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Mecânica Newtoniana∗

Antonio Roque
Março 2020

O objetivo deste curso não é que o aluno aprenda mecânica newtoniana. Isso já
deve ter sido visto em outros cursos. O objetivo central é que o aluno aprenda as
formulações lagrangiana e hamiltoniana da mecânica clássica. Portanto, o trata-
mento da mecânica newtoniana nesta aula se restringirá apenas ao estritamente
necessário para que possamos seguir adiante com os formalismos lagrangiano e
hamiltoniano nas próximas aulas.

O conceito mais importante na formulaçào newtoniana da mecânica é o de


força. A força é algo que altera o momento de um objeto:

d~p ~
= F. (1)
dt
Esta é a 2a lei de Newton. em palavras:

A taxa com que o momento de um objeto muda no tempo


é igual à força atuando sobre ele.

A fórmula de Newton (equação 1) nos permite prever como qualquer objeto


se moverá começando de alguma posição e velocidade especificadas (condições
iniciais).
A definição de força dada aqui é extremamente geral. nas aulas anteriores,
vimos dois exemplos simples de forças:

• Força que uma mola exerce sobre uma massa presa a ela: F (x) = −kx,
onde k é uma constante chamada de constante da mola, pois caracteriza
a mola em questão.
• Força gravitacional que a terra exerce sobre um objeto jogado no ar:
F (x) = mg, onde m é a massa do objeto e g ≈ 9, 81 m/s2 é uma constante
(aceleração da gravidade).

Esses exemplos são bastante simples porque os objetos se movem em uma


direção, de maneira que não necessitamos de vetores para descrever as forças.
∗ O material destas notas de aula, assim como das demais deste curso, está fortemente

baseado no livro de Jakob Schwichtenberg: No-Nonsense Classical Mechanics, No-Nosense


Books, 2020.

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Historicamente, essas fórmulas (e praticamente todas as fórmulas que usamos


na mecânica clássica para descrever forças) foram descobertas empiricamente.
Nós as usamos porque sabemos que, quando substituídas na 2a lei de Newton,
elas nos levam às equações de movimento corretas.
Em geral, precisamos encontrar todas as forças F~1 , F~2 , . . . que atuam sobre
um corpo para obter a força total:
n
X
F~ (~q) = F~i (~q) = F~1 (~q) + F~2 (~q) + . . . (2)
i=1

Por exemplo, para um corpo preso a uma mola na vertical temos que usar pelo
menos duas forças: a feita pela mola e a força gravitacional.
Substituindo (2) em (1) temos:
d
(m~q˙) = F~1 (~q) + F~2 (~q) + . . . . (3)
dt
Esse procedimento parece simples, mas pode tornar-se bastante complicado.
Além de termos que conhecer todas as forças, precisamos decompô-las nas vá-
rias direções do espaço físico. Ademais, a solução das equações diferenciais
resultantes para sistemas realistas é bastante complicada.
Essas são algumas das razões pelas quais muitos preferem usar outras for-
mulações da mecânica clássica.
Caso a massa do corpo seja constante, a 2a lei torna-se
d ˙ ~
m~q = F ou m~q¨ = F.
~ (4)
dt
Em palavras: sempre que há uma aceleração diferente de zero em um corpo,
ela é diretamente proporcional à força total atuando sobre o corpo. A constante
de proporcionalidade é o que chamamos de massa do corpo.
E a 1a lei de Newton?
A 1a lei de Newton diz que, pelo menos para um observador específico, um
objeto que se move com velocidade constante continuará para sempre a se mover
com velocidade constante a menos que uma força atue sobre ele.
Em particular, isso implica que para esse observador específico, se uma par-
tícula estiver em repouso ela permanecerá em repouso para sempre a menos que
uma força atue sobre a partícula.
Em outras palavras: nenhum corpo “gosta"de ter o seu estado de movimento
alterado.
Neste sentido, a 1a lei de Newton é chamada de lei da inércia. Pense, por
exemplo, quando você está de pé em um ônibus urbano andando a velocidade
constante. Quando o motorista freia, o seu corpo tende a continuar a se mover
para a frente e você tem que se segurar em um apoio para permanecer no lugar.
A 2a lei de Newton nos diz que forças podem mudar o momento de objetos.
A 1a lei nos diz que forças são a única coisa que pode mudar o momento de
objetos.

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Note que se você observar um objeto enquanto você estiver acelerando, o


objeto parecerá estar se acelerando como resultado.
Portanto, a 1a lei de Newton é válida somente para observadores bem espe-
cíficos. Chamamos esses observadores de observadores inerciais (os referenciais
presos a eles são chamados de referenciais inerciais).
Em outras palavras, um referencial inercial é aquele para o qual um objeto
sobre o qual a força líquida resultante é nula não sofre aceleração.
A 1a lei de Newton diz que para cada objeto, pelo menos um referencial
inercial existe.
A 2a lei de Newton é válida apenas para referenciais inerciais.
É por isso que, tecnicamente, a primeira lei tem que ser formulada antes da
segunda: a primeira lei estabele a existência de referenciais inerciais e a segunda
lei nos diz o que acontece com o momento de um objeto quando uma força atua
sobre ele em um referencial inercial.
Em referenciais não inerciais a 2a lei de Newton ainda pode ser usada, desde
que se introduzam as chamadas “forças fictícias”, isto é, forças que aparecem
apenas para um observador acelerado.
As forças fictícias são assim chamadas porque são uma consequência do re-
ferencial e não da interação. Entretanto, para um observador preso a um refe-
rencial não inercial elas são tão reais quanto qualquer outra força. De fato, não
há maneira de determinar a diferença entre uma força fictícia e uma força real
a menos que se olhe para fora do sistema1
A 3a lei de Newton estabelece que “para cada ação existe sempre uma reação
igual e contrária.” Em outras palavras, "as ações mútuas de dois corpos um
sobre o outro são sempre iguais e dirigidas em sentidos opostos.”
Em termos mais concretos, a 3a lei diz que sempre que um objeto exerce
uma força F~ sobre outro objeto, este segundo objeto sempre exerce uma força
−F~ sobre o primeiro.
Em alguns casos é difícil de acreditar na terceira lei. Por exemplo, quando
pulamos a terra exerce uma força gravitacional F~ que nos puxa para baixo.
Ao mesmo tempo, porém, puxamos a terra em nossa direção com uma força
igual e oposta −F~ . Como a massa da terra é enorme, o efeito dessa força é
basicamente não mensurável e a alteração que ela provoca na velocidade da
terra é desprezível.
A força gravitacional que um objeto de massa M localizado em ~q1 exerce
sobre um objeto de massa m localizado em ~q2 é dada por
mM
F~M →m = G 3 (~
q1 − ~q2 ), (5)
|~q1 − ~q2 |
onde G é uma constante chamada de constante gravitacional universal.
Em palavras: a força gravitacional entre dois objetos é diretamente propor-
cional ao produto de suas massas e inversamente proporcional ao quadrado da
1 A força fictícia mais famosa é, provavelmente, a força de Coriolis. Ela é necessária porque

a terra é um sistema de referência não inercial.

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distância entre elas. A distância entre elas é dada por ~r ≡ |~q1 − ~q2 |. Portanto,
o módulo da força pode ser escrito como
mM mM
F =G 2
=G 2. (6)
r |~q1 − ~q2 |
O termo extra que aparece na equação (5),

~q1 − ~q2
,
|~q1 − ~q2 |
corresponde a um vetor unitário que aponta da posição do primeiro objeto à
posição do segundo objeto.

Se quisermos calcular a força que o segundo corpo exerce sobre o primeiro,


precisamos apenas trocar seus papéis na fórmula: ~q1 ↔ ~q2 e m ↔ M :
Mm
F~m→M = G 3 (~
q2 − ~q1 ). (7)
|~q2 − ~q1 |
Note que a troca m ↔ M não faz diferença, mas a troca ~q1 ↔ ~q2 muda o sentido
do vetor.
A força F~m→M é de mesma magnitude que a força F~M →m , mas aponta no
sentido oposto (a direção é a mesma, a da linha reta que une os centros de massa
dos dois corpos).

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