2 + U2 , (5.57)
ou ainda
E1 = E2 . (5.58)
A energia mecânica de um sistema onde todas as forças são deriváveis de ener-
gias potenciais independentes do tempo (sistema conservativo) é uma constante de
movimento.

92
Antes de encerrar a seção, vamos mostrar uma relação entre as energias cinéticas
nos dois referenciais da Figura 5.3. Da Eq. (5.36), temos
vi2 = (V~ + v~i0 ) · (V~ + v~i0 ) = vi02 + V 2 + 2V~ · v~i0 . (5.59)
A energia cinética do sistema é dada por
X1 X1 1X X
T = mi vi2 = mi vi02 + mi V 2 + V~ · mi v~i0 . (5.60)
i
2 i
2 2 i i

O último termo pode ser reescrito como


d X ~0
V~ · mi ri = 0 . (5.61)
dt i
Note que, como mostramos anteriormente, o somatório da equação acima é nulo.
Portanto,
1 X1
T = MV 2 + mi vi02 . (5.62)
2 i
2
A energia cinética de um sistema de partı́culas em relação a um dado referencial é
igual à energia cinética de uma partı́cula com a massa total do sistema movendo-se
com a velocidade do centro de massa mais a energia cinética do sistema em relação
ao seu centro de massa.
Exercı́cio 5.5. Uma corda flexı́vel, de comprimento total l, pode deslizar sobre
uma mesa sem atrito. Ela é liberada a partir do repouso quando uma parte de
comprimento x0 está pendendo da borda. Determine o tempo necessário para a
corda abandonar completamente a mesa.
Exercı́cio 5.6. Uma bola de massa m está presa na extremidade de um fio de
comprimento l, com a outra extremidade fixa. A bola oscila em um arco de cir-
cunferência vertical de raio l, como mostra a figura abaixo à esquerda. Sabendo
que a velocidade da bola no ponto mais baixo é v0 , obtenha expressões para (a) a
velocidade da bola e (b) a tensão na corda em função de θ. (c) Determine o valor
mı́nimo de v0 para que a trajetória seja uma circunferência completa.

Exercı́cio 5.7. Uma rampa que faz um ângulo de 30◦ com a horizontal possui uma
mola de constante elástica igual a 150 N/m fixada na sua base, como mostra a figura
acima à direita. Um pequeno bloco de massa 140 g está inicialmente em repouso no
topo da rampa, quando é liberado. O boloco percorre uma distância de 37 cm sobre
a rampa até tocar a mola. Determine a compressão máxima da mola considerando
que: (a) não há atrito entre o boloco e a rampa; (b) o coeficiente de atrito cinético
entre o bloco e a rampa é 0,2.

93
Exercı́cio 5.8. Um bloco grande, de massa M , possui a forma de cunha com uma
rampa reta fazendo um ângulo φ com a horizontal. O bloco grande está apoiado
sobre uma mesa horizontal quando um bloco pequeno, de massa m, é liberado na
rampa a uma altura h acima da sua extremidade inferior, como mostra a figura
abaixo. Não há atrito entre o bloco pequeno e a rampa, nem entre o bloco grande e
a mesa. Mostre que, no instante em que o bloco pequeno é projetado para fora da
extremidade inferior, os módulos das velocidades dos blocos grande e pequeno são,
respectivamente:
s s
2m2 gh cos2 φ m(m + 2M ) sen2 φ + M 2
V = v = 2gh
(M + m)(M + m sen2 φ) (M + m)(M + m sen2 φ)

Exercı́cio 5.9. Uma moeda de massa m move-se em uma circunferência de raio ri ,


com velocidade vi , deslizando sem atrito sobre uma mesa horizontal, como mostra a
figura abaixo, à esquerda. A moeda está presa a um fio que passa por um buraco na
mesa. O fio vai sendo puxado lentamente, de forma que o raio da circunferência vai
diminuindo, mas em cada instante podemos considerar que o movimento é circular.
(a) Obtenha expressões para a velocidade da moeda e a tensão no fio em função de
m, ri , vi e do raio instantâneo da circunferência (chame de r). Chame a tensão de
F para não confundir com a energia cinética. (b) Calcule o trabalho realizado sobre
a moeda pela tensão no fio quando o raio varia de ri até um valor final rf e mostre
que ele é igual à variação da energia cinética.

Exercı́cio 5.10. Duas rodas idênticas A e B, de raio R e momento de inércia I,


podem girar sem atrito em torno de eixos paralelos mas não coincidentes, como
mostra a figura acima à direita. Inicialmente a roda B está girando com velocidade
angular ω0 k̂, onde o eixo z é perpendicular à página e aponta para fora, enquanto
a roda A não está girando. As rodas são aproximadas a ponto de se tocarem, e
depois de algum tempo passam a girar com a mesma velocidade angular ω, mas em

94
sentidos contrários. (a) Mostre que enquanto houver uma força de atrito de módulo
f entre as rodas haverá um torque em cada uma delas dado por N ~ = −f Rk̂. Esse
torque é igual nas duas rodas e independe da escolha da origem. Não se esqueça das
forças exercidas pelos eixos sobre as rodas. (b) Obtenha a relação entre ω e ω0 . (c)
Calcule as energias cinéticas inicial e final em termos de I e ω0 e obtenha a relação
entre elas.

5.6 Colisões
Uma colisão é uma interação com duração limitada entre duas ou mais partı́culas, de
tal maneira que é possı́vel distinguir antes e depois da colisão. Um exemplo é uma
colisão entre duas bolas de sinuca, onde a interação se dá através do contato entre as
bolas. A interação ocorre em um intervalo de tempo pequeno e é possı́vel distinguir,
de forma inequı́voca, o que é antes e o que é depois da colisão. Um segundo exemplo
é o espalhamento de partı́culas alfa por núcleos atômicos pesados. Nesse caso a
interação se dá através da repulsão eletrostática, que é de longo alcance, e não é
possı́vel dizer com clareza quanto tempo dura a colisão. No entanto, a distância de
máxima aproximação varia tipicamente de 10–14 a 10–10 m, de forma que podemos
dizer que a interação é desprezı́vel quando a distância entre as partı́culas é da ordem
de alguns centı́metros. Se em um experimento, uma placa contendo os núcleos alvos
for colocada entre uma fonte de partı́culas alfa e um detector, a alguns centı́metros
de distância desses, podemos dizer que quando as partı́culas estão se aproximando
da placa é antes da colisão e quando elas estão indo da placa para o detector é depois
da colisão.
Vamos adotar duas simplificações para o restante desta seção. Primeiro, vamos
supor que as partı́culas são as mesmas antes e depois da colisão, o que exclui reações
envolvendo criação e aniquilação de partı́culas. Segundo, vamos supor que a colisão
envolve somente duas partı́culas, uma de massa m1 e velocidade inicial ~u1 e outra
de massa m2 e velocidade inicial ~u2 . As velocidades das partı́culas após a colisão
são denotadas como ~v1 e ~v2 .
Geralmente as forças externas em uma colisão são nulas ou desprezı́veis em com-
paração com as forças internas, de forma que o momento linear do sistema é con-
servado. Para duas partı́culas, podemos escrever

m1~u1 + m2~u2 = m1~v1 + m2~v2 . (5.63)

Quando a energia cinética se conserva, chamamos a colisão de elástica, e


quando a energia cinética não se conserva, dizemos que a colisão é inelástica.
Mesmo que a energia cinética não se conserve, é possı́vel escrever uma equação de
conservação para a energia total do sistema, que no caso de uma colisão entre duas
partı́culas, é dada por
1 1 1 1
Q + m1 u21 + m2 u22 = m1 v12 + m2 v22 , (5.64)
2 2 2 2
onde Q é a energia perdida ou ganha durante a colisão:
Q = 0: colisão elástica (a energia cinética é conservada);

95
Q > 0: colisão inelástica exoérgica (a energia cinética aumenta na colisão);
Q < 0: colisão inelástica endoérgica (a energia cinética diminui na colisão).
Uma medida da inelasticidade de dois corpos é dada pelo coeficiente de resti-
tuição, definido para uma colisão frontal como a razão entre a velocidade de afasta-
mento depois da colisão e a velocidade de aproximação antes da colisão:

|v2 − v1 |
ε= (5.65)
|u1 − u2 |

Verifica-se experimentalmente que ε é uma propriedade das partı́culas envolvidas na


colisão (não depende das velocidades iniciais das partı́culas).
Como exemplo, vamos considerar uma colisão elástica frontal entre duas partı́culas.
A conservação do momento linear pode ser escrita como

m1 u1 + m2 u2 = m1 v1 + m2 v2 . (5.66)

ou
m2
u1 − v1 = (v2 − u2 ) . (5.67)
m1
Da conservação da energia cinética
1 1 1 1
m1 u21 + m2 u22 = m1 v12 + m2 v22 , (5.68)
2 2 2 2
ou
m2 2
u21 − v12 = (v − u22 ) . (5.69)
m1 2
Dividindo (5.69) por (5.67), obtemos

u1 + v1 = v2 + u2 , (5.70)

ou
u1 − u2 = v2 − v1 , (5.71)
de onde concluı́mos que ε = 1.
Das Eqs. (5.70) e (5.67), é fácil mostrar que:
m1 − m2 2m2
v1 = u1 + u2 , (5.72)
m1 + m2 m1 + m2
2m1 m2 − m1
v2 = u1 + u2 . (5.73)
m1 + m2 m1 + m2
Na discussão que faremos a seguir, vamos supor que a colisão é elástica e que
uma das partı́culas está inicialmente em repouso. A partı́cula de massa m1 (chamada
partı́cula projétil) possui velocidade inicial ~u1 e a partı́cula de massa m2 (chamada
partı́cula alvo) está inicialmente parada. A geometria da colisão é mostrada na
Figura 5.4.
A conservação do momento linear do sistema pode ser escrita como

m1~u1 = m1~v1 + m2~v2 , (5.74)

96
que nos leva á conclusão que os vetores ~u1 , ~v1 e ~v2 estão no mesmo plano. Assim
podemos desmembrar a equação vetorial acima em duas equações escalares. De
acordo com a Figura 5.4,

m1 u1 = m1 v1 cosψ + m2 v2 cosξ (5.75)

0 = m1 v1 senψ − m2 v2 senξ . (5.76)


Como estamos supondo que a energia cinética se conserva,
1 1 1
m1 u21 = m1 v12 + m2 v22 . (5.77)
2 2 2

Figura 5.4: Partı́cula de massa m1 e velocidade inicial ~u1 colidindo com uma
partı́cula de massa m2 inicialmente em repouso.

Admitindo que conhecemos as massas das partı́culas e a velocidade da partı́cula


projétil antes da colisão, temos um sistema com três equações para quatro variáveis:
v1 , v2 , ψ e ξ. Para obtermos a solução completa do problema precisamos de mais
duas informações: o parâmetro de impacto (distância mı́nima entre as partı́culas se
a partı́cula projétil viajasse em linha reta) e o tipo de interação entre as partı́culas.
Retomaremos esse assunto na Seção 5.7. No momento nos limitaremos a dizer que
as três equações acima nos dão relações entre v1 , v2 , ψ e ξ. Se conhecermos uma
dessas variáveis, podemos calcular as outras três.
Uma colisão entre duas partı́culas pode ser estudada de forma mais simples
se adotarmos o referencial do centro de massa (CM). O referencial anterior será
chamado de referencial do laboratório (LAB). A Figura 5.5 mostra a colisão vista
do referencial CM. Na nossa notação, as velocidades medidas em relação ao CM são
indicadas com uma linha. Como o momento linear do sistema em relação ao CM
deve ser zero antes e depois da colisão, u~01 e u~02 devem apontar na mesma direção e
em sentidos contrários, o mesmo ocorrendo com v~10 e v~20 .
Como ~u2 = 0, a velocidade do centro de massa em relação ao LAB é dada por
m1~u1
V~ = (5.78)
m1 + m2
Por sua vez,
m1~u1 m2~u1
u~01 = ~u1 − V~ = ~u1 − = (5.79)
m1 + m2 m1 + m2
e
m1~u1
u~02 = ~u2 − V~ = − . (5.80)
m1 + m2

97
Figura 5.5: Colisão entre duas partı́culas vista do referencial do centro de massa.

Se a colisão for elástica, podemos escrever três equações de conservação:

m1 u01 = m2 u02 (5.81)

m1 v10 = m2 v20 (5.82)


1 2 1 2 1 2 1 2
m1 u01 + m2 u02 = m1 v10 + m2 v20 (5.83)
2 2 2 2
É fácil ver que a solução para esse sistema de equações é

v10 = u01 e v20 = u02 (5.84)

No referencial CM, o módulo da velocidade de cada partı́cula é o mesmo antes e


após a colisão, independentemente da direção de espalhamento.
Em termos das massas e de u1 , temos
m2 u1 m1 u1
v10 = e v20 = (5.85)
m1 + m2 m1 + m2
Note que, em módulo, v20 = V e v10 = m2 V /m1 .
Uma estratégia interessante é estudar a colisão no referencial CM, onde o pro-
blema é mais simples, e depois voltar para o LAB. Na sequência, vamos obter as
relações entre os ângulos ψ, ξ e θ, que possibilitam fazer essa volta.
A Figura 5.6 ilustra a relação ~v1 = V~ + v~10 entre as velocidades da partı́cula 1
nos referencias CM e LAB, de onde vemos que:

v10 senθ = v1 senψ (5.86)

V + v10 cosθ = v1 cosψ . (5.87)


Dividindo a primeira equação pela segunda, obtemos

v10 senθ senθ


tgψ = = . (5.88)
V + v10 cosθ V
v10
+ cosθ

98
Figura 5.6: Ilustração da relação ~v1 = V~ + v~10 .

Como V /v10 = m1 /m2 ,


senθ
tgψ = m1 . (5.89)
m2
+ cosθ

É interessante estudar os possı́veis valores ψ em termos de m1 e m2 . Como


0 < θ < π, senθ é sempre positivo. Por outro lado, −1 ≤ cosθ ≤ 1, de forma que o
demominador pode ser positivo ou negativo, dependendo de θ e da relação m1 /m2 .
Se m1 < m2 , o denominador de (5.89) pode ser negativo, o que implica que ψ
pode ser maior que π/2. Em geral 0 < ψ < π. No caso limite m1 << m2 , ψ ' θ.
Nesse caso, a velocidade do CM é muito pequena, e portanto os referencias CM e
LAB são praticamente iguais.
Se m1 = m2 ,

senθ 2 sen(θ/2) cos(θ/2)


tgψ = = = tg(θ/2) (5.90)
1 + cosθ 2 cos2 (θ/2)

de forma que ψ = θ/2. Uma vez que 0 < θ < π, 0 < ψ < π/2.
Se m1 > m2 , o denominador da Eq. (5.89) não pode ser negativo, e portanto,
ψ não pode ser maior que π/2. Na verdade, ψ tem um valor máximo que pode
ser obtido inspecionando a Figura 5.7. Da relação v10 = m2 V /m1 , pode-se ver que
v10 < V . O valor de θ que fornece o maior valor para ψ é o que faz o vetor v1
tangenciar a circunferência, como mostrado na figura. Veja que qualquer outro
valor de θ levaria a um ψ menor. Do triângulo retângulo, concluı́mos que

v10 m2
ψmax = sen−1 = sen−1 . (5.91)
V m1
No limite m2 → m1 , ψmax → π/2.
A relação entre ξ e θ pode ser obtida da Figura 5.8, de onde pode-se ver que:

v20 senθ = v2 senξ (5.92)

V − v20 cosθ = v2 cosξ . (5.93)


Dividindo a primeira equação pela segunda, temos

v20 senθ senθ


tgξ = = (5.94)
V − v20 cosθ V
v20
− cosθ

99
Figura 5.7: Ângulo de esplhamento máximo para m1 > m2 .

Figura 5.8: Ilustração da relação ~v2 = V~ + v~20 .

Como v20 = V ,

senθ 2 sen(θ/2) cos(θ/2)


tgξ = = = cotg(θ/2) = tg(π/2 − θ/2) . (5.95)
1 − cosθ 2 sen2 (θ/2)

Portanto, ξ = π/2 − θ/2. Note que essa relação não depende das massas das
partı́culas. No caso especial em que m1 = m2 , θ/2 = ψ, de forma que ψ + ξ = π/2.
Exercı́cio 5.11. Uma partı́cula de massa m1 e velocidade u1 colide frontalmente
com uma partı́cula de massa m2 inicialmente em repouso. Determine as velocidades
das duas partı́culas após a colisão no caso em que a perda de energia cinética do
sistema é máxima. Nesse caso, qual o coeficiente de restituição?
Exercı́cio 5.12. Uma partı́cula de massa m e velocidade inicial de módulo u1 colide
elasticamente com outra partı́cula de massa 2m, inicialmente em repouso. Após a
colisão, a partı́cula projétil perde metade de sua energia cinética para a partı́cula
alvo. Determine os módulos das velocidades das duas partı́culas e os ângulos ψ e ξ
após a colisão.
Exercı́cio 5.13. Um próton com velocidade inicial de módulo u1 colide com um
núcleo de deutério inicialmente em repouso. Após a colisão, o próton é desviado

100
de 30◦ em relação à sua trajetória original. Admitindo que metade da energia
mecânica do sistema é perdida na colisão, determine os módulos das velocidades
das duas partı́culas e o ângulo de recuo do deutério após a colisão. Suponha que a
massa do deutério seja o dobro da massa do próton.

Exercı́cio 5.14. Uma partı́cula de massa m1 colide elasticamente com uma partı́cula
de massa m2 inicialmente em repouso. Determine a energia cinética final da partı́cula
alvo em termos das massas, da energia cinética inicial da partı́cula projétil e do
ângulo ξ.

5.7 Seção de choque


Na seção anterior obtivemos relações entre as velocidades de duas partı́culas en-
volvidas em uma colisão. Contudo, não pudemos determinar as velocidades finais
em termos da velocidade inicial da partı́cula projétil porque as velocidades finais
dependem do campo de força envolvido na colisão e do parâmetro de impacto, b,
definido na Figura 5.9.
A equação que falta é a conservação do momento angular, que pode ser escrito
(no referencial LAB) em termos da velocidade inicial da partı́cula projétil e do
parâmetro de impacto como
l = m1 u1 b = cte (5.96)

Figura 5.9: Definição do parâmetro de impacto em uma colisão entre uma partı́cula
inicialmente em movimento e uma partı́cula inicialmente em repouso.

Da relação
1
T0 = m1 u21 , (5.97)
2
onde T0 é a energia cinética da partı́cula projétil antes da colisão, podemos eliminar
u1 e escrever uma expressão para l em termos de b e T0 :
p
l = b 2m1 T0 . (5.98)

Conhecendo-se b e u1 (ou b e T0 ) pode-se determinar as velocidades após a co-


lisão. Infelizmente, em muitos casos de interesse, as colisões envolvem partı́culas
microscópicas de forma que b não é conhecido. Nesse caso, o conceito de seção de

101
choque é bastante útil. A ideia é medir a seção de choque para obter informações
sobre as forças entre as partı́culas.
Considere um feixe de partı́culas iguais que viajam na mesma direção com a
mesma velocidade (Figura 5.10). Definimos a intensidade do feixe como
número de partı́culas
I= . (5.99)
área × tempo

Figura 5.10: Feixe de partı́culas.

A seção de choque diferencial (em relação ao LAB) é definida como


1 dN
σ(ψ) = (5.100)
I dΩ
onde dN é o número de partı́culas espalhadas por unidade de tempo dentro do
elemento de ângulo sólido dΩ. Note que σ(ψ) tem dimensão de área.
A Figura 5.11 mostra que dΩ pode ser escrito como

dΩ = 2π senψ dψ (5.101)

Figura 5.11: Relação entre parâmetro de impacto e ângulo de espalhanmento.

O número de partı́culas espalhadas em dΩ por unidade de tempo é igual ao


número de partı́culas incidentes com parâmetro de impacto entre b e b + db, ou seja,

dN = I 2πb db (5.102)

102
Da definição de seção de choque, podemos escrever
2πb db b db
σ(ψ) = − =− , (5.103)
2π senψ dψ senψ dψ

onde o sinal − é necessário porque db/dψ é negativo (ψ diminui quando b aumenta)


e σ(ψ) é definido como uma grandeza positiva. Dessa relação, vemos que para obter
a seção de choque diferencial é necessário conhecer b(ψ).
A seção de choque total é definida como
Z ψmax
σtot = σ(ψ) 2π senψ dψ , (5.104)
0

onde ψmax é igual a π se m1 < m2 e dado pela Eq. (5.91) se m1 > m2 .


Como aplicação, vamos calcular as seções de choque diferencial e total para o
espalhamento de esferas de massa m1 e raio R1 por esferas de massa m2 e raio R2 .
Por simplicidade, vamos supor que as esferas sejam duras e lisas e que m2 >> m1 .
Da Figura 5.12 podemos determinar b em termos de ψ.

Figura 5.12: Espalhamento de esferas de massa m1 e raio R1 por esferas de massa


m2 e raio R2 .

Como m2 >> m1 , a partı́cula alvo fica praticamente em repouso durante a


colisão. A linha pontilhada é paralela à superfı́cie de contato entre as esferas, e
portanto, perpendicular à linha tracejada que passa pelos centros das esferas. Como
o impulso é ao longo da linha tracejada, a velocidade da partı́cula projétil faz o
mesmo ângulo com a linha pontilhada antes e após a colisão, de forma que α1 = α.
Por outro lado, α2 = α porque são ângulos opostos pelo vértice. Por último, α3 = α
porque as retas que definem esses ângulos são perpendiculares. Portanto α3 = α2 =
α1 = α e ψ = α1 + α2 = 2α, ou α = ψ/2. O parâmetro de impacto é dado por

b = (R1 + R2 ) cosα = (R1 + R2 ) cos(ψ/2) . (5.105)

Por sua vez,


db R1 + R2
=− sen(ψ/2) . (5.106)
dψ 2

103
Substituindo as eqs. (5.105) e (5.106) em (5.103), e usando

senψ = 2 sen(ψ/2) cos(ψ/2) , (5.107)

concluimos que
1
σ(ψ) = (R1 + R2 )2 . (5.108)
4
A seção de choque total é dada por
Z 2π
1
σtot = (R1 + R2 )2 2π senψ dψ = π(R1 + R2 )2 . (5.109)
0 4

5.8 Espalhamento Rutherford


Nesta seção vamos determinar a seção de choque para partı́culas α (núcleos do átomo
de hélio) espalhadas por núcleos atômicos pesados (Figura 5.13). As partı́culas
interagem através de um campo coulombiano repulsivo, tal que a energia potencial
é dada por
k
U (r) = (5.110)
r
onde
2Ze2
k= (5.111)
4π0
sendo Z o número atômico do núcleo pesado.
Uma estratégia para se resolver esse problema é obter a seção de choque em
relação ao CM e depois expressá-la em relação ao LAB. A passagem de um referencial
para o outro pode ser feita utilizando as equações de transformação obtidas na Seção
5.6. Aqui nos limitaremos a obter a seção de choque em relação ao CM, mas se a
massa do núcleo alvo for muito maior que a massa da partı́cula α (o que ocorre para
núcleos de ouro, por exemplo), os dois referencias são praticamente equivalentes.
Em relação ao CM, a seção de choque é dada por (ver Eq. 5.103)

b db
σ(θ) = − , (5.112)
senθ dθ
de forma que a primeira coisa a se fazer é calcular b(θ).
Para calcular b(θ) vamos voltar ao problema equivalente de um corpo discutido
no Capı́tulo 4 (que foi resolvido no referencial CM): vamos considerar o espalhamento
de uma partı́cula de massa µ por um centro de força fixo. Da Eq. (4.22), podemos
escrever Z ∞
l dr
Θ= 2
·r   , (5.113)
rmin r l2
2µ E − U − 2µr2

onde Θ é o ângulo em coordenadas polares, chamado de θ no Capı́tulo 4. Mudamos


a notação aqui para não confundir com o ângulo de espalhamento θ. A Figura 5.13
mostra os dois ângulos, sendo a relação entre eles dada por

θ = π − 2Θ . (5.114)

104
Figura 5.13: Espalhamento de partı́culas α por núcleos atômicos.

A relação (5.98) deve ser reescrita como


p
l = b 2µT00 (5.115)

onde T00 é a energia cinética inicial da partı́cula de massa µ no referencial CM.


Substituindo U = k/r, e usando o fato que E = T00 (para r grande só temos
energia cinética), podemos reescrever a Eq.(5.113) como
Z ∞
bdr
Θ= q . (5.116)
rmin r r2 − Tk0 r − b2
0

Definindo
k
κ= , (5.117)
2T00
temos Z ∞
bdr
Θ= √ . (5.118)
rmin r r − 2κr − b2
2

Usando a integral (que vale para C negativo)


Z  
dx 1 −1 Bx + 2C
√ =√ sen √ , (5.119)
x Ax2 + Bx + C −C x B 2 − 4AC
com A = 1, B = −2κ e C = −b2 , temos
!#rmin
−1 κ/b + b/r
Θ = sen p , (5.120)
1 + (κ/b)2 ∞

onde trocamos os limites da integral para compensar a troca do sinal no argumento


de sen−1 .
Aqui é conveniente fazermos uma mudança. Como Θ < π/2, tanto senΘ quanto
cosΘ são positivos. Fazendo
senΘ = X , (5.121)
temos √
cosΘ = 1 − X2 (5.122)

105
de forma que √
Θ = sen−1 X = cos−1 1 − X 2 . (5.123)
Portanto p !#rmin
1 − 2κ/r − b2 /r2
Θ = cos−1 p . (5.124)
1 + (κ/b)2 ∞

A vantagem de escrever Θ na forma (5.124) em vez de (5.120) é que o limite


superior da integral pode ser calculado a partir da conservação da energia. Quando
a partı́cula α está muito longe do núcleo, só existe energia cinética. No ponto de
aproximação máxima, temos energias cinética e potencial, mas a velocidade radial
da partı́cula α é zero. Portanto, a conservação da energia (E∞ = Ermin ) nos leva a

k l2
T00 = + 2
. (5.125)
rmin 2µrmin

Passando todos os termos para o lado esquerdo e substiuindo k da Eq. (5.117) e l


da Eq. (5.115), obtemos

2T00 κ 2µT00 b2
T00 − − 2
=0. (5.126)
rmin 2µrmin

Dividindo por T00 , temos


2κ b2
1− − 2 =0. (5.127)
rmin rmin
Então o limite superior de (5.124) é cos−1 0 = π/2, e
!
π 1
Θ = − cos−1 p (5.128)
2 1 + (κ/b)2
ou !
π 1
− Θ = cos−1 p . (5.129)
2 1 + (κ/b)2
Tomando o cosseno de ambos os lados, e usando o fato que cos(π/2 − Θ) = senΘ,
temos
1
senΘ = p . (5.130)
1 + (κ/b)2
Esta relação pode ser obtida de um triângulo retângulo
p com cateto oposto igual a 1,
cateto adjacente igual a κ/b e hipotenusa igual a 1 + (κ/b)2 , de onde concluı́mos
que tgΘ = b/κ, ou
b = κ tgΘ . (5.131)
Da Eq. (5.114),
Θ = π/2 − θ/2 , (5.132)
de onde podemos escrever

b = κ tgΘ = κ tg(π/2 − θ/2) , (5.133)

106
ou
b = κ cotg(θ/2) . (5.134)
Derivando b em relação a θ, obtemos
db κ κ 1
= − cossec2 (θ/2) = − . (5.135)
dθ 2 2 sen2 (θ/2)

Desses resultados, e da Eq. (5.112), podemos calcular a seção de choque:

κ2 cotg(θ/2)
σ(θ) = . (5.136)
2 senθ sen2 (θ/2)

Como
senθ = 2 sen(θ/2) cos(θ/2) , (5.137)
κ2 1
σ(θ) = 4
. (5.138)
4 sen (θ/2)
Substituindo κ em termos de k (Eq. 5.117), obtemos

k2 1
σ(θ) = 0 2 sen4 (θ/2)
. (5.139)
16T0

Note que a seção de choque independe do sinal de k, de maneira que a distribuição


de espalhamento é a mesma, independente da força ser atrativa ou repulsiva.

107
Capı́tulo 6

Referenciais não inerciais

6.1 Sistema de coordenadas em rotação


Vimos no Capı́tulo 1 que as Leis de Newton que descrevem processos dinâmicos só
são válidas em referenciais inerciais. Por outro lado, existem problemas que são
melhor descritos a partir de referenciais não inerciais. Como as Leis de Newton
não podem ser aplicadas diretamente, uma modificação no formalismo torna-se ne-
cessária. O objetivo deste capı́tulo é apresentar uma metodologia para tratar o
movimento a partir de referenciais não inerciais.
Considere dois sistemas de coordenadas exibidos na Figura 6.1: x0 y 0 z 0 é um
referencial inercial, chamado aqui de fixo; xyz é um referencial em rotação. No caso
geral, as origens dos referenciais também não coincidem.

Figura 6.1: Posição de uma partı́cula em dois referenciais diferentes.

A relação entre os vetores que indicam a posição da partı́cula nos dois sistemas

~ + ~r .
r~0 = R (6.1)
Inicialmente vamos supor que as origens dos dois sistemas coincidam, ou seja,
que R ~ = 0. A Figura 6.2 ilustra o deslocamento da partı́cula, visto do sistema
fixo, devido a uma rotação infinitesimal do sistema móvel em torno de um eixo
instantâneo de rotação. Em módulo,
dr = r senγ dθ . (6.2)

108
~ aponta ao longo do eixo de rotação (com
Como o vetor rotação infinitesimal, dθ,
sentido dado pela regra da mão direita), d~r tem direção e sentido de dθ~ × ~r. Assim,
podemos escrever
d~rf = dθ~ × ~r , (6.3)
onde o ı́ndice f que dizer em relação ao sistema fixo (com linha).

Figura 6.2: Deslocamento de uma partı́cula devido a uma rotação infinitesimal.

Dividindo por dt, obtemos uma relação para a velocidade:


 
d~r
=ω ~ × ~r , (6.4)
dt f

onde ω ~
~ = dθ/dt é o vetor velocidade angular de rotação em torno do eixo.
Se, além da velocidade devida à rotação, a partı́cula tiver uma velocidade (dr/dt)r
em relação ao sistema em rotação, temos
   
d~r d~r
= +ω~ × ~r . (6.5)
dt f dt r

Agora vamos admitir que a origem do sistema xyz se move em relação ao sistema
0 0 0
x y z . Derivando a Eq. (6.1), podemos obter a velocidade da partı́cula no sistema
fixo: ! !
dr~0 dR~  
d~r
= + . (6.6)
dt dt dt f
f f

Da Eq. (6.5), obtemos


! !
dr~0 ~
dR

d~r

= + ~ × ~r .
+ω (6.7)
dt dt dt r
f f

Definindo
! !
dr~0 ~
dR

d~r

≡ ~vf , ≡ V~ e ≡ ~vr , (6.8)
dt dt dt r
f f

109
podemos escrever
~vf = V~ + ~vr + ω
~ × ~r . (6.9)
Existe outra maneira de se obter a relação (6.5) entre as velocidades da partı́cula
nos dois referenciais. Considere o vetor ~r = xı̂ + y̂ + z k̂ no sistema em rotação. Su-
ponha que os sistemas fixo e em rotação tenham a mesma origem e que a velocidade
angular do sistema em rotação, em relação ao sistema fixo, seja ω ~.
~0
Como os sistemas têm a mesma origem, r = ~r. Tomando a derivada de ~r no
sistema fixo, obtemos
!
dr~0
 
d~r dx dy dz dı̂ d̂ dk̂
= = ı̂ + ̂ + k̂ + x + y + z . (6.10)
dt dt f dt dt dt dt dt dt
f

Os três primeiros termos dão a velocidade no sistema em rotação (sem linha),


de forma que !
dr~0
 
d~r dı̂ d̂ dk̂
= +x +y +z . (6.11)
dt dt r dt dt dt
f

Os três últimos termos não são nulos porque os vetores unitários ı̂, ̂ e k̂ estão girando
em relação ao sistema fixo.
Imagine inicialmente o sistema sem linha girando em torno do eixo z 0 com velo-
cidade angular ωz , como mostra a Figura 6.3. Os vetores unitários ı̂ e ̂ podem ser
escritos em termos de ıˆ0 e ˆ0 (que são fixos) como:

ı̂ = ıˆ0 cosθ + ˆ0 senθ , (6.12)

̂ = −ıˆ0 senθ + ˆ0 cosθ . (6.13)

Figura 6.3: Vetores unitários ı̂ e ̂ girando em torno do eixo z 0 do sistema fixo.

Derivando em relação a t, obtemos:


dı̂ dθ dθ
= −ıˆ0 senθ + ˆ0 cosθ , (6.14)
dt dt dt
d̂ dθ dθ
= −ıˆ0 cosθ − ˆ0 senθ , (6.15)
dt dt dt
110
ou
dı̂ d̂
= ωz ̂ e = −ωz ı̂. (6.16)
dt dt
É fácil ver que, se a rotação for em torno do eixo y,
dk̂ dı̂
= ωy ı̂ e = −ωy k̂ . (6.17)
dt dt
Se for em torno do eixo x,
d̂ dk̂
= ωx k̂ e = −ωx ̂ . (6.18)
dt dt
Se a rotação for dada por ω
~ = ωx ı̂ + ωy ̂ + ωz k̂, temos:

dı̂ d̂ dk̂


= ωz ̂ − ωy k̂ , = ωx k̂ − ωz ı̂ e = ωy ı̂ − ωx ̂ .
dt dt dt
Portanto,
dı̂ d̂ dk̂
x +y +z = x(ωz ̂ − ωy k̂) + y(ωx k̂ − ωz ı̂) + z(ωy ı̂ − ωx ̂)
dt dt dt
= (ωy z − ωz y)ı̂ + (ωz x − ωx z)̂ + (ωx y − ωy x)k̂ = ω~ × ~r .
Substituindo este resultado na Eq. (6.11), obtemos novamente a Eq. (6.5).
Embora tenha sido obtida para o vetor ~r, a equação (6.5) é válida para qualquer
vetor. Em geral, para um vetor Q~ qualquer, podemos escrever
! !
~
dQ dQ~
= +ω ~ ×Q ~ . (6.19)
dt dt
f r

~ for a velocidade angular, temos


Se Q
   
d~ω d~ω
= , (6.20)
dt f dt r
de forma que a aceleração angular é a mesma nos dois referenciais.

6.2 “Segunda Lei de Newton” em referenciais não


inerciais
Como dissemos, a Segunda Lei de Newton só pode ser aplicada em referenciais
inerciais. No sistema fixo, podemos escrever
 
~ d~
vf
F = m~af = m . (6.21)
dt f
Derivando a Eq. (6.9), obtemos
!
dV~
     
d~vf d~vr d~ω d~r
= + + × ~r + ω
~× . (6.22)
dt f dt dt f dt dt f
f

111
Veja que o ı́ndice f não é necessário em d~ω /dt porque essa quantidade é igual nos
dois referenciais.
Vamos denotar o primeiro termo no lado direito como
!
dV~
≡A ~. (6.23)
dt
f

~
O segundo termo pode ser calculado de (6.19) com ~vr no lugar de Q:
   
d~vr d~vr
= +ω~ × ~vr = ~ar + ω
~ × ~vr . (6.24)
dt f dt r
O último termo pode ser obtido diretamente de (6.19):
   
d~r d~r

ω =ω~× +ω ~ × (~ω × ~r) = ω
~ × ~vr + ω
~ × (~ω × ~r) (6.25)
dt f dt r
Com esses resultados podemos reescrever a Segunda Lei de Newton no referencial
fixo (Eq. 6.21) como

F~ = m~ ~ + m~ar + m d~ω × ~r + m~ω × (~ω × ~r) + 2m~ω × ~vr


af = mA (6.26)
dt
Admitindo que um observador no sistema em rotação possa escrever uma “Se-
gunda Lei de Newton” na forma
F~ef = m~
ar , (6.27)
concluı́mos que ele verá uma força efetiva dada por

F~ef = F~ − mA ~ − m d~ω × ~r − m~ω × (~ω × ~r) − 2m~ω × ~vr . (6.28)


dt
O primeiro termo da força efetiva, F~ , é a soma de todas as forças reais que
atuam sobre a partı́cula. O segundo e terceiro termos (−mA ~ e −md~ω /dt × ~r)
seguem, respectivamente, das acelerações translacional e rotacional do sistema em
rotação em relação ao sistema fixo.
O termo
−m~ω × (~ω × ~r) (6.29)
é chamado força centrı́fuga. No caso simples em que a partı́cula se move em um
plano perpendicular a ω ~ (Figura 6.4), ele tem módulo mω 2 r e aponta no mesmo
sentido de ~r.
Por último, o termo
−2m~ω × ~vr (6.30)
é chamado força de Coriolis, em homenagem a G. G. Coriolis, quem primeiro
deduziu a Eq. (6.28) em 1835. É interessante observar que a força de Coriolis
aparece por causa do movimento da partı́cula em relação ao referencial em rotação.
Note que ela é proporcional a vr e desaparece se vr = 0. É também importante
entender que as forças centrı́fuga e de Coriolis não são forças reais. Elas apareceram
artificialmente por causa da nossa suposição de ser possı́vel escrever uma equação
semelhante à Segunda Lei de Newton que seja válida no referencial não inercial. Os
termos que aparecem no lado direito de (6.28), exceto a força real F~ , são chamados
de forças inerciais.

112
Figura 6.4: Vetor −~ω × (~ω × ~r) no caso em que a partı́cula se move em um plano
perpendicular a ω
~.

Exercı́cio 6.1. Descreva, à luz da Eq. (6.28), como os dois observadores do exemplo
do ônibus (Figura 1.4) do Capı́tulo 1, explicariam o movimento da bola. Liste todas
as forças que cada observador teria que levar em conta.

Exercı́cio 6.2. Determine o perı́odo de oscilação de um pêndulo colocado para


oscilar dentro de um elevador que sobe com aceleração a. O que muda se o elevador
descer com aceleração a? Use o que for possı́vel da solução para o pêndulo simples
da seção 2.1.

Exercı́cio 6.3. Um tubo horizontal de comprimento l gira com velocidade angular


constante ω em torno de um eixo vertical que passa por sua extremidade esquerda,
como mostra a figura abaixo. No sistema de coordenadas girante indicado, z é o
eixo de rotação e x é ao longo do tubo. Uma partı́cula de massa m encontra-se
no interior do tubo. No instante t = 0 a partı́cula está em repouso em relação ao
tubo a uma distância x0 da sua extremidade esquerda. (a) Supondo que não haja
atrito entre as paredes internas do tubo e a partı́cula, obtenha uma expressão para
a coordenada x da partı́cula como função do tempo. (b) Calcule a velocidade com
que a partı́cula sai pela extremidade direita do tubo. (c) Determine o tempo que a
partı́cula demora para sair do tubo. (d) Obtenha uma expressão para a força que
as paredes do tubo exercem sobre a partı́cula.

Exercı́cio 6.4. Determine a forma da superfı́cie da água contida em um balde que


está girando em torno do seu eixo com velocidade angular ω.

113
6.3 Movimento em relação à Terra
O movimento da Terra em relação a um referencial inercial é dominado por sua
rotação. O movimento da Terra em torno do Sol e o movimento do sistema solar
com relação às estrelas fixas têm importância muito menor. Para descrever o mo-
vimento de corpos nas proximidades da superfı́cie da Terra, vamos usar os sistemas
de coordenadas indicados na Figura 6.5: um sistema x0 y 0 z 0 fixo no centro da Terra
e um sistema xyz em rotação com origem na superfı́cie da Terra.
Vamos escrever a força resultante, medida no sistema fixo, como
F~ = S
~ + m~g0 (6.31)
onde
GmM ~
m~g0 = − R (6.32)
R3
é a atração gravitacional sobre a partı́cula (M e R são a massa e o raio da Terra) e
~ representa todas as outras forças.
S

Figura 6.5: Referencial fixo com origem no centro da Terra e referencial girante com
origem na superfı́cie.

Com essa definição, a força efetiva pode ser escrita como

F~ef = S ~ − m d~ω × ~r − m~ω × (~ω × ~r) − 2m~ω × ~vr .


~ + m~g0 − A (6.33)
dt
~ aponta ao longo do eixo de rotação da Terra (eixo z 0 ) e
A velocidade angular ω
tem módulo dado por

ω= = 7, 27 × 10−5 rad/s . (6.34)
τrot
A velocidade angular para o movimento da Terra ao redor do Sol é 365 vezes menor
e esse movimento será desprezado em nossa discussão.

114
Como ω é praticamente constante, o termo −md~ω /dt é praticamente zero. R ~ é
fixo no sistema em rotação, mas muda de direção no sistema fixo à medida que a
Terra gira. Da Eq. (6.19) com R ~ no lugar de Q,
~ podemos escrever
!
dR~
V~ = =ω ~ ×R~ . (6.35)
dt
f

~ ×R
Substituindo de novo em (6.19), e notando que ω ~ é fixo no sistema em rotação
(nem R~ nem ω~ muda), temos
!
2~
~= d R =ω
A ~ ,
~ × (~ω × R) (6.36)
dt2
f
de forma que a força efetiva pode ser reescrita como
F~ef = S~ + m~g0 − m~ω × [(~ω × (~r + R)]
~ − 2m~ω × ~vr . (6.37)
O segundo e terceiro termos no lado direito da equação acima sempre estarão
presentes na força efetiva sobre uma partı́cula nas proximidades da Terra, o que
sugere escrever uma aceleração da gravidade efetiva dada por
~g = ~g0 − ω ~ .
~ × [(~ω × (~r + R)] (6.38)
Essa é a aceleração da gravidade que é medida em um experimento. Por exemplo,
o perı́odo de um pêndulo determina o módulo de ~g e não de ~g0 . Da mesma forma, a
direção de um fio de prumo determina a direção de ~g . Com essa definição, a força
efetiva pode ser escrita como
F~ef = S
~ + m~g − 2m~ω × ~vr . (6.39)
Nos casos em que estudamos movimentos próximos da superfı́cie da Terra o
suficiente para fazer r << R,
~g ' ~g0 − ω ~ .
~ × (~ω × R) (6.40)
A Figura 6.6 (lado esquerdo) mostra que −~ω × (~ω × R) ~ é paralelo ao plano
0
equatorial e aponta para longe do eixo z (eixo de rotação da Terra). Em módulo,
~ = ω 2 R sen(π/2 − λ) = ω 2 R cosλ
|~ω × (~ω × R)| (6.41)
onde λ é a latitude. Substituindo os valores de ω e do raio da Terra, obtemos
ω 2 R = 0, 034 m/s2 , o que representa 0,35% do valor de g0 . A direção do campo
gravitacional efetivo, ~g , é indicada na Figura 6.6 (lado direito) com o tamanho do
termo centrı́fugo exagerado.
Exercı́cio 6.5. Calcule a aceleração centrı́fuga devida ao movimento da Terra em
torno do Sol e verifique se esse movimento pode ser desprezado quando comparado
com a rotação da Terra (isso foi feito no texto).
Exercı́cio 6.6. Mostre que o pequeno desvio angular de um fio de prumo em relação
à vertical (ângulo de ~g em relação a ~g0 ), em um lugar sobre a superfı́cie da Terra a
uma latitude λ, é dado em radianos por
Rω 2
ε' sen2λ
2g0
Obtenha um valor numérico para o desvio máximo.

115
~ (esquerda) e do campo gravitacional
Figura 6.6: Direção do vetor −~ω × (~ω × R)
efetivo (direita).

6.4 A força de Coriolis


O efeito da força de Coriolis sobre uma partı́cula em movimento nas proximidades
da superfı́cie da Terra é melhor visualizado no sistema de coordenadas da Figura
6.7. O eixo z corresponde à vertical e o plano xy à superfı́cie da Terra, com o eixo
x apontando para o sul e o eixo y para o leste.
Como vimos na seção anterior, um fio de prumo aponta ao longo do vetor ~g , e
não de ~g0 , por causa da força centrı́fuga proveniente da rotação da Terra. No caso
de um objeto em queda, temos mais uma deflexão devida à força de Coriolis. Na
sequência vamos calcular essa deflexão extra desprezando o desvio discutido na seção
anterior, de forma que a deflexão calculada aqui é em relação à direção de um fio de
prumo. Como ambos os efeitos são pequenos, é razoável tratá-los separadamente.
Vamos também admitir que o objeto caia de uma altura pequena o bastante para
que possamos considerar ~g constante.

Figura 6.7: Sistema de coordenadas para descrever o movimento em realação à


superfı̀cie da Terra.

116
Desprezando a resistência do ar, a aceleração da partı́cula em relação ao sistema
em rotação (fixo na superfı́cie da Terra) é dada por

~ar = ~g − 2~ω × ~vr . (6.42)

De acordo com o sistema de coordenadas da Figura 6.7,

~ = −ω cosλ ı̂ + ω senλ k̂ .
ω (6.43)

Escrevendo a velocidade do objeto como

~vr = vx ı̂ + vy ̂ + vz k̂ , (6.44)

a sua aceleração no sistema que gira é

~ar = 2ωvy senλ ı̂ − 2ω(vx senλ + vz cosλ) ̂ + (2ωvy cosλ − g) k̂ . (6.45)

Aqui devemos fazer algumas simplificações. Como ω ∼ 10−4 rad/s, tipicamente


ωvz << g. Em princı́pio, as componentes horizontais da velocidade são muito
menores que vz , de forma que ωvx e ωvy são menores ainda. Portanto, vamos
desprezar os termos em ωvx e ωvy , de forma que

~ar = −2ωvz cosλ ̂ − g k̂ , (6.46)

o que corresponde às seguintes equações diferenciais para vy e vz :

dvy dvz
= −2ωvz cosλ e = −g . (6.47)
dt dt
Como a segunda equação só envolve vz , a estratégia natural é resolvê-la e depois
substituir a solução na primeira. Integrando duas vezes a segunda equação, e su-
pondo vz = 0 e z = h no instante t = 0, obtemos
1
vz = −gt e z = h − gt2 . (6.48)
2
Substituindo vz na primeira equação, obtemos
dvy
= 2ωgt cosλ . (6.49)
dt
Integrando duas vezes e supondo vy = 0 e y = 0 no instante t = 0, obtemos

1
vy = ωgt2 cosλ e y = ωgt3 cosλ . (6.50)
3

p O tempo de queda, que pode ser obtido fazendo z = 0, é dado por tqueda =
2h/g. Substituindo esse resultado em y, obtemos o desvio lateral (ao longo do
eixo y): s
2 2h3
dy = ω cosλ . (6.51)
3 g

117
Para termos uma ideia de valores tı́picos, considere um objeto que cai de uma
altura de 100 m em uma latitude de 16◦ (latitude de Goiânia). O tempo de queda é
tqueda = 4, 5 s e o desvio lateral é dy = 2, 1 cm. Os valores máximos de vz e vy (em
magnitude) são 44 m/s e 1,4 cm/s, respectivamente. Veja que esses números estão
de acordo com a suposição inicial que vy << vz e ωvz << g.
Outro exemplo simples é o desvio lateral de uma partı́cula que se move no plano
horizontal. Para simplificar, vamos supor que inicialmente o movimento é ao longo
do eixo y. Fazendo vx = vz = 0 na Eq. (6.45), e desconsiderando o movimento ao
longo do eixo z, obtemos
~ar = 2ωvy senλ ı̂ . (6.52)
Supondo que a partı́cula esteja no hemisfério norte, λ e senλ são positivos, e por-
tanto, ela sofre um desvio na direção positiva do eixo x (desvio para a direita). Se
tivéssemos escolhido o movimento inicialmente ao longo do eixo x (vy = vz = 0),
obterı́amos
~ar = −2ωvx senλ̂ (6.53)
Para uma partı́cula no hemisfério norte, o desvio seria no sentido negativo do eixo
y (para a direita).
Se a partı́cula estiver no hemisfério sul, λ e senλ são negativos, e a deflexão é
para a esquerda.

Exercı́cio 6.7. Uma partı́cula é atirada verticalmente para cima em um lugar a


uma latitude norte λ e atinge uma altura máxima h acima da superfı́cie da Terra.
Mostre que ela atinge a Terra em um ponto a uma distância
s
8 2h3
ω cosλ
3 g

a oeste do ponto de lançamento. Obtenha um valor numérico para h = 30 m e


λ = 30◦ .

Exercı́cio 6.8. Um projétil é atirado para o leste de um lugar na superfı́cie da Terra


a uma latitude norte λ com uma velocidade de módulo v0 e um ângulo de inclinação
θ com a horizontal. Mostre que a deflexão lateral até o projétil atingir a Terra é
dada por
4ωv03
senλ cosθ sen2 θ
g2
Obtenha um valor numérico para v0 = 50 m/s, λ = 30◦ e θ = 45◦ .

6.5 O pêndulo de Foucault


O efeito da força de Coriolis sobre o movimento de um pêndulo produz uma pre-
cessão, ou rotação do plano de oscilação. Nesta seção vamos descrever o movimento
desse sistema, chamado pêndulo de Foucault. Para tal, vamos adotar o sistema de
coordenadas da Figura 6.7, com o eixo z na vertical e o plano xy na horizontal. O
pêndulo de Foucault é esquematizado na Figura 6.8.

118
Figura 6.8: Pêndulo de Foucault.

A força efetiva vista por um observador na Terra é

F~ef = m~g + T~ − 2m~ω × ~vr (6.54)

Supondo que o fio seja muito comprido e as oscilações de pequena amplitude, o


fio fica praticamente na vertical, e o vetor T~ pode ser decomposto como

−xı̂ − y̂ + lk̂ x y


T~ ' T = −T ı̂ − T ̂ + T k̂ . (6.55)
l l l
Como estamos supondo oscilações de pequena amplitude, vz é pequeno em com-
paração com vx e vy , e pode ser desprezado. A componente vertical de T~ compensa
aproximadamente o peso, tal que T ' mg.
Tomando a velocidade angular ω ~ da Eq. (6.43), e escrevendo a velocidade do
pêndulo como
~vr = vx ı̂ + vy ̂ , (6.56)
temos
~ × ~vr = −vy ω senλ ı̂ + vx ω senλ ̂ − vy ω cosλ k̂ .
ω (6.57)
As equações de movimento para as componentes x e y são dadas por:

d2 x x
m = −T + 2mvy ω senλ , (6.58)
dt2 l
d2 y y
m 2
= −T − 2mvx ω senλ . (6.59)
dt l
Como T ' mg, as equações acima podem ser reescritas como:

d2 x g dy
= − x + 2 ω senλ , (6.60)
dt2 l dt

119
d2 y g dx
2
=− y−2 ω senλ . (6.61)
dt l dt
p
Definindo ω0 = g/l e ωz = ω senλ, podemos escrever:

d2 x dy
2
+ ω02 x = 2ωz , (6.62)
dt dt
d2 y dx
2
+ ω02 y = −2ωz . (6.63)
dt dt
Note que ω0 é a frequência de oscilação do pêndulo, e portanto muito maior que ωz ,
mesmo para grandes valores de l.
As Eqs. (6.62) e (6.63) envolvem x e y, e uma maneira de resolvê-las é usando
uma variável complexa. Somando a primeira com a segunda multiplicada por i,
obtemos  2
d2 y
  
dx 2 dx dy
+ i 2 + ω0 (x + iy) = −2iωz +i (6.64)
dt2 dt dt dt
Definindo
q = x + iy , (6.65)
obtemos a equação
d2 q dq
2
+ 2iωz + ω02 q = 0 (6.66)
dt dt
para a variável complexa q.
Supondo uma solução do tipo

q = q0 eγt , (6.67)

obtemos a equação auxiliar

γ 2 + 2iωz γ + ω02 = 0 , (6.68)

cujas soluções são


q q
γ = −iωz + i ω02 + ωz2 e γ = −iωz − i ω02 + ωz2 . (6.69)

A solução geral da equação diferencial é


h √ 2 √ i
−iωz t i ω0 +ωz2 t −i ω02 +ωz2 t
q=e Ae + Be . (6.70)

Como ω0 >> ωz , podemos desprezar ωz dentro da raiz e escrever

q = e−iωz t Aeiω0 t + Be−iω0 t .


 
(6.71)

Agora vamos supor que o tempo t seja pequeno em comparação com o perı́odo
de rotação da Terra (1 dia), mas não em comparação com o perı́odo de oscilação do
pêndulo (da ordem de segundos). Sendo assim, ωz t << 1, de forma que a solução
pode ser escrita como
qin = Aeiω0 t + Be−iω0 t (6.72)

120
onde o ı́ndice “in” indica que essa é a solução inicial, que vale para as primeiras
oscilações do pêndulo.
Como qin tem uma parte real e uma parte imaginária, pode ser escrito como

qin (t) = xin (t) + iyin (t) . (6.73)

Essa solução define o plano inicial de oscilação.


A solução geral, dada pela Eq. (6.71), pode ser reescrita como

q = e−iωz t (xin + iyin )


= (cosωz t − i senωz t)(xin + iyin )
= (xin cosωz t + yin senωz t) + i (−xin senωz t + yin cosωz t) .

Comparando com q = x + iy, temos:

x = xin cosωz t + yin senωz t , (6.74)

y = −xin senωz t + yin cosωz t . (6.75)


Estas equações definem o plano de oscilação do pêndulo no instante t. Elas des-
crevem uma rotação de um ângulo ωz t no plano xy (compare com as Eqs. 6.12
e 6.13). Portanto, concluı́mos que o pêndulo precesssiona com velocidade angular
ωz = ω senλ. A velocidade de precessão é máxima nos pólos, onde λ = 90◦ e ωz = ω,
e zero no equador, onde λ = 0.
Outra forma de ver a precessão é escrevendo as equações acima na forma matricial
    
x cosωz t senωz t xin
= . (6.76)
y −senωz t cosωz t yin

A matriz faz a rotação de um ângulo ωz t no plano xy.

121

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