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Capı́tulo 3

A Equação de Schrödinger

No cap. 1.3, introduziu-se o conceito da partı́cula possuindo massa m e movi-


mentando-se com velocidade v. Definiu-se o momento p na eq. (1.16) como
propriedade essencial na descrição de partı́culas e seu movimento. Mais adi-
ante, no cap. 1.8 apresentou-se as caracterı́sticas de ondas. Definiu-se o com-
primento de onda λ como parâmetro importante na descrição de ondas. De
Broglie sugeriu através da relação (2.12) uma proporcionalidade recı́proca en-
tre momento e comprimento de onda indicando que a partı́cula possui carac-
terı́sticas de onda e que ondas possuem caracterı́ticas particulares. Aparente-
mente, precisa-se procurar equações de movimento mais sofisticadas do que
aquelas introduzidas no cap. 1 (cita-se as eqs. (1.28) e (1.129) para partı́culas
e ondas, respectivamente) para descrever uma onda com propriedades de
partı́culas ou uma partı́cula com propriedades ondulares (onda de matérie).
A peça-chave de conectar as equações de movimento diferentes é a equação
de de Broglie (2.12).
Exatamente esse procedimento foi desenvolvido no ano 1925 por Erwin
Schrödinger, em Zürich, na Suiça. Na epoca (e ainda hoje) existiam duas
grandes universidades em Zürich, a ETH e a Universidade de Zürich. Sem
dúvida, na epoca (e ainda hoje) a ETH representava a escola mais renomeada
da Suı́ca, enquanto a universidade de Zürich se destacou por excelência sem
chegar perto da ETH. Porém, os departamentos de fı́sica-teórica das duas in-
stituições mantiveram várias atividades comuns, como por exemplo um cı́clo
de seminários. Em um desses seminários, no outorno de 1925, Pieter Debye
da ETH, reconhecido por sua teoria da capacidade calorı́fica de cristais e pelos
trabalhos com Hückel na descrição de soluções eletrolı́ticas diluı́das, sugeriu
que Erwin Schrödinger da Universidade de Zürich apresentasse um seminário

51
52 CAPÍTULO 3. A EQUAÇÃO DE SCHRÖDINGER

sobre idéias recentes formuladas através de de Broglie. Schrödinger aceitou


e apresentou perto do Natal o seu seminário. Foi uma apresentação de idéias
e especulações. Após a apresentação, Debye criticou a falta de uma equação
de onda para descrever partı́culas. Assim, Schrödinger utilizou o recesso na-
talino para pensar no assunto e, no inı́cio de 1926, utilizou o mesmo cı́clo
de seminários para apresentar a equação de onda posteriormente chamada
equação de Schrödinger. Durante o ano de 1926, Schrödinger publicou quatro
artigos apresentando soluções das ”sua” equação para a partı́cula na caixa,
o oscilador harmônico, o rotor rı́gido, e o átomo de hidrogênio.
Nesse manuscrito, pretende-se descrever exatamente esses quatro assun-
tos como exemplos para modelos fı́sicos cuja descrição através da equação
de Schrödinger fornece soluções exatas. Mas, antes, precisa-se introduzir a
equação fundamental da mecânica quântica.

3.1 Explorando de Broglie


Antes de desenvolver uma argumentação justificando a equação de movi-
mento para ondas de partı́culas, explora-se um pouco mais detalhadamente
a relação de de Broglie (2.12). Introduzindo um fator de 2π/2π no lado
direito fornece,

2πh
p = = h̄k , (3.1)
2πλ
onde a eq. (1.116) foi utilizada para representar 2π/λ através do número de
onda k e a fração h/2π foi abreviada,

h
h̄ = . (3.2)

Essa redefinição da constante de Planck corresponde a transformação para
grandezas angulares, mas não muda conceitos fı́sicos. A eq. (3.1) representa
uma expressão alternativa relacionando o momento a um parâmetro ondular,
aqui, o número de onda.
Através de multiplicar a energia do fóton (2.9) por 2π/2π, pode-se trans-
formar E = hν para propriedades angulares,

E = hν = h̄ω , (3.3)

3.1. EXPLORANDO DE BROGLIE 53

onde h̄ da eq. (3.2) e a freqüência angular (1.118) foram introduzidos. Compa-


ra-se essa energia com a energia de uma partı́cula clássica. Assume-se a
partı́cula clássica como livre, ou seja, sem perturbação por um potencial. A
energia para essa partı́cula é puramente cinética e definida pela eq. (1.21),
T = p2 /2m, ou seja, E = T fornece,

p2
= h̄ω .
2m
Com o momento (3.1),

p2 h̄k 2
ω = = . (3.4)
2mh̄ 2m
A freqüência angular da onda particular é proporcional ao quadrado do
número de onda. Cabe mencionar que a eq. (3.4) não representa o resultado
de uma dedução matematicamente e fisicamente limpa. A eq. (3.4) repre-
senta apenas uma conclusão tirada através de aplicar vários argumentos e
analógias entre ondas e partı́culas como sugeridas por de Broglie. Observa-se
que a eq. (3.4) foi obtida para uma partı́cula livre, ou seja, aquele sistema
que não é afetado por um potencial V (x).
Em geral, o sistema sob consideração não é representado por uma partı́cu-
la livre, mas é afetado por um potencial V (x). A energia clássica torna-se
T + V , ou seja, p2 /2m + V (x). Assim, a associação dessa energia clássica
com a energia (3.3) fornece,

p2
+ V (x) = h̄ω ,
2m
ou, em termos da freqüência,
p2 V (x) h̄k 2 V (x)
ω(x) = + = + , (3.5)
2mh̄ h̄ 2m h̄
onde o momento (3.1) foi utilizado. Comparada com a partı́cula livre repre-
sentada na eq. (3.4), observou-se um termo de dispersão V (x)/h̄ na freqüência
da partı́cula sob influênia do potencial V (x). Escreveu-se a freqüência em
função da coordenada x introduzida pelo potencial. Contudo, a mecânica
clássica fornece a energia total de um sistema como sendo constante (veja a
eq. (1.27) como exemplo). Com ω sendo proporcional à energia através da
eq. (3.3), ω também tem que representar uma constante, ou seja, o termo
54 CAPÍTULO 3. A EQUAÇÃO DE SCHRÖDINGER

h̄k 2 /2m em ω compensa perfeitamente qualquer mudança em V (x) ao longo


do tempo. Assim, escreve-se a freqüência sem incluir uma dependente t,
que seria pensável através de imaginar mudanças temporais causadas pelo
potencial V (x).
Tendo obtido as idéias (3.4) e (3.5), pode-se iniciar a busca da equação
de movimento para a onda partı́cular.

3.2 A Partı́cula Livre: Momento


Recorda-se que esse procedimento já foi desenvolvido para uma onda conven-
cional na seção 1.8 produzindo o resultado geral (1.129). Destaca-se aqui os
resultados parciais (1.125) e (1.128). Essas duas equações diferenciais contém
fatores de k 2 e ω 2 em frente de d2 Ψ(ϕ)/dϕ2 sugerindo uma proporcionalidade
direta entre k e ω,
k2 ∝ ω 2 , ou k ∝ ω. (3.6)
Porém, o argumento (3.4) destaca a proporcionalidade ω ∝ k 2 para a onda
particular. Assim, a equação de movimento (1.129) para ondas convencionais
não pode representar a equação de movimento procurada, pois pondera er-
radamente a freqüência em relação ao número de onda.
Procurando relações que eventualmente envolvem a proporcionalidade
ω ∝ k 2 , tenta-se a proporcionalidade entre as primeiras derivadas parciais da
função de onda, ou seja,
! !
∂Ψ(ϕ) ∂Ψ(ϕ)
∝ , (3.7)
∂t x
∂x t

com ϕ = kx − ωt da eq. (1.120). No tratamento da onda convencional da


seção 1.8, mostrou-se que a função Ψ(ϕ) = A sin ϕ da eq. (1.119) representa
uma função de onda apropriada. Considerando que a primeira derivada do
seno produz o coseno, prevê-se dificuldades de recuperar a função de onda
no resultado da diferenciação indicada na eq. (3.7). Por isso, utiliza-se uma
função mais geral,
Ψ(ϕ) = A exp [iϕ] = A exp [i (kx − ωt)] . (3.8)
Cabe mencionar que essa função é relacionada com as funções trigonométricas
através das relações de Euler,
1
cos α = (exp [iα] + exp [−iα]) , (3.9)
2
3.2. A PARTÍCULA LIVRE: MOMENTO 55

1
sin α = (exp [iα] − exp [−iα]) . (3.10)
2i
Através dessas relações, pode-se facilmente verificar que a exponencial (3.8)
representa uma função de onda para a onda convencional satisfazendo a
equação de movimento (1.129).
Tenta-se a função (3.8) na proporcionalidade (3.7) considerando que a
derivada da exponencial produz a mesma exponencial multiplicada pela deri-
vada do seu argumento. Assim, o lado esquerdo da eq. (3.7) produz,
!
∂Ψ(ϕ)
= −iωA exp [iϕ] = −iωΨ(ϕ) , (3.11)
∂t x

após comparação com a função de onda (3.8). Trata-se o lado direito da


eq. (3.7) no mesmo jeito,
!
∂Ψ(ϕ)
= ikA exp [iϕ] = ikΨ(ϕ) , (3.12)
∂x t

onde ω não foi considerada como dependente de x, mas tratada com constante
no sentido da eq. (3.4) representando a partı́cula livre.
Na eq. (3.11), aparece em ambos os lados a função de onda Ψ(ϕ) como
último elemento. Assim, os termos em frente de Ψ(ϕ) precisam representar a
mesma grandeza fı́sica. Isso permite a definição da freqüência como operador
diferencial temporal,


−iω = ,
∂t
ou,


ω̂ = i , (3.13)
∂t
onde ω̂ representa a freqüência explicitamente escrita como operador. A
eq. (3.12) permite um tratamento semelhante. Antes, multiplica-se um fator
h̄ para dentro da eq. (3.12),
!
∂Ψ(ϕ)
h̄ = ih̄kΨ(ϕ) = ipΨ(ϕ) ,
∂x t
56 CAPÍTULO 3. A EQUAÇÃO DE SCHRÖDINGER

onde o momento (3.1) foi introduzido na segunda parte. Aqui, reconhece-se


que os termos em frente de Ψ(ϕ) permitem a definição de um operador para
o momento,

ip = h̄ ,
∂x
ou,

p̂ = −ih̄ , (3.14)
∂x
com p̂ indicando que o momento foi formulado como operador representado
pela primeira derivada espacial.
Volta-se para a proporcionalidade formulada na eq. (3.7). Utilizando a
função de onda (3.8), ambos os lados da eq. (3.7) já foram calculados nas
eqs. (3.11) e (3.12). Resolvendo a eq. (3.12) para Ψ(ϕ) e substituindo na
eq. (3.11) fornece o resultado procurado para a proporcionalidade na eq. (3.7),
! !
∂Ψ(ϕ) −iω ∂Ψ(ϕ)
= .
∂t x
ik ∂x x

Esse resultado mostra ω ∝ k, ou seja, não pode representar a equação de


onda procurada precisando ω ∝ k 2 . Cortando i, introduz-se a freqüência
(3.4) descrevendo a partı́cula livre,
! ! !
∂Ψ(ϕ) h̄k 2 ∂Ψ(ϕ) h̄k ∂Ψ(ϕ)
= − = − , (3.15)
∂t x
2mk ∂x x
2m ∂x x

após cortar um dos k.


A eq. (3.15) possui as caracterı́sticas para uma equação de movimento.
Porém, ela não representa a expressão desejada como argumentado antes. A
eq. (3.15) é uma equação de onda cotendo o momento p = h̄k (3.1) como
grandeza fı́sica. No caso da partı́cula livre, o momento representa uma pro-
priedade conservada e pode ser utilizada como controle em uma equação de
movimento. Porém, para o caso geral, sob efeito de um potencial V (x), a
energia total do sistema é a propriedade conservada.
Mesmo assim, estuda-se a eq. (3.15) com mais detalhe. Utiliza-se a função
de onda (3.8) na forma de produto,

Ψ(x, t) = ψ(x)φ(t) , (3.16)


3.2. A PARTÍCULA LIVRE: MOMENTO 57

com,

ψ(x) = A exp [ikx] , (3.17)

e,

φ(t) = exp [−iωt] . (3.18)

Introduz-se o produto (3.16) na eq. (3.15),


∂ h̄k ∂
ψ(x)φ(t) = − ψ(x)φ(t) .
∂t 2m ∂x
O operador diferencial ∂/∂t não age em ψ(x) e o operador ∂/∂t não afeta
φ(t). Tira-se essas funções dos operadores mencionados,
d h̄k d
ψ(x) φ(t) = − φ(t) ψ(x) .
dt 2m dx
Multiplicando com o recı́proco do produto (3.16),

ψ(x) d h̄k φ(t) d


φ(t) = − ψ(x) ,
ψ(x)φ(t) dt 2m ψ(x)φ(t) dx
e cortando parcialmente produz,
1 d h̄k 1 d
φ(t) = − ψ(x) . (3.19)
φ(t) dt 2m ψ(x) dx
O lado esquerdo dessa equação envolve apenas a variável t, enquanto o lado
direito descreve a dependência da coordenada x. Assim, a eq. (3.19) só
pode ser verdadeira quando o lado esquerdo e o lado direito produzem a
mesma constante. Utiliza-se const para representar essa constante e separa-
se a eq. (3.19) em duas equações diferenciais, cada uma dependendo de uma
variável. A equação para t torna-se,
1 d
φ(t) = const , (3.20)
φ(t) dt
e a equação para x é,
h̄k 1 d
− ψ(x) = const . (3.21)
2m ψ(x) dx
58 CAPÍTULO 3. A EQUAÇÃO DE SCHRÖDINGER

Utilizando φ(t) (3.18) na eq. (3.20) fornece a constante,


const = −iω . (3.22)
Substituindo esse resultado na eq. (3.21) produz para a equação espacial,
h̄k d
− ψ(x) = −iωψ(x) .
2m dx
Multiplicando por i e introduzindo ω (3.4) fornece,
h̄k d h̄k 2
−i ψ(x) = ψ(x) .
2m dx 2m
Corta-se k/2m e introduz-se o momento (3.1) no lado direito para obter,
d
−ih̄
ψ(x) = pψ(x) , (3.23)
dx
ou, em forma mais compacta,
p̂ψ(x) = pψ(x) , (3.24)
através do operador (3.14) representando o momento.
Chegou-se à uma equação diferencial espacial (3.23) para a grandeza con-
servada, aqui o momento p. Essa equação diferencial pode ser resolvida
(aqui trivial, pois conhece-se ψ(x)) e fornece a função ψ(x), bem como a pro-
priedade conservada p. Posteriormente, utiliza-se a propriedade conservada
para obter a constante da separação de variáveis const e resolve-se o problema
temporal (3.20) para obter também a função φ(t). Essa estratégia permite
resolver a equação (3.23) e, posteriormente, a eq. (3.20) sem conhecimento
prévio das funções ψ(x) e φ(t). Essa metodologia representa o caminho geral
para resolução de um problema quântico.

3.3 A Partı́cula Livre: Energia


Na eq. (1.124), observou-se que a primeira derivada temporal para Ψ(ϕ) pro-
duz o fator −ω, enquanto, na eq. (1.128), a segunda derivada espacial para
Ψ(ϕ) cria o fator k 2 . Assim, uma equação de movimento mantendo a propor-
cionalidade procurada, ω ∝ k 2 , deve envolver a primeira derivada temporal
e a segunda derivada espacial, ou seja,
! !
∂Ψ(ϕ) ∂ 2 Ψ(ϕ)
∝ . (3.25)
∂t x
∂x2 t
3.3. A PARTÍCULA LIVRE: ENERGIA 59

Precisa-se obter a constante de proporcionalidade dessa equação. Para isso,


utiliza-se a função de onda Ψ(ϕ) descrita através da exponencial como apre-
sentada na eq. (3.8),

Ψ(ϕ) = A exp [iϕ] .

Aplica-se a função de onda (3.8) na eq. (3.25) considerando que ϕ = kx −


ωt. O lado esquerdo da eq. (3.25) foi desenvolvida produzindo a eq. (3.11),
!
∂Ψ(ϕ)
= −iωΨ(ϕ) . (3.26)
∂t x

O lado direito da eq. (3.25) também pode ser calculado facilmente. Cada
derivada de exp [i (kx − ωt)] com respeito à coordenada x produz ik multi-
plicando essa exponencial. Assim,
!
∂ 2 Ψ(ϕ)
= i2 k 2 A exp [i (kx − ωt)] = −k 2 Ψ(ϕ) , (3.27)
∂x2 t

com i2 = −1 e comparação com a função Ψ(ϕ) da eq. (3.8). Isola-se Ψ(ϕ) da


segunda equação,
!
1 ∂ 2 Ψ(ϕ)
Ψ(ϕ) = − 2 ,
k ∂x2 t

e substitui-se esse resultado na eq. (3.26) para obter uma equação de movi-
mento contendo as constantes apropriadas,
∂Ψ(ϕ) −1 ∂ 2 Ψ(ϕ) iω ∂ 2 Ψ(ϕ)
= −iω 2 = . (3.28)
∂t k ∂x2 k 2 ∂x2
Introduz-se os parâmetros determinados para a partı́cula livre. Utilizando
ω da eq. (3.4), a equação de movimento pode ser adaptada à partı́cula com
massa m,
∂Ψ(ϕ) ih̄k 2 ∂ 2 Ψ(ϕ)
= .
∂t 2mk 2 ∂x2
Corta-se k 2 e multiplica-se por ih̄ (=⇒ i2 = −1) para levar essa equação a
uma forma geralmente encontrada em livros-texto,
∂Ψ(ϕ) h̄2 ∂ 2 Ψ(ϕ)
ih̄ = − . (3.29)
∂t 2m ∂x2
60 CAPÍTULO 3. A EQUAÇÃO DE SCHRÖDINGER

Essa é a equação de onda para uma partı́cula livre, apresentada por Schrödin-
ger no inı́cio de 1926. Hoje em dia, ela é referida como equação de Schrödinger
dependente do tempo representando a equação de movimento para uma onda
partı́cular correspondendo à partı́cula livre.
Recorda-se de novo que a eq. (3.29) foi obtida através de considerações
de de Broglie, mas obtida através de uma dedução matematicamente e fisi-
camente limpa. Ela representa um teorema. A aplicação da eq. (3.29) ao
sistema quântico da partı́cula livre fornece a descrição correta como obser-
vada experimentalmente. Esse sucesso representa a justificativa para o uso
desse teorema. Cabe mencionar que toda a mecânica clássica também é
baseada em teoremas (como aqueles do Newton) que foram aceitos por causa
da sua descrição correta do sistema fı́sico real.
Detalha-se um pouco os resultados obtidos. A eq. (3.26) já foi discutida
na seção anterior permitindo a definição do operador ω̂ (3.13) representando a
freqüência. Concentra-se na eq. (3.27). Através do momento (3.1), identifica-
se k 2 = p2 /h̄2 . A eq. (3.27) foi obtida para a partı́cula livre, ou seja, para o
sistema com energia (1.21), T = p2 /2m. Utilizando essa energia cinética, k 2
torna-se,

k 2 = 2mT /h̄2 .

Substituindo na eq. (3.27) produz,


!
∂ 2 Ψ(ϕ) 2mT
= − Ψ(ϕ) ,
∂x2 t h̄2

ou, através de multiplicar por −h̄2 /2m,

h̄2
!
∂ 2 Ψ(ϕ)
− = T Ψ(ϕ) . (3.30)
2m ∂x2 t

Compara-se os dois lados dessa equação. No lado direito aparece a energia


cinética multiplicando a função de onda. Assim, o termo em frente de Ψ(ϕ) no
lado esquerdo tem que representar fisicamente a energia cinética. Conclui-
se que a energia cinética se tornou um operador T̂ envolvendo a segunda
derivada espacial,

h̄2 ∂ 2
T̂ = − . (3.31)
2m ∂x2
3.3. A PARTÍCULA LIVRE: ENERGIA 61

Compara-se o operador T̂ com o operador para o momento p̂ da eq. (3.14),


p̂p̂
T̂ = , (3.32)
2m
ou seja, obteve-se uma definição para o operador representando a energia
cinética em termos do operador representando o momento que mantém a
relação clássica (1.21),

p2
T = ,
2m
entre as duas grandezas.
A equação de onda (3.29) pode ser separada em uma equação diferen-
cial descrevendo a dependência temporal e outra equação diferencial para a
descrição da parte espacial. Repetindo o formalismo aplicado à eq. (3.15),
substitui-se Ψ(ϕ) na eq. (3.29) pelo produto (3.16),

∂ h̄2 ∂ 2
ih̄ ψ(x)φ(t) = − ψ(x)φ(t) .
∂t 2m ∂x2
Observa-se que o operador diferencial ∂/∂t não tem efeito na função ψ(x) e
que o operador diferencial ∂ 2 /∂x2 não muda φ(t). Pode-se tratar as funções
citadas como constantes nesses operadores diferenciais e tira-las para frente,

dφ(t) h̄2 d2 ψ(x)


ih̄ψ(x) = − φ(t) .
dt 2m dx2
Multiplica-se do lado esquerdo pelo recı́proco do produto (3.16),

ih̄ψ(x) dφ(t) h̄2 φ(t) d2 ψ(x)


= − ,
ψ(x)φ(t) dt 2mψ(x)φ(t) dx2
e corta-se ψ(x) no lado esquerdo, bem como φ(t) no lado direito,

ih̄ dφ(t) h̄2 d2 ψ(x)


= − . (3.33)
φ(t) dt 2mψ(x) dx2
O lado esquerdo da eq. (3.33) possui apenas dependência temporal, en-
quanto o lado direito envolve apenas a coordenada x. Não tendo a possibili-
dade de transferir t para x e viceversa, a eq. (3.33) só pode ser verdadeira
quando ambos lados representam uma constante. Chama-se essa constante
62 CAPÍTULO 3. A EQUAÇÃO DE SCHRÖDINGER

const e desdobra-se a eq. (3.33) em duas equações diferenciais, uma para t e


outra para x,

ih̄ dφ(t)
= const , (3.34)
φ(t) dt
h̄2 d2 ψ(x)
− = const . (3.35)
2mψ(x) dx2

Nesse caso, a identificação da constante const fica fácil. Conhecendo a função


φ(t) da eq. (3.18), pode-se criar a sua derivada temporal, dφ(t)/dt = −iωφ(t),
e substituir na eq. (3.34) fornecendo,

ih̄
const = (−iω) φ(t) = h̄ω = E , (3.36)
φ(t)

onde i2 = −1 foi utilizado. A eq. (3.36) mostra que a constante da separação


de variáveis const representa fisicamente a energia Planckiano (3.3). Tendo
identificado o sentido fı́sico da constante de separação, pode-se escrever a
equação de onda espacial (3.35),

h̄2 d2 ψ(x)
− = Eψ(x) , (3.37)
2m dx2
produzindo uma equação diferencial que, em geral, precisa ser resolvida. Para
a partı́cula livre, a função ψ(x) já é conhecida, pois tratou-se esse capı́tulo
através das idéias de de Broglie utilizando a função de onda (3.8).
Contudo, a separação das variáveis como apresentado nas equações (3.34)
e (3.35) funciona para qualquer sistema fı́sico. A separação é sempre possı́vel
através de formular a função de onda como produto de duas funções com
variáveis independentes como na eq. (3.16). Esse conceito é um conceito
generalizado e aplicável aos sistemas quânticos.
Em resumo, a dependência temporal na equação de Schrödinger pode ser
desacoplada da dependência espacial. A constante de separação é represen-
tada pela energia do sistema. A eq. (3.34) pode ser utilizada para relacionar a
constante de separação const = E com a função de onda temporal. Resolve-
se a eq. (3.34) com ω = E/h̄ e substitui-se na eq. (3.18) para obter,

iE
 
φ(t) = exp − t , (3.38)

3.4. EFEITO DO POTENCIAL 63

ou seja, o sistema quântico evolui exponencialmente no tempo com a energia


E do sistema dirigindo a exponencial. Esse resultado é geral, ou seja, não
restrito à partı́cula livre. Como pode ser visto da eq. (3.37), a energia E pode
ser determinada através da equação de onda espacial.

3.4 Efeito do Potencial


Porém, essa equação diferencial (3.37) foi formulada para a partı́cula livre e
não inclui na forma (3.37) um potencial agindo no sistema quântica. Uma
partı́cula clássica restrita por um potencial V (x) possui a energia total,
p2
E = + V (x) , (3.39)
2m
com a freqüência ω(x) da eq. (3.5) envolvendo o potencial V (x). Pode-se
esperar que a aparência do potencial V (x) na freqüência ω muda a parte
espacial da equação de onda, sem interferir na parte temporal. A discussão
em volta da eq. (3.5) mostra que ω não envolve dependência temporal.
Por isso, não se admite mudanças na dependência temporal através do po-
tencial V (x). Consequentemente, mantém-se a exponencial φ(t) da eq. (3.18)
para a parte temporal. A fatorização da função de onda como indicada pela
eq. (3.16) é possı́vel. Porém, pode-se postular que a parte espacial ψ(x) não
representa mais a exponencial simples (3.17) em x resolvendo o problema da
partı́cula livre. O potencial V (x) interfere na descrição do sistema ao longo
da coordenada e isso tem que se refletir em ψ(x).
Tenta-se a equação de onda da partı́cula livre como obtida na eq. (3.29).
Utiliza-se o produto (3.16) para escrever,
∂ h̄2 ∂ 2
ih̄ ψ(x)φ(t) = − ψ(x)φ(t) .
∂t 2m ∂x2
Trata-se as funções que não envolvem a variável dos operadores diferenciais
como constantes,
∂ h̄2 ∂2
ih̄ψ(x) φ(t) = − φ(t) 2 ψ(x) ,
∂t 2m ∂x
e multiplica-se do lado esquerdo pelo recı́proco do produto (3.16),
ih̄ψ(x) ∂ h̄2 φ(t) ∂2
φ(t) = − ψ(x) ,
ψ(x)φ(t) ∂t 2mψ(x)φ(t) ∂x2
64 CAPÍTULO 3. A EQUAÇÃO DE SCHRÖDINGER

Corta-se parcialmente para obter,

ih̄ ∂ h̄2 ∂2
φ(t) = − ψ(x) . (3.40)
φ(t) ∂t 2mψ(x) ∂x2
Essa equação foi obtida também para a partı́cula livre na eq. (3.33), onde
a separação das variáveis (3.34) e (3.35) representava o próximo passo na
obtenção da equação espacial. A eq. (3.40) não permite a separação das
variáveis nessa forma, pois a freqüência ω da eq. (3.5) aparecendo em φ(t)
envolve a coordenada. Inclui-se a exponencial (3.18) representando φ(t),

ih̄ h̄2 ∂2
(−iω) exp [−iωt] = − ψ(x) .
exp [−iωt] 2mψ(x) ∂x2
Corta-se exponenciais e junta-se as constantes no lado esquerdo,

h̄2 ∂2
h̄ω = − ψ(x) . (3.41)
2mψ(x) ∂x2
Esse resultado também foi obtido na eq. (3.37) para a partı́cula livre. Porém,
aqui pretende-se discutir a partı́cula sob potencial V (x), ou seja, precisa-se
corrigir a eq. (3.41) para incluir essa restrição.
A freqüência ω foi obtida através das considerações em volta da relação
de de Broglie na eq. (3.5). Utiliza-se essa freqüência na eq. (3.41) para obter,

h̄2 k 2 h̄2 ∂2
+ V (x) = − ψ(x) . (3.42)
2m 2mψ(x) ∂x2
Essa equação não pode ser verdadeira. No lado esquerdo corrigiu-se resulta-
dos para a partı́cula livre através da inclusão de um termo V (x), enquanto
o lado direito da eq. (3.42) ainda representa a partı́cula livre. Corrige-se
também o lado direito da eq. (3.42) incluindo o mesmo termo de correção,

h̄2 k 2 h̄2 ∂2
+ V (x) = − ψ(x) + V (x) .
2m 2mψ(x) ∂x2
O lado esquerdo representa a freqüência (3.5) multiplicada por h̄, ou seja, a
energia Planckiana E do sistema,

h̄2 ∂2
E = − ψ(x) + V (x) .
2mψ(x) ∂x2
3.4. EFEITO DO POTENCIAL 65

Multiplica-se ainda por ψ(x) do lado esquerdo (observa-se que E representa


a energia, ou seja, um escalar. Assim, ψ(x)E = Eψ(x).),
h̄2 ∂ 2
− ψ(x) + V (x)ψ(x) = Eψ(x) . (3.43)
2m ∂x2
Esse resultado representa a equação espacial de onda para uma partı́cula
afetada por um potencial V (x). Ela representa uma equação diferencial não
trivial fornecendo funções de onda espaciais ψ(x) bem como a energia do
sistema E. Por causa disso, ela é a equação mais importante da mecânica
quântica. Cabe mencionar que a substituição da freqüência ω correspondendo
a essa energia E, ω = E/h̄, na exponencial (3.18) fornece a dependência
temporal.
Para concluir essa parte relacionada com a obtenção da equação de onda,
falta ainda a equação de movimento envolvendo x e t. Para a partı́cula
livre, obteve-se a equação de movimento (3.29). A eq. (3.43) mostrou que
a correção por um efeito do potencial afeta a parte espacial da função de
onda. Comparando a eq. (3.43) com a equação espacial da partı́cula livre
(3.37), identifica-se a correção como V (x)ψ(x). Incluindo esse termo no lado
espacial da eq. (3.29) fornece a equação de movimento procurada,
∂Ψ(ϕ) h̄2 ∂ 2 Ψ(ϕ)
ih̄ = − + V (x)Ψ(ϕ) . (3.44)
∂t 2m ∂x2
Essa equação chama-se equação de Schrödinger dependente do tempo e re-
presenta a equação de movimento para o sistema quântico. Recorda-se que
a sua dedução foi argumentativa explorando a relação de de Broglie. Assim,
a eq. (3.44) representa um teorema:
Postulado 1: A dependência temporal do sistema quântico é descrita pela equação
de Schrödinger dependente do tempo (3.44).
Do ponto de vista quı́mico, a dependência temporal é muito importante
em sistemas quânticos que mudam ao longo do tempo. Cita-se como exemplo
uma reação quı́mica. Para a descrição correta da reação, precisa-se obser-
var o sistema partindo de reagentes transformando-se em produtos. Essa
transformção não é instantânea, mas envolve uma determinada cinética. Do
ponto de vista teórico, essa cinética é apenas acessı́vel através da descrição
do sistema quântico ao longo do tempo.
Porém, esse manuscrito tem como objetivo de apresentar uma introdução
à quı́mica quântica e de introduzir os conceitos desenvolvidos para a descrição
66 CAPÍTULO 3. A EQUAÇÃO DE SCHRÖDINGER

de átomos e moléculas. Essas metodologias não precisam a dependência tem-


poral, pois sabe-se muito bem da experiência prática que átomos e moléculas
são termodinamicamente estáveis e não se auto-destrõem. Nesse contexto,
a variável t é menos interessante e restringe-se nos prx́imos capı́tulos à des-
crição do sistema quântico sem incluir a dependência temporal.

3.5 Operadores
A equação diferencial espacial (3.43) é utilizada para a obtenção da energia
E e função de onda espacial ψ(x) do sistema quântico. Transfere-se essa
equação em uma forma mais compacta. Trata-se a função de onda ψ(x) no
lado esquerdo da eq. (3.43) como um fator comum dos dois termos,

h̄2 d2
" #
− + V (x) ψ(x) = Eψ(x) . (3.45)
2m dx2

Tendo em vista que o primeiro dos dois termos na eq. (3.45) representa um
operador diferencial, ψ(x) tem que ser mantida no lado direito dos colchetes.
Nessa forma, a eq. (3.45) permite a identificação fı́sica dos termos envolvi-
dos. O lado direito da eq. (3.45) contém a energia do sistema E multiplicando
a função de onda. Assim, a expressão nos colchetes também tem que repre-
sentar a energia (total) do sistema quântico. Chama-se essa energia Ĥ em
associação com a energia total clássica representada pela função de Hamilton
(1.75),

h̄2 d2
Ĥ = − + V̂ (x) . (3.46)
2m dx2
A eq. (3.46) define o operador de Hamilton Ĥ representando a energia total
do sistema quântico. Ele é composto por dois termos, a energia cinética já
identificada na (3.31) como operador e a energia potencial V̂ (x),

Ĥ = T̂ + V̂ . (3.47)

A equação de Schrödinger (3.43) mostra que o potencial V (x) representa uma


função da coordenada multiplicando a função de onda. Assim, o operador V̂
indica apenas a operação da multiplicação, ou seja,

V̂ = V (x) . (3.48)
3.5. OPERADORES 67

Propriedades Definição Operador Definição Ação


fı́sica clássica quântica

coordenada x x x̂ x multiplicar por x


d
momento p p = mvx p̂ −ih̄ dx −ih̄ vezes a
primeira derivada
energia V (x) V̂ V (x) multiplicar por
potencial V V (x)
p2 2
h̄ d 2 2
energia T = 2m
T̂ − 2m dx2
−h̄ /2m vezes a
cinética T segunda derivada
energia E =T +V Ĥ T̂ + V̂ ação de T̂ mais
total E ação de V̂

Tabela 3.1: Operadores representando propriedades fı́sica da mecânica


clássica.

Pode-se ainda argumentar que V (x) envolve coordenadas como, por exemplo,
no potencial harmônico da eq. (1.29), V (x) = kx2 /2. A ação do operador
V̂ nesse caso implica multiplicação da função ψ(x) por kx2 /2. Com k/2
representando uma constante, a função ψ(x) é multiplicada pelo quadrado da
coordenada. Pode-se concluir que um operador representando a coordenada
é a coordenada, ou seja,
x̂ = x . (3.49)
Obteve-se para várias propriedades fı́sicas bem definidas na mecânica
clássica operadores representando essas grandezas na mecânica quântica.
Cita-se o momento (3.14), a energia cinética (3.31), a energia potencial (3.48),
e a energia total (3.47). Existem outros operadores, como aquele represen-
tando a freqüência (3.13). A expressão de propriedades mecânicas através
de operadores representa um conceito geral:
Postulado 2: Propriedades fı́sicas da mecânica clássica são representadas por oper-
adores lineares na mecânica quântica.
Na tab. 3.1 resumiu-se os operadores mais importantes na mecânica quântica
e suas ações.
68 CAPÍTULO 3. A EQUAÇÃO DE SCHRÖDINGER

Menciona-se que operadores não possuem vida própria, ou seja, apenas


agem quando seguidos por uma função, matriz, vetor, escalar, ou outra con-
strução matemática. A especificação de um operador  como operador linear
possui a propriedade,

 (f + g) = Âf + Âg . (3.50)

Pode-se facilmente verificar que essa relação vale para todos os operadores
mencionados. Cita-se o momento representado pelo operador diferencial
(3.14),
d
p̂ = −ih̄ ,
dx
como exemplo. Utilizando duas funções f (x) e g(x), a eq. (3.50) torna-se,
d
p̂ (f (x) + g(x)) = −ih̄ (f (x) + g(x))
dx
d d
= −ih̄ f (x) − ih̄ g(x)
dx dx
= p̂f (x) + p̂g(x) .

Um exemplo para um operador não linear é representado por  = .
Aplicando esse operador à soma de dois números f e g, obtém-se,
q q √
 (f + g) = f + g 6= f + g,

em discordânica com a eq. (3.50).

3.6 A Função de Onda


A função de onda representa em geral uma função complexa possuindo uma
parte real e imaginária. Utiliza-se a parte espacial da função de onda geral
(3.8) como exemplo,

ψ(x) = A exp [ikx] .

Através das relações de Euler (3.9) e (3.10), reformula-se ψ(x),

ψ(x) = A cos [kx] + iA sin [kx] . (3.51)


3.6. A FUNÇÃO DE ONDA 69

A representação (3.51) separa a parte real,

<(ψ(x)) = A cos [kx] , (3.52)

da parte imaginária,

=(ψ(x)) = A sin [kx] . (3.53)

O fator A representa uma amplitude cuja relevância é discutida em seguida.


Uma interpretação fı́sica da função de onda foi apresentada por Max
Born definindo o seu quadrado como uma distribuição probalı́stica, ou seja,
o quadrado da função de onda representa a probabilidade W (x) para achar
o sistema quântica no lugar x,

W (x) = |ψ(x)|2 . (3.54)

Assim, define-se a probabilidade para achar o sistema quântico em uma faixa


entre x e x + dx como a integral do quadrado da função de onda nessa faixa,
Z x+dx
W (x) dx = |ψ(x)|2 dx . (3.55)
x

O uso do quadrado para definir a função de distribuição W (x)dx pode


ser entendido em estudar um onda tı́pica, como aquela da eq. (1.114),

ψ(x) = A sin [kx] . (3.56)

Dependendo do argumento no seno, essa função pode apresentar amplitudes


ψ(x) negativas, e, por isso, não pode ser utilizada para definir uma probabili-
dade, ou seja, uma grandeza positiva por definição. O quadrado da função
ψ(x) contorna esse problema, pois o quadrado aplicado em amplitudes nega-
tivas fornece sempre um sinal positivo. Na fig. 3.1 demonstra-se graficamente
a diferença entre ψ(x) e ψ 2 (x).
Como argumentado através das eqs. (3.52) e (3.53), a função de onda
pode ser uma função complexa. O quadrado correspondendo a uma função
complexa é definido como produto do complex conjugado da função, ψ ∗ (x),
com a função ψ(x),

|ψ(x)|2 = ψ ∗ (x)ψ(x) . (3.57)


70 CAPÍTULO 3. A EQUAÇÃO DE SCHRÖDINGER
2
ψ(x), ψ (x)
1

0.6

0.2

-0.2

-0.6
ψ(x) = sin x
ψ 2 (x) = sin2 x
-1
0 π/2 π 3π/2 2π
x

Figura 3.1: Comparação de ψ(x) = sin x e ψ 2 (x) = sin2 (x).

Na prática, o complex conjugado de√uma função complexa é obtenı́vel através


de trocar o sinal em frente de i (i = −1). Por exemplo, o complex conjugado
da função (3.51) é representado por,
ψ ∗ (x) = A cos [kx] − iA sin [kx] .
O complex conjugado de uma função real não é definido. Nesses casos, o
superscrito ’∗’ não tem efeito, ou seja, ψ ∗ (x) = ψ(x) para funções reais.
A probabilidade (3.54) descreve a função de distribuição W (x)dx corre-
spondendo à variável contı́nua x definida entre −∞ e ∞. Pode-se postular
que a probabilidade de achar o sistema quântico entre essas fronteiras tem
que produzir um, pois sabe-se que o sistema está em uma das faixas ao longo
de x. Assim, pode-se formular o critério de normalização para a função de
distribuição,
Z ∞
W (x) dx = 1 . (3.58)
−∞

Utilizando as definições (3.54) e (3.57), a condição de normalização (3.58)


torna-se,
Z ∞
ψ ∗ (x)ψ(x) dx = h ψ ∗ (x)| ψ(x)i = 1 . (3.59)
−∞
3.6. A FUNÇÃO DE ONDA 71

O termo central dessa equação define a integral da esquerda em uma anotação


mais compacta, introduzida por P.A.M. Dirac. A função de onda complex
conjugada é colocada dentro do ’bra’, hψ ∗ (x)|, e a função dentro do ’ket’,
|ψ(x)i. O ’braket’, h ψ ∗ (x)| ψ(x)i, junta ’bra’ e ’ket’ é representa a integral
esquerda da eq. (3.59). Sem exagerar no formalismo de Dirac, utiliza-se nesse
manuscrito o ’braket’ como uma forma mais compacta para representar in-
tegrais do tipo (3.59). Muitos livros-texto também utilizam esse formalismo.
Considera-se de novo a função (3.56) descrito pelo seno simples. Verifica-
se a normalização dessa função. Restrita-se a variável x à região entre x = 0
e x = 2π (circumflexo de um circulo). Fora dessa região, ψ(x) não seja
definida. Para esse exemplo a normalização (3.59) fornece,
Z 2π
ψ ∗ (x)ψ(x) dx = 1 .
0

Introduz-se o seno simples da eq. (3.56) observando que a função é real, ou


seja, o complex conugado ψ ∗ (x) = ψ(x),
Z 2π
1 = A sin [kx] A sin [kx] dx
0
Z 2π
2
= A sin2 [kx] dx ,
0

onde a amplitude como constante foi retirada da integral. O sistema fı́sico


define k. Assume-se aqui k = 1 para facilitar a integração,
Z 2π
2
1 = A sin2 [x] dx = A2 π ,
0

onde foi aproveitado que a integral de sin2 x produz π entre zero e 2π. A
equação obtida pode ser utilizada para arrumar a amplitude A,
s
1
A = ± .
π
Esse cálculo mostra que o fator de amplitude A de uma função de onda pode

ser determinada através do critério de normalização (3.59). Com A = 1/ π,
a função utilizada, ψ(x) = A sin x fornece uma distribuição probabilı́stica
apropriadamente normalizada. A função,
1
ψ(x) = √ sin x ,
π
72 CAPÍTULO 3. A EQUAÇÃO DE SCHRÖDINGER

é considerada uma função de onda normalizada.


Tendo visto que o fator de amplitude A é definido perfeitamente através
da normalização (3.59), pode-se formular um requerimento à função de onda.
A normalização envolve o quadrado da função de onda. Assim, precisa-se
uma função ψ(x) que é integrável, ou seja, enscreve uma área defindia com o
eixo x, pelo menos dentro da região de definição para x. Funções exponenciais
como ex ou e−x não podem representar funções de onda para um sistema fı́sico
definido entre −∞ e ∞. ψ(x) = ex aproxima-se a zero para x → −∞, mas
torna-se infinito para x → ∞. No outro lado, ψ(x) = e−x aproxima-se a zero
para x → ∞, mas torna-se infinito para x → −∞. Assim, essas duas funções
produzem integrais infinitas não permitindo a obtenção de uma amplitude A
com sentido fı́sico (o que é A = ∞ ??).
Tendo definido uma função de distribuição para a probabilidade de achar
o sistema quântico, conhece-se perfeitamente o sistema quântico. Pode-se
aproveitar essa função de distribuição para obter outras propriedades de in-
teresse através do teorema de valores médios da estatı́stica. Introduz-se esse
conceito em um dos próximos capı́tulos. Aqui, reconheceu-se o valor da
função de onda:
Postulado 3: O sistema quântico é perfeitamente descrito através da sua função de
onda normalizada.

3.7 Equação de Valores Próprios


Conhecendo melhor as grandezas aparecendo na equação de Schrödinger,
discute-se mais detalhadamente essa equação apresentada na eq. (3.45),

h̄2 d2
" #
− + V (x) ψ(x) = Eψ(x) .
2m dx2

É óbvio que se trata de uma equação diferencial envolvendo no lado direito


a segunda derivada da função de onda somada em cima de uma função (as
vezes complicada) V (x) multiplicando a função de onda. Adicionalmente,
aparece ainda o termo Eψ(x) representando um escalar multiplicando ψ(x).
Essa equação diferencial requer solução, ou seja, tem que fornecer a função
de onda ψ(x) bem como a energia E. O modelo fı́sico entra a equação
diferencial através da massa no termo representando a energia cinética e
através do potencial V (x).
3.7. EQUAÇÃO DE VALORES PRÓPRIOS 73

Utilizando a definição do operador de Hamilton (3.46), pode-se compactar


a maneira de escrever a eq. (3.45). Economizando dependentes, obtém-se,

Ĥψ = Eψ . (3.60)

Essa equação possui no lado esquerdo um operador conhecido através do


modelo fı́sico agindo na função de onda. O lado direito contém a energia do
sistema como grandeza escalar multiplicando a função de onda. Em resumo,
a eq. (3.60) possui a forma,

Âf (x) = af (x) , (3.61)

com um operador genérico Â, uma função f (x), e um escalar a. Esse tipo
de equação chama-se uma equação de valores próprios. Â é o operador a ser
estudado. f (x) chama-se função própria e representa uma solução para o op-
erador  produzindo o número a chamado valor próprio (ou auto-valor). A
equação de Schrödinger espacial (3.60) possui essa estrutura e, consequente-
mente, é uma equação de valores próprios.
Apresenta-se através de um exemplo a tarefa exigida para resolver uma
equação de valores próprios. Especifica-se o operador,
d
 = ,
dx
e procura-se função e valor próprio. Para isso, escreve-se a equação de valores
próprios (3.61) para o operador Â,

d
f (x) = af (x) .
dx
Traduz-se essa equação: Procura-se uma função que é proporcional à sua
primeira derivada. Conhece-se funções com essa caracterı́stica, as exponen-
ciais. Tenta-se um exponencial do tipo,

f (x) = B exp [cx] ,

com fator pre-exponencial B e crescimento controlado pela constante c. Sub-


stituindo na equação de valores próprios,
d
B exp [cx] = aB exp [cx] .
dx
74 CAPÍTULO 3. A EQUAÇÃO DE SCHRÖDINGER

e criando a derivada no lado esquerdo,

Bc exp [cx] = aB exp [cx] ,

corta-se B exp [cx] para obter,

c = a,

ou seja, a função f (x) = B exp [cx] representa uma função própria para o
operador  fornecendo o valor próprio c.
A energia E do sistema quântico é obtenı́vel através de um procedimento
geral a partir da equação de Schrödinger (3.60) assumindo que a função de
onda seja conhecida. Para isso, multiplica-se a eq. (3.60) do lado esquerdo
pelo complex conjugado da função de onda, ou seja, por ψ ∗ ,

ψ ∗ Ĥψ = ψ ∗ Eψ .

Observa-se que a multiplicação foi desenvolvida pelo lado esquerdo, ou seja,


a função ψ ∗ não é afetada pelo Hamiltoniano Ĥ. No lado direito da equação,
ψ ∗ Eψ representa um produto cujos elementos podem ser trocados,

ψ ∗ Ĥψ = Eψ ∗ ψ .

Integra-se ambos os lados sobre todo o universo da coordenada,


Z ∞ Z ∞
ψ ∗ Ĥψ dx = E ψ ∗ ψ dx .
−∞ −∞

A energia E, como constante, foi tirada da integral. Escreve-se a mesma


equação utilizando o formalismo de Dirac (3.59),
D E
ψ ∗ Ĥ ψ = E hψ ∗ | ψi .

Dividindo pela integral do lado direito, obtém-se o valor próprio E,


D E
ψ ∗ Ĥ ψ

E = . (3.62)
hψ ∗ | ψi

Para funções de onda normalizadas, a integral do denominador da eq. (3.62)


é um e não precisa ser considerada na obtenção da energia E.
3.7. EQUAÇÃO DE VALORES PRÓPRIOS 75

A energia representa no sistema quântico como no sistema clássico uma


propriedade conservada, pelos menos para aqueles sistemas que não são per-
turbados por fora através de um potencial ou campo externo. No caso
da partı́cula livre, o momento p e a energia cinética T representam pro-
priedades conservadas. Em geral, propriedades conservadas podem ser obti-
das na mecânica quântica através de uma equação de valores próprios para
o operador correspondente (Ĥ para E em todos os sistemas, p̂ e T̂ para
p e T da partı́cula livre). Os valores próprios E, p e T dessas equações
de valores próprios representam propriedades experimentalmente acessı́veis
(observáveis):

Postulado 4: A medida experimental de uma observável fornece o valor próprio da


equação de valores próprios para o operador representando a observável
na mecânica quântica.
76 CAPÍTULO 3. A EQUAÇÃO DE SCHRÖDINGER

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