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Capı́tulo 6

Oscilador Harmônico

No cap. 1.3.1, apresentou-se o tratamento mecânico-clássico do pêndulo de


três dimensões. O pêndulo é um dos sistemas fı́sicos representados pelo
potencial harmônico. Nesse capı́tulo, apresenta-se o tratamento mecânico-
quântico para o potencial harmônico. Esse modelo é geralmente referido
como oscilador harmônico.
Antes de entrar nesse tratamento, introduz-se um conceito explicando um
pouco a popularidade do potencial harmônico. Para isso, considera-se um
ponto de massa que não se movimenta livremente, mas fica afetado por um
potencial não especificado. Porém, pode-se postular várias propriedades para
esse potencial V (x). Por exemplo, é razoável que o potencial V (x) possui
um mı́nimo absoluto, digamos em x = x0 . Essa informação já é suficiente de
definir a primeira derivada do potencial no lugar x = x0 como zerada. Isso é
conhecido como critério matemático para um extremo de uma função,
dV (x0 )
= 0. (6.1)
dx
Além disso, a segunda derivada de uma função é positiva no lugar do mı́nimo.
Recorda-se que a segunda derivada zerada corresponde a uma sela e que a
segunda derivada negativa corresponde a um máximo para as posições de
extrema em funções. Aqui, define-se esse valor positivo como k, ou seja,
d2 V (x0 )
= k. (6.2)
dx2
Postula-se ainda que o valor numérico desse mı́nimo seja zero,
V (x0 ) = 0 . (6.3)

111
112 CAPÍTULO 6. OSCILADOR HARMÔNICO

Esse postulado arbritrário é justificável através das conclusões feitas a partir


da eq. (1.26) que o valor absoluto de uma energia potencial não é importante,
mas apenas diferença na energia potencial.
Tendo nas eqs. (6.1)-(6.3) vários requerimentos ao potencial e suas deriva-
das, pode-se tentar gerar a função através desses critérios. A ferramenta
matemática correspondente é a expansão de Tayler que permite a obtenção
de uma função inteira através do conhecimento das suas derivadas em um
ponto x0 ,

1 dn f (x0 )
(x − x0 )n .
X
f (x) = n
(6.4)
n=0 n! dx
Escreve-se os primeiros termos dessa expansão considerando que 0! = 1 por
definição,
df (x0 ) 1 d2 f (x0 )
f (x) = f (x0 ) + (x − x0 ) + (x − x0 )2
dx 2 dx2
1 d3 f (x0 ) 3 1 d4 f (x0 )
+ (x − x 0 ) + (x − x0 )4 + . . . . (6.5)
6 dx 3 24 dx 4

Aplicando ao potencial não especificado, a eq. (6.5) torna-se,


dV (x0 ) 1 d2 V (x0 )
V (x) = V (x0 ) + (x − x0 ) + (x − x0 )2
dx 2 dx2
1 d3 V (x0 ) 3 1 d4 V (x0 )
+ (x − x 0 ) + (x − x0 )4 + . . . .
6 dx 3 24 dx 4

Utilizando os critérios (6.1)-(6.5), V (x) é,


1 1 1
V (x) = k (x − x0 )2 + γ3 (x − x0 )3 + γ4 (x − x0 )4 + . . . , (6.6)
2 6 24
com os coeficientes de anharmonizidade γn ,
dn V (x0 )
γn = , (6.7)
dxn
representando as derivadas mais elevadas do potencial no lugar do mı́nimo.
Coloca-se o mı́nimo do potencial para x0 = x e corta-se após o termo
quadrático, obtém-se o potencial harmônico como representação mais simples
da expansão de Taylor para o potencial não especificado,
1 2
V (x) =kx . (6.8)
2
Nessa forma, aplica-se o potencial harmônico nesse capı́tulo.
6.1. VIBRAÇÃO DA MOLÉCULA DIATÓMICA 113

V (x)

µ •

0
0 x

Figura 6.1: Modelo de potencial V (x) = kx2 /2 para a vibração da molécula


diatômica com massa reduzida µ.

6.1 Vibração da Molécula Diatómica


No cap. 1.7, separou-se os graus de liberdade de uma molécula diatómica em
três graus de liberdade translacionais, dois graus de liberdade rotacionais, e
um grau de liberdade vibracional. Recorda-se que os três graus de liberdade
translacionais correspondem às coordenadas do centro de massa que pode ser
tratado quanticamente através do model da partı́culo com massa molecular
M no cubo. Os dois graus de liberdade rotacionais são tratados como rotor
rı́gido em um dos próximos capı́tulos, e a vibração é tratada nesse capı́tulo.
Na eq. (1.111), conseguiu-se escrever a Lagrangiana para o movimento
vibracional,

1 2
L(ṙ, r) = µṙ − V (r) ,
2

onde r representa a distânica entre os dois átomos e µ a massa reduzida


(1.101) do diatômico. O primeiro termo em L é a energia cinética.
Renomeando a variável para x e utilizando como modelo o potencial
114 CAPÍTULO 6. OSCILADOR HARMÔNICO

harmônico representando V (r), a Lagrangiana torna-se,


1 2 1
L(ṙ, r) = µṙ − kx2 . (6.9)
2 2
Conhece-se o potencial harmônico também como o potencial da mola. Em
outras palavras, a Lagrangiana (6.9) descreve a ligação quı́mica entre os
dois átomos como mola. Isso significa uma abstração muito grande, mas,
como os resultados depois justificam, um modelo simples com muito sucesso
na aplicação espectrosópica. Na fig. 6.1 mostra-se o modelo utilizado para
a vibração da molécula diatômica reduzida a movimento de um ponto de
massa µ no potencial harmônico.

6.2 A Equação de Schrödinger


O Hamiltoniano (3.47) é representado pelo soma dos operadores T̂ (3.31) e
V̂ representando energia cinética e energia potencial, respectivamente. Tro-
cando a massa m no operador T̂ da eq. (3.31) pela massa reduzida µ, pode-se
formular a energia cinética do oscilador harmônico adaptada ao modelo da
seção 6.1,
h̄2 d2
T̂ = − . (6.10)
2µ dx2
O potencial foi obtido na eq. (6.8), ou seja, o Hamiltoniano (3.47) do oscilador
harmônico assume a forma,
h̄2 d2 1 2
Ĥ = − + kx . (6.11)
2µ dx2 2
Inserindo esse operador na equação (3.60) fornece a equação de Schrödin-
ger para o oscilador harmônico,
h̄2 d2
" #
1 2
− + kx ψ(x) = Eψ(x) , (6.12)
2µ dx2 2
permitindo a obtenção da energia E e das funções de onda ψ(x). Antes de
procurar essas soluções, simplifica-se a eq. (6.12). Resolvendo colchetes,

h̄2 d2 1
− ψ(x) + kx2 ψ(x) = Eψ(x) ,
2µ dx 2 2
6.2. A EQUAÇÃO DE SCHRÖDINGER 115

e multiplicando por −2µ/h̄2 , fornece,

d2 µ 2µ
ψ(x) − 2 kx2 ψ(x) = − 2 Eψ(x) , (6.13)
dx 2 h̄ h̄
após ter cortado o fator 2 no segundo termo.
Unifica-se as constantes no lado direito,
2µE
α = , (6.14)
h̄2
e no segundo termo do lado esquerdo,

β2 = , (6.15)

para obter,

d2
ψ(x) − β 2 x2 ψ(x) = −αψ(x) .
dx2
Leva-se ainda o termo do lado direito também para à esquerda emfatizando
ψ(x),

d2 
2 2

ψ(x) + α − β x ψ(x) = 0 . (6.16)
dx2
Observa-se que o valor próprio E fica escondido dentro da constante α e que
o parâmetro do potencial k é presente dentro da constante β 2 . Escolheu-se a
constante β 2 e não β por questões táticas. Quando β 2 é constante, β também
é. O quadrado aqui não interfere em sinais, pois as constantes juntadas pela
eq. (6.15) não envolvem números contendo partes imaginárias.
A equação de Schrödinger para o oscilador harmônico na forma (6.16)
representa uma equação diferencial não trivial. Ela precisa uma função que
multiplicada por um termo proporcional ao quadrado da variável envolvida
compensa a segunda derivada. Não se consegue adivinhar aqui soluções
possı́veis.
A estrategia para resolver a eq. (6.16) é aquela apresentada no cap. 5. Em
um primeiro passo, estabelece-se as condições de contorno e em um segundo
passo resolve-se o problema inteiro. O potencial harmônico (6.8) não possui
paredes. Assim, as condições de contorno são diferentes daquelas aplicadas à
partı́cula na caixa. No cap. 3.6, mostrou-se que a integrabilidade representa
116 CAPÍTULO 6. OSCILADOR HARMÔNICO

um critério que uma função de onda precisa cumprir. O problema da inte-


grabilidade torna-se muito importante nos limites da região de definição da
variável. Aqui, no oscilador harmônico, introduziu-se a coordenada x sem
nenhuma restrição, ou seja x é definida entre −∞ e ∞. Consequentemente,
uma função dependeno de x é integrável apenas quando ela se aproxima a
zero dentro desses limites,

ψ(x) → 0 para x → ±∞ . (6.17)

Na próxima seção, implementa-se esse comportamento asimtôtico requerido


na função de onda ψ(x).

6.3 Comportamento Asimtôtico


A equação diferencial (6.16) pode ser simplificada no limite de x → ∞ e
x → −∞. Observa-se o segundo termo, α − β 2 x2 . Com α e β 2 sendo
constantes, pode-se desprezar a constante α contra o termo β 2 x2 no limite
de x2 grande, pois o termo β 2 x2 assume nesse limite valores enormes. Assim,
a equação diferencial (6.16) pode ser simplificada para x → ±∞,

d2
ψ(x) − β 2 x2 ψ(x) = 0 . (6.18)
dx2
Traduz-se essa equação: Procura-se uma função que multiplicada pelo qua-
drado da variável compensa a sua segunda derivada.
Tenta-se uma Gaussiana,
h i
ψ(x) = exp −γx2 . (6.19)

A primeira derivada dessa Gaussiana fornece (derivada de exponencial produz


exponencial multiplicada pela derivada do expoente),

d h i
ψ(x) = −2γx exp −γx2 .
dx
Derivando de novo, respeita-se a regra de produto da diferenciação,

d2 h
2
i
2 2
h
2
i
ψ(x) = −2γ exp −γx + 4γ x exp −γx .
dx2
6.3. COMPORTAMENTO ASIMTÔTICO 117

Compara-se com a Gaussiana proposta na eq. (6.19) e conclui-se que,

d2
ψ(x) = −2γψ(x) + 4γ 2 x2 ψ(x) . (6.20)
dx 2

Essa equação não representa a equação diferencial (6.18), ou seja, a Gaussiana


proposta aparentemente não representa uma função apropriada para resolver
a equação diferencial (6.18). Mas recorda-se que apenas o limite de x → ±∞
é considerado aqui. Nesse limite, na eq. (6.20), o termo 4γ 2 x2 ψ(x) torna-
se bem maior do que o termo −2γψ(x) por causa da multiplicação por x2
envolvida. ψ(x) é pequena nesse limite pelo requerimento ψ(x) → 0.
Despreza-se o termo −2γψ(x) na eq. (6.20),

d2
ψ(x) = 4γ 2 x2 ψ(x) . (6.21)
dx2
Essa equação representa a segunda derivada da Gaussiana proposta con-
siderando apenas os limites x → ±∞. Comparando com a equação diferen-
cial (6.18) nesses limites, acha-se concordânica quando,

4γ 2 = β 2 ,

ou, isolando γ,
β
γ = . (6.22)
2
Utiliza-se essa identificação na Gaussiana proposta (6.19) e obtém-se a função
de onda no limite x → ±∞ para o oscilador harmônico,
" #
β
ψ(x) = exp − x2 . (6.23)
2

O resultado (6.23) para a função de onda no limite de x → ±∞ já indica


umas diferenças principais entre o oscilador harmônico clássico e quântico.
No tratamento clássico da seção 1.3.1, obteve-se a coordenada em função do
tempo que mostra a presença do oscilador dentro da região do potencial, ou
seja, dentro de fronteiras representadas pela função V (x) = kx2 /2. No outro
lado, a função de onda (6.23) possui amplitudes para valores de x que ficam
fora da região do potencial. Em outras palavras, a partı́cula com massa µ da
fig. 6.1 pode fugir do potencial no tratamento quântico.
118 CAPÍTULO 6. OSCILADOR HARMÔNICO

6.4 A Solução Completa


Na eq. (6.16) formulou-se a equação de Schrödinger para o oscilador harmôni-
co. O comportamento asimtôtico da função de onda foi estabelecida através
da Gaussiana (6.23) que aproxima ψ(x) a zero para x → ±∞. Porém,
a solução completa tem que ser encontrada ainda. Para isso, tenta-se um
produto de uma função H(x) com a Gaussiana (6.23), ou seja,
" #
βx2
ψ(x) = H(x) exp − . (6.24)
2
Pode-se formular vários requerimentos à função H(x). Multiplicando a Gaus-
siana (6.23) com H(x) não deve mudar o comportamento asimtôtico da
função de onda. Precisa-se uma função H(x) com uma dependência mais
fraca da coordenada x do que exp[−βx2 /2]. No outro lado, introduz-se H(x)
para influenciar fortemente a função de onda na região do potencial V (x), ou
seja, para valores pequenos e intermediários de x. Polinômios com expoentes
baixos seriam candidatos bons para H(x).
Continua-se a procura da função de onda. Substitui-se o produto (6.24)
na equação de Schrödinger (6.16) do oscilador harmônico,
" # " #
d2 βx2 
2 2
 βx2
H(x) exp − + α− β x H(x) exp − = 0. (6.25)
dx2 2 2
Utilizando a regra do produto para a diferenciação e sabendo que a derivada
de um exponencial produz o mesmo exponencial multiplicado pela derivada
do expoente (aqui: −βx), tira-se a primeira derivada do primeiro termo da
eq. (6.25) para obter,
" # " # " #
d βx2 βx2 βx2 d
H(x) exp − = −βxH(x) exp − + exp − H(x)
dx 2 2 2 dx
! " #
dH(x) βx2
= −βxH(x) + exp − .
dx 2
Derivando de novo usando as mesmas regras de diferenciação, obtém-se,
" # ! " #
d2 βx2 dH(x) d2 H(x) βx2
H(x) exp − = −βH(x) − βx + exp −
dx2 2 dx dx2 2
! " #
2
dH(x) βx
+ −βxH(x) + (−βx) exp −
dx 2
6.4. A SOLUÇÃO COMPLETA 119

dH(x) d2 H(x)
= −βH(x) − 2βx +
dx dx2
" #
 βx2
+ β 2 x2 H(x) exp − .
2

Substitui-se o primeiro termo na eq. (6.25) por esse resultado para obter,
! " #
dH(x) d2 H(x) 2 2 βx2
0 = −βH(x) − 2βx + + β x H(x) exp −
dx dx2 2
" #
2
  βx
+ α − β 2 x2 H(x) exp − .
2

A Gaussiana não sente a ação de operadores. Representando um fator comum


em todos os termos, corta-se a Gaussiana. Considerando que o último termo
da primeira linha cancela o último termo da segunda linha, chega-se a,

dH(x) d2 H(x)
0 = −βH(x) − 2βx + + αH(x) .
dx dx2
Rearranja-se essa equação e fica-se com uma equação diferencial permitindo
a determinação de H(x),

d2 d
H(x) − 2βx H(x) + (α − β) H(x) = 0 . (6.26)
dx 2 dx

A equação diferencial (6.26) tem semelhanças com a equação diferencial


de Hermite, cujas soluções são bem conhecidas. A diferença entre a eq. (6.26)
e a equação diferencial de Hermite fica no segundo termo. Na eq. (6.26), a
constante β no segundo termo aparece também no terceiro, enquanto a con-
stante no segundo termo da equação de Hermite não aparece no terceiro.
Precisa-se eliminar a constante β no segundo termo para aproveitar as pro-
priedades da equação diferencial de Hermite. Tenta-se uma transformação
da coordenada x para uma variável nova y definida por,
q y
y = βx =⇒ x = √ . (6.27)
β

Essa redefinição da coordenada não tem influência fı́sica


√ no oscilador harmô-
nico. A coordenada x é multiplicada pela constante β, ou seja, prolonga-se
120 CAPÍTULO 6. OSCILADOR HARMÔNICO

(no caso de β > 1) ou encurta-se (no caso de β < 1) o eixo da coordenada.


O potencial do oscilador harmônico definido na eq. (6.8) torna-se
1k 2
V (y) = y , (6.28)

o que corresponde a uma redefinição da constante de força de k para k/β.
Para introduzir a variável nova na eq. (6.26), chama-se H(y) a função
dependente de y, ou seja, H(x) torna-se H(y). Um pouco mais complicado
fica a substituição dos operadores diferenciais. Da definição (6.26) para y,
obtém-se,
dy
dx = √ .
β
O recı́proco dessa relação define o operador diferencial, ou seja,
d q d
= β . (6.29)
dx dy
O operador d2 /dx2 pode ser obtido através de agir do lado esquerdo com
d/dx na eq. (6.29). Reconhecendo que d/dx agindo em d/dx produz d2 /dx2 ,
obtém-se,
d2 dq d q d d
= β = β ,
dx2 dx dy dx dy
com a segunda equação
√ sendo uma consequência do operador d/dx não tendo
ação na constante β. Substituindo d/dx no lado direito pela eq. (6.29),
fornece o operador diferencial para a segunda derivada,
d2 d2
= β . (6.30)
dx2 dy 2
Substitui-se as H(y) ao lugar de H(x), a nova coordenada y (6.27), e os
operadores diferenciais (6.29) e (6.30) na equação diferencial (6.26),
d2 y q d
β H(y) − 2β √ β H(y) + (α − β) H(y) = 0 .
dy 2 β dy

Cortando β no segundo termo e dividindo por β, chega-se a,
!
d2 d α
H(y) − 2y H(y) + − 1 H(y) = 0 . (6.31)
dy 2 dy β
6.4. A SOLUÇÃO COMPLETA 121

Compara-se com a equação diferencial de Hermite,

d2 d
H(y) − 2y H(y) + 2vH(y) = 0 , (6.32)
dy 2 dy

e acha-se concordância entre as duas equações diferenciais quando,


α
− 1 = 2v . (6.33)
β

Essa condição pode ser cumprida. A definição da constante α na eq. (6.14)


contém a constante E, a qual ainda não foi determinada. Assim, pode-se
escolher um valor para E fornecendo um valor para α cumprindo a condição
(6.33). Concluiu-se o tratamento da equação diferencial (6.26) através de ter
transformado a eq. (6.26) na equação diferencial de Hermite. Assim, pode-se
aproveitar as suas soluções da equação diferencial de Hermite.
A equação diferencial de Hermite (6.32) apenas tem soluções regulares
para v sendo um número inteiro e positivo (incluindo zero). Evidentemente,
o valor de v influencia a solução da eq. (6.32). Conhece-se a famı́lia de funções
Hv (y), chamadas polinômios de Hermite, como soluções. Para um v especi-
ficado, pode-se obter o polinômio de Hermite da v-ésima ordem através de,
h i dv h i
Hv (y) = (−1)v exp y 2 exp −y 2
. (6.34)
dy v

Os primeiros polinômios de Hermite são,

H0 (y) = 1,
H1 (y) = 2y ,
H2 (y) = 4y 2 − 2 , (6.35)
H3 (y) = 8y 3 − 12y ,
H4 (y) = 16y 4 − 48y 2 + 12 ,
..
.

Recorda-se que os polinômios de Hermite não representam funções de onda


para o oscilador harmônico. Eles sairam como soluções da equação diferencial
(6.26) para a função H(x), a qual foi introduzida para descrever a função de
onda na região de x pequeno e intermediário. Para a recuperação da função
122 CAPÍTULO 6. OSCILADOR HARMÔNICO

de onda completa, precisa-se multiplicar os polinômios de Hermite com a


Gaussiana (6.23). Conforme eq. (6.24), obtém-se a famı́lia de funções,
" #
βx2
ψv (x) = Hv (y) exp − ,
2

como auto-funções para a equação de Schrödinger do oscilador harmônico.


Tira-se ainda a coordenada y utilizando a sua definição (6.27) e introduz-se
o fator de normalização Nv para chegar a expressão final da função de onda
do oscilador harmônico,
" #
q βx2
ψv (x) = Nv Hv ( βx) exp − . (6.36)
2

O fator de normalização é obtenı́vel através do critério (5.44),

hψk∗ (ξ) | ψl (ξ)i = δkl .

Pode-se verificar que essa integral desaparece para o produto de duas funções
da eq. (6.36) com valores diferentes para v (ortogonalidade). No outro lado,
para o produto de duas funções (6.36) com o mesmo valor de v, a integral
(5.44) torna-se 1 (normalização) quando,
s
1 4 β
Nv = √ , (6.37)
2v v! π

com a constante β determinada através da eq. (6.15),




β = . (6.38)

Mais detalhes da normalização e ortogonalidade aparecem em folha de ex-
ercı́cio. As funções de onda são discutidas em uma das próximas seções.

6.5 As Energias
Tendo resolvido o problema quântico para o oscilador harmônico, precisa-
se ainda comprovar o critério utilizado transformando a equação diferencial
6.5. AS ENERGIAS 123

obtida na seção anterior em equação diferencial de Hermite. Esse critério foi


formulado na eq. (6.33),
α
− 1 = 2v ,
β
onde v representa um número natural, contendo também zero,

v = 0, 1, 2, 3, . . . . (6.39)

Substitui-se as constantes α (6.14) e β (6.38) para obter,


2µE h̄
√ − 1 = 2v .
h̄2 kµ
Reconhece-se aqui que o auto valor E pode ser ajustado para cumprir essa

equação. Cortando h̄ e µ, calcula-se a energia,
 s
1 k

Ev = v + h̄ ,
2 µ
ou, com a definição da freqüência própria angular do oscilador da eq. (1.31),
1 1
   
Ev = v + h̄ω0 = v + hν0 , (6.40)
2 2
onde na segunda parte da equação foram utilizadas as definições para a
freqüência verdadeira (1.118) e para h̄ (3.2). O subscrito v em Ev indica
que um número infinito de energias cumpre o critério (6.33). Essas ener-
gias distinguem-se pelo número inteiro v, o qual multiplica uma unidade
energética hν0 . As primeiras energias (6.40) são apresentadas na fig. 6.2.
Observa-se que a energia do ponto zero (mı́nimo na energia) possui o
valor E0 = hν0 /2, ou seja, aproximando-se a T = 0 K, o oscilador harmônico
quântico não apresenta E0 = 0. Isso representa uma diferença ao oscilador
clássico que zera a sua energia no limite de T → 0 K.
Em contrário à partı́cula na caixa cuja energia é puramente cinética, o
oscilador harmônico possui ambas formas de energia, cinética e potencial.
Assim, não é possı́vel de obter uma relação simples entre momento linear e
energia quantizada. Para o oscilador harmônico, o momento linear pode ser
calculado através do teorema de valores médios (5.39),

hpv i = hψv∗ (x) |p̂| ψv (x)i , (6.41)


124 CAPÍTULO 6. OSCILADOR HARMÔNICO

E
V (x) = kx2 /2
6
v=4 E4 = 9hν0 /2

v=3 E3 = 7hν0 /2

v=2 E2 = 5hν0 /2

v=1 E1 = 3hν0 /2

v=0 E0 = hν0 /2

0 x

Figura 6.2: As primeiras energias Ev (6.40) do oscilador harmônico.

através do operador para o momento linear da eq. (3.14),


d
p̂ = −ih̄ .
dx
O subscrito v na eq. (6.41) indica o v-ésimo estado do oscilador harmônico
descrito pela função de onda ψv (x).

6.6 Espectroscopia Vibracional


Na seção 6.1, argumentou-se que o oscilador harmônico representa um mode-
lo para a descrição da vibração em moléculas diatômicas. Utilizando os
conceitos apresentados no cap. 5.4, pode-se aplicar o modelo do oscilador
harmônico para calcular a freqüência espectroscópica correspondendo a uma
excitação relacionada com essa vibração. A eq. (5.29) mostra que se pode
esperar uma transição espectroscópica quando a energia da radiação eletro-
magnética corresponde perfeitamente à diferença energética ∆Ev+1,v entre
dois nı́veis com números quânticos v e v + 1 do sistema quântico,
Eluz = ∆Ev+1,v .
6.6. ESPECTROSCOPIA VIBRACIONAL 125

Nessa anotação, v representa o número quântico do nı́vel inicial (partida da


excitação). Assim, ∆Ev+1,v é definida pela eq. (5.27),

∆Ev+1,v = Ev+1 − Ev .

Utilizando as energias (6.40), a diferença energética (5.27) torna-se,


1 1
   
∆Ev+1,v = v +1+ hν0 − v + hν0
2 2
= hν0 , (6.42)

ou seja, os nı́veis de energia para o oscilador harmônico são equidistantes


possuindo uma separação energética de hν0 , ou, em outras palavras, propor-
cional à sua freqüência própria.
Descrevendo a energia da radiação eletromagnética pelo postulado de
Planck (2.9), a condição de transição (5.29) para o oscilador harmônico é,

hνabs = hν0 ,

ou seja, o espectro de absorção do oscilador harmônico apresenta uma banda


na sua freqüência própria,

νabs = ν0 . (6.43)

A eq. (6.43) indica que o experimento espectroscópico aplicado a uma molécu-


la diatômica fornece a freqüência própria como propriedade molecular. Uti-
lizando a definição da freqüência angular (1.118) junto à definição da freqüên-
cia própria angular (1.31), a eq. (6.43) torna-se,
s
1 k
νabs = ,
2π µ

permitindo a obtenção experimental da constante de força da molécula diatô-


mica,

k = 4π 2 µνabs
2
. (6.44)

Assumindo que se conhece a massa reduzida do sistema molecular estudado


experimentalmente, o espectro de absorção do oscilador harmônico fornece
uma medida para a força da ligação quı́mica do diatômico investigado.
126 CAPÍTULO 6. OSCILADOR HARMÔNICO

De cálculos quânticos mais sofisticados, sabe-se que a força de ligação


de moléculas diatômicas fica em torno de 1000 Nm−1 . Utilizando esse valor
com µ ' 1 g/mol (diatômico HX com X representando um átomo pesado),
calcula-se uma freqüência de absorção em torno de 1, 25 · 1014 s−1 , ou, em
termos do um número de onda ν̃ (ν̃ = 1/λ), 4100 cm−1 correspondendo à
região espectral do infravermelho. Em resumo, a espectroscopia de absorção
no infravermelho fornece o espectro vibracional de moléculas.

6.7 As Funções de Onda


As funções próprias do oscilador harmônico foram obtidas na eq. (6.36),
" #
q βx2
ψv (x) = Nv Hv ( βx) exp − ,
2
com o fator de normalização (6.37),
s
1 4 β
Nv = √ ,
2v v! π
e o polinômio de Hermite da ordem v definido na eq. (6.34). Juntando essas
relações, pode-se escrever a função de onda do v-ésimo estado do oscilador
harmônico. Para os primeiros números quânticos, as funções de onda são,
s " #
4 β βx2
ψ0 (x) = exp − ,
π 2
s " #
1 4 β q βx2
ψ1 (x) = √ 2 βx exp − ,
2 π 2
s " #
1 4 β  βx2
ψ2 (x) = √ 4βx2 − 2 exp − , (6.45)
8 π 2
s " #
1 β βx2
 q 
4 3/2 3
ψ3 (x) = √ 8β x − 2 βx exp − ,
48 π 2
s " #
1 4β  βx2
ψ4 (x) = √ 16β 2 x4 − 48βx2 + 12 exp − ,
384 π 2

com β = kµ/h̄ da eq. (6.38). As primeiras funções de onda são ilustradas
na fig. 6.3.
6.7. AS FUNÇÕES DE ONDA 127

E; ψv (x)
V (x) = kx2 /2
6
v=4

v=3

v=2

v=1

v=0

0 x

Figura 6.3: As primeiras funções de onda ψv (x) (6.45) do oscilador


harmônico.

Imagina-se um plano de inversão no meio da fig. 6.3. Com respeito à


inversão por esse plano, observa-se como nas funções de onda para a partı́cula
na caixa (veja fig. 5.5) um esquema de funções alternando comportamento
simétrico com comportamento anti-simétrico. O estado fundamental (v = 0)
é descrito por uma função simétrica sem nó. O primeiro estado excitado
(v = 1) possui uma função de onda anti-simétrica com um nó. A função de
onda para v = 2 possui simetria e dois nós, e assim por adiante quando v for
aumentado. O número de nós para um estado v é dado por v − 1.
Constroi-se a função de distribuição (5.34),
Wv (x) = ψv∗ (x)ψv (x) . (6.46)
Utilizando as funções de onda (6.45), Wv (x) pode ser calculada (as ψv (x) não
possuem contribuições imaginárias). Apresenta-se as primeiras funções de
distribuição Wv (x) para o oscilador harmônico na fig. 6.4. Dessa figura, fica
muito bem esclarecido que o oscilador harmônico quântico possui probabili-
dades significativas para ser encontrado fora da região do potencial. Através
de exercı́cio, mostra-se que a probabilidade para achar o oscilador harmônico,
no seu estado fundamental com v = 0, fora da região do potencial fica em
128 CAPÍTULO 6. OSCILADOR HARMÔNICO

E; Wv (x)
V (x) = kx2 /2
6
v=4

v=3

v=2

v=1

v=0

0 x

Figura 6.4: As primeiras funções de distribuição Wv (x) para as funções de


onda ψv (x) (6.45) do oscilador harmônico.

torno de 16 %. Cabe mencionar que o oscilador harmônico clássico não pode


fugir do potencial aplicado.

6.8 O Oscilador Não Harmônico


Mesmo tendo muito valor na interpretação de espectros vibracionais, o os-
cilador harmônico não representa uma boa descrição para a ligação quı́mica.
Isso pode ser facilmente visto através do fato que o oscilador harmônico não
permite a dissociação da molécula diatômica em dois átomos. Em outras
palavras, o potencial harmônico (6.8) não permite o rompimento da mola
(ligação quı́mica).
Recorda-se que o potencial harmônico (6.8) foi obtido através de cortar
a expansão de Taylor (6.6) para uma função V (x) com mı́nimo em x0 = 0
após o termo quadrático. Assim, em tentativas de corrigir efeitos de não
harmonizidades no potencial, pode-se incluir termos adicionais na expansão
de Taylor (6.6) utilizando os coeficientes de anharmonizidade γn definidos
pela eq. (6.7). Porém, a tentativa mais promissora foi desenvolvida por Morse
6.8. O OSCILADOR NÃO HARMÔNICO 129

V (x)

6
v=5
v=4
v=3

v=1 D

v=0
0 ?
0 x

Figura 6.5: Potencial de Morse (6.47) e sua primeiras energias.

definindo uma função de potencial do tipo,


V (x) = D (1 − exp [−ax])2 . (6.47)
Nesse potencial, D representa a energia de dissociação da ligação quı́mica e a
é um parâmetro descrevendo a curvatura do potencial perto do seu mı́nimo.
A fig. 6.5 mostra o potencial de Morse.
Como no potencial harmônico, colocou-se o mı́nimo do potencial para x =
0 em V (x = 0) = 0. Naquela posição, a molécula diatômica fica equilibrada,
ou seja, possui uma distânica entre os dois átomos que o quı́mico interpreta
como comprimento de ligação. Qualquer desvio para distânicas mais curtas
(=⇒ x negativo) é acompanhado por um crescimento forte no potencial de
Morse. O limite do potencial de Morse para x → −∞ pode ser obtido
como V (x) → ∞ através da eq. (6.47) impossibilitando energeticamente a
sobreposição dos dois átomos.
No outro lado, para x → ∞, ou seja, distâncias muito grandes entre os
dois átomos, o exponencial do potencial de Morse torna-se muito pequeno e
pode ser desprezado contra um. A eq. (6.47) torna-se V (x) → D nesse limite,
ou seja, fornece o trabalho necessário para romper a ligação quı́mica. Esse
trabalho representa a definição da energia de dissociação D.
130 CAPÍTULO 6. OSCILADOR HARMÔNICO

Matematicamente, o potencial de Morse é mais complicado do que o


potencial harmônico. Soluções exatas da equação de Schrödinger não são
obtenı́veis para o potencial de Morse. Porém, pode-se numericamente obter
as energias correspondentes. As primeiras energias do potencial de Morse são
incluı́das na fig. 6.5. Perto do mı́nimo do potencial de Morse, a função V (x)
possui semelhanças com um potencial harmônico e as primeiras duas energias
aparecem como no oscilador harmônico. Porém, aumentando as energias Ev ,
o potencial torna-se bem diferente do potencial de Morse e as energias Ev
não reproduzem a equidistânica observada no potencial harmônico. Com
aumento do número quântico v, as energias ficam mais e mais pertas se
aproximando ao contı́nuo clássico perto de Ev ' D para números quânticos
v elevados.
Uma formula aproximativa para essas energias foi sugerida em forma de
uma expansão da energia do oscilador harmônico,
2
1 1
  
Ev = v + hν0 − x̃ v + h2 ν02 − . . . , (6.48)
2 2
com x̃ representando uma constante não harmônica caracterı́stica para a
molécula sob estudo.

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