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FACULDADE DE LETRAS E CIÊNCIAS SOCIAIS

DEPARTAMENTO DE ARQUEOLOGIA E ANTROPOLOGIA

LICENCIATURA EM ANTROPOLOGIA

3ᵒ Ano, 1ᵒ semestre, 2020

Cadeira: Método etnográfico

Exercícios do primeiro Teste

Docente: Emídio Gune

Discente: Sureia Vasco

1. Termos “Antropologia do gabinete”, “Antropologia da varanda” e “Trabalho de campo.

1.1. O antropólogo de gabinete não realizava a pesquisa de campo. Essa tarefa era delegada a
terceiros: missionários, comerciantes, viajantes ou quaisquer outros que eventualmente
pudessem oferecer algum tipo de informação a respeito dos povos pesquisados. Ora, esses
observadores, em geral, não tinham qualquer formação que lhes permitissem realizar a coleta
de dados sob os fundamentos da ciência em construção. Portanto, a observação acontecia a
partir das suas próprias perspectivas ou visões de mundo. O observador atuava muito mais
como um turista de férias, preocupado com a natureza e com os seus fenômenos, que como
um pesquisador a serviço da ciência, preocupado em identificar os fenômenos culturais que
pudessem contribuir para melhorar a compreensão do grupo social observado.

A limitação incide na medida em que, naquele momento a profissionalização era iniciante, a


grande maioria dos membros dessas primeiras gerações de pesquisadores provinha de outras

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disciplinas; por essa razão, os dados a respeito dos costumes dos povos nativos ocupavam
uma posição secundária nos seus relatórios.

1.2. Na antropologia da varanda o antropólogo saia do gabinete e ia ao encontro dos


fenómenos culturais que estudava no próprio lugar onde eles se davam, o antropólogo
permanência dentado, a espera de informantes nativos que eram alinhados em fila fora de
casa que o hospedava, a casa pertencia oficialmente a um oficial de administração colonial,
ou a um comerciante. Os informantes aguardavam pacientemente que fossem convocados par
a recolha de dados etnográficos.

A limitação era de que na antropologia inglesa no final do Século XIX, como descreveu o
Rohner (1969) para se referir à antropologia norte-americana do final daquele século. Ele
afirma que “o trabalho de campo desenvolvido na América do Norte foi o resultado de uma
tradição difusa, não dirigida, assistemática, individualizada e, frequentemente, as descrições
etnográficas da vida indígena eram realizadas por observadores entusiastas mas não
treinados.

1.3. No trabalho do campo, o discurso da antropologia se constrói a partir do contato direto,


reflexivo e estando em unidade vivencial com a realidade que se propõe entender. Isso e,
construído e pensado de acordo com o grupo social que se deseja entender. Ele se estrutura a
partir do contacto, a partir da experiência vivida em campo. Ou seja, o antropólogo deve estar
disposto a pensar a estrutura social que pesquisa a partir de dentro de sua organização, e não a
partir de fora, com ideias pré-concebidas e estruturadas fora da realidade em que deseja
pesquisar. Reforçando tal princípio, Malinowski, considerado como um dos pais fundadores
da etnografia.

Quanto as limitações do trabalho do campo consistiu na medida é que grande problema que
Malinowski enfrenta na sua introdução, que é o dilema da etnografia, é o de como convencer
o leitor, como fazer com que sua experiência desperte a mesma experiência no leitor? O
problema é como fazer que sua experiência pessoal, vivida a partir de sua experiência com os
nativos desperte essa experiência no leitor. Ele não tentou fazer uma descrição de experiência
pessoal de campo, mas buscou um fazer consciente para os etnógrafos principiantes das
dificuldades que tinham que enfrentar e assim legitimar o estilo do trabalho de campo.

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o Malinowski rompe com a tradico dos antropologos de gabinete ou de varanda e consolida o
metodo etnografico. Sendo a cultura um aparato instrumental para tratar os problemas
concretos e enfrenta-los no contexto onde aparecem, o pesquisador devia estuda-los
holisticamente no campo, tratava-se de actividades, actitudes , objectos que diziam respeito a
formas importantes e vitais inseridas em insttuicoes sociais. Tais como, a familia, a aldeia, a
etnia e os centro de poderes.

2. O etnocentrismo e uma forma segundo a qual nosso próprio grupo é o centro de todas as
coisas e todos os outros grupos são medidos e avaliados em relação a ele. Cada grupo
alimenta seu próprio orgulho e vaidade, considera-se superior, exalta suas próprias
divindades, olha com desprezo as estrangeiras e projecta valores no conceito do mesmo.

O etnocentrismo tem uma concepção arrogante e que olha as sociedades diferentes perante a
sua, isso, limita na produção do conhecimento, pós a pessoa já vem com valores definidos e
tudo que decorrer naquela sociedade, passara pela refutação comparativa dos valores dele.

3. Idolas segundo Bacon consistem em pré-noções, opiniões que outrora foram pré-
concebidas nas interações sociais e que dificilmente limita a qualidade do conhecimento, na
medida em que a pessoa já vem com ideias sobre o fenómeno a ser estudado e assim
culminado numa possível intromissão na conclusão dos resultados.

4. A crítica que malinowski lança a antropologia evolucionista é a incapacidade que há de


elaboração de leis gerais para todos os povos. Para ele, os estudos antropológicos devem
considerar as culturas individualmente. No entanto, ele demonstrar que não se pode estudar
uma cultura analisando-a do exterior, e ainda menos a distância. Qualquer cultura deve ser
analisada em uma perspectiva sincrônica, a partir unicamente da observação de seus dados
contemporâneos.

Os procedimentos metodológicos que o malinowski propõem podem são agrupados em três


facões: em primeiro lugar, o pesquisador deve possuir objetivos genuinamente científicos e
conhecer os valores e critérios da etnografia moderna. Em segundo lugar, deve o pesquisador
assegurar boas condições de trabalho, o que significa, basicamente, viver mesmo entre os
nativos, sem depender de outros brancos. Finalmente, deve ele aplicar certos métodos
especiais de coleta, manipulação e registro de evidência. Malinowski propõe um método
antropológico de uma “ciência” da alteridade que vira as costas ao empreendimento
evolucionista de reconstituição das origens da civilização, e se dedica ao estudo das lógicas
particulares características de cada cultura

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GEERTZ,Clifford(1989) “Um jogo absorvente: notas sobre a briga de galos balinesa” In: A
Interpretação das Culturas. Rio de Janeiro: Editora Guanabara. Pp. 278-321.Obs: Há muitos
erros de tradução (ver pp. 294,295,296,298, 301,303,311,316) e falta um trecho na p.297.1.
Autor: Clifford Geertz (1926-2006)– Nascido em São Francisco (EUA), serve na Marinha
americana durante a 2ª. Guerra Mundial (1943-45), o que lhe dá o direito de frequentar a
universidade. Gradua-se em Filosofia (1950) no Antioch College (sua primeira escolha fora
Literatura Inglesa); queria ser jornalista (fez estágio no New York Post) e escritor de obras de
ficção. Acaba fazendo o doutorado em Antropologia em Harvard (1956) baseado em trabalho
de campo na Indonésia. A partir daí tem uma carreira brilhante, sendo professor em Berkeley,
Chicago e Princeton. Realizou trabalho de campo também em Bali (1957-58) e no
Marrocos.– A proposta de uma teoria interpretativa da cultura, inspirada em Max Weber
(“teias de significado”), na filosofia e na teoria literária, é uma das mais influentes correntes
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teóricas da antropologia até hoje, tendo exercido um impacto significativo também em outros
campos, como a história (vide a obra de Robert Darnton). Sofreu também muitos críticas
quanto à sua imprecisão, impossibilidade de verificação e ênfase excessiva na cultura em
detrimento das realidades econômico-sociais e políticas.– Dentre as suas principais obras,
podemos citar: (1973) The Interpretation of Cultures: Selected Essays, (1980) Negara: the
Theatre State in Ninetenth Century Bali, (1983) Local Knowledge – Further Essays in
Interpretive Anthropology, (1988) Works and Lives – the Anthropologist as Author e (2000)
Available Light – Anthropological Reflections on Philosophical Topics.2. Obra– Último
artigo de uma coletânea composta por artigos previamente publicados entre 1957 e 1972
(“Deep Play” é de 1972) e apenas um capítulo escrito especialmente (“numa tentativa de
afirmar minha posição atual da forma mais geral que pude”, p.9); no prefácio, o autor diz que
apesar do formato coletânea o livro é “um tratado de teoria cultural [i.e. antropologia] através
de análises concretas” (p.8); o fato de “Deep Play” ser o último artigo parece apontar para a
utilização desse artigo como uma conclusão-demonstração teórico-metodológica. A última
seção do artigo “Dizer alguma coisa sobre algo” é claramente uma conclusão e afirmação das
possibilidades de uma teoria interpretativa da cultura. E ele diz claramente: (p.316) “Se se
toma a briga de galos, ou qualquer outra estrutura simbólica coletivamente, organizada” (…)
“o antropólogo, cuja preocupação é com a formulação de princípios sociológicos, não com a
promoção ou apreciação de brigas de galos”3. Estrutura do textoResumo: Quatro Partes
lógicas1ª. Introdução:[i] A invasão (278-283), sobre como os antropólogos vieram a ser
aceitos pelos nativos e como descobriram a importância das brigas de galos(278-283) De
como a intervenção policial em uma briga de galos na aldeia levou à aceitação dos
antropólogos (pelo fato deles também terem fugido, ou seja, de terem demonstrado solidários
e não superiores), antes “invisíveis”(283) Aqui se faz a primeira caracterização da briga de
galos (p.283): “uma combinação de explosão emocional, situação de guerra e drama
filosófico de grande significação para a sociedade cuja natureza interna eu desejava
entender.”(283) Afirma que ao final acabou por pesquisar as brigas de galo tanto quanto “a
feitiçaria, a irrigação, as castas ou o casamento”2ª. Etnografia:[ii] “De Galos e Homens”
(283-287), sobre as associações metafóricas e concretas entre galos e homens(283-6) Da
intensa associação entre galos e homens, tanto no sentido simbólico (galo=pênis, p.ex.)
quanto em termos práticos (tempo que os homens dedicam aos galos e às rinhas; recursos e
dinheiro dispendidos)(283) “Da mesma forma que a América do Norte se revela num campo
de beisebol [ou o Brasil num campo de futebol, somos tentados a dizer], num campo de golfe,
numa pista de corridas ou em torno de uma mesa de pôquer, grande parte de Bali se revela
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numa rinha de galos. É apenas na aparência que os galos brigam ali – na verdade, são os
homens que se defrontam.”(286) Mas ao mesmo tempo os galos representam aquilo que eles
vêem como “a inversão direta, estética, moral e metafísica, da condição humana: a
animalidade”(286-7) Ligação dos galos com ‘Os Poderes das Trevas’: a briga de galos é um
sacrifício dedicado a essas divindades(287) “Na briga de galos, o homem e a besta, o bem e o
mal, o ego e o id, o poder criativo da masculinidade desperta e o poder destrutivo da
animalidade desenfreada fundem-se num drama sangrento de ódio, crueldade, violência e
morte.”(287) O proprietário do galo vencedor leva a carcaça do animal vencido para comer
em casa “com um misto de embaraço social, satisfação moral, desgosto estético e alegria
canibal”(287) O céu é comparado “à disposição de um homem cujo galo acaba de vencer” e o
inferno “à de um homem cujo galo acaba de perder”[iii] “O Embate” (287-291), sobre a briga
dos galos propriamente dita(287-8) Descrição de como são “organizadas” (ad hoc) as lutas e
de como elas se desenrolam: do início da tarde até o entardecer (durante 3 a 4 horas), um
programa com nove ou dez brigas [p.293: brigas ocorriam em média a cada dois dias e meio
na área imediata estudada por Geertz](288) O esporão é colocado por especialistas após a luta
ser combinada. Os esporões “só são afiados nos dias de eclipse e enquanto a Lua está oculta,
devem ser conservados fora das vistas das mulheres, e assim por diante. (…) são manuseados
com a mesma combinação curiosa de espalhafato e sensualidade que os balineses dedicam
aos objetos rituais em geral.”(288-90) A luta propriamente dita: postos frente a frente por
seus treinadores, separados por dois minutos depois que há o primeiro golpe, depois ocorre o
segundo e último assalto, até a morte de um dos galos e às vezes dos dois (ganha o que
morreu por último neste caso). [p.296: dura de 15 segundos a cinco minutos](290) A
multidão acompanha em silêncio mas em movimento que espelha o que se passa na
rinha(290) O vasto conjunto de regras elaboradas e precisas, passadas de geração a geração; o
árbitro normalmente não é contestado, até porque é um cidadão extremamente
respeitado(290-1) Brigas de galo podem ser chamadas de ‘reunião concentrada’ (Goffman)
(290) “algo insuficientemente consistente para ser chamado de grupo e insuficientemente
desestruturado para ser chamado de multidão”(291) No caso das brigas de galo, há “a
celebração da rivalidade do status”(291) No período clássico, antes da invasão holandesa
(1908), a briga de galos fazia parte do calendário oficial da cidade: as brigas eram taxadas –
proporcionando uma das principais fontes de renda pública, normalmente ocorriam em dias
de mercado, eram patrocinadas por príncipes e aconteciam no centro da aldeia, a rinha ficava
junto a outros prédios “cívicos” (casa do conselho, templo de origem, local do mercado etc);
hoje essa ligação “entre as excitações da vida coletiva e as do esporte sangrento” não pode
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mais ser feita tão abertamente mas a conexão continua forte, como pode-se perceber através
das apostas (291) “o aspecto da briga de galos em torno do qual todos os outros se reúnem e
através do qual eles exercem sua força, um aspecto que eu vinha ignorando propositalmente
até agora”[iv] “As Vantagens e o Direito ao Par” (291-299) – sobre como se dão as apostas,
embora omitindo informações essenciais sobre os apostadores(291) Sistema complexo, como
tudo em Bali(292) Dois tipos de apostas: “Há a aposta principal, no centro, entre os chefes
(…), e há a multidão de apostas periféricas em torno da rinha, entre os espectadores (…) A
primeira é tipicamente grande; a segunda tipicamente pequena. A primeira é coletiva (…) a
segunda é individual. A primeira é motivo de entendimentos deliberados, muito quietos,
quase furtivos, entre os membros da coalizão e o árbitro, reunidos como conspiradores no
centro da rinha; a segunda é motivo de gritos impulsivos, ofertas públicas e aceitação pública
pela multidão excitada na periferia. (…) enquanto a primeira é sempre, sem exceção, dinheiro
equiparado, a segunda nunca o é, igualmente sem exceção.”(293) As apostas “por fora” são
feitas de acordo com um paradigma fixo (10-9, 9-8 até 2-1) que estabelece um galo favorito e
um azarão; aquele que aposta no azarão grita a vantagem que deseja receber: oito (8-7); quem
quer apostar no favorito indica apenas a cor do galo: castanho (e outras características se for
necessário)(294-5) Uma espécie de bolsa de valores que ocorre depois que a aposta principal
foi feita e seu montante anunciado e que vai se tornando cada vez mais frenética à medida em
que se aproxima o início da luta, sobretudo quando a aposta central é grande; (295) contraste
entre o caos que antecede a luta e o “intenso silêncio que cai subitamente, como se alguém
tivesse apagado a luz, quando soa o gongo fendido, os galos são colocados na rinha e a
batalha se inicia.”(296) Apostas são pagas imediatamente, assim que a luta termina, pode-se
pedir dinheiro emprestado antes, mas na hora de apostar ele deve estar na mão; multidão
puniria o mau pagador violentamente da mesma forma que o faz com os trapaceiros.(296) “é
essa assimetria formal entre as apostas centrais equilibradas e as apostas por fora,
desequilibradas, que apresenta o problema analítico crítico para uma teoria que vê a briga de
galos se agitando como elo de ligação entre a luta em si e o mundo mais amplo da cultura
balinesa.”(296) “quanto mais elevada a aposta central, mais provável é que a luta seja bem
equilibrada”; mecanismo para compensar e equilibrar: ajuste dos esporões em ângulo menos
vantajoso;(297) “(1) quanto maior a aposta central, tanto maiores são as apostas por fora, com
menores vantagens oferecidas, e vice-versa; (2) quanto maior a aposta central, maior o
volume das apostas por fora, e vice-versa.”(297-8) “Quanto à questão do volume, o total é
maior nas lutas de de grandes apostas centrais porque tais lutas são consideradas mais
‘interessantes’, não apenas no sentido de serem menos previsíveis, mas porque existe muito
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mais em jogo – em termos de dinheiro, em termos de qualidade dos galos e, em
consequência, como diremos, em termos de prestígio social.”(298) A aposta central é o
‘centro de gravidade’, ela é o mecanismo básico para tentar criar lutas “absorventes”, que são
o objetivo último, mesmo que quase a metade sejam lutas “frívolas”;(298-9) [1ª. comparação
com arte] “da mesma forma que o fato de a maioria dos pintores, poetas e autores de peças
ser medíocre não de- (299) põe contra a perspectiva de que o esforço artístico é dirigido para
uma certa profundidade, a qual é atingida com certa frequência.”(299) “a aposta central é um
meio, um artifício, para criar embates ‘interessantes’, ‘absorventes’, não a razão, ou pelo
menos não a razão principal, por que elas são interessantes, a fonte da sua fascinação, a
substância da sua profundidade.”(299) A “profundidade” deve ser buscada “fora do reino das
preocupações formais”, não em termos de motivos econômicos e sim em termos
“sociológicos e sócio-psicológicos”3ª. Interpretação, estabelecimento de relações com a
estrutura social[v] “Brincando com o Fogo” (299-309), começa a amarrrar a interpretação da
briga de galo ao trazer para a cena a organização social balinesa e o conceito de “deep
play”(299-300) Noção do filósofo utilitarista J.Bentham de que o “jogo profundo” é
irracional, pois o que se pode ganhar é infinitamente inferior ao que se pode perder, portanto
é algo imoral, que vai causar mais dor do que prazer e deve ser proibido.(300) Mas os
homens engajam-se em jogos deste tipo, “muitas vezes e apaixonadamente, e mesmo em face
de uma punição legal”; para os balineses “embora não formulem em tantas palavras, a
explicação repousa no fato de que nesse jogo o dinheiro é menos uma medida de utilidade,
tida ou esperada, do que um símbolo de importância moral, percebido ou imposto.” (…) “Nos
jogos profundos, onde as somas de dinheiro são elevadas, está em jogo muito mais do que o
simples lucro material: o saber, a estima, a honra, a dignidade, o respeito – em suma, o status,
embora em Bali esta seja uma palavra profundamente temida.”(300) O status está em jogo
apenas simbolicamente pois afora jogadores arruinados ninguém tem seu status alterado pelo
resultado, mas o status é “afirmado ou insultado, e assim mesmo momentaneamente”, mas
“tal drama é avaliado profundamente” (pelos balineses)(301) Dizer que o dinheiro não
importa seria absurdo, é precisamente porque ele importa que “quanto maior o risco, maior a
quantidade de outras coisas que se arriscam, tais como orgulho, pose, uma falta de paixão
[dispassion], masculinidade e, embora o risco seja momentâneo, ele é público, ao mesmo
tempo. Nas brigas de galo absorventes, um proprietário e seus colaboradores e, numa
extensão menor, porém real, como veremos, seus apostadores por fora, colocam seu dinheiro
onde está seu status.”(301) Exatamente por ser grande o risco é que se engajar neste tipo de
aposta “é colocar-se em público, de forma alusiva e metafórica, por intermédio do galo de
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alguém.” O que aumenta o significado (para Weber o fim principal e a condição básica da
existência humana) e compensa os custos econômicos. A longo prazo as coisas tendem a
ajeitar-se e é nas pequenas lutas, por dinheiro, que ocorrem mudanças ‘reais’ na posição
social normalmente para baixo. Estes apostadores são desprezados como tolos que “não
compreendem o que é o esporte”(302-3) A “hierarquia sócio-moral” dos apostadores, de
baixo para cima (em termos de status) e da periferia para o centro (em termos espaciais):i.
Nas extremidades das rinhas, jogos de azar (roleta, dados, lançamento de moeda, grãos sob
uma concha) somente para mulheres, crianças, adolescentes, os extremamente pobres, os
desprezados socialmente, os idiossincráticos sociais; enfim, pessoas que não participam das
brigas de galo; apenas moedas de pequeno valor;ii. Os que se interessam por lutas pequenas e
até médias, mas não tem status para participar dos grandes embates embora possam apostar
por fora de vez em quando;iii. Os “membros substanciais da comunidade” que organizam as
grandes lutas e apostam nelas por fora. “Constituindo o elemento em foco nessas reuniões
concentradas, esses homens geralmente dominam e definem o esporte da mesma forma que
dominam e definem a sociedade.” (303): “Para tal homem, o que realmente ocorre numa
briga está mais próximo de um affaire d’honneur (embora, para o talento balinês, de fantasia
prática, o sangue derramado só seja humano em termos figurativos) do que do funcionamento
estúpido, mecânico, dos caça níqueis.”(303) “O que torna a briga de galos balinesa
absorvente não é o dinheiro em si, mas o que o dinheiro faz acontecer, e quanto mais dinheiro
mais acontece: a migração da hierarquia de status balinesa para o corpo da briga de galos.
(…) E, como o prestígio, a necessidade de afirmá-lo, de defendê-lo, de celebrá-lo, de
justificá-lo e de simplesmente revolver-se nele (mas, dado o caráter fortemente reservado
[“ascriptive” no original] da estratificação balinesa, não de procurá-lo) talvez seja a força
impulsionadora central na sociedade, da mesma forma ele é da briga de galos – à parte os
pênis ambulantes, os sacrifícios de sangue e o intercâmbio monetário. Esse divertimento
aparente e semelhante a um esporte é, para retormar outra frase de Erving Goffman, um
‘banho de sangue de status’.”(304) A aldeia de Tihingan e seu labirinto de alianças e
divisões:i. quatro grupos de descendência, grandes, patrilineares, parcialmente endogâmicos,
que constituem facções. Existem subfacções e subfacções de subfacções.ii. A aldeia (quase
que inteiramente endogâmica) em oposição a outras aldeias no circuito regional (mercado
regional) mas forma alianças com certas aldeias contra outras e em certos contextos políticos
e sociais supra-aldeia.(304) Tese [anunciada depois da metade do artigo] de que “a briga de
galos, e especialmente a briga de galos absorvente, é fundamental-mente uma dramatização
das preocupações de status”(304-8) Elementos que corroboram essa hipótese (são 17 ao todo)
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as apostas são feitas respeitando-se os grupos: de parentesco, aliados, aldeia etc. Procuram-se
sempre colocar galos de grupos distintos; se nenhum dos galos é apoiado por um grupo a luta
não tem graça. Inimizades pessoais se traduzem em apostas contra o galo do inimigo, com
muito ardor, configurando um ataque à masculinidade do adversário. A coalizão da aposta
central é sempre formada pelos aliados estruturais. Você pode pedir dinheiro emprestado a
um amigo para apostar, mas não pode ficar devendo dinheiro a um inimigo. Mesmo no caso
de dois galos irrelevantes ou neutros no que lhe diz respeito, se um parente ou amigo estiver
apostando você não deve apostar contra ou no mínimo fingir que não viu que ele apostou no
outro animal. “a relação de hostilidade institucionalizada, puik, é formalmente iniciada,
muitas vezes (embora as causas estejam em outro lugar) através de tal aposta” [contra a
aposta central], da mesma forma que dois inimigos sinalizam o reatamento com um inimigo
apoiando a ave do outro. Em situações de lealdade cruzada o sujeito sai para tomar um café.
O dinheiro é visto como um tema secundário, o prestígio é o que importa ganhar. A conversa
é sobre as lutas que você ganhou não sobre quanto dinheiro você ganhou. Você aposta no
galo do seu grupo não só por lealdade, mas também para não parecer orgulhoso demais, da
mesma forma devem apostar contra os galos de fora, caso contrário seus proprietários o
acusarão de só estarem interessados em cobrar entradas ou de serem arrogantes.(308) Os
próprios camponeses têm consciência disso e afirmam “que as brigas de galo são como
brincar com fogo, porém sem o risco de se queimar. Você incita as rivalidades e hostilidades
da aldeia e dos grupos de parentesco, mas sob uma forma de ‘brincadeira’, chegando perigosa
e maravilhosamente próximo à expressão de uma agressão aberta e direta, interpessoal e
intergrupal (algo que geralmente não acontece, também, no curso normal da vida comum),
mas só próximo porque, afinal de contas, trata-se apenas de uma ‘briga de galos’.”(308)
Resumindo tudo num paradigma formal:“QUANTO MAIS UM EMBATE É…Entre iguais,
de status aproximado (e/ou inimigos pessoais)Entre indivíduos de status elevadoTANTO
MAIS ABSORVENTE ELE É.”[vi] “Penas, Sangue, Multidões e Dinheiro” (310-316), já vai
preparando as conclusões teórico metodológicas ao chamá-la de uma forma artística(310) Do
ponto de vista “prático”, a briga de galos não faz nada acontecer. O status real de alguém não
é modificado, há apenas “uma espécie de salto de status por trás do espelho, que tem a
aparência de mobilidade, mas não é real.”(310-1) “Como qualquer forma de arte – é
justamente com isso que estamos lidando, afinal de contas – a briga de galos torna
compreensível a experiência comum, cotidiana, apresentando-a em termos de atos e objetos
dos quais foram removidas e reduzidas (ou aumentadas, se preferirem) as consequências
práticas ao nível da simples aparência, onde seu significado pode ser articulado de forma
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mais poderosa e percebido com mais exatidão. (…) Uma imagem, uma ficção, um modelo,
uma metáfora, a briga de galos é um meio de expressão; sua função não é nem aliviar as
paixões sociais nem exacerbá-las (embora, em sua forma de brincar-com-fogo ela faça um
pouco de cada coisa) mas exibi-las em meio às penas, ao sangue, às multidões e ao
dinheiro.”(311-2) A briga de galos é inquietante “a partir de uma conjunção de três atributos
(…): sua forma dramática imediata, seu conteúdo metafórico e seu contexto social. A briga,
uma figura cultural contra um fundamento social, é ao mesmo tempo uma avolumação
convulsiva de ódio animal, uma guerra caricaturada de eus simbólicos e uma simulação
formal das tensões de status, e seu poder estético deriva de sua capacidade de conseguir
combinar essas três realidades diversas. O motivo por que é inquietante não se deve a seus
resultados materiais (ela tem alguns, mas são insignificantes): é que ela junta o orgulho à
noção do eu, a noção do eu aos galos e os galos à destruição, o que leva à realização
imaginativa uma dimensão da experiência balinesa que normalmente fica bem
obscurecida.”(312-3) A estrutura atomística (“Cada embate é um mundo em si mesmo”) e a
briga de galos como expressando algo em jorros, da mesma forma que a vida balinesa. “Não
significa uma imitação da pontuação da vida social balinesa, nem uma representação dela,
nem mesmo uma expressão dela – é um exemplo dela, cuidadosamente preparado.”(312-3)
Por outro lado, a agressividade categórica “faz com que ela pareça uma contradição, um
reverso, até mesmo uma subversão dela. No curso normal das coisas, os balineses são tímidos
a um ponto de obsessão quanto ao conflito aberto. (…) raramente enfrentam aquilo que
podem evitar, raramente resistem quando podem evadir-se. Aqui, porém, eles se retratam
como selvagens e mortíferos, com explosões maníacas de crueldade instintiva.” (…) “A
matança na rinha de galos não é um retrato de como as coisas são literalmente entre os
homens, mas, de um ângulo particular, de como elas são do ponto de vista da imaginação, o
que é bem pior.”(314-5) “O ângulo é, sem dúvida, estratificador. (…) a briga de galos se
expressa com mais força sobre as relações de status, e o que ela expressa a esse respeito é que
se trata de assunto de vida ou morte.” (…) “a hierarquia do orgulho constitui a espinha dorsal
da sociedade em termos morais. Entretanto, é somente nas brigas de galo que os sentimentos
sobre os quais repousa essa hierarquia se revelam em suas cores naturais. Envolvidos, no
outros lugares, numa névoa de etiqueta, uma nuvem espessa de eufemismo e cerimônia, de
gestos e alusões, aqui eles se expressam sob o disfarce muito tênue de uma máscara animal,
uma máscara que na verdade os revela muito mais do que oculta. Em Bali, o ciúme é tanto
parte da pose como a inveja é da graça, a brutalidade do encanto, mas sem a briga de galos os
balineses teriam uma compreensão menos correta disso tudo, e é por isso, presumo, que eles a
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valorizam tanto.”(315) Como na poesia e em outras formas expressivas, há uma
desarrumação dos contextos semânticos cruzando limites conceituais e com isso revestindo
os fenômenos de significados que normalmente são atribuídos a outros referentes (o “vento
aleijado” do poema de Wallace Stevens).(315-6) Ao contrário do que pensam os
funcionalistas [e os marxistas também, talvez] a importância da luta de galos não é pelo fato
de reforçar a discriminação do status e sim por “fornecer um comentário metassocial sobre
todo o tema de distribuir os seres humanos em categorias hierárquicas fixas e depois
organizar a maior parte da existência coletiva em torno dessa distribuição. Sua função, se
assim podemos chamá-la, é interpretativa: é uma leitura balinesa da experiência balinesa,
uma estória sobre eles que eles contam a si mesmos.”4ª. Conclusão teórico-metodológica[vii]
“Dizer alguma coisa sobre algo” (316-321) – aqui ele vai afirmar a briga de galos como um
texto, dentre outros textos que formam uma cultura e afirmar as possibilidades do método
interpretativo(316) Superação das análises das formas culturais até agora predominantes:
“dissecar um organismo, diagnosticar um sintoma, decifrar um código ou ordenar um
sistema” postas de lado em benefício de uma análise próxima à “penetração de um texto
literário”; não é um problema de mecânica social e sim de “semântica social”. “Para o
antropólogo, cuja preocupação é com a formulação de princípios sociológicos, não com a
promoção ou a apreciação da briga de galos, a questão é: que é que se aprende sobre tais
princípios examinando a cultura como uma reunião de textos?”(317) “Assistir a brigas de
galo e delas participar é, para o balinês, uma espécie de educação sentimental. Lá, o que ele
aprende, é qual a aparência que têm o ethos de sua cultura e sua sensibilidade privada (ou,
pelo menos, certos aspectos dela) quando soletradas externamente, num texto coletivo; que os
dois são tão parecidos que podem ser articulados no simbolismo de um único desses textos; e
– a parte inquietante – que o texto no qual se faz essa revelação consiste num frango rasgando
o outro em pedaços, inconscientemente.”(317-8) “Segundo o provérbio, cada povo ama sua
própria forma de violência. A briga de galos é a reflexão balinesa sobre essa violência deles:
sobre sua aparência, seus usos, sua força, sua fascinação. Recorrendo a praticamente todos os
níveis da experiência balinesa, ela reúne todos os temas – selvageria animal, narcisismo
machista, participação no jogo, rivalidades de status, excitação de massa, sacrifício sangrento
– cuja ligação principal é o envolvimento deles com o ódio e o receio desse ódio. Reunindo-
os num conjunto de regras que ao mesmo tempo os refreia e lhes permite agir, esse
envolvimento constrói uma estrutura simbólica na qual a realidade de sua filiação pode ser
sentida de forma inteligível, mais e mais. Para citar novamente Northorp Frye, se vamos
assistir a Macbeth para aprender de que maneira um homem se sente após ganhar um reino,
12
mas perder sua alma, os balineses vão às brigas de galos para descobrir como se sente um
homem, habitualmente composto, afastado, quase obsessivamente auto-absorvido, uma
espécie de autocosmos moral, quando, depois de atacado, atormentado, desafiado, insultado
e, em virtude disso, levado a paroxismos de fúria, atinge o triunfo total ou o nível mais
baixo.”(318) “É justamente isso, o colocar em foco essa espécie de experiências variadas da
vida cotidiana, que a briga de galos executa, colocada à parte dessa vida como ‘apenas um
jogo’ e religada a ela como ‘mais do que um jogo’. Ela cria, assim, o que pode ser chamado
de acontecimento humano paradigmático (…) isto é, ela nos conta menos o que acontece do
que o tipo de coisas que aconteceria, o que não é o caso, se a vida fosse arte e pudesse ser
livremente modelada por estilos de sentimento, como o são Macbeth e David
Copperfield.”(319) “Entretanto, através de outro desses paradoxos que perseguem a estética,
ao lado dos sentimentos pintados e dos atos inconsequentes, e porque essa subjetividade não
existe propriamente até que seja organizada dessa forma, as formas de arte originam e
regeneram a própria subjetividade que elas se propõem a exibir. Quartetos, naturezas mortas
e brigas de galos não são meros reflexos de uma sensibilidade preexistente e representada
analogicamente; eles são agentes positivos na criação e manutenção de tal
sensibilidade.”(320) “Na briga de galos, portanto, o balinês forma e descobre seu
temperamento e o temperamento de sua sociedade ao mesmo tempo. Ou, mais exatamente,
ele forma e descobre uma faceta particular deles.”(321) [CONCLUSÃO] “A cultura de um
povo é um conjunto de textos, eles mesmos conjuntos, que o antropólogo tenta ler por sobre
os ombros daqueles a quem eles pertencem. Existem enormes dificuldades em tal
empreendimento, abismos metodológicos que abalariam um freudiano, além de algumas
perplexidades morais.”(321) [PROPOSTA METODOLÓGICA e POSSIBILIDADES] “Da
mesma forma que os exercícios familiares de leitura atenta, pode-se começar em qualquer
lugar, num repertório de formas de uma cultura, e terminar em qualquer outro lugar. Pode-se
permanecer, como eu, numa única forma, mais ou menos limitada, e circular em torno dela de
maneira estável. Pode-se movimentar por entre as formas em busca de unidades maiores ou
contrastes informativos. Pode-se até comparar formas de diferentes culturas a fim de definir-
lhes o caráter para um auxílio mútuo. Entretanto, qualquer que seja o nível em que se atua, e
por mais intrincado que seja, o princípio orientador é o mesmo: as sociedades, como as vidas,
contêm suas próprias interpretações. É preciso apenas descobrir o acesso a elas.”4. Objetivo
do texto– (p.316) “Se se toma a briga de galos, ou qualquer outra estrutura simbólica
coletivamente, organizada” (…) “o antropólogo, cuja preocupação é com a formulação de
princípios sociológicos, não com a promoção ou apreciação de brigas de galos”– Briga de
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galos serve para exemplificar possibilidades do método interpretativo: o antropólogo lendo o
conjunto de textos que forma a cultura por cima dos ombros dos nativos (p.321)– Objetivo
triplo: fazer uma descrição etnográfica densa da briga de galos, exemplificando um método
interpretativo e fortalecendo a defesa de uma teoria da cultura enquanto um conjunto de
textos.5. Palavras-chave– Status– Hierarquia– Cultura– Texto– Interpretação– Drama–
Significado– Comentário6. Métodos– Interpretativo (ver objetivos)– Ele utiliza alguns dados
históricos, tanto em termos do passado (o que ocorria antes da dominação holandesa p.ex.)
quanto em termos do que aconteceu anos depois (“guerra civil” com milhares de mortos em
1965, pp. 320-1); mas seu método jamais poderia ser descrito como histórico, ele estuda a
briga de galo sincronicamente e não diacronicamente.7. Fontes utilizadas– Etnografia (geral:
feitiçaria, irrigação, castas, casamento; e específica: 57 lutas com documentação exata sobre
apostas no centro”– Estudos anteriores sobre Bali, sobretudo Mead e Bateson; Jane Belo;–
Linguagem: significado das palavras, provérbios (e.g. homem pomposo= galo sem rabo)–
Leis (incesto e bestialidade, o segundo punido com a morte)– Lenda popular (Nota 22, p.
302; Nota 27, pp. 308-9)– Balada (Nota 5, p.284)– Sistema econômico (e.g. relação com os
mercados, nota 18, p.299)– Religião (sacrifício às divindades infernais)– Sistema de
parentesco (ppalmente 304ss. Apostas seguem solidariedade social; comparação com
embaraço do casamento na p.306, item 8)– Organização social (aldeias, divisões internas e
oposições inter-aldeias)8. Conclusões do texto– Vão crescendo em complexidade. Primeiro
ele afirma à p. 304 que “a briga de galos absorvente é fundamentalmente uma dramatização
das preocupações de status”, no dizer dos balineses “uma maneira de brincar com fogo sem
se queimar”;– (310-1) “Como qualquer forma de arte (…) Uma imagem, uma ficção, um
modelo, uma metáfora, a briga de galos é um meio de expressão; sua função não é nem
aliviar as paixões sociais nem exacerbá-las (embora, em sua forma de brincar-com-fogo ela
faça um pouco de cada coisa) mas exibi-las em meio às penas, ao sangue, às multidões e ao
dinheiro.”– (316) Sua função, se assim podemos chamá-la, é interpretativa: é uma leitura
balinesa da experiência balinesa, uma estória sobre eles que eles contam a si mesmos.”– Mais
adiante ele vai tornando mais complexa esta afirmativa: (317-8) uma reflexão balinesa sobre
sua forma de violência, uma forma artística, uma educação sentimental, uma forma de
descobrir seu temperamento e o temperamento da sociedade ao mesmo tempo e por aí vai…–
Principal conclusão é acerca da cultura enquanto um conjunto de textos9. Questões e
críticasBIERSACK, Aletta(1992) “Saber local, história local: Geertz e além” In: HUNT,Lynn
(Org.) A nova história cultural. São Paulo: Martins Fontes. Pp. 97-130.p.105 Um inventário
das críticas a Clifford Geertz:“A falta de rigor metodológico de Geertz e os dilemas
14
epistemológicos da estrutura original, a hermenêutica, deixa a análise cultural vulnerável aos
céticos, que permanecem ‘alérgicos’, como disse Geertz ‘a tudo que seja literário ou inexato’.
Dada a natureza qualitativa da análise cultural, quais são as garantias de controle de
qualidade oferecidas por Geertz além daquelas de seu próprio talento prodigioso ? A resposta
de Geertz certamente seria (sem nenhum pedido de desculpas): nenhuma !”[entretanto, é bom
lembrar que Gee fala que, se a interpretação estiver certa, os fatos posteriores deverão
confirmá-la; há uma confirmação a posteriori, portanto]o próprio Geertz reconhece isto
(Interpr. Cultures, p.29):“nunca cheguei a parte alguma que se aproximasse da essência de
qualquer coisa sobre a qual escrevi… A análise cultural é intrinsecamente incompleta. E, pior
ainda, quanto mais se aprofunda, menos completa se torna… Comprometer-se com um
conceito semiótico de cultura e com a abordagem interpretativa do estudo da mesma equivale
a comprometer-se com uma perspectiva de afirmação etnográfica que é, para tomarmos de
empréstimo a atualmente famosa expressão de W.B.Gallie ‘essencialmente
contestável’.”SHANKMAN,1984:69:‘A incapacidade da teoria interpretativa de oferecer
critérios para a avaliação de interpretações diferentes ou de paradigmas diferentes coloca um
gigantesco obstáculo a suas pretensões de superioridade
teórica’p.106CAPRANZANO,1986:74:‘Apesar de suas pretensões fenomenológico-
hermenêuticas, não há, de fato, em ‘Deep Play’ [A briga de galos] (…) nenhuma
compreensão dos nativos sob o ponto de vista dos próprios nativos… Geertz não oferece
nenhuma evidência especificável de suas atribuições de intenção, de sua afirmação de
subjetividade e de suas declarações de experiência. Suas construções dep.107 construções
de construções parecem não passar de projeções, ou pelo menos de confusões, de suas idéias,
sua objetividade, com relação às do nativo, ou, para ser mais exato, do nativo imaginado.’v.
Ronald Waters,1980:551-2‘A tendência da descrição densa e da semiótica é de fortalecer o
impulso de esconder-se e de não tentar ligar as coisas. Isso acontece por aquilo que é uma
força analítica – a atenção de Geertz à particularidade e o fato de ele voltar-se para a
perspectiva do ator – constitui uma fragilidade em termos de síntese. A descrição densa leva a
brilhantes leituras de situações, rituais e instituições, isoladamente. Não requer que se diga de
que maneira os ‘textos culturais’ se relacionam uns com os outros ou com os processos gerais
de transformação econômica e social.’“… a análise cultural de Geertz é tão estática quanto
qualquer estruturalismo.”(…)“O tempo é simplesmente outra modalidade de deslocamento,
uma outra forma de alheamento. O significado é descrito, nunca inferido.”(…)“Geertz afirma
que ‘o homem é um animal suspenso nas teias de significado que ele próprio teceu’. As teias,
não o ato de tecer; a cultura, não a história; o texto, não o processo de textualização – são
15
essas as coisas que atraem a atenção de Geetz. Foucault* nos oferece um antídoto ao
problematizar essas próprias ‘teias de significado’, historicizando-as e remontando no tempo
o seu surgimento.”* p.ex. o significado da honra e sua modificação na
favela.p.109KEESING,1987:161-2‘As culturas são teias de mistificação, bem como de
significação. Precisamos perguntar quem cria e quem define os significados culturais, e com
quais finalidades.’ [1](…)p.110‘mantém-se particularmente silencioso sobre o modo pelo
qual os significados culturais sustentam o poder e o privilégio.’(…)‘Onde as feministas e os
marxistas encontram opressão, os simbolistas encontram significado.’[1] Será que alguém –
ator ou classe – tem poder para simplesmente criar e definir significados ?William
ROSEBERRY:‘Aprendemos que a briga de galos foi declarada ilegal pelos holandeses e mais
tarde pela Indonésia, que ela é atualmente praticada em locais ocultos e semi-secretos do
vilarejo, e que, para os balineses, a ilha tem a forma de ‘um pequeno e orgulhoso galo em pé,
de pescoço estendido, com as costas retesadas e o rabo erguido, num permanente desafio à
grande, indiferente e disforme Java’. São questões que, sem dúvida, requerem uma certa
atenção interpretativa. No mínimo, sugerem que a luta de galos está intimamentep.111
ligada (ainda que não seja redutível) aos processos políticos da formação do Estado e do
colonialismo. Também sugerem que a luta de galos passou por uma transformação
significativa nos últimos oitenta anos, e que, se ela é um texto, trata-se de um texto que está
sendo escrito como parte de um profundo processo social, político e cultural.”– Ver também
KING, 1998: 16-19 para possibilidades e fraquezas da análise de Geertz aplicada ao futebol
inglês

Mariza PeiranoUniversidade de Brasília - Brasil Aproveitei a última semana de 2013 para


fazer meu recadastramento eleitoral biométrico, nesse período em que Brasília fica vazia e
sem filas. Fui logo atendida no posto e, com poucas pessoas presentes, passei por duas etapas.
Na primeira mesa a que fui levada, apresentei os documentos exigidos: o antigo título de
eleitor, a carteira de identidade e o comprovante de residência e, em troca, recebi uma folha
16
impressa com os dados que estavam no sistema, inclusive meu histórico de votação em que
constavam as duas vezes em que justifiquei o voto por ausência. Confirmei as informações
que estavam em dia, fiz as correções e introduzi telefones e e-mail, conforme solicitado.
Enquanto isso, o funcionário do TRE fazia uma cópia da minha carteira de motorista. Tudo
certo, assinei meu nome num tablet depois de ser orientada de que a assinatura deveria ser
igual à da identidade.Conduzida à outra mesa, constatei que as informações fornecidas há
poucos minutos já estavam disponíveis online para este segundo funcionário, inclusive minha
recente assinatura. Com um painel atrás de mim, e um leitor óptico para coletar as impressões
digitais, percebi que havia também uma câmera um pouco distante; fui informada pelo jovem
que me atendia, muito solícito, aliás, que iria tirar uma fotografia e que eu "poderia sorrir, se
quisesse".Mais uma vez, confirmei os dados apresentados impressos em outra folha que me
foi apresentada e, frente ao novo título, assinei-o, de novo sob a orientação de que deveria
fazê-lo igual às outras assinaturas. Estranhei de imediato que o velho e o novo título fossem
idênticos, exceto pelos dizeres "identificação biométrica" no canto direito superior. Sem
entender, perguntei pela foto que havia acabado de tirar. O funcionário então me explicou que
ela não aparece no título; fica armazenada no sistema e, quando houver uma eleição, ao me
identificar pela digital, a foto aparecerá no monitor para conferência dos mesários.Tudo
simples. Mas saí do posto intrigada. Afinal, depois de fornecer e confirmar um sem-número
de informações - inclusive foto, telefone, e-mail - tinha em mãos um título em tudo
semelhante ao antigo (e que ficou retido). É nesse momento que o instinto etnográfico é
acionado.Tudo que nos surpreende, que nos intriga, tudo que estranhamos nos leva a refletir e
a imediatamente nos conectar com outras situações semelhantes que conhecemos ou vivemos
(ou mesmo opostas), e a nos alertar para o fato de que muitas vezes a vida repete a teoria. Ao
voltar para casa, dei-me conta de que o procedimento de recadastramento combinava dois
momentos complementares: o primeiro, para confirmação ou acréscimo de informações
(nome, estado civil, data de nascimento, número e tipo de identidade, nome dos pais,
endereço, tempo de residência, telefones, histórico de votações), e assinatura. No segundo
momento, coleta de imagens (foto e impressões digitais), depois de, por meio da mesma
assinatura, atestar que eu era "eu" mesma, isto é, a mesma pessoa. A assinatura "sempre
igual" era a prova de que, nas diversas etapas, tratava-se da mesma pessoa. Ao fim, uma nova
assinatura no título.Todos que lá estávamos seguimos as instruções à risca, sem contestação.
Afinal, era o que tínhamos ido fazer, embora, a mim, a quantidade de informações solicitada
tenha me surpreendido - esperava apenas incluir minhas digitais e só.De todo modo, nossa
passividade me deixou alerta porque me lembrei da questão hoje candente nos Estados
17
Unidos quanto à exigência de apresentação de um documento de identidade com foto para
votar - matéria que põe em xeque tanto a ideia de direitos humanos e de privacidade quanto
carrega em si significados políticos explícitos: democratas temem que seus eleitores mais
pobres (que não têm carteira de motorista ou passaporte, já que não há carteira de identidade
nacional) saiam prejudicados em relação aos republicanos que aprovaram a lei que exige
identificação com foto.1 Também comparei com o cadastramento em curso na Índia, que
pretende identificar mais de um bilhão de pessoas com dados biométricos, especialmente
pelas impressões digitais, escaneamento de íris e um número de 12 dígitos - projeto que conta
com a assessoria de vários experts em tecnologia da informação, indianos e norte-americanos.
Mais um pouco e cheguei aos historiadores que estudaram processos de identificação (por
exemplo, Fraenkel, 1992, sobre a história da assinatura; Groebner, 2007, sobre a diferença
entre identificação e reconhecimento na Idade Média), assim como a Marcel Mauss e a noção
de pessoa, a Lévi-Strauss e as classificações, e minhas próprias incursões sobre documentos
de identidade.2A ideia de "método etnográfico" é complexa. O que eu estava fazendo no
posto eleitoral? Simplesmente me recadastrando...? Ou fazendo etnografia? Ou as duas
coisas? Desse episódio fica claro que a pesquisa de campo não tem momento certo para
começar e acabar. Esses momentos são arbitrários por definição e dependem, hoje que
abandonamos as grandes travessias para ilhas isoladas e exóticas, da potencialidade de
estranhamento, do insólito da experiência, da necessidade de examinar por que alguns
eventos, vividos ou observados, nos surpreendem. E é assim que nos tornamos agentes na
etnografia, não apenas como investigadores, mas nativos/etnógrafos.Essa dimensão incita ao
questionamento da etnografia como método. A pergunta central se resume a esta: onde e
quando aprendemos que "estranhar" é uma ferramenta fundamental na pesquisa
antropológica?3 E o que significa, no fundo, esse estranhamento? Falarei, portanto, sobre
algumas questões da prática da nossa disciplina, antes de voltar, no final, à historieta do posto
eleitoral. Etnografia e empiriaInicio por um lugar comum: como todos sabemos, a etnografia
é a ideia-mãe da antropologia, ou seja, não há antropologia sem pesquisa empírica. A empiria
- eventos, acontecimentos, palavras, textos, cheiros, sabores, tudo que nos afeta os sentidos - ,
é o material que analisamos e que, para nós, não são apenas dados coletados, mas
questionamentos, fonte de renovação. Não são "fatos sociais", mas "fatos etnográficos", como
nos alertou Evans-Pritchard em 1950.4 Essa empiria que nos caracteriza, aos olhos de alguns
cientistas sociais pode ser uma desvantagem, se não uma impropriedade; penso,
especialmente, nos sociólogos de ontem (e talvez nos de hoje também). Para os antropólogos,
no entanto, é nosso chão.Mesmo assim, as concepções do que é etnografia variaram. Arte,
18
para Evans-Pritchard, fonte de comparação, para Radcliffe-Brown, origem da teoria
etnográfica, para Malinowski, hoje é o método genérico da antropologia - o que a esvazia de
significado, ou a condena por pouco teórica.Aliás, a separação entre teoria e empiria esteve
bem presente no início das nossas ciências sociais. Em plena reunião da ABA, em 1961,
Florestan Fernandes, sociólogo fundador, denunciou que a pesquisa de campo retardava o
caminho da antropologia em direção ao status científico.5 Teoria e pesquisa empírica
correspondiam a momentos distintos; a ciência seria alcançada pela abstração teórica, e a
antropologia não passava de um empreendimento empírico. Como a excelência era avaliada
por sua contribuição à teoria, a sociologia era mais sofisticada que a antropologia.6 Os
tempos mudaramMas os tempos mudaram, e hoje podemos dispensar a oposição
teoria/empiria porque, revendo (e relendo) os clássicos já distantes, e hoje afastados das
questões políticas da academia da época, percebemos que a história da antropologia
representa nossa fonte teórica por meio das monografias que nossos antecessores
deixaram.Esclareço. Exatamente porque os motivava a curiosidade de conhecer mais uma
sociedade, mais um grupo desconhecido, os etnógrafos de um século atrás iam a campo com
um projeto aberto, sempre dispostos a reconfigurar as questões originais e colocar outras, de
forma criativa e ousada. Era o momento da exploração (no duplo sentido). Mas aprendemos,
daquele momento em diante, que o "método etnográfico" implica a recusa a uma orientação
definida previamente. O refinamento da disciplina, então, não acontece em um espaço virtual,
abstrato e fechado. Ao contrário, a própria teoria se aprimora pelo constante confronto com
dados novos, com as novas experiências de campo, resultando em uma invariável bricolagem
intelectual.Todo antropólogo está, portanto, constantemente reinventando a antropologia;
cada pesquisador, repensando a disciplina. E isso desde sempre: de Malinowski encontrando
o kula entre os trobriandeses; Evans-Pritchard, a bruxaria entre os azande; Florestan, revendo
a guerra tupinambá nos arquivos. Antropólogos hoje, assim como nossos antecessores,
sempre tivemos/temos que conceber novas maneiras de pesquisar - o que alguns gostam de
nominar "novos métodos etnográficos". Métodos (etnográficos) podem e serão sempre novos,
mas sua natureza, derivada de quem e do que se deseja examinar, é antiga. Somos todos
inventores, inovadores. A antropologia é resultado de uma permanente recombinação
intelectual.A mudança dos tempos também nos fez alertas para os pecados e as virtudes da
antropologia. Os pecados são fáceis de identificar e resumir: as relações de poder desigual
entre pesquisadores e seus então nativos, o suposto exotismo dos não ocidentais, a fabricação
dos especialistas regionais (africanistas, americanistas, oceanistas, etc.), o financiamento
politicamente direcionado.7Já as virtudes se encontram no reconhecimento da diversidade
19
das culturas - hoje um fato banal - , na ênfase na comparação que dá sentido à "unidade
psíquica da humanidade", na combinação do universal e da diversidade (via fato social total),
nas unidades de estudo (para além, ou aquém, do Estado nacional e, portanto, distantes dos
perigos do "nacionalismo metodológico" que preocupa os sociólogos), nos constantes
empréstimos que atravessam outros modos de conhecimento (biologia, linguística, filosofia,
psicanálise, etc.) e, mais importante, no resultado fundamental da pesquisa de campo: o
despertar de realidades/agências desconhecidas no senso comum, especialmente no senso
comum acadêmico. É este contraste, estas surpresas sempre à espreita dos pesquisadores, este
destemor em explorar o mundo em que vivemos, o colocar-se em perspectiva, a negação de
demarcação de fronteiras intelectuais, a disposição a nos expor ao imponderável e a vulnerar
nossa própria cosmologia - essas são posturas que estiveram sempre presentes, ontem e hoje.
Elas tanto enriquecem a antropologia quanto permitem vislumbrar um futuro sempre criativo:
"enquanto as maneiras de ser ou de agir de certos homens forem problemas para outros,
haverá lugar para uma reflexão sobre essas diferenças que, de forma sempre renovada,
continuará a ser o domínio da antropologia", disse Lévi-Strauss (1962, p. 26) em um
momento feliz.

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