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DINÂMICA

Ivan Rodrigo Kaufman


Princípio do trabalho e
energia para um sistema
de pontos materiais
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

 Combinar os conceitos de trabalho e de energia.


 Obter parâmetros físicos por meio desse princípio sobre energia.
 Diferenciar o caso de sistemas de partículas do caso de duas partículas.

Introdução
A capacidade de um mecanismo realizar trabalho auxilia, e muito, nas
tarefas diárias do nosso dia a dia. Para tanto, sempre transformamos um
tipo de energia em outro. Você pode pensar nas inúmeras aplicações que
o princípio trabalho e energia possuem. A engenharia utiliza esse princípio
basicamente para todo tipo de aplicação — máquinas mecânicas ou elétri-
cas utilizam esse princípio para realizar trabalho. Sem a aplicabilidade desse
princípio na engenharia, voltaríamos basicamente para a Idade da Pedra.
Neste capítulo, você vai estudar o princípio trabalho e energia, como
se relacionam e como são aplicados na resolução de problemas físicos
de dinâmica. Também verá esse princípio para o caso de um sistema de
partículas, no qual a energia total se conserva.

Trabalho e energia cinética


Para mover de lugar qualquer objeto, você precisa aplicar uma força, que acaba
produzindo um trabalho sobre esse objeto. Se você quiser levantar um livro de
uma mesa, deverá aplicar uma força no sentido vertical sobre ele. Se essa força
for maior que a força peso do livro, ele vai se mexer. Ou seja, se a força resultante
for diferente de zero, ela poderá realizar trabalho de modo a mover o livro.
2 Princípio do trabalho e energia para um sistema de pontos materiais

Podemos entender trabalho como a energia transferida de ou para um objeto por meio
de uma força atuando sobre ele. A energia transferida para o objeto pode ser positiva,
configurando um trabalho positivo, ou negativa, configurando um trabalho negativo.

Essa capacidade de um objeto poder realizar trabalho sobre outro é


de grande importância no ramo da engenharia. O trabalho é o conceito
fundamental das máquinas que auxiliam o ser humano nas tarefas do seu
dia a dia. Você pode pensar nas inúmeras aplicações do trabalho em eletro-
domésticos, cuja energia elétrica é proveniente de uma fonte geradora de
energia, como uma usina hidrelétrica, uma usina nuclear ou até mesmo um
gerador mecânico de energia. Todas essas fontes de energia têm a capacidade
de transformar um tipo de energia em outro. No caso da usina hidrelétrica,
a energia potencial da água é transformada em energia elétrica por meio de
um sistema de turbina que faz girar um rotor. Esse rotor é acoplado a um
mecanismo eletromecânico capaz de gerar a energia elétrica. Em uma célula
solar, por exemplo, é a energia solar (energia dos fótons) que é transformada
em energia elétrica.
Em uma usina hidrelétrica, a água no seu ponto mais alto da barragem
armazena uma energia potencial gravitacional em relação ao nível de referência
da turbina. Quando a água começa a descer em direção à turbina, vai perdendo
essa energia potencial e adquirindo uma velocidade (logo vamos tratar da
energia cinética). A força que atuou durante o percurso da água até a turbina
foi a força peso da água. Nesse sentido, na física, o trabalho é definido como
sendo uma força capaz de gerar um deslocamento de um objeto. No caso da
usina, esse objeto é a água. Apesar de ser a força de impacto da água sobre as
pás da turbina que gerou o trabalho sobre o rotor, isso só foi possível porque
a água adquiriu uma velocidade.
Para relembrar, o trabalho é definido como o produto escalar entre os
vetores força (F) e deslocamento (d):

sendo θ o ângulo formado entre os vetores F e d. Caso a força aplicada tenha


uma componente na direção contrária ao movimento do objeto, o trabalho
realizado pela força é negativo. Nesse caso, o ângulo formado entre F e d deve
Princípio do trabalho e energia para um sistema de pontos materiais 3

estar no segundo ou terceiro quadrante do círculo trigonométrico (> 90° e <


270º). Já para ângulos formados no primeiro ou quarto quadrante (> 270° e
< 90°), o trabalho é positivo. Para essa situação, a componente de força que
atua nos quadrantes está na mesma direção do deslocamento. Quando a força
atua na direção perpendicular ao movimento, o trabalho é nulo.
No caso do exemplo da água no alto de uma barragem ou de qualquer
objeto sob influência da força peso, o trabalho pode ser expresso por W =
mgh, sendo que m é a massa do objeto, g é a aceleração da gravidade e h é a
altura (ou deslocamento) do objeto.
Você deve estar lembrado do que é energia cinética. Todo objeto que
possui uma velocidade em relação a um sistema de referência previamente
estabelecido possui energia cinética. Em contraste ao trabalho, que pode ser
positivo ou negativo, a energia cinética sempre será positiva. Todo objeto com
velocidade (v) possui uma energia cinética positiva, não importando a direção
do movimento. A energia cinética é associada com o estado de movimento de
um objeto. Quanto mais rápido o objeto se move, maior é a energia cinética.
Caso o objeto esteja em repouso, a energia cinética é zero. Algebricamente,
podemos expressar a energia cinética (K) como:

Como estamos tratando de unidades de energia quando tratamos do tra-


balho e da energia cinética, o Sistema Internacional de Unidades para ambos
os casos é expressado em Joules (J).
O trabalho pode aumentar ou diminuir a energia cinética de um objeto. Se
você estiver andando com o seu carro e começar a acelerá-lo, o carro realiza
trabalho sobre a estrada de modo a aumentar a energia cinética do veículo.
Se você acionar os freios, estes realizarão trabalho sobre os discos de freio
do carro de modo a diminuir a energia cinética. Por outro lado, a energia
cinética de um objeto pode ser transformada em trabalho, como é o caso da
água que realiza trabalho sobre as pás do rotor de uma usina hidrelétrica. Ou,
ainda, pense em um tijolo que cai de certa altura sobre um prego. Ao final
do percurso, o tijolo terá energia cinética máxima devido à sua velocidade.
Essa energia é transferida para o prego, que é imprimido para dentro de uma
madeira, por exemplo. Porém, pode também acontecer que parte dessa energia
cinética seja perdida em forma de calor, por meio de forças de atrito entre o
prego e a madeira.
Veremos a seguir com mais detalhes como a energia cinética e o trabalho
se relacionam por meio do princípio trabalho e energia.
4 Princípio do trabalho e energia para um sistema de pontos materiais

Princípio do trabalho e energia


Para enunciar o princípio do trabalho e energia, vamos considerar uma situação
simples, que é o caso de uma partícula descrevendo uma trajetória curvilínea.
Digamos que a partícula de massa m descreve a trajetória indo de A1 até A2,
conforme ilustrado na Figura 1.

Figura 1. Movimento de uma partícula ao longo de uma trajetória


curvilínea, tendo uma força F aplicada sobre ela.

Sobre a partícula, existe uma força F sendo aplicada. Decompondo as forças


atuando sobre ela, temos uma força normal Fn atuando na direção perpendicular
à trajetória e a força tangencial Ft, na direção tangencial à trajetória. Como a
força normal sempre aponta na direção perpendicular à trajetória, o trabalho
realizado por essa componente de força é nulo. A força tangencial pode ser
expressada a partir da segunda lei de Newton, lembrando que a aceleração
tangencial é a variação da velocidade tangencial v em relação ao tempo:

A partir da relação algébrica entre velocidade e a derivada da posição


em relação ao tempo, v = ds/dt, podemos reescrever a equação acima como:
Princípio do trabalho e energia para um sistema de pontos materiais 5

E assim temos uma relação algébrica que pode ser útil para avaliarmos o
trabalho e a energia cinética da partícula. Se considerarmos que a partícula
na posição A−1 tenha uma velocidade v = v1 e uma posição s = s1, e que, na
posição A2, tenha uma velocidade v = v2 e uma posição s = s2, podemos realizar
a integral de A1 até A2:

Na parte esquerda da equação, temos a integral do deslocamento em relação


às posições s1 e s2 em função da força tangencial Ft aplicada. O valor da integral
nos dá o valor do trabalho total realizado W12 durante o percurso entre A1 e
A2. Já a parte da direita da integral, variando a velocidade de v1 até v2 nos dá
os valores da energia cinética entre as posições final menos a inicial, K1 e K2.
Dessa forma, podemos resumir a equação acima como:

ou, ainda:

E assim relacionamos o trabalho executado com relação às energias ciné-


ticas inicial e final em um sistema de uma partícula. Essa última equação é
conhecida como princípio do trabalho e energia. Como trabalho e energia
cinética são quantidades escalares, a soma entre elas pode ser realizada de
forma algébrica. O trabalho total W12 pode ser considerado positivo ou negativo
de acordo com a força F sendo aplicada. Quando várias forças são aplicadas
ao sistema, o trabalho W12 representa o trabalho total das forças atuando sobre
o sistema, o que é obtido somando algebricamente os trabalhos individuais
realizados por cada uma das forças.
Digamos que uma partícula parte do repouso (v1 = 0 m/s) e uma força atua
sobre ela durante certo período. Após a força cessar, a partícula adquiriu uma
velocidade final (v2 = v). O trabalho realizado é dado pela energia cinética
final da partícula; ou seja, W12 = K2 = (mv2)/2. Já quando a partícula tem uma
velocidade inicial v1 = v e uma força resultante atua no sentido contrário
do movimento, fazendo com que a partícula pare (v2 = 0 m/s), o trabalho
realizado durante esse período é dado por W12 = −K1 = −(mv2)/2. Nesse caso,
um trabalho negativo foi realizado sobre a partícula, diminuindo a energia
cinética até ela ser nula.
6 Princípio do trabalho e energia para um sistema de pontos materiais

Vamos aplicar o princípio trabalho e energia para resolver um problema


simples. A Figura 2 mostra um bloco de 5 kg sendo empurrado por uma força
F de 200 N em um lado e preso pelo outro lado por uma mola com constante
elástica k = 300 N/m.

Figura 2. Um bloco preso por uma mola em um lado e sendo


puxado por uma força de 200 N no outro lado.
Fonte: Hibbeler (2016, p. 194).

Se, inicialmente, a mola se encontra em repouso na posição s = 0 m, qual


é a velocidade do bloco quando a mola está distendida em s = 0,3 m?
Para resolver facilmente esse problema sem envolver cálculos de dinâ-
mica, podemos aplicar o princípio do trabalho e energia. Como o sistema
parte do repouso, a energia cinética inicial é nula (K1 = 0 J). Como temos
duas forças atuando no sistema, que são a força F de 200 N e a força da
mola, ambas as forças realizam trabalho no sistema. É importante esta-
belecer um referencial adequado e desenhar o diagrama de corpo livre
para elucidar melhor o problema. Como a força F decomposta em y (na
vertical) está no mesmo sentido da força peso, o bloco permanece estático
frente ao movimento na vertical. Nesse caso, no diagrama de corpo livre,
podemos desprezar as forças atuando na vertical e levar em conta somente
as forças atuando na horizontal.
Princípio do trabalho e energia para um sistema de pontos materiais 7

Figura 3. Diagrama de corpo livre do sistema repre-


sentado na Figura 2.

A componente da força F na direção x, Fx, atua no mesmo sentido do


deslocamento do bloco. Logo, realiza trabalho positivo sobre o bloco. Já a
força elástica da mola se opõe ao movimento, realizando uma força na direção
contrária e, portanto, realizando um trabalho negativo sobre o sistema. Agora
podemos aplicar o princípio do trabalho e energia. A energia cinética inicial K1
= 0 e o trabalho W12 são iguais à soma algébrica de todos os trabalhos atuando
sobre o sistema. Ou seja, W12 = Fx.s – (ks2)/2. Assim, podemos escrever:

A força aplicada por F forma um ângulo de 36,9° com a horizontal. Dessa


forma, podemos calcular qual é o cos36,9° = 0,8. Agora precisamos inserir os
devidos valores para, então, obtermos o valor da velocidade do bloco quando
se encontra na posição s = 0,3 m.
8 Princípio do trabalho e energia para um sistema de pontos materiais

Vamos a mais um exemplo: por certo período de tempo, um guindaste


levanta 3 toneladas de aço a partir do chão exercendo uma força na vertical
com módulo de F = 50.103 N. Determine a velocidade com que o aço está
sendo içado quando este se encontra a 4 metros do chão. Também determine
quanto tempo é requerido até o aço atingir a altura de 4 metros.
Vamos aplicar novamente o princípio do trabalho e energia. Para visualizar
melhor a situação, é interessante desenharmos o diagrama de forças que estão
envolvidas no içamento do aço, conforme a Figura 4. Também adotamos um
sistema referencial em y.

Figura 4. Diagrama de forças no iça-


mento do aço.

Temos a força de içamento F e a força peso P atuando na vertical. Desse


modo, as duas forças que realizam trabalho são essas. Como o aço parte
do chão e estava inicialmente em repouso, a energia cinética inicial K1 =
0. A força exercida pelo guindaste varia de posição, por isso calculamos
o trabalho W F realizado pela força F como a integral de força ao longo do
deslocamento:

Já o trabalho realizado pela força peso WP é negativo, uma vez que a força
peso atua no sentido contrário do deslocamento.
Princípio do trabalho e energia para um sistema de pontos materiais 9

Por fim, aplicamos a equação do princípio trabalho e energia:

Para s = 4 m, temos que a velocidade é v = 7,41 m/s.


Note que deixamos a velocidade em função de s. Poderíamos ter aplicado
diretamente os limites de integração com o valor de s = 4 no cálculo de WF e
WP. Porém, expressando o valor de v em função de s nos permite agora calcular
o tempo decorrido, uma vez que é a primeira derivada da velocidade, v = ds/
dt. Dessa forma, podemos calcular:

E, agora, realizamos os limites de integração variando s de 0 até 4 metros


e t de 0 a t segundos.

Princípio do trabalho e energia


para um sistema de partículas
Quando um problema físico envolve duas ou mais partículas, o princípio do
trabalho e energia pode ser aplicado separadamente para cada uma das partí-
culas. Nesse caso, devemos somar as energias cinéticas iniciais de cada uma
das partículas (sendo que a energia cinética sempre é positiva) e considerar o
trabalho realizado por todas forças envolvidas e atuando sobre elas. Isso inclui
tanto as forças internas como as externas. Desse modo, podemos escrever o
princípio do trabalho e energia para um sistema de partículas (com duas ou
mais partículas) por meio da seguinte equação:
10 Princípio do trabalho e energia para um sistema de pontos materiais

Para tanto, a energia cinética inicial do sistema, somada ao trabalho reali-


zado por todas as forças externas e internas atuando sobre o sistema, é igual
à energia cinética final do sistema.
Se o sistema representa um corpo rígido em movimento de translação, ou
uma série de corpos conectados e transladando, todas partículas em cada corpo
vão sofrer o mesmo deslocamento. Dessa forma, os trabalhos realizados pelas
forças internas se cancelam aos pares, uma vez que não houve diferença de
deslocamento entre uma partícula e outra do sistema. O sistema como um todo
se move de maneira conjunta. Por outro lado, quando o objeto é um corpo não
rígido, pode acontecer de as partículas que compõem o corpo sofrerem diferentes
caminhos no deslocamento; dessa maneira, parte da energia é perdida por meio
da interação entre as forças internas que realizam trabalho. Nesse caso, a energia
interna do sistema aumenta e a energia proveniente do trabalho é perdida em
forma de calor ou armazenada no corpo se uma deformação permanente ocorre.
Um exemplo disso é quando acontece um acidente de carro. A lataria do
carro, bem como outras partes do veículo, sofre deformações permanentes. A
energia cinética inicial de dois corpos, como é o caso da batida frontal entre
dois carros, é, em parte, transferida como energia interna, e a outra parte se
perde em calor. Por isso um veículo em alta velocidade corre um sério risco
de sofrer um grave acidente caso aconteça uma batida. A energia cinética do
veículo é transferida como energia interna. Como o motorista e passageiros
são parte interna do veículo, acabam recebendo essa dose de energia por meio
de deformações nos seus corpos.
Outro exemplo considerando um sistema de partículas é quando analisamos
a força de atrito atuando sobre um corpo. Nessa situação, precisamos olhar
cuidadosamente o que acontece na região de contato entre o objeto e a superfície
em que ele desliza. Microscopicamente, toda superfície é rugosa, mesmo que
você tenha uma das mais perfeitas superfícies possíveis. Se você olhar em nível
atômico essa superfície incrivelmente lisa, ainda assim existe uma rugosidade.
Essa rugosidade é a responsável por promover o contato entre dois corpos. Você
pode pensar, nesse caso, como cada um dos pontos microscópicos de contato como
uma região delimitada na superfície. O atrito induz vibrações em nível atômico,
que acaba gerando um aumento da temperatura interna do objeto. Isso quando não
acontece a separação de um pedacinho do objeto devido à força de atrito. Nesse
caso, a energia também é perdida para esse pedacinho que se soltou do objeto.
Como o atrito é uma força que atua sempre no sentido oposto do desloca-
mento de um corpo, o trabalho realizado sempre é um trabalho negativo. Esse
trabalho representa a energia dissipada em forma de calor e sempre resulta na
diminuição da energia cinética do corpo envolvido.
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Veja, no link abaixo, um simulador da força de atrito


referente ao contato de dois livros. A visão é na região
interfacial de contato entre os dois livros. Você pode
mover um livro em relação ao outro e observar o au-
mento da energia interna por meio do aumento da
temperatura. Se você não mover um dos livros, notará
que, mesmo assim, existe a vibração da rede atômica
devido à temperatura ambiente em que os livros se
encontram. Quando você desliza um livro em relação
ao outro mais rapidamente, notará que a energia interna
aumenta significativamente, por meio do aumento da
temperatura indicada pelo termômetro.
https://goo.gl/JmC4cZ

Referência

HIBBELER, R. C. Statics and dynamics. 14. ed. New Jersey: Pearson Prentice Hall, 2016.

Leituras recomendadas
BEER, P. F. et al. Vector mechanics for engineers: statics and dynamics. 9. ed. New York:
McGraw-Hill Companies, 2010.
WALKER, J.; HALLIDAY, D.; RESNICK, R. Fundamentals of physics. 10. ed. New Jersey:
John Wiley & Sons, 2014.

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