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CARACTERIZAÇÃO DE MATERIAIS COM

ONDAS ULTRA-SÔNICAS

Fernando Reiszel Pereira – freiszel@iprj.uerj.br


Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Instituto Politécnico
Rua Alberto Rangel, S/N – 28630-050 – Nova Friburgo, RJ, Brasil

INTRODUÇÃO

O ultra-som tem sido uma ferramenta extensivamente usada na caracterização de materiais


(Kundu, 2003). Examinando-se imagens ultra-sônicas no modo B pode-se diferenciar vários tipos
de materiais de acordo com a textura da imagem. No entanto, essa análise é muito subjetiva (Fish,
1994). Várias técnicas têm sido desenvolvidas para a estimativa quantitativa de propriedades
acústicas de meios líquidos ou sólidos, tais como velocidade de propagação da onda, absorção,
atenuação (Simonetti & Cawley, 2003) e retroespalhamento de ondas ultra-sônicas (Kak &
Slaney, 1988).

Um exemplo típico do uso de ultra-som na caracterização de materiais pode ser encontrado


no trabalho de Selfridge (1985), onde há uma compilação de propriedades acústicas para uma
enorme gama de termoplásticos, metais e cerâmicas. Neste trabalho o autor demonstra que cada
um destes materiais possui uma velocidade de propagação e coeficientes de atenuação da onda
ultra-sônica bem característicos, e aplicando-se com critério os princípios que regem a
propagação de ondas ultra-sônicas são possíveis a identificação e diferenciação de diversos
materiais entre si.

Dentre os parâmetros acústicos que podem ser usados para caracterizar algum material, a
velocidade de propagação é um dos mais analisados e diversas técnicas têm sido desenvolvidas
para obter estimativas cada vez mais precisas, como a descrita por Ye et al. (1995). Neste
trabalho os autores determinam a velocidade de propagação estimando o tempo que um pulso de
ultra-som leva para se propagar através de uma determinada distância. Um conhecimento "a
priori" da distância permite o cálculo da velocidade da onda. Essas distâncias são, normalmente,
obtidas por "pulsos de referência" gerados por superfícies refletoras localizadas na frente e na
retaguarda da amostra do material a ser analisado. Essa técnica permite somente a determinação
da velocidade média ao longo da distância total percorrida entre as superfícies do material a ser
analisado, ainda que esta seja bastante precisa.

Uma outra classe de métodos de estimação permite que se determine a velocidade de


propagação de uma onda ultra-sônica no interior de materiais sem que seja necessário introduzir
estruturas de referência no interior dos mesmos, o que constitui uma classe de métodos ditos não
invasivos. Algumas tentativas bem sucedidas de estimativa não invasiva da velocidade de
propagação são descritas por Anderson & Thrahey (1998) e Pereira et al. (2000). Um outro
método de caracterização não invasivo é o conhecido por speckle tracking (rastreamento de
textura) ou elastografia, aplicado à análise de movimentos induzidos em corpos elásticos, quando
submetidos a forças externas de compressão ou vibrações (O'Donnel et al., 1994). Neste método,
analisando-se os movimentos internos desses materiais pode-se determinar a elasticidade dos
mesmos. Técnicas de correlação e speckle tracking também são usadas para estimativas não
invasivas de temperatura, como mostrado no trabalho de Seip et al. (1996). Hein et al. (1993)
fazem uma excelente compilação das técnicas de correlação no domínio do tempo para a
estimativa de movimentos em corpos elásticos.

As possibilidades do uso do ultra-som para caracterização de materiais, quando aliado à


técnicas de processamento de sinais, abrange até mesmo o monitoramento e caracterização de
materiais viscoelásticos, como descrito por Sofer & Hauser, (1952), Sofer et al. (1953);
Papadakis (1974), Rokhlin (1986), Freemantle & Challis, (1998), Vogt et al. (2003), Dixon et al.
(2004).

Para aplicar com segurança o ultra-som na caracterização de materiais é necessário o


conhecimento dos fenômenos de propagação de ondas em meios elásticos. Neste capitulo serão
abordados alguns tópicos elementares para o entendimento das interações de uma onda ultra-
sônica com materiais, tais como equação de onda, conceitos de absorção, atenuação e
espalhamento, reflexões entre interfaces de diferentes materiais e geração e detecção de ondas
ultra-sônicas.

FUNDAMENTOS DE ONDAS – MOVIMENTO HARMÔNICO

Para um melhor entendimento da equação que rege a propagação de ondas em meios


elásticos, é conveniente a revisão do equacionamento para o movimento harmônico simples
encontrado em um sistema massa-mola. Várias conclusões sobre o comportamento de ondas em
meios elásticos podem ser obtidas por analogias feitas a partir de um sistema mecânico massa-
mola. Para isso, considera-se o sistema mostrado na Fig. 1, que mostra uma massa m que desliza
sobre uma superfície sem atritos, acoplada a uma mola cuja compliância é ξ. De acordo com a lei
de Hooke, se a massa sofre um deslocamento u, surge uma força de reação dada pela Eq. (1)

F (t ) = − u (t ) ξ (1)

Figura 1 – Sistema massa-mola.

Na maioria dos textos sobre movimento harmônico usa-se a rigidez da mola, k, cuja
dimensão é expressa em [N/m], para relacionar força com deslocamento. Neste texto, para

2
caracterizar a mola adota-se a compliância, dimensionalmente igual a [m/N], devido a sua
similaridade com o módulo de compressão volumétrico, utilizado para descrever uma das
características de um fluido. As duas constantes para caracterizar a mola, rigidez k ou
compliância ξ são corretas, mas o uso da última facilita as analogias com a equação da onda.

Aplicando-se a segunda lei de Newton à Eq. (1), tem-se a Eq. (2):

d 2 u (t )
− u (t ) ξ = m ⋅ a(t ) = m ⋅ (2)
dt 2

onde a é a aceleração da massa em um dado instante de tempo t. Reorganizando os termos da Eq.


(2), tem-se como resultado a Eq. (3):

d 2 u (t ) 1
+ ⋅ u (t ) = 0 (3)
dt 2 ξm

onde o primeiro termo desta equação possui dimensão [m/s2]. Para haver compatibilidade
dimensional entre os termos, a constante 1/ξm deve possuir dimensão [1/s2]. Uma solução
possível para a Eq. (3) é dada pela Eq. (4):

 1 
u (t ) = u o ⋅ sen ⋅t (4)
 ξm 
 

que pode ser verificada por simples inspeção. Na Eq. (4), u0 é a amplitude do deslocamento u(t),
e de acordo com o argumento da função seno, os valores deste deslocamento se repetem quando o
tempo t é um múltiplo de 2π ⋅ ξm , o que caracteriza o período (T) de uma onda, expresso em
segundos [s]. Sendo T o tempo para o qual os valores dos deslocamentos se repetem, haverá 1/T
repetições destes deslocamentos por segundo, o que define a freqüência (f) de uma onda,
expressa em ciclos por segundo ou Hertz [Hz]. Portanto:

1 1 1
f = = ⋅ (5)
T 2π ξm

A Eq. (5) é bastante conhecida da física básica, segundo a qual a freqüência de oscilação de
um sistema massa/mola é dada por:

1 k
f = ⋅ (6)
2π m

onde a rigidez k é o inverso da compliância ξ. Analizando-se a Eq. (5) pode-se definir a


freqüência angular da onda, ω, com dimensões de [rad/s], dada por:

3
1
ω = 2πf = (7)
ξm

de modo que a Eq.(4) pode ser reescrita em sua forma mais conhecida:

u (t ) = u o ⋅ sen(ω ⋅ t ) (8)

Conhecendo-se o deslocamento u(t), a velocidade v(t) e a aceleração a(t) da massa ligada à


mola podem ser obtidas facilmente, como visto nas Eq. (9) e Eq. (10).

du (t )
v(t ) = = u o ⋅ ω ⋅ cos (ω ⋅ t ) (9)
dt
dv(t )
a (t ) = = −u o ⋅ ω 2 ⋅ sen(ω ⋅ t ) (10)
dt

Algumas relações entre a energia potencial e cinética do sistema massa/mola serão úteis para
futuras analogias com a propagação de ondas em meios elásticos. Dada a força necessária para
comprimir a mola, a energia potencial (Ep) armazenada quando a mesma é comprimida até o
valor máximo do deslocamento é dada pela Eq. (11):

uo uo u u o2
Ep = ∫ F ⋅ du = ∫ ⋅ du = (11)
0 0 ξ 2ξ

No instante de tempo em que o deslocamento u(t) é zero, a velocidade v(t) atinge seu valor
máximo, v0. Conseqüentemente, toda a energia potencial armazenada pela mola será convertida
em energia cinética (Ec), dada pela Eq. (12):

mv02 m(u 0ω )
Ec = = (12)
2 2

ONDAS EM MEIOS FÍSICOS

Após a revisão dos conceitos básicos sobre movimento harmônico, analisa-se agora os
princípios que levam à equação de ondas. Entende-se por onda uma perturbação que varia com o
tempo e que se propaga indefinidamente. Ondas mecânicas, como é o caso de uma onda ultra-
sônica, necessitam de um meio físico para que se propaguem, ou seja, a perturbação é um
deslocamento de alguma região ou partícula deste meio físico. De acordo com a direção do
deslocamento, as ondas podem ser transversais ou longitudinais.

O exemplo clássico de uma onda transversal é dado por uma corda, considerada como uma
cadeia de partículas que podem sofrer deslocamentos em direções ortogonais ao comprimento da
corda. A Fig. 2 mostra uma corda que se estende infinitamente para a direita e uma extremidade
livre à esquerda. Aplicando-se um movimento vertical brusco à extremidade da esquerda, haverá

4
uma região na extremidade esquerda da corda que sofrerá uma série de deslocamentos que se
propagarão pela corda ao longo da direção z como mostrado na Fig. 2. Estes deslocamentos, que
possuem a forma pulsátil, atendem à definição de onda apresentada no início desta seção pois se
propagam indefinidamente ao longo da corda e o deslocamento sofrido por cada ponto é função
do tempo. No caso em questão, os deslocamentos ocorrem na direção ortogonal à direção de
propagação da onda, o que caracteriza uma onda transversal.

z z

Figura 2 – Deslocamento aplicado à extremidade livre da corda.

Mas nem sempre a forma de onda em estudo é um pulso como mostrado na Fig. 2.
Intuitivamente, quando se fala em ondas, associa-se às mesmas um formato senoidal, como
mostrado na Fig. 3. De fato, o formato senoidal é facilmente obtido se os movimentos na
extremidade livre da corda também forem senoidais. Isso faz com que haja, em um dado instante
de tempo t, partículas da corda com o mesmo deslocamento u(t) e velocidade v(t). A distância
entre partículas com o mesmo deslocamento u(t) e velocidade v(t) (em módulo e sentido) é
chamada de comprimento de onda, λ.

u(t)

Figura 3 – Deslocamento senoidal aplicado à extremidade livre da corda.

Nota-se que na Fig. 2 é possível encontrar dois pontos nos quais o deslocamento u(t) é o
mesmo, porém a velocidade v(t) não será igual (pode ser até em módulo, porém jamais em
sentido), como mostrado na Fig. 4, o que neste caso impossibilita a aplicação do termo
comprimento de onda.

v2
u
v1
z

Figura 4 – Deslocamentos (u) iguais e velocidades (v1 e v2) iguais em módulo, porém
com sentidos diferentes.

5
Na Fig 3. representa-se os deslocamentos em função da distância z ao longo da corda. Pode-
se também fixar uma distância z e representar os deslocamentos em função do tempo, como
mostrado na Fig. 5.

u(t)
T

Figura 5 – Deslocamento senoidal em função do tempo, para uma distância z constante.

Nesta representação, o tempo no qual os deslocamentos e velocidades se repetem é chamado


de período, T, já definido pela Eq. (5). Em um período T a onda terá completado um ciclo. Deste
modo pode-se visualizar melhor a definição de freqüência , que nada mais é do que o número de
ciclos que passam por uma posição fixa z em 1 segundo. Finalmente chega-se então ao conceito
de velocidade de propagação c, definida como a distância percorrida pela perturbação (ou seja, λ)
em um período T, como mostrado na Eq. (13). É importante frisar neste ponto que a velocidade
de propagação não possui nenhuma relação com a velocidade da partícula, v(t).

λ
c= = fλ (13)
T

ONDAS TRANSVERSAIS - EQUAÇÃO DA ONDA UM UMA CORDA

O exemplo mais tradicional de uma onda transversal é dado pelas perturbações que se
propagam por uma corda, como mostrado nas Fig. 2, 3 e 4. Para deduzir a respectiva equação da
onda desta propagação, considera-se a Fig. 6, que mostra um segmento infinitesimal δl da corda
sujeito a uma perturbação e submetido a uma tensão ψ.
ψ

δl
du

ψ
z z + dz
Figura 6 – Segmento de corda infinitesimal.

6
Pela Fig. 6, θ é o ângulo formado pela direção de propagação da onda e a tangente da
corda. O valor de θ varia em função da posição z. Portanto,considerando a projeção da força ψ
na direção vertical nas posições z + dz e z, a força F resultante que atua sobre o segmento
infinitesimal é dada pela Eq. (14). É esta força que acelera a massa infinitesimal do segmento ao
longo da direção do deslocamento u.

F = (Ψ ⋅ senθ )z + dz − (Ψ ⋅ senθ ) z (14)

Como os deslocamentos u são pequenos, o ângulo θ também será, o que permite usar
uma aproximação de primeira ordem para a projeção vertical da força no ponto z + dz, como
mostrado na Eq. (15):

(Ψ ⋅ senθ )z + dz = (Ψ ⋅ senθ )z + ∂(Ψ ⋅ senθ ) ⋅ dz (15)


∂z

o que transforma a Eq. 14 na Eq. 16:

∂ (Ψ ⋅ senθ )
F= ⋅ dz (16)
∂z

Como os ângulos θ são pequenos pode-se aproximar o valor de sen(θ) pela sua tangente,
∂u/∂z, e como a tensão ψ é constante, tem-se que:

∂ 2u
F = Ψ ⋅ 2 ⋅ dz (17)
∂z

Admitindo que a corda possui uma densidade linear η em[kg/m], a massa do segmento
infinitesimal será η dz, e de acordo com a segunda lei de Newton:

∂ 2u ∂ 2u ∂ 2u ∂ 2u
Ψ ⋅ 2 ⋅ dz = ηdz ⋅ 2 ⇒ Ψ ⋅ 2 = η ⋅ 2 (18)
∂z ∂t ∂z ∂t

Substituindo-se η/ψ por 1/c2, tem-se finalmente a equação da onda transversal para uma
corda, dada pela Eq. (19):

∂ 2u 1 ∂ 2u
= ⋅ (19)
∂z 2 c 2 ∂t 2

O primeiro termo da Eq. (20) possui dimensão de [1/m]. A aceleração, à direita da


equação, é dimensionalmente igual a [m/s2]. Portando, a constante c deverá ter a dimensão de
velocidade, [m/s]. De fato, ao encontrar a solução para a Eq. (19) (o que será feito adiante), pode-
se observar que a constante c representa a velocidade de propagação das perturbações em uma
corda. De fato, segundo a equivalência feita, c = (ψ/η)1/2, que é uma relação que concorda com a
intuição que temos ao aplicar uma perturbação em uma corda: quanto maior for a tração ψ na

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mesma, maior será a velocidade com que a perturbação se propaga. Do mesmo modo, quanto
maior a massa, menor é a velocidade de propagação.

ONDAS LONGITUDINAIS

Na seção anterior deduziu-se a equação de uma onda transversal, na qual as perturbações


(deslocamentos u) são ortogonais à direção de propagação (modo transversal). Em fluidos não
viscosos só é possível a propagação de ondas longitudinais, onde os deslocamentos dos
elementos infinitesimais do fluído são paralelos à direção de propagação da onda (modo
longitudinal). Em materiais sólidos é possível a propagação dos dois modos, tanto o transversal
como o longitudinal.

O modo longitudinal também pode ser observado em estruturas simples, como uma mola
tracionada. É possível impor um movimento vertical repentino (um pulso) na extremidade de
uma mola, tal como feito no caso da corda mostrado na Fig. 2. Neste caso, as perturbações serão
transversais à direção de propagação do pulso, como mostrado na Fig. 7.

u u

z z
Figura 7 – Propagação de um pulso transversal em uma mola.

Porém, também é possível aplicar na extremidade da mola um movimento repentino na


direção horizontal. Isso irá gerar uma compressão entre as espiras da mola, que se propagará para
a direita, como mostrado na Fig. 8. Fica claro por esta figura que as espiras se deslocam na
direção horizontal, ou seja, na mesma direção de propagação do pulso. Não há nenhum
deslocamento da direção vertical, tanto que na Fig. 8 o respectivo eixo foi suprimido.

z z

Figura 8 – Propagação de um pulso longitudinal em uma mola.

Ondas transversais não se propagam em fluidos não-viscosos, pois os mesmos não suportam
tensões de cisalhamento. Nestes meios só é possível a propagação de ondas longitudinais, ou de
compressão. Considere-se um fluido ilimitado no qual um de seus planos é submetido a uma
compressão súbita, causando uma aproximação entre as partículas próximas ao plano e um
conseqüente aumento da pressão nesta região. A Fig. 9 mostra um elemento de volume deste
fluido com o plano em questão localizado à esquerda. O súbito aumento de pressão é transmitido
a planos subseqüentes. Depois de terminado o transitório de pressão, a elasticidade do fluido faz

8
com que as partículas localizadas no primeiro plano voltem ao seu estado de repouso, mas a onda
de pressão seguirá se propagando para a direita.

P P

z z
Figura 9 – Pulso de pressão aplicado à face de um fluido.

Na prática, a súbita compressão de um plano de um fluido pode ser causada pelo movimento
brusco de uma superfície que delimita o fluido, por exemplo, o êmbolo de uma seringa.
Aplicando-se um movimento repentino ao êmbolo de uma seringa que contenha um fluido, o
aumento de pressão não é instantâneo ao longo do fluido, pois a onda de pressão leva um certo
tempo para se propagar para a região mais afastada. Neste caso, a direção do movimento do
êmbolo é perpendicular à superfície que delimita o fluido. Quando a direção do movimento de
um plano delimitador é paralela à superfície que delimita o fluido, as partículas do fluido
adjacentes ao plano deslizam sobre as partículas de planos subseqüentes, e neste caso, nenhum
movimento pode ser transmitido para partículas subseqüentes, o que explica a impossibilidade de
propagação de ondas transversais em fluidos. Caso o fluido apresente alguma viscosidade, pode
ocorre a transmissão de algum movimento, porém este é rapidamente atenuado.

Para obter a equação de uma onda longitudinal em um fluido, considera-se um elemento de


fluido, como mostrado na Fig. 10. Nesta figura, Po é a pressão hidrostática do fluido, e p é a
variação de pressão sofrida pelo elemento, causada pela passagem da onda e representada pela
região cinza.

9
Po Po Po + p Po + p

Figura 10 – Elemento de fluido submetido à onda de pressão.

A Fig. 10 mostra uma redução de volume do elemento de fluido, causada pela passagem da
onda. Porém, há que se considerar também que o mesmo elemento de volume sofre uma
translação, devido à existência de um gradiente de pressão, como mostrado na Fig. 11.

p
dp

z
dz

Figura 11 – Gradiente de pressão.

O gradiente de pressão mostrado na Fig. 11 é responsável por acelerar o elemento de fluido


infinitesimal de modo que, além da compressão causada pelo aumento da pressão, há uma
translação. Pode-se representar estes dois processos com o diagrama da Fig. 12, onde os planos
do elemento de fluido em z e z+dz sofrem um deslocamento de u e u + du respectivamente.

Po + p + dp Po + p

u u+du
z z+dz
Figura 12 - Deslocamento de u e u + du dos planos em z e z + dz.

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A Fig. 12 mostra que o elemento de fluido sofre uma deformação volumétrica, definida pela
relação ∆V/V0 , onde V0 é o volume inicial e ∆V a variação de volume devida à passagem da onda
de pressão p. Com estas definições, pode-se definir o módulo de compressibilidade B (bulk
modulus), dado pela Eq. 20. O modulo de compressibilidade B é uma propriedade de materiais,
assim como a densidade, calor específico etc.

−p
B= (20)
∆V
V0

Considerando-se a área do elemento infinitesimal de fluido normal à direção de propagação


da onda de pressão igual a S, de acordo com a Fig. 12 pode-se deduzir que o volume inicial do
fluido em repouso é dado pela Eq. 21.

V0 = S [( z + dz ) − z ] = Sdz (21)

Do mesmo modo, considerando-se o elemento de fluido sob uma variação de pressão, seu
volume V é dado pela Eq. 22.

V = S [( z + dz + u + du ) − ( z + u )] = S [dz + du ] (22)

de maneira que a variação volumétrica ∆V é dada por:

∆V = V − V0 = S [dz + du ] − Sdz = Sdu (23)

e substituindo V0 e ∆V na Eq. 20, tem-se que:

du
p = −B (24)
dz

Derivando-se a Eq. 24 em relação a z, chega-se a uma das relações fundamentais, dada pela
Eq. 25:

∂p ∂ 2u
= −B 2 (25)
∂z ∂z

A outra relação fundamental é obtida pela aplicação da segunda lei de Newton. Sendo ρ a
densidade do fluido, a massa de um elemento infinitesimal é dada por ρ·S·dz. E como o gradiente
de pressão gera uma força normal à superfície S dada por –dp·S, pode-se deduzir que:

∂ 2u
ρ ⋅ S ⋅ dz ⋅ = −dp ⋅ S (26)
dt 2

11
∂ 2u
Para a aceleração ter o mesmo sentido da força sobre o elemento infinitesimal faz-se
dt 2
necessário o uso do sinal negativo na parcela direita da Eq. 26, pois o gradiente de pressão dp/dz
é negativo (vide Fig. 11).

∂ 2u ∂p
ρ⋅ 2
=− (27)
dt ∂z

Igualando-se as Eqs. 25 e 27 chega-se à equação de propagação de ondas desejada:

∂ 2u ρ ∂ 2u
= ⋅ (28)
∂z 2 B dt 2

A análise dimensional dos termos da Eq. 28 revela que a dimensão do fator ρ/B é igual a
[s2/m2]. Portanto, fazendo com que o termo B seja igual à uma constante chamada de c,
ρ
pode-se reescrever a Eq. 28 como:

∂ 2u 1 ∂ 2u
= ⋅ (29)
∂z 2 c 2 dt 2

onde c possui dimensões iguais a [m/s] e de fato representa a velocidade com que a onda se
propaga. Deve-se observar a similaridade da Eq. 29 com a Eq. 19, que descreve a propagação de
perturbações em uma corda. Atente-se também para o fato do deslocamento u ser função tanto do
tempo t como da posição z. Portanto, uma notação mais correta seria escrever u(t,z) na Eq. 29, e
não simplesmente u. Porém adota-se esta liberdade ao longo deste texto para facilitar a notação.
Esta notação será adotada para outros parâmetros da onda, como velocidade do elemento
infinitesimal v, aceleração do elemento infinitesimal a, e pressão p.

SOLUÇÃO DA EQUAÇÃO DA ONDA

As Eqs. 19 e 29 admitem como solução qualquer função cujo argumento seja ct-z. Por
exemplo, u=ξ(ct-z) é uma solução possível, na qual ξ(ct-z) pode ser uma função exponencial,
gaussiana, senoidal etc. A comprovação da solução pode ser obtida tomando-se as derivadas
parciais do deslocamento em relação ao tempo e a distância, como mostrado nas Eqs. 30, 31, 32 e
33. Nestas equações, o apóstrofo significa a derivada de ξ em relação à seu argumento. As Eqs.
31 e 33 demonstram a Eq. 29 por substituição simples.

∂u
= cξ ′(ct − z ) (30)
∂t
∂ 2u
= c 2ξ ′′(ct − z ) (31)
∂t 2

12
∂u
= −ξ ′(ct − z ) (32)
∂z
∂ 2u
= ξ ′′(ct − z ) (33)
∂z 2

Como exemplo de uma função que atende à Eq. 29, supõe-se uma perturbação com formato
gaussiano, como expresso pela Eq. 34.
2
ξ (ct − z ) = e − (ct − z ) (34)

onde assume-se que a velocidade de propagação da perturbação, c, vale 3 m/s (uma velocidade
lenta, só para efeitos ilustrativos). De acordo com a Eq. 34 para o instante de tempo t = 0 s a
perturbação inicial é mostrada na Fig. 13.

u=1

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12
z(m)
Figura 13 – Perturbação para t = 0 s.

Após um segundo (t = 1 s), o argumento da função dada pela Eq. 34 vale (3·1-z). A perturbação
neste caso será igual à mostrada na Fig. 13, porém o máximo ocorre em z = 3 m, como mostrado
na Fig. 14.

u=1

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12
z(m)
Figura 14 – Perturbação para t = 1 s.

Do mesmo modo, para t = 2 s, os valores do argumento só serão iguais ao redor da posição


z = 6 m, como mostrado na Fig. 15, ou seja, a perturbação está se deslocando para a direita.

u=1

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 z(m)
Figura 15 – Perturbação para t 2 s.

13
Também é possível demonstrar que u=ξ(ct+z) também é uma possível solução para a Eq. 29.
Neste caso, seguindo-se os mesmos passos mostrados nas Figs. 13 a 15, observa-se que a
perturbação se propaga para à esquerda. Portanto, uma solução mais geral é admitir a existência
de duas perturbações que se propagam em sentidos opostos, de maneira que u=ξ(ct-z)+ξ(ct+z).

Como observação final sobre a Eq. 29, a solução que quase sempre é admitida é uma
perturbação senoidal, dada por:

 2π 
u = u0 sen  ⋅ (ct − z ) (35)
λ 

que também é uma possível solução para a Eq. 29. Nesta solução, o termo 2π/λ é chamado de
“número de onda”, cujo significado físico pode ser observado ao analisar a perturbação para um
tempo fixo, t = 0, por exemplo. Neste caso, os valores da função senoidal se repetem cada vez
que a distância z é um múltiplo inteiro do comprimento de onda λ. Do mesmo modo, analisando-
se a solução para uma posição fixa z = 0, por exemplo, os valores das perturbações se repetirão
para tempos t que sejam múltiplos inteiros de λ/c, o que define o período da onda (inverso da
freqüência), T = 1/f = λ/c, relação que mais uma vez remete à c = f λ. Outra maneira de escrever
a Eq. 35 é dada pela Eq. 36:

u = u0 sen[(ωt − φ )] (36)

onde ω = 2πf e φ (2πz/λ) é uma defasagem que depende da posição z em relação ao comprimento
de onda λ.

RELAÇÕES ENTRE OS PARÂMETROS DA ONDA

Uma vez que a Eq. 36 mostra uma perturbação senoidal como possível solução da Eq. 29, é
possível determinar a velocidade e aceleração do um elemento infinitesimal de fluido que está
sujeito a este deslocamento. Portanto deduz-se que a velocidade é dada por:

du
v= = u0 ⋅ ω ⋅ cos[(ωt − φ )] (37)
dt

e a aceleração por:

dv
a= = −u0 ⋅ ω 2 ⋅ sen[(ωt − φ )] (38)
dt

Observa-se aqui que a velocidade do elemento infinitesimal, v, não deve ser confundida com
a velocidade de propagação da perturbação, c. Ao passar por um ponto z no espaço, a
perturbação, que se propaga à velocidade c impõe uma velocidade v ao elemento infinitesimal.

14
Tomando-se a Eq. 24, relembrando que c = B
ρ e derivando Eq. 35 em relação à z tem-se
que:
du  2π  2π 
p = − ρc 2 = − ρc 2 ⋅  − u 0 ⋅ ⋅ cos  ⋅ (ct − z )  = ρ ⋅ c ⋅ u0 ⋅ ω ⋅ cos(ωt − ϕ ) (39)
dz  λ λ 

e usando-se a Eq. 37 obtém-se a importante relação:

p = ρcv (40)

O resultado mostrado na Eq. 40 estabelece a relação entre a velocidade v de um elemento


infinitesimal e a onda de pressão que atua sobre o mesmo. A Eq. 40 é facilmente interpretada
considerando-se que a pressão p exercerá uma força resultante sobre a área do elemento
infinitesimal de fluido. Quanto maior a densidade ρ (ou seja, quanto maior a massa), menor será
a aceleração imposta, e, conseqüentemente, menor a velocidade v. Por outro lado, quanto menor
for o valor da velocidade de propagação (c), maior será o tempo durante o qual a pressão p irá
acelerar o elemento infinitesimal de volume, que atingirá neste caso, uma velocidade v maior. O
Termo ρc da Eq. 40 é chamado de impedância acústica, designado pela letra Z. A impedância
acústica é dimensionalmente igual à [kg/(s·m2)] e recebe o nome de Rayl.

ENERGIA E INTENSIDADE

A Eq. 12 fornece a energia cinética de uma massa m movendo-se a uma velocidade v0.
Analogamente, pode-se dizer que se um fluido possui uma massa por volume unitário igual à ρ, a
energia por unidade de volume para um elemento infinitesimal de fluido que se move à
velocidade v pode ser expressa pela Eq. 41:

1 2
E= ρv (41)
2

A energia da Eq. 41 se propaga pelo fluido, atravessando uma área unitária com velocidade
c. Deste modo, pode-se definir a intensidade I de uma onda, que é a energia que atravessa uma
área unitária por unidade de tempo, expressa em [W/m2], dada pela Eq. 42:

1
I = cE = ρcv 2 (42)
2

Com a intensidade definida pela Eq. 42 é possível estabelecer algumas relações numéricas
para avaliar as grandezas envolvidas. Para isso, supõe-se uma onda de pressão senoidal com
freqüência de 1 MHz e intensidade de 0,1 W/cm2 se propagando na água. Sabendo-se que para a
água c = 1500 m/s e ρ = 1000 kg/m3 pode-se usar a Eq. 42 para determinar a velocidade máxima
com que uma partícula ou elemento infinitesimal de volume da água se desloca. Esta velocidade
resulta em 0,036 m/s. Portanto, a velocidade pode ser expressa pela Eq. 43.

15
v = 0,036 ⋅ sen(2π ⋅ 1x106 ⋅ t + φ ) (43)

O deslocamento u do elemento de volume pode ser obtido integrando-se a Eq. 43, resultando
em uma amplitude de 5,8 nm, o que demonstra que as oscilações dos elementos de fluido são
extremamente pequenas. E com a Eq. 40, pode-se calcular que a amplitude de pressão p resulta
em 54 kN/m2, ou 0,54 atm. Considerando a pressão hidrostática da água igual a 1 atm, a pressão
irá variar entre 1,54 e 0,46 atm. Uma intensidade um pouco maior faria com que a pressão
chegasse a 0 atm (vácuo), mas na prática isso não ocorreria, pois estas regiões rarefeitas seriam
ocupadas pelo ar dissolvido na água e por vapor, causando o surgimento de bolhas. Este processo
é conhecido por “cavitação”.

Outro exemplo que mostra alguns valores reais envolvidos em propagação de ondas pode ser
analisado considerando-se a propagação do som no ar. Admite-se para isso uma onda sonora
senoidal, com freqüência de 1 kHz e magitude de 100 dB, valor que pode ser encontrado a 10 m
de uma turbina de avião. Esta magnitude já é considerada em alguns casos o limiar para uma
sensação auditiva dolorosa. O valor em dB expressa uma razão logarítmica em relação à pressão
do menor som audível (20x10-6 Pa). Logo, uma magnitude de 100 dB corresponde a uma pressão
p que atende à Eq. 44:

p
100 = 20 ⋅ log (44)
20 x10 − 6

o que resulta em uma pressão p igual à 2 Pa. Mesmo para uma onda sonora com magnitude no
limiar da dor, como neste caso, esta flutuação de pressão é pequena em relação à pressão
atmosférica hidrostática, de 100 000 Pa, fato que nos dá uma idéia sobre a sensibilidade extrema
do sistema auditivo. Usando-se a Eq. 40, conclui-se que a velocidade das partículas de ar atingem
um valor de 0,005 m/s, e realizando a integração, obtém-se um deslocamento de 1,2 µm.

Com o valor de 0,005 m/s para a velocidade e sabendo-se que para o ar ρ = 1,2 kg/m3 e c =
330 m/s, pode-se usar a Eq. 42 para se obter uma intensidade de 5x10-6 W/ m2 . A potência total
(P) que atravessa uma área de uma esfera com raio de 10 m que circunda esta fonte sonora (no
caso, o avião) será igual a 4π·102·5x10-6 W , ou seja, 0,0063 W, que equivale a 0,0015 cal/s. Caso
fosse possível captar toda a potência sonora e concentrá-la em um volume de água igual a 1 cm3,
seriam necessários 670 segundos (≈ 11 minutos!) para elevar em 1oC a temperatura deste
pequeno volume. Ou seja, as potências envolvidas em ondas sonoras são extremamente baixas, o
que mais uma vez corrobora a extrema sensibilidade do sistema auditivo humano.

REFLEXÕES EM INTERFACES

Nas seções anteriores obteve-se a solução da equação da onda para perturbações que se
propagam em meios sem qualquer descontinuidade ao longo do caminho de propagação. Neste
caso, as propriedades de cordas ou fluidos são consideradas constantes ao longo do caminho da
propagação. Pode-se interromper a característica homogênea de uma corda fixando-se uma
extremidade da mesma a um suporte rígido, como mostrado na Fig. 16, que mostra uma
perturbação se propagando para a direita, em direção ao suporte rígido.

16
u

z=0

Figura 16 - Corda fixa a um suporte rígido.

O suporte rígido da Fig. 16 estabelece uma condição de contorno, de modo que para a
posição z = 0, o deslocamento u deve ser nulo para todo e qualquer instante de tempo t. Uma das
soluções possíveis para a onda de perturbação em uma corda sem descontinuidade, dada por
u=ξ(ct-z), entra em conflito com esta condição de contorno, pois para z = 0 haverá algum tempo
para o qual u=ξ(ct). Para atender a condição de contorno, deve-se admitir uma solução com a
forma da Eq. 45

u=ξ(ct-z)- ξ(ct+z) (45)

pois para z = 0, u=ξ(ct)- ξ(ct) = 0 para qualquer tempo t. A solução dada pela Eq. 45 representa
duas ondas de perturbação, uma que se propaga para a direita, em uma corda real, e a outra para a
esquerda, em uma corda fictícia ou virtual, conforme mostrado na Fig. 17. Mesmo que o meio
físico não exista, a onda à esquerda é necessária para atender à condição de contorno em z = 0,
podendo ser interpretada como uma onda virtual.

z=0

Figura 17 - Solução da Eq. 45 e onda virtual à esquerda.

À medida que o tempo aumenta, as duas ondas da Fig. 17 se encontrarão na interface, onde a
corda está fixa. Pode-se interpretar o fato do deslocamento u na interface ser nulo pela força de
reação que a corda virtual exerce na real. Na verdade, esta força é exercida pela reação do suporte
rígido, que, para manter o deslocamento na interface nulo, desempenha a mesma função da
perturbação virtual. Haverá um instante de tempo em que a posição da perturbação real será igual
a da perturbação virtual, resultando em um deslocamento nulo ao longo de toda a corda, como
mostrado na Fig . 18.

17
z=0

Figura 18 - Perturbações reais e virtuais.

Ainda pela Fig 18 observa-se que ao final os dois pulsos prosseguirão se deslocando, porém
o real será transformado em virtual e vice-versa, ou, dito de outra maneira, ocorreu uma reflexão
na interface e os pulsos retornaram com amplitude e sentido opostos.

Nem sempre uma interface é rígida como a mostrada na Fig. 16. Pode-se admitir uma
interface que exerça uma certa força de reação sobre uma perturbação que se propaga em um
meio, porém a força é insuficiente para garantir que o deslocamento na interface seja zero. Esta
configuração é obtida quando se usam duas cordas com diferentes densidades lineares, como
mostrado na Fig. 19.

z=0

Figura 19 - Propagação em interface não-rígida.

18
Na Fig. 19, a corda à direita, com maior densidade linear, não oferece força de reação
suficiente para manter o deslocamento na interface nulo. Conseqüentemente alguns de seus
elementos são deslocados e este deslocamento se propaga para a direita. No entanto, a reação da
corda com maior densidade linear foi suficiente para produzir a inversão dos deslocamentos na
corda de menor densidade, que se propagarão para a esquerda, conforme mostrado na Fig. 19.
Constata-se então que uma parcela da perturbação incidente foi transmitida e outra, refletida.
Observa-se que o caso mostrado na Fig. 18 é o caso limite para uma corda à direita com
densidade linear infinita (ou seja, imóvel devido à dificuldade em acelerá-la).

Os mesmos conceitos de reflexões e transmissões podem ser aplicados para ondas


longitudinais que se propagam em meios com diferentes características (notadamente a densidade
e velocidade de propagação). A Fig. 20 mostra uma perturbação de pressão (representada por
uma região mais escura) que se propaga em água e encontra uma interface formada por um metal.
Alguma parcela da onda é transmitida para o metal e outra é refletida.
água metal

Figura 20 - Onda de pressão em interface água/metal.

A determinação das relações entre amplitudes das ondas incidentes, transmitidas e refletidas
em função das características dos materiais constitui a base de uma das várias técnicas de
caracterização de materiais usando ultra-som. Para determinar estas relações, é necessário usar o
equacionamento desenvolvido nas seções anteriores.

ANÁLISE PARA INCIDÊNCIA NORMAL

A reflexão e transmissão de ondas longitudinais entre interfaces seguem os mesmos


princípios da ótica geométrica. Na maior parte dos ensaios de caracterização de materiais a
direção da propagação é normal ao plano definido pela interface, de modo que toda a análise a ser
apresentada nesta seção será feita para incidência normal. Admite-se também que a forma da
onda incidente é senoidal, como mostrado nas Eq. 35 e Eq. 36. Na verdade, quase toda forma de
onda de pressão usada em caracterização de materiais é composta por alguns ciclos senoidais. A
Eq. 46 representa uma onda com deslocamentos senoidais de amplitude U1 que se propaga para a
direita em um meio com módulo de compressão volumétrico B1 e número de onda (2π/λ) k1.

ui = U i sen(ωt − k1 z ) (46)

19
A onda descrita pela Eq. 46 encontra uma interface formada por um material com módulo de
compressão volumétrico B2 e número de onda k2, como mostrado na Fig. 20. Neste caso haverá
uma onda refletida e uma onda transmitida dadas pelas Eq. 47 e Eq. 48 respectivamente.

u r = U r sen(ωt + k1 z ) (47)

u t = U t sen(ωt − k 2 z ) (48)

Nas Eqs. 46 a 48 atribui-se aos deslocamentos os índices i, r e t caso a onda seja a incidente,
refletida e transmitida respectivamente. Além das amplitudes serem distintas, o sinal positivo do
número de onda da Eq. 47 indica que a mesma se propaga para a esquerda, e o número de onda k2
da Eq. 48 indica que a onda está se propagando no segundo meio. Arbitra-se que a interface está
localizada na posição z = 0.

Para determinar as relações entre as amplitudes das ondas incidentes, transmitidas e


refletidas, são necessárias duas condições de contorno. A primeira delas diz respeito ao
deslocamento de uma partícula situada exatamente na interface entre os dois meios. Para que a
partícula se mantenha coesa, é necessário que o deslocamento resultante imediatamente à
esquerda da interface seja igual ao deslocamento imediatamente à direita da interface, condição
que é expressa pela Eq. 49.

ui + ur = ut (49)

e por substituição das Eqs. 46 a 48 e lembrando que na interface z = 0:

U i sen(ωt ) + U r sen(ωt ) = U t sen(ωt ) (50)

o que define a relação entre as amplitudes das ondas:

Ui + Ur = Ut (51)

A segunda condição de contorno é obtida tendo-se em mente que a força resultante sobre um
elemento de área na interface deve ser nula, ou seja, a pressão total à esquerda da interface deve
ser igual à pressão à direita, como expresso pela Eq. 52.

pi + pr = pt (52)

Diferenciando-se as Eqs. 46 a 48 e usando-se a Eq. 24, tem-se que:

pi = − B1 ⋅ U i ⋅ (− k1 ) ⋅ cos(ωt − k1 z ) (53)
p r = − B1 ⋅ U r ⋅ (k1 ) ⋅ cos(ωt + k1 z ) (54)
pt = − B2 ⋅ U t ⋅ (− k 2 ) ⋅ cos(ωt − k 2 z ) (55)

e lembrando que na interface z = 0,

20
B1Uik1 - B1Urk1 = B2Utk2 (56)

Bn
Como para qualquer meio kn = 2π/λn = ω/cn e cn =
ρ n , a Eq. 56 transforma-se em:

c1ρ1Ui - c1ρ1Ur = c2 ρ2Ut (57)

e reconhecendo o produto cnρn como a impedância acústica Zn, obtém-se a Eq. (58).

Z1Ui - Z1Ur = Z2Ut (58)

As Eq. 51 e Eq. 58 formam um sistema de equações que permite determinar as relações entre
as amplitudes das ondas refletida e transmitida pela amplitude da onda incidente. De fato,
resolvendo-se o sistema, chega-se facilmente às Eq. 59a e Eq. 59b.

U r Z1 − Z 2
= (59a)
U i Z1 + Z 2

Ut 2Z1
= (59b)
U i Z1 + Z 2

As relações descritas pelas Eq. 59 e Eq. 60 podem ser interpretadas para alguns casos limites.
Primeiramente, se não houver interface alguma, o meio é contínuo e Z1 = Z2. Neste caso não há
onda refletida e toda a onda incidente é transmitida. Se o segundo meio for muito mais denso que
o primeiro, Z2 → ∞, não havendo onda transmitida e toda a onda é refletida com inversão dos
deslocamentos. Se o segundo meio for extremamente rarefeito Z2 → 0, e surge uma onda refletida
com igual amplitude. Mas também há uma implicação que foge ao senso comum, pois no
segundo meio surge uma onda transmitida cuja amplitude é o dobro da incidente. Pode-se pensar
que houve alguma violação da conservação de energia, o que não é o caso, como será
demonstrado em seções adiante. Mas este fato pode ser associado ao caso de ondas transversais
que se propagam em cordas. Se uma corda é ligada a uma segunda corda com densidade
desprezível, haverá um pulso refletido na primeira corda com amplitude igual ao pulso incidente.
Para atender a condição de contorno do deslocamento na segunda corda, deve haver um pulso
com o dobro da amplitude do pulso incidente.

Uma análise semelhante pode ser feita para a relação entre as amplitudes das pressões
refletidas e transmitidas e a incidente. Para z = 0, tomando-se a razão entre as Eq. 54 e Eq. 53:

pr U Z − Z1
=− r = 2 (60)
pi U i Z1 + Z 2

21
ω
c 22 ρ 2U t
pt B2U t k 2 c2 Z 2U t 2Z 2
= = = = (61)
pi B1U i k1 2 ω Z1U i Z1 + Z 2
c ρ1U i
2
ci

Assim como na análise feita para os deslocamentos, verifica-se a coerência das Eq. 60 e Eq.
61 para os casos extremos. Se Z2 → 0, a pressão transmitida é zero, o que é obvio, pois um meio
sem densidade não requer força alguma para ser acelerado, e a pressão refletida é igual à
incidente mas com magnitude oposta. Se Z2 → ∞, a pressão transmitida é o dobro da incidente,
o que novamente parece violar alguma lei de conservação de energia. Porém, com as Eq. 40 e
Eq. 42 pode-se concluir que a intensidade é expressa por:

1 p2 p2
I= = (62)
2 ρc 2 Z

que é uma primeira sinalização de que não há inconsistência alguma nos resultados, pois a Eq. 62
afirma que pode haver pressão com intensidade próxima a zero se Z2 → ∞. Além disso, elevando-
se a Eq. 60 ao quadrado e dividindo as pressões por 2ρ1c1:

p r2
2
p r2 2 ρ1c1 I r (Z 2 − Z1 )
= = = (63)
pi2 pi2 I i (Z1 + Z 2 )2
2 ρ1c1

e de maneira semelhante, elevando-se a Eq. 61 ao quadrado, tem-se que:

pt2
⋅ Z2
pt2 2 ρ 2 c 2 It Z2 4 Z 22 I 4Z1 Z 2
2
= 2
= ⋅ = 2
⇒ t = (64)
pi pi I i Z 1 (Z 1 + Z 2 ) I i (Z1 + Z 2 )2
⋅ Z1
2 ρ1c1

As Eq. 63 e Eq. 64 são perfeitamente coerentes no que diz respeito à conservação de energia,
pois para Z2 → ∞ ou Z2 → 0 a intensidade transmitida It → 0 e a refletida Ir → 1.

ABSORÇÃO E ATENUAÇÃO

As conclusões mostradas na seção anterior não consideram atenuações ou absorções da


intensidade de uma onda que se propaga em um dado meio. Esta é uma situação ideal, pois na
realidade, toda onda sofre alguma absorção ou atenuação em sua intensidade quando se propaga
por um meio. A magnitude da atenuação dependerá das características físicas do meio e pode ser
atribuída a varias causas, relacionadas a seguir.

22
A atenuação pode ser definida como uma redução da intensidade de uma onda ultra-sônica.
Sendo assim, a primeira causa de atenuação é de cunho puramente geométrico, causada pela
divergência do paralelismo de uma frente de onda. As equações apresentadas neste texto são
adequadas para descrevera propagação de ondas planas, porém é difícil consegui na prática uma
onda plana. A maioria das ondas ultras-sônicas pode ser considerada plana em regiões próximas à
face do transdutor emissor da onda, porém a frente tende a ser concêntrica à medida que a frente
de onda se afasta do transdutor, como mostrado na Fig. 21, onde as linhas cheias representam as
frentes de onda. Lembrando que a intensidade é a potência por unidade de área, a intensidade I2
será necessariamente menor que a intensidade I1, pois em posições mais afastadas a mesma
potência será distribuída por áreas maiores.

Direção de
propagação
I1
I2

Figura 21 – Divergência do paralelismo

Outro motivo para ocorrer atenuação de intensidade em uma onda ultra-sônica é atribuído à
existência de partículas aleatoriamente dispersas em um meio, com dimensões pequenas em
relação ao comprimento da onda incidente. Como mostrado na Fig. 22, uma onda ultra-sônica
que incide sobre uma partícula irá gerar uma onda esférica que irá se propagar por todas as
direções. Este processo é conhecido por “espalhamento”, termo que sugere que uma parcela da
intensidade é espalhada por todas as direções. Desta maneira, uma parcela de intensidade é
subtraída da onda incidente, que prossegue com intensidade menor e, portanto, atenuada.

Figura 22 – Espalhamento por partículas.

A intensidade de uma onda longitudinal também pode ser atenuada se a mesma se


propagar em materiais sólidos. Como gases e líquidos não suportam forças de cisalhamento, estes
meios só aceitam a propagação de ondas longitudinais (ou de compressão), como mostrado na
seção Ondas Longitudinais deste texto. Porém, em meios sólidos, é possível a existência de
forças longitudinais e transversais simultaneamente. Ao comprimir uma região de um sólido,

23
haverá uma expansão na direção transversal à direção da compressão, que se propagará como
uma onda transversal. Como uma parcela da onda longitudinal é convertida para uma onda
transversal, há uma atenuação da intensidade da primeira, como mostrado na Fig. 23. Diz-se que
esta atenuação é devida à conversão de modo.

Figura 23 - Conversão de modo.

Finalmente, um dos fatores que mais contribui para a atenuação é a condutividade térmica
dos meios nos quais a onda se propaga. A compressão de um fluido por uma onda de pressão é
um processo termodinâmico que causa uma elevação da temperatura da região comprimida. A
condutividade térmica do meio faz com que haja uma conversão da energia acústica em energia
térmica, reduzindo com isso a intensidade da onda.

Também há que se considerar que uma onda de compressão movimenta elementos do fluido.
Em fluidos viscosos a conversão da energia acústica em calor se dá pelo atrito dos elementos de
fluido, podendo-se definir um coeficiente de atenuação µa como mostrado na Eq. 65.

2ηω 2
µa = (65)
3 ρc 2

onde η é a viscosidade do fluido, ω a freqüência angular da onda, ρ a densidade e c a velocidade


de propagação.

A atenuação em um material pode ser uma combinação de todos os fatores mencionados


nesta seção. De modo geral, o coeficiente de atenuação µa pode ser usado para representar a
amplitude A de uma onda que se propaga na direção z, como mostrado na Eq. 66.

A = Ao e − µ a z (66)

onde Ao é a amplitude inicial.

RADIAÇÃO

Nesta seção será descrito o processo de geração de uma onda de compressão, que leva ao
entendimento de como são feitos os transdutores usados para irradiar diferentes materiais. O
elemento gerador mais simples que se pode obter é uma fonte pontual, com dimensões pequenas

24
em relação ao comprimento da onda irradiada por ele. Uma fonte pontual que varie seu diâmetro
periodicamente irá irradiar uma onda de compressão em todas as direções. Neste caso as frentes
de onda são esféricas e concêntricas. Usando o princípio de Huygen, pode-se calcular a geometria
de frentes de ondas causadas por fontes com geometria mais complexa, pois é possível decompor
a fonte de geometria complexa em várias fontes pontuais e somar os resultados de cada uma
delas.

A intensidade de uma onda esférica decai com o quadrado da distância r da fonte que a
causou. Isso é facilmente observado ao se constatar que, caso não haja atenuação, a intensidade I
multiplicada pela área é sempre constante e igual à potência irradiada W, como mostrado na Eq.
67.

W
I= (67)
4πr 2

A uma distância r muito maior que o comprimento de onda λ, as frentes de ondas esféricas
podem ser consideradas planas, como mostrado na Fig. 24.

Figura 24 – Frentes de ondas esféricas se tornam aproximadamente planas se r >> λ.

A geometria mais comumente empregada em fontes geradoras de ondas de compressão,


doravante chamadas de transdutores, é em forma de um disco. Um transdutor em forma de disco
que varie sua espessura com amplitudes e fases constantes em todos os pontos de sua superfície é
a forma mais comum de se gerar campos de ondas ultra-sônicas, como mostrado na Fig. 25.

Figura 25 – Frentes de onda irradiadas por disco.

25
Na realidade, as frentes de onda geradas por um disco são mais complexas que as mostrada
na Fig. 25. Considerando-se os elementos infinitesimais de área de um disco como fontes
pontuais, pode-se aplicar o princípio de Huygen para cada um dos elementos pontuais e somar os
resultados para se ter o campo irradiado, como mostra a Fig. 26. Nesta figura, um elemento de
área dS de um disco de raio a se comporta como uma fonte pontual e irradia frentes de ondas
esféricas. O valor da pressão P no ponto (r,θ) pode ser determinado por meio da integração das
ondas geradas pelos vários elementos de área do disco.

x θ r z

P(r,θ)

Elemento de área dS

Figura 26 – Elemento de área dS irradiando frente de onda esférica.

Pode-se integrar os campos gerados pelos elementos infinitesimais de área para determinar a
intensidade da onda em algum ponto do eixo z, (neste caso θ = 0). Designando-se esta
intensidade por Iz, e normalizando-a em relação a uma intensidade máxima I0, o resultado desta
integral é dado pela Eq. 66.

Iz
I0
π
= sen 2  ⋅
λ
( a + z − z )
2 2
(66)

A Eq. 66 indica que a intensidade ao longo do eixo z varia de modo significativo. De fato, a
intensidade atinge valores máximos quando o argumento da função seno é múltiplo impar de 90o,
logo:

π
λ
( )
⋅ a 2 + z 2 − z = (2m + 1) ⋅
π
2
(67)

Resolvendo a Eq. 67 encontra-se os valores de z para os quais a intensidade é máxima, como


mostrado na Eq. 68:

26
2
4a 2 − (2m + 1) λ2
zmax = (68)
4λ (2m + 1)

Para obter alguns resultados previstos pela Eq. 68, considera-se um transdutor com raio de
0,5 cm, irradiando uma onda senoidal com freqüência de 3 MHz na água. O comprimento de
1500 m / s
onda, λ, será 6
= 0,5 x10− 3 m . A Tabela 1 mostra os valores da distância z onde a
3 x10 Hz
intensidade é máxima para alguns valores do índice m.

m z(mm)
0 50
1 16
3 9,4
... ...

Tabela 1 – Valores de z onde a intensidade é máxima.

Nota-se pelos valores da Tabela 1 que à medida que o índice m aumenta, a distância z se
torna mais próxima à face do transdutor. O índice m pode ser incrementado até que a distância z
seja igual a zero, o que corresponde à posição onde está localizada a face do transdutor. Fazendo-
se zmax = 0, obtém-se o valor 9 para o índice m. Como conclusão, há nove máximos de
intensidade entre a face do transdutor e um ponto localizado a 50 mm da mesma.

Os resultados sugerem um cuidado que deve ser tomado ao procurar irradiar uma região de
um meio com a máxima intensidade possível. Erroneamente pensa-se que regiões próximas à
face do transdutor fornecem as maiores intensidades, quando na verdade é possível que haja
intensidades nulas. De fato, assim como a Eq. 67 afirma que ocorrem máximos de intensidade
para múltiplos ímpares de 90o, a intensidade atinge valores mínimos para múltiplos de 180 º,
como mostrado pela Eq. 69.

π
λ
( )
⋅ a 2 + z 2 − z = nπ (69)

Atribuindo-se os valores de 1 e 2 para o índice n, obtém-se mínimos de intensidade em


25 mm e 12 mm respectivamente. Fazendo-se z=0 constata-se que há 10 mínimos entre a face do
transdutor e a posição z = 25 mm. A solução da Eq. 69 para n=0 também é coerente, pois para
um valor nulo de n, z deve tender a infinito. De fato, para distâncias z muito maiores que o
diâmetro do disco o decaimento da intensidade é proporcional a 1/z2 tendendo a zero quando z
tende a infinito (para distâncias z muito maiores que as dimensões do disco o mesmo pode ser
considerado uma fonte pontual, o que corrobora o decaimento proporcional a 1/z2). Estas
conclusões podem ser observadas no gráfico da Fig. 27, que mostra os valores da intensidade
normalizada em função da distância z. O gráfico mostrado na Fig. 27 pode ser divido em duas
regiões características: a primeira, antes de 50 mm, onde ocorrem as flutuações da intensidade,

27
chamada zona de Fresnel e a segunda, para distâncias maiores que 50 mm, onde a intensidade
decai com o inverso da distância, chamada zona de Fraunhofer.

Figura. 27 - Valores da intensidade normalizada em função da distância z.

O transdutor em forma de disco mostrado na Fig. 25 pode ser usado para produzir ondas
ultra-sônicas se imerso em um fluido. Estes discos são construídos com cerâmicas piezoelétricas,
que alteram sua espessura quando submetidos a um campo elétrico. Este campo elétrico é
produzido metalizando-se as faces do disco cerâmico e aplicando-se uma diferença de potencial
sobre as mesmas, como mostrado na figura 28. Conforme a polaridade da diferença de potencial
aplicada sobre o disco haverá uma contração ou expansão em sua espessura.

- +
Figura 28 – Disco piezoelétrico submetido a um campo elétrico.

Na prática, só uma face do disco é usada para irradiar o fluido. A outra face é acoplada a um
cilindro de algum outro material, de onde saem os fios que conduzem a diferença de potencial às
faces do disco, como mostrado na Fig. 29.

- +
Figura 29 – Disco acoplado a material cilíndrico.

28
O formato do transdutor mostrado na Fig. 29 facilita sua imersão em um meio fluido, como
mostrado na Fig. 29. A alteração da espessura do disco acelera os elementos de fluido que estão
em contato com a face exposta. A primeira vista, a aplicação repentina de uma diferença de
potencial constante no transdutor causaria uma alteração correspondente de sua espessura e uma
conseqüente variação de pressão no fluido em contato com a face. Esta variação de pressão se
propagaria como uma frente de onda, mostrada na Fig. 29 como uma região de tom cinza sob a
face do transdutor. A pressão do fluido localizado em algum ponto z localizado no eixo ortogonal
à face do transdutor aumentaria repentinamente depois de algum tempo, determinado pela
velocidade de propagação da onda no fluido.

z
Pz(t)
Pz(t)

Figura 29 – Transdutor aplicando onda de compressão em um fluido.

Na prática, é impossível a ocorrência de uma variação da pressão do fluido como


mostrada na Fig. 29. Ao aplicar uma diferença de potencial repentina sobre a cerâmica
piezoelétrica há uma alteração da espessura da mesma, porém esta variação não é instantânea,
pois a cerâmica possui uma massa, uma elasticidade e um amortecimento distribuídos, ou seja, a
dimensão começa a aumentar (ou diminuir) gradualmente devido à inércia da própria cerâmica.
Ainda mais, antes da espessura do disco estabilizar em algum valor constante, a mesma varia
segundo um movimento harmônico amortecido semelhante ao movimento de uma massa
conectada a uma mola e a um amortecedor. Se o movimento do disco é oscilante, a variação de
pressão imposta ao fluido também o será. A Fig. 30 mostra esta situação mais realista.

29
z
Pz(t)
Pz(t)

Figura 30 – Caso mais realista para frente de onda irradiada.

Na maioria dos experimentos, aplica-se ao transdutor uma diferença de potencial impulsiva,


ou seja, uma alta tensão com a mais breve duração possível, algo próximo ao impulso de Dirac.
Caso a face da cerâmica piezoelétrica variasse sua espessura fielmente segundo o impulso
aplicado, ter-se-ia uma frente de onda de pressão extremamente intensa e breve, ideal para
experimentos em caracterização de materiais. Porém, devido ao fato da cerâmica se comportar
como um sistema massa-mola-amortecedor, tem-se novamente uma variação de pressão
oscilatória, cuja freqüência predominante é a freqüência de ressonância da cerâmica, como
mostrado na Fig. 31.

V(t) Pz(t)
V(t)
z
t t

Figura 31 – Pulso de tensão aplicado e variação de pressão correspondente.

O mesmo transdutor usado para gerar uma onda de compressão ultra-sônica pode ser usado
para captar uma onda. Assim como uma cerâmica piezoelétrica apresenta uma deformação em
suas dimensões quando submetida a uma diferença de potencial, pode haver uma diferença de
potencial gerada entre as faces metalizadas da cerâmica caso a mesma seja submetida a uma
compressão. Uma onda ultra-sônica incidente em uma cerâmica é capaz de efetuar esta
compressão, sendoportanto detectável por este tipo de transdutor. Este é o princípio de
transdutores usados em ensaios do tipo pulso-eco, pois o mesmo transdutor usado para emitir
uma onda ultra-sônica é usado para captar os sinais de eco refletidos por estruturas colocadas ao
longo do caminho de propagação do pulso. Evidente que não se mede a variação de pressão
imposta pela onda diretamente, mas sim a variação de diferença de potencial associada à onda.

30
DETERMINAÇÃO DE PROPRIEDADES ACÚSTICAS DE MATERIAIS

Após a análise dos princípios de propagação e geração de ondas ultra-sônicas apresentam-se


os aspectos práticos de procedimentos destinados a determinar duas das propriedades acústicas de
materiais, a saber: a velocidade de propagação de ondas de compressão e a atenuação. Estas
propriedades serão determinadas com o material sob análise imerso em água. Deste modo, um
pulso de ultra-som que se propague pela água sofrerá reflexões e transmissões ao interceptar o
material, conforme previsto pelas equações da seção “ANÁLISE PARA INCIDÊNCIA
NORMAL”.

A reflexão e transmissão de um pulso ultra-sônico segue princípios da ótica geométrica,


portanto um material a ser analisado deve ser preparado de maneira a apresentar superfícies
polidas e sem irregularidades. Ainda mais, as superfícies do material devem ser ortogonais à
direção de propagação da onda incidente. A Fig. 32 mostra a reflexão e transmissão de uma onda
ultra-sônica em um material cuja superfície não é ortogonal à direção de propagação do pulso
emitido. Por esta figura observa-se claramente que é fundamental o alinhamento das faces do
material com a direção de propagação da onda, caso contrário as reflexões não retornarão ao
transdutor.

Figura 32 - Reflexão e transmissão de uma onda ultra-sônica.

No que diz respeito à espessura do material, pela Fig. 31 pode-se observar que a frente de
onda emitida dura um determinado número de ciclos. Portanto, é necessário que a espessura do
material seja pelo menos maior do que cerca de 10 comprimentos de onda do pulso emitido para
que se possa discernir os pulsos refletidos nas interfaces, como mostrado na Fig. 33. Observando-
se as diferenças de potencial geradas pelos ecos provenientes de reflexões nas interfaces, há um
2z
pulso no instante de tempo t1 = 1 , onde c1 é a velocidade de propagação no meio líquido.
c1
2 z 2 ⋅ ( z2 − z1 )
Posteriormente surge um pulso em t2 = 1 + , onde c2 é a velocidade de propagação
c1 c2
no material. Caso a distância z2 – z1 diminua, a diferença entre os tempos t2 – t1 poderá diminuir
até que os pulsos correspondentes se sobreponham, como mostrado na Fig. 34.

31
z1 z2 z

v(t)

t1 t2 t
Figura 33 – Pulsos refletidos nas interfaces entre um meio líquido e um material.

z1 z2 z

v(t)

t1 t2 t

Figura 34 – Sobreposição de pulsos refletidos.

Garantindo-se a ortogonalidade da direção do pulso emitido com a face da amostra e a


espessura mínima da mesma para que haja diferenciação entre os pulsos refletidos nas faces, é
possível esboçar um diagrama de reflexões e transmissões, como mostrado na Fig. 35.

“1” T1
R1
-R1T1 z
-R1T1 T2

z1 z2

Figura 35 - Diagrama de reflexões e transmissões.

32
Admitindo um pulso incidente com amplitude de pressão unitária (“1”), a Eq. 60 fornece a
amplitude R1 do pulso refletido na face da amostra localizada na posição z1. Designando-se a
impedância acústica do material por Zs e a da água por Zw, tem-se que:

Zs − Zw
R1 = (60)
Zs + Zw

e a amplitude do pulso de pressão transmitido para o interior do material será:

2Z s
T1 = = 1 + R1 (61)
Zs + Zw

Do mesmo modo pode-se deduzir que um pulso que se propaga pelo material será transmitido
para a água e sua amplitude será multiplicada por:

2Z w
T2 = = 1 − R1 (62)
Zs + Zw

O pulso que se propaga no interior do material sofrerá uma nova reflexão na face da amostra
localizada em z2. Se a amplitude da pressão refletida por uma interface água/material é
multiplicada por um valor R1, a amplitude da reflexão de uma interface material/água será
multiplicada por um fator -R1. Sendo assim, o pulso de amplitude T1 sofrerá uma reflexão e
retornará com amplitude -R1T1. Ao ser transmitida para a água, esta última amplitude será
multiplicada por T2, o que resulta em um pulso com amplitude -R1T1T2.

Como mostrado na Fig. 33, medindo-se com um osciloscópio os tempos t1 e t2,


correspondentes aos pulsos com amplitudes R1 e -R1T1, e conhecendo-se a espessura da amostra,
d, pode-se determinar a velocidade de propagação no material, dada por:

2d
cs = (63)
t2 − t1

e determinando-se a densidade ρs do material por meios convencionais obtém-se a sua


impedância acústica Zs = ρs c s. Para a água, admite-se uma impedância acústica Zw igual a
1,5x106 Rayls (ou 1,5 MRayl). De fato, tanto a velocidade de propagação na água como sua
densidade possuem uma pequena dependência com a temperatura. Caso se queira um valor mais
exato para a impedância Zw , pode-se recorrer a valores de velocidades e densidades encontrados
em tabelas (Greenspan & Tschiegg, 1959).

Uma vez obtidos os valores para Zs e Zw, pode-se estimar os coeficientes R1, T1 eT2. De
posse destes valores pode-se estivar a relação entre a amplitude A2 do pulso refletido na face do
material localizada na posição z2 e a amplitude A1 do pulso refletido na face do material
localizada na posição z1 . Como já visto, estas amplitudes são teoricamente iguais a -R1T1T2 e R1
respectivamente, e sua relação é dada pela Eq. 64.

33
 A2  − R1T1T2
  = (
= −T1T2 = − 1 − R12 ) (64)
 A1  teorico R1

A relação entre amplitudes dada pela Eq. 64 é uma relação que ocorreria caso não houvesse
atenuação da onda no interior do material pelo qual ela se propaga. Sem atenuação a redução da
amplitude devesse tão somente a perda de intensidade da onda devido ao fato de uma parcela da
mesma ser desviada para outro sentido de propagação, mas neste caso não há perda de energia e
em um dado instante de tempo a intensidade de todas as ondas refletidas e transmitidas se
mantém igual à intensidade da onda incidente.

Medindo-se as amplitudes que de fato ocorrem em um experimento de caracterização de


materiais por ultra-som verifica-se que a relação entre as amplitudes é sempre menor que a
relação dada pela Eq. 64. Esta redução é devida a atenuações introduzidas pelo próprio material
pelo qual a onda se propaga, como explicado na seção ABSORÇÃO E ATENUAÇÃO. Deste
modo pode-se quantificar o quanto de atenuação foi introduzido pelo material através da Eq. 65.

 A2 
 A
 1  teórico
atenuação = (65)
 A2 
 A
 1  exp erimental

e expressando-se a atenuação em decibéis por unidade de espessura d do material, tem-se que:

  A2  
   
  A1  teórico 
20 log
  A2  
  A1  
atenuação[dB ] =  exp erimental  (66)
2d

onde o fator 2 do denominador da Eq. 66 deve-se ao fato da onda se propagar por uma distância
igual dobro da espessura d do material.

DETERMINAÇÃO SIMULTÂNEA DA VELOCIDADE E ESPESSURA

A velocidade de propagação em um material pode ser determinada de uma maneira bastante


precisa por um método alternativo, descrito por YE et al. (1995). Para usar o método de YE et
al. (1995), uma amostra cilíndrica do material é posicionado sobre um plano de vidro polido e
irradiado por um pulso de ultra-som, como mostrado na Fig. 36. A velocidade de propagação no
material é calculada usando-se os tempos de chegada dos pulsos de eco gerados pelas interfaces
entre água/material/vidro. As Eqs. 67 e 68 são usadas para calcular a espessura do material, d, e
sua velocidade de propagação do ultra-som, cs.

34
cágua (t 3 − t1 )
d= (67)
2
d
cs = (68)
d (t − t )
+ 2 3
cágua 2

Nas Eqs. 67 e 68, t1 é o tempo de chegada do pulso refletido pela face superior do material, t2 é o
tempo de chegada do pulso refletido pela superfície de vidro polido que atravessa o material, e t3
é o tempo de chegada do pulso refletido pela superfície de vidro, sem passar pelo material . A
velocidade de propagação do ultra-som na água, cágua, é obtida por uma tabela que a relaciona
em função da temperatura, encontrada no trabalho de Greenspan & Tschiegg (1959) . A Fig. 36
ilustra melhor esses tempos de chegada.

Figura 36 – Tempos de chegada para determinação prévia da velocidade de propagação do ultra-


som em materiais, conforme equações xx e xx.

CONCLUSÕES

O uso de ondas ultra-sônicas pode ser extremamente útil para estimativa de algumas
propriedades acústicas de materiais, como a velocidade de propagação de ondas longitudinais e
atenuação. Estas propriedades diferem significativamente entre materiais, e podem ser usadas
para diferenciá-los entre si. Ao longo deste texto foram vistos os princípios básicos de
propagação e geração de ondas ultra-sônicas, bem como a teoria de reflexão e transmissão de
ondas entre interfaces de diferentes materiais. Os tópicos aqui abordados permitem que se
entenda o método de caracterização mais simples e usual, descrito por Selfridge (1985), porém há
outros mais complexos que podem ser vistos nas referências bibliográficas a seguir.

35
REFERÊNCIAS

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